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Cenários de
medo e as sociabilidades pandêmicas no
Maranhão. RBSE Revista Brasileira de
Sociologia da Emoção, v. 19, n. 55, abril de
2020. Suplemento Especial – Pensando a
Pandemia à luz da Antropologia e da
Sociologia das Emoções, pp. 67-86, maio de
2020 - ISSN 1676-8965.
http://www.cchla.ufpb.br/rbse/
Recebido: 16.05.2020
Introdução
Partindo da hipótese de que o medo é socialmente construído na relação entre a
objetividade das instituições e a forma como os indivíduos o assimilam e o dialogam
com seus próprios repertórios afetivos e culturais,o presente artigo buscar refletir sobre
a chegada e desenvolvimento do COVID-19 no estado do Maranhão, e analisar como o
sentimento de medo pode ser considerado um importante fator nas sociabilidades
urbanas. Para tanto, utilizamos a cidade de Imperatriz-MA como um recorte prioritário
para narrar sobre o cenário de medo, e suas influências nas interações, sociabilidades e
formas sociais.
68
1
Segundo IBGE a cidade de Imperatriz-MA possui uma população de 234.547 habitantes, significando
que nossa amostra de 241 possui uma margem de erro de 1.19%. A amostra especifica referente ao medo,
possui uma margem de erro de 7.83%. Utilizamos uma técnica conhecida como snowball (bola de neve)
na qual solicitamos para os entrevistados que convidassem novos participantes a partir de sua rede de
amigos, resultando em uma população estratificada em diferentes categorias: bairros, faixa etária e
sentimentos.
300
200
100
-10002/mar 09/mar 16/mar 23/mar 30/mar 06/abr 13/abr 20/abr 27/abr 04/mai 11/mai
2
Para se ter noção no dia seguinte, subiu para 8144, depois para 8526 e no dia 15 de maio já eram
totalizados 11.592 casos confirmados. Os dados podem ser acompanhados no site da secretaria estadual
de saúde.
3
Por meio da Ação Civil Pública referente ao processo n. 0813507-41.2020.8.10.0001
41.2020.8.10.0001
150
Gráfico 2-
2 Contaminações e óbitos diários em
Imperatriz-MA
100
50
0
26/mar 02/abr 09/abr 16/abr 23/abr 30/abr 07/mai
-50
p/dia óbitos Linear (óbitos)
4
Informação contido na Ação Civil Pública, referente ao processo n. 0806099-76.2020.8.10.0040.
76.2020.8.10.0040.
Flávio Dino que montou uma verdadeira operação de guerra, com com a comprar de
equipamentos, construção de hospitais de campanha em São Luís, em Açailândia e
reforço do hospital Macrorregional em Imperatriz-MA.
Imperatriz
Com a expansão assustadora do Covid-19 19 no Maranhão, o governador Flávio
Dino estabeleceu em 21 de março um decreto que defendia medidas de suspensão por
15 dias de atividades e serviços não essenciais. Mas,
Mas, conforme o número de óbitos
aumentava,, os decretos foram sendo prorrogados,
prorrogados até chegar o Juiz Douglas de Melo
Martins e determinar o lockdown na ilha de São Luís, medida que entrou em vigor no
dia 3 de maio de 2020.
Na cidade de Imperatriz-MA
Imperatriz MA observamos um processo similar, pois entre os dias
17 de março e 9 de maio de 2020, uma série de decretos municipais foram sendo
realizados pelo prefeito Francisco de Assis Andrade Ramos. Contudo vale destacar que
a partir do decreto nº 23 de 21 de março de 2020, a cidade inseriu-se
inseriu se em “estado de
calamidade pública em virtude da situação anormal de propagação e contagio do covid-
covid
19. Por meio do documento, ficaram proibidos o funcionamento dos shoppings a partir
de domingo (22/03/2020) por 15 dias, bares, cinemas, eventos e qualquer tipo de
serviço que exigisse aglomerações,
aglomerações, suspensão das atividades não essenciais, capacitação
de todos os profissionais de saúde. Embora houvesse pressão de alguns empresários e
suas associações para o retorno do comércio,
com ao final de cada prazo dos decretos
municipais, os números do Covid-19
Covid 19 aumentavam e justificavam as prorrogações do
decreto.
Mesmo com essas medidas municipais, parte da população permaneceu tentando
seguir no cotidiano normal-
normal seja por fatores culturais ou econômicos. Tal fato fez com
que a Defensoria Pública do estado dodo Maranhão (núcleo de Imperatriz) entrasse com
uma ação civil pública sugerindo o lockdown no município de Imperatriz-MA,
Imperatriz no dia 14
de maio de 2020.. Segundo o documento existem indícios suficientes como a formação
de filas de espera que já resultaram na morte de 35 pessoas até 13 de maio de 2020. O
documento (Processo nº 0806099-76.2020.8.10.0040)
0806099 cita que “apenas
apenas entre os dias 11
e 13 de maio de 2020, em 48 horas, 13 pessoas vieram a óbito pela doença” e cita vários
casos de pessoas que morreram aguardando
aguardando disponibilização de vagas. No entanto, na
manhã dia seguinte (15/05/2020), o prefeito da cidade declarou em suas redes sociais5,
5
A declaração repercutiu nos principais jornais do estado. No site do jornal O Imparcial, do mesmo dia,
dia o
leitor poderia ler a manchete “Prefeito
Prefeito anuncia retomada do comércio em Imperatriz após Defensoria
pedir lockdown”.
Fonte:https://www.instagram.com/prefeitoassisramos/
https://www.instagram.com/prefeitoassisramos/
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A ação da Defensoria
efensoria Pública gerou uma resposta dos empresários que produziram, no mesmo dia, uma
petição da FAEM – Federação das Associações Empresariais do Maranhão, cujo representante local foi o
professor Hélio Rodrigues Araújo da Universidade Federal do Maranhão.
Maranhão Para eles,
eles o documento da
Defensoria era pautado em informações desconexas para induzir um juízo inadequado. Segundo eles:
“Não há dúvida de que a situação atual produz sensações de pânico e de temor na população. Esses
sentimentos não podem, no entanto, ser explorados para autorizar medidas repressivas e abusivas que
fragilizem direitos e garantias constitucionais. A resposta esperada do Estado não deve ser a ampliação de
seu arsenal repressivo, mas sim a expansão de sua capacidade de assistência e de proteção
pr social dos
cidadãos, principalmente
cipalmente os mais vulneráveis”.
vulneráveis (PROCESSO Nº 0806099-76.2020.8.10.0040,
76.2020.8.10.0040, p.13)
Por essa lógica, o ato de espirrar em público sem respeitar as etiquetas de usar
máscaras ou levantar o braço tornou-se uma atitude rechaçada e geradora de medo de
contágio, e medo da propagação do vírus. O medo e as formas de interagir e se
sociabilizar adquirem uma perspectiva especifica no cenário de pandemia. Sobre a
forma como o medo e as epidemias alteram os comportamentos, Tuan (2005) percebeu,
em seu texto “Medo de doença”, que no apogeu da peste negra a ideia de que a doença
era transmitida pela respiração que contaminava o ar transformava todos, ao mesmo
tempo, em desconfiados e suspeitos. Ele explica que “o medo da infecção era tanto que
os que tinham que andar pelas ruas ziguezagueavam, cruzando de um lado para outro a
fim de evitar contato com os outros pedestres” (TUAN,2005, p.158).
O medo fazia com que as pessoas abandonassem as cidades gerando uma
paisagem de casas abandonadas e vazias, bem maior que de vítimas da peste.
Decorrente do medo relacionado a preservação da própria vida (Racionalidade
biológica) teríamos um medo social, orientando por uma representação social construída
em torno da situação pandêmica, do aumento dos números, das alterações na rotina e
indefinição das coisas. Enfim, a partir dessas primeiras observações buscaremos
OUTROS 61
ANGÚSTIA 74
MEDO 111
0 20 40 60 80 100 120
Para o presente estudo, nos deteremos sobre a emoção medo, que segundo
Rezende e Coelho (2010) é uma emoção diretamente presente em todos os momentos de
mudanças ocorridos na sociedade ocidental moderna. Para tanto se valem dos estudos
de ELIAS (1994) para explicar como o medo foi internalizado como uma forma de
disciplinar uma conduta que fosse considerada correta, socialmente. Como prevenção
contra transgressões a comportamentos aceitáveis, a estrutura social dispunha de
determinadas sanções simbólicas como ameaças, punições negação que estigmatizavam
os indivíduos.
Só acrescentaríamos que outra referência importante na relação entre emoções e
morte é o livro Solidão dos Moribundos (ELIAS, 2001) que nota que os ritos e crenças
produzidos sobre a morte possuem um poder de socialização, na medida em que afastam
ou unem pessoas. Esse autor explica como a segurança e os conhecimentos médico
resultaram em um tipo de relação com a morte marcada pelo distanciamento e
esquecimento, após a formação dos estados nação. Assim, ele enfatiza que a relação
com a morte dependeria da expectativa de vida de cada sociedade, uma vez que tal
variável pode significar afastamento ou presença maior com a ideia de ruptura da vida.
Quando analisa a relação indivíduo – sociedade, demonstra que nas épocas antigas
morrer era uma atitude muito mais pública que nos dias atuais.
Nesse âmbito é que ressalta o aspecto de negação e exclusão social da morte, em
relação aos jovens que parecem ser preservados do tema, e também, em relação aos
moribundos. Tal fato estaria relacionado ao alto grau de individualização e ao fato da
lembrança da morte “do outro” ser a lembrança de nossa própria morte. Uma morte que
religiosamente pode ser associada a uma mitologia da punição divina que exclui os
pecadores da eternidade, ou uma morte que é inconcebível para os mais jovens nos
tempos de tantos avanços científicos.
A solidão dos moribundos resulta desse processo de exclusão e embaraço diante
da morte do outro, ou seja, trata dos componentes emocionais relacionados a morte e
suas representações sociais. Elias (2001) explicar que a ela pode ser compreendida,
também, como a diminuição dos laços sociais ao longo da velhice, ou seja, não se
limitaria ao ato de morrer, mas seria um processo gradativo que desemboca com um
processo extremamente solitário que reflete muito aspectos da sociedade
contemporânea. Como por exemplo, cita a invisibilização dos idosos e vulneráveis que
possuem uma situação mais próxima da morte. Nessa linha de pensar as representações
sociais entende-se que,
A morte, como conceito e expressão, encontra-se interdita na
sociedade ocidental contemporânea. O modo de vida atual impede a
vivência da morte sob um discurso de juventude eterna e dominação
da natureza; a morte acontece e é entendida como uma forma de
fracasso tecnológico. Como não pode ainda ser evitada, é aventada
como a morte do outro e, como tal, as formas rituais e as expressões
de dor são minimizadas e tratadas de modo higiênico. Estudos sobre
o Brasil urbano do final do século passado constatou as formas
interditas no trato da morte e do luto, o desconforto advindo, a
diminuição e o esfacelamento das relações sociais, ampliando a
esfera da solidão do homem comum (KOURY, 2004, p.130)
A ideia de fracasso tecnológico, de fracasso frente às normas civilizatórias
(ELIAS,1994) ou de fracasso adaptativos (SIMMEL, 1988) rondam o imaginário social
em torno da emoção medo nos processos de mudanças, em suas diferentes escalas. A
juventude eterna, a dominação da natureza e a luta contra a morte ancoradas nas bases
Medo de contágio
0 20 40 60 80 100
https://www.imperatriz.ma.gov.br/noticias/saude/prefeitura-realiza-reuniao-com-
representantes-funerarios-para-manejo-de-obitos.html
https://www.ma.gov.br/agenciadenoticias/?p=275170
Sites de vídeos reportagens
https://www.youtube.com/watch?v=v7hH5NeAItU&t=42s
https://www.youtube.com/watch?v=4Dr2EGtly5M
https://www.youtube.com/watch?v=FsHoyXTD0M0
https://www.youtube.com/watch?v=FsHoyXTD0M0
https://globoplay.globo.com/v/8553739/
Sites de notícias
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/04/26/coronavirus-por-que-
primeira-pessoa-infectada-no-brasil-pode-nunca-ser-descoberta.htm
https://oimparcial.com.br/turismo/2020/03/vai-ter-sao-joao-no-maranhao/
https://oimparcial.com.br/politica/2020/05/prefeito-anuncia-retomada-do-comercio-em-
imperatriz-apos-defensoria-pedir-lockdown/
https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2020/05/09/em-24-horas-maranhao-registra-
854-novos-casos-e-24-mortes-por-covid-19.ghtml
https://imirante.com/imperatriz/noticias/2020/04/22/novo-coronavirus-ja-chegou-em-
25-bairros-de-imperatriz.shtml
https://www.folhadobico.com.br/imperatriz-casos-de-coronavirus-crescem-51-centro-
bacuri-e-nova-imperatriz-sao-os-mais-atingidos/