Maio/Junho 2009
II Série | Número 111 | 3
Director Fernando Santo | Director-Adjunto Victor Gonçalves de Brito a engenharia portuguesa em revista
Engenharia
ALIMENTAR
Os caminhos
da Engenharia Alimentar
A
engenharia alimentar engloba o conjunto de conhecimen- uma maior e melhor certificação dos bens transaccionáveis, segundo
tos necessários para a produção e comercialização de ali- normas que defendam as populações.
mentos destinados ao consumo humano e animal. Para
metade da população mundial, que vive nas cidades, os produtos No encerramento desta edição da “Ingenium” tivemos conheci-
alimentares vêm das lojas ou dos supermercados, mas para os que mento da publicação da Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho, que revo-
trabalham na sua produção directa e, muitas vezes em condições gou o Decreto 73/73, terminando, assim, um longo processo para
difíceis, a visão é outra. A importância do sector alimentar é cres- revisão de um decreto que há muitos anos já se encontrava desa-
cente e continua a estar na primeira linha das prioridades das orga- justado, apesar das várias tentativas para a sua substituição. O novo
nizações mundiais, perante o constante aumento da população mun- “73/73” é bastante diferente do anterior, não só pelo seu alcance,
dial, que passou de 1.650 milhões no início do século XX, para uma vez que também se aplica às obras públicas, ao contrário do
6.600 milhões em 2007, prevendo a ONU que em 2050 já seja- anterior, mas também por ter, pela primeira vez, regulado a quali-
mos 9.500 milhões de habitantes. Na ficação profissional dos directores de
realidade actual, cerca de 1.000 mi- obra e de fiscalização. Ao nível da ela-
lhões de pessoas não têm o suficiente “A pequena dimensão da maioria boração dos projectos, clarificaram-se
pare se alimentar. das empresas do sector, as pequenas as qualificações profissionais exigidas
É neste contexto que dedicámos esta para a elaboração dos projectos de ar-
quantidades produzidas, a criação
edição à Engenharia Alimentar, com quitectura e de engenharia, e instituiu-
textos e entrevistas que abordam dife- de marcas e o valor percebido pelos -se a figura do coordenador de projec-
rentes perspectivas da complexa cadeia clientes, são alguns dos aspectos to, que poderá ser um dos membros da
produtiva, com exigentes operações lo- que deverão estar presentes na definição equipa.
gísticas e campanhas de marketing que No essencial, a Ordem dos Engenhei-
das estratégias de desenvolvimento
procuram transmitir à produção e à co- ros revê-se neste novo diploma, pois
mercialização as necessidades dos con- do sector alimentar” consagra os princípios que constam da
sumidores. A pequena dimensão da sua proposta, divulgada no Congresso
maioria das empresas do sector, as pe- de Outubro de 2004 e posteriormente
quenas quantidades produzidas, a criação de marcas e o valor per- enviada ao Governo. O país fica com um regime de qualificações
cebido pelos clientes, são alguns dos aspectos que deverão estar profissionais mais exigente, que cobre todo o processo produtivo e
presentes na definição das estratégias de desenvolvimento do sec- que implicará maiores responsabilidades dos membros das associa-
tor alimentar, que representa 15% das actividades económicas. ções públicas profissionais, para garantia da qualidade das obras,
A segurança ocupa um lugar destacado nas preocupações dos cida- como consequência da confiança pública que lhe é reconhecida.
dãos, que exigem, do Estado, políticas, normas e sistemas de regu- Para que essa garantia seja mais objectiva é necessária uma profunda
lação, fiscalização e controlo que dêem efectivas garantias perante reflexão sobre a qualidade da nossa legislação e a sua adequação à
a enorme diversidade de serviços e produtos colocados no mercado. realidade, tendo em conta as boas práticas e a desejada harmoniza-
Na entrevista que concedeu à “Ingenium”, o director científico da ção entre centenas de diplomas. É tempo dos decisores políticos e
ASAE, Eng. Barreto Dias, assumiu que os portugueses têm mais dos juristas ouvirem os que têm responsabilidades por concretizar
garantias da qualidade dos alimentos que consomem desde que as decisões e, nesse sentido, os engenheiros estão na primeira linha.
aquela organização iniciou a sua actividade. A aprovação da Lei n.º 31/2009 é um bom exemplo, que poderia
À medida que a abertura dos mercados e a livre concorrência estão ser usado como referência, de um consenso político gerado na As-
cada vez mais presentes nas políticas da globalização, maiores serão sembleia da República, a partir de uma proposta tecnicamente fun-
os desafios colocados para se conseguirem sistemas que permitam damentada.
NOTÍCIAS
Presidente da República
agracia Bastonário
com Ordem do Mérito
O
Eng.º Fernando Santo, Bastonário da Ordem dos Engenheiros (OE),
recebeu a Ordem do Mérito (Grande Oficial), atribuída pelo Presi-
dente da República, na Sessão Solene comemorativa do Dia de
Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, realizada no pas-
sado dia 10 de Junho em Santarém.
Esta distinção visa galardoar actos ou serviços meritórios praticados no
exercício de quaisquer funções, públicas ou privadas, ou que revelem
desinteresse e abnegação em favor da colectividade.
Eleito Bastonário da OE em Fevereiro de 2004 e reeleito para o 2.º man-
dato em 2007, Fernando Santo é licenciado em Engenharia Civil pelo
Instituto Superior Técnico (1974). Para além de Bastonário da OE, é
Na ocasião da divulgação pública da condecoração do Bastonário da Numa permanente actuação no sentido de garantir a qualidade da
OE, Eng.º Fernando Ferreira Santo, com o grau de Grande Oficial da Engenharia como recurso estratégico da economia portuguesa, com
Ordem do Mérito, no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades intervenções públicas de relevância nos grandes temas nacionais, com
de 2009, os Vice-presidentes, os Presidentes e os Secretários dos influência nos processos que conduziram a decisões importantes no
Conselhos Directivos Regionais da Ordem, na qualidade de vogais do que respeita à realização de grandes empreendimentos e em todas
Conselho Directivo Nacional, felicitam efusivamente o Colega conde- as situações em que a Engenharia devesse ser ouvida, o Eng.º Fer-
corado. nando Santo em tudo promoveu, dignificou e prestigiou a profissão
de Engenheiro e a Engenharia Portuguesa.
Além do inequívoco mérito pessoal traduzido numa brilhante carreira
profissional de 35 anos, a distinção, concedida na fase final do segundo Assim, os signatários felicitam o Bastonário Fernando Santo e orgu-
mandato na liderança da OE, reconhece certamente os altos serviços lham-se de pertencer ou ter pertencido ao Conselho Directivo Nacio-
prestados ao país pelo Eng.º Fernando Santo no cargo de Bastonário. nal da OE por ele presidido.
O
téticos e ambientais da construção em betão a nível mundial. Resultou da fusão, em 1998, do CEB futuro gestor Gonçalo Saraiva, da Uni-
e da Fédération Internationale de la Précontrainte (FIP). versidade Católica Portuguesa (UCP),
foi considerado “o primeiro entre os seus
João Pereira Teixeira eleito Presidente do CEU pares”, ao vencer a 6.ª edição do Prémio Pri-
mus Inter Pares.
João Pereira Teixeira foi director regional de or-
Gonçalo Martins, estudante de Gestão da Uni-
denamento do território da CCRLVT, de 1988 a
versidade Nova de Lisboa (UNL), e Martim
1991, responsável pelo projecto turístico da
Vaz Pinto, a cursar Economia também na UNL,
Quinta da Penha Longa, entre 1991 e 2003,
foram outros dos finalistas premiados. Os três
coordenador nacional do Programa Polis, em
vão ter a oportunidade privilegiada de frequen-
2004 e 2005, e Presidente da EPUL entre 2006
tar um MBA numa universidade de topo, como
e Janeiro de 2009. Tem um vasto curriculum
o Instituto de Empresa, em Madrid, ou o Ins-
como professor convidado em várias universi-
tituto de Estudos Superiores da Empresa, em
dades, desde 1982.
Barcelona. Entre as instituições portuguesas,
O Conselho, ao qual agora preside, congrega re-
estão a UCP – UNL (Lisbon MBA) e o Insti-
presentantes de associações de urbanistas, mi-
tuto Superior de Ciências do Trabalho e da
nistérios, cidades, fundações, empresas e pro-
Empresa. Ao ficar em 1.º lugar, Gonçalo Sa-
fissionais de 24 países da Europa, com activi-
raiva recebe ainda uma bolsa de estudos com-
dades no domínio do urbanismo e do ordena-
O
plementar no valor de 7.500 euros.
engenheiro civil e urbanista João Pereira mento do território. Tem lugar no Conselho da
Inês Neves, estudante de Gestão da UCP, e
Teixeira, em representação da Associação Europa e é o promotor do maior prémio europeu
Francisco Meneses, do curso de Engenharia
de Urbanistas Portugueses, foi eleito Pre- de urbanismo. Concorreram a este cargo perso-
Civil, do Instituto Superior Técnico, fecharam
sidente do Conselho Europeu de Urbanistas nalidades como Dominique Lancrenon, da França,
o lote dos cinco finalistas. Os vencedores foram
(CEU), numa eleição decorrida no passado dia que foi eleita Vice-Presidente, Bruno Clerbaux,
revelados no passado dia 15 de Junho, numa
15 de Maio, em Bruxelas. da Bélgica, eleito Secretário-geral, e Peter Wi-
gala no Hotel Ritz, em Lisboa, que contou
Membro efectivo da Ordem dos Engenheiros berg, eleito Tesoureiro. Foram igualmente eleitos
com a presença de várias personalidades,
desde 1983 e, desde 2005, membro sénior e para a nova direcção Vincent Goodstadt, do Reino
entre as quais os elementos do Júri, Dr. Fran-
especialista em Planeamento Regional e Local, Unido, e Miran Gajsek, da Eslovénia.
cisco Pinto Balsemão, Dr. Nuno Amado, Dr.
António Borges, Dr. António Vitorino e Dra.
OE adere à Iniciativa Business & Biodiversity Estela Barbot.
O Primus Inter Pares é uma iniciativa do Banco
A
Ordem dos Engenheiros (OE) formalizou, no dia 28 de Maio, a sua adesão à Iniciativa Business Santander Totta e do jornal Expresso, e tem
& Biodiversity (B&B). A cerimónia decorreu na sede da OE, em Lisboa, no âmbito do 2.º En- vindo a consagrar-se como um prémio de ex-
contro que o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade dedicou à Iniciativa, por celência, encontrando, ano após ano, jovens
cuja promoção em Portugal é responsável. promessas das áreas de Gestão, Economia e
Esta parceria tem como objectivos promover e Engenharia. Até serem eleitos “Primus”, os
apoiar iniciativas que visem integrar a conservação estudantes passam por várias fases de selec-
e a gestão da biodiversidade e dos ecossistemas ção, tendo por base critérios de avaliação
nas boas práticas dos profissionais de engenharia como as capacidades de liderança, iniciativa
e nos modelos de gestão das empresas associadas e trabalho em equipa.
à área da engenharia, bem como nos projectos de Recorde-se que este é apenas o segundo ano
engenharia, actualizando os conhecimentos dos em que a participação no Prémio foi “aberta”
seus profissionais em termos de práticas, instru- a engenheiros, sendo que a edição de 2007/2008
mentos e soluções que contribuam significativa- foi precisamente ganha por um engenheiro.
mente para o desenvolvimento sustentável.
BREVES
PRÉMIO DE ENGENHARIA?
É NATURAL.
Participe na 1ª edição do prémio Brisa de Engenharia Natural,
o maior prémio da área a nível nacional.
Uma iniciativa da Brisa e da APENA, Associação Portuguesa de Engenharia Natural, que pretende distinguir a criatividade
e a sustentabilidade em trabalhos que contribuam para o progresso desta vertente em todos os domínios.
Entregue a sua candidatura até 22 de Setembro e descubra o trabalho vencedor no dia 26 de Novembro. A entrega
de prémios será em Janeiro. E não se esqueça que só se participar é que pode ganhar. Naturalmente.
Engenharia une
Norte de Portugal e Galiza
5 00 mil euros é o montante que os engenheiros do Norte de Portugal
e da Galiza pretendem investir na implementação de um programa de
cooperação transfronteiriça que eliminará as barreiras legais que os impe-
dem de exercer livremente a profissão em ambos os lados da fronteira.
Para Luís Braga da Cruz, presidente da mesa da Assembleia Regional Norte
da Ordem dos Engenheiros, autor da ideia e um dos que mais se empe-
nharam no projecto, a “relação entre regiões fronteiriças é um desígnio que para a Mobilidade e Cooperação das Engenharias Norte de Portugal – Ga-
deve ser perseguido”, sendo este o momento indicado para um investimento liza (Plateng). O projecto, que vai ser desenvolvido nos próximos dois anos,
do género, até porque “há um contexto europeu e interno favorável a este prevê identificar as semelhanças e as diferenças entre as engenharias nos
tipo de iniciativas”. dois países e evidenciar os factores que têm funcionado enquanto “condi-
O objectivo do programa passa por criar uma euro-região que agrupe o cionalismos” à mobilidade dos engenheiros e ao regular exercício das suas
Norte de Portugal e a Galiza, num empreendimento alicerçado na coope- actividades. Para esse efeito serão estudadas soluções jurídicas para eli-
ração entre as engenharias portuguesa e espanhola, perspectivando-se a minar os obstáculos existentes.
construção de um “território” comum, eventualmente extensível a outras Actualmente, um engenheiro português pode ter de esperar até dois anos
áreas profissionais. para obter o reconhecimento da profissão e poder exercer na Galiza. O seu
Estas foram algumas das ideias partilhadas por diversos responsáveis li- congénere espanhol consegue obter a respectiva certificação no prazo de
gados ao projecto, aquando da apresentação, em Junho, da Plataforma um a dois meses.
REGIÃO
Delegação de Santarém Mestrado Executivo
promove encontro em Gestão Empresarial
A Delegação Distrital de Santarém organizou, no dia 9 de Maio, o
encontro “Sabores e Aromas”, com o objectivo de promover o
convívio entre os engenheiros da região. Com actividades lúdicas e vários
N o seguimento do interesse manifestado por vários engenheiros em
obter formação na área de gestão, tendo em vista a aquisição de com-
petências necessárias ao seu trabalho diário, a Secção Regional analisou
momentos de troca de ideias, várias hipóteses de formação e seleccionou um Mestrado Executivo em Ges-
a Herdade de Cadouços, tão Empresarial para ser ministrado na Madeira.
perto de Abrantes, foi o local Apurado com base em critérios de adequação do conteúdo técnico ao in-
eleito para acolher os cerca teresse dos colegas, credibilidade da entidade formadora, custo e disponi-
de 50 participantes que bilidade, este Mestrado Executivo será ministrado pelo INDEG/ISCTE (Ins-
acorreram à iniciativa. tituto para o Desenvolvimento da Gestão Empresarial do Instituto Superior
O dia começou com uma de Ciências do Trabalho e da Empresa), e tem início previsto em Outubro
degustação de produtos fei- de 2009.
tos na Herdade e prova de Tendo em consideração a logística e os custos envolvidos para levar a cabo
vinhos, a que se seguiu uma breve palestra sobre análise sensorial, apre- esta acção na Madeira, é necessária a participação de 30 formandos para
sentada pela Eng.ª Marta Vacas de Carvalho, que abordou a importância viabilizar a sua realização. Assim, e para obter a indicação do número de
do impacto sensorial dos produtos junto do mercado, de modo a garantir o colegas com interesse em frequentar esta formação, a Secção Regional está
sucesso dos mesmos aquando o seu lançamento. a receber pré-inscrições.
Seguiu-se o almoço, com diversos pratos típicos da região, tendo o Grupo Informa-se ainda que, a quem concluir com aproveitamento o referido curso,
de Cantares “Emoções”, do Concelho de Constância, proporcionado um o INDEG/ISCTE dá a possibilidade de obter o grau de mestre, após a fre-
agradável momento cultural. quência, com aproveitamento, de disciplinas complementares e elaboração
O encontro permitiu ainda discutir questões da vida interna da Ordem dos de uma tese.
Engenheiros e a actividade da Delegação de Santarém. António Oliveira,
delegado distrital, apelou a todos os membros que aumentem a sua parti- Informações
cipação nas diversas actividades da Ordem, utilizando os muitos serviços Secção Regional da Madeira • Tel.: 291 742 502 • Fax: 291 743 479
prestados que esta disponibiliza. Telm.: 962 128 231 • E-mail oengmadeira@gmail.com
TEMA DE CAPA
Evolução da Engenharia Alimentar
em Portugal
F. XAVIER MALCATA | Eng. Químico e Membro Fundador da Especialização em Engenharia Alimentar
JOSÉ A. EMPIS | Eng. Químico e Membro Fundador da Especialização em Engenharia Alimentar
OLGA LAUREANO | Eng.ª Agrónoma e Coordenadora da Especialização em Engenharia Alimentar
1. Envolvente
relativamente estável comparativamente neste sector, os quais sejam capazes de aju- No âmbito do Ensino
à de outros sectores de actividade de na- dar a eliminar os seus principais estrangula- Superior a nível mun- Produtores
tureza idêntica, conforme se pode visualizar mentos, a saber: (i) atomização excessiva; (ii) dial, a formação em En- Desenvolvimento
Produção
na Figura 1. concentração reduzida; (iii) baixa diferencia- genharia Alimentar sur- Armazenagem
Transporte
ção; (iv) fraco valor acres- ge estruturada sobre Marketing
2.500.000 Compra e Venda
IAA centado; (v) capacidade duas áreas de interven-
2.000.000
IT
financeira reduzida; (vi) ção principais: a ciência Transformadores
Valor Acrescentado Bruto (MPTE)
Desenvolvimento
relacionamento incipiente alimentar e a tecnolo-
Serviços
Armazenagem
Transporte
0
capacidade financeira re- utilizadas para estudar Compra e Venda
1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997
duzida, todos os restan- a natureza dos alimen- Marketing
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996
tes aspectos estão directa tos, as causas da sua de- Retalhistas
Figura 1 – Evolução do VAB, a preços constantes, das indústrias ou indirectamente liga- terioração, os princípios Compra e Venda
transformadoras (IT) e das indústrias agroalimentares (IAA) em Portugal Armazenagem
Fonte: Engenharia Alimentar: situação actual e tendências futuras
dos à gestão da cadeia basilares de processa- Marketing
agroalimentar vista como mento alimentar e o
Consumidores
Constata-se que o crescimento das indústrias um todo – que exige treino específico e visão melhoramento de ali- Compra
alimentares é tipicamente menor, mas muito integradora. mentos para o público Transporte
Armazenagem
mais estável, do que o das indústrias trans- O conceito de cadeia agroalimentar é, por- consumidor. A tecno-
formadoras consideradas como um todo; este tanto, nuclear, sendo esta entendida como logia alimentar é a apli- Fluxo de
Informação
último apresenta grandes oscilações, embora todo o sistema através do qual um conjunto cação da ciência alimen-
a par de uma evolução média com maior de organizações fornece produtos alimenta- tar à selecção, conser-
ritmo. Esta grande inércia em relação a per- res aos utilizadores finais dos mesmos – sendo vação, processamento, Figura 2
Funções dos vários agentes
turbações macroeconómicas é um dos prin- os vários passos normalmente executados embalagem, distribui-
das cadeias agroalimentares
cipais pontos fortes do sector industrial ali- por diferentes intervenientes (ou agentes da ção e utilização de ali- e vectores de inter-relacionamento
mentar, que lhe confere não apenas um ele- cadeia), a saber: produtores, transformado- mentos seguros, nutri- Fonte: Federação das Indústrias Portuguesas
Agroalimentares
vado grau de previsibilidade mas, sobretudo, res, distribuidores, retalhistas, empresas de tivos e saborosos.
lhe permite actuar com algum desfasamento serviços e consumidores, conforme se es- A criação em Portugal
em relação a outros sectores mais voláteis. quematiza na Figura 2. de licenciaturas em Engenharia Alimentar cor-
Portugal viu, a partir da década de 90, a sua A forma como os diferentes agentes da cadeia respondeu à necessidade de preparação de
capacidade de produção alimentar estabilizar- se conjugam e interactuam é, pelo menos, tão quadros superiores especializados, capazes de
-se. Assim sendo, o crescimento nas próxi- importante como a forma como estas funções contribuir para a modernização da indústria
mas décadas não provirá de acréscimos signi- são desempenhadas. De facto, uma cadeia é alimentar – a qual constitui um dos principais
ficativos da produção bruta, mas, sobretudo, uma realidade organizacional, mas o seu fun- sectores das indústrias transformadoras, como
TEMA DE CAPA
atrás se discutiu. Em Portugal, tal sector pos- siderar – e que só um licenciado em Enge- princípios básicos com novas situações. É,
sui diversas deficiências estruturais, incluindo nharia Alimentar poderá dominar de forma com efeito, notório o número elevado de ti-
subdimensionamento, excessiva dispersão es- abrangente. tularidades do Ensino Superior que, durante
pacial, ausência de estratégia de médio e longo Não existe ainda acordo na UE em relação às as últimas duas décadas, têm sido oferecidas,
prazo, e fraca qualificação dos recursos huma- designações apropriadas para cursos destina- versando, de alguma forma, o sector alimen-
nos – que se conjugam para justificar uma dos a formar técnicos que possam intervir lato tar: 63 cursos superiores. Em particular, cons-
grande fragilidade ao nível do potencial endó- senso na indústria alimentar. Existem cursos tatou-se a criação, em anos mais recentes, de
geno para inovar. Um aumento do valor acres- denominados Ciência alimentar, Tecnologia diversas licenciaturas em Engenharia Alimen-
centado e da competitividade passa pela ob- alimentar, Engenharia alimentar, Ciência e tar e afins, enquanto paralelamente se obser-
tenção de novos produtos e de produtos com tecnologia alimentar, Química alimentar, En- vava uma tendência para converter ramos ou
qualidade maior e mais constante –, o que en- genharia agro-industrial, Engenharia biológica especialidades com a designação “alimentar”
volve uma maior endogeneização tecnológica, e Engenharia bioprocessual, entre outros. Nal- de outras licenciaturas, em licenciaturas de
a qual, por sua vez, exige quadros altamente guns países, existe ainda a possibilidade de raiz em Engenharia Alimentar.
qualificados. combinar áreas diferentes (joint degrees), tais Em relação às instituições de Ensino Supe-
A formação superior em Engenharia Alimen- como Economia agrícola e Ciência alimentar, rior que concedem tais graus, a distribuição
tar tem por objectivo dotar o futuro diplo- ou Bioquímica e Ciência alimentar. Por outro pela sua natureza encontra-se resumida na
mado de competências profissionais específi- lado, existem cursos muito especializados, tais Figura 3.
cas, que se distinguem de forma substancial como Tecnologia de carnes ou Tecnologia cer-
daquelas que são veiculadas por outras licen- vejeira. Em geral, as designações não são per- UPr
UC
ciaturas em Engenharia (designadamente En- feitamente descritivas; existem, por vezes,
genharia Química ou Engenharia Agronómica) mais semelhanças entre programas com nomes
– tornando-o capaz de actuar com proficiên- diferentes do que entre programas com nomes
cia ao nível do processo produtivo, da distri- idênticos. A diversidade dos títulos atribuídos IPP
UP
buição, do controlo de qualidade, da inovação aos cursos manifesta-se também numa diver-
e investigação, e da gestão e marketing. sidade de conteúdo e de abordagem.
Ao nível do processo, o Engenheiro Alimen- Porém, uma outra razão pode ainda ser in-
tar é um quadro técnico que possui uma for- vocada para a multiplicidade de abordagens:
mação multidisciplinar em engenharia, biolo- a origem dos cursos. As iniciativas pioneiras, IPPr
gia, química e bioquímica, a qual lhe permite na primeira metade do séc. XX, estavam so-
desempenhar as funções de engenheiro de bretudo associadas a escolas de agricultura, Figura 3 – Distribuição fraccional,
por natureza da instituição, dos títulos de graduação
produção. De facto, os produtos alimentares e tendiam a ser organizadas por subsector
no sector agroalimentar (IPP – Instituto Politécnico
devem ser atraentes, ter sabor, aroma e tex- (por exemplo, panificação, viti- e vinicultura Público; IPPr – Instituto Politécnico Privado; UP –
tura agradáveis, ser nutricionalmente ricos e e lacticínios). Mais tarde começaram a sur- – Universidade Pública; UC – Universidade
Concordatária; e UPr – Universidade Privada).
equilibrados, e estar livres de contaminações gir iniciativas na área de engenharia química,
Fonte: Livro Verde da Cooperação Ensino Superior-Empresa:
microbiológicas e químicas. Para criar produ- com uma componente tecnológica industrial sector industrial agroalimentar
tos conformes sob todos estes aspectos, é fun- e de processo mais forte, baseada no con-
damental compreender cientificamente as al- ceito de operações unitárias. As áreas de mi- Verifica-se que c. 18% de todos os graus aca-
terações que o processamento provoca nos crobiologia, química e bioquímica alargaram- démicos são concedidos por instituições de
alimentos, bem como controlar adequada- -se do mesmo modo, criando abordagens Ensino Superior privado: 13% correspondem
mente cada passo do processo produtivo. mais orientadas para ciência alimentar e para a Institutos Politécnicos e 5% correspondem
Por outro lado, a gestão da distribuição, as- aspectos de qualidade. a Universidades. Por outro lado, ca. 79% de
sociada à gestão de stocks, não pode ser ade- todos os graus académicos são concedidos por
quadamente realizada sem uma compreen- 3. Oferta instituições de Ensino Superior público: 44%
são dos produtos alimentares enquanto en- correspondem a Institutos Politécnicos e 35%
tidades biológicas, sujeitas a constantes trans- A diversidade vigente em Portugal, relativa- correspondem a Universidades. Finalmente,
formações e contaminações que podem afec- mente à oferta de formações no Estrangeiro, ca. 3% de todos os graus académicos são con-
tar drasticamente o seu valor. A área da dis- encontra eco na profusão nacional de titula- cedidos por Universidades públicas não-esta-
tribuição alimentar deve, por isso, ser enten- ridades superiores na mesma área. Tal con- tais (isto é, de direito concordatário).
dida numa perspectiva integrada similar a substancia, por acréscimo, um ponto fraco No que respeita à oferta geográfica dos cursos
uma linha de produção, com programas de do sistema, porquanto tradutor da dificul- superiores, a informação disponível pode ser
controlo de qualidade e escolha de soluções dade estrutural do Ensino Superior em pre- sintetizada conforme efectuado na Figura 4.
tecnológicas adequadas. A embalagem, os parar diplomados com conhecimentos sufi- Desta forma, constata-se que o Ensino Supe-
sistemas de frio e o controlo de degradação cientemente abrangentes – e, assim, inaptos rior privado está localizado praticamente ape-
dos produtos alimentares até ao consumidor para desenvolver visões de conjunto equili- nas em Lisboa, em termos de oferta de pri-
final são, por isso, aspectos essenciais a con- bradas e convincentes, bem como articular meiros ciclos conducentes a graduação, en-
TEMA DE CAPA
cas – naquilo que convencionou uma maior capacidade para o desenvolvimento
12
Ensino Superior Privado
designar-se por biotecnologia. dos processos produtivos mais complexos.
10 Ensino Superior Concordatário Finalmente, ca. 10% dos graus Para além da reformulação curricular que tal
Número de títulos de graduação
Vila Real
Santarém
Açores
Aveiro
Castelo Branco
Faro
Portalegre
Porto
Viana do Castelo
Beja
Braga
Bragança
Coimbra
Évora
Guarda
Leiria
Lisboa
Madeira
GPEARI-MCTES) reflecte a im- Finalmente, no âmbito das oportunidades fu-
portância da Engenharia Alimen- turas da Engenharia, é possível estabelecer
tar: existem actualmente 20 li- uma série de tecnologias a adoptar, a saber:
Distritos
cenciaturas com esta designação (i) tecnologias de processo; (ii) biotecnologia;
Figura 4 – Distribuição regional dos títulos de graduação no sector alimentar (ou similar). A Ordem dos En- (iii) tecnologia de materiais; (iv) tecnologias
Fonte: Livro Verde da Cooperação Ensino Superior-Empresa: sector industrial agroalimentar
genheiros certificou 5 licencia- de produção discreta; (v) tecnologias de ener-
turas pré-bolonha, correspondentes à forma- gia; (vi) tecnologias de optoelectrónica; (vii)
Serv. ção de 5 anos. A estas licenciaturas corres- tecnologias de informação e comunicação;
consumidor
pondeu um numerus clausus total de c. 800 (viii) engenharia de sistemas; (ix) tecnologias
Produção
vegetal (provindo c. 200 dos cursos já certificados), de infraestruturação e de construção; (x) tec-
que viram 677 alunos inscreverem-se pela nologias de sistemas ambientais; e (xi) tecno-
Transf. primeira vez no 1.º ano – distribuídos pelo logias de transportes. No caso específico da
Biotecnol.
Produção Tabela 2 – Matriz de impactes futuros da Engenharia Alimentar, com listagem cruzada de áreas de conhecimento
animal em engenharia/tecnologia (eixo vertical) e áreas de negócio/produto (eixo horizontal).
Bens Comercia-
Bebidas Lacticínios Charcutaria Congelados Enlatados Confeitaria
Essenciais lização
Figura 5 – Distribuição fraccional, Tecnologias de processo
por ênfase de sector científico-profissional Biotecnologia
(produção vegetal, produção animal, transformação Tecnol. de materiais
biotecnológica ou serviço ao consumidor),
Tecnol. de produção discreta
dos títulos de graduação no sector alimentar
Tecnol. de energia
Fonte: Livro Verde da Cooperação Ensino Superior-Empresa:
sector industrial agroalimentar Tecnol. de optoelectrónica
Tecnol. de informação e comunicação
Engenharia de sistemas
quanto o público está disperso por pratica-
Tecnol. de infraestruturação e de constr.
mente todo o país; é de sublinhar o elevado Tecnol. de sistemas ambientais
número (entre 4 e 6) de titularidades dispo- Tecnol. de transporte
níveis nos distritos de Beja, Faro, Viana do
Fonte: Engenharia e Tecnologia 2020 Legenda Impacte FRACO Impacte MÉDIO Impacte FORTE
Castelo e Viseu, os quais não são particular-
mente populosos – havendo, mercê da redu- Ensino Superior Público e Politécnico, seja Engenharia Alimentar, a matriz de impactes
zida pressão de procura, indícios de alguma Particular ou Cooperativo. Esta constatação futuros correspondente às áreas supracitadas
redundância curricular. permite facilmente concluir do interesse ma- está representada na Tabela 2, após subdivi-
De molde a aprofundar um pouco mais a aná- nifestado pelos jovens nesta área do saber. são nos subsectores mais importantes.
lise dos referidos curricula, apresenta-se, na Actualmente, a implementação da Declara- Esta análise matricial é uma componente
Figura 5, a ênfase dos cursos superiores distri- ção de Bolonha (e os pressupostos por ela fundamental de estratégia e metodologia; de
buída por grandes subsectores económicos. abrangidos, em termos da acessibilidade de facto, a matriz representa, em análise cru-
Observa-se que c. 46% dos graus académi- leitura e comparação de graus académicos, zada, o impacte de áreas de conhecimento
cos têm uma componente maioritária de sec- adopção de dois ciclos académicos principais, em engenharia e tecnologia sobre as áreas de
tor primário: 29% debruçam-se essencial- estabelecimento de sistema de créditos, pro- negócio e de produto mais significativas neste
mente sobre a produção de alimentos por via moção de mobilidade intra- e internacional, subsector. A percepção das áreas de conhe-
vegetal, enquanto os restantes 17% se debru- cooperação europeia na avaliação de quali- cimento mais significativas pode contribuir,
çam principalmente sobre a produção de ali- dade e promoção da dimensão europeia do assim, para o enfoque dos recursos mais pre-
mentos por via animal. Por outro lado, c. 44% Ensino Superior) irá acentuar a formação de mentes – permitindo a optimização da sua
dos graus académicos estão especialmente ciclo curto (3 anos), mais orientada para a utilização, bem como a identificação de quais
focados no sector secundário, ao nível de aplicação prática dos conhecimentos, e a for- as áreas para onde deve ser prioritariamente
transformações bioquímicas e microbiológi- mação de ciclo longo (5 anos), que permite canalizado o investimento.
TEMA DE CAPA
Definição e Caracterização
dos Actos de Engenharia Alimentar
LÍDIA SANTIAGO
Eng.ª Química, Vogal da Especialização em Engenharia Alimentar
D
e um modo geral, Engenheiro é o pro-
fissional de Engenharia que se ocupa da
aplicação das ciências e das técnicas res-
peitantes aos diferentes ramos de engenha-
ria nas actividades de ensino, investigação,
concepção, estudo, projecto, fabrico, produ-
ção, comercialização, fiscalização e controlo,
incluindo a coordenação e gestão dessas ac-
tividades e outras com ela relacionadas, no
respeito da ética e com o objectivo de con-
tribuir para um mundo sustentável e uma
melhor qualidade de vida, enquanto interve-
niente no desenvolvimento social e humano.
A profissão de Engenheiro de Alimentos está
muito difundida, principalmente nos países
mais industrializados, onde desempenha cada
vez mais actividades relacionadas com a ex-
celência. Na sua função, contribui para o O propósito dos cursos de Engenharia de Ali- e as diversas técnicas e processamentos:
aproveitamento e utilização de recursos na- mentos é preparar profissionais capazes de • beneficiação (moagem, extracção de pol-
turais, desenvolvimento social, industrial e desempenhar as actividades de Engenharia pas, de sucos, de óleos);
agro-pecuário de cada país. dentro das indústrias do ramo da alimentação, • tratamentos térmicos (pasteurização, es-
A Engenharia Alimentar é uma área de co- desenvolvendo projectos e processos produ- terilização, congelação, liofilização);
nhecimento específica, em que os conheci- tivos, a partir das características de qualidade • biotecnologia (fermentação, tratamentos
mentos do Engenheiro Alimentar são obtidos dos produtos, objectivando a optimização dos enzimáticos);
por estudos académicos, pela experiência recursos e o aumento da produtividade. Dessa • utilização de ingredientes e matérias-pri-
profissional e por uma formação profissio- forma, além da formação básica (Ciências mas;
nal contínua, capaz de englobar todos os ele- Exactas e Biológicas), os cursos oferecem tam-
mentos relacionados com a produção e co- bém disciplinas na área de Ciências Humanas, promovendo a correcta interacção processo
mercialização de alimentos para consumo hu- visando introduzir os conceitos administrati- × alimento, e que lhe permita desempenhar,
mano ou animal, e que pode, através do pro- vos para as actividades de gestão. com rigor, actividades de gestão orientadas
fissional com esta formação, potencializar o para os sectores:
desenvolvimento deste ramo em todos os ní- A profissão de Engenheiro Alimentar requer, a montante (gestão da produção e da con-
veis: seja na formação de profissionais, nos portanto, uma formação multidisciplinar. servação das matérias-primas alimentares,
subsídios à elaboração de políticas, nos pro- Necessita conhecer com profundidade os de origem animal e vegetal, a partir das
jectos de pesquisa, na actuação dentro das alimentos: condições de produção das mesmas, de
empresas do sector, seja na colaboração com • nos diferentes tipos (carnes, frutas, hor- modo a optimizar e a assegurar a respec-
a preservação da saúde pública (normalização taliças, lacticínios, cereais); tiva qualidade intrínseca);
técnica, orientação e fiscalização). • na composição (proteínas, açúcares, vita- a gestão da transformação das matérias-
A frase “ DO PRADO AO PRATO” retrata minas, lípidos...); -primas e do processamento de alimentos,
bem a multifuncionalidade que pode ser exi- • na bioquímica (reacções enzimáticas, res- visando a optimização de tecnologias, tendo
gida e exercida pelo Engenheiro Alimentar. piração, maturação, envelhecimento); em conta as menos poluentes e as regras
De forma mais abrangente, poderá ser afir- • na microbiologia (microrganismos carac- de higiene e segurança no sector produtivo
mado que o domínio de actuação é o proces- terísticos, deterioração); agro-alimentar, nas suas diversas valências
samento físico, químico, biológico e micro- • nas características sensoriais (sabor, tex- de produtos de origem animal e vegetal, a
biológico de matérias-primas e subsidiárias. tura, aroma); partir do domínio dos processos tecnoló-
TEMA DE CAPA
como ao espaço, cada vez mais alargado,
da União Europeia.
O
Governo aprovou recentemente a candida- ciação, a Integralar, que agregou 41 empre- um dos domínios onde a relação entre novos
tura apresentada pela Associação Empresa- sas e associações empresariais e 14 institui- produtos, a tecnologia e a inovação é mais
rial Integralar para a constituição de um Pólo ções superiores de ensino e investigação em forte. Tal reclama uma atenção especial com
de Competitividade e Tecnologia Agro-Alimentar torno do sector das Tecnologias Agro-alimen- a formação dos agentes e profissionais das
(PCTAA), a instalar na região do Porto. A sua in- tares, por iniciativa de um grupo de indivi- actividades abrangidas. Temos a noção que
tervenção, com uma eminente perspectiva de fi- dualidades reconhecidas do sector (que in- o sector agro-alimentar é exigente e com-
leira, centrar-se-á em três áreas: alimentos sau- clui Xavier Malcata, José Teixeira, Eduardo plexo, por envolver, para além dos ramos da
dáveis, alimentos amigos do ambiente e dieta Rosa, Ivonne Delgadilho e Manuela Velho, investigação e produção, actividades especí-
atlântica. para além de Vergílio Folhadela) e que pre- ficas de natureza comercial e dependentes
tende afirmar-se como o parceiro nacional da escala do mercado, como a logística e o
Pelo seu peso no produto nacional e pela de referência nesta área. marketing”, aponta.
exigência tecnológica e qualitativa crescente Tal como noutros sectores, a grande preocu- Considera-se que uma das maiores vanta-
a que está exposto, o Governo português re- pação dos produtores reside no facto para- gens adquiridas com a formalização e o re-
conheceu o sector agro-alimentar como de doxal de haver em Portugal uma boa capa- conhecimento público de um PCT, ou de
interesse nacional. A proposta apresentada cidade de produção de conhecimento, mas um cluster, está no ganho que se pode alcan-
às instâncias nacionais de avaliação mostrou que não está a ser plenamente utilizada nem çar com o esforço de conciliação entre os
que este é um dos sectores mais importan- explorada em termos económicos. “Como actores desse sector, ao longo de toda a fi-
tes da União Europeia, e daqueles que su- objectivos estratégicos, este Pólo de Com- leira. Para João Miranda, Presidente do Con-
portam e criam mais pequenas e médias em- petitividade e Tecnologia (PCT) propõe-se selho de Administração da Integralar, “a fi-
presas e emprego. Por outro lado, a elevada organizar a oferta, construir uma rede de ac- leira agro-alimentar, com a constituição e
apetência do consumidor para acolher novos tores relevantes, criar um observatório de reconhecimento do seu PCT, tem hoje uma
produtos alimentares faz prever um cresci- acompanhamento das dinâmicas do sector oportunidade única, e talvez última, para
mento global muito interessante para esta e promover a cooperação estratégica e o em- fazer catapultar, para níveis de excelência e
actividade e para a geração de oportunida- preendedorismo. A ambição é muito inte- reconhecimento internacional, as empresas
des para produtos específicos nacionais. ressante e pode ter reflexos úteis na nossa portuguesas, bem como diversas instituições
Daqui resultou a constituição de uma Asso- economia a diferentes níveis, na medida em produtoras de conhecimento com provas
TEMA DE CAPA
dadas em determinadas áreas. As empresas que a base de engenharia se afigurará como
têm hoje nas mãos a liderança deste PCT, e nuclear. Sector agro-alimentar:
serão seguramente capazes de criar um bloco
coeso e consistente, usufruindo dos meios
“No caso concreto do sector agro-alimentar,
o nível de parcerias é considerado muito in-
factos
disponibilizados pelo Estado, capitalizando- teressante e representa um bom potencial Maior sector produtivo da Europa, assumindo
-os ao serviço de todos.” de subida na cadeia de valor e na internacio- um peso importante na economia nacional
nalização. Há mesmo quem afirme que, pela Sector dominado por PME, tanto a nível eu-
Servir as empresas primeira vez, o sector se envolveu num es- ropeu como nacional
forço colectivo para racionalizar a sua atitude Sector com margem para crescer, nomeada-
A constituição dos PCT tem, como objec- face ao mercado e se robustecer perante as mente ao nível das transacções comerciais
tivo primeiro, servir as empresas, e é nesse ameaças de produtos inovadores vindos do Papel relevante da inovação estruturada e
contexto, e com esse enquadramento, que exterior. Entende-se que o êxito deste pro- orientada para o mercado
todos se devem posicionar. “Definitivamente, pósito, de criar um ambiente de eficiência Consumidor actual cada vez mais consciente,
queremos que muita da investigação efectua- colectiva, dependerá, em última análise, da exigente e informado
da nas universidades, politécnicos e outras capacidade para integrar, com o mesmo nível
instituições similares, reverta em conheci- de comprometimento competitivo, os sec- uma ideia inicialmente concebida pelo Pro-
mento direccionado para as empresas, e que tores produtivos agrícolas, as empresas de fessor Xavier Malcata e trabalhada desde
estas consigam, transversalmente nas suas transformação e as unidades do Sistema cedo com parceiros estratégicos do sector
organizações, promover processos indutores Científico Nacional, e assim superar a debi- alimentar, “temos agora que implementar
de inovação e de ganhos em termos de com- lidade que o sector tem revelado para o con- este projecto sobre alicerces consistentes
petitividade baseados naquele novo conhe- seguir. Pessoalmente, penso que são propó- logo desde o arranque, definindo Planos de
cimento”, aponta João Miranda. sitos nobres que estão ao alcance”, refere Acção que estejam alinhados com as políti-
A Integralar pretende funcionar como pla- Braga da Cruz. cas do Ministério da Agricultura e Pescas,
taforma de ligação entre o mundo científico “Queremos que esta relação seja alimentada que é quem tutela esta fileira.”
e o mundo empresarial, e como elemento por uma grande interactividade, mas funda- Ao contrário de outras áreas, a Integralar tem
capaz de apresentar junto das empresas uma mentalmente que se credibilize rapidamente, a responsabilidade de gerir uma fileira de
matriz de competências e especializações estabelecendo-se uma forte relação de con- grande complexidade estrutural, fruto da sua
dos diversos produtores de conhecimento, fiança e independência.” Depois de um longo extensão e diferentes estádios de desenvol-
sejam eles nacionais ou internacionais, em percurso que levou à candidatura, segundo vimento dos seus diversos subsectores. Por
isso mesmo, irá, através de um observatório
de mercado, manter uma vigilância activa ao
nível global, de todas as tendências de con-
sumo, expectativas e/ou necessidades dos
consumidores, com o objectivo de estimular
de forma direccionada os “operadores secto-
riais” para projectos de inovação que anteci-
pem tendências e que promovam a criação
de valor, pretendendo “provocar”, de forma
activa, as empresas e produtores de conhe-
cimento para a promoção de parcerias.
uma visão a nível nacional, então esta reali- selectivas e integradas, caminho que é ne-
dade assume-se ainda mais relevante para o cessário percorrer para atingir dimensão e
papel do referido PCT. Nesse sentido, João competitividade.
Miranda defende que será necessário “saber “Acreditamos que os eixos estratégicos sobre
tratar toda a cadeia de valor, e promover pro- os quais iremos centrar as nossas orientações,
jectos e parcerias em rede, incluindo outros ao nível dos produtos, respondem claramente
players que estão intimamente ligados à fi- aos quesitos da actualidade das preocupa-
leira, como sejam a distribuição moderna, os ções e expectativas dos consumidores, da
fornecedores de embalagens, equipamentos, diferenciação e da inevitável preocupação
ou fitossanitários, sistemas e redes de frio, etc. ambiental: alimentos seguros e saudáveis
Estão também a ser preparados protocolos de (expectativa/preocupação consumidor); ali-
parceria com outros pólos e clusters, a nível mentos amigos do ambiente (preocupação
nacional, e já foram estabelecidos contactos ambiental e expectativa/preocupação con-
com pólos homólogos no estrangeiro.” sumidor); e dieta atlântica (diferenciação e
Para alcançar esta finalidade, estão previstas, expectativa/preocupação consumidor)”, re-
numa primeira fase, duas áreas prioritárias fere o responsável da Integralar.
ao nível do serviço a prestar aos associados: Com um plano de acção definido até 2012,
por um lado, ao nível do business intelligence, o PCT tem em andamento 13 projectos ân-
ferramenta vital para as empresas; por outro, cora, 15 projectos individuais, 11 projectos
ao nível do apoio e suporte à internacionali- complementares e diversas actividades de
zação, através da promoção de estratégias animação e coordenação de rede.
TEMA DE CAPA
Projecto SustainProd drões genéticos potenciadores de caracte- Impactes Ambientais: Análise de Ciclo de
rísticas organolépticas; e Vida de produtos e processos;
Num contexto internacional de crescente Processos de melhoria da sustentabilidade Qualidade organoléptica: testes com pai-
exigência dos consumidores ao nível de se- das explorações, baseados em informação néis de consumidores.
gurança alimentar, conteúdo nutricional e recolhida através do Extensity – sistema
impactes ambientais, a engenharia alimentar de informação geográfica online para a ges- Sendo Portugal um país pequeno, a capaci-
é essencial, porque permite analisar em de- tão de explorações agrícolas, desenvolvido dade de internacionalização depende de uma
talhe os processos de produção e conserva- por um dos parceiros do projecto (a Co- inteligente exploração de mercados com ape-
ção, e dá respostas tecnológicas às questões nexa – Tecnologias e Sistemas de Infor- tência pelos produtos de qualidade e elevado
levantadas. Nesta área, o Instituto Superior mação). grau de exigência em termos de segurança ali-
Técnico, da Universidade Técnica de Lisboa Ao nível das restantes etapas da fileira, serão mentar e promoção do ambiente. O projecto
(IST-UTL), promoveu um dos projectos do controlados aspectos como: prevê por isso “um mapeamento das oportu-
PCTAA, denominado SustainProd, que visa Segurança alimentar: desenvolvimento de nidades de mercado ao nível internacional, so-
valorizar produtos agro-alimentares para ex- métodos moleculares de detecção de agen- bretudo na Europa do Norte e Central, um
portação, numa lógica de fileira, através de tes zoonóticos e de OGM em várias eta- mercado fortemente motivado para estes
tecnologias de promoção da sustentabilidade, pas da fileira; temas”, aporta o responsável do IST.
da segurança alimentar e da qualidade orga-
noléptica. Além do IST-UTL, são também
parceiros do projecto a Universidade do
Porto (CEQUP – REQUIMTE e Centro de
Investigação em Biodiversidade e Recursos
Genéticos), o Instituto Nacional dos Recur-
sos Biológicos (INRB) e várias empresas do
ramo agro-industrial e das tecnologias de in-
formação.
“Pretende-se valorizar produtos com carac-
terísticas suficientemente abrangentes para
eliminar o problema das actuais Denomina-
ção de Origem Protegida: a reduzida escala
das unidades produtivas. Esta valorização
será efectuada aplicando técnicas de enge-
nharia alimentar numa abordagem de fileira
– do Prado ao Prato –, incluindo o produto
agro-alimentar, a exploração agro-pecuária
de onde provém e a rede de distribuição até
ao consumidor, e será baseada em vectores
como combate às alterações climáticas, qua-
lidade organoléptica, segurança alimentar,
promoção da biodiversidade e sustentabili-
dade”, explicou à "Ingenium", Tiago Domin-
gos, do Departamento de Engenharia Me-
cânica do IST.
Ao nível da produção primária serão abor-
dados temas como:
Sistemas de produção, como um sistema
português, único a nível mundial: as pas-
tagens permanentes semeadas biodiversas
ricas em leguminosas. Foi realizada inves-
tigação portuguesa que demonstrou o po-
tencial de sequestro de carbono destas
pastagens, tendo esta demonstração levado
à escolha por Portugal (pioneira a nível
mundial) da utilização das mesmas na con-
tabilização de sequestro de carbono;
Identificação, em raças autóctones, de pa-
TEMA DE CAPA
Alimentos do Futuro
JOSÉ EMPIS
Eng. Químico, Vogal da Especialização em Engenharia Alimentar
Os eventos futuros, quando considerados em si próprios, não susceptíveis Com o aumento da população mundial tem-se, no entanto, vindo a
de ser cientificamente conhecidos, mas quando são considerados a verificar uma evolução paralela do consumo energético per capita,
título de consequências das suas causas… podem tecer-se previsões o que – atenta a importância percentual que os combustíveis fósseis
mais ou menos condicionais acerca deles. representam –, não seria sustentável, mesmo que não se observas-
Adaptado de Jacques Maritain em “Ensaios sobre o Tomismo” sem os sintomas que parecem actualmente evidentes de efeito de
estufa. Avizinham-se, portanto, e obrigatoriamente alterações do pa-
C
ostumo dizer muito mais simplesmente que fazer previsões é drão de comportamento da espécie humana.
difícil e muitas vezes origina resultados errados. Mas tenho de- No que toca aos alimentos, tem-se vindo também a verificar que o
dicado alguma atenção à problemática dos alimentos, e em es- sistema produtivo parece estar a ter dificuldades em acompanhar o
pecial ao desenvolvimento de novos alimentos e ingredientes ali- crescimento populacional. A título de exemplo, enquanto em 1986
mentares, correspondendo o tema “Alimentos do Futuro” a uma das existia em média uma reserva de cereais capaz de fazer face a um
escolhas lúdicas que integra aquilo que se poderiam denominar as pouco mais de quatro meses de procura, hoje em dia essa reserva de
minhas áreas de especialização. cereais satisfaz em média pouco mais de mês e meio da procura.
Os elementos disponíveis sobre o passado e os conhecimentos acerca Em modelos de evolução futura verifica-se que não é sustentável
da situação presente demonstram que os hábitos alimentares da hu- uma população da dimensão da actual, nem próxima dela, sem re-
manidade são, no mínimo, variados, e que evoluem ao longo do curso a um consumo energético que, na ausência ou forte diminui-
tempo. As suas condicionantes principais têm sido de cariz econó- ção da componente proveniente de matérias-primas fósseis, carece
mico e civilizacional, para além das naturais limitações edafoclimá- ainda de metodologia e meios a inventar (veja-se por exemplo http://
ticas e tecnológicas. paul.chefurka.ca/).
Por outro lado, a evolução da população mundial evidenciou um Numa perspectiva actual, as previsões acerca dos alimentos do fu-
crescimento anormalmente elevado a partir da invenção, desenvol- turo próximo podem, no entanto, possivelmente, ser ainda feitas
vimento e comercialização dos fertilizantes (séc. XIX), bem como, admitindo que as alterações decorrentes de quanto se listou acima
um pouco mais tarde, com a melhoria dos cuidados de saúde, em não se farão sentir de imediato. Trata-se de um exercício que ape-
particular com as gerações sucessivas de antibióticos. A evolução da nas leva em conta dados cinéticos, ignorando portanto as directrizes
população mundial tem, no entanto, demonstrado mais recente- dinâmico-mecanísticas subjacentes, isto numa linguagem mais típica
mente uma menor tendência para o crescimento. de engenharia química.
Nos países desenvolvidos tem-se vindo a observar que o grau médio
Evolução da população mundial ao longo do tempo
de transformação dos alimentos adquiridos tem tendência para cres-
World Population cer, de par com uma tendência para a diminuição do período de
7
tempo dispendido com a confecção dos alimentos no lar. A existên-
6
cia de uma oferta com volume superior ao da procura tem contri-
5 buído para evitar um aumento mais significativo dos preços, que
Billions of People
“O futuro não é senão o presente que há que pôr em ordem. Não tens A escolha de disciplinas básicas deverá basear-se nos recursos dis-
de o prever, mas somente permiti-lo.” poníveis na Universidade/Instituto Politécnico em causa, conjuga-
Antoine de Saint-Exupéry, escritor francês (1900-1944) dos com as restrições a que a licenciatura estará sujeita (por exem-
plo, carga lectiva máxima).
S
egundo uma visão englobadora, pode afirmar-se que existem
quatro factores de qualidade associados aos alimentos: senso- Os padrões curriculares nucleares devem incluir, portanto, dois ele-
rial, nutricional, microbiológica e constância. O Engenheiro Ali- mentos estruturantes: conteúdo curricular específico e competências
mentar deve, por isso, possuir competências específicas para desen- expectáveis de aprendizagem. Note-se que as competências preten-
volver programas de controlo de qualidade segundo aqueles eixos, didas são assaz abrangentes, pelo que cada programa de Engenharia
e bem assim para actuar de forma pragmática, rápida e eficiente no Alimentar deverá desenvolver o seu próprio conjunto de resultados
sentido da reposição da mesma. Poderá, então, ser afirmado que o detalhados para cada disciplina, e integrados no curriculum como um
seu domínio de actuação é o processamento físico, químico e bio- todo. Tais resultados deverão especificar o nível de aprendizagem, ba-
lógico de matérias-primas e subsidiárias, conducente à produção e seados numa taxonomia de Bloom (ou abordagem similar); cada pro-
comercialização de alimentos para consumo humano ou animal. grama deverá igualmente prever ferramentas de verificação, utiliza-
Tradicionalmente, os profissionais de engenharia que se ocupavam dos das para monitorizar os resultados da aprendizagem. As competências
alimentos provinham fundamentalmente de cursos de Engenharia nucleares devem, em essência, cobrir cinco campos:
Agronómica e de Engenharia Química. Porém – e num crescendo ao (i) Química e análise de alimentos;
longo das três últimas três décadas, a área de produtos alimentares (ii) Segurança e microbiologia de alimentos;
passou a apresentar uma elevada competitividade no mercado, o que (iii) Engenharia e processamento de alimentos;
implica uma constante necessidade de inovação e investigação pluri- (iv) Ciência alimentar aplicada; e
disciplinares. A mutação do mercado tende, com efeito, a ser muito (v) Sucesso pessoal e capacidade de interface.
rápida e intensa – exigindo, por isso, empresas capazes de responder
adequadamente, de forma imaginativa e rentável. Daí o aparecimento As competências de química e análise de alimentos, subdivididas
da necessidade de uma formação especializada e multidisciplinar única em conteúdo e objectivos, estão listadas na Tabela 1.
para os Engenheiros Alimentares, susceptível de responder a esta nova Tabela 1 – Conteúdo e objectivos das disciplinas conducentes
realidade; diversas Escolas de Engenharia responderam já a essa neces- à competência nuclear de química e análise de alimentos
sidade – criando especificamente curricula em Engenharia Alimentar, Conteúdo Objectivos
destinados a Licenciados, Mestres e Doutores. Estrutura e propriedades dos componentes alimenta- Compreensão da química na base das propriedades
res, incluindo água, hidratos de carbono, proteínas, e das reacções dos diversos componentes alimen-
Por forma a permitir aos estudantes de Engenharia Alimentar ad- lípidos, outros nutrientes e aditivos alimentares tares
quirir as competências específicas previstas pelo seu perfil profis- Conhecimento suficiente de química alimentar para
o controle das reacções nos alimentos
sional, diversas disciplinas básicas (ou introdutórias) são necessárias Química das alterações ocorridas durante Compreensão das principais reacções químicas que
o processamento, armazenagem e utilização limitam o tempo de vida útil dos alimentos
– as quais deverão incluir, no mínimo:
Capacidade de utilização de técnicas laboratoriais
(i) Química (pelo menos duas disciplinas de química geral, segui- comuns à química alimentar básica e aplicada
das de uma disciplina de química orgânica e de uma disciplina Compreensão dos princípios que sustentam as téc-
Princípios, métodos e técnicas para a análise nicas analíticas associadas aos alimentos
de bioquímica, sendo ainda aconselhável uma disciplina de quí- qualitativa e quantitativa dos alimentos e dos Capacidade de selecção da técnica analítica apro-
seus ingredientes, em termos físicos, químicos priada quando em face de um problema prático
mica analítica e uma disciplina de química física); e biológicos Demonstração de proficiência prática num laborató-
(ii) Biologia (pelo menos uma disciplina de biologia geral, e uma dis- rio de análise de alimentos
Adaptado de: Guidebook for Food Science Programs
ciplina de microbiologia geral com componentes laboratoriais);
(iii) Nutrição (pelo menos uma disciplina envolvendo conceitos bá- As competências referidas na Tabela 1 deverão ser veiculadas atra-
sicos de nutrição humana, e relacionamento entre o consumo vés de um mínimo de 10% dos créditos curriculares da licenciatura
de alimentos e a saúde e o bem-estar); em Engenharia Alimentar.
(iv) Física (pelo menos uma disciplina de física geral); As competências de segurança e microbiologia de alimentos, subdi-
(v) Matemática (pelo menos duas disciplinas de análise matemá- vididas em conteúdo e objectivos, estão listadas na Tabela 2. As com-
tica); petências referidas nesta tabela deverão ser veiculadas através de
(vi) Estatística (pelo menos uma disciplina de estatística geral); e um mínimo de 10% dos créditos curriculares da licenciatura em En-
(vii) Complemento (pelo menos uma disciplina capaz de trazer ap- genharia Alimentar.
ports estruturantes de competências suplementares ao nível de As competências de engenharia e processamento de alimentos, subdi-
expressão verbal, escrita e oral). vididas em conteúdo e objectivos, estão listadas na Tabela 3. As com-
TEMA DE CAPA
Tabela 2 – Conteúdo e objectivos das disciplinas conducentes Tabela 4 – Conteúdo e objectivos das disciplinas conducentes
à competência nuclear de segurança e microbiologia de alimentos à competência nuclear de ciência alimentar aplicada
Conteúdo Objectivos Conteúdo Objectivos
Identificação da importância dos microrganismos patogénicos e de de- Integração e aplicação dos princípios de ci- Capacidade de aplicação e de incorporação dos princípios
gradação em alimentos, e das condições sob as quais eles crescem ência alimentar (p.ex. química, microbiologia de ciência alimentar a problemas práticos e situações da
Identificação das condições sob as quais os patogéneos importantes e engenharia) vida real
Microrganismos patogénicos
são normalmente inactivados, mortos ou tornados não-virulentos em Conhecimento sobre como usar computadores na resolu-
e de degradação em alimentos Competências computacionais
alimentos ção de problemas de ciência alimentar
Utilização de técnicas laboratoriais para identificar microrganismos em Capacidade de utilização dos princípios estatísticos em apli-
Competências estatísticas
alimentos cações de ciência alimentar
Microrganismos benéficos Compreensão dos princípios envolvendo a conservação de alimentos Capacidade de aplicação dos princípios de ciência alimentar
Controle de qualidade
em matrizes alimentares através de processos fermentativos no controlo e garantia de qualidade de géneros alimentares
Compreensão do papel e significância da inactivação microbiana, Métodos analíticos efectivos para a avalia-
Influência da matriz alimentar
adaptação e ecologia sobre o crescimento e resposta dos microrga- ção das propriedades sensoriais dos alimen- Compreensão dos princípios básicos da análise sensorial
no crescimento e sobrevivência
nismos a vários ambientes (em termos de actividade da água, pH e tos, utilizando ferramentas estatísticas
de microrganismos
temperatura) Actualização sobre tópicos actuais com importância para a
Problemas actuais em ciência alimentar
Capacidade de identificar condições, incluindo práticas de sanitação, sob indústria alimentar
Controle de microorganismos as quais os microrganismos patogénicos e de degradação mais impor- Legislação e regulamentação no sector Conhecimento e compreensão das regulamentações gover-
tantes são inactivados, mortos ou tornados não-virulentos em alimentos alimentar namentais exigidas pela manufactura e venda de alimentos
Adaptado de: Guidebook for Food Science Programs Adaptado de: Guidebook for Food Science Programs
Tabela 3 – Conteúdo e objectivos das disciplinas conducentes Tabela 5 – Conteúdo e objectivos das disciplinas conducentes
à competência nuclear de engenharia e processamento de alimentos à competência nuclear de sucesso pessoal e capacidade de interface
Conteúdo Objectivos Conteúdo Objectivos
Compreensão da fonte e variabilidade das matérias-primas Demonstração do uso das competências orais e
Características da matéria-prima e do seu impacto sobre as operações de processamento escritas de comunicação (p.ex. escrita de relatórios
Competências de comunicação
alimentar técnicos, cartas e memorandos; comunicação de
(oral, escrita, auditiva e de entrevista)
Conhecimento dos mecanismos de deterioração e apodreci- informação técnica a audiência não-técnica; e apre-
Princípios de conservação de alimentos, in- mento dos alimentos e dos métodos para o seu controle sentações públicas, formais e informais)
cluindo temperaturas reduzidas e elevadas,
Compreensão dos princípios que tornam um produto alimen- Competências de raciocínio crítico e de resolução Definição do problema, identificação das potenciais
e actividade da água causas e das possíveis soluções e enunciação crite-
tar seguro para consumo de problemas
Compreensão dos processos de transporte e das operações (p.ex. criatividade, senso comum, combinação de riosa de recomendações
unitárias em processamento alimentar, conforme demons- recursos variados, raciocínio científico e pensamen- Aplicação de competências de raciocínio crítico a
trado conceptualmente e em dispositivos de verificação to analítico) novas situações
Princípios de engenharia, incluindo balan-
ços de massa e energia, termodinâmica, laboratorial prática Compromisso com os mais elevados padrões de
Competências de profissionalismo integridade profissional e de valores éticos
fluxo de fluidos, e transferência de massa Capacidade de utilizar balanços de massa e energia para um (p.ex. ética, deontologia, integridade e respeito
e energia determinado processo alimentar pela diversidade) Trabalho e interacção com indivíduos de culturas
Compreensão das operações unitárias requeridas para obter distintas
um dado produto alimentar Explicação das competências necessárias para per-
Competências de aprendizagem ao longo da vida
Princípios das técnicas de processamento Compreensão dos princípios e práticas correntes nas téc- mitir uma auto-educação sustentada e sistemática
alimentar (p.ex. liofilização, pressão eleva- nicas de processamento e dos efeitos dos parâmetros de Competências de interacção Trabalho efectivo com outros
da, processamento asséptico e extrusão) processamento na qualidade do produto (p.ex. trabalho em equipa, supervisão, Liderança numa variedade de situações
Compreensão das propriedades e usos de vários materiais liderança, trabalho em rede e relações humanas)
Materiais e métodos de embalagem Gestão de conflitos individuais e colectivos
de embalagem
Competências de aquisição de informação Pesquisa independente de informação científica e
Compreensão dos princípios e práticas básicos de limpeza e
Limpeza e sanitação (p.ex. pesquisas em papel e em suporte informático, não-científica
sanitação em operações de processamento alimentar
bases de dados e Internet) Utilização competente de recursos bibliográficos
Compreensão dos requisitos de utilização de água e de
Água e gestão de resíduos gestão de resíduos em alimentos e em processamento ali- Gestão eficaz do tempo
mentar Competências de organização Facilitação de projectos em grupo
Adaptado de: Guidebook for Food Science Programs (p.ex. gestão de tempo e gestão de projectos) Gestão de múltiplas tarefas sob múltiplas solicita-
ções
petências referidas nesta tabela deverão ser veiculadas através de um Adaptado de: Guidebook for Food Science Programs
A
embalagem tem largamente imposto o teriais, a transferência de calor e de massa,
seu papel na cadeia de distribuição ali- a química, a microbiologia, etc., que expli-
mentar, desde a produção e processa- cam as interacções físicas, químicas e bioló-
mento alimentar, através das fases de trans- gicas entre a embalagem, o produto alimen-
porte, distribuição e armazenamento, até ao tar e o ambiente. No entanto, são necessá-
consumidor final. Sem os sistemas de em- rias também valências que visam a interac-
balagem, a distribuição alimentar seria um ção da embalagem com o consumidor, como
exercício caótico, ineficiente e muito caro. a ergonomia, o design e a comunicação.
O sector de embalagem representa cerca de
2% do PNB nos países desenvolvidos, e cerca Embalagem é elemento de segurança
de metade da embalagem é usada para ali-
mentos e bebidas. A embalagem protege o produto de danos
Um professor meu afirmou um dia que: “Pa- físicos e mecânicos durante o transporte e
ckaging tends to be taken for granted when armazenamento, mas, mais importante do
it functions properly... It is most likely to be ponto de vista da segurança, previne ou alerta
noticed when the bag stretches instead of para a perda de integridade e manuseamento
opening or the easy-open feature fails or the fraudulento. O aumento da incidência de
child-resistant feature is impossible to deci- produtos alimentares de contrafacção na
pher by anyone other than a child.“ Theron União Europeia está a preocupar muito a in-
Downes, Food Technology, September 1989. dústria alimentar e a Comissão Europeia.
Isto era com certeza verdade há 20 anos, Dados da indústria indicam que entre 2005
mesmo nos Estados Unidos da América, e 2007 houve um aumento de 250% destes
onde na altura já existiam várias escolas com produtos no mercado. A embalagem, através
programas pré-graduados e de Mestrado em dos sistemas de evidência de abertura e de de conservação. Consequentemente, os re-
Embalagem. Hoje, no entanto, a perspectiva rotulagem especial, é um elemento funda- quisitos da embalagem em termos de bar-
da indústria alimentar e a percepção e ex- mental na verificação da autenticidade pelo reira ao oxigénio, à luz ou à humidade, para
pectativas do consumidor são paradigmas consumidor. Na área médica e farmacêutica um produto fresco, congelado, desidratado
muito diferentes daqueles em que a emba- existem aplicações mais sofisticadas, como ou pasteurizado, por exemplo, são diferen-
lagem seria um “mal necessário” ou em que os rótulos com hologramas para certificação tes. As condições a que o produto está su-
as coisas se faziam numa base de “pack and de origem com possibilidade de utilização jeito e que são críticas para o seu tempo de
pray”. Hoje, e apesar das funções-chave da mais generalizada na área alimentar. O uso vida-útil, por exemplo a concentração de
embalagem serem essencialmente as mes- de rótulos com ADN incorporado e a tecno- oxigénio, podem ser alteradas activamente.
mas, a importância relativa de cada uma delas logia laser de superfície estão a ser explora- Nesse caso, referimo-nos a uma embalagem
e, sobretudo, a forma como a embalagem as dos para a embalagem de produtos de ele- activa. Os absorvedores de oxigénio são tal-
desempenha, é muito diferente. A embala- vado valor como forma de garantia da pro- vez o exemplo que está mais desenvolvido
gem passou, ou tende a passar, de um papel veniência e autenticidade. Trata-se da função do ponto de vista comercial, estando dispo-
passivo no exercício das suas funções, para da embalagem na segurança “security” e não níveis absorvedores na forma de pequenas
um papel activo e mesmo interactivo. “safety”, tal como os sistemas que previnem saquetas ou mais recentemente incorpora-
Estas funções-chave são directa ou indirec- o uso indevido de medicamentos e de pro- dos no próprio material plástico. Neste úl-
tamente muito importantes para a segurança dutos perigosos por crianças ou idosos. timo caso, o consumidor não se apercebe da
e qualidade alimentares e interceptam algu- presença do absorvedor na sua embalagem.
mas das áreas que um engenheiro alimentar Embalagem activa Nesta área da conservação e aumento do
necessita de dominar. A embalagem é hoje tempo de vida-útil, a embalagem activa tem
considerada uma disciplina que assenta em Para a maioria dos produtos alimentares, a mostrado as mais diversas aplicações. Além
ciências aplicadas, como a ciência dos ma- embalagem é parte integrante do processo do controlo do oxigénio, temos já em utili-
TEMA DE CAPA
zação em alguns mercados sistemas para con- duto ao longo da cadeia de dis-
trolo do dióxido de carbono, do etileno, da tribuição, através dos TTI´s (In-
água e do vapor de água, bem como do di- tegradores Tempo-Temperatura),
óxido de enxofre. A libertação activa de aro- são exemplos típicos. As tintas de
mas a partir da embalagem tem também já impressão termo-cromáticas não
algumas aplicações possíveis. Ao nível da in- são recentes, mas têm tido uma
vestigação, são mencionadas como poten- aplicação crescente na área alimen-
ciais oportunidades o controlo activo pela tar para indicação da temperatura
embalagem de substâncias como a lactose e óptima de consumo de produtos aque-
o colesterol através do uso de sistemas en- cidos ou bebidas refrigeradas. Uma
zimáticos imobilizados no material de em- possibilidade é associar à embalagem
balagem, e a libertação controlada na super- um rótulo inteligente com a data limite
fície do produto de conservantes como o de consumo que vai ajustando essa data
etanol (anti-fúngico), o BHT/BHA e a vita- em função das condições de armazena-
mina E com a função de antioxidantes. mento do produto para informação do
Recentemente, os materiais antimicrobianos consumidor ou mesmo para gestão dos
(MAM) têm atraído muita atenção da in- stocks existentes.
dústria alimentar devido à procura de pro- A rastreabilidade do produto é um requi-
dutos minimamente processados e sem con- sito básico para a segurança alimentar (aqui as abertu-
servantes. Os MAM podem ser baseados em segurança como “safety”) que assenta no sis- ras fáceis, os sistemas de
sistemas químicos mais tradicionais na in- tema de embalagem. A este nível é obriga- doseamento e a possibilidade de ir ao forno
dústria alimentar, como os ácidos orgânicos tório referir a tecnonologia RFID (Identifi- microondas, são exemplos comuns. O con-
e respectivos sais, ou em sistemas novos, cação por rádio-frequênica) com o seu enorme trolo da temperatura do produto pela emba-
como a enzima lisozima ou a bacteriocina potencial de aplicação na distribuição. A in- lagem, nomeadamente os materiais isolantes
nisina. O enorme interesse a nível de I&D corporação de uma etiqueta RFID na emba- e as embalagens auto-aquecíveis para café ou
conduziu ao registo de inúmeras patentes de lagem permite não só melhorar drasticamente sopa e as auto-arrefecíveis para bebidas, são
MAM. No entanto, a sua aplicação comer- a precisão e a eficiência do sistema de gestão exemplos populares no mercado Japonês. As
cial na embalagem não reflecte ainda o es- de stocks, detecção e localização dos produ- tendências de mercado incluem aumento da
forço dedicado devido a questões ligadas à tos, como, quando associada aos sensores procura de produtos elaborados, pré-corta-
sua eficiência, efeitos potenciais secundários adequados, por exemplo de temperatura e dos, descascados, etc., e a combinação de
e gama de acção. humidade, transformar o sistema de emba- produtos diferentes na mesma embalagem.
lagem numa verdadeira base de dados móvel Estes produtos trazem mais desafios para a
Embalagem “inteligente” que acompanha o produto e que pode ser embalagem, porque muitos têm um tempo
consultada e gerida à distância. de vida útil muito curto quando preparados,
A embalagem é um suporte essencial para Os materiais com permeabilidade a gases, pelo que os requisitos da embalagem são mais
informação relativa ao produto, informação selectiva e variável em função da tempera- exigentes.
que é fundamental para uma correcta dis- tura, são um exemplo de um conceito de A nanotecnologia terá com certeza uma
tribuição e uso final do produto pelo consu- embalagem inteligente, porque o sistema res- grande influência no futuro desenvolvimento
midor. A forma e o tipo de informação que ponde à variação das condições ambientais das embalagens. Poderá ser empregue, por
a embalagem transmite têm sofrido um a que o produto está exposto, de forma a exemplo, para melhorar as propriedades bar-
enorme desenvolvimento, fa- compensar o efeito que essas altera- reira dos materiais, para criar revestimentos
zendo uso de sistemas ditos ções têm no próprio produto. funcionais antimicrobianos e libertadores de
inteligentes. A informação várias substâncias à medida ou para desen-
relativa ao grau de maturação Embalagem “conveniente” volver sensores.
do produto, num sistema dis- As opções e oportunidades que a embala-
ponível comercialmente para A função de conveniência e ser- gem coloca à indústria alimentar são, assim,
peras, ou a história viço da embalagem, como muito vastas e o seu papel na cadeia global
térmica do pro- suporte dos moder- de valor continuará a crescer em importân-
nos estilos de vida, cia à medida que a sociedade e os consumi-
é talvez a área onde dores se tornam mais exigentes. Cada vez
mais esforço de ino- mais a embalagem é uma disciplina trans-
vação e criativiade versal nos seus inputs, porque vai buscar
é visível: a conve- ideias às mais variadas ciências e tecnologias
niência de tama- para transformá-las em soluções indispensá-
nhos e formatos, veis à engenharia alimentar de hoje.
TEMA DE CAPA
Rede ISEKI_Food
Contribuição para o Desenvolvimento da Tecnologia
Alimentar a Nível Europeu e Mundial
CRISTINA L. M. SILVA
Eng.ª Química, Fundadora da Associação ISEKI_Food, Projectos Rede
N
os últimos anos têm vindo a desenvol- crates-Erasmus e Ensino ao Longo da Vida (Li- Alguns objectivos mais específicos são:
ver-se redes académicas internacionais, felong Learning Program). Como resultado, a 1) Criação de um Ambiente Virtual em Rede
financiadas pela Comissão Europeia (CE), rede ISEKI_Food produziu guiões para a ga- (VNE - Virtual Networking Environment)
cujos objectivos se centram em temas que en- rantia de qualidade de ensino/formação na área para a cooperação Internacional e Mobi-
volvem educação/formação, investigação, in- alimentar, workshops, bases de dados na Web, lidade de estudantes, docentes e funcio-
dústria e governos. No caso particular da área recursos de ensino, tais como livros, cursos em nários;
alimentar, foi iniciada há 11 anos a rede ISEKI_ e-learning e uma rede Web para formação con- 2) Criação de um Sistema Europeu de Ga-
_Food (Integrating Safety and Environment tínua, e uma comunidade virtual de entidades rantia de Qualidade para programas de
Knowledge In Food towards European Sus- e indivíduos ligados à área alimentar. Estudos na Área Alimentar (EQAS_Food
tainable Development – Integração de Co- Com o projecto ISEKI_Mundus, a rede - European Quality Assurance System for
nhecimentos de Segurança e Ambiente na ISEKI_Food expandiu-se a novos membros Food Study Programmes);
Área Alimentar para o Desenvolvimento Sus- de países de todo o mundo, incluindo todos 3) Facilitação/Promoção/Fomento de For-
tentável na Europa) (www.iseki-food.eu). Esta os continentes. Os principais objectivos do mação ao Longo da Vida ao nível do En-
rede tem vindo a expandir-se, o que demons- projecto ISEKI_Mundus são fomentar a in- sino Superior (APEL – Accreditation of
tra que os aspectos internacionais das ciências ternacionalização e melhoria da qualidade Prior Experimental Learning);
e engenharia na área alimentar, assim como do ensino e investigação nas áreas de ciência 4) Inovação em materiais de ensino para Es-
temas relacionados, são cada vez mais impor- e engenharia alimentar. tudos na Área Alimentar;
tantes para os governos, indústria e meio aca- Para assegurar a sustentabilidade das activida- 5) Desenvolvimento de uma Plataforma de
démico. A rede ISEKI_Food foi desenvolvida des da Rede foi criada, em 2005, a Associa- Cooperação Internacional e Mobilidade
como uma rede de Universidades, Institui- ção ISEKI_Food (www.iseki-food.net), como na área alimentar (PICAM_Food - Plat
ções de Investigação, Associações Profissio- sendo uma rede líder para todas as entidades form for the International Cooperation
nais, parceiros Industriais e Associações de e partes interessadas na cadeia de distribuição and Mobility in the field of Food); e
Estudantes, com o objectivo de colaborarem alimentar, relativamente a temas de educa- 6) Exploração de resultados de investigação,
num conjunto vasto de projectos com inte- ção/formação, legislação e comunicação. em particular com transferência de infor-
resse comum. Variados projectos e seis redes O principal objectivo actual da rede ISEKI_ mação para pequenas e médias empresas
académicas europeias globais conseguiram fi- Food (www.iseki-food.eu - projectos ISEKI_ (PME).
nanciamento da CE desde 1998 até 2011. Food 3 financiado pelo programa LLP, e a Hoje em dia, a rede ISEKI_Food é uma das
Foram financiados três projectos de rede já sua extensão ISEKI_Mundus 2 financiado redes europeias com maior sucesso, que tem
concluídos: a rede inicial FOODNET (1998-2001), pela acção 4 do programa Erasmus Mundus vindo a obter um grande impacto através da
que foi seguida pelas duas redes ISEKI_Food - de 2008 a 2011) é continuar a contribuir sua internacionalização e comunicação com
1 e 2 (2001-2008). Enquanto estas redes ti- para a Área Europeia de Ensino Superior o resto do mundo. A rede ISEKI_Food irá
nham inicialmente como parceiros apenas ins- (EHEA - European Higher Education Area) realizar o seu 2.º congresso internacional em
tituições europeias, uma nova iniciativa foi no campo dos Estudos em Alimentos, atra- 2011, em Milão, Itália.
iniciada em 2007 (projecto rede ISEKI_Mun- vés da sua internacionalização e melhoria de
dus do programa Erasmus Mundus) para in- qualidade. O plano de trabalho visa desen- Agradecimentos
corporar também parceiros do mundo, no volvimentos inovadores, a melhoria da qua- O trabalho da rede ISEKI_Food é actualmente
sentido de se discutirem assuntos relacionado lidade de ensino e formação na área de Es- financiado pelos projectos LLP Academic Net
com o ensino e formação na área alimentar. tudos em Alimentos, e o aumento da atrac- work: 142822-LLP-1-2008-PT-ERASMUS-
Os projectos ISEKI_Food 1 e 2 receberam fi- tividade internacional da educação na Eu- -ENW, e Erasmus Mundus TN: 145585-PT-
nanciamento da CE através dos Programas So- ropa ao nível do ensino superior. -2008-ERA MUNDUS – EM4EATN.
TEMA DE CAPA
Referenciais de Certificação
para a Segurança Alimentar
JOANA DOS GUIMARÃES SÁ | Directora da Unidade de Negócios da APCER
ANDREIA MAGALHÃES | Gestora de Negócio Internacional
H
á muito que a segurança alimentar é logia HACCP, foram desenvolvidos e publi-
uma questão importante para a socie- cados referenciais normativos, seja por vá-
dade, verificando-se uma crescente preo rios países, seja por determinados sectores
cupação dos consumidores que são cada vez da cadeia alimentar. Para além da metodo-
mais exigentes com os produtos e serviços logia HACCP, estes referenciais incluem fer-
que lhes são fornecidos. ramentas de gestão que apoiam e comple-
Para ir de encontro a estas preocupações, mentam a mesma, aumentando a confiança
tem sido publicado um conjunto de legisla- da organização no seu sistema de segurança
ção europeia relativa à segurança alimentar, alimentar. A título de exemplo:
destacando-se o Regulamento 178/2002, ISO 22000 publicada pela ISO – Interna-
que determina os princípios e normas gerais tional Organization for Standardization;
da legislação alimentar e os Regulamentos Referencial Global para a Segurança Ali-
852/2004 e 853/2004, relativos à higiene mentar pelo BRC – British Retail Consor-
dos géneros alimentícios e à higiene dos gé- tium;
neros alimentícios de origem animal, respec- Referencial para auditorias de produtos
tivamente. A publicação destes Regulamen- alimentares de marca de retalhistas e gros-
tos é complementada em direito português sistas pela IFS, International Featured
pelo Decreto-Lei 113/2006, que revoga o Standards, composta por um grupo de as-
Decreto-lei 67/98, pondo, assim, termo às sociações de distribuidores Alemães HDE;
dúvidas instaladas sobre as diferenças entre Franceses – FCD; e Italianos COOP e também o cumprimento dos requisitos do
o auto-controlo e o HACCP (Hazard Analy- CONAD; cliente em matéria de segurança alimentar
sis and Critical Control Points – Análise de GlobalGAP por associações de produto- e a promoção da melhoria contínua.
Perigos e Pontos Críticos de Controlo). res primários; Uma organização pode confirmar o cumpri-
Neste enquadramento legal, o HACCP cons- APCER 3002 – Qualidade e Segurança mento destes requisitos através da certifica-
titui-se como a metodologia de gestão da se- Alimentar na Restauração; ção do seu sistema de gestão/produto/pro-
gurança alimentar aplicável a todos os sec- APCER 5001 – Água para Consumo Hu- cesso/serviço da segurança alimentar por um
tores da cadeia alimentar, podendo o mesmo mano. Variante: sistemas de abastecimento organismo certificador competente.
ser ajustado a condições particulares. público em alta.
Estes referenciais permitem à organização Como se enquadra a APCER 3002 – Qualidade e
Quais os documentos de referência existentes definir, implementar e manter um sistema Segurança Alimentar na Restauração, neste grupo
para implementação da metodologia HACCP? de gestão da segurança alimentar para os de referenciais?
Desde o seu aparecimento, na década de 60, produtos e serviços que fornece. Permitem A APCER 3002 (Especificação de Requisi-
foram publicados vários referenciais que des- também a certificação, isto é, que uma ter- tos de Serviço) é um referencial desenvol-
crevem a implementação de sistemas que ceira parte independente, qualificada e acre- vido pela APCER para o sector da restaura-
visam a segurança alimentar, baseados na ditada, avalie o sistema de gestão e as práti- ção, com o objectivo de criar uma ferramenta
metodologia HACCP. cas da organização, emitindo um certificado específica para o sector. Através de uma
Os princípios da metodologia HACCP foram que confirme que a mesma cumpre o refe- abordagem adequada da metodologia do Sis-
descritos pela primeira vez no Anexo do Codex rencial em questão. tema HACCP responde às necessidades em
Alimentarius (CAC/RCP 1-1969 Rev. 4 2003) matéria de Segurança Alimentar e Qualidade
relativo à higiene dos géneros alimentícios. A implementação destes referenciais demonstra no Serviço neste sector, que tem particula-
Este documento identifica os pré-requisitos a conformidade com os requisitos legais? ridades muito distintas dos sectores agro-in-
necessários à implementação de um sistema Todos os referenciais requerem a conformi- dustriais.
HACCP, desde a higiene pessoal ao controlo dade com a metodologia HACCP e o cum- A certificação deste referencial foi pensada
das operações. primento integral da legislação em vigor. como ferramenta objectiva de diferenciação
Posteriormente, suportando-se na metodo- A implementação destas normas implica num mercado muito competitivo.
TEMA DE CAPA
Consumo Humano; Variante: sistemas de Quais as semelhanças e diferenças entre o Refe-
abastecimento público em alta. rencial para a Segurança Alimentar do BRC e o Re-
A ISO 22000 é aplicável a todos os sectores ferencial para auditorias de produtos alimentares
da cadeia alimentar, destinando-se a todas de marca de retalhistas e grossistas do IFS?
as organizações que influenciem a segurança Em termos de conteúdo não existem gran-
alimentar “from farm to fork”, incluindo, des diferenças, havendo uma sobreposição
para além dos anteriormente referidos, a de mais de 95% dos requisitos.
produção de embalagens, equipamentos para Historicamente, estes referenciais foram de-
o sector agro-alimentar, prestação de servi- senvolvidos por grupos distintos de distribui-
ços, entre outros. dores para a certificação dos seus fornecedo-
Os referenciais específicos para cada sector/ res de produtos alimentares marca-própria,
grupo de actividade têm no seu conteúdo isto é, de produtos alimentares vendidos com
requisitos específicos orientados para o sec- a marca do distribuidor.
tor em causa. As diferenças encontram-se no reconheci-
mento por parte dos clientes da indústria. Os
Quais as principais diferenças entre a ISO 22000:2005 distribuidores ingleses, normalmente, exigem
como sistema de gestão e outros referenciais, tais que os seus fornecedores sejam certificados
como BRC e IFS? pelo referencial desenvolvido pelo BRC, e os
E a APCER 5001 – Água para Consumo Humano. A grande diferença está no enquadramento distribuidores alemães, franceses e italianos
Variante: Sistemas de abastecimento público em dos referenciais. A ISO 22000 é uma norma pelo referencial desenvolvido pelo IFS.
alta? de requisitos para a implementação de um No processo de certificação existe uma dife-
Este é um referencial de certificação de pro- sistema de gestão, enquanto o BRC e o IFS rença significativa. Após a realização de uma
duto (Especificação de Requisitos de Pro- são normas de requisitos para a implemen- auditoria, caso sejam identificadas não con-
duto) também desenvolvido pela APCER. tação de sistemas de garantia de conformi- formidades, em ambos os casos, a organiza-
Neste caso, estamos perante um conjunto de dade de produto/processo. ção deverá desenvolver um plano de acções
requisitos microbiológicos, químicos e orga-
nolépticos específicos, que a água para con-
sumo humano tem de cumprir. O processo
de certificação é mais complexo, pois, para
além de uma auditoria ao processo de trata-
mento da água, são também efectuados, pelo
organismo de certificação, ensaios analíticos
ao produto, para verificar a conformidade
com os requisitos da especificação.
Para garantir a realização de produtos segu-
ros, a APCER 5001 requer que a entidade
gestora implemente, mantenha, actualize e
certifique um sistema de gestão da segurança
alimentar de acordo com os requisitos da
ISO 22000.
A
preocupação efectiva das autoridades
europeias, e também portuguesas, com
a segurança alimentar, surgiu no decurso
da tumultuosa década de 90, em que as crises
nesta área atingiram níveis até então
desconhecidos. Como resposta, foram
reforçadas leis, reorganizadas as estruturas
nacionais e comunitárias e criadas entidades
independentes de análise e gestão de risco
alimentar. Em Portugal nasceu a ASAE com
a missão de garantir ao cidadão que os
alimentos que adquire cumprem as normas
de segurança alimentar. Esta história foi
contada, à “Ingenium”, pelo Subinspector-
-geral e Director Científico da ASAE,
Eng. Manuel Barreto Dias, que identificou
a livre circulação de produtos decorrente
da globalização como o maior desafio actual
ao nível da segurança alimentar.
A ASAE foi formada em 2005. O que conduziu à vel pela segurança dos alimentos é quem os que já existia noutros Estados-membros.
sua constituição? lança no mercado. São também estabeleci- Houve uma Comissão Instaladora para criar
A formação da ASAE deriva de um contexto das condições de rastreabilidade, e a cadeia uma Autoridade Nacional, a que se seguiu
nacional e de um contexto europeu. Vamos alimentar passa a ser encarada no seu todo, uma segunda e uma terceira. Em 2005 foi
situar-nos na última década do século pas- do “prado ao prato”, considerando-se os ali- criada a APSA (Agência Portuguesa de Se-
sado, altura das grandes crises e ameaças ali- mentos, respectivos ingredientes e alimen- gurança Alimentar), e no final do ano saiu a
mentares na Europa, como a BSE ou as dio- tos para animais, bem como a origem de primeira lei orgânica da ASAE, que iniciou
xinas. Verificando que a segurança do con- todos eles. Nesta altura foi também reestru- actividade em 2006.
sumidor estava a ser posta em causa e veri- turado o “Sistema de Alerta Rápido” (Rapid
ficando também a grande desconfiança que Alert System for Food and Feed – RASFF), Qual é objectivamente a missão da ASAE?
começava a existir no consumidor e a con- que fornece informações sobre problemas Ao nível alimentar, garantir a segurança do
testação daí decorrente – que conduziu, in- relativos aos alimentos e tudo o que envolve consumidor no que respeita ao consumo dos
clusivamente, à conhecida história da queda a cadeia alimentar a nível europeu. A partir bens. Esse propósito é alcançado mediante
de Jacques Santer, na altura Presidente da daí começa a haver, nitidamente, uma preo responsabilidades em termos do controlo,
Comissão Europeia –, a Europa decidiu avan- cupação muito mais forte da União Euro- fiscalização e comunicação do risco alimen-
çar para uma reformulação de toda a activi- peia (UE) em relação à segurança dos con- tar. Para a avaliação de riscos, temos quadros
dade comunitária referente à legislação ali- sumidores. técnicos e um staff composto por pessoas
mentar, criando o regulamento 178/2002, com várias formações. Digamos que a área
que é, juntamente com outras leis, a bíblia E Portugal teve que se adaptar internamente a mais científica é a face oculta da ASAE, uma
da legislação alimentar moderna, promo- esses desígnios europeus. vez que somos mais conhecidos pela fiscali-
vendo o máximo de segurança para o con- Na década de 90 Portugal também sentiu zação. Temos um Conselho Científico com
sumidor. grandes convulsões mediáticas relativas à se- dez comissões técnicas, que envolve mais de
Este regulamento promove a criação da EFSA gurança nos géneros alimentícios: as vacas 70 cientistas de universidades, institutos e
(Autoridade Europeia para a Segurança dos loucas, as dioxinas. Os consumidores e a ad- laboratórios de Portugal. Nas matérias que
Alimentos), um organismo independente ministração pública preocuparam-se, o que têm a ver com perigo para o consumidor, a
para avaliação e comunicação dos riscos ali- levou à criação de um sistema de reformu- ASAE tem a “nata” dos peritos portugueses.
mentares. Além disso, diz, pela primeira vez, lação das estruturas públicas ligadas à segu- Existe ainda uma partilha e colaboração entre
preto no branco, que o principal responsá- rança dos alimentos, pensando-se numa coisa a ASAE e a EFSA.
ENTREVISTA
Mas voltando aos operadores portugueses. Refe- dúvidas que o presunto de Parma é um pro-
“Atenção, porque o principal
riu as grandes empresas, mas a realidade portu- duto tradicional, está certificado, é uma DOP
responsável pela segurança dos guesa é de PME e de micro empresas. Como é (Denominação de Origem Protegida). Já vi-
alimentos é o operador, é quem que se desenvolve esse auto-controlo? sitei um centro-escola do presunto de Parma,
os coloca no mercado. Ele está, Na cultura actual assistimos à massificação da e posso dizer que a fábrica é ultra moderna,
por lei, responsabilizado” distribuição de alimentos. A maior parte dos tudo em aço inox, com as maiores técnicas
consumidores portugueses abastece-se nas de higiene. O presunto de Parma vem desde
grandes superfícies, portanto o maior consumo o tempo dos Romanos, mas a única coisa ar-
Como é que a ASAE acompanha a totalidade da de alimentos está relacionado com isso… tesanal que vi foi a utilização de uma tíbia de
cadeia alimentar? cavalo, que é um osso, poroso, que espetam
Faz acções de formação do seu pessoal rela- Em termos de distribuição, mas o consumo em no presunto e cheiram, para verem a afina-
tivamente a todas as fases do ciclo produtivo. restaurantes é diferente… ção do presunto. Vi aqui em Portugal uma
Para além dos inspectores, tem um corpo es- A restauração é exactamente a área onde a reportagem de televisão sobre os pastéis de
pecial, do gabinete técnico-pericial, dedicado ASAE tem desenvolvido grandes esforços, Tentúgal, em que as mulheres estavam de-
à indústria. e que eram necessários, em colaboração com bruçadas sobre um estrado no chão, com uma
Há colegas que trabalham com especial ên- a AHRESP (Associação da Hotelaria, Res- pena de pato, a espalhar a gordura na massa
fase na transformação industrial: vão a uma tauração e Similares de Portugal). Há uma dos pastéis. Pergunto: o que é que tem de
indústria, verificam a origem das matérias- vontade nítida de melhoria das situações – tradicional – com excepção da pena, que
-primas, vêem as folhas de fabrico, como é isto para dizer que não se pode fazer a pe- pode ser usada desde que seja higienizada –,
que os alimentos estão a ser processados e dagogia “operador a operador”, tem que ser a questão da gordura ter que ser espalhada
controlam o produto final. Mas uma coisa é feita com conjuntos de operadores, através por alguém dobrado no chão e não o poder
o produto saído da fábrica, outra é chegar à das associações, e há poucas agências que ser numa plataforma sobre uma mesa? Só
mão dos consumidores, e onde é mais co- desenvolvam tantas acções pedagógicas como porque há 500 anos atrás era feito no chão?
nhecida a acção da ASAE é na actuação ao a ASAE. O controlo faz-se pela probabili- Não consigo perceber. No tempo da polé-
nível das grandes superfícies, nos pontos de dade de ocorrência. Isso significa que, quando mica sobre os produtos tradicionais, em que
venda. E atenção, porque o principal respon- há uma incidência de controlo na restaura- tivemos de ir à Assembleia da República res-
sável pela segurança dos alimentos é o ope- ção, incluindo o catering, ou na distribuição, ponder à comissão de inquérito, contactei
rador, é quem os coloca no mercado. Ele está, nós cobrimos uma percentagem tremenda com a gerência dos pastéis de Belém. Os pas-
por lei, responsabilizado. do consumo alimentar do país. téis de Belém começaram a ser fabricados há
178 anos e, desde o leite, que vinha de uma
E o operador português é responsável? Relativamente aos produtos tradicionais, a legis- vacaria na Ajuda, até aos ovos e aos fornos
É como todos os outros. Como é típico em lação é recente e considerada pelos produtores de lenha, tudo é diferente, tudo. A única
Portugal, ainda temos falta de preparação excessivamente exigente. A ASAE não produz le- coisa que é igual é a qualidade do produto.
básica, mas os produtores que produzem em gislação, mas, no terreno, qual é a realidade da Obviamente que a passagem dos fornos de
grande quantidade são responsáveis. sua aplicação? lenha para os fornos de electricidade consti-
Há uma cadeia alimentar em que os opera- Há realmente leis que são complexas. Mas tuiu um problema e exigiu adaptações. O
dores são responsáveis; aliás, as grandes ca- se o alimento não for seguro, se o consumi- mesmo sucedeu com o presunto de Parma.
deias de distribuição são altamente exigen- dor ficar prejudicado na sua segurança com Foi necessário ensaiar, perdeu-se tempo e di-
tes com os fornecedores, exigindo muitas o consumo do alimento, então não pode ser. nheiro a fazer experiências.
vezes mais do que o que está na lei, para se Há que ter em atenção que em Portugal há
precaverem. A própria ASAE responde a au- ainda muito o vox populi, a ideia do desgra- Dos três anos e meio de actuação, há agora mais
ditorias da Comissão. Portanto, o sistema de çadinho, “o que não mata engorda”, “a por- disciplina nos agentes económicos?
controlo é integrado: há o auto-controlo dos caria dá sabor”, e isso não pode ser. Hoje, o consumidor está muito mais prote-
produtores, dos transformadores, dos distri- gido, mais defendido do que estava há anos
buidores, onde há os HACCP (Hazard Analy- Consome produtos tradicionais? atrás, e os próprios consumidores também
sis Critical Control Points), depois há o con- Sim e com muita honra. têm essa sensação.
trolo da conformidade, em que verificamos
a informação dos rótulos dos alimentos, as E compra-os ao produtor? É essa a imagem que o consumidor tem da
condições higiénicas, mas também verifica- Compro onde calha. Agora, espero é que as ASAE?
mos o sistema de controlo do operador. É o associações de produtores, as câmaras muni- Acho que sim.
controlo do auto-controlo e o controlo da cipais, todas as entidades que estão envolvi-
conformidade. Depois, nós também somos das no sistema, assim como a sociedade civil, Não é de punição?
auditados. A Comissão Europeia tem, todos pugnem pela melhoria da qualidade e que Não, o operador poderá ter algum sentido
os anos, uma série de auditorias programa- não venham defender práticas que às vezes da punição, mas o consumidor não. Quanto
das aos Estados-membros. são profundamente erradas. Ninguém terá às denúncias, continuam a um ritmo muito
ENTREVISTA
Eng. MANUEL BARRETO DIAS
Subinspector-geral e Director Científico da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE)
elevado. Mas isso pode querer dizer que o Só que depois nós demorámos mais. A Suécia, às 7 da manhã estivemos a falar com os ope-
consumidor está mais atento. Não tenho dú- por exemplo, já tem um organismo responsável radores. Descansámos um pouco e continuá
vidas em afirmá-lo porque trabalho neste há quantos anos? mos a partir das 10h30, e até ao fim do dia
sistema há 30 anos: o consumidor está muito A Dinamarca é que me surpreendeu mais. o problema tinha também sido esclarecido
mais protegido, porque, além da distribui- A Dinamarca tem agora uma coisa que é pela EFSA. Tinha havido uma avaliação em
ção espacial, pois a ASAE cobre todo o país, abreviadamente conhecida, se não estou em que os compostos que contaminavam o óleo
e para além da sua actuação, há a acção pe- erro, de “Flying Squad”, que é copiada dos não eram perigosos para a saúde. Mas uma
dagógica junto dos próprios operadores, das serviços secretos do Reino Unido. O que é coisa é não serem perigosos e outra coisa é
associações dos sectores. Passou para a opi- que acontece? Quando a globalização au- não poderem estar lá; tem que se bloquear,
nião pública a ideia que nós, as associações menta, começam a aparecer oportunidades porque um consumidor que vai comprar óleo,
e os operadores andamos à pancada; isso é de negócio, e quando há oportunidade de não é suposto comprá-lo com um composto
mentira. Temos as melhores relações de tra- negociar, de fraude e de meter dinheiro, não que não é do produto. Isto para dizer como
balho com diversas associações profissionais. há escrúpulos, também se negoceia com a é que as coisas funcionam actualmente. E
Há diálogo técnico. segurança dos consumidores. Isto para dizer por isso é que digo que estamos muito mais
que eu conheci a Dinamarca há muitos anos protegidos. Dei este exemplo do girassol, mas
atrás, em que não existiam processos que posso dar muitos outros, como o caso da Ir-
“Quando a globalização fossem para tribunal; agora não, agora há cri- landa, há cerca de 10 anos. Uma fábrica de
aumenta, começam a aparecer mes relativos à segurança dos alimentos. Já produtos farmacêuticos produzia uma hor-
oportunidades de negócio, falei no caso das dioxinas; as dioxinas tive- mona, a MPA, para pílulas destinadas a se-
e quando há oportunidade de ram por base um erro monumental sob o nhoras. As pílulas são todas feitas da mesma
negociar, de fraude e de meter ponto de vista ambiental. Na Bélgica há pon- maneira, têm um revestimento de glucose,
dinheiro, não há escrúpulos, tos ecológicos para recolher óleos usados, adocicado. A empresa farmacêutica, de nível
também se negoceia com a são reciclados e, normalmente, quando se mundial, tinha que se ver livre dos xaropes
segurança dos consumidores” reciclam produtos que têm valor alimentar, residuais pagando a uma empresa para os
eles vão parar aos animais, e nessas zonas de desnaturar, para poderem depois ser incluí-
reciclagem foram depositados óleos indus- dos no sistema de tratamento de resíduos.
Um grupo de peritos portugueses surpreendeu-se triais altamente contaminados. Quando deram Essa empresa viu ali uma oportunidade de
com o facto de, até 2005, não ter existido uma pela situação, já estava espalhado. Um ali- negócio. Como eram xaropes residuais de
tragédia em termos de segurança alimentar, uma mento ou uma matéria-prima que é produ- glucose, e a glucose tem energia, podiam ser
vez que não havia nenhuma entidade verdadeira- zida na Índia, e isso já aconteceu, pode so- utilizados, mais uma vez, nos alimentos para
mente responsável. frer uma transformação na Suiça, ser enviada animais. Fizeram aquilo mal feito, ou empre-
Isso também é capaz de ser um pouco exa- para uma série de Estados-membros e, se garam directamente nos alimentos para ani-
gerado. Claro que a globalização, a massifi- vem contaminada, a contaminação aparece mais, e os porcos apanharam a hormona. Até
cação da produção de alimentos, foi uma si- numa série de locais. Posso referir a questão o presunto de Parma apareceu com MPA. O
tuação nova. Vivemos num mundo globali- do óleo de girassol contaminado, em que a problema começou na Irlanda e passou para
zado, tudo vem parar aqui. Todos os dias, a ASAE, em 36 horas, bloqueou tudo, com a a Bélgica e Holanda. Os únicos países em que
primeira e última coisa que faço, em termos colaboração dos operadores económicos. A não houve problemas, mas só por acaso, por-
de trabalho, é tomar atenção às redes da circulação de géneros alimentícios é muito que naquela altura não houve importações,
RASFF, para saber se vieram coisas para Por- grande, sendo necessário procurar a tal ras- foram a Grécia e Portugal. Todos os outros
tugal ou se têm probabilidade de vir, porque treabilidade. Esta situação aconteceu no dia países tiveram de sacrificar milhares de ani-
esse sistema está em cima do acontecimento. 24 de Abril de 2008. Estava a jantar num mais porque a carne estava contaminada e,
Agora, porque é que as pessoas se referem restaurante chinês perto de minha casa, com inclusivamente, essa hormona apareceu tam-
ao período anterior a 2005? Porque quando, a família e telefona-me o Inspector-geral: bém em certos refrigerantes, muito restritos,
no fim da década de 90, surgem os grandes “meu amigo, já para a ASAE (isto às 10 da na Alemanha e na Finlândia. Está a ver como
problemas, e começam a mudar as estrutu- noite), porque temos aí um problema”… na aparecem os problemas: maior dimensão,
ras comunitárias, nós infelizmente somos altura ainda não sabíamos o que era… massificação, globalização, alargamento dos
mais lentos, há maior inércia do que noutros mercados, proveniências do outro lado do
Estados, mas temos coisas boas. Sou do Mas quem é que deu o alerta? mundo, oportunidades de negócio e falta de
tempo em que na Dinamarca, Finlândia e A RASFF e o próprio operador que se nos di- escrúpulos. É esse o problema que existe ac-
Suécia, não havia penalizações, era tudo tra- rigiu. Os produtos afectados com os óleos vão tualmente e a razão pela qual a Europa se
tado com acordo de cavalheiros. desde batatas fritas, margarinas, conservas, adaptou com infra-estruturas, como é a ques-
até aos aperitivos, e por aí fora. Aconteceu tão do RASFF, e nos Estados-membros, como
E em Portugal, na mesma altura, isso não acon- no dia 24 de Abril, uma quinta-feira, e 25 era Portugal, se instituíram organismos que pu-
tecia? feriado, um long weekend. O long weekend dessem dar uma resposta mais eficiente a
Não, já havia penalizações. começou no 24 de Abril, às 10 da noite e até esta questão.
ENTREVISTA
“Agora apresentamos resultados
objectivos, indicando que os
principais perigos que temos
de enfrentar na segurança
alimentar, e para os quais temos
de estar atentos, são de
natureza biológica, porque são
aqueles que têm um carácter
mais agudo, que não perdoam”
S
obre o sector agro-alimentar,
Vergílio Folhadela Moreira defende que
há oportunidades para crescer em vários
mercados. Mas o que está reservado
a Portugal é a produção de pequenas séries,
com algum grau de sofisticação, muito
cuidado na feitura e uma palatização fácil.
Isso é difícil?
Sem criar ilusões, diria que é muito difícil.
Se usarmos como um dos factores determi-
nantes de escolha, o preço, e só o preço, evi-
dentemente que quem funciona numa es- factor de escolha determinante, perante o o factor “escolha” para outras áreas que não
cala muito superior à que as empresas por- consumidor, é o preço, as empresas portu- o preço, é que as empresas nacionais pode-
tuguesas têm ao seu alcance, tem natural- guesas têm dificuldades em afirmar-se e isso rão ter hipóteses de sobreviver. Isso tem a
mente condições para funcionar melhor, por- tem-se notado também no sector alimentar. ver com qualidade, mas acima de tudo com
que consegue ter custos mais baixos. Se o Portanto, só pela diferenciação, e puxando a exploração de nichos. Poderemos compe-
ENTREVISTA
tir se formos capazes de encontrar nichos enchidos, mas que ficam por cá. Exploramo-
onde os nossos produtos possam ter mais Grupo RAR -los mal e muitas vezes são excessivamente
valor. Tomemos como exemplo um dos sec- Holding: SIEL SGPS, S.A. caros. Depois há também a ideia de que o
tores que mais evoluiu nesta área: o vinho. que é feito artesanalmente é melhor que o
Não conheço este sector em detalhe mas, Integra um conjunto de negócios que é feito industrialmente, o que também
pelo que observamos, e enquanto consumi- diversificado, em cinco áreas: alimentar, não é verdade. Tenderia mesmo a dizer o
dor, sabemos que evoluiu de maneira bas- embalagens, imobiliário, serviços e contrário para o que é feito industrialmente,
tante positiva. A qualidade dos vinhos subiu turismo. Com um volume de negócios a mesmo para ser muito barato, em grandes
de forma espantosa, a percepção dos consu- rondar os 900 milhões de euros (contas séries, podendo não ter ingredientes tão bons
midores quanto à qualidade, real ou fictícia, de 2008), emprega aproximadamente como qualquer coisa que é feita com menos
vai evoluindo num sentido positivo, ou seja, 5.400 pessoas em Portugal, Espanha, exigências de preço, mas onde se procura
a disponibilidade para pagar mais existe mais Alemanha, Polónia e Reino Unido. Na área alguma qualidade. O que se deve tentar é
do que existia há alguns anos. Por estas ra- alimentar, destacam-se as empresas RAR procurar identificar espaços onde a quali-
zões vendem-se vinhos mais caros, pelo que, – Refinarias de Açúcar Reunidas, Imperial dade se pode tornar perceptível, onde a qua-
quem está para trás tem melhores condições Produtos Alimentares, Vitacress Salads e lidade será em si um valor, e as pessoas es-
para os produzir e provavelmente ganha mais Wight Salads, entre outras. tejam dispostas a pagar por isso. O azeite é
dinheiro. Claro que há dificuldades e mais um bom exemplo e durante tantos anos nin-
uma vez põe-se o problema da escala, até guém se preocupou com o azeite… Veja-se
porque nos mercados internacionais não se Como se cria ou ganha dimensão? a água, que é hoje muito apreciada por de-
praticam os mesmos preços que no mercado Por fenómenos de concentração, por asso- terminados clientes, dispostos a pagar bem,
nacional. ciação, aquisição ou junção. Tem de haver e nós temos boas águas. Estes são os cami-
sempre uma dimensão mínima crítica, sem nhos que têm de ser explorados.
Muitas vezes são empresas que conseguem com- a qual não se consegue ter acesso a estes pa-
petir em Portugal, posicionar-se com algum con- tamares de qualidade, marketing, etc., que O “alimento” ainda é visto como um produto bá-
forto, mas que depois têm algumas dificuldades são essenciais para continuar no mercado de sico, relativamente barato e de fácil substituição.
em passar para fora… uma forma minimamente saudável. Estamos a assistir a uma mudança de paradigma
Exactamente, porque a imagem de marca relativamente à forma como os consumidores
dos vinhos portugueses, independentemente A internacionalização é o caminho? olham os alimentos?
da sua qualidade, excepto nalguns nichos Muitas vezes é uma absoluta necessidade. Há segmentos onde isso acontece e que
que são conhecidos, ainda não é suficiente- Tem a ver com dimensões de mercado. Mas podem ser explorados. Há na sociedade por-
mente forte. É um exemplo. Portanto, as no caso da indústria alimentar, a componente tuguesa, como em qualquer outra sociedade,
empresas ou seleccionam mercados, ou se- regional pesa muito e isso também pode ser gente que está disposta a isso. Evidentemente
leccionam canais muito específicos, e vão aproveitado como factor de marketing, e é-o. que se tivermos gente incapaz, que lê e per-
escoando e vendendo, ou então sentem gran- Há muita gente que o faz, e bem. Apesar de cebe mal, não é curiosa nem interessada em
des dificuldades. Creio que este exemplo é em Portugal sermos muito pouco sensíveis perceber o que está a passar-se à sua volta,
paradigmático para todos os sectores. a comprar o que é nosso, antes pelo contrá- não vale a pena perder tempo com essas
rio. Até somos capazes de achar que o que questões. Aí, se calhar, os factores determi-
E o que é necessário fazer para ultrapassar essas não é nosso, que não é feito por nós, é me- nantes de escolha são aspectos visuais e ou-
dificuldades? lhor. O que não é necessariamente verdade… tros do género. Perante dois produtos “iguais”,
Primeiro é necessário um conhecimento muito Até diria que não há razão nenhuma para ser em que um custa metade do outro, é muito
profundo do mercado e um bom marketing. verdade. Dou um exemplo, falando como ingénuo pensar-se que não há diferença, por-
Muitas vezes as pessoas julgam que marke- consumidor e como pessoa sensível a estas que há. Isto remete-nos para a questão: “os
ting é publicidade, e não é! A publicidade é questões: a carne barrosã, que é capaz de ser consumidores são pessoas esclarecidas?”. Não
um dos muitos aspectos que o marketing melhor, em termos globais de natureza, que muito, mas são-no mais quando as socieda-
tem. O marketing é uma compreensão muito uma carne importada de um sítio qualquer des têm um nível cultural e educacional mais
clara dos mecanismos que estão por detrás aqui da Europa. No entanto, isso não é muito elevado, quando são mais curiosas, mais aten-
do comportamento dos consumidores: como valorizado, não vejo isso com muito valor… tas, mais sensíveis a determinados aspectos
é que funcionam, como é que se lá chega, Começam agora a haver algumas iniciativas e são capazes de os valorar. A nossa socie-
como se aproveita o que os clientes e os con- de defesa e promoção e isso é uma linha de dade está numa situação “intermédia”, com
sumidores querem. Isto são exigências muito evolução que os produtores podem seguir. segmentos atentos a estas questões.
grandes, é muito complicado e exige uma
certa dimensão. Não é um “pequenino” que Portugal deve apostar em que áreas? Existem inclusivamente segmentos que dão grande
o consegue fazer, porque lhe falta estrutura Nas pequenas séries e na sofisticação/genui- valor a questões de saúde pública…
e a capacidade de análise que estas questões dade, que devíamos desenvolver e conferir Sim, há pessoas muito preocupadas com a
exigem. escala. Temos fenómenos de bons queijos e saúde e às vezes mal. São clientes potenciais
ENTREVISTA
Eng. VERGÍLIO FOLHADELA MOREIRA
Administrador da SIEL SGPS, S.A. | Consultor e ex-Administrador do Grupo RAR
de produtos biológicos e de uma série de dientes cuidadosamente produzidos, com ligados à produção, tende a enfatizar aspec-
outras coisas, pelo menos se soubermos dar- uma ligação muito forte à natureza e muito tos tecnológicos e de qualidade intrínseca,
-lhes as respostas que pretendem. A sensa- pouca artificialidade, e que “ainda por cima” esquecendo que isto não é imediato para
ção de que se pode comer qualquer coisa é muito saudável! A Dieta Atlântica seria quem está na outra ponta da cadeia e se não
que, ou faz bem à saúde, ou faz muito menos uma variante ou uma inspiração da Mediter- for imediato vale de pouco. É necessário fazer
mal que outra do género, é um caminho que rânica, com uns toques locais. Nós aqui, na a marketability do produto, transformar as
pode ser explorado. Há 10 anos não havia costa atlântica, não somos verdadeiramente características que o produto tem em valo-
tanta gente que soubesse de vinhos e pro- mediterrânicos, temos muitas outras coisas res de mercado. Temos de o aprender a fazer
vasse vinhos com o cuidado que o faz hoje, que no Mediterrâneo não existem, ou que sob pena de, caso o não façamos, a única coisa
e quem diz vinhos, diz o azeite e a água, e pelo menos são diferentes. E se falarmos no que vendemos é minutos de máquinas de
muitas outras coisas. turismo estamos a falar da mesma coisa… produção, humanas ou mecânicas. E, nessa
Quando “água é apenas água”, e estamos no São formas diferentes de estar na vida… lógica, quanto mais barato for o minuto, mais
mercado das commodities, há normalmente A nossa comida, de uma forma geral, não é competitivo se é, e acabou! Parece-me que
um factor de diferenciação que é o preço. Para má de todo, tem características interessan- o caminho não é esse. Tentámos durante anos
além do aspecto, o preço é o grande factor. tes, é uma comida de ingredientes em que basear a nossa competitividade nos custos de
Quanto mais saímos das commodities e entra- não temos o hábito de mesclar os sabores produção, designadamente na mão-de-obra,
mos nas zonas de mais valor acrescentado, com molhos e sabores estranhos. Poderá di- inclusivamente desvalorizámos o escudo para
mais sofisticação, maior qualidade perceptí- zer-se que somos menos sofisticados, é ver- aumentar a competitividade. Como sabemos,
vel, que vai além da dimensão de “alimento”, dade, mas isso, em si, se o soubermos apro- não deu resultados! Pelo contrário, acho que
que vai para o campo do “requinte do gosto”, veitar, poderá ser um valor. Já que não temos deu mau resultado, porque em lugar de ter-
as pessoas estão mais dispostas a pagar. Claro tradição de sofisticar e requintar e mudar o mos evoluído há muitos anos, estamos agora
que são menos pessoas, mas existem. sabor das coisas, somos mais naturais e di- forçados a fazê-lo e de forma cada vez mais
As opções são estas: quando se quer estar rectos, procuremos as coisas boas e apresen- difícil, porque continuamos com os mesmos
nas zonas mais massificadas, diria que as temo-las como tal, demos essa valia. paradigmas de produção, com as mesmas
empresas portuguesas estão pouco prepara- vantagens, e o tempo passou.
das, com excepção de determinadas áreas, E esse é um dos objectivos do Pólo de Competi-
como por exemplo o leite. Também aqui, tividade e Tecnologia Agro-alimentar, recente- Nesta área, como estamos em termos de forma-
Portugal não se deverá especializar em pro- mente aprovado pelo Governo… ção de quadros superiores?
dutos de grande série porque não tem con- Naturalmente. O Pólo de Competitividade, Sou engenheiro químico de formação e es-
dições para o fazer, deverá antes ser selec- para mim, para além de potenciar o reforço tive sempre muito ligado à origem da “en-
tivo e aproveitar oportunidades. da competitividade das empresas do sector, genharia alimentar”. Temos bons profissio-
e ser um grande suporte às universidades em nais mas não chega, porque muitas vezes
É possível ter em Portugal, com a Dieta Atlântica, termos tecnológicos e investigação, pode ala- formamos profissionais, e bons, para indús-
o mesmo sucesso que Espanha teve com a Dieta vancar a exploração de oportunidades para trias que não temos e, por outro lado, for-
Mediterrânica? que os atributos com valor sejam perceptí- mamos profissionais com muito pouca sen-
Essa ideia veio de uma extrapolação da Dieta veis e valorados pelo mercado. Numa con- sibilidade comercial, que não têm afectivi-
Mediterrânica que há uns anos atrás, quando cepção global de um cluster alimentar, po- dade nenhuma para questões de marketing.
foi lançada, era uma esquisitice, uma coisa demos até chegar à restauração… E deve- Somos pouco vocacionados para o marke-
de professores. Hoje parece ser um valor e mos, não é ficar apenas pela produção… ting, não para o negócio, porque isso sabe-
começa a ser explorada também em termos Prezo muito, e até como prática de vida, que mos fazer. Não exploramos é o marketing
comerciais e há gente que começa a produ- se valore muito, como maneira de compe- de forma sistemática, organizada, inteligente
zir numa lógica de contribuir para disponi- tir, a atitude perante o mercado. Há pessoas e adequada ao que temos. O problema co-
bilizar produtos que encaixam num conceito que têm outra visão, que é valorar, ou atri- meça nas universidades. Começando do fim
de Dieta Mediterrânica. buírem valor, ao produto em si e a certas ca- para o princípio, o que é que uma pessoa
Costuma dizer-se que “um copo de vinho racterísticas que ele possa ter e isso para mim tem de ter? Tem de conseguir percepcionar
tinto faz bem ao coração”, ou seja, para além não chega. Só o produto em si não chega, oportunidades de mercado, tem de ver como
de “não fazer mal”, ainda “faz bem”. Isto é porque ter muito boas características não chegar lá e traçar um caminho, depois tem
uma mais-valia para esse produto, são ma- significa que o produto vá ter sucesso em de ver os que estão de permeio e o que que-
neiras de apresentar as coisas, que aumen- termos de aceitação pelos mercados. rem – que geralmente é ganhar dinheiro – e
tam valor. Temos de explorar as nossas van- depois tem de ver como deve actuar e como
tagens comparativas e transformá-las em Então o que falta? é que tecnicamente se deve fazer, criando
vantagens competitivas. A Dieta Mediterrâ- O mesmo de sempre: falta fazer! Arrisco valor ao longo de toda a cadeia. É esta forma
nica é, basicamente, elaborar um conceito dizer que a sensibilidade ao mercado não será “engenheiral” que toda a gente, pelo menos
sobre uma cozinha ancestral, feita com sa- um dos valores que está mais enfatizado neste quem tem capacidade de orientação, tem
bedoria que vem de há séculos, com ingre- processo. Quem estuda bem estes assuntos, de perceber e pôr em prática.
ALEXANDRE SOARES DOS SANTOS
Presidente do Conselho de Administração do Grupo Jerónimo Martins ENTREVISTA
C
hairman da Jerónimo Martins,
Alexandre Soares dos Santos olha o futuro
do Grupo com sossego, mas a crise que
o país atravessa preocupa-o. E deixa um alerta
“um país é o que os seus cidadãos querem
e não o que os Governos querem.”
a dar lucro! Quando partimos para um em- E compete apenas ao poder político trabalhar
preendimento temos de estar convencidos de
que ele tem condições para vencer e temos
Jerónimo Martins nesse sentido?
Um país é o que os seus cidadãos querem e
que ter condições financeiras e estrutura em- não o que os Governos querem. Os Gover-
Grupo com projecção internacional que
presarial para preparar esses embates, e de- nos não têm políticas de médio e longo pra-
actua no ramo alimentar, nos sectores da
pois o resultado aparece… Na Polónia, andá- Distribuição e Indústria. Na Distribuição zos; para o político só funciona a eleição. O
mos 10 anos a “educar” lavradores, fornece- Alimentar, em Portugal, opera com as empresário não tem esse problema. Esta em-
dores, etc. Ninguém se lembra que estivemos Insígnias Pingo Doce (supermercados), presa nasceu em 1792, está na quarta gera-
10 anos a perder dinheiro. Por outro lado, ao Feira Nova (hipermercados e médias ção na minha família e a nossa ideia é fazê-
vendermos cada vez mais aquilo a que cha- superfícies) e Recheio (cash & carry e -la crescer cada vez mais e avançar.
mamos “marca própria”, nós assumimos uma plataformas de food service). Na Polónia, O cidadão que constitui a empresa é que
a cadeia de supermercados Biedronka é
responsabilidade brutal, que é entregar um deve lutar para que o seu país seja alguma
líder destacada no retalho alimentar.
produto com qualidade e sério. A “marca pró- coisa e para isso ele tem de se fazer ouvir,
pria”, contrariamente àquilo que se diz, não É o maior grupo industrial de bens de tem de ter estruturas onde bata o pé ao Go-
se caracteriza por ter um preço mais barato. grande consumo em Portugal, através da verno. Nós é que pagamos o salário ao Go-
Ela é mais barata porque tem uma margem sua parceria com a Unilever, via Unilever verno, ele está ao nosso serviço. É isto que
mais baixa que a das multinacionais. Ela ca- Jerónimo Martins, e cujas marcas detêm temos de compreender e que nos recusamos
racteriza-se por ser muito boa, muito bem posições de liderança, entre outros, nos a aceitar. Somos nós que temos de decidir
apresentada e ter um exercício rigoroso de mercados de azeite, margarinas, ice-tea, o que é o país. Não precisamos de políticos,
gelados e detergentes para roupa.
marketing, que envolve controlo de quali- mas sim de estadistas com visão, homens
dade, formação de cadernos de encargos muito que desenhem um “plano” para ser “com-
O portefólio do Grupo inclui, ainda, uma
detalhados e um corpo de técnicos que con- área de negócio vocacionada para prado” pelo país. Depois, só há uma forma
trola. Além disso, temos de ter a garantia que Serviços de Marketing, Representações e de resolvermos os nossos problemas: é atra-
o nosso fornecedor tem condições financei- Restauração, onde se inclui a Jerónimo vés do trabalho.
ras e técnicas para se continuar a desenvol- Martins Distribuição de Produtos de
ver, até porque não podemos mudar de for- Consumo que representa em Portugal Todo o seu raciocínio pressupõe escala. Para uma
necedor de tempos a tempos. marcas internacionais, algumas delas empresa ter escala a internacionalização é obri-
ocupando posições de liderança na área
gatoriamente o caminho?
alimentar de grande consumo, na
Em que áreas da produção alimentar podem as Depende daquilo que os accionistas querem.
cosmética selectiva e na cosmética de
empresas portuguesas apostar? grande consumo, a cadeia de retalho Quando se parte para uma internacionaliza-
É muito difícil responder a essa questão, muito especializado Hussel (comercialização de ção, como nós partimos na década de 90,
difícil. Os vinhos são um campo muito im- chocolates e confeitaria), a Caterplus que temos de estar absolutamente convencidos
portante, não através da proliferação, mas sim comercializa e distribui produtos do que vamos fazer. Quando se convencem
da concentração de marcas, ou seja, menos alimentares específicos para o Food os accionistas, a internacionalização não é só
marcas mas com capacidade para serem mar- Service, e a Jerónimo Martins Restauração uma necessidade. Torna-se imperiosa! Mas
e Serviços, que se dedica ao
cas internacionais. Um dos problemas quando aí torna-se tudo mais fácil, porque mantém-
desenvolvimento de projectos no sector
falamos com um produtor é que ele tem 70 -se a informação constante junto do accio-
da Restauração e que inclui a cadeia de
ou 80 mil garrafas e isso não dá para nada! Lá quiosques de café Jeronymo, o nista, ele vai acompanhando a marcha e aceita
está, mais uma vez é necessário que quatro restaurante Chili’s e as geladarias Ben & perfeitamente os altos e os baixos destas en-
ou cinco produtores se reúnam, e que, com Jerry e Olá. tradas. O melhor exemplo que tenho é o
um budget publicitário fortíssimo, invistam Brasil, que falhámos, por ter sido subesti-
nas marcas e as transformem num sucesso Nos primeiros três meses de 2009, o Grupo mado, e o accionista apoiou-nos!
mundial. O Mateus Rosé faz tipicamente esse registou vendas consolidadas no valor de
1.605,1 milhões de euros, um crescimento
exercício: uma marca, esforço, distribuição, Depois veio a Polónia, o que exigiu um longo “es-
de 6,7% relativamente a igual período do
vencedor. E quem diz o vinho diz várias ou- tudo” de mercado…
ano passado. Em 2008, facturou 6,89 mil
tras áreas… milhões de euros. Sim… O que é havia? Havia as grandes ca-
Ligado a tudo isto temos depois o turismo, deias francesas que tinham nas mãos o mer-
onde Portugal deve claramente apostar, mas cado francês e espanhol e estavam a vir para
não apenas dizer que há hotéis, restaurantes e teatro, e não disponibilizar-lhes apenas uma Portugal. A favor deles tinham uma massa
e sol. Hoje temos no mundo, e particular- esplanada para apanhar sol, como se vê em crítica brutal de milhões de consumidores,
mente na Europa, uma população que está a Olhão, por exemplo… Temos de tornar o país enquanto nós tínhamos consumidores na
envelhecer e que no Inverno tem tendência num jardim. Seja qual for o país da Europa, base dos potenciais 10 milhões. Os bancos
para deixar o Norte da Europa e rumar a ou- incluindo Espanha, fazendo uma viagem de apertaram-nos, empresas estrangeiras quise-
tros sítios de clima mais agradável, mais tem- carro, toda a Europa é um jardim perfeito! ram-nos comprar e a única solução foi en-
perado. Ora, tem de se lhe oferecer música Portugal não é nada disso… trar a sério na Polónia. E vendemos o Brasil
ENTREVISTA
rapidamente quando vimos que não tínha- Como caracteriza o trabalho da Autoridade de Se-
mos força financeira suficiente para estar em gurança Alimentar e Económica (ASAE) relativa-
dois grandes mercados. Optámos pelo mer- mente à inspecção alimentar?
cado mais pequeno e correu bem. Hoje, a Verdadeiramente fantástico. A ASAE foi muito
maioria das nossas vendas e dos nossos lu- criticada pelos métodos que utilizou, mas em
cros vem da Polónia e, nesse campo, olho o Portugal as pessoas estavam habituadas a não
futuro com sossego. Não estou mais preo- cumprir. A ASAE entrou a sério, a mostrar
cupado porque tenho massa crítica para abrir que a lei tem de ser cumprida. Inclusivamente
novos mercados, para fazer novos investi- ajudou-nos imenso no controlo das nossas co-
mentos. O que veio perturbar este “jogo” zinhas, restaurantes e lojas. Tenho o maior
foi a actual crise que estamos a viver… respeito pelo trabalho deles. Fizeram exage-
ros? Fizeram, mas estão a cumprir a missão
E a Ucrânia, Rússia e Roménia… continuam em que lhes foi destinada. Não devem abrandar
cima da mesa? e devem ser duros.
Foi tudo para o “frigorífico”… Económica,
política e financeiramente está tudo um caos, Nesta área, como estamos em termos de forma-
um horror. Temos pedido estudos, temos lá ção de quadros superiores?
ido com regularidade e tenho pena que actual De uma forma geral, os profissionais saídos
mente estejamos assim. Mas a Ucrânia vai ser das universidades portuguesas são compe-
a expansão natural do Grupo naquela zona. tentes. Se vierem do interior do país têm
É dentro de dois, três, ou quatro anos? Logo mais vontade de vencer que os de Lisboa e
vemos. Porto, porque sabem que no interior as pos-
sibilidades de emprego são menores.
E a expansão dentro da própria Polónia? a caminho de comprar, mas que estão na loja Necessitam, contudo, mas isso é básico em
Estamos a estudá-la com muito cuidado, a sobretudo para conversar. Pretendemos ter, qualquer parte do mundo, que lhes seja dada
ver outras coisas que não necessariamente a em carácter permanente, um sociólogo que experiência de empresa, formação prática.
distribuição. estude estes fenómenos e que nos ajude a Não temos a mínima queixa do nosso corpo
perceber o que as pessoas pensam e neces- técnico e, hoje em dia, as mentalidades são
O consumidor está a mudar a forma como “olha” sitam enquanto consumidores. outras. Quando entrei para a Unilever, na
os alimentos? Alemanha, em 1957, trabalhei como operá-
Totalmente. Não é o consumidor, é a socie- E que tendências vão marcar a área alimentar no rio do terceiro turno durante seis meses. Per-
dade em si. Antigamente havia a mãe, o ma- médio prazo? cebi perfeitamente os problemas horríveis
rido e os filhos, e a mãezinha, ou empregada, O pronto-a-comer ou take-away. A nossa loja do terceiro turno. Trabalhei também como
ia às compras à mercearia e no fim do mês no Cais do Sodré, em Lisboa – um Pingo vendedor, nove meses, e posso dizer que
pagava. Hoje quem é o consumidor? É a ra- Doce com restaurante –, é um sucesso bru- ainda hoje nenhum vendedor me engana.
pariga da província que está a estudar sozi- tal. As pessoas vão de manhã para o trabalho Portugal não falha pela massa cinzenta que
nha em Lisboa, os homossexuais e as lésbi- e tomam logo o pequeno-almoço; ao fim do tem, falha é pelo topo…
cas, os divorciados, os solteiros, etc. Somos dia vão para casa e, de caminho, levam já tudo
obrigados a ter no sortido do supermercado preparado. Foi uma surpresa a facilidade com Disse recentemente que “ninguém da sua gera-
uma variedade enorme de produtos para sa- que o consumidor aderiu a este conceito. ção passou por uma crise destas” e que “não
tisfazer diferentes necessidades. Há problemas? Há. Mas os problemas que sabia qual seria o dia de amanhã”. Porquê? Olha
surgem só podem ser ultrapassados se tiver- o “futuro” com pessimismo?
Como as refeições preparadas… mos consciência de que não são nossos, mas Disse até que em toda a minha vida, e tenho
Sim, que no Pingo Doce estão a ser um su- sim dos consumidores, e a nossa responsabi- 75 anos, o meu dia seguinte foi melhor que
cesso enorme. Mas tudo isto tem implica- lidade passa por resolvê-los. Estas são lojas o meu dia anterior. Mas hoje não sei. Neste
ções no fabricante, na logística, porque cada em que o sortido é completamente diferente. momento, surpreendentemente, o Grupo
um desses produtos só tem cinco dias de Isto impõe que o marketing saiba estudar as vai melhor em Portugal e a Polónia vai pior
venda. Por esses motivos, a venda que vá ao embalagens e os produtos. Para além disso, do que eu esperava. Vamos crescer em 2009,
encontro das necessidades dos milhentos temos que ter uma produção variada de re- estamos no bom caminho. Mas estou preo-
consumidores está a tornar-se cada vez mais feições. Mas para isso é que cá estamos… se cupadíssimo com os despedimentos que
difícil. Um outro consumidor que está a apa- fosse fácil também não dava gozo. todos os dias vemos e ouvimos falar. Tem de
recer cada vez com mais força é o “casal de Outra tendência que vai ganhar força é a en- haver um esforço para melhor se compre-
velhotes”, que vão à loja, encontram amigos trega ao domicílio. Por outro lado, nota-se enderem e resolverem estes problemas e,
e querem conversar, passar o tempo. Temos que as vendas das lojas de proximidade têm nesse aspecto, o espírito de comunidade é
consumidores que já compraram, ou estão vindo a crescer face aos hipermercados. importantíssimo.
DESTAQUE PAULO M. M. VILA REAL, Engenheiro Civil, Especialista em Estruturas da Ordem dos Engenheiros
e Prof. Catedrático do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Aveiro; Membro da CT115
As Partes Relativas à
Verificação da Resistência ao Fogo
dos Eurocódigos Estruturais
no domínio dos Eurocódigos Estruturais.
Estes Eurocódigos servem de documentos
de referência para os seguintes efeitos:
Como meio de comprovar a conformidade
dos edifícios e de outras obras de enge-
nharia civil com as exigências essenciais
da Directiva 89/106/CEE do Conselho,
particularmente a Exigência Essencial n.º
1 – Resistência mecânica e estabilidade –
– e a Exigência Essencial n.º 2 – Segurança
em caso de incêndio;
Como base para a especificação de con-
tratos de trabalhos de construção e de ser-
viços de engenharia a eles associados;
Como base para a elaboração de especifi-
cações técnicas harmonizadas para os pro-
1. Introdução do Eurocódigo 0, é constituído por diversas dutos de construção.
Criada em 1989 para eliminar as barreiras partes:
técnicas à livre circulação de produtos de EN 1990 Eurocódigo 0: Bases para o pro- No que respeita à segurança em caso de in-
construção no espaço económico europeu, jecto de estruturas cêndio, aquela directiva estabelece que as
a Directiva dos Produtos de Construção EN 1991 Eurocódigo 1: Acções em estru- construções devem ser concebidas e realiza-
89/106/CEE estabelece que, para serem co- turas (10 partes) das de modo a que, no caso de se declarar
locados no mercado, os produtos de cons- EN 1992 Eurocódigo 2: Projecto de estru- um incêndio:
trução devem estar aptos ao uso a que se turas de betão (4 partes) A capacidade resistente das estruturas com
destinam, devendo por isso apresentar ca- EN 1993 Eurocódigo 3: Projecto de estru- função de suporte possa ser considerada du-
racterísticas tais que as obras em que ve- turas de aço (20 partes) rante um período de tempo determinado;
nham a ser utilizados satisfaçam as seguintes EN 1994 Eurocódigo 4: Projecto de estru- A produção e propagação do fogo e do
exigências essenciais: turas mistas aço-betão (3 partes) fumo no interior da construção sejam li-
1. Resistência mecânica e estabilidade; EN 1995 Eurocódigo 5: Projecto de estru- mitadas;
2. Segurança em caso de incêndio; turas de madeira (3 partes) A propagação do fogo às construções vizi-
3. Higiene, saúde e protecção do ambiente; EN 1996 Eurocódigo 6: Projecto de estru- nhas seja limitada;
4. Segurança na utilização; turas de alvenaria (4 partes) Os ocupantes possam abandonar o local
5. Protecção contra o ruído; EN 1997 Eurocódigo 7: Projecto geotéc- ou ser socorridos por outros meios;
6. Economia de energia e isolamento tér- nico (2 partes) A segurança das equipas de socorro seja
mico. EN 1998 Eurocódigo 8: Projecto de estru- tomada em consideração.
turas para resistência aos sismos (6 partes)
Também em 1989, a Comissão da Comuni- EN 1999 Eurocódigo 9: Projecto de es- Fica, assim, evidente que a resistência ao
dade Europeia e os Estados-membros da truturas de alumínio (5 partes) fogo das construções é um aspecto particu-
União Europeia decidiram transferir para o larmente importante a ter em conta nos pro-
CEN – Comité Europeu de Normalização a Em Portugal, as traduções e a preparação jectos de estabilidade, comprovando-o o
responsabilidade da preparação e da publi- dos Anexos Nacionais dos vários Eurocódi- facto de todos os Eurocódigos Estruturais,
cação dos Eurocódigos Estruturais, tendo em gos estão a cargo da Comissão Técnica Por- com excepção do Eurocódigo 7 (projecto
vista conferir-lhes no futuro a categoria de tuguesa de Normalização CT 115 – Eurocó- geotécnico) e o Eurocódigo 8 (projecto de
Norma Europeia (EN). Foram, assim, pre- digos Estruturais, cuja coordenação é asse- estruturas para resistência aos sismos), pos-
parados pela Comissão Técnica CEN/TC gurada pelo Laboratório Nacional de Enge- suírem uma parte, a parte 1.2, dedicada ex-
250 “Structural Eurocodes”, os seguintes nharia Civil (LNEC), na sua qualidade de clusivamente à verificação da resistência ao
Eurocódigos, cada um dos quais, à excepção Organismo de Normalização Sectorial (ONS) fogo. As acções devidas ao fogo estão defi-
PAULO M. M. VILA REAL, Engenheiro Civil, Especialista em Estruturas da Ordem dos Engenheiros DESTAQUE
e Prof. Catedrático do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Aveiro; Membro da CT115
nidas na parte 1.2 do Eurocódigo 1, e as res- Fig. 1 – Métodos de cálculo alternativos, MÉTODO DE CÁLCULO
tantes partes 1.2 dos outros Eurocódigos são, segundo as partes 1.2 dos Eurocódigos
Regras prescritivas
de um modo geral, constituídas pelos seguin- (Acções térmicas através de incêndios nominais)
tes capítulos:
1. Generalidades; Análise
por elementos
Análise de parte
da estrutura
Análise
da estrutura completa
ras elevadas;
4. Métodos de cálculo em situação de incên- Utilização Modelos de cálculo Modelos avançados Modelos de cálculo Modelos avançados Modelos avançados
de tabelas simples de cálculo simples (caso existam) de cálculo de cálculo
dio;
5. Disposições construtivas. Regulamento baseado no desempenho
(Acções térmicas definidas com base física)
sário definir as acções térmicas resultantes
As exigências de resistência ao fogo dos re- da ocorrência do incêndio. Selecção de modelos simples ou avançados
de desenvolvimento de incêndio
gulamentos nacionais baseiam-se preferen- A NP EN 1990, Eurocódigo – “Bases para o
cialmente na curva de incêndio padrão ISO projecto de Estruturas”, define os critérios Análise
por elementos
Análise de parte
da estrutura
Análise
da estrutura completa
834, tendo, por isso, carácter prescritivo. para obtenção das combinações de acções.
Cálculo Cálculo
Não têm em conta os inúmeros aspectos que A NP EN 1991-1-1, Euro- das acções mecânica das acções mecânica
Definição
das acções mecânicas
e condições fronteira e condições fronteira
influenciam a segurança das pessoas e bens, código 1 – “Acções em es-
como, por exemplo, a existência de sistemas truturas – Parte 1.1: Acções Modelos de cálculo Modelos avançados Modelos avançados Modelos avançados
simples (caso existam) de cálculo de cálculo de cálculo
de extinção automática (“sprinklers”), de gerais: pesos volúmicos, pesos
sistemas de detecção e alarme, de vias de próprios, sobrecargas em
acesso seguras ou mesmo de meios de pri- edifícios”, define as acções mecânicas com as 2. Modelos de zona, como os modelos de uma
meira intervenção. quais se avalia o comportamento estrutural. zona para incêndios generalizados ou os de
Deve referir-se, no entanto, que a tendên- As acções térmicas com que se determina a duas zonas para os incêndios localizados;
cia actual em termos de regulamentação de evolução da temperatura nos elementos estru- 3. Modelos de cálculo avançados com re-
segurança contra incêndio é a de abandonar turais estão definidas na parte 1.2 do Eurocó- curso a programas sofisticados baseados
o incêndio padrão e passar a considerar o digo 1 (NP EN 1991-1-2, Eurocódigo 1 – “Ac- na mecânica de fluidos.
desempenho dos elementos estruturais quando ções em estruturas – Parte 1.2: Acções gerais:
sujeitos a cenários de incêndio reais. De Acções em estruturas expostas ao fogo). O Anexo Nacional da NP EN 1991-1-2 es-
facto, a nível internacional, a regulamenta- tipula que, “para o cálculo das condições de
ção de segurança contra incêndio em edifí- 2.1. Acções Térmicas aquecimento, a escolha do modelo avançado
cios tem evoluído no sentido de se libertar O modo de definir a temperatura dos gases de incêndio a adoptar (modelo de uma zona,
progressivamente das exigências de carácter no compartimento de incêndio está preco- modelo de duas zonas ou modelo de dinâ-
prescritivo, passando a basear-se preferen- nizado na parte 1.2 do Eurocódigo 1, através mica de fluidos) é deixada ao critério do pro-
cialmente no desempenho dos elementos de de curvas de aquecimento nominais e mo- jectista em função da importância do pro-
construção, deixando ao projectista a liber- delos de fogo natural. As curvas de incêndio jecto e dos objectivos pretendidos. A utiliza-
dade de escolha das soluções mais adequa- nominais são curvas que podem ser expres- ção de modelos de cálculo avançados é per-
das a cada caso. Esta é a via que permitirá, sas por uma fórmula simples, idêntica qual- mitida, desde que devidamente validados e
simultaneamente, tornar a segurança contra quer que seja a dimensão e a ocupação do justificados, nomeadamente no que se refere
incêndio mais racional, mais eficaz e mais compartimento de incêndio. Em contraste aos parâmetros adoptados, ao método de cál-
económica. Os Eurocódigos seguiram clara- com estas, os modelos de fogo natural ba- culo utilizado e a eventuais comparações com
mente esta tendência, permitindo a utiliza- seiam-se em parâmetros como a densidade outros modelos”.
ção de procedimentos prescritivos ou, em carga de incêndio, a taxa de libertação de Segundo aquele Eurocódigo, as densidades
alternativa, de procedimentos baseados no calor, as condições de ventilação e as proprie- de carga de incêndio devem ser escolhidas
desempenho, como se pode ver na figura 1, dades das paredes envolventes do comparti- em função da ocupação do compartimento
onde se descrevem os procedimentos de cál- mento de incêndio. O Eurocódigo 1 permite de incêndio, podendo o valor de cálculo da-
culo aí preconizados. a utilização dos seguintes modelos de fogo quela densidade depender das medidas ac-
natural de complexidade crescente para de- tivas de segurança contra incêndios adopta-
2. Acções nas estruturas finir a evolução da temperatura: das. Este Eurocódigo define 10 factores que
em situação de incêndio 1. Modelos de cálculo simples, como os mo- estão relacionados com i) os sistemas de ex-
delos de Hasemi e de Heskestad para os tinção automática por água (sprinklers), ii)
No cálculo estrutural ao fogo, para além das incêndios localizados em que não ocorre redes suplementares independentes, iii) de-
habituais acções mecânicas (a sobrecarga de “flashover” e as curvas paramétricas que tecção automática por calor e alarme, iv)
utilização, a acção da neve, a acção do vento, representam incêndios completamente detecção automática por fumo e alarme, v)
a acção dos sismos, entre outras), é neces- desenvolvidos; transmissão automática do alarme para o
DESTAQUE PAULO M. M. VILA REAL, Engenheiro Civil, Especialista em Estruturas da Ordem dos Engenheiros
e Prof. Catedrático do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Aveiro; Membro da CT115
corpo de bombeiros, vi) bombeiros no local, tas de incêndio, a que correspondem i) Estrutura completa (Fig. 2, a) permi-
vii) bombeiros fora do local, viii) vias de os esforços resultantes das restrições tindo ter em conta a interacção entre os
acesso seguras, ix) meios de 1.ª intervenção às dilatações térmicas, englobando tam- vários elementos que a compõem;
e x) sistemas de evacuação de fumos. bém o efeito da temperatura nas pro- ii) Parte da estrutura, como, por exemplo,
Deve dizer-se que esta metodologia adoptada priedades mecânicas do aço. pórticos ou sub-estruturas, em que há
no Eurocódigo 1, para determinação do valor necessidade de determinar as condições
de cálculo da densidade de carga de incêndio O anexo nacional da NP EN 1991-1-2 re- de fronteira que nelas actuam, as quais
é talvez um dos aspectos menos consensuais comenda a utilização do valor frequente se consideram constantes durante a ocor-
entre os vários países aderentes ao programa Ψ1,1•Qk,1 em vez do valor quase-permanente rência do incêndio (Fig. 2, b);
dos Eurocódigos, optando alguns deles, nos Ψ2,i •Qk,1 da acção variável de base. iii) Elementos estruturais isolados (vigas,
seus anexos nacionais, por definir metodolo- Com o objectivo de simplificar os cálculos, pilares ou lajes), desprezando qualquer
gias próprias. É o caso de Portugal que no reduzindo o número de combinações de ac- interacção entre eles (Fig. 2, c).
anexo nacional da NP EN 1991-1-2 reco- ções a considerar, a parte 1.2 do Eurocódigo Segundo aqueles Eurocódigos, o elemento
menda preferencialmente a não consideração 3, permite obter o valor de cálculo dos efei- estrutural mantém a sua função de suporte
dos efeitos benéficos das medidas activas de tos das acções em situação de incêndio Efi,d de cargas durante a ocorrência de um incên-
segurança contra incêndios, sem no entanto como uma percentagem ηfi do valor de cál- dio enquanto se verificar a relação
a rejeitar completamente. Segundo este anexo, culo dos efeitos das acções determinado à Efi,d ≤ Rfi,d,t (3)
o valor de cálculo da densidade de carga de temperatura normal Ed:
incêndio, calculado com base no valor carac- Efi,d = ηfiEd (2) sendo
terístico dado na tabela 1, “pode eventual- Efi,d – o valor de cálculo do efeito das ac-
mente ser modificado para ter em conta as em que ções em situação de incêndio;
medidas activas de combate a incêndio, desde ηfi é o factor de redução para o valor de cál- Rfi,d,t – o valor de cálculo da capacidade re-
que as opções sejam convenientemente funda- culo do nível de carregamento em situação sistente em situação de incêndio no
mentadas, com base em análises de risco (es- de incêndio, definido nos Eurocódigos. instante t.
tudos probabilísticos ou semi-probabilísticos
Tabela 1 – Valores característicos da densidade de carga
de risco de colapso da estrutura), associadas de incêndio qf, k por unidade de área do pavimento Esta verificação pode ser feita em três níveis
a práticas já experimentadas”. de acordo com o tipo de ocupação de sofisticação crescente:
Densidade de carga de incêndio qf,k [MJ/m 2 ] i) Utilização de tabelas obtidas à custa de
2.2. Acções mecânicas Valor Quantilho ensaios experimentais em fornalha e vá-
Ocupação
médio 80%
O fogo é considerado uma acção de acidente, lidas apenas para o incêndio padrão. O
Habitação 780 948
pelo que o valor de cálculo dos efeitos das Quadro 1 ilustra, a título de exemplo, a
Hospital (quarto) 230 280
acções em situação de incêndio, Efi,d, deve Hotel (quarto) 310 377 utilização de valores tabelados para de-
ser obtido usando-se a seguinte combinação Biblioteca 1.500 1.824 finir as dimensões mínimas da secção
de acidente definida na NP EN 1990: Escritório 420 511 transversal, recobrimento mínimo da sec-
ΣGk+(Ψ1,1 ou Ψ2,1)•Qk,1+ Sala de aulas em Escola 285 347 ção de aço e distância ao eixo mínima
+ ΣΨ2,i•Qk,i+ΣAd (1) Centro Comercial 600 730 dos varões da armadura para pilares mis-
Teatro (cinema) 300 365 tos constituídos por perfis de aço total-
onde Transportes (espaço público) 100 122 mente revestidos de betão;
Gk – é o valor característico das acções per- ii) Métodos simplificados de cálculo, fazendo
manentes; 3. Metodologias de cálculo uso de fórmulas analíticas aplicáveis ape-
Qk,1 – é o valor característico da acção variá De acordo com as partes 1.2 dos Eurocódi- nas a elementos estruturais isolados;
vel de base; gos 2 a 6 e do Eurocódigo 9, na verificação iii) Métodos avançados de cálculo, com re-
Ψ1,1 – é o coeficiente de combinação; da resistência ao fogo das estruturas podem curso a programas de cálculo automá-
Ψ2,i – é o coeficiente de combinação; ser usados três níveis de esquematização das tico normalmente baseados no método
Ad – é o valor de cálculo das acções indirec- estruturas: dos elementos finitos.
Viga
Pilar
A B c
Fig. 2 – Níveis possíveis de esquematização da estrutura. a) Análise global; b) Análise de sub-estrutura; c) Análise de elementos isolados
ENG. AGRONÓMICA ENG. GEOGRÁFICA
ENGENHARIA
AGRONÓMICA Miguel de Castro Simões Ferreira Neto Tel.: 21 387 02 61 Fax: 21 387 21 40 E-mail: mneto@isegi.unl.pt
Assembleia-Geral da CEDIA
A Confederação Europeia de En-
genheiros Agrónomos (CEDIA)
realizou, no dia 13 de Junho, a
a Association for European Life Sciences Universities (ICA), que
teve como tema de fundo a análise dos modelos de sucesso na co-
laboração e no estabelecimento de parcerias entre universidades,
sua Assembleia-geral em Leuven, empresas e organizações não governamentais.
Bélgica. Mais informações sobre estas e outras actividades podem ser obtidas
A reunião foi precedida, de 10 a no site da CEDIA em
12 de Junho, pela organização de
www.cedia.eu
uma conferência em conjunto com
http://blogs.ec.europa.eu/fischer-boel http://osha.europa.eu/pt/sector/agriculture
ENGENHARIA
CIVIL Ema Paula Montenegro Ferreira Coelho Tel.: 21 314 02 33 E-mail: ema.coelho@lnec.pt
ENGENHARIA
FLORESTAL António Emídio Moreiras dos Santos Tel.: 21 312 48 61 Fax: 21 312 49 83 E-mail: emidio@dgrf.min-agricultura.pt
debate corresponde, no entender dos organi- zar o interesse público, de forma a garantir a presarial, associações de produtores flores-
zadores, a um anseio sentido pelos engenhei- sua defesa nas tomadas de decisão e garantir tais, organizações não governamentais e com
ros florestais, voltado para as preocupações a competitividade do sector, nas componen- associações de cidadãos exprimindo interes-
de defesa do interesse público e para o papel tes de gestão dos recursos florestais e do or- ses e preocupações variados respeitantes às
que a ciência e a técnica florestais devem de- denamento do território. florestas nas suas múltiplas dimensões.
sempenhar na prossecução desse interesse. A Pretendeu-se, então, com esta iniciativa, re-
ideia subjacente à iniciativa era, portanto, pro- lançar um processo efectivo e continuado, Tema do debate
porcionar um fórum livre e plural de discus- apontando para o alargamento da interven- As políticas públicas referentes ao sector flo-
são sobre o tema proposto, dado que ultima- ção da OE, quer em termos de discussão in- restal têm procurado desde 1996, data da
mente as medidas de política florestal têm terna, quer pelo alargamento das relações publicação da lei de bases da política flores-
sido tomadas dentro dos gabinetes, com pouco com os vários protagonistas do processo po- tal, estabelecer um enquadramento estraté-
debate, e tem faltado liberdade e pluralidade lítico, em particular o Governo e outros ór- gico de ataque aos principais problemas das
na abordagem necessária do tema. É impe- gãos de soberania, com as autarquias locais, florestas portuguesas, num processo que tem
rioso discutir “ideias e projectos”, caracteri- mas também com instituições do mundo em- seguido o tratamento de aspectos como a
ENGENHARIA
FLORESTAL António Emídio Moreiras dos Santos Tel.: 21 312 48 61 Fax: 21 312 49 83 E-mail: emidio@dgrf.min-agricultura.pt
gestão florestal sustentável, as alterações cli- boração de planos regionais de ordenamento diversos actores do sector florestal e, em
máticas e a desertificação ou a conservação florestal (PROF) se deram passos significa- particular, da tutela do sector na sociedade
da biodiversidade. tivos e da produção de legislação sobre “Zonas portuguesa numa perspectiva estratégica e
As políticas florestais, pelas características de Intervenção Florestal” (ZIF). num contexto de novas formas de governan-
específicas dos recursos florestais e do seu O surgimento de actores políticos como as ça florestal que urge debater sem preconcei-
uso pelas sociedades, devem necessariamente associações de proprietários florestais e as tos.
contextualizar o longo prazo (forte compo- autarquias locais colocou também problemas Os engenheiros florestais são gestores de uma
nente ligada ao conceito de desenvolvimento e responsabilidades novas na implementação parte significativa do território nacional e o
sustentável), devem conter uma visão (com- das políticas florestais, o que, aliado às preo seu papel é decisivo na gestão pública e pri-
ponente estratégica) e incorporar as dificul- cupações que o público em geral manifesta vada das áreas florestais, na interface agro-
dades de contabilização dos valores ligados relativamente aos recursos florestais e sua -florestal, na gestão das árvores e áreas flo-
às florestas. gestão, coloca problemas novos à tutela. restais em áreas urbanas e nas interacções
A visibilidade das florestas perante a opinião Nos últimos oito meses, temos assistido à com outros sectores de actividade do país.
pública tem estado centrada ciclicamente aprovação de instrumentos legislativos de Os problemas actuais da gestão florestal sus-
em torno dos incêndios florestais, de tal política florestal referentes às competências tentável exigem engenheiros florestais com
forma que os anos catastróficos de 2003 e da recém-criada Autoridade Florestal Na- competências que permitam abordar a mul-
de 2005 mostraram o fracasso relativo das cional, ao enquadramento dos instrumentos tifuncionalidade dos diversos tipos de flores-
políticas seguidas até então. No tempo en- de planeamento florestal, à gestão das matas tas e lidar com as componentes económica,
tretanto decorrido muita atenção tem sido públicas, à crise do pinhal provocada pelo ecológica, social, cultural e política da gestão
dispensada ao problema dos incêndios flo- nemátodo e, finalmente, à elaboração de um florestal sustentável. O seu desempenho pro-
restais, num esforço que deve ser continua- “código florestal” que passará a ser o instru- fissional nas actividades de gestão florestal
do, mas ainda a requerer acompanhamento mento legal de bases da política florestal. sustentável pode e deve ser reconhecido tendo
e análise do ponto de vista da eficácia das Estas medidas colocam na agenda política, em conta as suas competências, padrões de
medidas adoptadas. Também ao nível da ela- de forma eloquente, a questão do papel dos qualidade, responsabilidade e ética.
Outra das principais conclusões do relatório O relatório evidencia também a posição de madeira ilegal. Nesse sentido, a WWF e a
é que não existe legislação nacional ou prá- Portugal como líder mundial na produção de FoE desafiaram o Parlamento Europeu e os
ticas com vista à eliminação da madeira de cortiça e de produtos de cortiça. Relativa- governos dos restantes Estados-membros a
origem ilegal nem incentivos à importação mente às exportações portuguesas de produ- agirem de imediato, expressando a vontade
de madeira ou produtos de madeira de ori- tos florestais, estas têm como destino princi- dos cidadãos europeus, numa altura em que
gem certificada, referindo-se ainda, em par- pal a Espanha, a França e a Alemanha – mer- se discute a legislação europeia sobre comér-
ticular, a inexistência de políticas locais ou cados que, de acordo com as actuais previsões, cio de madeira, quer no Parlamento Europeu,
nacionais, por parte da Administração Pú- deverão recuperar lentamente da actual crise quer no Conselho de Ministros Europeu, a
blica, com vista à utilização de madeira e financeira e económica. Para a WWF, a certi- qual será votada nos próximos meses.
produtos de madeira de origem certificada ficação credível é a porta de entrada em novos A “Análise de Mercado das Indústrias Por-
em obras públicas. mercados e a solução para as indústrias nacio- tuguesas de Madeira e de Cortiça” e o res-
Países consumidores de madeiras tropicais, nais florestais e da cortiça que necessitam de pectivo sumário executivo estão disponíveis
como Portugal, podem desempenhar um papel procurar novos mercados. Por outro lado, des- no website da WWF em Portugal em www.
importante no combate à desflorestação ao taca-se ainda a responsabilidade que as em- wwf.pt/o_que_fazemos/rede_iberica_de_co-
evitarem a compra de madeiras e produtos presas de distribuição devem ter na divulga- mercio_florestal_/.
ENGENHARIA
GEOGRÁFICA Ana Maria Barros Duarte Fonseca Tel.: 21 844 37 79 Fax: 21 844 33 61 E-mail: anafonseca@lnec.pt
generalização cartográfica, conversão entre (IGeoE), Eng.º José Rossa, e Director-Geral fos, profissionais de outras especialidades,
sistemas de georreferência, avaliação e con- do Instituto Hidrográfico (IH), Vice-Almi- como Engenheiros Civis, Agrónomos, Hi-
trolo da qualidade de cartografia numérica, rante José Augusto de Brito, para além do drógrafos e do Ambiente, e de outras áreas
modelação da incerteza, aplicações de GNSS, Presidente da Comissão Científica, Eng.º do conhecimento, como Geógrafos.
controlo de qualidade de equipamentos to- João Casaca e da Presidente da Comissão O segundo dia de trabalhos da CNCG2009
pográficos, aplicações da detecção remota, Organizadora, Eng.ª Ana Maria Fonseca. acolheu um painel sobre a implementação
interferometria RADAR, análise espacial em da Directiva INSPIRE (Infrastructure for
SIG, planeamento urbano, entre outros. Spatial Information in the European Com-
Realizaram-se cinco intervenções de confe- munity), adoptada em 14 de Março de 2007,
rencistas convidados, nomeadamente os Pro- com ênfase na componente de Especificação
fessores João Catalão – A mudança de pa- e Harmonização dos Dados, uma vez que
radigma na formação em Engenharia Geo- está actualmente em curso a transposição da
gráfica; João Casaca – A Predição no Espaço Directiva para a legislação nacional, bem como
– Tempo Geográfico em Cenários de Incer- o estabelecimento das suas regras de imple-
teza; Hans-Peter Bähr – Is Remote Sensing A CNCG2009 é a VI edição de uma con- mentação, assim como das componentes que
Operational?; Rui Pedro Julião – Informação ferência que teve como embrião o Seminá- vão permitir a interoperabilidade e a partilha
Geográfica e Tecnologias para o Ordena- rio “Tendências Evolutivas da Cartografia”, da informação (serviços de transformação,
mento do Território; e Marco Painho – Par- organizada pelo então Instituto Geográfico redes de dados, etc.). O objectivo desta ses-
ticipação Pública e Sistemas de Informação e Cadastral (hoje, IGP), no Instituto de De- são foi proporcionar um debate em torno dos
Geográfica: Oportunidades e Desafios. fesa Nacional, em Lisboa. Em 1996, iniciou- vários aspectos envolvidos (científicos, téc-
A sessão de abertura contou com a presença -se então a série de edições da conferência, nicos, oportunidades de negócio, etc.) e da
da Vice-Presidente da Câmara Municipal com a designação de Conferência Nacional capacidade de intervenção da comunidade
das Caldas da Rainha e dos membros da Co- de Cartografia e Geodesia, de iniciativa do nacional interessada no desenvolvimento desta
missão de Honra da conferência, Vice-Pre- Colégio Nacional de Engenharia Geográfica infra-estrutura europeia. Participaram no pai-
do valioso espólio museológico do IGP.
Proporcionou também um agradável conví-
vio técnico, profissional e social, nos coffee-
-breaks, nos almoços da conferência e num
jantar informal, realizado na noite do pri-
meiro dia, em que um alargado grupo de
participantes na CNCG2009 levou a sério
as recomendações da Vice-presidente da Câ-
mara Municipal das Caldas da Rainha, na
sessão de abertura, partindo à descoberta da
gastronomia da região.
nel o IGP, coordenador da implementação ção com stands do IGeoE e das empresas A conferência foi patrocinada pelas institui-
da directiva INSPIRE em Portugal, nas pes- Emílio de Azevedo Campos, InlandGeo e ções IGP, IGeoE e IH, pelas empresas Artop,
soas do Prof. Rui Pedro Julião e do Dr. Da- Leica Geosystems, assim como uma expo- Intergraph e Promapa, e pelas marcas de equi-
nilo Furtado, que prestaram informação sobre sição de cartografia e instrumentos antigos pamentos Leica, TOPCON e TRIMBLE.
o ponto da situação do INSPIRE no que diz
respeito ao tema em causa, e o Eng.º João
Agria Torres, que integra o grupo de traba-
lho temático dos Sistemas de Referência do
INSPIRE, na qualidade de facilitador (INS-
PIRE TWG CRS/GGS), que referiu o tra-
balho em desenvolvimento nas comissões e
a necessidade de participação da comunidade
e das instituições portuguesas, que irão for-
necer informação geográfica para a plata-
forma, nas decisões sobre as regras de imple-
mentação que estão a ser decididas nas co-
missões a nível europeu.
A CNCG2009 teve também uma exposi-
São diferentes de Ordens de Serviço emiti- às Autoridades nacionais e locais e aos stakehol- parency Initiative (EITI) ”, é uma iniciativa a
das a partir da Administração. Têm que per- ders (incluindo as ONG) têm que antecipar nível global, com uma organização de suporte
tencer à cultura da empresa. e integrar os legados futuros e ter em conta financiada em grande parte por um fundo do
A não adopção de uma metodologia correcta todos os aspectos de desenvolvimento sus- Banco Mundial, e constitui um esforço foca-
para aflorar este problema, que não promova tentável, desde a etapa inicial dos estudos lizado que pretende promover a transparên-
e proteja a sustentabilidade, pode resultar em de pré-viabilidade. cia entre as Empresas privadas e os Governos
comunidades passivas e indigentes, depen- que conduza a uma maior prestação de con-
dentes do que se poderiam considerar sim- Quando? tas desses Governos para com os cidadãos
ples doações. Por exemplo, se as empresas A Responsabilidade Social proactiva deve ser desses países. Parece justo e óbvio que os ci-
forem colocadas perante pedidos de forneci- adoptada desde os primeiros momentos de dadãos de um país saibam como e quanto ga-
mento de bens e serviços públicos que, no li- prospecção e reconhecimento geológico e nham as empresas e os seus governos com a
mite, estão muito para lá das competências progressivamente aprofundada durante a cons- exploração dos seus recursos não renováveis,
e responsabilidades das empresas, e se esses trução, a exploração e, finalmente, durante o bem assim quanta dessa riqueza é transferida
pedidos forem satisfeitos na ausência de uma encerramento completo da operação, incluindo para fora do país. A implementação dos prin-
correcta metodologia de RSE, essas empre- a reabilitação de todos os terrenos afectados cípios da EITI, como parte de um programa
sas estão, inadvertidamente, a tomar uma po- (no que se convencionou designar como as de governo, deve contribuir para assegurar que
sição precária quasi-governamental. melhores práticas do berço até ao caixão). Na esses recursos são usados para o desenvolvi-
última fase, embora as marcas físicas possam mento sustentável e para a diminuição da po-
O que fazer? ser, na maior parte dos casos, relativamente breza. Deve compreender-se, no entanto, que
O Desenvolvimento Sustentável das comu- bem reabilitadas, podem continuar a subsis- a transparência não é senão um dos elemen-
nidades locais requer a identificação atem- tir, por vezes, durante muito tempo, alguns tos de um bom governo. Tem que haver tam-
pada dos factores de desenvolvimento do legados negativos relativos à geração e drena- bém uma justa e eficiente distribuição desses
local de modo a criar e instalar sistemas so- gem de águas ácidas e outros legados sociais fundos e a participação de todos os actores
ciais e ambientais viáveis capazes de susten- menos tangíveis, que perduram, normalmente, relevantes, incluindo as comunidades afecta-
tar uma economia bem sucedida após o fecho muito para lá da vida da mina. das, nas decisões de utilização dos mesmos.
da mina. Concluindo, é necessário e premente que os
Nas áreas remotas e economicamente subde- Realidades actuais Governos reconheçam que têm uma respon-
senvolvidas, devido à fraca capacidade insti- A falha evidente de muitas políticas gover- sabilidade crucial na regulamentação da RSE
tucional pública (muitas vezes também ne- namentais imporem royalties justas e pro- da Indústria Extractiva e que essa responsa-
gligenciadas pelas Autoridades centrais devido porcionadas e devolver parte delas às Auto- bilidade só pode ser assumida e exercida
às baixas densidades eleitorais), é responsa- ridades locais para fomentar e promover de- através de intervenções legislativas e da cria-
bilidade das Autoridades locais e regionais senvolvimento na vizinhança das operações ção de normas e regulamentos relativos a
promover mudanças significativas com base da Indústria Extractiva, tem conduzido à este tópico de grande actualidade para essa
na definição de uma metodologia da RSE que percepção de que os fluxos dos rendimen- Indústria. É necessário que todos os stakehol-
as empresas mineiras devem adoptar e nos tos mineiros passam deliberadamente ao lado ders não ignorem essa tendência e se prepa-
apoios que devem criar e implementar. das comunidades afectadas e desencadeiam, rem para a mesma.
A presença de comunidades vulneráveis na por parte delas, ressentimento, inquietação
proximidade das explorações mineiras impõe e alguma agitação. O Futuro
uma contribuição dessas Empresas (muitas Hoje, começa a emergir claramente, um mo- No futuro, após a criação, pelas Autorida-
vezes a única actividade económica significa- delo: a determinação de fazer reverter parte des, de legislação e regulamentos sobre estes
tiva na região ou no município), para a cria- dos resultados da exploração dos recursos não aspectos na jurisdição mineira que tenham
ção de um desenvolvimento sustentável, com renováveis para as comunidades e para as re- em conta, claramente, a soberania do Estado
benefícios líquidos equitativos para ambas as giões onde estes se localizam. Esta parece ser sobre os recursos minerais não renováveis,
partes, de modo a construir capital social, a única forma de transformar a maldição dos as Empresas não poderão continuar a argu-
tendo sempre o cuidado de não criar depen- recursos (the resource curse) numa bênção. mentar ou a desculpar-se com o carácter vo-
dência e vulnerabilidade nessas mesmas co- Para se conseguir isso é necessário criar siste- luntário dessas iniciativas. Desde que os Go-
munidades. mas transparentes para gerir a riqueza criada. vernos aprovem e suportem determinados
Como tal, as melhores práticas actuais devem A transparência aumenta a prestação de con- valores sociais e consagrem e tornem obri-
originar e ter como consequência benefícios tas por parte dos principais decisores, tanto gatórias algumas práticas da RSE através da
líquidos positivos após o fecho da operação nas Empresas como a nível governamental, e aplicação da Lei, todos nós poderíamos e de-
em todos os domínios. No futuro, os Planos pode ajudar a criar confiança. veríamos assistir a uma mudança de para-
de RSE a serem submetidos principalmente Por exemplo, a “Extractive Industries Trans- digma no sector.
ENGENHARIA
INFORMÁTICA Mário Rui Gomes Tel.: 21 423 32 11 E-mail: mario.gomes@tagus.ist.utl.pt
ENGENHARIA
MECÂNICA Aires Barbosa Pereira Ferreira Tel.: 21 389 15 45 Fax: 21 389 14 86 E-mail: aires.ferreira@bp.com
Design, Engenharia e Gestão para a Inovação ços, estabelecerem contactos e trocas de pon-
tos de vista com investigadores internacionais
A página Web da conferência encontra-se disponível em Mais informações podem ser obtidas na página oficial do congresso
http://paginas.fe.up.pt/~cifie www.clima2010.org
ENGENHARIA
METALÚRGICA E DE MATERIAIS Maria Manuela Oliveira Tel.: 21 092 46 53 Fax: 21 716 65 68 E-mail: manuela.oliveira@ineti.pt
Ligas NiTi com memória de forma processadas por tecnologias não convencionais
N o âmbito do projecto NAMAMET –
“Processing of NAnostructured MAte-
rials through MEtastable Transformations”
nar o NiTi contribui para o aumento dos
custos de produção, limitando assim a dis-
ponibilidade comercial deste material.
cional de ensaios de tracção/compressão.
Após densificação, e de forma a homogenei-
zar a microestrutura e ajustar a composição
[1], o INETI, actualmente Laboratório Na- De modo a contornar estas dificuldades, da matriz NiTi, a etapa final dos processos
cional de Energia e Geologia (LNEG) de- novas vias de processamento têm sido inves- MARES e MARFOS consiste na realização
senvolveu dois processos inovadores para a tigadas, apresentando-se a pulverometalur- de um tratamento térmico de solubilização e
produção de ligas NiTi [2-5]. Esses proces- gia (PM) como uma das mais promissoras. de um tratamento térmico de envelhecimento,
sos foram designados por MARES (“Mecha- A via PM envolve a misturação, compacta- ambos em atmosfera controlada e seguidos
nically Activated Reactive Extrusion Syn- ção e sinterização de pós, oferecendo a ca- de têmpera. A microestrutura final é exem-
thesis”) e por MARFOS (“Mechanically Ac- pacidade de produzir componentes com for- plificada na Fig. 2, e consiste em precipitados
tivated Reactive FOrging Synthesis”). mas definitivas, minimizando operações pos- de Ti2Ni e de Ni4Ti3 na matriz NiTi.
O sistema binário de ligas formado pelos ele- teriores de maquinagem e permitindo um
mentos níquel (Ni) e titânio (Ti) é bastante controlo exacto da composição química. Pós
rico para estudos, tanto do ponto de vista ligados ou pós elementares podem ser utili- NiTi
Ni4Ti3
científico, como tecnológico, por apresentar zados como matéria-prima, mas a última
algumas propriedades importantes. Actual- abordagem é preferível dado o elevado custo
mente, a fase cúbica NiTi é a única que tem de fabrico do pó ligado.
Ti2Ni
aplicações comerciais, sendo designada por
NiTinol. As ligas NiTi apresentam excelen- Processos MARES e MARFOS
tes propriedades, como a memória de forma. MARES e MARFOS são duas tecnologias Fig. 2 – Microestrutura típica da liga NiTi produzida
As ligas com memória de forma – SMA PM não convencionais na medida em que se
(Shape Memory Alloys) – têm a capacidade introduziu uma etapa inicial de activação Vantagens
de recuperar a sua forma mesmo depois de mecânica (AM). Esta técnica permite pro- Algumas das principais vantagens dos pro-
severamente deformadas quando sujeitas a duzir pós nanocristalinos com estrutura me- cessos MARES e MARFOS:
um ciclo térmico apropriado. Estes mate- taestável, modificando a reactividade dos Formação de uma microestrutura lamelar
riais são constituídos por duas fases sólidas pós elementares e permitindo a densificação durante a Activação Mecânica, constituída
com estruturas cristalinas diferentes: auste- a baixas temperaturas. por finas lamelas alternadas de Ni e de Ti,
nite de estrutura cúbica (fase de alta tem- Numa primeira fase, estes dois processos responsável pela diminuição dos percursos
peratura) e martensite de estrutura mono- envolvem a mistura de pós elementares de de interdifusão e, consequentemente, pela
clínica (fase de baixa temperatura). O efeito Ni e Ti para se obter uma composição equia- modificação da reactividade.
de memória de forma manifesta-se do se- tómica (Ni-50Ti) e subsequente AM, reali- Síntese de intermetálicos de Ni-Ti a baixa
guinte modo: um material na fase austení- zada num moinho planetário. De seguida, temperatura com reacção controlada, em
tica com uma determinada forma, quando para a etapa de densificação, os pós activa- vez de uma reacção fortemente exotérmica
arrefecido transforma-se em martensite, dos mecanicamente são encapsulados. A cáp- entre pós não activados de níquel e titânio.
mantendo a forma inicial. Aplicando uma sula de cobre é colocada numa matriz de aço Produção de materiais densos de quali-
deformação ao material na fase martensítica, e aquecida por indução (Fig.1). dade superior (sem fissuras superficiais)
este assume uma nova forma. Quando aque- constituídos por estruturas nanocristalinas
cido, o material recupera a forma original multifásicas.
em consequência da transformação reversí-
vel da martensite em austenite. Parceiros
A via convencional de produção das ligas Politecnico di Torino - POLITO, Institute
NiTi consiste numa elaboração da liga por for Energetics and Interphases - IENI e
fundição a partir de metais puros e, poste- Università di Cagliari - UNICA - Itália.
riormente, pelo trabalho a quente para ob- I
nstituto de Ceramica y Vidrio - ICV-CSIC,
tenção da forma final. No entanto, a liga fun- Universitat de Barcelona - UNIBA e Talle-
dida apresenta alguns problemas relaciona- Fig. 1 – Sistema de extrusão/forjagem
res Mecánicos Comas - TMC - Espanha.
dos com a segregação dos elementos de liga, Instituto Nacional de Engenharia e Tec-
com o crescimento de grão e com a conta- A densificação por extrusão (MARES) e por nologia Industrial - INETI e Tecnologia e
minação proveniente dos cadinhos de fun- forjagem (MARFOS) é realizada a baixa tem- Engenharia de Materiais, S.A. - TeandM
dição. Por sua vez, a dificuldade de maqui- peratura (700º C) numa máquina conven- - Portugal.
Institute of Metal Cutting - IOS - Polónia.
Publicações Contactos
Technical University of Darmstadt - TUD
[1] Projecto NAMAMET: STREP Project - VI Framework Programme
F. Neves (filipe.neves@ineti.pt),
- Alemanha. - Priority 3 - European Union (http://www2.polito.it/ricerca/
Bolseiro de Pós-Doutoramento no CENIMAT/I3N e
namamet/).
Centre National de la Recherche Scienti-
[2] Neves F, Martins I, Correia JB, Oliveira M, Gaffet E. Interme- INETI (financiado pela FCT/MCTES (SFRH/
fique, Délégation Nord-Est - CNRS-UTBM tallics 2007;15:1623. BPD/38354/2007)).
[3] Neves F, Martins I, Correia JB, Oliveira M, Gaffet E. Mater Sci
e Université de Technologie de Belfort Eng A 2008;473:336. I. Martins (isabel.martins@ineti.pt) e
Montbéliard - UTBM - França. [4] Neves F, Martins I, Correia JB, Oliveira M, Gaffet E. Interme- J.B.Correia (brito.correia@ineti.pt),
tallics 2008;16:889.
University of Hertfordshire - UH - Ingla-
Investigadores do INETI – Instituto Nacional
[5] Neves F, Cunha A, Martins I, Correia JB, Oliveira M, Gaffet E.
de Engenharia e Tecnologia Industrial, I.P.
terra. Microsc Microanal 2008;14:13.
ENGENHARIA
NAVAL Paulo de Lima Correia Tel.: 93 427 54 99 Fax: 21 313 26 72 E-mail: paulolcorreia@hotmail.com
J. L. Bento Coelho
Coordenador da Comissão executiva
Um breve olhar sobre a actividade
da Especialização em Engenharia Acústica em particular, tem vindo a acompanhar as sional, completará em breve os 10 anos (con-
L. P. Santos Lopes preocupações das suas populações nesta área, dição necessária). Actualmente, a Engenha-
Coordenador-adjunto da Comissão executiva dotando-as de instrumentos legais apropria- ria Acústica é exercida em vários contextos
da Especialização em Engenharia Acústica dos. Portugal pode considerar-se, neste do- profissionais, de que se destacam, por exem-
mínio, um caso exemplar, já que desde a dé- plo: os gabinetes de projecto, consultoria e
cada de 80 tem mantido um quadro legal fiscalização de obra; os centros de investiga-
ESPECIALIZAÇÃO EM
MANUTENÇÃO INDUSTRIAL Alice Freitas Tel.: 21 313 26 60 Fax: 21 313 26 72 E-mail: aafreitas@cdn.ordeng.pt
Regulação de Entidades Externas, da Autoridade para as Condições nova abordagem) e prescrições mínimas de saúde e segurança (di-
do Trabalho (ACT), e fazer a intervenção final. No fim das apresen- rectivas sociais)” e “Referenciais normativos relacionados com as ac-
tações, a assistência debateu o tema durante mais de uma hora, co- tividades de manutenção”.
mentando, questionando e aportando diversas contribuições, que Na última apresentação, o Eng.º António Gonçalves fez a ligação entre
enriqueceram a iniciativa. a implementação de um Sistema de Gestão da Prevenção e Segurança
A apresentação do Eng.º Sérgio Manuel, da EDP, com o título “O e a actividade de Manutenção. Seguiu-se o debate, bastante animado
Risco Eléctrico na Manutenção das Instalações Eléctricas”, foi uma e participado, onde se abordaram as questões burocráticas que afec-
intervenção muito viva, em que o orador apresentou os princípios tam o licenciamento de equipamentos e a necessidade de implemen-
que devem presidir à Segurança na Manutenção em equipamentos tar sistemas de segurança mais eficientes, face à sinistralidade existente
de elevado risco eléctrico. na execução de trabalhos de Manutenção da mais diversa índole.
Para além de uma descrição exaustiva dos riscos existentes, foi apre- Dando seguimento ao seu plano de actividades para 2009, a Espe-
sentada a metodologia aplicada, no âmbito da Segurança, pela EDP cialização em Manutenção Industrial propõe-se realizar, na segunda
e pelos empreiteiros que para a empresa prestam serviço. Salientou quinzena de Setembro próximo, o workshop “Liderança e Motiva-
que a sinistralidade existente, apesar de ser sempre considerada ção”, com um programa a divulgar em breve e para o qual se con-
como importante, atinge valores considerados como bons. vidam desde já todos os colegas interessados no tema.
Na segunda intervenção, o Eng.º Joaquim Cavaca, da ACT, abordou A Especialização em Manutenção Industrial propõe-se realizar mais
temas como “A missão da ACT – Autoridade para as Condições do um workshop, durante o ano de 2009, sobre temas de interesse para
Trabalho”, “Exigências essenciais de saúde e segurança (directivas: a Engenharia e que serão anunciados oportunamente.
ESPECIALIZAÇÃO EM
TRANSPORTES E VIAS DE COMUNICAÇÃO Alice Freitas Tel.: 21 313 26 60 Fax: 21 313 26 72 E-mail: aafreitas@cdn.ordeng.pt
Elevadores, Escadas Mecânicas e Tapetes Rolantes cio Dias, Responsável pelo Organismo Noti-
ficado para a Directiva Ascensores, da Fun-
dação do Instituto Politécnico do Porto que
elaborou sobre a “Regulamentação de Segu-
rança de Elevadores”, tendo apresentado a
evolução da legislação do sector referindo-
-se, em particular, às Normas Nacionais e Eu-
ropeias aplicáveis e à Directiva Ascensores.
Após a pausa para café seguiu-se a segunda
parte do Painel, na qual o Eng.º Martins de
No primeiro dia, a visita iniciou-se no Centro de Formação da ADIF mudança de bitola em Valladolid), à apresentação dos procedimen-
localizado no edifício do Museu Ferroviário. Os participantes assis- tos de manutenção. De seguida, foi possível assistir em plena via à
tiram a apresentações técnicas sobre as características da operação operação de mudança de bitola em andamento, em comboios de
da Linha de Alta Velocidade Madrid-Barcelona – vocacionada sobre- tecnologia CAF e de tecnologia TALGO. A visita de estudo termi-
tudo para passageiros, dado apresentar pendentes de 2,5% –, tendo nou na fábrica da TALGO, localizada em Las Matas, onde são fabri-
sido realçado o seu sucesso na captação de passageiros que anterior- cados comboios bi-bitola (velocidade máxima de 250 km/h) e com-
mente utilizavam o transporte rodoviário ou o aéreo. A continuação boios de alta velocidade (velocidade máxima de 350 km/h).
desta linha até à fronteira francesa, actualmente em construção, está A Ordem dos Engenheiros expressa o seu agradecimento pelo apoio
prevista também para mercadorias (pendente máxima de 1,8%) e prestado, realçando também o apoio e gentileza das entidades espa-
incluirá uma ligação directa em bi-bitola ao porto de Barcelona. nholas envolvidas: ADIF, RENFE e TALGO.
ESPECIALIZAÇÃO EM
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA Alice Freitas Tel.: 21 313 26 60 Fax: 21 313 26 72 E-mail: aafreitas@cdn.ordeng.pt
O as
s Sigs ao Serviço das Engenharias e da
Sociedade” é o tema escolhido para as
1. Jornadas da Especialização em Sistemas
1.as Jornadas da Especialização Horizontal em SIG
A iniciativa resulta de uma organização con- Informações
de Informação Geográfica da Ordem dos junta desta Especialização Horizontal e dos
Ordem dos Engenheiros
Engenheiros, que irão decorrer no Anfitea- Colégios Nacionais de Engenharia Geográ- Secretariado dos Colégios
tro do Museu das Comunicações, no dia 13 fica, Agronómica, Civil, Florestal e Infor- Telf: 21 313 26 62 / 3 / 4 • Fax: 21 313 26 72
E-mail: colegios@ordemdosengenheiros.pt
de Outubro. mática.
COMUNICAÇÃO S. Pompeu Santos
Engenheiro Civil – Especialista do LNEC
ENGENHARIA CIVIL
ENGENHARIA MECÂNICA
em que são evidentes a zona fundida comum, Figura 3 – Macrografias de aços soldados Fluxo de Metal
com laser (esquerda), MAG (centro)
o plasma produzido pela radiação laser e o
e híbrido laser com MAG (direita) [9]
arco eléctrico. Desta figura resulta claro que, Bolhas Gasosas Porosidade
entre 2 e 7mm não há praticamente efeito SUS304(10 mm2). P1=3.3 kW.v = 10 mm/s.fd = 0mm Particularmente na Alemanha e Dinamarca,
h .= 2 mm.d = 5 mm.α = 55 deg.
na penetração. A distâncias inferiores a 2 mm % O2 0 5 10 Ar estes processos são usados com vantagens
diminui acentuadamente. Existe uma distân- significativas pelos grandes fabricantes de na-
cia óptima que se situa entre 1 e 3 mm, abaixo 0 vios. Uma das vantagens mais relevantes é a
e acima desta gama a penetração diminui. Na 1 mm possibilidade de automatizar o processo e
6 200
5
Welding speed: 600 mm/min
Laser power: 5 kW tubagens em aço × 80 com 9 mm de espes-
Assist. gas flow rate: 30 min
4 Arc condition: 200A X 25V
Bead on plate welding
sura. Neste caso foi usado um laser de fibras
3
2
Laser Arc welding
Arc Laser welding
Figura 6 – Efeito da intensidade da corrente e do gás de 7 kW e uma máquina de soldadura MAG
de protecção na geometria de cordões obtidos
1
com processos híbridos [10]
de 5,37 kW. A soldadura foi feita num só passe
0
a uma velocidade de 1,8 m/min, e o sistema
0 1 2 3 4 5 6 7 8
Distância entre a fonte laser e o arco (mm) Permitir maior afastamento entre chapas; híbrido foi testado na posição horizontal, ver-
Figura 5 – Efeito da distância entre a radiação laser e o eléctrodo [10] Velocidades de soldadura mais elevadas; tical ascendente e ao tecto [14].
Permitir a adição de metal, possibilitando Na figura 8 ilustra-se o set up do processo
Devido à elevada curvatura do banho fun- modificar a composição química da zona laser com MIG desenvolvido no FORCE
dido criado pelo arco, a posição do ponto fundida e, consequentemente, as proprie- Institute para soldadura em posição horizon-
focal nos processos híbridos é diferente da dades mecânicas das juntas; tal [11].
usada na soldadura laser. Maior produtividade;
A orientação do eléctrodo afecta a forma do Possibilidade de soldar mais rapidamente
banho fundido e a penetração, e observa-se chapas espessas, frequentemente, numa
experimentalmente que esta aumenta quando só passagem.
a tocha é colocada a 50-60º com a superfí- Os lasers de fibra oferecem uma vantagem
cie do material a soldar. adicional pela facilidade de transporte da ra-
O gás de assistência afecta a qualidade do diação e pelos custos globais de operação.
cordão, bem como a sua forma, consequente-
mente o gás deve ser seleccionado de acordo 5. Aplicações e desenvolvimentos Figura 8 – Set up para soldadura laser com MIG
em construção naval [11]
com o tipo de radiação laser, uma vez que com- Estes processos encontram uma vasta gama
primentos de onda de radiação diferentes con- de aplicações na soldadura de chapas espessas A Universidade de Aachen desenvolveu [15]
duzem a absorções de plasma diferentes. Com usadas, por exemplo, na indústria naval. Um um processo híbrido designado por HyDRA
os lasers de CO2 e o processo MAG, verifica- estudo recente aponta uma redução de custos (Hybrid Welding with Double Rapid Arc)
-se que teores em He superiores a 50% levam da ordem de 30% devida à quase inexistente que consiste em acoplar ao feixe laser dois
a uma grande instabilidade do processo, com necessidade de corrigir distorções observadas processos de soldadura por arco eléctrico,
salpicos e baixa penetração. Teores em He da na soldadura convencional de chapa espessa permitindo gaps superiores a 2 mm na raiz
ordem de 30% conduzem aos melhores resul- [11]. Na figura 7 ilustra-se um painel soldado em juntas com preparação em V sem su-
tados. Pequenas adições de CO2, da ordem por arco eléctrico de um barco de passageiros porte do metal fundido na raiz. Neste pro-
dos 2%, estabilizam o arco, reduzem a tensão em que são evidentes as distorções. Os custos cesso estão envolvidas três fontes de calor,
superficial do banho fundido do processo MAG, de reparação para correcção destes defeitos o laser, e uma torcha em tandem com dois
mas o processo torna-se mais instável quando são muito significativos, sobretudo por serem eléctrodos MAG. Na figura 9 ilustra-se este
a percentagem de CO2 aumenta. altamente consumidores de tempo. processo.
Na figura 6 apresentam-se geometrias de cor- Por outro lado, os organismos certificados de O processo desenvolvido pela Universidade
dão obtidas com diferentes parâmetros de sol- navios incorporaram já estes processos nos có- de Aachen inclui uma cabeça de soldadura
dadura para processos híbridos num aço digos de construção [12,13]. Tocha em Tandem
AISI304. De salientar o efeito pronunciado Laser
4. Vantagens
As principais vantagens dos processos híbri-
dos são sobretudo relativas a:
Figura 7 – Painel soldado para barco de passageiros
Maiores tolerâncias dimensionais permiti- evidenciando as distorções devidas às operações
Figura 9 – Esquema do processo laser com MAG
das; em tandem [8]
de soldadura [11]
COMUNICAÇÃO
ENGENHARIA MECÂNICA
acoplada a um robot, como é ilustrado na Unidade de fibras trará certamente implicações relevan-
Alimentação
figura 10. Esta cabeça permite fazer a solda- de Fio tes, com um impacto significativo na área
dura de canto de painéis para o fabrico de Entrada de processamento de materiais devido à co-
e Saída de Ar
navios eliminando as distorções típicas dos mercialização destes lasers a preços compe-
Sistema
processos manuais (fig. 11) [9]. de Fixação titivos. A elevada qualidade do feixe dos laser
de Robot
de fibras, associada às elevadas potências dis-
Vidro de Protecção Amovível
Jacto Transversal poníveis, à flexibilidade do feixe e ao seu
Tocha Arrefecida a Água
baixo custo de manutenção, faz prever um
Figura 13 – Cabeça de soldadura híbrida interesse crescente nestes equipamentos,
desenvolvida pela Volkswagen [8]
não só no que refere à evolução do conhe-
cimento relativo ao processamento de ma-
teriais por laser, mas, sobretudo, na aplica-
ção industrial desta tecnologia.
A elevada produtividade associada à boa qua-
Figura 10 – Set up para soldadura híbrida laser com MAG
lidade do feixe laser e à facilidade de movi-
usada em construção naval [9]
mentação da radiação, facilita a introdução
do processamento por laser de fibras, em li-
Figura 14 – Cabeça de soldadura desenvolvida pela Kuka [8]
nhas de montagem automatizadas, permi-
tindo a soldadura de materiais com elevadas
6. Conclusões espessuras.
Os processos de soldadura laser sofreram um
incremento industrial significativo nos últi- 1 Departamento de Engenharia Mecânica e Industrial
mos anos, embora continuem a ter limita- Quinta da Torre, 2829-516 Monte da Caparica
ções importantes particularmente em termos 2 Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa
de preparação de juntas e tolerâncias dimen- 3 Departamento de Engenharia Mecânica
sionais, para além dos custos de equipamento Secção de Tecnologia Mecânica
e de operação que tornam o processo dispen- Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa
dioso. Por outro lado, os processos de solda-
dura por arco eléctrico, embora mais econó- Bibliografia
micos, continuam a ter limitações, das quais [1] Abe, N., Hayashi, M.; Trends in laser arc combination welding
Figura 11 – Painéis soldados com o processo híbrido
evidenciando a ausência de distorções [9] as mais importantes são as elevadas entregas methods, Welding Internacional 16, H.2, A.94-98, 2002.
[2] Yoneda, M., Katsumura, M.; Laser hybrid processing, Journal
térmicas, as baixas velocidades de soldadura of Japan Welding Society 53, H.6, S. 427-434, 1989.
Uma área com avanços significativos é a do e os aspectos ambientais e de segurança de [3] Hybrid welding by laser and TIG welding, Japan Industrial te-
chnology Institute, Patente Japonesa 1981-49195, Outubro
desenvolvimento de cabeças de soldadura operadores, particularmente em trabalhos 1977.
para os processos híbridos envolvendo radia- em espaços confinados. [4] Hamasaki, M.; Welding method taking laser with MIG, Kogyo
Gijutsuin, Japan, Japanisches Patent JP 59-66991, 1984.
ção laser como a ilustrada na figura 12. A soldadura híbrida laser e arco eléctrico apre- [5] Hamasaki, M.; Welding method combining laser welding and
senta-se, assim, como uma alternativa que MIG welding, agency of Industrial Science & Technology, Mi-
nistry of Int. Trade & Industry, Tokyo, Japan, US-Patent US
permite ultrapassar as desvantagens apresen- 4,507, 540, 1985.
tadas pelos processos individuais associados [6] Costa, A., Quintino L., Miranda R. M., “Lasers de fibras – es-
tado da arte”, Tecnologia e Qualidade, n.º 53, 2005, 13-16.
à facilidade de automatização e robotização. [7] Quintino L. Costa, A., Miranda R., Yapp D., Kumar, V., Kong,
Estes processos encontram-se em franca ex- C.J., “Welding With high Power Fiber Lasers – A Preliminary
Study”, Materials & Design”, vol. 28, 1231-1237, 2007.
pansão, com aplicações industriais relevantes [8] Kutsuna, M., Lin Z., Developments and applications of laser-
em sectores industriais que requerem gran- -arc hybrid welding, Doc. IIW-IV-939-07.
[9] Dilthey U., Olschok S., “Robotic fiber Laser GMA hybrid wel-
des espessuras e/ou produtividades elevadas, ding in shipbuilding”, Doc IIW-IV-950-07.
Figura 12 – Cabeças de soldadura integradas apresentando um conjunto de vantagens que [10] KatayamaS., Kawahito Y., Mizu Tani M., Understanding of
para processos híbridos [8] laser and hybrid welding phenomena, Doc. IIW-IV-943-07.
os torna efectivamente atractivos do ponto [11] Kristensen J., Thick plate CO2 laser / MRG hybrid welding
A Volkswagen desenvolveu uma cabeça hí- de vista económico. of steels, Doc. IIw-IV-932-07.
[12] Laser welding in ship construction – Classification society
brida para soldadura de chapa de aço, alu- Desenvolve-se actualmente um grande esforço Unified Guidelines for the approval of CO2 laser welding,
mínio e aço inox em espessuras entre 1 e 4 de investigação em diversas áreas, quer tec- 1996.
[13] Draft classification guidelines for the approval of autoge-
mm usando um laser de fibras de 4 kW e nológicas, no desenvolvimento de equipamen- neous laser welding and hybrid laser welding, 2004.
um processo MIG/MAG tal como ilustrado tos e cabeças de soldadura específicas, quer [14] David S. Howse, Robert J. Scudanone, Geoff S. Booth, “The
evolution of Yb fiber laser/MAG hybrid processing for pipe-
na figura 13. Também a KUKA Schweissan- de investigação de índole mais fundamental, lines, www.twi.co.uk.
lagen GmbH desenvolveu uma cabeça ro- com o objectivo de dominar a física dos pro- [15] Wieschemann A., Kelle H., Dilthey D., „Hybrid welding and
the HyDRA/MAG laser processes in shipbuilding” Welding
botizada para soldadura de uma grande di- cessos envolvidos. inter., 17 (10) 2003, 761-766.
versidade de materiais (figura 14) [8]. O recente avanço tecnológico dos lasers de
COMUNICAÇÃO
ENGENHARIA CIVIL
5. Considerações finais
A
revista “Ingenium” é o órgão de comunicação oficial da Ordem dos Engenheiros, assumindo- tou a inserção de setenta e cinco páginas ímpares, sete meias páginas, dois terços de página, dois
-se como o veículo privilegiado de comunicação com os seus membros. Trata-se de uma quartos de página, seis versos de capa, seis contracapas e dez encartes de publicidade.
publicação bimestral e sem fins lucrativos. A “Ingenium” baseia-se em critérios de rigor, O principal trabalho assegurado pela empresa foi a produção da Revista Ingenium, que continuou
honestidade e independência no tratamento dos seus conteúdos, e disponibiliza informação dedi- a ser publicada bimestralmente, tendo aumentado a sua tiragem de forma gradual ao longo do ano,
cada ao universo da engenharia. A “Ingenium” tem por objectivo divulgar notícias e eventos, estu- tendo atingido uma produção máxima de 46.700 exemplares no final de 2008. Tal acréscimo de-
dos de casos, artigos técnicos e de opinião, análise de legislação e de temas actuais sobre enge- veu-se, sobretudo, ao aumento do número de membros inscritos na Ordem dos Engenheiros.
nharia e com interesse para os engenheiros, bem como as principais actividades promovidas pelas Foram também editados dois livros da colecção Engenharia, nomeadamente, “Pontes dos Rios Douro
Regiões, pelos Colégios de Especialidade e pelas Especializações de Engenharia. A “Ingenium” pro- e Tejo” e “Ventilação e Fumo” com uma tiragem de 1.000 e 500 unidades, respectivamente.
cura destacar temas da actualidade na área da engenharia e com relevância para a sociedade. A
“Ingenium” respeita a Constituição da República Portuguesa e todas as Leis portuguesas, nomea- II – Análise Financeira
damente as que se enquadram nos direitos, obrigações e deveres da Lei de Imprensa e do Código Em 2008, num ambiente de crise dominado por uma conjuntura económica e social pouco favorá-
Deontológico dos Jornalistas. vel, a Revista Ingenium não conseguiu ter o mesmo desempenho de anos anteriores devido à que-
bra da procura no mercado da publicidade. A nível económico e financeiro, os custos aumentaram
Ingenium Edições, Lda. cerca de 8,6%, cifrando-se em 246.681,85 (227.191,43 em 2007). As rubricas que influencia-
Relatório de Gestão do Exercício de 2008 ram esta variação foram, essencialmente, os fornecimentos e serviços externos, destacando-se os
Em conformidade com as disposições aplicáveis, a gerência da Ingenium Edições, Lda., apresenta serviços subcontratados para feitura dos livros técnicos e as despesas com os honorários, em vir-
o relatório de gestão relativo ao ano de 2008. tude de se ter produzido mais uma revista do que no ano anterior (em 2007 produziu-se menos
uma revista consequência de ter sido um ano de eleições), bem como os custos com o pessoal
I – Análise Geral pelo ajuste da massa salarial. Os proveitos registaram um acréscimo de cerca de 1,4% face ao
Actividade desenvolvida em 2008 ano anterior, atingindo o montante de 239.736,03 (236.467,75 em 2007). Apesar desta varia-
Na sequência do modelo de gestão introduzido na Ingenium Edições em Setembro de 2004, deu- ção positiva das receitas, ela não foi suficiente para cobrir o aumento dos custos, salientando-se
-se continuidade ao objectivo de assegurar a sustentabilidade económica e financeira desta em- o facto de o valor da publicidade contratada ter decrescido cerca de 3,6%, atingindo o montante
de 206.602,82 (214.412,10 em 2007). Em 2008, a Ingenium obteve um resultado líquido ne-
gativo no valor de 6.945,82 .
Demonstração de Resultados Líquidos
III – Perspectivas para 2009
Em conformidade com o Artigo 16.º da Lei N.º 2/99, de 13 de Janeiro,
que aprova a Lei de Imprensa, publicamos a Demonstração de Resultados Para 2009 perspectivam-se maiores dificuldades na contratação de publicidade, atendendo ao ac-
Líquidos da Ingenium-Edições, Lda.. tual cenário de crise, o que conduzirá à redução das receitas, que obrigará a um esforço adicional
na procura de novos anunciantes e a uma redefinição do modelo de gestão, tendo em conta o cres-
INGENIUM - Edições, Lda.
cente aumento de exemplares da revista, por edição, e a melhoria da sua qualidade. O aumento
Demonstração de Resultados Líquidos
Euros da tiragem e a qualidade dos conteúdos são valores que não poderão ser postos em causa, pois
31–12–2008 31–12–2007 reforçam o elo de ligação entre os engenheiros e a sua associação profissional, conforme ficou de-
Custos e Perdas
Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas: monstrado no último inquérito sobre a avaliação da Ingenium. Prevê-se também a continuação da
Mercadorias 0,00 6.400,00 produção e edição de outros livros e publicações técnicas de interesse para a profissão, tais como os
Matérias 0,00 0,00 0,00 6.400,00
livros da colecção de engenharia, manuais técnicos e outros.
Fornecimentos e serviços externos 211.577,66 192.800,18
Custos com o pessoal:
Remunerações 26.714,33 21.434,50
IV – Proposta de Aplicação de Resultados
Encargos sociais:
Pensões 0,00 0,00 A gerência propõe que o resultado líquido negativo de 6.945,82 seja aplicado em Resultados Tran-
Outros 7.009,56 33.726,89 5.377,51 26.812,01 sitados. Gostaríamos ainda de deixar uma palavra de agradecimento pela confiança demonstrada
Amortizações imobiliz. corpóreo e incorpóreo 380,85 474,91 por todos os nossos clientes, fornecedores e às entidades que em nós confiaram para divulgação
Ajustamentos 0,00 380,85 0,00 474,91
Impostos 0,52 0,00 da publicidade às suas empresas, produtos e serviços.
Outros custos e perdas operacionais 600,00 600,52 600,00 600,00
( A )......................... 246.282,92 227.087,10
Juros e custos similares INGENIUM - Edições, Lda. INGENIUM - Edições, Lda.
Outros 18,61 4,33 Balanço Analítico Balanço Analítico
( C )......................... 246.301,53 227.091,43 Euros Euros
Custos e perdas extraordinários 380,32 100,00 31–12–2008 31–12–2007
Capital Próprio e Passivo 31–12–2008 31–12–2007
( E )......................... 246.681,85 227.191,43 ACTIVO Activo Amortiz. Activo Activo
Imposto sobre o rendimento do exercício 2.586,27 Capital Próprio
Bruto Ajust. Acum. Líquido Líquido
( G )......................... 246.681,85 229.777,70 Imobilizado Capital 5.000,00 5.000,00
Resultado líquido do exercício -6.945,82 6.690,05 Imobilizações corpóreas: Reservas:
239.736,03 236.467,75 Equipamento administrativo 2.403,40 1.873,19 530,21 463,06 Reservas legais 6.122,03 6.122,03
2.403,40 1.873,19 530,21 463,06 Resultados transitados 90.262,20 83.572,15
Proveitos e Ganhos Circulante
Vendas: Sub-total 101.384,23 94.694,18
Dívidas de terceiros - Curto prazo:
Mercadorias 0,00 0,00 Resultado líquido do exercício -6.945,82 6.690,05
Clientes c/c 70.713,00 70.713,00 87.550,37
Produtos 28.280,00 22.028,16 Dividendos antecipados
Estado e outros entes públicos 2.593,50 2.593,50 7.979,85
Prestações de serviços 206.676,74 234.956,74 214.439,59 236.467,75
Outros devedores 13.116,44 6.681,31 6.435,63 96.166,19 TOTAL DO CAPITAL PRÓPRIO 94.438,41 101.384,23
Variação de produção 0,00 0,00
86.422,94 6.681,31 79.741,63 96.166,19
Trabalhos p/empresa 0,00 0,00
Depósitos bancários e caixa: Passivo
Subsídios à exploração 0,00 0,00
Depósitos bancários 42.722,28 42.722,28 27.521,25
Outros proveitos ganhos operacionais 4.536,00 4.536,00 0,00 0,00 Dívidas a terceiros - Curto prazo:
Caixa 50,00 50,00 50,00
( B )......................... 236.467,75 236.467,75 Fornecedores c/c 20.745,24 8.943,61
42.772,28 0,00 42.722,28 27.571,25
Rendimentos de participação de capital 0,00 0,00
Acréscimos e diferimentos: Estado e outros entes públicos 2.515,01 8.753,03
Outros juros e proveitos similares
Acréscimos de proveitos 0,00 0,00 0,00 Outros credores 4.463,34 5.451,60
Outros 149,50 149,50 0,00 0,00
( D )......................... 239.642,24 236.467,75 Custos diferidos 3.257,60 3.257,60 331,97 27.723,59 23.148,24
Proveitos e ganhos extraordinários 93,79 0,00 3.257,60 0,00 3.257,60 331,97 Acréscimos e diferimentos:
( F )......................... 239.736,03 236.467,75 Total de amortizações 1.873,19
Acréscimo de custos 4.139,72 0,00
Resultados operacionais: (B)-(A)= -6.790,18 9.380,65 Total de ajustamentos 6.681,31
Proveitos diferidos 0,00 0,00
Resultados financeiros: (D-B)-(C-A)= 130,89 -4,33 Total do Activo 134.856,22 8.554,50 126.301,72 124.532,47
Resultados correntes: (D)-(C)= -6.659,29 9.376,32 4.139,72 0,00
Resultado antes de impostos: (F)-(E)= -6.945,82 9.276,32 Total do passivo 31.863,31 23.148,24
Resultado líquido do exercício: (F)-(G)= -6.945,82 6.690,05 Total Capital Próprio e Passivo 126.301,72 124.532,47
ANÁLISE
Uma singela homenagem ao Engenheiro Rui Sanches
As bases de 40 anos de legislação do sector da construção
Do Regime Jurídico de Empreitadas de Obras Públicas (1969) à revisão do Decreto 73/73 (2009)
FERNANDO SANTO, tes a cada opção, recorrendo a diversos pare era sólida e ajustada a legislação então pro
Bastonário da Ordem dos Engenheiros ceres. As elevadas taxas de crescimento do duzida. Os desvios nos custos e nos prazos
PIB, nessa época, parecem hoje uma miragem das obras públicas não decorrem dessa legis
e a importância do planeamento também pa lação, mas de causas já identificadas pela
O
Engenheiro Rui Sanches, que foi Minis rece já ser algo do passado. Ao nível do Gabi Ordem dos Engenheiros noutro documento
tro das Obras Públicas entre 1968 e nete de Planeamento, órgão de apoio ao Mi (Setembro de 2006).
1974, faleceu no dia 16 de Junho. O tra nistro, eram promovidas reuniões periódicas No que se refere ao regime do licenciamento
balho que promoveu, enquanto Ministro, entre todas as direcções gerais e com a parti urbano, o Decreto-Lei n.º 166/70, publicado
merece ser recordado, como homenagem cipação das empresas prestadoras de serviços em 15 de Abril de 1970, é também um marco
também extensível a uma geração de exce públicos, com particular relevo para o sector na forma como passou a atribuir aos autores
lentes engenheiros e juristas que com ele co dos transportes. O Conselho Superior de Obras dos projectos a responsabilidade pelos mes
laboraram, pois marcou o sector da constru Públicas exercia as competências esperadas de mos, dispensando assim a verificação dos ser
ção até aos nossos dias. Desde a criação do um órgão que reunia alguns dos mais compe viços públicos, com excepção da integração
Gabinete de Planeamento do Ministério, até tentes engenheiros do país. urbana. Foram precisos quase 40 anos para
à produção de legislação inovadora na regu Ao nível da legislação é de realçar a publica se reconhecer, como o fez o actual Governo,
lação e estruturação do sector da construção ção do regime jurídico das empreitadas, o que a simplificação do sistema de licencia
e do licenciamento urbano, foram muitas as Decreto-Lei n.º 48.871, de 19/02/1969, que mento urbano só é possível com a elevação
marcas que deixou. nos seus conceitos, estrutura e disposições da exigência da qualificação dos técnicos, que
No período em que foi Ministro, foi criado o se manteve até 2008, acabando por ser re deverão assumir as suas responsabilidades,
Gabinete de Planeamento do Ministério das vogado pelo Código dos Contratos Públicos dispensando a verificação dos projectos.
Obras Públicas, que se articulava com o Se (CCP), que em muitos aspectos representa Na sequência desta forma inovadora, que
cretariado Técnico da Presidência do Conse um retrocesso na forma como altera dispo não teve continuidade nas décadas seguin
lho de Ministros, promovendo a análise e a in sições jurídicas que são incompreensíveis na tes, foi publicada, em 1970, e pela primeira
tegração dos diversos investimentos nas gran perspectiva técnica. As poucas alterações vez, a portaria que criou os alvarás para as
des orientações do IV Plano de Fomento. Já que o Decreto de 1969 sofreu em 1986 (De empresas de construção civil, uma vez que
nesse período eram discutidas as taxas de cres creto 236/86), em 1991 (Decreto 401/91) tal exigência já existia desde 1956 para as
cimento do PIB e os cenários corresponden e em 1999 (Decreto 59/99), mostram como empresas de construção de obras públicas.
ANÁLISE de nível médio, incluindo os electricistas.
Também ao nível da regulamentação da se
gurança, saúde e higiene nos estaleiros, foram
dados passos significativos, decorridos cinco
anos após a apresentação, pela Ordem dos
Engenheiros, de um projecto para regular a
qualificação técnica dos coordenadores de
segurança, em fase de projecto e de obra,
que esteve em discussão pública até ao pas
sado dia 2 de Julho, numa versão que tam
bém merece o nosso apoio.
Pelo que referi, estamos a viver um momento
importante na produção de legislação que
exige qualificações profissionais para o exer
cício de actos de interesse público. Parece
óbvio, mas desde 1974, a legislação produ
zida ignorou esta exigência básica, e só agora
estamos a retomar o caminho que tem vindo
a ser defendido pela Ordem dos Engenhei
A necessidade das empresas terem um qua 15 de Maio de 2009, a Assembleia da Repú ros, com propostas que têm acabado por ser
dro técnico era uma condição necessária para blica aprovou, sem votos contra e com a abs tidas em conta.
lhes ser reconhecida a capacidade técnica. tenção do PCP, o Projecto de Lei que veio Lamento que este balanço seja feito a pro
Também nas décadas seguintes, apesar do substituir o 73/73, e que foi publicado em 3 pósito da morte do Engenheiro Rui Sanches,
aumento do número dos técnicos qualifica de Julho, com o n.º 31/2009. mas é justo prestar esta singela homenagem
dos, do volume de obras e de maiores exi Poderia ainda enunciar outros diplomas menos ao Engenheiro, membro da Ordem, que
gências técnicas, nada mais se exigiu para conhecidos, mas o que importa assinalar, ao nunca deixou de continuar a interessar-se
reforçar o conceito anteriormente criado. recordar esta legislação, são três importantes por estes temas. Ainda este ano me enviou
Pelo contrário, os alvarás deixaram de ser aspectos: (i) o primeiro decorre da qualidade uma carta para saber da evolução da revisão
credíveis, devido à facilidade com que pas da legislação técnica produzida no passado e do célebre 73/73, como também esteve dis
saram a ser concedidos. Uma maior exigên que resistiu às três décadas seguintes, sem ponível, no ano passado, para dar uma breve
cia de competência técnica, por via legal, ter havido capacidade, engenho e arte e von entrevista à Revista “Ingenium” a propósito
passou a chocar com o desejo de maiores fa tade política para se fazer melhor, (ii) o se da escolha do local do novo aeroporto de
cilidades e de melhoria dos dados estatísti gundo resulta da coerência e da complemen Lisboa. A sua formação como Engenheiro e
cos, que impulsionaram um sistema de en taridade da legislação produzida, que faziam o rigor técnico que defendeu sempre estive
sino que, em muitos casos, foi orientado para parte de um processo de gestão do sector da ram presentes ao longo da sua vida, inde
atribuir títulos académicos ou profissionais, construção, integrando os diferentes interve pendentemente dos cargos que ocupou.
em vez de competências. nientes. Finalmente, (iii) é justo reconhecer Obrigado Engenheiro Rui Sanches por nos
Em 1972 foi publicada a portaria com as ta que acabou por ser o actual Ministro das ter dado as bases de um sistema legislativo
belas de honorários e as instruções para a ela Obras Públicas, Engenheiro Mário Lino, que que serviu de referência ao sector da cons
boração de projectos de obras públicas. Foi mostrou vontade e determinação para actua trução nos últimos 40 anos, sedimentando
um passo enorme para se classificarem as lizar parte do quadro legislativo produzido uma cultura que foi transmitida de geração
obras segundo os tipos e complexidade, com entre 1969 e 1974. Refiro-me à Portaria em geração. Pena é que o novo CCP tenha
as regras e conteúdos necessários para cada 701-H, que definiu as instruções para elabo feito uma rotura com essa escola, em vez de
fase dos projectos. Foram precisos 37 anos ração de projectos, a Lei n.º 31/2009 (revi corrigir e melhorar o que estava desactuali
para ser substituída, em 29 de Julho de 2008, são do 73/73) e o Decreto 18/2008 (Código zado.
pela portaria 701-H, que teve o contributo dos Contratos Públicos). Mais recentemente, Esperamos que ainda haja tempo para se cor
da Ordem dos Engenheiros e da Associação foram publicados outros diplomas, nomea rigirem algumas disposições do CCP e que
Portuguesa de Projectistas e Consultores. damente, o Decreto-Lei n.º 123/2009, que o futuro Governo saiba dar continuidade ao
Em 1973 foi publicado o célebre Decreto define as qualificações profissionais para a trabalho desenvolvido, pois ainda fica por al
73/73, que definiu as qualificações dos técni elaboração dos projectos das redes telefóni terar o regime dos alvarás, o Regulamento
cos que poderiam subscrever projectos sujei cas e de infra-estruturas telefónicas, revo Geral de Edificações Urbanas, datado de
tos a licenciamento municipal, regulando desta gando o absurdo Decreto 59/2000, que co 1951, e a regulamentação sobre a obrigato
forma o Decreto 166/70. Também foram pre locava em paridade de competência e de in riedade de revisão de projectos, bem como
cisos mais 36 anos para se conseguir uma al tervenção técnica os engenheiros electrotéc da actualização da legislação sobre a contra
teração significativa daquele diploma, pois em nicos e todos os outros técnicos de formação tação de seguros de projectos e obras.
ANÁLISE
A nova Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho
tre de 2008, foi possível, com o envolvi
mento e determinação do Ministro das Obras
N
o dia 3 de Julho foi publicada a Lei n.º ção específica para aquele domínio, o que, prática, e na legislação publicada ao longo das
31/2009, que estabelece a qualificação aliás, na prática, já vinha sendo seguido por últimas décadas, não era exigido. Restará ce
profissional exigível aos técnicos respon muitas câmaras municipais, através de regu lebrar, no prazo de dois meses, os protocolos
sáveis pela elaboração e subscrição de pro lamentos e pelo próprio mercado. entre a OE e a Associação Nacional dos En
jectos, pela fiscalização e direcção de obra Mas a proposta da OE focava, na essência, genheiros Técnicos, para definir o âmbito das
pública e particular que não esteja sujeita a outros aspectos que considerámos imprescin competências dos membros de cada associa
legislação especial, revogando o já célebre díveis para que fosse garantida uma melhor ção, para a área da engenharia, e o protocolo
Decreto 73/73, de 28 de Fevereiro. Esta qualidade das obras. O Decreto 73/73 ape com a Ordem dos Arquitectos, para clarifi
nova Lei foi aprovada pela Assembleia da nas se aplicava à qualificação dos autores dos car a intervenção daqueles profissionais na
República, em 15 de Maio, sem votos con projectos das obras sujeitas a licenciamento direcção de obras, limitada ao âmbito da ar
tra e apenas com a abstenção do PCP. Dado municipal. Por isso, a nossa proposta defen quitectura, e que decorre do próprio esta
que a data da publicação da nova Lei coin dia a qualificação profissional para a elabora tuto daquela associação. Caso não seja pos
cidiu com o fecho desta edição da “Inge ção dos projectos de engenharia, impondo a sível celebrar estes acordos, competirá ao
nium”, a análise mais detalhada do diploma obrigatoriedade da figura do coordenador do Ministro das Obras Públicas fazer publicar,
só terá lugar no próximo número. projecto. Também defendemos que deveriam nos dois meses seguintes, uma portaria com
Contudo, e devido à sua importância, importa ser definidas, e tipificadas, as obras de enge a diferenciação das competências, pois, tal
desde já tecer alguns comentários relativos nharia civil, reservadas aos engenheiros, e de como a OE tem vindo a defender, uma for
ao texto da Lei n.º 31/2009, que poderá ser finidas as qualificações para os directores de mação de três anos em engenharia não po
consultado no portal da Ordem dos Enge obra e directores de fiscalização, abrangendo- derá dar as mesmas competências que uma
nheiros (OE), tanto mais que alguma comu -se assim o ciclo da construção. Finalmente, formação de cinco anos. A própria directiva
nicação social divulgou a notícia da aprovação considerámos que o futuro diploma também das qualificações profissionais define a for
do Projecto de Lei pela Assembleia da Repú deveria ser aplicado às obras públicas e não mação de três anos como sendo de ciclo curto
blica, focando apenas a parte em que a ela apenas às obras particulares, como sucedia e a de cinco anos como de ciclo longo.
boração dos projectos de arquitectura passa com o 73/73. A par das qualificações referi Naturalmente que há disposições da nova
ria a ser um direito dos arquitectos. Também das, também considerámos necessário que Lei que não merecem o nosso total acordo,
a Assembleia da República destacou o facto fosse definida a qualificação profissional para mas uma negociação exige cedências, sepa
político associado a este pedido, pois surgiu a coordenação de segurança nos estaleiros, rando as questões fundamentais das acessó
na sequência da primeira petição de um grupo em fase de projecto e de obra. Só com este rias. Julgamos que o resultado final é muito
de cidadãos. Ora, este é um detalhe menor âmbito de intervenção, mais amplo, seria pos positivo, pois foi conseguido agora o que
de entre as disposições dos 29 artigos da nova sível um quadro de qualificações que permi vinha sendo adiado nos últimos 20 anos.
Lei, que mereceram a aprovação da OE e o tisse garantir melhores construções e não ape A Lei entra em vigor no dia 1 de Novem
acordo com a Ordem dos Arquitectos. nas uma revisão para satisfazer as aspirações bro, mas os técnicos qualificados para a ela
Para memória futura, recordo um pouco da de um grupo profissional. boração de projectos nos termos do Decreto
história recente deste processo. No início do Decorreram quatro anos com muitas discus 73/73, podem, durante cinco anos contados
mandato de 2004, a OE preparou uma pro sões com o Ministério das Obras Públicas, da data de entrada em vigor da Lei n.º
posta para revisão do Decreto 73/73, que Assembleia da República e com a Ordem 31/2009, elaborar os projectos específicos
foi apresentada no Congresso de Outubro dos Arquitectos, até que, no segundo semes previstos, nos termos do art.º 25.º.
OPINIÃO
JAIME PIÇARRA
doutros serviços prestados ou, no limite, cons- facturas e a verificação da qualidade e espe- De facto, é direito e obrigação dos projec-
tituir a doação de um serviço de boa vontade. cificação dos materiais utilizados. tistas fazerem a assistência técnica do pro-
Importa, contudo, ter presente que os ter- jecto em fase de obra, verificando a cor-
mos do relacionamento estabelecido entre o 9. Qual o âmbito da intervenção do TRO? Cobre recta interpretação do projecto e a sua boa
dono de obra e o TRO, sejam eles quais forem, todos os projectos das especialidades e espe- execução, razão pela qual está prevista nas
não limitam nem alteram nem o âmbito nem cificações de materiais? tabelas de honorários de engenharia uma
a responsabilidade inerente a esta função. A lei é omissa quanto ao âmbito das respon- parcela paga com esta actividade.
sabilidades do TRO. Considerando, porém, No caso das especialidades que não a de
6. Que ocupação exige ou quantas vezes deve que o Termo de Responsabilidade e o encer- arquitectura, a tendência da lei é a de as-
o TRO ir à obra? ramento do Livro de Obra se reportam ao segurar igualmente a responsabilidade do
As necessárias para assegurar com rigor o “projecto aprovado” pela Câmara Munici- projecto, bem como a conformidade da
cabal exercício das suas responsabilidades. pal, sugere-se que a sua intervenção estará construção/instalação com esse projecto,
Por isso há operações que se consideram em correspondência com aquilo que é ob- através de entidades especializadas – com
como de presença praticamente obrigatória, jecto da aprovação da Câmara, ou seja, o graus de especialização crescente – sem o
como, por exemplo, a implantação, a aber- projecto de licenciamento de arquitectura que não pode ser assegurada a ligação da
tura de fundações, a execução das armadu- e, por inerência, o projecto de estruturas que obra concluída às infra-estruturas públi-
ras, betonagens, etc.. lhe dá corpo, e os de águas e esgotos, nomea cas, nem passado o respectivo título de li-
damente no que concerne às ligações com cença de utilização. Assim,
7. Perante quem responde o TRO? as redes públicas. – Projecto de electricidade – Existe a obri-
No exercício das suas funções, o TRO res- As restantes especificações e projectos de gatoriedade de aprovação do projecto/
ponde, em termos gerais, perante a socie- especialidade, mesmo com o imperativo legal diagrama de cargas por entidade própria
dade, pela defesa da legalidade e do bem de fazer parte do processo camarário, não (Certiel) e é obrigatória a vistoria da ins-
comum. Neste sentido, a sua responsabili- estão no âmbito da apreciação por parte da talação antes da ligação à rede.
dade é prestada, como compromisso formal Câmara, que os recolhe e reencaminha, sendo – Projecto de gás – Obrigatoriedade de
e profissional, junto da Câmara Municipal objecto de aprovação ou certificação por aprovação do projecto por entidade cer-
que licenciou a obra e enquanto estiver vá- parte de entidades especializadas, em certos tificada e da instalação ser feita ou vis-
lido o seu Termo de Responsabilidade, inde- casos apenas com base em diagramas fun- toriada por entidade certificada antes
pendentemente do cumprimento contratual cionais sem expressão de desenho ou espe- da ligação à rede.
ou não do dono de obra para consigo. Isto cificação para execução. Senão vejamos: – Projecto de telecomunicações – Obri-
significa que, como qualquer cidadão, o TRO, Materiais (de acabamento, isolamento, gatoriedade de aprovação do projecto
pelo exercício desta função, pode ser accio- impermeabilização, torneiras, aparelhagem esquemático por entidade certificada e
nado cível ou criminalmente por quem se eléctrica, etc.) – É usual não fazerem parte inspecção da instalação por entidade
ache no direito de o fazer, sendo que a Câ- do projecto de licenciamento, o que acon- certificada antes da ligação à rede.
mara Municipal o fará obrigatoriamente sem- tece normalmente apenas com os acaba- – Projecto acústico – Obrigatoriedade de
pre que considere ter havido dolo, negligên- mentos exteriores, nem a sua alteração aprovação do projecto esquemático por
cia ou prestação de falsas declarações, par- obriga a submeter à aprovação da Câmara entidade certificada e inspecção da ins-
ticipando igualmente dessa alegada irregula- um projecto de alterações, é lógico que a talação por entidade certificada após a
ridade de conduta à respectiva associação verificação de conformidade dos materiais conclusão da obra.
profissional para procedimento disciplinar. fornecidos com o especificado não fará – Projecto térmico – Certificação energé-
parte das obrigações do TRO, nem a sua tica objecto de apreciação em fase de
8. O TRO tem a mesma função da fiscalização declaração de conformidade da obra com projecto, acompanhamento de obra e
da obra? o projecto aprovado, a entregar na Câmara emissão de certificado após a conclusão,
Não. A fiscalização eventualmente contra- Municipal com a conclusão dos trabalhos, actividade obrigatoriamente desempe-
tada pelo dono de obra não é obrigatória por caso tenha havido alterações de materiais, nhada por técnico qualificado para o
lei, apenas um serviço ou conjunto de servi- fica comprometida. efeito (RCCTE).
ços delegados pelo dono de obra para defesa Projectos e trabalhos das especialidades – – AVAC – Sem requisitos oficiais ou as-
dos seus interesses no decorrer dos trabalhos, A lei obriga os projectistas das especiali- sociado ao projecto térmico RECSSE.
sem qualquer interferência ou ligação com a dades não só a assumirem a responsabili- – Projecto de distribuição de sinal de TV
Câmara ou quaisquer outras entidades ofi- dade pelo projecto, responsabilizando-os e videoporteiro – Em vias de vir a tor-
ciais. Fazem normalmente parte das atribui- pelo cumprimento de todos os requisitos nar-se obrigatório.
ções da fiscalização, o acompanhamento da legais e regulamentares, como na entrega
execução dos trabalhos, o seguimento do pla- das telas finais, quando tal entrega é obri- 10. Em conclusão, o que se intui quanto ao
neamento e a coordenação da obra, a verifi- gatória (caso da arquitectura), através da âmbito da responsabilidade que o TRO assume
cação ou elaboração dos autos de medição declaração de que a construção está con- junto da Câmara Municipal que licenciou a
do trabalho executado e correspondentes forme o projecto aprovado. obra é o conjunto de elementos aprovados pela
CONSELHO JURISDICIONAL BERNARDO MIRA DELGADO, Membro do Conselho Jurisdicional
da Ordem dos Engenheiros e Presidente do Conselho Disciplinar da Região Sul
própria Câmara na sua competência e inter- forma, é imprescindível que determinadas si- A crescente especialização e o progressivo
venção directas. tuações sejam detectadas de imediato, sem o aumento do número de especialidades torna
Corroboram ainda esta consideração os se- que ficará posta em causa a integridade da impossível o acompanhamento da obra por
guintes argumentos: própria construção: é essa a missão do TRO; um profissional isolado, como de resto a pró-
Face à declaração de conformidade do Daí a capacidade profissional e formação pria lei reconhece ao impor a intervenção de
TRO após a conclusão dos trabalhos, a Câ- de base impostas legalmente ao TRO serem diferentes entidades/peritos na certificação
mara Municipal pode prescindir da vistoria orientadas para a especialidade de civil; dos diferentes projectos e instalações.
(em geral tende a fazê-lo) para efeitos da Os honorários habitualmente praticados
emissão do alvará de licença de utilização; no exercício da função de TRO estão em Em resumo, na nossa opinião, o TRO deverá,
Na origem da figura de TRO está a neces- correspondência com o acompanhamento de facto, fiscalizar não só os projectos mas,
sidade de assegurar a estabilidade e a quali- dos trabalhos em visitas pontuais (as que sobretudo, a boa execução da construção,
dade da obra em termos de cumprimento dos forem necessárias), normalmente numa designadamente no que se refere à estabili-
regulamentos e demais prescrições legais, par- proporção que se considera incompatível dade e às redes de águas e esgotos, verifi-
ticularmente no que concerne à estrutura e com o acompanhamento exaustivo de todo cando sempre o cumprimento dos projectos
arquitectura de edificações. Dito de outra os trabalhos; aprovados.
Livro de Obra
1. O livro de obra, com o termo de abertura inscrito pela Câmara Muni- segurança e higiene prescritas no manual de segurança, seja de situa
cipal, é entregue ao dono de obra quando este procede ao pagamento ções físicas ou de organização.
da licença de obra. Destinado a registar o começo, o andamento e a A identificação de alterações (significativas) da construção em re-
conclusão da obra, o Livro de Obra deve estar sempre disponível na obra, lação ao projecto aprovado e licenciado.
sob a responsabilidade do dono da obra. A existência de situações de risco ou de danos provocados em cor-
respondência com edificações ou propriedades vizinhas.
2. O que se deve inscrever no Livro de Obra?
Todas as ocorrências importantes ou circunstâncias imprevistas ve- 3. Quem deve/pode fazer essas inscrições no Livro de Obra?
rificadas nessa obra, designadamente: O dono de obra, o Técnico Responsável da Obra, o empreiteiro, os
As datas do começo da obra, piquetagem, marcação da cota de projectistas, os fiscais, ou seja, qualquer elemento do corpo respon-
soleira e implantação, com a indicação de quem esteve presente, sável pela correcta execução da obra. O Técnico Responsável da
fiscalização camarária incluída. Obra tem a estrita obrigação de exarar no Livro de Obra todas as
A data da abertura das fundações, das betonagens e respectiva situações de desconformidade em relação ao projecto aprovado e a
conformidade com as especificações do projecto e as datas chave defeitos de construção, particularmente se estes não forem objecto
da construção da estrutura. de adequada e atempada correcção ou reparação.
A identificação de defeitos de construção detectados no decurso
da obra, seja resultantes da utilização de materiais diferentes do 4. Qual o destino do Livro de Obra?
especificado em projecto, seja da aplicação de processos constru- O Livro de Obra é devolvido aos serviços da Câmara Municipal
tivos fora das boas práticas da construção, seja ainda resultantes quando da conclusão da obra, com o termo de encerramento assi-
de eventuais erros de projecto. Para além da referida identifica- nado pelo Técnico Responsável da Obra, com a declaração formal
ção, devem igualmente constar do livro as medidas tomadas em de que a obra se encontra executada de acordo com as condições
correspondência com os defeitos encontrados. aprovadas no licenciamento. O Livro de Obra fica arquivado como
A descrição de situações precisas de incumprimento das normas de parte do processo camarário da respectiva obra.
LEGISLAÇÃO delo de governação do Quadro de Referência Es-
tratégico Nacional para o período 2007-2013 e
dos respectivos programas operacionais.
"Senhor Europa"
Homenagem a Rui Teixeira Guerra
H
á escassos dias atrás a Câmara Munici-
pal de Portalegre concretizou uma ho-
menagem prometida a Rui Teixeira
Guerra, cidadão natural desse distrito. Ce-
rimónia discreta, quase silenciosa. Cumpriu,
porém, o preito devido a quem, embora o
desconhecimento generalizado, teve um
papel decisivo na definição de um percurso
cujas repercussões, indeléveis, estão presen-
tes no quadro contemporâneo.
Dito de outra forma, o diplomata, embaixa-
dor Rui Teixeira Guerra, foi um dos princi-
pais mentores e um protagonista decisivo na
história da participação de Portugal na Cons-
trução Europeia; desde o pós II Guerra Mun-
dial, quando a questão do envolvimento por- de maturação, que as suas reflexões teste- II Guerra Mundial, tendo protagonizado,
tuguês no processo de cooperação europeia munham, sobre o papel da diplomacia e as aliás, uma posição, bastante invulgar face à
efectivamente se colocou, acompanhando, funções do diplomata, em matéria de apren- ortodoxia que regia o pensamento e a prá-
e mesmo conduzindo, o processo de apro- dizagem sobre a natureza política e econó- tica da política externa portuguesa da época,
ximação e cooperação do país com as diver- mica dos países em que exerceu funções, na em matéria de percepção e defesa do posi-
sas estruturas e instituições europeias, que, formação do seu pensamento próprio, na es- cionamento que Portugal deveria ocupar no
passando pela assinatura dos Acordos com truturação e apuramento da sua sensibili- cenário internacional emergente do pós-
a CEE e a CECA em 1972, culminou com dade e capacidade analítica e interpretativa -guerra e em matéria de cooperação política
o pedido formal (1977) e a assinatura do dos contextos históricos que vivenciou e no e económica com os estados europeus. Pen-
Tratado de Adesão de Portugal às Comuni- entendimento, que consubstanciaria nos anos samento e acção que muito em breve o afir-
dades Europeias em 1985. seguintes, sobre a ordem internacional e, mariam pela sua visão europeísta.
É sempre justo e oportuno lembrá-lo, mesmo muito especialmente, sobre o lugar e o po-
nesta data sem significado particular, a não sicionamento de Portugal no Mundo do pós 1947, o ano da chegada da Guerra Fria, para
ser o facto de estarmos a um ano da cele- II Guerra Mundial, considerando o quadro evocar a consagrada expressão do jornalista
bração do 25.º aniversário da consagração da emergente da Guerra Fria e os novos mol- Walter Lipmann, concentrou acontecimen-
entrada de Portugal na “Europa”. des que se procuraram encontrar em maté- tos que marcaram decisivamente o futuro da
Rui da Fonseca e Sousa Camões Teixeira ria de cooperação política e económica de- Europa e do Mundo, incluindo o lançamento
Guerra nasceu em Santa Eulália (Elvas) em signadamente à escala europeia. do Plano Marshall e a realização da Confe-
1902. Licenciou-se em Direito na Universi- Foi precisamente esse quadro complexo que rência de Paris, que Teixeira Guerra presen-
dade de Lisboa, ingressou na carreira diplo- se colocou a Teixeira Guerra quando, em ciou como único representante do Governo
mática em 1931. Em 1936 foi nomeado côn- 1947, foi nomeado primeiro secretário da de Lisboa. Vindo de Inglaterra, o diplomata
sul em Montréal e, pouco tempo depois, em legação de Portugal em Paris; verdadeiro epi- português apresentou-se no primeiro dia de
1939, cônsul em Berlim, posto que manteve centro a partir do qual o ainda jovem diplo- trabalhos da Conferência de Paris, 12 de
até 1940, quando foi chamado a Lisboa. Em mata se destacaria, quer pelo exercício da Julho de 1947, tornando-se rapidamente o
1942 assumiu o consulado-geral de Nova arte da diplomacia, conquistando o prestígio diplomata-chave do desenvolvimento das ne-
Iorque; no ano seguinte foi colocado em co- entre os seus pares no palco internacional, gociações que conduziram ao envolvimento
missão no consulado de Boston, de onde pas- mas também pela acção, discreta e decisiva, efectivo de Portugal no Plano Marshall.
sou para cônsul em Liverpool. que condicionou o desenho das relações ex- Como é sabido, Portugal participou activa e
Salientem-se, a propósito, a importância e ternas de Portugal, especialmente no quadro empenhadamente, desde a primeira hora, nas
os reflexos desse anos de vivência e experi- da cooperação europeia e atlântica. Refira- diversas actividades destinadas à concretiza-
ência consular de Rui Teixeira Guerra, evi- -se, por isso, entre múltiplos aspectos que ção do Plano Marshall: esteve presente na
dentes, aliás, nos diversos testemunhos es- compuseram a sua actividade, a forma como Conferência de Cooperação Económica Eu-
critos que foi produzindo. Refiram-se, entre passou a acompanhar de perto a integração ropeia, realizada em Julho de 1947 em Paris,
outros aspectos, essa influência no processo portuguesa nas estruturas europeias do pós onde, em resposta às sugestões do general
HISTÓRIA "SENHOR EUROPA"
Homenagem a Rui Teixeira Guerra
Marshall, se fez o balanço das necessidades delegados [foram] grandes, não só porque paço europeu, que, entretanto, daria lugar à
económicas comuns e se elaborou um pro- ainda estava perto a nossa declaração de que definição de dois blocos distintos e concor-
grama de recuperação económica dos países nada queríamos, mas também porque, não renciais, a CECA/CEE e a EFTA.
europeus; aceitou os vários mecanismos ins- tendo Portugal participado na guerra, não Foi por um golpe de sorte, recorrendo à ex-
tituídos no quadro do European Recovery deveríamos, numa interpretação rigorosa do pressão do embaixador Rui Teixeira Guerra,
Program (“nome oficial” do Plano Marshall); Plano Marshall, ter direito a receber qual- que Portugal conseguiu juntar-se aos países
foi membro fundador da Organização Euro- quer ajuda financeira. signatários da Convenção de Estocolmo,
peia de Cooperação Económica (OECE, mais Nos anos seguintes, a actividade de Teixeira sendo inequívoca a forma como as autorida-
tarde OCDE) e; beneficiou do auxílio finan- Guerra concentrou-se em Paris; foi repre- des portuguesas se bateram pela integração
ceiro norte-americano, apesar de inicialmente sentante permanente de Portugal na OECE na EFTA, ou, em português, Associação Eu-
o ter rejeitado. entre 5 de Julho de 1948 e Janeiro de 1956, ropeia de Comércio Livre, argumentando
Recorde-se, contudo, que, num primeiro foi presidente do Comité Executivo da OECE contra a perspectiva de “ficar de fora”.
momento, o Governo português, pela voz em 1955 e presidente da missão da OECE Teixeira Guerra participou nas negociações
do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, na reunião de governadores do FMI e do para a constituição da EFTA e chefiou a de-
Caeiro da Mata, rejeitou a possibilidade de BIRD em Setembro de 1955. legação portuguesa nas reuniões de 1959 em
aceitar auxílio financeiro americano. Dis- Oslo, Estocolmo e Saltsjõbaden, obtendo
tinto, porém, era o entendimento de Tei- Entretanto, a evolução dos acontecimentos, importantes garantias para Portugal.
xeira Guerra, que, interpretando as circuns- a clarificação do ambiente internacional e a Em Junho de 1960 foi nomeado embaixa-
tâncias internacionais e a vulnerabilidade da definição dos contornos em torno da Guerra- dor de Portugal em Berna e, em Outubro
posição económica e comercial portuguesa, -fria, conduziram a um crescente estreita- do mesmo ano, representante permanente
considerava mais aconselhável a participação mento nas relações de Portugal com os EUA de Portugal no Conselho da EFTA, em Ge-
de Portugal como beneficiário do auxílio fi- num palco em que Teixeira Guerra também nebra. A participação portuguesa na EFTA
nanceiro. Mas não era essa a estratégia nem se viu envolvido. Refiram-se a assinatura, em teve um impacto muito positivo, conside-
a visão do Governo português. Porém, não Fevereiro de 1948, de um acordo entre o Go- rando-a mesmo um dos mais poderosos fac-
passou mais de um ano para que, confron- verno português e o Governo dos EUA, con- tores do rápido crescimento e modernização
tado com o agravamento da situação econó- cedendo às forças militares americanas faci- da economia portuguesa durante esse período.
mica e financeira, o Governo português se lidades nos Açores e, numa esfera mais abran- Pouco tempo mais tarde cumpriria ainda Tei-
visse obrigado a alterar a decisão inicial de gente, a admissão de Portugal como membro xeira Guerra a missão de chefiar a represen-
dispensar o auxílio financeiro dos EUA no fundador da NATO em 4 de Abril de 1949. tação de Portugal nas negociações de Gene-
quadro do Plano Marshall. A actividade de- Em 4 de Maio de 1951 Teixeira Guerra as- bra que conduziram à entrada de Portugal
senvolvida por Teixeira Guerra, entretanto sumiu também o lugar de representante de no GATT, em Abril de 1962, instituição
nomeado representante de Portugal na OECE, Portugal junto da Repartição Económica e Fi- junto da qual também desempenhou o lugar
foi determinante nesse processo. Chamado nanceira da NATO, tendo sido membro das de representante permanente.
a Lisboa, tomou conhecimento das novas in- delegações portuguesas a várias sessões do Teixeira Guerra assegurou, até final de 1966,
tenções do Governo e foi instruído no sen- Conselho do Atlântico entre 1951 e 1956 e as representações portuguesas junto da EFTA
tido de dar continuidade à decisão de soli- membro da representação portuguesa junto e do GATT, tendo assumido a Presidência
citar a comparticipação da ajuda financeira da NATO durante esse período. do Conselho Permanente da EFTA no se-
americana junto da OECE. Segundo o tes- Em breve, o andar dos tempos acabou por gundo semestre desse ano. A sua carreira
temunho do próprio Embaixador, em entre- conduzir Portugal à resignação face à consti- como diplomata parecia aproximar-se do fim
vista que me concedeu em Agosto de 1992, tuição de uma unidade de estrutura econó- quando, em 1 de Janeiro de 1967, solicitou
a candidatura do Governo português à com- mica da Europa. O final dos anos 50 e espe- terminar as suas funções de representante
participação do auxílio financeiro norte-ame- cialmente os inícios dos 60 vieram colocar permanente de Portugal junto da EFTA e do
ricano só foi possível porque, sem prever novos desafios a Portugal, impondo a apro- GATT e, pouco depois, em 7 de Julho de
que a decisão do Governo se viesse a alte- ximação à Europa, em que se encontramos 1967, deixar o lugar em Berna.
rar, mas acautelando a posição nacional, de- novamente a acção de Teixeira Guerra.
fendera essa eventualidade na OECE. Teixeira Guerra, promovido a ministro ple- Assim poderia ter acontecido, não fosse a
O esforço a que obrigou essa mudança de nipotenciário de 1.ª classe em 1956, regres- alteração das circunstâncias ou, afinal de con-
atitude das autoridades portuguesas foi mais sou a Lisboa assumindo o importante lugar tas, a evolução natural de um caminho des-
tarde descrito por Teixeira Guerra: durante de Director-Geral dos Negócios Económicos bravado (de que o próprio embaixador fora
muito tempo, o nosso Governo não acredi- e Consulares do Ministério dos Negócios Es- partícipe), que, na sequência da aceitação
tou no êxito de uma empresa do mais vasto trangeiros. Foi a partir daí que desenvolveu da candidatura britânica de adesão às Co-
alcance, necessário se tornando, portanto, uma intensa actividade em várias negociações munidades Europeias, colocavam a Portugal
quando mudámos de posição, adaptar as es- de natureza comercial e económica, especial- novos desafios e decisões. O Governo Por-
truturas nacionais para tirar do Plano o pos- mente as relativas ao desenho da presença tuguês, agora liderado por Marcelo Caetano,
sível proveito. (...) os esforços dos nossos portuguesa na cooperação económica no es- compreendeu novamente que não podia ficar
"SENHOR EUROPA" HISTÓRIA
Homenagem a Rui Teixeira Guerra
U
ma das grandes revoluções na visão clássica da Matemática ocor- los internos é sempre superior a 180º. Analogamente, dada uma
reu no século XIX, com a descoberta das Geometrias não-eu- “recta” na esfera (um círculo máximo) e um ponto exterior à es-
clidianas. De facto, durante dois milénios, os princípios funda- fera, qualquer “recta” (ou seja, círculo máximo) que passe pelo ponto
mentais da Geometria pareciam ter sido estabelecidos de uma vez exterior intersecta necessariamente a recta inicial.
por todas nos postulados de Euclides, sendo as suas construções ma- No entanto, negar o quinto postulado de Euclides é negar que o nú-
temáticas (Axioma-Teorema-Demonstração) verdades intemporais. mero de rectas paralelas seja um. Há claramente infinitas maneiras
A Geometria segundo Euclides foi desenvolvida durante séculos, de um inteiro ser diferente de um, pelo que a geometria esférica
tornando-se mesmo o modelo da “Matemática ideal”. (correspondente a esse inteiro ser zero) não é a única geometria não-
Durante séculos, também, os matemáticos atacaram um problema -euclidiana. O que acontece se deixarmos que o número de rectas
interno da Geometria euclidiana: tentar demonstrar o quinto pos- paralelas possa ser maior do que um?
tulado de Euclides a partir dos outros. O quinto postulado afirma A primeira surpresa é que não existem infinitas geometrias não-eu-
que por um ponto exterior a uma recta passa uma e uma só recta clidianas: só há mais uma. De facto, se supusermos que por um
paralela à primeira (sendo conhecido por “postulado das paralelas”). ponto exterior a uma recta passam duas rectas paralelas à inicial,
Mostra-se que ele é equivalente a outras propriedades com as quais segue-se automaticamente que passa um número infinito. Portanto,
estamos bem familiarizados e as nossas crianças aprendem na escola: só existem duas formas de negar o postulado das paralelas: ou supor
por exemplo, a de que a soma dos ângulos internos de um triângulo que o número de paralelas no postulado modificado é zero (o que
é 180º. No entanto, o problema resistia teimosamente: ninguém corresponde à Geometria Esférica), ou que é infinito.
conseguia demonstrar que o quinto postulado, por “geometrica- A Geometria originada por esta modificação é conhecida por Geo-
mente óbvio” que pareça, é consequência lógica dos restantes. metria Hiperbólica, porque, de forma análoga à Esférica, pode ser
Na verdade, uma grande surpresa aguardava os matemáticos no sé- concebida mergulhando um pedaço de hiperbolóide no espaço e
culo XIX. O quinto postulado de Euclides é independente dos res- vendo o que sucede às “rectas”. Por exemplo, sobre a superfície de
tantes quatro. um hiperbolóide um “triângulo” tem sempre a soma dos ângulos in-
Este facto foi demonstrado da maneira mais dramática possível: ten- ternos menor do que 180º.
tando utilizar um método de demonstração caro aos matemáticos Há, contudo, uma grande diferença quando tentamos representar
– a redução ao absurdo. Supõe-se que o postulado de Euclides é no espaço as três geometrias (euclidiana, esférica, hiperbólica). Um
falso, tentando deduzir uma proposição que contradiga algum dos plano euclidiano (isto é, no qual é válida a geometria de Euclides)
outros postulados. Se tal proposição existisse, teria de ser simulta- é aquilo que usualmente referimos como plano (tem curvatura iden-
neamente verdadeira e falsa, o que seria um absurdo – demons- ticamente nula). Um plano “esférico” (mais precisamente, um plano
trando assim o quinto postulado. com curvatura positiva constante) é uma superfície esférica; não
O problema é que, como foi demonstrado por Gauss, Bolyai e ou- surgem problemas de representação no espaço tridimensional por-
tros matemáticos do século XIX, é que... não surge nenhum ab- que é uma superfície compacta.
surdo! Pelo contrário: os sistemas geométricos construídos negando No entanto, o caso muda de figura para um plano hiperbólico (um
o quinto postulado de Euclides são absolutamente coerentes. Têm plano de curvatura negativa constante). Localmente trata-se de uma
proposições e resultados absolutamente análogos, até na forma de superfície hiperbólica, em que todos os pontos são pontos de sela: ao
demonstração, à geometria de Euclides. No entanto, o seu conteú- longo de uma direcção a superfície curva num sentido, e ao longo de
do matemático é evidentemente distinto. Trata-se de geometrias al- outra no sentido oposto, como a superfície de uma sela de cavalo.
ternativas à euclidiana, conhecidas hoje por Geometrias não-Eucli- Mas isto tem de acontecer em todos os pontos. Se o leitor tentar ima-
dianas. ginar o que isto implica, se tentar representar um plano hiperbólico
Há essencialmente dois tipos de geometrias não-euclidianas: a esfé- no espaço, verá que, à medida que o plano se prolonga, tem de ficar
rica e a hiperbólica. Na geometria esférica supõe-se que o quinto mais convoluído, um pouco como as folhas de uma alface seca. Como
postulado de Euclides é substituído pelo análogo “dada uma recta este efeito de “encarquilhamento” é cada vez maior, torna-se impos-
e um ponto exterior a uma recta, não passa pelo ponto nenhuma sível representar um plano hiperbólico no espaço tridimensional (ma-
recta paralela à primeira”. Há uma forma intuitiva de o leitor visua tematicamente, diz-se que não existe um mergulho isométrico glo-
lizar a geometria esférica: é imaginar-se a fazer geometria não sobre bal, isto é, que preserve distâncias, do plano hiperbólico no espaço
um plano, mas sobre a superfície de uma esfera. tridimensional, facto demonstrado por Hilbert em 1901).
É claro que esta geometria não é euclidiana: se imaginar um “triân- Como o ser humano só consegue imaginar objectos físicos a três di-
gulo” formado por uma secção do Equador com 90º e o terceiro mensões, este resultado é um pouco deprimente: o plano hiperbó-
vértice no pólo, os ângulos internos são todos rectos e a soma dos lico, embora evidentemente exista enquanto objecto matemático,
ângulos internos é 270º. Para um triângulo geral, a soma dos ângu- não pode ser visualizado (ou construído) no espaço físico.
CRÓNICA
Figura 1
metria hiperbólica. O processo é demorado, o resultado final é frá- Nessa mesma noite Taimina lançou literalmente mãos à obra. Dias de-
gil, mas ficamos com um modelo do plano hiperbólico (Figura 1). pois tinha construído o primeiro modelo físico estável de (parte do)
Em finais dos anos 90, a matemática letã Daina Taimina estava a ob- plano hiperbólico no espaço físico (Figura. 2). Na Figura 3, também
servar uma apresentação do matemático David Henderson, que ma- obra de Taimina, está ilustrado o postulado modificado das paralelas
nipulava com cuidado o frágil modelo em papel para ilustrar as suas no plano hiperbólico: as linhas a amarelo são todas paralelas.
propriedades geométricas. E de repente teve uma iluminação, ins- Estes fantásticos resultados deram origem a um artigo científico de
pirada pelo seu hobby não-matemático – o crochet. Taimina e Henderson, Crocheting the hyperbolic plane, publicado no
E se em vez de colar cada tira de papel à seguinte, simulando o efeito Mathematical Intelligencer em 2001, e ao livro Crocheting adven-
de círculos concêntricos de raios maiores, tivermos... cadeias de cro- tures with Hyperbolic Planes, publicado em 2009.
chet com um número crescente de elos em cada cadeia? O efeito é o Estas ideias tiveram entretanto desenvolvimentos muito inespera-
mesmo, o problema de estabilidade estrutural fica resolvido, e ficamos dos. O casal de matemáticos Hinke Osinga e Bernd Krauskopf, no
com um modelo, não rígido mas portátil, do plano hiperbólico! Natal de 2002, tiveram conhecimento dos trabalhos de Taimina.
Krauskopf sugeriu à sua mulher, ela própria adepta de crochet, que
“fizesse em crochet algo de útil”. Depois de pensarem em conjunto,
decidiram construir um modelo físico (em crochet!) de um objecto
com uma geometria hiperbólica a duas dimensões, que mesmo uti-
lizando computadores é muito difícil de detectar.
O leitor provavelmente conhecerá pelo menos as imagens do atrac-
tor de Lorenz, justamente famoso enquanto ícone do chamado
“efeito borboleta”. Não foi o atractor de Lorenz que Osinga e
Krauskopf construíram, mas sim um objecto dinâmico relacionado,
a variedade estável da origem (Figura 4).
Este objecto com cerca de 1 metro de altura foi capa do Mathema-
tical Intelligencer em 2004, acompanhando o seu artigo Crocheting
the Lorenz manifold. Nesse artigo o casal de matemáticos fornecia
o algoritmo para construir a variedade de Lorenz – é provavelmente
Figura 2
o único caso em que uma revista científica fornece instruções para
CRÓNICA JORGE BUESCU
Professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Figura 6
Figura 5 Figura 7
INTERNET
www.presseurop.eu/pt PressEurop
Lançado no passado mês de Maio, o PressEurop é o primeiro grande portal europeu de in-
formação. Gratuito, disponibiliza notícias sobre os 27 países da União Europeia, em 10 lín-
guas – Português incluído.
Numa iniciativa da Comissão Europeia, confiada a quatro revistas com experiência de im-
prensa internacional – Courrier international de França, Internazionale de Itália, Forum da
Polónia e Courrier internacional de Portugal –, o projecto, realizado “com total independên-
cia por jornalistas de toda a UE”, pretende “criar um espaço público de informação à escala
do continente europeu”. Permite subscrição de newsletter e envio de notícias via RSS.
LIVROS
Autores: Manuela Branco, Carlos Valente e Como organizar e pôr em prática um sistema
Maria Rosa Paiva de gestão da manutenção é o tema deste livro,
Edição: ISA Press que retoma os conceitos da manutenção, co-
bertos na obra, do mesmo autor, “Organização
A obra reporta os resultados das principais acti- e Gestão da Manutenção – dos conceitos à prática”, aprofundando-os, com
vidades desenvolvidas no âmbito do projecto de demonstração AGRO 550, o resultado das recentes normas adoptadas pela ISO, relativas a terminolo-
intitulado “Gestão de pragas em pinhal e eucaliptal, minimização de impac- gia, indicadores de desempenho, contratos e documentos de manutenção.
tes ambientais e conservação da biodiversidade”, financiado pelo programa Particular atenção é dedicada à gestão da manutenção de edifícios, também
AGRO – Medida 8 – Desenvolvimento Tecnológico e Demonstração do Mi- ela objecto de regulamentação recente (RSECE), de grande exigência e que
nistério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, decorrido amplia o âmbito das funções do gestor.
entre 2003 e 2007. Com o objectivo de divulgar metodologias, princípios e Numa perspectiva prática, inclui informação técnica sobre metodologias para
tecnologias no domínio da gestão florestal, no que respeita à protecção con- organização funcional, ilustradas com os casos hotel e escritório, desenho de
tra agentes bióticos causadores de doenças e pragas, o livro aborda temas fichas de características técnicas e biblioteca de preparações de trabalhos.
como: Problemas fitossanitários, Monitorização e estimativa de estragos, Os
inimigos naturais e a regulação das populações, Efeito funcional da diversi-
Colóquio: As Características
dade sobre as pragas e Gestão de pragas e doenças.
dos Pesticidas em Produção Integrada
e a Prescrição dos Pesticidas
Incêndios Florestais: 5 anos após 2003
Autor: Pedro Amaro
Autores: Joaquim Sande Silva, Ernesto de
Edição: ISA Press
Deus e Lúcia Saldanha
Edição: Liga para a Protecção da Natureza, Após a “descoberta”, no início de 2005, da
Autoridade Florestal Nacional comercialização, em Portugal, de pesticidas
de elevado risco com efeitos específicos na
Reflexão e contribuição independentes sobre a evo- saúde humana, iniciaram-se diversos debates e esclarecimentos sobre esta
lução dos incêndios florestais e a política de Defesa da Floresta Contra em problemática, por iniciativa da Secção de Protecção Integrada do Departa-
Incêndios em Portugal, nos domínios das ignições, propagação e combate, mento de Protecção das Plantas do Instituto Superior de Agronomia.
esta obra analisa, de forma crítica, as medidas adoptadas no nosso país pas- Entre essas iniciativas, destaque para o Colóquio “As Características dos
sados cinco anos sobre 2003, ano da maior tragédia de sempre a nível de Pesticidas em Produção Integrada e a Prescrição dos Pesticidas” realizado a
incêndios em Portugal. Neste volume referem-se, entre outros aspectos, os 6 de Junho de 2006, em Évora.O documento distribuído nessa conferência
problemas relacionados com a organização institucional, as causas das igni- foi publicado e divulgado a partir de Julho de 2006 – “As Características
ções e das medidas necessárias para a sua redução, a situação da estrutura Toxicológicas dos Pesticidas em Portugal em 2005” –, sendo que esta bro-
fundiária nacional, o planeamento, gestão florestal e sua certificação, bem chura divulga as actas desse colóquio, com especial destaque para as inter-
como a gestão dos combustíveis e o dispositivo de combate aos incêndios. venções nas duas mesas redondas que o suportaram.
AGENDA
NACIONAL e INTERNACIONAL
agenda
NACIONAL
Encontro Nacional do Colégio de Engenharia Informática da OE 2.º Encontro Nacional de Geodesia Aplicada
7e8 Campus do Taguspark, Instituto Superior Técnico 12 e 13 Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa
www.cei2009.net OUT'09 http://enga.lnec.pt/pt/enga2.ht
SET'09
Ver página 61 - Colégio de Eng. Informática 9.as Jornadas de Climatização
Portugal Tecnológico 15 Auditório da OE, Lisboa
9 a 12 Feira Internacional de Lisboa OUT'09 www.ordemengenheiros.pt
SET'09 www.fil.pt MATEC – 17ª Feira Internacional de máquinas, equipamentos,
I International Conference on Integration of Design, 15 a 18 acessórios e tecnologia para a indústria de madeiras
Engineering and Management for Innovation Exposalão, Batalha
14 e 15 OUT'09
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto www.exposalao.pt
SET'09 www.idemi09.com Concreta – Feira Internacional de Construção e Obras Públicas
Ver página 61 - Colégio de Eng. Mecânica 20 a 24 Exponor, Porto
MEFTE Bragança 09 – III Conferência Nacional em Mecânica OUT'09 www.exponor.pt
17 e 18 dos Fluidos, Termodinâmica e Energia 9ª Conferência da Assoc. Portug. de Sistemas de Informação
SET'09 Instituto Politécnico de Bragança 28 a 30 Viseu
www.mefte09.ipb.pt OUT'09 www.estv.ipv.pt/dep/di/capsi2009
ExpoTransporte Dia Mundial dos Materiais e Encontro Nacional
1a4 Exposalão, Batalha do Colégio de Engenharia Metalúrgica e de Materiais
OUT'09 www.exposalao.pt 4 Auditório da OE, Lisboa
Expomotor 2009 NOV'09 www.spmateriais.pt
1a5 Parque de Exposições de Braga Ver página 63 - Colégio de Eng. Metalúrgica e de Materiais
OUT'09 www.peb.pt Logística Global – Feira de Logística, Serviços e Transportes
Congresso “A Floresta num Mundo Globalizado” 4a6 Exponor, Porto
6a9 Ponta Delgada, Açores NOV'09 www.exponor.pt
OUT'09 www.spcf.pt
agenda
INTERNACIONAL
SEASC’09 – South East Asian Survey Congress IFA 2009 – Consumer Electronics Unlimited
4a7 Bali, Indonésia 4a9 Berlim
www.seasc2009.org SET'09 www.ifa-berlin.de
AGO'09
Ver página 56 - Colégio de Eng. Geográfica Seminário Científico sobre Biocombustíveis
Geodesy for Planet Earth – IAG2009 10 a 12 30 de Agosto de 2009 – Data limite de inscrição
31 Buenos Aires, Argentina SET'09 Universidade Eduardo Mondlane - Maputo - Moçambique
AGO'09 www.iag2009.com.ar www.def.uem.mz
Ver página 55 - Colégio de Eng. Geográfica II Congresso Ibérico e
Laserscanning 2009 28 a 30 V Congresso Espanhol AgroEngenharia 2009