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1 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
A
PANDEMIA
DE
COVID-19
RELATÓRIO CNS

DESAFIOS PARA A SAÚDE


Desafios para a saúde dos portugueses

DOS PORTUGUESES
A PANDEMIA DE COVID-19
Ficha Técnica

Presidente
Henrique Barros

Vice-Presidente
Ana Nunes de Almeida

Peritos
Gisela Leiras, Gonçalo Figueiredo Augusto, Guilherme Duarte,
Inês Fronteira, José Carlos Gomes, Teresa Leão

Conselheiros
João de Bragança
Acreditar - Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro
Luís Oliveira Couto
ADEB - Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares
Diogo Valadas Pontes
Associação Nacional AVC
Joaquim Brites
APN - Associação Portuguesa de Neuromusculares
Isabel Magalhães
PULMONALE - Associação Portuguesa de Luta contra o Cancro do Pulmão
Arsisete Saraiva
ANDAR - Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatoide
Dário Pirralha Ligeiro
Ordem dos Biólogos
Serafim Rebelo
Ordem dos Enfermeiros
Luís Lourenço
Ordem dos Farmacêuticos
Rubina Correia
Ordem dos Médicos
Miguel Pavão
Desafios para a saúde dos portugueses

Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas


Joana Sousa
Ordem dos Nutricionistas
Miguel Ricou
Ordem dos Psicólogos
Alfredo Monteiro
Associação Nacional de Municípios Portugueses
Jorge Veloso
Associação Nacional de Freguesias
A PANDEMIA DE COVID-19
António de Sousa Pereira
Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas
José Fragata
Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas
Jorge Conde
Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos
António Luís Carvalho
Coordenador
Eduardo Azevedo
Região Autónoma dos Açores
Herberto Jesus
Região Autónoma da Madeira
José Correia Martins
Comissão Permanente de Concertação Social
Emanuel António Boieiro
Comissão Permanente de Concertação Social
Óscar Gaspar
Comissão Permanente de Concertação Social
Humberto Alexandre Martins
Comissão Permanente de Concertação Social
António Abrantes
Comissão Permanente de Concertação Social
Manuel Caldas de Almeida
Conselho Nacional para a Economia Social
Miguel Oliveira da Silva
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida

Design & Paginação


Itsanashow Creative Studio

Citação sugerida: Conselho Nacional de Saúde. A pandemia de COVID-19:


Desafios para a saúde dos Portugueses.
Lisboa: CNS, 2022.
© Conselho Nacional de Saúde, 2022

ISSN: 2184-6960
Desafios para a saúde dos portugueses

Conselho Nacional de Saúde


Avenida Padre Cruz
1649-016 Lisboa, Portugal
E-mail: geral.cns@cns.min-saude.pt
www.cns.min-saude.pt
A PANDEMIA DE COVID-19
ÍNDICE

SUMÁRIO EXECUTIVO 5

INTRODUÇÃO 9

A evolução e a resposta à pandemia em Portugal................................................................ 11


A COVID-19 enquanto desafio...................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 Indicadores sociais, demográficos e de saúde 17

1.1. A pandemia e a disrupção repentina dos quotidianos.................................................... 18


1.2. Privação material.......................................................................................................................... 22
1.3. Desemprego.................................................................................................................................... 24
1.4. Mortalidade.....................................................................................................................................26
1.5. Natalidade e fecundidade......................................................................................................... 30
1.6. Esperança média de vida...........................................................................................................34
1.7. Casamentos e divórcios..............................................................................................................35
1.8. Violência.......................................................................................................................................... 36
1.9. Hábitos alimentares e atividade física................................................................................. 39
1.10. Consumo de tabaco...................................................................................................................43
1.11. Consumo de álcool......................................................................................................................44
1.12. Consumo de drogas ilícitas.....................................................................................................45
 iteracia – perceção de risco e adoção das medidas preventivas....................... 46
1.13. L

CAPÍTULO 2 Saúde mental e pandemia: uma visão sindémica 51

2.1. Impacto na saúde mental........................................................................................ 53


Desafios para a saúde dos portugueses

2.2. Uma epidemia na pandemia: os psicofármacos................................................... 55


2.3. Resposta pelos serviços de saúde mental............................................................ 57
A PANDEMIA DE COVID-19
CAPÍTULO 3 Cuidados de saúde 62

3.1. Cuidados de saúde assistenciais prestados pelo Serviço Nacional de Saúde..... 64


3.1.1. Consultas médicas nos Cuidados de Saúde Primários................................. 65
3.1.2. Consultas médicas hospitalares........................................................................... 66
3.1.3. Intervenções cirúrgicas............................................................................................ 68
3.1.4. Internamentos............................................................................................................... 72
3.1.5. Tratamento de dependências................................................................................ 80
 uidados de saúde preventivos prestados pelo Serviço Nacional de Saúde........82
3.2. C
3.2.1. Saúde infantil.................................................................................................................83
3.2.2. Vigilância da diabetes mellitus.............................................................................84
3.2.3. Rastreios populacionais...........................................................................................85
3.2.4. Saúde oral..................................................................................................................... 86
3.3. Recursos humanos no sistema de saúde...........................................................................88
3.4. Cuidados de saúde prestados no sector privado........................................................... 90
3.4.1. Farmácias comunitárias........................................................................................... 90
3.4.2. Laboratórios.................................................................................................................. 91
 eios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica................................92
3.4.3. M
3.4.4. Hospitais....................................................................................................................... 93
3.4.5. Articulação entre sectores......................................................................................97
3.4.6. Seguros de Saúde..................................................................................................... 98

CAPÍTULO 4 10 recomendações para o futuro 100

ANEXO 105
Desafios para a saúde dos portugueses
5 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
PORTUGUESES
19

Próxima no tempo dos impactos da


crise financeira de 2008, a pandemia
de COVID-19 trouxe uma disrupção
súbita e avassaladora no quotidiano
dos portugueses.
-

DOS
COVID

SUMÁRIO

SAÚDE
EXECUTIVO
DE

A
PANDEMIA

PARA
Desafios para a saúde dos portugueses

DESAFIOS
A
6 SUMÁRIO EXECUTIVO

A PANDEMIA DE COVID-19
SUMÁRIO
EXECUTIVO
A pandemia de COVID-19 trouxe uma abrupta disrupção
social e demográfica. No final de 2021 mais de um décimo da
população portuguesa havia sido infetada por SARS-CoV-2
e haviam sido contados quase 19.000 óbitos.

Parte significativa da população esteve con-


finada durante várias semanas, seja durante
os dois períodos de confinamento, em 2020 e
2021, seja devido a isolamento por infeção ou
quarentena por contacto de risco com infeta- A natalidade diminuiu
dos. As pessoas institucionalizadas e hospitali- relativamente à
zadas perderam o direito a acompanhantes e a
visitas e as crianças e jovens em idade escolar
média observada
sofreram dois períodos de suspensão de ativi- de 2016 a 2019, com
dade escolar de vários meses (Capítulo 1). uma diferença mais
Em 2020 houve um aumento na taxa de desem- acentuada na Área
prego, em especial entre os jovens de 20 - 29 Metropolitana
anos. No entanto, em 2021 a taxa de desempre- de Lisboa.
go e o número de pessoas inscritas nos cen-
tros de emprego decresceram. Apesar de em
2020 se ter observado uma diminuição da per-
centagem da população em risco de pobreza, a
redução foi menor no grupo de +65 anos e es-
tagnou no grupo dos 0 aos 17 anos. As famílias
monoparentais, numerosas, os desempregados
e os trabalhadores com contrato temporário
apresentam maior taxa de risco de pobreza, e a
privação material mantém-se mais alta na Ma- til decresceu, exceto nos Açores e na Madeira.
deira e nos Açores. A natalidade diminuiu relativamente à média ob-
Desafios para a saúde dos portugueses

A esperança média de vida diminuiu 0,7 anos servada de 2016 a 2019, com uma diferença mais
para ambos os sexos. De facto, durante estes acentuada na Área Metropolitana de Lisboa. O
número de casamentos e de divórcios também
dois anos de pandemia a taxa de mortalidade
diminuiu em 2020.
subiu e se em vários meses o excesso de mor-
talidade coincidiu com picos de incidência de Focando no potencial impacto das alterações
COVID-19, este ocorreu também em momentos sociais nos comportamentos individuais, vários
de incidência reduzida e sem elevada pressão da inquéritos mostram alterações na alimentação e
pandemia sobre os serviços de saúde. Diferen- na atividade física, sendo que a degradação dos
temente, em 2020 a taxa de mortalidade infan- hábitos alimentares e a acentuação do seden-
7 SUMÁRIO EXECUTIVO

A PANDEMIA DE COVID-19
O volume de notícias falsas divulgadas
nos meios de comunicação social e
online, relacionadas com a pandemia,
foi substancial, acompanhadas com
teorias da conspiração, narrativas
críticas apontando instituições
públicas e veiculando informações não
sustentadas cientificamente.

tarismo ocorreram com maior frequência em acompanhadas com teorias da conspiração,


pessoas com maior privação económica. Quan- narrativas críticas apontando instituições públi-
to ao consumo de tabaco e álcool, em 2020 cas e veiculando informações não sustentadas
houve uma redução do número de unidades de cientificamente. Em 2020, quase um terço das
cigarros e similares vendidos, mas um aumento pessoas que viviam em agregados com maior
similar da venda de tabaco de corte fino, e uma privação económica reportavam dificuldade em
redução de vendas de cerveja e bebidas espi- distinguir notícias falsas e mais de 40% sentia
rituosas. No entanto, em 2020 houve também ansiedade ao ler notícias.
uma redução de mais de 70% de chegadas de
Ainda que as forças policiais tenham registado
turistas em Portugal e a suspensão da atividade
menos crimes em 2020 que no período 2016-
de bares e discotecas, que certamente contri-
2019, a Europol alertou para uma maior incidên-
buíram para estes valores. Na realidade, tendo
cia de esquemas de fraude e crime financeiro,
em conta estes diferenciais poderá ter havido
online ou por telefone. Também, ainda que os
Desafios para a saúde dos portugueses

um aumento do consumo de tabaco e álcool nos


crimes por violência doméstica tenham sido me-
períodos de confinamento.
nos reportados e registados pelas forças poli-
Para além dos comportamentos alimentares, ciais, em 2020 houve 32 homicídios voluntários
de atividade física ou de consumo de subs- em contexto de violência doméstica, uma ligeira
tâncias, estes dois anos colocaram desafios à redução face a 2019. A suspensão das atividades
população quanto à exposição à infodemia e à letivas poderá também ter deixado as crianças
violência. O volume de notícias falsas divulga- mais vulneráveis à violência, e a exposição ex-
das nos meios de comunicação social e online, cessiva aos ecrãs poderá ter aumentado o risco
relacionadas com a pandemia, foi substancial, de exploração online de crianças e jovens.
8 SUMÁRIO EXECUTIVO

A PANDEMIA DE COVID-19
Todas as mudanças sociais económicas, e o pró- Esta quebra assistencial fez-se também sentir
prio receio inerente à vivência de uma pande- no tratamento de dependências (álcool, drogas
mia por um agente pouco conhecido, colocaram ilícitas tabaco), na vigilância de diabetes mellitus
à prova os recursos adaptativos da população. nos cuidados de saúde primários, e nos rastreios
Vários inquéritos revelaram um aumento dos populacionais para o cancro da mama, cancro
níveis de ansiedade e stress no início da pande- colo-retal e cancro do colo do útero.
mia, com elevadas percentagens de inquiridos Perante os desafios vividos durante a pandemia
reportando medo, tristeza, preocupação, alte- e aqui descritos, e para uma recuperação e re-
ração do sono (Capítulo 2). Estes sintomas forço da resposta para uma melhor da saúde da
ocorreram com maior frequência em pessoas população, este relatório elenca 10 recomenda-
que reportaram dificuldade na conciliação tra- ções para o futuro (Capítulo 4).
balho-família, preocupação com a manutenção
do trabalho ou do rendimento, e preocupação
relativamente ao futuro. No entanto, verificou-
-se que, de 2020 para 2021, houve uma redução
dos níveis de stress, ansiedade e depressão, re-
flectindo uma adaptação generalizada às adver-
sidades da pandemia, ainda que menos evidente
em alguns grupos populacionais, como nas mu-
lheres, nas pessoas desempregadas e pessoas
com doença crónica.
Quanto aos cuidados de saúde curativos pres-
tados pelo SNS (Capítulo 3), observou-se uma
quebra do número de consultas médicas reali-
zadas nos cuidados de saúde primários e hospi-
talares. Houve redução da proporção de utentes
com acesso a consultas médicas nos cuidados
de saúde primários e uma redução da propor-
ção de utentes com acesso a cuidados hospi-
talares, mais marcada do que a verificada nos
cuidados de saúde primários. Em 2020 menos
de 75% das consultas externas decorreu dentro
do Tempo Máximo de Resposta Garantido, valor
que voltou a subir acima de valores pré pande-
mia em 2021. Registou-se um aumento de mais
Desafios para a saúde dos portugueses

de 100% em teleconsultas.
Houve uma redução marcada do número de in-
tervenções cirúrgicas realizadas, seja das pro-
gramadas, em ambulatório, convencionais e
urgentes, e uma redução da percentagem de ins-
critos em cirurgia com Tempo Máximo de Respos-
ta Garantida. Ainda, em 2020 observou-se uma
redução no número de internamentos hospitala-
res e no total de dias de internamento.
9 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
PORTUGUESES
19

Próxima no tempo dos impactos da


crise financeira de 2008, a pandemia
de COVID-19 trouxe uma disrupção
súbita e avassaladora no quotidiano
dos portugueses.
-

DOS
COVID

INTRO

SAÚDE
DUÇÃO
DE

A
PANDEMIA

PARA
Desafios para a saúde dos portugueses

DESAFIOS
A
10 INTRODUÇÃO

A PANDEMIA DE COVID-19
INTRODUÇÃO
A pandemia resultante da emergência de um novo
coronavírus – o SARS-CoV-2 – desafiou a humanidade em
múltiplas dimensões: a biológica e a social, a científica e a
cultural, e a política, nacional e internacional.

A crise sanitária transformou-se num facto so-


cial global e transferiu para a saúde pública –
nas suas múltiplas declinações – uma liderança
política até então inesperada e para a qual esta-
va pouco preparada. Este relatório
A pandemia reclamou uma resposta para as pes- pretende ser uma
soas com doença moderada a grave, cuja qualida- reflexão sobre
de influenciou muito marcadamente a mortalida- a forma como a
de na população. Reclamou também estratégias
para responder à transmissão comunitária do
pandemia – e as várias
SARS-CoV-2. Ambas as respostas – curativas e medidas tomadas
preventivas – contribuíram para a gestão e con- para a sua resposta
trolo da infeção por SARS-CoV-2 e da COVID-19 – poderá ter afetado
e influenciaram, positiva e/ou negativamente, o
a demografia e o
bem-estar físico e mental da população.
bem-estar social da
Este relatório pretende ser uma reflexão sobre a
população, a saúde
forma como a pandemia – e as várias medidas
tomadas para a sua resposta – poderá ter afe- mental e a prestação
tado a demografia e o bem-estar social da po- de outros cuidados de
pulação, a saúde mental e a prestação de outros saúde, hospitalares
cuidados de saúde, hospitalares e nos cuidados
e nos cuidados de
de saúde primários, à população, produzindo re-
comendações para uma retoma e recuperação. saúde primários, à
Mais do que compreender a forma como se res- população, produzindo
Desafios para a saúde dos portugueses

pondeu aos desafios sanitários e sociais que a recomendações


pandemia nos colocou importa pensar como so- para uma retoma
mos interpelados pela complexidade da situação
que vivemos ao projetar o futuro.
e recuperação.
11 INTRODUÇÃO

A PANDEMIA DE COVID-19
A evolução e a resposta
à pandemia em Portugal

No dia 2 de março de 2020 foram confirmados ridades de resposta viria a resultar em impacto
os dois primeiros casos de infeção por SARS- negativo no diagnóstico e acompanhamento dos
-CoV-2 em Portugal, identificados no dia ante- doentes não COVID-19, um efeito cuja dimensão
rior na região Norte de Portugal. Duas semanas real permanece por determinar.
depois, as escolas encerraram e o ensino pre-
Após o pico da primeira vaga em março/abril de
sencial foi suspenso, não acompanhando as re-
2020 (FIG. 1), com uma incidência máxima de
comendações do Conselho Nacional de Saúde
109 novos casos por 100.000 habitantes e uma
Pública reunido pela primeira vez a 11 de março
taxa máxima de 45 óbitos por milhão de habi-
de 2020. No dia 18 de março de 2020 foi de-
tantes nos últimos 14 dias, e que afetou parti-
clarado Estado de Emergência, com restrição
cularmente a região Norte, numa circunstância
da circulação na via pública, obrigatoriedade de
de grande restrição da mobilidade e de limita-
teletrabalho para alguns grupos profissionais,
ções técnicas ao rastreio generalizadio, assis-
encerramento de grande parte dos estabeleci-
tiu-se à redução da incidência, o que motivou
mentos (i.e., restauração, culturais, atividades
a passagem para Situação de Calamidade, se-
desportivas ou recreativas, entre outros) e sus-
guindo-se em três fases o processo designado
pensão das atividades de comércio a retalho (ex-
como desconfinamento.
ceto os considerados de primeira necessidade,
como bens alimentares, medicamentos, entre Nos meses de junho e julho de 2020, a epidemia
outros) [1]. Também na fase inicial do reconhe- teve particular expressão na região de Lisboa e
cimento da epidemia foi emitido um Despacho Vale do Tejo onde se registaram incidências su-
do Gabinete da Ministra da Saúde determinando periores a 100 casos por 100.000 habitsantes
que as entidades do Serviço Nacional de Saúde durante os meses de junho e julho. Em setembro
deveriam garantir a resposta à COVID-19 com de 2020, o aumento da incidência em todas as
prontidão, adequação e segurança dos seus re- regiões do país levou à implementação de no-
cursos humanos e materiais em todas as linhas vas medidas, como a limitação da dimensão dos
Desafios para a saúde dos portugueses

da atividade assistencial, devendo para isso, ajuntamentos, a restrição dos horários de fun-
na medida do necessário, suspender a ativida- cionamento dos estabelecimentos ou a proibição
de assistencial não urgente, desde que esta não de venda de álcool a partir as 20 horas e do seu
implicasse risco de vida para os utentes (defi- consumo na via pública [3].
nindo a necessidade de garantir o acompanha-
mento da gravidez, a resposta na exacerbação
das doenças crónicas, o acesso a vacinação, ou O aumento sustentado da incidência durante o
outros que pudessem afetar o prognóstico dos mês de outubro de 2020 levou à adoção de me-
utentes) [2]. A necessidade de reorientar prio- didas de limitação da circulação na via pública
12 INTRODUÇÃO

A PANDEMIA DE COVID-19
e entre concelhos, obrigatoriedade de teletraba-
lho, limitação de celebrações a 5 pessoas (exce-
to se pertencentes ao mesmo agregado familiar),
proibição da realização de feiras e mercados,
Ainda que se tenha
entre outros [4]. Esta vaga afetou especialmen-
te a região Norte, com incidências superiores a observado uma
1.300 casos por 100.000 habitantes nos últimos redução da incidência
14 dias durante o mês de novembro de 2020. A de infeção por
mortalidade por COVID-19 não parou de aumen-
SARS-CoV-2 a
tar desde setembro de 2020 (FIG. 2): a taxa de
mortalidade por COVID-19 evoluiu de 5 óbitos
partir do final de
em setembro 2020 para mais de 100 óbitos por novembro de 2020,
milhão de habitantes nos últimos 14 dias em no- esta voltou a crescer
vembro de 2020. rapidamente a partir
Ainda que se tenha observado uma redução da Natal de 2020.
incidência de infeção por SARS-CoV-2 a partir do
final de novembro de 2020, esta voltou a cres-
cer rapidamente a partir Natal de 2020, atingindo
o máximo no final de janeiro de 2021 (FIG. 1), e
afetando todas as regiões de Portugal continen-
tal. Também a mortalidade registou um cresci- letrabalho, o encerramento dos estabelecimentos
mento após o Natal de 2020, tendo atingido valo- comerciais de bens não essenciais, a suspensão
res máximos no final de janeiro de 2021 (FIG. 2). das atividades culturais, de restauração e hotela-
Em janeiro de 2021 retomou-se a limitação de cir- ria, a suspensão das atividades letivas e não leti-
culação na via pública, a obrigatoriedade do te- vas, entre outros.

30000

25000

20000

15000

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Desafios para a saúde dos portugueses

5000
Fonte: DGS

0
0 0 0 20 0 20 0 0 20 0 21 21 ‘2
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‘2 n‘ l‘2 o‘ t‘ 2 t‘ 2 v‘ z‘2 n‘ v‘ ar ai n‘ ju o‘ v‘
m ab m ju ju ag se ou no de ja fe m ab m ju ag se ou no de

FIG. 1. Evolução diária do número de novos casos notificados de infeção por SARS-CoV-2 em Portugal,
março 2020 – dezembro 2021.
13 INTRODUÇÃO

A PANDEMIA DE COVID-19
300

250

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Fonte: DGS
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m ab m ju ju ag se ou no de ja fe m ab m ju ag se ou no de

FIG. 2. Evolução diária do número de óbitos por COVID-19 em Portugal, março 2020 – dezembro 2021.

Em março de 2021 iniciou-se o desconfinamento, crescimento desde o outono de 2021, a taxa de


que decorreu em várias fases e, por vezes, com mortalidade por COVID-19 manteve-se inferior a
diferenças geográficas, nos meses subsequen- 25 óbitos por milhão de habitantes nos últimos 14
tes [5]. A partir do final do ano 2020, iniciou-se a dias até ao final de dezembro de 2021.
vacinação dos grupos em maior risco, como pro-
A evolução da pandemia foi distinta nas Regiões
fissionais de saúde e pessoas idosas em estru-
Autónomas. Nos primeiros meses, na Região Au-
turas residenciais bem como de outras pessoas
tónoma dos Açores observou-se um reduzido nú-
com risco acrescido de severidade associada
mero de casos, raramente atingindo os 10 casos
à COVID-19, o que desde cedo se refletiu numa
por dia. A partir de novembro de 2020 houve um
redução do número de doentes internados em
aumento da incidência, com um pico de 48 casos
Unidades de Cuidados Intensivos entre fevereiro
a 21 de novembro, descida breve e novo aumento,
e junho de 2021 e uma redução da mortalidade
atingindo os 138 casos a 11 de janeiro de 2021.
COVID-19 para menos de 10 óbitos por milhão de
Após um decréscimo da incidência em fevereiro
habitantes nos últimos 14 dias a partir de abril de
de 2021, observou-se em abril a um aumento de
2021, com menos de 250 óbitos por COVID-19 re-
casos, com cerca de 40 casos diários durante cer-
gistados entre abril e junho de 2021 (FIG. 2). O
ca de uma semana.
número de novos casos registou um novo aumen-
to no verão de 2021, com a circulação da variante Na Região Autónoma da Madeira, observou-se
Delta, tendo a incidência declinado durante o ou- menos de uma dezena de casos diários durante
Desafios para a saúde dos portugueses

tono para voltar a crescer rapidamente no mês de os primeiros meses da pandemia. A partir de ou-
dezembro de 2021, com a circulação da variante tubro de 2020 houve um aumento ténue da in-
Ómicron (FIG. 1). A proporção de casos de infe- cidência, atingindo o pico no mês de novembro
ção internados em Unidades de Cuidados Inten- desse ano com 30 casos diários. Após a redução
sivos e de óbitos manteve-se significativamente da incidência no início de dezembro, houve um
inferior ao observado entre março de 2020 e mar- aumento do número de casos ultrapassando os
ço de 2021, o que será explicado pela elevada co- 50 casos diários a 29 de dezembro de 2020 e os
bertura vacinal da população. Embora a evolução 100 casos diários a 17 de janeiro de 2021. A redu-
do número de óbitos tenha tido uma tendência de ção da incidência observou-se em março de 2021.
14 INTRODUÇÃO

A PANDEMIA DE COVID-19
A COVID-19
enquanto desafio

Tudo o que vivemos ao longo dos meses que se cratização de vários processos, como a emissão
seguiram à identificação da pandemia de CO- de declarações de isolamento profilático.
VID-19 consubstancia uma circunstância pro-
Por oposição ao “excecional”, o “normal” (que
longada de excecionalidade, desconhecimento
tanto varia entre indivíduos, grupos, regiões,
e medo, aquilo que nas profissões da saúde
culturas) é o resultado de longas negociações
define o “anormal”, isto é, algo incomum, que
entre pessoas e comunidades, entre pessoas
produz doença e que é tratável ou pelo menos,
e o ambiente em que vivem, entre tradições e
em geral, remediável.
roturas. Um desafio inequívoco da pandemia –
Se, por um lado, a infeção emergente desafiou cuja necessidade medida pela extensão das li-
a nossa (im)preparação para responder no ime- mitações virá por certo a ser interrogada – foi
diato ou projetar um futuro a médio prazo (lem- obrigar-nos a lidar com a visibilidade pública
brando na diversidade das opções individuais e da morte e da doença, o sofrimento, o medo,
comunitárias, entre regiões e países, a ausência a impossibilidade de nos movermos livremente,
de uma solução singular tantas vezes invocada), a necessidade de trabalhar por obrigação atrás
por outro a sua inequívoca dimensão de crise de ecrãs (com exceção dos trabalhadores da li-
interpela a nossa capacidade para decidir e es- nha da frente), a suspensão do contacto táctil, e
pecialmente para liderar. imaginar que tudo isso podia ser “normalizado”,
visto para muito tempo como uma solução en-
O que vivemos na pandemia representa a dis-
tre as possíveis. Ou seja, os direitos e liberdades
rupção violenta e repentina da organização
individuais foram desafiadas por uma omnipre-
do quotidiano, na forma de conviver e de co-
sente saúde pública a quem se pediu o com-
municar, duas atividades essenciais ao ser-se
promisso prescritivo de atitudes que evitassem,
pessoa. A rápida designação de confinamento,
afinal, a morte.
numa aceção nova, invadiu a vida lexical e so-
cial, e, associada à imposição da distância física Tanto quanto é possível prever a forma como
e do uso de máscara facial, perturbou e muito irá evoluir a relação entre o SARS-CoV-2 e a po-
o que como equilíbrio emocional as sociedades pulação humana (mesmo se não sabemos com
humanas tinham construído. Deu lugar a novas clareza se o vírus, tal como o conhecemos ou
Desafios para a saúde dos portugueses

formas de conciliar a tomada de decisão política em alguma das suas possíveis variantes, não
com a inspiração útil do melhor conhecimento circulará sustentadamente em outras espécies
científico, emergindo com a infeção um lugar animais) podemos imaginar que o vírus manter-
inesperado para a saúde pública. Exigiu uma -se-á em circulação endémica, com eventuais
enorme capacidade de adaptação, dedicação e surtos ou epidemias, mais provavelmente fre-
esforço dos profissionais de saúde, obrigou ao quentes nos períodos frios – desafio que deve-
estreitar da articulação dos serviços de saúde mos ser capazes de encarar agora, mais organi-
com as instituições do sector social e as autar- zados e seguros das escolhas.
quias, e acelerou a informatização e desburo-
15 CAP 01
INTRODUÇÃO

A PANDEMIA DE COVID-19
O que vivemos na pandemia representa
a disrupção violenta e repentina da
organização do quotidiano, na forma
de conviver e de comunicar, duas
atividades essenciais ao ser-se pessoa.
A rápida designação de confinamento,
numa aceção nova, invadiu a vida lexical
e social, e, associada à imposição da
distância física e do uso de máscara
facial, perturbou e muito o que como
equilíbrio emocional as sociedades
humanas tinham construído.
Desafios para a saúde dos portugueses
16 INTRODUÇÃO

A PANDEMIA DE COVID-19
REFERÊNCIAS

1. C
 onselho de Ministros. Comunicado do Conselho de Ministros de 19 de março de
2020. [cited 2021 Sep 25]. Available from: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/go-
verno/comunicado-de-conselho-de-ministros?i=334

2. Gabinete da Ministra da Saúde. Despacho. Lisboa; 2020.

3. P
 residência do Conselho de Ministros. Resolução do Conselho de Ministros n.o 70-
A/2020. Lisboa; 2020.

4. C
 onselho de Ministros. Comunicado do Conselho de Ministros de 22 de outubro de
2020. 22/10/2020.

5. C
 onselho de Ministros. Comunicado do Conselho de Ministros de 11 de março de
2021. [cited 2021 Sep 25]. Available from: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/go-
verno/comunicado-de-conselho-de-ministros?i=407
Desafios para a saúde dos portugueses
Desafios para a saúde dos portugueses
17
A PANDEMIA DE COVID - 19
CAP 01

DEMOGRÁFICOS
CAPÍTULO

INDICADORES SOCIAIS,
1
E DE SAÚDE
DESAFIOS PARA A SAÚDE DOS PORTUGUESES
A PANDEMIA DE COVID-19
18 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.1. A pandemia e a
disrupção repentina
dos quotidianos

Próxima no tempo dos impactos da crise finan- caram grandes franjas da população ativa em
ceira de 2008, a pandemia de COVID-19 trouxe situação crítica no que respeita a sobrevivência
uma disrupção súbita e avassaladora no quotidia- económica, com consequências na saúde físi-
no dos portugueses. Os sucessivos confinamen- ca e mental. Vale a pena assinalar duas delas.
tos, encerramentos ou suspensão de atividades Os trabalhadores pouco qualificados de baixas
económicas, a entrada em força do teletrabalho, remunerações, com contratos precários ou en-
o fecho de escolas de todos os níveis de ensino volvidos na economia informal (operários da
repercutiu-se no seu modo de vida e, para mui- construção civil, trabalhadores dos transportes,
tos, na capacidade de sobrevivência. E a presen- dos serviços sociais, por exemplo, muitas vezes
ça e exibição constantes da doença e da morte imigrantes ou pertencentes a grupos étnicos
nos quotidianos de sociedades onde, até então, minoritários) revelam-se não só como dos mais
aquelas pareciam arredadas do espaço público atingidos pela pandemia como os que suportam
representa um corte violento com o passado. Os intensamente as suas consequências negativas
números de mortes, contagiados e internados sobre o seu nível de vida. As pessoas portado-
entraram diariamente em casa dos portugueses. ras de doença crónica sentiram-se especial-
mente em risco de complicações aliadas à CO-
No final de 2021, 1.389.467 pessoas tinham tido
VID-19, tendo sido aconselhadas a isolamento
diagnóstico de infeção por SARS-CoV-2 (46,8%
físico e teletrabalho, com condicionamento da
do sexo masculino, 53,2% do sexo feminino) e
sua autonomia e a dos seus cuidadores e, em
18.955 óbitos. Desconhecem-se, por falta de
alguns casos, com consequências laborais e fi-
(acesso a) informação, o número total de pes-
nanceiras significativas. Muitos trabalhadores
soas que foi hospitalizada e internada em Uni-
independentes, por outro lado, ficaram de um
dades de Cuidados Intensivos devido à infeção.
momento para o outro sem atividade ou ren-
E conhecem-se apenas alguns dos impactos da
dimento de qualquer origem – colocados em
doença na morbilidade a curto e longo prazo
situação de “pobreza instantânea”. O aumento
Desafios para a saúde dos portugueses

(associada à COVID longa). Mas não foram só os


acentuado de casos, o medo da doença, e as
sismógrafos da saúde, em sentido estrito, que
medidas de contenção e/ou mitigação tiveram
oscilaram. As ondas de choque foram significa-
repercussões no PIB, com uma queda acentua-
tivas em todo o edifício social.
da em 2020 (FIG. 3).
Os inquéritos realizados à população revelaram
desde o primeiro confinamento o crescimen-
to de situações de desemprego, subemprego,
layoff, perdas de salário e fecho de atividades
por conta individual ou de empresas, que colo-
19 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

6,0

+4,9%

4,0
+3,5%
+2,9%
+2,7%
+2,0%
2,0

0,0
00 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20

-2,0

-4,0

-6,0

Fonte: INE
-8,0 -7,6%

FIG. 3. Taxa de crescimento real do PIB (%) em Portugal, 2000-2021.

PERDA DE

36.000M€

230 000 5,0%

Taxa de crescimento produto


2,5%
Produto interno bruto

215 000
(milhões de Euros)

interno bruto (%)

Fonte: INE e Ministério das Finanças


0,0%

200 000 -2,5%

-5,0%
185 000
-7,5%

170 000 -10,0%


2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

PIB previsto PIB efetivo Taxa de crescimento real (escala direita)

FIG. 4. Evolução do PIB (%) em Portugal, 2000-2021.


Desafios para a saúde dos portugueses

A recuperação económica em 2021 foi prejudicada Em 2020 Portugal interrompeu a trajetória de


pelo crescimento epidémico no primeiro trimes- convergência que a economia nacional prosse-
tre do ano, mas depois acelerou, sendo que Portu- guia há quatro anos consecutivos.
gal será um dos países que não conseguiu recu- A perda do PIB português face ao previsto foi de
perar nesse ano o nível de atividade pré-COVID. 36 mil milhões de euros em dois anos (FIG. 4).
20 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Os inquéritos à população revelam


a maior dificuldade que têm os
inquiridos na casa dos 35-44 anos
com famílias numerosas ou filhos
menores em lidar com as restrições
impostas pela pandemia [1].

Por outro lado, a imposição do teletrabalho (para ríodos com suspensão da atividade presencial
muitos adultos) e do ensino remoto universal nas escolas. A 16 de março de 2020 foi decre-
(para crianças e jovens) trouxe problemas acres- tado o primeiro fecho das escolas, que se pro-
cidos de conciliação entre vida familiar e pro- longou durante 2 meses para os alunos do 11.º e
fissional (sobretudo para as mães) e o risco de 12.º anos e para as creches, tendo os restantes
agravamento de desigualdades perante a escola. alunos continuado com ensino à distância até ao
Nas famílias com filhos pequenos, à sobrecarga final do ano letivo 2020-2021. O segundo perío-
de trabalho para os pais na gestão de uma casa do de fecho das escolas iniciou-se a 21 de janei-
cheia, eles próprios ativos, veio juntar-se a ne- ro, com reabertura do ensino presencial a 15 de
cessidade de acompanhar as aulas e trabalhos março para creches, jardins de infância e primei-
escolares dos mais novos. Os inquéritos à po- ro ciclo; e a 5 de abril para 2.º e 3.º ciclos e 19 de
pulação revelam a maior dificuldade que têm os abril para secundário e ensino superior.
inquiridos na casa dos 35-44 anos com famílias
Comparativamente com outros países, Portugal
numerosas ou filhos menores em lidar com as
foi dos que adotou uma política mais severa nes-
restrições impostas pela pandemia [1]. Por ou-
ta matéria, sem que se fundamentasse verdadei-
tro lado, nem todas as famílias possuíam con-
ramente a evidência científica que a suportava:
dições de habitação, equipamentos informáticos
a Organização para a Cooperação e Desenvolvi-
ou acesso à rede que se adequassem às novas
mento Económico reporta que em 2020 e 2021
funções da casa a tempo inteiro, que passou a
(descontando férias, fins de semana e feria-
Desafios para a saúde dos portugueses

ser lugar de trabalho, estudo, lazer. A casa-esco-


dos), as escolas até ao 9º ano fecharam cerca
la não o é para todos, assim como o impacto da
de 100 dias [2]. São dados que contrastam com
falta de aulas presenciais no sucesso escolar dos
os de outros países europeus, nomeadamen-
alunos se pode tornar particularmente dramática
te Espanha, Bélgica ou França (cerca de 50).
para os provenientes de classes mais desfavo-
Não possuímos dados sobre o total de alunos
recidas. Alguns dados quantificados ilustram a
dos vários níveis de ensino infectados, interna-
dimensão do problema.
dos ou falecidos na sequência da COVID-19; não
Vale a pena lembrar que durante o ano de 2020 possuímos dados sobre o total de alunos ou de
e o primeiro semestre de 2021 existiram dois pe- turmas postos em isolamento profilático quando
21 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

os confinamentos foram levantados. Mas saben-


do-se do impacto, a médio e longo prazo, que
estas decisões políticas têm na saúde mental, no
desenvolvimento cognitivo, emocional e social
das crianças e jovens, assim como nas apren- Os jovens adultos (16-
dizagens letivas, essenciais, há que equacionar -24 anos) constituíram,
medidas concretas que o permitam mitigar. não por acaso, outra
Segundo o Tribunal de Contas [3], o ensino à das categorias sociais
distância foi implementado em todas as escolas mais fustigadas pela
e anos de escolaridade, com grande esforço dos
pandemia: interrupção
docentes e alunos para fazer face à alteração
dos métodos e meios de aprendizagem, sem ex- de estudos ou
periência ou tempo de preparação. No entanto, projetos de formação
as carências em competências digitais, a falta de avançada, mobilidade
acesso a internet e a falta de computadores em internacional,
80% dos alunos limitaram a eficácia do ensino à
dificuldade de entrada
distância e agravaram as – já existentes – iniqui-
dades no acesso ao ensino. no mercado de trabalho,
sujeição a formas de
Sublinhe-se que o acesso a meios digitais é dís-
par e varia com o contexto socioeconómico das precariedade laboral.
famílias: em 2017/2018, apenas 52% das crianças
com escalão A tinha acesso a internet e 62% a
um computador, enquanto 71% dos alunos sem
apoio dos Serviços de Ação Social Escolar tinha
acesso a ambas as ferramentas [4]. No entanto,
e segundo a percepção dos docentes, houve uma
da escola não significou apenas a interrupção,
redução da percentagem de alunos sem acesso mais ou menos mitigada, das aprendizagens. O
a internet: em março de 2020 cerca de 25% dos isolamento físico da rede de pares e o fecha-
alunos não teriam acesso a internet, descendo mento num espaço confinado sob a vigilância
esse valor para 16% em maio do mesmo ano. dos pais representou um corte doloroso nas suas
Quanto aos meios digitais previstos para 1,2 mi- sociabilidades, no seu processo de crescimento
lhões de alunos do ensino básico e secundário, e autonomização. Os jovens adultos (16-24 anos)
estes começaram a ser distribuídos no ano letivo constituíram, não por acaso, outra das catego-
2020-2021 e mais de 60% será distribuído ape- rias sociais mais fustigadas pela pandemia: in-
nas no ano letivo 2021-2022. terrupção de estudos ou projetos de formação
Perante os vários momentos de disrupção letiva, avançada, mobilidade internacional, dificuldade
os valores apresentados pelo Instituto de Avalia- de entrada no mercado de trabalho, sujeição a
Desafios para a saúde dos portugueses

ção Educativa não surpreendem: entre 2021, em formas de precariedade laboral.


média, as competências dos alunos do 2.º ano Voltando às condições materiais de vida da po-
em tratamento de dados, números e operações e pulação, a evolução de indicadores como o da
geometria, e em gramática e oralidade, diminuí- privação material e da pobreza bem como o de
ram comparativamente com 2019, e aumentou a desemprego (entre 2016-2020) indiciam a exis-
proporção de alunos que não respondia ou não tência de situações de enorme vulnerabilidade
conseguia responder a questões de matemática social – que vêm em parte do passado, é certo,
(22,5 pontos percentuais) e português (5,9 pon- mas cuja evolução a partir do início da pandemia
tos percentuais) [5]. Para os mais novos, o fecho se pode ter agravado duradouramente.
22 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.2. Privação material

Em 2020, 19,8% da população residente em Por-


tugal estava em risco de pobreza, em privação
material severa e/ou a viver em agregados com
muito baixa intensidade laboral, valor inferior à
média de 2016-2019 (22,9%) (FIG. 5). Ainda Realça-se que
que haja uma tendência de redução da percen- em 2020 eram as
tagem da população em risco de pobreza em
crianças e jovens
2020, esta redução tem vindo a ser menos mar-
cada nas pessoas com mais de 65 anos e, desde dos 0 aos 17 anos
2018, observa-se uma estagnação no grupo dos e as mulheres com
0 aos 17 anos (FIG. 6). Realça-se que em 2020 mais de 65 anos que
eram as crianças e jovens dos 0 aos 17 anos e apresentavam maior
as mulheres com mais de 65 anos que apre-
sentavam maior risco de pobreza e/ou exclusão
risco de pobreza
social em Portugal. O relatório Portugal Balanço e/ou exclusão social
Social 2021 [5] decompôs o rico de pobreza por em Portugal.
grupos populacionais e destacou que a taxa de
risco de pobreza é maior nas famílias monopa-
rentais, famílias numerosas, desempregados e
trabalhadores com contrato temporário.
Em 2020, 13,5% da população vivia com pri-
vação material, valor inferior ao observado em
2017-2019, e 2,5% não tinha capacidade finan-
ceira para realizar uma refeição de carne, pei-
Desafios para a saúde dos portugueses

xe ou equivalente vegetariano pelo menos de 2


em 2 dias, valor ligeiramente superior a 2019
cortes superiores a 25% do seu rendimento,
(2,3%) [6]. As taxas de privação material manti-
sendo que apenas 31% dos agregados se situa
veram-se mais altas nas regiões autónomas dos
numa situação de “conforto financeiro” [7].
Açores (7,3% em 2019 e 11% em 2020) e Madei-
ra (13,1% em 2019 e 9,6% em 2020) [6]. Uma O relatório Portugal Balanço Social 2021 [5]
auscultação de 4.690 agregados familiares pela mostrou, ainda, que em 2019 os indivíduos no
DECO revelou que cerca de metade das famílias primeiro quartil de rendimento ganhavam, em
perderam rendimentos, e 27% referiu que teve média, 368€ por mês e o segundo quartil 623€.
23 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Risco de pobreza e/ou exclusão social, 2016-2020

30
Proporção da população residente (%)

25

20

15

10

Fonte: INE
0
2016 2017 2018 2019 2020

FIG. 5. Proporção da população em risco de pobreza, exclusão social e/ou viver em agregados com muito
baixa intensidade laboral.

Risco de pobreza e/ou exclusão social por grupo etário e sexo, 2016-2020

30
População residente em risco de pobreza

25
ou exclusão social (%)

20

15

10

5
Fonte: INE
Desafios para a saúde dos portugueses

0
0-17 anos 18-64 anos 65 e mais anos 0-17 anos 18-64 anos 65 e mais anos

Sexo masculino Sexo feminino

2016 2017 2018 2019 2020

FIG. 6. Proporção da população em risco de pobreza, exclusão social e/ou viver em agregados com muito
baixa intensidade laboral por sexo e grupo etário.
24 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.3. Desemprego

No ano de 2020 observaram-se mais 70 mil aumento da população empregada e/ou à desis-
pessoas desempregadas inscritas nos centros tência das pessoas em se inscrever nos centros
de emprego e de formação profissional, com- de emprego, por anteriormente terem estado ins-
parando com a média anual de 2019. A taxa de critas e não terem encontrado trabalho.
desemprego no quarto trimestre de 2020 era de
Estes indicadores sinalizam, assim, uma socie-
6,8% (mais 0,3 pontos percentuais que no quar-
dade fortemente marcada por desigualdades
to trimestre de 2019 e menos 0,3 pontos per-
sociais vincadas, por um lado, e sugerem, por
centuais que a média da UE) [8],com aumento
outro, um impacto preocupante sobre o bem-
da percentagem entre os jovens entre os 20-24
-estar, físico e mental, da população portuguesa
anos desempregados (16,4% em 2019 para 21,2%
confinada (ou desconfinada) e colocada perante
em 2020) e dos 25-29 anos (8,3% em 2019 para
cenários de incerteza e risco, especialmente em
11,0% em 2020) [9].
2020, ainda que com alguma recuperação em
No entanto, em 2020 observou-se uma manu- 2021. A evolução de alguns indicadores demo-
tenção da tendência negativa do número de pes- gráficos durante o mesmo período pode trazer
soas à procura de emprego há 12 ou 25 meses mais informação sobre a situação.
ou mais [10] e a taxa de desemprego durante o
ano de 2021 desceu de 7,1% no primeiro trimestre
para 6,1% no quarto trimestre.
Em 2020 o número de pessoas inscritas nos
centros de emprego e formação profissional ul-
trapassou os valores de 2018 em Portugal con-
tinental, sendo que este aumento foi sentido
principalmente nas pessoas com o ensino básico
do 3º ciclo (28,6%) e ensino secundário (41,2%)
Desafios para a saúde dos portugueses

(FIG. 7). De entre as regiões NUTS II do Conti-


nente, o Algarve sofreu o maior aumento relati-
vo (89,1%). Diferentemente, em 2021 houve uma
diminuição do número de pessoas inscritas nos
centros de emprego e formação profissional, sen-
do que, comparando com outubro de 2020, em
outubro de 2021 havia menos 12,9% de inscritos,
e menos 2,1% relativamente a setembro de 2021
[11]. Estes valores podem estar associados a um
25 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Estes indicadores sinalizam, assim, uma


sociedade fortemente marcada por
desigualdades sociais vincadas, por um
lado, e sugerem, por outro, um impacto
preocupante sobre o bem-estar, físico
e mental, da população portuguesa
confinada (ou desconfinada).

Desempregados inscritos nos centros de emprego e de formação profissional,


2016-2020

500
Média anual de desempregados inscritos (milhares)

450

400

350

300

250

200

150

100
Fonte: Pordata
Desafios para a saúde dos portugueses

50

0
Total Sem nível Básico / 1º ciclo Básico / 2º ciclo Básico / 3º ciclo Secundário Superior
de escolaridade

2016 2017 2018 2019 2020

FIG. 7. Número de desempregados inscritos nos centros de emprego e formação profissional (média anual)
por região (NUTS II).
26 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.4. Mortalidade

A taxa de mortalidade em Portugal subiu durante


a pandemia: de 10,9 por mil em 2019 para 12,0
por mil em 2020. Cerca de 19.000 indivíduos per-
deram a vida com COVID-19 até ao final do ano
de 2021. Se cerca de 80% dos casos de infecção No curto prazo,
registados ocorreram em indivíduos abaixo dos regista-se um certo
65 anos, já 93% dos óbitos COVID-19 atingiram rejuvenescimento
as franjas mais velhas de população (acima dos
da estrutura etária
65, com especial destaque para os mais de 85).
(não por aumento
O facto de os indivíduos mais velhos terem sido
da natalidade, mas
os mais atingidos pela mortalidade por COVID-19
tem um impacto nas tendências de envelheci-
por decréscimo
mento da população. No curto prazo, regista-se da sua população
um certo rejuvenescimento da estrutura etária mais velha) e uma
(não por aumento da natalidade, mas por de- diminuição do índice
créscimo da sua população mais velha) e uma
de longevidade.
diminuição do índice de longevidade.

Vale a pena determo-nos no grupo etário de 85 e


mais anos, por ter sido particularmente fustigado
pelos óbitos por COVID-19. A nível do território
do País, e se tivermos em conta apenas núme-
ros absolutos, podemos notar que os óbitos por
COVID-19 nas pessoas com 85 ou mais anos se
Desafios para a saúde dos portugueses

associam às áreas onde os volumes de contá-


gios são maiores – portanto às mais populosas.
Destacam-se as Áreas Metropolitanas de Lisboa área fronteiriça do País, bem como ao Norte e
e Porto (vs. interior) e o Norte, relativamente ao Centro – por contraste com as Áreas Metropoli-
Sul do País. tanas e, em especial, o litoral algarvio, onde a sua
incidência é bem mais baixa.
Se tivermos em conta a taxa de mortalidade es-
pecífica por idade, isto é, a razão entre o total No ano de 2020 observou-se, entretanto, um
de óbitos e o total da população residente com excesso de cerca de 12 mil óbitos, comparan-
a mesma idade, notamos que a primazia cabe à do com o número médio de óbitos observados
27 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

entre 2016 e 2019. Este excesso de mortalidade 52% deveram-se diretamente à COVID-19. No
iniciou-se logo no mês de março de 2020, conti- entanto, se o excesso de mortalidade observado
nuando ao longo dos restantes nove meses des- em março-abril e de outubro em diante coincidi-
se ano, e nos meses de janeiro, fevereiro e de ram com os picos de incidência da infeção (pri-
julho a dezembro de 2021, ainda que com menor meira, segunda e início da terceira vaga), o ex-
expressão (FIG. 8). Em 2020 as regiões (NUTS cesso de mortalidade sentido no final de maio e
2) com maior excesso de mortalidade, compa- entre julho e agosto de 2020, não coincidiu com
rando com a média de 2016-2019, foram a região incidências elevadas no país. Segundo o Instituto
Norte, com 154 óbitos por 100.000 habitantes, o Nacional de Saúde Ricardo Jorge [13], os óbitos
Alentejo, com 144 óbitos por 100.000 habitantes, em excesso em maio, julho e agosto coincidiram
e a Área Metropolitana de Lisboa, com 106 óbitos com períodos de calor extremo, identificado ou
por 100.000 habitantes (Quadro 1). não pelo sistema de vigilância ÍCARO. Ainda, não
será de descartar o potencial contributo do me-
Segundo o Instituto Nacional de Estatística [12],
nor acesso da população aos cuidados de saúde
dos 12.852 óbitos em excesso observados entre
durante estes meses, seja pelo receio de con-
2 de março e 27 de dezembro de 2020, 50,2%
tágio seja pela sobrecarga dos serviços com o
ocorreram em mulheres, mais de 70% em pes-
tratamento da COVID-19.
soas com idade igual ou superior a 75 anos, e

Comparação da mortalidade observada por mês, 2016-2021

20000

15000
Número de óbitos

10000
Desafios para a saúde dos portugueses

5000
Fonte: DGS

0
Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

2016 2017 2018 2019 Média 2016-2019 2020 2021

FIG. 8. Mortalidade observada por mês entre 2016 e 2021 em Portugal.


28 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Taxa de mortalidade para o ano de 2020


(por 100.000 habitantes)

Diferença entre média


2016 2017 2018 2019 2020
2016-2019 e 2020

Portugal 1071 1066 1099 1087 1198 117

Continente 1074 1071 1104 1091 1206 121

[Norte] 947 958 986 978 1121 154

Alto Minho 1250 1267 1318 1329 1460 169

Cávado 751 770 798 779 919 145

Ave 792 844 844 874 990 151

Área metropolitana do Porto 910 913 950 933 1066 140

Alto Tâmega 1582 1496 1548 1513 1686 151

Tâmega e Sousa 815 860 871 876 1049 193

Douro 1347 1264 1309 1240 1435 145

Terras de Trás-os-Montes 1482 1528 1506 1592 1801 274

[Centro] 1247 1254 1280 1266 1360 99

Oeste 1178 1175 1211 1159 1240 59

Região de Aveiro 1010 1058 1043 1025 1149 115

Região de Aveiro 1234 1274 1283 1263 1376 113

Região de Leiria 1120 1114 1177 1148 1178 38

Viseu Dão Lafões 1302 1262 1290 1302 1396 107

Beira Baixa 1595 1636 1742 1708 1898 228

Médio Tejo 1400 1396 1429 1427 1531 118

Beiras e Serra da Estrela 1584 1543 1579 1637 1712 126

[Área Metropolitana de Lisboa] 979 963 1005 990 1090 106

[Alentejo] 1476 1415 1476 1481 1606 144

Alentejo Litoral 1367 1319 1335 1379 1470 120

Baixo Alentejo 1606 1590 1720 1635 1791 153

Lezíria do Alentejo 1353 1245 1312 1295 1424 123

Alto Alentejo 1741 1623 1722 1824 1927 199

Alentejo Central 1444 1458 1462 1481 1612 151


Fonte: INE/Pordata

[Algarve] 1183 1203 1208 1167 1233 43


Desafios para a saúde dos portugueses

[Região Autónoma dos Açores] 981 918 943 935 1006 61

[Região Autónoma da Madeira] 1022 987 1074 1054 1068 33

Quadro 1. Taxa de mortalidade para o ano de 2020 (por 100.000 habitantes) por NUTS 2 e NUTS 3.
29 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Em Portugal, a taxa de mortalidade infantil em


2020 decresceu (de uma média de 3,0 óbitos
de crianças com menos de 1 ano de idade por
mil nados-vivos entre 2015 e 2019 para 2,4)
(FIG. 9). No entanto, na Região Autónoma da
Madeira e, de forma muito marcada, na Região
Autónoma dos Açores, registou-se uma taxa
de mortalidade infantil superior à média dos
anos 2015-2019. Será muito importante reali-
zar um estudo mais profundo nestas três re-
giões (onde aliás as taxas de mortalidade geral
e de fecundidade quase não oscilaram para o
mesmo período) para se perceber o que poderá
estar por detrás desta subida.

Taxa de mortalidade infantil (‰), por região (NUTS 2),


2016-2020

6
Taxa de mortalidade infantil (por mil nados-vivos)

1
Fonte: INE

0
Desafios para a saúde dos portugueses

Portugal Norte Centro Área Metropolitana Alentejo Algarve Região Autónoma Região Autónoma
de Lisboa dos Açores da Madeira

2016 2017 2018 2019 2016-2019 2020

FIG. 9. Taxa de mortalidade infantil por região (NUTS 2), 2016-2020.


30 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.5. Natalidade e fecundidade

Também a natalidade e a fecundidade podem nas 79.548 recém-nascidos, o que correspon-


ter sido, ou vir ainda a ser, influenciadas pela de a menos 4.878 do que em 2020. A diferen-
pandemia e pela alteração da vida quotidiana ça entre a média de nascimentos dos anos de
dos portugueses. 2016-2019 e 2020 foi mais acentuada na Área
Em 2020 nasceram 84.426 crianças em Portu- Metropolitana de Lisboa, a única área geográ-
gal, menos 2.294 que na média dos anos 2016- fica NUTS 2 com diminuição do índice sintéti-
2019 e, ao final de 2021 os dados provisórios do co de fecundidade, de 1,69 para 1,68 (FIG. 10;
INE indicavam que tinham sido registados ape- Quadro 2).

Nascimentos por região, 2016-2020

35000

30000
Número de nados-vivos

25000

20000

15000
Desafios para a saúde dos portugueses

10000
Fonte: Pordata

5000

0
2016 2017 2018 2019 2020

Norte Centro Área Metropolitana de Lisboa Algarve Região Autónoma dos Açores Região Autónoma da Madeira

FIG. 10. Nascimentos por região, 2016-2020.


31 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Diferença entre média


2016 2017 2018 2019 2020
2016-2019 e 2020

Portugal 1.36 1.37 1.41 1.42 1.4 0.01

Continente 1.37 1.38 1.42 1.43 1.41 0.01

[Norte] 1.23 1.24 1.25 1.25 1.25 0.01

Alto Minho 1.14 1.07 1.17 1.18 1.13 -0.01

Cávado 1.19 1.21 1.29 1.28 1.29 0.05

Ave 1.17 1.2 1.22 1.24 1.28 0.07

Área metropolitana do Porto 1.31 1.32 1.32 1.34 1.33 0.01

Alto Tâmega 1.07 1.1 1.04 0.93 1.02 -0.01

Tâmega e Sousa 1.18 1.16 1.18 1.15 1.13 -0.04

Douro 1.11 1.06 1.03 0.99 1 -0.05

Terras de Trás-os-Montes 1.12 1.21 1.12 1.13 1.07 -0.08

[Centro] 1.22 1.22 1.26 1.27 1.25 0.01

Oeste 1.24 1.27 1.29 1.37 1.32 0.03

Região de Aveiro 1.27 1.3 1.31 1.38 1.31 0.00

Região de Aveiro 1.24 1.24 1.3 1.29 1.26 -0.01

Região de Leiria 1.23 1.27 1.29 1.3 1.32 0.05

Viseu Dão Lafões 1.16 1.14 1.17 1.18 1.16 0.00

Beira Baixa 1.17 1.19 1.27 1.04 1.19 0.02

Médio Tejo 1.2 1.1 1.19 1.16 1.17 0.01

Beiras e Serra da Estrela 1.13 1.14 1.18 1.08 1.14 0.01

[Área Metropolitana de Lisboa] 1.63 1.67 1.72 1.74 1.68 -0.01

[Alentejo] 1.36 1.35 1.43 1.43 1.43 0.04

Alentejo Litoral 1.32 1.35 1.46 1.51 1.52 0.11

Baixo Alentejo 1.56 1.49 1.52 1.6 1.53 -0.01

Lezíria do Alentejo 1.32 1.28 1.37 1.38 1.4 0.06

Alto Alentejo 1.24 1.3 1.42 1.31 1.37 0.05

Alentejo Central 1.4 1.36 1.43 1.43 1.4 0.00

[Algarve] 1.56 1.62 1.71 1.76 1.75 0.09


Fonte: Pordata

[Região Autónoma dos Açores] 1.27 1.25 1.29 1.24 1.23 -0.03

[Região Autónoma da Madeira] 1.07 1.16 1.15 1.15 1.14 0.01


Desafios para a saúde dos portugueses

Quadro 2. Índice sintético de fecundidade (número médio de crianças nascidas por cada mulher em
idade entre os 15 e os 49 anos de idade) por NUTS 2 e NUTS 3, 2016-2020.

Apesar deste decréscimo, a Área Metropolitana de gravidezes: crise sanitária e incerteza sobre o
de Lisboa, juntamente com a região Norte, man- futuro, desemprego e precariedade laboral, no-
tém os maiores Índices Sintéticos de Fecundi- meadamente, são fatores que terão desencora-
dade do país. Assim, o confinamento dos casais jado a decisão de ter filhos.
não se veio a traduzir num aumento do número
32 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Quanto ao perfil das parturientes, os dados re- consórcio, um terço dos partos foram cesa-
colhidos pelo Consórcio Português de Dados rianas e 10% partos pré-termo (Quadro 3).
Obstétricos1 relativos a em 2020 e 2021, mos- Em 2020, assim como em 2016-2019, a maio-
tram que cerca de 40% apresentava excesso de ria das parturientes tinha completado o ensino
peso, cerca de uma em cada dez era fumadora, secundário (33,3%) ou superior (36,7%). Estas
assim como cerca de uma em cada dez tinha caraterísticas eram semelhantes às observadas
diabetes mellitus. No conjunto de hospitais do em 2019.

2019 2020 2021

Antecedentes das grávidas

Toxicodependência recente 0,3% 0,2% 0,2%

Alcoolismo recente 1,3% 1,3% 1,2%

Tabagismo atual 11,3% 11,3% 9,7%

IMC >25 36,2% 40,1% 39,2%

IMC >30 13,5% 15,5% 15,3%

Idade >35 anos 30,2% 30,7% 30,7%

Idade >40 anos 6,5% 7,0% 7,7%

Idade >45 anos 0,3% 0,5% 0,7%

Hipertensão arterial crónica 1,9% 2,1% 2,4%

Diabetes mellitus 7,8% 9,2% 10,4%

Caracterização dos partos

Nascimentos no hospital 99,9% 99,5% 99,9%


Fonte: : Consórcio Português de Dados Obstétricos

Nascimentos no domicílio 0,1% 0,1% 0,2%

Nascimentos em transporte pré-hospitalar 0,1% 0,1% 0,1%

Nascimentos pré-termo (< 37 semanas) 10,6% 10,1% 10,1%

Partos vaginais 70,4% 69,3% 69,3%

Cesarianas 29,6% 30,7% 30,7%

Dimensão da amostra 16.575 18.894 20.874


Desafios para a saúde dos portugueses

Quadro 3. Caracterização das grávidas e dos partos decorridos em 2019 e 2020.

1
Consórcio formado pelos “Serviços de Obstetrícia” ou “Serviços de Obstetrícia e Ginecologia” do Centro Hospitalar Universitário São
João, Hospital da Senhora da Oliveira, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Unidade Local de
Saúde de Matosinhos, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Centro Hospitalar do Baixo Vouga, Centro Hospitalar Póvoa do Varzim/
Vila do Conde, Centro Hospital Vila Nova de Gaia/Espinho, Centro Hospitalar entre Douro e Vouga, Centro Hospitalar Universitário Lisboa
Norte, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro e Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central. Os dados provêm de uma
amostra do número de partos e não caracterizam a totalidade dos partos ocorridos em Portugal nos anos 2019, 2020 e 2021, nomeada-
mente os ocorridos nos restantes hospitais públicos e na totalidade dos hospitais privados.
33 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

A queda entre 2019 e 2021 vem reforçar


essa tendência, para a qual podem
ter contribuído o medo da pandemia,
os constrangimentos económicos
e sociais colocados às famílias, a
dificuldade de as franjas mais jovens de
população acederem a condições de vida
autónomas que lhes permitam sequer
perspectivar um projecto de procriação.

A diminuição do número de nascimentos em


Portugal é uma tendência contínua das últimas
décadas, paralela aliás aos outros países do Sul
da Europa [14], por contraste com os do Norte
europeu. A queda entre 2019 e 2021 vem reforçar
essa tendência, para a qual podem ter contribuí-
do o medo da pandemia, os constrangimentos
económicos e sociais colocados às famílias, a di-
ficuldade de as franjas mais jovens de população
acederem a condições de vida autónomas que
lhes permitam sequer perspectivar um projec-
to de procriação. Diferentemente, estudos rea-
lizados noutros países parecem indicar alguns
efeitos benéficos da pandemia na natalidade
[15]. Apesar da diminuição da natalidade, ob-
Desafios para a saúde dos portugueses

servações anteriores de eventos como os desas-


tres naturais ou grandes convulsões sociais (ex:
guerras) verificaram que, uma vez dominada a
situação de catástrofe e as suas consequências
(e.g., aumento da pobreza), se possa assistir a
um aumento das taxas de fertilidade ou mesmo
a um “baby boom”, o que ainda não se observou
e terá provavelmente expressão apenas quando
terminar a pandemia [16].
34 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.6. Esperança média


de vida

Segundo a OCDE, a esperança média de vida


para ambos os sexos reduziu de 81,8 em 2019
para 81,1 em 2020, com uma diferença absoluta
similar nos homens e nas mulheres (de 78,7 em
2019 para 78,0 em 2020 para os homens, e 84,8
em 2019 para 84,1 em 2020 para as mulheres)
(FIG. 11) [17]. A este facto não serão alheios os
impactos, diretos e indiretos, da pandemia.

Esperança média de vida ao nascimento, 2017-2020


Esperança média de vida ao nascimento (anos)

86

84

82

80
Desafios para a saúde dos portugueses

78
Fonte: OCDE

76

74
2017 2018 2019 2020

Homens Mulheres Total

FIG. 11. Esperança média de vida à nascença, por sexo, Portugal, 2017-2020.
35 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.7. Casamentos
e divórcios

No ano de 2020 realizaram-se 18.902 casamen- de confinamento, pela sobrecarga de trabalho e


tos (FIG. 12), o que corresponde a uma redução tensões novas criadas nos casais, poderia condu-
de 43% da média dos cinco anos precedentes, e zir a uma subida do número de divórcios. Para já,
17.295 divórcios, número inferior ao observado nos tal não aconteceu e nem sequer chegou ao volume
anos anteriores (média de 21.612 divórcios por observado nos anos anteriores. A queda no núme-
ano). Era expectável que o número de casamen- ro de divórcios já foi observada noutros contex-
tos decrescesse, devido às restrições sanitárias tos, como em cinco estados nos EUA [18], e pode
ou legais impostas à população, à consciência – e dever-se a uma resposta conservadora perante a
medo – das potenciais consequências de eventos incerteza económica e social decorrente desta cri-
e aglomerações de grandes dimensões. Mas, ao se. Pode ser também fruto do adiamento de pro-
contrário, discutiu-se inicialmente se a experiência cessos que virão a acontecer num futuro próximo.

Evolução do número de casamentos e divórcios, 1960-2020

120000
Casamentos e divórcios (número)

10000

80000

60000
Desafios para a saúde dos portugueses

40000

20000
Fonte: INE

0
6 0 9 6 2 9 6 4 9 6 6 9 6 8 970 972 974 976 978 9 8 0 9 8 2 9 8 4 9 8 6 9 8 8 9 9 0 9 9 2 9 9 4 9 9 6 9 9 8 0 0 0 0 0 2 0 0 4 0 0 6 0 0 8 01 0 01 2 01 4 01 6 01 8 0 2 0
19 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2

Divórcios Casamentos

FIG. 12. Número de casamentos e divórcios, Portugal, 1960-2020.


36 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.8. Violência

Em 2020 as forças policiais registaram menos No entanto, o relatório da Europol de 2020 re-
crimes do que no período 2016-2019 em quase fere que a adaptação do mercado à pandemia,
todas as regiões, exceto na Região Autónoma nomeadamente o aumento da aquisição de pro-
dos Açores, com uma diminuição mais marcada dutos em plataformas on-line, devido ao medo
na Área Metropolitana de Lisboa (18% relativa- induzido pelo vírus SARS-CoV-2, criou novas
mente à média de 2016-2019) (FIG. 13). oportunidades para vários grupos criminosos

Crimes registados (total), por região (NUTS 2), 2016-2020

60

50
Número de crimes por 1000 habitantes

40

30

20
Desafios para a saúde dos portugueses

Fonte: Pordata

10

0
Portugal Continente Norte Centro Área Alentejo Algarve Região Região
Metropolitana Autónoma Autónoma
de Lisboa dos Açores da Madeira

2016 2017 2018 2019 2020

FIG. 13. Número de crimes por 1.000 habitantes por NUTS 2, Portugal, 2016-2020.
37 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

[19]. A distribuição de produtos falsificados


tem sido uma das principais atividades crimi-
nosas durante a pandemia, mas não a única.
Foi igualmente observado um aumento de es-
quemas de fraude e crime financeiro, contra
Comparando com
o cidadão, as empresas e as organizações pú- estudos anteriores,
blicas. Estes esquemas incluíram vários tipos o período de
de versões adaptadas de esquemas de fraude confinamento aumentou
telefónica, frequentemente com promessas de
consideravelmente a
proteção contra a COVID-19 ou de combate à
doença, sem qualquer fundamento científico. prevalência de níveis
baixos de atividade
Em relação ao crime organizado contra a pro-
priedade, a Europol refere que o número de fur- física (quase duplicou);
tos domésticos e furtos e roubos comuns dimi- e diminuiu a prevalência
nuíram significativamente com a introdução de de níveis elevados de
medidas como o confinamento obrigatório. Este
atividade física.
tipo de crime tem aumentado desde a flexibili-
zação das medidas, com um incremento signi-
ficativo em relação a anos anteriores. Tem-se
observado criminalidade dirigida a serviços de
saúde e farmácias, furto de equipamentos mé-
dicos, sanitários e de produtos farmacêuticos e quanto menor a idade, maior o reporte de vio-
com elevada procura em toda a União Europeia. lência doméstica. Também uma maior propor-
É também de destacar que, nos primeiros dez ção de inquiridos que reportaram dificuldades
meses de 2021, a Direcção-Geral da Saúde re- financeiras durante a pandemia relatou violência
cebeu 752 notificações de violência contra pro- doméstica, o que reforça a necessidade de uma
fissionais de saúde, o que representa um acrés- perspetiva sindémica da pandemia. Nas mulhe-
cimo de mais 4% em relação ao mesmo período res, a violência doméstica foi mais reportada
do ano passado. entre as que tinham o ensino secundário como
habilitação académica. A maioria das vítimas
não procurou ajuda (62,3%), sendo os principais
Quanto aos crimes por violência doméstica, ape- motivos considerá-la desnecessária, ineficaz e o
sar de o número registado pelas forças policiais ter constrangimento com o ocorrido. Apenas 4,3%
sido menor do que em 2019 (0,1 pontos percen- das vítimas procuraram ajuda policial. Os mo-
tuais), foi superior aos registados nos três anos an- tivos mais comuns para não apresentar queixa
teriores (FIG. 14). Este aumento foi especialmente foram considerar que o abuso não era grave e,
marcado na região Centro, no Alentejo e no Algar- de novo, acreditar que a polícia não faria nada.
ve. Sublinhe-se que o confinamento poderá ter di-
Os dados publicados pela Comissão para a Ci-
Desafios para a saúde dos portugueses

ficultado a denúncia das situações de violência fa-


dadania e Igualdade de Género relativos a 2020
miliar e, por isso, poderá ter havido um subestimar
apontam para 27.637 ocorrências de violência
da magnitude deste tipo de violência [20].
doméstica, 75% das quais contra mulheres [22].
De facto, um questionário online [21] realiza- Em 2020 houve 32 homicídios voluntários em
do entre abril e outubro de 2020 em Portugal, contexto de violência doméstica (causando 27
com um total de 1062 participantes, revelou que vítimas mortais em mulheres, 3 em homens e 2
13,7% dos inquiridos relataram ter sofrido vio- em crianças), numa ligeira redução face a 2019
lência doméstica durante a pandemia, incluindo (35 homicídios). Em 2021 houve 23 homicídios
psicológica (13,0%), sexual (1,0%) e física (0,9%), (16 mulheres, 5 homens e 2 crianças) [20].
38 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Violência doméstica, por região (NUTS II), 2016-2020

3.5
Número de crimes por 1000 habitantes

2.5

1.5

Fonte: Pordata
0.5

0
Portugal Continente Norte Centro Área Alentejo Algarve Região Região
Metropolitana Autónoma Autónoma
de Lisboa dos Açores da Madeira

2016 2017 2018 2019 2020

FIG. 14. Número de crimes por violência doméstica por 1.000 habitantes por NUTS 2, Portugal, 2016-2020.

Também as crianças terão ficado mais vulne-


ráveis à violência durante o confinamento, uma
vez que a escola parece desempenhar um fa-
tor protetor a esse nível [23]. Os educadores
(docentes e não docentes) são especialmente
importantes para as crianças e jovens, não só
pela sua função de role models, mas também
como identificadores de potenciais situações de
violência doméstica.
A exposição excessiva aos ecrãs representou
Desafios para a saúde dos portugueses

um aumento do risco de abuso e exploração


online, entre crianças e jovens [24]. Por outro
lado, a impossibilidade de crianças e jovens fre-
quentarem equipamentos de apoio à infância e
estabelecimentos de ensino dificultou a dete-
ção e atuação em situações de risco ou de peri-
go [25]. Os confinamentos prolongados repre-
sentam então fatores de risco acrescidos para a
violência doméstica sobre crianças.
39 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.9. Hábitos alimentares


e atividade física

A COVID-19 parece ter contribuído para uma al- tuação económica (10,3%). De facto, um em cada
teração nos hábitos alimentares de uma parte três inquiridos (33,7%) manifestou preocupação
significativa da população nacional. quanto a uma possível dificuldade no acesso aos
alimentos e 8,3% indicou mesmo ter dificuldades
Nos Diários de uma Pandemia, 5.814 participan-
económicas no acesso a alimentos. Estes valores
tes responderam a questões sobre alimentação e
são muito elevados e merecem uma análise apro-
atividade física entre 18 de abril e 1 de maio [26].
fundada, mas revelam uma enorme preocupação
De entre estes participantes, 22,1% reportou que
face ao acesso à alimentação num grupo signifi-
a sua alimentação mudou para pior, apenas 31,7%
cativo da população, em particular nas regiões do
ingeriu 5 ou mais porções de fruta e vegetais por
sul do país (Alentejo e Algarve) e Ilhas. Coinciden-
dia. Quanto à atividade física, 67,3% reportou es-
temente, estas são as áreas que historicamente
tar menos ativo e 18% reportou ter reduzido a
apresentam valores mais elevados de inseguran-
atividade física e ter piorado a qualidade da ali-
ça alimentar e que nesta crise aparecem de novo
mentação. Cerca de um terço dos participantes
como aquelas com mais pessoas em risco.
referiu ter aumentado de peso, sendo que este
aumento foi mais frequentemente reportado pe- As mudanças no consumo alimentar provocadas
los participantes com menor rendimento. pelo confinamento relacionaram-se sobretudo
com o aumento do número de refeições feitas em
Estes dados são consonantes com aqueles publi-
casa na fase do confinamento, reduzindo muito
cados pela Direção-Geral da Saúde, relativos ao
o recurso a refeições pré-preparadas (40,7%) ou
estudo REACT-COVID [27], realizado entre abril e
take-away (43,8%). Apesar de os inquiridos dize-
maio de 2020, numa amostra de 5874 indivíduos
rem que consumiram mais snacks doces (30,9%)
com 16 anos ou mais em confinamento. Consta-
também referiram um aumento do consumo de
ta-se que quase metade da população inquirida
fruta (29,7%) e hortícolas (21%). A maior parte
(45,1%) reportou ter mudado os seus hábitos ali-
passou a cozinhar mais (56,9%) e, infelizmente,
mentares durante aquele período e 41,8% teve
Desafios para a saúde dos portugueses

também a petiscar mais (31,4%). Associado ao


a percepção de que mudou para pior. As razões
sedentarismo, este facto pode explicar a percep-
para esta alteração parecem concentrar-se em
ção de peso aumentado durante o período repor-
torno das medidas impostas pelo confinamento,
tado por 26,4% da população.
que obrigaram à alteração do horário de trabalho
(17,6%) e do modelo de compras dos alimentos Algumas alterações no comportamento alimentar
(34,3%). Um segundo conjunto de razões parece parecem ter acontecido de modo agregado, ten-
associado ao stress vivido (18,6%) e a mudanças do-se identificado um padrão alimentar menos
no próprio apetite (19,3%) e, um terceiro eixo de saudável, caracterizado pelo aumento do consu-
explicação aparece associado ao receio com a si- mo de snacks salgados, refeições pré-prepara-
40 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Algumas alterações no comportamento


alimentar parecem ter acontecido de
modo agregado, tendo-se identificado
um padrão alimentar menos saudável,
caracterizado pelo aumento do consumo
de snacks salgados, refeições pré-
preparadas, refrigerantes e take-away e,
por oposição, uma diminuição do consumo
de fruta e hortícolas.
Desafios para a saúde dos portugueses
41 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

das, refrigerantes e take-away e, por oposição,


uma diminuição do consumo de fruta e hortíco-
las. Este padrão de comportamento alimentar foi
mais comum nos inquiridos do sexo masculino,
Comparando com
com mais dificuldades financeiras e, portanto, em
risco de insegurança alimentar. Ou seja, durante o estudos anteriores,
período analisado, a adoção de comportamentos o período de
alimentares mais saudáveis revelou-se mais difícil confinamento aumentou
de atingir nas populações mais jovens e desfavo- consideravelmente a
recidas socioeconomicamente.
prevalência de níveis
baixos de atividade
Os dados relativos à prática de atividade física física (quase duplicou);
mostram que durante este período, 60,9% da e diminuiu a prevalência
população reportou níveis baixos de atividade
de níveis elevados de
física, enquanto 22,6% se consideraram mode-
radamente ativos e 16,5% com níveis elevados atividade física.
de atividade. Comparando com estudos ante-
riores, o período de confinamento aumentou
consideravelmente a prevalência de níveis bai-
xos de atividade física (quase duplicou); e dimi-
nuiu a prevalência de níveis elevados de ativi-
dade física.
Já no segundo estudo (REACT-COVID 2.0) [28],
Verificou-se, também, que vários comportamen-
relativo a maio-junho de 2021, verificou-se
tos na área da alimentação e da atividade física
36,8% das pessoas dizem ter mudado os seus
foram alterados de forma combinada. Nesse sen-
hábitos alimentares, comparativamente ao pe-
tido, foi possível identificar dois padrões de mu-
ríodo pré-pandemia. Destas, 58,2% têm a per-
dança (e de características sociodemográficas):
cepção de que mudaram para melhor e 41,8%
• Um padrão de risco apontando para a co-ocor- para pior. Passaram a recorrer a refeições ta-
rência de níveis de atividade física baixos, au- ke-away (32,2%) e a consumir mais snacks do-
mento do consumo de snacks e refrigerantes, ces (26,3%), mas também a ingerir mais água
ausência de consulta das recomendações da (22,3%), hortícolas (18,6%) e fruta (15,2%). As
DGS sobre atividade física e alimentação saudá- alterações positivas parecem relacionar-se com
vel em contexto de isolamento físico, má situa- a possibilidade de se realizarem mais refeições
ção financeira, menor nível de escolaridade, bem em casa ou com o número de refeições cozinha-
como mais tempo em situação de confinamento das (33,4% e 19,4%, respetivamente). Quanto às
social (5 semanas ou mais); mudanças menos positivas, podem relacionar-se
Desafios para a saúde dos portugueses

com variações no apetite motivadas por razões


•U
 m padrão protetor da saúde, em que níveis
emocionais (24,9%).
mais elevados de atividade física tendem a co-
-ocorrer com outros elementos de potencial Comparativamente aos resultados do estudo
salutogénico, como o não aumento do consu- REACT-COVID, os fatores emocionais ganharam
mo de snacks, o acesso às recomendações de destaque neste período, enquanto os fatores as-
atividade física e alimentação saudável, boa si- sociados às preocupações com a situação econó-
tuação financeira, maior nível de escolaridade e mica pareceram perder influência nos comporta-
estar há menos tempo em situação de confina- mentos alimentares. Associado à relevância dos
mento social. fatores emocionais, verificam-se níveis elevados
42 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Alguns jovens usaram o exercício físico


como estratégia de gestão do stress e
ansiedade e uma justificação para sair
de casa e usufruto do espaço público.

de “fome pelo prazer de comer” (em 22,8% dos usaram o exercício físico como estratégia de
participantes). gestão do stress e ansiedade e uma justificação
para sair de casa e usufruto do espaço público.
Os resultados deste inquérito confirmam, tam-
bém, a tendência de melhoria dos níveis de ativi- Dados recolhidos entre março e abril de 2020 e
dade física da população. Dos inquiridos, 54,3% fevereiro e março de 2021 na população Portu-
apresentam níveis adequados de atividade físi- guesa, ainda em análise preliminar, mostraram
ca para a promoção da saúde (46,0% em 2020; um aumento do consumo de “comida de plás-
48,1% em 2017). Não obstante, aumentou tam- tico” (12,8%) e de bebidas energéticas (6,3%)
bém o tempo sedentário, sendo este de 7 ou entre o primeiro e o segundo confinamento
mais horas por dia para 46,4% dos inquiridos [29]. Um outro estudo, com recolha de dados
(38,9% em 2020). no início do ano 2021 à população jovem uni-
versitária, e também ainda em análise prelimi-
Este estudo permitiu assim confirmar o impacto
nar, mostrou que apenas 13% dos estudantes
do contexto pandémico nos hábitos alimentares
apresentaram boa adesão à dieta mediterrânica
e de atividade física dos portugueses, sugerindo
e apenas 7,6% ingere 4 ou mais peças de fruta
que as alterações observadas nos primeiros me-
diariamente. Quando questionados sobre o im-
ses da pandemia se mantiveram.
pacto da pandemia, cerca de 60% dos alunos
Quando se olha especificamente para população consideraram que o contexto pandémico vivido
jovem, os grupos focais realizados a jovens com devido ao COVID-19 poderá ter contribuído para
idades entre os 17 e os 28 anos pelo Conselho o desenvolvimento de malnutrição.
Nacional de Saúde entre outubro e dezembro de
2020 revelaram que, durante o primeiro período
de confinamento, a obrigatoriedade de ficar em
casa e a carga letiva de aulas por videoconfe-
Desafios para a saúde dos portugueses

rência reduziram o tempo e motivação de alguns


para a preparação de refeições saudáveis e para
realizar exercício físico. Noutros casos, porém,
a ingestão de alimentos saudáveis e a prática
de exercício físico aumentou, já que a suspen-
são das aulas, estágios e/ou atividade laboral
permitiu que existisse mais tempo para explo-
rar receitas de refeições saudáveis aumentar
a frequência de exercício físico. Alguns jovens
43 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.10. Consumo de tabaco

As estatísticas relativas ao imposto sobre o 2020 Portugal terá tido menos 18 milhões de
tabaco mostram que, comparativamente com chegadas de turistas não residentes compara-
a média de 2016-2019, em 2020 venderam-se tivamente com 2019, uma diminuição de 73,7%
menos 8% de unidades de cigarros, cigarrilhas [30]. Dados preliminares de um estudo da Uni-
ou charutos e mais 9% de gramas de tabaco versidade do Minho mostraram um aumento de
de corte fino, para cachimbo de água ou ou- 12,8% do consumo de tabaco entre os dois pe-
tros (FIG. 15). No entanto, note-se que em ríodos de confinamento (2020 e 2021) [31].

Consumo de produtos de tabaco sujeitos a imposto, 2016-2020

12000

10000
Unidades e gramas (milhões)

8000

6000

4000
Desafios para a saúde dos portugueses

2000
Fonte: AT

0
2016 2017 2018 2019 2020

Unidades (cigarros, cigarrilhas, charutos) Gramas (tabaco de corte fino, cachimbo de água, outros)

FIG. 15. Consumo de produtos de tabaco entre 2016 e 2020, Portugal.


44 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.11. Consumo de álcool

No ano de 2020 houve uma redução de consu- [30], e o facto de estabelecimentos de restau-
mo de produtos sujeitos a imposto sobre o ál- ração e bebidas, tais como bares e discotecas,
cool e bebidas alcoólicas (IABA), numa redução terem visto a sua atividade reduzida ou suspen-
de 9% de cerveja e 23% de bebidas espirituo- sa. Tal como referido relativamente ao tabaco,
sas, comparando com a média de 2016 a 2019 dados preliminares relativos à população portu-
(FIG. 16). De novo, salienta-se o facto de em guesa mostraram um aumento do consumo de
2020 o número de turistas em Portugal ter caí- álcool (11,2%), especialmente marcado no sexo
do abruptamente para 26% dos anos anteriores masculino (22,6%) [32].

Consumo de produtos sujeitos a imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas,


2016-2020

4
Milhões de hectolitros

2
Desafios para a saúde dos portugueses

1
Fonte: AT

0
2016 2017 2018 2019 2020

Cerveja Álcool etílico Bebidas espirituosas Produtos intermédios Outras bebidas fermentadas

FIG. 16. Consumo de produtos sujeitos a imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas, Portugal, 2016-2020.
45 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.12. Consumo de drogas


ilícitas

Durante a pandemia vários utilizadores de dro-


gas ilícitas recorreram ao consumo destes pro-
dutos como estratégia de coping. O inquérito
mais recente do Observatório Europeu da Droga
e Toxicodependência, mostrou que a maioria dos
Se a maioria dos
utilizadores alterou o padrão de consumo duran-
te 2020 e 2021 [32]. Se a maioria dos consumi-
consumidores de
dores de ecstasy e anfetaminas diminuiu o con- ecstasy e anfetaminas
sumo, nas restantes substâncias a redução foi diminuiu o consumo,
menos expressiva. Cerca de 20% dos utilizadores nas restantes
de canábis, cocaína, metanfetaminas e heroína,
assim como de novas substâncias psicoativas
substâncias a redução
aumentaram o consumo. Este concentrou-se foi menos expressiva.
nos indivíduos de sexo masculino e nos grupos
etários mais jovens (18 aos 34 anos), com exce-
ção da heroína e do crack, que se concentraram
nos grupos etários dos 35-54 anos.
Desafios para a saúde dos portugueses
46 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

1.13. Literacia – perceção de


risco e adoção das medidas
preventivas

Com a pandemia surgiu também uma onda in-


fodémica que criou barreiras à disseminação
das mensagens oficiais e à adoção das medidas
preconizadas. Este excesso de informação, e al-
guma imprecisão na informação difundida pelas Este excesso de
instituições responsáveis, dificultou a procura
de informação fidedigna por parte dos cidadãos
informação, e alguma
e contribuiu para a fadiga pandémica. imprecisão na
A Europol, no relatório Catching the virus –
informação difundida
cybercrime, disinformation and the COVID-19 pelas instituições
pandemic, alertou que o volume de notícias fal- responsáveis,
sas divulgadas nos meios de comunicação ou dificultou a procura de
online relacionadas com a pandemia por SARS-
informação fidedigna
-CoV-2 tem sido substancial. Teorias da conspi-
ração, narrativas críticas e prejudiciais minando
por parte dos cidadãos
as instituições públicas, nomeadamente as au- e contribuiu para a
toridades internacionais, nacionais, regionais ou fadiga pandémica.
locais de saúde (pública), veiculando informa-
ções falsas sem qualquer fundamento científico
e referência a personalidades ou sítios na World
Wide Web, com um intenso recurso a redes so-
ciais como o Facebook, por vezes oriundas de
organizações com responsabilidades perante
a comunidade, têm posto em causa os esfor- fazer frente aos gastos afirmou ter dificuldade
Desafios para a saúde dos portugueses

ços coletivos para a resposta à pandemia, no- em distinguir notícias falsas, dificuldade mencio-
meadamente o cumprimento das medidas de nada por apenas 13,3% dos que tinham um nível
contenção e mitigação, ou o envolvimento nos de rendimentos “Confortável”, e a ansiedade ao
planos de vacinação, apesar dos esforços para ler notícias era também superior nos indivíduos
reprimir a desinformação [33]. com menor rendimento (41,5% vs 29,2%) [34].
Estas narrativas poderão afetar com maior in- De acordo com o barómetro criado pela DGS,
tensidade indivíduos com menor estatuto so- que analisa a perceção de risco através da aná-
cioeconómico: em 2020, 27,6% dos indivíduos lise das mensagens/comentários públicos de
em agregados com rendimento insuficiente para cidadãos a publicações sobre COVID-19 extraí-
47 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

Contudo, houve períodos em que foram


percecionados níveis elevados de risco
perante situações epidemiológicas
de baixa gravidade, nomeadamente
quando houve expressão de incerteza/
desconfiança face à gravidade dos
números reportados pelas autoridades
e aquando do início do ano letivo em
setembro de 2020, ainda que não se tenha
verificado o aumento de casos que era
antecipado pela população.

dos do Facebook® da DGS e de vários meios de houve uma diminuição da autoeficácia para a
comunicação social nacionais [35], o nível de realização dos comportamentos de prevenção e
perceção de risco refletiu, na sua globalidade, da confiança nas instituições enquanto fontes
a situação epidemiológica. Contudo, houve pe- de informação.
ríodos em que foram percecionados níveis ele-
O estudo da associação entre a literacia digital
vados de risco perante situações epidemiológi-
em saúde relativa à COVID-19 e o comporta-
cas de baixa gravidade, nomeadamente quando
mento de pesquisa de informação de estudan-
houve expressão de incerteza/desconfiança
tes universitários constatou que a utilização de
face à gravidade dos números reportados pelas
motores de busca como o Google, a Wikipedia
autoridades e aquando do início do ano letivo
e as redes sociais diminuíram em cerca de 30%
em setembro de 2020, ainda que não se tenha
a probabilidade de alcançar níveis suficientes
verificado o aumento de casos que era anteci-
de literacia digital sobre COVID-19, enquanto o
pado pela população.
uso frequente de páginas de instituições públi-
Desafios para a saúde dos portugueses

A monitorização psicossocial, realizada pela cas aumentou essa probabilidade em cerca de


DGS, identificou que em outubro de 2020 os 70% [36].
participantes reportaram comportamentos de
proteção (e.g. uso de máscara, etiqueta respi-
ratória, higiene das mãos, entre outras variá-
veis analisadas) com mais frequência e maior
intenção de os realizar, do que em agosto. Hou-
ve também um aumento significativo da perce-
ção de risco entre agosto e outubro. Contudo,
48 CAP 01

A PANDEMIA DE COVID-19
INDICADORES SOCIAIS, DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE

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Desafios para a saúde dos portugueses
Desafios para a saúde dos portugueses
51
A PANDEMIA DE COVID - 19
CAP 01

UMA VISÃO
CAPÍTULO

SAÚDE MENTAL E PANDEMIA:


2
SINDÉMICA
DESAFIOS PARA A SAÚDE DOS PORTUGUESES
A PANDEMIA DE COVID-19
52 CAP 02

A PANDEMIA DE COVID-19
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA: UMA VISÃO SINDÉMICA

Muito para além das consequências da infeção e janeiro-março 2021), e várias restrições em
para a saúde de pessoas e comunidades direta- diversos períodos. À medida que as formas de
mente relacionadas com o vírus SARS-CoV-2, à controlo e mitigação da pandemia foram sendo
medida que a pandemia se disseminou rapida- introduzidas – especialmente os vários confina-
mente pelo mundo, introduziu um grau consi- mentos, com os seus efeitos nas rotinas diárias
derável de receio e preocupação na população ou nos meios de subsistência – colocou-se a
em geral e, em particular, em grupos mais vul- questão do seu impacto nos níveis de solidão,
neráveis à doença como os idosos ou vivendo depressão, uso nocivo de álcool e outras drogas
com comorbilidades, e mais expostos como os e comportamentos de auto-lesão [1].
profissionais de saúde.
Assim, se o isolamento físico é demonstrada-
A pandemia veio colocar à prova os recursos mente importante para proteger a saúde física
adaptativos da população a elevados níveis de da comunidade, impedindo o contágio pelo ví-
stress e de incerteza. De facto, um pouco por rus, quanto mais tempo se mantiver a popula-
todo o mundo, os períodos de confinamento ção em confinamento maiores serão os riscos
(com maior ou menor limitação), decretados por de impacto na saúde mental. Se a estes aspe-
vários governos, levaram a que milhões de pes- tos associarmos as consequências para a eco-
soas ficassem física e socialmente isoladas du- nomia de pessoas e famílias com um aumento
rante várias semanas. Esta é uma situação úni- da pobreza e das desigualdades, enfrentamos
ca e extraordinária e os dados publicados sobre claramente uma sindemia que deve ser acom-
o impacto na saúde mental de outras quaren- panhada e combatida como tal. Como podemos
tenas (por exemplo no SARS-CoV-1, no MER- observar na FIG. 17, não só se assistiu a um
S-CoV, no H1N1 ou no Ébola) dizem respeito a aumento da exposição a fatores de risco para
grupos com apenas algumas centenas de pes- doença mental, como muitos dos fatores prote-
soas e a períodos que não iam além de 21 dias tores viram significativamente diminuída a sua
de isolamento. Em Portugal, existiram dois pe- presença na comunidade.
ríodos de confinamento geral (março-abril 2020

Fatores de risco: Fatores protetores:


• insegurança financeira • conexão social
• desemprego • emprego e envolvimento educacional
• medo • estabilidade financeira
• pesar • acesso a exercícios físicos
• isolamento • rotina diária
• pobreza e desigualdade • acesso a serviços de saúde mental
Desafios para a saúde dos portugueses

Adaptado de: Francesca Colombo/OECD webinar slide, April 2021; OECD policy response brief, May 2021 [2]

FIG. 17. Fatores de risco e fatores protetores para o bem-estar mental na sindemia.
53 CAP 02

A PANDEMIA DE COVID-19
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA: UMA VISÃO SINDÉMICA

2.1. Impacto na saúde


mental

Num inquérito realizado pelo Conselho Nacional saúde, 27% dos participantes reportaram sinto-
de Saúde durante a primeira vaga da pandemia mas moderados a graves de ansiedade, 26,4%
por SARS-CoV-2 em Portugal [3], verificou-se de depressão e 26% de perturbação de stress
que as Juntas de Freguesia foram frequente- pós-traumático. Já num estudo realizado pela
mente abordadas por pessoas com dependên- Universidade do Minho também nas primeiras
cia funcional – idosas, portadoras de deficiên- semanas da pandemia, 16% dos participantes
cia, com doença mental – ou seus familiares, reportaram sintomas moderados a graves de
e por pessoas pertencentes a agregados fami- ansiedade, 19% de depressão e 12% de sinto-
liares com dificuldades económicas por desem- mas obsessivo-compulsivos [5]. Foram sobre-
prego ou emprego precário. Evidenciaram-se, tudo as mulheres, os jovens adultos entre os 18
no primeiro grupo, as dificuldades na aquisição e os 29 anos, os desempregados e os indivíduos
de bens essenciais, a solidão e a falta de meios com menor rendimento quem apresentou mais
de comunicação, enquanto que no segundo gru- frequentemente sintomas de sofrimento psi-
po foram notórias as dificuldades económicas cológico moderado a grave, de acordo com as
para o pagamento de bens essenciais, sejam a várias das dimensões analisadas. Os preditores
renda, alimentos, medicamentos ou dificuldade mais significativos de sofrimento psicológico
no acesso a computadores e ligação à internet. foram a dificuldade na conciliação trabalho-fa-
Estas dificuldades estarão possivelmente alia- mília e manutenção dos estilos de vida e ativi-
das a dificuldades sociais e económicas pré- dades de lazer, a preocupação com a manuten-
-existentes que se poderão ter agravado com ção do trabalho ou preservação do rendimento,
o impacto da pandemia. Constituem reconheci- da perceção de falta de apoio social ou familiar,
dos determinantes sociais da saúde em geral e a preocupação relativamente ao futuro e menor
da saúde mental em particular. resiliência. De forma similar, de entre as 3.432
pessoas que preencheram os questionários on-
No estudo Saúde Mental em Tempos de Pan-
line dos Diários de uma Pandemia entre 23 e 30
Desafios para a saúde dos portugueses

demia (SM-COVID19) [4], realizado em Portu-


de março de 2020, 23,7% sentiram muito fre-
gal nos primeiros 6 meses da pandemia atra-
quentemente2 uma sensação de medo “como se
vés de um questionário disponibilizado on-line
algo terrível estivesse para acontecer”, mais de
e respondido por 3.982 indivíduos considerados
34,8% sentiu medo de ser infetado, 62,4% com
como população geral e 2.097 profissionais de

2
Corresponde às categorias ‘muitas vezes’ e ‘sempre ou quase sempre’.
54 CAP 02

A PANDEMIA DE COVID-19
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA: UMA VISÃO SINDÉMICA

A generalização, quase instantânea,


do teletrabalho provocou sentimentos
de isolamento social e solidão que, por
sua vez, reduziram a capacidade de lidar
com as mudanças na carga de trabalho
e no tempo de trabalho, afetando
adversamente os níveis de stress
e o bem-estar mental e físico
dos trabalhadores.

medo pela sua saúde ou a dos seus entes que- nalguns grupos populacionais que vivem condi-
ridos, e 50,4% sentiu ansiedade ao ler notícias ções de maior vulnerabilidade no que respeita à
sobre a pandemia [6]. Mais de 80% sentiu fre- saúde mental (como mulheres, desempregados,
quentemente não ter controlo sobre a situação pessoas com doença crónica) [8,9].
e 29,4% descreveu sentimentos de tristeza, de-
O relatório O Impacto da Pandemia de Covid-19
sespero ou depressão. Globalmente, as mulhe-
nas Instituições Particulares de Solidarieda-
res, as faixas etárias mais novas e aqueles com
de Social (IPSS) e seus Utentes em Portugal
menor escolaridade apresentaram frequências
[10] mostrou que os utentes das IPSS foram
mais elevadas. Mais de um terço dos partici-
especialmente afetados pelas consequências
pantes (39,7%) teve dificuldade em adormecer.
do isolamento (66,2%), nas quais se incluem
O risco de insónia foi mais elevado nas mulhe-
efeitos psicológicos tais como solidão, perdas
res, nos mais jovens e nos participantes que
relacionais e de socialização, desgaste, stress
percecionavam o seu rendimento como inferior
e ansiedade, tristeza e medo. A suspensão das
e frequentemente sentiam medo de infetar pelo
respostas sociais afetou 15,1% das famílias dos
SARS-CoV-2 [7].
seus utentes, como os idosos, pessoas com de-
Importa salientar que os resultados apresen- pendência e pessoas com deficiência, por en-
Desafios para a saúde dos portugueses

tados se referem a observações transversais cerramento ou suspensão dos Centros de Dia


e muito sensíveis a fatores contextuais parti- e Centros de Acompanhamento Ocupacional, e
culares. Num estudo longitudinal realizado em crianças e jovens utilizadores de creches, ensi-
Portugal ao longo dos anos 2020 e 2021, veri- no pré-escolar e centros de atividade de tempos
ficou-se uma redução sustentada dos níveis de livres. A suspensão ou alteração da atividade
stress, ansiedade e depressão, demonstrando de algumas IPSS durante este período contri-
uma adaptação global às adversidades da pan- buiu para o agravamento da situação económi-
demia. Saliente-se, contudo, que essa adap- ca familiar pelo facto de os cuidadores terem
tação não foi uniforme, sendo menos evidente de suspender a sua atividade profissional para
55 CAP 02

A PANDEMIA DE COVID-19
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA: UMA VISÃO SINDÉMICA

assumir as tarefas anteriormente desempe- atrasar a recuperação da doença e comprometer


nhadas pelas IPSS ou outros organismos cujas a saúde a longo prazo do trabalhador.
respostas foram suspensas. Foi ainda relevante
Para além do ensino à distância, o incentivo
a perda de acesso a serviços sociais externos
ao distanciamento físico e o uso de máscaras
(5,3%), tais como os centros de saúde, escolas,
facial pode vir a ter um efeito nefasto no de-
unidades de alcoologia, o aumento da violência
senvolvimento de muitas competências sociais
doméstica (4,0%) e a falta de equipamentos ou
nas crianças e adolescentes. Assim, a socieda-
competências para aceder a ensino à distân-
de civil alertou para que o processo de tomada
cia (1,8%), no caso das crianças e jovens. No
de decisão sobre estas medidas de contenção
entanto, as Instituições procuraram responder
devesse priorizar a saúde (não só física, mas
a estas circunstâncias mobilizando recursos, e
também psicológica), o desenvolvimento sau-
indo muitas vezes para além das suas respon-
dável e o bem-estar das crianças [12]. O uso
sabilidades formais.
de máscaras pelas crianças deve ter em conta
o potencial impacto nos processos e resultados
de aprendizagem, bem como nos processos de
O futuro trará maior compreensão sobre o im-
transição e adaptação. Na criação de normas
pacto do ensino à distância – obrigatório nos
ou orientações é imprescindível considerar a
períodos de confinamento, mas prolongado
necessidade de equilíbrio entre as medidas sa-
para várias crianças e jovens pela necessida-
nitárias, essenciais ao controlo epidemiológico,
de de isolamento e quarentena durante todo o
e os potenciais impactos dessas medidas no
período pandémico. Ainda não sabemos qual o
desenvolvimento, bem-estar e aprendizagem.
efeito desta situação no seu desenvolvimento
Teria sido muito importante envolver crianças e
e socialização, assim como ainda não conhece-
jovens na discussão destas tomadas de decisão
mos o eventual efeito disruptivo do teletrabalho
e desde há muito existir um plano devidamente
obrigatório, com repercussões nos ritmos de
desenhado de avaliação do seu efeito.
vida e nos processos de socialização da popu-
lação ativa.
A generalização, quase instantânea, do tele-
trabalho provocou sentimentos de isolamento
social e solidão que, por sua vez, reduziram a
capacidade de lidar com as mudanças na car-
ga de trabalho e no tempo de trabalho, afetando
adversamente os níveis de stress e o bem-estar
mental e físico dos trabalhadores. Um estudo da
Eurofound-OIT [11] constatou que os níveis de
stress elevados estavam presentes em 41% dos
trabalhadores que realizavam teletrabalho com-
parados com apenas 25% dos trabalhadores que
Desafios para a saúde dos portugueses

se mantiveram em trabalho presencial. O mesmo


estudo aponta outra fonte de efeitos negativos
relacionados com o teletrabalho, em particular
no contexto da pandemia por SARS-CoV-2, re-
lacionado com o ‘presentismo virtual’3, que pode

3
Presentismo virtual: um trabalhador com doença/doente que mantém a sua atividade profissional em teletrabalho.
56 CAP 02

A PANDEMIA DE COVID-19
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA: UMA VISÃO SINDÉMICA

2.2. Uma epidemia na pandemia:


os psicofármacos

Em 2019 Portugal era dos países da Organi-


zação para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) com maior consumo de an-
siolíticos e antidepressivos e o número de anti-
depressivos vendidos em Portugal tem vindo a Algumas pessoas
aumentar [13].
relataram o uso de
Em 2019 venderam-se em média 25 mil em- substâncias como
balagens de antidepressivos por dia, em 2020
mais de 26 mil, e nos nove primeiros meses de
um mecanismo para
2021 mais de 28 mil embalagens [14]. Porém, lidar com os impactos
o crescimento da utilização de antidepressivos físicos, mentais e
em Portugal pode ser explicado pela utilização sociais negativos
mais correta do uso destes fármacos (já que
da pandemia por
anteriormente as pessoas estavam a ser me-
dicadas incorretamente com ansiolíticos), pelo
SARS-CoV-2.
facto de existir uma elevada prevalência de de-
pressão em Portugal, e também pelo aumento
da capacidade de deteção da depressão nos
cuidados de saúde primários [15].
Relativamente aos ansiolíticos, sedativos e hip- te, o aumento do consumo de antidepressivos
nóticos, o consumo reduziu em 2019 e 2020, em Portugal.
tendo havido um ligeiro aumento em 2021. Num Dados preliminares de um estudo português em
estudo canadiano recente [16], que entre 196 curso [17] mostraram aumento do consumo de
participantes explorou os possíveis determi- tabaco e álcool, bebidas energéticas, jogos de
Desafios para a saúde dos portugueses

nantes desses consumos, 47% relataram um fortuna e azar e de cannabis. Destaque-se que,
aumento no uso de substâncias desde o início segundo os resultados do Inquérito Online Euro-
da pandemia relacionado com a perda de em- peu sobre Drogas 2021, cerca de 40% dos utili-
prego, medo de ficar infetado, distanciamento zadores de cannabis referiram utilizar esta droga
social e isolamento. Algumas pessoas relataram como estratégia para lidar com a depressão ou
o uso de substâncias como um mecanismo para ansiedade [18]. O aumento reativo dessas situa-
lidar com os impactos físicos, mentais e sociais ções pode indiciar um aumento do consumo de
negativos da pandemia por SARS-CoV-2. Meca- drogas que deverá ser atentatmente monitoriza-
nismos semelhantes poderão explicar, em par- do no futuro.
57 CAP 02

A PANDEMIA DE COVID-19
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA: UMA VISÃO SINDÉMICA

2.3. Resposta pelos serviços


de saúde mental

A pandemia poderá ter, direta e indiretamente, mostrou que 85% referirem ter tido mais apoio
afetado a saúde mental da população e levado da família, dos amigos e/ou do cuidador, bem
ao aumento de procura dos serviços relevantes. como grupos de autoajuda e apoio de colegas.
Medo, luto, isolamento, perda de rendimento Em vários países a pandemia teve impacto nos
poderão ter desencadeado novos problemas de serviços de saúde mental, levando a uma subs-
saúde mental ou agravado os pré-existentes, tancial redução no acesso e disponibilidade de
assim como a própria COVID-19 poderá aumen- serviços quer a nível hospitalar quer naqueles
tar o risco de morbilidade psicológica e neuroló- centrados na comunidade [2].
gica, a curto e médio prazo [19]. Dados prelimi-
Em Portugal, as respostas dos serviços de saú-
nares da Universidade do Minho [20], mostram
de mental, no contexto da pandemia de CO-
um aumento da procura de consultas de psico-
VID-19, caracterizaram-se pela adoção de es-
logia e/ou psiquiatria, sendo que mais de 20%
tratégias preventivas e interventivas, dirigidas
da amostra tinha consultas de saúde mental
em curso. Apesar deste aumento de procura, aos doentes com e sem COVID-19, às famílias e
pessoas com problemas de saúde mental pré- aos profissionais. Estas respostas ocorreram a
-existentes e pessoas que sentiram a sua saúde nível hospitalar e comunitário. A nível hospita-
mental deteriorar-se durante a pandemia, po- lar, com a reorganização imediata dos Departa-
derão ter estado em situação particularmente mentos de Psiquiatria e Saúde Mental (DPSM),
vulnerável durante estes dois anos. Segundo designadamente dos Serviços de Psiquiatria e
as conclusões de um inquérito europeu (envol- dos Serviços de Psiquiatria da Infância e Ado-
vendo treze países, incluindo Portugal) junto de lescência (Pedopsiquiatria), com elaboração
pessoas com problemas de saúde mental pree- de planos de contingência, de acordo com as
xistentes, realizado entre setembro e dezembro orientações emanadas do Ministério da Saúde
de 2020 [21], 51% dos entrevistados afirmaram e dos respetivos hospitais onde se inserem os
que a sua saúde mental havia piorado desde o DPSM e, mais tarde, também da Norma da Dire-
Desafios para a saúde dos portugueses

início da pandemia e 57% experimentaram uma ção-Geral da Saúde 011/2020 de 18/04, em ar-
mudança/declínio do seu humor. Foi ainda ob- ticulação com os Agrupamentos de Centros de
servado que, apesar de 82% terem recebido Saúde, as Equipas Locais de Intervenção, as Co-
suporte dos serviços de saúde mental quando missões de Proteção de Crianças e Jovens, com
necessitaram, 60% relataram uma mudança na os Centros de Apoio Psicológico e Intervenção
forma como os cuidados de saúde mental foram em Crise do INEM e com as estruturas locais
prestados (com uma grande maioria a receber dos Planos de Desenvolvimento Social, de modo
cuidados de saúde mental por teleconsulta). a agilizar a comunicação entre os vários servi-
Apesar destes dados, o mesmo estudo europeu ços na sinalização de casos urgentes e vigilân-
58 CAP 02

A PANDEMIA DE COVID-19
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA: UMA VISÃO SINDÉMICA

cia das populações mais vulneráveis, sobretu- com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
do idosos, crianças, indivíduos isolados ou com Este serviço pretendeu dar apoio em várias si-
doença mental. A aplicação da referida permi- tuações, como por exemplo: ansiedade aguda;
tiu, ao contrário do que aconteceu noutros paí- fragilidade psicológica; e agravamento da sua
ses, que os serviços de psiquiatria não tenham doença psicológica. Desde a sua criação, no dia
sido “invadidos” por outras especialidades e que 1 de abril de 2020, um mês depois do início da
as equipas não fossem desmanteladas, e que pandemia de COVID-19 em Portugal, cerca de
a assistência a todos as pessoas com doença 75 mil pessoas ligaram para a Linha de Acon-
mental grave em ambulatório pudesse ser man- selhamento Psicológico do SNS 24. Dados re-
tida, inclusivamente de forma presencial. Dados centemente publicados pelo Instituto Nacional
apresentados na comunicação social mostram de Emergência Médica (INEM) apontaram para
que o número de consultas externas terá au- um aumento de mais de 40% dos pedidos de
mentado de 2019 para 2020 e 2021, inicialmen- ajuda ao Centro de Apoio Psicológico e Inter-
te à custa de teleconsultas que gradualmente venção em Crise, passando de 7.345 ocorrên-
foram sendo substituídas por consultas presen- cias em 2019 para 10.474 em 2021 [23]. Este
ciais, e que as sessões em hospital de dia dimi- aumento foi mais significativo nos jovens até
nuíram entre 2019 e 2020, voltando a aumentar aos 19 anos, com um aumento de 52,8%. Os
em 2021 (mas em número inferior a 2019) [22]. quadros mais frequentes foram os relacionados
Houve ainda redução no número de interna- com episódios de crise de ansiedade e ataques
mentos hospitalares e sessões de hospital de de pânico, aliados à dificuldade em regular as
dia entre 2019 e 2020, com recuperação parcial emoções, sintomas depressivos, falta de espe-
em 2021. Salienta-se que, ainda que durante rança e isolamento. A perturbação depressiva
alguns meses as consultas presenciais tenham muitas vezes aliou-se a comportamentos sui-
sido parcialmente substituídas por um atendi- cidários e auto-lesivos. Os incidentes críticos,
mento à distância (incluindo teleconsultas e li- como a morte inesperada de um ente querido
nhas diretas de apoio), estas nunca deixaram de (nomeadamente por COVID-19), foram os even-
existir para os doentes mentais graves. tos com maior crescimento entre 2019 (1.099)
e 2021 (2.276).
As IPSS também reportaram um agravamento
de doença mental ou cognitiva preexistente nos Foram igualmente criadas múltiplas linhas te-
seus utentes (26,7%), uma regressão da capa- lefónicas ao nível dos serviços de saúde men-
cidade locomotora (14,2%) e um agravamento tal, nos hospitais, com o envolvimento de equi-
geral do estado de saúde (4,0%), no qual se in- pas multidisciplinares, para apoio psicológico
cluíram as consequências da falta de apoio fa- em crise aos profissionais de saúde e utentes,
miliar, acima de tudo nos idosos não institucio- tendo como principais metas: a contenção psi-
nalizados, com o risco aumentado de quedas e cológica e validação emocional, capacitação
suspensão de terapêuticas [10]. individual (empowerment), hierarquização de
preocupações e gestão de expetativas, e pro-
Como já afirmado, a pandemia por SARS-CoV-2
moção da resiliência.
motivou alterações profundas na vida das pes-
Desafios para a saúde dos portugueses

soas, no quotidiano familiar e do trabalho. A Uma preocupação importante foi a de aumentar


necessidade de adaptação à mudança, com o a informação destinada à população em geral e a
isolamento e afastamento social, coloca a to- literacia em saúde mental. Logo em abril de 2020
dos os cidadãos sob uma pressão psicológica, foi criado um site institucional de Saúde Mental e
por vezes difícil de controlar. Na procura de res- a presença nos meios de comunicação, ocorreu
posta para estas necessidades foi criada a linha ao longo dos dois últimos anos e com maior fre-
de aconselhamento psicológico, numa parceria quência em 2021.
entre os Serviços Partilhados do Ministério da
Saúde e a Ordem dos Psicólogos Portugueses,
59 CAP 02
01

A PANDEMIA DE COVID-19
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA: UMA VISÃO SINDÉMICA

A necessidade de adaptação à
mudança, com o isolamento e
afastamento social, coloca a todos os
cidadãos sob uma pressão psicológica,
por vezes difícil de controlar.
Na procura de resposta para estas
necessidades foi criada a linha de
aconselhamento psicológico, numa
parceria entre os Serviços Partilhados
do Ministério da Saúde e a Ordem dos
Psicólogos Portugueses, com apoio
da Fundação Calouste Gulbenkian.
Desafios para a saúde dos portugueses
60 CAP 02

A PANDEMIA DE COVID-19
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA: UMA VISÃO SINDÉMICA

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Desafios para a saúde dos portugueses
62
A PANDEMIA DE COVID - 19
CAP 01

CAPÍTULO

DE SAÚDE
CUIDADOS
3
DESAFIOS PARA A SAÚDE DOS PORTUGUESES
A PANDEMIA DE COVID-19
63 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

A organização da resposta em cuidados


de saúde à COVID-19 teve impactos
profundos na prestação de cuidados
de saúde não-COVID substanciados na
alteração da atividade assistencial, na
redução das atividades relacionadas com
a prevenção da doença (e.g., rastreios)
ou promoção da saúde.

A atividade assistencial é uma das principais venção da doença (e.g., rastreios) ou promoção
componentes dos sistemas de saúde, sendo a da saúde, em particular nos primeiros tempos da
sua monitorização e avaliação periódica funda- pandemia, ou no desvio de recursos quer finan-
mentais para a compreensão da evolução dos in- ceiros quer humanos para o seu combate.
dicadores de mortalidade e de morbilidade, bem
A desorganização das tarefas assistenciais lato
como das atividades de prevenção de doença e
sensu pode traduzir-se em manifestações e mo-
de promoção da saúde.
dificações no curso de doenças em muitos indi-
A organização da resposta em cuidados de saúde víduos que, por medo do contágio (não conve-
à COVID-19 teve impactos profundos na presta- nientemente dissipado), evitaram os serviços, ou
ção de cuidados de saúde não-COVID substan- porque viram adiados os cuidados preventivos
Desafios para a saúde dos portugueses

ciados na alteração da atividade assistencial, na ou curativos de que necessitavam por ausência


redução das atividades relacionadas com a pre- de resposta profissional.
64 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.1. Cuidados de saúde


assistenciais prestados pelo
Serviço Nacional de Saúde

A análise efetuada revelou que em 2020, em


termos dos cuidados de saúde curativos pres-
tados pelo SNS, e comparativamente ao veri-
ficado no período de 2016 a 2019, se registou:

• quebra do número de consultas médicas nos


Convém assinalar que
cuidados de saúde primários e hospitalares não houve paragem
• redução da proporção de utentes com acesso
dos cuidados, embora
a consultas médicas nos cuidados de saúde estes tenham
primários ficado fortemente
• redução da proporção de utentes com acesso comprometidos.
a cuidados hospitalares e mais marcada com-
parativamente à verificada nos cuidados de
saúde primários

• pouco menos de 3/4 das consultas realizadas


dentro do Tempo Máximo de Resposta Garan-
tido, valor que voltou a subir acima de valores
simplesmente, estiveram ausentes os planos de
pré pandemia em 2021
contingência que deviam há muito estar dese-
• redução no número de intervenções cirúrgi- nhados e testados.
cas programadas, com menos de cerca de
700.000 cirurgias realizadas. Se importa aprender como atuar perante situa-
ções que num qualquer futuro exijam uma in-
• redução no número de internamentos hospita-
tervenção “imediata”, como exigiu a COVID-19,
Desafios para a saúde dos portugueses

lares e no total de dias de internamento


tirando o melhor partido de recursos que são
sempre finitos e dificilmente apresentam elasti-
De assinalar, contudo, que se registou um au- cidade para situações de procura excecional, os
mento de mais de 100% nas teleconsultas [1]. indicadores de utilização de cuidados de saúde
Convém assinalar que não houve paragem dos que a seguir se apresentam – de rotina ou em
cuidados, embora estes tenham ficado forte- circunstâncias de urgência – devem ser inter-
mente comprometidos. Pode ter faltado, sobre- pretados a esta luz e tendo em conta o panorama
tudo na fase inicial e em algumas instituições, a geral (mas também as desigualdades regionais)
capacidade de reinventar a gestão, quando não, de condições materiais e de recursos humanos.
65 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.1.1. Consultas médicas nos


Cuidados de Saúde Primários

Durante os anos de 2020 e 2021 observou-se, de utentes com acesso a consultas médicas nos
no geral, uma quebra do número de consultas cuidados de saúde primários, comparando com
médicas nos cuidados de saúde primários, com- a média de 2016 a 2019, o que corresponde a
parativamente ao período de 2016 a 2019. uma redução de 4,2 a 8,3% (FIG. 18). As regiões
No caso dos cuidados de saúde primários, verifi- de saúde do Norte, Centro e Alentejo apresen-
cou-se uma diminuição global (-1,1 pontos percen- tavam entre 2016 e 2019 maiores proporções de
tuais) e regional (entre -1,6 pontos percentuais e utentes inscritos com acesso a consultas, com
0 pontos percentuais) da cobertura da população um diferencial de cerca de 10 pontos percentuais
inscrita com médico de família atribuído em 2019 relativamente às outras regiões de Portugal con-
e em 2020, contrariando uma tendência crescen- tinental, o qual foi mantido durante a pandemia.
te verificada em anos anteriores [1].
Contrariamente, observou-se na Região Autóno-
Consequentemente, em 2020 houve uma redu- ma dos Açores um aumento da utilização de con-
ção de 2,6 a 5,2 pontos percentuais da proporção sultas médicas nos Cuidados de Saúde Primários.

Utilização de consultas médicas pela população inscrita nos Cuidados de Saúde


Primários, 2016-2021

Fonte: Portal da Transparência do SNS; Governos Regionais dos Açores e da Madeira


80.00
Proporção de utentes com consulta médica (%)

70.00

60.00

50.00

40.00

30.00

20.00
Desafios para a saúde dos portugueses

10.00

0.00
Alentejo Algarve Centro LVT Norte Açores Madeira

2016 2017 2018 2019 Média 2016-2019 2020 2021 ( jan-nov)

FIG. 18. Proporção de utentes inscritos com acesso a consulta médica nos cuidados de saúde primários, por
região de saúde do SNS, 2016-2021.
66 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.1.2. Consultas médicas


hospitalares

Nos cuidados de saúde hospitalares a redução tou a subir acima de valores pré pandemia em
da proporção de utentes com acesso a cuidados 2021 (FIG. 20). A quebra em 2020 foi especial-
foi um pouco mais marcada. Em 2020 houve uma mente marcada nos hospitais da região de saúde
redução de 12,2 a 21,6% das primeiras consultas do Centro (22%), Lisboa e Vale do Tejo (17,5%) e
hospitalares, sendo esta redução menos marca- Norte (15,6%). A recuperação foi especialmen-
te marcada na região Norte e Alentejo. Focando
da nas consultas subsequentes (entre 0,04% e
os Institutos Portugueses de Oncologia (IPO), o
16,6%) (FIG. 19).
IPO do Porto manteve as maiores proporções de
Tendo em conta as primeiras consultas externas, resposta em tempo adequado (92,7% em 2020
em 2020, em média, apenas 71,5% das consultas e 93,0% em 2021), enquanto no IPO de Lisboa
decorreu em tempo adequado (dentro do Tempo 85,6% das consultas decorreram em tempo ade-
Máximo de Resposta Garantido), valor que vol- quado em 2020.

Consultas médicas hospitalares, 2016-2021

Fonte: Portal da Transparência do SNS; Governos Regionais dos Açores e da Madeira


14

12
Número de consultas médicas (milhões)

10

0
2016
2017
2018
2019
Média 2016-2019
2020
2021
2016
2017
2018
2019
Média 2016-2019
2020
2021
2016
2017
2018
2019
Média 2016-2019
2020
2021
2016
2017
2018
2019
Média 2016-2019
2020
2021
2016
2017
2018
2019
Média 2016-2019
2020
2021
2016
2017
2018
2019
Média 2016-2019
2020

2016
2017
2018
2019
Média 2016-2019
2020

2016
2017
2018
2019
Média 2016-2019
2020
2021
Desafios para a saúde dos portugueses

Alentejo Algarve Centro LVT Norte Açores Madeira Total

Primeiras Consultas Consultas Subsequentes Total não especificado

FIG. 19. Número de consultas médicas hospitalares, por região de saúde do SNS, 2016-2021.
67 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Primeiras consultas realizadas em tempo adequado, 2015-2021

100

90

80

70
Proporção de consultas (%)

60

50

Fonte: Portal da Transparência do SNS


40

30

20

10

0
IPO Coimbra IPO Lisboa IPO Porto ARS Alentejo ARS Algarve ARS Centro ARS LVT ARS Norte

2015 2016 2017 2018 2019 Média 2015-2019 2020 2021

FIG. 20. Proporção de consultas hospitalares dentro do Tempo Máximo de Resposta Garantido por região
de saúde do SNS, e nos Institutos Portugueses de Oncologia (IPO), 2015-2021.
Desafios para a saúde dos portugueses
68 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.1.3. Intervenções cirúrgicas

Relativamente às intervenções cirúrgicas, com-


parando com a média de 2015 a 2019, em 2020,
em Portugal continental houve uma redução de
cerca de 19% no número de intervenções ci-
rúrgicas programadas, ou seja, menos cerca de
700.000 cirurgias, com redução superior (23,1%)
nas cirurgias convencionais (FIG. 21).

Intervenções cirúrgicas realizadas por ano, 2015-2021

4.5

3.5
Intervenções cirúrgicas (milhões)

2.5

Fonte: Portal da Transparência do SNS


1.5

0.5

0
Programadas Convencionais Ambulatório Urgentes

2015 2016 2017 2018 2019 Média 2015-2019 2020 2021

FIG. 21. Número de intervenções cirúrgicas realizadas por ano no SNS, por tipo, 2015-2021.
Desafios para a saúde dos portugueses

Mesmo as cirurgias urgentes tiveram uma redu- cadas no Alentejo (27,5%), Centro (28,0%) e Lis-
ção de 8,3%, com menos cerca de 50.000 cirur- boa e Vale do Tejo (26,4%) (FIG. 22-A). Quanto
gias urgentes realizadas em 2020. A redução no à redução das cirurgias urgentes, observou-se
número de intervenções cirúrgicas programadas uma redução relativa de 8,0 a 9,0% em todas as
foi mais marcada na ARS Centro (25,0%), nos regiões de Saúde de Portugal continental, exce-
Açores (24.2%) e na Madeira (25.6%) e as cirur- to no Alentejo (1,8%) (FIG. 22-D), nos Açores
gias convencionais tiveram reduções mais vin- (4.1%) e na Madeira (2.6%).
69 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

A. Intervenções programadas

2.5

2
Intervenções cirúrgicas (milhões)

1.5

0.5

0
ARS Alentejo ARS Algarve ARS Centro ARS LVT ARS Norte

B. Intervenções convencionais

0.7

0.6

0.5
Intervenções cirúrgicas (milhões)

0.4

0.3

0.2
Desafios para a saúde dos portugueses

0.1

0
ARS Alentejo ARS Algarve ARS Centro ARS LVT ARS Norte
70 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

C. Intervenções ambulatório

1.6

1.4

1.2
Intervenções cirúrgicas (milhões)

1.0

0.8

0.6

0.4

0.2

0
ARS Alentejo ARS Algarve ARS Centro ARS LVT ARS Norte

D. Intervenções urgentes

0.3

0.25
Intervenções cirúrgicas (milhões)

0.2

0.15
Fonte: Portal da Transparência do SNS

0.1
Desafios para a saúde dos portugueses

0.05

0
ARS Alentejo ARS Algarve ARS Centro ARS LVT ARS Norte

2015 2016 2017 2018 2019 Média 2015-2019 2020 2021

FIG. 22. Número de intervenções cirúrgicas realizadas por ano, por região de saúde do SNS, por tipo,
2015-2021.
71 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Em 2020, todas as regiões de saúde de Portu- e Vale do Tejo, com valores inferiores a 70%, en-
gal continental tiveram uma redução da propor- quanto nas restantes regiões esta percentagem
ção de pessoas inscritas para cirurgia dentro do rondou os 80,0%. Ainda, se no Alentejo, Cen-
tempo máximo de resposta garantido, compa- tro e Norte no primeiro semestre de 2021 esta
rando com a média de 2015 a 2019 (FIG. 23). percentagem foi superior a 70,0%, nas regiões
No entanto, a percentagem de inscritos com ci- do Algarve e Lisboa e Vale do Tejo estes valores
rurgia no tempo máximo de resposta garantido mantiveram-se de novo muito inferiores (54,0%
foi especialmente reduzida no Algarve e Lisboa e 63,4%, respetivamente).

Percentagem de inscritos em cirurgia com tempo máximo de espera garantida,


2015-2021

100

90

80

70

60
Proporção (%)

50

Fonte: Portal da Transparência do SNS


40

30

20

10

0
ARS Alentejo ARS Algarve ARS Centro ARS LVT ARS Norte

2015 2016 2017 2018 2019 Média 2015-2019 2020 2021


Desafios para a saúde dos portugueses

FIG. 23. Percentagem de inscritos em Lista de Inscritos em Cirurgia com tempo de espera inferior ao
Tempo Máximo de Resposta Garantida, por região de saúde do SNS, 2015-2021.
72 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.1.4. Internamentos

No ano de 2020 houve uma redução de 18,5% A redução do número de internamentos e do nú-
do número de internamentos hospitalares (FIG. mero de dias de internamento foi mais marcada
24) e de 14,4% no total de dias de internamento na região Centro (25,4% e 20,9%, respetivamen-
(FIG. 25), comparativamente com a média de te) e menos intensa na região Norte (14,1% do
2016-2019. número de internamentos e 8,5% do número de
dias de internamento). Saliente-se que a região
As doenças do aparelho respiratório, as doenças
Norte foi a região com maior número de interna-
do sistema nervoso e dos órgãos dos sentidos
mentos por COVID-19 em 2020 (cerca de 10.000
(ouvido e olho), as doenças mentais e as doen-
internamentos, 3,8% do total de internamentos
ças pele e tecidos subcutâneo, osteomuscular
e 5,4% do total de dias de internamento), segui-
e conjuntivo tiveram uma redução de cerca de
da por Lisboa e Vale do Tejo (cerca de 8.000 in-
30,0% relativamente à média de 2016-2019. A
ternamentos, 3,3% do total de internamentos e
redução do número de dias de internamento foi
4,9% do total de dias de internamento) e região
mais marcada nas doenças do aparelho respira-
Centro (cerca de 3.000 internamentos, 2,4% do
tório (28,2%), doenças pele e tecidos subcutâ-
total de internamentos e 3,5% do total de dias de
neo, osteomuscular e conjuntivo (26,3%) e nas
internamento.
neoplasias (25,6%).

Norte - Número de internamentos

350 000

300 000

250 000

200 000

150 000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

100 000

50 000
Desafios para a saúde dos portugueses

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Covid-19 Doenças aparelho genitourinário Doenças mentais


Outros Doenças aparelho digestivo Doenças sangue, endócrinas e metabólicas
Lesões, intoxicações Doenças aparelho respiratório Neoplasias
Doenças pele e tecidos subcutâneo, osteomuscular e conjuntivo Doenças aparelho circulatório Doenças infecciosas
Gravidez, parto, puerpério, congénitas e perinatais Doenças sistema nervoso, ouvido e olhos
73 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Centro - Número de internamentos

200 000

180 000

160 000

140 000

120 000

100 000

Fonte: Portal da Transparência do SNS


80 000

60 000

40 000

20 000

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Lisboa e Vale do Tejo - Número de internamentos

350 000

300 000

250 000

200 000

150 000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

100 000

50 000
Desafios para a saúde dos portugueses

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Covid-19 Doenças aparelho genitourinário Doenças mentais


Outros Doenças aparelho digestivo Doenças sangue, endócrinas e metabólicas
Lesões, intoxicações Doenças aparelho respiratório Neoplasias
Doenças pele e tecidos subcutâneo, osteomuscular e conjuntivo Doenças aparelho circulatório Doenças infecciosas
Gravidez, parto, puerpério, congénitas e perinatais Doenças sistema nervoso, ouvido e olhos
74 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Alentejo - Número de internamentos

40 000

35 000

30 000

25 000

20 000

Fonte: Portal da Transparência do SNS


15 000

10 000

5 000

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Algarve - Número de internamentos

35 000

30 000

25 000

20 000

15 000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

10 000

5 000
Desafios para a saúde dos portugueses

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Covid-19 Doenças aparelho genitourinário Doenças mentais


Outros Doenças aparelho digestivo Doenças sangue, endócrinas e metabólicas
Lesões, intoxicações Doenças aparelho respiratório Neoplasias
Doenças pele e tecidos subcutâneo, osteomuscular e conjuntivo Doenças aparelho circulatório Doenças infecciosas
Gravidez, parto, puerpério, congénitas e perinatais Doenças sistema nervoso, ouvido e olhos
75 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Madeira - Número de internamentos

25 000

20 000

15 000

Fonte: Portal da Transparência do SNS


10 000

5 000

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Açores - Número de internamentos

25 000

20 000

15 000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

10 000

5 000
Desafios para a saúde dos portugueses

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Covid-19 Doenças aparelho genitourinário Doenças mentais


Outros Doenças aparelho digestivo Doenças sangue, endócrinas e metabólicas
Lesões, intoxicações Doenças aparelho respiratório Neoplasias
Doenças pele e tecidos subcutâneo, osteomuscular e conjuntivo Doenças aparelho circulatório Doenças infecciosas
Gravidez, parto, puerpério, congénitas e perinatais Doenças sistema nervoso, ouvido e olhos

FIG. 24. Número de internamentos por ano por região de saúde do SNS, 2016-2021 (jan-mai).
76 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Norte - Dias de internamento

2500 000

2000 000

1500 000

Fonte: Portal da Transparência do SNS


1000 000

500 000

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Centro - Dias de internamento

1600 000

1400 000

1200 000

1000 000

800 000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

600 000

400 000

200 000
Desafios para a saúde dos portugueses

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Covid-19 Doenças aparelho genitourinário Doenças mentais


Outros Doenças aparelho digestivo Doenças sangue, endócrinas e metabólicas
Lesões, intoxicações Doenças aparelho respiratório Neoplasias
Doenças pele e tecidos subcutâneo, osteomuscular e conjuntivo Doenças aparelho circulatório Doenças infecciosas
Gravidez, parto, puerpério, congénitas e perinatais Doenças sistema nervoso, ouvido e olhos
77 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Lisboa e Vale do Tejo - Dias de internamento

3000 000

2500 000

2000 000

1500 000

Fonte: Portal da Transparência do SNS


1000 000

500 000

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Alentejo - Dias de internamento

300 000

250 000

200 000

150 000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

100 000

50 000
Desafios para a saúde dos portugueses

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Covid-19 Doenças aparelho genitourinário Doenças mentais


Outros Doenças aparelho digestivo Doenças sangue, endócrinas e metabólicas
Lesões, intoxicações Doenças aparelho respiratório Neoplasias
Doenças pele e tecidos subcutâneo, osteomuscular e conjuntivo Doenças aparelho circulatório Doenças infecciosas
Gravidez, parto, puerpério, congénitas e perinatais Doenças sistema nervoso, ouvido e olhos
78 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Algarve - Dias de internamento

350 000

300 000

250 000

200 000

150 000

Fonte: Portal da Transparência do SNS


100 000

50 000

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Madeira - Dias de internamento

200 000

180 000

160 000

140 000

120 000

100 000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

80 000

60 000

40 000

20 000
Desafios para a saúde dos portugueses

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Covid-19 Doenças aparelho genitourinário Doenças mentais


Outros Doenças aparelho digestivo Doenças sangue, endócrinas e metabólicas
Lesões, intoxicações Doenças aparelho respiratório Neoplasias
Doenças pele e tecidos subcutâneo, osteomuscular e conjuntivo Doenças aparelho circulatório Doenças infecciosas
Gravidez, parto, puerpério, congénitas e perinatais Doenças sistema nervoso, ouvido e olhos
79 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Açores - Dias de internamento

200 000

180 000

160 000

140 000

120 000

100 000

Fonte: Portal da Transparência do SNS


80 000

60 000

40 000

20 000

0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 ( jan-mai)

Covid-19 Doenças aparelho genitourinário Doenças mentais


Outros Doenças aparelho digestivo Doenças sangue, endócrinas e metabólicas
Lesões, intoxicações Doenças aparelho respiratório Neoplasias
Doenças pele e tecidos subcutâneo, osteomuscular e conjuntivo Doenças aparelho circulatório Doenças infecciosas
Gravidez, parto, puerpério, congénitas e perinatais Doenças sistema nervoso, ouvido e olhos

FIG. 25. Dias de internamentos por ano por região de saúde do SNS, 2016-2021 (jan-mai).
Desafios para a saúde dos portugueses
80 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.1.5. Tratamento
de dependências

O número de utentes com problemas relaciona- tos de Centros de Saúde, com um decréscimo de
dos com álcool em tratamento diminuiu de 2019 51,7% de primeiras consultas comparando com
para 2020 em cerca de 8%, com uma redução 2019 (FIG. 28) [2]. Nos Açores, em contraciclo,
de quase 50% do número de novos utentes em 2020 houve um aumento do número de con-
em tratamento e 30% dos utentes readmitidos sultas de cessação tabágica, comparando com a
(FIG. 26). Quanto ao número total de utentes média de 2017-2019. Houve uma redução de 29%
em tratamento da dependência a drogas ilícitas, do número de embalagens de vareniclina dispen-
este tem vindo a baixar desde 2017, acentuan- sadas em farmácia de oficina em 2020 compa-
do-se entre 2019 e 2020 (7%), e com redução rando com 2019, sendo que a quebra ocorreu em
de 30% dos utentes novos em tratamento de abril/maio, mantendo-se nos meses subsequen-
2019 para 2020 (FIG. 27). tes em valores inferiores a 2019 e janeiro e feve-
reiro de 2020 [3]. Contrariamente, durante 2020
Quanto ao apoio à cessação tabágica, em Portu-
observou-se um aumento de 0,8% de dispensa
gal continental houve uma quebra de 39,2% do
de medicamentos contendo nicotina.
total de consultas de apoio intensivo à cessação
tabágica em serviços hospitalares e Agrupamen-

Acompanhamento de utentes com problemas comportamentos aditivos: álcool

16000

14000

12000

10000
Numero de utentes

8000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

6000

4000
Desafios para a saúde dos portugueses

2000

0
2016 2017 2018 2019 Média (2016-2019) 2020 2021

Utentes Novos Utentes Readmitidos Utentes em Tratamento

FIG. 26. Número de doentes em acompanhamento por dependência ao álcool, 2016-2021.


81 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Acompanhamento de utentes com problemas comportamentos aditivos:


drogas ilícitas
30000

25000

20000
Numero de utentes

15000

Fonte: Portal da Transparência do SNS


10000

5000

0
2016 2017 2018 2019 Média (2016-2019) 2020 2021

Utentes Novos Utentes Readmitidos Utentes em Tratamento

FIG. 27. Número de doentes em acompanhamento por dependência a drogas ilícitas, 2016-2021.

Consultas de apoio intensivo à cessação tabágica, 2017-2020

Fonte: Portal da Transparência do SNS; Governos Regionais dos Açores e da Madeira


60 000

50 000

40 000
Número de consultas

30 000

20 000

10 000
Desafios para a saúde dos portugueses

0
2017
2018
2019
Média 2017-2019
2020

2017
2018
2019
Média 2017-2019
2020

2017
2018
2019
Média 2017-2019
2020

2017
2018
2019
Média 2017-2019
2020

2017
2018
2019
Média 2017-2019
2020

2017
2018
2019
Média 2017-2019
2020

2017
2018
2019
Média 2017-2019
2020

2017
2018
2019
Média 2017-2019
2020

Norte Centro LVT Alentejo Algarve Açores Madeira Total

Primeiras Consultas Consultas Subsequentes Total

FIG. 28. Número de consultas de apoio intensivo à cessação tabágica, por região de saúde do SNS,
2017-2020.
82 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.2. Cuidados de saúde


preventivos prestados pelo
Serviço Nacional de Saúde

À semelhança do verificado para a prestação de


cuidados de saúde curativos pelo SNS, também
os cuidados de saúde preventivos sofreram
uma forte disrupção com a pandemia, particu-
larmente evidente em 2020. Se, por um lado, a Se, por um lado,
diminuição, no geral, da atividade assistencial a diminuição, no
tem implicações profundas no plano imediato,
os impactos na área dos cuidados preventivos
geral, da atividade
e de promoção da saúde certamente se encon- assistencial tem
trarão com maior evidência no avanço da linha implicações profundas
do tempo. no plano imediato, os
Também a vigilância das pessoas com diabetes impactos na área dos
sofreu um impacto significativo, com redução cuidados preventivos
da proporção de vigilância do pé diabético ou
controlo de hemoglobina glicada (ver 3.2.2. Vi-
e de promoção da
gilância da diabetes mellitus). Existiu igualmen- saúde certamente se
te uma redução de 102.812 pessoas rastreadas encontrarão com maior
para a retinopatia diabética no ano de 2020.Os evidência no avanço da
rastreios do cancro da mama, colo do útero e
linha do tempo.
colorretal também diminuíram em comparação
com 2019: menos 174.218 mulheres rastreadas
para o cancro da mama, menos 124.835 mulhe-
res rastreadas para o cancro do colo do útero e
menos 34.920 pessoas rastreadas para o can-
Desafios para a saúde dos portugueses

cro do cólon e reto.


A saúde oral ficou por vigiar com uma impor-
tante diminuição na emissão dos cheques den-
tista, quer na população de crianças, quer, ain-
da que com menos expressão, em utentes com
VIH/SIDA, idosos com complemento solidário
ou grávidas.
83 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.2.1. Saúde infantil

No que diz respeito à vigilância a recém-nascidos, A proporção de recém-nascidos com visita domi-
a vigilância médica até ao 28º dia manteve-se ciliar de enfermagem até ao 15.º dia de vida tem
elevada em todas as regiões de Portugal conti- vindo a diminuir desde 2016 em todas as regiões.
nental em 2020 e em 2021, ainda que com uma li- Apesar disso, a região Norte mantém- com maior
geira redução no Alentejo (FIG. 29). Nos Açores, proporção de recém-nascidos com visita domici-
houve uma quebra de 15 pontos percentuais na liar, numa discrepância de 40 pontos percentuais
proporção de recém-nascidos com consulta mé- relativamente às outras regiões.
dica realizadas até aos 28 dias de vida.

Vigilância a recém-nascidos

100

90

80

70

60

Fonte: Portal da Transparência do SNS; Governo Regional dos Açores


Proporção de recém-nascidos (%)

50

40

30

20

10
Desafios para a saúde dos portugueses

0
Consulta Domicílio Consulta Domicílio Consulta Domicílio Consulta Domicílio Consulta Domicílio Consulta Domicílio
médica vigil. enfermagem médica vigil. enfermagem médica vigil. enfermagem médica vigil. enfermagem médica vigil. enfermagem médica vigil. enfermagem
até 28 dias até 15 dias até 28 dias até 15 dias até 28 dias até 15 dias até 28 dias até 15 dias até 28 dias até 15 dias até 28 dias até 15 dias
de vida de vida de vida de vida de vida de vida de vida de vida de vida de vida de vida de vida

Alentejo Algarve Centro LVT Norte Açores

2016 2017 2018 2019 Média 2016-2019 2020 2021 ( jan-nov)

FIG. 29. Vigilância a recém-nascidos nos cuidados de saúde primários, por região de saúde do SNS,
2016-2021 (jan-nov).
84 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.2.2. Vigilância da diabetes


mellitus

Quanto à vigilância da diabetes mellitus, hou- de pessoas diagnosticadas com diabetes com
ve uma queda na proporção de pessoas diag- exame aos pés) e na região Norte (13,6 pontos
nosticadas com diabetes com exame aos pés e percentuais na proporção de pessoas diagnos-
com controlo hemoglobina A1c inferior a 8% em ticadas com diabetes com exame aos pés e 8,6
2020 (FIG. 30). Esta diminuição foi maior nos pontos percentuais no controlo hemoglobina
Açores (18 pontos percentuais na proporção A1c inferior a 8%).

Vigilância da Diabetes Mellitus nos Cuidados de Saúde Primários

90.00

80.00

70.00

60.00

Fonte: Portal da Transparência do SNS; Governo Regional dos Açores


50.00

40.00

30.00

20.00

10.00

0.00
Desafios para a saúde dos portugueses

Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção Proporção
Exame pés HgbA1c Exame pés HgbA1c Exame pés HgbA1c Exame pés HgbA1c Exame pés HgbA1c Exame pés HgbA1c Exame pés HgbA1c
<= 8,0% <= 8,0% <= 8,0% <= 8,0% <= 8,0% <= 8,0% <= 8,0%

Norte LVT Centro Algarve Alentejo Açores Total

2016 2017 2018 2019 Média 2016-2019 2020 2021 ( jan-nov)

FIG. 30. Vigilância das pessoas com diabetes mellitus nos cuidados de saúde primários, por região
de saúde do SNS, 2016-2021 (jan-nov).
85 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.2.3. Rastreios populacionais

Quanto aos rastreios de âmbito populacional, cancro do colo do útero e do cancro colo re-
em 2020, em Portugal continental, a proporção tal, houve uma redução de 1,3 a 5,6 pontos per-
de população elegível rastreada para o cancro centuais, comparando com os valores de 2019.
da mama decresceu quanto à média dos anos No entanto, quer no Algarve, para o cancro do
2016-19, com uma redução de cerca de 10 pon- colo do útero, quer para o Algarve, Alentejo e
tos percentuais relativamente a 2019 (com re- Centro para o cancro colo-retal, as proporções
dução mais marcada no Alentejo, com 17 pontos foram superiores às médias de 2016-2019. Nos
percentuais) (FIG. 31). Quanto ao rastreio do Açores, em 2020 houve um aumento de 7 pon-

Rastreios populacionais: cancro da mama


70.00

60.00
com mamografia nos últimos 2 anos
Proporção de mulheres com 50-70

50.00

40.00

30.00

20.00

10.00

0.00
ARS Algarve ARS Alentejo ARS Centro ARS LVT ARS Norte

Rastreios populacionais: cancro do colo do útero

70.00

60.00
Proporção de mulheres com 25-60 anos
com colpocitologia atualizada

50.00

40.00
Desafios para a saúde dos portugueses

30.00

20.00

10.00

0.00
ARS Algarve ARS Alentejo ARS Centro ARS LVT ARS Norte
86 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Rastreios populacionais: cancro colo-retal

80.00

70.00
Proporção de utentes com 50-75 anos

60.00
com rastreio colo-retal

50.00

40.00

Fonte: Portal da Transparência do SNS


30.00

20.00

10.00

0.00
ARS Algarve ARS Alentejo ARS Centro ARS LVT ARS Norte

2016 2017 2018 2019 Média 2016-2019 2020 2021 ( jan-nov)

FIG. 31. Rastreios populacionais contra o cancro da mama, cancro colo-retal e cancro do colo do útero, por
região de saúde do SNS, 2016-2021 (jan-nov).

tos percentuais da proporção da população com 3.2.4. Saúde oral


rastreio contra o cancro da mama, comparando
com 2019 (70% vs 77%). No entanto, os ras-
Quanto à promoção da saúde oral, e comparando
treios contra o cantro colo-retal e colo do útero,
com a média dos anos 2016-2019, em 2020 hou-
não foram realizados de forma organizada netsa
ve uma redução na emissão e utilização de che-
região durante o primeiro ano da pandemia.
ques dentista, especialmente marcada no grupo
Na Madeira houve uma redução de 6 pontos das crianças e jovens dos 7, 10 e 13 anos (85,8%
percentuais na taxa de participação no rastreio e 73,7%, respetivamente) (FIG. 32). Esta redu-
contra o cancro da mama entre 2020 e a média ção foi também bastante significativa nos uten-
de 2017-2019. tes com VIH/SIDA (45,1% e 44,0%) e nos idosos
com complemento solidário (33,5% e 31,6%). Nas
Desafios para a saúde dos portugueses

grávidas seguidas no SNS houve uma redução de


11,1% da emissão e 18,3% da utilização dos che-
ques dentista. Na intervenção precoce no can-
cro oral assistiu-se também a uma redução do
número de cheques dentista emitidos (38,3%) e
utilizados (6,7%).
87 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral - Cheque Dentista


A.
45000

40000

35000

30000
Número de cheques

25000

20000

15000

10000

5000

0
Cheques Cheques Cheques Cheques Cheques Cheques Cheques Cheques
Emitidos Utilizados Emitidos Utilizados Emitidos Utilizados Emitidos Utilizados

Crianças e jovens Idosos com complemento Portadores VIH/Sida Intervenção precoce


(7, 10 e 13 anos) solidário no cancro oral

B.
500000

450000

400000

350000

300000

250000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

200000

150000

100000

50000

0
Desafios para a saúde dos portugueses

Cheques Cheques Cheques Cheques


Emitidos Utilizados Emitidos Utilizados

Crianças e jovens (até 18 anos) Grávidas seguidas no SNS

2016 2017 2018 2019 Média 2016-2019 2020 2021

FIG. 32. Número de cheques dentista emitidos e utilizados no âmbito do Programa Nacional de Promoção
da Saúde Oral para (A) os grupos das criança se jovens com 7, 10 e 13 anos, idosos com complemento soli-
dário, portadores de VIH/SIDA e para intervenção precoce no cancro oral, e (B) crianças e jovens até aos 18
anos e grávidas seguidas no SNS.
88 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.3. Recursos humanos


no sistema de saúde

A pandemia veio realçar em todo o mundo o


papel crucial dos profissionais de saúde na ga-
rantia da resposta dos sistemas de saúde, mas,
também, importantes questões em termos de
disponibilidade, formação, combinação eficien- A pandemia veio realçar
te de competências, distribuição e retenção. em todo o mundo o papel
Áreas como a saúde pública ou a medicina in-
tensiva foram particular foco de atenção.
crucial dos profissionais
de saúde na garantia
A estas questões somaram-se os deletérios efei-
tos de um trabalho stressante, contínuo, uma
da resposta dos
pressão sem precedentes para prestar (bons) sistemas de saúde, mas,
cuidados e o desafio da conciliação da vida pes- também, importantes
soal e profissional, num contexto de risco de dis- questões em termos
seminação da infeção por SARS-CoV-2.
de disponibilidade,
Entre 2018 e 2021 verificou-se um aumento de formação,
16,3% no número de trabalhadores no SNS, sen-
do que o grupo com maior aumento foi o dos
combinação eficiente
assistentes operacionais (24,2%), seguido do de competências,
dos técnicos de saúde (22,1%) e do dos técnicos distribuição e retenção.
de diagnóstico e terapêutica (20,9%).
O número de médicos (sem considerar inter-
nos de especialidade) cresceu 11,9% e o de en-
fermeiros 16,8% entre 2018 e agosto de 2021
Desafios para a saúde dos portugueses

(Quadro 3).
89 CAP 03
01

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

2018 2021

Categoria profissional Efetivos por 104 hab Efetivos por 104 hab Δ% 2018-2021

Fonte: : https://www.sns.gov.pt/monitorizacao-do-sns/analise-mensal-do-balanco-social/
Enfermeiros 42.383 412 49.520 479 16,8%

Assistentes operacionais 25.051 244 31.118 301 24,2%

Médicos s/internos 18.228 177 20.390 197 11,9%

Assistentes técnicos 15.747 153 17.949 173 14,0%

Médicos internos 9.784 95 10.253 99 4,8%

Técnicos de diagnóstico e terapêutica 7.973 78 9.643 93 20,9%

Técnicos de saúde 4.180 41 5.104 49 22,1%

Outros 2.347 231 2.469 24 5,2%

Técnicos Superiores de Saúde 1.622 16 1.000 10 7,5%

Farmacêuticos 0 744 7

Informáticos 602 6 627 6 4,2%

Total 127.917 1.245 148.817 1.438 16,3%

Quadro 3. Número de efetivos e rácio por 100 000 habitantes no SNS, por categoria profissional e varia-
ção percentual entre 2018 e 2020
Desafios para a saúde dos portugueses
90 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.4. Cuidados de saúde prestados


no sector privado

3.4.1. Farmácias comunitárias

Ao longo de 2021 as farmácias reforçaram o seu todo o país. Em 2021, foram disponibilizados
papel, assegurando um conjunto relevante de mais de 10 milhões de autotestes pelas farmá-
respostas para responder à pandemia e mitigar cias portuguesas e realizados mais de 5 milhões
outros impactos na saúde. de testes de uso profissional pelos seus farma-
cêuticos. No final de 2021, os testes realizados
A disponibilização generalizada de autotestes e
nas farmácias comunitárias totalizavem cerca
a implementação de serviços de testagem rá-
de 90% do total de testes rápidos de antigénio
pida pelas farmácias em todo o país, foi funda-
realizados no país (FIG. 33).
mental para compatibilizar a gestão da pande-
mia com a manutenção de funcionamento de

100%

80%

60%

40%
Desafios para a saúde dos portugueses

20%
Fonte: CEFAR

0%
21 02
1 1
02
1
02
1
02
1 1
02
1
02
1
02
1 1
02
1
20 02 02 02
1- -2 -2 -2 -2 -2 7-
2 -2 -2 -2 -2 -2
0 2 3 4 5 6 8 9 10 11 12
1- -0 -0 -0 -0 -0 -0 -0 -0 1- 1- 1-
0 01 01 01 01 01 01 01 01 0 0 0

Percentagem de TRAg de uso profissional realizados nas farmácias face ao total

FIG. 33. Evolução da percentagem dos testes realizados na farmácia face ao total durante o ano de 2021.
91 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

A manutenção de uma rede de cobertura far- 3.4.2. Laboratórios


macêutica nacional, mesmo em cenários de
forte pressão com confinamento de equipas, foi
A capacidade de testagem nacional foi ampla-
crucial para que os portugueses tivessem aces-
mente expandida durante a pandemia de CO-
so continuado a informação em saúde, medica-
VID-19 graças ao sector privado. No final de
mentos e produtos de saúde, com segurança e
dezembro de 2021, cerca de 89% de todos os
continuidade de cuidados. Acresce também a
testes de diagnóstico para a COVID-19 reali-
disponibilização de equipamentos de proteção
zados em Portugal eram feitos em laboratórios
individual pelas farmácias garantindo seguran-
privados (incluindo farmácias comunitárias),
ça ao mesmo tempo que contribuíram para nor-
o que totaliza cerca de 1 milhão de testes por
malizar o mercado através de preços regulados
semana no final de 2021 (FIG. 34). A proemi-
e o acesso a medicamentos habitualmente dis-
nência do sector privado é visível desde outubro
pensados em hospitais. As farmácias contribuí-
de 2020, quando a política de testagem à CO-
ram também para o reforço da cobertura vaci-
VID-19 foi intensificada e uma Task-Force dedi-
nal contra a gripe, promovendo imunização em
cada ao tema foi constituída.
grupos de risco com vacinas do SNS.

Número de testes (PCR + TRAg) realizados por semana,


1 mar 2020 - 31 dez 2021

1 000 000

89%
900 000

800 000

700 000
Número de testes realizados

600 000

500 000

400 000

300 000
Fonte: Ministério da Saúde

200 000
Desafios para a saúde dos portugueses

9%
100 000

2%
0
10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51

mar’20 abr’20 mai’20 jun’20 jul’20 ago’20 set’20 out’20 nov’20 dez’20 jan’21 fev’21 mar’21 abr’21 mai’21 jun’21 jul’21 ago’21 set’21 out’21 nov’21 dez’21

Público (PCR+TRAg) Privado (PCR+TRAg) Outros (PCR+TRAg)

FIG. 34. Evolução do número de testes de diagnóstico a SARS-CoV-2, por semana, por sector, março
2020 - dezembro 2021
92 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.4.3. Meios Complementares


de Diagnóstico e Terapêutica

Também a realização de meios completemen- Reabilitação (uma redução absoluta de cerca de


tares de diagbóstico e terapêutica foi bastante 15,5 milhões de atos), comparando com o perío-
afetada com a pandemia, em particular a área de do entre março de 2019 e janeiro de 2020 (Qua-
Medicina Física e Reabilitação. Segundo os dados dro 4). No total, observou-se uma redução de
do Ministério da Saúde, entre março de 2020 e cerca de 29 milhões de exames convencionados
janeiro de 2021, houve uma redução de 37% dos (-30%), tendo sido mais de metade dessa redu-
atos realizados na área de Medicina Física e de ção na área de Medicina Física e Reabilitação.

-30%
-29 259 879
Atos Realizados
Exames Convencionados por Área MCDT
(Pré-pandemia - Mar 2019 a Jan 2020
vs Pandemia - Mar 2020 a Jan 2021)

Mar 2019 Mar 2020


Área MCDT - Jan 2020 - Jan 2021 Δ Absoluta Δ Relativa

https://transparecnia.sns.gov.pt/explore/dataset/exames-convencionados-e-area-mcdt/table/?disjunctive.ors_
Medicina Física e de Reabilitação 41 426 837 25 944 768 -15 482 069 -37%

Análises Clínicas 47 914 095 37 271 492 -10 642 603 -22%

Radiologia 5 429 096 3 544 533 -1 884 563 -35%

Cardiologia 1 330 322 842 803 -487 519 -37%

Endoscopia Gastroenterológica 1 188 670 771 273 - 417 397 -35%


Fonte: Portal da Transparência, Exames Convencionados por Área MCDT

Anatomia Patológica 500 288 291 925 -208 363 -42%

Pneumologia e Imunoalergologia 120 044 55 656 -64 388 -54%

Otorrinolaringologia 33 281 15 189 -18 092 -54%

Neurofisiologia 26 863 12 604 -14 259 -53%


faturacao&disjunctive.area_mcdt&sort=data
Desafios para a saúde dos portugueses

Medicina Nuclear 35 673 22 104 -13 569 -38%

Eletroencefalografia 8 998 3 553 -5 445 -61%

Especialidades Médico-Cirúrgicas 17 366 13 450 -3 916 -23%

Psicologia 31 9 -22 -71%

Urologia 50 46 -4 -8%

Exames Não Comparticipados 17 697 0 -17 697 -100%

Quadro 4 Comparação do número de exames convencionados realizados em Portugal, por área de MCDT.
93 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.4.4. Hospitais

Numa fase preliminar, os hospitais privados fizeram adiar consultas e cirurgias não urgentes, obrigou
o acolhimento, triagem, estabilização e encami- a esforços por parte dos hospitais privados para
nhamento de doentes suspeitos, no cumprimento garantirem o cumprimento dos seus compromis-
das regras da DGS. Numa segunda fase, que de- sos. De realçar que, apesar de todos os constran-
correu entre os dias 9 e 25 de março de 2020, em gimentos, também financeiros, que se colocaram
cumprimento das orientações da DGS, as consul- em março, abril e maio de 2020, os hospitais pri-
tas de especialidade e as cirurgias não urgentes
vados mantiveram a sua oferta aos portugueses e,
foram adiadas. Durante este período, os hospitais
só em casos muito pontuais, houve necessidade de
privados colaboraram no levantamento e informa-
recurso a lay-off. A partir de outubro de 2020, com
ção ao Ministério da Saúde dos recursos existentes,
a segunda vaga em plena evolução, começou a ha-
nomeadamente em termos de número de camas,
incluindo as de cuidados intensivos, e de núme- ver contactos, em primeiro lugar, de forma pontual,
ro de ventiladores. Foram ainda doados e dispo- por parte de hospitais do SNS, sobretudo do Norte,
nibilizados ventiladores, reservas de camas e ses- e em seguida por parte das ARS no sentido de so-
sões de hemodiálise a pedido de hospitais do SNS. licitar o apoio dos hospitais privados (e do sector
social). Com a terceira vaga, a partir de dezembro
A evolução da pandemia por COVID-19 determi-
de 2020, os pedidos de colaboração por parte dos
nou diferentes fases com envolvimento distinto
por parte do sector privado na saúde (FIG. 35). hospitais do SNS tornaram-se mais insistentes,
A redução significativa de atividade, nomeada- nomeadamente na região de Lisboa e Vale do Tejo.
mente a decorrente dos períodos de confinamento Nesta fase, os hospitais privados deram o máxi-
e de restrição da mobilidade, mas também a que mo de capacidade possível: houve pelo menos 14
resultou do cumprimento das regras e orientações hospitais privados em apoio direto aos hospitais do
da DGS e da Ordem dos Médicos, no sentido de SNS, com cerca de 900 camas contratualizadas.

Fases distintas do envolvimento dos hospitais privados.


Da disponibilidade total à ativação requerida

. Orientações DGS
. Disponibilização . Adiamento de cirurgias
de meios e consultas

Até 9 de março A partir de 9 de março


de 2020 de 2020
Desafios para a saúde dos portugueses

Fonte: Elaboração própria com base em APHP

. Atendimento COVID
. Ativação 5 hospitais não SNS
1.ª linha . Trabalho “ombro
. Atividade normal a ombro” com SNS

De 26 a 29 de abril Até 9 de abril a outubro A partir de outubro


de 2020 de 2020 de 2020

Fig. 35. Evolução do envolvimento dos hospitais privados na prestação de cuidados.


94 CAP 03
01

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Do inquérito realizado pela APHP aos Associa-


dos no início de 2021 foi possível apurar os dados
constantes das FIG. 36, FIG. 37 e FIG. 38, re-
lativos a 2020.

COLABORADORES

Médicos Técnicos

15 529 2 397
Enfermeiros Administrativos

7 655 5 861
Auxiliares de ação médica

6 126
VALÊNCIAS

Camas
Cuidados intermédios/ Consultórios médicos

3 004
intensivos

200

Blocos Cadeiras dentárias

161 148
Desafios para a saúde dos portugueses

Fonte: APHP

Fig. 36. Capacidade instalada dos hospitais privados.


95 CAP 03
01

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

ATOS MÉDICOS

Consultas

6 323 542

Urgências

828 024

Cirugias
das quais 15 284 SIGIC

169 075

MCDT’s Diárias e Partos Doentes

Rx Partos Clientes atendidos

819 550 11 943 em Medicina Dentária

104 044
Eco Diárias
Doentes oncológicos
861 227 531 315 em tratamento

14 473
TAC

376 985
RMN

253 997
Desafios para a saúde dos portugueses

Fonte: APHP

Fig. 37. Atividade desenvolvida nos hospitais privados.


96 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Cirurgias 2020

20000

18000

16000

14000

12000

10000

Fonte: Portal da Transparência do SNS


8000

6000

4000

2000

0
jan’20 fev’20 mar’20 abr’20 mai’20 jun’20 jul’20 ago’20 set’20 out’20 nov’20 dez’20 dez’19

Consultas de Especialidade 2020

800 000

700 000

600 000

500 000

400 000
Fonte: Portal da Transparência do SNS

300 000

200 000
Desafios para a saúde dos portugueses

100 000

0
jan’20 fev’20 mar’20 abr’20 mai’20 jun’20 jul’20 ago’20 set’20 out’20 nov’20 dez’20 dez’19
97 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

Urgências 2020

160 000

140 000

120 000

10 000

80 000

60 000

40 000

Fonte: APHP
20 000

0
jan’20 fev’20 mar’20 abr’20 mai’20 jun’20 jul’20 ago’20 set’20 out’20 nov’20 dez’20 dez’19

FIG. 38. Evolução da atividade assistencial.

3.4.5. Articulação entre sectores

No documento O Estado da Nação e as Políti- publicado a 21 de setembro de 2020 pela DGS,


cas Públicas 2021, do ISCTE [4], refere-se, em não estava prevista qualquer intervenção que
relação à gestão da pandemia e à relação en- não a do sector público na resposta à pandemia
tre sectores de prestação de cuidados: “Reve- e aos restantes desafios que se fariam sentir
laram-se as dificuldades antigas dos sistemas nesses meses.
de informação, tendo o público assistido com
A situação em foi diferente noutros países. Nos
alguma perplexidade ao debate sobre o núme-
países Mediterrânicos, houve uma redefinição
ro de ventiladores necessários ou de camas de
cuidados intensivos disponíveis. A fragilidade na das linhas de fronteira entre o financiamento
Desafios para a saúde dos portugueses

gestão tem estado também patente no difícil re- público e a provisão privada, com acordos es-
lacionamento com o sector privado e social e a peciais entre ambos os sectores para expansão
academia, com quem a colaboração regulada e dos recursos e serviços disponíveis para respon-
negociada não foi possível. É como se o SNS, der à pandemia [5]. Ainda que esta fosse uma
consciente das suas fragilidades de monitoriza- prática comum em alguns países, como Espa-
ção e regulação e com medo de ser prejudica- nha, noutros, como o Chipre, foi uma novidade
do, tivesse preferido manter à distância quem que permitiu uma concertação da resposta e um
poderia ter contribuído mais”. Note-se que no alívio dos serviços de saúde públicos em mo-
Plano da Saúde para o Outono-Inverno 2020-21, mentos de elevada incidência.
98 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

3.4.6. Seguros de Saúde

Os seguros privados de Saúde tiveram uma evo-


lução significativa durante a pandemia. Atual-
mente, em Portugal 3,3 milhões de cidadãos têm
apólices do ramo de doença. Foi durante estes
dois anos de pandemia que se registou um maior
crescimento dos seguros de saúde: entre 2019
e 2021 cresceram 22% no segmento de grupo
(contratados por empresas no âmbito da relação
laboral) e 38% no segmento individual (pessoas
que, de moto próprio, decidem ter cobertura de
seguro de saúde) (FIG. 39).

Número de pessoas com seguro de saúde (em milhares)

4000

3.268 3.326

3000

2.584
2.408
2.331
2.243

2.036
2000 1.838 1.893

1.548
1.482
1.379 1.440 1.430 1.428

1.197
1.036
1000 891 926
839 865
Desafios para a saúde dos portugueses

Fonte: APS

0
jan’15 dez’16 dez’17 dez’18 dez’19 dez’20 jun’21

Individuais Grupos Total

FIG. 39. Evolução da atividade assistencial Evolução do número de pessoas com seguros de saúde,
dez 2015-jun 2021.
99 CAP 03

A PANDEMIA DE COVID-19
CUIDADOS DE SAÚDE

REFERÊNCIAS

1. M
 inistério da Saúde. Relatório Anual - Acesso a cuidados de saúde nos estabeleci-
mentos do SNS e entidades convencionadas 2020. Disponível em: https://www.acss.
min-saude.pt/wp-content/uploads/2021/09/Relatorio-do-Acesso_VF.pdf

2. D
 ireção-Geral da Saúde. Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Taba-
gismo 2020. Lisboa; 2021.

3. A
 raújo A, Correia A. Monitorização do consumo de nicotina e vareniclina. Infarmed
Notícias. 2021;28–9.

4. M
 amede RC & Silva PA. O Estado da Nação e as Políticas Públicas 2021: Governar
em Estado de Emergência. Lisboa: Instituto para as Políticas Públicas e Sociais,
ISCTE, 2021. Disponível em: https://ipps.iscte-iul.pt/index.php/divulgacao/estudos-
-e-publicacoes-3/947-governar-em-estado-de-emergencia

5. W
 aitzberg R, Hernández-Quevedo C, Bernal-Delgado E, Estupiñán-Romero F, An-
gulo-Pueyo E, Theodorou M, Kantaris M, Charalambous C, Gabriel E, Economou C,
Kaitelidou D, Konstantakopoulou O, Vildiridi LV, Meshulam A, de Belvis AG, Morsella
A, Bezzina A, Vincenti K, Augusto GF, Fronteira I, Simões J, Karanikolos M, Williams
G, Maresso A. Early health system responses to the COVID-19 pandemic in Mediter-
ranean countries: A tale of successes and challenges. Health Policy. 2021 12:S0168-
8510(21)00255-4. DOI: 10.1016/j.healthpol.2021.10.007.
Desafios para a saúde dos portugueses
Desafios para a saúde dos portugueses
100
A PANDEMIA DE COVID - 19
CAP 01

PARA
CAPÍTULO

10 RECOMENDAÇÕES
4
O FUTURO
DESAFIOS PARA A SAÚDE DOS PORTUGUESES
A PANDEMIA DE COVID-19
101 CAP 04

A PANDEMIA DE COVID-19
10 RECOMENDAÇÕES PARA O FUTURO

1 ESTUDAR OS EFEITOS
DA PANDEMIA

Realizar uma análise multidisciplinar, transparente, exaustiva e sistemática


ao efeito da pandemia no sistema de saúde considerando o desempenho
institucional, os resultados das políticas e ações implementadas. Desta
análise, espera-se um contributo determinante para um plano que garanta
a normalidade dos cuidados e a sustentabilidade do Serviço Nacional de
Saúde e do restante sistema de saúde perante futuras emergências de
saúde pública.

2 MAIS ACESSO
A DADOS

Implementar desde já medidas de acesso a dados em saúde, de forma trans-


versal a todo o sistema de saúde, com informação desmaterializada e aces-
sível, no respeito integral pela qualidade, segurança e confidencialidade, o
que contribuirá para melhor gestão, mais conhecimento público e estímulo à
produção de evidência científica e decisões informadas em evidência.

3 DECISÃO
Desafios para a saúde dos portugueses

MAIS TRANSPARENTE

Garantir o acesso a pareceres técnicos produzidos por órgãos públicos, me-


lhorando a compreensão pública do racional e dos critérios usados na tomada
de decisão, contribuindo para uma cidadania mais informada e participativa.
102 CAP 04

A PANDEMIA DE COVID-19
10 RECOMENDAÇÕES PARA O FUTURO

4 ÁREAS PRIORITÁRIAS

Identificar áreas prioritárias para uma atuação mais imediata, nomeada-


mente a saúde mental, os programas de rastreio populacional e a promoção
da saúde, fomentando respostas às necessidades de saúde que a COVID-19
tornou mais prementes ou que se constituem como oportunidade para ul-
trapassar as iniquidades geográficas ou sociais em saúde.

5 ROBUSTECER O SNS

Repensar e robustecer o Serviço Nacional de Saúde em recursos huma-


nos (sobretudo médicos e enfermeiros), organizacionais e financeiros, com
vista a assegurar a recuperação dos cuidados e a garantir a resposta a
emergências de saúde pública, minimizando seu o impacto na prestação de
cuidados assistenciais e atividades preventivas.

6 REFORMAR A SAÚDE
PÚBLICA
Desafios para a saúde dos portugueses

Iniciar uma profunda reforma dos serviços de Saúde Pública, revendo ma-
térias como autonomia, encargos e recursos, nos seus vários níveis (cen-
tral, regional e local), promovendo a interdisciplinaridade das equipas e ga-
rantindo os recursos especializados capazes de levar a cabo as operações
essencias de saúde pública, dedicando uma atenção especial à generalida-
de das crises sanitárias e, em particular, às emergências infeciosas.
103 CAP 04

A PANDEMIA DE COVID-19
10 RECOMENDAÇÕES PARA O FUTURO

7 MAIOR COORDENAÇÃO

Equacionar formas de relação entre os diversos agentes e operadores, pú-


blicos e privados, do sector da saúde e parceiros, nomeadamente intermi-
nisterial, reforçando a sua coordenação de forma a melhorar o acesso e a
eficiência da resposta em saúde e para a saúde da população.

8 ACELERAR TRANSIÇÃO
DIGITAL

Acelerar a transição digital na saúde, considerando-a uma oportunidade


para centrar o sistema de saúde no cidadão, promovendo uma revisão
alargada de processos, tarefas e actividades de todo o sistema de saúde,
fomentando a integração de cuidados, o acesso e a qualidade, tendo em
conta os desafios relativos à literacia da população, de forma a garantir a
equidade em saúde.

9 MELHOR PROMOÇÃO
DA SAÚDE

Desenvolver novas abordagens de prevenção da doença e promoção da


saúde decorrentes da aprendizagem com a pandemia, que estimulem o de-
Desafios para a saúde dos portugueses

senvolvimento de políticas transversais de bem-estar, integrem e avaliem


os novos comportamentos e o seu impacto na saúde (teletrabalho, maior
convivência digital, menor contacto presencial, riscos de maior isolamento
social, redução de viagens, sedentarismo) e se sustentem numa atividade
de um painel interdisciplinar de análise da percepção dos riscos em saúde
com vista à informação de políticas públicas, programas e ações na área da
promoção e proteção da saúde.
104 CAP 04

A PANDEMIA DE COVID-19
10 RECOMENDAÇÕES PARA O FUTURO

10 REFORÇAR A PROTEÇÃO
DOS MAIS VULNERÁVEIS

Reforçar as políticas sociais com impacto direto e indireto na saúde e no


bem-estar, em especial entre as famílias mais desfavorecidas. No que
respeita às crianças e jovens, urge implementar medidas específicas de
recuperação da aprendizagem e promoção do bem-estar, com especial
atenção aos alunos mais afetados pela pandemia e com maiores dificul-
dades escolares.
Desafios para a saúde dos portugueses
105 CAP 04
01

A PANDEMIA DE COVID-19
10 RECOMENDAÇÕES
SUMÁRIO EXECUTIVOPARA O FUTURO

PORTUGUESES
19

Próxima no tempo dos impactos da


crise financeira de 2008, a pandemia
de COVID-19 trouxe uma disrupção
súbita e avassaladora no quotidiano
dos portugueses.
-

DOS
COVID

SAÚDE
ANEXO
DE

A
PANDEMIA

PARA
Desafios para a saúde dos portugueses

DESAFIOS
A
106 ANEXO

A PANDEMIA DE COVID-19
Nota metodológica

Para obter um retrato abrangente do efeito da grupos. A não disponibilização de dados, como
pandemia de COVID-19 na vida das pessoas que os relativos à mortalidade específica por cau-
residem em Portugal são naturalmente neces- sas de morte não-COVID-19 a investigadores,
sárias diversas fontes de dados, sejam de ori- ou dessa informação aos cidadãos, impedem o
gem administrativa ou baseados em questioná- estudo do impacto a curto prazo da pandemia
rios específicos aplicados à população durante de COVID-19 e das medidas tomadas na mor-
este período. O acesso a essas bases oficiais de talidade não-COVID-19. Igualmente, a ausência
dados pelas equipas de investigadores revela-se de dados sobre o movimento de internamentos,
um problema em Portugal, contrariamente ao com informação sobre causas e complicações,
que sucede em outros países europeus. Algu- ou caraterísticas sociodemográficas dos indiví-
ma informação está ainda compreensivelmente duos, impedem-nos conhecer a verdadeira di-
indisponível na extensão temporal que se de- mensão do efeito da pandemia, para além da
sejaria, nomeadamente aquela que depende da mortalidade que lhe é diretamente atribuível.
ligação de bases de dados ou tratamento de ba- Por fim, e no que respeita à exigência de um
ses de dados administrativas. Mas outro tipo de padrão de rigor, não dispomos das definições
informação, cuja importância é central, não está oficiais (ou da sua mudança ao longo do tempo)
disponível por razões de natureza “burocrática” de morte por COVID-19.
dificilmente aceitáveis, já que o seu extensivo
tratamento por equipas de investigadores per-
mitiria obter um retrato mais completo e apro-
fundado da realidade sobre a qual se pretende
intervir ao nível das políticas públicas. Aconte-
ce ainda que muita informação não foi recolhida
em tempo, pois para isso teria sido necessária
uma atividade de inquirição continuada, prática
rara na nossa governança e para a qual não hou-
ve nem orientação nem financiamento. Assim, a
ausência de dados oficiais, como a relativa às
Desafios para a saúde dos portugueses

causas de óbitos em Estabelecimentos Resi-


denciais para Pessoas Idosas, à incidência de
internamentos COVID-19, ou às causas de mor-
te não relacionadas com a COVID-19, limita o
acesso a informação sobre o peso da COVID-19,
e outras patologias, na população e seus sub-
107 ANEXO

A PANDEMIA DE COVID-19
Fontes de dados

Autoridade Tributária e Aduaneira Dashboard COVID-19 da Direção-Geral


da Saúde
Os dados referentes às estatísticas sobre o im-
posto sobre o tabaco e sobre o álcool foram ex- A Direção-Geral da Saúde divulga os indicado-
traídos do website da Autoridade Tributária e res relativos à evolução da pandemia em Portu-
Aduaneira, como proxy para o consumo destas gal na plataforma COVID-19 – Ponto de situa-
substâncias durante este período. ção Atual em Portugal (disponível aqui). Foram
ainda utilizados os dados relativos à evolução de
novos casos no país. Os dados por região foram
Barómetro COVID-19 obtidos na plataforma Evolução COVID-19 em
Portugal - Dados por ARS/Concelho (disponível
Projeto de investigação da Escola Nacional de
aqui). Foram assim utilizados os dados relativos
Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa,
à incidência da infeção, internamentos e óbitos
com aplicação repetida de questionários a amos-
por COVID-19.
tras não representativas da população (183.253
participantes na 1ª fase). Consultaram-se os da-
dos obtidos relativos à saúde mental dos inqui-
Diários de uma Pandemia
ridos nas primeiras semanas após a Declaração
do Estado de Emergência. Projeto de investigação do Instituto de Saúde
Pública da Universidade do Porto (ISPUP) com
o Instituto de Engenharia de Sistemas e Compu-
Consórcio Português de Dados tadores, Tecnologia e Ciência (INESCTEC), com
Obstétricos aplicação de questionários a uma amostra não
Consórcio formado pelos “Serviços de Obstetrí- representativa da população (acompanhamen-
cia” ou “Serviços de Obstetrícia e Ginecologia” do to de 2.636 a 13.517 participantes ao longo do
Centro Hospitalar Universitário São João, Hospital tempo). Consultaram-se dados relativos à saúde
da Senhora da Oliveira, Centro Hospitalar do Tâ- mental, alimentação e atividade física.
mega e Sousa, Unidade Local de Saúde do Alto
Minho, Unidade Local de Saúde de Matosinhos,
Desafios para a saúde dos portugueses

Grupos Focais – Conselho Nacional


Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Cen-
de Saúde
tro Hospitalar do Baixo Vouga, Centro Hospitalar
Póvoa do Varzim/Vila do Conde, Centro Hospital Foram realizados quatro grupos focais entre
Vila Nova de Gaia/Espinho, Centro Hospitalar en- outubro e dezembro de 2020. Cada grupo focal
tre Douro e Vouga, Centro Hospitalar Universitário incluiu entre quatro e cinco jovens (no total de
Lisboa Norte, Centro Hospitalar de Trás-os-Mon- 17) residentes nos distritos do Porto, Braga, Vila
tes e Alto Douro e Centro Hospitalar Universitário Real, Viana do Castelo, Aveiro, Coimbra, Guarda,
Lisboa Central. Foram utlizados os dados relativos Portalegre e Santarém. Os participantes foram
à caracterização dos partos e das grávidas. selecionados de forma a incluir jovens de meios
108 ANEXO

A PANDEMIA DE COVID-19
rurais e urbanos, de várias idades (entre os 17 e ministrativa (como recenseamento, registos de
os 28 anos, com uma média de 23,4 anos) e de inscrições nos Centros de Emprego ou por parte
ambos os sexos. Todos estes jovens pertenciam das forças de segurança). Foram consultados
a associações juvenis, e que o convite e seleção dados relativos ao risco de pobreza e exclusão
dos jovens foi realizada pela Federação Nacional social, provenientes do Inquérito às Condições
de Associações Juvenis. Consultaram-se os re- de Vida e Rendimento (EU-SILC) com amostras
sultados relativos ao efeito do confinamento na representativas da população portuguesa.
alimentação e atividade física dos jovens.

Portal da Transparência do Serviço


HOUSE | ULisboa: Hábitos e alimentação Nacional de Saúde
dos Universitários na Saúde Esta é uma iniciativa do Ministério da Saúde que
O questionário “HOUSE-ULisboa l Hábitos e Ali- disponibiliza os dados relativos às operações e
mentação dos Universitários na Saúde” corres- transações que decorrem no âmbito das ativida-
ponde a uma investigação desenvolvida no âm- des do Serviço Nacional de Saúde, nas diversas
bito do Colégio “Food, Farming and Forestry (F3)” entidades que o constituem. Consultaram-se e
da Universidade de Lisboa (ULisboa). Este ques- analisaram-se os dados relativos ao número de
tionário, em preenchimento entre 8 de março e 23 consultas médicas realizadas nos cuidados de
abril de 2021, teve como objetivo contribuir para saúde primários, proporção de utentes inscritos
o conhecimento e caracterização do estilo de vida com acesso a consultas médicas nos cuidados
e padrões alimentares dos estudantes da ULis- de saúde primários, número de consultas médi-
boa, em particular os do 1.º ano de licenciatura ou cas hospitalares, proporção de primeiras consul-
mestrado integrado que vivenciaram a transição tas realizadas em tempo adequado, número de
entre o ensino secundário e o ensino universitário intervenções cirúrgicas (totais, programadas,
de uma forma particularmente atípica. convencionadas, urgentes e de ambulatório),
proporção de inscritos em cirurgia intervencio-
nados dentro do tempo máximo de resposta ga-
Inquérito ICS-ULisboa e Iscte-IUL rantida, número e dias de internamento, número
– COVID-19 de atendimentos urgentes (por classificação da
triagem de Manchester), vigilância a recém-nas-
O inquérito foi realizado online entre 25 e 29 de cidos, vigilância de diabetes mellitus, rastreios
março de 2020, junto de uma amostra de cer- populacionais (cancro da mama, colo retal e colo
ca de 11.500 inquiridos, não representativa da do útero), emissão e utilização de cheques den-
população residente em Portugal. Para mais in- tista (por grupo alvo), e tratamento de depen-
formações ver: Magalhães, Pedro, Rita Gouveia, dências a drogas ilícitas e álcool.
Rui Costa Lopes, Pedro Adão e Silva. 2020. “O
Impacto Social Da Pandemia. Estudo ICS/ISCTE
Covid-19.” Instituto de Ciências Socias da Uni- Relatórios de monitorização
versidade de Lisboa e Instituto Universitário de psicossocial da DGS
Lisboa. Consultaram-se dados relativos à saúde
Estes relatórios apresentam resultados de um in-
mental dos inquiridos, nomeadamente estados
quérito longitudinal realizado a uma amostra re-
depressivos, stress e ansiedade, preocupações
presentativa da população portuguesa, com vista
Desafios para a saúde dos portugueses

económicas e sociais.
à monitorização de comportamentos de proteção
e fatores determinantes destes (capacidades,
oportunidades, motivações). Os indivíduos foram
Instituto Nacional de Estatística
recrutados a partir do Painel de Estudos Online da
Foram consultados dados relativos a mortalida- Universidade Católica Portuguesa. O inquérito foi
de (incluindo mortalidade infantil), natalidade, aplicado em 3 vagas com 379,344 e 333 partici-
fecundidade, esperança média de vida à nascen- pantes, entre 27 de julho e 11 de agosto de 2020,
ça, desemprego, crimes e violência doméstica, 29 de setembro e 12 de outubro de 2020 e 16 e 29
provenientes de fontes de dados de base ad- de novembro de 2020, respetivamente.

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