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O COORDENADOR PEDAGÓGICO E A FORMAÇÃO DOCENTE 181

O coordenador pedagógico e a formação contínua do docente


na escola: algumas perspectivas

The pedagogical coordinator and the continuing formation of


teachers in school: some perspectives

Isaneide Domingues1

Resumo

O artigo aborda o tema do coordenador pedagógico e a sua relação com a formação contínua do docente na
escola. Tendo como indicador metodológico a pesquisa qualitativa, a investigação procurou captar a percepção
dos coordenadores sobre o trabalho de formação docente desenvolvido nas escolas da Rede Municipal de
Ensino de São Paulo. O texto registra um discurso que atribui uma fundamental importância ao coordenador
pedagógico na formação desenvolvida na escola e apresenta aspectos intervenientes nesse processo. A formação
é assumida como uma prática introdeterminada, influenciada pela cultura escolar e pelas proposições das
políticas públicas de formação contínua. Como considerações finais, o artigo ressalta a importância dos
coordenadores pedagógicos envolverem os professores no processo formativo, assentados na concepção de
protagonismo desses profissionais, frente à inexorável mediação das políticas públicas de formação docente.
Palavras-chave: Coordenação pedagógica. Formação do professor. Políticas públicas.

Abstract

The article discusses the pedagogical coordinator and its relation to be continuing formation of teacher in the school.
Having as methodological indicator the qualitative research, the research sought to capture the perceptions of
coordinators on teacher formation work developed in Municipal Schools of São Paulo. The text records a speech that
attaches fundamental importance to pedagogical coordinator in formation at the school and has developed aspects
involved in this process. Formation is seen as an inside out practice, influenced by school culture and by public policy
proposals for teacher formation. As conclusion, the article highlights the importance of pedagogical coordinators engage
teachers in the formation process, based on concept of protagonism of the professionals, face the inexorable mediation
of public policy for teacher education.
Keywords: Pedagogical coordination. Formation of teacher. Public policies.

1
Professora Doutora, Universidade Cidade de São Paulo, Curso de Gestão Escolar. R. Cesário Galeno, 475, Tatuapé, 03071-000, São Paulo, SP, Brasil. E-mail:
<isandomin@gmail.com>.

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Introdução coordenadores pedagógicos na formação contínua


do docente na escola. Para isso, apresenta parte dos
Este trabalho está inscrito na natureza das resultados de uma pesquisa desenvolvida em duas
pesquisas, no campo da formação contínua de- escolas públicas da Rede Municipal de Ensino de São
senvolvida no espaço escolar e nas formulações dos Paulo, com quatro coordenadoras pedagógicas que
sistemas de ensino que identificam a pessoa do organizavam e coordenavam a formação contínua
coordenador pedagógico como o principal respon- nos horários coletivos de trabalho pedagógico, deno-
sável pela elaboração, pelo acompanhamento e pela minados Jornada Especial Integral de Formação (JEIF).
avaliação dos processos formativos na escola.
O texto foi organizado em duas partes: pri-
Desde os meados dos anos 1990, os estudos meiramente, uma breve reflexão sobre o caráter quali-
sobre formação docente vêm apontando a escola tativo da pesquisa e uma rápida caracterização das
como locus desse processo de formação, principal- escolas e das coordenadoras entrevistadas e, num
mente pela proximidade com a prática educativa. segundo momento, busca-se uma intersecção entre
Autores como Marcelo Garcia (1999), Alarcão (2001), os depoimentos das coordenadoras e o referencial
Nóvoa (2002), Libâneo (2003), Canário (2006) e outros teórico que discute especificamente os desafios e as
têm corroborado essa ideia. Contudo, abordar a perspectivas do coordenador pedagógico como
formação contínua do docente na escola em inter- gestor da formação na escola numa perspectiva
secção com a temática da coordenação pedagógica democrática e participativa (Alarcão, 2001; Libâneo,
é uma tarefa complexa se considerados os aspectos 2003). A conclusão traz elementos que corroboram o
intervenientes nesse processo, como: a cultura escolar trabalho do coordenador na formação contínua do
cristalizada, a identidade e as demandas de trabalho docente na escola numa perspectiva participativa e
do coordenador pedagógico, as reformas educativas crítica.
e o contexto histórico, econômico e político das
propostas de formação contínua do docente em
serviço elaboradas por órgãos internacionais e na- Métodos
cionais de fomento à educação.
Pesquisar, tendo como objeto de pesquisa
Observe-se que essas situações refletem em profissionais que refletem e desenvolvem uma
diferentes percepções das formas de coordenar o es- atividade mediada pelo tempo, pelo espaço e por
paço escolar. O que se advoga neste artigo é o papel compreensões diversas, é considerar o aspecto
singular do coordenador pedagógico opondo-se ao dinâmico que caracteriza as ações humanas e sua
caráter conservador e pré-moldado das práticas de relação com a cultura. Nessa perspectiva, os profes-
formação contínua, que minam a autonomia da esco- sores, a escola, entendida como locus de formação, e
la, e investindo na efetiva participação dos membros o coordenador pedagógico fazem parte de uma
da equipe escolar na elaboração dos projetos forma- mesma trama que identifica o contexto escolar como
tivos na perspectiva democrática e participativa. local de produção de conhecimento.
Fusari (1997), Libâneo (2003), Bruno et al. (2004), Por se tratar de uma investigação com foco
Géglio (2005) dentre outros têm apontado a formação no trabalho do coordenador pedagógico na formação
contínua como uma das particularidades do trabalho centrada na escola, aspectos inerentes à escola, sua
da coordenação pedagógica e registram também a função socializadora de conhecimentos para alunos
importância do exercício de uma liderança demo- e professores, a diversidade dos profissionais que por
crática regulada por um clima de trabalho coletivo, ela circulam e os saberes sobre o desenvolvimento
participativo, cooperativo e solidário. profissional docente são tomados como referência
O objetivo deste artigo é apresentar e discutir na projeção dos aspectos metodológicos da pesquisa.
alguns desafios e perspectivas do trabalho de No contexto escolar, que estabelece a complexidade

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dos fenômenos educativos, a descoberta e a inter- A Escola Municipal de Ensino Fundamental


pretação sobrepõem-se à mensuração dos dados. atendia cerca de 2.400 alunos, entre crianças e adoles-
Conforme afirma Franco (2003, p.189): centes do Ensino Fundamental e da Educação de
Jovens e Adultos (EJA), em 4 turnos, com 18 salas em
A pesquisa em educação carrega diversas
cada turno diurno e 7 salas no período noturno. A
peculiaridades, pois trabalha com um objeto
de estudo multidimensional, mutante, com- Escola Municipal de Ensino Infantil atendia cerca de
plexo, em que o caráter sócio-histórico de suas 900 alunos, entre crianças de 3 anos e 11 meses a
práticas faz com que cada situação educativa crianças de 5 anos e 11 meses. Possuía 9 salas de aula
seja sempre única, irreptível, com imensas va- que funcionavam em 3 turnos, perfazendo um total
riações no tempo, no espaço, nas formas de 27 turmas. Ambas as unidades escolares possuíam
organizativas de sua dinâmica e no caráter de o quadro completo da equipe técnica (direção,
sua intencionalidade.
assistente de direção e coordenação) de professores
Em consonância com Franco (2003), a opção e agentes de apoio. Toda essa estrutura dava suporte,
por uma abordagem qualitativa foi delineando na Escola Municipal de Ensino Fundamental, à 4
parâmetros metodológicos, apurados por esse objeto grupos de JEIF que desenvolviam 2 projetos
multifacetado e mutante, considerando os pres- formativos, divididos igualmente entre 2 coorde-
supostos iniciais da pesquisa e o processo de inves- nadoras, nos quais participavam da formação 45
tigação vivido. Longe de caracterizar a pesquisa em professores. Na Escola Municipal de Ensino Infantil
educação como extremamente fluida e sem controle, eram operacionalizados 3 grupos de JEIF sob a
o que se pretende mostrar é que a opção por essa responsabilidade de uma única coordenadora e nos
abordagem buscou melhor captar as faces do objeto quais eram desenvolvidos 2 projetos de formação com
da pesquisa, cujo foco estava no discurso dos sujeitos a participação de 14 professores.
participantes dela, coordenadores pedagógicos e Três das coordenadoras entrevistadas tinham
professores envolvidos numa prática humana de entre 37 e 40 anos de idade e concluíram o magistério
formação em seu próprio ambiente de trabalho, a na segunda metade da década de 1980, a quarta
escola. coordenadora tinha 67 anos e militava na educação
Atentando para a validade dos resultados e há cerca de 40 anos. Duas delas ingressaram como
para os princípios aqui expostos é que a opção pelos coordenadoras pedagógicas em 1991, uma em 1996
instrumentos de coleta de dados foi sendo traçada, e outra em 1998, todas por meio de concurso público
ou seja, a entrevista, a observação, o grupo dialogal e para provimento específico do cargo de coordenador
a análise da documentação pedagógica e da legis- pedagógico na Rede Municipal de Ensino de São
lação. Paulo. Duas trabalhavam na coordenação pedagógica
Na apresentação do projeto de pesquisa para há 6 anos, uma há cerca de 13 anos, essas sempre na
as coordenadoras, houve um acordo de confidencia- mesma escola. A quarta trabalhou 7 anos como
lidade absoluta sobre a fonte dos dados da investi- coordenadora, com uma interrupção de 4 anos no
gação, o que implicou na omissão da identificação meio desse período. Todas vivenciaram a docência
das escolas e das profissionais envolvidas. As coorde- na Educação Básica.
nadoras são tratadas por pseudônimos.
As quatro entrevistas que serviram de base O coordenador pedagógico como gestor da
para este artigo foram realizadas com a intenção de formação, diálogo com os dados da pesquisa
colher as impressões das coordenadoras pedagógicas
sobre o trabalho com a formação na escola. Três Pensar a formação na escola é reconhecer a
coordenadoras trabalhavam em escolas de Ensino importância de tratar de dois elementos básicos que
Fundamental e uma na de Educação Infantil, ambas estão imbricados e associados a esta perspectiva
localizadas na zona leste do município de São Paulo. formativa. O primeiro está relacionado à elaboração

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de um processo formativo para ser vivido na própria Eu acho que o coordenador tem um papel funda-
escola e constitui uma desconstrução da lógica de mental. Somos nós que vamos intervindo para que
formação que sempre valorizou os conhecimentos eles [aqueles que não têm compromisso com
obtidos fora dos muros dela. a profissão] não sejam maioria [...]. Temos que
apostar em quem faz (Coordenadora Maria Au-
Um segundo elemento diz respeito ao prota-
gusta).
gonismo de professores e coordenadores na tomada
de decisões relativas ao seu próprio desenvolvimento Esses relatos trazem algumas coincidências no
profissional. Ao aproximar a formação do local de modo de caracterizar a função do coordenador pe-
trabalho, encurta-se a distância entre a ação docente dagógico. Todas colocaram o coordenador como
real e a reflexão sobre essa ação. Isso implica em tomar centro da articulação da dimensão pedagógica da
as necessidades da prática como elemento de reflexão escola. Isso significa que, quando questionadas sobre
para a formação, o que significa que ela se desenvol- o que caracteriza o trabalho de formação na escola,
verá para responder às “ansiedades” formativas de um pelo menos na Rede Municipal de Ensino de São Paulo,
determinado grupo de educadores comprometidos as entrevistadas apontaram como elementos impor-
com o trabalho pedagógico num tempo/espaço de- tantes: o acompanhamento (a presença) do co-
terminado. Conforme aponta Nóvoa (2002, p.40, grifo ordenador pedagógico “junto com professores” (Co-
do autor): ordenadora Maria Vitória); o coordenador como arti-
culador, “conversando e discutindo alguns caminhos”
A formação contínua alicerça-se na dinamização
de projectos de investigação-ação nas escolas,
(Coordenadora Maria Stella) e “intervindo” (Coorde-
passa pela consolidação de redes de trabalho nadora Maria Augusta). Tais expressões em destaque
colectivo e de partilha entre os diversos acto- identificam o papel de uma liderança democrática
res educativos, investindo as escolas como lu- do coordenador na condução da formação centrada
gares de formação. A formação contínua deve na escola, cuja ação é pautada no conhecimento e na
estar finalizada nos “problemas a resolver”, e proximidade com os educadores.
menos em “conteúdos a transmitir”, o que su-
Marcelo Garcia (1999, p.199), referindo-se à
gere a adopção de estratégias de formação-
autonomia dos professores no estabelecimento das
-acção organizacional.
suas prioridades formativas, salienta a “[...] necessidade
Os depoimentos das coordenadoras revelam de ser entendido como um processo colaborativo,
uma intrincada percepção sobre a formação dos pro- no qual a maioria dos professores se implique, e que
fessores na escola que, ao posicionarem-se como uma esteja baseado nos problemas práticos dos próprios
“liderança” que organiza, desenvolve, acompanha e docentes”. Desta forma, identifica-se uma ação ativa
intervém no processo de formação, reafirmam o papel dos educadores (professores, coordenadores e
dos coordenadores pedagógicos como articuladores diretores) não só na socialização das prioridades
da formação desenvolvida na escola. As falas que formativas, como também das práticas desenvol-
seguem são emblemáticas desse processo: vidas.
Eu acho que o coordenador, por desenvolver um Os depoimentos evidenciam o grande desafio
trabalho coletivo junto com professores, e este desse trabalho que é a promoção da participação de
ocorrer em encontros onde as pessoas podem toda a equipe escolar na elaboração dos projetos
colocar-se, dificilmente sai-se desses encontros formativos. A perspectiva é apresentada no relato da
como se entrou [...] (Coordenadora Maria Vi- coordenadora Maria Stella, que posiciona o seu
tória).
trabalho como articulador das reflexões coletivas:
Eu e a outra coordenadora conseguimos sempre
estar conversando e procurando discutir alguns Quando começamos como coordenadoras, era
caminhos, algumas linhas mais gerais (Coorde- o grupo que elaborava os projetos e nós íamos
nadora Maria Stella). tentando, dentro dos grupos, organizar as infor-

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mações com os professores, as expectativas e as Então essa coisa da transparência, da sinceridade,


necessidades, construindo o projeto junto com eles. do confronto, da discussão, o coordenador tem
que liderar.
A consciência de uma necessidade coletiva,
da busca de objetivos comuns assumidos por todos O coordenador pedagógico na escola assume
e presentes na fala da coordenadora é que acentua a a difícil tarefa de conquistar seu espaço junto ao
importância de uma concepção de trabalho alicer- coletivo, o que implica em passar por experiências de
çado numa perspectiva democrática em que o tra- correlações de força (em relação à direção, ao sistema,
balho da coordenação, voltado, principalmente, à for- aos professores etc.) e que poderão interferir na
mação, configure-se na criação de espaços de auto- construção de sua identidade profissional, na elabora-
nomia para a discussão sobre as necessidades e as ção e no desenvolvimento coletivo do projeto forma-
expectativas coletivas, ainda que haja dificuldades e tivo da escola. Assim, as coordenadoras narram seus
desacordos nesse caminho. Libâneo (2003, p.115) processos de conquistas de espaço:
reafirma essa ideia, quando ao tratar da gestão
Encontramos resistências [referindo-se a um
participativa, faz a seguinte reflexão:
projeto], mas caminhou e foi muito bom, deu
A autonomia é o fundamento da concepção visibilidade aos trabalhos dos professores, mesmo
democrático-participativa de gestão escolar quem reclamava e não queria fazer a atividade
[...]. A autonomia de uma instituição significa com aluno, acabou realizando-a (Coordenadora
ter poder de decisão sobre seus objetivos e Maria Vitória).
suas formas de organização, manter-se relativa- As relações são difíceis, para um está bom, para
mente independente do poder central [...].
outro não está. É preciso conhecer e considerar em
Sendo assim, as escolas podem traçar seu pró-
que nível cada um está, como cada um faz a sua
prio caminho envolvendo professores, alunos,
organização e como a formação transparece no
funcionários, pais e comunidade próxima que
trabalho com as crianças. Então, uma das coisas
se tornam corresponsáveis pelo êxito da insti-
que dificultam a formação é esta questão das
tuição. É assim que a organização escola se
relações (Coordenadora Maria Stella).
transforma em instância educadora, espaço de
trabalho coletivo e de aprendizagem. Os depoimentos mostram que o coordenador
O modo de agir do coordenador na condução pode enfrentar resistências por vários motivos: em
do projeto formativo pode despertar um maior ou virtude da chegada de um novo membro na equipe,
menor grau de envolvimento dos participantes. Se o em relação às crenças e aos valores dos professores
coordenador colocar-se apenas como um contro- envolvidos relativos ao tempo na carreira do magis-
lador e não como um articulador, tenderá a criar um tério (professoras mais ou menos experientes) e à
clima desfavorável ao debate e à reflexão em que os heterogeneidade do grupo. Essas situações indicam
profissionais dirão aquilo que consideram que o demandas específicas de trabalho, portanto são alvo
coordenador quer ouvir. A coordenadora Maria Au- de reflexão e planejamento do coordenador pedagó-
gusta, referindo-se a esse fato, declara: gico antes das discussões formativas e produzem uma
especificidade metodológica na formação de cada
Eu acho que a cobrança, o controle é muito ilu- grupo em cada escola.
sório, porque na verdade o professor faz aquilo em
A gestão do trabalho educativo, especifica-
que acredita, ou o que ele quer. Uma coisa eu
aprendi, o que é muito forte na escola pública é a
mente dos processos de formação pelo coordenador
questão da dissimulação. Então, quando se está pedagógico, pressupõe assumir a escola como co-
numa discussão no horário coletivo, tem-se a munidade de ensino e aprendizagem também para o
impressão da adesão, mas aquilo não vai para a professor, portanto disposta a oferecer oportunidade
prática. A arte da dissimulação é muito forte [...]. de contrastes de ideias, de atuação e de sentimento,

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de modo a promover uma reflexão sobre o significado Segundo Moita (1992), esta situação é alta-
das diferentes concepções e sobre as opções dos mente significativa para os formadores, pois este é
docentes na escola. Não significa amoldar-se ao que um processo complexo em que se entrecruzam várias
é determinado para o espaço escolar, mas promover formações, as antigas, as do tempo presente, as in-
novas formas de ocupação do espaço formativo por formais, as que acontecem na prática cotidiana, as
todos que dele fazem uso. que envolvem as experiências pessoais de cada for-
O trabalho de gerir o espaço/tempo de forma- mando e outras. Portanto, para que tal situação não
ção contínua na escola denota escolhas baseadas em escape totalmente do projeto organizado, ele precisa
concepções. Não é uma decisão neutra, mas sim a assumir uma característica dialógica:
manifestação de adesão ou resistência a algum proje-
Os formadores encontram-se confrontados
to, quer elaborado pelos professores no coletivo es-
com a complexidade dos processos de forma-
colar, quer determinado pelos agentes que fomentam ção que se entrecruzam em cada pessoa, em
as políticas públicas de educação e formação docente. cada formando. A compreensão desta comple-
O trabalho do coordenador, em oposição a xidade, mesmo que feita por aproximações, é
uma homogeneização das condutas pedagógicas no uma tarefa que se impõe de forma algo pa-
interior da escola, precisa considerar os aspectos que radoxal, na medida em que a formação é uma
interferem em sua ação formativa e que podem realidade que “escapa” de certa maneira dos
formadores, porque é fundamentalmente
caracterizar-se por uma formação inicial dos próprios
introdeterminada (Moita, 1992, p.113).
coordenadores que não os ajude a estabelecer uma
competência de formador, em um outro extremo, Diante disso, há complexidade da formação
pelas próprias condições de trabalho e de formação. contínua dos professores, pois os “novos” conteúdos
A opção neste estudo foi focar a análise em dois nos processos formativos vividos passam por rear-
pontos que foram ressaltados nas falas das coorde- ranjos internos e pelo crivo das experiências pessoais,
nadoras participantes da pesquisa: a formação como profissionais e das relações em que o sujeito esta-
um processo introdeterminado e a articulação entre belece com o meio social, cultural, econômico e his-
as necessidades da formação, a cultura escolar e as tórico, o qual rebate a experiência social de forma-
determinações das políticas públicas de formação ção para o interior, para só depois os próprios sujeitos
contínua dos professores. transformá-la (ou não) em novas práticas. Canário
(2006) acrescenta que a formação, mesmo coletiva, é
A formação como um processo introdeterminado autoformação na medida em que é um processo
pessoal de autoconstrução. Portanto, na escola, no
A formação centrada na escola, para cumprir horário coletivo, o que se observa é a autoformação
o seu papel, precisa ser percebida antes de tudo como de professores e de coordenadores.
uma prática introdeterminada em dois sentidos. O Nos depoimentos que seguem, as coorde-
primeiro deles está relacionado a uma disposição nadoras Maria Stella e Maria Leda corroboram essa
interna em estar junto com outros, organizando e ideia marcando, como fundamental no processo for-
participando efetivamente dessa formação. mativo desenvolvido na escola, o envolvimento dos
O segundo sentido, imbricado com o primeiro, docentes.
está relacionado às transformações subjetivas produ- Para ter um processo de formação é preciso ter a
zidas pela formação nas concepções, nas ideias, no predisposição das pessoas, às vezes, o grupo não
saber e no fazer docente resultado de uma assimilação caminha igualmente [...] e nem sempre você tem
complexa, difícil de ser medida na totalidade de sua todo mundo predisposto para estar ali partici-
abrangência. pando (Coordenadora Maria Stella).

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O melhor processo de formação é aquele no qual nização e ao funcionamento das escolas. Assim,
o professor está envolvido, aquele em que ele corre fica claro que é a Administração Educativa
atrás, que vai a busca. Pode até ser que ele venha quem determina as “propriedades de forma-
buscar no horário coletivo, [...] a própria escola na ção” dos professores para que estes se tornem
sua organização pode garantir o que o professor mais aptos a desenvolver a política educativa
deseja para a formação. Quando corremos atrás planificada a nível oficial [...]. Aquilo que deno-
de formação, é porque sentimos a necessidade [...] minamos política educativa inclui também
(Coordenadora Maria Leda). aspectos que se referem aos professores como
profissionais: salários, incentivos, autonomia,
As coordenadoras apresentam como determi- controle, rendimento etc., que influenciam o
nante para o desenvolvimento profissional uma mo- desenvolvimento profissional, na medida em
bilização interna, “predisposição”, “um correr atrás, ir que podem funcionar como fatores moti-
em busca de” que não precisa estar limitada ao espaço vantes ou alienantes dos professores em rela-
escolar. O desafio para o coordenador/formador é ção ao seu compromisso profissional [...]. Mas
articular a formação, num espaço que agrega ação e os processos de desenvolvimento profissional
reflexão, entre pessoas com interesses diversos, mas são também determinados pela cultura organi-
ligadas por um pacto formativo comum, centrado zacional dos centros [...] o tipo de cultura que
numa escolha coletiva. existe num centro facilita ou dificulta o desen-
volvimento dos processos de formação autô-
Libâneo (2003) entende que as pessoas nomos, de colaboração e de formação cen-
investem tempo naquilo que valorizam e que o trada na escola.
mesmo princípio se aplica à formação. Quando os
professores acreditam ou têm interesse em deter- Assim como a organização didático-curricular
minado aspecto da formação, investem tempo e é determinada pelas políticas públicas, os processos
energia naquilo. Então, além da mudança interna que de formação do docente em serviço e na escola são
a formação pode promover, existe também uma também construções dessa política concretizadas nos
predisposição que se manifesta externamente, que é encaminhamentos que orientam o trabalho na escola
a busca pela formação necessária. (portarias, decretos, livros, apostilas cadernos de for-
mação para alunos e professores etc.).

A formação na escola, a cultura escolar e as Nesta lógica, a cultura escolar, fenômeno com-
determinações das políticas públicas plexo e multidimensional, assume como característica
a sobreposição de diversas culturas e com arranjos
A organização das escolas, da forma como se decorrentes das relações específicas que se mani-
conhece hoje, e as determinações sobre seu funcio- festam e se estabelecem no interior da escola,
namento são, sem dúvida, resultado das decisões inclusive de poder, que, de maneira tenaz, reafirma
políticas que também ajudaram a compor aspectos certos modos de conduta e pensamento. Entendida
da cultura escolar. A escola tem vivido os desmandos dessa forma, a cultura escolar apresenta uma relação
e as descontinuidades dessas políticas focadas na com as tradições (rituais, rotinas e receitas) construí-
lógica do mercado, que produz um sentimento ora das no tempo histórico e com a inovação, fruto de
de resistência, ora de conformismo aos processos de mudanças múltiplas, na própria escola, no entorno,
formação vividos no espaço escolar. Segundo Marcelo no mundo, de ordem objetiva ou subjetiva e, como
Garcia (1999, p.193, grifo do autor): afirma Marcelo Garcia (1999), pode facilitar ou dificultar
o desenvolvimento dos processos de formação
[...] os processos de desenvolvimento profis-
contínua centrado na escola.
sional são claramente determinados pela polí-
tica educativa de momento, sendo tal política Com efeito, a política educacional está de
concretizada em relação ao currículo, à orga- alguma forma imbricada com a cultura escolar, refor-

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çando-a ou opondo-se a ela por meio das reformas caracterizam, ainda que provisoriamente, as determi-
educacionais. Também se constitui em um aspecto nações externas e a ação educativa naquele tempo e
estruturante da compreensão da ação do coorde- espaço.
nador, mais especificamente da política de formação A tarefa da formação atribuída ao coordenador
de professores, normalmente vinculada à política dos pedagógico não está limitada à observação da aula e
partidos que administram a situação pública. Sobre à análise da prática, mas à articulação de toda reflexão
esse aspecto Souza (2005, p.52) declara: sobre as questões pedagógicas da escola, podendo
O dever do Estado não é impor pacotes que
ser um instrumento para desvelar os condicionantes
consideram adequados para atingir as suas da prática docente e criar um ambiente de cooperação
diferentes lógicas, mas sim o de formular e de pesquisa que possibilite ao professor colocar-se
propostas que garantam a participação efetiva no papel de investigador de seu próprio fazer e de
dos educadores nas decisões. idealizador das transformações necessárias para gerar
a aprendizagem dos alunos. A ação do coordenador
Todavia, de acordo com o estudo realizado, pedagógico, nesse sentido, aproxima-o ainda mais
não é isso que acontece. Os projetos de trabalho das dificuldades identificadas pelos professores e
surgem travestidos de programas facultativos, sujeitos produz um impacto sobre as práticas culturais da
à análise e à opção das escolas, e acabam configu- escola.
rando-se como determinações. O depoimento que
segue é ilustrativo dessa situação:
Considerações Finais
Quando nós escrevemos o projeto esse ano,
percebemos que ele estava com a cara da
Na escola, o desafio para o coordenador/
prefeitura, que é o “Programa Ler e Escrever” [...].
formador é articular a formação em um espaço no
Neste ano, o projeto foi praticamente imposto, o
qual se agregam ação e reflexão, com pessoas de
horário coletivo é isso: quatro horas para o
“Programa Ler e Escrever” [...]. Não está sendo uma interesses diversos, mas com um pacto formativo
experiência fácil para nós, não estamos nos comum, centrado em uma escolha coletiva. Então,
encontrando bem com esse projeto [...] (Coorde- dentro desse enfoque, cada professor comprometido
nadora Maria Vitória). com o projeto da escola torna-se peça determinante
para o êxito da formação. Nesse caso, a formação
A formação na escola, regulada por programas como elemento introdeterminado manifesta-se no
uniformizantes, nivela as discussões sobre a apren- envolvimento pessoal e efetivo dos participantes,
dizagem nas unidades educativas, seja da leitura e da dando concretude ao projeto educativo da escola
escrita, como revelada pela coordenadora, seja de por meio de uma relação coerente entre teoria e
outros temas, e acaba por desconsiderar, nesse pro- prática.
cesso, o percurso de cada escola. Mesmo sendo a No decorrer da pesquisa, os depoimentos das
temática relevante, ainda assim é preciso valorizar as coordenadoras pedagógicas reverberaram a ideia de
elaborações oriundas das vivências escolares. que a formação contínua na escola só produzirá
Partindo desse ponto de vista, é possível pensar novos rumos se for concebida como uma situação
que a formação contínua na escola, desenvolvida nas que possibilite a todos os implicados um compro-
unidades educativas da Rede Municipal de Ensino de metimento com o processo vivido. Nesse aspecto, a
São Paulo, influencia e é influenciada ao mesmo escola pode se configurar como um espaço de
tempo pelos elementos que compõem em cada uni- múltiplas possibilidades, principalmente se o coorde-
dade essa cultura formativa. A figura do coordenador nador pedagógico e os professores estiverem criti-
pedagógico tem, nesse aspecto, um papel importante, camente envolvidos, portanto, dispostos a questionar
que é o de questionar as certezas e as verdades que as “verdades” e as “certezas” instituídas em relação ao

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Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SMESP).
demasiado afirmar que uma boa parte das atividades 1997. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação,
de formação coordenadas pelos coordenadores pe- Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
dagógicos está muito mais pautada por uma lógica Géglio, P.C. O papel do coordenador pedagógico na
funcional e instrumental do que por uma perspectiva formação do professor em serviço. In: Placco, V.M.N.S.;
crítica e de construção da autonomia docente. Pôde- Almeida, L.R. O coordenador pedagógico e o cotidiano da
escola. São Paulo: Loyola, 2005. p.113-119.
-se perceber que a coordenação pedagógica e a
escola como locus de formação do professor foram Libâneo, J.C. Organização e gestão da escola: teoria e prática.
Goiânia: Alternativa, 2003.
instituídas em um contexto epistemológico de
contradição entre uma ideia de protagonismo das Marcelo Garcia, C. Formação de professores: para uma mu-
dança educativa. Porto: Porto, 1999.
equipes escolares e de subordinação às concepções
oficias. Moita, M.C. Percursos de formação e de trans-formação. In:
Nóvoa, A. (Org.). Vidas de professores. Porto: Editora Porto,
Por fim, o estudo demonstrou o papel funda- 1992. p.111-139.
mental do trabalho do coordenador pedagógico na Nóvoa, A. A formação contínua entre a pessoa-professor e
perspectiva democrática e participativa, na organi- a organização-escola. In: Nóvoa, A. A formação de professores
zação e no acompanhamento da formação desenvol- e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002. p.33-48.
vida no espaço escolar, na análise constante das pos- Souza, M.V. Formação em serviço de professores da Secretaria
sibilidades e dos limites de autonomia e controle da Municipal de Educação de São Paulo: 1956-2004, gênese,
transformações e desafios. 2005. Dissertação (Mestrado) -
equipe escolar sobre o trabalho pedagógico e os
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
processos de formação, de modo que os docentes de São Paulo, São Paulo, 2005.
sintam-se capazes de enfrentar os desafios da edu-
cação como uma prática transformadora. Recebido em 12/11/2012 e aceito para publicação em 26/4/2013.

Rev. educ. PUC-Camp., Campinas, 18(2):181-189, maio/ago., 2013


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Rev. educ. PUC-Camp., Campinas, 18(2):181-189, maio/ago., 2013

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