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ACRE

Uma visão temática de sua geografia


Universidade Federal do Acre - UFAC
Reitora: Olinda Batista Assmar
Vice-Reitor: Pascoal Torres Muniz

Editora da Universidade Federal do Acre - EDUFAC


Presidente: José Ivan da Silva Ramos
Assistente Administrativo: Ormifran Pessoa Cavalcante
Arte / Diagramação: Arlan Hudson Souza e Silva
(huds.ac@gmail.com)

Conselho Editorial: José Ivan da Silva Ramos (Presidente)


Renildo Moura da Cunha
Antônio Carlos Fonseca Pontes
Sebastião Elviro de Araújo Neto
João Silva Lima
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Sílvio Simione da Silva
Gerson Rodrigues de Albuquerque
Verônica Maria Elias Kamel
Francisco Pereira da Costa
Simone Perufo Optiz
Maria do Socorro Craveiro de Albuquerque
Fernando Sérgio Escócio
Drumond Viana de Faria
Airton Chaves da Rocha
ACRE
Uma visão temática de sua geografia

Autores:

Silvio Simione da Silva


Maria do Socorro Oliveira Maia
Karla da Silva Rocha
Cláudio Roberto da Silva Cavalcante
Jones Dari Goettert
Floripes Silva Rebouças
Lucilene Ferreira de Almeida
Luciano Rodrigues do Nascimento
Isis do Mar Marques Martins

editoraufac
2009
© SILVA, Silvio Simione da (Org.)
Ficha Biblioteca Central
catalográfica elaborada pela da UFAC

Silva, Silvio Simione da (org.). Acre: Uma visão temática


S583n de sua Geografia – Rio Branco: EDUFAC, 2005.

1. Geografia. Acre. Ensino. I. Silva, Silvio Simione da.


II. Título.

ISBN 85-98499-46-8

CDD 910.135

Proibida reprodução desta obra, por qualquer meio, sem autorização


por escrito da EDUFAC.

Direitos exclusivos para esta edição:


Editora da Universidade Federal do Acre - EDUFAC

Campus Áulio Gélio Alves de Souza, BR-364, Km. 5, Distrito Industrial-


Rio Branco-Acre
CEP: 69915-900
Fone: (68) 212- 3568
E-mail: edufac@ufac.br

Editora Afiliada: Feito depósito legal


Dedico

A Josefina Simione da Silva,


minha mãe, que depois de me ensinar no caminho da vida,
partiu neste 2006 deixando-me a caminhar nesta terra distante
que um dia, junto ao meu pai, trouxe-me para viver aqui

**** Aos mestres que tivemos!


Aos mestres que temos!
Aos mestres que somos!
Aos mestres que teremos!
E à vida ! ! ! ! ! !
Pois viver é ensinar a aprender, aprendendo a ela mesma.
Prefácio

No ano 2022, o Brasil comemorará o bi-centenário de sua


independência. Independência que foi mais um gesto político, tendo em
vista que o país ainda caminha para alcançar a independência econômica e
tecnológica. O Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
– NAE projeta as metas para o governo no intento de conseguirmos nossa
independência em todos os sentidos até esta data. Para o NAE, o básico dessa
independência será o conhecimento e o domínio das tecnologias de ponta.
Ou seja, substituir parte das exportações de mercadorias por exportações de
“informações,” “idéias” e “patentes”.
O desenvolvimento regional no Brasil segue uma tradição
colonialista, na qual o país viveu longos anos sob a tutela de seus
exploradores, e essa foi a regra da expansão territorial interna, onde os
centros dominantes exploraram suas periferias ao máximo. O NAE prevê
a Amazônia como potencial produtor de informações nos campos da
biotecnologia e nanotecnologia, vedetes da ciência neste século.
A Amazônia é alvo da biopirataria desde a chegada dos europeus
nesta região a meio milênio de anos atrás. A biopirataria se dá em parte
pelas parcas condições de nossos centros de estudos locais, nos quais os
pesquisadores muitas vezes são obrigados a se submeterem aos convênios
com grandes centros europeus e estadunidenses, que podem estar se
apropriando indevidamente das informações obtidas aqui sem repartir os
frutos da pesquisa feita em território nacional (biopirataria oficial).
Acreditamos em dois cenários para superar essas dificuldades:
um deles, de ordem externa, é o esforço coletivo dos agentes sociais
(instituições e pessoas) para captar recursos e, também, para disputar os
projetos, apresentando e representando bem o nosso estado, o nosso lugar e
a nossa gente. O outro, diz respeito ao esforço individual de cada um de nós.
É a classe estudantil esforçando-se para ser de qualidade, e os professores
caprichando ao máximo para melhorar seu ambiente. É cada um sabendo
de suas responsabilidades, criando, inovando e melhorando o seu trabalho
em benefício de todos. Não adianta ficar esperando que os centros mais
ricos tenham piedade de nós e que venham nos ajudar. Quem gosta de nós,
somos nós mesmos!
Assim como o Brasil precisa avançar em sua independência frente
ao mundo, o Acre precisa avançar em sua independência frente ao Brasil.
Não basta o nosso estado ter uma boa representação política, é também
necessário obtermos melhores resultados na economia e, em especial,
em tecnologias. A UFAC, a EMBRAPA e a FUNTAC são ferramentas
fundamentais na construção desse grande projeto social. São as forças
que movem o conhecimento científico (puro e aplicado) em favor do
desenvolvimento que todos nós torcemos para que seja sustentado.
Em que pese a minha fé na inteligência e sua independência em
relação à escolaridade, aproveito essa oportunidade para associar as duas e,
isso, compreendo que seja a base da visão de mundo que devamos cultivar.
Obter as condições ideais de estudo, de trabalho e de vida é o sonho e o
desejo de todos, daí, a conseguir realizar tais ideais é outro problema.
Contribuir para a produção científica de nossa UFAC tem sido, antes
de um desafio e uma obrigação, um grande prazer pessoal. Particularmente,
o curso de Geografia, que me inspirou muito para o exercício de um mandato
de Senador da República, cuja missão e mínimo sucesso, atribuo ao árduo
trabalho dos docentes que me orientaram.
Meus quatro anos na instituição foram suficientes para também
desafiá-los a outras tarefas, tais como: a publicação de um conjunto de
conhecimentos produzidos no interior da universidade, tanto de docentes
quanto de discentes; a criação de um núcleo de estudos agrários e de
movimentos sociais camponeses no Acre; ao reestudo dos limites e fronteiras
do Acre, visando a retomada da micro-região da ponta do Abunã ao território
do Acre; a estruturação de laboratórios; o apoio à instalação dos mestrados,
fortalecendo a pesquisa; a produção dos Atlas geográficos municipais; a
criação dos centros de difusão de tecnologias nos municípios; a formação do
centro de referência em Bio-combustíveis e energias renováveis e, por fim,
o mais desafiador de todos os projetos: a interiorização da UFAC nos vinte
e dois municípios do Estado seguindo o princípio da descentralização.
Produzir, aprimorar e publicar o conhecimento sobre a Geografia do
Acre passa a ser a meta principal de nosso trabalho. Considero este trabalho
o pagamento de uma dívida do DEGEO (Departamento de Geografia da
UFAC) para consigo, para com a instituição e para com a comunidade em
geral. Estudar e lecionar sobre a Geografia do Acre exige uma pesquisa e
uma orientação sobre várias obras, tendo em vista que estas informações
encontram-se dispersas e são poucas as contribuições de pesquisadores
locais. O trabalho não pretende substituir a bibliografia disponível, e sim,
contribuir com ela oferecendo um pouco do esforço daqueles e daquelas
que se propõem a formar os profissionais de ensino em nosso estado.
Acre: uma visão temática de sua geografia, procura associar o
conhecimento científico de pesquisadores locais com o conhecimento vivido
dos sujeitos dos processos sociais e sua interação com a natureza (espaço
geográfico). Este trabalho é mais uma iniciativa do DEGEO/UFAC. Uma
contribuição aos estudantes e professores de Geografia do Acre. Quero
parabenizar os autores e autoras do livro, na certeza de que este é apenas
o primeiro desta linhagem. Sei que a continuação de trabalhos como este,
enriquecerá as bibliotecas de nosso estado com obras fabulosas e escritas
pela nossa própria inteligência. Fico aqui com o temor de inserir o prefácio
de tão brilhante trabalho com frases e palavras tão pouco inteligentes.

Peço-lhes um desconto, pois é a minha primeira vez!

Rio Branco,
neste início do ano de 2007
Sebastião Machado de Oliveira
Geógrafo e Senador da República
Apresentação

A Geografia é a ciência que permite compreender como as diversas


instituições (sociais, políticas e econômicas), as pessoas vivendo socialmente
e os demais seres vivos (naturais e animais), inter-relacionando-se, produzem
a realidade vivida. Portanto, compreender a Geografia de um lugar é adentrar
nas condições que a sociedade, submetida por diversas forças que a produzem,
age produzindo a realidade sobre a natureza. Aí, a sociedade transforma
a natureza ao mesmo tempo em que se auto-transforma. Neste sentido, a
Geografia tem a difícil tarefa de introduzir desde os primeiros anos de estudos,
conhecimentos sobre o espaço social visto como “espaço geográfico” tanto
na dimensão de como as coisas se apresentam, quanto na visão das condições
processuais que permitira serem tais quais são no momento. Assim, temos
a obrigação de compreender o espaço como produto de muitas relações que
se processaram no tempo; é aqui que nos aproximamos muito da História,
mas também especificamos nosso objeto de estudo a partir da compreensão
(situada temporalmente) do espaço como campo de concretização das relações
de produção, sem, contudo, negar as diversas temporalidades aí presentes.
Quando situamos a base espacial de nossa análise num território
político, cabe então, à Geografia, fornecer estes conhecimentos à sociedade
em geral, e, sobretudo, àqueles que se dedicam ao ensino ou aprendizagem
desta disciplina. Desta forma, ao longo de nossa trajetória nos diversos graus
de ensino, sempre ligados à Geografia, ou às questões sociais e ambientais
também sentíamos a necessidade de dispormos de um material que subsidiasse
nossas atividades. Daí, muitas solicitações e pedidos nos foram feitos para a
elaboração deste material. Nos últimos anos, tomamos a decisão de produzir
um material que fosse completo, de cunho paradidático e voltado a um público
de professores, alunos do Ensino Médio e universitário de Geografia e áreas
afins interessados neste assunto. Reunimos um grupo de profissionais e alunos
de Geografia (graduação e pós-graduação), sob o propósito de fazer valer esta
compreensão mencionada da ciência que fazemos. O resultado deste trabalho
é hoje este livro que temos o prazer de apresentar: “Acre: uma visão temática
de sua Geografia”.
Contudo, este esforço não é individual. Assim, não poderíamos
deixar de mencionar a contribuição de outros companheiros para que o material
fosse concluído.
Quero agradecer aos autores que produziram os textos e
cederam-nos para publicação. Da mesma forma, temos que manifestar nossos
agradecimentos ao Geógrafo e Senador da República Sibá Machado, pelo
incentivo e viabilização de muitas ações para a concretização deste trabalho;
às professoras Miriam Aparecida Bueno, Maria de Jesus Morais e Cleide
Helena Prudêncio pelas discussões iniciais; aos professores José Alves da
Costa e Waldemir L. dos Santos pela releitura dos textos sobre Geomorfologia,
clima e solos, e, por fim, ao professor Domingos José de Almeida Neto, pela
revisão geral de conteúdo e à professora Ceildes da Silva Pereira pela revisão
ortográfica e gramatical da obra.
Enfim, esperamos, com isto, preencher um pouco desta lacuna
sobre o ensino da Geografia. Porém, esperamos também que esta não seja a
única obra com esta natureza e, sim, que seja o princípio para muitos outros
trabalhos que virão para nos ajudar a desvendar um pouco mais desta Geografia
da Amazônia vista aqui do Acre.

Sena Madureira, 08/01/2007.


No intervalo de minhas atividades docentes, num
dia quente, chuvoso e abafado.
Prof. Dr. Sílvio Simione da Silva
Sumário

15 s Introdução

19 s Estudando o Acre: Localização, representação e


contextos do espaço acreano.
Karla da Silva Rocha
Cláudio Roberto da Silva Cavalcante

34 s O Acre no planeta movimeno. A tectônica de placas


e a dança dos nossos continentes
Maria do Socorro Oliveira Maia

54 s Solos Acreanos: uso e impactos


Elisandra Moreira de Lira

62 s A fronteira na formação política do Acre


Silvio Simione da Silva

90 s Sobre gentes e lugares do Acre


Jones Dari Goettert

119 s Produção do espaço agrário acreano: “O homem,


a terra e a floresta”
Silvio Simione da Silva

160 s Geografia da luta pela terra: conflito e


resistência camponesa acreana
Silvio Simione da Silva

173 s O espaço da cidade no Acre


Isis do Mar Marques Martins
Luciano Rodrigues do Nascimento
Silvio Simione da Silva

195 s O desenvolvimento acreano em questão: contexto


histórico e especificidades microrregionais
Floripes Silva Rebouças
Lucilene Ferreira de Almeida
Silvio Simione da Silva
Introdução

O livro Acre: uma visão temática de sua geografia é uma resposta


a necessidade de termos um material que possa subsidiar professores e
estudantes e a sociedade em geral nos conhecimentos das especificidades do
espaço acreano. Na verdade, há uma imensidão de informações geográficas
que estão dispersas em trabalhos realizados por estudiosos de diversas áreas do
conhecimento humano sobre nossa região. Com este material temos a pretensão
de preencher o vazio provocado por esta dispersão do conteúdo geográfico
regional, e, ao mesmo tempo, fornecer um instrumento que sistematiza este
conteúdo num caráter temático e paradidático.
Aqui apresentamos uma visão crítica e ampla das diversas e mais
importantes temáticas para o estudo geográfico, a partir da interpretação de
autores que atuam na área. Partimos de uma concepção de que o papel da
Geografia, enquanto ciência preocupada com o conhecimento das relações
sociedade/natureza tem que ser compreendido numa relação na qual a totalidade
socioespacial é produto de uma diversidade de relações. Estas vão desde a
localização e a caracterização físico/natural até as formas de explorações
impostas pela sociedade com seus valores determinantes. Ademais, vemos que
esta totalidade não é produto de uma soma de lugares e coisas diferentes, mas
as inter-relações que se estabelecem entre o que é específico do lugar e o que é
diverso nas dimensões micro-espacial e macro-espacial brasileira, amazônica
e acreana.
Neste sentido, no fazer educativo escolar através da disciplina
Geografia, queremos iniciar um processo de rompimento com a centralidade do
conhecimento proposto pela intelectualidade das áreas centrais, hegemônica,
para nós. Isto significava que para os estados que estão numa relação mais
periférica na produção político, econômica e até mesmo sociocultural, sempre
tendíamos a simplesmente absorver materiais e conhecimentos provenientes
do Centro-Sul, por exemplo, o uso de livros didáticos e materiais apostilados
(escolas particulares).
Com isto, as escolas, de um modo geral, tornam o estudante acreano
um desconhecedor de sua formação social, econômica e política, portanto,
desconhecedor de sua realidade imediata. Em momento algum, temos a
intenção de negar a importância destes materiais que vêm de fora, mas temos
a responsabilidade de mostrar que temos uma Geografia que é produzida aqui
a partir de uma leitura das nossas condições Geográficas. Este é o assoalho
para que comecemos a conhecer o mundo, conhecendo primeira nossa terra.
Pensamos que estas questões também justificam a importância deste material.
Então, com esta finalidade de reforçar as bases para a compreensão da
produção do espaço acreano organizamos este livro em nove capítulos. Como
temos uma finalidade de facilitar a compreensão do leitor, preocupamo-nos com

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uma caracterização de aspectos localizacionais e geoambientais nos capítulos
iniciais. Nele firmamos as bases em que se constituiu o espaço geográfico sobre
o qual se desenvolveu todos os processos de ocupação econômica e humana,
dos quais somos produtos e herdeiros. Então, a composição que veremos está
estruturada com as seguintes temáticas:
No Capítulo 1, com título “Estudando o Acre: Localização,
representação e contextos do espaço acreano”, os professores Cláudio
Roberto da Silva Cavalcante e Karla da Silva Rocha, apresentam a caracterização
cartográfica de vários aspectos do espaço acreano. Aí introduzem alguns
conceitos básicos no estudo da cartografia para melhor compreensão deste
instrumental na representação do espaço. Ademais, através da representação
gráfica, os autores chamam a atenção do leitor para um aprofundamento nos
capítulos seguintes.
O Capítulo 2 irá referir-se a “O Acre no planeta em movimento:
A tectônica de placas e a dança dos nossos continentes”. A Professora
Maria do Socorro Oliveira Maia faz uma análise da formação geológica do
planeta, assim como da geomorfologia e do clima, situando as condições nas
quais a Amazônia e o Acre, em particular, se caracterizam. Nesta análise, a
autora chega às questões atuais e nos introduz elementos para a compreensão
da relação sociedade e natureza, no âmbito no qual está sendo produzida e
impactando a realidade socioambiental da amazônica.
No Capítulo 3, com o título “Os solos Acreanos: usos e impactos”,
a Professora Elisandra Moreira de Lira, trabalha sobre as bases de formação
físicas e do uso do solo no Acre. A autora nos mostra como as sociedades
humanas, objetivando suprir suas necessidades, utilizam os recursos oferecidos
pela terra. Mostra-nos ainda como o solo, um dos recursos da terra, pode ser
fonte de geração das condições de vida dos seres humanos. A professora
salienta ainda que este solo vem sofrendo uma crescente pressão decorrente
dos diferentes tipos de usos e que isso se torna preocupante na medida em que
o solo é um recurso natural finito e não renovável. Assim, introduz-nos também
na reflexão sobre os impactos ambientais causados pelo uso inadequado dos
solos acreanos.
No Capítulo 4, sob o título “A fronteira na formação política
do Acre”, o Professor Sílvio Simione da Silva faz uma análise da formação
política do Acre no contexto da redefinição e ocupação das fronteiras externas
na América do Sul e internas no Brasil. Na primeira parte do capítulo, há uma
abordagem que permite ao leitor ter uma visão ampla dos Tratados firmados
na entre as potências colonialistas e depois entre Brasil e países vizinhos até a
definição dos limites atuais na região acreana. Na segunda parte do capítulo,
abordará questões referentes às redefinições de limites internos no Acre. Aí
veremos a formação do processo de organização político-administrativa pelos
quais passaram o território acreano até sua atual configuração em vinte e dois

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municípios.
No Capítulo 5, falando “Sobre gentes e lugares do Acre”, o
Professor Jones Dari Goettert, faz um estudo sobre questões atuais que atingem
a população acreana – as gentes do Acre, como ele denomina. Assim, com um
estilo literário próprio de redação,o professor vai mostrar ao leitor que uma
“geografia da população do Acre, deve apresentar a localização das gentes no
interior de seu território – onde”. E acrescenta: “Localizar ultrapassa a simples
pontuação do aqui, lá ou acolá, devendo fazer emergir o lugar geográfico como
a síntese das relações humanas que formam partes do território, sejam elas
econômicas, políticas, culturais, sociais, religiosas, dentre outras”. É, portanto,
um trabalho que permite um encontro com o agora das populações acreanas.
No Capítulo 6, far-se-á uma abordagem sobre a “Produção do
espaço agrário acreano: O homem, a terra e a floresta” capítulo no qual o
Professor Silvio Simione da Silva faz uma apresentação ampla da formação do
espaço acreano.
Partindo da consideração que é no espaço agrário que reside as raízes
da formação política e social acreana, o autor apresenta ainda, quatro enfoques
fundamentais: primeiro, faz um resgate histórico do processo geográfico
formador das bases da ocupação e produção dos seringais; depois, tratando
dos períodos de crises na bases empresariais, analisa entre a segunda e quarta
década do século vinte, sob a ótica da formação socioespacial e cultural da
sociedade acreana, nas suas raízes agrárias campesinas; num terceiro momento,
introduz uma discussão sobre as formas da apropriação e formação da estrutura
fundiária acreana; e, por final, partindo da apresentação das faces de produção
camponesa local, introduz análises sobre os sistemas agrários de produção, no
âmbito regional do espaço produzido no campo ou na floresta.
No Capítulo 7, tratando da “Geografia da luta pela terra: conflito
e resistência camponesa acreana”, também o Professor Sílvio Simione da
Silva, proporciona uma breve apresentação dos movimentos de resistência e
luta camponesas que têm caracterizado o espaço agrário acreano. Daí, tem-se
as bases necessárias para se compreender os aspectos da luta e resistência dos
seringueiros a partir da década de setenta, o que deu condições para entendermos
também a formação dos sindicatos rurais, das cooperativas e associações de
produtores rurais. A partir desse enfoque, o professor faz apontamentos para a
compreensão dos aspectos socioespaciais e socioterritoriais presentes na luta,
ou seja, respectivamente, a luta na terra e a luta pela terra.
No Capítulo 8, a questão que apresentamos é sobre “O espaço
da cidade no Acre”. A bacharelando em Geografia – Isis do Mar Marques
Martins, o bacharel em Geografia Luciano Rodrigues do Nascimento e o
Professor Silvio Simione da Silva traçam uma análise da formação das cidades
acreanas. Partem do pressuposto de que a formação dos espaços citadinos
amazônicos são produtos de uma heterogeneidade de processos formadores.

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Então, apresentam claramente a formação das cidades, ao mesmo tempo em
que introduz apontamentos para refletir da vacuidade da aplicação genérica do
conceito de urbano para todas as cidades acreanas.
No Capítulo 9, fechando as temáticas estudadas, referimo-nos ao “O
desenvolvimento acreano em questão: contexto histórico e especificidades
microrregionais”. Aqui os professores Floripes Silva Rebouças, Lucilene
Ferreira de Almeida e Silvio Simione da Silva, praticamente, apresentam o
assunto sob duas óticas: primeiramente, caracterizam os diversos momentos
das direções políticas postos no Acre para, então, enfocarem os principais
marcos e mudanças ocorridas nas direções das políticas de desenvolvimento
acreano, e fazem, ainda, uma breve análise crítica sobre o momento atual; por
segundo, analisam como daí deriva a caracterização das regionalizações e, por
fim, apresentam apontamentos sobre as especificidades regionais acreanas.
Portanto, agora, esperamos que o leitor possa ter uma visão ampla da
produção do espaço acreano, contextualizado na realidade amazônica brasileira.
A perspectiva de compreensão da realidade produzida no âmbito das dimensões
inter-relacionais espaço/temporal, dá-nos uma visão dos processos que atuaram
na formação geoambiental, econômica, política e cultural do Acre. Portanto,
desta visão de totalidade do espaço produzido, pode-se ter a compreensão deste
em nível micro ou macro e vice-versa, na apreensão das diversidades regionais
como fruto de relações recíprocas na dialética da produção do espaço, que é,
por excelência, o objetivo da “Geografia que propomos fazer”.
É isto! Mas agora vamos à leitura do Livro inteiro.

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Estudando o Acre: L ocalização, representação
e contextos do espaço acreano.

Karla da Silva Rocha


Cláudio Roberto da Silva Cavalcante

Pretendemos neste primeiro capítulo representar e caracterizar alguns


aspectos do espaço acreano. Para isto, discutiremos inicialmente alguns
conceitos básicos no estudo da cartografia para melhor compreensão do texto
geral apresentado.

Localização

O que significa localizar? E porque esta é uma ação tão importante para
vivermos socialmente? Localizar significa conhecer as condições exatas para
determinar o local de que estamos falando, quer estejamos ou não presentes
nele. É uma ação para tornar um lugar possível de ser encontrado na imensidão
do espaço em que vivemos. Por isso, esse ato tem sido de grande importância
para o homem desde o princípio de sua existência.
Sabemos que para se orientarem e localizarem na superfície terrestre,
desde os tempos mais remotos o homem sentiu a necessidade de representar
com desenhos seus trajetos. Isso significava, noutras palavras, a necessidade
de produzir mapas. Começou-se pelos mais rudimentares, modelados e
entalhados na argila e pedras, até os mais modernos processados atualmente em
computadores. Contudo, tanto os mapas rústicos quanto os mapas modernos
têm um único objetivo: representar o espaço geográfico.
Hoje, imaginamos o quão difícil seria compreender o espaço e a
realidade de cada lugar se não pudéssemos contar com o auxílio dos mapas.
Como iríamos representar as formas físicas e as relações desenvolvidas no
espaço e no tempo, caracterizar e visualizar a divisão regional, os limites,
municipais, estaduais ou nacionais?

O que é espaço geográfico

O espaço geográfico é o espaço acessível ao homem (J. Gottman), e por


eles utilizado para sua existência. Inclui, por conseguinte, os mares e os
ares. Cada um dos pontos do espaço geográfico está localizado na superfície
da Terra. Defini-se, portanto, por suas coordenadas, por sua altitude, assim
como por seu sítio – o qual é como que seu receptáculo – e por sua posição
que evolui em função de um conjunto de relações estabelecidas levando em
conta outros espaços. Sendo um espaço localizável, o espaço geográfico é
susceptível de ser cartografado (DOLFUSS, 1978, p.9).

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Sistemas de Coordenadas

Para nos localizarmos ou mesmo localizarmos qualquer lugar na


superfície terrestre, precisamos de pontos de referência que nos ajudem
(ou auxiliem). Estes servem para identificar a posição de qualquer lugar no
globo terrestre. Então, para facilitar esta localização foi criado o Sistema de
Coordenadas Geográficas.
Criaram-se as linhas imaginárias que cortam o globo terrestre de Norte
a Sul e de Leste a Oeste. Estas são assim chamadas (imaginárias), pois elas
não existem materialmente, mas sim por convenções estabelecidas entre os
estudiosos do assunto, dentre todos os povos da terra. São os Meridianos e os
paralelos.
Os Meridianos são definidos por grau de Longitude que varia de 0º a
180º para Leste e para Oeste (tendo como base o meridiano de Greenwich). Os
Paralelos são definidos por graus de Latitude que varia de 0º a 90º para o pólo
Norte e para o pólo Sul (tendo como base a Linha do Equador).
Inicialmente, dividiu-se a superfície terrestre em partes iguais
denominadas de hemisférios. Esta palavra significa metade de uma esfera.
Assim ficou definido: Ao norte da Linha do Equador, temos o Hemisfério
Norte e ao Sul da Linha do equador o Hemisfério Sul. A Leste do Meridiano
de Greenwich temos o Hemisfério Oriental e a Oeste o Hemisfério Ocidental
(Figura 01).

Figura 01: Hemisférios, Meridianos e Paralelos.


Fonte: Apostila de Cartografia Básica, Universidade Federal de
Uberlândia, Fev. 2004 (modificado).

A importância destas linhas é tão grande que por elas e, a partir delas,
muitos limites e problemas de fronteiras foram e podem ser resolvidos. Daí,

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conhecer a localização é também saber usar estes recursos.

Localizando o Acre

O Acre está situado na região Norte do Brasil, no Extremo Sudoeste


da Amazônia Brasileira (Amazônia Ocidental). Faz fronteira com os Estados
do Amazonas (Norte) e Rondônia (Leste) e faz divisa internacional com a
Bolívia (Sudeste) e o Peru (Sul e Sudoeste). Por isso, constitui-se numa das
porções do território brasileiro mais distante dos estados litorâneos e dos
centros econômicos do país. Assim, por ter o território mais ao oeste do país,
o Acre está mais próximo das regiões andinas e do litoral do Oceano Pacífico
(no Peru).

Mapa 01 - Localização do Acre no Brasil e na América do Sul



Fonte: Base cartográfica IMAC/SEMA/ZEE, 2000.
Elaborado por Cláudio Roberto S. Cavalcante, 2007.

Esta localização confere ao Estado, condições de ocupar uma área


estratégica no “coração do Continente” na América do Sul (Cf. mapa 01).
Vemos isto no sentido das possibilidades de se firmar por aqui rotas para a
integração do território nacional aos vizinhos sul-americanos. Também, por
estar totalmente localizado na zona climática intertropical, há a formação de
exuberante e densa floresta tropical, sob um clima quente e úmido, com forte
índice de precipitação pluviométrica, entre outras características.

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O Acre possui uma área de aproximadamente 164.221,36 km². Esta
dimensão foi alcançada com a nova demarcação dos limites estadual no ano
de 2004, como foi definido pela Nova Linha Cunha Gomes (Mapa 02). Com
isso, o Estado incorporou 1.200 km² oriundos de parte dos municípios do Sul
do Estado do Amazonas.

Mapa 02 – Novos limites do Estado do Acre.

Fonte: Base cartográfica IMAC/SEMA/ZEE, 2000.


Elaborado por Cláudio Roberto S. Cavalcante, 2005.

No que se refere aos arranjos territoriais internos, o Acre passou


por várias mudanças na sua organização político-administrativa. Destes, dois
momentos foram bastante significativos para a sua firmação e autonomia como
Estado Federado:

 1976, quando cinco municípios foram criados. Estes surgem a


partir do desmembramento (nova demarcação intermunicipal)
realizado nos município de Rio Branco, Brasiléia, Sena Madureira
e Cruzeiro do Sul que deram origem aos municípios de Assis
Brasil, Mâncio Lima, Manoel Urbano, Plácido de Castro e
Senador Guiomard.

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 1992, quando algumas Vilas foram emancipadas. Surgiram daí
os Municípios: Acrelândia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia,
Jordão, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter, Porto Acre,
Rodrigues Alves e Santa Rosa. Atualmente, o Estado do Acre é
formado por vinte e dois municípios (Cf. Capítulo 4).

Os municípios acima, por sua vez, foram regionalizados em duas


microrregiões geográficas: Vale do Juruá e Vale do Acre. Esses limites deram
base à regionalização proposta pelo Governo do Estado, no Zoneamento
Ecológico Econômico ZEE/AC - as chamadas “regionais de desenvolvimento
(Cf. capítulo 09)”.
No que se refere à rede de circulação rodoviária no Acre temos de
considerar as estradas federais (BR-364 e BR-317) e estaduais (AC-010, AC-
040, AC-403, AC-475, AC-090) e, ainda as estradas vicinais dos municípios e
ramais dos projetos de assentamentos do INCRA. Internamente, a BR -364 é
a mais extensa ligando o Estado a maioria dos seus municípios. Já a BR – 317
passa por todos os municípios do Vale do Acre, ligando o sul do Amazonas
(Boca do Acre) à fronteira tri-nacional com Peru e a Bolívia, na cidade de Assis
Brasil (Mapa 03).
Quanto à rede hidrográfica, o Estado do Acre faz parte da Bacia
Amazônica e é formada pelas bacias do Juruá e Purus. São afluentes da
margem direita do Rio Solimões/Amazonas. Os principais rios do estado
são: Acre, Abunã, Envira, Iáco, Jordão, Juruá, Moa, Purus, Tarauacá e
Xapuri, que no conjunto formam as duas bacias. Pelo fato de os rios estarem
localizados em áreas de médios e altos cursos, a navegação para embarcações
de médios e grandes portes, é mais viável nos períodos de cheias dos rios
(Mapa 03).
Como em toda a Região Amazônica, no Acre, os rios também possuem
um papel muito importante no processo de crescimento e no desenvolvimento
do Estado. Durante muitos anos foram as únicas vias de acesso e comunicação
entre os municípios do interior e a capital. Atualmente, mesmo com a abertura
das estradas em alguns municípios do Estado, a importância dos rios permanece,
pois há aqueles municípios que ainda não estão interligados ou apenas no
período de estiagem é que as estradas podem ser transitáveis.

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Mapa 03 – Principais rios e estradas do Estado do Acre

Fonte: Base cartográfica IMAC/SEMA/ZEE, 2005.


Elaborado por Cláudio Roberto S. Cavalcante, 2007.

Conhecendo um pouco mais sobre o Acre:

Devido à grande extensão leste-oeste do território nacional, o Brasil


possui 04 fusos horários, sendo 03 Continentais e 01 Oceânico (Figura
03). O fuso horário que determina a hora oficial do Brasil (hora legal ou hora
de Brasília) corresponde ao segundo fuso brasileiro (terceiro fuso a oeste de
Greenwich). O Estado do Acre está situado no terceiro Fuso Horário Continental
do Brasil, e, devido a isso é atrasado 2 horas em relação ao horário de Brasília,
que é o horário oficial do nosso país. (Tabela 1).

24
Figura 02: Representação dos fusos horários brasileiros.


Fonte: Governo Federal. Divisão do Serviço da Hora do Observatório Nacional, 2005. (Site:
www.geovivencia.com.br), Adaptado por Cavalcante, 2006.

Tabela 1: Fusos horários do Brasil


Hora em Hora em
Fuso relação a relação a Área de abrangência
Greenwich Brasília
1º -2 h +1h As ilhas oceânicas brasileiras.
Amapá, Goiás, Tocantins, Distrito Federal
e a parte leste do Para, todos os estados da
2º -3 h A mesma região Nordeste, Sudeste e Sul. Este é o fuso
oficial do Brasil.
Roraima, Rondônia, Mato Grosso do Sul,
3º -4 h -1h Oeste do Pará e Amazonas (exceto extremo
Oeste).

4º -5h -2h Acre e extremo oeste do Amazonas


Fonte: Governo Federal. Divisão do Serviço da Hora do Observatório Nacional, 2005.

Representações Cartográficas

Mapas e cartas são representações cartográficas, ou seja, são superfícies


planas onde a terra se acha total ou parcialmente representada. Embora esses
termos apresentem bastante similaridade, no Brasil, costuma-se diferenciar
mapas e cartas.
Mapas são representações simples, generalizadas ou de escala muito
pequena (1:5. 000.000 a 1:1. 000.000) e mostram as características e os
elementos geográficos gerais de uma região, país ou mesmo do mundo.
Cartas são representações mais detalhadas, mais precisas e de grande

25
escala, mostram uma determinada parte de uma região ou estado (obras
realizadas pelo homem, relevo e acidentes naturais). As cartas urbanas e
cadastrais variam de 1:500 a 1:10.000 e as cartas topográficas de 1:25.000 a
1:250.000.
Como mapas e cartas são representações da superfície terrestre, devem
ser compreendidos em função de uma escala, ou seja, da relação existente
entre as dimensões reais da área representada e os elementos presentes no
mapa (figura 03).

Figura 03: Representação do Estado do Acre em escalas diferentes.

Fonte: Base cartográfica IMAC/SEMA/ZEE, 2000.


Elaborado por Cláudio Roberto S. Cavalcante, 2005.

A escala determina a quantidade de informações que serão representadas


no mapa. Observe que na figura acima representamos a diferença de elementos
expostos devido à utilização de escalas diferentes.
Outro exemplo pode ser notado no mapa na representação de novas
regionalizações que estão surgindo. Vejamos isso com a região MAP (Madre
de Dios, Acre e Pando), um exemplo desta situação que está se formando nas
áreas limítrofes do Acre com os países vizinhos do Peru e Bolívia (Mapa 04).

26
Mapa 04 – Localização da área MAP.

Fonte: Base Cartográfica IMAC/SEMA/ZEE, 2000.


Elaborado por Cláudio Roberto S. Cavalcante, 2005.

O mapa acima está em uma escala numérica de 1:10.000.000 e nos


mostra que as distâncias ou proporções reais sofreram uma redução de 10
milhões de vezes em relação ao representado, ou seja, 1 cm no mapa corresponde
a 10 milhões de cm ou 100 km no espaço real.
Já que falamos no MAP é bom sabermos mais sobre esta região e seu
processo de formação. Vejamos na explicação do Professor Silvio Simione da
Silva:

As regiões se formam ou são formadas a partir de uma


identidade de destinos socioespaciais que são traçados
pelos agentes diversos os quais produzem o espaço
geográfico. Foi assim que a partir de 1999 começou-se a
desenvolver a Região MAP. Esta sigla significa a junção
de territórios de três nações: Madre de Dios-Peru - Acre-
Brasil -, e Pando-Bolívia como demarcação de uma região
trinacional, no coração da América do Sul para atuação
política a fim de planejar os destinos desta área. Com
isso, esta nova regionalização tem se constituído em
aparato geográfico para iniciativa de instituições e pessoas
do ambiente acadêmico-universitário, organizações
sociais, organizações não governamentais (ONGS) e
de instâncias municipais e governamentais. Hoje esta

27
região internacional constitui o núcleo da Amazônia
Sul ocidental com 302, 378 Km2. Possui uma formação
florestal ainda pouco transformada, e uma população
de aproximadamente 700.000 habitantes, formadas
por indígenas, campesinos de lavouras e extrativistas,
proprietários privados de pequeno, médio e grande portes
na área rural e em alguns centros urbanos de pequemos e
médios portes com desenvolvimento diferenciado. Dentre
as situações mais preocupantes podemos citar o gradual
desflorestamento, os desafios de promover integralmente
formas de desenvolvimento regional, a situação de estar
sendo cortada pela Rodovia que liga esta região ao Porto
de Ilo - Peru (Estrada do Pacifico) e o profundo interesse
de agentes externos aos três países na região. (Texto
elaborado em 2006, exclusivamente, para este capítulo
com base na consulta a pagina http://www.map-amazonia.
net).

A cartografia e as novas tecnologias

Nas ultimas décadas, com o avanço das técnicas de coleta e


processamento de dados, os mapas produzidos são cada vez mais precisos.
Novas tecnologias estão sendo utilizadas para representar e entender melhor
as transformações do espaço, em tempo quase que real. Podemos destacar as
fotografias aéreas e as imagens de satélite de alta resolução (figura 04), que
com o auxílio de computadores e softwares cada vez mais especializados e
sofisticados tem aumentado a qualidade e a rapidez com que se pode elaborar
um mapa.
Desde que a terra foi fotografada pela primeira vez em 1858 (na
França) com ajuda de um balão, a Fotogrametria vem apresentando um
grande desenvolvimento. Apenas a partir da primeira Guerra Mundial (1914
– 1918) é que os aviões passaram a ser utilizados para reconhecimento do
terreno e a fotografia aérea passou a ser utilizada de forma mais sistemática.
A aerofotogrametria passou a ser o principal meio de coleta de dados para a
construção de mapas.

28
Figura 04: : Acre - coordenadas Geográficas: “10º 39’58.96” S “e 69º 40’ 29 73”.
Elevação- 788 pés

Fonte: Google Maps, ©2005 Google, ©2005 Earthsat.

Levantamentos Aerofotogramétricos no Estado do Acre:

Existem ramos da Ciência Cartográfica que se voltam exclusivamente


para o estudo das fotografias aéreas. A Fotogrametria é o estudo das fotografias
aéreas com o propósito de criar informações a respeito dos objetos que se
encontram na superfície. A partir das fotografias aéreas podemos fazer vários
estudos a cerca da localidade que foi fotografada como: analisar o crescimento
urbano, o índice de desmatamento, criar um cadastro urbano, caracterizar e
classificar o uso e a cobertura do solo, mapear áreas verdes e outros. Vários
levantamentos fotogramétricos já foram realizados no estado do Acre.
Há registros de levantamentos nos anos de 1960, 1975, 1981, 2002. Todos
recobriram a cidade de Rio Branco, o que nos permite ver as transformações
processadas no espaço produzido (figura 05).

29
Figura 05: Fotografias áreas que recobrem o 2º Distrito de Rio Branco

Fonte: Acervo do Laboratório de Aerofotogrametria Cartografia da UFAC.

Assim, esta seqüência de figuras nos possibilita observar através da


análise temporal das fotografias aéreas que recobre a área do 2º Distrito da
cidade de Rio Branco, mais especificamente, no entorno do bairro Corrente,
as transformações ocorridas como: o crescimento urbano, o desmatamento e
outras transformações ocorridas na área.
Atualmente, a prefeitura de Rio Branco possui um banco de fotografias
aéreas de todo o município e faz os seus planejamentos através da análise das
mesmas.
Outra tecnologia muito utilizada no estudo e representação do espaço
é o Sensoriamento Remoto. Este pode ser compreendido como o conjunto de
técnicas que se baseia na aquisição, processamento e interpretação de imagens
orbitais, permitindo a obtenção de informações de um determinado objeto
através da detecção da energia eletromagnética irradiada por ele.
O sensoriamento remoto representa o mais importante e eficiente
recurso tecnológico de observação da terra que o homem dispõe atualmente.
Cada satélite possui um sensor que é responsável pela captação das
ondas refletidas (energia irradiada) pelos elementos na superfície. Assim, para
cada tipo de estudo é preciso identificar o satélite e o sensor que melhor irá

30
captar as informações do alvo que pretendemos estudar.

Figura 06: Sistema de recepção das informações gerada pela energia do sol pelos
sensores dos satélites

Fonte: Florenzano, 2002. Adaptado por Cavalcante, 2006.

Na figura 06 podemos observar uma imagem de resolução moderada


- MODIS - feita no dia 20 de setembro de 2005 pelo satélite Aqua. Nesta
imagem, vemos claramente a profusão de queimadas, destacadas por alguns
pontos escuros, que atingem, sobretudo, o Sudeste do Estado do Acre, próximo
às cidades de Xapuri, Brasiléia, Epitaciolândia, Assis Brasil e Plácido de
Castro. No noroeste do Estado, diversos focos podem ser vistos próximos a
Cruzeiro do Sul. Na parte inferior da imagem vemos muitos pontos de calor
que se espalham pela Bolívia, e no canto superior esquerdo, já em território
peruano, um forte aglomerado térmico pode ser detectado.

O Landsat
O mais importante e utilizado satélite para mapeamento e monitoramento
dos recursos naturais é sem duvida o Landsat, desenvolvido pela National
Aeronautics and Space Administrtion – NASA, o mesmo compreende hoje
uma serie de 7 satélites. O Brasil utiliza informações do sistema Landsat
desde 1973.

31
Figura 07: Imagem de satélite detectando Focos de Calor.

Fonte: Satélite Moderate resolution Imaging Spectroradiometer do satélite Terra, 2005.

Com a utilização dos satélites artificiais de alta resolução, o


sensoriamento remoto tem contribuído para o desenvolvimento de diversas
áreas do conhecimento, tais como: meteorologia, análise e monitoramento de
recursos naturais para conservação, geografia, geologia, geomorfologia e outros.
Contudo, a utilização dessas novas tecnologias faz com que hoje tenhamos
informações mais precisas e confiáveis, podendo desenvolver estudos mais
detalhados, com maior precisão nos resultados, em um curto espaço de tempo
e com um baixo custo de produção.

32
Referências Bibliográficas:

ACRE, Governo do Estado do Acre. Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-


Econômico do Estado do Acre. Zoneamento ecológico-econômico: aspectos
socioeconômicos e ocupação territorial – V.1, documento final. Rio Branco:
SECTMA, 2000.
_________Zoneamento ecológico – econômico: aspectos socioeconômicos e
ocupação territorial – documento final. Rio Branco: SECTMA, 2000. V. 2
ACRE, Governo do Estado do Acre. Fundação de Tecnologia do Estado do Acre
FUNTAC. Atlas Educativo do Acre, Rio Branco. 1990.
DOLFUSS, Olivier. O espaço geográfico. 3.ed. São Paulo: DIFEL, 1978
FLORENZANO, Teresa Galloti. Imagens de satélites para estudos ambientais. São
Paulo: Oficina de Texto, 2002.
HASLAM, Andrew, MAPAS / Andrew Haslam e Bárbara Taylor; supervisão técnica
Eustáquio de Sene; tradução Lilá Spinelli. – São Paulo: Scipione, 1999. – (Mãos à
obra)
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Projeções 2004, Rio Branco,
20005.
LIBAULT, André. Geocartografia. São Paulo, Ed. Nacional, Ed. da Universidade de
São Paulo, 1975.
MARTINELLI, Marcello. Curso de Cartografia Temática. São Paulo: contexto,
1991.
SEBRAE, Levantamento das Potencialidades Econômicas e Vantagens
Competitivas. Rio Branco, Acre: 2000.
Sensoriamento remoto e sistemas de informações geográficas aplicadas à
engenharia florestal: anais do 5º Seminário de Atualização. Curitiba – PR, 15 a 17
de outubro de – 2002, editado por Atílio A. Disperati e João Roberto dos Santos –
Curitiba: 2002.
SIMIELLI, Maria Elena. GEOATLAS. São Paulo: editora Ática, 2000.

33
O Acre no planeta movimeno. A tectônica de
placas e a dança dos nossos continentes

Maria do Socorro Oliveira Maia

“Não existiam os Andes, e o Amazonas, largo canal entre


as altiplanuras das Guianas e as do continente, separava-
as, ilhadas...” (Os Sertões, Euclides da Cunha)

A Terra, planeta em que vivemos, possui vários fenômenos geológicos


que ao longo dos tempos vêm sendo desvendados e explicados por cientistas e
pesquisadores. A história Geológica da natureza de nosso planeta está calculada
em torno de 4,5 bilhões de anos. Considerando que o homem surgiu a cerca
de 1 milhão de anos, podemos então dizer que somos habitantes recentes da
Terra.
Os cientistas, baseados em estudos de fenômenos tectônicos como
terremotos, maremotos, lavas vulcânicas, densidade dos minerais e do grau
geotérmico da Terra, afirmam que a mesma é formada por três camadas
distintas: a litosfera, o manto e o núcleo, cada uma delas com características
próprias. Dentre estas camadas a litosfera ou crosta terrestre, merece destaque
considerando ser a parte mais externa da terra, local onde o relevo terrestre
surge como produto da dinâmica das forças endógenas e exógenas (estrutura e
escultura). Este relevo é a base sobre a qual o ser humano desenvolve sua vida
(pratica agricultura, pecuária, constrói cidades, estradas, edifícios, etc.).
A crosta terrestre é sólida e rígida, entretanto, não forma um conjunto
contínuo. Está “fraturada” em pedaços de vários tamanhos que recebem o nome
de placas tectônicas ou placas litosféricas, (Figura 01). As placas litosféricas
maiores são chamadas de primárias e as menores de secundárias. As mesmas se
apóiam no manto superior ou na astenosfera (camada do manto superior onde
se localizam as correntes convectivas responsáveis pela migração das placas
tectônicas) que têm um estado permanente de fusão com altas temperaturas
que empurram o magma e as rochas em direção à superfície, através das
correntes convectivas, ocorrendo então a dança, o movimento, ou, melhor
dizendo, a deriva dos continentes que se encontram assentados sobre estas
placas litosféricas. Esse movimento ocorre em razão de 2 a 20 centímetros por
ano.
Esta teoria da deriva continental, também conhecida como Teoria
da translação dos continentes, foi postulada pelo cientista Alfred Wegener
em 1912. Wegener propôs que deva ter existido uma só massa continental

34
no início da formação da Terra, a qual deu o nome de Pangéia. Ele só não
sabia explicar quais forças causavam o movimento destas massas continentais.
Por este motivo sua teoria só ganhou credibilidade e consistência nos anos
50 do século XX quando a Geofísica comprovou que as massas continentais
realmente se movimentam sobre a astenosfera. Daí surgiu à teoria das Placas
tectônicas proposta pelo pesquisador Jason Morgan, em 1967.

Figura 01: Placas Litosféricas

Fonte: adaptado pela autora, 2007 (Jason Morgan, em 1967).

Mas então por que os tremores de terra no Brasil são poucos e


normalmente pequenos? O Brasil, bem como quase toda a América do Sul,
encontra-se assentado sobre a placa tectônica Sul-americana que, juntamente
à placa de Nazca, possuem movimentos convergentes (Cf. Fgura 01) os
quais provocam a ascensão da cadeia andina e inúmeros abalos tectônicos
na região. O território brasileiro não sofre abalos de grandes magnitudes em
função de encontrar-se localizado no interior da placa tectônica Sul americana,
sendo considerada, portanto, uma região intraplaca. Estes movimentos são
responsáveis pelas condições geológicas e estruturais apresentadas na região.
O Estado do Acre, por estar situado na parte oeste da América do
Sul, sofre abalos de pequenas magnitudes, resultantes da força de contração
das placas sul americanas e Nazca. Essas placas ao se contraírem causam

35
deformações nas rochas, que se dobram ou se curvam, acumulando energia
que ao ser liberada atinge a superfície gerando os sismos (do grego seismós,
que significa abalo). Muito embora estes sismos não sejam considerados
catastróficos, pois na maioria das vezes atingem menos que 5,0 na escala
Richter (escala que varia de 0 a 9 graus e mede a energia liberada pelos
sismos) é possível visualizar episódios em que casas e prédios são sacudidos e
danificados, causando certo pânico à população.

Contexto geológico acreano: aspectos tectônicos, geologia


regional e local.

Não existiam os Andes, e o Amazonas, largo canal entre


as altiplanuras das guianas e as do continente, separava-
as, ilhadas...

Neste pequeno texto de Euclides da Cunha em “Os Sertões” está


retratado os Aspectos fisiográficos da Amazônia em um passado geológico.
Estudar a história geológica de nossa região - Amazônia - é primordial para
se entender a diversidade (o mosaico) de feições que a mesma apresenta na
atualidade.
A Amazônia, geologicamente falando, pode ser considerada uma
depressão preenchida por uma cobertura sedimentar de caráter fluvial (rios)
e lacustre (lagos). Esta depressão fica situada entre dois escudos arqueanos
(Do grego archaîos que significa antigo, ou seja, são escudos formados na era
geológica mais antiga): o escudo das guianas ao Norte e o escudo brasileiro,
ao Sul, limita-se ainda pela borda oeste, com a jovem formação das Cordilheiras
dos Andes. No Paleozóico esta depressão esteve coberta pelo mar constituindo-
se em um golfo aberto para o pacífico (figura 02).
Sobre este processo da formação da bacia sedimentar amazônica
(figura 02), temos o esboço elaborado por Orville Adelbert Derby (1851-1915).
Este foi um dos mais importantes estudiosos das ciências geológicas voltadas
para o espaço brasileiro.

36
Figura 02: Formação da Bacia Amazônica segundo Orville A. Derby.

Fonte: Adaptado pela autora, 2006.

Pode-se dizer que durante o carbonífero houve uma regressão


marinha e, durante todo o mesozóico, a baixada Amazônica era terra emersa e
os rios que drenavam a área escoavam para o pacífico. No terciário, inicia-se
o soerguimento dos Andes, que durante todo o plioceno e pleistoceno, passa a
bloquear o escoamento do sistema fluvial amazônico para o pacífico, fazendo
com que suas águas fiquem represadas, desencadeando uma colmatação
(processo de assentamentos naturais dos sedimentos carreados) de toda a
baixada com sedimentos de águas doces. O sistema fluvial amazônico começa
então a se hierarquizar formando a sua bacia hidrográfica com seu rio principal
- o Amazonas- e seus afluentes que por sua vez passam a desaguar no Atlântico
(SIOLI, 1991).

O Vale Amazônico

O vale do Amazonas, ao princípio, apareceu como um largo canal entre duas


ilhas ou grupo de ilhas, das quais uma constituiu a base e o núcleo do planalto
brasileiro, e a outra ao norte, do planalto da Guiana. Estas ilhas aparecem no
princípio da idade siluriana ou um pouco depois dele. Naquela época os Andes
não existiam ainda (Charles Frederick Hartt [1840 – 1878]).

O soerguimento andino ocorreu através do choque das placas


tectônicas de Nazca e Sul Americana, que seguem exercendo sua ação
compressiva até os dias atuais. Existem evidências de que estes efeitos de

37
tectonismo de compressão se estendem pela Amazônia Brasileira, alcançando
o Estado do Acre.
Neste sentido, segundo Latrubesse (1992), a neotectônica é ativa na
Amazônia Sul Ocidental e está ligada à posição de baixa subducção da Placa
de Nazca. Este aspecto permite concluir que a “Amazônia Sul Ocidental tem
tido uma tendência geral de levantamento no Quaternário”.
Ainda hoje, persistem controvérsias entre os pesquisadores quanto
à época em que o levantamento andino chegou a seu clímax. Entretanto, a
responsável pela fase final do levantamento dos Andes orientais, foi a Orogenia
Quechua, a partir da qual houve a inversão no sistema de drenagem, cujo sentido
passou a ser de Oeste para Leste, propiciando, desta forma, um ambiente de
deposição fluvial que deu origem à Formação Solimões (ALMEIDA, 1974).
O Estado do Acre encontra-se inserido na Bacia sedimentar do
Acre, a qual juntamente às bacias do Solimões e do Amazonas, formam uma
grande área sedimentar denominada Província Amazonas-Solimões, que é
compartimentada por altos estruturais (Figura 03), sendo conhecidos como:

 Arco de Iquitos, que separa a Bacia do Acre da do Solimões;


 Arco de Purus, que separa a Bacia do Solimões da do
Amazonas;
 Arco de Gurupá, que separa a Bacia do Amazonas da foz do
Amazonas.

Figura 03: Bacias Sedimentares do Norte do Brasil

Fonte: Maia, 2003

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A Bacia sedimentar do Acre foi definida por PETRI & FÚLFARO
(1983) como intracratônica (entre crátons – escudos cristalinos). Então
permaneceu aberta e marginal até o final do Cretáceo Superior, período que teve
início a Orogenia Andina atingindo seu clímax no Mioceno Superior, quando a
bloqueia (MIÚRA, 1972). Durante o mioceno (Quadro 01), a região foi palco
de intensa sedimentação marinha e, com o bloqueio, seu ambiente restringiu-
se a lagos e pântanos, com alternâncias climáticas semiáridas e úmidas até o
holoceno (CAPUTO, 1973).

Quadro 01: Coluna Estratigráfica do Estado do Acre

Era Período Época Formação Litologias


(Qa) Sedimentos incon-
Holoceno

solidados de planícies fluviais


Aluviões recentes e atu-ais.
Holocênicos (Qai) Aluvião indiferen- ciada em
Quaternário

terraços fluvi- ais.


Pleistoceno

(QPcs) Arenitos finos e médios


friáveis com intercalações de
argilitos e areias (aa.)
Cruzeiro do Sul

(Tqs) Argilitos silticos, maciços ou


finamente laminados, com concre-
Solimões ções carboníferas e gipsiticos (ar)
Arenitos finos micáceos.
Cenozóico

Plioceno

Soerguimento da Cordi- lheira


Andina
Terciário

(Tr) Argilitos, siltitos e folhelhos


Paleoceno
Mioceno

intercalados por camadas calcárias.


Ramon Subordinadamente, arenitos e
folhelhos calcíferos.

39
(Kd) Arenitos maciços com intercalações
de arenitos silicificados, brechas de falha
Divisor
e siltitos.
(Kra) Superior: arenitos finos com
intercalações de siltitos.
Mesozóico

Rio Azul Inferior: arenitos finos intercalados com


Cretáceo

folhelhos e níveis de calcário.


(Km) Água Branca Arenito finos e
Cenomaniano

médios, com níveis conglomeráticos e


finas camadas de argilas e siltes.
Capanauá Arenito argilosos,
Moa
granulometria fina e conglomerática
friáveis.
Permiano Carbonífero

Sienito
Pensilvaniano
Paleozóico

República
(Tf) Diques de quartzo sienito. Quartzo
traquitos cortando a F. Formosa.

Fonte: BRASIL 1976, 1977

A Bacia do Acre possui aproximadamente 230.000 km². Está limitada


a leste e sudeste pelo Arco de Iquito; a sul, pelo escudo brasileiro; e a oeste e
noroeste pela cordilheira Oriental Andina, visto que se estende pelo território
peruano, onde recebe o nome de Bacia Pastaza.
Possui mais de 5.600 m de pilha sedimentar com registros do
paleozóico nas camadas inferiores e terrenos cretáceos e terciários do Grupo
Acre e Formação Ramon em superfície, sendo que a espessura destes sedimentos
na porção do Estado do Acre não chega a ser tão expressiva se comparada com
a da área subandina.
Para melhor entendermos a geologia local faz-se necessário
observarmos a coluna Estratigráfica do Estado do Acre (BRASIL 1976, 1977
– Cf. Quadro 01). Nela perceberemos que as unidades litológicas que ocorrem
na região têm idades que vão do Proterozóico até o presente e que as rochas
mais antigas são representadas pelo Complexo Xingu.
Após esta Formação- Complexo Xingu - ocorreu a primeira
transgressão marinha na Bacia do Acre no Carbonífero. Neste período, os
sedimentos da Formação Formosa se depositaram em ambiente marinho raso.
Essa fase foi seguida pela ocorrência de eventos ígneos de natureza alcalina,

40
representados por diques do Sienito República e pequenas intrusões que
cortam sedimentos dessa unidade. Após esta atividade ígnea, a Bacia entra em
subsidência com a borda Leste positiva, gerando uma sedimentação clástica
regressiva. É, a partir de então, depositado o Grupo Acre.
O Grupo Acre apresenta inicialmente depósitos de arenitos com
estratificação cruzada (Formação Moa) depositada em ambiente continental.
Em seguida, um evento transgressivo atinge a Bacia, depositando os folhelhos
e siltitos (Formação Azul), típicos de ambientes marinhos rasos. Ao final da
deposição da Formação Rio Azul, começam a ocorrer movimentos da crosta
(orogenias), que resultaram em levantamentos a leste da bacia, acarretando
uma deposição rápida de arenitos grosseiros (Formação Divisor).
No Terciário, inicia-se um novo ciclo deposicional, desta vez,
predominantemente continental, com sedimentos argilo-silticos, calcários e
arenitos originados a partir de rochas preexistentes - área subsidente a leste-
que constitui a Formação Ramon. Nesse Período, mais precisamente na época
do Plioceno ocorre o soerguimento da cordilheira andina e na Bacia do Acre,
o Grupo Acre foi soerguido originando o complexo fisiográfico da Serra do
Divisor.
A Bacia do Acre, que até então tinha sido marginal e pericratônica,
transforma-se numa bacia intracontinental, processando-se uma inversão na
rede de drenagem. Esta passa a se direcionar para leste, criando assim, um
ambiente fluvial proporcionando a deposição de espessos pacotes de sedimentos
(argilo-arenosos) que assoreiam a Bacia do Acre. Deu-se assim, origem à
unidade litoestratigráfica da Formação Solimões.
Durante o holoceno, são depositados os aluviões dos terraços e das
planícies fluviais. Assim sendo, em termos de unidades litológicas, no Estado do
Acre são identificadas duas unidades distintas: Formação Solimões (formação
cenozóica-terciário) e os aluviões holocênicos (cenozóico-quaternário). Nestes
sedimentos quaternários aluvionares encaixados na formação Solimões, são
identificados os terraços fluviais que Latrubesse e Ramonell (1991; 1992)
classificaram em terraços superiores (34 a 38m), terraços intermediários (15 a
20m) e terraços inferiores (de 8 a 12m).
No extremo ocidental do Estado do Acre, ocorre um minúsculo
afloramento cristalino chamado de serra do divisor. Esta é constituída de
rochas que variam de metamórficas (permo-carbonífero) a sedimentares
(cretáceo superior). Sua estrutura se apresenta ondulada em anticlinais e
sinclinais demonstrando que a Serra do Moa constitui um prolongamento da
faixa subandina. As cotas altimétricas da região variam de 600 metros até 200
e 300 metros no baixo platô da formação Solimões.
Portanto, podemos dizer que o Estado do Acre apresenta três regiões
geologicamente distintas, a saber:

41
 Áreas serranas – que compõem o Complexo Fisiográfico da
Serra do Divisor, formadas principalmente, por sedimentos
cretáceos com pequenas ocorrências do Pré-Cambriano e do
Paleozóico.
 Áreas de relevo suave – compreende a maior parte do
Estado, e são representados por sedimentos das formações
Ramon e Solimões.
 Áreas aluviais – formada por terraços fluviais e áreas
aluvionares.

A Geomorfologia acreana: suas formas e processo de ocupação

Como podemos ver, estudar a Geomorfologia de uma região significa


estudar o seu tipo de relevo entendendo-o quanto a sua forma, gênese (estrutura),
dinâmica (escultura) e sua relação com os outros elementos da paisagem. Nesta
relação, merece destaque o fato do relevo se constituir o suporte para todas
as atividades humanas. Seu estudo e observação fornecem subsídios valiosos
na formação de diretrizes para o uso e ocupação das terras, tanto no meio
rural, quanto nas cidades. Os projetos de construção de rodovias, ferrovias e
de manutenção e conservação de estradas, por exemplo, devem considerar as
formas de relevo, assim como a implantação e o desenvolvimento das áreas
urbanas. Em todos os casos, a ocupação de maneira inadequada traz problemas
de degradação das áreas.
No caso do Acre onde as práticas agrícolas e a pecuária são
preponderantes, tem ocorrido a degradação dos solos que é o principal fator
de produção e reprodução de alimentos. Daí, a importância da Geomorfologia
Ambiental no entendimento desta degradação da paisagem, bem como no
planejamento do uso dos solos agrícolas.
A estabilidade ou vulnerabilidade (resistência ao processo, à erosão),
das unidades de paisagem natural é definida pela análise integrada da geologia,
pedologia, geomorfologia, vegetação, clima e uso do solo. Ressalte-se que
temas como fauna, recursos hídricos e biodiversidade, em seu aspecto mais
amplo, são também fundamentais.
Quanto à Geomorfologia, o estado do Acre encontra-se inserido nas
unidades geomorfológicas: Depressão Rio Acre-Javari e Planalto rebaixado da
Amazônia Ocidental, recortados pela Planície Fluvial. Assim sendo, podemos
então dizer que no estado encontramos três feições geomorfológicas distintas:

 Depressão Amazônica (representada no Estado pela Depressão


Rio Acre/Javari). Caracteriza-se por uma ativa dissecação
(presença de colinas), apresentando predominantemente

42
feições de relevo do tipo colinas, e em áreas restritas relevos
com cristas e interflúvios tabulares que alcançam altitudes de
no máximo 300m, e relevos montanhosos na parte Ocidental
do Estado (Serra do Divisor).
 Planalto Rebaixado (da Amazônia Ocidental). Esta Unidade
é caracterizada por relevos planos com altitudes em torno de
250m (baixos platôs).
 Planície Amazônica. Constitui-se a área de superfície mais
baixa do relevo com altitudes em torno de 200m comportando
extensas áreas alagadas e de inundações, bem como formas de
acumulações (planícies e terraços fluviais respectivamente).

A forma de relevo mais generalizada no Acre é a colinosa, com topos


pouco convexos. Estes tipos de relevos, com sedimentos pouco consolidados
são ocupados nas cidades, via de regra, de forma inadequada com loteamentos
precários (auto-construção e favelas). Exemplo, disto, é a ocupação das
encostas, ocasionando erosão e deslizamentos de terra que, além de colocarem
em risco a vida da população, contribuem para enchente dos rios e igarapés na
medida em que assoreiam seus leitos.
Também a retirada das matas ciliares tem acarretado sérios problemas
de assoreamento dos nossos rios comprometendo, inclusive, o abastecimento
da cidade no período de estiagem. É nesta época do ano que o nível das águas
baixa vertinosamente e interfere na captação pela Estação de Tratamento.

O Rio Acre terá plano de monitoramento


Um Plano de Monitoramento da Qualidade e Quantidade da Água do Rio Acre
começará a ser desenvolvido pelo governo do Estado. Foi observada a ação
do homem no meio ambiente e os resultados mostraram que a concentração
dos problemas está na retirada da mata ciliar, além da grande quantidade de
esgoto despejado nos rios nas zonas urbanas. Com a retirada da mata ciliar,
ocorre mais facilmente a erosão, cujos sedimentos vão sendo depositados
ao longo do leito do rio, provocando o assoreamento, que, popularmente
dizendo, seria o aterramento do rio. Daí, a pouca quantidade de água ao
longo do mesmo (Jornal A Tribuna – 03/08/05)

Portanto, verifica-se nitidamente a relação do relevo com o processo


de ocupação do espaço: áreas de várzeas e nascentes dos rios são desmatadas
e poluídas provocando o assoreamento e poluição dos mesmos, acarretando
escassez no abastecimento de água. Desse modo, conclui-se que toda ação
humana no ambiente, sendo ele natural ou já alterado, causa algum impacto à
terra levando-a, às vezes, a condições ambientais irreversíveis.

43
O clima e sua interferência na vida humana na Amazônia

O clima exerce grande influência sobre os demais elementos naturais


da Terra, especialmente, na distribuição dos seres vivos sobre o planeta,
inclusive, o homem. Este fato se revela em muitos aspectos como, por exemplo:
o tipo de agricultura que ele faz durante o ano, o modo de se vestirem, seus
hábitos alimentares etc.
Para compreender o clima de um determinado local, é preciso estudar
os diversos tipos de tempo que costumam ocorrer durante vários anos seguidos.
O resultado obtido nesse estudo é uma espécie de “síntese” dos tipos de tempo
que ocorrem no local, ou clima. O “clima” e o “tempo” referem-se aos mesmos
fenômenos atmosféricos: a temperatura e a insolação, a pressão atmosférica,
os ventos, a umidade do ar e as precipitações (chuvas, neve, geada, orvalho e
granizo).

O tempo e o clima

Afinal, qual a diferença entre Clima e tempo? No linguajar climatológico,


tempo é um conceito que se refere à combinação dos elementos atmosféricos
e meteorológicos de forma momentânea. Portanto, quando se tem uma
oscilação diária de temperatura ou um alto grau de precipitação pluviométrica,
por exemplo, faz-se referência ao fenômeno tempo. Já o clima, é uma sucessão
de tipos tempos que se define por um período aproximado de trinta anos.

Os climas e estações do ano em na nossa região

Existem várias classificações climáticas do Brasil. Abordaremos


algumas a seguir, dando destaque à região acreana.
De acordo com a classificação climática de Arthur Strahler (a qual se
baseia nas áreas da superfície terrestre, controladas ou dominadas pelas massas
de ar), a região do Acre possui um clima equatorial úmido. Este é controlado
pela ação dos ventos alísios e pelas baixas pressões equatoriais (doldrums) e
pela ZCIT - Zona de Convergência Intertropical e, por estar situado na porção
ocidental da Amazônia, sofre a interferência da massa equatorial continental
(mEc) e da massa polar atlântica (mPa) que atua em todo o interior da Amazônia,
percorrendo o território nacional no sentido S - NW através da depressão do
Paraguai, canalizando o ar frio e provocando queda da temperatura. O fenômeno
é conhecido como “friagem”.
Estes fenômenos ocorrem porque o ar atmosférico está sempre
em movimento, na forma de massa de ar ou de vento os quais possuem

44
características particulares de temperatura e umidade, tornando-se responsáveis
pelas situações temporais, e, portanto, pela caracterização do clima de uma
determinada área. As massas de ar avançam ou recuam determinando o clima
da região e marcando as estações do ano. Vejamos, no quadro abaixo, as massas
de ar que atuam na região acreana e suas principais características:

Quadro 02: Massas de ar que atuam na região Acreana


Massas Características
- Quente e úmida - com centro de origem na parte
Massa Equatorial ocidental da Amazônia, que domina a porção noroeste
Continental (mEc) da Amazônia durante quase todo ano.

- Fria e úmida - forma-se nas porções do Oceano


Massa Polar Atlântica Atlântico próximo à Patagônia. Atua mais no inverno
(mPa) quando entra no Brasil como uma frente fria, provocando
chuvas e queda de temperatura.

Já na classificação de Wilhem Köppen, considerada tradicional por


não levar em consideração a dinâmica das massas de ar, a região acreana
possui um clima do tipo Am (equatorial). Este é caracterizado por temperaturas
elevadas (médias entre 25ºC e 27ºC) e Pluviosidade elevada: (médias de 1.500
a 2.500 mm/ano). Segundo a classificação climática proposta por Thornthwaite
& Mather (1995), que leva em consideração o grau de umidade e variação
espacial das chuvas, o clima do Estado do Acre é Úmido.
Já de acordo com o IBGE, o clima do Estado do Acre é o equatorial
quente e úmido apresentando duas estações distintas:

 Estação seca (estiagem) - chamada regionalmente de verão,


ocorre durante os meses de maio a outubro. Nesta estação,
a Massa de Ar Polar Atlântica (mPa) impulsiona a Frente
Polar que avança pela planície do Chaco e chega à Amazônia
Ocidental, gerando o fenômeno da “friagem”, caracterizado
por forte umidade e chuvas frontais. Cabe ressaltar, que na
verdade este período corresponde à transição do outono-
inverno-primavera, no hemisfério Sul.
 Estação chuvosa ou úmida - denominada regionalmente de
inverno. Caracteriza-se por apresentar intensas precipitações,
geralmente entre os meses de novembro a abril. Nesta
estação, a Massa Equatorial Continental (mEc) que atua
durante todo o ano na região, avança para o interior do país,
provocando as conhecidas chuvas de verão, e gerando a

45
instabilidade e as altas temperaturas no Estado do Acre, que
por sua vez, corresponde ao período de transição primavera-
verão-outono.

Este clima apresenta uma pluviosidade média anual de


aproximadamente 2.000 mm, sob uma temperatura média anual entre 22 e
26°C, mas podendo chegar aos 36°C em alguns dias.
Em síntese, o clima da região acreana caracteriza-se por apresentar
grande umidade do ar (em torno de 80%). Esta é decorrente da intensa
evaporação causada, em especial, pela enorme quantidade de água dos rios,
pelo alto índice de precipitação, pelas temperaturas elevadas e pela exuberante
floresta. Porém, hoje, já percebemos certas mudanças no comportamento
climático da região.
Sobre isto, relata Ranzi (2000) que as grandes mudanças no clima
da terra ocorridas durante os últimos 18.000 anos alteraram significativamente
as condições climáticas da Amazônia. Neste sentido, para Ab Saber (1977),
o avanço de correntes oceânicas mais frias no litoral sul-americano (corrente
das Falkland) alteraram a paisagem amazônica entre 18.000 e 13.000 anos
atrás apresentando um domínio de savanas e cerrados em detrimento das
florestas que ficaram restritas em forma de galerias ao longo dos rios da região.
Estes períodos glaciais produziram, portanto, diminuição da precipitação
pluviométrica e a conseqüente expansão de savanas. Estas savanas estão
situadas em regiões consideradas de domínios da floresta amazônica. Portanto,
podemos admitir que existe a possibilidade da expansão destas formações
abertas como paisagens típicas da bacia Amazônica, desde que as condições
climáticas assim as favoreçam.
Ademais, atualmente, não se pode negar a influência climática do
fenômeno El Nino e a La Niña  sobre a região acreana. Vejamos como isto
ocorre:

Quadro 3: El niño e La niña

Fenômeno O que significa Conseqüências na região Norte

- É o aquecimento anômalo
das águas do Oceano
- Provoca secas moderadas a
Pacífico Equatorial Central
intensas;
e Oriental.
- Aumento da probabilidade de
EL NIÑO - Faz com que o padrão
incêndios florestais;
normal de circulação
atmosférica se altere.

46
- É o resfriamento das
águas do Oceano Pacífico
Equatorial Central e
Oriental
LA NIÑA - Provoca mudanças no - Chuvas abundantes
padrão de circulação
atmosférica

A explicação geológica para o fenômeno El Niño é que devido ao


deslocamento das placas tectônicas, ocorre a liberação através das fissuras, de
gases altamente quentes do magma vindo do interior da Terra e/ou por erupções
de cadeias vulcânicas submersas no Oceano Pacífico. Estas localizadas na
costa do litoral peruano provocam o aquecimento dessas águas do mar. Já os
meteorologistas atribuem ao aquecimento dessas águas os ciclos de manchas
solares que ocorrem no intervalo de 12 em 12 anos. Fato é que essas águas
oceânicas do Pacífico ficam tão aquecidas, que enormes quantidades de
plânctons e algas vêm à tona, juntamente com cardumes os quais facilitam a
pesca e também a mortandade significativa de peixes.
Será que estas questões influenciam no nosso dia-a-dia? É indiscutível
que estas condições climáticas interferem no modo de vida do homem amazônico.
Vejamos esta situação exposta nos Jornal “A Gazeta” (30/09/2005):

Raimunda Castro Barbosa e Edílson Evangelista são dois


personagens típicos do drama enfrentado pela maioria dos
produtores rurais do Acre este ano. Eles foram vítimas da
maior seca ocorrida no Estado dos últimos 40 anos, aliada
à queimada descontrolada, e que afetou gravemente a
produção de frutas e verduras e ameaça tirar, em parte, os
alimentos mais tradicionais da mesa do acreano. Banana
prata, banana comprida e macaxeira, estão cada vez
mais difíceis de serem encontradas... Tradicional centro
produtor de banana, o município de Acrelândia, um dos
mais atingidos pelos incêndios deixa de ser o grande
fornecedor da fruta para o mercado de Rio Branco e abre
espaço para pequenos produtores da zona rural da Capital.
Edílson Evangelista perdeu todo o bananal e ainda não
sabe o que vai fazer com a produção de macaxeira que
não foi colhida. “Não adianta colher agora porque ta fina
e pequena. “Não vou conseguir vender nada”, conclui.
Segundo o produtor, todos os anos nesta mesma época ele
já está no segundo plantio da macaxeira. “Os seis mil pés
serão colhidos em novembro, quando Evangelista espera
que caiam as primeiras chuvas.

47
A hidrografia acreana e seu papel no processo de apropriação do
espaço

Notemos a seguir nos versos de Carla Soares Pereira (2004) o retrato


do papel da hidrografia acreana no processo de apropriação de seu espaço.

De metro em metro, de curva em curva tu levas meu


destino e pensamentos do alto do barranco a água turva
vejo leve... Arrastada pelos ventos... Vai correndo, oh
meu rio, segue tua sina! viste akiri nascer, viste a marcha
daqueles heróis, que em surdina tu levaste todo sangue e
a borracha [...].

Esta história de ocupação e reprodução do espaço de toda a Amazônia


começou com as significativas correntes migratórias a partir do final do século
XIX (Cf. capítulo 6). Estes novos habitantes da Amazônia depararam-se com
um ambiente natural adverso ao seu caracterizado por imensos rios, densas
florestas, clima tropical, doenças, mitos, etc.
A Amazônia por apresentar um magnífico sistema fluvial com rios
perenes e navegáveis, proporcionou aos desbravadores e aventureiros que
buscavam riquezas em nossas matas, uma circulação natural. Esta resultou
na formação de núcleos populacionais às margens dos principais rios,
impulsionados pela fertilidade dos solos das planícies aluviais (várzea) e pela
possibilidade de pesca e lazer, em especial, por ser o rio a principal via de
acesso e comunicação. Sobre este aspecto Rancy (1992, p115) comenta:

Neste ambiente fluvial amazônico em que o rio é o


determinante e único meio de transporte e comunicação,
também o Acre e seus seringais têm no rio o ponto de
referência básico de sua existência.

Também Euclides da Cunha em “À Margem da História” (1999)


escreveu:
O homem, ali, é ainda um intruso impertinente. Chegou
sem ser esperado nem querido - quando a natureza ainda
estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão. E
encontrou uma opulenta desordem... Os mesmos rios
ainda não se firmaram nos leitos; parecem tatear uma
situação de equilíbrio derivando, divagantes, em meandros
instáveis, contorcidos sem “sacados”, cujos istmos a
reveses se rompem e se soldam numa desesperadora
formação de ilhas e de lagos de seis meses, e até criando
formas topográficas novas em que estes dois aspectos
se confundem; ou expandindo-se em “furos” que se

48
anastomosado, reticulados e de todo incaracterísticos,
sem que se saiba se tudo aquilo é bem uma bacia fluvial
ou um mar profusamente retalhado de estreitos.

È neste cenário que as terras acreanas despontam - bem drenadas.


Aí apresentam um padrão de drenagem predominantemente subparalelo,
apresentando, também, em treliça (Rios Gregório e Juruá) e dendrítico (Acre
e Xapuri).
Os leitos dos principais rios da região são ladeados por terraços fluviais
os quais foram classificados por técnicos do RADAMBRASIL (1976/1977) em
três níveis: inferior, intermediário e superior.
São rios que possuem alto coeficiente de sinuosidade (2,3) sendo,
portanto, classificados como meândricos (o que significa trajetos muito
sinuosos). Esta sinuosidade ocorre em função dos fracos gradientes dos rios
que são típicos de planícies, correndo sobre rochas tenras, inconsolidadas.
Os rios da região apresentam os meandros fluviais típicos de rios de baixadas
resultantes da erosão lateral e os trechos retilíneos, com cotovelos, são induzidos
tectônicamente.
Os rios amazônicos diferem ainda quanto à qualidade
de suas águas e sua geomorfologia. Os principais rios, baseando-
se na coloração de suas águas, conforme SIOLI (1991) são:

 De água preta: apresentam esta coloração devido à presença


de ácidos húmidos e fúlvicos resultantes da decomposição
incompleta do húmus do solo e também devido à decomposição
da matéria orgânica vegetal que cobre o solo das florestas
e é carregada pelas inundações. Vale salientar, que ainda
segundo SIOLI (1991) a transparência destes rios e a pobreza
de partículas se devem a um relevo pouco movimentado na
região de suas cabeceiras e a certas peculiaridades dos solos
da região que quase não fornecem material fino, transportável
em suspensão.
 De água clara: estes rios têm suas cabeceiras nos escudos
cristalinos pré-cambrianos (Guianas e Brasil Central). Drenam
solos muito intemperizados que oferecem maiores resistência
à erosão e suas águas não são tão ácidas; a carga de material
em suspensão é pequena tornando suas águas claras.
 De água Branca ou barrenta: têm suas nascentes nas áreas
serranas, em sua maioria nos Andes, carregando elevadas
quantidades de material em suspensão, garantindo uma
coloração amarronzada.

49
Os rios acreanos, em sua maioria, são considerados “rios de
coloração branca”. Isto pode ser notado, em função da composição do material
transportado apresentar maior carga em suspensão que dissolvida, sobretudo
nos meses da estação chuvosa (novembro a abril). Já a erosão lateral causa
deslizamentos ou movimentos de massa, gerando problemas às instalações
humanas assentadas nas margens dos rios, considerando-se que as cidades
principais surgiram nessas localizações (sobre o leito maior dos rios).
O Estado do Acre cresceu e teve seu povoamento ao longo das
margens de sua extensa rede fluvial. Todo o Estado é drenado por extensos rios,
a exemplo do rio Tarauacá, Purus, Chandless, Juruá e Acre, todos pertencentes
à rede hidrográfica do Rio Amazonas. A rede de drenagem do Estado é bem
distribuída e entalha, predominantemente, rochas sedimentares, apresentando
formas meândricas com pequenos trechos retilíneos. Este fator leva à formação
de bancos de areia em seus leitos, o que, por vezes, dificulta a navegação fluvial.
Vejamos um exemplo deste fato através de notícia veiculada por jornal local
sobre as condições do rio Envira, município de Feijó:

O baixo nível das águas do Rio Envira no município de


Feijó tem preocupado e até assustado os ribeirinhos da
região. As informações são de que continua sem chover
nas cabeceiras do rio e de seus afluentes. Com isso, o nível
das águas está cada vez mais baixo, atrapalhando o acesso
de barcos nos bancos de areia, de tão raso que está o rio...
existem locais ao longo de seu leito que os ribeirinhos são
obrigados a empurrar os seus barcos para saírem de cima
dos bancos de areia... Os ribeirinhos esclarecem ainda que
o Rio Envira nunca baixou tanto o nível de suas águas
como está ocorrendo agora. A comunidade lembra que
o Envira é um rio caudaloso e de grande profundidade,
mesmo durante o período de verão, e que neste momento,
está com o nível mais baixo de sua história (Jornal “A
Tribuna”, 01/09/2005)

Os principais rios que cortam o Estado do Acre formam duas grandes


bacias fluviais (sub-bacias do Solimões/Amazonas):
a) - Bacias do Acre-Purus (Cf. Mapa 03, Capítulo 1):
O rio Purus nasce no Peru e entra no Brasil com a direção Sudeste-
Nordeste, seguindo um curso extremamente sinuoso dentro de extensa e
contínua faixa de planície. A maior parte dos grandes afluentes do Purus está
em sua margem direita, como o rio Acre, o Iaco, o Caeté, e o Chandless, todos
com cursos bastante sinuosos.
b) - Bacia do Juruá (Cf. Mapa 03, Capítulo 1):
O rio Juruá drena uma área de 25.000 km² no Estado. Possui nove

50
importantes afluentes pela margem direita: Breu, Caipora, São João, Acariá,
Tejo, Grajaú, Natal, Humaitá e Valparaíso. E nove pela margem esquerda:
Amônea, Aparição, São Luiz, Paratari, Rio das Minas, Ouro Preto, Juruá, Juruá
- Mirim, Parná dos Mouras e Moa. Seus 3.280 km de extensão têm origem no
Peru, com o nome de Paxiúba, unindo-se depois com o Salombô e formando,
daí para diante, o Juruá propriamente dito. Atravessa a parte noroeste do Acre,
entra no Estado do Amazonas e despeja suas águas no rio Solimões.
A razão dos rios acreanos serem predominantemente sinuosos é a
pequena variação do relevo. Como vimos suas altitudes variam de 200 a 600
metros (nível do mar), além de situar-se em uma planície constituída de rochas
sedimentares.
Neste contexto, merece destaque a bacia do Rio Acre. Esta drena
a área mais povoada do Estado. Sua drenagem é composta por um denso
sistema fluvial, formado por rios perenes e igarapés intermitentes. O Rio Acre
se constitui no principal canal desta bacia e possui como principais afluentes
os rios Xapuri, Riozinho do Rola, Riozinho do Andirá e o Rio Antimarí, pela
margem esquerda; e, pela margem direita, uma série de pequenos igarapés, a
exemplo dos igarapés do Brito, do Mota, Judia, Quixadá e Igarapé Grande, bem
como o lago do Amapá que está localizado à sua margem direita. Vejamos na
figura abaixo algumas características da bacia de Drenagem do Rio Acre.

Quadro 04 - Características da Bacia de Drenagem do Rio Acre


Rio Acre
Ambiente da bacia (latrubesse- Tropical com abundante carga sólida
1992) em suspensão
Área da bacia de drenagem (silva,
33.468 Km²
1997).
Descarga média (CEDEC, 1997). 350m³/S
Forma de meandros assimétricos
Morfologia do canal
alternados com trechos retilíneos
Dentrítica
Padrão de Drenagem

Fonte: LIMA, 1998 (modificado).

O Rio Acre nasce a 400 metros de altitude, em território peruano.


Constitui-se em um rio típico de ambiente tropical (LATRUBESSE, 1992),
divagando ao longo de sua contínua faixa de planície. Transporta abundante
carga de sedimentos em suspensão, o que lhe confere a coloração turva, sendo
classificado conforme Sioli (1991) como “rios de águas brancas”.
A bacia do Acre apresenta uma grande sazonalidade entre os períodos

51
chuvosos e de estiagem, registrando cotas de transbordamento que atingem 16
a 18m. São comuns, ao longo da planície do Rio Acre, feições típicas como
os meandros e os paleocanais, resultantes da dinâmica erosiva facilitada pelas
rochas inconsolidadas que compõem este ambiente fluvial. Os meandros ativos
são resultantes do processo contínuo de erosão (margens côncavos-bancos de
solapamento) e deposição (margens convexas - formação de point-bars).
Os paleocanais são formas resultantes da elaboração passada do rio,
ou seja, da sua evolução através do processo de erosão e autocaptura. Isto se dá,
à medida que as margens côncavas são erodidas, o colo do meandro pode ser
estrangulado pela formação e desenvolvimento de diques marginais, que aos
pouco promove o isolamento do antigo canal. Estes canais abandonados, com
o tempo, podem originar ao longo da planície de inundação lagos de formas
variadas. Um exemplo destes paleocanais é o lago do Amapá em rio Branco
como demonstramos na figura 06:

Figura 06: Vista aérea do Lago do Amapá

Fonte: Maia, 2003.

O Rio Acre, portanto, vem continuamente transformando o relevo


regional e, em especial, o relevo local de sua bacia. Neste contexto, podemos
concluir que a hidrografia local é caracterizada por um regime de enchentes
elevadas e escoamento rápido, e fortes variações em sua descarga (desnível de
até 11 metros).

52
Referências Bibliográficas

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Econômico do Estado do Acre. Zoneamento ecológico-econômico. Documento final.
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53
Solos Acreanos: uso e impactos
Elisandra Moreira de Lira

Objetivando suprir suas necessidades, o ser humano utiliza os


recursos oferecidos pela terra – entendida como fase terrestre, onde se situam
os recursos naturais. O solo, como um dos recursos da terra, vem sofrendo
uma crescente pressão decorrente dos diferentes tipos de uso. Isso se torna
preocupante na medida em que o solo é um recurso natural finito e não renovável,
se considerado em uma escala temporal compatível com a intervenção humana
(Ministério do Meio Ambiente, 1999).
As experiências no mundo têm evidenciado que o uso do solo de
forma intensiva e irracional pode resultar na degradação desse recurso. Esta
degradação atinge as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo e, além
de alterar o ecossistema no qual está inserido o conduz à baixa produtividade,
atingindo, por exemplo, o bem estar social (DORAN, 2001). Deste modo, é
de vital importância concentrar esforços na gestão do recurso solo visando
o seu bom uso, eficiente e produtivo, de modo a satisfazer as necessidades
das atuais e futuras gerações, contemplando assim, as dimensões principais da
sustentabilidade ambiental: o tripé econômico, social e ambiental.
Para alguns, solo vem a ser sinônimo de qualquer parte da superfície
da Terra. Para o agricultor, por exemplo, o solo é o meio para o crescimento das
plantas e sua subsistência (LEPSCH, 1993). Dentre os conceitos mais atuais
sobre solos, podemos destacar o sugerido por Beck et al apud Meurer (2000):

Corpo natura da superfície terrestre, constituído de


materiais minerais e orgânicos resultantes das interações
dos fatores de formação (clima, organismos vivos,
material de origem e relevo) através do tempo, contendo
matéria viva e em parte modificada pela ação humana,
capaz de sustentar plantas, de reter água, de armazenar e
transformar resíduos e suportar edificações.

De forma mais simples, o solo pode ser definido como a superfície


inconsolidada que recobre as rochas e mantém a vida animal e vegetal da
Terra. É constituído de camadas que diferem pela natureza física, química,
mineralógica e biológica, que se desenvolvem com o tempo sob a influência
do clima e da própria atividade biológica (VIEIRA, 1988).
De acordo com Jenny (In: GUERRA & CUNHA, 2003), o solo é

54
função de cinco variáveis independentes, denominadas fatores de formação,
como segue:

Solos = f (clima, organismos, material originário, relevo e tempo)

 Clima – através de seus elementos meteorológicos é um dos


fatores mais ativos, influenciando direto no intemperismo das
rochas. Produz assim, o material de origem, na constituição
e natureza dos horizontes, na distribuição e translocação
de materiais e na intensidade como que se processa a
pedogênese do material de origem e os mecanismos
de perdas, transformações, adições e translocações de
constituintes dos horizontes do solo.
 Organismos – a fração orgânica do solo é fornecida pelos
vegetais e animais e é responsável, em geral, pela cor
escura dos horizontes. A ação dos microorganismos na
decomposição e/ou transformação dos resíduos orgânicos
supre o solo de sais minerais e elaboram substâncias húmicas
que produzem propriedades químicas, e físicas favoráveis
ao desenvolvimento das plantas.
 Material de origem – refere-se ao material não consolidado a
partir do qual o solo se formou. Os materiais de partida do solo
podem ser aturóctones, quando resultam do intemperismo da
rocha subjacente; alóctones, quando não estão relacionados
com o embasamento local e pseudo-autóctones, quando
resultante da mistura e/ou retrabalhamento de produtos
locais ao longo de encostas.
 Relevo – refere-se à configuração superficial da crosta
terrestre e afeta o desenvolvimento dos solos. Isso se dá, em
especial, pela influência sobre a dinâmica da água, erosão,
microclimas e, por conseguinte, na temperatura do solo.
 Tempo – certo período de tempo é necessário para o
desenvolvimento de horizontes no solo. A idade de um
solo é avaliada em função do grau de desenvolvimento dos
horizontes e presença ou não de minerais primários pouco
resistentes ao intemperismo.

55
Figura 01: Fatores de formação dos solos

Fonte: Silva & Amaral, 1995.

O solo, como meio para o crescimento das plantas, merece destaque,


haja vista que o homem depende dele direta e indiretamente, para seu sustento.
As plantas retiram do solo treze elementos essenciais à vida, destes, seis
são absorvidos em grandes quantidades, chamados de macronutrientes, são
eles: nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre. Os outros
micronutrientes, ferro, manganês, zinco, boro, cobre, cloro e molibdênio
são também essenciais, mas são usados em menor quantidade. Quando estes
elementos estão presentes no solo de forma adequada para que possam ser
devidamente utilizados pelas plantas, diz-se que o solo é fértil ou quimicamente
rico (LEPSCH, 1993).
No seu estado natural, o solo tem um equilíbrio dinâmico,
apresentando interações contínuas entre seus componentes físicos, químicos
e biológicos. Entretanto, o uso inadequado deste componente resulta em
uma possível instabilidade e degradação, com perda parcial ou total de sua
capacidade produtiva, gerando custos elevados para a sociedade na possível
recuperação (Ministério do Meio Ambiente, 1999).
Dentre os efeitos ocasionados pelo o uso inadequado do recurso
solo, podemos destacar o aumento do processo erosivo (processo que já
ocorre naturalmente). Segundo Guerra (1994) a erosão do solo ocorre em

56
duas fases, a primeira, constitui-se na remoção de partículas, e a outra, refere-
se ao transporte desse material, efetuado pelos agentes erosivos. Em áreas
desmatadas, por exemplo, a ação da chuva torna-se ameaçadora para avanço
do processo erosivo dos solos.
Entretanto, quando o solo é bem usado atendendo-se sua aptidão e
aplicação de técnicas apropriadas, há uma tendência a um novo equilíbrio que
pode ser estável e produtivo.
No Estado do Acre, foram feitos vários levantamentos de solos em
nível exploratório, sendo que o realizado pelo RADAMBRASIL (1976; 1977)
é o que serve de base para outros estudos até os dias atuais. Podemos dizer que
o estudo mais atual sobre os solos consta no Zoneamento Ecológico Econômico
-ZEE do Estado (ACRE, 2000), no qual adotou-se o novo Sistema Brasileiro
de Classificação de Solos (EMBRAPA, 1999).
As classes de solos do Acre, de acordo com o novo Sistema Brasileiro
de Classificação de Solos, apresentam algumas diferenças de tratamento nas
suas classes se comparadas com os resultados do RADAMBRASIL, 1976/1977
(tabela 01).

Tabela 01: Acre, Relação entre as classes de Solos

RADAMBRASIL / 1976,1977 Mapa Pedológico do Acre/1999

Podzólico Vermelho Amarelo álico Ta Alissolos


Cambissolos Cambissolos
Glei Húmico e Glei Pouco Húmico Gleissolos
Latossolo Vermelho Amarelo, Latossolo
Latossolos
Vermelho Escuro
Podzólico Vermelho Escuro Nitossolos
Podzólico Vermelho Amarelo Tb, Podzólico
Argissolo
Vermelho Amarelo plíntico Ta
Podzólico Vermelho Amarelo Eutrófico Ta Luvissolo
Solos Aluviais, Areias Quartzosas,
Neossolo
Litossolos
Brunizem avermelhado Chernossolo

Vertissolos Vertissolos
Fonte: Acre (2000, p.38).

De acordo com os resultados do Zoneamento, a classe dos argissolos


ocorre em 64% do território, sendo os luvissolos a classe que ocupa menor
extensão. Contudo, há outras classes que assim se distribuem no percentual
territorial do estado: os alissolos ocupam 1,4%; os cambissolos ocupam 24,2%;

57
os Gleissolos ocupam 7,4%; os Latossolos ocupam 1,9%; e os nitossolos
ocupam 0,8 %.
A aptidão das terras do Acre pode ser definida com base nas
possibilidades de uso, as quais abrangem os seguintes grupos: 1 – aptidão
para a produção intensiva de grãos; 2 – aptidão para culturas perenes, espécies
frutíferas e florestais em monocultivos; 3 – aptidão para exploração de
culturas perenes e espécies florestais e frutíferas em sistemas agroflorestais;
4 – aptidão para pastagem em ênfase para sistemas agrosilvipastoris; 5 – sem
aptidão agroflorestal, com restrições moderadas para atividades florestais e
conseqüente circulação de veículos e 6 – sem aptidão agroflorestal, indicado
para preservação da flora e fauna (ACRE, 2000).

Figura 02: Distribuição da aptidão das terras do Acre

Fonte: dados ACRE, 2000.

Os dados do Zoneamento Ecológico Econômico do Estado (ACRE,


2000) revelaram que mais de 44% das terras do Acre pertencem ao grupo 2,
apresentando características para aptidão de culturas perenes, espécies frutíferas
e florestais em monocultivos. Em segundo lugar, temos o grupo 3 que abrange
cerca de 41% das terras, neste, a aptidão revela a possibilidade de exploração
de culturas perenes e espécies florestais e frutíferas em sistemas agroflorestais.
Por outro lado, somente 2% das terras possuem aptidão boa para produção
intensiva de grãos, que são aquelas pertencentes ao grupo 1.
As formas de uso da terra no Estado do Acre, têm revelado
preocupações, haja vista, o crescente desmatamento e uso do fogo (práticas
rotineiras no preparo do solo na região amazônica), que impulsionam o aumento

58
no índice de degradação ambiental (MENDONÇA, et al., 2004).
Os assentamentos agrícolas (ocupam cerca de 1,5 milhões de hectares)
e a pecuária extensiva são as principais formas de ocupação do espaço, estes,
por sua vez, são responsáveis pela maior parte dos desmatamentos do Estado.
O uso da terra nesses assentamentos baseia-se no processo que consiste na
derrubada e queima da mata primária e/ou, secundária – capoeira, seguindo-se
o cultivo das chamadas culturas brancas como arroz, milho, feijão e mandioca,
num período de dois anos (FUJISAKA et al., 1996; ACRE, 2000).
Este processo é denominado de cultivo itinerante, pois passado o
período de cultivo – dois anos, a terra é deixada em pousio, em ciclos que
variam de 5 a 10 anos em média, devido o empobrecimento químico do solo
e o surgimento de plantas espontâneas, pragas e doenças (DIEZ et al., 1997;
ARAÚJO et al., 2004).
Silva e Ribeiro (2004), em estudos recentes, avaliaram o índice de
degradação ambiental no Estado do Acre, utilizando indicadores biológicos,
econômico e social, onde concluíram que o índice médio de degradação do
Estado ficou em torno de 30,74%, com destaque para as microrregiões de
Brasiléia e Rio Branco que apresentaram os maiores índices.
Em avaliação mais aplicada, Lira (2006) concluiu que em nível
de propriedade rural (pesquisa realizada em assentamentos agrícolas nos
municípios de Acrelândia, Feijó e Tarauacá) o sistema de uso da terra não
apresentou diversificação, sendo predominante o uso com pastagens extensivas,
além disso, os impactos ambientais decorrentes das desconformidades de uso
da terra estiveram presentes em todos os assentamentos estudados.
Os indicadores utilizados por Lira (2006) permitiram a realização
de uma avaliação mais integrada do ambiente, apontando índices médios
de insustentabilidade ambiental dos tipos de uso da terra avaliados em cada
propriedade (tabela 02).

Tabela 02: Aptidões, uso da terra e sustentabilidade.

Propriedades rurais Propriedades rurais em


Dimensões
em assentamentos de assentamentos de Feijó/
avaliadas
Acrelândia Tarauacá
Agrícola 0,65ª 1,22b
Ecológica 0,70ª 2,24b
Econômica 1,08ª 1,06a
Social 1,80ª 2,23a
Total 4,23ª 6,76b
*
Médias seguidas de mesma letra minúscula, na mesma linha, não diferem entre si pelo teste t,
ao nível de 1% de significância.

59
Os índices de insustentabilidade das propriedades puderam indicar a
partir das prioridades de intervenção, a região com maior desconformidade de
uso da terra, a partir das dimensões avaliadas que são as dimensões agrícolas,
ecológicas, econômicas e sociais. A pesquisa demonstrou que na região de
Feijó e Tarauacá, os índices de prioridades de intervenção foram maiores
quando comparados aos valores de Acrelândia, fato este, que pode estar aliado
às características naturais da própria região, o que demonstrou baixa aptidão
agrícola, e ainda, fatores de ordem sócio-econômica.
De acordo com Pacheco et al., (2001) tem crescido o interesse em
mecanizar áreas degradadas para melhorar as características físicas do solo
acreano bem como a absorção de nutrientes e atividade biológica, o que resultaria
no aumento da produção. Sobre a aptidão natural para mecanização agrícola
dos solos acreanos, conforme o referido autor, demonstrou-se que a maioria das
áreas com condições favoráveis encontra-se no Vale do Acre (microrregiões de
Rio Branco e Brasiléia). Esta região por apresentar características de relevo
plano ondulado, solos profundos e drenagem do solo, torna-se propícia para a
mecanização (ACRE, 2000). Além disso, deve-se levar em consideração que
essa região é apontada como a mais antropizada.

Algumas considerações finais

A avaliação do uso da terra constitui-se uma ferramenta indispensável


para a correta utilização dos recursos naturais. Para tanto, torna-se necessário
uma avaliação sistêmica do ambiente a ser trabalhado, enfocando uma visão
global. Assim, é necessário conhecer e analisar os elementos que compõem
determinado ambiente, como as características dos solos, rede hidrológica,
micro clima, diversidade faunística e florística, condições de relevo etc, bem
como as características sócio-econômicas dos habitantes.
Destarte, estaremos incluindo na análise de agro ecossistemas
a nova tendência dos estudos ambientais que se baseiam nos princípios da
sustentabilidade, os quais abrangem o tripé: economia, sociedade e meio
ambiente.

60
Referências Bibliográficas

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do Estado do Acre. Zoneamento ecológico-econômico. documento final. Rio Branco: SECTMA,
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VIEIRA, Lúcio Salgado. Manual da ciência do solo com ênfase aos solos tropicais. São
Paulo: Ed. Agronômica Ceres, 1988.

61
A fronteira na formação política do Acre
Silvio Simione da Silva

É na fronteira que tomba a primeira sentinela e é na


fronteira que se ouve o derradeiro tiro de uma guerra. Nela
a paz é armada; a vigília permanente; o repouso precário;
a estabilidade condicional (Goycochêa, p. 9, 1943).

Uma abordagem da Geografia Política do Acre

Qual seria o sentido do estudo da formação política do Acre para nós,


num trabalho que visa tratar apenas de pontos temáticos de sua Geografia? Ler
um mapa do Estado e visualizar suas divisões e limites internos e externos
não seria suficiente? Partimos do princípio de que o desenho político de um
mapa pode nem sempre ser apreendido pelo seu significado visual captado.
Os mapas representam, também, em suas configurações, a materialização das
lutas e disputas que lhe deram tais formatos e estiveram na raiz da formação
do que agora se apresenta como figura cartográfica. Assim, a configuração
territorial de um espaço produzido traz nele um conteúdo de disputa, lutas,
choque de interesses, de acordos e desacordos para a firmação do território ali
representado.
Portanto, o conteúdo político de um lugar, quando é devidamente
produzido enquanto espaço social e transmutado em espaço de exercício do
poder e domínio de alguns grupos sociais, e da soberania de um povo, forjando
e construindo uma identidade, é que dará o significado ao território.
Neste aspecto, é na construção social, que se dá dinamização à
produção do espaço, e que se desdobram processos humanos que conduzem-
nos à formação de “domínios” no sentido político e no sentido das divisões
internas que poderão advir ou, ainda, no rearranjo territorial de um país, de um
estado ou até de um município. Daí, o estudo da Geografia Política de uma
unidade federativa, como o Acre, apelar para a compreensão deste processo no
que diz respeito a sua formação social, territorial e política.
Então, temos de admitir que, no Acre, os embates políticos na
produção de seu território remontam às disputas colonialistas entre potências
coloniais européias, mas não cessam aí; ainda que seja no âmbito interno,
perduram até hoje.
Qual desafio cabe à Geografia para se compreender estes processos?
Há uma imbricação desta questão por outras temáticas que aqui estamos
tratando. Contudo, nos cabe aqui uma tarefa fundamental: apreender como
no âmbito das disputas internacionais foram sendo construídas as fronteiras e

62
limites acreanos.

O estudo da Geografia Política

[...] cabe à geografia política a tarefa nada trivial, dentre outras, de examinar
e interpretar os modo de exercício do poder estatal na gestão dos negócios
territoriais e a própria dimensão territorial das fontes e das manifestações do
poder em geral. [...] a Geografia Política [...], enquanto ideologia do Estado,
não deve ser interpretada como sendo um conhecimento gerado exclusivamente
pelo Estado, pois ele poderá estar sendo formulado em múltiplos espaços de
pesquisas, aí, incluídas as universidades (COSTA, 1992, p.15).

Portanto, com isto, estamos nos desafiando a dar uma visão sintética
da Geografia Política do Acre. Parece-nos, então, que esta compreensão passará
pelo estudo da formação política do Estado. Claro que aqui não apresentamos
um conteúdo acabado, pois a formação política é um processo em construção e
não uma situação estática. Mas, queremos dar ao leitor, esta aproximação com
a formação política do Estado e conduzi-lo à reflexão sobre certas questões.

Limites e fronteiras: bases para a formação do território

A compreensão do alcance teórico e prático da definição de fronteiras


e limites tem uma nítida relação não só com as pessoas que vivem e constroem
um território, mas também com aqueles que estão fora dele. Nisto, limites e
fronteiras identificam as gentes, mas também as diferenciam. Isto um pouco
no sentido do que mencionou Morin (2003, p. 252) sobre a fronteira como algo
que revela esta duplicidade, em que “distinção e pertencimento [...] é ao mesmo
tempo abertura e fechamento [...]. Ela é lugar da dissociação e associação, da
separação e da articulação”.

O Sentido da Fronteira

Fronteira! Moldura em que se enquadra a pátria; zona onde se esbatem as


vibrações que vêm de fora e onde as ondas de trepidação interna se exalta;
região da qual partem as vanguardas dos exércitos e na qual as primeiras
patrulhas do inimigo encontram resistência; linha de baluartes vivos que
impedem a infiltração das ideologias exóticas de credos que nos não
pertençam, de expressões carentes de significado nos nossos sentimentos
(Goycochêa, 1943, p. 9)

63
Assim, podemos dizer que as “relações econômicas, sociais, culturais
e políticas” fazem parte do conjunto de “necessidades e interesses” que são
desenvolvidos nos territórios, especialmente definidas, “nos últimos séculos,
pela constituição dos Estados-Nações” (GOETTERT, 2004, p. 09). Como isto,
então, pode-se conduzir a formação política com a configuração de fronteiras
e definição de limites? Vejamos:

Nos limites dos Estados-Nações, contudo, também as


relações tendem a apresentar distinções, principalmente
pela atuação de grupos locais e regionais que definem a
reocupação de territórios, a territorialização de atividades
econômicas, a dinamização ou a contenção de políticas
públicas e a definição de relação de poder [...] que, ainda,
podem contribuir na construção de bairrismo, regionalismo
e territorialidades: as identidades regionais (GOETTERT,
2004, p. 09).

Então, o espaço produzido deste conteúdo contraditório, inclusive,


de formalização de diferenças e igualdades, ao formalizar unidades política,
forja, por sua heterogeneidade, uma unicidade territorial. Identidades, culturas,
proximidades nacionais e sentimento de pertencimento formam o emaranhado
de condicionantes que fortalecem e, é instrumentalizado por interesses
econômicos, no processo de conformação do território.
Esta nos parece ser uma das raízes para a compreensão das disputas
de terras entre as potências colonialistas hispânica e portuguesa ao longo do
período colonial. Na Amazônia, apesar dos primeiros tratados entre estas
metrópoles coloniais terem-na colocado como domínio espanhol, o avanço da
ocupação portuguesa obrigou a efetivação de vários acordos.
Mas, como a Geografia Política do Acre aparece neste contexto?
Na verdade, desde os primeiros acordos. Porém, apenas no século XVII, os
tratados que diziam respeito a esta situação começaram a surgir. Vejamos mais
detalhadamente! A questão posta aqui nos conduzirá a responder situações
de como os limites desta parte da Amazônia foram sendo definidos, e como
isto atuaria na formação territorial e nos limites do Acre? Vamos refletir então
sobre estas questões.

Surgimento do Acre na questão dos limites amazônicos

A definição de limites territoriais entre as nações, por muito tempo,


foi firmada através de “acordos”. Estes são, geralmente, intermediados por
diplomatas ou um “juiz” para este fim designado. Estes acordos internacionais,
também chamados de “tratados”, foram então mecanismos de firmação de

64
limites e fronteiras, às vezes, até mesmo pondo fim em conflitos ou evitando
o agravamento destes. Como aqui na América do Sul, basicamente, os dois
principais colonizadores foram as metrópoles espanhola e portuguesa, os
tratados que regularizaram as nossas fronteiras trazem legados dos acordos
realizados entre Espanha e Portugal. Assim, quando o Brasil e os outros países
vizinhos tornaram-se independentes politicamente, herdamos estes acordos e
suas designações.
O primeiro Acordo que realmente nos remete a esta partilha territorial
sul-americana, no tocante à formação territorial do Brasil, é o Tratado de
Tordesilhas de 1494 (figura 01). Foi o princípio da partilha do continente
americano, e início de vários embates para a definição de nossa fronteira, o
que perduraria até o princípio do século XX, quando o Acre foi incorporado
pelo Brasil ao seu território.
Contudo, mesmo assim, havia já, desde o início, certa imprecisão no
estabelecimento exato do meridiano de Tordesilhas. Isto porque a definição
geral tendo como referencial o arquipélago de Cabo Verde (Costa África), não
precisava a que ponto destas ilhas africanas começava tal medição.

Figura 01: Linha de Tordesilhas, com referência ao Brasil.

Fonte: Andrade (1989, p.10). Refeito por Silvio S. da Silva, 2005.

De um modo geral, porém, convencionou-se que este


meridiano seria o que corta hoje o território nacional,
ao norte, em Belém do Pará, e, ao sul, em Laguna, no
Estado de Santa Catarina. Ele atenderia o interesse das
duas metrópoles nos primeiros anos em que iniciaram
a exploração e povoamento do Novo Continente
(ANDRADE, 1989, p. 15).

65
A questão imediata que surgiu foi o controle da foz dos dois grandes
Rios que davam acesso ao interior do continente: Rio da Prata ao sul, e do
Amazonas, ao norte. Na verdade, Portugal, por este acordo, estava alijado de
ambos. Contudo, se ao sul, houve menor intensificação da presença lusitana
(porém, as disputas também foram acirradas), no rio Amazonas, a partir de sua
foz, onde se construíram fortes militares, no início do século XVII, já começava
o avanço do povoamento luso-brasileiro para além da linha de Tordesilhas.
Com estes avanços da ocupação portuguesa, tanto pelos rios quanto
por ações de exploradores que adentravam para o interior também à altura do
sudeste, o Tratado de Tordesilhas já estava superado. Então, ainda no período
colonial o Tratado de Madrid (13 de janeiro de 1750) entre Portugal e Espanha,
viria dar outra configuração nestes limites, já considerando as áreas ocupadas
pela expansão portuguesa/brasileira (figura 02).

Figura 02: Território brasileiro conforme o Tratado de Madrid

Fonte: ANDRADE (1989, p.19). Refeito por Silvio S. da Silva, 2005.

Estabelecia-se aí, a preferência por limites naturais. Era uma


tentativa fundamental de harmonicamente estabelecer base, delimitação de
suas fronteiras nas colônias sul-americanas (COSTA, 1940), inclusive, sob um
delimitador fixo (o rio, a montanha etc.).
É neste tratado que realmente começa a definição política das
fronteiras do que viria a ser as terras acreanas. Aí já se tomava como base de
limites entre terras coloniais portuguesas e espanholas a linha da foz dos rios
Guaporé (porção leste, na atual divisa de Rondônia com Bolívia); Javari (porção
oeste, na atual divisa do Acre/Amazonas com o Peru) na região Amazônia
sul-Ocidental. Contudo, para o domínio português, a atuação do diplomata
Alexandre de Gusmão, negociador por Portugal (brasileiro de nascimento),

66
foi fundamental quando introduziu o princípio de uti possidetis1. A grande
importância deste princípio jurídico seria demonstrada pelas vezes que este fora
invocado pelo Brasil nas negociações para definição de sua fronteira, mesmo
com posterior independência (ACRE, 2003). Esta situação foi explicada por
Cunha (1975, p. 33) ao ressaltar algumas considerações sobre o efeito deste
tratado, partindo do referido princípio:

[...] o seu efeito predominante, seu significado imperecível,


consistiu essencialmente, em deslocar, pela primeira vez,
das relações civis para as internacionais, o princípio
superior da posse baseado na capacidade para o domínio
eficaz e povoamento efetivo de novas regiões.

Em 1761, o Tratado de Madri foi anulado pelo Tratado do Prado.


Contudo, os conflitos entre hispânicos e lusitanos continuavam mais acirrados
no Sul e, também, embora em menor intensidade, na região dos rios Guaporé
e Madeira, na Amazônia (ANDRADE, 1989). Com a volta das negociações
e a amenização dos conflitos luso-espanhóis em 1762, teve-se então firmado
o Tratado de Santo Ildefonso de 01 de outubro de 1777. Modificava-se pouca
coisa; na verdade, restaurava-se a linha traçada em 1750 (COSTA, 1940).
Assim, no tocante à região da Amazônia aqui referida, “descrevia-se a fronteira
‘pelos rios Guaporé e Mamoré, até o ponto médio do Madeira e, daí, por uma
linha leste-oeste até encontrar a margem oriental do Javari” (COSTA, 1940, p.
68).
Nota-se que não havia uma definição formalmente acabada. Com
esta indefinição, uma vastidão de territórios com potenciais econômicos
consideráveis foi sendo incorporada ao processo de ocupação luso-brasileiro.
Estes, na Amazônia, estendiam desde o Vale do Solimões até áreas dos médios
cursos dos afluentes da margem direita e esquerda, ainda nos primeiros anos do
século XIX (ACRE, 2003). Será neste contexto que se começará a intensificar
os processos de ocupação das terras acreanas.
Em suma, ambos os acordos, tinham como finalidade frear o avanço
luso-brasileiro sobre terras hispânicas no continente sul-americano. Isto, pois, já
era notado como grande avanço destes no continente interiorizando os domínios
portugueses para além do que determinou o Tratado de Tordesilhas. Como
ressaltou Castelo Branco (S.d. p.44), já no final século XVII, os portugueses
em seus avanços pelo vale Amazônico já reconheciam o rio Madeira, o Purus
até 6°, o Juruá até 5° e o Javari até 5°30’ de latitude sul. Assim, “afastando o
meridiano de Tordesilhas de centenas de léguas para oeste, mas não atingiram
a parte superior desses rios, onde mais tarde se fundaria o país, por excelência
do ouro negro”.
1
Princípio jurídico que se define como “como possuis, continuai possuindo” (ACRE, 2003, p.
18).

67
Contudo, a pequena importância dada a estas determinações feitas
quase sempre sem uma base física precisa, teve pouca influência na fixação
imediata da fronteira. Daí então, mesmo com o processo de independências
destes países (Brasil e seus vizinhos Bolívia e Peru), as situações de pendência
fronteiriças permaneciam. Muitas de suas fronteiras, sequer, estavam
devidamente demarcadas.
Ademais, com Tratado de Santo Ildefonso, o Brasil já se aproximava
muito de sua atual área territorial. Cabe salientar, que para se chegar a tais
acordos, Portugal se valeu do desconhecimento que os espanhóis tinham de
área e a habilidade de seus diplomatas, inclusive, pela criação e manutenção do
princípio de uti possidetis. Muitas fronteiras foram definidas sob o argumento de
que o direito ao território deveria caber ao povo que povoara e que conquistara
o território de seus habitantes primitivos (ANDRADE, 1989). O que é deveras
discriminatória com os povos indígenas que já ocupavam o território apossado
pelas forças colonizadoras que reivindicam seu direito de posse. Contudo,
mesmo assim, os limites estabelecidos por esses tratados não incluíam as terras
acreanas como parte do território brasileiro.
Após a “independência” do Brasil e da Bolívia, no século XIX as
questões de fronteiras ressurgem novamente. Numa tentativa de solucionar de
vez os problemas de limites, o Império do Brasil e a República da Bolívia
assinaram o Tratado de Ayacucho em 1867. Esse Tratado, apesar de representar
uma grande vitória diplomática brasileira, praticamente conservou os mesmos
limites já estabelecidos nos tratados que antecederam, no que se refere às
terras acreanas. Estas tidas como “tierras non descubierta” permaneciam por
direito pertencendo à Bolívia, muito embora já estivessem sendo ocupadas
pelas frentes migratórias de brasileiros nordestinos trazidos para viabilizar o
negócio extrativista das empresas seringalistas extratoras da borracha natural
(CALIXTO, SOUZA e SOUZA, 1985).
O Tratado de Ayacucho foi assinado na cidade de Lapaz em 27 de
março de 1867. Definia-se por uma linha divisória e por uma paralela que
partia da foz do Rio Beni no Madeira, na margem esquerda, na latitude de
10°20’ de latitude sul até encontrar a nascente do Rio Javari.
A partir de questionamentos postos no ano de 1874, uma comissão
mista de brasileiros e peruanos mudaram a linha reta para um traçado transversal
(linha obliqua), determinando as nascentes do Javari a 7°1’17’’5 de latitude sul
e 74’8’27’’07 de longitude a oeste de Greenwich (CALIXTO, 2003). Isto viria
dar base a determinação da então chamada linha Cunha Gomes.
Todavia, apesar do Brasil ter cedido seus territórios, garantiu, pelo
menos, mais avanços e precisões nos limites propostos: a modificação da linha
divisória agora sendo traçada por uma reta da foz do rio Beni, em sua margem
esquerda de 10°20’ latitude sul, até encontrar a nascente do rio Javari, que,
contudo, ainda não colocava as terras acreanas como brasileiras; e a garantia

68
do reconhecimento do princípio de uti-possidetis post facto (CALIXTO,
2003). Assegurava-se, assim, a possibilidade de definição do pertencimento
de um território em disputa pela ocupação primeira que se fizera. Por estas
prerrogativas, o território entre o Madeira e o Javari ficava para a Bolívia,
mas já estava sendo ocupado por brasileiros; daí ,abria-se a possibilidade de
claramente se ver que as terras do Acre já pertenciam ao Brasil, mesmo antes
do Tratado de Petrópolis.
Em 1895, o Brasil, já um país republicano, reconhecia a porção
abaixo (sul) da linha Beni-Javari, como pertencente de direito aos países
vizinhos (Peru e Bolívia). Para evitar a alegação do princípio de uti possidetis,
a Bolívia tentou impor seu domínio, sob a área que era predominante ocupada
por brasileiros. Os bolivianos tentaram estender sua legislação em detrimento
dos brasileiros que ali já viviam. Logo, com o reconhecimento das nascentes
do Javari mais ao norte (7°1’17’’5 de latitude Sul), a Bolívia estava favorecida,
uma vez que, antes, estes limites estavam colocados no paralelo de 10°20’ de
latitude Sul. Assim, o território acreano ficava firmado sob seu domínio (figura
03).

Figura 03: Territórios contestados peruvio-bolivian

Fonte: Cunha, Euclides da (1975). Refeito por Silvio S. da Silva, 2006.

Tendo suas terras ocupadas, na tentativa de restabelecer sua


soberania, a Bolívia empreendeu várias tentativas manter o controle político
e a economia. Porém, houve reações dos acreanos que não se submeteram
ao domínio deste país. Daí, os embates foram inevitáveis, trazendo a guerra

69
entre acreanos (brasileiros) e bolivianos, dando início ao que no Acre ficou
conhecido como “revolução acreana”. Posta esta situação, a Bolívia tentou
várias apelações pelo seu direito territorial junto à diplomacia brasileira. Isto,
uma vez que os habitantes das terras acreanas eram brasileiros, e mesmo
porque, indiretamente, o Brasil financiara o movimento dos “revoltosos” que,
liderados pelo General Plácido de Castro, saíra vitorioso contra os bolivianos
(ACRE, 2003).

Agora o Acre é Brasil

Após a vitória dos acreanos, o governo brasileiro ocupou militarmente


o Acre. Assim, as terras acreanas foram incorporadas ao Brasil, ocasião na
qual sob o comando do General Olimpio da Silveira destituiu-se o exército de
Plácido de Castro, dando bases mais seguras para a fixação das organizações
político-administrativas impostas ao território, mesmo contra o sonho da
“autonomia acreana”.

Trajetórias das disputas

Em 14 de julho de 1899, Luís Galvez declara o Acre um país independente, com


a criação do estado independe de breve existência, mas, remarcada a intenção
dos nacionais brasileiros de repudiar a ingerência internacional decorrente
da busca e exploração da borracha [...] daquela longínqua região. Após esse
episódio, Plácido de Castro inicia a revolução acreana, em 6 de agosto de 1902, e
declara o estado independente do Acre, cuja questão somente foi resolvida com
a assinatura do Tratado de Petrópolis, entendimento diplomático entre Brasil e
Bolívia, em 17 de novembro de 1903 – fixando novamente os limites territoriais
dos dois países (ACRE, 2003, p.9).

Mas, estariam então sanadas as pendências com as fronteiras


internacionais? Não. Certamente não! O acordo diplomático entre Brasil e
Bolívia viria a se concretizar em 1903 com o Tratado de Petrópolis. Isto contou
com as ações diplomáticas do então Barão do Rio Branco e de Assis Brasil, e,
pela Bolívia, Fernando Guachalla e Cláudio Pinilha. Este acordo previa desde
a “permuta do território até a indenização de dois milhões de libras esterlinas
à Bolívia, além da construção da estrada de ferro” Madeira-Mamoré, pois, por
esta ferrovia, oferecer-se-ia uma via de escoamento da produção boliviana
vinda da região dos rios Beni e Madre de Dios (CALIXTO, SOUZA e SOUZA,
1985, p. 129).
Isto ocorria no Vale do Purus. E no vale do Juruá? Sabemos que o
Vale Juruá começou a ser ocupado em 1857. Esta ocupação se deu a partir
das expedições de João da Cunha Correia e seu irmão João Augusto Correia

70
(ACRE, 2003). Portanto, o embate com a República do Peru também envolveu
conflitos diretos e disputas por questões diplomáticas.
Na verdade, em 1904, o Barão do Rio Branco passou a atuar sobre
as questões pendentes para sanar os conflitos e buscar novos entendimentos
com o Peru. Assim, após a definição dos limites entre Brasil e Bolívia, firmou-
se, em 08/09/1909, um acordo definitivo tratando dos limites entre Brasil e a
República do Peru (arbitrado pelo Presidente da Argentina). Então, por mais
uma vez, os diplomatas brasileiros recorrem ao princípio de uti possidetis,
pois tal qual o Vale do Acre e Purus, o Juruá era ocupado por brasileiros que
estiveram em levantes contra as tentativas peruanas de se estabelecerem na
região. Completava-se, assim, a definição da fronteira peruano-brasileira tendo
como pontos referenciais as nascentes do Rio Javari e a confluência do Riacho
(igarapé) Yaverija no Rio Acre (ACRE, 2003).
Em suma, no tocante às questões fronteiriças na região, nos anos que
seguiram, houve alguns reajustes nos acordos. Cabe dizer, inclusive, que, às
vezes, gerando outros acordos, sem, contudo, levar a grandes modificações no
que já havia sido definido:

Na data de 10 de fevereiro de 1911, foi celebrado e


assinado na cidade de Petrópolis, entre o Brasil e a Bolívia,
outro Acordo de Limites, onde se estabelecia a seguinte
fronteira na região do Abunã: da confluência do Beni e do
Mamoré descerá pelo Madeira até a boca do Abunã, seu
afluente da margem esquerda, e subirá pelo Abunã até a
confluência do Rapirrã, por cujas águas subirão até sua
nascente principal. [...]. Em arremate a essas tratativas
com a Bolívia, firmou-se o Tratado de Natal de 25 de
dezembro de 1928, em complemento de dois anteriores,
o de 27 de março de 1867 e o de 17 de novembro de
1903 (Tratado de Petrópolis), e substituíram-se os quatros
protocolos de 03 de setembro de 1925, encerrando-se o
ciclo de pendências fronteiriças (ACRE, 2003, p.28).

A formação dos limites nacionais e internos acreanos

Como vimos então, a partir de 1903, o Acre foi incorporado ao Brasil.


Seria, contudo, no ano seguinte, que iniciaria para valer a organização política
das terras acreanas, após disputas por definir quem comandaria o território
incorporado: os próprios acreanos, o Estado do Amazonas ou o Governo
Federal. O resultado foi a imposição do poder centralizado pelo Governo
Federal. Assim, o mesmo decreto que autorizava o governo federal a organizar
o território do Acre - Decreto 5.188 – 07/04/1904, regularizava os limites
internacionais e também fixava os limites entre o Acre e o estado do Amazonas
71
a partir da linha oblíqua do Beni-Javari – linha Cunha Gomes (isto, conforme
Lima [S.d., p. 10], considerando os ajustes feitos, determinou-se a latitude da
nascente do Javari exatamente em 7°7’8’).
Considerando o traçado da Linha, verificava-se que cidades como
Cruzeiro do Sul, Seabra, Feijó e Sena Madeira estavam ao norte deste limite
determinado. Isto significava que havia municípios acreanos que tinham suas
sedes administravas no sul do Estado do Amazonas.
Em 1944, ocorreu a primeira correção do traçado da linha Cunha
Gomes, até então, representada por uma reta, sendo substituída por uma
poligonal com vértices nas cidades limítrofes. Isto foi feito pelo IBGE e se
justificava como sendo um acerto territorial dos municípios que estavam em
situação irregular e, daí, o aspecto de uma linha “quebrada” na divisa do Acre
e Amazonas. Mesmo assim, os limites não ficaram perfeitamente definidos
entre os dois estados, inclusive, com a sede do município de Sena Madureira
mantendo-se parcialmente no território amazonense.

Origem da Linha Cunha Gomes


A linha Cunha Gomes que delimita o Acre e o Amazonas teve seu primeiro
traçado em 1867, pelo Tratado de Ayacucho entre Brasil e Bolívia. Isto no
momento de definição de fronteiras no âmbito da Guerra do Paraguai e do
avanço brasileiro pelos Rios Madeira, Purus e Juruá. A Base fora a linha Beni-
Javari – da foz do rio Beni no rio Madeira, em sua margem esquerda, seguiria
uma linha reta no sentido leste-oeste até a nascente do Rio Javari. Dentre
as diversas incursões feitas para o reconhecimento exato da nascente do
rio Javari, entre 1896-1897, a expedição comandada pelo militar brasileiro
Augusto da Cunha Gomes detectou diferenças com os dados anteriores,
sugerindo, então, alterações nos acordos já celebrados (GOETTERT, 2004).

Na verdade, pode-se notar com as formas de delimitação destes


traçados, que eles satisfizeram mais aos interesses de quem estava fora destes
lugares do que daqueles que realmente habitavam estas terras. Então, falaram
mais alto os interesses políticos de grupos dominantes do Acre, do Amazonas
e da Federação sem, no entanto, se ter uma real definição com base nas
identidades que se forjavam entre as gentes que povoaram estes territórios e
que, no meio da mata, nem sempre podiam se dar conta de que estavam no
Acre, ou no Amazonas ou no Guaporé (Rondônia). A respeito deste caráter de
definição do limites, pode-se dizer que:

“de imediato, é possível constatar que tanto a definição


de linha Madeira-Javari (entre Brasil e a Bolívia, já em
1867, como a Linha Cunha Gomes [...], foi arbitrária.
Por desconsiderar a dinâmica da reocupação territorial,

72
que dificilmente seria barrada pela delimitação uma vez
que a atividade extrativista da borracha articulava-se ao
desenvolvimento da indústria automobilística na Europa
e nos Estados Unidos. [...] também, por que definiu
seus pontos extremos e a partir deles traçou uma linha
imaginária que “separava” floresta de floresta, índios de
índios, colocações de colocações de um mesmo seringal,
gentes de gentes. Em nome de interesses nacionais e
internacionais. Sobre a definição da mesma linha para
o limite entre os estados do Acre (antes território) e do
Amazonas, a arbitrariedade foi semelhante. No sentido
de prevalecer tanto interesses pretensamente dominantes
dos dois estados e de grupos dominantes locais, acabaram
por possibilitar a criação de territórios municipais – em
ambos os lados – completamente desarticulados dos
municípios do estado vizinho. Sem contar que, em função
das dificuldades de acesso, transporte e comunicação, há
sedes municipais que tem contato praticamente nenhum
com partes de seus habitantes” (GOETTERT, 2004, p.29-
30).

Daí, a fronteira do Acre com seus vizinhos ser ainda hoje pontos de
embates. A respeito disso, explica Souza (2005) no final da década de 1990,
o STF (Supremo Tribunal Federal) teria dado direito ao Acre de acrescentar
áreas ao seu território que antes eram consideradas como pertencentes ao
Amazonas. Seria, em princípio, uma mudança nas bases históricas definidas
a partir da Linha Cunha Gomes, “quebrada” em 1944, e que agora, ampliava
sua envergadura “num formato de bumerangue, avança, sem volta - a partir de
Feijó até próximo à vila amazonense de Jurupari e rumando de lá para a vila
Guajará, em Cruzeiro do Sul” (Jornal A Tribuna, In: SOUZA, 2005).
Cabe ressaltar ainda, como explica o referido autor, que este novo
limite já estava garantido na Constituição Brasileira de 1988, mas como não
houve acordo entre os estados do Acre, Amazonas e Rondônia, o STF concedeu,
em 21 de fevereiro de 1997, ganho ao Acre. Então, o próprio IBGE, em 2.000,
já considera, para efeitos de levantamentos de população, uma nova posição
para a Linha Cunha Gomes nos município de Feijó, Tarauacá, Manoel Urbano
e Sena Madureira (ACRE, 2003).
Contudo, isto não irá sanar o caráter de arbitrariedade, mas
inicialmente, faz cumprir as determinações jurídicas postas. Há ainda outras
questões a serem postas como salienta o advogado e estudioso das questões do
limites acreanos Antônio Carlos Carbone (2003), falando sobre a autonomia
do Estado e seu território. Salienta o jurista que isto no Acre implica na questão
do patrimônio fundiário, pois,

73
[...] desgraçadamente, o Acre é um triângulo irregular
debruçado numa faixa de fronteira de 150 quilômetros.
Isso significa que a maioria da terra pertence à União
e não ao Estado. A realidade é que o governador Jorge
Viana, ou outro que sucedê-lo, não dispõe nem disporá de
nada para promover uma política de desenvolvimento e
colonização. Todas as terras acreanas estão sob a legislação
federal de terras devolutas. Esse é o outro absurdo
cometido em relação ao Acre. O espaço territorial do Acre
não é comandado por sua gente. Somos dependentes de
políticas agrárias do governo federal. Com a modificação
dos limites do Acre, o Instituto de Terras do Acre poderá
cumprir um papel importante. Do contrário, vai legislar
sobre o vazio porque todas as terras pertencem à União.

Estes são, portanto, pontos que precedem a formação dos limites


internos do Estado, mas que dizem respeito, também, aos limites externos.
Isto, claramente, como forma de pensar o sentido da fronteira no âmbito do
desenvolvimento integral neste princípio de século XXI. Talvez a questão
agora tenha que perpassar por um refazer de nossas relações com os estados
brasileiros e nações vizinhas, como também salientou Carbone (2003):

A rediscussão das fronteiras internacionais terá que


acontecer em algum momento, sob pena de prejuízo dos
brasileiros e dos países vizinhos em razão da tese de
internacionalização da Amazônia. Acho que não devemos
reivindicar a ampliação da fronteira, mas defender a
criação de um status entre Brasil, Bolívia e Peru, em
que os habitantes das fronteiras sejam nacionais de uma
mesma entidade. É preciso acabar com as restrições da
cidadania de bolivianos, peruanos e brasileiros. Essa
providência é mais inteligente do que brigar por ampliação
de fronteira.

Voltaremos então agora a atenção para as delimitações internas do


espaço acreano.

Acre: limites internos e divisões político-administrativas.

Sabe-se que as terras que hoje formam o Acre foram, no passado,


áreas de intensos conflitos entre brasileiros e bolivianos. Isto porque estas
terras pertenciam por direito à Bolívia, mas na expansão capitalista em busca
da matéria-prima – a borracha – foi ocupada por brasileiros. Este fato firmava

74
base para que os brasileiros mantivessem este território numa condição de ser
questionado, dada a garantia diplomática jurídica já criada pelo princípio de
uti possidetis. Por outro lado, uma vez ocupado com puro objetivo de produzir
borracha para o mercado externo, os sujeitos (seringalistas e seringueiros)
que aqui chegaram trataram, desde o início, de destruir todas as formas de
organização já existentes pela população nativa. A implantação da economia
extrativista da borracha significava também a imposição de uma organização
social-política e econômica, mesmo antes da ocupação e incorporação efetiva
destas áreas pelo Brasil.
Assim, quando o Acre foi incorporado ao Brasil este território tinha
uma situação econômica invejável. Juntos, os departamentos já se punham
como a terceira unidade da federação em arrecadações. No entanto, a renda
obtida com a arrecadação, quase em sua totalidade, era aplicada fora do
território acreano e suas necessidades eram esquecidas.
Como se encontrava dividido em departamentos que juridicamente
eram autônomos, economicamente, por causa da forma de escoamento da
produção, essas unidades territoriais estavam mais ligadas a Manaus. Essas
características de distanciamento, posteriormente, seriam também sentidas na
pouca articulação interna entre os municípios acreanos do leste e do oeste.
Inclusive, no que se refere aos embates junto aos órgãos federais. Daí, o
isolamento e a fuga de recursos gerados estariam na origem da situação do
pouco desenvolvimento que o Estado alcançaria ao final do século vinte (Cf.
Calixto, Sousa e Sousa, 1985; CARBONE, 2003).
Cabe ainda salientar, que houve alterações na extensão territorial
estabelecida inicialmente. Segundo o historiador Carlos Alberto de Souza
(2005), resolvida as disputas externas, o Acre foi incorporado ao Brasil após a
assinatura do Tratado de Petrópolis, tendo seu território pretenso formado por
191.000 Km². Contudo, a situação com a República do Peru ainda era algo a
ser resolvido. Este problema somente seria sanado com a assinatura do Tratado
Brasil/Peru de 8 de setembro de 1909. Neste acordo, a diplomacia brasileira
conseguiu fazer com que o Governo peruano se retirasse da região acreana,
ao passo que o Brasil também recuaria na parte sul-ocidental do território2.
Portanto, neste acordo, o Acre perderia terras após as delimitações de suas
fronteiras mais ao sudoeste. Assim, “o Acre que era formado por 191.000 Km²,
teve sua extensão territorial diminuída para 152.589 Km², ficando o restante
com o Peru”. Com este acordo, as maiores pendências nas questões limítrofes
do Acre, com seus vizinhos não-brasileiros, estariam resolvidas.
Definidas as questões dos limites internacionais e sobre quem
administraria o território, a questão seria então: Como fazer esta organização
no plano de ação territorial? Como já ressaltamos, no âmbito do espaço
2
Referimos à territórios nos alto-cursos dos rios Juruá e Purus, na divisa com o Peru (hoje terra
peruanas limítrofes com o Acre), em trechos que se estendiam desde a altura dos atuais municí-
pios de Santa Rosa até Marechal Thaumaturgo.

75
produzido perante a economia das empresas extrativistas – seringais empresas,
já se forjavam uma organização, mesmo antes do Tratado de Petrópolis. Estas
deram base ao movimento de resistência acreana contra os bolivianos, sob a
liderança de Plácido de Castro, a partir das colocações, das sedes dos seringais
e dos pequenos aglomerados populacionais que já iam surgindo, inclusive,
com a distribuição de terras para as atividades de cultivo (COSTA, 1940).
Por outro lado, as organizações político-administrativas que
conhecemos, a partir daí, foram feitas por decreto-lei do Presidente da
República do Brasil e impostos à população local. Isto, às vezes, demonstrando
total desconhecimento de nossa realidade, quer seja natural ou humana e,
sobretudo, da imbricação que ganha estas dimensões (natural e humana) no
processo de formação deste espaço produzido. Alegava-se que a autonomia
daria maiores liberdades para o acreano autogerir seus assuntos, entretanto, o
que prevalecia mesmo eram os interesses particulares das elites locais quando
subordinadas ao que era designado pelas forças externas representadas pela
ação interventora da Presidência da República. Como será demonstrado nas
divisões e organizações territoriais que se seguem.

A organização dos departamentos em 1904.

Pode-se dizer que após a incorporação do Acre ao Brasil, a primeira


organização judiciária e administrativa se deu com a divisão do território
acreano em departamentos. Esta organização autorizada pela Lei 1.181 de 25 de
fevereiro de 1904 e pelo decreto 5.188 de 07 de abril de 1904 que “emprestava
ao Acre a categoria de Território Federal”. Tal categoria foi inspirada no Direito
Constitucional Norte-americano, sugerido pelo Ministro Plenipotenciário
Brasileiro em Washington, Sr. Assis Brasil (TOCANTINS, 1984, p. 56).
Todavia, o território, na verdade, ficaria fracionado em departamentos por mais
de uma década. Assim, forçaria bases para que fosse ampliado o distanciamento
interno no espaço acreano, quando a expectativa da população local seria a
firmação de condições que promovessem sua maior integração. Com esta ação,
o Presidente Rodrigues Alves estabeleceu a primeira organização jurídica e
Político-Administrativa do Acre, dividindo-o em três departamentos (Figura
04):
 Alto Acre – Compreendia a região formada pelos rios Abunã,
Rapirrã, Iquiry, Acre e Antimary, com a sede na cidade de Rio
Branco.
 Alto Purus – Correspondendo a toda região drenada pelos rios
Yaco, Purus, Macauã e outros afluentes menores, com a sede na
cidade de Sena Madureira.
 Alto Juruá – Abrangendo todas as áreas do Alto Juruá e seus
afluentes, como rio Moa, Tarauacá, Envira e outros.

76
Cada um desses departamentos estava entregue à administração de um
prefeito. Este era, em geral, um militar nomeado pelo Presidente da República.
Estes administradores ficariam subordinados apenas ao Ministério da Justiça
e Negócios Exteriores e ao Presidente da República (CALIXTO, SOUZA e
SOUZA, 1985). Isto significava que, por muitas vezes, foram nomeadas pessoas
totalmente estranhas aos interesses da população acreana. Com isto, quebrava-
se, então, a possibilidade de uma gerência dos moradores locais sobre estas
áreas. Apenas as elites mais articuladas (subservientes aos interesses extra-
regionais) tendem a estar mais atreladas a esse poder de ingerência externa
na região. Um aspecto importante desta situação foi a ocupação da região por
forças militares brasileiras, ignorando totalmente os remanescentes do exército
acreano que lutou contra os bolivianos. Daí, então, a retirada de Plácido de
Castro para Xapuri com seus homens e, poucos anos depois, (1908) seu
assassinato a mando de autoridade municipal de Rio Branco.

Figura 04: Acre: Divisão em Departamentos – 1904

Fonte: Acre (1991). Refeito por Silvio Simione da Silva, 2005.

Mesmo assim, as manifestações pela autonomia persistiam inclusive,


com intelectuais e seringalistas tentando demonstrar ao Governo Federal que
sua atitude feria os princípios de livre organização territorial contidos na
Constituição da República Brasileira (CALIXTO, SOUZA e SOUZA, 1985).
Inclusive, tais intelectuais e seringalistas, recebiam apoio de alguns políticos
de outros estados que empreendiam campanhas em favor dos acreanos, como
a manifestação do Senador por Mato Grosso Dr. Joaquim Murtinho (COSTA,
1940), defendendo o projeto de autonomia do território e criticando a situação
em que era tratado o Acre.

77
Levantes autonomistas

Alto Juruá: Enquanto Thaumaturgo de Azevedo fundava a sede de seu


departamento em Cruzeiro do Sul, a 28 de setembro de 1904, a região do Juruá
encontrava-se em situação litigiosa em conseqüência da invasão de caucheiros
peruanos, os quais se baseavam nas reivindicações do Peru, sobre o direito
de posse de terra. [...] Depois de fortes combates [...] a 5 de novembro de
1904, foram sendo expulsos os peruanos da região. A expulsão dos peruanos
da região fez nascer entre os acreanos daquele local, um movimento de
insurreição. Achavam eles que, como tinham se livrado do estrangeiro, podiam
também livrar-se do Governo Federal do Brasil. Declaram o Estado do Juruá
autônomo, como os outros vinte e um da federação. O prefeito João Cordeiro
partidário do movimento revolucionário foi deposto pelas autoridades federais
para evitar que o movimento fosse seguido por outros Departamentos (LIMA,
S.d., p. 95).
Alto Purus: em Sena Madureira, ocorreram em 1912, fatos funestos e
lutuosos sob a bandeira da autonomia, em conseqüência da deposição do
prefeito, o Coronel Tristão de Araripe, e o estabelecimento de um governo
revolucionário. O que mais marcou na época foi o incêndio do edifício que até
então servia de palácio da prefeitura do Departamento. Com este levante, de
7 de maio a 8 de junho de 1912, o Departamento do Alto Purus esteve sob o
poder de uma Junta Governativa Revolucionária que o proclamava. Sendo que
esta anormalidade veio cessar somente com a intervenção do Governo Federal
que, sentindo a necessidade de tomar medidas urgentes, enviou, então, uma
expedição de tropas que, em rápida movimentação estratégica, conseguiu
manter a ordem e repor as autoridades legais (Lima, S.d., p. 96).

Para os defensores dos interesses do Governo Federal, o Acre,


para ser elevado à categoria de Estado Autônomo, necessitaria de profundo
“aparelhamento social educativo”. Já os acreanos e políticos procuravam
demonstrar estatístico e sócio-politicamente que esta argumentação não era
verdadeira, e que os desrespeitos para com os acreanos, puramente, era uma
questão política. Isto porque nesse período histórico, em termos econômicos, o
Acre ocupava o terceiro lugar em arrecadação comparado aos demais estados
brasileiros. Era o que mais arrecadava após São Paulo e Minas Gerais (Cf.
Costa, 1940; Calixto, SOUZA e SOUZA, 1985; SILVA, 2003). Contudo,
nada se conseguiu avançar e já findava a primeira década do século XX. Viria
então, a segunda reorganização político-administrativa dos departamentos.

Da criação dos municípios de 1912 a unificação territorial de


1920

Mesmo sob os protestos, em 1912, o Presidente a República, através


do Decreto Lei n° 9.831 de 23/10, daria uma nova organização à justiça e à

78
administração dos departamentos no território acreano. Seria esta reorganização
que realmente implicava num rearranjo territorial no âmbito municipal das
terras acreanas. Mantinha-se a base departamental, mas criava-se algo de
novo: o Departamento do Alto Tarauacá, ocupando os vales dos rios Tarauacá
e Envira (afluentes do Juruá), e tendo como sede administrativa a Vila Seabra
(atual Tarauacá), desmembrada do Departamento do Alto Juruá (figura 05).
Com estas mudanças, introduzia-se aí uma organização que tinha
como base também uma divisão dos departamentos por municípios.
Estabeleceu-se, então, a criação de cinco municípios: Juruá, no
Departamento do Alto Juruá, com sede em Cruzeiro do Sul; Tarauacá, no
Departamento de Alto Tarauacá, com sede em Seabra; Purus, no Departamento
do Alto Purus, com sede em Sena Madureira; Rio Branco, no Departamento
do Alto Acre, com sede na cidade de Rio Branco; e Xapuri, no Departamento
do Alto Acre, com sede em Xapuri. A administração municipal ficava a cargo
de um Intendente nomeado pela Presidência da República Brasileira o qual
era apoiado e fiscalizado pelo Conselho Municipal, que representava o poder
legislativo, sendo também nomeado pela presidência.

Figura 05: Acre: Divisão em Departamentos de 1912

Fonte: Acre (1991). Refeito por Silvio Simione da Silva, 2005.

Nos anos seguintes, houve várias reformas no campo econômico. No


entanto, a economia acreana começava a sentir o peso de um forte concorrente.
Tratava-se da produção da borracha de cultivo do sudeste asiático. Como
esta produção asiática, a borracha de cultivo começava ganhar o mercado da
borracha natural brasileira. Assim, a economia extrativista da borracha, em sua
organização empresarial, passou a sofrer enormes perdas. Muitos seringalistas
abandonaram seus latifúndios e migraram para outras regiões levando seus

79
capitais e deixando, às vezes, arrendatários para administrarem os seringais;
quando não, deixavam para trás a população seringueira que habitava as
colocações na floresta, de onde desenvolviam seu modo de vida com base no
trabalho familiar e extrativista.
Em 1917, foi levada a efeito a nova reorganização judiciária do
território, através do Decreto n° 13.405, de 28 de fevereiro, assinado pelo
presidente da República Sr. Wenceslau Brás. Essa reorganização suprimiu o
tribunal de apelação de Cruzeiro de Sul e transferiu o de Sena Madureira3 para
Rio Branco. Isto significou certa desestruturação política interna, sobretudo,
na busca da autonomia política, ao passo que a elite política rio-branquense,
mais subserviente, a Capital Federal, foi a mais beneficiada. Aí, talvez, esteja
o germe da centralização política em Rio Branco, posteriormente instituída
capital do Território e do Estado.

A cidade que nasceu para ser centro político


Rio Branco, a capital do Acre, assim como as demais cidades acreanas, também
se originou de um Decreto. O local primitivo situava-se à margem esquerda do
Rio Acre, onde em 1882 organizou-se a sede do seringal “Empresa” que a partir
da divisão territorial de 1904 fazia parte do departamento do Alto Purus, e foi
elevado à categoria de vila, a qual foi designada a sediar o novo organismo,
como Vila Rio Branco (grifo meu). A elevação desta vila à categoria de cidade
ocorreu em setembro de 1904, e em 1908 efetivou como comarca do Alto
Acre. Em 1909 teve seu nome mudado para Penápolis [...], mas em 1912, a
denominação da cidade foi modificada novamente passando a chamar-se Rio
Branco em homenagem ao diplomata brasileiro. Em 1912, em função da nova
organização do território [...] passou à categoria de município e em 1920, com
a extinção dos departamentos e a unificação dos municípios em torno de um
governo central, a cidade foi escolhida para ser a capital, condição que se
manteve após 1962, quando da transformação do território em Estado (ACRE,
2000, p.262).

Com o Decreto n° 14.383 de 4 de outubro de 1920, novas situações


seriam impostas, sem contudo, implicar numa mudança na configuração
territorial já existente. Os departamentos foram extintos, instituindo-se a
unificação territorial sob a unidade de Território Federal e, a partir de então,
criava-se um Governo Territorial, com sede na cidade de Rio Branco. No Plano
interno, os cinco municípios criados em 1912 foram mantidos. Já os conselhos
municipais passaram a ser eleitos pelo voto da população. Os intendentes
(prefeitos) nomeados pelo Governo Territorial e este pelo Presidente República
3
Que segundo o Geógrafo e Professor aposentando do Departamento de Geografia da Universi-
dade Federal do Acre, Raimundo Lopes de Melo, numa aula da disciplina de Geografia do Acre,
ministrada em 1992, Sena Madureira era “a cidade mais equipada”, e também, “melhor dotada
de um sistema de transporte relativamente eficiente e da mais notável massa de intelectuais e
profissionais qualificados de todo território acreano” de então.

80
(Cf. Calixto, Souza e Souza, 1985; MELO 1991; Silva, 2003;
Souza, 2005). A partir daí, nos anos seguintes, algumas reformas de cunho
jurídico-administrativo foram realizadas, no entanto, a divisão administrativa
foi conservada.

Da reorganização de 1938 à criação do Estado do Acre em


1962

Já em 1938, pelo Decreto Lei n° 968, de 21 de dezembro, criava-


se dois novos municípios (figura 06) Feijó e Brasília, desmembrados dos
municípios de Tarauacá e Xapuri respectivamente.

Figura 06: Acre conforme a reorganização de 1938/42

Fonte: Acre, (1991). Refeito por Silvio Simione da Silva, 2005.

Na verdade, estas cidades eram vilarejos que tiveram suas origens no


início do século XX (Feijó em 1906 e Vila Brasília em 1910). Contudo, apenas
décadas depois é que se justificaria a emancipação dessas vilas, que junto às
sedes municipais mais antigas formariam o que podemos caracterizar como o
grupo dos sete municípios tradicionais do Acre.
Em 1943/44 foram anexados aoAcre 330 Km² de terras correspondentes
à região do Jurupari, antes pertencentes ao estado do Amazonas, localizadas
na bacia do Juruá. Isso, na verdade, correspondeu aos acertos na linha Cunha
Gomes, dada a já referida situação dos municípios limítrofes que tinham suas
sedes no território amazonense, apesar de serem juridicamente considerados
acreanos. Ainda em 1943, pelo decreto Lei 6.163/31/12/43, o Governo Federal
mudaria nome das cidades de Seabra para Tarauacá e de Brasília (inclusive, do

81
município) para Brasiléia4 (SILVA, 2003).
Nos anos que se seguem não há grandes alterações na divisão
municipal. Por volta de 1962, já se começava esboçar uma nova divisão do
território, em que se poderia criar até mais cinco novos municípios. Contudo,
perante as mudanças políticas ocorridas no país e no Estado, essas mudanças
não foram implantadas de imediato.
O que mais marcou este instante foi o desfecho da reivindicação
pela autonomia. Em 1957, o Deputado José Guiomard do Santos apresentou
projeto ao Congresso Nacional pleiteando a elevação do Território Federal do
Acre à categoria de Estado. O projeto foi submetido a vários estudos, sendo a
ele acrescidas algumas emendas e por fim aprovado por efeito da lei n° 4.070
de 15 de junho de 1962. Então, o Acre tornou-se estado, herdando todo este
legado organizativo que vimos, inclusive, mantendo a base da divisão territorial
interna.
Podemos dizer que por mais estranho que pareça, foram necessários
mais de meio século de luta contra o Governo Federal para que se pudesse
chegar à autonomia estadual acreana. Por outro lado, a autonomia acreana foi
negada quando a maioria da população a reivindicava e quando a produção
da borracha estava em sua fase áurea. Foi com as crises da economia
extrativista, sendo geradas baixas arrecadações aos cofres públicos que se
ganhou a condição de Estado da República Federativa do Brasil. A isto cabe
acrescentar que o atendimento a esse pleito, não teria vindo de um profundo
embate popular, mas apenas de uma atuação mais sistemática das elites locais
politicamente representadas. Estes, certamente estavam sendo contemplados
em seus interesses de se manterem como grupo de influências no âmbito dos
mandatários locais.
Como Estado, em 1962, o Acre teria então seu primeiro Governo
eleito por voto direto. Contudo, apenas dois anos depois, por força das medidas
tomadas com o Golpe Militar de 1964, este governador foi deposto, e o cargo
passou a ser ocupado por nomeação feita pelo Governo Ditatorial Brasileiro.

A consumação da criação de novos municípios de 1976.

O projeto de criação de novos municípios do ano de 1962, somente


em meados da década de 1970 seria retomado. Portanto, neste período, já
transcorria o Governo de Geraldo Gurgel de Mesquita, nomeado pelo regime
militar.
Sob estes propósitos, foram criados cinco novos municípios: Plácido
de Castro, no extremo leste do município de Rio Branco, no Vale do Rio
4
Isto, pois conforme a Professora Gislene Salvatierra, seria para dar mais significado às carac-
terísticas regionais a que pertence; sendo que no termo “Brasiléia” unia os signos “Brasil” com
“Hiléia”, representando as riquezas naturais da Amazônia (In: SILVA, 2003)

82
Abunã; Senador Guiomard, às margens da BR-317, no trecho de Rio Branco
- Brasiléia; Assis Brasil, às margens do Rio Acre, sendo também ponto final
da BR-317, na fronteira com o Peru e Bolívia; Manoel Urbano, às margens do
Rio Purus, no município de Sena Madureira; e Mâncio Lima, às margens do
Rio Moa no extremo oeste do Estado, sendo desmembrado do município de
Cruzeiro do Sul.
Segundo o Prof. Omar Sabino de Paula, vice-governador nessa época,
a motivação dessa reforma esteve pautada no fato de que as constituições
Estadual e Federal permitiam a criação de novos municípios, desde que
isto viesse levar maior desenvolvimento à região. Por outro lado, como os
propósitos já existiam antes mesmo do referido governo, então a questão era
apenas instalar, pois os municípios já estavam criados (SILVA, 2003). Estes
municípios foram instalados pela “Lei Estadual n° 588 de 14 de maio de
1976”.
Daí por diante, o Acre permaneceu com doze municípios até o
ano de 1992 (figura 07).

Figura 07: Acre a partir de 1976

Fonte: Acre (1991). Refeito por Silvio Simione da Silva, 2005.

A reorganização político-administrativa de 1992.

Uma nova organização político-administrativa já era discutida nos


governos que antecederam ao princípio da década de 1990. Contudo foi no
curto governo do Sr. Edmundo Pinto de Almeida Neto, que realmente houve
uma efetivação de ações neste sentido. A nova reforma começava a se tornar
realidade em 1991, por força da Lei Estadual 034/91, pela qual se abria a
possibilidade do Acre ganhar até treze novos municípios.
Em vista desta proposta, o Estado passaria a contar com um

83
total de vinte e cinco municípios. As vilas e lugarejos que se viram diante
desta possibilidade eram: Porto Walter (situado à margem do rio Juruá,
seria desmembrado do município de Cruzeiro do Sul); Jordão (no Vale do
Rio Tarauacá, seria desmembrado do município de Tarauacá); Porto Acre
(às margens do Rio Acre, ligado a Rio Branco por rodovia estadual, seria
desmembrado do município de Rio Branco); Extrema (às margens da BR-364,
trecho Rio Branco-Porto Velho, área litigiosa com Rondônia); Nova Califórnia
(às margens da BR-364, trecho Rio Branco-Porto Velho, área litigiosa com
Rondônia); Bujari (às margens da BR-364, trecho Rio Branco-Sena Madureira,
seria desmembrado do município de Rio Branco); Jurupari (às margens do rio
Jurupari no Vale do Rio Envira, ao nordeste de Feijó – área litigiosa com o
Amazonas); Rodrigues Alves (situado à margem do rio Juruá, e recortado pela
BR-364, seria desmembrado do município de Cruzeiro do Sul); Santa Rosa (às
margens do rio Purus, seria desmembrado do município de Manoel Urbano);
Capixaba (às margens da BR-317, trecho Senador Guiomard – Brasiléia,
seria desmembrado do município de Rio Branco e Xapuri); Epitaciolândia
(às margens do Rio Acre e da BR-317, seria desmembrado do município de
Brasiléia e Xapuri); e, Acrelândia (no antigo Projeto de colonização Redenção,
às margens de uma rodovia estadual, seria desmembrado do município de
Plácido de Castro).
Algumas destas novas “cidades” localizavam-se em áreas de
difícil acesso, além de possuírem números populacionais muito baixos, o
que aparentemente não justificaria a criação do município. Mas, segundo o
Procurador Geral do Estado, na época o Dr. Omar Sabino de Paula, a criação
destes novos municípios também derivavam de uma necessidade para integrar
melhor o Estado seja, político, social, econômica e até culturalmente.
Além disso, esperava-se que com a efetivação destes novos
municípios, houvesse maior aproximação do Poder Público às populações,
sobretudo, de lugarejos muito distantes. Isto poderia, então, ser também um
mecanismo de criar condições de possibilitar uma melhor distribuição de renda
e de marcar a presença do Estado mais firmemente nestas porções territoriais
distantes na fronteira com a República do Peru.
Para efeito de legalidade, todas estas localidades foram submetidas
a um plebiscito popular. Aí a população local deveria votar pela aprovação
ou reprovação do pleito emancipatório das vilas para município. O plebiscito
aconteceu no dia 28 de junho de 1992, sendo aceito a aprovação apenas de
dez localidades: Jordão; Santa Rosa, Porto Acre, Bujari, Capixaba, Acrelândia,
Epitaciolândia, Marechal Thaumaturgo, Rodrigues Alves e Porto Walter. Já
na vila Jurupari não houve comparecimento da população ao plebiscito. Em
Extrema e Nova Califórnia, na época área de litígio entre Acre e Rondônia,
perante a situação política instável da área, o processo ficou impossível de
ser realizado. Posteriormente, estas vilas seriam então reconhecidas como

84
pertencentes a Rondônia.
Esses novos municípios ficaram até o final de 1992 ligados aos seus
municípios de origens. Como em todos aconteceram eleições em outubro do
referido ano, a implantação do município aconteceu efetivamente no dia 01 de
janeiro de 1993 com a posse dos respectivos prefeitos e vereadores.
Com esta formação, o Estado do Acre chega aos dias atuais (Mapa
08), sendo, contudo, ainda questionados pontos no que se referem a uma revisão
dos limites municipais. As questões aí contidas dizem respeito à arbitrariedade
na definição de limites feita na última reorganização de 1992, em que muitos
municípios (novos e antigos) perderam áreas que, sobretudo, do ponto de vista
histórico e cultural, deixavam populações em condições de estranhamento com
sua unidade política vinculada. Nisto, se forjavam forma de alienação de uma
territorialidade construída por décadas. Mas havia também uma motivação
prática para tais revisões: a localização de certos lugares vinculados aos novos
municípios, após anos de implantação, ainda era um problema para a circulação
das pessoas que ali viviam. Estas, às vezes, moravam em áreas em que as vias
de circulação vinculavam-os mais a outra cidade, e não a sua sede municipal. A
exemplo disto temos às margens da BR-317 entre os limites dos municípios de
Xapuri, Epitaciolândia, e também em áreas mais interioranas como nos limites
entre Brasiléia e Xapuri e entre Xapuri e Rio Branco (ACRE, 2003).
Estas alterações dos limites intermunicipais, junto a já mencionada
revisão do limite com o Estado do Amazonas (nova Linha Cunha Gomes)
passaram a ser incorporadas no Mapa Estadual a partir de 2004. Isto representa
certa alteração nas configurações territoriais de vários municípios, tendo
alguns, seus territórios ampliados e outros diminuídos (Tabela 1; Figura 08).
Nota-se na tabela que, em geral, os municípios que têm suas sedes na porção
limítrofe com o Estado do Amazonas e tiveram sua área territorial ampliada
(com exceção a Sena Madureira). Isto ocorreu em função das alterações na
Linha Cunha Gomes que incorporou ao território político do Estado do Acre
mais de 11.000 km². Isto possibilitou que municípios que tinham parte do
território de sua sede (cidade) em terras amazonenses, tivessem regularizado
sua área urbana.

Tabela 1: Acre: Áreas dos municípios por Km² atual


Município Antes da revisão Após a revisão
1.813,78
Acrelândia 1.609,7
4.976,63
Assis Brasil 2.884,2
3.918,28
Brasiléia 4.356,4
3.037,29
Bujari 3.397,9
1.696,5
Capixaba 1.724,0
8.816,37
Cruzeiro do Sul 7.882,0
1.655,04
Epitaciolândia 1.659,3
27.963,80
Feijó 22.721,6

85
5.360,64
Jordão 6.695,5
5.502,23
Mâncio Lima 4.692,0
10.635,30
Manoel Urbano 9.477,2
8.190,27
Marechal Taumaturgo 7.700,6
1.945,26
Plácido de Castro 2.055,6
2.608,88
Porto Acre 2.923,0
2.608,88
Porto Walter 6.093,4
8.831,44
Rio Branco 9.962,4
3.077,95
Rodrigues Alves 3.319,0
6.140,26
Santa Rosa do Purus 6.049,7
23.731,74
Sena Madureira 25.296,7
2.320,63
Senador Guiomard 1.806,4
20.198,97
Tarauacá 16.120,5
5.346,95
Xapuri 4.723,6
164.221,36
Totais 153.149,9
Fonte: ZEE, 1999; ITERACRE, 2005.

Figura 08: Mapa político atual do Acre.


Fonte: Base cartográfica IMAC/SEMA/ZEE, 2000. Elaborado por Cláudio Roberto S.
Cavalcante, 2005.

Como vimos, outro aspecto deste rearranjo territorial se deu


internamente com os limites municipais do Acre. Isto implicou em alterações
nos limites internos, dadas as já referidas situações detectadas de lugares que
tinham ligações históricas mais profundas com certas cidades e haviam sido

86
colocados como territórios municipais diferentes; e também no sentido de
facilitar as ações de políticas que pudessem ser aplicadas mais eficazmente
a cada município. Como conseqüência dessas alterações pode-se perceber na
tabela anterior, a perda de território em onze municípios: Brasiléia, Bujari,
Capixaba, Epitaciolândia, Jordão, Plácido de Castro, Porto Acre, Porto Walter,
Rio Branco, Rodrigues Alves e Sena Madureira. Interessante é que destes,
apenas Sena Madureira situa-se em área que fora atingida pelas alterações nos
limites com o Amazonas; isto significa que o município, embora tenha ganhado
território no limite externo, perdeu território no rearranjo dos limites internos.
Contudo, há ainda a permanência de município com área territorial
de tamanho gigantesco como é a situação de Feijó com 27.963,80 Km², Sena
Madureira com 23.731,74 Km² e Tarauacá com 20.198,97 Km², que são os três
maiores municípios em extensão do Estado. As dimensões territoriais destes
municípios chegam a corresponder a mais que duas vezes os tamanhos dos
outros que lhes sucedem numa escala de ordenação por dimensão territorial.
O que se pode prever é que estas alterações devem provocar também
acentuada mudança no número populacional dos municípios e do Estado. Tal
proposição justifica-se, pois, pelo fato de nossas florestas serem habitadas. Estas
mudanças nos limites (internos e externos) significaram também incorporação/
reincorporarão de populações. Contudo, em face de ser uma situação recente,
ainda não é possível precisar maiores dados destas mudanças.
Cabe salientar, que nos últimos anos, tem-se discutido a criação de
novos municípios, sobretudo, a partir do crescimento de algumas localidades
como Vila Campinas na BR-364, trecho de Rio Branco-Porto Velho; Vila
Humaitá e V no PAD Humaitá no município de Porto Acre e o 2° Distrito,
porção da margem esquerda do Rio Acre na Cidade de Rio Branco (ACRE,
2003). Destes, a Vila Campinas aparece como o mais cotado para vir a tornar-
se o vigésimo terceiro município acreano. Contudo, o pleito está barrado pelas
determinações jurídicas que desde 1996, faz restrições à criação de novos
municípios. Espera-se que em breve tenhamos regulamentado novas bases
jurídicas e que estes processos possam vir a progredir.

Considerações finais

Para finalizar, queremos chamar a atenção para algumas questões que


se alteram no âmbito das reformas políticas e administrativas do Acre. Notamos
que a definição dos limites e fronteiras foram processos que amadureceram a
partir de embates diversos, tanto em nível nacional quanto internacional. A
fixação das bases que solidificaram o território esteve articulada com o uso e
instrumentalização das condições físico/naturais, pelos processos humanos de
ocupação impondo formas de apropriação do espaço da Amazônia-acreana.

87
Assim, ao produzir espaço sobre as riquezas apossadas e as populações
nativas dizimadas, deu-se base para a formação da fronteira política e social
na região.
Desta forma, os primeiros departamentos e municípios nascem com
limites e traçados muito próximos ao que são postos pelos rios em suas bacias
hidrográficas e divisores de águas. Isto não se dá pela determinação destes
sobre a população que aí vive, mas pelas facilidades, pelas viabilidades do
usufruto das formas de seus traçados naturais para produzir, escoar produção e
efetivar comunicação a outros lugares.
Portanto, rios e florestas eram limites e fronteiras para aqueles que ali
viviam e produziam esse espaço; mas também eram os elos dessas pessoas (os
rios, os caminhos; as florestas, as fontes da produção de seus produtos; juntos,
lócus de suas proposições vivenciais) com o mundo externo.
A dinamização socioeconômica dos rios como via de articulação
e circulação possibilitaria que por anos, as sedes municipais – as cidades –
nascessem sempre às suas margens, como ocorreu por muito tempo em toda
a Amazônia. Certamente, senão estivéssemos atentos a esses processos de
ocupação diríamos que o “rio realmente comanda a vida” (fazendo alusão ao
grande historiador Leandro Tocantins), sem percebermos, por exemplo, que a
“vida econômica” posta ao rio não é sua criação própria, mas sim de quem o
instrumentalizou para tais fins.
O alvorecer da década de 1970, com a abertura de estradas chegando
ao Acre, marcaria outro momento na definição de limites internos. As estradas
e a agropecuária introduzem novas condições de ocupação e produção do
espaço. As cidades começam a ser formadas distantes dos rios; e as terras
firmes deixam de ser os “centros” (na falas daqueles que vivem nos seringais:
“centro da mata”), para estar à margem da rodovia (que seria, na ótica
desenvolvimentista da época, estar no centro do desenvolvimento dos lugares).
Isto marcaria a condição que a dinamização do espaço produzido agora, seria
feito pela artificialização maior dos meios de circulação, quando os processos
produtivos também tendem a ser mais artificializados. Por onde passam as
estradas, a produção do espaço tende a voltar para a condição centralizadora
destas vias de circulação. Aí nascem municípios como Acrelândia, Bujari,
Capixaba e Senador Guiomard.
Vemos o começo de uma Geografia Política em que a estrada
comanda as ações socioeconômicas e se impõe como via fundamental de
desenvolvimento na região amazônico-acreana. Isto não exclui o rio, mas
minimiza seu papel como via centralizadora dos processos de circulação do
que é produzido. Um exemplo disto é que até o peixe pescado no rio Purus
vem para o mercado de Rio Branco pela BR-317 e não mais por vias fluviais
como era antes.
Então, as estradas, com suas condições atrativas, dinamizam os

88
desenhos que configuram os mapas e cartas atuais. Porém, não faz isto apenas
pelas divisões políticas, mas também pelas novas formas de ocupação humana,
pelos desmatamentos e impactos aos ambientes naturais, pelas mudanças
temporais e climáticas que sentimos e até pelos conflitos sociais suscitados.
Tudo isto mostra os sentidos da compreensão de uma abordagem
político-geográfica da formação territorial acreana.

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TOCANTINS, Leandro. Estado do Acre: Geografia, História e Sociedade. Rio de Janeiro:
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89
Sobre gentes e lugares do Acre
Jones Dari Goettert

Tenho três sonhos, mas ainda estou em dúvida: secretária,


economista ou jogadora de vôlei. Gosto de estudar
ciências. É a melhor matéria. Eu não gosto de viver na rua.
Gosto de sair final de semana e voltar para casa de novo.
(“Dama da noite”, 14 anos, Rio Branco, In: BEZERRA,
SILVA e CAMPO, 2001).

Introdução

A Geografia – grafia da terra – é, especialmente, a grafia – escrita –


das relações que as gentes, no espaço e nos lugares, produzem e reproduzem;
relações, também, entre os próprios lugares5. Lugar, o plano do local: as
relações dos indivíduos – das gentes – com os espaços habitados, que exprimem
diariamente nos modos de uso, nas condições mais banais, no secundário, no
acidental: “o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido
através do corpo” (CARLOS, 1996, p. 20). São, sempre, relações humanas,
nas quais participam mulheres e homens. Trabalhando, brincando, festejando,
lutando, guerreando, disputando, rezando... Jeitos de pensar e de fazer que se
fazem diferentes em cada lugar: porque as pessoas são sempre outras e porque
as condições nos lugares diferem em cada ponto, casa, vila, cidade, seringal,
rio, sítio, colônia, estado, região, país... Quanto menor for a escala, mais
facilmente percebemos as diferenças entre os lugares – entre as suas gentes.
Compreender cada lugar e suas gentes depende, sempre, de pequenos
e grandes esforços que devemos empreender. Esforços em olhar os lugares,
suas mulheres e homens. E essa é a melhor maneira de também conhecermos,
o nosso lugar e nós mesmos.

5
Lugar, território, paisagem, região, rede e meio ambiente, são categorias caras à Geografia; em
cada trabalho, geógrafas e geógrafos enfatizam mais umas que outras. Aqui, busca-se compre-
ender aspectos das gentes e da geografia do Acre através do lugar, que, para Rogério Haesbaert
(2002), apresenta a subjetividade como caráter mais dominante, inscrevendo-se em uma pers-
pectiva cultural e se confundindo, por vezes, ao local. Para Ana Fani Alessandri Carlos (1996),
o “lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-
lugar. [...] Este plano é aquele do local”. O lugar: identitátio, relacional e histórico... Para uma
diferenciação entre lugar e espaço: “O termo “espaço”, em sim mesmo, é mais abstrato do que
o de “lugar”, por cujo emprego referimo-nos, pelo menos, a um acontecimento (que ocorreu),
a um mito (lugar-dito) ou a uma história (lugar histórico). Ele se aplica indiferentemente a uma
extensão, a uma distância entre duas coisas ou dois pontos [...] ou a uma grandeza temporal [...].
Ele é, portanto eminentemente abstrato” (AUGÉ, Marc., 1994. p. 73 e 77).

90
População, pessoas ou Gentes
O uso do termo população é sempre carregado de resoluções matemáticas e
estatísticas, como se pudessem reduzir cada mulher e homem a números. O
termo pessoas nos aproxima bastante do cotidiano, do dia-a-dia. Falamos: ‘as
pessoas gostam disto ou daquilo, são assim e assado’... No entanto, parecem
ser sempre as e os outros, porque são as pessoas. Por isso, aqui usaremos,
com mais constância, o termo gente – ou gentes – porque se aproxima ainda
mais de nosso universo lingüístico, pois é muito comum falarmos que ‘a gente
vai’, ‘veio’, ‘foi’ e que ‘a gente é assim ou assado’... A gente, também, somos
nós!

A Geografia, como especificidade no conjunto das Ciências, é


constantemente provocada por uma pergunta central: onde? Aparentemente
simples, responder a esta pergunta implica em compreender como que o
“onde” é construído. Em outras palavras, como que as pessoas, em cada onde
– em cada lugar – vão se relacionando e produzindo o espaço, definindo onde
se mora e onde se brinca, onde se trabalha e onde de briga, onde de estuda e
onde se reza, onde se manda e onde se obedece...
Portanto, uma geografia da população do Acre, deve apresentar
a localização das gentes no interior de seu território – onde. Localizar
ultrapassa a simples pontuação do aqui, lá ou acolá, devendo fazer emergir
o lugar geográfico como a síntese das relações humanas que formam partes
do território, sejam elas econômicas, políticas, culturais, sociais, religiosas,
dentre outras.
No interior dessas relações, as gentes vão se mostrando pelo trabalho,
modos de vida, sociabilidades, vivências, experiências, religiosidade, poder,
dominação, exploração, vida e morte, sofrimentos e esperanças.
Aqui, com o objetivo de iniciar uma conversa com os leitores,
viajaremos, um pouco demoradamente, sobre um conjunto de vozes de gentes
do Acre. O objetivo é, assim, pensar em possibilidades de como as falas podem
ajudar na compreensão das relações das gentes com o seu espaço, com os seus
lugares. A intenção é, modestamente, apontar caminhos para pensar as gentes
e a Geografia no Acre. Quem sabe, estes varadouros, ou estas estradas, podem
contribuir para ampliar as possibilidades teóricas e metodológicas dos estudos
em torno do tema gente e espaço.

Gentes que fazem e falam os lugares

A Geografia é feita de relações. Isso pode parecer simples!


Mas o que significa dizer que são relações que definem a Geografia?
Que cada lugar é feito e pensado por aquilo que as pessoas fazem e pensam, isto
é, cada “pedaço” do espaço é uma produção em que interagem gente com gente

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e gente com as coisas, a terra, as casas, a escola, a rua... Por isso, todo espaço
geográfico é produção humana. Pode-se falar em espaço de solidariedade e
afetividade quando as pessoas trocam ajuda e apoio, como em muito se dá no
interior de uma casa, em uma família. Pode-se falar em espaço de dominação
quando os interesses de uma ou de poucas pessoas se sobrepõem violentamente,
seja simbólica ou materialmente, sobre outras.
O que deve ficar claro é, simplesmente, que a Geografia é uma
produção. Não existe espaço geográfico dado, pronto ou absoluto. Cada
pessoa ou grupo de pessoas vai, sabendo ou não, produzindo espaço, que
se produz pelas relações que se vão estabelecendo; isso quer dizer que, por
vezes, o espaço do qual participamos dependeu e depende pouco de nós para
a sua existência, porque um espaço de dominação e exploração – no trabalho
maçante e alienante, por exemplo – de pessoas, grupos ou classes diferentes da
nossa, e até com interesses contrastantes.
O que se quer sempre ressaltar é que não há Geografia que não seja
parte das relações humanas, feitas e que se fazem no espaço, nos lugares. Por
isso, sempre haverá Geografia onde mulheres e homens estão, mesmo que isso
não se manifeste conscientemente. Por isso, deve-se ter a Geografia como um
conjunto de relações das quais nós, direta ou indiretamente, participamos, de
perto ou de longe.
Estas e outras relações no espaço também são apreendidas,
interiorizadas, lembradas, sentidas e faladas pelas mulheres e pelos homens.
Os estudos geográficos, e em especial a Geografia que estuda as pessoas ou as
gentes no espaço, em seus lugares, pode e deve buscar apreender e compreender
as relações nos lugares também por aquilo que as pessoas falam deles, sejam
elas crianças, velhos, adultos, mulheres e homens... Em qualquer fala pode-se
encontrar vestígios das relações nos lugares, e como que tais interpretações
dessas relações podem ajudar a compreender o espaço geográfico, os próprios
lugares.
As falas das gentes, pequenos e grandes, contudo, desobedecem
a padrões de uma “análise geográfica linear” e escorregam também sobre
espaços e tempos diversos. Daí, que a Geografia deve ser pensada junto ao
tempo, porque se pode falar de um lugar do hoje que esteja fortemente ligado
ao ontem, como também ao devir, ao futuro. Por isso, é importante ter claro
que o espaço é uma produção, também, no tempo. É no tempo que o espaço
é produzido! Mas esta produção não é absoluta ou eterna: outras relações –
conflituosas ou não – podem transformar o espaço.
A Geografia também tem se preocupado, além dos grandes
movimentos de formação e transformação do espaço, em buscar compreender
os pequenos espaços – “topoanálises” (veja BACHELARD, 2000) de “micro
espaços” – que as pessoas vivem, convivem, reprimem, libertam, se mostram
e se escondem. Nesta busca, revela-se como fonte importante, as falas de

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mulheres e homens, crianças, idosos, pobres, mulheres separadas, migrantes,
trabalhadores informais... É claro que a Geografia apenas parcialmente se
revela nas falas (como em qualquer outra fonte); mas podem ser nestas partes
que vai se revelando as gentes de um lugar, de um bairro, de uma cidade, de
um estado, de um país...

Mas quem tem direito a fala?


Pensando também na bonita e instigante questão de Armando Corrêa da
Silva: “de quem é o pedaço?” (SILVA, 1988; 1991) Historicamente, a fala
tem sido monopólio dos homens (homens, apenas), dos “brancos” 1, dos
“civilizados”, dos ricos... Porque, eles, proprietários dos bens materiais,
se pensam e se fazem proprietários do passado, do presente e do futuro.
Afinal, você daria mais crédito à fala do shanenawá Militão ou do delegado
de Feijó?

Aqui, seguindo um conjunto de estudos que buscam privilegiar a fala de


mulheres e homens comuns (mas, como em Eric Hobsbawm [1990] - “pessoas
extraordinárias”), a ênfase é dada sobre gentes que vão se fazendo, pensando
e se mostrando teimosamente entre os botecos, os cortiços, os quarteirões, os
becos, nas ruas e nas estradas, nas casas simples das periferias... Mulheres e
homens que foram se revelando em conjunto de trabalhos nos quais, as autoras
e os autores, de perto e de longe, foram trazendo à tona falas simples, mas
expressões legítimas das gentes que resistem, que re-existem pela palavra, em
todo o espaço e em cada lugar.

Gentes índias

Aocupação do território hoje definido como Estado doAcre é imemorial,


isto é, há dificuldades em definir, exatamente, quando e quem primeiro ocupou
estas terras. Sabe-se, contudo, que desde o início da reocupação, dada pelos
europeus, a partir de 1500, gentes já viviam, trabalhavam, cultuavam deuses,
dançavam, riam, choravam, nasciam e viviam por aqui. Por isso, parece se
apresentar equivocado o entendimento de que ocorreu, nos últimos quinhentos
anos – e no Acre nos últimos cento e cinqüenta anos, principalmente – um
processo de ocupação do território. Ora! Se já havia gentes aqui, talvez fosse
mais prudente falar em reocupação.
Assim, se pensarmos a vinda de gentes, especialmente trabalhadoras
e trabalhadores pobres do Nordeste, desde meados do século dezenove para o
trabalho de extração do látex-borracha – “ouro branco” e, com o processo de
defumação, “ouro negro” –, esse processo se deu na reocupação de territórios

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indígenas. E, pelo que sabemos, as índias e índios não foram perguntados se
“cederiam” partes de seus territórios para a exploração da borracha, que, aliás,
era motivada por interesses e necessidades de bem longe daqui - as indústrias
automobilísticas da Europa e dos Estados Unidos.
Por outro lado, chamar todas e todos que moravam aqui de “índios”,
significava e ainda significa uma homogeneização grotesca, colonialista e
impostora. Vejamos: ainda hoje, com todo o processo de destruição, violência
e morte das nações indígenas, a resistência, a luta e a persistência de índias e
índios, possibilitou a continuidade de modos de vida espetaculares da floresta.
Mas não são iguais todas as índias e todos os índios. São, em terras acreanas,
as nações Jaminawa, Manchineri, Kaxinawa, Kulina, Ashaninka, Shanenawa,
Katukina, Yawanawa, Jaminawa-Arara, Arara, Nukini e Poyanawa. O processo
de alienação nos impede, ainda hoje, de definir e pensar a diversidade destes
vários povos, com seus espaços, lugares, modos de vida, simbologias e culturas
diferentes umas das outras.
Assim, em território acreano, são doze nações indígenas. Estas ainda
procuram, mesmo com territórios pequenos, se reproduzir em meio ao mundo
dominador “branco”, autoritário e excludente.
Ocupando cerca de 14% do território acreano, as gentes índias são
diversas social, econômica, política, cultural e religiosamente. De iguais, apenas
a forma como lidamos com elas e eles! Isso quer dizer que: cada nação indígena
é, em si mesma, uma complexidade. Contudo, não somos nem mais complexos
e nem mais simples que as gentes indígenas, mesmo que diferentes. A questão,
então, é como o fazemos e lidamos com estas diferenças e complexidades no
espaço humano vivido. Porque, se falamos nações indígenas, aí, a história – e
o espaço – também são indígenas.

Fazendo sua história e seu espaço

Nós, que somos chamados de índios, acompanhamos a nossa tradição, e


depois que conhecemos os nossos direitos, nós mudamos também, mas a
tradição ninguém mudou. O branco acompanha a tradição dele, mas nós temos
a nossa tradição. [...] Dentro das terras indígenas, com relação à história que
nós fazemos, a nossa própria cultura é uma tradição. Na aldeia, nós temos a
história da caça que a gente mata na floresta e traz para dentro de casa, para
sustentar a família. Tem também a pesca no igarapé, a gente pesca um tipo
de peixe que tem no rio, também para sustento. Quando fazemos o roçado,
já temos que saber quando vai estar pronto para colhermos a roça. Além
disso, nós plantamos o legume. Tudo é a nossa tradição que nós vivemos no
presente. “É a nossa história” (De professores indígenas no Acre. KAXINAWÁ,
Joaquim Paulo Maná (e outros). Índios no Acre: história e organização. 2. ed.
Rio Branco: Comissão Pró-Índio do Acre, 2002, p.16)

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É o nosso espaço. O “nosso” espaço, dos doze povos que vivem no
Acre, apresentam diferenças substanciais para o nosso espaço, o do “branco”.
Buscar entendê-los é o mínimo que a Geografia deve fazer no sentido de
radicalizar o respeito pelo direito do outro ao espaço, ao seu espaço. Ao seu
pedaço, material e simbólico.
Espaços simbólicos definidores de mitos de origem (muitos
semelhantes ao Gênese cristão) que, no Acre, ganham em diversidade e
riqueza. Mas, devemos rebater o equívoco que aponta a valorização das
culturas indígenas apenas por seu significado folclórico. A folclorização, além
de preconceituoso, “civilizador” e “branco”, tende a desconsiderar que os
povos indígenas são portadores de modos de produção diferentes do nosso.
Por isso, compreender os espaços de cada povo índio, além da valorização da
diversidade, do respeito e de sua autodeterminação, é rever nossos próprios
valores, nossos próprios fazeres e nossos próprios pensares.

Gentes de lugares, lugares das gentes

Vamos, então, para a rua! A rua “branca” (como os meio-fios pintados


uniformemente), ou melhor, de “brancas” e “brancos”.
Na rua, de hoje ou de antigamente – e certamente por muito tempo
ainda –, é lugar de alegria nas crianças que fazem subir pepetas e nas bolas de
futebol que “rasgam” travas sem redes. É a rua, também, lugar de violência e
de medo, que pode se revelar na criança “dividida entre o desejo de brincar na
rua (confessado inadvertidamente) e as recomendações maternas” (ARAÚJO,
1994, p.44) para não pôr os pés fora de casa:

- você solta pepeta onde?


- “No meio da rua ô em casa. Eu fico lá na janela, brincando.”
- Na sua rua passa muito carro?
- “Passa não. Na rua só dá peia, batendo nos outros.”
- E quem é que bate?
- “Os marginal lá do bairro, só passa lá batendo nos outros. Eu não gosto
de brincar na rua.

A fala é de “S”, que pode ser de Sílvio, Sandro, Silvano, Saul, Sérgio,
Saulo, Samuel, Samir, e de tantos e tantos outros, e revela o desejo e a tensão
entre a casa e a rua. A rua desejada vista da janela; a casa, por vezes recusada,
vista da rua. Depende da mãe... Mas a “peia” também pode estar na rua, onde
“só dá peia”.
Que Geografia malandra esta da criança que deseja a rua pela janela,
mas não deseja a rua pela peia, da mãe e dos “marginais. Desejo de pepeta que
o menino faz subir e voar e o medo da peia dos outros, dos meninos de rua...

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Atentar para a relação entre espaço da casa e espaço da rua é significativo, uma
vez que em nossas cidades acreanas a relação com a rua ainda é importante. Se
brinca na rua, se toma banho de chuva na rua, se corre na rua, se esconde nos
esconderijos da rua... Rua como espaço da alegria. Se corre de carro na rua, se
corre de “marginal” na rua, se é atropelado na rua, se xinga na rua... Rua como
lugar de conflito, de violência. E também na casa.
A rua é, também, lugar de trabalho, inclusive, para gentes menores:

Estou trabalhando, eu lavo carro, moto, bicicleta, porque tenho precisão


e também para não ficar parado e não ficar fazendo o que não presta.
O meu maior sonho é de servir o exército, mas acho que não vai dar, o
outro sonho é ser jogador de futebol e também de dirigir algum carro e
ser motorista (In: SOUZA, 1999, p. 135, 138-150).

A fala de um adolescente de dezesseis anos: Juceley, de Feijó.


Ambos os espaços, casa e rua, são prenhes de tensão, conflitos e
violências, de um lado, e solidariedade, alegria e ajuda, de outro. Este aspecto
faz emergir o entendimento que de que não há espaço absoluto, no sentido de
que neles se desenvolvem relações únicas, inconstantes ou necessariamente
positivas ou necessariamente negativas. Todos os lugares são positivos e
negativos! E isso sempre dependerá do momento e, fundamentalmente, das
relações nos lugares e de quem faz e fala estas relações.
Na casa, lugares do passado podem interagir com relações no
presente, nas recordações de esconderijos onde, quando criança, “refugiavam-
se” gentes pequenas para ensinar e aprender, que agora, quando grandes,
também participam do espaço da escola, para ensinar.

“desde criança, queria ser professora. Os meus pais adotivos
trabalhavam em um colégio e eu também estudava lá. Eu
sempre conseguia livros e giz e juntamente com os meus
primos íamos debaixo da nossa casa, que era bastante alta,
estudar. Tinha um quadro negro e eu dava aula mesmo
para os meus primos” (PESSOA, 1999, p.110-111)

“Val”, a professora de hoje que “desde criança queria ser professora,


foi a criança que ontem conseguiu livros e giz e juntamente com os seus primos
iam debaixo da nossa casa, que era bastante alta, estudar”.
E a casa, contudo, não é o paraíso. Ou, se quisermos, não é apenas o
paraíso. Pensar o lugar casa como família, e como problema, é um bom ponto
de partida (GAIARSA, 2004, p. 44-45). Se no interior da família as tensões,
conflitos e contradições emergem, não seria diferente em casas que também
se fazem, principalmente, para muitas mulheres, adolescentes ou não, lugar de
trabalho fora da própria casa.

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Ouçamos uma “dama da noite”:

Não foi minha família que me levou para a prostituição,


foi a minha ex-patroa. Decidi que não ia mais limpar pé
de fogão de ninguém. Ia cuida de ser eu mesma, sem
ser humilhada. É um tempo de humilhação, assim não
fisicamente e sim mentalmente, né. Ela não me agrediu
com pancadas, e sim com palavras. E foi o que me levou
para a zona e não me arrependo (BEZERRA, SILVA e
CAMPO. 2001 p.43).

Da casa materna para a casa da patroa. Dali, para a “zona”.


Ironicamente, não foi o ócio que a levou à prostituição; foi, justamente, o
trabalho... Adeus, estudo.
Diferentemente, da casa de “Val”, longe de casas de “ex patroa”,
foi surgindo a escola. A escola, que também se constitui como um espaço
privilegiado das atuais relações que desenvolvemos.
A escola, contudo, como parte dos espaços produzidos e definidos
pelas relações humanas, tanto se apresenta como um lugar de solidariedade, na
medida em que professoras e professores ajudam a aprender. Também é lugar
de tensão, conflitos, preconceito e discriminação, que podem ser sentidos e
vividos por quem ensina ou por quem aprende.
Assim, partir da compreensão dos lugares como harmoniosos ou na
perspectiva de sê-los, pode, em grande medida, dissimular relações de extremo
poder, imposição e também de resistência. De violência ou de solidariedade.
Em uma fala despretensiosa e a princípio buscando apontar a união familiar,
por exemplo, pode ir emergindo elementos de tensão e de violência, dentro e
fora da família, e que migram para lugares, às vezes, distantes:

Nossa família foi sempre unida, só que na outra geração


do meu avô e minha avó, que era índia, o irmão do meu
avô matou ele, assim me contaram, eu tinha 7 anos,
minha mãe que contava que o tio matou o pai dela, ela
foi criada sem pai também desde a idade de 7 anos. Outra
briga que teve na nossa família foi a de um tio meu que
matou um homem, eles eram marreteiros e brigaram por
causa da venda de mercadoria, um tomou o freguês do
outro. Meu tio levou um tiro e morreu também, na mesma
briga. Dizem que ele ainda chegou vivo em Tarauacá, aí
a mulher dele foi limpar a ferida e tinha um carocinho
pequeno embaixo do colarinho da camisa, quando ela
puxou, ele morreu. Dizem que era uma oração que ele
tinha [...] (SILVA, 1996, p. 278)

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A fala é de Francisca das Chagas Araújo, nascida no seringal
Cachoeira (município de Xapuri) em 1932. Trabalhou no corte da seringa de
1946 a 1965 e mudou-se para Rio Branco no começo da década de 1970, e na
realização da entrevista morava no Conjunto Esperança I.
Francisca não participou diretamente das mortes do avô e nem da
morte do tio; contudo, a fala revela que no presente – seus lugares – participam
questões postas no passado, sejam elas positivas – a união da família – ou
negativas – os assassinatos. Por outro lado, a fala de Francisca é reveladora da
relação de índias e índios com “brancos” e “brancas” – “minha avó, que era
índia” – em casamentos, e também da relação conflituosa entre marreteiros que
“brigaram por causas da venda de mercadoria, um toma o freguês do outro”.
Na busca de descrição das relações familiares, Francisca delineou
também relações inter-étnicas e econômicas de um espaço do passado, mas
que ainda povoam as recordações e, portanto, o imaginário de quem fala. Tais
recordações, e as relações que definem sua “sobre vida”, cruzam tempos e
lugares diversos e devem ser consideradas na busca de compreensão das gentes
e de seus lugares.
A própria trajetória de Francisca é reveladora de uma Geografia do
movimento em si, na medida em que é ela mesma sujeita à migração da floresta
para a cidade. Em outras passagens de falas das gentes do Acre, essa questão
pode emergir da exposição de contextos familiares tensos e conflituosos: “Lá
no seringal eu tinha o controle de tudinho, da mulher, dos filhos, do trabalho.
[...] depois de um tempo que a gente estava aqui até a mulher arrumou um
trabalhinho e eu não gostei. Depois fui acostumando” (CARDIA, 2004,
p.129).
Dois lugares se cruzam na fala de Alfredo, ex-seringueiro e morador
do bairro Cidade Nova, em Rio Branco: o lugar do controle sobre “tudinho”,
a mulher, os filhos e o trabalho, e o lugar onde mora agora, na cidade, com
transformações significativas e para além da mera mudança de localização
geográfica: o poder dele, do homem, marido e pai, sofre reveses na medida em
que a mulher “arrumou um trabalhinho”. E Alfredo não gostou... Mas “Depois
fui acostumando”. O controle do passado é vilipendiado pelas relações no
presente, em um novo espaço, no lugar da casa na periferia da capital.
É evidente que as relações no trabalho feminino urbano, doméstico
ou não, é regido pelo poder entre patroa-patrão e empregada-empregado,
próximo daquele regido entre “coronel” e família ribeirinha ou seringueira.
Contudo, no interior da família, as mudanças e as percepções dessas relações
são expressivas, com ou sem o “gosto” dos homens, que “Lá no seringal eu
tinha o controle de tudinho”.
Também sobre a família, e especificamente sobre o controle em
comparação entre lugares da cidade e da floresta, é elucidativa a fala de Nico,
também ex-colono e ex-seringueiro, morador do bairro Cidade Nova, em Rio

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Branco:

“minha filha hoje está com barriga e nem ela sabe quem
fez o serviço mal feito. Eu não posso controlar porque
ela já é de “maior, tem vinte e três anos. Se fosse naquele
tempo que a gente morava no seringal, eu sabia o que fazer
e isso nem ia acontecer. Lá o homem tinha palavra e isso
não acontecia. Não tinha esse negócio de ficar andando de
um lado prá o outro”. (CARDIA, 1998, p.69)

A filha está grávida. Para o pai, “nem ela sabe quem fez o serviço”
“mal feito”. Nico já não pode “controlar porque ela já é maior de idade, tem
vinte e três anos”. O lugar do presente. Na casa dele. No interior da família.
Mas, se fosse no seringal... “Se fosse naquele tempo que a gente
morava no seringal, eu sabia o que fazer e isso nem ia acontecer”. Porque “lá
o homem tinha palavra e isso não acontecia”! Dois tempos, dois lugares. O
poder do homem se estilhaça na cidade, não sem tensão, sem conflito ou sem
“rebelião”. O lugar na cidade, diferente do seringal, fez emergir um conjunto de
relações que possibilitam à mulher estabelecer contatos com menor vigilância
e com menos represálias, inclusive, “andando de um lado prá outro”. Isso, no
entanto, não significa a destituição ou o aniquilamento do poder nas relações
de gênero. E isso, também, não deve ser interpretado de forma maniqueísta,
colocando os homens do lado do “mal” e as mulheres do lado do “bem”. Longe
disso, deve-se buscar compreender que o espaço e seus lugares, na medida
em que suas relações se modificam e são modificadas, apresentam novas
configurações na vida das pessoas, dentro ou fora da família, não importa.
É necessário, antes de continuar, deixar claro que deve se entender
a própria família, como a própria casa, parte das relações produzidas pelas
pessoas. Quer se dizer, com isso, que a família não é um dado, mas produção
e reprodução, ou seja, que lidamos com um modelo de família que deve ser
percebido e apreendido como produção humana e, por isso, entendida no seu
contexto, no tempo e no espaço. Com isso, também se quer dizer que aqui
não se busca enaltecer ou reproduzir um modelo de família ideal. Muito pelo
contrário, busca-se, modestamente, atentar para as mudanças no interior das
famílias para que se possa pensar, inclusive, que se a família sofre redefinições
no tempo e nos lugares, também a própria instituição família pode ser colocada
em discussão, se de fato ela tende a vigorar e reproduzir-se como tal.
Por isso, aqui, neste texto, nada é dado, nem a forma como interpreto
o espaço e as falas de mulheres e homens, mas parte de um momento e do
lugar – ponto, posição – que ocupo no conjunto das relações de toda ordem,
próximas ou distantes de mim.

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Migrações: gentes de um para outro lugar

João, setenta e três anos, ex-seringueiro e morador do bairro Cidade


Nova, em Rio Branco, disse: “Eu sou daqui desses matos, dessa floresta” [...].
‘Ser seringueiro’ [...] É “viver na mata fechada sem saber o que se passa na
cidade” (CARDIA, 2004, p.105).
João mora na cidade, mas fala como seringueiro. Fala partes do seu
viver. Do seu ex-viver: “É viver na mata fechada sem saber o que se passa na
cidade” (CARDIA, 2004, p.123). Mora na cidade e fala de um espaço fechado,
“a mata fechada”, como se o novo lugar fosse um lugar aberto, cidade aberta.
Sem dúvida, o horizonte de vista da paisagem para João, na floresta, era
reduzido em relação ao horizonte da cidade. Da vista, do olhar.
Ser daqui, para João, é ser de um lugar que não se mostra nem
longe e nem perto, porque ser “daqui desses matos, dessa floresta”, pode ser
de qualquer lugar do Acre que não seja cidade. A referência é “desses matos,
dessa floresta”.
Antonio, setenta e sete anos, Antonio José, trinta e oito anos e Ana,
sessenta anos, moradores do mesmo bairro e também de famílias seringueiras
migrantes, disseram (CARDIA, 2004, p.112; 116; 118):

“Tudo para mim foi muito difícil aqui” [na cidade, no


bairro] (Antonio);
“Eu achava que aqui na cidade ia ser bem melhor, que
a gente ia ter muitas coisas que a gente não tinha lá no
seringal. Mas a gente se enganou muito. Nem trabalho a
gente tem” (Antonio José);
“Isso aqui não é do jeito que eu pensei que era. É muito
pior. Eu estava doida quando vim pra cá” (Ana).

Dificuldades, enganos e arrependimentos... Os lugares de Antonio,


de Antonio José e de Ana são prenhes de ressentimentos (BRESCIANI,
NAXARA, 2004). Um certo “sonho urbano” parece ter ruído quando a
realidade no novo lugar, na periferia da cidade de Rio Branco, se mostrou no
dia-a-dia, na expectativa frustrada porque “Nem trabalho a gente tem”. Ou
quando da percepção de aqui “é muito pior”.
“Aqui não é do jeito que eu pensei que era”, disse Ana. No novo
lugar, as “doideiras” do passado – “estava doida” – só se mostram na relação
com o lugar deixado. Fundamentalmente, as difíceis relações no presente
também tendem a projetar no passado sentimentos como a saudade e, no
extremo, no entendimento que lá era melhor que aqui.

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O lugar para o migrante
Os lugares do passado não se definem sozinhos e para sempre, mas
dependem das relações produzidas e reproduzidas no presente. Por isso,
para quem migra, falar de lugares bons ou de lugares ruins sempre
vai depender de como andam as relações no lugar onde se está; estas
relações tenderão a definir os olhares sobre os lugares do passado e,
inevitavelmente, também sobre o futuro.

Questões bastante próximas destas, mas produzidas a partir de


contextos diferentes, também foram apontadas em falas de migrantes sulistas,
moradores do bairro Cidade Nova (CARDIA, 2004, p. 93; 94; 96; 130):

“Ficamos jogados lá pela entrada da cidade assim como


boi, vaca, cachorro. Ninguém ouvia nossos pedidos de
ajuda [...]. Todo mundo só pensava em ter um trabalho,
uma terra que desse de manter a família [...]. A gente
foi todo mundo enganado (Alfredo, sessenta e oito anos);
Muitas famílias morreram todos e outras morreram o pai
ou a mãe e filhos também [...]” (Alisson, paranaense).

Alfredo faz do lugar onde vive, hoje, espaço de uma memória que
traz à tona a violência de uma migração feita, inicialmente, de sonhos de uma
vida melhor.
A migração é, também por isso, um movimento em que filhas e
filhos nascem nos novos lugares, mas é, sem dúvida, onde mulheres e homens
morrem e seus corpos ficam esquecidos em uma terra estranha, sem familiares
ou parentes para visitar as sepulturas que, muitas vezes, são percebidas apenas
pelas velhas e já podres cruzes de madeira, que madeireiro não quis.
Pelas falas, somos levados à relativização da presença dos sulistas
– e até “paulistas” – no Acre. Isto, na medida em que nem todas e todos eram
mulheres e homens da pecuária, capitalizados ou beneficiados por políticas de
crédito subsidiado ou políticas fiscais.
Gentes de outros lugares – do Sul, Sudeste, Centro-oeste, Nordeste e
mesmo do Norte – migraram para o Acre em condições bastante adversas. Mas
com esperança. A espera por dias melhores, para muitas e muitos, já sucumbiu
diante das dificuldades vividas nos lugares, a falta de trabalho, a perda de
alguém próximo...
Dificuldades que também se deram pelas tensões com a outra ou com
o outro, com o não-sulista ou com o não-acreano (CARDIA, 2004, p. 91; 97;
106):

“Eu vim de lá, mas também sou brasileiro (colono

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sulista); Eles sempre falam que são galego e polaco e a
gente é bugre, caboclo, gente do mato que não sabe nada
da vida. Eles dizem que são melhores que a gente, que
sabem muita coisa (Manoel, oitenta anos); [na cidade de
Rio Branco] um ajudando o outro. Nós não pensamos se
era colono, se era seringueiro. A gente queria se arrumar e
procurar trabalho” (Meire, sessenta anos).

O colono sulista diz que veio de lá, “mas também é brasileiro”, ou


seja, também tem o direito de viver aqui, no Acre. Manoel, gente do Acre,
denuncia o preconceito: “falam que são galego e polaco e a gente é bugre,
caboclo, gente do mato que não sabe nada da vida”.
Trabalhadoras e trabalhadores produzem e reproduzem distinções
que acabam obscurecendo as contradições maiores, de classe (cf. BOURDIEU,
1999, p.16). Mas, Meire, mulher da periferia da Cidade Nova de Rio Branco,
que também se faz nas curvas do rio Acre, viu e fez no lugar chegado um lugar
de ajuda, “um ajudando o outro”.
Nessa balada, em ritmos de solidariedade, tensões, enganos, vida e
morte, mulheres e homens da periferia de Rio Branco – como poderia ser de
qualquer bairro das várias cidades acreanas –, foram se fazendo no lugar pelas
relações produzidas e reproduzidas. Um fazer-se tão intenso que possibilitou
que “se juntassem” e, como se uma ou um falasse para a outra ou outro, sentem
o Acre, mesmo com todas as dificuldades, como um lugar bom para viver. E
até para morrer.
Migrações que participam de um contexto que também provocou
a mobilidade para terras estranhas e estrangeiras, como para a Bolívia. Lá,
milhares de mulheres e homens brasileiros – muitas acreanas e muitos acreanos
– sofrem por uma dupla situação: “expulsos” de seu país e não completamente
aceitos no novo lugar. Arlindo Araújo Lopes, de cinqüenta e três anos, em
junho do ano de dois mil e um, disse:

“Quem mora perto da carretera ta vivendo aperreado


porque eles querem tomar tudo. Pra nós que vive da
castanha e do roçado ta ficando mais difícil. [...] O jeito
que tem é o nego se arrumar pra outras bandas, aqui (na
Bolívia) ta difícil” (MAIA, 2002. p. 53).

As relações de brasileiras e brasileiros no norte da Bolívia, em especial


na província de Pando, assumem relações de tensão e conflito com bolivianas
e bolivianos, produzindo e reproduzindo estereótipos e imagens negativas e
positivas sobre o outro. Concomitantemente às relações econômicas e políticas,
dentre outras, brasileiras e brasileiros, vivendo na floresta amazônica boliviana,
também produzem e reproduzem nos lugares relações de tensão e conflitos,

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pelas representações que têm sobre as gentes da Bolívia. Essas representações
têm papel importante no “jeito” como construímos as relações, podendo elas
ser mais tensas ou mais tranqüilas.
A migração, em situações mais drásticas, pode até definir a direção
para continuar vivendo ou para morrer, como se deu, por exemplo, na migração
de “soldados da borracha” para a Amazônia durante a segunda guerra mundial.
Raimundo Souza de Conceição, em novembro de dois mil e dois, disse:

“Nóis vinha pró Amazona ou ia servi na guerra. Eles dizia


que no Amazona nós vinha trabalhar para ganha muito
dinheiro aqui no corte. [...] Os que foram prá linha de
frente, muitos voltaro e disse que lá eles não passava tão
ruim que nem aqui, como no corta da seringa, que a gente
tava sujeito a cobra, muitos bichos” (carvalho, 2002,
p.99).

O importante aqui, nos parece, não é discorrer sobre o contexto da


segunda grande guerra, ou sobre os acordos entre Brasil e Estados Unidos para
a extração de látex na Amazônia na década de quarenta (MARTINELO, 2005).
O importante é compreender que os fatos – as interpretações deles – persistem
no presente e participam dos lugares, mesmo que na memória e lembrança de
suas gentes.
Para Raimundo, “combatente” na guerra daqui, ficaram a propaganda
“que no Amazona nós vinha trabalhar para ganha muito dinheiro aqui no corte”.
Mora na periferia da capital. Sem capital. Depois ficou sabendo que aqueles
que “foram prá linha de frente”, “não passava tão ruim que nem aqui”. Não
morreram, não sofreram como aqui.
Se os fatos aconteceram assim ou não, também pouco importa para
a nossa análise. Primeiro, porque a nossa vida, nos lugares, na relação com
o passado, vai depender de como desenvolvemos as relações no presente,
“voltando” ou não para o que aconteceu perto ou longe temporalmente. Segundo,
que as verdades são construções humanas e vão depender também das relações
que as gentes produzem e reproduzem em seus lugares. Mas, certamente, é
improvável que seu Raimundo, em conversas em uma roda de bar, deixe de
falar sobre como se sente injustiçado, traído e não-reconhecido pelo esforço
feito, “sujeito a cobra, muitos bicho”, como “soldado da borracha”.
Assim, uma Geografia das Gentes do Acre não deve desmerecer a
mobilidade de gentes de um para outro lugar, feitas em momentos recentes ou
em momentos mais distantes, mesmo porque estes ainda podem permanecer
nas lembranças e memória de quem as viveu ou ouviu falar. E todo espaço e
lugar são constituídos, também, de memória e de lembranças.
Lembranças também parecem povoar Maria Lúcia Régis, de lugares
passados que ainda se inscrevem nos lugares do presente. Maria Lúcia participou

103
de uma mobilidade. Forçada. Foi uma das pessoas, dentre muitas e muitas, que
sofreram com a hanseníase e foram levadas longe de casa, longe da sociedade
“sadia” e “pura”. “Dura separação”:

“Entregaram-me para o administrador. Ele pegou meu


braço e me levou até a lancha que já me esperava. Eu
gritava sem me controlar. Na margem do rio, no Porto Rio
Branco, chegou muita gente. Saiu comigo e o motorista e
o Administrador da Colônia Souza Araújo. Íamos para um
lugar chamado Belo Jardim. Quando chegamos, selaram
um burro para que eu fosse montada. (...) Na lancha eu
chorava e gritava. Quando chegamos a Belo Jardim eu
ainda chorava muito” (REGIS, 2005).

Fatos, memórias e lembranças que podem seguir viagem em uma


carta, como a escrita por Maria dos Santos Cardoso, migrante “sulista” vinda
de Amambaí – Mato Grosso do Sul –, que recém havia chegado ao Acre, para
a irmã Neuza. “Diz” a carta:

Sena Madureira, 20 de junho de 1975.


Querida irmã Neuza,
Nos já chegamo no Acre. Nós sofremo demais na viagi. Foi 12 dia. As
vez nós parava para comê e tomá banho. Durmia no caminhão mesmo.
Quando nós chegamo foi a maior alegria. Seu João mais dona Laminha,
ficaro muito contente.
Tio José mais a família dele, foi morá num canto. Nós fomos morar no
outro barranco mais o Tuninho e família.
Seu Pedro e dona Jundira foi morá numa fazenda do seu Ciro, já bem
perto do rio Iaco.
Neuza, aqui é muito bom, só muito calor. Nós ainda num foi na cidade.
Os vizinho acriano são bom.
A mãe e o pai fica só falando porque vocêis também não vieram com a
gente.
Qualqué dia eu escrevo e conto mais novidade. Num adianta você
escrevê; nós num tem assim bem um endereço bem certo para chegá
uma carta.
Da um beijo e a bença para as crianças, um abraço para você e pró
Antônio.
Da irmã Maria dos Santos Cardoso (MACHADO, 2002, p.46-47).

A irmã Neuza e os seus, por esta carta, não receberam nem beijos,
nem bênçãos e nem abraços. A carta nunca foi enviada!.
O lugar de Maria foi se fazendo e foi se mostrando em carta que
não chegou nunca. Nunca lida pela irmã Neuza. Mesmo assim, os lugares

104
de Maria foram se fazendo no “barranco mais o Tuninho e família”. Sulistas
trabalhadores. Sulistas pobres. Seriam, também, pobres sulistas?
Milhares de migrantes que foram se achegando nas últimas décadas
nas várias cidades do Acre, especialmente em Rio Branco, tiveram que
reviver – dramas, agora nas cidades. Como parte da ordem do modelo de
desenvolvimento centrado na expansão da pecuária e na especulação da terra
tanto rural quanto urbana, gentes migrantes foram ocupando partes da cidade
ou do entorno e ali fazendo – e refazendo – suas vidas, seus lugares.
Em dezenas de seringais, os empates (ação dos movimentos sociais
seringueiros impedindo o desmatamento de suas florestas, no Acre) empataram
a pecuária. Nas cidades, as ocupações urbanas tiveram papel fundamental na
medida em que possibilitaram, na criação de uma contra-ordem, a conquista
de um lugar para morar. As ocupações nas cidades – verdadeiros empates
urbanos –, longe de se constituírem como parte de uma pretensa “desordem”
(“crescimento urbano desordenado6”) ou de certo desequilíbrio, foram e são
expressões legítimas de resistência de gentes pobres que souberam, organizada
e argutamente, desenvolver formas de resistência urbanas. Na ordem capitalista
de então, em que as terras urbanas aumentavam de preço de forma exorbitante,
milhares de mulheres e homens foram, a trancos e barrancos (ALMEIDA
NETO, 2005), conquistando lugares melhores para se viver.
Em uma cidade com aproximadamente “20 mil famílias sem teto”
(SOUZA, 1998, p. 40), às gentes pobres sempre foram poucas as opções: ou
viver nos barrancos urbanos, ou ocupar, resistir e construir uma casa e um
bairro melhor, em especial em momentos em que o preço das terras urbanas
subia violentamente. Com aumentos dos terrenos nessa dimensão e com obras
de infra-estrutura que custam a serem desenvolvidas em bairros pobres, as
ocupações e resistências foram um dos caminhos encontrados por mulheres e
homens pobres.
Mulheres e homens pobres com ocupações profissionais, geralmente,
em trabalhos braçais e informais, como já constatado no final da década de
setenta do século passado, perceptível pela “ocupação dos chefes de família” da
periferia, naquele momento verificados nos bairros “Baia” e Palheiral: diarista,
trabalhador braçal, ambulante, servente, pedreiro, carpinteiro, comerciante,
empregada doméstica e lavadeira, sendo que os diaristas, trabalhadores braçais,
pedreiros, carpinteiros e empregadas domésticas apresentavam os maiores
percentuais (OLIVEIRA, 1982, p.101).
6
Não há “desordem urbana”, mas sim relações que obedecem às leis do modo de produção
capitalista: é o capitalismo que planeja o planejamento e não o planejamento que planeja o capi-
talismo, sendo que os problemas coletivos refletem a dificuldade de acesso aos bens e serviços
públicos pelo modo como as contradições se expressam no espaço (cf. GONÇALVES, 1984).
Também: “a subsistência do sistema e de sua reprodução, se dá de modo desigual entre as áreas e
essas desigualdades espaciais geram o que se chama de “desequilíbrios regionais”, na realidade
os espaços não estão desequilibrados, eles estão sim, integrados no sistema produtivo e desem-
penhando o seu papel na reprodução do sistema” (CARLOS, 1979. p. 87-88)

105
Não foi à toa que no mesmo trabalho constatava-se, já naquele
momento, que “a população “excedente” estimável na cidade situa-se em
torno de três vezes mais que a população efetivamente ocupada no mercado de
trabalho estabelecido”, em Rio Branco (OLIVEIRA, 1982).
Por isso, ressaltava-se, já nos anos oitenta daquele século, que:

A defesa do solo urbano, é uma luta que se inscreve na


luta geral do povo acreano em favor do acesso à terra,
como meio de subsistência e trabalho. A resistência e
organização da população evitaram somente durante o
ano de 1981, despejos em massa no Bairro Triângulo e
nas proximidades do Distrito Industrial. Enquanto ainda
pensa e reivindica acesso à terra nas colônias, antigos
seringais e nos novos projetos de colonização, a população
cuida cada vez mais conscientemente de defender a sua
moradia nos bairros periféricos. Ainda que a economia e a
sociedade urbana permaneçam essencialmente estranhas
às mais sentidas necessidades de reprodução social dessas
populações, a garantia de moradia é um dever elementar
de sobrevivência (OLIVEIRA, 1982, p.115).

A defesa do solo urbano era a luta pelo acesso e permanência na


terra e na cidade, meios de subsistência, trabalho e moradia. Resistência e
organização evitaram e evitam despejos dando a garantia de sobrevivência.
Não houve e não há nenhuma desordem, nenhum “desordenamento
urbano”, nenhum desequilíbrio ou nenhum mal-entendido.
As ocupações nas periferias das cidades se inscrevem no território
como um contra-ordem popular, de resistência e que vem possibilitando, além
do acesso à terra nas cidades, à luta pela subsistência e trabalho, um importante
contraponto aos aviltantes preços dos imóveis urbanos, inacessíveis para a
maioria da população. Se a infra-estrutura, saneamento básico, saúde e educação
não se colocam de início, é porque também o Estado tem priorizado obras de
destaque paisagístico – e eleitoreiro – à melhorias necessárias e prioritárias nos
dezenas de bairros da capital e do interior.
“Empates” urbanos: milhares de mulheres e homens, como João
Eduardo – morto em conflito em ocupação urbana, que também dá nome aos
bairros João Eduardo I e João Eduardo II –, muitos recém saídos dos seringais,
têm se disposto, organizadamente, à luta, agora nas cidades, por condições
melhores onde morar e onde viver.
A organização, os confrontos, os embates e os empates, eram
momentos de um território bastante tenso. Nisto se dava o enfrentamento
entre sujeitos que apresentavam duas maneiras distintas de pensar e de fazer
a relação com a terra, com a floresta: de um lado, os extrativistas, pequenos

106
plantadores e verdadeiros “guardiões”, pois apresentavam como proposta a
permanência da floresta em pé e o seu acesso e uso – e a própria permanência
deles – de forma mais democrática, contra o latifúndio, agora tanto seringalista
quanto pecuário. De outro, homens de um pensar e fazer que propusessem a
derrubada da floresta e a plantação de capim para vacas e bois, e em grandes
propriedades, em especial.
O embate – pelos empates, resistência e teimosia – foi inevitável.
Em alguns deles, não na maioria, a organização e planejamento dos empates,
que contou com a significativa participação do sindicalismo rural e de setores
progressistas da Igreja Católica, apontava como tática que a linha de frente
fosse composta por crianças e mulheres.
O movimento dos empates, contra a pecuária, já se deu. Contudo, nos
lugares hoje vividos, mulheres e homens, na floresta ou nas cidades, também
estabelecem suas relações tendo os empates como momento central em suas
vidas. Moradoras e moradores das reservas extrativistas, por exemplo, ali
produzem e reproduzem modos de vida em função de um processo de lutas que
culminou em uma nova, criativa e ousada forma de ocupação e uso da floresta,
em contraposição radical ao movimento avassalador da pecuarização que se
dava para o Acre e do antigo sistema de barracão imposto pelos “coronéis”,
patrões ou seringalistas.

Gentes, trabalho e religiosidade

Assim, tanto empates na floresta quanto na cidade – as ocupações


urbanas – certamente, também possibilitaram uma redefinição das relações de
gênero. Por outro lado, os movimentos tanto de resistência quanto de gentes da
floresta para as cidades, de cidades para cidades, enfim, movimentos sociais e
migrações, nas últimas décadas, possibilitaram arranjos no mundo do trabalho
no Acre, em todos os setores.
Em Rio Branco, destacam-se atividades nas quais as trabalhadoras e
os trabalhadores apresentam baixos salários, resultado da extrema exploração
da força de trabalho nos setores nos quais as mulheres e homens do trabalho,
em média, têm baixa escolarização e formação técnica advinda, apenas, do
aprendizado na lida do próprio trabalho.
Em meados da década de noventa do século passado, trabalhadores
da construção civil em Rio Branco (a grande maioria homens, pela necessidade
maior de força física nessa atividade) apresentavam a idade média de trinta
e quatro anos, sendo 98,56% composta de homens, sendo que 75,65% eram
“analfabetos” ou tinham apenas o primeiro grau incompleto. Em termos de
salários, 77,68% recebiam até dois salários mínimos! (ALBUQUERQUE,
1996).

107
No setor moveleiro, também pairava a baixa remuneração, a baixa
escolarização e a baixa “qualificação” (VIANA, 1995). Na “indústria da
cerâmica”, com produção média de 11.496,6 tijolos/mês por trabalhador, a
média de salários por trabalhador era de um a um e meio salários mínimos,
sendo que os “queimadores” tendiam a ganhar mais que os “carregadores”
(THAUMATURGO, 1996).
Já em setores de atividades comerciais de Rio Branco, a situação
muda muito pouco. No comércio, especificamente, “dos empregados no
comércio varejista de móveis, eletrodomésticos, eletro-eletrônicos, vestuário
e calçados do centro comercial”, a mão-de-obra é essencialmente jovem, com
alta rotatividade e apresentando, fundamentalmente, que “para cada posto de
emprego ocupado há cerca de 83 trabalhadores à disposição” (FERREIRA,
1997).
Outra atividade bastante representativa do atual contexto do
trabalho no Acre, em especial na capital, é a economia informal. Neste setor
encontram-se, de forma mais visível, os vendedores ambulantes do centro de
Rio Branco.
Também em meados da década de noventa, no século vinte, a maioria
das trabalhadoras e dos trabalhadores tinha entre 21 e 50 anos, com percentual
de 75%. Em termos de escolarização, 83% eram “analfabetos” ou alfabetizados
com até o primeiro grau incompleto. 48% eram procedentes da zona rural, 54%
naturais do Acre, 23% do Amazonas e 9% do Ceará. Um terço (31%) eram
originários do trabalho no corte da seringa e 36% praticavam a agricultura.
55% chegaram na década de 1980 a Rio Branco. E, refletindo exaustivas cargas
de trabalho, 57% trabalhavam sete dias por semana e 61% trabalhavam mais
de 10 horas por dia! (NASCIMENTO, 1997).
Deve-se ter claro, sempre, sobre o setor informal da economia em
Rio Branco, que:

“o setor informal de Rio Branco tem caráter subordinado


aos empreendimentos do setor formal. As mercadorias
que vende são procedentes do comércio e indústria
formais [pode-se acrescentar, também da Bolívia], a
localização de suas atividades sempre próximas a um
empreendimento maior para atrair a clientela, a jornada
de trabalho excessiva como que para compensar o capital
escasso.” (NASCIMENTO, 1997, p.55).

As oportunidades de trabalho, tanto na economia formal quanto


informal, em Rio Branco e nos demais municípios acreanos, têm gerado um
conjunto de tensões, por exemplo, de medo, frente à situação de permanente
angústia sobre a continuidade no emprego ou não.
Este aspecto tem se colocado bastante presente, sobretudo, para as

108
trabalhadoras e os trabalhadores que tem participação precária no mercado
de trabalho, formal e informal. Um caso bastante evidente são as mulheres e
homens das cooperativas de trabalho, que tendem a contratar mãos-de-obra em
contratos precários e, até por força de uma legislação trabalhista, sem ou com
direitos reduzidos.
É assim que, em cada bairro, vão se constituindo pedaços de uma
Geografia em que mulheres e homens trabalham, estudam, andam a pé, de
ônibus, de bicicleta, de caminhão e de carro, a cavalo ou de carroça e até
de catráia e batelão. Tomam umas cachaças, criam relações de vizinhança,
brincam e brigam, xingam e rezam...
Rezam muito! Em cada cidade acreana, e mesmo em cada bairro, igrejas
se multiplicam e vão constituindo uma geografia da religião (ROSENDHAL,
CORREA, 2001). À Geografia pouco importa, a princípio, se “a religião é o
ópio do povo”; importa entender onde esta geografia se dá e como participa
das relações sócio-espaciais das gentes nos lugares. Nas igrejas, mulheres e
homens, crentes e talvez mesmo atéias e ateus, vão definindo relações que
se inscrevem no interior do “templo” e dali podendo refletir em relações nas
casas, nas ruas, nas escolas, no trabalho.
Um líder evangélico disse: “eu já fui do mundo, já bebi, já dancei,
mas quando conheci o Senhor, não só melhorei meu espírito, mas minha
condição econômica. Com o dinheiro do vício hoje compro comida para a
família” (PESSOA, 2003, p. 290).
Tampouco interessa à Geografia, inicialmente, a tez religiosa de cada
mulher ou de cada homem. Mas, na medida em que alguém diz “eu já fui do
mundo”, seu discurso remete a geógrafa ou o geógrafo a pensar o “mundo”
e, também, um lugar, ou, no mínimo, de qual “mundo” ele está falando. “Eu
já fui do mundo” parece indicar, assim, não a um lugar fora do mundo, mas a
um lugar, talvez, mundano (na ótica do crente): “já bebi, já dancei...” Beber
nos remete a bar, boteco... Dançar remete à danceteria, boate, baile... Ambos,
à festa. Ambos, ao profano. “Fui”, “bebi” e “dancei”, como acima “ditos”,
remete também a um tempo: ao passado.
Lugares do passado, diferentes do presente: “Com o dinheiro do
vício hoje compro comida para a família”. Os lugares do vício de ontem
deram lugar ao lugar da casa, à instituição família. A igreja como mediação:
“quando conheci o Senhor, não só melhorei meu espírito, mas minha condição
econômica”. “Espírito” e condição econômica se coadunam e participam dos
lugares do novo “líder evangélico”. Lugares que se coadunam, também, a
tempos do antes e do agora.
A religiosidade, da mesma forma, no Acre, foi possibilitando a
formação – na relação com outras dimensões da vida – de territórios e de
lugares singulares, parte da amálgama de expressões religiosas do Nordeste
brasileiro e de nações indígenas, como as que surgem com o Santo Daime (cf.

109
ARAÚJO, 1999). Territórios e lugares que passaram a permear a existência
de muitas mulheres e muitos homens, como a de Gregório Nobre Oliveira,
ex-seringueiro, que migrou da floresta para a capital Rio Branco e que, com
o Mestre Daniel, sob os “pés de São Francisco”, deixou de “ir pra mata e
procurar um lugar para que não tivesse gente e atirar”:

“quando eu adoeci [...] aí vim para Rio Branco atrás de


cura, [...] me internei aí no hospital [...] passei três meses
internado [...] me desenganaram [...] pedi alta [...]. Eu
tinha uns 33 anos, aí nós cheguemos aqui e eu falei com
ele, com o Mestre Daniel [...] Eu fui na igreja, nos pés de
São Francisco, porque eu já vinha pelo meu pensamento,
eu já vinha guiado por São Francisco, porque eu cheguei
na conclusão de pegar uma espingarda, que já fazia muito
tempo que eu tava doente, pegar uma espingarda, ir pra
mata e procurar um lugar para que não tivesse gente e
atirar. Aí eu me peguei com São Francisco e depois que
eu me peguei com São Francisco desapareceu aquele
pensamento” (OLIVEIRA, 2002, p.100-101).

Gregório sente o Santo Daime. Sente a Capelinha. Sente no lugar,


longe do hospital e junto ao Mestre Daniel, a doença “desenganada” virar vida
longa. Em Rio Branco, “atrás de cura”.
Um Mestre na Capelinha de São Francisco:

“Daniel Pereira de Mattos elaborou um viver religioso que


se originou na beira da estrada do Seringal Empresa, no
espaço da Capelinha de São Francisco, em meio à floresta,
nos arredores da cidade de Rio Branco, que contemplou
elementos do catolicismo popular e da cultura religiosa
indígena, retirando da floresta o subsídio material, o
Daime, que propiciou a ele e a outros homens e mulheres,
organizarem uma forma própria de se relacionarem com o
sagrado, com uma concepção de vida que aliou as crenças
religiosas nos santos e nos valores de convivência social
herdados dos ensinamentos cristãos” (OLIVEIRA, 2002,
p.111).

A religião em “beira da estrada”. Estrada do seringal Empresa.


Um espaço: “espaço da Capelinha de São Francisco”. No meio: “em meio
à floresta”. Não no centro, mas “nos arredores da cidade de Rio Branco”...
Os onde emergem em cada sílaba que vai reconstruindo uma geografia do
Daime; os onde de origem que também migraram da floresta para as cidades,
atualmente povoando espaços públicos e espaços privados.

110
Mesmo apontando fortes elementos católicos, o Santo Daime não
está incólume (ou imune) à posição mais corrente em uma sociedade que se
quer “branca” – portanto não-índia –, cristã – portanto não-Daime – e elitista –
portanto, não a tudo que posso significar popular. Por isso, mulheres e homens
do Santo Daime, e aqui especialmente na formação da Capelinha, tendem a
enfrentar o preconceito, a perseguição e até a estigmatização. Geralmente,
não são nos próprios lugares que o olhar preconceituoso e até discriminador
se origina e se reproduz, e sim, de fora para dentro ou mesmo nas relações
cotidianas que mulheres e homens vão estabelecendo e desenvolvendo até, se
for preciso, na negação – “nunca tomei Daime” – como forma de resistência.
O espaço vai se redefinindo pela experiência7, pela “semelhança
de rota” em “existências” de mulheres e homens que migraram, nas últimas
décadas, da floresta para as cidades. Um processo de “desterritorialização”
que tem, no Daime, a possibilidade de “concretização do ideal de fraternidade,
igualdade e liberdade”. Longe da Revolução Francesa, das revoluções
burguesas. Espaços que dependeram da reunião de “lotes”. Negociados
por Padrinho Sebastião (foi um tradicional líder daimista). Não lotes aleatórios,
mas consecutivos aos lotes de uma família, possibilitando a “doutrina de modo
a realizarem a união”: “uniram na terra o que estava unido no astral”. Lugar,
portanto, de encontro. A união ou a ligação entre as mulheres e os homens com
o transcendental, definindo, na Terra, um lugar dissociado, minimamente, dos
jeitos dominantes.
A religiosidade no Acre, portanto, se fez na heterogeneidade de
lugares de manifestação e de relação com o transcendente. Em alguns deles
mulheres e homens deixaram seus “vícios”; em outros, mulheres e homens
viveram seus “vícios” sem traumas e sem pecado.
Um espaço religioso que também possibilitou, a partir dos anos setenta
do século passado, a formação de espaço de organização e formação política,
com as Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs, representando a “criação
política das “comunidades”. Assim, a penetração ideológica das CEBS foi tão
importante no vale do Acre e Purus, principalmente, porque “transformou os
seringais em “comunidades” (ESTEVES, 1999, p.161). Portanto, a atuação
de freiras, padres e leigos, próximos à Teologia da Libertação, teve papel
importante na construção de um espaço de organização e resistência, tanto na
floresta quanto nas cidades.
Organização, resistência e participação que, em alguns casos,
7
As pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como idéias, no âmbito do pen-
samento e de seus procedimentos, ou (como supõem alguns praticantes teóricos) como instinto
proletário etc. Eles também experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses
sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades,
como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas. Essa
metade da cultura (e é uma metade completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral
(cf. THOMPSON, Edward P. 1981, p. 189)

111
necessitou do contato direto entre mulheres e homens e chão, entre gente e
floresta, entre pessoas e terra, como da nomeação e ingresso efetivo na “opção
preferencial pelos pobres” do bispo Dom Moacir Grechi, nomeado para o vale
do Purus em 1972:

“No Acre eu fui praticamente forçado a enfrentar a


realidade”. [...] “Eu me lembro do (seringal) Iracema.
Lá se dizia haver trabalho escravo, violência. Eu sempre
resistia porque achava que era o povo que fugia do
trabalho. Eu tinha uma mentalidade sulista, marcada
pela cultura italiana e alemã da minha região. Quer
dizer, pobre é preguiçoso, pobre não se empenha. Eu não
acreditava muito. Achava que esses sulistas que estavam
aqui eram pessoas habituadas no trabalho. E quando o
acreano não trabalhava, eles achavam um jeito, não dos
melhores, para puni-los. Aquele foi o período em que abri
os olhos. Depois de muitos pedidos, de muita insistência
eu fui nesse seringal. Foi lá que eu descobri que sobre
as autoridades eu não podia confiar” [...] “Aí surgiram
os catecismos. O primeiro foi o Catecismo da Terra, para
garantir a permanência do homem no seringal” [...] “A
partir daí o povo reage, já não saia, dizia que era posseiro,
exigindo ordem judicial. Esse foi o primeiro impacto”
(BASÍLIO, 2001, p.153).

Os lugares – suas relações – vão definindo posições...


A resistência inicial de Dom Moacir, conduzido por “uma mentalidade
sulista”, foi se curvando pelo olhar e pela insistência em ir ao seringal Iracema.
Como em São Tomé, “ver para crer”, Dom Moacir rompe a catedral e a casa
diocesana e se embrenha para o território dos embates, os lugares ameaçados
pela violência do latifúndio, do patrão. Lugares de embates. Dos empates.
Tensões e conflitos que possibilitaram a construção da proposta e
da efetivação das reservas extrativistas. Tensões e conflitos que geraram, nos
embates na floresta ou longe dela, mortes de mulheres e homens que, à noite,
apenas, queriam assistir à novela da Globo: “Além dele, Wilson Pinheiro,
havia no salão do STR outras três pessoas que também assistiam à novela
“Água Viva” da rede Globo” [...] “Eu me joguei no chão, quase quebrando os
dentes, enquanto Wilson caia no outro cômodo, arfando” (BASÍLIO, 2001,
p.1179).
A narrativa é de Antonio Bronzeado, escrita por Archibaldo Antunes,
em relato do assassinato de Wilson Pinheiro, no dia vinte e um de julho de
mil novecentos e oitenta. Onde: no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Brasiléia. Bem ali, onde Wilson e “outras pessoas que também assistiam à
novela “Água Viva” da Rede Globo”.

112
“Água Viva” não rima com a morte de Wilson Pinheiro. Porque a
água é viva, e Wilson, era, caindo “no outro cômodo, orfando”, morto. O salão,
lugar de discussão e organização da resistência, virou chão sem volta, virou
“fim de novela”, virou tristeza e virou ação. A ação nas dezenas de empates que
se seguiram na década de oitenta, fazendo reviver Wilson Pinheiro em cada
lugar e, hoje, nos territórios das reservas extrativistas.
Morreu Wilson Pinheiro. Morreu Chico Mendes...

Gentes que lutam e resistem



Na tensão e no conflito econômico e político, também se dava a
tensão e o conflito identitário, que acabou se intensificando com o grupo de
dentro e o grupo de fora, a partir, principalmente, dos anos 1970, em que:

“Um novo par de identidades étnicas emergiu, a partir


do avanço da frente agropecuária pelos vales dos rios
Purus e Juruá, no início da década atual. Tal como as
identidades “cariu”/”caboclo” da frente anterior, as novas
identidades “paulista”/”acreana” opõem-se e excluem-
se reciprocamente, porque representam interesses
divergentes e antagônicos. Uma só existe em função
da outra e vice-versa. As identidades do “paulista” e do
“acreano” manifestam-se numa ideologia, cujo conteúdo
marca a superioridade dos primeiros como contrapartida à
inferioridade dos segundos (AQUINO, 1978, P.79).

O espaço e os seus lugares, assim, vão se formando no movimento


material e simbólico que as suas gentes – pobres e ricas, do trabalho ou não
– vão desenvolvendo, envolvendo-se mais ou envolvendo-se menos. No
movimento, novas tensões se colocam, novas contradições, mas, também,
novas possibilidades de futuro.
O segundo importante movimento que ressaltamos aqui está
relacionado a um fazer do movimento ecológico, ambientalista, curiosamente
imputado a um movimento – dos empates, o seringueiro – que tinha como
questão central a luta pela terra e pela permanência nela. É interessante perceber
como o espaço acaba sendo palco de questões que, se num dado momento são
menores e até inexistentes, em momento posterior, podem até ser definidoras
de rumos até então não pensados.
Em fala de Raimundo Barros, que teve papel importante no movimento
sindical e seringueiro nas décadas de setenta e oitenta do século XX, pode-
se perceber como as dimensões ambientalistas e ecológicas penetram como
questões na resistência e luta do movimento seringueiro e sindical:

113
“Eu e o próprio Chico Mentes não tínhamos nenhuma
idéia que nós estávamos numa luta ecológica e a verdade
era que a gente também estava. Ao mesmo tempo lutava
pela sobrevivência e o direito de continuar na floresta e
pela não destruição da floresta, sabia que sua destruição
implicava na não continuação de nossa sobrevivência, na
retirada de nossa sobrevivência. Então a gente se lançou
nesta luta justamente para garantir a sobrevivência,
garantir o direito de continuar na floresta, mas nós
também tava fazendo luta ecológica, a defesa dos rios,
das florestas, dos animais. Isso, aquilo e aquilo outro é
uma defesa ecológica. Mas nós não sabíamos” (SILVA,
2005, 176).

No espaço de resistência se colocava como luta central, a


“sobrevivência e o direito de continuar na floresta e pela não destruição da
floresta”. A garantia para sobrevivência implicava no “direito de continuar na
floresta”. Era isto: a floresta em pé! Assim, não era a “luta ecológica” que
definia o movimento, mas a necessidade de sobrevivência, a necessidade de
continuação de um modo de vida.
No movimento, contudo, a continuação do modo de vida era
revolucionada pela busca de autonomia frente ao patrão, ao “coronel” e ao
barracão. Da mesma forma, a continuação do modo de vida pressupunha a
luta, o embate e o empate contra outra lógica de ocupação e uso da floresta: a
floresta derrubada e, em seu lugar, pasto para vacas e bois (PAULA, 2005).
E não nos parece elegante terminar esta parte do texto com “vacas
e bois” (com todo o respeito que os animais merecem, é claro). A tentativa de
se pensar gentes e lugares no Acre, através das falas de mulheres e homens,
deve ser percebida como uma modesta busca de convidar as gentes para
o texto. Uma tentativa que não se esgota aqui; pelo contrário, esperamos ter
provocado as leitoras e os leitores para seguirem caminho, para fazerem novos
convites para percorrerem as estradas da floresta, do campo e das cidades.
Observando, olhando e pensando. E escrevendo, porque este também é um
jeito de socializar tanto o que pensamos quanto o que somos.

Gentes que sonham

Nos lugares deste texto e nas gentes que nos acompanharam,


percebemos que muitos sonhos viraram o seu avesso. Pesadelos. Que muitos
sonhos são sonhados por quem, quase sempre, não os tem realizado no devir.
Os sonhos são partes dos lugares. De mulheres e homens.
Em epígrafe, no início, trazemos os “três sonhos” de uma prostituta.

114
Sonhos simples. Sonhos de uma menina de catorze anos na periferia da capital.
Da periferia do capital. “Três sonhos”: “secretária, economista ou jogadora de
vôlei”.
Talvez, hoje, ela seja secretária em alguma empresa ou repartição
pública em Rio Branco... Talvez, esteja cursando Economia na UFAC... Talvez
esteja jogando vôlei em times amadores ou profissionais... Ou, talvez, ainda
esteja “na rua”. Mas, como ela mesma disse, “não gostava de viver na rua”.
Em outra parte do texto, trouxemos os sonhos de um adolescente de
Feijó. De suas ruas. De um trabalhador delas, nelas. Sonhos: “servir o exército”,
“ser jogador de futebol”, “ser motorista”...
Talvez esteja, por estes dias, incorporado a algum batalhão militar
em Rio Branco, ou em Cruzeiro do Sul... Talvez esteja jogando futebol em
algum time amador ou profissional do Acre, do Brasil, da Europa... Talvez
esteja transportando coisas e gentes em Feijó, no Acre, no Brasil... Onde estará
e o que faz Juceley?
Talvez esteja ainda, lavando carros, motos, bicicletas como bem disse:
“porque tenho precisão e também para não ficar fazendo o que não presta”!

115
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118
Produção do espaço agrário acreano: “O homem,
a terra e a floresta”

Silvio Simione da Silva

“Floresta adentro, mesmo no verão a terra é úmida, plástica


como se ainda estivesse nos primeiros dias do gênese.
Impenetrável a luz, sombria envolvida na penumbra,
lembrava a nave de uma catedral que tivesse abóbadas
verdes coando os raios solares nas clarabóias! ‘O habitat’
da hevea brasiliensis’ aprumava-se à margem dos trilhos
torcicolados às seringueiras [...], como alusão às ‘estradas’
percorridas pelos seringueiros” (Barros, Glimedes Rego,
1981, p.42).

Fronteira de ocupação brasileira

Contam-nos os historiadores que a produção do espaço brasileiro


iniciou-se com a ocupação do litoral do nordeste e a extração predatória
do Pau-Brasil. Era uma madeira cor-de-brasa e com diversas aplicações no
mercado europeu do Século XVI. Muitas trapaças, negociações e uso de força
foram empregados para fazer com que os habitantes nativos trabalhassem na
extração de riquezas de suas terras para outrem. Eram os visitantes europeus,
“invasores” que chegavam dando ordem em nome do “Rei” e de “Deus”.
Diziam trazer a “civilização” e a “salvação”, mas promoveriam “dominação”,
“humilhação” e “morte aos indígenas”.
Depois, vieram as lavouras de cana-de-açúcar, da pecuária, do café
e de outras atividades rurais, forjando a dinâmica econômica do processo de
territorialização social e política do país nos séculos seguintes. Então, “homens
desta terra” (indígenas) e “homens de fora desta terra” (trabalhadores brancos
e escravos negros) também foram submetidos ao trabalho para gerar riquezas
aos colonizadores. Na colonização, em nome da civilização foram geradas
riquezas (para alguns) e muita destruição (para quase todos). A “civilização”
significou violência e morte dos povos nativos, que não se “enquadrassem” nos
sistemas produtivos baseados na degradação social e ambiental do “humano e
do ambiente natural” e das “riquezas para poucos”.

119
A força que move o homem na fronteira.
Há uma tendência de condicionar a fronteira em razão da geografia móvel,
quando se sabe que, sem interesse econômico ou político o homem não ia lá.
Eles foram levados, não tanto pela novidade de visitar terras desconhecidas,
mas pelo desejo de alcançar fama e riqueza. O impulso geográfico foi grande,
mas não tanto como o chamado impulso econômico. A verdade é que o rio,
na sua função de nômade, de nada valia sem o elemento excitante. O caboclo
parou à margem do rio, na beira do barranco, malgrado à mobilidade herdada
do índio e ao avanço do rio. Surge a droga, a seringa, a castanha, o pau-rosa,
e lá vai o homem indiferente a tudo, no caminho deles. Ou vai com o auxílio
do rio, ou mesmo contra ele. (CONTREIRAS RODRIGUES apud MEIRA MATOS,
1980. p. 84).

Certamente, em muitas cabeças desses povos – nativos ou trazidos de


fora para serem mão-de-obra dos colonizadores, havia uma indagação: Porque
temos de servi-los? Onde está a “civilização”? E muitos devem ter morrido
com estas dúvidas. Era o domínio de forças estranhas, mas que diziam ser
os emissários do progresso para povos atrasados. Esse domínio se estendia
gradativamente do litoral (da “beira-mar”) para o interior, rompendo a linha
“imaginária” do que não estava integrado ao macro processo produtivo da
realidade; isto significa promover aquilo que pode ser chamado de “dinâmica de
ocupação de fronteira econômica ou demográfica”. E este processo se alastrou
por séculos seqüentes fazendo, da “fronteira”, o motor para a incorporação de
territórios ao domínio luso/brasileiro.
Tratados e guerras foram partes desta expansão territorial, mas a
produção agrária foi base de sustentação para a firmação da identidade brasileira
nos mais longínquos lugares que iam sendo ocupado na “costa oeste” nacional
(a fronteira ocidental).
Mas e a Amazônia permaneceu livre de tais processos? Não. Por
mais incrível que pareça este processo iniciou-se tão logo começou a ocupação
de outras partes do território nacional. Vejamos um pouco deste processo.

O processo da formação geográfica da Amazônia.

Pode-se dizer que as investidas contra as terras amazônicas com


vistas à exploração de suas potencialidades e fazê-las produtivas remontam
aos princípios da ocupação do território brasileiro.
Acredita-se que um dos primeiros europeus a visitarem as terras
amazônicas teria sido o corsário francês Jean Cousin, por volta de 1488/1490.
No entanto, o que se pode atribuir de concretamente dessas incursões teria sido
a viagem de Américo Vespúcio em 1499/1501 e as incursões de Vincent Yañez

120
Pinzon em 1500. Esse último, teria visitado áreas da foz do rio Amazonas,
ao qual batizou como “Santa Maria de la Mar Dulce”. Depois, entre outros
viajantes hispânicos que visitaram a região esteve Diego Lepe e Juan de
La Cosa em 1500, que tomou posse em nome do Rei de Espanha e reagiu
ao ataques indígenas, sendo o primeiro confronto entre brancos e índios na
Amazônia (Esteves, 1993).
A partir daí, marcavam-se os primeiros contatos com a dimensão
social e territorial do que era a região drenada pelo grande rio que nasce nas
montanhas andinas e deságua no Oceano Atlântico, formando um dos maiores
deltas do mundo. Contudo, o espaço amazônico ainda continuava visto como
potencial de novas descobertas, de riquezas fáceis na mente de aventureiros no
princípio da expansão capitalista por terras recém conhecidas.
Dessas viagens iniciais de exploradores, a mais importante, ou pelo
menos uma das mais importantes foi a de Francisco Orellana. Foi nessa viagem
que se teve uma dimensão geral da região ao navegar desde as nascentes nas
Cordilheiras até a foz no Oceano, em 1541. Nela “[...] Orellana conduziu um
grupo de pessoas por rio abaixo, por meses seguidos, estabelecendo contato,
descrevendo a paisagem” (o escrivão era frei Gaspar de Carvajal) numa viagem
que atacavam e tomavam à força víveres às populações nativas até chegarem
ao Atlântico. De forma que é admissível dizer que a “Amazônia foi uma
descoberta espanhola e uma conquista portuguesa [...]”. (MEIRA MATOS,
1980. p.32).

Do rio às terras das Amazonas


A descrição de Gaspar Carvajal nos dá noções do espaço que está sendo
conhecido, quando fala da “imensidão do rio”, de suas “margens povoadas
por povos nativos” ora mais ou menos receptivos, em que não havia “fome e
miséria”, pois a “natureza era a principal fonte de subsistência”. O contado era
mais ou menos pacífico envolvendo trocas de objetos, inclusive, por víveres
e pequenas embarcações, mas sempre que isto não fora possível, recorria-
se ao uso da violência física e à matança da população nativa com deveras
crueldade. Talvez o episódio mais marcante desta viagem tivesse se dado
após uns quatro meses descendo o rio, já nas áreas da foz do Rio Madeira,
região do Rio Jamundá (Nhamundá ou Iamundá). [...] Aí uma tribo teria
resistido aos avanços dos comandados de Orellana e houve uma sangrenta
batalha. Nessa batalha, Carvajal refere-se a mulheres guerreiras (loiras, altas
e, muitas, destemidas) que seriam as amazonas (como já contavam as lendas
gregas), lutadoras aguerridas. Todavia, nunca foi encontrado vestígios dessa
sociedade matriarcal na floresta, pois na verdade, parece-nos que se tratou
de uma batalha tão dura que até as mulheres e crianças nativas tiveram sua
participação no combate. Fora o aspecto da crueldade da luta, podemos dizer,
que é desse episódio que se origina o nome da região, ou seja, ao rio das
amazonas – Rio Amazonas e, à região “terra das amazonas” – a Amazônia
(SILVA, 2004)

121
Contudo, a ocupação do território com vista a fazê-lo produtivo, a
partir de atividades ligadas ao uso da terra (florestal ou agropecuário) iniciaria
apenas por volta de do final do século XVI. Foi quando começou a ocupação
dos territórios dos baixos rios, sobretudo, nas áreas próximas à foz do Rio
Amazonas, no atual estado do Pará. Aí se desenvolveu a agropecuária em
grandes latifúndios que se voltavam tanto para a criação bovina, quanto para as
atividades agrícolas (canaviais e engenhos de cana-de-açúcar). As atividades
extrativistas eram praticadas apenas por comunidades de populações nativas
e mestiças, em geral, mais empobrecidas que habitavam áreas marginais aos
rios.
Ao mesmo tempo, o império português tomava a iniciativa de ocupar
o interior da grande bacia. Inicialmente, foram duas frentes de ocupação e
“amansamento” do território (inclusive dos nativos): uma foi a instalação de
fortes militares em pontos estratégicos que permitiam controle da entrada e
saída da região (o Rio era a única via de acesso); e a outra, as missões de
catequização religiosas dos jesuítas, em que se difundia a fé cristã e os valores
culturais portugueses. Tinha-se, assim, uma estratégia de ocupação que
estendia os domínios portugueses cada vez mais para oeste, subindo os cursos
dos rios. Os indígenas que iam sendo catequizados deixavam suas vidas tribais
e passavam a viver em aldeias, com práticas de pequenas criações e plantações,
paralelas à coleta de produtos florestais.
No século XVIII, com a expulsão dos missionários religiosos, uma
população regional de origem indígena ou mestiça, sob base sociocultural
luso/cristã já estava consumada na região. Desenhava-se a base da formação
populacional dos baixos rios da Grande Bacia, com forte participação dos
povos indígenas na formação étnica da população. Essa população ao ser
“destribalizada” e “aldeiada” (Cf. GONÇALVES, 2001), passava a incorporar
novas práticas no seu dia-a-dia, de forma que mesmo sendo “indígena” na
anatomia física, culturalmente já apresentava uma “mistura” com valores de
“brancos” trazidos pelos missionários e soldados. Ademais, a mestiçagem
destes indígenas com os soldados e outros brancos que entravam na região
ampliava o processo de formação étnico e social da população local. Nascia a
população “cabocla” dos baixos rios amazônicos. Com ela, uma produção do
espaço agrário local voltado para a auto-sustentação e excedente, inclusive,
perante as necessidades de abastecer os fortes; falamos em excedente, pois já
começavam a necessitar também de bens industrializados.
Principiava-se então, a participação efetiva da produção de
mercadorias amazônicas que saiam do interior para o exterior da região.
Destacavam-se os produtos extrativistas da floresta, coletado pela população
local que ia se adaptando à produção e vendendo (quase em sistema de troca –
o escambo) aos comerciantes que percorriam os rios. Era o princípio da ação

122
dos regatões, em busca das “drogas do sertão”.
Nascem, então, as bases econômicas para sustentar “uma vocação
natural” da região às atividades ligadas aos maiores mananciais de recursos
que tinha: sua flora, sua fauna e seus rios. Assim, a atividade extrativista viria
com objetivo expresso de dar uma abrangência produtiva para toda a região
a partir dos rios e integrar-se à economia do Reino Português. Inicialmente,
seria a coleta de “drogas do sertão” e posteriormente, também a produção
de excedentes da pequena agricultura cabocla que estava surgindo junto aos
aldeamentos promovidos pelos missionários. As “drogas do sertão” eram
produtos regionais como a castanha, a canela, o cacau, as sementes, as peles
de animais etc.
Na circulação dessas mercadorias, uma figura social e econômica
começa a desempenhar importante papel: o regatão (marreteiro) – que sobressai
desde cedo nas regiões de baixos e médios cursos dos rios amazônicos.

O ensejo para viver na região


A prodigalidade da natureza permitiu o desenvolvimento de uma economia
de auto-subsistência que ensejou um personagem característico da região: o
caboclo. O regatão, subindo e descendo o rio, garante o suprimento daquilo
que não se produz, explorando o isolamento do ribeirinho. Nas cidades uma
gama de comerciantes se beneficiou desse comércio, principalmente, em
Belém e Manaus, grandes casas comerciais polarizavam tudo que emana
destes longínquos rincões. (GONÇALVES, 2001, p.94).

Nisto, então, consumavam-se as primeiras fases de ocupação num


padrão de desenvolvimento descentralizado e sem um fator econômico
predominante a dar unidade produtiva à região. Aí, o padrão esparso de
povoamento obedeceria à lógica dispersa dos traçados dos cursos fluviais,
como orientador do espaço humano produzido por fases iniciais: povoados e
cidades se alinham ao longo dos rios e sua dispersão é por ele polarizada. O
padrão de desenvolvimento impõe poucas modificações à flora, mas espécimes
da fauna (terrestres e aquáticas) são caçadas e mortas para venda de suas peles
e carnes. A flora amazônica também começa a ser contrabandeada e, junto à
população nativa, vai sendo ultrajada de suas condições existenciais, quando
não, exterminada.

A descoberta da borracha e a ocupação das terras acreanas

Chegamos então ao início do século XIX, e com ele o mundo já em


plena vigência da consolidação da revolução industrial. Tem-se a descoberta
do uso de pneumáticos na indústria automobilística (pois o uso da borracha

123
natural com outras finalidades já era conhecido, sobretudo, pela população
nativa amazônica). Isto viria profundamente afetar a vida e os padrões de
desenvolvimento na região amazônica, especialmente, nas terras que se
localizavam ao sul (margem direita) do grande rio.

A instalação da empresa extrativa da borracha.

Sabe-se que por volta de 1830, já no Brasil Império8, utilizava-se a


borracha natural na fabricação de artefatos industriais e caseiros, sendo que parte
desse produto era exportado ou contrabandeado para a Europa. Todavia, é com
a descoberta da vulcanização, em 1839, que se começava a ter maior necessidade
da matéria-prima gumífera no mercado internacional. Nas primeiras décadas
que se segue, a produção da borracha se dá nas áreas do Baixo Amazonas feita
por populações locais (caboclos). Caracterizava-se a explorarão que conforme
Gonçalves (2001) era feita em unidades produtivas nos “seringais caboclos”
(isto é, sem uma organização empresarial da exploração em grande escala que
sucedeu décadas depois).
Com o emprego da borracha na produção de pneumáticos voltados
para a indústria automobilística, surge a necessidade da produção desta
matéria-prima em maior escala. Então, viajam para a Amazônia “estudiosos” e
exploradores à procura de locais com grande potencial produtivo. Encontram-
nas, sobretudo, em áreas de médios e altos cursos dos afluentes da margem
direita do Rio Amazonas. Aí se revelaria ao mundo o alto potencial produtivo
da floresta, porém, com padrões de desenvolvimentos montados, em especial,
sobre a “importação/exportação e mobilidade de capital e trabalho” externo.
Esse processo se sobreporia às populações nativas, promovendo seu quase
extermínio, assim como o avanço da dominação territorial luso-brasileira
por terras que ainda não eram reconhecidas como pertencentes aos seus
domínios.
Assim, das “Tierras non descobiertas” no coração da Amazônia, se
forjaria a dimensão territorial para o Acre – as terras do “Uáquiri” (que foi
aportuguesada como “Acre”), que no dialeto dos povos Apurinãs significava
“rio dos Jacarés”, nome dado por estes ao atual “rio Acre” (MELO 1994).

8
É bom ressaltar que apesar da independência do Brasil ter ocorrido em 1822, a Amazônia que
estava ligada a província do Grão Pará e Maranhão, só no ano seguinte se integra ao Império
Brasileiro.

124
Princípio da “biopirataria”
Uma questão que marcaria e marca até hoje a região é o constante contrabando
de suas riquezas (as “biopiratarias”) que se remontam aos princípios da
ocupação regional. De todos estes processos, o que viria afetar mais a região
seria o contrabando da semente da hévea brasiliensis para a Inglaterra, feito
por Henry A. Wickham em 1876. Chegando a Londres, as sementes foram
colocadas nas estufas do Jardim Botânico de “Kew Gardens” e, posteriormente,
as mudas sobreviventes, seriam transferidas para o Ceilão e outras colônias
britânicas no Sudeste Asiático (Valverde, 1964). Como resultado disso, a
economia da borracha amazônica teve vida curta. (Silva, 2004)

Então, nas terras acreanas as viagens de João da Cunha Correia (1850


no rio Juruá), Manoel Urbano da Encarnação (1860/66, no rio Purus) e do
enviado da “Royal Geographical Society of London, Sir William Chandless”
(1864, no rio Purus e 1866 no rio Juruá) entre outros, revelariam ao mundo
a região com maior potencial produtivo da borracha natural. Então, o Acre
começava a ser ocupado tendo em vista a exploração desta potencialidade
natural.
Tem-se a implantação de uma estrutura produtiva baseada no seringal
(empresa extrativa), capital financiador, latifúndio (embora, sob o ponto de vista
do momento, fossem produtivos) e a exploração da mão-de-obra nordestina.
Assim, enquanto o país passava por importantes transformações
políticas (como as regências imperiais e até a proclamação da República) nas
terras acreanas, além da batalha produtiva, havia as lutas de brasileiros com
os países vizinhos pelo domínio político e econômico do território. Portanto, a
exclusividade na produção do látex da seringueira, estrategicamente, tornava
esta região fundamental para o desenvolvimento industrial mundial, sob bases
asseguradas nos seguintes pontos:

 Do conhecimento do potencial produtivo da região e da espécie


hevea brasiliensis (espécie gomífera com maior potencial de
produtividade).
 Do emprego da borracha natural em larga escala na indústria
estrangeira.
 Do alto interesse estrangeiro no controle da região
 Da empresa extrativista local, sob duas dimensões espaciais
produtivas que se sobrepunham: o “seringal” versus a
“colocação”.
 Do capital estrangeiro disposto a financiar o processo extrativo.
 Da importação de mão-de-obra do Nordeste Brasileiro.
 Da disposição do Governo Imperial Brasileiro em intermediar a
implantação do sistema de exploração.

125
 Da criação de um sistema de exploração estruturado por
interdependência múltipla prendendo o seringueiro (mão-de-
obra) na relação de trabalho compulsório.

Sob tais condições, os seringais se estruturaram mediante fortes


conflitos num processo de desenvolvimento em que suas riquezas foram sendo
retiradas, com pouca coisa permanecendo na região. Isto quando acontecia
era em pontos localizados como nas duas principais cidades regionais: Belém
e Manaus. Já nas terras acreanas, já por volta do final do século XIX, as lutas
contra o domínio boliviano se ampliam, sendo que em 1902/1903, houve a
vitória dos acreanos, que logo depois veriam seu território ser incorporado
pelo Brasil9.
Já por volta de 1910/12, a borracha das colônias inglesas no sudeste
asiático faz sentir seu peso no mercado mundial. Era o início da decadência da
produção empresarial de borracha natural da Amazônia, com drásticos efeitos
sobre a economia acreana.
A produção em decadência conduz os seringais acreanos ao gradual
processo de falência, de forma que em 1920 a crise já era notada. Então,
de 1920 a 1940, a estrutura do seringal paulatinamente cede espaço para a
produção mais variada dos seringueiros nas colocações. Com isto, amplia-se
o espaço de produção com pequenos roçados e criação de animais com vista a
auto-sustentação familiar.
O interessante é que num momento de crise na economia empresarial
do seringal, para os seringueiros que ficaram na floresta, emerge uma fase em
que se “pode viver melhor nos momentos de crises na economia do seringal”
(Cf. Gonçalves, 1998; 2001; SILVA, 2005). Aí se continua praticando a
coleta da seringa, da castanha (Vale do Purus), mas também se podendo plantar
e criar e vender sua produção sob menos controle da força opressora do patrão.
Isto se dá com maior autonomia do trabalhador seringueiro no controle de sua
força produtiva e de sua produção em si.
A partir dessas crises na “produção empresarial” da borracha, há uma
retomada da “produção camponesa” de auto-sustentação no ambiente florestal.
Estes trabalhadores, gradativamente, sem deixarem as atividades extrativas e
a vida na floresta, vão ganhando autonomia para produzir. É aí que podemos
dizer, então, que seus legados de camponeses sertanejos nordestinos serão
recriados nos hábitos de cultivos agrícolas, nos tratos da terra, nos mutirões
(“os adjuntos”), nos de tipos hábitos alimentares, nos ritmos de seus cânticos
e músicas, na religiosidade, na hospitalidade do seringueiro, na composição
familiar, e até nos nomes atribuídos aos lugares que relembram o Nordeste (por
9
Este processo se dá com as ações do “soberbo comandante brasileiro” (chefe do contingen-
te militar do Exército Nacional que ocuparia a região acreana – General Olímpio da Silveira,
“combatente na Guerra do Paraguai e em Canudos”); e, posteriormente é consumado com a
negociata do “Tratado de Petrópolis” (Cf. CALIXTO, SOUZA e SOUZA, 1985).

126
exemplo, “seringal Quixadá”, “Vila Sobral”, “colocação Aracati” etc.). É neste
momento de crise que os seringueiros se firmam nos seringais e se refazem
como classe social camponesa no interior da floresta. Tem-se então sua base
territorial produtiva, tanto socioeconômica como sociocultural firmada na
“colocação” – como sua posse de terra, seu território de vivência.

Vivendo melhor em tempos de crise


Seringueiros e patrões locais não tiveram seu padrão de vida
necessariamente reduzido. Talvez o contrário tenha ocorrido. No início dos
anos vinte, o missionário Tastevin observou uma melhora real na dieta dos
trabalhadores. Além de mandioca e cana-de-açúcar, outros produtos como
arroz, milho, feijão, amendoim, melancia, jerimum e batatas passaram a
ser cultivados nas praias dos rios durante o “Verão”. Minha avó lembra a
época como àquela em que a farinha fresca substituiu a farinha azeda que
vinha do baixo (ALMEIDA, 1988, S.n.).

No conjunto das relações que se travavam, principia-se a formação


de um modo de vida específico de povos da floresta, sob bases de valores
herdados do longínquo nordeste, mas também da absorção de saberes dos
habitantes nativos, e do próprio convívio com a natureza amazônica. A terra, ou
melhor, a floresta mais que um valor de “capital monetário” ia se constituindo
a partir de seu valor como lócus de vida social, profissional e cultural: era
da floresta que ele retirava seus produtos, sua alimentação, seu trabalho, seu
remédio; mas também daí provinha, em parte, suas crenças, seus medos, suas
fantasias e o sentido para um convívio humano/natural que em seus conflitos
se complementavam. Nisto residem processos em que se enraíza a formação da
identidade sociocultural e socioeconômica desse camponês florestal.
Esta situação se muda somente no período da II Guerra Mundial,
quando a produção “empresarial” da borracha natural é reerguida como
estratégia de economia de guerra. Em 1947, os acordos com os EUA
são desfeitos e a crise econômica volta a revigorar. Então, a produção nos
seringais entra em crise definitivamente. A mobilidade populacional se torna
mais intensa no território acreano. Todavia, há uma parcela da população que
permanece trabalhando no espaço agrário seja em minoria no campo (colônias)
em número bem mais considerável na floresta.
Antes de aprofundar mais estas questões do pós-guerra, vamos
entender um pouco mais da estrutura produtiva extrativista.

A organização produtiva: o sistema de aviamento

Pode-se dizer que com a mão-de-obra e o capital financeiro, instalado


nos seringais completava-se o cenário para a ocupação e reprodução do espaço
127
acreano. A produção se firma sob base organizada num sistema produtivo
instituído por “dependências múltiplas, conhecido atualmente por sistema de
aviamento” (SILVA, 1982, p.23-24).
O sistema de aviamento funcionava numa relação em que uma parte
estava sempre presa a outra. Esta situação caracterizada por um poder exercido
de cima para baixo, por endividamento, por exemplo, que na relação entre o
seringalista e o seringueiro, o segundo era um trabalhador sob um sistema
compulsório dominado pelo primeiro em função das dívidas contraídas.
O endividamento também ocorria em outros níveis do sistema, porém,
nestes havia mais compartilhamento dos lucros de que a superexploração na
relação com o trabalhador/seringueiro (figura 01). Este endividamento se dava
no fornecimento de mercadorias da casa aviadora (de Belém ou Manaus) para o
seringalista e, desse, para o seringueiro. Devido aos preços altos da mercadoria
que tinham que adquirir e, por outro lado, com os baixos preços da borracha,
os seringueiros sempre estiveram endividados.

Figura 01: Sistema de aviamento

Fonte: SILVA (2003, p.103).

As unidades produtivas: seringal e colocação

É nesta realidade socioeconômica e espacial que, então, podemos


entender as unidades produtivas reais que operavam nesse sistema – o “seringal”
e a “colocação”. O “seringal”, na pessoa do seringalista, era a presença efetiva
do capital monopolista internacional. A “colocação”, na pessoa do seringueiro,
constituía-se no “corpo e local” de toda a produção; era a moradia do trabalhador
e a real unidade produtiva do processo centralizado pelo seringal.
O seringal correspondia a toda propriedade do seringalista em sua

128
extensão territorial. Conforme Reis (1953, p.80), “tudo dependia da maior ou
menor riqueza de “madeiras”, nome porque se conheciam as árvores lactíferas
(seringueiras). O que importava num seringal, não era, em si, a extensão
que apresentasse, mas a riqueza em árvores que oferecesse”. Com isto, por
conseqüência, “a grande propriedade constituiu-se, num imperativo geográfico
e econômico. O latifúndio, por isso, passou a ser a característica maior do
seringal”. Sob a vigência da grande propriedade, o poder do seringalista era
absoluto, sobre tudo e todos.
A colocação (em termo de localização, também referida como “centro”
em oposição ao barracão, sede do seringal, localizado às margens dos rios),
era a verdadeira unidade produtiva do seringal. Correspondia (corresponde
ainda) à área territorial explorada pelo seringueiro (a família). Esta unidade
produtiva era composta de uma clareira com uma modesta casa, em geral de
madeira bruta coberta de palha (casa do seringueiro) e barracos de serviços
(defumador e outros) e, mais recentemente, com áreas de “roçados” (culturas
de subsistência) e pequenas pastagens, onde se planta macaxeira, arroz, milho,
feijão etc., e criam-se algumas cabeças de gados. A colocação contém a maior
parte de sua extensão em florestas, onde se encontram as “estradas de seringa”.
Num seringal estão contidas várias colocações.
O seringueiro, no sistema de aviamento, geralmente era um eterno
devedor. Começava a dever, desde sua saída do Nordeste, uma vez que as
dívidas com a viagem eram assumidas pelos seringalistas que os empregariam,
cobrando esta em produção. Assim, ao chegarem à região, os seringueiros –
“brabos” – já estavam presos aos seus patrões, num laço que podemos dizer,
caracterizava-se em verdadeira “escravidão por dívida”. Aqui sua função
exclusiva seria “produzir borracha”, qualquer outra atividade, no geral, estava
proibida.
A coleta da castanha-do-Brasil, nas áreas de ocorrência da castanheira,
somente se fazia porque a “safra” coincidia aos meses chuvosos (chamado na
região de “inverno”, mas que corresponde ao verão do hemisfério sul da Terra),
período parcialmente impróprio para a extração do látex.
Estas situações, somente seriam mudadas em períodos de crises na
economia da borracha. Assim, “a permissão para o plantio do roçado [...] é
também um aparente traço de independência do seringueiro. Ora, se o próprio
passa a produzir sua alimentação básica, o seringalista se vê desobrigado de
abastecer o barracão e os comboios desses alimentos” (CEDEPLAR, 1979,
p.24). Então, para se livrar das dificuldades, os seringalistas liberavam os
seringueiros para desenvolver agriculturas para a auto-sustentação familiar
e interna do seringal. Parte dessa produção também viria para o pequeno e
incipiente mercado de consumo para excedentes agrícolas na região.
Aí o seringueiro começa a se firmar na condição de posseiro, sob
o trabalho familiar, como detentor de seus meios de produção e da posse de

129
sua terra de trabalho. Com a figura do “patrão” restringida, sobressai-se, com
maior proeminência, o comerciante dos rios – o marreteiro. Neste processo, de
compra e venda, o marreteiro também vai substituindo a figura do patrão na
antiga estrutura do seringal, sob o sistema de aviamento. Nisto, à submissão
e expropriação do seringueiro, pouco diferiu, porém, a autonomia interna da
colocação já era um processo em plena conquista.
Forma-se, então, a base para o que hoje chamamos de trabalhadores
camponeses da floresta - os seringueiros. É nesse grupo social que se localizarão
os principais focos de resistência pela sua continuidade como produtor familiar
livre, nos seringais. Por conseguinte, aí também se desenvolveria as principais
situações de conflitos pela terra, com o avanço da fronteira agropecuária, nas
últimas décadas. Contudo, a importância dessa produção extrativista conciliada
com a agricultura, está no fato de que com ela concretizava-se também a
permanência do homem na floresta.

A figura social do meeiro

Quando o trabalho familiar não é suficiente para explorar a colocação,


recorre-se à parceria. Diversas são as formas que assumem as relações
entre seringueiro e meeiro. O meeiro pode ser o indivíduo que se encarrega
da metade do trabalho, cortando e recolhendo num dia, defumando
noutro etc. Nesse caso, será mais apropriado falar de um sócio que tem
a metade das responsabilidades e a metade do produto. Entretanto, na
forma clássica de ‘meia’ o ‘seringueiro-chefe’ ou ‘dono da colocação’ tem
um meeiro que se encarrega da tarefa do corte e defumação, ficando por
conta do seringueiro-chefe o roçado e a manutenção do meeiro. Ao final,
a produção é dividida meio a meio (CEDEPLAR (1979., p.79).

Com as transformações socioespaciais, perante o aumento da


mobilidade interna da população, os governos territoriais, a partir da década
de 40, efetivam políticas de reassentamento familiar em “colônias agrícolas”.
Estas se localizavam nas proximidades das cidades, em antigos seringais
desapropriados e loteados para este fim. Com isto, absorvia-se essa mão-
de-obra, amenizava-se os problemas agrários existentes e, ainda, prevenia-
se dos conflitos urbanos que poderiam vir se agravarem. Ao mesmo tempo,
aumentavam uma produção de excedentes para o mercado local. Esses colonos
seriam os primeiros posseiros a receberem documentos legais de ocupação e
propriedade da terra no Acre, isto é, licença de ocupação ou títulos definitivos
(CEDEPLAR, 1979).

130
O Espaço agrário produzido fora da floresta

Durante os conflitos contra a Bolívia, como efeitos do recrutamento


de trabalhadores para a batalha, já nos últimos anos do século XIX, foi dado
o direito a alguns seringueiros de romper com a exclusividade na produção da
borracha.
Segundo Abguar Bastos (In: Costa, 1940) no âmbito da luta e perante
os problemas econômicos dos seringais, o êxodo do “centro” (refere-se às áreas
centrais na floresta com relação às margens dos rios e localizam-se nas “terras
firmes”) para a “margem” (localidades que se situam às margens dos rios)
tornou-se cada vez mais numeroso. Com isto, em meio ao ambiente de guerra,
criava-se a necessidade de acomodar famílias e seringueiros em áreas mais
próximas aos rios e vilarejos o que, gradativamente, tornava-se uma forma
de pressão às lideranças “revolucionárias” (vamos chamar de “Revolução”,
embora se saiba da polêmica sobre o acontecimento, nos basta, nesta situação,
marcar o acontecimento e sua influência na produção do espaço agrário).
Diante do problema criado e da necessidade por alimentos para parte
da população, passou-se a isentar do serviço nas forças revolucionárias, todo
o seringueiro que quisesse dedicar-se à lavoura. Esta medida do comando da
revolução tinha um sentido estratégico, pois viria afastar a possibilidade de
terem que lutar também contra a fome em plena batalha.
Para estes trabalhadores, essa liberação parcial, significava que
após a guerra seria possível um rompimento com as fortes amarras que os
prendiam cruelmente ao sistema produtivo do seringal. Tal rompimento foi
aceito como uma resposta afirmativa que integraria a batalha, na defesa de seu
território e na expectativa de conquista da liberdade que ainda não tinham. Daí,
o surgimento de uma incipiente agricultura de subsistência já nos primeiros
anos do século XX. Com isto, já podemos falar do início de uma diferenciação
entre os trabalhadores da floresta, com o surgimento de um segmento mais
autônomo, onde não se vivia, exclusivamente, de atividades extrativistas, mas
trabalhando também com pequena agricultura voltada para auto-sustentação
familiar, complementando, sempre que possível, com a coleta da seringa da
castanha, com a caça etc. Este princípio da agricultura seria depois confirmado
com a criação das primeiras colônias agrícolas como no município de Rio
Branco:

Quadro 01: Colônias agrícolas em Rio Branco 1908-1950


Nome N°. lotes Ano de implantação
Colônia Gabino Besouro 160 1908
Colônia Deoclesiano de Sousa 85 1912
Colônia Cunha Vasconcelos 33 1913
Seringal Empresa 86 1943

131
São Francisco 84 1943
Apolônio Sales 56 -
Cecília Parente 32 1946
Souza Ramos 34 -
Juarez Távora 79 1949
Dias Martins 76 1949
Alberto Torres 68 1949
Daniel de Carvalho - 1950
Cruz Milagrosa 95 1950
Gov. José Guiomard Santos 68 1950
Mâncio Lima 49 1950
Fonte: GUERRA, (1955, p.123).

Após o rompimento com o sistema produtivo do seringal, nota-se


o princípio de formação de um campesinato agrícola, em que se resgatava o
trabalho familiar na lavoura, demonstrando que esta atividade não é algo recente
na região. Entretanto, inicialmente, isso não significou grande expressividade
enquanto forças sociais, que se constitui na formação social do Acre.
Para esta análise aqui isto nos basta. Apenas queríamos reforçar esta
diferenciação espacial de um tipo camponês que aí começou a ser recriado,
ganhando corpo nas décadas seguintes, mas somente após 1960, ter-se-ia
uma representação social maior. Seriam os denominados de “colonheiros”
ou “colonos”, de áreas desmatadas – os campos, diferenciando-o do típico
trabalhador seringueiro das áreas nativas - da floresta.
Por final, podemos dizer que no contexto da reconstrução de seu
imaginário social, sejam nestas áreas de colônias ou na própria floresta,
para o nordestino que havia chegado e ido trabalhar na borracha, o roçado
que se plantou tinha uma significância fundamental. Era a condição de ter
mais autonomia e menos dependência no âmbito da produção e circulação
de mercadorias e pessoas na região. Isto é, como afirmou Abguar Bastos (In:
COSTA, 1940, p. 43): “com o roçado era possível a barraca. Com a barraca, a
mulher e os parentes. Com a mulher, os filhos. Com a família, a aplicação das
leis teológicas que forravam a moral dos seus costumes”

Reflexos da II Guerra Mundial no espaço agrário produzido

No período da II Guerra Mundial, a produção da borracha por curto


tempo ressurgiu financiada pelos EUA. Esta rearticulação produtiva vinha
como estratégia de “economia de guerra”, perante a necessidade do produto
no mercado internacional, quando o Japão havia tomado e colocado sob seus
domínios os seringais de cultivos do Sudeste Asiático.
Terminada a Guerra, com a retirada dos incentivos norte-americanos,

132
a decadência da produção de borracha se consuma. Os seringueiros vão sendo
liberados gradativamente para práticas agrícolas e criatórias voltadas para a
auto-sustentação, ao lado da remanescente produção extrativa do látex que se
mantinha.
Para uma parcela da população, sobretudo, os “soldados da borracha”,
a busca das proximidades das cidades, com práticas de pequena agricultura era
alternativa muita viável. Confirma-se a tendência já manifestada do afloramento
de uma pequena produção agrícola e pecuária, sob base do trabalho familiar.
Todavia, isto implicava numa demanda maior por terras nas proximidades das
cidades.
Diante da problemática gerada, a partir da década de 40 (Quadro 02),
desenvolveu-se uma política de reassentamento dessas famílias, em “colônias
agrícolas” localizadas nas proximidades das cidades, em antigos seringais
desapropriados e loteados para esta finalidade.

Quadro 02: Colônias agrícolas implantadas até 1950.


Nome Município N° lote Ano
Marechal Hermes Tarauacá - 1932
Félix Antônio da Cruz Tarauacá 132 -
Epitácio Pessoa Tarauacá - 1921
Corcovado Tarauacá 118 -
Joaquim Távora Tarauacá - -
Carmem Brasiléia - -
Nazaré Brasiléia - -
Vila Epitácio Brasiléia - -
Rodrigues Alves Cruzeiro do Sul 90 -
São Pedro Cruzeiro do Sul 69 -
Assis Brasil Cruzeiro do Sul - -
Vila Japim Cruzeiro do Sul - -
Porto Manso Xapuri - -
Santo Antônio Xapuri - -
Assis Vasconcelos Feijó - -
Fazenda Modelo Sena Madureira - -
Fazenda Agrícola Sena Madureira - -
Fonte: GUERRA, (1953, p.123).

Com isto, em vários municípios, absorvia-se esta mão-de-obra, e


amenizavam-se os problemas socioespaciais e territoriais existentes e prevenia-
se o agravamento de problemas urbanos que poderiam advir. Ao mesmo tempo,
tinha-se aumentada a produção de excedentes agrícolas, com vista a abastecer,
o nem tanto mais incipiente mercado local.

133
Frente Pioneira Agropecuária

O processo de rearticulação do espaço brasileiro, nas décadas que


sucederam ao final da II Guerra Mundial, repercutiu em todo o território
nacional. Para Oliveira (1982, p. 72), os reflexos dessa situação, de forma direta
ou indireta atingiram a “organização interna do Acre”, ao ponto de ainda ser
difícil uma definição integral de tais implicações no espaço produzido. Como
expressões destes processos estariam “as modificações na política estatal de
crédito da borracha”, a “concorrência da produção de borracha sintética do
Sul do país”, e, no âmbito político, “a transformação do Território Federal
em Estado no ano de 1962”, juntamente com a ligação rodoviária do Acre ao
Centro-Sul, já no final da década de 1960.
Perante a viabilidade de implantação, face às vias de transportes
terrestres, a maioria das fazendas criadoras de gado bovino, e áreas de
loteamentos, desde o início de sua implantação, tenderam a se concentrar na
Mesorregião Geográfica Vale do Acre. Por outro lado, os grandes latifúndios
herdados do período extrativista ou formados mais recente, predominantemente,
ocuparam as áreas mais remotas desta Mesorregião e da Mesorregião do Vale do
Juruá. Aí as terras ainda são mais “resguardadas” como “reservas de valores”,
do que usadas para fins produtivos.
Há, todavia, uma série de motivos que tiveram papéis atrativos neste
processo de mobilidade para a região acreana. Contudo, ressaltamos que esses
“motivos” devem ser entendidos no contexto de cada grupo social dos migrantes
que aqui chegaram; noutras palavras, podemos dizer que são específicos a cada
grupo social que aí se fizeram presentes. Vejamos:

Os grandes investidores.

Estes grupos compunham-se do que podemos chamar de


“especuladores / investidores”. De modo geral, ficaram conhecidos por
“paulistas”, nome genérico que lhes foram atribuídos em função de grande
parte ser originário do “oeste do estado de São Paulo”.
No Acre, chegaram comprando tanto quanto fosse possível de terras,
e, às vezes, até empregando “métodos violentos” e “grilagens” na consolidação
de suas propriedades. A condição de ser “paulista” era vista como sinônima de
“homens de dinheiro”, mas também a “homens violentos” capazes de tudo para
ter o domínio da terra assegurado, inclusive, de grilar terra, matar e expulsar
posseiros etc.
O apogeu dessas mudanças se daria no período de 1971 a 1975, durante
o governo de Francisco Wanderlei Dantas. É quando o Governo Estadual lança
mão de uma política deliberada visando atrair investidores do Centro-Sul. Com

134
isto, buscava-se mudar a base econômica do estado, assentado tradicionalmente
no extrativismo vegetal para uma atividade mais dinâmica, no caso, a pecuária
extensiva. Como resposta, já no início da década de 1970, um primeiro fluxo
de fazendeiros motivado pelo baixíssimo preço da terra chegaria comprando
enormes extensões fundiárias. Esses, porém, estavam mais voltados para a
especulação imobiliária que para a formação de fazendas.
A partir de 1974, muitas dessas áreas vendidas são transformadas em
loteamentos que receberiam grupos de fazendeiros do Centro-Sul, agora em
busca de adquirirem terras para a formação de fazendas de médios e grandes
portes para a criação bovina. Isto ocorria, porque o “preço quase irrisório das
terras” acreanas incentivava esse tipo de ação especulativa inicial; mas mesmo
assim, o preço da terra continuava muito atrativo aos compradores centro-
sulista. Além disso, havia uma quantidade de “incentivos fiscais” e facilidades
para esses empresários no “acesso ao crédito”. Quanto aos motivos da vinda
desses “especuladores/investidores”, estas razões acima citadas, foram os
fundamentais que vimos.

A colonização privada

Como já mencionamos, ao longo da década de 1970, até meados da


década de 1980, ocorreram também fluxos de outros grupos de migrantes. Isso
sim implicava no deslocamento de uma população mais numerosa.
Como houve grande predomínio de pessoas vindas do estado
do Paraná, estas, juntamente com os grupos que vieram para as áreas de
assentamentos oficiais, eram conhecidas genericamente como “paranaenses”.
Representavam um universo de pessoas que vinham, com pouco ou sem
recursos, tentar a vida na região, que no dizer local, “vinham arrastando uma
cachorra” (o que quer dizer, quase sem nada).
Na verdade, eram pequenos produtores camponeses do Centro-Sul
que em função de suas propriedades não serem mais suficientes para atenderem
às demandas familiares, e/ou pelo avanço do capitalismo no campo, se viam
obrigados a venderem suas terras e ingressarem rumo à Amazônia em busca de
áreas, onde pudessem reproduzir sem essa total sujeição ao capital. No âmbito
dos projetos de vida, para estes, mesmo não sendo capitalistas, vinham para
o Acre, alimentados pelo sonho de se tornarem prósperos fazendeiros nessa
“nova terra”. Estes sonhos, muitas vezes, parariam nas trapaças de corretores
de imóveis que iam vender as “terras da Amazônia” no Centro-Sul. As
“propagandas enganosas”, os negócios mirabolantes eram artimanhas usadas
por estes “corretores” para convencer os pretensos compradores.
Portanto, estes loteamentos particulares consumaram as estratégias
de mercantilização da terra para atrair à região pequenos proprietários do
Centro-Sul. Assim, bons negócios foram feitos, mas para os especuladores que

135
os promoveram. Aqui, os “motivos” jamais foram os incentivos e facilidades
oferecidas aos grandes investidores. Quando muito, se pode contar com o baixo
preço da terra acreana em relação ao Centro-Sul e, paralelo a isso, os motivos de
“expulsão” das suas regiões de origem, bem como as transformações nas bases
técnicas e tecnológicas pelas quais passavam a agricultura brasileira. Quanto
a essa situação, pode-se dizer que os corretores, verdadeiros “emissários dos
especuladores”, souberam muito bem explorar.

A colonização Oficial.

Como extensão desses fluxos, vinha também trabalhadores sem-terra,


excedentes familiares, atingidos por barragens, e brasiguaios (brasileiro que
habitavam no Paraguai). Esses se destinavam para os projetos de colonização
e assentamentos do INCRA (quadro 3). Indiscutivelmente, para esses, o acesso
à terra era o atrativo fundamental que os traziam ao Acre, dada a situação de
expropriados em suas regiões de origens.

Quadro 03: Projetos de colonização e assentamentos no Acre – 1977-1990.


Ano de
Nome Município N. de lotes
criação
PC. Pedro Peixoto Senador Guiomard 1977 4.225
PC. Boa Esperança Sena Madureira 1977 2.756
PC. Quixadá Brasiléia 1981 952
PC. Humaitá Porto Acre 1981 951
PC. Santa Luzia Cruzeiro do Sul 1982 829
PA. Espinhara Bujari 1986 31
PA. Figueira Rio Branco 1987 395
PA. Vista Alegre Rio Branco 1987 35
PAE. Remanso Capixaba 1987 435
PAE. Santa Quitéria Brasiléia 1988 223
PA. São Pedro Rodrigues Alves 1988 244
PAE Chico Mendes Epitaciolândia 1989 68
PA. Pavão Rodrigues Alves 1989 50
PAE. Porto Dias Acrelândia 1989 83
PAE. Riozinho Sena Madureira 1989 120
Fonte: INCRA. 2000.
Obs.: PC: Projeto de Colonização; PA: Projetos de Assentamento (antigos Projetos de
Assentamentos Rápidos – PAR); PAE: Projetos de Assentamentos Extrativistas.

Podemos dizer que em número de pessoas, esses grupos foram


bastante significativos, mas é claro que não se compara ao que ocorreu em
Rondônia. Para muitos desses migrantes chegados nos projetos, isto seria
apenas mais uma etapa no processo de andanças e incertezas, como vítimas de
uma estrutura política agrária, em que nunca se teve como prioridade o homem,

136
mas sim o capital que os trazem e os levam conforme suas conveniências
reprodutivas.
Outro ponto a ser considerado, refere-se aos projetos de assentamentos
que foram criados também sob meta de proporcionar resolução à situação
de “posseiro” do trabalhador seringueiro em áreas de conflitos. Assim, a
realidade de conflito expande e ganha preocupação política geral. Cria-se
a necessidade de regularizar a situação desses trabalhadores. Isto viria com
a desapropriação de algumas áreas de seringais e a implantação dos PADs
(Projetos de Assentamentos dirigidos) e dos PAEs (projetos de assentamentos
extrativistas), conforme nota-se na seqüência exposta no Quadro 3.
Para os seringueiros que permaneceram nos PADs, isto significou a
inviabilidade de suas atividades extrativas. Agora tinham se tornar agricultores,
nos moldes dos colonos centro-sulistas. Isto, de certa forma, ao invés de
assegurá-los a terra, tornou-os mais passíveis à expropriação, mais propensos
a vender suas terras e buscarem as periferias das cidades como “refúgio para
moradia”, fato que os inseriu num processo de proletarização no espaço
citadino (onde em geral havia (ainda há) grande escassez de oportunidades de
empregos).

A revitalização da terra de negócio e a expressão da pecuária.

No âmbito desta realidade agrária, portanto, as firmações de áreas


de fazendas expressavam a natureza de continuidade da estrutura fundiária
concentrada no Acre. Se, por um lado, quebrava a tradicional superconcentração
da terra herdada da frente extrativista – os seringais, por outro, firmava novas
bases para concentração fundiária, sob a lógica produtiva da agropecuária.
Ademais, com a expansão das fazendas, muitas áreas que antes eram pouco
valorizadas, se valorizam rapidamente. A venda de terra firma-se como um
ótimo negócio no mercado fundiário local.
Na produção do espaço, sob tais condições, a pecuária impõe-se
num ritmo produtivo que, gradativamente, nas margens das rodovias, torna-se
a paisagem dominante. Nos projetos de assentamento e áreas mais próximas
das rodovias, a comercialização dos lotes são as bases para a reconcentração
fundiária de uso da terra. Gradativamente, a “expansão da pecuária” (que muitos
chamam de “pecuarização”) também começa a fechar o espaço que deveria
ser exclusivo para a produção camponesa na agricultura e pecuária de auto-
subsistência. Aí, então, se demonstra que o aceleramento da transformação da
terra florestal em fazendas e lotes e em áreas de assentamentos, são faces de
um mesmo processo que promove capitalisticamente a propriedade fundiária
privada. As fazendas já trazem este estigma. Todavia, os camponeses assentados
fazem parte da estratégia inicial de formação das propriedades para depois
essas propriedades serem colocadas no mercado como “terra mercadoria”, já

137
em condições modificadas e preços bastante atrativos.

A modernização que não se realizou


Entendemos que no Acre, não houve uma “modernização da agricultura”
(Cf. NUNES, 1991), nem por via da pecuária ou de qualquer outra atividade
no campo acreano. Houve sim, mudanças de uma atividade econômica que
estava estagnada para outras que impôs uma nova dinâmica na reprodução
do campo acreano, combinando algumas atividades agropecuárias, em
que sobressaiu a pecuária bovina. Portanto, o termo “pecuarização” em
si não expressa a realidade que tentam caracterizá-lo. Certamente, será
mais adequado falarmos de uma “expansão da pecuária”, respondendo
aos novos momentos de rearticulação socioeconômica da reprodução
capitalista no território nacional, com expressão no espaço amazônico-
acreano. (SILVA, 2003).

É interessante entender que o processo de expansão da fronteira foi


uma estratégia para dar maior unicidade à produção econômica nacional. A
expansão da pecuária, a perpetuação do domínio privado das terras que foram
repassadas dos seringalistas aos fazendeiros, e até os projetos de assentamentos
em que se previa a titulação privada da terra, funcionou como impedimento
aos posseiros locais em consolidarem seus domínios de direitos sobre suas
posses. O que viera com as propostas de Reserva Extrativista (RESEX) e com
Projetos de Assentamentos Extrativistas (PAE) já como frutos das lutas dos
seringueiros. No conjunto, isto permitia uma distribuição das terras acreanas
no final da década, como representamos no Quadro 04, que também retrata a
situação mais recente.

Quadro 04: Situação das terras do Estado do Acre, 1999.


% do
Denominação Quant Área (ha)
estado
Projetos de Assentamentos e colonização 53 1.379.084 9,00
Projetos de assentamento agroextrativista –
08 193.447 1,27
PAE
Reservas Extrativistas – RESEXs (UCs – de
02 1.482.756 9,68
Uso direto)
Terras Indígenas 28 2.167.146 14,20
Florestas Nacionais e Estaduais (UCs – de Uso
28 239.404 1,56
direto)
Unidades de Conservação (UCs) de uso
02 920.512 6,00
indireto
Terras públicas 02 1.128.664 7,37
Áreas discriminadas pelo INCRA Várias 3.980.430 25,99

138
Áreas sem estudos de discriminação Várias 3.383.088 22, 09
Outras: áreas militares, urbanas, estaduais etc, Várias 447.659 2,84
Total do Estado do Acre - 15.314.990 100,00
Fonte: ZEE/AC (ACRE, 2000).

O aumento da pequena propriedade

No âmbito geral, o que se observa é que, no período de expansão da


frente pioneira agropecuária, há um forte crescimento no número dos pequenos
estabelecimentos tanto em área de floresta quanto no campo. Isto esteve quase
sempre vinculado a implantação de áreas de assentamentos e unidades de
conservação de uso direto.
No período de 1977 a 1990 foram implantados quinze projetos pelo
INCRA (Cf. Quadro 03) com uma capacidade de até 19.397 lotes para serem
assentados.
No período de 1991 a 2002, mais 68 projetos são implantados no
Estado com uma capacidade de recebimento de até 11.962 famílias assentadas;
sendo que dez destes projetos são de iniciativas do Governo do Estado. É
bom diferenciar que no primeiro período foram criados grandes projetos que
receberam massa de trabalhadores do Centro-Sul e até do Nordeste; ao final
da década de 1980, a força de expansão da fronteira tendeu a se diminuir na
Amazônia; assim, apesar do maior número de projetos, estes tiveram menor
capacidade de assentamentos. Tratam-se, então, de rearranjos internos, em
função da demanda local perante a mobilidade da população acreana e das
áreas circunvizinhas.
De modo geral, podemos identificar as seguintes modalidades de
regularização fundiária que implica direta ou indiretamente no uso que se faz
da terra:

Assentamentos e colonização: propriedade privada da terra.

Os Projetos de Assentamentos Dirigidos (PADs), atuais PC (Projetos


de Colonização) implantados no Acre a partir de 1977, situam-se no conjunto
das políticas de colonização do Governo Federal desenvolvido pelo INCRA.
A implantação dos projetos de assentamentos dirigidos, geralmente, esteve
ligada à legalização de áreas de grandes tensões sociais na década de 1970
e 1980. São áreas que foram alvo de reivindicação dos seringueiros sobre o
direito de posse.
Nas lutas, sob a liderança dos STRs, à primeira vista, a reivindicação
não era por esta modalidade de assentamento. Portanto, são conquistas de sua

139
resistência, mas não de sua construção, ou seja, não nasceu como ideal da
luta dos camponeses da floresta. Por isso, não criou raízes no seio do próprio
movimento. A finalidade era, portanto, fazer o reassentamento de posseiros/
seringueiros que ainda não haviam sido expropriados (regularizando suas
situações fundiárias) ou receber ex-seringueiros já expropriados que se
propusessem a voltar para a terra como “agricultor” e, por outro lado, acomodar
contingentes populacionais provenientes do Centro-Sul. Aí reside o propósito
que prevê a apropriação privada de cada assentado sobre seu lote, obtendo
títulos definitivos.
Neste conjunto, podemos dizer que, num primeiro plano, o poder
público, através dos PADs, promoveu o acesso e o domínio dos camponeses na
terra. Mas ao acomodar esta diversidade camponesa, não oferecendo a infra-
estrutura necessária aos posseiros, direta ou indiretamente, são promovidas
as condições que recriam mecanismos de expropriação, através dos quais
muitos camponeses começam a sair dos lotes, cedendo lugar a uma gradativa
reconcentração da terra e retorno ao domínio capitalista (terra de negócio)
sobre um território que legitimamente seria camponês (terra de trabalho).
Para os seringueiros, nos PADs, ao se implantar uma lógica de
organização de lotes retangulares baseada no módulo rural (na região acreana,
um módulo rural variava ente 60 a 100 hectares) e em corte retilíneos,
significava inviabilizar sua tradicional produção extrativista.
Não havia mais estradas de seringa e seu território de vivência (o
lote) era pequeno para viabilizar a atividade extrativa. Para viverem em tais
condições, os seringueiros tinham que “se tornar um colono” nos moldes
trazidos pelos centro-sulistas, em especial, nos seus tratos com a terra. Isto
se repetiu noutras modalidades de assentamentos desenvolvidas, inclusive, no
âmbito do Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA, já no final da década
de 1980 e início de 1990.
Por outro lado, o acesso à terra é um anseio que está intrínseco à
condição existencial de qualquer tipo camponês. Assim, nos PADs, apesar
da expropriação, já se desenvolver, partindo das iniciativas de organizações
comunitárias existentes (como as CEBs e as delegacias sindicais) muitos
grupos de trabalhadores que têm se organizado com apoio de instituições como
a Comissão Pastoral da Terra (CPT/AC), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
(STRs) etc. Estes estão buscando mecanismos de resistência na terra, com a
formação de associações e cooperativas.

Os PAEs e as RESEXs.

Os projetos de assentamentos extrativistas (PAEs) e as reservas


extrativistas (REZEXs), também foram implantados em áreas de grandes tensões

140
sociais e de expressiva ação dos movimentos de resistências organizados sob
a liderança dos STRs e com apoio de várias organizações como tais como o
Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).
Todavia, ao contrário dos PADs, estas iniciativas (mais a RESEX
que o PAE) surgem como alternativa no processo de amadurecimento das
organizações populares desses trabalhadores e são implantadas em áreas cuja
expropriação dos moradores tradicionais ainda não havia atingido patamares
muito elevados.
No Acre, atualmente, são duas reservas extrativistas: RESEX Chico
Mendes (Mesorregião Geográfica Vale do Acre); RESEX Alto Juruá (na
Mesorregião Geográfica Vale do Juruá); e oito PAEs.
Após o nome do projeto, está a localização por municípios: Porto
Rico (Acrelândia), Canary (Bujari), Limoeiro (Bujari), Remanso (Capixaba),
Santa Quitéria (Brasiléia), Cachoeira (Epitaciolândia), Porto Dias (Acrelândia)
e Riozinho (Sena Madureira). Está em fase de implantação mais uma RESEX
(Cazumbá/Iracema). Estas modalidades são espaços ocupados por populações
que sempre trabalharam com atividades extrativistas de recursos naturais
renováveis da floresta.
A regularização fundiária, nestas áreas, ocorre, de forma coletiva,
através de contratos de concessão de uso, celebrada entre o poder público e
associações representativas dos moradores. Então, por meio da aprovação de
um Plano de Utilização, se estabelecem as normas para garantir a conservação
e uso sustentável dos recursos naturais (ACRE, 2000).
Assim, caberá à sociedade que ocupa este espaço definir os critérios
e objetivos para os quais estarão voltados os programas, planos e projetos de
utilização elaborados. Na prática, o que temos visto hoje, no Acre, é a busca
de alternativas que variam de uma comunidade para outra e a formação de
importantes parcerias entre as associações de moradores das RESEXs e dos
PAEs com alguns órgãos oficiais do poder público local ou até com ONGs.
Mas aí também reside a possibilidade de serem criadas formas de forças
capitalista para adentrarem às RESEXs e Paes e subordinarem os processos
produtivos (relações de produção e de trabalho) pelas formas, ritmos e padrões
de produção (adoção tecnológicas, maior quantidade de mercadoria, padrão
certificado etc.) sob a lógica da circulação das mercadorias.
Os PAEs são projetos que visavam regularizar a situação dos
seringueiros que resistiram a expropriação promovida no contexto da
configuração territorial da fronteira agropecuária. É uma alternativa
desenvolvida no Âmbito do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA),
com a assessoria do CNS e Instituto de Estudos Amazônicos. Aí as famílias
mantinham sua estrutura baseada na colocação, com três estradas de seringa,
em média, como demarcadora de sua área de domínio vivencial (o que significa
uma área variando entre 150 a 250 hectares). Nestes espaços, os proprietários

141
podem trabalhar com extrativismo e atividade agrícola de auto-sustentação,
mas devem priorizar aquelas ligadas aos ramos agroflorestais e de silvicultura.
Do ponto de vista jurídico, estes Projetos estão subordinados à administração
do INCRA.
Como vimos, a idéia da RESEX nasceu dos próprios seringueiros
em meio às suas organizações e lutas de resistência. Seriam estas alternativas
viáveis para conciliar as condições vida e valores socioculturais, no âmbito da
regularização fundiária na região, para o seringueiro. Nos PAEs, por exemplo,
buscava-se criar numa alternativa jurídica e conciliadora para legalização da
terra, formas de utilizações dos recursos da floresta e da ecologia, socialmente
viáveis ao ambiente, no conjunto com a sociedade local.
Em suma, o domínio sobre a terra das RESEXs baseia-se nas
colocações, com o uso exclusivo da família que as ocupa, mas o controle sobre
a utilização da área é coletivo (CASTILLO, 1999). Daí, a organização de
associações de moradores das reservas.
As RESEXs e os PAEs representaram, acima de tudo, uma conquista
socioambiental e territorial, em que graças à organização dos trabalhadores
seringueiros na resistência e luta pela terra, abriram-se condições para uma
efetiva territorialização do domínio dos camponeses – a “terra de trabalho”,
sobre áreas antes territorializadas pelo capitalismo (os seringais e fazendas) – a
“terra de negócio” (Cf. MARTINS, 1997).
Hoje, algumas comunidades já gozam de melhores condições de vida,
mas há muitas áreas demasiadamente empobrecidas. Há também problemas
como: a ocupação de áreas por posseiros, às vezes, expropriados dos PADs
ou, por população que havia migrado para a cidade nos anos anteriores e agora
tentam voltar para junto de conhecidos ou parentes; há ainda, a insistência de
alguns em trabalhar com atividades que levam a maior desmatamento; existem
também as questões referentes à falta de preço aos produtos; faltam vias e
meios para o escoamento da produção; assistência na educação e saúde; há
grande dificuldade em se alcançar toda a população com formas de organização
coletivamente; há, ainda, formas que interesses capitalistas que podem penetrar
estas áreas e sobrepor-se à outra, subordinando os sujeitos que aí vivem (em
seus processos e projetos de vida), levando as riquezas e deixando muito pouco
etc.
Estas situações podem conduzir, às vezes, moradores das RESEXs
e dos PAEs a migrarem em busca de melhores condições de vida. Enfim,
podemos dizer que se tiveram conquistas atualmente, é preciso continuar a luta
para mantê-las. Aí reside o desafio não só para os moradores dessas áreas, mas
para o poder público e para a sociedade acreana, e até, a brasileira em geral.
No plano da utilização destas áreas de reacomodoção camponesa, a
grande vantagem que oferecem essas modalidades de ocupação da terra sobre
os PADs (os atuais PCs) e PAs, é que o uso da terra para outra finalidade

142
que leve a um desmatamento em escala maior é proibido. Isto inviabiliza o
avanço de força devastadora da pecuária capitalista e qualquer possibilidade
de reconcentração da propriedade da terra.
Acreditamos que no âmbito da reestruturação fundiária acreana
pós 1970, os PAEs e as RESEXs tendam cada vez mais a se caracterizarem
como autênticos territórios camponeses na Floresta Amazônica; contudo, com
enorme desafios, também viabilizarem formas de impedir que forças capitalistas
retomem estes espaços em nome do desenvolvimento e da sustentabilidade.

Os pólos agroflorestais

Trata-se de uma proposta de assentamento de famílias de origem


campesina (seja do campo ou da floresta) que expropriadas, nas últimas três
décadas passadas, migraram para as periferias das cidades acreanas.
A criação desta modalidade de assentamento resulta de políticas que,
além da finalidade produtiva, visam o “retorno” dessas pessoas ao “campo”,
numa inversão das correntes do êxodo rural das décadas anteriores. São ações
planejadas de assentamentos em áreas, considerando sua proximidade de
uma cidade ou via trafegável, suas potencialidades hídricas e pedológicas,
suas aptidões para as atividades agroflorestais e hortifrutigranjeiras e a
possibilidade de organização comunitária (associações e cooperativas) e de
ações de recuperação de áreas degradadas com o reflorestamento (recuperação
de matas ciliares e formação de SAFs).
Assim, os requisitos para uma área ser transformada em pólo agro
florestal são: a proximidade do mercado de consumo, infra-estrutura viária
que possibilite o escoamento da produção, o acesso aos serviços sociais
indispensáveis (saúde, educação e energia),o fato da área situar-se em solos
com aptidões para a atividade a que é destinada e a possibilidade de ser assistida
por serviço de extensão rural.
Atualmente, já foram implantados pólos nos municípios de
Mâncio Lima, Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves, Tarauacá, Feijó, Brasiléia,
Epitaciolândia, Xapuri (dois pólos), Capixaba, Sena Madureira, Bujari, Porto
Acre e Rio Branco (ACRE, Sd.).
Embora estas condições, antes, tenham sido vistas e avaliadas
tecnicamente (assim prevê os documentos de criação), para estas modalidades,
há uma série de problemas como: o fato de estarem localizadas sobre áreas
de antigas pastagens, o fato de serem servidas por cursos d`águas já muito
degradados (que se tornaram temporários), a distância da cidade e meio de
transporte de pessoas e da produção, a capacidade de consumo dos mercados
locais (no interior do Estado), as incertezas da viabilidade dos SAFs, e as
implicações da estrutura para a produção hortifrutigranjeira serem mais caras

143
(o que aparenta ser a atividade mais viável em caráter de curto prazo).
Cabe ainda ressaltar alguns pontos críticos como a incerteza
dos assentados quanto à forma jurídica que seu lote será reconhecido; a
incompreensão pelas dimensões dos lotes (variando entre três e nove hectares),
embora nenhum tenha usado toda a extensão territorial destes; a relação da
produção efetivada sobre áreas semidegradadas, o que torna mais demorado
o retorno de rendas à família produtora; o tempo para a formação de uma
identidade comunitária entre as famílias assentadas; o tempo para a formação de
uma maturidade política coletiva dos grupos assentados, quando os executores
dos projetos querem resultados imediatos etc.
Contudo, admitimos que se há um ponto que é positivo além de
alguns já mencionados, este reside na promoção de uma nova mentalidade
na política de assentamento. Aí não se baseia mais na extensão das áreas, mas
na valorização do uso do solo e da força de trabalho para os fins propostos.
Provavelmente, esta proposta poderá ser formadora de opinião implicando
num uso mais intensivo do solo e no cuidado maior com o ambiente natural/
produtivo do lote.

Situação atual da unidade familiar no Estado

Após três décadas de políticas de assentamentos no Acre, já se


configuram uma série de iniciativas de colonização feitas pelo INCRA, mas
também pelo Estado e até pelo Município de Rio Branco. Perante estas
modalidades, a situação que mais se aproxima deste momento é a que nós
expomos nos Quadros 05 e 06, considerando dados de 2005.
Nota-se, com estes quadros (05 e 06), que as modalidades de
assentamentos promovidas pelo Órgão Federal são predominantes no Acre. As
iniciativas estaduais estendem-se já por vários municípios do estado, contudo,
atingem um universo populacional pequeno. Já as municipais restringem-se ao
município de Rio Branco.

Quadro 05: Assentamentos na Mesorregião do Vale do Juruá


Assentamentos
Municípios /
Modalidades Cap. / assent. Fam. / assentadas
3 PA 242 185
1 PAD 717 649
Cruzeiro do Sul
1 PE 41 33
7 PA 1.147 1.021
Rodrigues Alves
1 PE 40 18

144
2 PA 238 178
Mâncio Lima 1 PE 35 22
Mal. Thaumaturgo 1 PA 260 195
Porto Walter 1 PA 31 30
Tarauacá 3 PA 983 586
3 PA 808 689
Feijó 1 PE 19 18
Fonte: INCRA, 2005 (População dos Beneficiários por sexo).

Também se observa que estes projetos predominam nos municípios


da Mesorregião Geográfica Vale Acre, isto está relacionado à própria demanda
por terra, na área mais populosa do Estado. São lotes que oscilam de 25 a
50 hectares, mas em alguns projetos mais antigos, podem chegar a até faixa
de 50-100 hectares. Buscavam-se assentar famílias na terra, para práticas
agropecuárias, onde depois teriam a propriedade definitiva de seus lotes.

Quadro 06: Assentamentos na Mesorregião do Vale do Acre


Assentamentos
Municípios / Modalidades Cap. / assent. Fam. / assentadas
Acrelândia 5 PA 1.048 911
Assis Brasil 1 PA 80 41
4 PA 243 209
1 PE 75 66
Brasiléia 1 PAD 950 936
2 PA 198 182
Bujari 1 PE 53 49
Capixaba 3 PA 841 836
Epitaciolândia 1 PE 16 9
Plácido de Castro 1 PA 305 249
1 PAR 274 61
Manoel Urbano
2 PA 430 302
1 PAD 951 967
3 PA 1.281 1.224
Porto Acre
1 PE 19 19
9 PA 2.055 1.949
3 PCA 148 137
Rio Branco
1 PE 58 56
Santa Rosa 1 PA 370 50
1 PAR 440 250
1 PAD 2.756 811
Sena Madureira 1 PE 45 40
4 PA 500 476
1 PAD 4.587 4.216
Senador Guiomard
1 PA 180 166

145
1 PA 100 85
Xapuri 2 PE 63 62
Fonte: INCRA, 2005 (População dos Beneficiários por sexo).
Obs: PA – Projeto de Assentamento; PAD – Projeto de Assentamentos Dirigidos; PE –
Pólo Agroflorestal; PAR - Projeto de Assentamento Rápido; PCA – Projeto de Colonização
Agrícola.

No que se refere às áreas florestais (INCRA, 2005), atualmente, a


realidade de regularização fundiária é proposta basicamente pelo Governo
Federal via INCRA, com modalidades de assentamentos como: os Projetos
de Assentamentos Extrativista – os PAEs; os Projetos de Desenvolvimento
Sustentável – os PDS; o Projeto de Assentamento Florestal, os PAFs; e via
IBAMA com as Reservas Extrativistas – as RESEXs. É interessante que, destes,
os PAEs foram a primeira modalidade implanta, mas sãos as RESEXs, que
realmente surgem como uma proposta proveniente das lutas dos seringueiros
(Quadro 07 e 08).

Quadro 07: Projetos de reforma agrária em áreas florestais


Assentamentos
Quant./
Municípios Cap. / Fam. /
Modal.
assent. assentadas
Mesorregião Geográfica Vale do Acre
1 PAE 83 80
Acrelândia
1 PDS 300 233
Brasiléia 1 PAE 223 216
Epitaciolândia 3 PAE 150 153
Bujari 2 PAE 64 28
Capixaba 1 PAE 435 165
Xapuri 1 RESEX 1.794 857
1 PAE 120 64
Sena Madureira 1 RESEX 243 195
1 PAF 150 112
Fonte: INCRA, 2005 (População dos beneficiários por sexo)

Estes assentamentos visam, sobretudo, promover formas de manter


a população da floresta em seu local de vivência, sem introduzir propósitos
que os levem a fazer grandes transformações no ambiente natural. Nisto
desenham-se as políticas agrárias que propõem fazer da floresta um ambiente
produtivo capaz de manter a população trabalhadora que aí vive, ou até de
receber populações que antes daí foram expropriadas.

146
Quadro 08: Projetos de reforma agrária em áreas florestais
Quant./ Assentamentos
Municípios Cap. / Fam. /
Modal.
assent. assentadas
Mesorregião Geográfica Vale do Juruá
Cruzeiro do Sul 1 PDS 300 242
Mâncio Lima 1 PDS 250 158
Mal.
1 RESEX 567 508
Thaumaturgo
Porto Walter 1 PAE 300 164
Rodrigues Alves 1 PAF 150 76
Tarauacá 1 RESEX 170 154
Fonte: INCRA, 2005 (População dos beneficiários por sexo)

Na verdade, estas iniciativas, no começo, provieram de reivindicação


mais formalizada dos camponeses florestais organizados em sindicatos,
em que, a partir das RESEXs, abriram possibilidades de criação de outras
modalidades. Todavia, não podemos esquecer que ao trazer para o âmbito
do projeto nacional de colonização formas de regularização fundiária destes
trabalhadores florestais, houve também tentativas de desfocalizar o sentido da
lutas sociais, sobretudo, do papel dos sindicatos, dos conselhos e federações
representativas dos trabalhadores em estar gerando propostas próprias.
Ademais, ressaltamos que ainda em 2005 (INCRA, 2005) além
das unidades de conservação (UCs) já citadas (as RESEXs) há mais UCs no
Acre: FE – Florestas Estaduais: do Antimary (Bujári, com 170 assentadas), do
Rio Liberdade (Tarauacá, com 220 residentes), do Rio Gregório (Tarauacá,
com 200 famílias residentes), do Mogno (Tarauacá, 210 famílias residentes),
Chandless (Santa Rosa do Purus, Sena Madureira e Manoel Urbano, sem
levantamento populacional); PARNA - Parque Nacional da Serra do Divisor
(Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Porto Walter e Marechal
Thaumaturgo, com 570 residente na área); ESEC - Estação Ecológica do
Rio Acre (em Assis Brasil, não há população residentes); ARIE – Área de
relevante Interesse Ecológico (Epitaciolândia, com 35 famílias residentes); as
FLONAS - florestas nacionais: do Macauã (Sena Madureira e Manoel Urbano,
10 famílias residentes), de São Francisco (Sena Madureira e Manoel Urbano,
9 famílias residentes), de Santa Rosa (em Santa Rosa, sem dados da população
residentes).
No caso destas modalidades de regularização fundiária, são de
proposições governamentais, e no geral, não atendem diretamente às pretensões
das populações residentes, mas sim desígnios da política preservacionista
nacional, estadual e até internacional. Em muitos casos, são formas estranhas
postas para estas populações, significando, inclusive, a retirada de populações
locais para sua recolocação em áreas externas a elas, como no PARNA da

147
Serra do Divisor. Na maioria das vezes, estas UCs criadas têm atuado mais
impedimento as pretensões sociais locais que em seu favor.

Os sistemas produtivos agrários locais

A formação política e territorial do Acre, desde o início no século


XIX, esteve ligada à produção econômica e social da floresta, enquanto
ambiente produtivo. Os processos introduzidos na década de 1970, com a
fronteira agropecuária implantaram mudanças profundas na produção e uso
rural do solo, em que a floresta era vista como empecilho. Como conseqüência,
as atividades agropecuárias que até o final da década de 1960 eram pouco
consideráveis (apesar de já existir desde o início do século na região), ganhou
maior espaço e chega à atualidade como um dos segmentos produtivos de maior
peso na economia agrária local. Todavia, também a partir dessas mudanças, os
conflitos se acirram como reação dos moradores da floresta.
Nos anos seguintes, acreditou-se que sendo a floresta desprovida
de possibilidade de produzir economicamente, exceto quando submetida
à exploração madeireira (predatória) e à pouca viabilidade de atividades
agrícolas mecanizadas, a vocação natural da Amazônia seria a pecuária.
Porém, hoje, há vários pontos que nos levam a ver o porquê isto não é verdade
se considerarmos:

 Os problemas oriundos dos desmatamentos desenfreados;


 Os reflexos da estrutura agrária nacional, reproduzidos na região
(concentração de terra e expropriação camponesa);
 O fracasso regional de muitos projetos agropecuários;
 A resistência e a luta da população local pela manutenção da
floresta em pé;
 As pressões internas e externas contra o desmatamento;
 O peso que ganha as questões ecológicas e ambientais no final
do século XX e início do XXI;
 A geração de alternativas produtivas na floresta.

Todavia, como o documento do ZEE/AC (ACRE, 2000) definiu, há


um zoneamento possível para o uso da terra no Estado. Assim, as atividades
produtivas que já se instalaram, terão lugar no espaço agrário, desde que
obedeçam às aptidões econômicas e ecológicas estadual.
Por outro lado, nos últimos anos tem ocorrido uma multiplicação
das UCs (unidades de conservação) de uso direto e indireto. Isso ampliou os
territórios florestais permanentes (apesar de nem todos prever a permanência
da ocupação humana). Nisto, também se forjam limites para a expansão da

148
atividade agropecuária.
O que se pode dizer é que há uma tendência produtiva “vocacional”
para o espaço agrário acreano, perante a realidade exposta neste quadro que
diríamos ser essencialmente “agroflorestal”. Entendemos como agroflorestal
mais que as atividades extrativas e de coleta natural. Mas também o manejo
de recursos madeireiros e não-madeiros, a recuperação de áreas degradadas,
a introdução de SAFs etc., no sentido de que vimos ser tratada a tese do
“neoextrativismo” (REGO, 2001):

O neoextrativismo é um conceito ligado à totalidade


social, a todas as instâncias da vida social, a econômica, a
política e a cultural. Na dimensão econômica, é um novo
tipo de extrativismo, que promove um salto de qualidade
pela incorporação de progresso técnico e envolve novas
alternativas de extração de recursos associadas com
o cultivo, criação e beneficiamento da produção [...].
Portanto, cultivo, criação, artesanato são extrativistas
desde que se harmonizem com valores, crenças e costumes
da população extrativista e com as características do
seu ambiente local [...]. Nesta ótica, o neoextrativismo
envolve os componentes “agro” e “florestal”, além do
extrativismo “puro”. Mas não inclui a agricultura e
silvicultura moderna baseada na revolução verde que
acelerou a modernização agrícola [...] no Sudeste e no
Sul. Ao contrário, o agroflorestal do neoextrativismo
envolve diversificação, consórcio de espécies, imitação
da estrutura da floresta e uso de técnicas desenvolvidas
pela pesquisa a partir dos saberes e práticas tradicionais,
do conhecimento dos ecossistemas e das condições
ecológicas regionais (REGO, 2001).

Portanto, a produção agroflorestal, sob esta ótica, não se difundirá


como um processo de homogeneização produtiva e econômica. Vemo-la como
um sistema produtivo que poderá voltar a ser predominante, porém, dividindo
espaços com outros setores da produção agrária, ainda que noutras matrizes
produtivas e tecnológicas.
Considerando a preocupação com a floresta, vista como “lugar
produtivo” (pois no contexto da fronteira agropecuária esta condição lhe era
negada), sob ótica de operar economicamente esses espaços, passa-se a pensá-
la como potência a ser explorada. Neste sentido, sendo “a floresta o único
monopólio verdadeiro do Estado” e que esta não é passível de ser “domesticada
e cultivada”, torná-la produtiva, do ponto de vista socioeconômico atual, “é
base fundamental para garantir sua permanência” (CTA, 1999, p.12).
Assim, a condição efetiva para um experimento real de uma proposta

149
de desenvolvimento baseada em produção florestal, no Acre, justifica-se nos
seguintes pontos: a) - mais que um terço de seu território é ocupado por unidades
de conservação e áreas de usos do solo florestal; b) - nestas áreas habitam uma
população aproximadamente 50.000 pessoas; c) - além disso, cerca de noventa
por cento do território estadual é ocupado por floresta.
Todavia, ressalva-se que dada a multiplicidade de sistemas agrários
produtivos, não vemos possibilidades concretas para efetivação de uma
“economia agroflorestal” exclusiva. Assim, compreendemos que mesmo em
unidades de conservação de uso direto, há plena possibilidade de conciliação
de atividades de cultivo e criação de animais com atividades de caráter agro
extrativa.
Tudo isto, em nível de perspectiva produtiva e de mercado, marca
novas possibilidades aos produtos tradicionais da floresta como a borracha
e a castanha-do-Brasil, mas também de outros como a madeira certificada,
óleos (copaíba, por exemplo), frutas, sementes, essências etc. Neste contexto,
a produção familiar camponesa, também começa a ser vista sob novas
possibilidades produtivas. É claro, temos de entender, que isso não é um
processo apenas localizado, mas é parte de reflexo das mudanças globais
repercutindo na realidade do local, ou seja, é também parte da inserção da
realidade amazônico-acreana no âmbito das relações globalizadas.
Vejamos agora alguns destes principais sistemas produtivos:

A lavoura branca e a agropecuária

A lavoura branca, como cultivo de produtos da alimentação básica,


sempre teve importância na economia familiar para os camponeses amazônico-
acreanos. Como vimos, esta prática na floresta entre os seringueiros livres
dava condições complementares à renda familiar que se baseava na atividade
extrativa; já entre os “colonheiros”, as colônias agrícolas era (e é ainda) a base
econômica de sua produção .
A pecuária que era pouca significativa entre os seguimentos
camponeses, após os anos 1970, tendeu a se expandir. Isto se dá à medida que
ela se torna um “investimento” que garante maior estabilidade na montagem de
um pequeno capital fixo familiar. Desta forma, além de fazer parte da produção
do auto-sustento familiar, irá aparecer como “medida de poupança” diante
da instabilidade das outras atividades produtivas, para uso em momentos de
extrema necessidade.
Assim, essas atividades estão presentes, do ponto de vista das políticas
do “Governo Estadual”, na produção familiar camponesa e são vistas como
atividades acessórias, em face de propostas de atividades agroflorestais. Com
isto, pode-se dizer que a pecuária em territórios de vivências camponesas, tem
se mantido com a criação de pequenos rebanhos bovinos.

150
Já nas lavouras brancas, destaca-se o cultivo do arroz, do feijão e do
milho, sobretudo em áreas de colonização agrícola (isto não exclui produção
que pode vir de áreas florestais). As frutas e hortaliças produzidas provêm de
pequenas colônias ou de áreas dos pólos agroflorestais e hortifrutigranjeiros,
nas proximidades das cidades, em especial, de Rio Branco.

A agrossilvicultura

A busca de práticas alternativas de cultivos tem se originado tanto da


necessidade de adotar tipos de culturas adaptadas ao ambiente local, como das
respostas às pressões (internas e externas) por práticas agrárias que conciliem
cultivos semi-artificiais com as condições eco-ambientais acreanas. São sob tais
bases que se teve a adoção das práticas em SAFs (sistemas agroflorestais).
Mas o que é um SAF? Segundo Dubois, Viana e Anderson (1996,
p.3), os SAFs – “sistemas agroflorestais” seriam “formas de manejos da terra
nas quais árvores ou arbustos são utilizados” associados ao cultivo agrícola
e/ou com a criação de animais, em uma mesma área, simultaneamente, num
processo continuado. No entanto, a adoção dos SAFs na Amazônia-acreana,
traz, na sua concepção, um processo de tratar das questões da produtividade
local vinculando sistemas agrossilvícolas e agrícolas, baseados no plantio de
espécies locais que recompõem o ambiente, mas não perdem as pretensões
de geração de dividendos econômicos e de vinculação ao mercado. Assim,
tem-se destacado os SAFs, em áreas das quais são retiradas as capoeiras, com
o cultivo do cupuaçu, pupunha, açaí, araçá, seringa, castanha, café, cacau e
espécies madeireiras locais como o mogno, a cerejeira, o cedro etc., ou exóticas
como o freijó e a teca, sendo que, nos primeiros anos, a área pode ser ainda
aproveitada para a plantação de culturas temporárias. Também há o emprego de
técnicas de “enriquecimento de espécies”, que consiste no plantio de espécies
da flora regional, em meio a florestas primárias ou secundárias, adensando a
população, geralmente com vista de tornar a área mais produtiva, sobretudo,
do ponto de vista econômico, em médio e longo prazo (SILVA, 2003¹).
Com o projeto de desenvolvimento, implantado, recentemente, pelo
governo do estado (1999-2006), a difusão de SAFs tem se tornado uma opção
de políticas públicas para o desenvolvimento agrário. Estes sistemas, contudo,
muito mais que ser uma prática específica da reprodução de áreas de cultivos
agrícolas no campo, têm sido levados também para áreas florestais. Vemos aí,
a construção da produção do espaço agrário acreano, uma tendência a se firmar
como processo produtivo ideal para a região, sob os diversos pontos de vista.
As áreas destinadas a estas práticas podem ocorrer em todas as
modalidades de assentamentos, sendo, porém, prioritárias, nos Projetos de
Desenvolvimento Sustentável e Pólos Agroflorestais.
Todavia, além dos SAFs, tem se desenvolvido, ainda, atividades

151
de agrossilviculturas com o cultivo de apenas um produto, por exemplo, a
pupunha para a produção de palmito, ou ainda, o guaraná. Esta monocultura
tem, contudo, sido feita em áreas já desmatadas. Cabe distinguir, que o guaraná
é uma lavoura perene, ao passo que a pupunha “para a produção de palmito”,
apesar de sua produtividade poder se prolongar por anos consecutivos não é
(as palmeiras de pupunha, além da haste principal, perfilham várias mudas
que nascem após uns cinco meses do replante). Contudo, já se têm discutido
possíveis formas de introduzir estes produtos em sistemas consorciados, sem
maiores prejuízos econômicos e ambientais.
Outros produtos típicos da região são o cupuaçu e o cacau. Essa
produção volta-se, em especial, para a extração de polpa para suco. O cacau,
no Acre, é cultivado, geralmente, em plantios caseiros, em que as poucas frutas
que excedem ao consumo familiar são colocadas à venda. Já o cupuaçu, está
sendo introduzido na formação de SAFs. Porém, no Acre, em geral, os SAFs
ainda não estão produzindo o produto em larga escala. Daí, o fato de a produção
de cupuaçu também ter um caráter caseiro ou de pequenas lavouras em sítios
ou chácaras próximas da cidade.

O extrativismo atual

Tratar de uma retomada do extrativismo como atividade produtiva


nos dias atuais, traz uma relação simbólica do processo de ocupação do
Acre. Têm-se respaldo sociocultural para buscar alternativas de reinserir, no
mercado, produtos que já estiveram decadentes, paralelos à descoberta de
outros produtos com potenciais de exploração. Isto, entretanto, incidirá em
dimensões de mudanças no âmbito produtivo, perante a adoção de novas
matrizes tecnológicas.
Por isso, a floresta aparecerá como território produtivo que
qualitativamente faz a passagem da fronteira extrativista, que em si, a
caracterizou, por décadas, para a “fronteira técnica-ecológica” sobrepondo
os propósitos da expansão agropecuária em curso. Isto implica em mudanças
consideráveis nas matrizes produtivas prevendo a permanência da “floresta em
pé”, sendo “manejada” por relações de produções refeitas, reformuladas ou
mesmo recriada a partir de práticas antigas.
No âmbito do manejo, há o aparecimento de vários outros produtos
que começam a ser incorporados nas práticas extrativas dos trabalhadores
florestais. São: os produtos fitoterápicos, os óleos, as sementes, as folhas, os
cipós etc. Até o momento, a exploração desses produtos, com raras exceções,
não entram diretamente na ação das políticas dos órgãos governamentais.
Porém, estas políticas têm viabilizado tais produções pelos incentivos à
diversificação produtiva implementada.
Contudo, como podemos observar, o Quadro 09 mostra que ainda há

152
pouca variabilidade de novos produtos extrativos, explorados comercialmente
(aí não constam os dados de produção da borracha). Destes, o que tem maior
peso é a castanha. A este potencial comercial grande de aceitação, na atualidade,
pode-se dizer que também se relaciona sua composição nutricional de 17% de
proteínas, 68% de gorduras, 6% de carboidratos, 4% de sais e 5% de água
(ACRE, Sd¹).
Explicando mais detalhadamente, pode-se dizer que o Açaí ainda
provém, na sua totalidade, da coleta natural na floresta, sendo que já existe
cultivo em lavoura que brevemente entrará com sua produção.
A madeira em tora também está voltada para indústrias, sendo que,
geralmente, não é oriunda de áreas de manejos. Há outras utilizações de madeira
na produção do carvão vegetal (para o consumo no próprio mercado local) e
lenhas para alimentar os fornos, sobretudo, de indústrias oleiras. Esta madeira
quase sempre é proveniente daquelas áreas de desmatamentos em fazendas ou
das que foram retiradas toras. De modo geral, com exceção do extrativismo do
açaí e da castanha, as demais atividades referidas têm um peso considerável
sobre o ambiente florestal.

Quadro 09: Acre - principais produtos extrativistas


2000 2001 2002
Valor Valor
Valor (1
Quant. (1 mil Quant. (1 mil Quant.
Produto R$) R$)
mil R$)
Castanha
do Brasil 8.247 3.141 5.924 1.888 6.674 2.888
(t.)
Acaí –
431 59 541 94 807 229
fruto (t.)
Madeira
em tora 206.961 6.742 242.845 8.118 287.306 10.771
(m³)
Carvão
vegetal 2.105 597 2.037 581 2.118 576
(t.)
Lenha
450.781 2.694 481.293 2.362 505.539 3.132
(m³)
Fonte: ACRE, 2001; IBGE, 2002.

No que refere-se à castanha-do-Brasil, podemos afirmar que ela é


um dos produtos mais tradicionais da economia amazônica, sendo que, no
Acre, ela ocorre apenas em territórios drenados pelos rios da Bacia do Purus.
Todavia, é uma árvore muita dependente do seu habitat natural para produzir
e, geralmente, após o desmatamento, mesmo elas permanecendo “em pé” em
meio às pastagens, entra em gradativo processo de esterilização. Apesar destas

153
características, o Acre possui a maior densidade desta espécie, representando
praticamente quase a metade da produção nacional. A capacidade produtiva
anual do Estado está estimada em torno de dez mil e quinhentas toneladas
brutas, sendo em média, setenta e cinco toneladas beneficiadas.
Atualmente, o estado está em fase de implantação de duas usinas
de beneficiamento (Xapuri e Brasiléia) o que ampliará a capacidade de
beneficiamento para 1.800 toneladas anuais (descascadas e desidratadas).
Os principais produtores da castanha beneficiada estão nos municípios
da Microrregião Geográfica de Brasiléia. Aí se destacam as Cooperativas
CAPEB/COMPAEB (Brasiléia e Epitaciolândia), a CAEX (Xapuri) e a
COOPERIACO (Sena Madureira), além da venda do produto para compradores
bolivianos. Mas também nos outros municípios da Mesorregião Vale do Acre
tem significativa produção in natura. A comercialização do produto é feita com
indústrias nacionais, mas também exportadas para outros países (como para
Itália, EUA, Bolívia).
Com a ampliação do mercado para o produto, os padrões de produção
têm sido mais rígidos. Isto tem demonstrado ser instrumento de difusão e
adoção de tecnologia de beneficiamento que, em geral, cada vez mais padroniza
o produto na condição daquilo que pode ser chamado de “mercadoria verde”.
Já em 1996, os dados do IBGE, no Acre, já apontavam para um
crescimento na produção da castanha-do-Brasil. Nesse ano, esta produção fora
equivalente a 44,1% da produção nacional, superando, inclusive, o Pará que
ficou na casa dos 43,3%. Estes estados sãos os dois maiores produtores do
produto in natura (BRASIL, 2001). Já na atualidade, este índice da produção
acreana chega próximo aos 50,0% da produção amazônica.
O outro produto que vem reconquistando importância é a Borracha.
Com o avanço da fronteira agropecuária pós 1970, até o início da década de
1990, praticamente, não era mais viável sua exploração.
As estradas de seringas foram desativadas e os trabalhadores florestais,
quando permaneceram na floresta, passaram a diversificar suas atividades com
cultivo e criação (bovina, suína e avícola), e com a coleta da castanha e da
quase insignificante produção de borracha. Só a partir de 1998, com a vigência
do Governo Estadual Jorge Viana (Engenheiro Florestal), recomeçou-se a
discutir formas de incentivos para uma retomada da produção. Houve, então,
como fruto das reivindicações dos movimentos sociais rurais que se arrolava
por anos de lutas, o estabelecimento da lei do “subsídio da borracha” (Lei
Chico Mendes – Lei nº. 1.277 de 13/01/1999.) que chega a cobrir dois terços
do preço pago ao produto.
Aqui cabe ressaltar em que consiste esta Lei:

Dispõe sobre concessão de subvenção econômica aos produtores de


borracha natural bruta do Estado do Acre e dá outras providências.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO ACRE: FAÇO SABER que a

154
Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a conceder subvenção
econômica aos produtores estaduais de borracha natural bruta, no
valor de até R$ 0,40 (quarenta centavos de real) por quilo, podendo ser
corrigido e atualizado através de decreto do Poder Executivo
Parágrafo Único. A subvenção econômica será regulamentada por
decreto do Poder Executivo.
Art. 2º As despesas decorrentes com a subvenção econômica, criada no
artigo anterior, correrão por conta de dotação orçamentária própria do
Tesouro Estadual, Órgão 1600, Unidade Orçamentária 1620, Programa/
Projeto 04401831.035, Elemento de Despesa 3212.
Art. 3º Fica o Poder Executivo autorizado a celebrar convênios com
entidades nacionais e internacionais, objetivando fomentar a produção
da borracha.
Art. 4º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário. Fonte: (ACRE, 1999).

Tais aspectos, positivo na produção da borracha, pode ser notado no


demonstrativo do primeiro período de vigência da Lei Chico Mendes, como
apresentamos no quadro abaixo:

Quadro 10: Produção de borracha natural bruta 1999-2002.


Estado/ Produção (Kg.)
municípios 1999 2000 2001 2002*
Acre 1.252.000 2.829.999 3.756.267 3.999.999
Fonte: ACRE, 2001. * - Estimativa de produção para o ano 2002 da SEFE/DEX.

O que se pode ver é uma tendência ao crescimento produtivo. Nisto,


compreende-se o alcance social da lei Chico Mendes, quando podemos dizer
que aí existem mais de seis mil famílias envolvidas na produção. Vemos que
nisto se firmam as bases para manter o homem em sua terra florestal.

O Manejo madeireiro florestal

Como já tratamos, outra atividade extrativa que tem sido incentivada


é a da “madeira manejada”. A madeira é o produto da floresta que numa
extração predatória tem nas espécies nobres como o mogno, a cerejeira, o
cedro etc, os recursos mais cobiçados e valiosos. Isto, pois, são espécies que
podem oferecer maior competitividade e liquidez no mercado.
Assim, com grande parte do território ainda coberto por vegetação
natural, a floresta resguarda o maior potencial de recursos naturais disponíveis

155
no Acre. Isto, considerando que, até o momento, não há identificação de
fontes de recursos minerais viáveis de exploração, como ocorre em outros
estados amazônicos. Esse potencial madeireiro, contudo, vai muito além
destas espécies chamadas de “madeiras nobres”. Dadas tais características e a
carência de geração de riqueza local, concordamos que não incluir a madeira
na proposta de manejo florestal pode significar um atrofiamento irreversível na
viabilização da floresta como espaço produtivo.
Todavia, referimo-nos à extração feita com tecnologia que permita a
prática extrativa com menor comprometimento do ambiente florestal, planejada
e estudada a partir da área a ser “manejada”. (CTA, 1999).
Na região de Xapuri, o manejo madeireiro tem levado à prática do
que chamam de “jardinagem florestal”. Esta surgiu com a finalidade de que,
junto à retirada das árvores mais amadurecidas, o produtor atue ajudando no
crescimento das outras. Isto se efetiva quando no sistema de classificação das
árvores da mesma espécie – se baseam na filiação da mais velha para a mais nova
(como se fosse numa escala de “avó, mãe, filhas e netas”), vão sendo retiradas
as mais velhas. Os “manejadores” passam então a fazer a “limpeza” dessas
árvores, das espécies competidoras (“desbastamentos”, sobretudo de cipoais)
para o melhor desenvolvimento das mais novas que ficam na floresta. Assim,
tendo um crescimento mais rápido, poderá ser reaproveitada pelos próprios
moradores, no futuro, ou ampliar a capacidade de recomposição natural (isto é,
do poder de “resiliência da floresta”) em áreas manejadas (VIANA, MENDES,
N. e MENDES A., 2002).
Mas o que é o manejo em si? Manejar a floresta é cuidar dela com
muita atenção e cuidado. Não apenas retirar o que ela pode produzir, mas
enxergá-la como fonte de produção de frutas, palhas, cipós, madeiras, produtos
medicinais etc. É ainda reconhecer que a floresta pode produzir muito mais do
que produz hoje. Mais do que os roçados e pastos. Mas para isso ela precisa ser
muita bem cuidada (VIANA, MENDES, N. e MENDES A., 2002, p. 13).
Ademais, estes trabalhos feitos em Xapuri (Seringal Cachoeira,
dentro do Projeto PIFLOR – Pólo de Indústrias Florestais de Xapuri), têm
possibilitado grandes avanços na efetivação de um mercado para produtos
florestais manejados.
Recentemente, o projeto PIFLOR recebeu a “Certificação
Internacional FSC” (Forest Stewardship Council) de “bom manejo florestal”,
o primeiro desta natureza a receber tal certificado, no Brasil.
Portanto, o manejo florestal comunitário tem sido implantado como
estratégia de valorizar a atividade extrativista e desestimular a transformação
da floresta em pastagens e agricultura. Sendo a madeira o produto principal
da floresta, esta atividade ficará sempre vinculada ao complemento da renda
familiar, no conjunto com outras como: a coleta de castanha-do-Brasil, da
borracha e até mesmo com a agricultura e pecuária de pequena extensão.

156
O aumento da pecuária. Um problema na floresta?

Finalizando, podemos dizer que, apesar destes aspectos bastante


positivos, há estudos que apontam para o aumento do desmatamento em
áreas de conservação como as RESEXs e PAEs. Isto realmente tem ocorrido,
podemos citar como exemplo o que ocorreu no PAE Chico Mendes (Seringal
Cachoeira). Conforme VIANA, MENDES, N. e MENDES, A. (2002), trata-se
de uma questão da busca de alternativa na firmação de condição de vida. “Os
roçados estão sendo transformados em pastagens ao invés de retornarem ao
sistema de cultivo e pousio”, fato este que resulta no crescimento das áreas
devastadas. Porém, isto está longe de ser um problema ambiental alarmante,
pois é ainda é inferior com apenas 10 % de ocorrência, como tem apresentado
alguns agentes que acompanham a situação.
A questão consiste no processo histórico mais recente da fronteira
agropecuária, em que a floresta era vista como uso da terra pouco atraente,
sendo mais viável, substituí-la por outro uso imediato e mais rentável.
Os seringueiros não estiveram isentos dessas influências. Trata-se de
uma avaliação racional destes trabalhadores que, em suas condições sociais,
culturais e produtivas e na luta pela sobrevivência, objetivaram fixar certas
estratégias de segurança econômica.
A chave para tal compreensão é o retorno econômico dado pela
floresta em relação à agropecuária, numa dimensão de tempo de circulação e
disponibilidade de recursos monetários no território ocupado pelo trabalhador.
A nosso ver, não se pode tratar ou pensar que estes sujeitos devem eliminar
a prática da pecuária de subsistência. Criar algumas cabeças de gado que
permitam a esse trabalhador ter o leite e a carne10 para o consumo familiar
e comunitário, e ao mesmo tempo formar uma economia para ser acionada
em horas de extrema necessidade, é parte de sua autonomia; isto é algo que
não se pode negar. Aí residem mecanismos de garantia da auto-sustentação
camponesa, ou seja, da busca por “viver melhor”.
O que se pode fazer é a criação de formas que possibilitem um
crescimento da consciência destes sujeitos e nossa também para construir
alternativas a partir de suas próprias condições de vivências territorializadas,
seja no campo, ou na floresta.

Esta situação é importante, pois a pecuária aí criada tem uma aplicação direta na produção da
��

sustentação familiar. Em várias oportunidades, vimos que em meio às comunidades campone-


sas na Amazônia-acreana, por exemplo, costumam matar um animal e venderem ou trocarem
partes entre as famílias locais. Isto num processo rotativo na comunidade, repetindo por várias
vezes durante o ano, significará uma fonte de alimento e, ao mesmo tempo, uma “trégua a fauna
local” já bastante castigada.

157
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159
Geografia da luta pela terra: conflito e
resistência camponesa acreana

Silvio Simione da Silva

Como as aves e os animais, os seringueiros tornaram-se


pássaros sem ninho, cercados e acuados pela brutalidade
irracional daqueles que vivem de aventuras e não possuem
destino certo. (Bronzeado, João Antônio. Crepúsculo dos
Líderes. 2000, p. 65)

Conflitos e resistências dos trabalhadores

A história do Acre está sendo construída por conflitos que marcaram,


de diversos modos, sua formação socioespacial. Isto iniciou com o avanço das
frentes pioneiras extrativistas da borracha e na continuidade do processo de
expansão do capitalismo internacional na Amazônia, no final do século XIX
que levou à reocupação do seu território, por migrantes nordestinos brasileiros.
Essa expansão capitalista repetiu o processo histórico brasileiro de avançar sobre
terras indígenas. Nesta região, isso ficou caracterizado historicamente pelas
chamadas “correrias” – verdadeiras “caçadas aos indígenas”, exterminando-
os e desocupando as terras nas quais seriam implantados os seringais. Essa
“matança de indígenas” foi promovida pelos seringalistas que comandavam os
seringueiros em tais “operações”.
Assim, quando a frente pioneira agropecuária avançou sobre o
território acreano, no final da década de 1960, encontrou aqui uma base
estrutural produtiva agrária concretizada. Também já havia uma rede de cidades
com uma estrutura urbana já avançada, com aparatos administrativo, jurídico
e comercial consumados. Eram resultado da formação socioespacial da frente
pioneira extrativista, que aí se apresentava decadente.
Com a ampliação das vias de circulação, em especial, o transporte,
garantia-se o livre acesso à entrada dos agentes sociais da frente pioneira
agropecuária do Centro-Sul.
Formava-se, assim, condições propícias para fortalecer a situação
conflituosa que é uma das marcas essenciais da formação de fronteira. Se,
por um lado, a classe dominante acreana apoiava a entrada desses grupos,
sobretudo, no que se refere aos grandes “investidores”, através de propagandas,
incentivos fiscais e transformando o preço da terra no maior atrativo; por outro
lado, os seringueiros viam sua situação piorar. Isso devido às formas que se
realizaram as transações comerciais com as terras.
O seringalista, ao vender o seringal aos seus novos donos – “os

160
paulistas”, desconsideraram a situação dos posseiros que já ocupavam
estas terras por décadas consecutivas. Isso implicava que os novos donos
promoveriam a “limpeza da área”, isto é, a retirada dos posseiros.
Com isso, podemos constatar números expressivos de famílias que
passaram a ser expulsas de suas colocações que eram “vendidas” no conjunto
das transações efetuadas pelos seringalistas e compradores centro-sulistas.
Essa expulsão se dava de forma indireta através da indenização de benfeitorias
das colocações dos posseiros ou direta através de formas de violências físicas
diversas, queimando-se casas e lavouras, espancando-se posseiros, semeando-
se capim nos roçados de posseiros etc.
A face mais cruel destes conflitos foi marcada pelas ameaças e
mortes de líderes comunitários, sindicalistas, religiosos e até na tentativa de
fazer “justiça com as próprias mãos” por parte dos posseiros locais. Tudo
isso se concretiza com a morte de alguns desses sujeitos sociais que estavam
na vanguarda do processo. Dentre esses se podem citar: o assassinato do
sindicalista Wilson Souza Pinheiro, presidente do STR/Brasiléia, em 21 de
julho de 1980; do “fazendeiro” Nilo Sérgio de Oliveira, em 27 de julho de
1980; do sindicalista Jesus Matias, em dezembro de 1983, todos em Brasiléia;
e de “Chico” Mendes, presidente do STR/Xapuri em 1988, reconhecido
mundialmente pelo seu trabalho em defesa dos povos da floresta e de seu
“modo de vida” amazônico. Estes são apenas alguns, dentre tantos atos de
conflitos aí desencadeados.
A verdade é que os primeiros agentes desta frente pioneira, os
“investidores” capitalistas, cientes de que as terras compradas estavam ocupadas
por posseiros, tinham que promover a dita “limpeza da terra adquirida”.
A justificativa para suas ações estaria amparada em três pontos:

 O amparo jurídico por terem adquirido, legalmente,


propriedade de seringais que já se constituíam em propriedade
privada a terra;
 O não reconhecimento da posse do seringueiro por parte
das autoridades locais e tampouco pelos compradores, que
aí teriam empregado seus recursos financeiros, inclusive,
ignorando bases jurídicas previstas no Estatuto da Terra (Lei
40504/30/11/1964).
 A própria desinformação dos posseiros/seringueiros sobre seus
direitos baseados no usucapião da terra de suas colocações,
onde já ocupavam por mais de uma geração.

Este último ponto mostra que, no processo de reprodução desta


nova frente pioneira, os seringalistas e os seringueiros apresentavam-se como
“agentes ultrapassados”. Na verdade, isto era reflexo dos problemas da crise

161
que se perpassaram no âmbito do seringal, em que a propriedade da terra, por
exemplo, ao trabalhador, nunca havia sido um problema a se preocupar. O
seringalista só voltou a interessar-se pela terra, quando ela entrou em processo
de maior mercadorização – como um “meio de ganhar dinheiro”.
Os seringalistas a viam no amplo mercado fundiário que se abria.
Ambos, entretanto, se viam perante a situação como forças inadequadas aos
propósitos produtivos postos na reprodução capitalista do espaço acreano,
perante o avanço da fronteira econômica brasileira. Isto, porém, em condições
diferentes: aos seringalistas, abria-se a possibilidade de especular a terra
(vista como terra capital), ou readequar suas propriedades para tornarem-se
fazendeiros; já os seringueiros, viam-se diante da possibilidade de ter que sair
da terra (vista como terra de vivência familiar, terra de trabalho) ou de lutar
por permanecer nela.
Então, observa-se com isso que a necessidade de se organizar para
lutar, para os posseiros, ressurge quando suas condições de trabalhadores
florestais “independentes” são gradativamente violentadas e desrespeitadas.
Ao tornarem-se vítimas cotidianas dos processos de expropriação engendrada
no contexto reprodutivo da fronteira, nasce a resistência e, daí, os sindicatos de
trabalhadores rurais e outras organizações representativas e de luta.

A violação na condição de ser seringueiro

Viviam anteriormente na base do escape, da caça e da pesca e da lavoura de


subsistência, e agora com esta mudança violenta para alugar seu trabalho pelo
preço da morte, o seringueiro se iguala ao índio, quando sente suas reservas
violadas pelo branco. Agora se torna subalterno do “gato”, responsável pela
empreita que irá pagar-lhes uma diária insuficiente pelos serviços que o
mesmo irá fazer na brocada dos matos miúdos a golpes de foices ou facões
(BRONZEADO, 2000, p. 65).

O sindicalismo rural e a institucionalização da luta

O processo de espoliação e expropriação desencadeado com a


incorporação das terras acreanas, pelos fazendeiros do Centro-Sul, criou
situações de constantes usurpações dos direitos pessoais, em que as maiores
vítimas eram sempre os seringueiros. Nessa situação, a pastoral católica da
Igreja da antiga Prelazia Acre-Purus (atual Diocese de Rio Branco), numa
evangelização libertadora, sob orientação da “Teologia da Libertação” foi o
ponto inicial para despertar, nesses posseiros, a consciência para a situação a
que estavam submetidos.
As Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs), a partir de 1972,

162
representavam no processo de conscientização através do Evangelho, a primeira
tomada de consciência dos seringueiros, sobre seus direitos usurpados pelos
agentes da frente pioneira agropecuária.
Em 1975, foi implantada a Delegacia da CONTAG na região, atuando
sob uma área de jurisdição que englobava o Acre, e Rondônia (na época ainda
Território Federal) e áreas limítrofes do sul do Amazonas. Inicialmente, esta
delegacia voltou suas ações mais para questões contratuais trabalhistas, porém,
logo por força das circunstâncias, passou a ter maiores envolvimentos também
nas questões dos posseiros.
Portanto, no processo de instituição da luta não se pode negar que
as CEBs prepararam um caminho para a atuação mais efetiva da CONTAG
e outros órgãos que vieram depois. Neste caso, nos referimos aos sindicatos
dos trabalhadores rurais – STRs, à Central Única dos Trabalhadores – CUT,
Comissão Pastoral da Terra – CPT, à Federação dos Trabalhadores na agricultura
do Acre – FETACRE, e ao Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS etc.,
que foram criados ou chegaram ao Acre a partir de meados da década de 1970
e durante a década de 1980.
Então, atuando junto a trabalhadores, Igreja e CONTAG abriram
caminhos e incentivos para a formação da base sólida para o florescimento de
fortes movimentos de resistências. Estas organizações populares mais que uma
formação de movimentos sociais em defesa da terra em si, caracterizava-se pela
defesa da vida na floresta. Nisto, a defesa da floresta aparece como condição
de reprodução de seu cotidiano social, dado que ela é o habitat social e lócus
de vivência desse sujeito – o seringueiro. Assim, a partir de 1975, sob clima de
intensa repressão do Estado e das fortes tensões sociais na região, começam a
surgir os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais (Quadro 01).
Frente a essa situação, organizar para se colocar contra a violência
desencadeada seria condição para não serem semi-dizimados, como foram os
indígenas no século passado. Nas ações fortes em defesa de seus representados
os STRs expandiram o número de seus associados a tal ponto que, por exemplo,
o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, por volta de 1978, chegou a
ter aproximadamente cinco mil associados. Isto já demonstrava a importância
da organização e da capacitação feita pela CONTAG às lideranças na condução
das lutas e resistência (BRONZEADO, 2000).

Quadro 01: Cronograma de criação dos sindicatos rurais no Acre.


Data / Organização Observações
A evangelização libertadora iniciada com o
Em 1972, iniciou-se o
episcopado de Dom Moacir Grecchi, na Prelazia
trabalho com as CEBs.
Acre-Purus.
Em 07/1975, foi criada
Início da instituição da organização dos
a Delegacia Regional da
trabalhadores nos STRs.
CONTAG – AC./RO.

163
Seu primeiro presidente Adeli Bento da Silva
Em 20/09/1975, foi fundado
morreu misteriosamente sob suspeita de ter sido
o STR/Sena Madureira
assassinado

Em 21/12/1975, foi fundado Seu segundo presidente Wilson de Souza


o STR/Brasiléia Pinheiro foi assassinado em 1980.
Ato que contou com a presença do Governador
Em 23/05/1976 foi fundado
Geraldo Mesquita e do Bispo Dom Moacir
o STR/Rio Branco
Grecchi.
A Igreja de Cruzeiro do Sul era contrária a esta
Em 11/09/1976, foi fundado
organização. Havia grande distanciamento dos
o STR/Cruzeiro do Sul
movimentos sociais e a pastoral católica.
Teve pequena influência no processo de
Em 19/12/1976, foi fundado
conflitos. Havia grande distanciamento dos
o STR/Tarauacá
movimentos sociais e a pastoral católica.
Em 09/04/1977, foi fundado Somente com a chegada do Padre Otávio Destro
o STR/Xapuri que se tornou aliado dos seringueiros
Teve pequena influência no processo de
Em 04/09/1977, foi fundado
conflitos. Havia grande distanciamento dos
o STR/Feijó
movimentos sociais e a pastoral católica.
Órgão de representação oficial da estrutura
Em 1983 foi fundação a
sindical em nível estadual sucedeu a Delegacia
FETACRE
Regional da CONTAG
Em 27/07/1984 foi fundado Último sindicato fundado ainda no contexto da
o STR/Plácido de Castro luta pela terra.
A fundação da CUT marcaria um novo
Em 23/09/1983 foi
momento nas organizações sindicais no país. No
Instalada a CUT no Estado
Acre, Chico Mendes foi primeiro Presidente.
Fonte: Oliveira (2003, p. 39).

Nota-se, portanto, que de meados da década de 1975 a 1984, o


sindicalismo rural se territorializou como instituição da luta dos trabalhadores
nos principais municípios do Estado. Se no Vale do Acre as condições objetivas
foram mais favoráveis dadas a ação da Igreja Católica, no Vale do Juruá, as ações
são de resistência dos trabalhadores os quais foram apoiados nas organizações
mais consolidadas como a própria CONTAG, e, posteriormente, pelos partidos
de esquerda (PC do B e o PT nos anos 1980).
Como explica Paula (2003, p.111), em pleno período da ditadura
militar, o sindicalismo rural se amplia no Acre. Perante o processo de
expropriação, a luta dos trabalhadores materializada nas ações de cada STR
buscava, por um lado, consolidar uma identidade social e, por outro, firmar
uma instituição de ação política e disciplinar aos seus associados. Assim, a
“organização sindical dos trabalhadores rurais é, ao mesmo tempo, incentivada
e combatida pelo governo”.

164
Podemos dizer então que existiam condições objetivas e subjetivas
para a expansão da organização sindical. As primeiras, materializavam-se na
constante expulsão dos seringueiros da terra; as segundas, formalizavam-se
pelas ações de pastorais católicas. Esse sindicalismo promove a difusão da lei
numa terra onde a lei do patrão havia dominado e onde a autonomia social
do trabalhador na floresta estava em processo de consolidação. A observação
severa ao Estatuto da Terra passa a ser fundamental na defesa dos direitos dos
trabalhadores pelos STRs, pela pastoral católica e pela CONTAG. Aí se forma
uma contradição, uma vez que isso também se torna causa a ser combatida
pelas forças que controla a sociedade: aqui “cumprir a lei” é uma ameaça à
propriedade privada da terra (leia-se “dos latifúndios”) e ao poder político de
elite que comandava o Estado (PAULA, 2003).
Em meio às contradições entre os seringueiros do Vale do Acre,
sobretudo, em Brasiléia e Xapuri, as manifestações de resistências ganhavam
corpos concretos nos “empates”. Aí se criam práticas fundadas na defesa da
floresta, como ambiente de vivência e como território de vida; é isto que torna
suas lutas muito mais que uma mera luta ecológica.
O empate se coloca, então, para o trabalhador florestal, como
mecanismo de defesa de sua condição sociocultural e sob o fato de ser ele um
sujeito sob uma identidade social construída na floresta. Daí essa prática ter
um caráter de defesa da floresta – seu ambiente de vida e de trabalho. Situação
esta que, às vezes, faz muitos confundirem a “luta dos seringueiros” como
um “movimento apenas ecológico” em defesa da floresta. Então, é comum
falarem de Chico Mendes, como se ele fosse apenas um “ecologista”, quando
na verdade, esse era um “líder seringueiro”, um “militante da luta de uma classe
subalterna contra forças opressoras”, isto é, ele era um “sindicalista”.
O empate é, portanto, um referencial da dimensão geográfica e
sociológica da luta da/na floresta, para a compreensão da questão agrária que
envolve a região.

O “empate”: a disputa pela vida

O empate foi uma prática que nasceu como parte das manifestações
vividas no dia-a-dia dos seringueiros. É firmado como condição da reconstrução
de uma territorialidade camponesa do seringueiro na floresta, como valorização
e defesa de um mundo, de um espaço vivencial que se pauta nos sentidos
simbólicos de sua existência como homens e mulheres – sujeitos sociais da
floresta e na floresta. Isto era ignorado pelas forças que davam a dinâmica
socioeconômica da fronteira agropecuária recente na região.
Simplificando, o significado do “empate”, podemos dizer, eram as
ações coletivas em defesa da floresta, enquanto habitat social do modo de

165
vida seringueiro (lócus de sua moradia e vivência social). Então, os “empates”
emergem como práticas de resistência enraizados nos desafios do cotidiano de
vida do seringueiro na floresta, dadas às forças expropriadoras que agora os
ameaçam, tornando-se práticas de defesa de suas condições existenciais como
trabalhadores que se organizam (Cf, Duarte, 1987; Souza, 1996).
As diversas expressões desse simbolismo social mostram-se como
formas de retaliação às ações das forças socioeconômicas que tentam se
sobrepor à territorialidade seringueira, em sua dimensão territorial de existência
– sua colocação, sua floresta. Assim, estas manifestações eram formas de
luta que originavam-se de questões práticas na vida desses sujeitos, como nos
relatou o líder seringueiro e sindicalista Sr. Osmarino Amâncio Rodrigues, em
entrevista realizada em 2002, na cidade de Brasiléia:

O empate no esporte significa que ninguém ganha ninguém


perde [...], mas para nós o Empate foi uma frase criada
pelo Wilson Pinheiro. Eu lembro na época que alguns
companheiros martelou aquela frase e que a gente decorou
[...]. O Wilson conseguiu mostrar para a gente que a gente
só teria condições de sobreviver-se garantisse nossas
colocações. Que não deveríamos os deixar desmatar, fazer
grandes desmatamentos; por que aí nem nós desmatava e
nem eles desmatavam. Por isso ficava o empate: nós não
derrubamos a florestas, mas vocês também não. Vamos
empatar!

Na prática, a questão se consolidava como uma forma de “empatar”


as ações de desmatamento promovidas pelos fazendeiros. Com a união das
famílias de várias comunidades, esses se colocavam frente a áreas da floresta
que estavam sendo destruídas. Formando “correntes humanas”, envolviam
as árvores, ficavam sob as ameaças das motosserras dos trabalhadores no
desmatamento e das armas dos jagunços das fazendas etc. Às vezes, até sob
ameaça da própria polícia que era acionada pelos fazendeiros.
Para compreender esta situação, temos que refletir sobre o significado
dessas ações. O aspecto do simbolismo social que perpassava nesses atos:
“envolver”, “abraçar” uma árvore que está sendo ou está preste a ser derrubada,
significava incorporar a vida do trabalhador à natureza da árvore; significava
demonstrar que a vida do “homem da floresta” não existe “sem a floresta”;
então, matar a floresta é mesmo que matar a existência do “seringueiro”. Nota-
se que não estamos tratando de símbolos representativos “de alguma coisa
qualquer”, mas de significados de vidas, de símbolos que são socioespaciais
processualmente construídos.
Portanto, as raízes desses movimentos penetram mais que as práticas
de certas ações; elas permeiam uma “alma coletiva”, histórica (construída por

166
anos de vivência na floresta) e geográfica (dimensiona por um espaço vivencial
que é a floresta) e dá força para lutar, para viver e para simplesmente “ser”
homens, mulheres, jovens, adultos, velhos ou crianças na/da floresta. É por isto
que o “seringueiro” e a “floresta”, com toda esta carga simbólica, chegam aos
nossos dias, não como “coisa”, algo “ultrapassado”, mas como sujeitos ativos
de um território que ainda é realidade.
Assim, como produto das lutas, as primeiras vitórias integrais
desses trabalhadores camponeses florestais – os seringueiros, se deram com
a implantação de RESEXs e PAEs. Essas conquistas foram demonstrações
práticas da territorialização da “terra de trabalho” (reconhecimento do direito
do trabalhador sobre seu território de vivência) sobre a “terra de negócio”.
Como não se firmam bases para a apropriação privada do solo, isto representa a
conquista do território em estruturas que dificultam a retomada da propriedade
fundiária por forças capitalistas. Esses territórios se configuram como espaços
privilegiados para a firmação e surgimento de alternativas produtivas da
produção não-capitalista na região. Nisso, vemos, atualmente, se constituírem
espaços de experimentos de várias formas de manejos comunitários dos recursos
naturais locais, de organizações coletivas em associações e cooperativas ou até
em projetos de trabalhos com artesanatos etc.
Porém, contraditoriamente, são nestas estratégias que podem estar
se formando outras formas para que o capitalismo venha ter controle sobre
o que aí e daí pode ser retirado, como a produção de madeiras, de produtos
agrícolas e de coleta extrativista.
Pode ser isto forma de reterritorialização do capital sobre estes
espaços conquistados? Fica para refletirmos. O que se pode dizer é que nisto
ainda residem as incertezas que se vive mesmo após mais de uma década de
implantação da primeira RESEX.

O sindicato e a luta pelo território

Institucionalizando-se a luta, surge então a condição de uma prática


sindical em defesa dos direitos dos trabalhadores da floresta. Trata-se da
luta pela terra e pelo direito de ser reconhecido como legítimo “detentor do
domínio sobre ela”; luta de resistência pelo modo de vida seringueiro radicado
nas condições de existência e de trabalho que se territorializa nas colocações
– como território de sua vivência. Portanto, em alguns aspectos, as lutas
travadas no âmbito da ação dos trabalhadores sindicalizados, projetam-se para
muito além da dimensão de atuação dos sindicatos. A luta está impregnada
pela representação da defesa do cotidiano social vivido e pelo que simboliza o
espaço socioambiental produzido ao longo da existência destes trabalhadores.
É, portanto, um embate contra o capitalismo que redimensiona uso do espaço
quando se tenta territorializá-lo, agredindo as condições existenciais da

167
territorialidade seringueira.
A produção capitalista do espaço que se estabelecia, expropriava
as condições de sociabilidade na floresta (como desmantelando o sentido da
vivência comunitária), promovia o desmatamento e introduzia novas formas
de produzir, em que não havia lugar para este trabalhador tradicional. Nestas
condições se formaram os movimentos de resistência nos seringais.
Entendemos que movimentos de resistência são aqueles que mais
que um caráter reivindicatório do trabalhador, tem caráter de autodefesa social
contra forças opressoras que ameaçam as condições de vida já existentes no
lugar. Aí está a expressão maior do Sindicato de Trabalhadores Rurais - STRs.
Mas a resistência também se dava em lutas como as manifestações em Encontros
das CEBs, no “Grito da Terra”, nas “Romarias da Terra” e noutras práticas que
se manifestaram ao longo dessas três últimas décadas. Essas, às vezes, aliadas
às organizações populares urbanas: associações de bairros, movimentos pela
saúde na cidade, ou ainda, o apoio de partidos políticos populares.

Caráter distinto da geograficidade da luta atual.

A instituição dos STRs se deu como luta por espaços sociais, por
respeito a condição de homens trabalhadores na terra, por justiça etc. Tudo
isto, entendemos como a organização de movimentos camponeses em busca
de firmação e conquista de territórios para a continuidade de suas vivências,
ou seja, de reconhecimento do direito à terra, ou reconquista dela para aqueles
que já haviam sido expropriados. Daí, podemos vê-lo como um movimento
socioterritorial (Cf. FERNANDES, 2000; 2001), pois teve a garantia do
território como trunfo fundamental da luta. Logo após a fundação e o início
do trabalho dos sindicatos, o movimento ganha este caráter. A esta luta
podemos chamar de “luta pela terra”. Não se tratava simplesmente de entrar ou
permanecer na terra, mas ter reconhecido o direito jurídico sobre a terra que já
ocupavam há anos.
Como vínhamos falando – ter a terra significava persistir no modo de
vida com valores que historicamente foram construídos ao longo de décadas.
Então a luta, para o seringueiro, referia-se à busca da conquista do território
da colocação (condição material da territorialidade seringueira), sobrepondo
(territorializando) ao espaço antes territorializado pelo seringal ou fazendas. É
nisso que se amplia a condição de abrangência da luta com outros seguimentos
sociais rurais como a luta dos colonos assentados.
Esses movimentos atuariam em duas frentes de lutas: uma pelo
reconhecimento do direito familiar sobre território e outra de resistência
na condição de trabalhador familiar autônomo na terra (seja floresta ou no
campo). É aí que caracterizamos essas lutas, como os movimentos camponeses

168
de resistências. Dadas as circunstâncias do momento atual da produção e
reprodução do espaço agrário no Acre, onde a violência física não se apresenta
em altos índices como na década de 80. Este movimento vê-se diante de uma
busca de redefinição de seu papel.
Muitas dessas conquistas já se materializaram com o acesso e o
domínio da terra de trabalho. Porém, muitos trabalhadores, já se viam diante de
novos processos de expropriação menos violentos, mas muito mais abrangentes.
Houve a falta de perspectivas para continuarem vivendo em suas pequenas
propriedades; suas terras de trabalhos novamente estão em jogo. Então, esses
diversos agentes que reproduzem o campo acreano, no contexto de novos
conflitos que os desafiam, buscam encontrar alternativas para permanecerem
na terra. A conquista da terra nos PCs (antigo PADs), nos PAEs e nas RESEXs,
demonstra que apesar da pobreza, do isolamento e da falta de assistência à
saúde e à educação, onde há a constituição de um espaço próprio e garantido
para esses trabalhadores lutarem, resistirem e viverem.
Assim, após períodos de lutas pela terra, os movimentos de
resistências camponesas passaram a se articular também noutros patamares.
Tendo conquistado a terra, a questão é criar condições para nela permanecer
com dignidade.
Foram com esses intuitos que os movimentos de trabalhadores
rurais amazônico-acreanos, organizados e contando com pleno apoio da CPT
(Comissão Pastoral da Terra) e dos STRs, do CNS etc., que em meados da
década de 1980, deram início à fundação de associações de produtores rurais
nos projetos de colonizações e de associações dos moradores e cooperativas
nas RESEXs. È claro que nada se construiu do acaso. Em cada comunidade já
havia “célula” das organizações plantadas, originárias das antigas CEBs, das
delegacias sindicais e da própria organização comunitária.

A luta na terra
Entendemos que o movimento dos trabalhadores em busca de organizar-
se para não serem expropriados, se caracteriza num contexto contraditório
em que, se por um lado, o acesso à terra foi possibilitado a este camponês,
por outro, as próprias condições estruturais dos assentamentos trazem as
dificuldades para sua plena reprodução e manutenção na terra. Neste sentido,
estas organizações têm um caráter fundamental de serem movimentos de
resistência desses grupos sociais, ou seja, uma fase posterior à luta pelo
acesso a terra, não se tratando mais da “luta pela terra”, mas sim da “luta
na terra”. Geografizando a questão, podemos dizer que no primeiro momento
a luta se dava pela conquista de território, ou seja, o embate aí era de
caráter socioterritorial; ao acessar a terra e territorializá-la, florescem as
territorialidades camponesas (processo de recriação) que serão bases para a
luta na terra, isto significava que a luta voltava a ter como marca fundamental
o embate de caráter socioespacial (SILVA, 2002).

169
Este novo caráter da luta de resistência é chamamos de “movimento
de luta na terra”, o que denota uma fase posterior na “luta pela terra”. A “luta
na terra” é uma expressão de que o trabalhador camponês (seringueiro, colono
ou ribeirinho) já se territorializou e garantiu o acesso e o domínio ao seu espaço
produtivo, mas não se isolou da realidade. A resistência com a “luta na terra”
demonstra uma reação social de quem:

 Não aceita a expropriação como condição predestinada;


 Entende que é impossível se isolar do mercado na sociedade
em que vivemos, mas entende também que não pode ir a ele de
qualquer forma;
 Quer maiores confortos, mas também quer continuar a ser o que
é – sujeitos que vivem e trabalham com a terra.

Isto não significa que querem a pobreza, a miséria e o atraso


e, tampouco que querem ficar ricos; mas sim, que querem ter vida com
dignidade, ter fartura, ter cidadania. Portanto, não se trata de apologia a esta ou
àquela situação; tampouco de uma visão romântica da situação; mas de uma
compreensão da questão em que se busca condições reais para se “viver bem”.
Este, entretanto, é um conceito de vivência de classe e, portanto, apenas nestas
condições podemos compreendê-lo.
Hoje, estes espaços de resistências se materializam nas associações,
cooperativas e centrais de associações de produtores (agrícola e extrativista),
que reúnem gentes que habitam o campo, mas solidificam as existências
correlacionadas com a vida nas cidades, onde se localizam as sedes de suas
organizações. Lutam contra os processos de “desterritorialização” que se
manifestam, demonstrando que não querem a expropriação ou subordinação
total ao mercado como destinos, mas entendem a necessidade de organizar
para viver e até para transformar sua realidade (o que pode ser contraditório
para “quem vai ao mercado”, porém não excludente de possibilidades).
Aí, no âmbito interno das organizações, se busca na formação de
seus associados, partir de valores de solidariedade e de ajuda mútua para
sobrepor a competitividade. Entre as diversas organizações, deveria firmar
ideal de cooperação, sobrepondo-se à possibilidade de competição. Todavia,
o mercado tem que partir para a competição com empresas privadas. Portanto,
o caráter fundamental destas organizações passaria pela resistência de luta da
classe trabalhadora, no âmbito dos conflitos produzidos na territorialização do
capitalismo na Amazônia-acreana.

170
Luta e território: repensando a relação cidade/campo/floresta.

Cabe salientar aqui um aspecto geográfico interessante que é


a imbricação da luta por questões do campo e da floresta, com a realidade
produzida nas cidades. O que se busca defender pode estar no campo e na
floresta (sintetizado os territórios do que chamam de trabalhadores “rurais”),
mas o local do embate, no âmbito político, se dá também na cidade. Isto
demonstra que não dá mais para entender a realidade produzida como se fosse
formada por instâncias separadas na reprodução do espaço geográfico (Cf.
OLIVEIRA, 1991).
Então, nessas condições, em concomitância com aquelas que a
produção global impôs ao espaço agrário local, atualmente, resultaram certas
especificidades que nos faz se autoquestionar sobre as feições deste espaço
produzido. Seria aqui possível compreender este espaço produzido sob análise
da relação campo-cidade? Estas dimensões contemplam apenas um espaço
que começa a ser produzido a partir da floresta? De uma coisa estamos
certos, aqui, “floresta” não foi e não é sinônimo de espaço não-produzido.
Na verdade, sob as bases da produção extrativa, o trabalho dos seringueiros
demarcou os espaços produtivos das empresas e do trabalhador (seringal/
colocação), os territórios de vivência dos trabalhadores (colocação/colônia),
abriram as estradas de seringas, os varadouros, as clareiras – onde se construiu
suas moradas e as sedes dos barracões, identificou-se as árvores produtivas e
aprendeu-se a colher da floresta muitos dos recursos nela contidos para o seu
viver cotidiano. Daí a “floresta” chegar aos dias de hoje como espaço pelo qual
se luta para mantê-la como ambiente de vivência social, inclusive, na produção
de bens que garantam ganhos.
Portanto, negar tais condições evidenciará a compreensão da
produção deste espaço sob viés única de “produzir” por via de artificialização
o ambiente natural. Negar-se-ia assim, o potencial da floresta como parte
das forças de produção socialmente localizadas (natureza, sociedade e a
organização do trabalho, tecnologia e conhecimento). Na prática, perante a
realidade amazônico-acreana, desconsideraríamos as históricas relações de
produção e de sociabilidade que se desenvolveram na floresta e a partir da
floresta. Neste sentido, parece-nos que na realidade local, o espaço agrário
dimensiona feições produzidas que está para a “floresta”, como está para o
“campo” em expressões diversas de sua ruralidade/agrarialidade (sentido de
pertencimento ao rural/agrário).
Há evidências que existe uma interpenetração dessas dimensões na
realidade do ambiente vivido dos sujeitos sociais que realmente produzem
e se inscrevem neste espaço produzido. Mas então como isto ocorre? Neste
sentido, a apreensão do espaço produzido acreano, não se dá pelo viés de
relação “campo-cidade” apenas; mas sim numa dimensão da captação integral

171
do espaço agrário produzido. É aí que se sobressai uma realidade manifestada
numa integração histórica e geográfica tridimensional em “campo-cidade-
floresta” e também da luta dos sujeitos que produzem o espaço rural acreano.
Certamente, por aí, podem-se definir recortes desta apreensão das dimensões
fundamentais do espaço produzido.

Referências Bibliográficas
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2000.
DUARTE, Élio G. Conflitos pela terra no Acre. Rio Branco: Casa da Amazônia, 1987. 135p.
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319p.
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Questões da Nossa Época).
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto,
1991.
OLIVEIRA, Sebastião Machado. Movimentos sociais e a luta pela terra no Acre, pós 1980.
Rio Branco, 2003. 71p. Monografia (Bacharelado em Geografia). Departamento de Geografia,
Universidade Federal do Acre.
PAULA, Elder Andrade de. Estado e desenvolvimento insustentável na Amazônia Ocidental:
dos missionários do progresso aos mercadores da natureza. Rio de Janeiro, 2003. 255p. Tese
(Doutorado em Desenvolvimento e Agricultura). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
– Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura Sociedade – CPDA.
SILVA, Silvio Simione da. A fronteira agropecuária acreana. Presidente Prudente, 1999. 373p.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologias, Universidade
Estadual Paulista.
___________. CAPEB: associativismo/cooperativismo e os desafios para a automanutenção
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Estadual de Maringá, Departamento de Geografia, ano 20, n° 2, 2-2002. p.17-40.
SOUZA, Carlos Alberto A. de. “Varadouros da Liberdade”: empates no modo de vida dos
seringueiros de Brasiléia – Acre. São Paulo, 1996. 305p. Tese (Doutorado em História Social)
– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

Entrevistas:
Raimundo Barros. Entrevista concedida a Silvio Simione da Silva, em 15/10/2002 (Na sede do
Partido dos Trabalhadores em Xapuri, AC.).
Osmarino Amâncio Rodrigues. Entrevista concedida a Silvio S. da Silva e Rosiane S. de Lima,
em Brasiléia, em 16/11/2002.

172
O espaço da cidade no Acre
Isis do Mar Marques Martins
Luciano Rodrigues do Nascimento
Silvio Simione da Silva

Eu sempre vivi sujeito. Com o patrão no seringal eu


estava sempre devendo. Vim pra cidade e se eu quiser
um emprego decente, de homem, tenho que me sujeitar:
quer dizer, agora “vivo aqui com esse tabuleiro, vendendo
bombons, porque o padre da paróquia teve pena de mim e
me deu os primeiros bombons. Sem uma perna, não pude
mais trabalhar nas derrubadas [...] agora estou sem perna
e preso nessa cadeira. Ninguém me indenizou, não ganhei
nada. Fiquei sem poder trabalhar, esperando o dia da volta
[...] não podia vir embora, assim como eu, tinha outros
com malária braba [...] foi tanto sofrimento que perdi a
noção do tempo. A mulher “me viu sair cheio de vida, e
me viu chegar quase morto e sem perna.” (Morador do
Bairro Chico Mendes, entrevistado por Esteves, [2003],
p.11 – Rio Branco, Acre).

Para pensar na formação da cidade

Embora as cidades hoje sejam destaques no espaço acreano, o princípio


de sua formação esteve ligado aos processos produtivos provindos da floresta.
Assim, da semente de povoamento plantada nas sedes de seringais nasceram
cidades que tiveram sua base territorial enraizada nas condições produtivas
que se implantou na floresta. Neste espaço, homens da vanguarda da fronteira,
impunham processos de implantação da empresa extrativista transformando
este território até então habitado por povos nativos, num local privilegiado
para ampla reprodução do capital, mesmo à custa da matança indígena e da
submissão do trabalho forçado aos seringueiros. Assim, a miséria da maioria
dos trabalhadores e os genocídios impostos aos indígenas formam a outra face
da moeda, contrapondo a riqueza acumulada pelos seringalistas e aviadores,
que emanavam da região para outras partes do Brasil, como ressaltou Ranzi
(2004, p.3).

“A borracha ajudava a remodelar o Rio de Janeiro -


construção da Avenida Beira-Mar, da Biblioteca Nacional,
do Teatro Municipal e do Palácio Monroe. O dinheiro
dos varadouros ajudou a afrancesar com “boulevards”

173
a Capital da República. No momento estava superada
a questão internacional, restava acertar um problema
interno”.

Os rios, como vias fundamentais, eram delineadores da dispersão


populacional, conforme explicou Morais (2000, p. 25).

“As vias fluviais serviram então para a ocupação da


fronteira (por que eram as únicas vias para as pessoas
e mercadorias circularem dentro da floresta tropical),
funcionando como “entrada” para os migrantes e “saída”
ou escoamento das riquezas produzidas pelos seringueiros,
ao longo de aproximadamente três décadas”.

Vemos então a formação de um espaço, inclusive urbano, que é


participante integrado da expansão capitalista, devidamente dirigida por estas
empresas extrativistas na floresta. Mas este processo também é contraditório pela
forma dirigida ou espontânea que alguns barracões foram sendo transformados
em aglomerados populacionais, perante a necessidade de agrupamento para
manter funcionando o sistema produtivo do seringal.
Por outro lado, a produção extrativa era escoada por vias fluviais que
saiam direto dos barracões para as casas comerciais compradoras externas.
Assim, os rios eram as ligações das terras acreanas com as áreas centrais de
comercialização em Belém e Manaus. Este fato é de grande importância para
entender porque o desenvolvimento urbano acreano é incipiente em relação aos
espaços “majoritários” no cenário nacional (ACRE, 2000, p. 259). Contudo, os
seringais foram as bases para a formação socioespacial acreana, como exemplo,
temos o Seringal Empresa onde está localizada Rio Branco. Não esquecendo
que a criação deste seringal seguiu os interesses de alguns segmentos sociais,
como demonstrou Ranzi (2004) em sua crônica, fazendo alusão à chegada do
Coronel Cunha Matos à localização do que seria a cidade posteriormente:

“Cunha Matos foi o primeiro a chegar ao Acre em Agosto


de 1904, ficou acampado por aqui - nas terras do Seringal
Empresa. A missão de estabelecer a capital em Xapurí
ficou prejudicada. Rio Acre acima ficava Capatará,
Quartel General do Coronel Plácido de Castro. Em Xapurí
estavam as tropas do Exército Acreano. Era melhor não
avançar. E assim surgiu a capital do Acre, ao lado do
barracão do Neutel Maia”.

Assim se deu (e se dá) a produção do espaço acreano, como formação


também das vidas que se constroem e constroem o mesmo.

174
As primeiras cidades acreanas
Estas cidades são frutos da expansão territorial do capital, através da
exploração do látex em momentos específicos e dentro da lógica da procura
de matéria-prima pela indústria dos países centrais [...]. Estes núcleos
urbanos [...] se diferenciavam dos primeiros surgidos na Amazônia. Os
primeiros foram evoluções das vilas e fortificações que, [...] surgiram –
como em outras regiões brasileiras – para servirem de defesa, ponto de
penetração e conquista do território [...]. Estas [...], segundo Oliveira (1995,
p.57) “surgem para atender as funções do comércio, da administração,
como fatores de atração e distribuição da força de trabalho e recentemente
como suporte dos grandes projetos” (MORAIS, 2000, p. 30).

Vemos no âmbito do espaço urbano, que este processo é sempre


colocado de forma dialética, (Santos, 1997, p. 11). A transformação deste
espaço se dá paradoxalmente sob as formas que, no seu aprofundamento,
tornam-se movimentos e conteúdos. É nesse sentido que vemos que a
construção do espaço urbano sempre estará submetida às outras formas de ver,
sentir e compreender o lugar em que vivemos política e socialmente, no âmbito
geográfico e histórico de sua formação.
Assim, neste breve comentário sobre a formação das cidades
acreanas, tentaremos abordar questões de maneira crítica e reflexiva. Veremos
a Geografia no seu principal foco de estudo – a produção do espaço – em suas
transformações, no decorrer dos tempos diversos e presentes na formação que se
materializa no atual momento, como característica fundamental deste processo.
Aí, define-se nosso objetivo de análise, a partir da formação do Estado do Acre
e de sua espacialização urbana. Nisto, buscaremos compreender o processo
tanto pela transformação da floresta e/ou campo para a cidade – que engloba
os jeitos de fazer a cidade – e as formas de ver esta cidade no seu contexto que
se re-forma historicamente guardando certos resquícios do passado e também
criando e recriando o “novo” (como a cidade que pode vir-a-ser).
Não distante dessa perspectiva, as cidades acreanas são vistas de
forma interligadas aos processos que se inserem na formação política brasileira.
Mostrando a transformação das relações produtivas e a integração do espaço
com seus produtores – mulheres e homens – que participam da produção e
reprodução dos processos produtivos.

O princípio do povoamento acreano

Após a Revolução Industrial, a partir do século XVIII, desencadeou-


se a grande procura por matérias-primas que viessem a suprir as necessidades
dessa industrialização. A borracha natural entrou na lista de matérias-primas,

175
fundamentalmente, após a descoberta da vulcanização por Goodyear em 1839,
aumentando assim, a grande procura por este produto. Mas esse processo (de
demanda) da borracha só passou a ser mais amplo a partir da década de 1860,
devido à guerra de patentes, incorporada a partir da mercantilização de idéias
e produção das mesmas numa práxis ligada, no caso, à natureza; às crises
econômicas e à Guerra de Sucessão dos Estados Unidos que ocorriam nesse
período (MACHADO, 1989).
Na Amazônia, havia o maior potencial de produção de borracha
natural, houve o desencadeamento da grande procura pelo produto e, por
conseguinte, a expansão de sua ocupação no final do século XVIII e início do
XIX. Estas reservas eram mais acentuadas ao Sul do rio Amazonas, sobretudo,
em áreas drenadas pelos afluentes rios Madeira, Purus e Juruá – os “Rios da
Borracha”. Mas como nesta região com forte potencial extrativo não havia
(na época) mão-de-obra disponível (uma vez que os povos indígenas locais
resistiam contra a submissão que se tentavam impor nesse serviço), a solução
foi o deslocamento de força de trabalho de outra região a partir da migração
de trabalhadoras e trabalhadores, em especial, dos estados (que na época
eram chamados de Províncias) do Ceará, Piauí e Paraíba, ou seja, mão-de-
obra nordestina. Cabe ressaltar que, no Brasil da época, a província do Ceará
foi a primeira a abolir a escravatura, e a então província do Rio Negro (atual
Estado do Amazonas) foi a segunda (GONÇALVES, 2003). Isso ocorreu pelo
fato de se tirar os temores dos migrantes que viriam para a Amazônia, de que
não se tornariam mais escravos. Ligado a isso, estava a “psicologia do ouro
negro”, que povoa a cabeça de migrantes para a Amazônia desde os tempos do
el dourado (MARTINELLO, 2004).
As relações de subserviência existentes entre o migrante nordestino
e o patrão seringalista, acabariam por estruturar, de forma diferenciada, o
seringal do sistema escravista até então praticado no Brasil11, com o trabalho
do seringueiro individual, tendo que seguir sozinho no meio da floresta, etc.
Não por acaso, pouco antes mesmo da abolição da escravatura, foram liberados
cerca de 30.000 escravos na Amazônia (MACHADO, 1989).
Ressalta-se que a situação desses migrantes, no Nordeste, não era das
melhores. O coronelismo, como base do latifúndio concentrador de terra, que
submetia forçosas relações de subalternidade e desterritorializaram homens e
mulheres da sua própria condição humana. As secas periódicas ampliavam a
penúria da vida no Sertão em certas épocas. Diante disso, a possibilidade de
melhores condições de vida num “paraíso verde” do “ouro negro” apresentava-
se, para eles, como forma de inserção da/na sociedade a partir da ideologia do
nacionalismo e da incorporação do trabalho no discurso identitário.
Aqui, sob formas violentas, os seringueiros, a mando dos seringalistas,
expulsavam os índios (os primeiros habitantes e extrativistas da Amazônia) das
Referimos àquele em que o capitão-do-mato ficava vigiando os negros que trabalhavam cole-
��

tivamente nos canaviais.

176
proximidades dos seringais, (processo que ficou conhecido como correrias). O
capitalismo mundial, em função da grande demanda de borracha, colocava as
casas aviadoras de Belém e Manaus na correria, que por sua vez, pressionavam
os seringalistas, que assim também colocavam os seringueiros, e estes, por
fim, submetiam os indígenas às correrias (GONÇALVES, 2003). Podemos
visualizar assim, que as correrias que dizimaram várias tribos indígenas, não
eram ações que podem ser estudadas a partir de um lugar, o seringal; mas sim
do time is money do capitalismo mundial.
Foi, porém a partir da vinda dos nordestinos, na década de 1860, que
essa ocupação realmente ganhou maior intensidade. Isto se dava através de
expedições feitas no início do século XIX.
A atual região acreana tinha grande quantidade de seringueiras (em
especial a Hevea brasiliensis). Isto significava potenciais produtivos, capazes
de alavancar uma frente mais intensiva de exploração. Daí, logo se iniciam
os financiamentos também para a vinda de primeiramente seus “gerentes” (os
seringalistas), com grupos mais reduzidos de homens, que estruturam o seringal
e montam suas bases produtivas, para depois intensificarem a vinda de maior
números de trabalhadores para empresa – os seringueiros. Então, a empresa
extrativista passou a existir a partir daquele momento, numa relação que não
se baseava em pecúnia, mas sim em mercadorias – o conhecido sistema de
aviamento.
Contudo, como já ressaltamos, a ocupação do Acre por parte desses
migrantes ocorreu sob a forma de muitos conflitos, desde os iniciais com os
indígenas, depois com os patrões.
Porém, a região acreana pertencia legitimamente à Bolívia. O
Estado boliviano sabendo acerca da entrada de brasileiros nas suas terras12, e
que elas eram grandes produtoras de borracha, e não tendo como ocupá-las,
teve como alternativa taxar (em cerca de 30%) toda a produção de borracha
escoada pelo rio Acre, que era por onde saía a maior parte da produção acreana
(GONÇALVES, 2003). Esse fato desencadeou o conflito entre brasileiros e
bolivianos, que levaria à expulsão destes últimos e a tomado do território pelos
brasileiros. Posteriormente, este território seria incorporado pelo Brasil, sob a
égide de uma ocupação militar comandada por tropas nacionais ordenada pela
Presidência da República.

Aspecto da circulação e a formação de cidades acreanas

Os rios, na Amazônia, acabam por serem as principais vias de


comunicação e circulação desde os tempos mais remotos da ocupação regional.
Embora outras grafias estejam sendo feitas na terra, as estradas, por exemplo,
Esta entrada e saída de brasileiros no território boliviano, é a relação que Lia Osório Machado
��

(1989) chama de fronteira móvel.

177
estes ainda têm um papel muito importante para a população amazônica.
Os seringais localizavam-se nas suas margens. Os rios eram as vias únicas
de escoamento de mercadorias (em especial a borracha), de pessoas e de
informações, fazendo a ligação entre o que é interno e externo.
As cidades acreanas desde a sua formação até a década de 1960,
recebiam, por meio dos rios, vários produtos de outros estados, especialmente
do Amazonas. O rio desempenhava assim, um papel importante para a sociedade
acreana. Daí o princípio da formação urbana acreana ter ocorrido às suas
margens. Contudo, ver os rios sob uma ótica determinista (ALBUQUERQUE,
2001), acaba escondendo o papel dos sujeitos na construção de suas vidas
e se inserindo no processo de formação das cidades acreanas na condição
de pequenos agricultores e produtores, que não encontram somente no
rio o principal componente participativo em suas vidas, em sua produção
socioeconômica e em suas trajetórias.
Muitas sedes de seringais foram essenciais para a transformação
urbana na Amazônia Ocidental. São vários os casos, para citar alguns: Eirunepé,
Boca do Acre, Lábrea e Ipixuna no Amazonas; Rio Branco, Cruzeiro do Sul
e Porto Walter, no Estado do Acre (MACHADO, 1989). Cabe ressaltar que,
segundo Machado (1989), no Brasil, até o século XIX, a sede do município
era chamada de Vila; um núcleo de povoamento podia passar a esta condição,
antes mesmo de se tornar município.
No Acre, podemos ter como exemplo as cidades de Rio Branco,
Xapuri, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul, que foram fundadas na condição de
Vila, passando a município só em 1904, ano que o Acre tornou-se território13
do Brasil, pelo Decreto-lei 5.188, assinado pelo então Presidente Rodrigues
Alves.
No período que segue às décadas pós 1910, com a definição política
do território, a implantação de base administrativa nas cidades, e a crise que
começa a assolar os seringais, a população que se incorporou à floresta vai
ao encontro das cidades. Ocorrendo, assim, um gradativo crescimento, sem,
contudo, significar qualquer processo de predomínio da população urbana.

Da crise do capital a mobilidade da mão-de-obra


A quebra da conexão entre o seringalista e suas fontes de financiamentos
implicou, na maioria dos casos, numa quebra na conexão entre o seringalista
e os seringueiros, tendo em vista as muitas reduzidas possibilidades de manter
seu domínio sem o barracão. O enfraquecimento do aviamento implicava na
possibilidade de um novo alinhamento nas relações capital-trabalho na maior
parte da economia acreana, e abriu novas perspectivas para a migração para
fora dos seringais (CEDEPLAR, 1979, 208).

Devemos sempre salientar que na Constituição brasileira vigente na época (1891) não existia a
��

figura do território. Segundo Gonçalves (2003) foi uma forma encontrada pelo Governo Federal
de se apropriar da riqueza produzida no Acre, através da produção de borracha.

178
Após a década de 1920 e diante da crise econômica da produção
gomífera, a floresta se coloca num ambiente mais interligado aos espaços
das cidades (famílias saem do “centro” e buscam a margem dos rios e das
incipientes estradas ou mesmo os arredores das cidades). Neste contexto, há
uma ampliação de colônias agrícolas.
As vilas tornam-se mais sólidas como locais de moradia para pessoas
que atuavam no comércio e no serviço público, especialmente. Assim, as cidades
se consolidam a partir de núcleo tradicional que formaria os sete primeiros
municípios acreanos: Rio Branco, Sena Madureira, Xapuri, Brasiléia, Feijó,
Tarauacá e Cruzeiro do Sul.
A partir dos anos 1960, os rios, que eram os principais meios de
escoamento da produção gomífera, não o seriam mais em muitos lugares. Com
as políticas de Integração Nacional e a “ocupação” da Amazônia, a construção14
de rodovias que vinham ao encontro da incorporação do espaço urbano ligado
ao país buscava também a ligação com uma metrópole política, no caso,
Brasília. Centralizavam-se assim politicamente na jovem capital da República,
mas faziam um elo das mais longínquas regiões aos centros metropolitanos do
Sudeste. Com as rodovias, o Acre passa a estar integrado neste sistema.
No Acre, estradas e rodovias (BR 364, BR 317, AC 40, etc) também
ligam a Capital com os principais municípios das duas mesorregiões geográficas
(Vale do Juruá e Vale do Acre). Essas estradas se transformaram no centro
da produção do espaço pós 1960. Estas, de certa forma, facilitaram - direta
e indiretamente - a mobilidade de pessoas da floresta para a cidade, assim
como para as correntes migratórias do Centro-Sul que deram continuidade à
mobilidade do trabalho pelo capital e pela busca de terra no Acre.
Os traçados das rodovias foram linhas de disseminação da entrada e
fixação do domínio privado da propriedade fundiária e da mudança no uso da
terra para atividades agropecuárias.
Mas qual o principal componente que levou essas pessoas a migrarem?
Quais os fatores de atração e repulsão que fizeram destes “velhos” moradores,
“novos” agentes construtores do espaço urbano acreano? Para Albuquerque
(2001) e Esteves (2003), a migração para as cidades não se deu pelo simples
fato das pessoas estarem em busca de melhores expectativas na cidade.
Em grande parte, se deu pela quebra brusca das relações produtivas
na floresta, devido o incentivo à pecuária e à expulsão das seringueiras e
seringueiros desse sistema, aliado à construção de estradas, calcadas nas
ideologias de integração com o país, e se colocando no limiar da construção
política, centralizada numa cidade, e desta, com o Centro Nacional – Brasília,
e com os centros econômicos industriais do Sudeste. Formando assim, troncos
rodoviários que foram ao encontro da viabilização de transporte, tanto de
14
Não é referido aqui, criação ou surgimento, pois quem faz a estrada, materialmente e produz
seu movimento são os sujeitos que inserem e são inseridos no espaço geográfico.

179
mercadorias do centro-oeste e centro-sul para o norte, bem como a chegada
dos grandes proprietários fazendeiros.

Uma cidade de virou-se de costa para o Rio


Em Sena Madureira (Grifo nosso), a paisagem vista do rio com os velhos
casarões contrastando com novos prédios comerciais, é testemunha do
passado de uma cidade que nasceu de frente para o rio, como a maioria das
cidades amazônicas e, agora nega este passado e vira a costa para ele. Os
novos prédios voltam-se para a “terra firme”, o rio é espaço pretérito, depósito
dos restos que a sociedade urbana produz e joga em suas margens, é canal
que “Deus na sua infinita bondade” deixou para nós usarmos e abusarmos
dele. Em algumas áreas, as serrarias e o comércio (pequenos casebres de
madeira), agora são edificados nos barrancos do rio, porém somente pela
localização e pelo preço do solo urbano. Do barco se vê apenas fundos das
edificações em palafitas e o lixo produzido que é jogado no rio (SILVA, 2003,
p. 30).

Em alguns lugares do Estado (como Marechal Thaumaturgo,


Porto Walter, Jordão e Santa Rosa no Vale do Purus), os rios ainda são vias
fundamentais de escoamento e circulação (a única outra via é o transporte
aéreo). Noutros, apesar das proximidades e ligação com a rodovia (como
Cruzeiro do Sul, Feijó, Tarauacá, Rodrigues Alves, Mâncio Lima e, já no Vale
do Purus, Manoel urbano), têm curto período de ligação através da BR-364
(que é mais propensa entre os meses de maio a outubro, no chamado “período
seco”) com a capital acreana. Aí, ainda, há o processo de produção do espaço
que é marcado por estar voltado para os traçados dos rios.
Assim, em áreas urbanas que se centralizam a partir das margens
fluviais, o que esses municípios têm mais em comum é o elevado custo de vida.
Sobre isto está uma das principais reclamações da população que aí reside,
seja na cidade, no campo ou na floresta. Isto se justifica pela grande parte dos
produtos consumidos não serem produzidos internamente, e sim, importados,
sobretudo, do Estado do Amazonas, chegando por vias fluviais através de
balsas pelos rios. Também pode sair de Rio Branco, nos curtos períodos de
seca, por via terrestre, ou por via área, sempre até Cruzeiro do Sul.
Por não ter essa histórica relação mais estreita com a capital Rio
Branco, os municípios do Juruá acabaram desenvolvendo maior relação com a
capital amazonense – Manaus. Relação esta, que foi estabelecida desde finais
do século XIX e início do século XX. Isto foi sempre facilitado pelo fato do
rio Juruá, ao contrário do rio Acre/Purus, permitir a entrada de embarcações
de maiores calibres durante todo o ano, favorecendo mais ao desenvolvimento
comercial de Cruzeiro do Sul, que é o maior núcleo populacional das terras
acreanas do Juruá. Então, esta cidade tornar-se lócus no qual correm os
principais negócios ligados ao intercâmbio com Manaus.

180
Por outro lado, Rio Branco, apenas na condição de capital do território
acreano (sob descontentamento dos moradores das outras cidades) conseguiu
se consumar como a principal cidade do Acre. Segundo Gonçalves (2003), o
motivo principal de a capital ficar em Rio Branco, foi a decisão do Governo
Federal de que o Departamento do Alto Acre como maior produtor de borracha
(produzia mais do que os Departamentos do Alto Juruá e Purus, juntos), rendia
maior receita para os cofres públicos.
A maioria dos municípios da Mesorregião Vale do Acre Rio Branco,
Porto Acre, Senador Guiomard, Acrelândia, Xapuri, Capixaba, Assis Brasil,
Brasiléia, Plácido de Castro e Sena Madureira, em função da construção da
BR-364 e 317, tiveram a centralidade exercida pelas cidades de Belém e
Manaus, centralidade esta que perdurou até meados do século XX e foi cortada
já na década de 1960. Esses municípios passaram então a estar mais ligados ao
Centro-Sul por estas vias de circulação. Então, podemos afirmar que a medida
que as estradas vão chegando estas exercem papel centralizador do processo de
produção também do espaço (CARLOS: 1979, 35).
Por outro lado, as estradas também tiveram um papel importante a
partir da década de 1970 na formação de núcleos urbanos. Os antigos lugarejos
em áreas de terras firmes com a abertura das estradas agora são cidades, como
é o caso, por exemplo, do Quinari (Senador Guiomard), Bujari e Capixaba.
Conforme nos informa Esteves (2003), no caso de Capixaba, que no início da
referida década era ainda um seringal e com a construção da BR-317, começou
a receber migrantes de outros Estados brasileiros (os primeiros, originários
do Espírito Santo, daí o nome Capixaba). Esses migrantes construíam suas
moradias às margens da rodovia. Posteriormente, com o melhoramento das
condições da rodovia, chegaram várias famílias de outros municípios que
viram ali melhores oportunidades de trabalho por esta ser uma Vila que ainda
estava em formação.
Cabe relembrar que, segundo Guerra (1955), houve três principais
fases da consolidação do espaço urbano, na perspectiva da atual capital – Rio
branco, nos primeiros cinqüenta anos de sua formação. A primeira fase foi
iniciada a partir da elevação do seringal Volta da Empresa à categoria de vila,
em 22 de agosto de 1904, mudando no dia 07 de setembro do mesmo ano, para
sede provisória do Departamento do Alto Acre com o nome de Rio Branco. A
segunda fase iniciou-se em 23 de dezembro de 1912, pelo decreto-lei 9.831,
que elevava à categoria de cidade a Vila.
É neste contexto, explica o referido autor, que a paisagem urbana da
época era de casas eminentemente de madeira, que no discurso oficial, criava
certa temerosidade às construções em alvenaria devido à fragilidade dos solos.
Sob estas orientações, os primeiros moradores acabaram por absorver essas
ideologias e reproduzi-las, em comportamento que se tornou fundamental para
a transformação das relações entre o centro e a periferia. Daí, boa parte das

181
construções do chamado “centro da cidade”, era em alvenaria, sobretudo, a
partir de 1928, ao passo que na periferia predominavam as construções em
madeiras. Na terceira fase, que foi difundida a partir de 1953, houve a criação
de um plano diretor que sistematizou a construção em alvenaria, e, com cada
vez mais intensidade, o processo de concreta urbanização do espaço na capital
acreana.
Podemos dizer que, a partir da década de 1970, houve uma quarta
fase ligada aos processos de mercantilização da pequena produção e das
ideologias calcadas na mesma (mercantilização também do solo urbano)
criando o que Silva (2003) chama de fronteira agropecuária, ou frente
agropecuária. Na década de 1990, houve ainda uma quinta fase participativa
na consolidação da mercantilização da natureza (PAULA, 2004) e das idéias
sustentáveis na cidade. Agora a ênfase na produtividade da floresta em formas
não muito definidas de manejo e participação de sua “comunidade”, do “povo
da floresta”, traz ideais preservacionistas para a cidade com novos estilos de
urbanização. Também ligada a essas perspectivas, houve ainda a construção de
múltiplas correntes migratórias constantes, bem como a formação das cidades
acreanas.

“Agora teremos predominando os processos de mobilidade


não somente rural/urbano, mas também urbano/urbano.
Isto quer dizer que as sedes de município, às vezes,
constituem verdadeiros “trampolins” para a população
que “deixa a terra” para estas cidades e, pouco tempo
depois deixa estas cidades, vindo para a capital “(SILVA,
2003, p. 86).

Agora a questão incorporada ao discurso governamental é o


planejamento urbano, sob ótica de um novo ordenamento ao espaço da cidade
produzida nas décadas anteriores. Nesta conjuntura, o que se nota é um peso
desproporcional da cidade de Rio Branco que em 1996, já concentrava 47%
da população do Estado (um total no município de 228.990 habitantes), e
deste percentual, 87,9% habitavam área urbana do Município. Em 2002, este
percentual chegaria a casa de 91,9% para uma população de 283.995 habitantes
(FUNASA, 2002) no âmbito da população total do estado, sendo acompanhado
por alguns outros municípios (SILVA, 2003).
Podemos tomar o estudo feito por Esteves (2003) quando trata da
formação das cidades acreanas, como sendo importante para entendermos esse
processo de construção. Conforme a autora, a sociedade acreana participou
de um processo no qual foram definidas três gerações que se inserem na
construção do lugar das mulheres e homens acreanos. A primeira geração,
formada por migrantes nordestinos, acaba por ser uma denúncia, indiretamente,
às representações utilizadas para formar as ideologias que incluíam o Acre

182
como “paraíso de riquezas”, formada a partir das ideologias de “ocupação” da
Amazônia.
A chegada desses migrantes, pensando na melhoria de suas condições
de vida e/ou enriquecimento, acabou por encontrar no “inferno verde”, não
o pior, mas uma maneira sofisticada e ao mesmo tempo arcaica de uma
territorialidade seringalista versus territorialidade seringueira (GONÇALVES,
2003). Paralelo a isso, o início das transformações sociais no seio da identidade
de mulheres e homens.
A segunda geração, constituída, por sua vez, das filhas e filhos dos
migrantes nordestinos, incorporados desde o nascimento no seringal, criam e
reproduzem certo bucolismo (na aversão recusa da cidade), pela identificação
do lugar enquanto plaga do trabalho e do viver na floresta. Mas ao mesmo
tempo, essas relações se fragmentam com a “crise” da borracha no Acre15,
construindo novas trajetórias e novas espacialidades.
Essa nova conjuntura muda bruscamente com a Segunda Guerra
Mundial e o novo “redimensionamento do passado” formado a partir das
relações presentes, no caso, com a vinda dos “soldados da borracha” na
Amazônia, dessa vez, “forçados” a enveredarem a floresta e construírem
um “velho-novo” espaço geográfico acreano, incorporado às políticas atuais
(Segunda Guerra e a tomada das áreas produtoras da borracha malaia pelos
japoneses). Mas, com a nova crise da produção gomífera e a venda das terras
acreanas (transformação da propriedade), essa geração se vê desgarrada da
floresta e é forçada a se incorporar nas cidades. Mas essa geração se encontra
na intermediação do deslocamento para as cidades e a condição do trabalho na
floresta cada vez mais transformando as relações existentes na época.
É a geração dos movimentos de luta pela terra, nos quais se destacaram
líderes como Chico Mendes, Wilson Pinheiro, Raimundo Borborema, etc.
A terceira geração se insere no meio de uma crise que transforma
alguns paradigmas da relação floresta, campo e cidade, colocando dúvidas
perante o novo. Isto significava o desconhecido para com a produção da
fronteira agropecuária e a busca intensiva de formas de exploração madeireira
da floresta – com ou sem certificação. Nisso se forma condicionantes diretos
da/na migração rural/urbana e urbana/urbana. Esses processos desencadeados
desde a primeira geração, participam assim, incessantemente na/da construção
das cidades acreanas.

“Essa terceira geração teve que conviver com vozes


de técnicos e assessores, instituições financiadoras e
religiosas, etc. Ao contrário das anteriores, que não tiveram
direito ao uso da fala como representação de si. O olhar

Ressaltando que não houve crise no Acre, mas houve crise na econômica empresarial extrati-
��

vista do qual os seringais eram sua territorialização, mas transformações das relações produtivas
espacializadas, isto é, a inserção da borracha “malaia” no contexto econômico mundial.

183
sobre o mundo e a floresta é marcado pelas negociações.
O sindicato é visto como uma instituição de benefícios,
como aposentadorias e outros. A mediação entre o mundo
do seringal não está mais baseada nos interesses das
“comunidades”. O saber técnico e as relações de negócios
estabelecidas com empresas, bancos, convênios com
o governo do Estado, dentre outros, contribuem para a
desmistificação dos mitos e a criação de um novo olhar
sobre a floresta, que perdeu o mistério do desconhecido”
(ESTEVES, 2003, p.29).

Nestas situações, vistas como mudanças de ligações processadas


na formação das cidades acreanas, vemos retratar bem o que Santos (1997)
nos adverte quanto ao perigo de sermos tentados a regionalizar as relações
econômicas, como se não houvesse uma comunicação fora daquela região.
Isto, segundo o referido autor (1997), em função do aumento da circulação,
as cidades são constituídas por relações com outras mais distantes, que não
raramente, são mais intensas do que as cidades vizinhas. Situação esta que
ainda se observa no âmbito da produção do espaço urbano no Acre.
Vejamos o caso de Rio Branco, que está fisicamente mais próxima
de Manaus, no entanto, com a construção e pavimentação da BR-364, sua
relação com a cidade do Centro-Sul se dá com mais intensidade. Este é um
exemplo de como o aumento da circulação acaba modificando o conteúdo das
relações urbanas e reconstruindo as redes que se formaram. A distância, nessa
perspectiva, torna-se algo relativo.
Essa relatividade espacial participa da formação das cidades acreanas
intensamente. Isso porque o fluxo do capital inserido na formação dos seringais
e as relações sociais nela existentes fazem parte do contexto dessa produção
espacial.

Na procura de um lugar para viver

De acordo com Milton Santos, em seu livro A Natureza do Espaço


(2002), os migrantes acabam se tornando alienados na cidade. Quando uma
pessoa migra para a cidade ela se depara com um tempo presente que não
construiu e que não sabe construir. Os seus conhecimentos adquiridos no
passado acabam não tendo a importância que tinha. O que desencadeia um
grande vazio, uma alienação. Para encontrar a saída dessa alienação, os
migrantes têm que (re) formular suas práticas sociais, e, assim, se integrarem
ao seu novo meio (a cidade). Os migrantes que não se integrarem com as
novas práticas que lhes são impostas acabariam ficando “marginalizados” ou
na periferia das cidades. Não ficando no centro das atenções do estado que os

184
coloca sempre à margem das suas atuações.
Como podemos perceber através do estudo da cidade de Rio Branco
nas décadas de 1970-1980, feito por Almeida Neto (2004), a periferia não se
coloca apenas como um lugar de resignação, como é comumente situada pela
historiografia regional. Ela também se mostra pela organização e pela luta dos
sujeitos que fizeram ali o seu lugar. São vários os exemplos de como aquelas
gentes, na luta pela moradia, muitas vezes à margem da “lei”, iam para o front
com o Estado. Este agia motivado pelas elites da cidade que no resguardo da
propriedade do solo e com objetivo de especulação do solo urbano, tentava
retirá-los de seus tapiris, sem arredar o pé. Dessa forma, nasceram vários
bairros de Rio Branco.
Assim, foram se fazendo e construindo os múltiplos agentes
transformadores e criadores das cidades acreanas (poder público, migrantes
rurais, ocupantes de solos para moradias, [“invasores”, como caracteriza a
imprensa sensacionalista], especuladores imobiliários etc.). Na construção
dos espaços urbanos, participaram mulheres, homens, meninas e meninos que
fazem e fazem-se, a cada dia, a cada tempo, a cada espaço. Na vida, na capital
ou simplesmente na rua, como dizemos.

As cidades acreanas pós 1970: do navegar ao pisar no asfalto

Conforme Santos (1997), o estudo da geografia das cidades na ótica


tradicional dissipava as relações existentes com o campo. Estudava-se a cidade
como se as transformações não fossem oriundas do campo. Nestas últimas
décadas, tornou-se impossível adotarmos essa noção, em função das grandes
transformações ocorridas no campo brasileiro que, por sua vez, tiveram grandes
implicações nas cidades, destacando o êxodo rural, em seu essencial sentido.
Assim, esta relação torna-se mais estreita quando os limites do que
é produzido como rural (visto como campo e floresta) e como urbano (visto
como espaço da cidade) não se justifica mais, pois as produções de pequenas
hortaliças, as chácaras nos arredores das cidades, as fábricas que se instalam
em áreas rurais, demonstram a relatividade da separação destas dimensões
espaciais. Por outro lado, se campo e floresta, ainda são por excelência lócus
de produção (primária), é na cidade que está o centro de decisão política e de
consumo.
Conforme o CEDEPLAR (1979, p. 214):

“As cidades do Acre tiveram ciclos de crescimento e


atrofia relacionados com etapas de expansão e decadência
da borracha, sem configurar-se, entretanto, uma relação
linear direta, como bem mostra a recente decadência da
borracha acompanhada pelo enorme crescimento de Rio
Branco”.

185
Por isso, para dissertar acerca do espaço urbano acreano, sobretudo,
a partir da década de 1970, torna-se impossível negligenciarmos as mudanças
ocorridas nas relações cidade/campo/floresta. Conforme dados da Tabela 01
onde podemos salientar algumas dessas mudanças:

Tabela 01 – Acre: População rural urbano 1940-2002


Urbana Rural
V. V.
Ano V. V. Total
relativo relativo
Absoluto Absoluto
(%) (%)
1940 14.138 17,7 65.630 82,3 79.768
1950 21.272 18,5 93.483 81,5 114.755
1960 33.534 21,2 125.318 78,8 158.852
1970 59.307 27,5 155.992 72,5 215.299
1980 132.169 43,9 169.134 56,1 301.303
1991 258.520 61,9 159.198 38,1 417.718
1996 315.271 65,2 168.322 34,8 483.593
2000 371.223 66,5 186.659 33,5 557.882
2002 425.184 69,1 190.101 30,9 615.285
Fonte: CEDEPLAR (1979); IBGE, Censo Demográfico 1980 e Contagem
de população 1995/96 (in: SILVA, 2003); ACRE, 2000; FUNASA, 2002
(dados de 2002).

Com a decadência do seringalismo (forma socioeconômica baseada na


empresa extrativista materializada no seringal), o Estado passou a materializar
políticas que viessem a reformular as práticas econômicas do extrativismo da
borracha desse período (já colocadas como atrasadas) por outra que viesse
dinamizar mais a economia estadual. Isto, claramente posto que, dentro de uma
ótica capitalista, o extrativismo não tinha mais a rentabilidade; daí, a opção
pela pecuária.
O gado acaba se tornando a grande vedete das novas políticas
adotadas pelo Governo Estadual nas décadas de 1970-80 em consonância com
o Governo Federal. Contudo, para a formação das fazendas de criação bovina,
várias famílias de seringueiros deram lugar ao gado (foram expropriadas de
suas colocações). No discurso oficial, tudo isto era desenvolvimento para o
Estado.
Neste contexto, com a chegada das rodovias e a implantação
definitiva da frente agropecuária, há uma desestabilização no espaço agrário
do Estado. A população seringueira da floresta, em áreas que foram vendidas
aos compradores de terra, os “paulistas” (“fazendeiros centro-sulistas”) – foi
retirada de seu espaço naquilo que chamavam de “limpeza da terra” – na

186
verdade, formas violentas de expropriação da população camponesa florestal
(SILVA, 2003). Havendo assim, um processo de migração para as cidades que
se acentua muito mais em meados da década de 1970 até o final da década de
1980.

Desequilíbrios sob o impacto das Estradas pós 1970


Em nível interno ao Estado, começa a se configurar também certo padrão
de dependência ou polarização. Com a implantação das estradas e a ligação
terrestre entre os diversos vales, surge a perspectiva de esvaziamento das
cidades menores e o fortalecimento progressivo de Rio Branco, que se localiza
em ponto estratégico da rede rodoviária. Se, por um lado, isto cria melhores
condições de emprego na capital do Estado, por outro, tende a agravar
o problema migratório no conjunto do Estado, e acaba por concentrar a
migração num ponto, sem que ocorra um desenvolvimento urbano sólido,
capaz de absorver os migrantes, propiciando-lhes emprego produtivo ou as
condições de vida às quais aspiram (CEDEPLAR, 1979, 219)

O Estado do Acre, em 1970, tinha apenas sete cidades: Rio Branco,


Sena Madureira, Cruzeiro do Sul, Tarauacá, Feijó, Xapuri e Brasiléia e,
gradativamente, este número foi ampliado. Com a abertura de estradas e
implantação de áreas de colonização, muitas famílias de seringueiros e
de migrantes centro-sulistas que chegavam, começaram a ocupar áreas de
“pequenos aglomerados populacionais” às margens das rodovias. Destes
pequenos núcleos de povoamento, posteriormente, surgiram alguns dos
municípios do Estado.
A cidade de Rio Branco, neste momento, se coloca intensamente no
processo de transição do capital principiado pela “empresa da borracha” e sofre
profundas transformações aliadas ao desenvolvimento da máquina produtiva
(não necessariamente do Acre, mas dos que dominavam o sistema produtivo) a
partir das gentes que se incorporam ao mesmo processo (agora na cidade e não
mais na floresta) tendo e vendo na cidade, um novo espaço de vida marcada
pela ruptura com o passado (ESTEVES, 2003). De acordo com Almeida Neto
(2004, p. 98),

O primeiro problema que encontraram (os seringueiros) ao


chegarem a Rio Branco foi a inexistência de moradias ou
a “falta de espaços livres” para a edificação das mesmas.
Aliás, a inexistência de moradias em Rio Branco não foi
um problema gerado pela chegada do migrante, a chegada
apenas acentuou, de forma expressiva, a ponto de, a
partir da década de 1970, terem induzido a administração
governamental a construir de comum acordo com a
política de habitação do Acre, o sistema financeiro de

187
habitação do Estado do Acre – COHAB-ACRE. É por
demais importante definir, em primeiro plano, que o
espaço escolhido por esses sujeitos sociais, quando da sua
chegada a Rio Branco, foi exatamente a orla da cidade,
desprovido de qualquer atividade, seja administrativo,
industrial ou, até mesmo, agrícola. Se esse espaço não
possui dono ou pertencia a terceiros e/ou ao Estado, a eles
(migrantes e seringueiros) não interessava.

Outras ações paralelas que possibilitaram a formação de novas


cidades no Acre relacionam-se à implantação dos projetos de assentamento.
Mesmo negando-se a condição de trabalho e produção do seringueiro, estes
acabam por serem incorporados a um novo modo de vida no campo e na
cidade. São espaços que negam a floresta, inclusive, seu agente principal não
é mais o seringueiro (conforme Silva [2005], camponês da floresta), mas o
colono (camponês da lavoura) – agricultor que culturalmente traz suas práticas
do Centro-Sul. O melhor exemplo disto é o caso de Acrelândia: a cidade
surgiu a partir de um Projeto de Colonização (Redenção), criado pelo Governo
Estadual, em consonância com o Governo Federal; foi ocupada por migrantes
de outros Estados (em especial do Paraná, no final da década de 1970 e início
de 1980). A Vila Acrelândia, que pertencia ao município de Plácido de Castro,
foi criada segundo o Projeto de Colonização e ficaria uma Reserva Florestal,
entre as duas etapas do Projeto Redenção (NASCIMENTO, 2004).
Esta conjuntura se explica, pois,

O Estado do Acre também foi palco desses PAD’s, que


foram criados para serem um dos elementos do Plano
de Integração Nacional, que consistia numa ocupação
econômica de fato dessas terras. O nosso Estado recebeu
várias famílias vindas do Centro-Sul em virtude da
formação do CAI; como também em função da construção
da Usina Hidrelétrica de ITAIPU, no Rio Paraná, na
parte oeste do Estado paraense. Com a construção dessa
Usina, uma obra colossal, era necessária a retirada de
milhares de famílias que habitavam a área que seria
encoberta pela formação do lago gigantesco, que causou
um grande impacto de natureza ambiental, social e
territorial. O Governo prometia para essas pessoas terras
em outros lugares, principalmente na Amazônia, onde
poderiam viver com todas as condições necessárias para
continuarem mantendo-se na condição de camponeses
(NASCIMENTO, 2004, p. 21-22).

O arranjo espacial das cidades, no decorrer da década de 1970, foi


interligado às políticas de desenvolvimento econômico, com a implementação

188
de políticas voltadas cada vez mais para as ações desenvolvimentistas da frente
empresarial agropecuária no Estado. Porém, simultaneamente, a mobilização
cada vez maior da população, sobretudo de ex-seringueiros, juntamente com
outras instituições (como, por exemplo, a Igreja), se deu na formação de
sindicatos que reivindicavam melhores condições de vida aos trabalhadores da
floresta e da cidade. Há, então, maior sofisticação das relações do Estado para
com a sociedade. Isto se dá no intuito de forjar as verdadeiras intenções do
mesmo, na consolidação de uma sociedade que deveria deixar a floresta e sua
face agrária, como espaço produtivo, para optar por uma base agropecuária no
campo e, essencialmente urbana, no modo de viver.

As cidades nos anos 90 e início do século XIX

A transformação das relações produtivas no Acre criou possibilidades


para uma nova divisão urbana. A inserção de mais dez cidades no Acre
(municípios) amplia a necessidade de um tratamento político mais específico a
vilarejos que ficavam expostos ao descaso do poder público. Visava-se assim
uma maior integração política do Estado do Acre, embora havendo, em todos
os novos municípios, interesses de setores da elite política que buscavam aí
perpetuar seus domínios sobre essas áreas territoriais.
Com a autonomia dos municípios na década de 1990, a população
que vivia nas novas cidades acaba por se incorporar ao simbólico fluxo urbano.
Mesmo porque, segundo o Censo Demográfico da População de 1991, muitos
deles, ainda foram contabilizados como população rural.
A consolidação de algumas dessas cidades em relação à sua criação
se estabelece a partir de um espaço produzido em que nascem de frente para
as estradas.
A estrada é o principal produtor dessa nova articulação do espaço
urbano acreano. Com as mudanças nos processos produtivos voltados para
atividades agropecuárias, novas áreas são incorporadas próximas às antigas
cidades em que foram se formando e transformando antigos lugares em novas
sedes municipais. Com estes processos surgem novas reivindicações de
participação pública e já no final da década de 1990, novas áreas reivindicam
sua autonomia.
Como é possível perceber, a população urbana em meados da década
de 1990 já se encontra consolidada sob várias perspectivas da política do
Estado.
O mais importante é salientar que das características urbanas fica
claro que a inserção das cidades, forma-se e reproduz-se pela lógica do
mercado nacional e internacional, com políticas públicas adequadas para
esse fim. Lógica que está vinculada ao acúmulo de tempos do capital e que se

189
transforma, em especial, pelas ideologias de quem comanda o mesmo. Porém,
alguns destes municípios recém criados como o de Santa Rosa, Porto Walter,
Jordão, Acrelândia, Capixaba, ainda têm sua população rural muito superior à
urbana.
Cabe frisar que no final da década de 1990, se inicia um novo panorama
político do Acre. O Poder Público passa das oligarquias regionais, suplantadas,
em especial, no período ditatorial brasileiro, para novas oligarquias, que agora
incorporam o discurso calcado sob a ideologia do “desenvolvimento sustentável”.
Isto se dá com a ascensão política da “oposição16” que, parcialmente, suprime as
relações ideológicas por parte da velha oligarquia do Estado, sobretudo, em Rio
Branco. Isto não quer dizer que já estejam suplantadas as práticas reprodutivas
da política de “apadrinhamentos”, calcada na barganha, no voto em troca de
favores e na articulação da máquina administrativa, antes tão incorporada ao
discurso no Estado. Na verdade, muitas práticas persistem. Contudo, há uma
ação mais planejada com metas de políticas públicas para todos os setores
produtivos, inclusive, no que refere-se à urbanização das cidades.
Então a formação das cidades acreanas é inserida em parte nas
propostas de relações verticalmente construídas pelos jogos de interesses do
“poder” e do domínio do “território”. Assim, os municípios acreanos têm,
no seu bojo, a incorporação das relações construídas por sujeitos sociais
do passado, que participaram ontem, hoje e sempre da transformação do
espaço. Isto, mesmo que, muitas das vezes, muitos autores, não vêem esses
municípios serem incorporados à construção do urbano, como um modo de
vida e produção do espaço que, no Acre, principia-se da floresta/campo para
a cidade. Vemos, pois, mulheres e homens, a partir da produção e reprodução
do capital (CARLOS, 1979), trazerem, em sua potencialidade de construção,
a grafia (“escritos” nas suas lutas e suas histórias) das gentes na e da terra
Amazônico-acreana”.
Isto demonstra que,

O homem, nesse contexto, é um ser social agente da vida


econômica e da organização do espaço, que tendo por
base as relações sociais, realiza profundas modificações
no quadro econômico-político e social. O espaço é pois,
uma produção humana e organização que coincide com
o próprio modo pelo qual os homens produzem sua
existência (CARLOS, 1979, p.36).

Portanto, esta construção do espaço urbano acreano estará sempre


ligada às transformações históricas que se integram à existência do seringueiro,
do brabo, do posseiro e do morador das periferias das cidades acreanas. Isto

FPA – Frente Popular do Acre, que correspondeu a uma frente de partidos de centro esquerda,
��

incluindo o Partido dos Trabalhadores e o Partido Comunista do Brasil.

190
como um processo que estes sujeitos, com intensificação da territorialização
do urbano para com o rural, e com a criação de outros municípios, se integram
à realidade acreana atual, seja no campo, na floresta ou na cidade.

A cidade no âmbito da sustentabilidade: pontos para reflexões

No momento atual, com as transformações políticas e territoriais no


Acre, a preservação da floresta é vista como um bem econômico, sob discurso
ideológico da conservação da biodiversidade. Isto se insere na práxis política,
não só em escala estadual, mas internacional, lançando base para a firmação
daquilo que Gonçalves (2004) caracterizou como a formação de “latifúndios
genéticos” (áreas com grande biodiversidade onde o Estado procura retirar
aquelas gentes que lá residem secularmente, em prol das grandes indústrias
mundiais de biotecnologia). Assim, criam-se e recriam-se territorialidades na
floresta onde o ecológico suprime outros significados postos, e ao mesmo tempo,
mais que isso, homogeneíza-os. Então, o humano aparece como a classificação
de protótipos de mulheres e homens como uma forma única (“nomos-topos”)
de povos da floresta.
Segundo PAULA (2003), esse discurso do desenvolvimento no
Acre se encontra calcado nas ideologias inseridas no discernimento de força
social diversa. Então, além dos movimentos populares terem maior êxito com
a ascensão política do Partido dos Trabalhadores, houve também ações na
definição de uma nova forma de desenvolvimento. Daí, muitas das pretensões,
estiveram apenas no horizonte das utopias almejadas. Na verdade, os propósitos
postos se alicerçam no próprio âmbito de expansão do capitalismo, inclusive,
no projeto de capitalizar sobre a questão ecológica e ambiental na região. Isto
se legitimaria com a adoção do programa de “desenvolvimento sustentável”
para o Estado, tanto na definição de políticas preservacionistas, quanto na
criação e imposição social de um instrumental ideológico.
Daí o termo “sustentabilidade” ter livre acesso, pois se insere no
propósito de um desenvolvimento ambiental, econômico, político ou geográfico
que teria de estar ligado às ações de sujeitos, suas maneiras comuns, igualitárias
e propositivas. Na verdade, isto não acontece, mas a ressonância que tem o
termo – sustentar – faz deste, um significado que tem respaldo no discurso dos
mais diversos agentes produtores de espaços.
Nisto ficam algumas questões para refletirmos: ao falarmos de
“desenvolvimento ambiental”, a que podemos remeter esta “sustentabilidade”
apregoada pelo Acre, nas cidades? Seria uma nova forma de inserção da floresta
na cidade, sob imposição da ideologia do “desenvolvimento sustentável”
como incorporação de produtos da floresta no mercado? Seria o deslocamento
comportamental da população da cidade para a floresta e garantia de ocupação

191
ou emprego, ou um fator de atração não mais da floresta para a cidade, mas
sim o inverso? Ou ainda a incorporação do discurso do “desenvolvimento
sustentável” sob duas óticas distintas: a floresta e a cidade?
Essas e várias outras questões se inserem no tema da sustentabilidade
no Acre, mesmo porque a cidade acaba se colocando de forma paradoxal: ou
é submetida às relações da e na floresta ou simplesmente sofrerá uma nova
incorporação de processos produtivos, mas perante as permanências de práticas
anteriores que persistem. As praças embelezadas, as ciclovias, a recuperação de
centros históricos, a urbanização de áreas citadinas, se contrastam com bairros
que permanecem mergulhados na lama, com a prostituição, com crianças e
adultos que pedem esmolas, com as ocupações de áreas para morar etc.
Rio Branco – capital do Estado é espelho do problema urbano
acreano. São faces de espaço que, no discurso, muito tem se dito para vê-
la como lócus de uma “cidade sustentável”, preferimos aqui, vê-la como a
“cidade de contraste” que é.
Mas o que seria esta “cidade sustentável” para o Acre? A “cidade
sustentável” se lança num paradigma de desenvolvimento que está submetido
às relações com a floresta (ZEE, 1999). Assim, estão inseridas nesse projeto
político, as pretensões de que as cidades deveriam ser também lócus onde se
coloca a floresta como agente produtivo. Ora, a floresta é lócus, é território de
produção e vivência, mas quem a produz são as gentes que a habitam, sob a
ótica das forças produtivas vigentes.
Isso é bom ou ruim para as relações existentes entre economia
e sociedade? Se pararmos para pensar, veremos que a constituição espacial
de uma economia se dá graças aos movimentos das pessoas que habitam e
transformam seu lugar; aí se programam e complementam uma série de
outros processos e fatores. Aliados, então, à inter-relação do socioespacial,
tanto estrutural quanto conjunturalmente situado nela, a mobilidade do capital
urbano é, eminentemente, participante dessas relações. Mas não podemos
confundir movimento contínuo do espaço, com a verticalização intencional,
característica do sistema capitalista sob forças externas que se impõem aos
lugares. O discurso “sustentável” nos aparece sob esta ótica.
Por outro lado, tendo como perspectiva a realidade acreana, sua
transformação política sob esta ótica é também construção que participa
do contexto que se interpõe às territorialidades dessas propostas, ditas
“sustentáveis” e com metas de vida de diversos seguimentos locais, burgueses
e não-burgueses.
Ressaltamos que Zoneamento Ecológico e Econômico Acre (ZEE/
AC), explica que a principal meta a atingir em relação ao “desenvolvimento
sustentável” é a gestão social do espaço. Isto se daria no jeito de manejar,
de forma coerente, as políticas públicas e o aparato econômico, em que se
vinculam as relações da floresta, do campo e da cidade, no âmbito dos projetos

192
de desenvolvimento postos para a sociedade. Mas fica algo incerto no tocante
às políticas públicas das cidades acreanas, quando se fala em sujeitos que se
inserem diretamente, por serem construtores desse espaço!
Partindo então, de uma “sustentabilidade” que discute a relação
cidade/floresta, vemos que a participação da construção do espaço urbano
pela população do Acre se insere, de forma não menos decisiva, na construção
desses sujeitos. Aí, não necessariamente, estes se encontram ou querem estar
em algo “sustentável”, nos moldes que dizem os apregoadores da ideologia
deste projeto de desenvolvimento. Mas querem, sim, condições de melhor
se sustentarem na labuta do cotidiano enfrentado, para trabalhar, para morar,
enfim, para viver.
Afinal, como Milan Kundera (1987) nos aponta, estamos, na nossa
vida, sempre atrás da leveza. Porém esta leveza acaba por ser insustentável.

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194
O desenvolvimento acreano em questão:
contexto histórico e especificidades microrregionais

Floripes Silva Rebouças


Lucilene Ferreira de Almeida
Silvio Simione da Silva

A crise – de que tanto se fala – não é apenas econômica e


política. É de toda a civilização humana. A sociedade da
indústria e do consumo gerou megalópoles insustentáveis
e esvaziou as áreas rurais. A condição para sair da crise é
uma profunda renovação de valores. Não tenho duvidas
de que essa renovação ética só poderá ocorrer se estiver
fundamentada num novo relacionamento do homem com
a natureza [...]. É um crime contra a humanidade sacrificar
os recursos do milênio pelo lucro de uma década (Marina
Silva, S.d).

Direções das políticas de desenvolvimento no Acre–estado.

Os encaminhamentos das políticas de desenvolvimento acreanos


sempre estiveram marcados por acontecimentos e intervenções externas. Isso
já se fazia presente no período áureo da borracha, quando interesses externos
pautaram e direcionaram as questões locais no âmbito da formação social e
territorial. Todavia, até então, a realidade era marcada por uma integração
política que pouco se efetivava, no âmbito econômico, após a decadência
da exploração empresarial da borracha. Segundo Becker e Egler (1993), o
Brasil tinha uma estrutura econômica que podia ser chamada de “arquipélago
mercantil”: isto é, formava um grande bloco político, mas cada porção regional
se isolava internamente, às vezes, tendo mais relações econômicas com o
exterior do que mesmo internamente.
Assim, o Acre viveria os primeiros sessenta anos de Brasil nessa
conjuntura, começando, ainda, na fase áurea da borracha e seguindo por longo
período de crises e decadência da economia baseada no seringal. Então, nos
períodos de crises, ocorrem mudanças de ordem produtivas, para práticas
fundadas mais na produção familiar dos seringueiros. Houve, inclusive, políticas
de promoção da produção com a implantação das “colônias agrícolas”, no
governo territorial do Sr. Oscar Passos (1941). Era a territorialidade seringueira
(domínio familiar camponês florestal) que ia suplantando a territorialidade
seringalista (domínio patronal/empresarial extrativista), como caracterizou

195
Gonçalves (1998).
Após 1960, passado os quarenta anos de Território Federal unificado,
no contexto regional amazônico, outras propostas de desenvolvimento passam
a exercer influência na orientação das políticas no Estado. Todavia isso,
claramente já vinha com respaldo nas dinâmicas econômicas e territoriais
impostas pelo Governo Federal que iniciara já pós 1950. Tais mudanças se
efetivam com as políticas e expansão da fronteira econômica no Governo de
JK e, sobretudo, no período da ditadura militar pós 1964.
O respaldo em território acreano formaliza-se nas pretensões de parte
relevante da elite local que via na abertura para a agricultura e pecuária uma
saída da estagnação econômica para a região (dentro de seus projetos de classe
social dominante). Em 1962, o Território Federal do Acre é elevado à categoria
de Estado. A economia estagnada e a franca expansão da fronteira econômica
na Amazônia, já apontavam novas possibilidades para o estado num panorama
político desenvolvimentista.
É a partir daí que podemos encontrar marcos fundamentais para a
compreensão das transformações que se processaram nas décadas seguintes, as
quais foram conduzidas ao atual “projeto de desenvolvimento”.

Os governos nomeados pela Ditadura Militar

O contexto nacional pós 1960, sobretudo, com o Golpe Militar de


1964, marcou uma retomada do Projeto de Integração Nacional, iniciado na
década anterior. Tratava-se de uma articulação econômica no território nacional
em que se buscava quebrar a estrutura isolada. No Acre, já no período pós-
1964 até 1970, inicia-se a adoção de política desenvolvimentista sob a ótica da
expansão rodoviarista. Assim como noutras partes da Amazônia, as rodovias
seriam os eixos difusores para a implantação da atividade agropecuarista, para
o direcionamento de fluxo de investimentos e também para o povoamento, a
partir da transferência de contingentes populacionais do Centro-Sul.
Efetivamente, no Acre, há períodos que podemos apontar para a adoção
de tais orientações no desenvolvimento estadual, seja no aprofundamento ou
na retração a tais direcionamentos políticos por parte dos governos estaduais,
pós-1970.

196
O projeto desenvolvimentista

Como herdeiro de uma visão colonial de ocupação do espaço, o projeto


desenvolvimentista repassa a visão da natureza como fonte inesgotável de
recurso numa compreensão do desenvolvimento como sinônimo de “crescimento
econômico” (que relaciona apenas aspectos produtivos e comerciais). Não há
crise, social, ambiental ou ecológica, mas defasagem, inadequação de projetos
e falta de otimização dos meios de produção, sobretudo, o homem, a terra e o
capital sendo administrados erroneamente. Neste contexto, tem-se o avanço da
fronteira econômica amazônica recente pós-1950, que no Acre se formaliza a
partir de finais da década de 1960 com a frente pioneira agropecuária, em que
o principal meio de produção aí mobilizado é a terra, ou melhor, a propriedade
da terra. E chega até os dias atuais, acima de tudo, impulsionados pelas forças
políticas de direita, grande parte do empresariado local e pelos segmentos mais
conservadores da sociedade (Silva, 2003, p. 127).

O Governo de Francisco Wanderlei Dantas, de 1971 a 1974, é o


marco da abertura do Acre ao avanço mais intenso da frente agropecuária
centro-sulista. Neste período tem-se a tomada das terras acreanas pelas forças
expansionistas da fronteira agropecuária amazônica, que já atuavam em outros
estados. Esse processo se dá sob ação do Governo, patrocinando campanhas
publicitárias para a atração de compradores de terra, sob o argumento de
implantar novas atividades – a pecuária, como base para retomar o crescimento
econômico do estado.
Criavam-se, então, mecanismos para a substituição do extrativismo
pela agropecuária, tida como atividade “moderna”. Havia respaldo local, pois
o momento era deveras propício, visto que a maioria dos seringais haviam sido
semi-abandonados pelos seringalistas em virtude do “desprestígio econômico”
da borracha natural brasileira no mercado. Então, as pretensões de efetivar a
pecuária, passaram a nortear todas as políticas econômicas e aquelas medidas
que se voltavam mais para o âmbito social e cultural.
Para concretizar sua política de “modernização” no Estado, foram
criados programas de incentivos a quem quisesse vir para o Acre e investir
na pecuária. Instituíram-se instâncias governamentais de apoios e incentivo à
colonização e à expansão da indústria. As campanhas publicitárias divulgam
em diversas partes do país, a abundância de terras, no Acre, a baixo preço.
Mostrando, ainda, incentivos fiscais e créditos possíveis de serem acessados.
Vista como meio de restaurar a economia estadual, a implantação da pecuária
é apoiada e passa a orientar as políticas públicas locais.
Na verdade, pode-se dizer que:

[...] essa estratégia do Governo Federal apoiava-se


fortemente na oferta de incentivos fiscais, complementada

197
por outros incentivos oferecidos pelo governo estadual.
Esses atrativos, somado às possibilidades de especulação
com o mercado de terras, abriram passagem para a
expansão da frente agropecuária no início dos anos 70.
Os seus impactos na estrutura agrária acreana foram
imediatos. Em 1978, cerca de um terço das terras
cadastradas no INCRA – aproximadamente 4 milhões de
hectares – encontravam sob domínio de investidores do
Centro-Sul [...]. (Paula, 2003, p. 41).

Portanto, condições políticas daquele momento favoreciam tais


direcionamentos para a expansão da fronteira agropecuária. Wanderlei Dantas
se insere nesta conjuntura, sem ter como negar o que se apontavam no âmbito
nacional. Mais que uma identificação com a “ideologia desenvolvimentista
do Governo Ditatorial Federal” (Calixto, Souza e Souza, 1985),
esse governo estadual “biônico”, fora cooptado e condicionado no Plano de
Integração Nacional a colocar o Acre no âmbito da rearticulação econômica e
na produção do espaço nacional que se forjava.
A mudança para a agropecuária, todavia mexia profundamente nos
arranjos socioespaciais produzido ao longo da ocupação socioeconômica
herdada da frente extrativista da borracha. Porém, assim, o Acre era colocado
no circuito das políticas de integração nacional, começando pela maciça
transferência da propriedade da terra, e conservando a estrutura fundiária
concentrada.
No período de 1975 a 1978, no Governo do Sr. Geraldo Gurgel de
Mesquita, o Acre viveria novas possibilidades de mudanças em sua política
de desenvolvimento. Há uma tentativa de conter as forças da frente pioneira
agropecuária, restabelecendo bases para uma produção agroextrativista. A
proposta de desenvolvimento não negava as investidas agropecuárias, mas
apontava para uma retomada da atividade extrativista como principal fonte
econômica do Acre, tal como fora no passado a atividade motriz da economia
regional.
Todavia, a pecuária, incentivada pelo Governo anterior, havia
contribuído para o quase desaparecimento do extrativismo. No âmbito de uma
exploração empresarial não havia mais possibilidade, visto que os incentivos
foram direcionados totalmente para aquela atividade. Neste panorama,
com a vinda de compradores de terras e com a transferência destas para os
pecuaristas, produziam-se, para a grande parcela dos seringueiros, processos
expropriatórios.
O êxodo da população para as cidades deixava para traz áreas dos
antigos seringais que iam sendo desmatadas para a formação de pastagens,
sobretudo, na Mesorregião do Vale do Acre. Então, os conflitos florescem de
forma ampla no ambiente agrário. Com isto, o plano modernizante do Governo

198
Federal, agora parcialmente respaldado em nível estadual, começava a encontrar
dificuldades para sua implantação no Acre. Isto se devia entre outras razões:

“à existência de um poder oligárquico muito vigoroso


e articulado regionalmente e também a emergência dos
segmentos subalternos, via o movimento do sindicalismo
rural [grifo nosso], que passam a travar intensas disputas
em torno de outras “alternativas de desenvolvimento para
o estado” (Paula, 2003, p. 45).

Um governo mediador para os conflitos no Acre


A concepção de “progresso” defendida por alguns setores da classe
dominante local teve como principal porta voz o governador Geraldo Mesquita.
Empenhado na defesa dos interesses oligárquicos vinculados ao extrativismo,
posicionou-se contra a pecuarização como carro-chefe da “modernização” do
Acre e reivindicou do governo federal políticas voltadas para a revitalização
da produção de borracha [...]. Porém, preconizava a criação de políticas
destinadas a sua “modernização”, que englobaria desde mudanças tecnológicas
no “fabrico” da borracha nos seringais nativos, até a implantação de seringais
de cultivo. Ou seja, o que estava sendo reivindicado era um tratamento
similar ao dispensado latifúndio em outras regiões do país: a possibilidade de
modernizar sua base sem alterar o regime de propriedade fundiária. Além de
satisfazer aos interesses oligárquicos vinculados diretamente ao extrativismo,
expressava tanto uma tentativa de contornar os problemas urbanos
decorrentes do repentino aumento do êxodo rural, quanto a possibilidade de
desencadear novos conflitos pela posse da terra resultante da “modernização”
(Paula, 2003, p. 67).

O governo Geraldo Mesquita, como parte dessa oligarquia, não


introduz uma revisão na política de desenvolvimento por acaso. Há uma situação
que o obriga a isso – os conflitos suscitados. Daí, sua busca por incentivos
ao retorno da produção do extrativismo, dar-se sob duas perspectivas que, às
vezes, podiam aparentar contradição: primeiro, deveria ser um extrativismo
“modernizado”, acompanhado de novas técnicas produtivas; segundo, teria
que ter em mente que a reativação dar-se-ia através de uma base produtiva que
não era mais atrativa à empresa seringalista como fora no passado. Na verdade,
aí se firmavam mecanismos de controle dos conflitos agrários, gerados na
reação dos trabalhadores florestais às suas expropriações; e, ao mesmo tempo,
respondiam à ansiedade de parte da elite local que estava “alheia” aos processos
engendrados pelos novos agentes do capital que chegava. Isso reflete uma
questão importante, pois se de um lado, não houvesse uma posição clara por

199
mudanças estruturais na propriedade fundiária, por outro, muitos dos seringais
que foram vendidos, eram de proprietários que sequer viviam no Acre. Esses
retornavam apenas para venderem suas terras, e em seguida, partiam deixando
para traz os problemas que daí continuariam sendo gerados.
Havia uma implementação de mecanismo de viabilização da
produção não apenas extrativista, mas também da produção agrícola no espaço
agrário. Assim, houve um fortalecimento de assistência e extensão voltado à
produção extrativista e agrícola, o qual foi feito por órgãos federais e estaduais
como EMATER/AC (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do
Acre); SUDHEVEA (Superintendência de Desenvolvimento da Hévea);
COLONACRE (Companhia de Colonização do Acre) e o INCRA (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Que tratam de questões
relacionadas à regularização da propriedade da terra, dentre outras.
No Período de 1979 a 1982, houve a reativação das políticas de
incentivos à agropecuária. Trata-se do governo do Sr. Joaquim Falcão Macedo,
em que sob retomada do projeto de Dantas, as questões que marcaram o Governo
de Mesquita, referentes à reativação do extrativismo seriam relegadas a um
segundo plano. Há uma reabertura para frentes econômicas e populacionais
do Centro-Sul. Novamente intensificam os fluxos de pessoas interessadas na
formação de fazendas e, em especial, de migrantes em busca de terra para
o trabalho familiar, nos projetos de assentamentos do INCRA. É também o
momento em que os conflitos pela terra atingem índices de gravidades drásticos,
inclusive, com muitos assassinatos.
Neste contexto, ocorre a firmação da atividade agropecuarista e a
maior participação das indústrias madeireiras no Estado. Todavia, no contexto
geral, o êxodo rural era bastante intenso, o que fazia ocorrer no Acre um
crescimento considerável das cidades, sobretudo, da Capital. As crises nas
questões sociais estiveram acompanhadas pelo agravamento dos problemas
ambientais, chamando a atenção nacional para o que ocorria na região.
Basicamente aí se contiveram as ações do Governo, como ápices
da oligarquia local aliada aos interesses nacionais. As condições políticas e
econômicas, em tudo, agora. contribuiria para a reabertura política do país e
para a conseguinte eleição direta dos próximos governos.

Os governos eleitos pós-1982

Sucederam-se, neste período, vários governos que tenderam a


aprofundar as bases produtivas do Estado sob metas do desenvolvimento
da agropecuária como “carro chefe”. Na verdade, na década de 1980, não
houve um projeto de desenvolvimento que propusesse algo novo, mas sim,
a formalização mais sistematizada do que havia sido praticado nos governos

200
anteriores. Foi, todavia, no governo do Sr. Nabor Junior (1983 a 1986) e do
Sr. Flaviano Mello (1987 a 1990) que se fixaram as bases para a firmação da
colonização agropecuária, e também, é nesse mesmo período, que efetivaram
as primeiras medidas que denotavam resposta aos apelos e às pressões sociais
e ambientais vividas na época. Isto já era resultado dos anos de conflito sociais
locais respaldados na realidade mundial de movimentos sociais que apontavam
para os problemas ecológicos que estavam sendo gerados.
Foi neste período que foi formado o Instituto de Meio Ambiente do
Acre (IMAC) e a Fundação de Tecnologia do Acre (FUNTAC), órgãos que
se voltam para questões ambientais, com a finalidade de atuação desde a
fiscalização até a geração de tecnologias para a produção, sobretudo, florestal.
Também houve um primeiro esboço de um “zoneamento do Estado”, em que
se mapearam as aptidões produtivas (“Atlas da FUNTAC”) e depois o “Atlas
Geográfico Ambiental do Acre” (ACRE, 1991). Contudo, os incentivos não
estiveram centrados na atividade florestal/extrativista, mas foram direcionados,
ora à indústria (em especial dos ramos madeireiras, alimentícias ou oleiras),
ora à produção rural (campo e floresta tratados como se tudo já fosse área
desmatada ou pronta para ser), ora ao comércio e construção civil e ora em
ações assistencialistas no campo social.
As preocupações “ecológicas” aí manifestadas se dão devido aos
grandes impactos causados pelas derrubadas, queimadas e conflitos sociais.
Havia pressões de organismos nacionais e internacionais que
exigiam medidas que freassem esses conflitos e que dessem maior atenção
aos problemas ambientais. Também o interesse em atrair investimentos
governamentais e não governamentais para o Estado, fazia com que o
Governo acenasse com possíveis preocupações com a questão ambiental nas
políticas públicas. Para isto, as fortes pressões dos trabalhadores organizados,
repercutiam internacionalmente. Com isto houve, inclusive, o assassinato do
sindicalista Chico Mendes em 1988, fato que obrigaria de imediato o aumento
da preocupação em torno dos assuntos socioambientais, para que se tomassem
medidas políticas nesse sentido. Todavia, com exceção das ações dos
trabalhadores organizados (STRs, CNS, FETACRE, CUT etc), das conquistas
nas áreas de assentamentos (PADs e PAEs) e do aprofundamento nas propostas
de RESEXs, as preocupações estiveram restritas a muitos discursos e práticas
contraditórias. Continuavam os incentivos à agropecuária e a outras atividades
sob metas desenvolvimentistas.
A partir de 1989, o Governo Federal proíbe as linhas de créditos que
implicassem no desenvolvimento de atividades que levassem ao desmatamento
da Amazônia (Acre, 2001, p. 27). No Acre, isto teria repercussão positiva nos
movimentos sociais rurais.
No curto governo do Sr Edmundo Pinto de Almeida Neto (1991 a
1992), também não houve ruptura com as idéias desenvolvimentistas. Todavia,

201
este apresentava um projeto acirrado de aprofundamento dessas perspectivas
de desenvolvimento, com ampliação da malha viária, colonização agrícola,
industrialização e urbanização das cidades.
Na verdade, foi uma proposta de governo cuja meta era o incentivo
ao desenvolvimento, tendo como base a expansão agropecuária e extrativista
madeireira no ambiente agrário. Que daí se esperava ter como resposta a
ampliação das oportunidades de crescimento da indústria e do comércio nas
cidades. Fora um curto Governo, mas que entendemos ter marcado como a
última tentativa formalizada de aprumar o crescimento estadual sob meta
“desenvolvimentista”, numa lógica acumulativa, planejada e predatória da
natureza local, sem operacionalizar o discurso ambientalista, como propósito
político para sua realização.
Posteriormente, os governos dos Srs. Romildo Magalhães (1992/1994)
e Orleir Cameli (1995/1998), a nosso ver, foram marcados pela ausência de
um projeto para o Estado. Não se tem clareza na definição de uma proposta
efetiva para o desenvolvimento estadual quanto ao direcionamento político,
econômico e ambiental.
O assistencialismo e paternalismo governamental predominam e
exacerbam as ações no campo social, sob metas de governo populista, mas sem
propósitos gestores da coisa pública. Como conseqüência destes governos, os
setores produtivos do estado mergulham numa decadência econômica pela falta
de incentivos e apoio governamental. Permanecem os conflitos ambientais e
sociais no Estado, e aprofunda-se uma crise de credibilidade nesses “governos”,
extrapolando até os limites do Estado, da região e do país.
Foi nesta conjuntura institucional de ausência de um projeto de
Governo, de crise social e, sobretudo, com reflexo no âmbito da própria elite
local, perante os avanços de setores da sociedade organizada, que em 1998,
chegou ao poder o Governo da Frente Popular do Acre (FPA.
Era uma frente partidária liderada pelo Partido dos Trabalhadores
(PT), sob a liderança personificada no Engenheiro Florestal Sr. “Jorge
Viana”, o qual incorporou ao partido representantes de segmentos da “velha
elite” (oligarquia) extrativista da região, de segmentos políticos de centro-
esquerda e das organizações sociais de trabalhadores (urbano-rurais).
Apresentou-se com um arrojado projeto de gestão que propunha romper tanto
com a lógica “desenvolvimentista/agropecuarista”, quanto com a inércia dos
governos anteriores, ao implantar uma ótica organizacional sob ideais do
“desenvolvimento sustentável”.
Principiava-se o ano de 1999, início da gestão do “Governo da
Floresta”.

202
O “Governo da Floresta” e o “desenvolvimento sustentável”

O ano de 1998 foi marcante no que diz respeito às orientações de


políticas de desenvolvimento no Estado. Com a chegada ao Governo Estadual
da Frente Popular do Acre (FPA), tem-se a discussão e a implantação de uma
nova orientação nas metas e propósitos de desenvolvimento no Estado, mas
com repercussão em nível regional. É a partir daí que são implementadas
políticas voltadas ao chamado projeto de “desenvolvimento sustentável” no
Acre, no âmbito da execução do Programa do “Governo da Floresta”.
Para que estes propósitos tivessem aceitação popular, como um
projeto de desenvolvimento posto de fora para dentro, houve trabalhos de
aproximação dos propósitos firmados pelo “Relatório de Bruntland” às
questões dos legados dos movimentos sociais de trabalhadores regionais. Isto
foi tomado como meta de propaganda pela equipe do “Governo da Floresta”,
num trabalho de resgate de significados históricos dos processos produtivos do
espaço acreano, das lutas sociais, do sentido e valor da floresta (econômico e
sociocultural), da figura de lideranças sociais etc.
Assim, a “opção pelo Desenvolvimento Sustentável”, sustenta-se
ideologicamente no resgate da política desenvolvida no governo do Sr. Geraldo
Mesquita, quando foi dada ênfase ao extrativismo, e também à luta de Chico
Mendes em defesa dos seringueiros e da floresta. Desta forma, esse retorno
ao extrativismo – o “neoextrativismo” respaldar-se-ia em políticas externas
mundiais que apregoam e financiam a proteção das florestas e também de
pretensões e ideais locais.
Desta forma, o projeto do “Governo da Floresta”, tendo como meta
romper com as tradicionais “propostas desenvolvimentistas”, passa a propor
alternativas sob condicionantes “sustentáveis”, por meio da revalorização
da floresta como lócus e fonte de recursos exploráveis. Então o slogam de
“Governo da Floresta”, simbolizará a sustentabilidade do Estado que virá a
partir da floresta. Com essas políticas serão criados projetos de assentamentos
como os pólos agroflorestais, ou a busca de consolidação dos assentamentos
extrativistas, florestais e reservas extrativistas – como espaços reivindicados
nas lutas dos trabalhares rurais, mas que poderiam se tornar produtivos e
economicamente viáveis. Pretendia-se, com isso, também frear o êxodo do
espaço agrário (campo/floresta) para as cidades, desencadeado pelas condições
vividas nas décadas anteriores, com possíveis refluxos de correntes migratórias
da cidade para o campo ou floresta.

203
O desenvolvimento proposto pelo “governo da floresta”
Uma questão chave é o esclarecimento dos conceitos de Desenvolvimento
Sustentável. Por um lado, o Desenvolvimento Sustentável implica em mudanças
de valores, ética e comportamentos, tendo como base a cooperação na tomada
de decisões. Ao mesmo tempo, implica na adoção de novos padrões de
produção e consumo, envolvendo o compartilhamento de novas tecnologias,
maior eficiência no uso de recursos naturais e sistemas de produção e
consumo que reconhecem a necessidade vital de manter a integridade dos
sistemas ambientais. Assim, a complexidade do Desenvolvimento Sustentável
pode convencer muitas pessoas de que ele não é viável, nem necessário.
Portanto, é preciso simplificar os princípios e processos de Desenvolvimento
Sustentável para agilizar a sua operacionalização (ACRE, 2000, v.II, p. 310)

Vejamos isto nas “Metas Fundamentais de desenvolvimento do


“Governo da Floresta”, para aos desafios futuros (ACRE, 2001, v.I, p.48):

 Promover a implementação do Zoneamento Ecológico-


Econômico através de seu debate e aprofundamento na escala
local.
 Adotar, em áreas já desmatadas, uma política de incentivos
à transformação gradual da “agropecuária convencional” em
“agropecuária sustentável”, priorizando práticas orgânicas e
agroflorestais.
 Programar uma política de ação integrada com os povos
indígenas.
 Promover a criação de novas Reservas extrativistas e a
consolidação das existentes.
 Viabilizar um conjunto de políticas voltadas para a
consolidação do setor florestal madeireiro e não-madeireiro
em bases sustentáveis.
 Consolidar o Sistema Estadual de Unidades de Conservação
no Acre.
 Promover a manutenção e recuperação de Reservas Legais e
Áreas de Preservação Permanentes.
 Efetuar mudanças significativas na política fundiária do
Estado.
 Implantar um Sistema Integrado de Controle Ambiental,
contemplando os instrumentos de monitoramento,
licenciamento e fiscalização através de parcerias.
 Nas áreas de influências de obras rodoviárias com significativo
impacto sócio-ambiental, viabilizar a implementação de
políticas públicas integradas.
 Fomentar programas de geração de trabalho e renda, que
204
contribuam para a recuperação, conservação e melhoria do
meio ambiente e da qualidade de vida.

De forma ampla, o que se propôs foi uma atuação intersetorial


intensiva do Estado, sem, contudo, marcar o rompimento com as condições
estruturais existentes, assim como com as bases neoliberais que orientam a
produção atual da realidade mundial. Vemos isto, na proposta mundializada
do “Desenvolvimento Sustentável” que não é revolucionária, mas sim, quando
muito, “reformista”; e, é nesta última condição, que vemos inscritos os
propósitos para o Acre, a partir do “Governo da Floresta”. Por isso, o Projeto de
“Desenvolvimento Sustentável” proposto, tem que ser compreendido dentro da
produção capitalista do espaço, para que seja passível das “críticas ou elogios
cabíveis”. A respeito disto, podemos compreender a função da exacerbação da
publicidade usada pelo “Governo da Floresta”, também como um instrumental
ideológico para “tornar popular o que nem sempre é”.

Um espaço para as idéias de desenvolvimento sustentável

A “crise ambiental veio questionar a racionalidade e os paradigmas


teóricos que impulsionaram o crescimento econômico negando a natureza”
(Leff, 2001). Nesta conjuntura, a viabilização da reprodução capitalista com
a racionalização dos recursos naturais e da própria natureza, enquanto capital
de realização futura, já viria explicita com a proposta de “desenvolvimento
sustentável”, daí sua condição tão paradoxal: se por um lado englobava a
possibilidade de contemplar parcialmente as reivindicações dos movimentos
ambientalistas e até de movimentos sociais localizados, não criava atritos aos
interesses das empresas, ou melhor, abria um vasto campo para esta atuar em
setores produtivos que estavam semi-alijados no âmbito do mercado.
Com a criação do CMMAD (Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento) em 1983, atendendo a propósitos da ONU (Organizações
das Nações Unidas), produziu-se o Relatório “Our future common” (Relatório
de Bruntland) concluído em 1987. Aí se propôs um “desenvolvimento” que
rompesse com a lógica da rápida circulação e acumulação de capitais, propondo
as “formas sustentáveis” no “uso racional dos recursos”, combatendo-se a
depredação da natureza, e garantindo um efeito que prolongasse a circulação
de capitais e, conseqüentemente, uma atuação direta sobre tempo de geração
do lucro para as empresas. Isto não significava [...], um rompimento com o
modo capitalista de produção. Apenas, fazia-se uma revisão dos princípios
do crescimento econômico, sob outros padrões de uso e exploração dos
recursos naturais [...]. Nisto, a Amazônia se apresentaria com grande potencial
na produção para as chamadas “mercadorias verdes”, que começam a ter
espaços garantidos de mercado [...]. Então a ótica do desenvolvimento é a do
crescimento econômico, “racionalizando” a exploração do trabalho e da natureza,
mas também da acumulação. Isto, a nosso ver, na realidade, não significaria
[...] “redução” no tempo de circulação do capital, mas redimensionaria novos
patamares para uma mercadorização da natureza (Silva, 2003., p.131).

205
A verdade é que, este, soube utilizar-se desse instrumental com
profunda categoria. Assim, mesmo não negando as mudanças substanciais na
direção que se aponta para o desenvolvimento estadual, há pontos que podem
ser atestados de que tais políticas governamentais, no tocante à viabilidade de
mercado, pouco se diferenciam das orientações anteriores.
Paula (2003, p. 181-182), num trabalho que já se intitula como uma
compreensão crítica da realidade e do espaço produzido acreano: “Estado e
Desenvolvimento Insustentável na Amazônia Ocidental: dos missionários do
progresso aos mercadores da natureza”, demonstra que:

“[...] as ‘práticas do desenvolvimento sustentável’passaram


a ser orientadas pelas ‘determinações’ ou ‘contingências
do mercado’, resultando numa instrumentalização
cada vez maior da apropriação dos bens naturais para
fins de mercantilização e, conseqüentemente, da maior
valorização da esfera de ‘mercado’ nas estratégias de
desenvolvimento. Com isso, embora tenham ocorrido
mudanças na forma do desenvolvimento na região,
o conteúdo geral da sua insustentabilidade não foi
superado, seja nos aspectos políticos, seja pelos aspectos
socioeconômicos e ambientais.”

Por todos estes aspectos, tem-se como resultado uma “geografia” atual
do Estado que permite uma compreensão espacializada de um novo momento
que se vive no Acre. Com a implantação do programa de desenvolvimento, as
diretrizes firmadas no ZEE/AC, passam a ser “indicativos” para ações políticas
no estado; aí se espacializam.
Ao espacializar suas áreas de ações, o Governo busca bases territoriais.
É neste processo que então se tem proposto uma “denominação própria”
para a “efetivação regional” dessas políticas com as chamadas “regionais de
desenvolvimento”. Acreditamos que após uma compreensão crítica destes
processos, tomando estas bases territoriais, nos será possível apreender e
transmitir melhor a dimensão do atual processo desenvolvimento do Acre.

Regionalizações no atual contexto de desenvolvimento

Tomando-se o ponto de vista regional, atualmente, o estado do Acre


encontra-se dividido em 2 (duas) mesorregiões e 5 (cinco) microrregiões
geográficas. Esta divisão foi estabelecida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) no ano de 1989, obedecendo a critérios da dinâmica da
produção capitalista introduzidas no Estado a partir da década de 1970 (Silva,
1999). Mesmo sendo efetuada sob os critérios da dinâmica de produção
capitalista, nessa regionalização permaneceria ainda a forte a influência dos

206
elementos físicos e naturais, no processo de produção socioeconômico e
territorial do Acre. Uma justificativa para isto é que dado o isolamento que se
tinha por vias terrestres (o que ainda permanece em grande parte do estado), a
circulação de pessoas, informações e mercadorias se faziam (fazem) por rios
em grande parte do território estadual.
Então, muitos dos limites fixados na divisão anterior ( 1969), com base
no conceito de regiões homogêneas feitas pelo IBGE permaneciam. Em outras
palavras, o Acre foi considerado como uma mesorregião homogênea, dividido
em duas microrregiões homogêneas: a do “Alto Juruá” e a do “Alto Purus” em
1969, nessa divisão de 1989 em regiões geográficas, efetuavam-se apenas as
seguintes modificações: a antiga “Microrregião Homogênea do Alto Juruá” foi
reconsiderada com a mesma base territorial na “Mesorregião Geográfica Vale
do Juruá”, e a antiga “Microrregião Homogênea do Alto Purus”, formou-se a
base territorial para a “Mesorregião Geográfica Vale do Acre”.
Assim, considerando essas duas mesorregiões geográficas, chegou-
se a definição, de cinco microrregiões geográficas que são:

Na Mesorregião Geográfica do Vale do Juruá:

 De “Cruzeiro do Sul”: municípios de Cruzeiro do Sul,


Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Porto Walter e Marechal
Taumaturgo;
 De “Tarauacá”: municípios de Tarauacá, Feijó e Jordão.

Mapa 01: Vale do Juruá: por microrregiões geográficas

Fonte: IBGE, 1991; ACRE, 2000. Refeito por Silvio S. da Silva, 2004.

207
Na Mesorregião Geográfica do Vale do Acre:

 De “Sena Madureira”: municípios de Sena Madureira,


Manoel Urbano, e Santa Rosa do Purus.
 De “Rio Branco”: municípios de Rio Branco, Bujari, Porto
Acre, Senador Guiomard, Acrelândia, Plácido de Castro e
Capixaba.
 De “Brasiléia”: municípios de Brasiléia, Xapuri,
Epitaciolândia e Assis Brasil.

Mapa 02: Vale do Acre: por microrregiões geográficas

Fonte: IBGE, 1991; ACRE, 2000. Refeito por Silvio S. da Silva, 2004.

No contexto do governo da FPA, pós 1998, como já nos referimos


anteriormente, foi proposta uma “nova regionalização”. O Zoneamento
Ecológico-Econômico do Acre (ZEE/AC), caracterizou cinco “regionais de
desenvolvimento” no Estado. Na verdade, não houve uma “regionalização”
em si, mas uma (re) denominação das “microrregiões geográficas” como
“regionais de desenvolvimento”.
Mas então o que é uma “regional de desenvolvimento”, no ZEE/AC?
Vejamos: Na definição proposta pelo ZEE/AC (Acre, 2000), as “regiões de
desenvolvimento” são porções territoriais que por suas condições físicas têm
maiores afinidades do ponto de vista “geográfico”, quer dizer, “natural” (o
que conceitualmente é deveras errôneo). Por isto são passíveis de tratamentos
próprios com políticas definidas no projeto de “desenvolvimento sustentável”

208
para o Acre. Aí se busca identificar potenciais naturais, como definidores
de territórios para metas sociais e empresariais. Isto numa perspectivas de
viabilizar também a produção regional ao mercado, em diferentes escalas de
abrangências (Silva, 2004).

Mudando o nome, mudando o conteúdo


A complexidade do espaço produzido no Acre, pós 1970, justificava sua (re)
divisão interna em mesorregiões e microrregiões geográficas. Mudavam-se
as escalas territoriais consideradas as regiões homogêneas. Essas mudanças
são denotadas pelas trocas internas nos nomes dos “fatos geográficos”
denominadores: alto-rio (elemento físico/natural referente ao percurso
extensivo do rio) para vale (elemento natural, mas que dá uma dimensão
territorial em abrangência). Já não eram os rios de maiores expressões que
denominariam a região, mas sim o “território” de que estrategicamente se
projetam os centros hegemônicos no processo produtivo no Estado. Nisto, por
exemplo, podemos compreender o porquê da denominação da Mesorregião
Geográfica Vale do Acre, onde o rio Acre é na verdade um afluente do rio
Purus. Isto se explica o conteúdo que expressa a região drenada pelo Rio Acre
e, a ele, historicamente, conferiu-se a condição de um significado geopolítico
que, na Amazônia, extrapola os limites de sua rede hidrográfica (tanto
que foi este Rio que deu o nome ao Estado e não os rios principais: Purus
e Juruá). Este significado, somente foi captado como identificador regional
(regiões geográficas), dado o plano das relações socioespaciais e territoriais aí
estabelecidas no referido processo de regionalização (SILVA, 2004).

Segundo o ZEE/AC (ACRE, 2000), podemos dizer que a


regionalização proposta, ao ser materializada territorialmente, tem uma
correspondência entre o que se delimita por “regionais de desenvolvimento”
com as “regiões geográficas” do IBGE. Claramente considerando-se que se
representam conteúdos territoriais idênticos, mas que, conceitualmente, são
enfoques diferentes dos estudos regionais e, portanto, um uso equivocado dos
conceitos:

 A Microrregião de “Cruzeiro do Sul”, irá corresponder a


Regional de desenvolvimento do Juruá;
 A Microrregião de “Tarauacá” corresponde a Regional de
Desenvolvimento Tarauacá/Envira;
 A Microrregião de “Sena Madureira” corresponde a
Regional de Desenvolvimento do Purus;
 A Microrregião de “Rio Branco” corresponde a Regional de
Desenvolvimento do Baixo Acre;
 A Microrregião de “Brasiléia” corresponde a Regional de

209
Desenvolvimento do Alto Acre.

Por que há equívocos?


Numa leitura crítica da definição de Regional de desenvolvimento, podemos
dize, claramente, que há uma confusão na conceituação do termo. O ZEE/AC
(Acre, 2000) explicita que as regionais de desenvolvimento “correspondem
às microrregiões estabelecidas pelo IBGE”, mas seguem a distribuição das
“bacias hidrográficas dos principais rios acreanos” (Id. Ibid, p.11). Ora!
[...] os pressupostos deterministas ambientais presentes na concepção de
região natural, são muitos diferentes dos que nortearam a regionalização
em regiões geográficas do IBGE, o que denota uma confusão teórica na
conceituação de região. Por isto é equivocada, pois denominam “regiões de
desenvolvimento”, mas as definem, na realidade expressa no Documento,
como “regiões naturais” (SILVA, 2004).

Pelas considerações feitas, apesar dos equívocos conceituais, as


“regionais de desenvolvimento” do ZEE/AC (ACRE, 2000) têm como finalidade
delimitarem territorialmente as áreas de ações políticas do Governo da FPA.
Todavia, o aparato de regionalização geográfica, cientificamente definido,
não é referencial para ser aplicado, em especial, o conceito de “regional de
desenvolvimento” (como foi definido). Porém, lamentavelmente tem sido
tomado como um referencial didático, sem qualquer crítica pelos professores
de Geografia. Neste sentido, tomaremos como base, nos itens seguintes, dada
a maior coerência o conceito de “região geográfica” feito pelo IBGE.

Especificidades e potencialidades microrregionais

Tomando como base essa divisão as “regionais de desenvolvimento”, o


“Governo da Floresta” buscou identificar seus potenciais e desenvolver políticas
diferenciadas para todas as microrregiões. Entende-se por potencialidades os
recursos naturais, produtos, setores, ramos ou atividades econômicas. Estas,
por suas características, têm apelo suficiente para estimular a implantação ou
ampliação de determinadas atividades econômicas, considerando os limites
e as características socioeconômicas e ambientais da área em que se propõe
implantar tais investimentos (ACRE, 2001).
Considerando tais prerrogativas e tomando as microrregiões, suas
características e potencialidades apontadas, pode-se identificar as seguintes
possibilidades:

210
Microrregião de Rio Branco

A microrregião de Rio Branco é a mais populosa e, politicamente,


a mais importante, pois nela se situa a sede do poder político estadual – a
capital – Rio Branco. Seu território comporta terras drenadas pelos rios da
Bacia do Acre, em seu baixo curso (afluentes do Rio Purus) e da Bacia do
Abunã (afluente do Rio Madeira). São rios predominantes de águas brancas
(barrentas), com grandes variações sazonais no nível de seu caudal, durante
o ano. Sua formação geomorfológica é predominantemente de planície, numa
paisagem de colinosa e com poucas variações altimétricas.
Nessa microrregião destacam-se como potencialidades do setor
produtivo agrário a produção de borracha, castanha, madeira, agricultura
e pecuária. No setor de serviços, sobretudo nas cidades, tem-se a atividade
comercial, o serviço público, a construção civil, a formação acadêmica, os
profissionais liberais, os serviços gerais, o turismo (urbano e rural); e, no setor
industrial, têm-se na indústria madeireira, oleira e alimentícia, as principais
expressões.
Com base nesse potencial econômico, vê-se a ocorrência de
investimentos mais intensivos, nos últimos anos, em atividades como:

 Recuperação de ramais.
 Incentivos à pecuária: adoção de tecnologia e intensificação
na produção.
 Incentivo à produção agrária familiar nos Pólos
agroflorestais
 Manejo florestal.
 Eletrificação rural.
 Investimentos na infra-estrutura urbana.
 Recuperação do Distrito Industrial na cidade de Rio
Branco.
 Desenvolvimento de atividade de turismo.

Microrregião de Sena Madureira

É uma das microrregiões centrais, tendo seu território estendido ao


norte (divisa com o Estado do Amazonas) e ao sul (Divisa com a República
do Peru). Com um povoamento modesto e mal distribuído, as áreas mais
povoadas, além das cidades sedes dos municípios, estão às margens da BR-
364 (que corta o território microrregional na porção norte). Existem ainda os
ramais em áreas de assentamentos. Além disso, destaca-se o povoamento por
populações ribeirinhas, sobretudo na porção sul ao longo dos cursos fluviais,
com expressiva participação indígena. Dadas tais características, há ainda um

211
forte predomínio de áreas florestais, cobrindo terras drenadas pelos rios da
Bacia do Purus (os afluentes: Iaco, Macauã, Caeté e Chandless), numa planície
de aspectos colinosos, com altimetrias modestas na porção norte, mas que se
acentua no sentido sul em direção à divisa com o Peru.
Como potencialidades, pode-se citar no setor da produção agrária:
a produção da borracha natural, da castanha, da madeira, da agricultura e da
pecuária (praticadas em unidade de produção familiar ou fazendas).
No setor terciário, tem-se o comércio das cidades e dos rios, os
serviços públicos e a pouca expressividade no setor de construção civil e
serviços gerais; já no setor industrial, tem-se o beneficiamento da borracha
natural e poucas indústrias madeireiras (em Sena Madureira). Aí os principais
investimentos governamentais têm sido voltados para os setores de:

 Extrativismo da borracha: incentivos para uma maior


intensificação da produção, do beneficiamento e organização
dos produtores;
 Manejo Florestal: a partir da experiência na Floresta
Estadual do Antimary, têm-se propósitos de ampliação de
áreas de experimentos;
 Pavimentação da BR 364 e recuperação de ramais: para dar
maior trafegabilidade para a população e para a circulação da
produção, inclusive no trecho de Sena Madureira-Manoel/
Urbano;
 Implantação e consolidação de pólos agroflorestais:
ampliação do setor produtivo primário para gerar ocupação
próxima das cidades.
 Eletrificação Rural: melhoramento da infra-estrutura para
manter o homem na terra.

Microrregião de Brasiléia

A microrregião de Brasiléia situa-se na porção sul do Estado, em


áreas limítrofes com Bolívia e Peru. Seu território é drenado pelo Rio Acre
em seu médio e alto curso, e por seu afluente – o Rio Xapuri. A paisagem
é predominantemente dominada por planície com colinas, mas com grande
variação altimétrica à medida que se aproxima da fronteira com o Peru, no
Município de Assis Brasil.
A formação vegetal original é florestal, porém, dada a influência do
processo de colonização, apresenta grande áreas desmatadas com a formação
de fazendas de criação de gado bovino. Isto ocorre mais nos projetos de
colonização e nas proximidades da Rodovia BR-317 que corta seu território,
interligando Rio Branco (ressalta-se que o trecho existente da rodovia inicia-

212
se na cidade de Boca do Acre – AM.) a Assis Brasil na divisa com o Peru
(é a Chamada “Estrada do Pacífico”). Também comportam em seu território
projetos de assentamentos agrícolas e extrativistas bem como Unidades de
Conservação de Uso Direto e Indireto (Como RESEX e Estação Ecológica das
nascentes do Rio Acre).
Outras características que aqui ressaltamos referem-se ao fato de
ser esta região o lugar onde houve maiores conflitos e lutas de resistência
dos seringueiros. Por exemplo, o fato de “Xapuri” trazer um significado
implícito de ser a “terra de Chico Mendes”, embora também seja o local no
qual a arquitetura testemunha do período áureo do extrativismo. Também
muito presente. E ainda ser a cidade, na atualidade, o lócus privilegiado
para experimentos de tecnologias de exploração dos recursos da floresta sob
conceitos sustentáveis de uso. Ademais, as áreas “interligadas” entre as cidades
– Brasiléia, Epitaciolândia e Cobija (Cidade boliviana), formam o segundo
maior aglomerado urbano de toda a região amazônico-acreana (um continuum
urbano), sob influência da Zona de Livre Comércio da cidade boliviana. Já a
cidade de Assis Brasil, tem como estigma situar-se defronte à linha de divisa
entre as duas repúblicas vizinhas – sendo o marco das três fronteiras. Enfim,
a efetivação da Rodovia BR-317, interligando o Acre às rodovias peruanas
ou bolivianas (via Cobija), torna esta microrregião um importante território
de passagem para rotas de viagem a quem se dirigir, por terra, a estes países
vizinhos.
Com estas considerações, destacam-se, aí, como potencialidades
fundamentais no setor produtivo agrário a produção de Castanha-do-Brasil,
da borracha natural, da madeira (inclusive certificada), da pecuária (praticada
em unidade de produção familiar ou fazendas), e da agricultura (incluindo
a experiência com a formação de SAFs); no setor de serviço, destaca-se o
comércio, o serviço público, os serviços gerais em menor escala e uma
principiante atividade de turismo – urbano, o ecoturismo (na floresta –
especialmente, em Xapuri) e o setor comercial (Brasiléia-Cobija); já no setor
industrial, tem-se implantadas médias e pequenas usinas de beneficiamento da
castanha e da borracha (nas cidades), além das beneficiadoras de arroz, café e
das fábricas de farinha-de-mandioca (mais em áreas do campo ou da floresta).
Há ainda o Pólo de Indústria Madeireira de Xapuri, a Fábrica de
Preservativo também em Xapuri e o Frigorífico de aves em Brasiléia. Muitas
destas, provindo de iniciativas dos movimentos associativistas e cooperativistas
de grupos de trabalhadores camponeses, e outras, mais recentes, contam com
ações de setores governamentais para atraírem investidores para a região.
Levando em consideração esse potencial, as políticas voltadas para
esta região têm apoiado:

 A extração da borracha.

213
 A produção familiar com Projetos de assentamentos e nos pólos
agroflorestais.
 A coleta e beneficiamento a castanha-do-Brasil.
 O manejo florestal e madeireiro.
 A indústria e tecnologia madeireira (florestal)
 A diversificação e intensificação da agropecuária.
 O turismo ecológico.
 A eletrificação rural.
 A recuperação de ramais (estradas vicinais).
 A produção e industrialização avícola.

Microrregião de Cruzeiro do Sul

A Microrregião de Cruzeiro do Sul corresponde à porção territorial


oeste do Estado. É certamente a área com maior potencial turístico do Acre.
Porém, este potencial é pouco explorado e conhecido. Aí há áreas serranas; rios
de águas brancas (barrentas) e pretas; praias fluviais (em períodos de vazantes
dos rios); moradores ribeirinhos com suas “lavouras de praias” (agricultura
desenvolvida nas vertentes dos rios) etc.
No Parque Nacional da Serra do Divisor, a diversidade florestal é
grande, o relevo é bastante acidentado (chegando à altitude pouco superior a
600 metros), há rios encachoeirados e caudalosos. Já a Reserva Extrativista do
Alto Juruá, como em suas outras áreas florestais, apresenta bom potencial de
produção extrativa (extração de recursos, manejos etc.), porém sem ocorrência
das árvores da castanheira – Bertholletia excelsa, tal como na Microrregião de
Tarauacá. Há diversas áreas indígenas, mas que em geral já estão integradas
em sistemas produtivos agroflorestais. Também há áreas de colonização com
trabalhadores na agricultura e pecuária familiar e trechos de fazendas de criação
bovina, sobretudo, nas proximidades das cidades e aos eixos das rodovias, em
especial da BR-364 que, embora pouco trafegável, exerce grande influência na
dispersão da atividade criadora.
Apesar do domínio florestal prevalecer, e como todas as áreas
são habitadas, é possível que sejam projetadas políticas para a implantação
e diversificação de inúmeras atividades na região. Todavia, os limites são
impostos pelas vias de circulação terrestres, já que o transporte aéreo é muito
caro e o fluvial muito demorado. Ainda no que se refere ao transporte fluvial,
há limites naturais postos pelo traçado dos rios no sentido sul-norte (não se
interligam em território acreano) e a variação sazonal do nível do caudal d’água
influi na maior navegabilidade e exploração dessas vias, em certas épocas
do ano. Vencer esta situação, mesmo que seja para acabar com o isolamento
secular das populações locais (rural e urbana), é o maior desafio político para
o Acre.

214
Dadas estas considerações, pode-se destacar, na região, no âmbito
do setor produtivo agrário, as atividades ligadas à extração da borracha natural
e da madeira, da agropecuária (fazendas e pequenas criação camponesas),
da agricultura de arroz, mandioca, feijão, frutas, guaraná (muitas vezes são
lavouras de praias, cultivadas nas vertentes fluviais); no setor de serviço, tem-
se o comércio nas cidades e nos rios, além do serviço público, das atividades
turísticas (espontaneamente). Há pouca expressão na construção civil; no setor
de indústria, há apenas algumas madeireiras e olarias em áreas urbanas (em
especial de Cruzeiro do Sul) e as pequenas fábricas de farinha de mandioca em
áreas do campo e da floresta.
Assim, na atualidade, as principais políticas públicas para essa
microrregião voltam-se, em geral, para:

 Produção e comercialização da farinha e de outros derivados


da mandioca.
 Adoção de infra-estrutura de integração através da BR 364
no trecho que liga Cruzeiro do Sul – Tarauacá/Feijó.
 Construção de um porto fluvial em Cruzeiro do Sul, no Rio
Juruá;
 Incentivo à atividade de manejo e de diversificação produtiva
na floresta.
 Incentivo à diversificação e melhorias na produção
agropecuária.
 Consolidação de pólos agroflorestais
 Estudos sobre potencial turístico.

Microrregião de Tarauacá

Localiza-se em áreas centrais do Estado, em recorte territorial que


se estende de norte a sul. Na parte norte dos territórios dos municípios de
Feijó e Tarauacá, a BR-364 faz a ligação por terra entre as duas cidades e, de
forma precária, dessas com Rio Branco e Cruzeiro do Sul. São nesses trechos
da Rodovia que se localizam as principais áreas de colonização e fazendas de
criação bovina (o que também ocorre em áreas ribeirinhas, porém com menor
freqüência), com menos representação que noutras microrregiões.
Nas áreas florestais a população seringueira é predominante e, seja
em terra firme (áreas centrais distantes dos rios) ou em áreas ribeirinhas (às
margens), praticam atividades diversas que vão desde a tradicional coleta
extrativa, até às práticas de pequenas lavouras e de criação de gado bovino.
Também a população indígena é bastante numerosa em tribos que habitam
áreas desde as proximidades de cidades (como em Feijó) até à divisa com a

215
República do Peru (onde são mais numerosos). Aí, o domínio dos rios como
via de acessibilidade é marcante, junto à floresta que cobre, em alguns casos,
praticante quase a totalidade do território municipal, como acontece em
Jordão.
No âmbito de uma caracterização produtiva, na região, pode-se dizer
que no setor produtivo agrário destacam-se os sistemas de extrativismo da
borracha. Há uma busca da diversificação produtiva, sobretudo, pela atuação
da Cooperativa Agroextrativista de Feijó (COAF), mas também no cultivo de
frutas, mandioca, arroz, feijão e na diversificação produtiva dos sistemas de
“cultivo de praia”; no setor de serviço, destaca-se o comércio nas cidades e
nos rios, serviços públicos e poucas atividades na construção civil; o setor
industrial se restringe as poucas madeireiras e olarias na cidade e as casas de
farinhas (farinheiras) em ambiente de produção familiar camponesa, seja no
campo ou na floresta.
Assim, as políticas de desenvolvimento regional, têm sido voltadas
para as atividades da produção madeireira, da borracha e da pecuária. Para isto,
tenta-se operar com ações de incentivo a:

 Pavimentação da BR 364.
 Manejo Florestal.
 Investimentos na produção de frutas, em especial do açaí e
abacaxi.
 A agropecuária.
 A atividade de agricultura familiar, tanto nos pólos
agroflorestais, como em outras modalidades de
assentamentos.

Para uma reflexão final

A atual política de “desenvolvimento sustentável” do Acre leva-nos,


em princípio, a pensarmos numa proposta em que as questões socioambientais
tivessem uma ocupação primordial. Daí, derivariam perspectivas sociais,
econômicas e políticas de outros tratamentos ao alcance produtivo. Porém,
como vimos, nem tudo caminha neste sentido. Passados praticamente oito anos
de vigência, já é possível fixarmos alguns pontos para uma análise das práticas
que daí têm sido geradas. Vejamos, então, algum ponto referente a duas das
questões mais polêmicas: as políticas para a “pecuária” e para o “manejo
florestal”.
A pecuária de corte tem se expandido após 1970, podendo ser
considerada como um setor consolidado na economia do Estado. Todavia, é
responsável pelo maior percentual de desmatamento da floresta acreana. Daí

216
então, como pensar esta atividade dentro de um conceito que não promova
degradação? E ainda, considerando que esta tenha que possibilitar lucro ao
criador (em geral, fazendeiro, pois esta é uma atividade apenas parcial ao
proprietário familiar). Segundo o ZEE/AC (ACRE, 2000), isto tornar-se-
ia possível com a “adoção de tecnologias disponíveis em todas as áreas de
pastagens” do Estado. Assim, permitir-se-ia a promoção de um aumento de
250% no rebanho e, ao mesmo tempo, uma redução da pressão sobre a floresta,
evitando-se o desmatamento de mais de dois e meio milhões de hectares de
terras florestais.
Explicam:

Nos próximos 20 anos, com as áreas desmatadas


estabilizadas em 15% do Estado, desenvolvendo-se
uma pecuária intensiva, seria possível ter uma área de
pastagens de 1,52 milhões de hectares, com um rebanho de
9 milhões de cabeças de gado. Isto significaria a economia
do desmatamento de mais de 3 milhões de hectares de
floresta (ACRE, 2000, v.III, p.87)

Isto nos ajuda a pensar em possibilidades reais para o grande


produtor. Na verdade, não há um projeto de tornar esta atividade adequada ao
produtor camponês, ou mesmo, de assumir uma ruptura da impossibilidade
desta atividade perante o que se propõe no projeto de desenvolvimento para
o Estado. Por outro lado, sabemos que a principal vantagem da pecuária
extensiva na Amazônia está no baixo custo produtivo, funcionando como “um
compensador” à intensificação produtiva e à distância do mercado consumidor,
numa relação comparativa com outras regiões brasileiras.
Como se poderá ter nessa “pecuária intensiva” propagada pelo
“Governo da Floresta,” um atrativo ao investimento empresarial? Isto anularia
os mecanismos diferenciais na obtenção da renda fundiária que no Acre se
fazia presente, com relação as possibilidades de prática da pecuária no Centro-
Sul do país?
O certo é que não se tem resposta pronta. Há, porém evidências de
possibilidades de lucros maiores, com práticas extensivas e mais facilidade de
expansão em territórios limítrofes, seja nos estados brasileiros próximos ou
mesmo nos países vizinhos; disto, já vimos indícios reais. Daí, poderá então se
depreender uma probabilidade de fuga da atividade.
Portanto, ou se repensa o sentido da atividade no âmbito do
“projeto de desenvolvimento”, assumindo tais ônus pelas perdas que podem
advir; ou se muda o discurso abrindo outras possibilidades para a atividade,
mesmo que se tenha que mexer profundamente na estrutura fundiária, ou
melhor, agrária do estado. Nesta segunda possibilidade, bastaria que esta

217
“pecuária sustentável” fosse viabilizada em criações, sob base do trabalho
familiar camponês, em suas unidades produtivas, conciliando com a expansão
vertical da atividade, em projetos de reforma agrária. Aí se viabilizaria
produtivamente, inclusive, os territórios vivenciais, nos quais se conciliam a
pecuária com práticas agroflorestais, em escala de criação pequena ou média.

E a pecuária? Ela segue.

A pecuária é uma atividade que vem recebendo incentivos do governo do


estado como forma de geração de empregos, renda e fortalecimento da
economia da regional de Rio Branco. O setor mais consolidado no Acre
possui hoje quase 1,9 milhões de cabeças de gado. Cerca de 70% da
carne produzida por esse rebanho é exportada e 100% do couro vai para
indústrias de sapato e bolsas fora do estado e até para outros países. O
governo investiu nisto nos últimos anos para aprimorar a qualidade da carne
acreana. Em quatro anos, estabeleceu regras de controle de vacinação e
o Estado saiu da zona de risco desconhecida, para a zona livre de Aftosa.
O sistema de frigoríficos e matadouros recebeu investimentos nos últimos
anos. A qualidade do produto local se impõe com vantagens no mercado.
O chamado “Boi Verde” se destaca pela qualidade da carne e dos produtos
lácteos. A área de pastagem chega a mais de 1,3 milhões de hectares. O
PIB da cadeia é de 150 milhões por ano. A atividade pecuária no Estado,
com estimativa de 100 mil toneladas por ano, recebe ainda investimentos de
programas de melhoramento genético do rebanho bovino (ACRE², 2003).

A outra questão que queremos pontuar refere-se ao potencial da floresta


como fonte de recursos em si. Tendo em vista que a principal riqueza natural
do Estado é a floresta, com toda a sua potencialidade faunística e florística
(a biodiversidade), o projeto de “desenvolvimento sustentável” não poderia
ignorar tal situação; este foi o argumento das forças governistas, sobre o qual,
vemos fundamentos deveras cabíveis. Aí se destaca como ponto favorável
e fundamental a implantação de tecnologia de exploração florestal, sob base
do manejo madeireiro, em concepção de práticas ecologicamente aceitáveis.
As primeiras experiências têm sido feitas por comunidades organizadas, em
especial nos Projetos de Assentamento Extrativistas, como já tratamos da
situação do PAE Chico Mendes – e Seringal Cachoeira, nas proximidades da
cidade de Xapuri.
Implantado, oficialmente, a partir do final da década de 1990, o
manejo florestal não tem mais se restringido à população extrativa, tampouco
à atividade de extração madeireira. Já se pode falar de manejo de produtos não-
madeireiros com o aproveitamento de espécie de valor medicinal, fitoterápicos
e até alimentícios.
O manejo florestal é uma prática de utilização dos recursos, que
sob a “orientação de princípios de ser sustentável” e é considerada como

218
forma de uso “da floresta com sabedoria”, cujo objetivo é o de garantir a
permanência desse potencial utilizável por futuras gerações. Nessa prática, a
questão ambiental (preservação da floresta) está aliada à sobrevivência das
comunidades tradicionais que vivem dos recursos florestais, naquilo que o
Professor José Fernandes do Rego (2001) denomina como “neoextrativismo”.
Todavia, nesta diversificação, há ainda experimentos preliminares e
poucos resultados já concretizados. A atividade madeireira, sim, tende a se
consumar como carro chefe do projeto de manejo florestal. Tal é o sentido
que no ZEE/AC, conforme a tabela 01 a seguir exposta, já se faziam de áreas
exploráveis.
Nota-se na tabela a seguir o potencial para a atividade. As áreas
restritas, em geral, referem-se à unidade de conservação de uso direto, projetos
de assentamentos extrativistas e terras indígenas. As áreas não-protegidas são
outras modalidades de assentamentos camponeses e, em especial, propriedades
particulares; é onde está a maior concentração em termos quantitativos do
fundiário acreano. As áreas sem floresta são as porções desmatadas, portanto,
voltadas para as atividades agropecuaristas. Isto dá um retrato do tamanho
do desafio, sobretudo, do controle para a não desvirtuação da proposta de
manejos, como um artifício para uma extração massiva em áreas de grandes
propriedades fundiárias e privadas.

Tabela 01: Zoneamento da atividade madeireira no Acre


Categoria % do Estado Área (Km²)
Áreas proibidas 19,3 29.558,00
Alto Valor 5,3 7.952,70
Médio valor 5,7 8.728,30
Áreas restritas
Baixo Valor 9,0 13.801,70
Alto Valor 21,5 33.013,40
Áreas não
Médio valor 12,1 18.500,30
protegidas
Baixo Valor 19,7 30.183,80
Áreas sem floresta 7,5 11.411,90
Total 100,0 153.150
Fonte: ACRE (2000, v. III, p. 27).

219
O Potencial do Manejo Madeireiro

Dos quase 16 milhões de hectares do Acre, 70% são de áreas de médio


potencial para atividade de manejo madeireiro. O potencial de produção de
madeira no sistema de manejo é de até 30m³ por hectare, onde podem ser
exploradas mais de três dezenas de espécies. As ocorrências predominantes
são: cumaru ferro, cumaru cetim, breu vermelho, amarelão, ipê, mogno. Os
programas de Manejo Florestal Comunitário, implantados no Acre garantem
ao consumidor que o produto comprado provém de áreas bem manejadas.
Ao adquirir um desses produtos, o consumidor estará contribuindo para a
manutenção do patrimônio natural da floresta, de suas comunidades e da
preservação do meio ambiente. A produção de peças a partir da madeira
proveniente dessas comunidades é um importante fator de agregação de
valor ao produto final. (ACRE, 2003).

Para evitar tais problemas, vemos que o controle comunitário é um


instrumento fundamental, porém limita-se a áreas de domínio camponês.
Foram implantados programas de manejo florestal comunitário, em que os
grupos de extratores trabalham em parceria, desde a extração da madeira até
a produção de peças a partir da matéria-prima retirada da floresta. Nestas
parcerias, estão desde o próprio governo do Estado até algumas Organizações
Não-Governamentais (ONGs). Pode estar aí uma alternativa. Contudo, quanto
às ONGs, que a nosso ver, não nos cabe questionar aqui sua importância ou
não no processo, mas cabe sim uma ressalva: precisamos estar atentos para
entendermos quem são os agentes que estão na sua promoção, visto que, suas
ações apenas se justificam quando as “organizações governamentais” estão
ausentes; então, se continuam, por que isto ocorre?
Salientamos que é inegável que houve avanços no desenvolvimento
do Estado, em patamares que não se via há anos. Seguramente, pode-se dizer
que após muitos anos, houve um projeto de reformas que apresenta outras
possibilidades ao Acre. Porém, não há rupturas com o modo de produção
já estabelecido. Há sim, a montagem de um instrumental para a operação
capitalista sobre outras bases de exploração, e uma maior moralização no
“aparelho” administrativo do Governo.
Há, todavia, tratamentos que têm um alcance social como o
incentivo à produção da borracha (Lei Chico Mendes), à profissionalização
de “manejadores” e, até mesmo, à extensão desta “certificação” de produtos
florestais comunitários, como forma de proporcionar maiores ganhos aos
trabalhadores. Há também “brechas” em que se poderia avançar na reforma
agrária, que, no entanto, o governo tem optado por implementar unidade de
conservação que, em geral, se prevê o uso restrito do território, inclusive, em
certas situações, como a retirada de famílias que ocupam lugares há décadas.
Em suma, considerando as potencialidades de cada microrregião,
nas propostas de “desenvolvimento sustentável”, há uma dimensão de forte

220
cunho ecológico e mercadológico na abertura de possíveis explorações. Então,
as políticas públicas têm atuado no sentido de firmar melhores condições para
a relação do homem com a floresta, mas, concomitante, proporciona igual
condições para a atuação de empresas que queiram explorar economicamente
tais potenciais. Para isto, exige-se que esta se enquadre nos propósitos de exercer
as atividades em “moldes que promovam uma exploração sustentável”.
Assim, a proposta de “desenvolvimento sustentável”, tem que ser
vista no âmbito de um projeto neoliberal global. Aí, quando muito, é um
paliativo, pois também provém do “capitalismo” que gerou os projetos que
negamos. Na verdade, estamos muito longe de um projeto revolucionário,
mas temos espaço para promovê-lo ou enterrá-lo definitivamente diante das
mirabolantes formulações colocadas por emissários do Banco Mundial, dos
países ricos etc.,e pouco percebemos suas ações no nosso dia-a-dia.
Talvez a explicação de Arlete Moisés Rodrigues (1997, p. 46) sobre
o que é este projeto global de desenvolvimento nos seja bastante esclarecedora
e questionadora, agora:

“Há parasitas que, contraditoriamente, destroem a própria


base alimentar e é isto que tem ocorrido com as formas pelas
quais a sociedade capitalista, cuja proposta é a de produzir
mais e sempre novas mercadorias, tidas como sinônimo de
progresso e de desenvolvimento, tem ocasionado. Ou seja,
tem destruído sua base de recursos naturais. Há parasitas,
contudo, que mantêm pelo menos a possibilidade de
continuar a se alimentar, permitindo a vida de sua base.
Parece-me que esse segundo tipo se aproxima do que tem
sido abordado como desenvolvimento sustentável.

Então, tomamos as palavras da Excelentíssima Marina Silva (S.d)


para expor que: “a idéia do desenvolvimento ‘sustentado’ é um sinal de alerta.
Um critério básico para avaliar os rumos da civilização e mudá-lo enquanto é
tempo”.
Todavia, se é “sustentado” é dependente – alguém tem que sustentar
(ainda que não fosse isto que a Ministra quisesse afirmar); por isto, poderíamos
começar quebrando esta corrente de dependência. Por outro lado, com certeza,
é realmente um momento de alerta que aí nos está posto!

221
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regionalizações das terras acreanas e as possibilidades de novos rearranjos no princípio do
século XXI. Rio Branco, Uaquiri, n.2, ano 1, 2004 – [no prelo]

222
Sobre os autores

Silvio Simione da Silva


Graduado no curso de Licenciatura Plena em Geografia na Universidade
Federal do Acre. Mestrado e Doutor em Geografia pela Faculdade de Ciências
e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista – FCT/UNESP, campus de
Presidente Prudente. Professor Adjunto do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Acre. E-mail: ssimione@bol.com.br

Karla da Silva Rocha


Graduada em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Acre.
É mestre em estudos latino americano com concentração em Geografia pela
Universidade da Florida nos EUA, com enfoque em Geoprocessamento e
aerofotogrametria. Atualmente, está em doutoramento na mesma Universidade
Norte-americana. É Professora Assistente do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Acre. E-mail: rochakarla@uol.com.br

Maria Socorro de Oliveira Maia


Graduada no curso de Licenciatura Plena em Geografia na Universidade Federal
do Acre. Mestre em Geociências e Meio Ambiente, pela Universidade Estadual
Paulista – UNESP – Rio Claro. Professora Assistente e Chefe do Departamento
de Geografia da Universidade Federal do Acre. E-mail: socorromaia13@yahoo.
com.br

Floripes Silva Rebouças


Graduada em Geografia Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Acre
– UFAC. Está cursando o Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual
Paulista – UNESP – Presidente Prudente. E-mail: floripes_geo@yahoo.com.br

Lucilene Ferreira de Almeida


Graduada em Geografia Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Acre
– UFAC. Está cursando o Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual
Paulista – UNESP – Presidente Prudente. Professora da rede pública estadual de
ensino. E-mail: lual_geo@yahoo.com.br

Cláudio Roberto da Silva Cavalcante.


Graduado em Geografia Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Acre –
UFAC. Mestrando em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do
Acre. E-mail: claudioufac@yahoo.com.br
Isis do Mar Marques Martins
Graduanda no bacharelado Geografia e Economia pela Universidade Federal do
Acre E-mail: isis.marinha@gmail.com

Luciano Rodrigues do Nascimento


Bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Acre.

Elisandra Moreira de Lira.


Graduada em Geografia – Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Acre
– UFAC. Mestre em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais pela Universidade
Federal do Acre. E-mail: elisandrageo@yahoo.com.br

Jones Dari Goettert


Graduado em História pela Universidade Federal do Mato Grosso - Rondonópilis.
Mestrado e Doutor em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia
da Universidade Estadual Paulista – FCT/UNESP, campus de Presidente
Prudente. Ex-Professor da Universidade Federal do Acre; Professor efetivo do
Departamento de Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados no
Estado do Mato Grosso do Sul.
Sobre o livro

Título: Acre: uma visão temática de sua geografia


Autor: Silvio Simione da Silva (organizador)
Formato: 16x23cm
Tipologia: Times New Roman / Tahoma
Papel: 75g/m ² (reciclado)
1aEdição: 2009
Realização: Editora da Universidade Federal do Acre
Foto da Capa / Diagramação: Arlan Hudson Souza e Silva

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