Você está na página 1de 5

Instituto Histórico e Geographico de S.

Paulo
^s s^

Edição commemorativa do 4 o Centenário

Hans Staden
SUAS VIAGENS E CAPTIYEIRO ENTRE OS SELVAGENS DO BRASIL

TRADUCÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO ORIGINAL

Com annotações explicativas

17$

SÃO PAULO
TYP. DA CASA ECLECTICA
RUA 15 DE NOVEMBRO, j
1900
— 59 —
CAPITULO XXVIII

COMO ME LEVARAM AO SEU REI CHEFE, KONYAN-BÉBE CHAMADO, E O

QUE FIZERAM COMMIGO ALLI. CAPUT XXVIII.

Alguns dias depois, levaram-me para uma outra aldeia


que elles chamam Arirab, para um rei, de nome Konyan-Bé-
be, que era o principal rei de todos. Alli haviam se reunido
mais alguns em uma grande festa, a modo delles, e queriam
me ver, pelo que me mandaram buscar naquelle dia.
Chegando perto das cabanas, ouvi um grande rumor de
canto e de trombetas, e deante das cabanas havia umas quin-
ze cabeças espetadas; eram de gente sua inimiga, chamada
Markaya, e que tinha sido devorada. Ouando me levaram pa-
ra lá, disseram-me que as cabeças eram de seus inimigos e
cpie estes se chamam Markayas. Fiquei então com medo e
pensei: «assim farão commigo também!» Ouando entravamos
nas cabanas, um dos meus guardas avançou e gritou com voz
forte para que todos o ouvissem «Aqui trago o escravo, o portu-
guez,'» pensando que era cousa muito boa ter o inimigo em seu
poder. E fallou muitas outras cousas mais, como e de costu-
me, conduzindo-me ate onde estava o rei assentado, bebendo
com os outros e estando já embriagados pela bebida que fa-
zem, chamada K a v a w y . Fitaram-me desconfiados e pergunta-
ram: «Vieste como nosso inimigo? Eu disse: Vim, mas não sou
vosso inimigo.» Deram-me então a beber. Já tinha ouvido fallar
muito do rei Konyan-Bébe, que devia ser um grande homem,
um grande tyrano para comer carne humana. Fui direito a
um delles que pensava ser elle e lhe fallei tal como me vie-
ram as palavras, na sua lingua e disse: «Es tu Konyan-Bébe,
vives tu ainda?» Sim,» disse elle, «eu vivo ainda.» «Então, dis-
se eu, ouvi muito fallar de ti e que es um valente homem.» Com
isto, levantou-se e cheio de si começou a passear. Elle tinha
uma grande pedra verde atravessada nos lábios (como é costu-
me delles); também fazem rosários brancos de uma espécie de
conchas, que é seu enfeite. Um destes o rei tinha no pescoço,
— 6o —

e tinha mais de 6 braças de cumprido. Por este enfeite vi


que elle era um dos mais nobres.
Tornou a assentar-se e começou a me perguntar o que
planejavam seus inimigos, os Tuppin-Ikins e os portuguezes.
E disse mais: porque queria eu atirar sobre elle, em Brickio-
ka? Porque lhe contaram que eu era artilheiro e atirava contra
elles. Então respondi que os portuguezes me tinham mandado
e me obrigaram. Disse elle então que eu também era portu-
guez, porque o francez, que me havia visto e a quem elle
chamava «seu filho», lhe dissera que eu não sabia a sua lin-
gua por ser portuguez legitimo. Eu disse então: «Sim, é verda-
de; estive muito tempo fora daquella terra e tinha esquecido
a lingua.» Elle replicou que já tinha ajudado a capturar e co-
mer cinco portuguezes e que todos tinham mentido. Só me
restava então consolar-me e recommendar-me á vontade de
Deus, porque comprehendi que devia morrer. Tornou então a
me perguntar o que os portuguezes diziam delle e si elles ti-
nham muito medo delle. Eu respondi: «Sim, elles faliam muito
de ti e das grandes guerras que tu lhes costumas fazer; mas
agora fortificam melhor Brickioka.»
«Sim, continuou elle, queria de vez em quando capturai-
os, como me tinham capturado no matto.»
Ainda mais contei eu a elle: «Sim, teus verdadeiros inimi-
gos são os Tuppin-Ikins que preparam 25 canoas para virem
atacar o teu paiz», como realmente também aconteceu.
Emquanto elle me fazia perguntas, ficavam os outros em
pé, escutando. Em summa; perguntou-me muito e fallou muito.
Regosijava-se dos muitos portuguezes e dos selvagens seus
inimigos cpie tinha morto. Emquanto isto se passava commigo,
os que estavam bebendo na cabana acabaram com a bebida
que alli havia; passaram então todos a uma outra cabana na
cpial continuaram a beber e por isso terminou a minha confe-
rência com o chefe.
6, -

Nas outras cabanas, continuaram suas zombarias commigo


e o filho do rei atou-me as pernas em três logares, obrigando-
ine a pular com os pés juntos. Riram-se disso e disseram:
Alli vem a nossa comida pulando. Perguntei ao meu senhor
que me levara até ahi, si era para me matar aqui. Respon-
deu-me que não, mas que era costume tratar assim os escra-
vos. Tiraram-me então as cordas das pernas e me beliscaram,
rodeando-me e fallando; um disse que o couro da cabeça era
delle, outro que a barriga da perna lhe pertencia. Depois obri-
garam-me a cantar e cantei versos religiosos. Queriam elles
que eu os traduzisse. Disse então que tinha cantado do meu
- 62 —

Deus Elles respondiam que meu Deus era excremento, isto e,


na lingua deWes-Teuire. Taes palavras me maguaram e eu
pensava' «O' tu, Deus bondoso, como podes soffrer isto com
paciência?» Quando, no dia seguinte, todos na aldeia me tinham
visto e descarregado todos os insultos sobre mim, Konyan-Bé-
be disse aquelles que me guardavam que tomassem muito
sentido commigo.
Levaram-me então outra vez para fora, para voltar a
Uwattibi, onde me deviam matar. Gritavam atras de mim que
logo viriam á cabana de meu senhor para deliberarem sobre
minha morte e me devorarem, mas meu senhor me consolou
dizendo-me que tão cedo eu não seria morto.

Você também pode gostar