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Machado

ARTIGO
AC ORIGINAL
& Almeida MA

Parceria no contexto escolar:


uma experiência de ensino colaborativo
para educação inclusiva
Andréa Carla Machado; Maria Amélia Almeida

RESUMO – Objetivo: Avaliar os efeitos de uma prática de leitura


pautada no ensino colaborativo em alunos de uma sala regular. Método:
Participaram do estudo 22 alunos do 4º ano do ensino regular, dos quais
um deles apresentava necessidades educacionais especiais. Por meio da
abordagem descritiva observacional, os resultados obtidos neste estudo
foram coletados durante o processo na sala de aula. Resultados: Verificou-se
que a estratégia escolhida para a intervenção da professora – roda da leitura
– foi relevante, por possibilitar exposições linguísticas e o desenvolvimento
da esfera cognitiva, tanto do aluno com necessidade especial, bem como
para todos os demais alunos.

UNITERMOS: Ensino. Inclusão escolar. Pessoas com deficiência.

Andréa Carla Machado – Profa. Ms., Pedagoga, Correspondência


Psicopedagoga e Doutoranda do Programa de Pós- Maria Amélia Almeida
Graduação em Educação Especial da Universidade Universidade Federal de São Carlos
Federal de São Carlos (USFCar) – São Carlos, SP. Centro de Educação e Ciências Humanas,
Professora do Centro Universitário de Rio Preto Departamento de Psicologia
(UNIRP), SP. Rodovia Washington Luiz, km 235 – Cx. Postal 676
Maria Amélia Almeida – Profa. Dra., Professora Monjolinho – São Carlos, SP, Brasil – CEP 13565-905
Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação E-mail: ameliama@terra.com.br
Especial da Universidade Federal de São Carlos –
USFCar – São Carlos, SP.

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INTRODUÇÃO O ensino colaborativo tem sido utilizado


Ensinar constitui a atividade principal na para favorecer a inclusão escolar, envolvendo a
profissão do docente e essa deve ser compreen- parceria direta entre os professores da Educação
dida como uma ‘arte’ que envolve aprendizagem comum e especial. Tal forma de trabalho está
contínua e envolvimento pessoal no processo de em crescente ascensão na literatura como uma
construção permanente de novos conhecimentos estratégia inclusiva7-9.
e experiências educacionais, as quais preparam o Professores de educação especial e regular
docente para resolver novas situações ou proble- devem se responsabilizar pelo planejamento e
mas emergentes no dia-a-dia da escola e da sala avaliação do ensino para um grupo com ou sem
de aula. Segundo o Ministério da Educação1, as necessidades educacionais especiais. Na sala
reformas educacionais e a resposta à diversidade de aula, os dois professores trabalham juntos e
das necessidades educacionais dos alunos exigem desenvolvem um currículo diferenciado visando
novas aptidões em termos de formação docente2. à melhoria do ambiente de aprendizagem10.
Sob essa perspectiva, com o advento da De modo geral, o objetivo do ensino cola-
filosofia de inclusão escolar, intensificou-se a borativo é criar opções para aprender e prover
argumentação de que todos os estudantes devem apoio a todos os estudantes na sala de aula de
ser escolarizados numa mesma sala de aula. ensino regular, combinando as habilidades do
Entretanto, a prática inclusiva implica desafios professor comum e do professor especialista11.
consideráveis para o professor de classe comum. Dois estudos no Brasil tiveram o objetivo de
Cada vez mais se tem trabalhado o princípio de explorar em contextos inclusivos as possibilida-
que os professores não devem trabalhar sozinhos, des do ensino colaborativo e merecem aqui ser
mas em equipes que apresentem propostas, cujas mencionados. O primeiro deles defende que se
funções tenham objetivos comuns para melhorar deve tentar buscar uma melhoria na qualifica-
a escolarização de todos os alunos3. ção docente no sentido de tornar as práticas pe-
Assim, o poder das equipes colaborativas4 dagógicas do professor do ensino comum, mais
encontra-se na capacidade para fundir habi- efetivas às necessidades de alunos surdos12. O
lidades únicas de educadores, para promover estudo apresentou como objetivo implementar
sentimentos de interdependência positiva, e avaliar um programa de formação continuada
desenvolver habilidades criativas sobre reso- baseado no co-planejamento. O trabalho foi
lução de problemas, promover apoio mútuo e realizado em 20 semanas, o qual envolveu: o
compartilhar responsabilidades. pesquisador e três diferentes professores regu-
Dessa forma, o trabalho colaborativo pode lares, que realizaram encontros com intuito de
diminuir distinções de papéis existentes entre planejar estratégias que seriam realizadas ao
os profissionais envolvidos, a fim de que cada longo do ano. Os dados coletados envolveram
um possa fazer o melhor uso possível de seus o protocolo de planejamento educacional, o
saberes. Onde o desafio reside somente definir protocolo de cada unidade até de avaliação.
um bom funcionamento da equipe, e melhor Após a intervenção, foram coletadas as opiniões
utilizar todos os conhecimentos existentes5. dos professores sobre as atividades de plane-
Um dos modelos de trabalho colaborativo que jamento. Entretanto, não houve envolvimento
vem sendo investigado tem sido a colaboração direto da atuação colaborativa em sala de aula,
entre o professor da educação regular e o do ensi- uma vez que a intervenção esteve restrita à
no especial3. O Ensino colaborativo (Co-teaching situação de planejamento com os professores.
– termo utilizado na Língua Inglesa) proposto por Os resultados apontaram que os professores
autores norte-americanos6 considera importante avaliaram que as estratégias implementadas
a atuação de dois ou mais profissionais dando beneficiaram não apenas seus alunos surdos,
instruções em um mesmo espaço físico. mas todos os demais alunos da turma. Mas,

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os resultados evidenciaram também que a in- seu trabalho, promovendo aperfeiçoamento


tervenção colaborativa não foi suficiente para contínuo e aprendizagem.
solucionar as dificuldades de comunicação de No entanto, é mister salientar que ainda são
uma das professoras com um dos alunos surdos. poucos os trabalhos relacionados com esse tema
Outro estudo nacional envolvendo o ensino no Brasil – ensino colaborativo –, o que implica
colaborativo7 refere-se à pesquisa realizada em o desenvolvimento de mais pesquisas, bem
duas escolas comuns de ensino fundamental, em como justifica o relato da presente experiência
quatro turmas de 1ª a 4ª séries (respectivos 2º profissional para uma futura replicação.
e 5º ano), onde estavam inseridos alunos com Partindo do pressuposto de que a leitura se
deficiência intelectual. A intervenção compre- constitui como uma prática social e complexa,
endeu o apoio do professor do ensino especial e ratificando a importância do professor no
dentro da classe comum, a qual durou em cada processo de construção das significações atri-
turma um ano e o estudo teve duração total de buídas à leitura no universo escolar, o presente
dois anos. Após a etapa de intervenção, foram trabalho focalizou a leitura como processo de
reavaliadas as medidas de desempenho e cole- socialização. O motivo de considerar o proces-
tadas medidas de validade social baseadas nas so de socialização com a leitura está baseado
opiniões das professoras e das famílias sobre o na concepção de homem com construtor de
ensino colaborativo. Observou-se que todos os significados e de sociedade entendida como
seis alunos com deficiência intelectual tiveram construção histórico-social.
evolução no desempenho tanto acadêmico como Considerando que a escola integra o conjun-
de socialização, ainda que tenha permanecido to das instituições sociais onde são difundidas as
uma discrepância em comparação ao rendi- redes de significação, tendo a leitura por objeto
mento médio da turma. O ensino colaborativo e por projeto e, ainda que seu papel é oferecer
foi avaliado como efetivo enquanto estratégia os mecanismos de acesso ao mundo da escrita
de desenvolvimento pessoal e profissional dos e aos registros da cultura letrada, esse trabalho
professores envolvidos em práticas que visaram teve como objetivo avaliar o efeito de uma práti-
à inclusão escolar. ca relacionada à leitura em alunos participantes
Assim, pesquisas realizadas no Brasil e, prin- de um processo de educação inclusiva, por meio
cipalmente, em outros países, sugerem que o tra- de livros de histórias infantis, implementadas
balho colaborativo entre professores traz várias no cotidiano da sala de aula tomando como
vantagens para escolas, professores e alunos. referência o ensino colaborativo.
As escolas tornam-se inclusivas, os professores
aprendem a refletir sobre as suas práticas, apren- MÉTODO
dem novas formas de enfrentar as dificuldades e O processo de observação teve como pre-
tornam-se mais autoconfiantes3,7,13-15. missa a colaboração-intervenção. Salienta-se
O ensino colaborativo13 está relacionado que o presente trabalho refere-se a um relato
com a maneira de tratar novas ideias, de im- de experiência profissional.
plementar mudanças, com os sentimentos de
integração, de solidariedade e posturas de Local e participantes
autoavaliação, autocrítica e de competências O campo de observação configurou-se numa
reflexivas coletivas. Pesquisadores nacionais14 sala de aula da 3ª série do Ensino Fundamen-
apresentam evidências de que esse tipo de en- tal (4º ano) de uma escola da rede pública de
sino (colaborativo) traz uma série de benefícios ensino, de um município de pequeno porte do
para as escolas em que se efetiva, entre eles: interior paulista.
o papel de recuperar nos professores as suas A aluna participante-alvo apresentava nove
capacidades de produzir conhecimentos sobre anos de idade e necessidades educacionais

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especiais, tendo como diagnóstico hemipare- e as orientações deram-se em forma de diálogos,


sia espástica. Na hemiparesia espástica, são pré-leituras seguidas de discussões sobre temas
observadas alterações do movimento em meio escolhidos. Para a efetuação deste, os encontros
corpo, como por exemplo, perna e braço direitos, foram realizados extra-aula, uma vez por sema-
sendo, na maioria dos casos, o membro superior na. A prática construída em questão foi realizada
o mais afetado. em dezoito aulas, as quais duraram, em média,
A professora regular tinha 55 anos de idade, uma hora e meia (sempre antes do intervalo). Os
quinze anos de magistério e experiência de dez livros utilizados foram da coleção “Estrelinha” da
anos com alunos com necessidades especiais. autora Sônia Junqueira - editora Ática. Ressalta-
A classe era constituída, ainda, por 21 alunos se que a coleção é formada por uma série de
sem necessidades especiais, pertencentes a dezoito livrinhos, os quais são divididos em três
mesma série, com média de idade de nove anos. séries com níveis de dificuldades progressivas
de texto e ortografia, e suas histórias são estru-
Procedimentos e etapas do estudo turadas com começo, meio e fim.
Primeiramente, todos os cuidados relacio- Salienta-se que a prática de leitura descrita
nados aos aspectos éticos foram seguidos. Os neste texto como trabalho colaborativo surgiu
dados foram colhidos após a assinatura do das reflexões, dos diálogos e do planejamento
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido das professoras envolvidas.
pelos responsáveis pelas crianças e convênio A fim de esclarecer o entendimento da cons-
estabelecido com a escola. trução do trabalho colaborativo, a seguir será
Foi utilizada a metodologia qualitativa com exposto de forma sucinta o procedimento ado-
abordagem observacional descritiva. Os dados tado em relação ao desenvolvimento da prática
da presente experiência foram coletados por meio da leitura, chamada de “roda de leitura”.
do diário de campo e diários reflexivos. No diário Inicialmente, a professora organizava a tur-
de campo, as observações a priori eram anotadas, ma em uma roda e fazia a leitura em voz alta de
em um caderno, pela professora/especialista, em diferentes tipos de textos (poemas, notícias, re-
tópicos (na sala de aula – durante a observação), ceitas, cartas) e, por final, do livro. A professora
e depois registradas, por datas, em um arquivo no familiarizava os alunos com vários tipos de tex-
computador denominado de “Registro da prática tos. O livro de história infantil, no entanto, tinha
de leitura”. O diário reflexivo da professora/par- lugar de destaque na roda de leitura proposta.
ticipante era registrado por ela, em um caderno Dessa forma, ao propor a formação da roda, a
salientando sua prática pedagógica de leitura, professora sinalizava à turma, que a atividade
e descrevendo também suas reflexões sobre a tinha uma dinâmica diferente, que pressupunha
mesma. O delineamento envolveu uma etapa pre- interação e diálogo. Antes de iniciar a leitura do
liminar para a condução dos procedimentos éticos. livro a professora sempre mostrava a ilustração
A pesquisa constituiu-se em duas etapas pre- da capa e perguntava quem sabia dizer qual era
viamente elaboradas. Na primeira, a professora/ a temática. Alguns se arriscavam baseados na
especialista entrou em contato com a professora/ ilustração. Depois que todos já sabiam o nome
participante explicitando o teor da proposta do da obra, ela pedia que todos falassem de que
trabalho, o qual foi aceito sem obstáculos e com imaginavam tratar o enredo. A professora en-
muito entusiasmo pela mesma. Também nesta fatizava a entonação – principalmente na fala
etapa elaborou-se um roteiro para pontuar e dos personagens – para criar dramaticidade e
auxiliar nas observações em sala, corroborando, dar ritmo à leitura. A cada trecho importante,
assim, para efetuação dos registros. Na segunda ela mostrava a ilustração da página para toda
etapa, iniciaram-se os encontros e o ensino cola- a roda, onde a trama ganhava comentários dos
borativo propriamente dito, onde o planejamento alunos. Mesmo quando havia palavras difíceis,

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a professora não simplificava, pois é dessa ma- Assim, os diários reflexivos produzidos pela
neira que o vocabulário das crianças se amplia. professora/especialista foram também anali-
A atividade terminava com a abertura de sados em categorias de conteúdo, sendo neles
espaço para que todos os alunos se manifes- registradas observações da sua prática docente
tassem sobre o que tinha sido lido, como, por e da prática de leitura em questão.
exemplo, quais eram os trechos preferidos, que Para ambos os instrumentos foram realiza-
parte(s) cada um achou mais engraçada. Enfim, das a classificação das unidades delimitadas e
a professora fazia um levantamento de possíveis identificadas, assim, duas categorias para cada
dúvidas sobre o texto e sugeria uma (re)apre- manuscrito.
sentação de cada um para os colegas. Assim, Diários de campo:
apareciam diferentes impressões sobre a trama. • relatos sobre o que o professor fez ou
disse;
Processamento e Análise dos dados • informações de qualquer natureza
O diário de campo da professora/especialista sobre a aluna-alvo.
descrevia as atitudes, dúvidas e dificuldades Diários reflexivos:
na construção, em parceria com a professora/ • descrições sobre o desempenho dos
participante, do processo formativo e, particular- alunos nas atividades de leitura;
mente, do processo interativo (prática da leitura). • sobre si – havendo referências a própria
Registraram-se neste diário as impressões da prática, impressões, sentimentos e ex-
mesma sobre o modelo colaborativo e o papel pectativas sobre o ensino colaborativo.
de colaboração e parceria, bem como os limites
e possibilidades de sua ação mediadora no pro- RESULTADOS
cesso de aprendizagem de todos os alunos. Os No primeiro momento de interação entre
registros que foram desenvolvidos no diário de a professora/especialista e professora/partici-
campo mesclaram informações descritivas com pante, foi aportado o conhecimento científico
reflexões pessoais. Durante as observações, a acerca da leitura e suas práticas diferenciadas,
professora/especialista fazia anotações rápidas buscando compreender o processo de sua aqui-
num bloco de notas, a fim de não perder os as- sição, estudando e discutindo também as suas
pectos mais importantes dos encontros. Depois diferentes concepções e caracterizações. Isso
que saía do campo, a mesma elaborava registros deu margem para o desenvolvimento de pos-
ampliados, procurando reproduzir em detalhes o síveis estratégias práticas de intervenção com
que havia observado. Foram realizadas leituras os alunos. As reflexões realizadas durante os
pormenorizadas dos registros – diários de campo. planejamentos estavam sempre sustentadas na
Em seguida, os conteúdos dos diários foram des- experiência da prática cotidiana e no referencial
membrados em unidades de conteúdo, ou seja, teórico utilizado pela professora regular:
passagens dotadas de informações completas a “O primeiro encontro de ensino colabo-
respeito de episódios vivenciados na sala de aula. rativo me permitiu refletir sobre o meu
No diário reflexivo da professora/participan- compromisso com segurança e tranqui-
te, foi descrita a trajetória das aulas, envolvendo lidade no processo de ensino. Assim, as
a prática escolhida, nele também a professo- minhas observações diante das ativida-
ra apresentou uma interpretação pessoal do des dos alunos foram intensificadas e
elemento trabalhado, ou seja, enriqueceu a detectei que o alfabeto foi reconhecido
descrição com comentários que expressavam pela aluna-alvo.”
sua maneira de compreender o elemento em Então, em um segundo momento, buscou-se
questão, a prática de leitura. aprofundar a análise do material estudado. Foi a

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partir dessa etapa que a professora mostrou-se No entanto, o modelo colaborativo realizado
completamente imersa na proposta de ensino. neste trabalho não se trata apenas de um conhe-
Ela destacou que, durante o processo, a maior cimento implícito na atividade prática. Trata-se
transformação em sua prática havia sido a de um diálogo entre a prática vivida e as cons-
construção do diário reflexivo, pois quando uma truções teóricas formuladas em parceria reflexiva
pessoa relata os fatos vividos por ela mesma, por ambas – professora regular e professora de
percebe-se que reconstrói a trajetória percorrida educação especial. Essa ação mostrou o impacto
dando-lhe novos significados: positivo do ensino colaborativo quando trabalha-
“O trabalho enfatizou a oralidade, es- do de forma efetiva e comprometido.
timulando a reflexão dos alunos, a difi- A estratégia escolhida para a intervenção
culdade de Beatriz (nome fictício) está da professora – roda da leitura – mostrou-se
evidente, o que exige meu auxílio, bem positiva tanto para o aluno com necessidade
como dos colegas de sala.” especial, bem como para todos os demais, ou
“A reflexão girou em torno da neces- seja, toda a classe foi beneficiada.
sidade de realizar atividades claras e Foi possível pontuar uma avaliação e caráter
concretas relacionadas ao cotidiano de prático sobre o ensino colaborativo do ponto de
Beatriz, por isso a cada dia a minha vista dos envolvidos, pois além desse trabalho
responsabilidade está em fiscalizar o possibilitar a reflexão da prática pedagógica,
alcance de cada um para atingir suas pela professora/participante, torna-se importan-
habilidades e potenciais. Observa-se que te considerar a implementação de estratégias
o avanço é gradativo.” colaborativas em futuras pesquisas, as quais po-
Assim, a reflexão perante a própria prática derão, por sua vez, subsidiar Políticas Públicas.
provoca mudanças na forma como as pessoas A partir das práticas de leitura pôde-se ob-
compreendem a si mesmas e aos outros12. O servar a satisfação dos alunos em construir nar-
estabelecimento de uma relação amigável tam- rativas, e em perceber suas reais capacidades,
bém contribuiu para o processo colaborativo. bem como a contribuição efetiva para sociali-
O trabalho em colaboração proporcionou zação da ideias emergidas durante as leituras,
à professora um olhar mais crítico em relação como demonstrado na reflexão da professora
a sua prática e possibilitou o aprofundamento em seu diário:
sobre a prática desenvolvida. Como demonstra “Considerei a atividade produtiva, pois
o relato no diário de campo da pesquisadora: ao longo do processo os alunos falaram
“Relatou os acontecimentos e reflexões de forma espontânea sobre o tema para
particulares no diário reflexivo com maior o grupo.”
frequência.” Esse processo (experiência) mostrou que,
“A professora estava mais flexível às com a motivação dos alunos e comprometimento
sugestões e criou estratégias voltadas à da professora e da escola, muitos problemas
leitura e escrita, além do que foi sugerido podem ser amenizados, ou mesmo sanados.
nas reuniões semanais.”
“Dialogou com maior segurança, relatou DISCUSSÃO
suas atitudes em sala e refletiu sobre suas É amplamente sabido que as aprendizagens
atitudes.” da leitura e da escrita são eventos importantes
A atuação da pesquisadora nesse processo na vida de uma criança. Contudo, há dados ne-
se revelou, algumas vezes, difícil, porém lhe gativos em relação ao seu desenvolvimento. Da-
permitiu olhar para a realidade profissional com dos do 5º Indicador de analfabetismo funcional
maior segurança e autonomia. (Inaf), realizado pelo Instituto Paulo Monteiro,

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em 2005, demonstraram que 74% dos brasilei- mais pesquisas sobre as possibilidades de cola-
ros adultos não conseguem ler textos longos, boração entre educação regular e especial nas
relacionar informações e comparar diferentes escolas, bem como trabalhar a importância da
materiais escritos15. formação de professores para atuarem no ensino
Atividades realizadas por meio da leitura colaborativo.
tornam-se um rico meio de promover o aper-
feiçoamento da mesma, bem como fortalecer a CONSIDERAÇÕES FINAIS
socialização, ainda mais se essas práticas forem O desenvolvimento do professor com pla-
construídas por meio de colaboração entre pro- nejamento, (re)planejamento aplicando e ava-
fessor e professor de educação especial. liando estratégias, parece auxiliá-lo a pensar
Essa afirmação corrobora os achados da lite- na possibilidade de utilização de um espaço
ratura, como é o exemplo da pesquisa13, na qual realmente colaborativo e reflexivo, criando
foi observado que todos os seis alunos benefi- assim um lugar diferenciado dentro da escola8.
ciados nas atividades desenvolvidas durante o A apresentação do presente relato envolven-
ensino colaborativo tiveram evolução no desem- do o ensino colaborativo indicou que a estraté-
penho tanto acadêmico como de socialização. gia desenvolvida conjuntamente tem potencial
No entanto, também é preciso ressaltar que para melhorar a qualidade do ensino regular.
nem todos os trabalhos envolvendo colabora- Assim, a proposta baseada no ensino cola-
ção (modelo aqui já descrito) são passíveis de borativo parece também ter promovido o de-
sucesso, muitos ainda encontram dificuldades, senvolvimento de habilidades na professora,
foi o caso encontrado no estudo12 onde a inter- pois, de forma geral, por meio das análises
venção esteve restrita ao planejamento. Essa dos diários de campo e diários reflexivos,
dificuldade pode dar-se pelo fato de que o notou-se que o ensino colaborativo pode
ensino colaborativo é um processo e, portanto, gerar efeitos convenientes, principalmente
depende muito da relação entre os envolvidos, com relação às práticas do educador de sala
o que demanda verdadeiramente um relacio- regular que contém alunos com necessidades
namento colaborativo4. especiais.
Por outro lado, o ensino colaborativo entre Quanto às perspectivas de atuação em sala
a professora/participante e a professora/espe- de aula, os resultados apontaram que é preciso
cialista, descrito neste relato de experiência, difundir nos contextos escolares a real contri-
vem ao encontro dos elementos pontuados buição do ensino colaborativo, garantindo que
nos Indicadores de Qualidade na Educação os momentos vivenciados entre a professora/
proposto pelo Ministério da Educação e nas participante do ensino comum auxiliada pela
pesquisas realizadas na área de Educação e professora/especialista possam ser refletidos
Educação Especial. em práticas futuras.
Os resultados indicaram que a mediação Portanto, a contribuição do ensino colabora-
exercida pela professora/especialista no pro- tivo caminha rumo ao pensamento pedagógico
cesso colaborativo, na prática explicitada nesse da inclusão escolar, pois permeia questões do
texto, é fundamental para auxiliar nas reflexões cotidiano, do desempenho do professor regu-
das práticas pedagógicas de professores. Nesse lar e resgata atitudes que permitem a parce-
processo de colaboração e construção, a profes- ria e a colaboração conjunta. Dessa forma, a
sora/especialista criou novas condições para proposta de tal ensino é um caminho viável
que o professor/participante realizasse as suas e gratificante, tornando todos os envolvidos
atividades de forma mais lúdica. construtores do seu próprio processo de ensino
Diante disso, há a necessidade de produzir e aprendizagem.

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SUMMARY
Partnership in the school environment: a collaborative teaching expe-
rience for inclusive education

Objective: The aim of this work was to evaluate the effects of reading
practice relative in collaborative teaching in the students in a regular
classroom. Methods: Twenty-two students from the 4th grade of regular
school participated in this study, one of which was a student with special
educational needs. Through observational-descriptive approach, the results
of this study were collected during classroom process. Results: It was found
that the strategy chosen by the teacher for the intervention – the reading
wheel – was positive for both the student with special needs and the others.

KEY WORDS: Teaching. Inclusion in school. Disabled persons.

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Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação Artigo recebido: 30/6/2010


em Educação Especial da Universidade Federal de Aprovado: 3/9/2010
São Carlos (USFCar), São Carlos, SP, Brasil.

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