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Guia de discussão sobre

Esclerose
Múltipla
no Brasil
Juntos para um
Novo Futuro
Disclaimer:
Este documento é o resultado de uma construção colaborativa e voluntária entre pessoas
com Esclerose Múltipla (EM), associações de pacientes, profissionais de saúde e gestores dos
sistemas público e privado de saúde. Foi organizado pela Biogen Brasil, com consultoria da IQVIA.
Não é uma iniciativa promocional e nem aborda ou fomenta acesso judicial a terapias. Este
documento é uma ferramenta de conscientização e educação sobre a EM no Brasil, destinada a
todos os públicos interessados no assunto. A distribuição deste material é gratuita, sendo a sua
venda proibida. Biogen-67398. Agosto de 2020.

Apoio Institucional: Autores e autoras:


Antônio Pereira Gomes Neto Gustavo San Martin
Aline Esteves Pacheco Gutemberg Santos
Ana Cláudia Piccolo Jefferson Becker
Bianca Etelvina Oliveira Luiz Geraldo C. B. do Carmo
Bruna Rocha Silveira Paula Prado
Carina Tellaroli Spedo Rafaela Bitencourt Liberato
Carla Gottgtroy Rodrigo Thomaz
Eduarda Assis Roney Pereira Pinto
Felipe von Glehn Sumaya Afif
Gabriele Fernandes Freitas Tarso Adoni
ASSOCIAÇÃO GOIANA DE ESCLEROSE MÚLTIPLA NACIONAL

Organizadores e Consultores
organizadoras da Biogen: Técnicos:
Carolina Cavanha Andreas Duva
de Azeredo Santos Pedro Vitor Pereira Lima
Ivo Marguti Karina Nakajima
Jéssica Rigolon
Ricardo Rosim
Thaís Regina Servidoni

Desenvolvido por: Realização:


Glossário
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL: ocorre quando o fluxo sanguíneo ao cérebro

Sumário é interrompido, levando a alteração da área cerebral que ficou sem circulação
sanguínea. Pode ser isquêmico, quando há obstrução de uma artéria, ou hemorrágico,
quando há rompimento de um vaso cerebral.
ALTA COMPLEXIDADE: atendimento de saúde que engloba o conjunto de terapias

01. Introdução 11 07. Relevância do


diagnóstico precoce: 52
e procedimentos de elevada especialização e procedimentos que envolvem alta
tecnologia e/ou alto custo.
Mudança do prognóstico ASSINTOMÁTICO: paciente portador da doença que não apresenta sintomas.
da doença
02. Metodologia:
Como construímos esse guia?
17 ATENÇÃO PRIMÁRIA: atendimento de saúde constituído pelas Unidades Básicas de
Saúde (UBS), pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), pela Equipe de Saúde da
08. Relevância da
individualização 63
Família (ESF) e pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).
AXÔNIO: parte do neurônio que é responsável pela condução de impulsos elétricos.
03. O que é a
Esclerose Múltipla? 20
do cuidado
BIOFEEDBACK: método terapêutico que visa permitir que um indivíduo tenha mais
controle do seu corpo e desenvolva a capacidade de autorregulação. Através da
09. As barreiras
71
medição de alguns processos biológicos por meio de aparelhos eletrônicos sensoriais,

04. do paciente com EM


para o cuidado da
Qualidade de vida permite que a pessoa regule voluntariamente suas reações fisiológicas e emocionais.
27 pessoa com EM
CID-10: Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde,
determinada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que visa padronizar a

05. Os diferentes atores


37
10. Perspectivas e melhores
Futuro da EM no Brasil:
86
codificação de doenças e problemas relacionados à saúde.
CIDADANIA: conjunto de direitos e deveres de um indivíduo que convive em sociedade.
do paciente com EM trilhas a serem seguidas
CITOCINA: proteína que é secretada por células e que afeta o comportamento das
células vizinhas.
06. Cuidando de
quem cuida
47 11. Referências 87 COGNIÇÃO: função neurológica responsável pela aquisição de conhecimento,
aprendizagem, memória, raciocínio, linguagem, entre outras informações.
CÓRTEX CEREBRAL:camada mais externa do cérebro que desempenha funções

5
básicas como percepção, movimento e resposta adaptativa ao ambiente exterior. É FISIOPATOLOGIA: mecanismos como determinada doença se comporta no organismo.
o centro do entendimento e da razão, sendo responsável pela memória, percepção e FOCAL: relacionado a uma determinada localização ou foco.
linguagem.
FREQUÊNCIA: indicador do número de ocorrências de determinados eventos durante
CRÔNICO: de longa duração ou que não é resolvido no curto prazo.
um determinado período de tempo.
DEGLUTIÇÃO: ato de engolir.
GENÉTICO: associado aos genes, conjunto de sequências de moléculas de DNA que
DESMIELINIZANTE: que provoca desmielização ou danificação da bainha de mielina. carregam as informações para produção de proteínas.
DIAGNÓSTICO: no âmbito de saúde, é a conclusão de um especialista sobre qual doença HEPÁTICO: relacionado ao fígado.
acomete o paciente. HETEROGENEIDADE: sem uniformidade, diverso, que apresenta alta variabilidade.
DISFUNÇÃO: funcionamento anormal.
HOLÍSTICO: de alta abrangência, amplo, integral.
DISSEMINAÇÃO: espalhamento ou propagação.
ILEGITIMIDADE: falta de qualidades necessárias para que algo seja reconhecido ou
DOENÇA AUTOIMUNE: condição em que o sistema imunológico do indivíduo ataca admitido.
partes saudáveis do próprio organismo, desencadeada por uma reação imune anormal. IMPULSO NERVOSO: conexão eletroquímica estabelecida entre os neurônios.
DORSALGIA: dor nas costas.
INCAPACIDADE: falta de capacidade, aptidão ou habilidade.
ENGAJAMENTO: referente ao ato de participar de maneira voluntária de algum trabalho
INCIDÊNCIA: em epidemiologia, indica o número de novos casos de determinada
ou atividade. doença em uma determinada população, num determinado período de tempo.
ESCALA DE AVALIAÇÃO EDSS: escala utilizada pelos médicos para quantificar o grau
INCONTINÊNCIA URINÁRIA: perda involuntária da urina.
de comprometimento neurológico dos pacientes com EM e monitorar as mudanças ao
longo da evolução da doença (mais informações no Capítulo 6). INSTITUCIONAL: relacionado ou pertencente a uma instituição.

ESPASMO: contração involuntária de um ou mais músculos do corpo. LEPTOMENINGE: corresponde às camadas aracnoide e pia-máter da meninge. Tem a
função básica de proteção do sistema nervoso.
ESTIGMA: no âmbito social, refere-se à desaprovação ou ao desconhecimento de
características relacionadas a determinado tema por parte de um grupo de pessoas ou LINFÓCITOS: tipo de célula presente no sangue humano que atua na defesa do corpo
da população. contra agentes que podem ser prejudiciais ao organismo.
FARMACOLÓGICO: relacionado a medicamentos. MÉDIA COMPLEXIDADE: atendimento de saúde formado pelos serviços especializados
em nível ambulatorial e hospitalar, com densidade tecnológica intermediária entre a
FENÓTIPO: características externas, morfológicas, fisiológicas e comportamentais dos
atenção primária e terciária. Esse nível compreende serviços médicos especializados,
indivíduos. de apoio diagnóstico e terapêutico e atendimento de urgência e emergência.
FIBROMIALGIA: condição associada a fadiga e dor muscular generalizada com
MIASTENIA: doença crônica autoimune caracterizada por fraqueza muscular
sensibilidade nas articulações, músculos, tendões e outros tecidos.
6 7
decorrente de distúrbios na transmissão do impulso nervoso ao músculo. REFLEXOLOGIA: terapia que consiste na aplicação de pressão nos pés e nas mãos de
MIELINA: membrana característica que envolve o axônio de certos neurônios.
forma a produzir efeito em outra parte do corpo.
RESSONÂNCIA MAGNÉTICA (RM): técnica de imagem médica utilizada para formar
MULTIFOCAL: relacionado a diversas localizações ou focos.
imagens da anatomia e dos processos fisiológicos do corpo, tanto na saúde como na
MUSICOTERAPIA: prática clínica que envolve a utilização de música para fins de doença, sendo importante no diagnóstico de algumas doenças.
tratamento, reabilitação ou prevenção da saúde.
SINTOMA: qualquer alteração da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio
NEURODEGENERAÇÃO: perda progressiva da estrutura ou do funcionamento dos corpo, do seu metabolismo ou de suas sensações.
neurônios.
SISTEMA IMUNOLÓGICO: sistema de estruturas, células e processos biológicos que
NEUROLOGIA: especialidade médica que se dedica ao estudo e tratamento das tem o objetivo de defender e proteger o organismo contra doenças, bactérias, vírus e
doenças que atingem o sistema nervoso. outros organismos que podem ser prejudiciais ao corpo humano.
NEUROMIELITE ÓPTICA: condição inflamatória e desmielinizante do sistema nervoso SISTEMA LINFÁTICO: rede de órgãos e células responsáveis pela produção e pelo
central que acomete principalmente os nervos ópticos e a medula espinhal, transporte de linfa (líquido orgânico originado do sangue, composto de proteínas e
ocasionando diminuição da visão e dificuldade para andar, assim como dormência nos lipídios) dos tecidos para o sistema circulatório.
braços e nas pernas.
SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC): sistema constituído pelo encéfalo e pela medula
NEURÔNIOS: células responsáveis pela transmissão dos impulsos nervosos, ou seja, as espinhal, sendo responsável por receber e transmitir informações por todo o
informações enviadas e recebidas pelo cérebro. Eles são constituídos basicamente organismo.
por três estruturas: um corpo celular, dendritos e axônios. A bainha de mielina é a
SUBSTÂNCIA BRANCA PERIVENTRICULAR: região da substância branca, ou massa
camada que envolve os axônios.
branca, do cérebro. Resumidamente, a substância branca é constituída por células
PARAPLEGIA: paralisia que afeta a totalidade ou parte do tronco, das pernas e dos com função de sustentação, apoio, isolamento elétrico ou nutrição dos neurônios e de
órgãos pélvicos. outras células do sistema nervoso.
PONTE (DO SISTEMA NERVOSO): estrutura do tronco cerebral que atua como via SURTO-REMISSÃO: aparecimento de sintomas, seguido de melhora completa ou parcial
importante na condução de sinais do cérebro ao cerebelo e à medula. dos sintomas.
PREVALÊNCIA: em epidemiologia, indica a proporção de casos de determinada doença TÁLAMO: região importante da substância cinzenta do cérebro, que atua na
numa determinada população, num determinado período de tempo. transmissão de sinais ao córtex cerebral, regulação da consciência, do sono e senso
QUALIDADE DE VIDA: percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da de atenção.
cultura e de sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, TETRAPLEGIA: também conhecida como quadriplegia, é a paralisia das quatro
expectativas, padrões e preocupações. extremidades do corpo, como braços e pernas, assim como da musculatura do tronco.
RAIOS UVB: raios ultravioletas provenientes do sol que podem provocar queimaduras TIREOIDE: glândula que produz diversos hormônios e regula a função de órgãos
ou outras doenças associadas à pele. importantes como coração, cérebro, fígado e rins.
8 9
Introdução
Por que falar sobre
Esclerose Múltipla?
A esclerose múltipla (EM) é uma doença grave que afeta de forma relevante a qua-
lidade de vida do paciente e de sua família. Acomete com maior frequência jovens
adultos em idade produtiva, na fase de formação profissional e familiar, sendo a
principal causa de incapacidade não traumática em jovens1, levando a importantes
impactos sociais, emocionais, de saúde pública e econômica em nosso país. Ape-
sar disso, sabemos que com uma rede de cuidado adequada, eficiente e focada no
paciente, podemos mudar essa realidade. Acreditamos que o compartilhamento
de conhecimento e informação sobre a EM é um fator chave para um futuro melhor
para essa comunidade no Brasil.
Esse é justamente o objetivo deste Guia, discutir de forma estruturada e aprofun-
dada quais são os possíveis caminhos para um futuro diferente e para o cuidado
das pessoas com EM no Brasil. Todo o conteúdo aqui apresentado é resultado de
um trabalho conjunto e colaborativo entre diversos atores que convivem e lidam
com a EM diariamente, como pessoas com a doença, profissionais de saúde, cui-
dadores, líderes de associações de pacientes e gestores de saúde. Essa constru-
ção multidisciplinar resultou na elaboração deste material educativo que visa au-
xiliar na conscientização de toda a sociedade brasileira sobre a EM.
Neste Guia, você irá se aprofundar nos principais aspectos que englobam o univer-
so da doença desde o diagnóstico, passando pelos impactos na vida dos pacientes
e dos que estão à sua volta, os desafios encontrados e o que é possível fazer para
melhorar a qualidade de vida das pessoas que convivem com a EM.
Vamos agora entender a relevância de
se discutir a Esclerose Múltipla em mais detalhes!

11
Introdução Introdução

Mas, afinal, o que é a EM? culdade no controle da bexiga e/ou intestino, problemas de visão, como visão turva
ou dupla, por exemplo; dentre as complicações, podemos citar disfunção cognitiva,
A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune, crônica e progressiva do como problemas com a memória ou dificuldade de concentração, depressão ou va-
sistema nervoso central (SNC)2. Sua causa não é definida, porém, o entendimento riação do humor (emocional) e disfunção sexual5.
é que a EM se manifesta devido à desregulação do sistema imunológico e que um SAUDÁVEL NERVO AFETADO PELA EM
conjunto de fatores pode ser responsável por esse funcionamento não esperado,
com influência de variáveis ambientais e genéticas3.
A EM se caracteriza por um processo de inflamação crônica de natureza autoimune2
em que ocorre a destruição da bainha de mielina – membrana que envolve os axônios Figura 1
Mielina
neuronais responsáveis pela condução dos impulsos elétricos do cérebro, medula Fibra Danificada Processo de
Nervosa desmielinização
espinhal e nervos ópticos (Figura 1). A perda da mielina dificulta, e até mesmo dos neurônios
interrompe, a transmissão de impulsos nervosos. Inflamação e consequente na Esclerose
Múltipla
lesão, em geral, atingem diferentes partes do SNC, provocando sinais e sintomas Fibra
Exposta (Adaptado
de Hospital
em diversos órgãos e sistemas, cuja gravidade pode ser leve, moderada ou grave. Bainha de
Mielina Israelita Albert
Einstein4)

EM é classificada em três subtipos de acordo com a evolução clínica do


Pense na bainha de mielina como a capa paciente: recorrente-remitente (EM-RR), primariamente progressiva (EM-
que envolve um fio condutor de eletricidade. PP) e secundariamente progressiva (EM-SP). De modo geral, os pacientes são
Quando essa capa está em boas condições, ela é capaz
primeiramente identificados após o aparecimento de uma síndrome clinicamente
de proteger a transmissão dos impulsos elétricos – o que
isolada, que consiste no primeiro episódio sintomático com sinais característicos
permite, por exemplo, acender uma lâmpada. Porém,
se esse fio fica desencapado e, por consequência, de inflamação desmielinizante. Anteriormente, um quarto subtipo era adotado para
exposto, a condução da eletricidade fica comprometida e classificação do curso da doença, o da EM progressiva com surtos. No entanto,
a lâmpada pode não acender direito. Essa é uma analogia reavaliações dos fenótipos da EM fizeram com que o termo deixasse de ser utilizado6.
para entendermos o processo patológico da EM de uma
É uma doença mais prevalente nos países temperados e menos prevalente nos países
forma mais amigável.
tropicais, de maneira geral. No mundo, apresenta prevalência de aproximadamente
30 casos para cada 100.000 indivíduos. Já no Brasil, estudos mostram que a
A progressão, a gravidade e a especificidade dos sintomas são imprevisíveis e va- prevalência é de 15 casos para cada 100.000 habitantes2, mas varia bastante entre
riam de uma pessoa para outra. Dentre os sintomas mais comuns estão fadiga, as diferentes regiões, sendo mais frequente no sul do país e menos frequente nas
fraqueza muscular, dormência e/ou formigamento, alteração do equilíbrio, difi- regiões mais ao norte7.

12 13
Introdução Introdução

Podemos analisar a EM sob três perspectivas principais: clínica, social e econômi- As dificuldades impostas pelas limitações motoras e/ou cognitivas afetam
ca, como veremos a seguir. diretamente a qualidade de vida, a produtividade e o bem-estar das pessoas
com EM11–13. Depressão, fadiga e incapacidade são fatores presentes na vida
destes indivíduos e impactam as atividades diárias, afetando sua vida social,
seus relacionamentos e momentos de lazer14,15.
Perspectiva Os “sintomas invisíveis” (que serão melhor discutidos no Capítulo 4) geram o
Clínica estigma da ignorância e falta de atenção à EM16, causado pela falta de percep-
ção da doença. Isso dificulta o entendimento das pessoas sobre a condição.
No Brasil, a EM é uma condição rara quando comparada a outras doenças; po-
Afeta de duas a três vezes mais mulheres que homens17, o que pode impactar
rém, é uma das síndromes neurológicas mais comuns no mundo e cuja incidên-
o ciclo de planejamento familiar e agravar inequidades de gênero.
cia é crescente8;
Por acometer principalmente jovens adultos, afeta perspectivas e planos fu-
O curso da EM em cada paciente é variável e imprevisível. De maneira geral,
turos, gerando necessidade de ressignificação da vida.
as pessoas com EM podem desenvolver deficiências motoras, visuais e cog-
nitivas, além de perdas na capacidade funcional de órgãos, entre outros sin-
tomas9. Essa diversidade em termos de sintomas torna a EM um desafio tanto
para o diagnóstico quanto para a prática clínica;
Perspectiva
Não apenas a variedade de sintomas, como mostrado no tópico anterior, mas
Econômica
também a dispersão no tempo (aparecimento e duração dos surtos) faz com Uma das grandes discussões é o impacto da doença na vida econômica e la-
que muitos pacientes e mesmo médicos não conduzam investigações adequa- boral de quem convive com ela, seja paciente, familiar ou cuidador, visto que a
das sobre o quadro clínico, o que explica na maior parte dos casos o atraso no EM usualmente afeta adultos jovens em idade economicamente ativa, na faixa
diagnóstico e, por consequência, o retardo no início dos tratamentos. de 18 a 55 anos de idade, e os primeiros sintomas aparecem, em média, entre
os 20 e 30 anos de idade18.
Perspectiva Os impactos físicos e emocionais podem acarretar perda de produtividade
Social no trabalho e, por vezes, levar ao desemprego19–21. Cabe reforçar que estes
aspectos são altamente dependentes da progressão da doença, como veremos
A inespecificidade dos sintomas e a dispersão no tempo acabam tornando a seguir.
o diagnóstico da doença um processo árduo e muitas vezes longo10. Sendo O início precoce dos tratamentos pode estar associado a um melhor prog-
assim, no geral, o paciente fica “perdido” no sistema de saúde, sem entender nóstico da doença22, o que pode auxiliar na diminuição da sobrecarga do sis-
exatamente o que está se passando. Esse período pré-diagnóstico é um mo- tema de saúde em longo prazo e na maior contribuição das pessoas que convi-
mento de angústia e ansiedade para os pacientes e seus familiares. vem com a EM para a sociedade.

14 15
Introdução

Sobre a relevância de uma


rede de cuidado adequada
A EM, infelizmente, é uma doença que ainda não tem cura, mas o acompanhamento
multiprofissional com estratégias farmacológicas corretas e rede de suporte
social e emocional23 auxilia no retardo da progressão da doença e proporciona
uma melhor qualidade de vida aos pacientes. A intervenção precoce e o respeito Metodologia:
à individualização do cuidado são necessários para mudar a realidade da doença e
da própria vida do paciente no país.
Como construímos
O manejo da EM no país encontra dificuldades. A carência de políticas públicas esse guia?
específicas que consolidem os direitos e aumentem a assistência social e de
saúde às pessoas com EM, além da falta de um protocolo que esteja bem alinhado
com as diretrizes de sociedades médicas nacionais e internacionais, tornam mais A construção deste conteúdo se deu a partir de uma metodologia inovadora e in-
desafiador o acesso ao diagnóstico e a cuidados adequados24. clusiva. Além do levantamento de evidências científicas e de mundo real – nas ba-
ses de dados oficiais do Ministério da Saúde – pessoas físicas e organizações que
Somando-se aos pontos anteriores, o desconhecimento sobre a doença, a integram a comunidade da EM no Brasil foram convidadas a participar das diferen-
desinformação e o estigma social relacionado aos sintomas invisíveis da EM tes etapas metodológicas, mostradas abaixo. As diferentes visões e experiências
impactam o bem-estar daqueles que convivem com a doença. dos autores trouxeram mais riqueza à discussão e ao conteúdo deste Guia, pois a
EM não pode ser debatida a partir de um único ponto de vista.
É necessário desmistificar a EM na sociedade, dar voz e colocar as Buscamos, desse modo, traduzir de maneira simplificada e amigável um conteúdo
pessoas com a doença no centro da discussão, identificar os gargalos relevante sobre a EM no Brasil a partir de perspectivas complementares, com a
e propor soluções para que essas pessoas tenham um futuro cada vez confiança de que este se tornará um importante instrumento de conhecimento,
entendimento e conscientização da doença para toda a população brasileira. Con-
melhor no Brasil. E é a isso que os próximos capítulos são dedicados. sidere este Guia como uma construção da comunidade de EM para todos(as).
Desejamos a você uma boa leitura! Entenda em mais detalhes como alcançamos esse resultado:

16 17
Metodologia: Como construímos esse guia? Metodologia: Como construímos esse guia?

Revisão das evidências


científicas e de mundo real O Guia de Discussão sobre a EM é um documento público, destinado a todos(as)
Artigos científicos, políticas públicas e aqueles(as) que tenham interesse na causa, com finalidade exclusivamente edu-
diretrizes clínicas publicadas no Brasil e cativa, a fim de trazer luz ao debate sobre essa doença no Brasil. Sua distribuição
no mundo sobre a EM foram revisados e é gratuita, seja na versão virtual ou impressa.
considerados para a base deste Guia. Além
disso, para uma discussão mais aprofundada
sobre o cenário real da EM no Brasil,
extraímos do DataSUS, o departamento de Entrevistas com os
informática do Sistema Único de Saúde (SUS), autores e as autoras
dados e informações de saúde referentes
Os(as) consultores(as) técnicos(as)
ao atendimento dos pacientes no sistema
conduziram entrevistas com os(as)
público de saúde.
diversos(as) autores(as) deste Guia.
Nesse grupo contamos com a
participação de pessoas com EM,
representantes de associações de
Grupo de trabalho (GT) pacientes, profissionais e gestores de
multidisciplinar com os saúde. Nesta etapa, buscamos entender
autores e as autoras melhor a realidade do Brasil quando o
assunto é EM na perspectiva dos que
Alguns autores e autoras foram estão diretamente envolvidos com ela.
convidados(as) a se reunirem virtualmente
para debater os assuntos abordados nas
entrevistas. Durante o GT, os consultores
técnicos da IQVIA mediaram as seções Redação, revisão e
sobre qualidade de vida, diagnóstico, consolidação do Guia
gargalos existentes no cuidado com a EM
no país, entre outros, com o objetivo de
de Discussão
alcançar consensos e prioridades sobre Todo o conteúdo estruturado a partir da
cada um dos tópicos. A dedicação do grupo revisão da literatura, da extração de dados
e sua pluralidade em termos de experiência, de mundo real, das entrevistas e do grupo de
trajetórias e emoções foram fundamentais trabalho foi consolidado, redigido e culminou
para termos um conteúdo coeso e na publicação do presente Guia de Discussão.
interessante para todos(as). Os autores e as autoras foram novamente Este material não tem propósito comercial ou promocional, nem aborda ou apoia
convidados(as) a revisar e validar o conteúdo acesso mediante judicialização.
antes de sua finalização.

18 19
O que é Esclerose Múltipla?

O que é Como a EM surge?


Esclerose A causa da EM ainda é desconhecida, mas diversos estudos apontam para uma
combinação de fatores genéticos e ambientais, sendo estes responsáveis, res-
Múltipla? pectivamente, por 30% e 70% do risco de desenvolvimento da EM18. Atualmente,
baixos níveis de vitamina D e exposição solar, infecção pelo vírus Epstein-Barr,
Antes de abordarmos as múltiplas faces da EM, entenderemos como é importante obesidade e tabagismo são os principais fatores de risco ambientais conhecidos
nos aprofundar um pouco mais sobre os principais aspectos clínicos e as possíveis para o desenvolvimento de EM. Por outro lado, estudos já identificaram mais de
causas da EM, além de como a doença pode se manifestar e progredir. O objetivo 194 alterações genéticas associadas à possibilidade de um indivíduo vir a desen-
deste Capítulo, portanto, é caracterizar melhor a doença e garantir que todos tenha- volver EM ou não27.
mos uma base e entendimento comum sobre o que é a EM.
A esclerose múltipla no Brasil
Linfócito T
Em 2016 foram reportados mais de 2,2 milhões de pessoas com EM no mundo, cor- Linfócito ativado Barreira
Hemato-encefácila
respondendo a uma prevalência de 30 casos para cada 100.000 habitantes25. No en-
tanto, a doença é desproporcionalmente distribuída em termos geográficos, sendo
observada alta prevalência na América do Norte e em alguns países do Nordeste Eu-
ropeu (mais de 120 casos para cada 100.000 habitantes), moderada prevalência na
Europa Central (entre 60-120 casos para cada 100.000 habitantes) e baixa prevalên- Citocinas
cia na África, América Latina, Ásia, Oceania e Caribe (menos de 60 casos para cada Corrente
100.000 habitantes). Sanguínea

Figura 2
No Brasil, a prevalência média é de 15 casos para cada 100.000 habitantes2, sendo
Patogênese
verificada uma variação regional considerável de 1,36 a 27,2 casos para cada 100.000 Desmielinização
SNC da Esclerose
habitantes nas regiões Nordeste e Sul, respectivamente7. Os pacientes manifestam Múltipla

os primeiros sintomas, em média, entre os 20 e 30 anos de idade e, dependendo do A EM é uma doença que atinge o Sistema Nervoso Central (SNC), constituído pelo
subtipo da doença, demoram em torno de 20 anos para apresentar sinais de pro- cérebro e pela medula espinhal, sendo fruto da resposta de defesa exagerada do
gressão18.
corpo a esse sistema tão importante para todos nós. Em outras palavras, existe um
A EM afeta principalmente o sexo feminino: para cada três mulheres com EM, há um processo em que as células de defesa do próprio organismo (os leucócitos) atacam
homem afetado18. De fato, dados do sistema público de saúde mostram que cerca de e danificam os neurônios do SNC, destruindo a camada externa de mielina. Lem-
70% dos pacientes no Brasil são do sexo feminino26. brando que a mielina é, dentro da analogia que fizemos na introdução, a capa que

20 21
O que é Esclerose Múltipla? O que é Esclerose Múltipla?

envolve o fio condutor das informações no nosso corpo. Essa capa é essencial para
que o impulso nervoso se propague, pois sem a transmissão adequada, as ativida- Os tipos de EM
des motoras, cognitivas e sensoriais ficam prejudicadas. A EM é comumente caracterizada por três subtipos: esclerose múltipla remiten-
te-recorrente (EM-RR), esclerose múltipla primariamente progressiva (EM-PP) e
esclerose múltipla secundariamente progressiva (EM-SP).
ENTENDENDO MAIS A FUNDO OS FATORES AMBIENTAIS
A EM-RR é a forma mais comum e atinge em torno de 80% dos pacientes aco-
metidos pela doença. Pacientes com EM-RR apresentam surtos, que são períodos
A VITAMINA D tem um papel INFECÇÕES CAUSADAS
de aparecimento ou agravamento de um sintoma neurológico. Estes sintomas são
importante na regulação da resposta PELO VÍRUS EPSTEIN-BARR
imunológica31. Os raios UVB, vindos
decorrentes das lesões ativas, ocasionadas pela inflamação resultante da ação
podem estar associadas a uma
dos raios do Sol, atuam estimulando maior chance de desenvolver
dos linfócitos no SNC. Os surtos são seguidos pela recuperação destes sintomas,
a conversão da molécula precursora EM. Um estudo observou que o também chamada de remissão, podendo ser completa ou parcial. Esta recupera-
de vitamina D em vitamina D ativa. aumento no nível de anticorpos ção das lesões ocorre devido à atuação do corpo para diminuir a inflamação, quan-
Portanto, nos países mais distantes contra este vírus em alguns do há a “reconstrução” parcial da mielina nos axônios, levando ao restabelecimen-
dos trópicos onde a exposição solar indivíduos estava presente to das atividades dos neurônios e, consequentemente, à melhora nos sintomas. A
é menor, baixos níveis da vitamina antes do aparecimento da frequência dos surtos varia bastante entre os indivíduos e alguns podem ficar anos
D sugerem, em parte, uma possível EM32. Além disso, evidências sem apresentar surtos.
explicação para o maior número epidemiológicas também
de casos em termos proporcionais apontam essas infecções como A maioria desses pacientes apresenta piora gradual, podendo levar, em alguns ca-
nessas regiões31. No entanto, não há fator de risco elevado para EM33. sos, à forma progressiva da doença (EM-SP) em torno de 15-20 anos após seu iní-
estudos que demonstrem a eficácia cio36.
da vitamina D no controle ou na
prevenção da EM31. O curso da EM-SP não é uniforme, podendo apresentar períodos de progressão
com possibilidade de surtos concomitantes e também períodos de estabilidade
A RELAÇÃO DO TABAGISMO EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS sem progressão. A progressão da doença é caracterizada por lesões inativas no
COM A EM pode ser parcialmente MOSTRAM QUE A OBESIDADE, SNC, nas quais a inflamação passa a ser mais rara; porém, a atrofia cerebral (quan-
explicada pela observação de que determinada por números do há diminuição do volume do cérebro e, consequentemente, dano irreparável em
a inflamação das vias aéreas pode elevados do índice de massa algumas partes do cérebro) e a perda de axônios se tornam mais evidentes37. Isso
agir “direcionando” os linfócitos corporal (IMC), pode estar leva à incapacitação gradual e irreversível, com ou sem a presença de surtos.
que geram as reações exageradas associada ao risco mais elevado
ao SNC via sistema linfático18. de EM, inclusive em crianças34,35. Já cerca de 10% dos pacientes apresentam a forma primariamente progressiva des-

22 23
O que é Esclerose Múltipla? O que é Esclerose Múltipla?

Possíveis sintomas causados pela EM


de o diagnóstico da doença (EM-PP). Neste caso, os pacientes “pulam” a fase remi-
tente-recorrente, apresentando progressão da doença desde o início. A Figura 3 exi- SINTOMAS ASSOCIADOS SINTOMAS ASSOCIADOS
be, de maneira simplificada, como se dá o curso da EM em cada subtipo da doença. AO CEREBELO E AO AO NERVO ÓPTICO
TRONCO ENCEFÁLICO Pacientes podem apresentar
Dentre os sintomas mais comuns casos de neurite óptica, sintoma
EM-RR Surto
associados ao tronco cerebral está a decorrente da inflamação no nervo
que conecta os olhos ao cérebro.
Desabilidade

Ativa sem piora diplopia, também conhecida como “visão


dupla”, devido à paralisia na movimentação Este sintoma se apresenta,
Piora (recuperação parcial do surto)
do olho gerando a percepção de imagens comumente, de maneira unilateral
Estável sem atividade duplicadas. Além disso, podem ocorrer (afetando somente um lado) com
Nova atividade por MRI fraqueza e perda de sensibilidade facial, dor na movimentação dos olhos e
Tempo vertigem (sensação de que a pessoa ou perda parcial ou total da visão. O
objetos ao redor estão em movimento pico do sintoma ocorre depois de
EM-SP Ativa (surto ou atividade por MRI) sem progressão
quando, na verdade, não estão) e poucos dias e começa a apresentar
Ativa (surto ou atividade por MRI) com progressão ataxia (alteração da coordenação dos recuperação depois de algumas
Desabilidade

Não ativa com progressão movimentos musculares e do equilíbrio)3. semanas. A neurite óptica bilateral,
Não ativa sem progressão (estável) Nos surtos, estes sintomas podem ou seja, que afeta ambos os olhos
EM-RR durar horas ou dias. No caso de EM-PP, simultaneamente, é mais rara, sendo,
Nova atividade por MRI pacientes podem apresentar piora gradual contudo, mais comum em casos de
Tempo e progressiva na ataxia, na diplopia, neuromielite óptica9.
Ativa (surto ou atividade por MRI)
na fraqueza dos músculos faciais e na
EM-PP com progressão dificuldade de engolir9.
Desabilidade

Não ativa sem progressão (estável)


Figura 3 SINTOMAS ASSOCIADOS
Não ativa com progressão Curso de cada SINTOMAS ASSOCIADOS À
subtipo de
Ativa com progressão EM (adaptado MEDULA ESPINHAL À COGNIÇÃO
Nova atividade por MRI de Klineova e Indivíduos podem apresentar uma série Apesar de serem mais comuns nos
Tempo Lublin, 201838) de sintomas. Dentre os mais comuns casos progressivos da doença,
estão os associados à mielite transversa indivíduos com quaisquer subtipos
De modo geral, os pacientes são primeiramente identificados após o aparecimento aguda (parcial)9, uma inflamação na de EM podem apresentar impactos e
medula espinhal que afeta a transmissão diminuição na capacidade cognitiva.
de uma síndrome clinicamente isolada (ou CIS, da sigla em inglês para Clinically Iso- dos impulsos nervosos aos membros, Estes sintomas podem acarretar
lated Syndrome), ou seja, o aparecimento de um sintoma neurológico específico sem tórax e abdômen. Estas lesões alteração na memória, dificuldade
qualquer outra causa aparente, como, por exemplo, um trauma ou AVC. Os pacientes acarretam diminuição da capacidade de de concentração e de aprendizagem.
movimento destes membros, diminuição No entanto, sintomas cognitivos
podem apresentar somente um sintoma (monossintomáticos) ou diversos sintomas da sensação de tato, fraqueza muscular, isolados, ou seja, sem a apresentação
(polissintomáticos), dependendo do local e da extensão da lesão no SNC39. formigamento, espasmos musculares de sintomas neurológicos, não são
e diminuição das funções do sistema indicadores usuais utilizados no
urinário e do intestino3,9. diagnóstico da doença9.

24 25
O que é Esclerose Múltipla?

O diagnóstico só é realizado após extensa investigação clínica dos sintomas e de


potenciais lesões no SNC evidenciadas pelo exame de ressonância magnética3. É
importante salientar que os pacientes com EM-RR geralmente apresentam-se as-
sintomáticos até a ocorrência de um surto, no qual os sintomas podem ocorrer de Qualidade de
forma aguda por dias ou até semanas, havendo melhora gradual muitas vezes com
o uso de medicamentos ou de forma espontânea.
vida do paciente
Apesar da gravidade da doença e das incertezas quanto às suas causas exatas, é com EM
importante ressaltar que a ciência entende cada vez mais os mecanismos da Es-
clerose Múltipla e os caminhos e medidas possíveis para melhorar a qualidade de Como discutido no capítulo anterior, a esclerose múltipla pode se tornar uma con-
vida das pessoas com EM. dição grave e ter impactos negativos e duradouros na vida dos indivíduos. No en-
tanto, é importante sabermos que indivíduos com EM podem ter uma vida ativa,
QUADRO-RESUMO buscando medidas e ações que melhorem sua qualidade de vida e permitam apro-
veitar seus momentos ao máximo. É preciso que discutamos mais funcionalidade
01 A ESCLEROSE MÚLTIPLA É UMA DOENÇA RARA, cuja prevalência no Brasil é de 15 e menos incapacidade. Neste capítulo, discutiremos como a EM impacta a vida dos
casos para cada 100.000 habitantes2; que estão envolvidos diretamente com a doença e o que é possível ser feito para
02 CERCA DE 70% DOS PACIENTES atendidos pelo SUS são do sexo feminino26; melhorar o bem-estar destes indivíduos.
03 AS CAUSAS DA ESCLEROSE MÚLTIPLA AINDA NÃO SÃO TOTALMENTE CLARAS,
mas estudos indicam que a doença seja decorrente de uma combinação de O momento do diagnóstico
fatores genéticos e ambientais18;
O momento do diagnóstico da EM é de grande impacto e faz com que os indivídu-
04 DENTRE OS FATORES DE RISCOS AMBIENTAIS já estabelecidos estão baixos níveis os mudem sua percepção sobre a vida, passando a refletir sobre os desejos, os
de vitamina D31, infecção pelo vírus Epstein-Barr32, obesidade34,35 e tabagismo18; sonhos e as aspirações para a vida profissional, os relacionamentos, a maternida-
05 É UMA DOENÇA NEURODEGENERATIVA, AUTOIMUNE E CRÔNICA em que as células de ou paternidade. Receber o diagnóstico de uma doença neurodegenerativa pro-
de defesa do corpo atacam as células do sistema nervoso central, danificando gressiva pode afetar a saúde psicológica dessas pessoas e dos que convivem com
os neurônios, o que resulta em alterações motoras e cognitivas; elas, especialmente familiares próximos. Por isso, é fundamental que os profis-
A DOENÇA É CARACTERIZADA EM 3 SUBTIPOS: esclerose múltipla remitente- sionais de saúde ajam de maneira humanizada neste momento, buscando acolher
06
recorrente (EM-RR), esclerose múltipla primariamente progressiva (EM-PP) e e apoiar os pacientes no sentido de aliviar as angústias que possam acometê-los.
esclerose múltipla secundariamente progressiva (EM-SP); Estes indivíduos são levados a aprender a se adaptar a uma nova realidade, tendo
até mesmo que ressignificar sua vida a partir daquele momento. É necessário re-
07 Veremos que É POSSÍVEL, SIM, MEDIDAS SEREM TOMADAS PARA MELHORAR A
conhecer este “novo mundo”40.
QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS COM EM.

26 27
Qualidade de vida do paciente com EM Qualidade de vida do paciente com EM

Nesta situação é necessário o auxílio de outras pessoas que se encontram em situ- Neste cenário, o entendimento correto sobre os sintomas, o prognóstico e cuida-
ações semelhantes40. Uma alternativa é buscar as Organizações do Terceiro Setor dos multidisciplinares necessários pode ajudar a amenizar o impacto desses sin-
(Associações) que representam as pessoas com EM. Elas estão presentes por todo tomas e melhorar a qualidade de vida.
o país e inclusive são parte da construção deste material. O acolhimento adequado
no início da jornada do indivíduo e de seus entes queridos no entendimento e na A vida profissional
convivência com a EM é fundamental para a qualidade de vida. Este acolhimento e
Também precisamos falar sobre a empregabilidade dos pacientes diagnosticados
os novos laços que serão desenvolvidos com pessoas que partilham de uma condi-
com EM. Para muitos, uma parte importante da qualidade de vida está relacionada
ção semelhante são essenciais para que os indivíduos com EM possam seguir sua
ao desenvolvimento profissional e à possibilidade de ter sua própria renda que de-
caminhada e conviver com o trabalho que será cuidar de si próprios40. É importan-
riva dessa atividade. É importante que a pessoa com EM, caso se sinta confortável,
te que o paciente passe pela fase de aceitação da sua nova condição e entenda a
capaz e interessada em continuar com suas atividades laborais, persiga esse ob-
importância disso. A não aceitação pode acarretar diversos impactos negativos,
jetivo. Claro, não se pode negar que existe a carga da doença, mas as pessoas com
tanto psicossociais quanto físicos, podendo prejudicar o andamento dos trata-
EM devem ser encorajadas a focar em suas capacidades, respeitar seus limites e
mentos, do autocuidado e dos relacionamentos sociais. Por isso, é essencial ter
ficar à vontade para usar este Guia como uma forma de educação para aqueles no
uma rede de apoio com os profissionais de saúde, a família e as associações.
seu ambiente de trabalho.
Os sintomas da EM Entendemos que esse protagonismo da própria comunidade de EM é importante
para alterar o cenário que observamos hoje no Brasil. Dados do SUS indicam que
Os sintomas da EM são diversos e inespecíficos e é muito importante que os indiví- mais de 80% dos indivíduos têm entre 20 e 60 anos de idade; portanto, são pes-
duos com EM estejam cientes dos sintomas mais comuns para poder identificá-los soas que, em sua grande maioria, integram a população economicamente ativa.
e debater com seus familiares e profissionais de saúde quaisquer dificuldades que Muitos deles inclusive estão em começo de carreira, visto que aproximadamente
possam acometê-los. 30% dos pacientes têm entre 20 e 34 anos (Figura 4).
Ao longo dos anos, como já visto, os pacientes podem vir a apresentar uma série Uma parte relevante dos indivíduos com EM, devido à evolução da doença e às di-
de sintomas físicos, como distúrbios sensoriais, fadiga, fraqueza, deficiências vi- ficuldades associadas aos seus sintomas, acaba observando uma diminuição na
suais, possíveis limitações no equilíbrio e na capacidade de andar. Estes sintomas sua produtividade no trabalho ou tendo perdas de dias de trabalho por causa de
físicos e motores podem afetar a mobilidade, a capacidade de realização das ativi- problemas de saúde19. Em alguns casos, acaba abandonando a força de trabalho
dades diárias e os relacionamentos sociais11,41–43. prematuramente como resultado das dificuldades acumuladas decorrentes da do-
Outros sintomas decorrentes da EM podem ser psiquiátricos, dentre eles ansie- ença45,46, como dificuldades físicas47, fadiga45 e até mesmo depressão21,48. Estudos
dade, depressão, deficiências cognitivas e sentimento de frustração44. Estes são conduzidos em diferentes países demonstraram que até metade dos pacientes
sintomas que podem afetar o humor, a autoestima, a capacidade de aprendizagem com EM que estavam empregados no momento do diagnóstico teve que parar de
e a memória dos indivíduos. trabalhar prematuramente20. Somos fundamentais para mudar esse cenário!

28 29
Qualidade de vida do paciente com EM Qualidade de vida do paciente com EM

PIRÂMIDE ETÁRIA DOS PACIENTES DO SUS Os Estigmas


90+ 0,1% A EM carrega estigmas que devem ser identificados e desmistificados enquanto
85-89 0,2% tabus sociais. As pessoas com EM tendem a se preocupar com a maneira pela qual
80-84 0,4% sua doença será percebida pelos outros e em como serão tratadas por terem esse
75-79 0,9% diagnóstico. Dessa forma, sofrem com o fato de que muitos indivíduos não se im-
70-74 1,5% portam até que percebam quão graves podem ser os efeitos da doença. Por vezes,
65-69 2,7% o receio da não aceitação pode resultar em isolamento social49 e, definitivamente,
60-64 4,3% não queremos tal situação na nossa comunidade.
55-59 6,8% Muitos desses estigmas têm explicações nos “sintomas invisíveis” da EM. Esses
50-54 9,5% sintomas podem ser acometimentos físicos mais leves, como formigamentos, fa-
45-49 11,2% diga e dormências temporárias, que não são percebidos pelos que estão em volta,
40-44 11,4% porém impactam significativamente o dia a dia e afetam a qualidade de vida das
35-39 12,5% pessoas com EM16.
30-34 12,8% Pacientes com níveis mais graves de limitações podem ter que lidar com uma carga
25-29 11,7% ainda maior destes estigmas50. As pessoas que estão ao redor acabam acreditan-
20-24 7,7% do que não devem ser criadas expectativas quanto às capacidades daquela pes-
Figura 4 15-19 4,0% soa, dando enfoque para suas limitações, contribuindo também para o isolamento
Pirâmide
10-14 1,3% social16. Em resumo, a percepção das limitações e os estigmas impactam negati-
etária dos 5-9 0,5% vamente a qualidade de vida dos pacientes com EM50 e podem estar diretamente
pacientes com
EM atendidos 0-4 0,5% associados a episódios de depressão51. No entanto, é fundamental que a pessoa
pelo SUS
com EM enfrente o desafio que é compartilhar com a sociedade seus sentimentos
e suas potencialidades. A voz destes indivíduos precisa ser ouvida e eles devem ser
donos de suas próprias trajetórias.
Por isso, é importante que as políticas sociais tomem como relevante o fato de
que a doença acomete muitos jovens adultos, indivíduos que estão no início da
sua carreira e ainda com muitos anos a serem percorridos na jornada profissional.
É fundamental que estas pessoas recebam apoio institucional para que possam
continuar contribuindo ativamente na sociedade.

30 31
Qualidade de vida do paciente com EM Qualidade de vida do paciente com EM

A participação social
Charvet e colaboradores52 mostram que a
Os sintomas fadiga, o impacto cognitivo e a depressão
são comumente descritos como “sintomas
A melhoria da autoestima e da saúde mental deve ser constantemente buscada,
visando garantir que os pacientes consigam fazer valer as suas vontades e pos-
podem parecer invisíveis” no universo da EM. A fadiga se refere

invisíveis,
ao sentimento subjetivo de exaustão e leva os
sam aproveitar sua vida da melhor maneira possível, mas sempre respeitando os
indivíduos a sentirem que precisam fazer um seus próprios limites. Sendo assim, a construção e manutenção da teia social é
esforço mais intenso para realizar diversas muito importante, seja na vida pessoal ou na profissional. Os vínculos construídos
mas eles atividades. Ela é reportada por boa parte
dos pacientes como sendo o sintoma mais
com familiares e amigos se tornam uma grande fonte de apoio e, por isso, devem
ser constantemente estimulados. Em outras palavras, a pessoa com EM deve ser
existem! incapacitante. A cognição de muitos pacientes é
protagonista da sua própria cidadania. Os debates dentro da comunidade de EM
afetada, levando a dificuldades na aprendizagem,
diminuição da capacidade de se concentrar, de devem focar mais na funcionalidade e no que os pacientes podem de fato fazer, e
processar e memorizar informações, e tudo isso menos na doença e no que os pacientes não podem fazer. Nesta linha, devem ser
pode afetar a vida profissional e o relacionamento construídos, em conjunto com profissionais de saúde, planejamentos de vida que
social. A depressão também é frequente e pode visem estimular a participação social e o desenvolvimento de relacionamentos,
impactar os relacionamentos e o desempenho buscando, assim, melhorar a qualidade de vida destes indivíduos ao longo de sua
no trabalho, além de poder exacerbar a fadiga e
os impactos cognitivos. É um sintoma que pode
jornada com a doença.
afetar diretamente a adesão dos indivíduos ao A melhoria da participação social e da qualidade de vida dos pacientes está muito
tratamento da EM. ligada ao nível de instrução do próprio paciente e mesmo dos familiares. Quando
essas pessoas têm mais acesso a informações sobre quais são e como buscar os
tratamentos, as angústias e ansiedades podem ser mitigadas. Nesta linha, o papel
das associações de pacientes é importante e, por isso, as famílias, caso se sintam
confortáveis, podem buscar o contato com estas entidades, que podem auxiliá-las
durante a jornada com a EM.
Neste âmbito, é papel nosso, enquanto comunidade, seja como representante das
pessoas com EM, profissionais de saúde, gestores e familiares, trabalhar pela des- Além de direitos, também é essencial que os pacientes tenham conhecimento de
mistificação da esclerose múltipla na sociedade de maneira geral, mas principal- seus deveres e suas responsabilidades para que o tratamento e todo o cuidado
mente no ambiente de trabalho e dentro das instituições de ensino, como escolas sejam adequados, diminuindo os impactos negativos da doença em suas vidas.
e universidades. A diminuição ou possível eliminação dos estigmas na sociedade Enquanto protagonistas de sua vida, as pessoas com EM devem se sentir confor-
representa um passo importante na garantia de direitos e melhorias da qualidade táveis em se comunicar aberta e honestamente com os profissionais de saúde e
de vida das pessoas com EM. seus cuidadores. É importante ouvir e respeitar as recomendações dos profissio-

32 33
Qualidade de vida do paciente com EM Qualidade de vida do paciente com EM

vos da doença podem ser mitigados. O empoderamento da autoestima pode ser


obtido com o oferecimento de um cuidado individualizado, que englobe desde o
acesso às terapias físicas e farmacológicas até o apoio psicológico, além do estí-
Ajudar mulo por mais participação e envolvimento produtivo na vida social e no ambiente
os outros
profissional. É importante que sejam adotadas estratégias para buscar melhorar a
aceitação da condição pessoal, a redefinição dos limites na vida diária, procurando
Redefinir Se adaptar sempre se adaptar da melhor maneira às dificuldades que a doença pode impor
a própria constantemente
identidade (Figura 5)53.

LIDANDO
COM A EM
QUADRO-RESUMO
Construir
uma imagem 01 O MOMENTO DO DIAGNÓSTICO É DE GRANDE IMPACTO não só para a pessoa com
Aceitação
do corpo EM, mas também para toda família;
Figura 5 02 As pessoas com EM podem apresentar diversas DIFICULDADES FÍSICAS,
Estratégias PSICOLÓGICAS E EMOCIONAIS, QUE IMPACTAM A CAPACIDADE DO INDIVÍDUO DE
Utilizar o para lidar APROVEITAR SUA VIDA ao máximo e de maneira independente;
suporte melhor com a

03 Dados do SUS indicam que mais de 80% dos pacientes têm entre 20 e 60 anos
disponível EM (Adaptado
de Lex, 2018 53)
de idade26;
nais, mas, ao mesmo tempo, deixar claro suas dúvidas, necessidades e vontades, 04 Alguns pacientes podem apresentar dificuldades para realizar atividades
propondo um diálogo para que o melhor plano de cuidado seja construído. Desta diárias e diminuição da produtividade no trabalho;
maneira, o paciente estará no centro das decisões e será possível desenvolver de 05 ESTIGMAS E FALTA DE CONHECIMENTO AMPLO SOBRE A DOENÇA NA SOCIEDADE
maneira conjunta o melhor caminho para que os objetivos do tratamento sejam IMPACTAM A QUALIDADE DE VIDA dos pacientes;
alcançados.
06 OS SINTOMAS INVISÍVEIS, como fadiga, alteração cognitiva e depressão, podem
Ao longo deste capítulo, vimos que a EM impacta a vida dos pacientes e, por isso, passar despercebidos pelos que estão ao redor, mas TÊM GRANDE IMPACTO NA
a busca por melhorias no cuidado e na atenção dada aos pacientes é fundamental QUALIDADE DE VIDA DOS INDIVÍDUOS COM EM;
para garantir seu bem-estar. Quando o paciente trabalha o processo de aceitação
da sua condição e entende melhor o seu papel na sociedade, os impactos negati-

34 35
Qualidade de vida do paciente com EM

07 A construção e manutenção do convívio social é muito importante, seja na vida Os diferentes


pessoal ou profissional;
08 É fundamental que os pacientes tenham CIÊNCIA DE SEUS DIREITOS E SUAS
atores no cuidado
RESPONSABILIDADES.
com a EM

Desde o momento do diagnóstico, a pessoa com EM deve ser acompanhada por


profissionais de saúde multidisciplinares e instituições sociais, que serão funda-
mentais para o cuidado adequado destas pessoas. A EM é uma doença que exige
Quais são as Profissionais de
saúde devem ter
Buscar auxílio
em associações
Conscientização
de empregadores
muito mais que somente medicamentos, exige uma visão holística do paciente.
Nesse sentido, é importante que os pacientes e familiares tenham o entendimento
oportunidades uma abordagem de pacientes e e sociedade sobre de que a palavra “tratamento” vai além do medicamento. O cuidado adequado e a
para nossa humanizada e
individualizada
conviver com
pessoas que
as capacidades
laborais das
melhoria na qualidade de vida só podem ser maximizados quando as diferentes
comunidade? no momento do vivem a mesma pessoas com EM;
vertentes de tratamentos são adotadas, incluindo terapias não medicamentosas.
diagnóstico; condição; A grande variedade de sintomas que podem ser observados e a variedade nos ní-
veis de atividade da doença exigem que uma equipe de profissionais atue de ma-
neira conjunta em prol de um benefício comum, que é a garantia da melhor quali-
dade de vida. Neste capítulo, iremos debater sobre quem são, quais os papéis de
cada profissional e sua relevância na linha de cuidado da EM.
Conscientização É papel de toda A construção de É de responsabili-
sobre os sintomas a comunidade vínculos sociais dade do paciente
invisíveis da EM trabalhar pela com familiares e se comunicar aberta Médicos
e ampliação das desmistificação amigos deve ser e honestamente ao
conversas sobre da EM; constantemente máximo com os pro- Desde o período pré-diagnóstico, os indivíduos com EM estão em contato com mé-
alguns dos tabus estimulada; fissionais de saúde dicos generalistas e especialistas. No entanto, a avaliação precisa deve ser realiza-
sociais; e seus cuidadores. da por um neurologista ou, preferencialmente, por um neurologista especializado
em EM. São profissionais capacitados a avaliar resultados de exames e entender o
diagnóstico e o prognóstico da doença. Esse profissional pode exercer o papel de

36 37
Os diferentes atores no cuidado com a EM Os diferentes atores no cuidado com a EM

gerenciamento do cuidado com o paciente durante sua jornada, desde o diagnósti- multidisciplinar e orientações sobre as situações em que os pacientes devem en-
co definitivo, a prescrição de medicamentos adequados até o encaminhamento do trar em contato com a equipe médica; fornecem orientações referentes ao uso de
paciente a outros profissionais de saúde que atuam no tratamento multidisciplinar medicamentos; ensinam os pacientes a autoaplicação, cuidados com o transpor-
deste paciente54. te, armazenamento, descarte adequado, posologia e possíveis efeitos colaterais;
Os indivíduos com EM, ao longo de sua jornada com a doença, têm também outras monitoram a adesão ao tratamento, oferecendo o suporte necessário; e atuam na
necessidades médicas e podem apresentar problemas de saúde que não estejam notificação de eventos adversos.
relacionados à EM. Assim, a atuação de médicos de outras especialidades pode
ser necessária. Médicos generalistas acabam sendo os membros mais acessíveis Fisioterapeutas
da equipe multidisciplinar, atuando na resposta rápida a algumas necessidades
pontuais. Porém, por não terem amplo conhecimento em EM, é importante que Terapias de reabilitação são fundamentais para maximizar as capacidades dos in-
consultem o médico especialista antes da tomada de decisões. Além de generalis- divíduos com EM, a fim de que possam levar uma vida mais independente e pos-
tas, outros médicos, como psiquiatras, ortopedistas, urologistas, oftalmologistas, sam ter uma participação social mais ativa57. Neste cenário, fisioterapeutas atuam
ginecologistas, entre outros, têm participação no cuidado e são importantes ao utilizando exercícios físicos e outras técnicas para melhorar a movimentação do
longo da jornada do paciente55. paciente, aumentar a resistência muscular, melhorar os espasmos e o equilíbrio56.
A fisioterapia requer uma abordagem holística, atuando em todo o corpo do pa-
ciente e envolvendo diretamente o paciente no seu próprio tratamento54. A melho-
Enfermeiros ria da capacidade motora e muscular visa aumentar a força muscular, normalizar a
Estes profissionais, comumente, tornam-se o principal contato para os pacientes tensão muscular, melhorar a coordenação e o equilíbrio, prevenir a incontinência
com EM54. Preferivelmente, os pacientes devem ser encaminhados a enfermeiros urinária, aumentar ou manter a amplitude dos movimentos articulares e prevenir a
com experiência em EM desde o momento do diagnóstico56. O enfermeiro desem- atrofia muscular58.
penha um papel fundamental no gerenciamento do cuidado ao paciente. Através
Adicionalmente, exercícios físicos desempenham papel fundamental na melhoria
de um olhar holístico e individualizado, elabora um plano de intervenções e cuida-
da mobilidade e de outros sintomas: auxiliam mantendo o indivíduo ativo, melho-
dos que compreende o diagnóstico, tratamento, acompanhamento e a reabilita-
rando o humor e a autoestima, diminuindo o estresse, aumentando a independên-
ção. Este profissional atua também como mediador entre as demais especialida-
cia, combatendo a fadiga e controlando o peso.
des, serviços e instituições56.
Dentre suas atribuições, os enfermeiros com experiência em EM atuam diretamen- Profissionais de educação física
te com os médicos especialistas no desenvolvimento do plano de tratamento do
paciente; realizam consultas para dar orientações sobre tratamento, importância “Personal trainers” e outros profissionais de educação física são especialistas em
do monitoramento, acompanhamento, suporte de outros profissionais da equipe promover programas de exercícios físicos e ginástica de maneira eficaz e segura

38 39
Os diferentes atores no cuidado com a EM Os diferentes atores no cuidado com a EM

para os pacientes com EM55. Esta série de exercícios é importante para a manuten- Farmacêuticos
ção da saúde física dos pacientes, no entanto, não devem substituir as terapias de
reabilitação. São especialistas em medicamentos e como eles agem. Esses profissionais atuam
na dispensação e administração de medicamentos, além de auxiliar na instrução
sobre como utilizá-los, quais os possíveis eventos adversos que podem ser obser-
Terapeutas ocupacionais vados, quais podem interagir com outros e demais aspectos relacionados a sua
Os terapeutas ocupacionais são importantes para auxiliar os pacientes com EM no eficácia e segurança56.
desempenho de suas atividades da vida diária, quando apresentam dificuldades
devido a sequelas causadas pela doença, que podem estar relacionadas ao tra- Nutricionistas e nutrólogos
balho, lazer, alimentação, banho e higiene, comunicação, entre outras56. Podem Alimentação saudável e manutenção do peso adequado são importantes para uma
propor adaptações no lar, no ambiente de trabalho e no desempenho destas ativi- boa saúde e melhoria da qualidade de vida em pacientes com EM. O alimento deve
dades, a fim de melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos pacientes59. ser visto como parte do tratamento e bem-estar. Dietas desequilibradas podem
ter impacto negativo nos processos inflamatórios e piorar sintomas como a fadiga
Psicólogos e até mesmo a depressão. Sendo assim, é importante estabelecer metas para a
manutenção de hábitos e alimentação saudáveis.
O cuidado com a saúde mental e sintomas psicológicos é fundamental para uma
melhoria na qualidade de vida dos pacientes. Psicólogos e neuropsicólogos auxi- Nutricionistas e nutrólogos são profissionais especializados que irão auxiliar o
liam a lidar com o impacto que a EM tem na cognição (memória, concentração), no paciente na instrução e na manutenção de uma dieta e nutrição adequadas. Irão
pensamento, comportamento, ânimo e emoções56. atuar no desenvolvimento de um plano de alimentação para melhorar a saúde nu-
tricional e evitar problemas associados à EM59. Ainda, podem auxiliar os pacientes
Estes profissionais auxiliam na avaliação, no diagnóstico e no tratamento das con-
que enfrentam dificuldades na deglutição56.
dições associadas à saúde mental55. Atuam provendo intervenções terapêuticas,
como aconselhamento individual ou em grupo, psicoterapia (para tratamento de
Fonoaudiólogos
condições como ansiedade e depressão), implementação de terapia cognitiva,
avaliação e tratamento de disfunção sexual, treinamento de inoculação (controle) Fonoaudiólogos são profissionais especialistas no diagnóstico e tratamento de
de estresse e biofeedback (ver descrição no glossário) para incontinência urinária problemas associados à comunicação, deglutição e dificuldades na fala56. Pacien-
e desequilíbrio60. Além disso, desempenham papel fundamental na psicoeducação tes com EM podem apresentar fala arrastada ou devagar, dificuldades em se lem-
de pacientes e familiares com o objetivo de prover informação e conhecimento brar de certas palavras ou ler grandes textos em voz alta, além de problemas para
sobre a doença e permitir que lidem melhor com a condição. Assim, ensinam es- engolir alimentos e bebidas. Esses profissionais auxiliam no desenvolvimento de
tratégias para reduzir os sintomas e melhorar a qualidade de vida61. um plano de tratamento para esses sintomas59.

40 41
Os diferentes atores no cuidado com a EM Os diferentes atores no cuidado com a EM

Assistentes sociais de saúde (farmacêuticos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos,


enfermeiros e terapeutas sexuais) para sanar dúvidas relacionadas a fertilidade,
O assistente social tem o papel constante de levar informação ao paciente e aos sexo, gravidez e gestação, e criação e cuidado de filhos. Gestações devem ser bem
familiares. Como já debatido no capítulo 4, este profissional é fundamental na ins- planejadas e, caso haja desejo, devem ser comunicadas ao médico para que ele
trução sobre os direitos que esses pacientes têm e como exercê-los, para que a possa avaliar o caso e fazer as recomendações. Além disso, parceiros de indiví-
participação social destes indivíduos seja maximizada. Alguns destes direitos se- duos com EM também têm participação direta no planejamento familiar, devendo
rão debatidos mais à frente no capítulo 9. estar abertos para conversar, sendo pacientes, estando dispostos a se adaptar e
se fazendo presentes.
Associações de pacientes Mas, como todos estes atores devem atuar no cuidado
As diversas associações de pacientes desempenham papéis diferentes ao redor multidisciplinar do paciente com EM?
do país, mas, de maneira geral, são uma fonte de informação essencial ao pacien-
te. É interessante que os pacientes estejam em contato com as associações da Os profissionais de saúde que fazem parte da equipe multidisciplinar não devem
sua região desde o momento do diagnóstico. Elas atuam instruindo pacientes com atuar de maneira isolada. É fundamental que haja uma comunicação constante
relação ao acesso a especialistas e tratamentos. Além disso, são fundamentais entre esses profissionais para que o cuidado seja holístico e o trabalho seja coo-
na busca por melhorias sociais para os pacientes com EM, lutando por uma maior perativo. Ainda mais importante que isso, o paciente deve ter papel central no seu
conscientização da sociedade e por mais políticas públicas, levando as vozes da cuidado. Ou seja, a abordagem terapêutica deve ser baseada nas necessidades e
comunidade até quem precisa ouvir. vontades do paciente e o plano de cuidado a ser desenvolvido por todos os atores
em conjunto deve ser personalizado (Figura 6). Além disso, é essencial que o cui-
dado holístico, cooperativo e centralizado no paciente seja desenvolvido ao longo
A Importância do Planejamento familiar de toda a jornada do paciente, visto que as necessidades destes indivíduos variam
Após o diagnóstico, muitas pessoas desenvolvem preocupações sobre começar ao longo do tempo e da progressão da EM (Figura 7). Entende-se que é um grande
uma família, sendo homens que querem ter filhos, mulheres que querem engravi- desafio integrar todas as frentes de cuidado e os diferentes profissionais ao longo
dar ou pessoas que querem adotar. No entanto, vale salientar que pessoas com EM de toda a jornada do paciente. É um gargalo que atinge tanto o sistema de saúde
podem criar e cuidar de uma família tão bem quanto pessoas sem EM. Inclusive, a pública quanto o sistema de saúde privado e se expande por outras doenças.
EM não é uma doença hereditária e, portanto, não é passada diretamente dos pais
Nesta busca pela melhoria da qualidade de vida, mais um personagem tem papel
aos seus filhos.
essencial: o cuidador. Em sua grande maioria, são familiares que se dedicam in-
Neste cenário, é importante buscar o aconselhamento de um médico (clínicos tensamente no dia a dia para auxiliar os indivíduos com EM. No capítulo a seguir,
gerais, neurologistas, obstetras, ginecologistas, urologistas) e de uma equipe discutiremos mais sobre seu papel e como mitigar os impactos que a doença tem
em sua vida também. É preciso cuidar de quem cuida.

42 43
Os diferentes atores no cuidado com a EM Os diferentes atores no cuidado com a EM

Integração Antecipar
e cooperação entre as necessidades
serviços sociais e dos pacientes
de saúde
Recuperação
e monitoramento
Desenvolver
plano de cuidado com
o cuidador informal
CUIDADO Dar voz
às vontades do
(familiares)
CENTRALIZADO paciente

NO PACIENTE Diagnóstico
Coordenação Desenvolver
dos papéis e respon- um plano de cuidado
sabilidades de cada personalizado ao
integrante da equipe paciente
multidisciplinar

Figura 7
Interação e
Cuidado ao
comunicação
entre pacientes e
Tratamento final da vida
profissionais ao
longo da jornada
do paciente

Interação e Comunicação

Figura 6
O paciente no centro
de seu próprio cuidado

44 45
Os diferentes atores no cuidado com a EM

QUADRO-RESUMO
01 A grande variedade de sintomas e níveis de atividade da doença exige que uma
EQUIPE DE PROFISSIONAIS ATUE DE MANEIRA CONJUNTA;
Cuidando de
quem cuida
02 A equipe multidisciplinar deve promover a melhoria da qualidade de vida dos pa-
cientes, atuando nos sintomas físicos e psicossociais;
03 É FUNDAMENTAL QUE HAJA UMA COMUNICAÇÃO CONSTANTE ENTRE ESSES PRO-
FISSIONAIS para que o cuidado seja holístico e o trabalho seja cooperativo;

04 O TRABALHO COOPERATIVO E A COMUNICAÇÃO ENTRE PACIENTES E PROFISSIONAIS Cada pessoa com EM tem sua própria trajetória, experiência e perspectivas em
DEVEM SER MANTIDOS DURANTE TODA A JORNADA DO PACIENTE, visto que as ne- relação ao futuro dentro de suas possibilidades, mas, nesse capítulo, queremos
cessidades destes indivíduos variam ao longo do tempo e da progressão da EM. tratar de um ponto convergente e importantíssimo dentro de todo esse processo,
que é a rede de apoio que orbita este indivíduo. Não é incomum que os conteúdos
sejam, na maioria das vezes, voltados às pessoas com EM; porém, enquanto co-
munidade, precisamos também cuidar de quem cuida – sendo esse o objetivo do
presente capítulo. Junte-se a nós para esse momento de reflexão sobre o papel
e a importância do cuidador na vida das pessoas com EM, que desafios ele ou ela
Oportunidades O cuidado multidisciplinar Os papéis e as
podem enfrentar e como abordá-los.
deve colocar o paciente responsabilidades
a serem no centro das decisões, de cada integrante da Como vimos nos primeiros capítulos, a EM, por sua característica neurodegenera-
trabalhadas dando voz a suas equipe multidisciplinar
tiva, pode levar a limitações físicas. Nos casos em que a pessoa está mais debili-
necessidades e suas devem ser bem definidos
vontades; e coordenados;
tada, o auxílio de um cuidador pode se tornar necessário no manejo e desempenho
de atividades no dia a dia. Porém, o que ficou claro ao longo da construção deste
Guia é que o apoio da rede de suporte se faz necessário ao longo da jornada do
paciente como um todo, e não apenas quando observamos uma progressão mais
intensa da doença.
Educação Instrução de Desenvolvimento de
continuada para os pacientes e familiares políticas de saúde que Outro ponto que foi discutido pelos autores e pelas autoras deste Guia diz respeito
profissionais da equipe sobre a importância integrem os diversos à maneira de classificar os cuidadores: os profissionais, que são contratados pelo
multidisciplinar, levando e o papel da equipe serviços de saúde paciente ou pelos familiares, e os informais, que acabam sendo as pessoas mais
mais conhecimento multidisciplinar; prestados no cuidado próximas (cônjuges, pais ou filhos) e acompanham os pacientes quase 24 horas por
específico sobre a EM; com a EM.

46 47
Cuidando de quem cuida Cuidando de quem cuida

dia. De maneira geral, como o custo de ter um cuidador profissional ultrapassa a a sua rotina, o seu lar e em receber auxílio constante. É também uma questão de
capacidade financeira das famílias, o acesso à primeira categoria tende a ser mais aceitação e de entender as novas oportunidades dentro de um contexto diferente.
restrito, fazendo com que os cuidadores informais, que são os familiares, sejam os
Do outro lado, os pacientes também podem acabar recebendo um “hipercuidado”
mais comuns. Sendo assim, mesmo quando há necessidade do cuidador em tempo
que gera tensão, pois não é incomum existirem discrepâncias entre a percepção
integral, ele possivelmente já apresenta conexão próxima com a pessoa com EM. E
do cuidador e de quem recebe o cuidado sobre a intensidade do auxílio63. Inclusive,
para complementar a relevância desse perfil de cuidador, como já abordamos logo
pode prejudicar a autonomia dos pacientes e, consequentemente, levar a maior
no primeiro parágrafo, o cuidado ultrapassa as atividades cotidianas – sendo um
dependência de terceiros e desenvolver sentimentos de impotência, insegurança,
pilar estruturante dentro da ideia de ressignificação da vida já a partir do diagnós-
medo e frustração.
tico.
A busca pelo equilíbrio é importante. E essa busca passa pelo desenvolvimento de
O papel do cuidador um relacionamento transparente, aberto ao diálogo e de escuta ao outro. Não é
um trabalho fácil, visto que a EM impõe uma carga psicológica a pacientes e cui-
Desde o início da jornada da EM, o cuidador é atuante e essencial. O apoio dado no
dadores, e requer esforço contínuo. A melhoria do cuidado passa pela aceitação
momento do diagnóstico, o acompanhamento nos exames e nas consultas e a atu-
inicial do paciente sobre suas limitações e pela externalização de suas necessi-
ação na busca por auxílio social são algumas das atividades desempenhadas pe-
dades. Tanto essa aceitação quanto a gratidão dos pacientes aos cuidadores são
los cuidadores. Com a progressão da doença, sua importância se torna ainda mais
aspectos que podem ser trabalhados pelos profissionais de saúde com o objetivo
eminente. Observa-se que os cuidadores passam a realizar diversas outras ativi-
de diminuir o estresse e a carga psicológica sobre os pacientes e os cuidadores.
dades, dentre as quais o cuidado pessoal com o paciente e as tarefas domésticas,
Estes profissionais devem atuar na integração entre o papel do cuidador e as res-
como assistência para tomar banho, vestir-se, utilizar o banheiro, realizar transfe-
ponsabilidades do paciente.
rência, alimentação e até aplicação de medicamentos62. Além disso, o tempo dedi-
cado por esses indivíduos aos pacientes cresce com o aumento das incapacidades
dos mesmos63,64, ou seja, a necessidade da assistência depende diretamente do A vida do cuidador importa, e muito
estágio da doença.
Temos que cuidar de quem cuida. A EM gera uma carga adicional à vida dos cuida-
A busca pelo equilíbrio no cuidado dores, especialmente os informais. Como fruto da contínua responsabilidade que
estes indivíduos têm para com os pacientes de EM, há um alto risco de que de-
Para que os resultados positivos do cuidado sejam maximizados, é necessário que senvolvam problemas emocionais, sentimentos de culpa e raiva, além de depres-
os pacientes passem pelo período de aceitação da EM e entendam o papel e a im- são65. A vida social também é negativamente afetada, dificultando a participação
portância do cuidador. O impacto que a progressão da doença pode ter sobre a au- destas pessoas em eventos, atividades sociais, relacionamentos e amizades63.
tonomia das pessoas afetadas pode se traduzir numa certa resistência em adaptar Quando os cuidadores são cônjuges, o processo de aceitação pode ser ainda mais

48 49
Cuidando de quem cuida Cuidando de quem cuida

difícil, pois seu parceiro passa a ser um paciente – podendo afetar de algum modo física e psíquica. Os profissionais de saúde devem estimular e facilitar o desenvol-
o relacionamento. vimento e a manutenção de ligações entre os cuidadores e instituições que sirvam
como fonte de apoio social63, além de procurar suporte com fontes mais próximas,
Cabe também apontar potenciais impactos em termos financeiros e laborais para
como outros familiares e amigos. Em suma, os cuidadores devem ser incluídos em
os cuidadores. Alguns estudos mostram que a atividade de cuidar consome cerca
uma linha de cuidado bem estruturada que envolva desde o cuidado psicológico
de 13% da carga de trabalho dos cuidadores e que mais da metade dos responden-
até o cuidado com a saúde física, para que assim possam desempenhar seu papel
tes adaptaram sua rotina no trabalho, sua agenda e suas viagens profissionais no
fundamental no suporte aos pacientes de maneira equilibrada.
intuito de acomodar suas responsabilidades com o cuidado da pessoa com EM65.
Em diversos casos, o cuidador informal acaba deixando de trabalhar para se dedi-
car ao cuidado, o que pode acarretar um relevante impacto financeiro na família.
Em resumo e levando em consideração os diversos aspectos mencionados an- QUADRO-RESUMO
teriormente, estudos indicam que, para 72% dos cuidadores, a maior razão para
01 Os cuidadores podem ser profissionais, que são contratados pelo paciente ou
se tornarem incapazes de prover cuidado aos indivíduos com EM é a deterioração pelos familiares, porém OS MAIS COMUNS SÃO OS CUIDADORES INFORMAIS, QUE
da própria saúde. Portanto, a manutenção da saúde dos cuidadores é fator crítico ACABAM SENDO AS PESSOAS MAIS PRÓXIMAS (cônjuges, pais ou filhos);
para possibilitar que eles continuem auxiliando os pacientes63. Em complemento,
a satisfação e o bem-estar dos cuidadores podem ser melhorados quando os pa- 02 O TEMPO DEDICADO PELOS CUIDADORES AUMENTA COM A PROGRESSÃO da
doença da pessoa com EM;
cientes têm acesso aos cuidados terapêuticos adequados, ou quando os pacien-
tes estão ativos e felizes66,67. 03 Como fruto da contínua responsabilidade que estes indivíduos têm com o
cuidado dos pacientes, os CUIDADORES PODEM ENFRENTAR ESGOTAMENTO
FÍSICO, PSICOLÓGICO E EMOCIONAL;
A integração com a equipe multidisciplinar: 04 Também podem ser observados impactos na vida social e na vida profissional
somos todos um time dos cuidadores;
O papel dos profissionais de saúde vai além do suporte aos pacientes; eles devem 05 A busca pelo EQUILÍBRIO ENTRE CUIDAR E SER CUIDADO É ESSENCIAL PARA A
MANUTENÇÃO DA SAÚDE DO CUIDADOR;
entender bem a dinâmica da família e avaliar o estágio da doença no paciente para
poder incluir o cuidador no plano de manejo do paciente. Os cuidadores, especial- 06 A rede de apoio ao cuidador deve seguir durante toda a jornada do paciente
mente os informais, precisam receber acompanhamento constante desde o mo- com a doença.
mento do diagnóstico do paciente, ser instruídos sobre a progressão da doença
e os “sintomas invisíveis” a fim de compreender melhor que desafios poderão ser
encontrados ao longo do tempo. Deve-se recomendar que cuidem da sua saúde

50 51
Cuidando de quem cuida Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença

Oportunidades a serem trabalhadas tendimento sobre os sintomas neurológicos dos pacientes, a doença passou a ser
identificada de forma mais acurada e em estágios mais iniciais, permitindo uma
Auxiliar os pacientes a passar pelo período de aceitação da doença
e entender a importância da atuação do cuidador para maximizar os assistência multidisciplinar mais assertiva. Entretanto, apesar de termos evoluído
resultados dessa assistência muito no entendimento e conhecimento da EM, o diagnóstico tardio continua sen-
Promover canais de diálogo aberto entre pacientes e cuidadores do um gargalo importante quando pensamos na jornada do paciente. De fato, ainda
para estimular a transparência no relacionamento; que algumas pessoas sejam diagnosticadas alguns meses após o aparecimento
Profissionais de saúde devem buscar entender a dinâmica da dos primeiros sintomas, outras podem demorar vários anos. Mas por que existe
família e avaliar o estágio da doença no paciente para poder incluir tanta discrepância? Diversos fatores podem dificultar o diagnóstico da EM, mas,
o cuidador no plano de gerenciamento de cuidado ao paciente; de maneira geral, podemos citar três principais: a evolução da doença em cada
Instrução da busca constante por ajuda psicológica. indivíduo, a identificação dos sintomas e o acesso ao sistema de saúde. Vamos
A manutenção da saúde do cuidador é fator crítico para entender melhor?
possibilitar que eles continuem auxiliando os pacientes;
Cuidadores devem buscar auxílio social e suporte com familiares
e amigos. FATOR 1:
A EVOLUÇÃO DA DOENÇA – UM TEMPO PARA REPENSAR...
Nos estágios mais iniciais da doença, muitas vezes observa-se a remissão dos sin-
tomas e o paciente pode ficar meses ou até anos sem apresentar qualquer sinal da
A relevância do doença. No entanto, essa plasticidade do SNC pode mascarar a doença, tornando
seu diagnóstico mais demorado. Em muitos casos, o processo neurodegenera-
diagnóstico precoce: tivo pode já estar presente em pacientes assintomáticos e quando finalmente o
paciente é diagnosticado, essa plasticidade já é menos evidente. Estudos prévios
mudança do prognóstico da doença apontam que no Brasil os pacientes são diagnosticados por volta dos 32 anos de
idade, mas, em média, os primeiros sintomas aparecem aos 27,8 anos69. No entan-
A primeira descrição da doença foi realizada em 1868 pelo médico e cientista fran-
to, é preciso salientar que, em alguns casos, as primeiras manifestações clínicas
cês Jean Martin Charcot. Em sua observação, Charcot descreveu diversos sintomas
aparecem antes dos 18 anos: estima-se que de 5 a 10% de todos os casos de EM no
neurológicos de uma única doença com características patológicas diferentes, le-
mundo sejam de pacientes pediátricos70,71.
vando ao primeiro critério diagnóstico da EM, a “tríade de Charcot”: nistagmo (osci-
lações oculares repetidas e involuntárias que dificultam o foco da visão), tremor de A partir da primeira suspeita da doença, caracterizada pela síndrome clinicamente
intenção (incoordenação dos movimentos) e disartria (dificuldade de articulação isolada, quanto mais rápido for o diagnóstico, mais cedo os médicos poderão in-
da fala)68. Desde então, com a evolução dos métodos diagnósticos e o melhor en- tervir e melhor será o prognóstico do paciente.

52 53
Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença

Além disso, um mesmo paciente pode apresentar diferentes sintomas ao longo do


FATOR 2:
SINAIS E SINTOMAS DA EM – EXISTE UM PADRÃO? tempo e tanto ele quanto os médicos podem não associá-los a uma única causa.
Então, um paciente pode procurar inicialmente um oftalmologista devido a visão
Na EM não há um padrão, cada paciente é único e pode apresentar uma heteroge- embaçada e depois de alguns meses apresentar formigamento das mãos e não
neidade de sinais e sintomas com diferentes graus (leve, moderado ou intenso) e correlacionar a um problema neurológico único. Sintomas motores, sensoriais e
duração. Isso porque, na EM, as lesões são dispersas pelo cérebro e pela medula visuais são os mais frequentemente reportados72, mas, na prática, isso depende
espinhal e, como vimos, cada região do SNC é responsável por uma determinada da percepção da própria pessoa.
função do nosso corpo. Assim, cada indivíduo pode apresentar uma diversidade de
sintomas, tanto de forma isolada quanto em conjunto (Figura 8). Nos estágios iniciais da doença, muitas vezes os sintomas são tão sutis que aca-
bam sendo negligenciados tanto pelo paciente quanto pelos médicos. Sintomas
mais leves como formigamento nos membros que desaparece em alguns dias ou
SINTOMAS MOTORES
mesmo fadiga, geralmente, não despertam muita atenção do paciente e dos médi-
Perda de equilíbrio
cos, que muitas vezes os consideram decorrentes do estresse.
Fraqueza e rigidez muscular
Como na EM os sintomas são sistêmicos e inespecíficos, mesmo os neurologistas
Incoordenação de marcha Tontura
Espasmos musculares Formigamento
podem ter dificuldade para diagnosticar a doença. Distúrbio do espectro de neu-
Movimentos involuntários romielite óptica, fibromialgia, miastenia gravis, acidente vascular cerebral e até
Tremores deficiência de vitamina B12 podem apresentar sintomas clínicos similares, porém,
são tratados de forma distinta. Logo, sem um diagnóstico diferencial, o paciente
Dificuldade para realizar
Problemas de visão pode progredir mais rápido devido ao tratamento inadequado.
as atividade diárias
Disfunção sexual
Confusão mental FATOR 3:
EM
Fadiga Depressão
Dificuldade de DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL – A BUSCA POR UM SERVIÇO ADEQUADO
articulação da fala
Problemas urinários
e intestinais Justamente porque os sintomas da EM são inespecíficos, muitas vezes o neurolo-
Raciocínio lógico prejudicado
gista não é o primeiro médico a ser consultado. Para receber um direcionamento,
Dor Sensação de ardor
Dificuldade de concentração
as pessoas costumam procurar um clínico geral ou um médico da família para um
Perda de memória Problemas emocionais
Figura 8 check-up geral e encaminhamento a médicos de outras especialidades. Por outro
Principais lado, alguns sintomas mais específicos, como visão turva ou fraqueza muscular,
SINTOMAS COGNITIVOS SINTOMAS GERAIS
sintomas da levam as pessoas a procurar outras especialidades médicas, como oftalmologis-
Esclerose
Múltipla tas e ortopedistas. Um dos pontos-chaves para o diagnóstico precoce, no entanto,

54 55
Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença

é a sensibilização dos médicos dessas outras especialidades, que muitas vezes existentes por habitante entre os estados do país. Distrito Federal e São Paulo apre-
são os primeiros a avaliar o paciente, sobre a importância do encaminhamento sentam números elevados, enquanto se observa carência de equipamentos nos es-
a um neurologista especializado em EM. Este é um dos principais fatores para o tados do nordeste (Figura 9). Além disso, no SUS, um paciente pode levar meses até
paciente ser diagnosticado corretamente. No entanto, isso também pode ser um conseguir realizar o exame de RM. Como consequência, o diagnóstico acaba sendo
desafio para aqueles que residem longe dos grandes centros. Por ser uma doença tardio e muitas vezes o paciente acaba sendo prejudicado.
de baixa prevalência, os centros de referência em EM acabam ficando restritos às
grandes metrópoles do Brasil, em especial nas regiões sul e sudeste. Dados disponíveis no DataSUS26 mostram que os pacientes com EM devem se des-
locar em média 40,6 km para realizar um exame de ressonância magnética (Figura
Um outro fator importante é o acesso aos exames diagnósticos; com o advento da 10). Cerca de 26% dos pacientes precisam se deslocar mais de 50 km (Figura 11).
ressonância magnética (RM), a doença passou a ser mais facilmente caracterizada Pacientes da região norte do país enfrentam dificuldades ainda maiores de acesso,
por meio da avaliação objetiva das lesões no SNC. O exame de RM passou a ser im- tendo que se deslocar em média 161 km. Por isso, entende-se que há uma necessi-
prescindível não só para o diagnóstico inicial, mas também para o acompanhamento dade de aumentar a disponibilidade de equipamentos para facilitar o acesso ao exa-
da evolução da doença. Com isso, no entanto, outra barreira foi evidenciada: a falta me de RM, principalmente em regiões mais desprovidas desse equipamento, como
de acesso a esse exame tão importante. No Brasil, ainda há grande disparidade entre pode ser observado no mapa de distribuição pelo país. Além disso, de acordo com
os serviços públicos e privados, o que é mais evidente em regiões mais carentes, as entrevistas realizadas, infelizmente, muitos equipamentos já existentes em al-
como norte e nordeste. Há disparidade no número de equipamentos de ressonância guns hospitais e clínicas encontram-se quebrados ou são muito antigos, o que pode
diminuir a qualidade e a confiabilidade dos resultados dos exames. Dessa forma,
há urgência para que esses problemas sejam resolvidos a partir da iniciativa dos
poderes público e privado.

DESLOCAMENTO MÉDIO (KM)


200

Maior número 150 161


de equipamentos
por habitante
100

Figura 9 Figura 10
50 55 Deslocamento
Mapa do número de 34 35 41
26 médio dos
equipamentos de Menor número 0 pacientes até
ressonância para cada de equipamentos
habitante por estado por habitante Centro- Sul Sudeste Nordeste Norte Brasil local de exame
Oeste de RM por região

56 57
Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença

procurar um atendimento médico já nos primeiros sintomas, seja pelos critérios


5% 2%
diagnósticos mais assertivos. De fato, alguns pacientes conseguem ser diagnosti-
Até 10 km cados após o primeiro surto, em menos de um ano.
Entre 11 e 50 km
19% 36%
Figura 11 Entre 51 e 200 km PRECISAMOS CHAMAR A ATENÇÃO!!!
Percentual Entre 201 e 500 km O diagnóstico da EM depende de:
de pacientes
por faixa de Mais de 500 km 39%
deslocamento
médio até local
de exame de RM

01 Procurar 02 Ser avaliado 03 Ter acesso a uma


atendimento por um médico estrutura assistencial
Para fechar o diagnóstico… médico já nos especializado; adequada que possa
primeiros sinais atendê-lo com qualidade
Em 2001, um grupo internacional de especialistas em EM apresentou um guia de e sintomas; e de forma rápida.
critérios para o diagnóstico, hoje conhecido como critério McDonald73. Esse critério
é amplamente utilizado e se baseia na combinação de evidências clínicas, laborato- Depois do diagnóstico, os desafios
riais e de imagens. Conforme novas evidências surgem, revisões desse critério são
Muitas vezes, a percepção e a aceitação da EM pelo paciente, pelos familiares e pela
realizadas, sendo a última publicada em 201774.
sociedade acaba sendo um grande desafio. Como vimos anteriormente, os sinto-
De maneira geral, para o diagnóstico mais preciso, o paciente necessita apresentar mas nem sempre são visíveis para quem está ao redor, fazendo com que as pessoas
pelo menos dois surtos. No entanto, não é possível prever quando os surtos irão não compreendam a gravidade da doença. Porém, a pessoa com EM é aquela com
ocorrer, o que pode trazer muita apreensão. Mas, para os pacientes com EM, quanto maiores condições de expressar como a doença pode impactar sua vida. Hoje, já
mais cedo a doença for diagnosticada e adequadamente tratada, melhor será seu existe uma importante rede de amparo estruturada pelas associações de pacientes,
prognóstico3,18. Tratamentos medicamentosos, fisioterapia, terapia ocupacional e que proveem auxílio e orientações para o enfrentamento da EM. Esse apoio acaba
outras atividades assistenciais podem ajudar a retardar a progressão da doença e, sendo um pilar de sustentação, pois o abalo emocional muitas vezes só é comparti-
principalmente, minimizar suas manifestações clínicas75. Estima-se que a taxa de lhado e compreendido pelos próprios pacientes. No entanto, precisamos conversar
conversão de EM-RR para EM-SP tenha caído para 20% desde o advento do trata- e conscientizar toda a sociedade sobre a EM, fornecendo mais informações sobre
mentos medicamentosos específicos para essa doença18. De acordo com as entre- as manifestações clínicas da doença, seja para ajudar a superar os estigmas asso-
vistas realizadas, nota-se que o tempo até o diagnóstico está diminuindo cada vez ciados aos sintomas invisíveis, seja para ajudar a enfrentar uma doença que pode
mais, seja devido à maior conscientização sobre a doença, o que leva o paciente a levar a um comprometimento físico e emocional importante.

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Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença

Para entender melhor…


O QUE SÃO OS SURTOS? Tronco cerebral: avalia problemas de fala, deglutição e nistagmo
São episódios clinicamente significativos em que são observados sinais e sintomas (oscilação involuntária dos olhos)
neurológicos, com duração de pelo menos 24 h, e que podem ter resolução espon-
tânea ou não. Os surtos também podem ser chamados de ataques ou remissões. Sensorial: avalia dormência, perda de sensibilidade

O QUE É A SÍNDROME CLINICAMENTE ISOLADA? Bexiga e intestino: avalia o grau de comprometimento das funções
É como chamamos o primeiro surto apresentado pelo paciente com EM. urinárias e intestinais
O QUE É DISSEMINAÇÃO NO ESPAÇO? Visão: avalia problemas de visão
Para que a EM seja caracterizada, o paciente precisa apresentar lesões em diferen-
tes partes do SNC, ou seja, essas lesões precisam estar disseminadas pelo cérebro Outros: avalia quaisquer outros sintomas apresentados pelo paciente
e pela medula espinhal.
O QUE É DISSEMINAÇÃO NO TEMPO?
Da mesma forma, a doença só pode ser confirmada se as lesões no SNC se inten-
sificarem ou se aparecerem novas lesões ao longo do tempo, uma vez que é uma
QUADRO-RESUMO
doença crônica progressiva. A disseminação no tempo pode ser demonstrada pela 01 NA EM SÃO OBSERVADAS LESÕES DISSEMINADAS PELO CÉREBRO E PELA MEDULA
presença simultânea de lesões com e sem captação de gadolínio (contraste utiliza- ESPINHAL; como consequência, os pacientes podem apresentar vários
do para a realização da RM) a qualquer momento, ou por novas lesões em exames sintomas diferentes, sejam motores, sensitivos, visuais ou cognitivos, além de
subsequentes. alterações das funções urinárias e intestinais;
O QUE É EDSS? 02 DE MANEIRA GERAL, A PRIMEIRA SUSPEITA DA DOENÇA É CARACTERIZADA PELA
É uma escala utilizada pelos médicos para quantificar o grau de comprometimento SÍNDROME CLINICAMENTE ISOLADA (CIS): o primeiro episódio sintomático com
neurológico dos pacientes com EM e monitorar as mudanças ao longo da evolução sinais característicos de inflamação desmielinizante, persistente por pelo
da doença. É uma escala que varia de 0 a 10 (quanto maior a pontuação, maior é a menos 24 h, na ausência de febre ou infecção;
incapacidade do paciente) e que se baseia na avaliação de oito sistemas funcionais: 03 NO BRASIL, OS PACIENTES SÃO DIAGNOSTICADOS POR VOLTA DOS 32 ANOS,
porém, os primeiros sintomas aparecem, em média, aos 27,8 anos. Estima-
Piramidal: avalia fraqueza muscular e dificuldade para mover os membros
se que, de todos os casos de EM no mundo, de 5 a 10% sejam em pacientes
Cerebelar: avalia grau de ataxia (coordenação dos movimentos), pediátricos;
perda de equilíbrio, tremores

60 61
Relevância do diagnóstico precoce: mudança do prognóstico da doença

04 O DIAGNÓSTICO PRECOCE DA EM É DIFICULTADO, PRINCIPALMENTE, POR TRÊS A relevância da


FATORES: (1) a evolução da doença, que pode cursar com longos períodos
sem nenhuma manifestação clínica; (2) sintomas inespecíficos que variam de individualização
pessoa para pessoa e que muitas vezes são bastante sutis e passageiros, o que
acaba sendo negligenciado pelo paciente e até pelos médicos; (3) dificuldade
do cuidado
de acesso a médicos especializados em EM e a exames diagnósticos de
qualidade, como ressonância magnética; Devido à complexidade da doença, o estabelecimento de um cuidado único que
sirva a toda e qualquer pessoa com EM acaba sendo impraticável. Como vimos, a
05 APÓS O DIAGNÓSTICO, AS PESSOAS COM EM PRECISAM LIDAR não só com o fato EM pode causar alterações em várias partes e funções do corpo, afetando cada
de portar uma doença que pode levar ao comprometimento físico, cognitivo
indivíduo de uma forma específica: alguns podem apresentar problemas de visão
e emocional, mas também enfrentar os estigmas sociais associados aos
importantes, outros sentem cansaço contínuo, e outros podem, ainda, ser assin-
sintomas invisíveis e à incapacitação causados pela doença.
tomáticos. O nível de atividade da doença é outro fator importante nesse contexto:
a quantidade de surtos varia de paciente para paciente e ao longo da história da
doença. Sendo assim, o cuidado de um mesmo indivíduo com EM pode variar con-
forme a progressão da doença.
Oportunidades a serem trabalhadas
Devido à intrincada combinação de alterações motoras, cognitivas e emocionais,
Conscientizar a sociedade sobre as manifestações clínicas da EM
para reduzir os estigmas sociais associados à doença; além dos diferentes graus de comprometimento do SNC e variações ao longo do
tempo, cada pessoa com EM é única e precisa receber o cuidado adequado – que
Sensibilizar os médicos da linha de frente sobre a importância da
valorização dos sintomas e do encaminhamento a um neurologista envolve tratamento medicamentoso e não medicamentoso no momento correto.
especializado ou centro de referência;
Melhorar o acesso aos serviços de saúde, em especial, aos O cuidado individualizado:
exames diagnósticos; tratando a pessoa e não a doença
Reforçamos a importância da busca por apoio em associações
de pacientes portadores de EM que compartilhem experiências Se considerarmos a perspectiva do paciente, o tratamento individualizado refere-
semelhantes. -se ao manejo da EM baseado em suas necessidades, preferências e estilo de vida.
É empoderar a pessoa com EM para que ela possa decidir sobre sua saúde. Pela
perspectiva do médico, é selecionar o tratamento que traz o melhor equilíbrio entre
o controle da progressão da doença e a qualidade de vida, baseado em informações

62 63
Relevância da invidualização do cuidado Relevância da invidualização do cuidado

providas pelo próprio paciente e pelos familiares, por observações clínicas e evi- tágios em que se observam lesões ativas intermitentes resultantes do processo in-
dências laboratoriais. Pela perspectiva multidisciplinar, é integrar todas as linhas flamatório exacerbado e local, ou seja, quando a doença ainda está ativa.
de cuidado focando no bem-estar do paciente.

Como é o tratamento medicamentoso na EM?


A EM não tem cura até o momento. As terapias medicamentosas disponíveis visam Basicamente, a EM-RR
reduzir a gravidade dos surtos e acelerar a recuperação, reduzir a frequência dos
surtos e retardar a progressão, e aliviar os sintomas18. Dessa forma, é justamente tem mais opções
nos estágios mais iniciais da doença, quando há surtos esporádicos e as alterações de tratamentos
neurológicas ainda não são persistentes, que as intervenções podem proporcionar que os quadros progressivos
melhores resultados22.
Os tratamentos podem ser divididos em dois grupos: terapias modificadoras da do-
ença (TMD) e terapias sintomáticas. Estas últimas, geralmente, não são específicas
para o tratamento da EM, sendo utilizadas para o manejo de sintomas decorrentes
Porém, na prática, há pouca flexibilização de escolha devido à dificuldade de acesso,
da doença, como dificuldade para locomoção, incontinência urinária, dor e depres-
seja pelo SUS ou pela ANS, como veremos a seguir.
são, além do tratamento dos surtos. Por outro lado, as TMDs visam minimizar o dano
provocado pelo processo inflamatório, reduzindo a atividade clínica e subclínica da
doença. A ação das TMDs está diretamente ligada ao modo como a doença se es- Os desafios para a individualização
tabelece: por ser uma doença autoimune neurodegenerativa, a ideia é alterar (imu- do tratamento medicamentoso no Brasil
nomodular) ou reduzir (imunossuprimir) essa resposta imunológica indesejada, de
Diversos fatores contribuem para a escolha da TMD: nível de atividade da doença,
forma a minimizar as lesões neurológicas e, em certos casos, reverter a formação
custo, acesso, efeitos adversos, resposta ao tratamento, prognóstico da doença,
das placas desmielinizantes76. Existem diversos tipos de TMDs com mecanismos
perfil do paciente (presença de comorbidades, adesão ao tratamento) e preferência
de ação específicos, mas, de maneira geral, elas atuam reduzindo a frequência e a
do médico/paciente. Um ponto-chave para a adesão ao tratamento é o empode-
gravidade dos surtos, além de diminuir o acúmulo de lesões no SNC observadas em
ramento do paciente. Dar-lhe o direito de escolha, a partir de informações equili-
pacientes com EM-RR76.
bradas e cientificamente baseadas, sobre qual TMD utilizar, devidamente indicada
O Consenso Brasileiro para o Tratamento de Esclerose Múltipla77, seguindo as me- e discutida com seu médico, já que cada paciente pode apresentar uma resposta
lhores evidências científicas para o manejo da EM, recomenda as TMDs para os es- particular ao tratamento.

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Relevância da invidualização do cuidado Relevância da invidualização do cuidado

Recomendação de leitura
Em ambos os casos, o acesso às TMDs pode não responder à necessidade médica
Livro Esclerose Múltipla: + de 100 Respostas, Sem Mais e social da pessoa com EM.
Perguntas! desenvolvido pela Amigos Múltiplos pela
Esclerose (AME). Tem o objetivo de trazer mais informações Os impactos do cuidado não
aos pacientes sobre tratamentos e outros assuntos. individualizado para o sistema de saúde
Os desafios ao cuidado individualizado trazem consequências não só para a pessoa
Na prática, o acesso às TMDs pode ser um fator importante para a escolha do trata- com EM, mas também para os sistemas de saúde. Na impossibilidade do manejo ade-
mento. Atualmente, tanto o sistema público quanto o privado de saúde disponibili- quado da doença, o paciente poderia piorar de forma mais rápida e apresentar maior
zam esses medicamentos, porém, com critérios: grau de comprometimento, levando a um impacto negativo na qualidade de vida. Esse
• Sistema privado: Número limitado de TMDs padronizadas pelos planos de saúde – a cenário também resvala em implicações sociais, como aposentadoria precoce por in-
partir da Revisão do Rol de Procedimentos da ANS. validez, baixo rendimento no trabalho, desemprego e necessidade de auxílio contínuo.
• Sistema público: A maioria das TMDs foi incorporada ao Sistema Único de Saúde e sua O não atendimento às necessidades específicas da pessoa com EM pode tornar a
recomendação de tratamento obedece ao Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas doença mais cara para os sistemas de saúde. Um estudo conduzido sob a perspec-
(PCDT) para esclerose múltipla. O PCDT atual é um guia elaborado pelo Ministério da tiva brasileira da EM mostrou que os custos podem se tornar maiores com a piora da
Saúde que se baseia em linhas de tratamento: preconiza uma ordem em que as dife- doença, como é possível observar na Figura 3, podendo ultrapassar R$ 50 mil anuais
rentes TMDs devem ser administradas, independente do grau de atividade da doença e por paciente69.
do benefício para o paciente (Figura 12 ).
Portanto, diagnosticar a EM de forma precoce e manejar adequadamente a doença
pode ser importante, inclusive da perspectiva de eficiência da alocação dos investi-
Figura 12 PCDT - RECOMENDAÇÃO TERAPÊUTICA mentos em saúde.
Recomendação Principais razões para troca de linha
de tratamento
preconizada EDSS (R$)
pelo PCDT do 60.000
Ministério da
Saúde 50.000

Intolerância ao Reações Falta de Resposta Falha


40.000 Figura 13
medicamento adversas adesão subótima terapêutica 30.000 Custos médios
20.000 anuais por

01 02 03 04
nível da doença
10.000
Primeira Segunda Terceira Quarta segundo a
escala EDSS
0
Linha Linha Linha Linha 0 1 2 3 4 5 6 6,5 7 8 9 (Adaptado de
Kobelt, 201969)

66 67
Relevância da invidualização do cuidado Relevância da invidualização do cuidado

Tratamentos não medicamentosos bine as expectativas individuais com o controle adequado da doença é fundamen-
– a multidisciplinaridade do cuidado tal. Um dos grandes desafios para encontrar esse equilíbrio reside justamente nas
dificuldades de acesso. Nesse contexto, cabe a toda a comunidade de EM avaliar
Como vimos anteriormente, o cuidado multidisciplinar é imprescindível para o pacien-
esses desafios e propor soluções estruturadas e sustentáveis para que tenhamos
te com EM. As terapias não medicamentosas são amplamente recomendadas78,79 de-
um futuro diferente e melhor para as pessoas com EM no Brasil.
vido ao impacto positivo na qualidade de vida. Fisioterapia, terapia ocupacional, ativi-
dades físicas, além de práticas integrativas e complementares como musicoterapia, PROGRESSÃO
reflexologia e yoga, já demonstraram ser eficazes para o alívio e a recuperação dos DA DOENÇA
sintomas78–80.

Lembre-se para entender em mais


detalhes a relevância do
de retomar Figura 14
cuidado multidisciplinar
o capítulo integrado TMD O balanço entre
as intervenções
ACOMPANHAMENTO medicamentosas e não
MULTIDISCIPLINAR medicamentosas e a
De fato, a reabilitação motora e cognitiva é importante para o estímulo contínuo do progressão da EM
SNC, levando à ativação de outras áreas do cérebro e permitindo que o paciente de-
sempenhe as atividades diárias de forma mais próxima ao normal, mesmo com as con-
tínuas lesões no SNC.
Porém, novamente a questão do acesso acaba sendo, em geral, um potencial fator QUADRO-RESUMO
limitante para quem depende dos serviços públicos de saúde. O encaminhamento
para reabilitação e até mesmo para o psicólogo é moroso e nem sempre contínuo. 01 DEVIDO À COMPLEXIDADE DA EM, o estabelecimento de um cuidado único que
sirva a toda e qualquer pessoa com EM acaba sendo impraticável;
Da mesma forma, por ser uma doença sistêmica, o acompanhamento por médicos
de outras especialidades, como urologistas e psiquiatras, acaba sendo desafiador. 02 A EM AINDA NÃO TEM CURA, assim como outras doenças crônicas como diabetes
Nesse contexto, a criação de políticas públicas voltadas para o acompanhamento e hipertensão. No entanto, existem tratamentos que ajudam a prevenir a
mais integral dos pacientes com EM pode tornar sua jornada mais fluida e garantir progressão da doença e reduzir a frequência dos surtos, contribuindo para a
cuidados mais personalizados que atendam às necessidades médicas e sociais. qualidade de vida do paciente;
Está clara a relevância da individualização do cuidado na EM, dado o impacto direto 03 TERAPIAS NÃO MEDICAMENTOSAS como fisioterapia, reabilitação motora e
na qualidade de vida. O alinhamento entre a pessoa com EM, o médico e os profis- cognitiva, além de práticas integrativas e complementares, são importantes
sionais da equipe multidisciplinar para desenvolver um plano de manejo que com- adjuvantes para o tratamento dos pacientes com EM. INFELIZMENTE, AINDA HÁ

68 69
Relevância da invidualização do cuidado

UMA GRANDE DISPARIDADE DE ACESSO a esses tratamentos adjuvantes quando


pensamos em serviços públicos e privados;
04 AS TMDS SÃO medicamentos imunomoduladores e imunossupressores
que atuam no SNC reduzindo a inflamação local provocada pela doença e,
consequentemente, evitando a formação da placa desmielinizante. São
recomendados para o tratamento durante a fase ativa da doença e, atualmente,
são os principais agentes utilizados para retardar a progressão da doença;
As barreiras
05 AS TMDS SÃO MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO, mas que são disponibilizados pelo
para o cuidado
SUS seguindo a recomendação do PCDT, e em menor quantidade pelos planos da pessoa com EM
de saúde. No entanto, a estratégia adotada pelo PCDT é baseada em linhas de
tratamento, o que muitas vezes não atende a necessidade do paciente.
Vimos nos capítulos anteriores a importância do diagnóstico precoce e da consequen-
te adoção de um plano terapêutico individualizado que combinaria as expectativas e
preferências da pessoa com EM e formas apropriadas de controlar a progressão da
Oportunidades a serem trabalhadas doença e reabilitação. No entanto, na realidade brasileira, existem desafios para o
Trabalhar, enquanto comunidade de EM, para educar pacientes, acesso aos cuidados adequados (e no tempo correto). Neste capítulo, iremos abordar
familiares, profissionais de saúde, gestores de saúde e a estes gargalos e entender melhor o que pode ser feito para potencialmente superar
sociedade de forma geral sobre a relevância da individualização ou mitigar os desafios existentes, mas já antecipamos que ações coordenadas entre
do cuidado na EM;
os diversos atores ligados à EM no país, sejam pacientes, familiares, profissionais de
Empoderamento do paciente, dando voz ativa sobre as escolhas saúde, indústria e sistemas de saúde, são fundamentais.
para o cuidado com a EM;
O acesso ao cuidado adequado é desafiador quando se trata de um sistema público
Garantir o acompanhamento adequado e contínuo dos pacientes que se propõe a ser universal, que é responsável pela saúde do indivíduo a despeito
com EM, o que compreende terapias farmacológicas e não da complexidade da doença que o atinge e é gratuito, financiado por contribuições
farmacológicas;
sociais de 210 milhões de pessoas que vivem em realidades muito distintas. Para fins
Reestruturação do PCDT com base no grau de atividade da explicativos, consideramos que o sistema público de saúde se organiza em três níveis
doença, de forma a proporcionar um tratamento individualizado e de atenção: Atenção Primária à Saúde (APS), Média complexidade e Alta complexidade
permitir que o paciente e o médico consigam decidir de maneira (MAC) (Figura 15). Apesar desta divisão, os níveis de atenção precisam estar coordena-
conjunta qual o tratamento mais adequado;
dos, integrados e devem se comunicar a despeito das densidades tecnológicas – en-
Reavaliar a lista de terapias disponibilizadas pelo sistema tregando a mesma proposta para a pessoa com EM: qualidade de vida.
privado de saúde, ampliando o acesso de forma sustentável.

70 71
As barreiras para o cuidado da pessoa com EM As barreiras para o cuidado da pessoa com EM

Atenção Primária à Saúde (APS)


1 e o encaminhamento ao especialista
Atualmente, umas das principais dificuldades relacionadas à esclerose múltipla
ATENÇÃO PRIMÁRIA
É a porta de entrada do Sistema de saúde, constituída pelas encontra-se na Atenção Primária à Saúde (APS). O paciente, ao se deparar com os
primeiros sintomas, tende a buscar o atendimento na APS e, comumente, o pri-
(UBS) (ACS) (ESF) (NASF) meiro contato é com um clínico geral. No entanto, uma parcela expressiva destes
Unidades Agentes Equipe Núcleo de
Básicas de Comunitários de Saúde Apoio à Saúde profissionais que estão na linha de frente do cuidado com a saúde pode não estar
Saúde de Saúde da Família da Família atenta aos sinais e sintomas de EM e, muitas vezes, não foi educada sobre a doen-
Foca suas ações na diminuição do risco de doenças, proteção à ça durante os anos de formação acadêmica. Além disso, como vimos no capítulo 6,
saúde e desempenha papel fundamental na identificação precoce e
reconhecimento de sintomas de EM. É responsável por direcionar o a inespecificidade dos sintomas e sua dispersão ao longo do tempo tornam esse
fluxo de atendimento para outros níveis de atenção em saúde. primeiro reconhecimento da EM muito desafiador.
Como resultado, observamos que, em sua jornada, o paciente tende a ser enca-

3 2
minhado a outros profissionais que, em geral, não são especialistas em EM ou em
doenças desmielinizantes, como por exemplo, oftalmologistas, dermatologistas,
ginecologistas e urologistas. Ainda, alguns pacientes podem até mesmo ser en-
ALTA COMPLEXIDADE MÉDIA COMPLEXIDADE caminhados ao neurologista, mas o cuidado de um especialista em EM pode fazer
Atendimento de saúde que engloba o Atendimento de saúde formado pelos grande diferença.
conjunto de terapias e procedimentos serviços especialidados em nível
de elevada especialização e Para tentar materializar o desafio de identificação precoce dos sinais e sintomas,
procedimentos que envolvem potencial associação com EM e encaminhamento ao especialista na doença, mos-
e
tramos como os pacientes podem ser tratados como se apresentassem uma sé-
Ambulatorial Hospitalar
rie de outras doenças e, comumente, com “diagnóstico desconhecido”. Dentre as
e/ou com densidade tecnológica
Alta Alto intermediária entre a atenção condições mais comuns observadas nos CIDs anteriores, como mostra a Figura 16,
Tecnologia Custo primária e a terciária. Esse pode-se citar dorsalgia, paraplegia e tetraplegia26.
nível compreende serviços
Figura 15 incluindo atendimentos em hospitais, médicos especializados, de
Portanto, já de início, temos um desafio associado ao diagnóstico e encaminha-
Organização centros de referência e clínicas apoio diagnóstico e terapêutico, mento – o que tende a alongar a jornada do paciente. Faz-se necessário que os pro-
esquemática especializadas. e atendimento de urgência e fissionais da APS, como médicos da família e generalistas, e as outras especialida-
da Atenção à emergência.
Saúde des que em geral recebem os pacientes com EM, tenham acesso à educação sobre
sinais e sintomas da EM. Ações de sociedades médicas, associações de pacientes,

72 73
As barreiras para o cuidado da pessoa com EM As barreiras para o cuidado da pessoa com EM

CID ANTERIORES
estudantes de medicina tenham mais embasamento sobre a doença e estejam mais
preparados para encaminhar ou diagnosticar os pacientes de forma assertiva.
DESCONHECIDO 20,8%

DORSALGIA 3,9% Acesso a especialistas e centros de referência para EM


EXAME GERAL E INVESTIGAÇÃO A disponibilidade do atendimento especializado varia muito no país, dependendo
de pessoas sem queixas ou 3,3% tanto de aspectos geográficos quanto socioeconômicos. No SUS, o atendimento
diagnóstico relatado

PARAPLEGIA E TETRAPLEGIA 2,0% especializado tem relação direta com os investimentos das secretarias estaduais
e municipais de saúde. O atendimento tende a se concentrar em grandes cidades –
PARALISIA CEREBRAL INFANTIL 1,9% nos centros de referência que muitas vezes são associados às instituições de ensi-
no superior. Portanto, os indivíduos que dependem exclusivamente do SUS e vivem
OUTROS EXAMES e
investigações especiais 1,7% em regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos podem encontrar dificul-
dades de acesso aos médicos especialistas e aos serviços de referência.
HEMIPLEGIA 1,6% Considerando o acesso pelo sistema privado de saúde, apesar de os especialistas
ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL
também estarem concentrados nos grandes centros, a disponibilidade destes no
e síndromes correlatas 1,5% território, de maneira geral, é maior. Porém, a despeito de ser mais fácil ou desafia-
Figura 16 ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL, dor acessar ao especialista, observa-se certa dificuldade em identificar quem são
CIDs sob não especificado como
hemorrágico ou isquêmico
1,5% esses profissionais e quais instituições ou serviços proveem atendimento adequa-
os quais os
pacientes são do para pessoas com EM. Uma grande aliada na busca por informações sobre esse
atendidos antes HEPATITE VIRAL CRÔNICA 1,5%
de receberem quesito são as associações de pacientes locais, que são muito procuradas por pes-
diagnóstico de
EM no SUS
OUTROS 60,7% soas recém-diagnosticadas em busca de indicações sobre onde encontrar e como
conseguir se consultar com os especialistas em EM. Mas é também necessário in-
centivar que os próprios gestores de saúde tornem esse fluxo mais claro para as
pessoas com EM.
do poder público, entre outros, são essenciais para levar mais conhecimento a es- Como mostra a Figura 17, a disponibilidade de neurologistas por habitante nas re-
tes profissionais. A atuação das universidades na difusão de informações sobre a giões sudeste e sul do país é maior quando comparada às regiões nordeste e norte,
EM também é fundamental, principalmente no que tange à formação de novos pro- especialmente26. O grande desafio é como, apesar das desigualdades regionais, as-
fissionais; para isso, é de extrema importância que as grades curriculares englo- segurar que as pessoas com EM tenham as mesmas oportunidades em termos de
bem de forma mais profunda doenças neurológicas graves, como a EM, para que os saúde.

74 75
As barreiras para o cuidado da pessoa com EM As barreiras para o cuidado da pessoa com EM

DESLOCAMENTO MÉDIO (KM)


150
142,5

100
90,2
72,7
50 57,0 52,5
35,4 Figura 18
0 Deslocamento médio
Maior número dos pacientes até o
de neurologistas Centro- Sul Sudeste Nordeste Norte Brasil
por habitante Oeste centro de tratamento
por região
Figura 17
Mapa do número

Menor número
de neurologistas
para cada 3,7% 0,8%
de neurologistas habitante por
Até 10 km
por habitante estado
Entre 11 e 50 km
Feita a discussão sobre a disponibilidade de profissionais nas diversas regiões do 15,1%
Brasil, cabe explorar os desafios referentes ao acesso aos centros de referência de Entre 51 e 200 km 41,3%
EM. A necessidade da pessoa com EM ter que se deslocar por grandes distâncias Figura 19
Entre 201 e 500 km
para chegar a esses serviços representa uma barreira no cuidado e pode favorecer 39,1% Percentual de
pacientes por faixa
uma adesão menor aos tratamentos e ao acompanhamento médico em longo prazo. Mais de 500 km de deslocamento
até o centro de
Essa situação se dá pelas diversas complicações que os deslocamentos represen- tratamento
tam para os pacientes, sejam elas financeiras, dados os custos das viagens, ou as
dificuldades de locomoção para pessoas com maior comprometimento motor. mos considerar que este deslocamento está associado à extensão dos municípios
Dados do DataSUS26 indicam que os pacientes com EM se deslocam em média 52,5 e às concentrações territoriais das unidades de referência e pode ser influenciado
km para receber atendimento no país (Figura 18). Na região norte, o deslocamento pelos meios de transporte disponíveis.
médio é de cerca de 142 km, enquanto na região sudeste é de 35 km. Em média, qua- Sendo assim, é importante que mais serviços especializados possam ser estrutura-
se 20% dos pacientes no Brasil têm que se deslocar por mais de 50 km para serem dos ao redor do país, seja no âmbito do sistema público ou privado de saúde. Essa
atendidos, com viagens que podem passar de 500 km de distância (Figura 19). Deve- urgência se dá principalmente nos vazios assistenciais do Brasil.

76 77
As barreiras para o cuidado da pessoa com EM As barreiras para o cuidado da pessoa com EM

Estabelecimento de um
A subnotificação de casos na EM fluxo de atendimento estruturado
Os gargalos discutidos até aqui podem impactar a capacidade do sistema de saúde Para além da disponibilidade de profissionais e serviços, esses devem ser integra-
de identificar, encaminhar e cuidar das pessoas com EM. É possível que os indi- dos e buscar sempre o mesmo objetivo terapêutico. O profissional de saúde que
víduos demorem meses e até anos para conseguir chegar ao diagnóstico corre- entra em contato com o indivíduo com EM deve ter amplo entendimento sobre qual
to, que muitos outros casos sejam subdiagnosticados e, consequentemente, não será a próxima etapa no atendimento e cuidado com esta pessoa. Ou seja, a rede
estejam recebendo as intervenções terapêuticas corretas no Brasil. A Figura 20 de atendimento, incluindo quem são e onde se encontram os profissionais capa-
compara o número de indivíduos com EM em cada estado, baseado na prevalência citados, e o fluxo deste atendimento devem ser mais claros e transparentes para
de EM obtida de estudos epidemiológicos, e o número de pacientes com EM ativos todos que precisem conhecer melhor essa jornada.
por estado no sistema de dados do SUS. As diferenças entre os dois mapas ob-
A estruturação de políticas ou diretrizes que caracterizem melhor este fluxo, des-
servadas em alguns estados brasileiros como Minas Gerais, por exemplo, indicam
de o atendimento na APS até a chegada a um centro especializado, depende da
que o número de pacientes recebendo atendimento no SUS (mapa da direita) pode
atuação não só da esfera federal, mas, principalmente, das esferas estaduais e
estar abaixo do número real de pacientes com a doença (mapa da esquerda).
municipais, mapeando as necessidades regionais específicas e estruturando uma
política que integre melhor os diferentes níveis de atendimento. Todos os níveis
de atenção, independentemente de sua densidade tecnológica, devem estar em
NÚMERO DE PACIENTES NÚMERO DE
DE EM ESTIMADO PACIENTES DE EM constante comunicação, a fim de permitir que o atendimento seja fluido, executa-
com base em dados IDENTIFICADOS NO do da maneira correta e dentro dos prazos adequados aos pacientes com EM.
de prevalência da DataSUS
literatura
Acesso ao cuidado
Como discutido no capítulo sobre a necessidade de individualização do cuidado,
Maior
número além de ser difícil encontrar o atendimento especializado no Brasil, também há
de pacientes barreiras no acesso às terapias e aos equipamentos de suporte. A começar pelo
Figura 20
acesso à equipe multidisciplinar: são poucos os pacientes que conseguem os cui-
Comparação
entre a projeção dados não medicamentosos adequados devido à limitação de terapias de reabilita-
epidemiológica
e o número de
ção física e de cuidado psicológico para os que dependem do SUS.
Menor
número
de pacientes
pacientes ativos
no DataSUS
No âmbito do tratamento farmacológico, mesmo após receberem o diagnóstico
de EM, muitos pacientes podem enfrentar longos períodos até que consigam co-
meçar o tratamento. Dados do SUS26 mostram que o tempo médio desde o diag-

78 79
As barreiras para o cuidado da pessoa com EM As barreiras para o cuidado da pessoa com EM

nóstico até o início do tratamento farmacológico é de 2,4 meses. Quase 35% dos 7,9%
pacientes com EM do SUS demoram mais de um mês e 20% demoram mais de 3
meses para iniciar o tratamento com medicamentos desde o primeiro atendimen- ≤ 70%
to com o diagnóstico correto (Figura 21).
18,2%
71-80%
81-90% 32,7% 14,1% Figura 22
Mais de 6 meses para 91-99%
iniciar tratamento 10,1% 100% 27,1%
Percentual de
pacientes por
Até 6 meses para faixa de índice
inicar tratamento 10,1% de posse de
Figura 21 Até 3 meses para medicamento
14,7%
Percentual de
pacientes por
iniciar tratamento
65,2% Observamos também o gargalo referente ao acesso a órteses, cadeira de rodas e
faixa de tempo Início do tratamento
de demora coincide com outros equipamentos que são importantes para melhorar a qualidade de vida dos
aparecimento
para início do
tratamento do CID de EM pacientes e devem ser customizados para se adequar às necessidades de cada in-
farmacológico divíduo, especialmente para os pacientes que vivem mais afastados das grandes ci-
dades. Menos de 7% dos pacientes recebendo atendimento do SUS tiveram acesso
Além disso, dados do SUS26 indicam que muitos pacientes em tratamento farma- a cadeira de rodas, órteses e outros equipamentos (Figura 23)26. Todas essas dificul-
cológico têm de lidar com interrupções. A taxa média referente à posse do medi- dades tendem a reforçar a ausência, atualmente, de uma rede integrada de cuidado
camento pelo paciente é de 86,7%. para dar o suporte adequado aos pacientes da rede pública de saúde. Por outro lado,
os pacientes que possuem planos de saúde contam com um acesso melhor a toda a
equipe multidisciplinar e aos equipamentos.
Essa taxa é calculada como a divisão entre o A importância do cuidado multidisciplinar deve ser sempre reforçada, inclusive pelo
número de dias em que o paciente tem os PCDT. Atualmente, não há uma política de acesso bem estruturada aos tratamentos
medicamentos disponíveis num determinado não farmacológicos e aos equipamentos de suporte. Para permitir que os pacientes
período sobre o total de dias do período tenham acesso a uma ampla gama de tratamentos, é fundamental elaborar a linha de
cuidado da EM e que ela esteja bem definida de maneira a atender integralmente às
necessidades específicas destes indivíduos. Novamente, essa estruturação deve ter
Isso indica que, para cada 100 dias que o paciente precisa tomar os medicamentos, participação dos poderes públicos municipais, estaduais e federal para que as desi-
em cerca de 13 dias ele não os possui. Mais de 30% dos pacientes apresentam índi- gualdades regionais sejam superadas, além de permitir a comunicação mais fluida
ce médio de posse de medicamento menor que 80% (Figura 22). entre os diferentes níveis de complexidade dos serviços de saúde.

80 81
As barreiras para o cuidado da pessoa com EM As barreiras para o cuidado da pessoa com EM

Dentre todos os Caso a EM o indivíduo pode ter direito à preferência em filas


pacientes sob de órgãos públicos, transporte público gratuito
acarrete alguma
atendimento (em São Paulo), estacionamento preferencial,
no SUS Figura 23 DEFICIÊNCIA isenção de rodízio de carros (em São Paulo) e
6,8% Percentual de
pacientes do FÍSICA, isenção de impostos na aquisição de veículos
novos adaptados, além de poder requerer auxílio-
SUS com acesso
a cadeiras de doença para o INSS e ainda solicitar aposentadoria
Pacientes com acesso à cadeiras de rodas,
órteses e outros equipamentos
rodas, órteses precoce, atendidas as condições legais82.
e outros
equipamentos

Apesar de termos políticas públicas em vigor que visam melhorar o cuidado aos pa-
Políticas sociais
cientes com EM e possuirmos um sistema de saúde que busca dar o acesso aos cui-
Alinhado aos problemas existentes no acesso ao diagnóstico e aos tratamentos, há dados de maneira ampla e universal, existe muito espaço para melhorias. No cenário
uma carência de políticas públicas eficientes para a EM e o desconhecimento acerca brasileiro de austeridade fiscal, entende-se que há a necessidade de ampliar os co-
dos direitos que os pacientes possuem no Brasil. Apesar da existência da Política nhecimentos dos gestores de saúde para além dos custos envolvidos com a doença.
Nacional de Atenção ao Portador de Doença Neurológica81, que visa promover uma Deve-se priorizar mais as avaliações sobre o impacto do cuidado na qualidade de
linha de cuidado integral e ampliar e qualificar o atendimento aos pacientes com do- vida, na produtividade e no consumo de recursos em saúde que podem ser evitados
enças neurológicas, os cuidados adequados não são garantidos. Apesar de muitos em decorrência do cuidado adequado, como hospitalizações e outros procedimen-
direitos estarem contemplados nas leis atuais, a falta de recursos impossibilita que tos de alta complexidade. Assim, devemos colocar as necessidades dos pacientes
as medidas sejam adotadas de fato e este gargalo impacta todo o manejo da doença no centro da discussão.
no país, dificultando desde o acesso ao diagnóstico correto e rápido até os trata- É fundamental que haja um trabalho constante de toda a comunidade de EM pelos
mentos adequados. melhores cuidados, no tempo correto. A participação dos próprios pacientes e de
O segundo problema é resultado da falta de conhecimento entre os pacientes sobre sociedades médicas no engajamento dos “tomadores de decisão”, tanto em âmbito
quais são os direitos que possuem e como exercê-los. Exercer os direitos é funda- público quanto privado, é muito importante. Além disso, observamos que há espaço
mental, pois pode ajudar a melhorar a qualidade de vida do indivíduo com EM. Nessa para que seja desenvolvida mais pesquisa científica e que o debate seja amplamen-
linha, é papel do médico e de outros profissionais da saúde direcionar o paciente e a te estimulado dentro das universidades e dos institutos. Não somente buscar de-
família a um assistente social. Este profissional é fundamental para instruir e mos- senvolver mais os estudos acadêmicos no país, mas trabalhar para que a produção
trar os caminhos para que os direitos desses pacientes sejam exercidos e sua a par- científica vise transformar as boas ideias em ações práticas, ou seja, para que seja
ticipação social seja maximizada. possível implementarmos melhorias no cuidado em curto e longo prazo.

82 83
As barreiras para o cuidado da pessoa com EM As barreiras para o cuidado da pessoa com EM

Oportunidades a serem trabalhadas


QUADRO-RESUMO São necessárias ações das sociedades médicas, em parceria com o poder
público, para levar mais conhecimento aos profissionais de saúde, melhorando
01 Existe espaço para MELHORAR O CONHECIMENTO SOBRE A EM ENTRE OS PROFIS- a comunicação e a troca de conhecimentos entre a APS e serviços com mais
SIONAIS DA APS; complexidade tecnológica/ especializados;

02 A DISPONIBILIDADE DO ATENDIMENTO ESPECIALIZADO VARIA MUITO NO PAÍS, de- Difundir o conhecimento sobre a EM na sociedade também gera impacto
pendendo tanto de aspectos geográficos quanto socioeconômicos, estando positivo na busca por um diagnóstico mais precoce e correto, permitindo
que pacientes saibam reconhecer melhor os sinais e sintomas da doença;
muito concentrado nos grandes centros e mais acessível no sistema privado
de saúde; É necessária a estruturação de mais centros de referência, ou seja,
estabelecimentos mais especializados ao redor do país, na saúde pública
03 No país, MUITOS INDIVÍDUOS PODEM ESTAR SUBDIAGNOSTICADOS E, CONSEQUEN- ou privada, especialmente nas regiões mais defasadas deste serviço, para
TEMENTE, NÃO RECEBENDO AS INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS ADEQUADAS; aumentar a disponibilidade e a capilaridade do atendimento especializado
em EM;
04 A rede de atendimento e o fluxo de atendimento em EM devem estar mais
claros e bem definidos. A despeito de diferentes responsabilidades federati- É importante o desenvolvimento de um fluxo de atendimento, desde o
vas, densidade tecnológica e tipo de serviço oferecido, uma linha de cuidado atendimento na APS até a chegada a um centro especializado, com atuação
das esferas federal, estaduais e municipais, mapeando as necessidades
integrada e com objetivos comuns deve ser estruturada; regionais específicas e estruturando uma política que integre melhor os
diferentes níveis de atendimento;
05 O FLUXO DE ATENDIMENTO DEVE SER MELHOR CARACTERIZADO, visando atender
às necessidades específicas de cada região no cuidado de pessoas com EM; É fundamental que o poder público atue numa melhor caracterização da
linha de cuidado dos pacientes com EM de maneira a atender integralmente
06 Mesmo após receberem o diagnóstico de EM, MUITOS PACIENTES ENFRENTAM às necessidades específicas destes indivíduos, permitindo que desigualdades
ATRASOS NO INÍCIO DO TRATAMENTO e também lidam com interrupções ao lon- regionais sejam superadas e garantindo a comunicação mais fluida entre os
go do tempo; diferentes níveis de complexidade dos serviços de saúde;
07 É baixo o número de pacientes que têm acesso a equipamentos de suporte, A importância do cuidado multidisciplinar deve ser reforçada em protocolos
como cadeiras de rodas e órteses, pelo SUS; e diretrizes clínicas para permitir que os pacientes tenham acesso a uma
ampla gama de tratamentos;
08 Há FALTA DE CONHECIMENTO ENTRE PROFISSIONAIS DE SAÚDE E PACIENTES SO-
BRE OS DIREITOS SOCIAIS dos pacientes com EM. Devem ser priorizadas discussões sobre qualidade de vida e impactos na
vida dos pacientes, colocando as necessidades e vontades dos pacientes no
centro da discussão.

84 85
Referências
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11. Morales R de R, Morales N de MO, Rocha FCG da, Fenelon SB, Pinto R de MC, Silva CHM da. Qualidade
Felizmente, observamos que o cenário atual da esclerose múltipla no país já apre- de vida em portadores de esclerose múltipla . Vol. 65, Arquivos de Neuro-Psiquiatria . scielo ; 2007. p.
senta diversas melhorias com relação aos anos e às décadas anteriores. Antiga- 454–60.
mente, receber a notícia do diagnóstico era um impacto gigantesco e a escassez 12. Lopes KN, Nogueira LAC, Nóbrega FR, Alvarenga-Filho HH, Alvarenga RMPA. Limitação funcional, fadiga
e qualidade de vida na forma progressiva primária da Esclerose Múltipla. Rev Neurociências. 2001 Mar;18(1
de tratamentos e falta de conhecimento generalizado sobre a doença faziam com SE-Artigos Originais).
que muitos pacientes perdessem a esperança e enxergassem sua condição como 13. Algahtani HA, Shirah BH, Alzahrani FA, Abobaker HA, Alghanaim NA, Manlangit JSJ. Quality of life among
multiple sclerosis patients in Saudi Arabia. Neurosciences (Riyadh). 2017 Oct;22(4):261–6.
uma “sentença”. Hoje, o conhecimento está mais difundido, as informações são
14. Lorefice L, Fenu G, Frau J, Coghe G, Marrosu MG, Cocco E. The impact of visible and invisible symptoms
mais acessíveis e há mais alternativas de tratamentos e oportunidades de partici- on employment status, work and social functioning in Multiple Sclerosis. Work. 2018;60(2):263–70.
pação social. O indivíduo com EM pode e deve ser o dono de sua própria trajetória! 15. Spain LA, Tubridy N, Kilpatrick TJ, Adams SJ, Holmes ACN. Illness perception and health-related quality
of life in multiple sclerosis. Acta Neurol Scand. 2007 Nov;116(5):293–9.
O objetivo deste Guia de Discussão é justamente mostrar que é possível, sim, me- 16. Grytten N, Maseide P. “When I am together with them I feel more ill.” The stigma of multiple sclerosis
lhorar o cuidado e proporcionar mais oportunidades em âmbito social, profissional experienced in social relationships. Chronic Illn. 2006 Sep;2(3):195–208.
e de saúde aos pacientes e cuidadores. Almejamos trazer luz aos debates sobre 17. Howard J, Trevick S, Younger DS. Epidemiology of Multiple Sclerosis. Neurol Clin. 2016 Nov;34(4):919–39.
18. Yamasaki R, Kira J. Multiple Sclerosis. Adv Exp Med Biol. 2019;1190:217–47.
a EM, levar mais conhecimento e informação sobre a doença a todos que se inte- 19. Glanz BI, Degano IR, Rintell DJ, Chitnis T, Weiner HL, Healy BC. Work productivity in relapsing multiple
ressem pelo assunto e possibilitar que medidas sejam traduzidas em ações. E as sclerosis: associations with disability, depression, fatigue, anxiety, cognition, and health-related quality
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