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1866
O JUDEU
ROMANCE HISTÓRICO
POR
CAMILLO CASTELLO-BRANCO
2." VOLUME
1866
HARVARD COLLEGE LIBRARY
FROM THE LIBRARY OF
FERNANDO PALHA
DECEMBER 3, 1928
/
O JUDEU
PARTE TERCEIRA
CAPITULO I
. . . Me tabula sacer
Votiva partes indicat húmida
Suspendisse potenti
Vestimenta maris Deo. i
' Os amores d' Antonia Clara devera ser contados por elle :
« D. Antonio Manoel, irmão do conde de Villa-Flôr possuiu, tres
aunos completos, a encantadora Antonia. Um transporte de ciume in-
dispôl-os a ponto de ser despedida a formosa manceba por D. Antonio-
Gahiu-me em sorte; e, posto que D. Antonio se arrependesse de ater
assim tractado, o mal já não tinha remedio. Antoninha não quiz mais ou
vir fallar d'elle, e elle não ousava nem podia reclamar um bem, cujo legi
timo possuidor eu era, porque lh'a não tirei por força ou velhacaria.
« Antonia, como fosse um dia confessar-se ao cura da sua freguezia,
o confessor propoz-llie que me abandonasse, e consentisse em fazer as
pazes com D. Antonio. A moça extremamente magoada com tal conselho
no confessionario, negou-se a aceital-o, e de volta revelou-me tudo. Cus-
tou-me a crèl-a, porque o confessor era pessoa muito de meu conheci-
ROMANCE HISTORICO 19
ptos n'um raro livrinho da excellente livraria do meu douto amigo José
Gomes Monteiro. Intitula-se o livro, escripto em francez, e impresso em
1688, Relation de 1'InquisiUon de Goa. O narrador foi um medico
francez que lá padeceu dous annos de carcere como herege, e veio para
Portugal condemnado a cinco annos de galés, d'onde o salvou um medico
francez, que o era da rainha D. Maria Francisca de Saboya, mulher de
D. Pedro 11. Opportunamente darei mais ampla noticia do contexto do
livro,
'. Era assim denominado o tribunal da inquisição.
ROMANCE HISTORICO 53
D. Quichote
« E, se bem reparo agora nas feições d'este San
cho, lá tem alguns laivos de Dulcinéa ; porque, sem
duvida, Sancho, ás vezes, o vejo com o rosto mais
afeminado, que quasi me persuado está Dulcinéa trans
formada n'elle.
Sancho
« Meu amo está no espaço imaginario ! á parte.
Ah ! senhor, toca a cavalgar, que o rocinante está sel-
lado e o burro albardado. Senhor, vm.ce ouve ?
* *
D. Quichote
« Sim, ouço. Que seja possivel — prodigioso eni
gma do amor ! — galharda Dulcinéa del Toboso, que
os magicos antagonistas de meu valor te transformas
sem em Sancho Pança !
Sancho
« Ainda esta me faltava para ouvir e que atu
rar! aparte. Que diz, senhor? está louco? com
quem falla vm.ce?
D. Quichote
dei que vm." era tão louco ! Cuido que nem na vida
de vm.ce se conta semelhante desaventura !
D. Quichote
« Quanto mais te desconjuras mais te inculcas
que és Dulcinéa ; deixa-me beijar-teos átomos anima
dos d'esses pés, já que me não permittes tocar com
os meus labios o jasmin d'essa mão, dulcissima Dul
cinéa ! Chega-se D. Quichote para abraçar Sancho.
Sancho
«. Aqui d'el-rei que não sou Dulcinéa ! Tire-se
lá ! olhe que lhe dou uma canellada !
D. Quichote
« Ora, meu Sancho, diz-me aqui em segredo se
és Dulcinéa, que eu te prometto um premio.
Sancho
<t Como, senhor, lh'o heide dizer ? Sou tão ma
cho como vm.ce
D. Quichote
« Sancho, nesse mesmo dengue agora confirmo
mais que és Dulcinéa.
Sancho
« Ora leve o diabo o dengue I Que queira vm.ce
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/
H8 O JUDEU
Sancho
«É verdade! espere vm.ce, que lá vem voando
o quer que é ! Desce a musa Caliope em uma nuvem,
e D. Quichote e Sancho ajoelham.
O cavalleiro da iriste figura e o gordo pagem
reverenceiam a musa, que se abre n'estes rogos ao
donoso soccorredor de afflictos :
« Valente D. Quichote de la Mancha, cavalleiro
dos leões, eu sou a musa Caliope, a primeira e prin
cipal das nove, que assistem no monte Parnaso.
Aqui venho a teus pés enviada por meu amo, o snr.
Apollo, o qual, como sabe que tens professado a
estreita religião da cavallaria andante, e tens de obri
gação o desfazer aggravos, soccorrer afflictos e res
taurar honras perdidas, por essa causa te manda pe
dir encarecidamente queiras ir ao Parnaso, aonde se
elle acha, cercado de uns poetas maledicos, que o
querem despojar do throno ; e juntamente para re
formares a poesia, que se acha quasi arruinada ;
para o que eu, da minha parte, como tão interessada
n'este desempenho, te supplico com o suave de mi
nhas vozes, pois é certo que a musica tem virtude
para attrahir os corações mais duros.
Sancho (a parte)
a Aqui nos encaixa uma aria á queima roopaJ
Caliope, de feito, cantou, em quanto o bravo
ROMANCE HISTORICO 149
Apollo
« Assim vos atreveis a profanar o decoro que
se deve aos meus apollineos raios ? ! Apparecem D.
Quichote, Sancho, e Caliope.
Poetas
« Toca a investir ao Parnaso !
Apollo
D. Quichote
Sancho
« Senhor meu amo, eu cuido que estou sonhan
do ! Que vm.ce entre no Parnaso, não é muito, porque
é louco ; porém, eu, que, sendo um ignorante, tam
bem cá esteja, é o que mais me admira ! E d'aqui
venho agora a concluir que não ha tolo que não en
tre hoje no Parnaso !
D. Quichote
Apollo
D. Quichote
Nada me assombra ; porque eu só com esta es-
'
130 O JUDEU
CAPITULO I
— Ea ti?
— A mim convinha-me mais amanha, porque
hoje até noite alta não posso deixar de fechar as
contas do trimestre que heide ámanhã apresentar aos
infantes. Póde ser amanhã ás onze horas da noite?
— Sim, meu amigo, quando menos incommodo
te seja.
— Ora diz-me lá, calculas que os valores escon
didos te abastem para viveres independente em Pa
ris ou Londres ?
— Presumo que sim.
— A quanto monta segundo o teu calculo?
— Cento e cincoenta mil cruzados, a julgar apro
ximadamente das verbas designadas numa pagina es-
cripta pelo punho de Luiz Pereira de Barros.
— É muito dinheiro ! — exclamou Duarte — Po
des viver vida de principe onde quer que te sin
tas bem. Vai para Roma, que eu aposto que oscar-
deaes vão cear comtigo todas as noites, sem te per
guntarem por Moisés nem por Christo !
— Não ambiciono apparatos ostentosos, — disse
Antonio José — O que eu queria era socego e ale
gria. Tenho aquella filhinha que me está sendo um
anjo recompensador, esmola e riqueza do céo. Desejo
ser rico para ella. Leonor e eu, ea minha pobre mãe,
com pouco viveriamos, e talvez felizes, se o terror
da perseguição religiosa nos não tivesse sempre so-
bresaltados.
456 o judeu
— Fazes bem, fazes bem — tornou Duarte —
Foge, assim que te eu disser que fujas. Debaixo de
juramento te digo, e juramento te peço para que
nunca reveles o que vou dizer-te. . .
E abaixando muito a voz, e espreitando o cor
redor contiguo á sala, disse:
— Tens um optimo espião por ti no santo offr-
cio. . . É meu pae ! Vê tu a que extremos chegou a
amizade que te tenho. Meu pae, quinze dias antes
de se decretar a tua prisão, hade ser avisado, sem
que ninguem o avise. Elle entende e lê nos recon
ditos designios d'aquella gente, que lhe é detestavel,
porque meu pae, se finge tanta orthodoxia religiosa
como elles, é porque os temeu e ainda teme. Com-
prehendes, Antonio, o sagrado d'esta revelação?
— Comprehendo, meu querido Duarte ! — ex
clamou Antonio José da Silva abraçando-o com en-
thusiastico reconhecimento.
— E então já vês — insistiu o almoxarife — que
escusas de fugir antes do meu aviso. Pode até ser
que a tempestade se desfaça. . . Tem tu juizo, An
tonio. Manda as comedias ao diabo. Não escrevas
senão nos autos ; e, se te parecer, manda os autos
tambem de presente á alma do Papianno e do Bar-
tholo e do João das Regras que devem de estar no
inferno. Amanhã és rico, riquissimo. Não careces
de trabalhar. . . Sabes lá tu o que é ser rico f O que
é ter um coche e mulas lustrosas ! lacaios e mordo
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N
ROMANCE HISTORICO 161
Leonor atalhou-o:
— Isto não importa nada. . . Sou mãe. Não faças
caso de lagrimas nem de agouros, Antonio. Faz o
que quizeres; mas não me consultes.
Depois, fugiu com a filha para o seu quarto, e
fechou-se para que o marido a não ouvisse desabafar
em altos soluços.
Á meia noite d'este dia, 15 d'Agosto de 1737,
Antonio José da Silva sahiu com Duarte Cottinel da
casa do almoxarifado, por uma porta de armazem
que abria para a quinta. Chegados á cancella d'um
pomar, disse Duarte com mui recatado som de voz:
— Agora dirás para onde vamos. Dá-me alguma
indicação.
— Leva-me a um tanque onde está uma estatua
de Neptuno.
— É lá em baixo, no interior do bosque. O si
tio é bom, que ninguem nos ouvirá cavar; mas sa
bes tu se já fariam obras no local?
— Creio. . . quasi tenho a certeza que o local do
cofre está intacto.
Caminharam de manso desviando-se das áleas
onde o tapete da folhagem accusava os passos.
— É aqui — disse Duarte — alli tens o tanque
e o Neptuno.
— Está secco? — perguntou Antonio José.
— Está, ha muitissimos annos. Ouvi dizer que a
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90 o incêndio, e foi, cegado pelo fumo, até á reca
mara onde tinha os contadores. Arrancou dos saccos
aceleradamente, e correu para uma sala, onde as la
baredas não tinham ainda chegado. Aqui foram crue-
lissimas as ancias do homem, cruelissimo o dilera-
ma: Se sahia ás escadas, os ladrões lançariam mão
d'elle, e nem vida nem ouro lhe deixariam; se fica
va na sala, esperando que os salteadores desalojas
sem, o incendio já se fazia ouvir com o seu horrífi
co estalejar de madeiras e desabar de vigamentos.
Esta segunda ponta do dilemma traspassava-lhe mais
o peito que a outra.
Abriu uma janella e gritou por soccorro.
Quem havia de ouvil-o, se todos gritavam, e os
mais dignos de compaixão, se houvesse alli compa
decidos, seriam os que gritavam entalados nas so
leiras das portas, e esmagados pelas traves fumegan
tes?
A resolução era urgentissima, que já a sala esta
va escura de fumo. Lançou-se ás escadas, desceu até
ao segundo mainel, por entre os ladrões que se es-
ôqueavam na disputada posse d'um jarro de ouro.
A meio da escada do primeiro andar, sentisse agar
rado por tres homens que o seguiam a saltos de ti
gre.
— Deixa vêr o que levas ! — disse um, apon-.
tando-lhe a navalha á garganta — larga, ou reparte
comnosco, patife!
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VOL. II 18
EPILOGO
1
276 o judeu
das. A maior parte da familia Barros tinha morrido
nas ruinas da sua casa por occasião do terramoto de
1755. Dous netos de Diogo de Barros que, no dia
da grande desgraça, andavam caçando no Alemtejo
com o duque d'Aveiro, tinham desapparecido em
1757, e era publica voz que o msrquez de Pombal
os fizera morrer nas masmorras da Junqueira.
D. Leonor, lavada em lagrimas, disse á filha :
— Vês, Lourença?... morreu tudo... tudo,
meu Deus ! . . . Porque me conserva n'este mundo a
Divina vontade?
— Para fazer a felicidade de sua filha. . .
— E dos seus netos. . . — ajuntaram duas me
ninas, que se abraçaram na viuva de Antonio José
da Silva.
A divina vontade não a quiz muitos mais annos
conceder ao amor de filha e netos.
Leonor morreu aos sessenta e seis annos, na
terra onde nascera, na Covilhã, local unico em que
o terramoto lhe deixou algumas vivas memorias da
sua infancia.
Lourença ainda vivia no principio d'este seculo.
Os netos de Antonio José da Silva abrem hoje, por
ventura os livros denominados operas do judeu, e
não sabem que são de seu avo, o mais desventurado
e talentoso homem que a religião de S. Domingos
matou em Portugal.
FIM
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