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Departamento de Educação

ATRIBUIÇÕES DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA REDE


PÚBLICA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO E SUA ATUAÇÃO NO
COTIDIANO DAS ESCOLAS: UM ESTUDO
Aluna: Juliana Dias da Silva

Orientadora: Maria Inês G.F. Marcondes de Souza

Introdução
O presente trabalho é resultado das atividades de pesquisa desenvolvidas no GEFOCC (grupo
Formação de Professores, Currículo e Cotidiano Escolar), coordenado por Maria Inês G. F.
Marcondes de Souza, durante o período de abril/2016 a julho/2016.

Objetivos
O trabalho do educador na formação de um cidadão crítico não é simples, e cada vez mais, os
professores precisam de apoio para conseguir cumprir com a parte que cabe a escola na
formação desse sujeito. Nesse contexto surge a figura do coordenador pedagógico, que tem
como função desempenhar um trabalho formador, transformador e articulador. (SILVA, 2012)
[1] e (OLIVEIRA, 2015) [2]

Em nosso estudo identificamos o artigo "Legislado versus executado: Análise das atribuições
formativas do coordenador pedagógico" (ALMEIDA, SOUZA & PLACCO, 2016) [3] que
analisa as atribuições formativas contidas na legislação em paralelo com as atividades
executadas no cotidiano desse docente. O objeto de análise do texto citado são quatro escolas
públicas do estado de São Paulo – duas municipais e duas estaduais – nos anos 2010 / 2011.
Construímos com esse trabalho um diálogo e podemos reafirmar a relevância do assunto a ser
abordado em nosso texto.

Levamos também em conta a relevância da forma de atuação do coordenador pedagógico na


conjuntura atual, em que a escola deixou de ter somente o papel de ensinar e passou também a
ter o papel de formar o cidadão. Por isso nos propomos a analisar e investigar se a atuação do
coordenador pedagógico no cotidiano escolar condiz com as atribuições definidas pela Circular
E/DGED Nº 37 (RIO DE JANEIRO, 1988b) [4], que regulamenta atualmente a função nas
Escolas da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, listadas abaixo:

 Assessorar tecnicamente a construção do Projeto Político Pedagógico


da escola em todas as suas etapas; elaboração, implementação e
avaliação;
 Promover, junto com a Direção, a integração dos professores das
diferentes disciplinas e segmentos, garantindo a interdisciplinaridade e
a articulação entre as diferentes séries e níveis da Educação Básica;
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 Coordenar, organizar e participar, junto com a Direção, dos Centros de


Estudos, Conselhos de Classe e outras atividades promovidas pela
unidade escolar;
 Conhecer e participar da elaboração das normas que regulam o
gerenciamento da unidade escolar;
 Assessorar tecnicamente a Direção na elaboração dos horários da
unidade escolar possibilitando melhor atendimento ao aluno e
garantindo a concretização do processo ensino-aprendizagem, de
acordo com a legislação vigente;
 Promover, junto à Direção, a avaliação continuada de todo o trabalho
escolar, a partir da análise dos quadros de desempenho e outros
instrumentos criados pela Unidade Escolar (bimestrais e final);
 Orientar e acompanhar as estratégias de recuperação paralela e final;
 Conhecer, acompanhar e discutir e criar estratégias para a utilização da
programação televisiva veiculada pela MULTIRIO;
 Articular todo o trabalho da Unidade Escolar, no que se refere à
organização dos recursos disponíveis nas Salas de Leitura e em outros
espaços atividades pedagógicas da própria escola;
 Integrar o trabalho pedagógico da unidade Escolar com as Salas de
Leitura Pólo, Pólos de Ciências e Matemática, Pólos de Educação pelo
Trabalho, Clubes Escolares e Núcleos de Arte;
 Criar um fórum permanente de discussão com todos os segmentos da
comunidade escolar com a finalidade de garantir o êxito do aluno e sua
permanência na escola (RIO DE JANEIRO, 1998b, p. 8-9).

Para tal análise foi importante levar em consideração a inserção da política de avaliação externa
implantada a nível nacional e municipal, que modificou consideravelmente a rotina de trabalho
nas escolas municipais, e a implantação da política de inclusão no espaço escolar – inseridas
nas escolas da rede municipal do Rio de Janeiro posteriormente a data de publicação da Circular
E/DGED Nº 37.

Nesse novo cenário o coordenador pedagógico da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro
é responsável pela divulgação do material pedagógico - as Orientações Curriculares, Cadernos
de Apoio Pedagógico e Descritores - enviado pela Secretaria Municipal de Educação (SME) às
escolas. As Orientações Curriculares e Descritores são exclusivos aos professores, mas os
Cadernos Pedagógicos são distribuídos também aos alunos e tem a versão digital disponível
para download.

Essa contextualização foi relevante para entender melhor a dinâmica de trabalho desse
profissional num ambiente extremamente movimentado, como o escolar.
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Metodologia

Nossa análise tem como base dados extraídos de entrevistas semiestruturadas com
coordenadores pedagógicos de escolas municipais da cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2015,
realizadas pelo grupo de pesquisa GEFOCC.

Todas as entrevistas utilizadas nessa pesquisa, de cunho qualitativo, foram analisadas pelo
grupo de pesquisa, com a minha participação, e seus termos foram categorizados em
'Atuação'(do profissional), 'Mediação' (do profissional), 'Novos materiais' (na escola), 'Impacto'
(das políticas públicas) e 'Recontextualização' (por parte do profissional).

Nos atentamos nos termos classificados como 'Atuação' e fizemos uma análise comparativa as
atribuições legisladas na Circular E/DGED Nº 37, buscando categorizá-las em um dos onze
itens das atribuições, ou na categoria 'Atribuição Decorrente' - decorrente das políticas de
avaliação externa e de inclusão - ou ainda na categoria 'Atribuição Extra' - atribuições que não
são do coordenador pedagógico do município do Rio de Janeiro.

Referencial Teórico

Como referencial teórico usamos Stephen Ball para analisar o papel mediador do coordenador,
tendo como ações o processo de interpretar, reinterpretar e recontextualizar as políticas públicas
(MAINARDES, 2006) [4].

Para PLACCO, ALMEIDA & SOUZA (2010) [5] o papel formador é o mais importante do
coordenador pedagógico, porém atualmente é o menos priorizado, pois esse indivíduo além de
não ter formação inicial adequada para desempenhar esse papel, também normalmente responde
demandas remanescentes do modelo antigo de orientador pedagógico, em que atendimentos de
pais e alunos eram priorizados. Apesar de responder demandas desse modelo antigo ele ainda
é cobrado das responsabilidades do novo modelo, em que a escola precisa de um indivíduo que
cumpra o papel da formação continuada dos professores, porém a demanda do modelo antigo é
muito grande e pouco sobra tempo para que ele atue efetivamente no novo modelo.

Quanto a isso também é destacado que os coordenadores geralmente atendem a demandas que
eles reconhecem quem não de sua responsabilidade, por conta de julgarem que tais atividades
são importantes, ou seja, eles têm consciência de que aquelas atividades não deveriam ser feitas
por eles, mas as realizam. De forma similar é indicado uma alienação por parte desses
profissionais quanto aos seus limites de atuação - não sabem até onde podem ir – e mais ainda,
não conseguem ver claramente o impacto de realizar tarefas que não são de sua
responsabilidade.

Outro problema apontado pelas pesquisadoras é que os coordenadores entendem como


formação continuada somente atividades que sejam embasadas nas práticas cotidianas, ou seja,
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existe uma extrema valorização por parte desses profissionais do prático em detrimento ao
teórico, muitos acreditam e até afirmam que somente a prática dá conta de resolver as questões
da escola, e poucos afirmam que a teoria deve ser valorizada.

As professoras também afirmam que a escola não pode ser pensada de forma geral, mas sim de
forma particular, ou seja, cada escola tem a sua especificidade. Nessa escola com sua
particularidade, a resolução dos problemas cotidianos deve ser feita de forma coletiva e para
isso faz-se necessário à figura de um indivíduo que articule os atores do ambiente escolar. O
coordenador pedagógico se encaixa nesse papel.

Então são destacados o potencial Articulador, Formador e Transformador da função do


coordenador pedagógico no ambiente escolar, dar-se aí a importância do estudo desse
indivíduo.

Outros pontos destacados pelas autoras são quanto o perfil desse profissional que normalmente
tem pouco tempo na função (em geral menos de cinco anos) trabalha com excesso de demanda,
pouco tempo, infraestrutura ruim, baixos salários, formação inicial insuficiente; mas acredita
no que faz, leva o seu trabalho quase como uma missão (fato comum entre os educadores) e por
conta disso acredita que deve suportar os percalços de seu trabalho com a esperança de poder
realizar alguma mudança ou simplesmente pelo reconhecimento de sua importância.

Análise de Dados

Ao analisarmos as três entrevistas, podemos observar que em muitos casos os coordenadores


tem uma demanda de trabalho superior à capacidade de sua carga horária. Geralmente essas
demandas são de ordem operacional, que deveriam ser realizados por outros profissionais.
Podemos observar essa realidade nesses relatos abaixo:

[...] Eu não tenho rotina. Aqui eu entro sete horas da manhã e às vezes eu levo trinta a
quarenta minutos para percorrer sessenta metros no corredor, porque um professor me
pega e me pede alguma ajuda e você tem que ver se chegou uma merenda. [...]
(Entrevista Antônio, 2015)

[...] Tem dias que a coisa vai bem que eu consigo ficar aqui na minha sala e dou conta,
tem dia e tem dias que não, aí eu tenho que mudar tudo, vou levando lá pra frente e as
atividades vão sendo adiadas. [...] (Entrevista Bianca, 2015)

Um fato bem interessante é que, em algumas escolas, os coordenadores também têm como
demanda substituir professores faltosos - já que as escolas municipais não têm professores
substitutos. Constatamos isso em uma das escolas da pesquisa, conforme relato abaixo:
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[...] Quando eu entro em sala, eu como coordenador, eu tento dar essa liberdade... [...]
(Entrevista Antônio, 2015)

Outro aspecto destacado nas entrevistas é a rotina burocrática que os coordenadores


pedagógicos são submetidos, em que preenchimentos de planilhas de sistemas são decorrentes.
Dois dos três entrevistados destacaram esses aspectos nas suas falas, conforme pode ser
observado abaixo

[...] a rotina é desde o suporte ao professor, até alimentar o sistema, o 3.0, cuidar das
questões burocráticas, reunião, volta e meia aparece reunião, têm as reuniões de
capacitação de professores [...] (Entrevista Antônio, 2015)

[...] A função do coordenador pedagógico hoje está muito mais voltada pra planilha,
para documentos, para papel do que propriamente pra trabalho com professor
diretamente, [né], o tempo que sobra é muito pouco. É um trabalho muito mais
burocrático do que a coisa da formação do professor mesmo. Por conta da demanda da
Secretaria. [...] (Entrevista Rafaela, 2015)

Então vemos que os coordenadores, que por conta de demandas não condizentes com suas
atribuições, acabam tendo tempo insuficiente para desempenhar seu papel transformador,
articulador e formador dentro do ambiente escolar.

Nessa amostra de entrevista também vimos um caso que pode atrapalhar ainda mais no trabalho
do coordenador: Uma de nossas entrevistadas tem dupla função na escola que atua - ela é
coordenadora e professora do 3ª ano.

[...] estou com uma turma de 3° ano, aí eu tento aproveitar o horário que a minha turma
está nas atividades extras, eu aproveito para sentar um pouco com os professores [...]
(Entrevista Bianca, 2015)

Conclusões
Pode ser constatado que a atuação dos coordenadores pedagógicos das Escolas Municipais da
cidade do Rio de Janeiro não coincide inteiramente com suas atribuições definidas pela Circular
E/DGED Nº 37 (RIO DE JANEIRO, 1988b). E tal situação não se explica apenas pelas
mudanças ocorridas por conta da avaliação externa e da política de inclusão de crianças com
deficiência. Pode-se verificar que em muitos casos os coordenadores atuam resolvendo
demandas emergenciais e vivem uma rotina de trabalho muito corrida, com excesso de demanda
operacional e burocrática, restando-lhe pouco tempo para exercer a função que lhe cabe como
coordenador.

Percebemos, pelas falas dos sujeitos que, apesar das mudanças políticas que atualmente
ressaltam o papel político do direto, é o coordenador pedagógico que está diretamente envolvido
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na organização do trabalho pedagógico da escola e, consequentemente, no processo de


desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. Seria de grande relevância que este profissional
fosse mais valorizado pelas atuais politicas da SME/RJ. Demonstramos nesse trabalho os
conflitos e ambiguidades entre suas atribuições, de acordo com Circular E/DGED Nº 37 (RIO
DE JANEIRO, 1988b), e as falas dos coordenadores pedagógicos a respeito de suas tarefas
cotidianas. Os dados revelaram que o coordenador é um "bombeiro" que vive resolvendo as
urgências da escola. Ele atende também a comunidade escolar, todos os que nela trabalham
assim como alunos e responsáveis. Percebemos que este profissional executa muitas tarefas que
não são partes de suas atribuições na busca em atender às demandas externas da E/CRE ou
SME/RJ junto com as necessidades vindas da comunidade escolar, sendo isso uma
consequência não só da falta de "falta de infraestrutura" na escola como também das "novas
subjetividades" (BALL, 2010) [7] que estão presentes no bojo das atuais políticas.

Concordamos com OLIVEIRA (2015) que a falta de "rotina" e de "infraestrutura" interferem


no exercício da "mediação política" exercida pelo coordenador pedagógico. Concluímos que
apesar da sobrecarga de trabalho que recai sobre o coordenador pedagógico, ele, em sua
maioria, tem plena consciência da importância de seu trabalho.

Já com o artigo de ALMEIDA, SOUZA & PLACCO (2016), encontramos como pontos comuns
que as atribuições legisladas não condizerem com o que é executado e que uma das principais
razões é a demanda excessiva no cotidiano escolar e ainda a necessidade de longo tempo de
preparo para efetivamente executar as atribuições legisladas. Essa combinação - excesso de
demanda e pouco tempo - "legaliza" o seguinte questionamento: Há possibilidade real do
coordenador pedagógico realizar o que a legislação o atribui?

Em nosso estudo encontramos indícios da impossibilidade de realização de suas atribuições


legisladas por parte desse profissional dadas as condições estruturais e materiais das escolas na
atualidade.

Referências
1- SILVA, M., O trabalho articulador do coordenador pedagógico: a integração curricular. In:
PLACCO, V.M.N.S.; ALMEIDA, L.R. (Orgs.). O coordenador pedagógico e os desafios da
educação. 4ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012. p. 51-59.

2- OLIVEIRA, J.C. Os coordenadores pedagógicos das escolas da Secretaria Municipal de


Educação da Cidade do Rio de Janeiro como mediadores das políticas curriculares. Tese
de Doutorado. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2015.

3- ALMEIDA, L.R; SOUZA, V.L.T.; PLACCO, V.M.N.S. Legislado versus executado: análise
das atribuições formativas do coordenador pedagógico. Revista Estudos em Avaliação
Educacional São Paulo, v.27 n.64 p.70-94, jan-abr. 2016.

4- RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Educação. Departamento Geral de Educação.


Circular E/DGED nº 37: Atribuições dos coordenadores pedagógicos de 13 de julho de 1998b.
In: Curso para docentes do ensino fundamental – coordenador pedagógico. Rio de Janeiro:
Departamento de Educação

Fundação João Goulart – Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2005. pp. 8-9 (circulação
interna).

5- MAINARDES, J. Abordagem do Ciclo de políticas: uma contribuição para análise de


políticas educacionais. Revista Educação e Sociedade. Campinas, UNICAMP v. 27 n.94 p.47-
69, jan - abr 2006.

6 - PLACCO, V.M.N.S; ALMEIDA, L.R; SOUZA, V.L.T. O coordenador pedagógico (CP) e


a formação dos professores: intenções, tensões e contradições. Revistas Estudos e Pesquisas
Educacionais. São Paulo, Fundação Victor Civita n.2 p. 225 – 285, 2011.

7- BALL, S.J. Performatividade e fabricações na economia educacional: rumo a uma sociedade


perfomativa. Revista Educação e Realidade. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, ano 35 n.2 p. 37-55, mai – ago 2010.

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