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Autores:
editoraufac
2009
© SILVA, Silvio Simione da (Org.)
Ficha Biblioteca Central
catalográfica elaborada pela da UFAC
ISBN 85-98499-46-8
CDD 910.135
Dedico
Rio Branco,
neste início do ano de 2007
Sebastião Machado de Oliveira
Geógrafo e Senador da República
Apresentação
15 s Introdução
15
uma caracterização de aspectos localizacionais e geoambientais nos capítulos
iniciais. Nele firmamos as bases em que se constituiu o espaço geográfico sobre
o qual se desenvolveu todos os processos de ocupação econômica e humana,
dos quais somos produtos e herdeiros. Então, a composição que veremos está
estruturada com as seguintes temáticas:
No Capítulo 1, com título “Estudando o Acre: Localização,
representação e contextos do espaço acreano”, os professores Cláudio
Roberto da Silva Cavalcante e Karla da Silva Rocha, apresentam a caracterização
cartográfica de vários aspectos do espaço acreano. Aí introduzem alguns
conceitos básicos no estudo da cartografia para melhor compreensão deste
instrumental na representação do espaço. Ademais, através da representação
gráfica, os autores chamam a atenção do leitor para um aprofundamento nos
capítulos seguintes.
O Capítulo 2 irá referir-se a “O Acre no planeta em movimento:
A tectônica de placas e a dança dos nossos continentes”. A Professora
Maria do Socorro Oliveira Maia faz uma análise da formação geológica do
planeta, assim como da geomorfologia e do clima, situando as condições nas
quais a Amazônia e o Acre, em particular, se caracterizam. Nesta análise, a
autora chega às questões atuais e nos introduz elementos para a compreensão
da relação sociedade e natureza, no âmbito no qual está sendo produzida e
impactando a realidade socioambiental da amazônica.
No Capítulo 3, com o título “Os solos Acreanos: usos e impactos”,
a Professora Elisandra Moreira de Lira, trabalha sobre as bases de formação
físicas e do uso do solo no Acre. A autora nos mostra como as sociedades
humanas, objetivando suprir suas necessidades, utilizam os recursos oferecidos
pela terra. Mostra-nos ainda como o solo, um dos recursos da terra, pode ser
fonte de geração das condições de vida dos seres humanos. A professora
salienta ainda que este solo vem sofrendo uma crescente pressão decorrente
dos diferentes tipos de usos e que isso se torna preocupante na medida em que
o solo é um recurso natural finito e não renovável. Assim, introduz-nos também
na reflexão sobre os impactos ambientais causados pelo uso inadequado dos
solos acreanos.
No Capítulo 4, sob o título “A fronteira na formação política
do Acre”, o Professor Sílvio Simione da Silva faz uma análise da formação
política do Acre no contexto da redefinição e ocupação das fronteiras externas
na América do Sul e internas no Brasil. Na primeira parte do capítulo, há uma
abordagem que permite ao leitor ter uma visão ampla dos Tratados firmados
na entre as potências colonialistas e depois entre Brasil e países vizinhos até a
definição dos limites atuais na região acreana. Na segunda parte do capítulo,
abordará questões referentes às redefinições de limites internos no Acre. Aí
veremos a formação do processo de organização político-administrativa pelos
quais passaram o território acreano até sua atual configuração em vinte e dois
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municípios.
No Capítulo 5, falando “Sobre gentes e lugares do Acre”, o
Professor Jones Dari Goettert, faz um estudo sobre questões atuais que atingem
a população acreana – as gentes do Acre, como ele denomina. Assim, com um
estilo literário próprio de redação,o professor vai mostrar ao leitor que uma
“geografia da população do Acre, deve apresentar a localização das gentes no
interior de seu território – onde”. E acrescenta: “Localizar ultrapassa a simples
pontuação do aqui, lá ou acolá, devendo fazer emergir o lugar geográfico como
a síntese das relações humanas que formam partes do território, sejam elas
econômicas, políticas, culturais, sociais, religiosas, dentre outras”. É, portanto,
um trabalho que permite um encontro com o agora das populações acreanas.
No Capítulo 6, far-se-á uma abordagem sobre a “Produção do
espaço agrário acreano: O homem, a terra e a floresta” capítulo no qual o
Professor Silvio Simione da Silva faz uma apresentação ampla da formação do
espaço acreano.
Partindo da consideração que é no espaço agrário que reside as raízes
da formação política e social acreana, o autor apresenta ainda, quatro enfoques
fundamentais: primeiro, faz um resgate histórico do processo geográfico
formador das bases da ocupação e produção dos seringais; depois, tratando
dos períodos de crises na bases empresariais, analisa entre a segunda e quarta
década do século vinte, sob a ótica da formação socioespacial e cultural da
sociedade acreana, nas suas raízes agrárias campesinas; num terceiro momento,
introduz uma discussão sobre as formas da apropriação e formação da estrutura
fundiária acreana; e, por final, partindo da apresentação das faces de produção
camponesa local, introduz análises sobre os sistemas agrários de produção, no
âmbito regional do espaço produzido no campo ou na floresta.
No Capítulo 7, tratando da “Geografia da luta pela terra: conflito
e resistência camponesa acreana”, também o Professor Sílvio Simione da
Silva, proporciona uma breve apresentação dos movimentos de resistência e
luta camponesas que têm caracterizado o espaço agrário acreano. Daí, tem-se
as bases necessárias para se compreender os aspectos da luta e resistência dos
seringueiros a partir da década de setenta, o que deu condições para entendermos
também a formação dos sindicatos rurais, das cooperativas e associações de
produtores rurais. A partir desse enfoque, o professor faz apontamentos para a
compreensão dos aspectos socioespaciais e socioterritoriais presentes na luta,
ou seja, respectivamente, a luta na terra e a luta pela terra.
No Capítulo 8, a questão que apresentamos é sobre “O espaço
da cidade no Acre”. A bacharelando em Geografia – Isis do Mar Marques
Martins, o bacharel em Geografia Luciano Rodrigues do Nascimento e o
Professor Silvio Simione da Silva traçam uma análise da formação das cidades
acreanas. Partem do pressuposto de que a formação dos espaços citadinos
amazônicos são produtos de uma heterogeneidade de processos formadores.
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Então, apresentam claramente a formação das cidades, ao mesmo tempo em
que introduz apontamentos para refletir da vacuidade da aplicação genérica do
conceito de urbano para todas as cidades acreanas.
No Capítulo 9, fechando as temáticas estudadas, referimo-nos ao “O
desenvolvimento acreano em questão: contexto histórico e especificidades
microrregionais”. Aqui os professores Floripes Silva Rebouças, Lucilene
Ferreira de Almeida e Silvio Simione da Silva, praticamente, apresentam o
assunto sob duas óticas: primeiramente, caracterizam os diversos momentos
das direções políticas postos no Acre para, então, enfocarem os principais
marcos e mudanças ocorridas nas direções das políticas de desenvolvimento
acreano, e fazem, ainda, uma breve análise crítica sobre o momento atual; por
segundo, analisam como daí deriva a caracterização das regionalizações e, por
fim, apresentam apontamentos sobre as especificidades regionais acreanas.
Portanto, agora, esperamos que o leitor possa ter uma visão ampla da
produção do espaço acreano, contextualizado na realidade amazônica brasileira.
A perspectiva de compreensão da realidade produzida no âmbito das dimensões
inter-relacionais espaço/temporal, dá-nos uma visão dos processos que atuaram
na formação geoambiental, econômica, política e cultural do Acre. Portanto,
desta visão de totalidade do espaço produzido, pode-se ter a compreensão deste
em nível micro ou macro e vice-versa, na apreensão das diversidades regionais
como fruto de relações recíprocas na dialética da produção do espaço, que é,
por excelência, o objetivo da “Geografia que propomos fazer”.
É isto! Mas agora vamos à leitura do Livro inteiro.
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Estudando o Acre: L ocalização, representação
e contextos do espaço acreano.
Localização
O que significa localizar? E porque esta é uma ação tão importante para
vivermos socialmente? Localizar significa conhecer as condições exatas para
determinar o local de que estamos falando, quer estejamos ou não presentes
nele. É uma ação para tornar um lugar possível de ser encontrado na imensidão
do espaço em que vivemos. Por isso, esse ato tem sido de grande importância
para o homem desde o princípio de sua existência.
Sabemos que para se orientarem e localizarem na superfície terrestre,
desde os tempos mais remotos o homem sentiu a necessidade de representar
com desenhos seus trajetos. Isso significava, noutras palavras, a necessidade
de produzir mapas. Começou-se pelos mais rudimentares, modelados e
entalhados na argila e pedras, até os mais modernos processados atualmente em
computadores. Contudo, tanto os mapas rústicos quanto os mapas modernos
têm um único objetivo: representar o espaço geográfico.
Hoje, imaginamos o quão difícil seria compreender o espaço e a
realidade de cada lugar se não pudéssemos contar com o auxílio dos mapas.
Como iríamos representar as formas físicas e as relações desenvolvidas no
espaço e no tempo, caracterizar e visualizar a divisão regional, os limites,
municipais, estaduais ou nacionais?
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Sistemas de Coordenadas
Fonte: Apostila de Cartografia Básica, Universidade Federal de
Uberlândia, Fev. 2004 (modificado).
A importância destas linhas é tão grande que por elas e, a partir delas,
muitos limites e problemas de fronteiras foram e podem ser resolvidos. Daí,
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conhecer a localização é também saber usar estes recursos.
Localizando o Acre
Fonte: Base cartográfica IMAC/SEMA/ZEE, 2000.
Elaborado por Cláudio Roberto S. Cavalcante, 2007.
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O Acre possui uma área de aproximadamente 164.221,36 km². Esta
dimensão foi alcançada com a nova demarcação dos limites estadual no ano
de 2004, como foi definido pela Nova Linha Cunha Gomes (Mapa 02). Com
isso, o Estado incorporou 1.200 km² oriundos de parte dos municípios do Sul
do Estado do Amazonas.
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1992, quando algumas Vilas foram emancipadas. Surgiram daí
os Municípios: Acrelândia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia,
Jordão, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter, Porto Acre,
Rodrigues Alves e Santa Rosa. Atualmente, o Estado do Acre é
formado por vinte e dois municípios (Cf. Capítulo 4).
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Mapa 03 – Principais rios e estradas do Estado do Acre
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Figura 02: Representação dos fusos horários brasileiros.
Fonte: Governo Federal. Divisão do Serviço da Hora do Observatório Nacional, 2005. (Site:
www.geovivencia.com.br), Adaptado por Cavalcante, 2006.
Representações Cartográficas
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escala, mostram uma determinada parte de uma região ou estado (obras
realizadas pelo homem, relevo e acidentes naturais). As cartas urbanas e
cadastrais variam de 1:500 a 1:10.000 e as cartas topográficas de 1:25.000 a
1:250.000.
Como mapas e cartas são representações da superfície terrestre, devem
ser compreendidos em função de uma escala, ou seja, da relação existente
entre as dimensões reais da área representada e os elementos presentes no
mapa (figura 03).
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Mapa 04 – Localização da área MAP.
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região internacional constitui o núcleo da Amazônia
Sul ocidental com 302, 378 Km2. Possui uma formação
florestal ainda pouco transformada, e uma população
de aproximadamente 700.000 habitantes, formadas
por indígenas, campesinos de lavouras e extrativistas,
proprietários privados de pequeno, médio e grande portes
na área rural e em alguns centros urbanos de pequemos e
médios portes com desenvolvimento diferenciado. Dentre
as situações mais preocupantes podemos citar o gradual
desflorestamento, os desafios de promover integralmente
formas de desenvolvimento regional, a situação de estar
sendo cortada pela Rodovia que liga esta região ao Porto
de Ilo - Peru (Estrada do Pacifico) e o profundo interesse
de agentes externos aos três países na região. (Texto
elaborado em 2006, exclusivamente, para este capítulo
com base na consulta a pagina http://www.map-amazonia.
net).
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Figura 04: : Acre - coordenadas Geográficas: “10º 39’58.96” S “e 69º 40’ 29 73”.
Elevação- 788 pés
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Figura 05: Fotografias áreas que recobrem o 2º Distrito de Rio Branco
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captar as informações do alvo que pretendemos estudar.
Figura 06: Sistema de recepção das informações gerada pela energia do sol pelos
sensores dos satélites
O Landsat
O mais importante e utilizado satélite para mapeamento e monitoramento
dos recursos naturais é sem duvida o Landsat, desenvolvido pela National
Aeronautics and Space Administrtion – NASA, o mesmo compreende hoje
uma serie de 7 satélites. O Brasil utiliza informações do sistema Landsat
desde 1973.
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Figura 07: Imagem de satélite detectando Focos de Calor.
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Referências Bibliográficas:
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O Acre no planeta movimeno. A tectônica de
placas e a dança dos nossos continentes
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no início da formação da Terra, a qual deu o nome de Pangéia. Ele só não
sabia explicar quais forças causavam o movimento destas massas continentais.
Por este motivo sua teoria só ganhou credibilidade e consistência nos anos
50 do século XX quando a Geofísica comprovou que as massas continentais
realmente se movimentam sobre a astenosfera. Daí surgiu à teoria das Placas
tectônicas proposta pelo pesquisador Jason Morgan, em 1967.
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deformações nas rochas, que se dobram ou se curvam, acumulando energia
que ao ser liberada atinge a superfície gerando os sismos (do grego seismós,
que significa abalo). Muito embora estes sismos não sejam considerados
catastróficos, pois na maioria das vezes atingem menos que 5,0 na escala
Richter (escala que varia de 0 a 9 graus e mede a energia liberada pelos
sismos) é possível visualizar episódios em que casas e prédios são sacudidos e
danificados, causando certo pânico à população.
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Figura 02: Formação da Bacia Amazônica segundo Orville A. Derby.
O Vale Amazônico
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tectonismo de compressão se estendem pela Amazônia Brasileira, alcançando
o Estado do Acre.
Neste sentido, segundo Latrubesse (1992), a neotectônica é ativa na
Amazônia Sul Ocidental e está ligada à posição de baixa subducção da Placa
de Nazca. Este aspecto permite concluir que a “Amazônia Sul Ocidental tem
tido uma tendência geral de levantamento no Quaternário”.
Ainda hoje, persistem controvérsias entre os pesquisadores quanto
à época em que o levantamento andino chegou a seu clímax. Entretanto, a
responsável pela fase final do levantamento dos Andes orientais, foi a Orogenia
Quechua, a partir da qual houve a inversão no sistema de drenagem, cujo sentido
passou a ser de Oeste para Leste, propiciando, desta forma, um ambiente de
deposição fluvial que deu origem à Formação Solimões (ALMEIDA, 1974).
O Estado do Acre encontra-se inserido na Bacia sedimentar do
Acre, a qual juntamente às bacias do Solimões e do Amazonas, formam uma
grande área sedimentar denominada Província Amazonas-Solimões, que é
compartimentada por altos estruturais (Figura 03), sendo conhecidos como:
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A Bacia sedimentar do Acre foi definida por PETRI & FÚLFARO
(1983) como intracratônica (entre crátons – escudos cristalinos). Então
permaneceu aberta e marginal até o final do Cretáceo Superior, período que teve
início a Orogenia Andina atingindo seu clímax no Mioceno Superior, quando a
bloqueia (MIÚRA, 1972). Durante o mioceno (Quadro 01), a região foi palco
de intensa sedimentação marinha e, com o bloqueio, seu ambiente restringiu-
se a lagos e pântanos, com alternâncias climáticas semiáridas e úmidas até o
holoceno (CAPUTO, 1973).
Plioceno
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(Kd) Arenitos maciços com intercalações
de arenitos silicificados, brechas de falha
Divisor
e siltitos.
(Kra) Superior: arenitos finos com
intercalações de siltitos.
Mesozóico
Sienito
Pensilvaniano
Paleozóico
República
(Tf) Diques de quartzo sienito. Quartzo
traquitos cortando a F. Formosa.
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representados por diques do Sienito República e pequenas intrusões que
cortam sedimentos dessa unidade. Após esta atividade ígnea, a Bacia entra em
subsidência com a borda Leste positiva, gerando uma sedimentação clástica
regressiva. É, a partir de então, depositado o Grupo Acre.
O Grupo Acre apresenta inicialmente depósitos de arenitos com
estratificação cruzada (Formação Moa) depositada em ambiente continental.
Em seguida, um evento transgressivo atinge a Bacia, depositando os folhelhos
e siltitos (Formação Azul), típicos de ambientes marinhos rasos. Ao final da
deposição da Formação Rio Azul, começam a ocorrer movimentos da crosta
(orogenias), que resultaram em levantamentos a leste da bacia, acarretando
uma deposição rápida de arenitos grosseiros (Formação Divisor).
No Terciário, inicia-se um novo ciclo deposicional, desta vez,
predominantemente continental, com sedimentos argilo-silticos, calcários e
arenitos originados a partir de rochas preexistentes - área subsidente a leste-
que constitui a Formação Ramon. Nesse Período, mais precisamente na época
do Plioceno ocorre o soerguimento da cordilheira andina e na Bacia do Acre,
o Grupo Acre foi soerguido originando o complexo fisiográfico da Serra do
Divisor.
A Bacia do Acre, que até então tinha sido marginal e pericratônica,
transforma-se numa bacia intracontinental, processando-se uma inversão na
rede de drenagem. Esta passa a se direcionar para leste, criando assim, um
ambiente fluvial proporcionando a deposição de espessos pacotes de sedimentos
(argilo-arenosos) que assoreiam a Bacia do Acre. Deu-se assim, origem à
unidade litoestratigráfica da Formação Solimões.
Durante o holoceno, são depositados os aluviões dos terraços e das
planícies fluviais. Assim sendo, em termos de unidades litológicas, no Estado do
Acre são identificadas duas unidades distintas: Formação Solimões (formação
cenozóica-terciário) e os aluviões holocênicos (cenozóico-quaternário). Nestes
sedimentos quaternários aluvionares encaixados na formação Solimões, são
identificados os terraços fluviais que Latrubesse e Ramonell (1991; 1992)
classificaram em terraços superiores (34 a 38m), terraços intermediários (15 a
20m) e terraços inferiores (de 8 a 12m).
No extremo ocidental do Estado do Acre, ocorre um minúsculo
afloramento cristalino chamado de serra do divisor. Esta é constituída de
rochas que variam de metamórficas (permo-carbonífero) a sedimentares
(cretáceo superior). Sua estrutura se apresenta ondulada em anticlinais e
sinclinais demonstrando que a Serra do Moa constitui um prolongamento da
faixa subandina. As cotas altimétricas da região variam de 600 metros até 200
e 300 metros no baixo platô da formação Solimões.
Portanto, podemos dizer que o Estado do Acre apresenta três regiões
geologicamente distintas, a saber:
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Áreas serranas – que compõem o Complexo Fisiográfico da
Serra do Divisor, formadas principalmente, por sedimentos
cretáceos com pequenas ocorrências do Pré-Cambriano e do
Paleozóico.
Áreas de relevo suave – compreende a maior parte do
Estado, e são representados por sedimentos das formações
Ramon e Solimões.
Áreas aluviais – formada por terraços fluviais e áreas
aluvionares.
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feições de relevo do tipo colinas, e em áreas restritas relevos
com cristas e interflúvios tabulares que alcançam altitudes de
no máximo 300m, e relevos montanhosos na parte Ocidental
do Estado (Serra do Divisor).
Planalto Rebaixado (da Amazônia Ocidental). Esta Unidade
é caracterizada por relevos planos com altitudes em torno de
250m (baixos platôs).
Planície Amazônica. Constitui-se a área de superfície mais
baixa do relevo com altitudes em torno de 200m comportando
extensas áreas alagadas e de inundações, bem como formas de
acumulações (planícies e terraços fluviais respectivamente).
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O clima e sua interferência na vida humana na Amazônia
O tempo e o clima
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características particulares de temperatura e umidade, tornando-se responsáveis
pelas situações temporais, e, portanto, pela caracterização do clima de uma
determinada área. As massas de ar avançam ou recuam determinando o clima
da região e marcando as estações do ano. Vejamos, no quadro abaixo, as massas
de ar que atuam na região acreana e suas principais características:
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instabilidade e as altas temperaturas no Estado do Acre, que
por sua vez, corresponde ao período de transição primavera-
verão-outono.
- É o aquecimento anômalo
das águas do Oceano
- Provoca secas moderadas a
Pacífico Equatorial Central
intensas;
e Oriental.
- Aumento da probabilidade de
EL NIÑO - Faz com que o padrão
incêndios florestais;
normal de circulação
atmosférica se altere.
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- É o resfriamento das
águas do Oceano Pacífico
Equatorial Central e
Oriental
LA NIÑA - Provoca mudanças no - Chuvas abundantes
padrão de circulação
atmosférica
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A hidrografia acreana e seu papel no processo de apropriação do
espaço
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anastomosado, reticulados e de todo incaracterísticos,
sem que se saiba se tudo aquilo é bem uma bacia fluvial
ou um mar profusamente retalhado de estreitos.
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Os rios acreanos, em sua maioria, são considerados “rios de
coloração branca”. Isto pode ser notado, em função da composição do material
transportado apresentar maior carga em suspensão que dissolvida, sobretudo
nos meses da estação chuvosa (novembro a abril). Já a erosão lateral causa
deslizamentos ou movimentos de massa, gerando problemas às instalações
humanas assentadas nas margens dos rios, considerando-se que as cidades
principais surgiram nessas localizações (sobre o leito maior dos rios).
O Estado do Acre cresceu e teve seu povoamento ao longo das
margens de sua extensa rede fluvial. Todo o Estado é drenado por extensos rios,
a exemplo do rio Tarauacá, Purus, Chandless, Juruá e Acre, todos pertencentes
à rede hidrográfica do Rio Amazonas. A rede de drenagem do Estado é bem
distribuída e entalha, predominantemente, rochas sedimentares, apresentando
formas meândricas com pequenos trechos retilíneos. Este fator leva à formação
de bancos de areia em seus leitos, o que, por vezes, dificulta a navegação fluvial.
Vejamos um exemplo deste fato através de notícia veiculada por jornal local
sobre as condições do rio Envira, município de Feijó:
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importantes afluentes pela margem direita: Breu, Caipora, São João, Acariá,
Tejo, Grajaú, Natal, Humaitá e Valparaíso. E nove pela margem esquerda:
Amônea, Aparição, São Luiz, Paratari, Rio das Minas, Ouro Preto, Juruá, Juruá
- Mirim, Parná dos Mouras e Moa. Seus 3.280 km de extensão têm origem no
Peru, com o nome de Paxiúba, unindo-se depois com o Salombô e formando,
daí para diante, o Juruá propriamente dito. Atravessa a parte noroeste do Acre,
entra no Estado do Amazonas e despeja suas águas no rio Solimões.
A razão dos rios acreanos serem predominantemente sinuosos é a
pequena variação do relevo. Como vimos suas altitudes variam de 200 a 600
metros (nível do mar), além de situar-se em uma planície constituída de rochas
sedimentares.
Neste contexto, merece destaque a bacia do Rio Acre. Esta drena
a área mais povoada do Estado. Sua drenagem é composta por um denso
sistema fluvial, formado por rios perenes e igarapés intermitentes. O Rio Acre
se constitui no principal canal desta bacia e possui como principais afluentes
os rios Xapuri, Riozinho do Rola, Riozinho do Andirá e o Rio Antimarí, pela
margem esquerda; e, pela margem direita, uma série de pequenos igarapés, a
exemplo dos igarapés do Brito, do Mota, Judia, Quixadá e Igarapé Grande, bem
como o lago do Amapá que está localizado à sua margem direita. Vejamos na
figura abaixo algumas características da bacia de Drenagem do Rio Acre.
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chuvosos e de estiagem, registrando cotas de transbordamento que atingem 16
a 18m. São comuns, ao longo da planície do Rio Acre, feições típicas como
os meandros e os paleocanais, resultantes da dinâmica erosiva facilitada pelas
rochas inconsolidadas que compõem este ambiente fluvial. Os meandros ativos
são resultantes do processo contínuo de erosão (margens côncavos-bancos de
solapamento) e deposição (margens convexas - formação de point-bars).
Os paleocanais são formas resultantes da elaboração passada do rio,
ou seja, da sua evolução através do processo de erosão e autocaptura. Isto se dá,
à medida que as margens côncavas são erodidas, o colo do meandro pode ser
estrangulado pela formação e desenvolvimento de diques marginais, que aos
pouco promove o isolamento do antigo canal. Estes canais abandonados, com
o tempo, podem originar ao longo da planície de inundação lagos de formas
variadas. Um exemplo destes paleocanais é o lago do Amapá em rio Branco
como demonstramos na figura 06:
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Referências Bibliográficas
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Solos Acreanos: uso e impactos
Elisandra Moreira de Lira
54
função de cinco variáveis independentes, denominadas fatores de formação,
como segue:
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Figura 01: Fatores de formação dos solos
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duas fases, a primeira, constitui-se na remoção de partículas, e a outra, refere-
se ao transporte desse material, efetuado pelos agentes erosivos. Em áreas
desmatadas, por exemplo, a ação da chuva torna-se ameaçadora para avanço
do processo erosivo dos solos.
Entretanto, quando o solo é bem usado atendendo-se sua aptidão e
aplicação de técnicas apropriadas, há uma tendência a um novo equilíbrio que
pode ser estável e produtivo.
No Estado do Acre, foram feitos vários levantamentos de solos em
nível exploratório, sendo que o realizado pelo RADAMBRASIL (1976; 1977)
é o que serve de base para outros estudos até os dias atuais. Podemos dizer que
o estudo mais atual sobre os solos consta no Zoneamento Ecológico Econômico
-ZEE do Estado (ACRE, 2000), no qual adotou-se o novo Sistema Brasileiro
de Classificação de Solos (EMBRAPA, 1999).
As classes de solos do Acre, de acordo com o novo Sistema Brasileiro
de Classificação de Solos, apresentam algumas diferenças de tratamento nas
suas classes se comparadas com os resultados do RADAMBRASIL, 1976/1977
(tabela 01).
Vertissolos Vertissolos
Fonte: Acre (2000, p.38).
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os Gleissolos ocupam 7,4%; os Latossolos ocupam 1,9%; e os nitossolos
ocupam 0,8 %.
A aptidão das terras do Acre pode ser definida com base nas
possibilidades de uso, as quais abrangem os seguintes grupos: 1 – aptidão
para a produção intensiva de grãos; 2 – aptidão para culturas perenes, espécies
frutíferas e florestais em monocultivos; 3 – aptidão para exploração de
culturas perenes e espécies florestais e frutíferas em sistemas agroflorestais;
4 – aptidão para pastagem em ênfase para sistemas agrosilvipastoris; 5 – sem
aptidão agroflorestal, com restrições moderadas para atividades florestais e
conseqüente circulação de veículos e 6 – sem aptidão agroflorestal, indicado
para preservação da flora e fauna (ACRE, 2000).
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no índice de degradação ambiental (MENDONÇA, et al., 2004).
Os assentamentos agrícolas (ocupam cerca de 1,5 milhões de hectares)
e a pecuária extensiva são as principais formas de ocupação do espaço, estes,
por sua vez, são responsáveis pela maior parte dos desmatamentos do Estado.
O uso da terra nesses assentamentos baseia-se no processo que consiste na
derrubada e queima da mata primária e/ou, secundária – capoeira, seguindo-se
o cultivo das chamadas culturas brancas como arroz, milho, feijão e mandioca,
num período de dois anos (FUJISAKA et al., 1996; ACRE, 2000).
Este processo é denominado de cultivo itinerante, pois passado o
período de cultivo – dois anos, a terra é deixada em pousio, em ciclos que
variam de 5 a 10 anos em média, devido o empobrecimento químico do solo
e o surgimento de plantas espontâneas, pragas e doenças (DIEZ et al., 1997;
ARAÚJO et al., 2004).
Silva e Ribeiro (2004), em estudos recentes, avaliaram o índice de
degradação ambiental no Estado do Acre, utilizando indicadores biológicos,
econômico e social, onde concluíram que o índice médio de degradação do
Estado ficou em torno de 30,74%, com destaque para as microrregiões de
Brasiléia e Rio Branco que apresentaram os maiores índices.
Em avaliação mais aplicada, Lira (2006) concluiu que em nível
de propriedade rural (pesquisa realizada em assentamentos agrícolas nos
municípios de Acrelândia, Feijó e Tarauacá) o sistema de uso da terra não
apresentou diversificação, sendo predominante o uso com pastagens extensivas,
além disso, os impactos ambientais decorrentes das desconformidades de uso
da terra estiveram presentes em todos os assentamentos estudados.
Os indicadores utilizados por Lira (2006) permitiram a realização
de uma avaliação mais integrada do ambiente, apontando índices médios
de insustentabilidade ambiental dos tipos de uso da terra avaliados em cada
propriedade (tabela 02).
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Os índices de insustentabilidade das propriedades puderam indicar a
partir das prioridades de intervenção, a região com maior desconformidade de
uso da terra, a partir das dimensões avaliadas que são as dimensões agrícolas,
ecológicas, econômicas e sociais. A pesquisa demonstrou que na região de
Feijó e Tarauacá, os índices de prioridades de intervenção foram maiores
quando comparados aos valores de Acrelândia, fato este, que pode estar aliado
às características naturais da própria região, o que demonstrou baixa aptidão
agrícola, e ainda, fatores de ordem sócio-econômica.
De acordo com Pacheco et al., (2001) tem crescido o interesse em
mecanizar áreas degradadas para melhorar as características físicas do solo
acreano bem como a absorção de nutrientes e atividade biológica, o que resultaria
no aumento da produção. Sobre a aptidão natural para mecanização agrícola
dos solos acreanos, conforme o referido autor, demonstrou-se que a maioria das
áreas com condições favoráveis encontra-se no Vale do Acre (microrregiões de
Rio Branco e Brasiléia). Esta região por apresentar características de relevo
plano ondulado, solos profundos e drenagem do solo, torna-se propícia para a
mecanização (ACRE, 2000). Além disso, deve-se levar em consideração que
essa região é apontada como a mais antropizada.
60
Referências Bibliográficas
61
A fronteira na formação política do Acre
Silvio Simione da Silva
62
limites acreanos.
[...] cabe à geografia política a tarefa nada trivial, dentre outras, de examinar
e interpretar os modo de exercício do poder estatal na gestão dos negócios
territoriais e a própria dimensão territorial das fontes e das manifestações do
poder em geral. [...] a Geografia Política [...], enquanto ideologia do Estado,
não deve ser interpretada como sendo um conhecimento gerado exclusivamente
pelo Estado, pois ele poderá estar sendo formulado em múltiplos espaços de
pesquisas, aí, incluídas as universidades (COSTA, 1992, p.15).
Portanto, com isto, estamos nos desafiando a dar uma visão sintética
da Geografia Política do Acre. Parece-nos, então, que esta compreensão passará
pelo estudo da formação política do Estado. Claro que aqui não apresentamos
um conteúdo acabado, pois a formação política é um processo em construção e
não uma situação estática. Mas, queremos dar ao leitor, esta aproximação com
a formação política do Estado e conduzi-lo à reflexão sobre certas questões.
O Sentido da Fronteira
63
Assim, podemos dizer que as “relações econômicas, sociais, culturais
e políticas” fazem parte do conjunto de “necessidades e interesses” que são
desenvolvidos nos territórios, especialmente definidas, “nos últimos séculos,
pela constituição dos Estados-Nações” (GOETTERT, 2004, p. 09). Como isto,
então, pode-se conduzir a formação política com a configuração de fronteiras
e definição de limites? Vejamos:
64
limites e fronteiras, às vezes, até mesmo pondo fim em conflitos ou evitando
o agravamento destes. Como aqui na América do Sul, basicamente, os dois
principais colonizadores foram as metrópoles espanhola e portuguesa, os
tratados que regularizaram as nossas fronteiras trazem legados dos acordos
realizados entre Espanha e Portugal. Assim, quando o Brasil e os outros países
vizinhos tornaram-se independentes politicamente, herdamos estes acordos e
suas designações.
O primeiro Acordo que realmente nos remete a esta partilha territorial
sul-americana, no tocante à formação territorial do Brasil, é o Tratado de
Tordesilhas de 1494 (figura 01). Foi o princípio da partilha do continente
americano, e início de vários embates para a definição de nossa fronteira, o
que perduraria até o princípio do século XX, quando o Acre foi incorporado
pelo Brasil ao seu território.
Contudo, mesmo assim, havia já, desde o início, certa imprecisão no
estabelecimento exato do meridiano de Tordesilhas. Isto porque a definição
geral tendo como referencial o arquipélago de Cabo Verde (Costa África), não
precisava a que ponto destas ilhas africanas começava tal medição.
65
A questão imediata que surgiu foi o controle da foz dos dois grandes
Rios que davam acesso ao interior do continente: Rio da Prata ao sul, e do
Amazonas, ao norte. Na verdade, Portugal, por este acordo, estava alijado de
ambos. Contudo, se ao sul, houve menor intensificação da presença lusitana
(porém, as disputas também foram acirradas), no rio Amazonas, a partir de sua
foz, onde se construíram fortes militares, no início do século XVII, já começava
o avanço do povoamento luso-brasileiro para além da linha de Tordesilhas.
Com estes avanços da ocupação portuguesa, tanto pelos rios quanto
por ações de exploradores que adentravam para o interior também à altura do
sudeste, o Tratado de Tordesilhas já estava superado. Então, ainda no período
colonial o Tratado de Madrid (13 de janeiro de 1750) entre Portugal e Espanha,
viria dar outra configuração nestes limites, já considerando as áreas ocupadas
pela expansão portuguesa/brasileira (figura 02).
66
foi fundamental quando introduziu o princípio de uti possidetis1. A grande
importância deste princípio jurídico seria demonstrada pelas vezes que este fora
invocado pelo Brasil nas negociações para definição de sua fronteira, mesmo
com posterior independência (ACRE, 2003). Esta situação foi explicada por
Cunha (1975, p. 33) ao ressaltar algumas considerações sobre o efeito deste
tratado, partindo do referido princípio:
67
Contudo, a pequena importância dada a estas determinações feitas
quase sempre sem uma base física precisa, teve pouca influência na fixação
imediata da fronteira. Daí então, mesmo com o processo de independências
destes países (Brasil e seus vizinhos Bolívia e Peru), as situações de pendência
fronteiriças permaneciam. Muitas de suas fronteiras, sequer, estavam
devidamente demarcadas.
Ademais, com Tratado de Santo Ildefonso, o Brasil já se aproximava
muito de sua atual área territorial. Cabe salientar, que para se chegar a tais
acordos, Portugal se valeu do desconhecimento que os espanhóis tinham de
área e a habilidade de seus diplomatas, inclusive, pela criação e manutenção do
princípio de uti possidetis. Muitas fronteiras foram definidas sob o argumento de
que o direito ao território deveria caber ao povo que povoara e que conquistara
o território de seus habitantes primitivos (ANDRADE, 1989). O que é deveras
discriminatória com os povos indígenas que já ocupavam o território apossado
pelas forças colonizadoras que reivindicam seu direito de posse. Contudo,
mesmo assim, os limites estabelecidos por esses tratados não incluíam as terras
acreanas como parte do território brasileiro.
Após a “independência” do Brasil e da Bolívia, no século XIX as
questões de fronteiras ressurgem novamente. Numa tentativa de solucionar de
vez os problemas de limites, o Império do Brasil e a República da Bolívia
assinaram o Tratado de Ayacucho em 1867. Esse Tratado, apesar de representar
uma grande vitória diplomática brasileira, praticamente conservou os mesmos
limites já estabelecidos nos tratados que antecederam, no que se refere às
terras acreanas. Estas tidas como “tierras non descubierta” permaneciam por
direito pertencendo à Bolívia, muito embora já estivessem sendo ocupadas
pelas frentes migratórias de brasileiros nordestinos trazidos para viabilizar o
negócio extrativista das empresas seringalistas extratoras da borracha natural
(CALIXTO, SOUZA e SOUZA, 1985).
O Tratado de Ayacucho foi assinado na cidade de Lapaz em 27 de
março de 1867. Definia-se por uma linha divisória e por uma paralela que
partia da foz do Rio Beni no Madeira, na margem esquerda, na latitude de
10°20’ de latitude sul até encontrar a nascente do Rio Javari.
A partir de questionamentos postos no ano de 1874, uma comissão
mista de brasileiros e peruanos mudaram a linha reta para um traçado transversal
(linha obliqua), determinando as nascentes do Javari a 7°1’17’’5 de latitude sul
e 74’8’27’’07 de longitude a oeste de Greenwich (CALIXTO, 2003). Isto viria
dar base a determinação da então chamada linha Cunha Gomes.
Todavia, apesar do Brasil ter cedido seus territórios, garantiu, pelo
menos, mais avanços e precisões nos limites propostos: a modificação da linha
divisória agora sendo traçada por uma reta da foz do rio Beni, em sua margem
esquerda de 10°20’ latitude sul, até encontrar a nascente do rio Javari, que,
contudo, ainda não colocava as terras acreanas como brasileiras; e a garantia
68
do reconhecimento do princípio de uti-possidetis post facto (CALIXTO,
2003). Assegurava-se, assim, a possibilidade de definição do pertencimento
de um território em disputa pela ocupação primeira que se fizera. Por estas
prerrogativas, o território entre o Madeira e o Javari ficava para a Bolívia,
mas já estava sendo ocupado por brasileiros; daí ,abria-se a possibilidade de
claramente se ver que as terras do Acre já pertenciam ao Brasil, mesmo antes
do Tratado de Petrópolis.
Em 1895, o Brasil, já um país republicano, reconhecia a porção
abaixo (sul) da linha Beni-Javari, como pertencente de direito aos países
vizinhos (Peru e Bolívia). Para evitar a alegação do princípio de uti possidetis,
a Bolívia tentou impor seu domínio, sob a área que era predominante ocupada
por brasileiros. Os bolivianos tentaram estender sua legislação em detrimento
dos brasileiros que ali já viviam. Logo, com o reconhecimento das nascentes
do Javari mais ao norte (7°1’17’’5 de latitude Sul), a Bolívia estava favorecida,
uma vez que, antes, estes limites estavam colocados no paralelo de 10°20’ de
latitude Sul. Assim, o território acreano ficava firmado sob seu domínio (figura
03).
69
entre acreanos (brasileiros) e bolivianos, dando início ao que no Acre ficou
conhecido como “revolução acreana”. Posta esta situação, a Bolívia tentou
várias apelações pelo seu direito territorial junto à diplomacia brasileira. Isto,
uma vez que os habitantes das terras acreanas eram brasileiros, e mesmo
porque, indiretamente, o Brasil financiara o movimento dos “revoltosos” que,
liderados pelo General Plácido de Castro, saíra vitorioso contra os bolivianos
(ACRE, 2003).
70
(ACRE, 2003). Portanto, o embate com a República do Peru também envolveu
conflitos diretos e disputas por questões diplomáticas.
Na verdade, em 1904, o Barão do Rio Branco passou a atuar sobre
as questões pendentes para sanar os conflitos e buscar novos entendimentos
com o Peru. Assim, após a definição dos limites entre Brasil e Bolívia, firmou-
se, em 08/09/1909, um acordo definitivo tratando dos limites entre Brasil e a
República do Peru (arbitrado pelo Presidente da Argentina). Então, por mais
uma vez, os diplomatas brasileiros recorrem ao princípio de uti possidetis,
pois tal qual o Vale do Acre e Purus, o Juruá era ocupado por brasileiros que
estiveram em levantes contra as tentativas peruanas de se estabelecerem na
região. Completava-se, assim, a definição da fronteira peruano-brasileira tendo
como pontos referenciais as nascentes do Rio Javari e a confluência do Riacho
(igarapé) Yaverija no Rio Acre (ACRE, 2003).
Em suma, no tocante às questões fronteiriças na região, nos anos que
seguiram, houve alguns reajustes nos acordos. Cabe dizer, inclusive, que, às
vezes, gerando outros acordos, sem, contudo, levar a grandes modificações no
que já havia sido definido:
72
que dificilmente seria barrada pela delimitação uma vez
que a atividade extrativista da borracha articulava-se ao
desenvolvimento da indústria automobilística na Europa
e nos Estados Unidos. [...] também, por que definiu
seus pontos extremos e a partir deles traçou uma linha
imaginária que “separava” floresta de floresta, índios de
índios, colocações de colocações de um mesmo seringal,
gentes de gentes. Em nome de interesses nacionais e
internacionais. Sobre a definição da mesma linha para
o limite entre os estados do Acre (antes território) e do
Amazonas, a arbitrariedade foi semelhante. No sentido
de prevalecer tanto interesses pretensamente dominantes
dos dois estados e de grupos dominantes locais, acabaram
por possibilitar a criação de territórios municipais – em
ambos os lados – completamente desarticulados dos
municípios do estado vizinho. Sem contar que, em função
das dificuldades de acesso, transporte e comunicação, há
sedes municipais que tem contato praticamente nenhum
com partes de seus habitantes” (GOETTERT, 2004, p.29-
30).
Daí, a fronteira do Acre com seus vizinhos ser ainda hoje pontos de
embates. A respeito disso, explica Souza (2005) no final da década de 1990,
o STF (Supremo Tribunal Federal) teria dado direito ao Acre de acrescentar
áreas ao seu território que antes eram consideradas como pertencentes ao
Amazonas. Seria, em princípio, uma mudança nas bases históricas definidas
a partir da Linha Cunha Gomes, “quebrada” em 1944, e que agora, ampliava
sua envergadura “num formato de bumerangue, avança, sem volta - a partir de
Feijó até próximo à vila amazonense de Jurupari e rumando de lá para a vila
Guajará, em Cruzeiro do Sul” (Jornal A Tribuna, In: SOUZA, 2005).
Cabe ressaltar ainda, como explica o referido autor, que este novo
limite já estava garantido na Constituição Brasileira de 1988, mas como não
houve acordo entre os estados do Acre, Amazonas e Rondônia, o STF concedeu,
em 21 de fevereiro de 1997, ganho ao Acre. Então, o próprio IBGE, em 2.000,
já considera, para efeitos de levantamentos de população, uma nova posição
para a Linha Cunha Gomes nos município de Feijó, Tarauacá, Manoel Urbano
e Sena Madureira (ACRE, 2003).
Contudo, isto não irá sanar o caráter de arbitrariedade, mas
inicialmente, faz cumprir as determinações jurídicas postas. Há ainda outras
questões a serem postas como salienta o advogado e estudioso das questões do
limites acreanos Antônio Carlos Carbone (2003), falando sobre a autonomia
do Estado e seu território. Salienta o jurista que isto no Acre implica na questão
do patrimônio fundiário, pois,
73
[...] desgraçadamente, o Acre é um triângulo irregular
debruçado numa faixa de fronteira de 150 quilômetros.
Isso significa que a maioria da terra pertence à União
e não ao Estado. A realidade é que o governador Jorge
Viana, ou outro que sucedê-lo, não dispõe nem disporá de
nada para promover uma política de desenvolvimento e
colonização. Todas as terras acreanas estão sob a legislação
federal de terras devolutas. Esse é o outro absurdo
cometido em relação ao Acre. O espaço territorial do Acre
não é comandado por sua gente. Somos dependentes de
políticas agrárias do governo federal. Com a modificação
dos limites do Acre, o Instituto de Terras do Acre poderá
cumprir um papel importante. Do contrário, vai legislar
sobre o vazio porque todas as terras pertencem à União.
74
base para que os brasileiros mantivessem este território numa condição de ser
questionado, dada a garantia diplomática jurídica já criada pelo princípio de
uti possidetis. Por outro lado, uma vez ocupado com puro objetivo de produzir
borracha para o mercado externo, os sujeitos (seringalistas e seringueiros)
que aqui chegaram trataram, desde o início, de destruir todas as formas de
organização já existentes pela população nativa. A implantação da economia
extrativista da borracha significava também a imposição de uma organização
social-política e econômica, mesmo antes da ocupação e incorporação efetiva
destas áreas pelo Brasil.
Assim, quando o Acre foi incorporado ao Brasil este território tinha
uma situação econômica invejável. Juntos, os departamentos já se punham
como a terceira unidade da federação em arrecadações. No entanto, a renda
obtida com a arrecadação, quase em sua totalidade, era aplicada fora do
território acreano e suas necessidades eram esquecidas.
Como se encontrava dividido em departamentos que juridicamente
eram autônomos, economicamente, por causa da forma de escoamento da
produção, essas unidades territoriais estavam mais ligadas a Manaus. Essas
características de distanciamento, posteriormente, seriam também sentidas na
pouca articulação interna entre os municípios acreanos do leste e do oeste.
Inclusive, no que se refere aos embates junto aos órgãos federais. Daí, o
isolamento e a fuga de recursos gerados estariam na origem da situação do
pouco desenvolvimento que o Estado alcançaria ao final do século vinte (Cf.
Calixto, Sousa e Sousa, 1985; CARBONE, 2003).
Cabe ainda salientar, que houve alterações na extensão territorial
estabelecida inicialmente. Segundo o historiador Carlos Alberto de Souza
(2005), resolvida as disputas externas, o Acre foi incorporado ao Brasil após a
assinatura do Tratado de Petrópolis, tendo seu território pretenso formado por
191.000 Km². Contudo, a situação com a República do Peru ainda era algo a
ser resolvido. Este problema somente seria sanado com a assinatura do Tratado
Brasil/Peru de 8 de setembro de 1909. Neste acordo, a diplomacia brasileira
conseguiu fazer com que o Governo peruano se retirasse da região acreana,
ao passo que o Brasil também recuaria na parte sul-ocidental do território2.
Portanto, neste acordo, o Acre perderia terras após as delimitações de suas
fronteiras mais ao sudoeste. Assim, “o Acre que era formado por 191.000 Km²,
teve sua extensão territorial diminuída para 152.589 Km², ficando o restante
com o Peru”. Com este acordo, as maiores pendências nas questões limítrofes
do Acre, com seus vizinhos não-brasileiros, estariam resolvidas.
Definidas as questões dos limites internacionais e sobre quem
administraria o território, a questão seria então: Como fazer esta organização
no plano de ação territorial? Como já ressaltamos, no âmbito do espaço
2
Referimos à territórios nos alto-cursos dos rios Juruá e Purus, na divisa com o Peru (hoje terra
peruanas limítrofes com o Acre), em trechos que se estendiam desde a altura dos atuais municí-
pios de Santa Rosa até Marechal Thaumaturgo.
75
produzido perante a economia das empresas extrativistas – seringais empresas,
já se forjavam uma organização, mesmo antes do Tratado de Petrópolis. Estas
deram base ao movimento de resistência acreana contra os bolivianos, sob a
liderança de Plácido de Castro, a partir das colocações, das sedes dos seringais
e dos pequenos aglomerados populacionais que já iam surgindo, inclusive,
com a distribuição de terras para as atividades de cultivo (COSTA, 1940).
Por outro lado, as organizações político-administrativas que
conhecemos, a partir daí, foram feitas por decreto-lei do Presidente da
República do Brasil e impostos à população local. Isto, às vezes, demonstrando
total desconhecimento de nossa realidade, quer seja natural ou humana e,
sobretudo, da imbricação que ganha estas dimensões (natural e humana) no
processo de formação deste espaço produzido. Alegava-se que a autonomia
daria maiores liberdades para o acreano autogerir seus assuntos, entretanto, o
que prevalecia mesmo eram os interesses particulares das elites locais quando
subordinadas ao que era designado pelas forças externas representadas pela
ação interventora da Presidência da República. Como será demonstrado nas
divisões e organizações territoriais que se seguem.
76
Cada um desses departamentos estava entregue à administração de um
prefeito. Este era, em geral, um militar nomeado pelo Presidente da República.
Estes administradores ficariam subordinados apenas ao Ministério da Justiça
e Negócios Exteriores e ao Presidente da República (CALIXTO, SOUZA e
SOUZA, 1985). Isto significava que, por muitas vezes, foram nomeadas pessoas
totalmente estranhas aos interesses da população acreana. Com isto, quebrava-
se, então, a possibilidade de uma gerência dos moradores locais sobre estas
áreas. Apenas as elites mais articuladas (subservientes aos interesses extra-
regionais) tendem a estar mais atreladas a esse poder de ingerência externa
na região. Um aspecto importante desta situação foi a ocupação da região por
forças militares brasileiras, ignorando totalmente os remanescentes do exército
acreano que lutou contra os bolivianos. Daí, então, a retirada de Plácido de
Castro para Xapuri com seus homens e, poucos anos depois, (1908) seu
assassinato a mando de autoridade municipal de Rio Branco.
77
Levantes autonomistas
78
administração dos departamentos no território acreano. Seria esta reorganização
que realmente implicava num rearranjo territorial no âmbito municipal das
terras acreanas. Mantinha-se a base departamental, mas criava-se algo de
novo: o Departamento do Alto Tarauacá, ocupando os vales dos rios Tarauacá
e Envira (afluentes do Juruá), e tendo como sede administrativa a Vila Seabra
(atual Tarauacá), desmembrada do Departamento do Alto Juruá (figura 05).
Com estas mudanças, introduzia-se aí uma organização que tinha
como base também uma divisão dos departamentos por municípios.
Estabeleceu-se, então, a criação de cinco municípios: Juruá, no
Departamento do Alto Juruá, com sede em Cruzeiro do Sul; Tarauacá, no
Departamento de Alto Tarauacá, com sede em Seabra; Purus, no Departamento
do Alto Purus, com sede em Sena Madureira; Rio Branco, no Departamento
do Alto Acre, com sede na cidade de Rio Branco; e Xapuri, no Departamento
do Alto Acre, com sede em Xapuri. A administração municipal ficava a cargo
de um Intendente nomeado pela Presidência da República Brasileira o qual
era apoiado e fiscalizado pelo Conselho Municipal, que representava o poder
legislativo, sendo também nomeado pela presidência.
79
capitais e deixando, às vezes, arrendatários para administrarem os seringais;
quando não, deixavam para trás a população seringueira que habitava as
colocações na floresta, de onde desenvolviam seu modo de vida com base no
trabalho familiar e extrativista.
Em 1917, foi levada a efeito a nova reorganização judiciária do
território, através do Decreto n° 13.405, de 28 de fevereiro, assinado pelo
presidente da República Sr. Wenceslau Brás. Essa reorganização suprimiu o
tribunal de apelação de Cruzeiro de Sul e transferiu o de Sena Madureira3 para
Rio Branco. Isto significou certa desestruturação política interna, sobretudo,
na busca da autonomia política, ao passo que a elite política rio-branquense,
mais subserviente, a Capital Federal, foi a mais beneficiada. Aí, talvez, esteja
o germe da centralização política em Rio Branco, posteriormente instituída
capital do Território e do Estado.
80
(Cf. Calixto, Souza e Souza, 1985; MELO 1991; Silva, 2003;
Souza, 2005). A partir daí, nos anos seguintes, algumas reformas de cunho
jurídico-administrativo foram realizadas, no entanto, a divisão administrativa
foi conservada.
81
município) para Brasiléia4 (SILVA, 2003).
Nos anos que se seguem não há grandes alterações na divisão
municipal. Por volta de 1962, já se começava esboçar uma nova divisão do
território, em que se poderia criar até mais cinco novos municípios. Contudo,
perante as mudanças políticas ocorridas no país e no Estado, essas mudanças
não foram implantadas de imediato.
O que mais marcou este instante foi o desfecho da reivindicação
pela autonomia. Em 1957, o Deputado José Guiomard do Santos apresentou
projeto ao Congresso Nacional pleiteando a elevação do Território Federal do
Acre à categoria de Estado. O projeto foi submetido a vários estudos, sendo a
ele acrescidas algumas emendas e por fim aprovado por efeito da lei n° 4.070
de 15 de junho de 1962. Então, o Acre tornou-se estado, herdando todo este
legado organizativo que vimos, inclusive, mantendo a base da divisão territorial
interna.
Podemos dizer que por mais estranho que pareça, foram necessários
mais de meio século de luta contra o Governo Federal para que se pudesse
chegar à autonomia estadual acreana. Por outro lado, a autonomia acreana foi
negada quando a maioria da população a reivindicava e quando a produção
da borracha estava em sua fase áurea. Foi com as crises da economia
extrativista, sendo geradas baixas arrecadações aos cofres públicos que se
ganhou a condição de Estado da República Federativa do Brasil. A isto cabe
acrescentar que o atendimento a esse pleito, não teria vindo de um profundo
embate popular, mas apenas de uma atuação mais sistemática das elites locais
politicamente representadas. Estes, certamente estavam sendo contemplados
em seus interesses de se manterem como grupo de influências no âmbito dos
mandatários locais.
Como Estado, em 1962, o Acre teria então seu primeiro Governo
eleito por voto direto. Contudo, apenas dois anos depois, por força das medidas
tomadas com o Golpe Militar de 1964, este governador foi deposto, e o cargo
passou a ser ocupado por nomeação feita pelo Governo Ditatorial Brasileiro.
82
Abunã; Senador Guiomard, às margens da BR-317, no trecho de Rio Branco
- Brasiléia; Assis Brasil, às margens do Rio Acre, sendo também ponto final
da BR-317, na fronteira com o Peru e Bolívia; Manoel Urbano, às margens do
Rio Purus, no município de Sena Madureira; e Mâncio Lima, às margens do
Rio Moa no extremo oeste do Estado, sendo desmembrado do município de
Cruzeiro do Sul.
Segundo o Prof. Omar Sabino de Paula, vice-governador nessa época,
a motivação dessa reforma esteve pautada no fato de que as constituições
Estadual e Federal permitiam a criação de novos municípios, desde que
isto viesse levar maior desenvolvimento à região. Por outro lado, como os
propósitos já existiam antes mesmo do referido governo, então a questão era
apenas instalar, pois os municípios já estavam criados (SILVA, 2003). Estes
municípios foram instalados pela “Lei Estadual n° 588 de 14 de maio de
1976”.
Daí por diante, o Acre permaneceu com doze municípios até o
ano de 1992 (figura 07).
83
total de vinte e cinco municípios. As vilas e lugarejos que se viram diante
desta possibilidade eram: Porto Walter (situado à margem do rio Juruá,
seria desmembrado do município de Cruzeiro do Sul); Jordão (no Vale do
Rio Tarauacá, seria desmembrado do município de Tarauacá); Porto Acre
(às margens do Rio Acre, ligado a Rio Branco por rodovia estadual, seria
desmembrado do município de Rio Branco); Extrema (às margens da BR-364,
trecho Rio Branco-Porto Velho, área litigiosa com Rondônia); Nova Califórnia
(às margens da BR-364, trecho Rio Branco-Porto Velho, área litigiosa com
Rondônia); Bujari (às margens da BR-364, trecho Rio Branco-Sena Madureira,
seria desmembrado do município de Rio Branco); Jurupari (às margens do rio
Jurupari no Vale do Rio Envira, ao nordeste de Feijó – área litigiosa com o
Amazonas); Rodrigues Alves (situado à margem do rio Juruá, e recortado pela
BR-364, seria desmembrado do município de Cruzeiro do Sul); Santa Rosa (às
margens do rio Purus, seria desmembrado do município de Manoel Urbano);
Capixaba (às margens da BR-317, trecho Senador Guiomard – Brasiléia,
seria desmembrado do município de Rio Branco e Xapuri); Epitaciolândia
(às margens do Rio Acre e da BR-317, seria desmembrado do município de
Brasiléia e Xapuri); e, Acrelândia (no antigo Projeto de colonização Redenção,
às margens de uma rodovia estadual, seria desmembrado do município de
Plácido de Castro).
Algumas destas novas “cidades” localizavam-se em áreas de
difícil acesso, além de possuírem números populacionais muito baixos, o
que aparentemente não justificaria a criação do município. Mas, segundo o
Procurador Geral do Estado, na época o Dr. Omar Sabino de Paula, a criação
destes novos municípios também derivavam de uma necessidade para integrar
melhor o Estado seja, político, social, econômica e até culturalmente.
Além disso, esperava-se que com a efetivação destes novos
municípios, houvesse maior aproximação do Poder Público às populações,
sobretudo, de lugarejos muito distantes. Isto poderia, então, ser também um
mecanismo de criar condições de possibilitar uma melhor distribuição de renda
e de marcar a presença do Estado mais firmemente nestas porções territoriais
distantes na fronteira com a República do Peru.
Para efeito de legalidade, todas estas localidades foram submetidas
a um plebiscito popular. Aí a população local deveria votar pela aprovação
ou reprovação do pleito emancipatório das vilas para município. O plebiscito
aconteceu no dia 28 de junho de 1992, sendo aceito a aprovação apenas de
dez localidades: Jordão; Santa Rosa, Porto Acre, Bujari, Capixaba, Acrelândia,
Epitaciolândia, Marechal Thaumaturgo, Rodrigues Alves e Porto Walter. Já
na vila Jurupari não houve comparecimento da população ao plebiscito. Em
Extrema e Nova Califórnia, na época área de litígio entre Acre e Rondônia,
perante a situação política instável da área, o processo ficou impossível de
ser realizado. Posteriormente, estas vilas seriam então reconhecidas como
84
pertencentes a Rondônia.
Esses novos municípios ficaram até o final de 1992 ligados aos seus
municípios de origens. Como em todos aconteceram eleições em outubro do
referido ano, a implantação do município aconteceu efetivamente no dia 01 de
janeiro de 1993 com a posse dos respectivos prefeitos e vereadores.
Com esta formação, o Estado do Acre chega aos dias atuais (Mapa
08), sendo, contudo, ainda questionados pontos no que se referem a uma revisão
dos limites municipais. As questões aí contidas dizem respeito à arbitrariedade
na definição de limites feita na última reorganização de 1992, em que muitos
municípios (novos e antigos) perderam áreas que, sobretudo, do ponto de vista
histórico e cultural, deixavam populações em condições de estranhamento com
sua unidade política vinculada. Nisto, se forjavam forma de alienação de uma
territorialidade construída por décadas. Mas havia também uma motivação
prática para tais revisões: a localização de certos lugares vinculados aos novos
municípios, após anos de implantação, ainda era um problema para a circulação
das pessoas que ali viviam. Estas, às vezes, moravam em áreas em que as vias
de circulação vinculavam-os mais a outra cidade, e não a sua sede municipal. A
exemplo disto temos às margens da BR-317 entre os limites dos municípios de
Xapuri, Epitaciolândia, e também em áreas mais interioranas como nos limites
entre Brasiléia e Xapuri e entre Xapuri e Rio Branco (ACRE, 2003).
Estas alterações dos limites intermunicipais, junto a já mencionada
revisão do limite com o Estado do Amazonas (nova Linha Cunha Gomes)
passaram a ser incorporadas no Mapa Estadual a partir de 2004. Isto representa
certa alteração nas configurações territoriais de vários municípios, tendo
alguns, seus territórios ampliados e outros diminuídos (Tabela 1; Figura 08).
Nota-se na tabela que, em geral, os municípios que têm suas sedes na porção
limítrofe com o Estado do Amazonas e tiveram sua área territorial ampliada
(com exceção a Sena Madureira). Isto ocorreu em função das alterações na
Linha Cunha Gomes que incorporou ao território político do Estado do Acre
mais de 11.000 km². Isto possibilitou que municípios que tinham parte do
território de sua sede (cidade) em terras amazonenses, tivessem regularizado
sua área urbana.
85
5.360,64
Jordão 6.695,5
5.502,23
Mâncio Lima 4.692,0
10.635,30
Manoel Urbano 9.477,2
8.190,27
Marechal Taumaturgo 7.700,6
1.945,26
Plácido de Castro 2.055,6
2.608,88
Porto Acre 2.923,0
2.608,88
Porto Walter 6.093,4
8.831,44
Rio Branco 9.962,4
3.077,95
Rodrigues Alves 3.319,0
6.140,26
Santa Rosa do Purus 6.049,7
23.731,74
Sena Madureira 25.296,7
2.320,63
Senador Guiomard 1.806,4
20.198,97
Tarauacá 16.120,5
5.346,95
Xapuri 4.723,6
164.221,36
Totais 153.149,9
Fonte: ZEE, 1999; ITERACRE, 2005.
Fonte: Base cartográfica IMAC/SEMA/ZEE, 2000. Elaborado por Cláudio Roberto S.
Cavalcante, 2005.
86
colocados como territórios municipais diferentes; e também no sentido de
facilitar as ações de políticas que pudessem ser aplicadas mais eficazmente
a cada município. Como conseqüência dessas alterações pode-se perceber na
tabela anterior, a perda de território em onze municípios: Brasiléia, Bujari,
Capixaba, Epitaciolândia, Jordão, Plácido de Castro, Porto Acre, Porto Walter,
Rio Branco, Rodrigues Alves e Sena Madureira. Interessante é que destes,
apenas Sena Madureira situa-se em área que fora atingida pelas alterações nos
limites com o Amazonas; isto significa que o município, embora tenha ganhado
território no limite externo, perdeu território no rearranjo dos limites internos.
Contudo, há ainda a permanência de município com área territorial
de tamanho gigantesco como é a situação de Feijó com 27.963,80 Km², Sena
Madureira com 23.731,74 Km² e Tarauacá com 20.198,97 Km², que são os três
maiores municípios em extensão do Estado. As dimensões territoriais destes
municípios chegam a corresponder a mais que duas vezes os tamanhos dos
outros que lhes sucedem numa escala de ordenação por dimensão territorial.
O que se pode prever é que estas alterações devem provocar também
acentuada mudança no número populacional dos municípios e do Estado. Tal
proposição justifica-se, pois, pelo fato de nossas florestas serem habitadas. Estas
mudanças nos limites (internos e externos) significaram também incorporação/
reincorporarão de populações. Contudo, em face de ser uma situação recente,
ainda não é possível precisar maiores dados destas mudanças.
Cabe salientar, que nos últimos anos, tem-se discutido a criação de
novos municípios, sobretudo, a partir do crescimento de algumas localidades
como Vila Campinas na BR-364, trecho de Rio Branco-Porto Velho; Vila
Humaitá e V no PAD Humaitá no município de Porto Acre e o 2° Distrito,
porção da margem esquerda do Rio Acre na Cidade de Rio Branco (ACRE,
2003). Destes, a Vila Campinas aparece como o mais cotado para vir a tornar-
se o vigésimo terceiro município acreano. Contudo, o pleito está barrado pelas
determinações jurídicas que desde 1996, faz restrições à criação de novos
municípios. Espera-se que em breve tenhamos regulamentado novas bases
jurídicas e que estes processos possam vir a progredir.
Considerações finais
87
Assim, ao produzir espaço sobre as riquezas apossadas e as populações
nativas dizimadas, deu-se base para a formação da fronteira política e social
na região.
Desta forma, os primeiros departamentos e municípios nascem com
limites e traçados muito próximos ao que são postos pelos rios em suas bacias
hidrográficas e divisores de águas. Isto não se dá pela determinação destes
sobre a população que aí vive, mas pelas facilidades, pelas viabilidades do
usufruto das formas de seus traçados naturais para produzir, escoar produção e
efetivar comunicação a outros lugares.
Portanto, rios e florestas eram limites e fronteiras para aqueles que ali
viviam e produziam esse espaço; mas também eram os elos dessas pessoas (os
rios, os caminhos; as florestas, as fontes da produção de seus produtos; juntos,
lócus de suas proposições vivenciais) com o mundo externo.
A dinamização socioeconômica dos rios como via de articulação
e circulação possibilitaria que por anos, as sedes municipais – as cidades –
nascessem sempre às suas margens, como ocorreu por muito tempo em toda
a Amazônia. Certamente, senão estivéssemos atentos a esses processos de
ocupação diríamos que o “rio realmente comanda a vida” (fazendo alusão ao
grande historiador Leandro Tocantins), sem percebermos, por exemplo, que a
“vida econômica” posta ao rio não é sua criação própria, mas sim de quem o
instrumentalizou para tais fins.
O alvorecer da década de 1970, com a abertura de estradas chegando
ao Acre, marcaria outro momento na definição de limites internos. As estradas
e a agropecuária introduzem novas condições de ocupação e produção do
espaço. As cidades começam a ser formadas distantes dos rios; e as terras
firmes deixam de ser os “centros” (na falas daqueles que vivem nos seringais:
“centro da mata”), para estar à margem da rodovia (que seria, na ótica
desenvolvimentista da época, estar no centro do desenvolvimento dos lugares).
Isto marcaria a condição que a dinamização do espaço produzido agora, seria
feito pela artificialização maior dos meios de circulação, quando os processos
produtivos também tendem a ser mais artificializados. Por onde passam as
estradas, a produção do espaço tende a voltar para a condição centralizadora
destas vias de circulação. Aí nascem municípios como Acrelândia, Bujari,
Capixaba e Senador Guiomard.
Vemos o começo de uma Geografia Política em que a estrada
comanda as ações socioeconômicas e se impõe como via fundamental de
desenvolvimento na região amazônico-acreana. Isto não exclui o rio, mas
minimiza seu papel como via centralizadora dos processos de circulação do
que é produzido. Um exemplo disto é que até o peixe pescado no rio Purus
vem para o mercado de Rio Branco pela BR-317 e não mais por vias fluviais
como era antes.
Então, as estradas, com suas condições atrativas, dinamizam os
88
desenhos que configuram os mapas e cartas atuais. Porém, não faz isto apenas
pelas divisões políticas, mas também pelas novas formas de ocupação humana,
pelos desmatamentos e impactos aos ambientes naturais, pelas mudanças
temporais e climáticas que sentimos e até pelos conflitos sociais suscitados.
Tudo isto mostra os sentidos da compreensão de uma abordagem
político-geográfica da formação territorial acreana.
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89
Sobre gentes e lugares do Acre
Jones Dari Goettert
Introdução
5
Lugar, território, paisagem, região, rede e meio ambiente, são categorias caras à Geografia; em
cada trabalho, geógrafas e geógrafos enfatizam mais umas que outras. Aqui, busca-se compre-
ender aspectos das gentes e da geografia do Acre através do lugar, que, para Rogério Haesbaert
(2002), apresenta a subjetividade como caráter mais dominante, inscrevendo-se em uma pers-
pectiva cultural e se confundindo, por vezes, ao local. Para Ana Fani Alessandri Carlos (1996),
o “lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-
lugar. [...] Este plano é aquele do local”. O lugar: identitátio, relacional e histórico... Para uma
diferenciação entre lugar e espaço: “O termo “espaço”, em sim mesmo, é mais abstrato do que
o de “lugar”, por cujo emprego referimo-nos, pelo menos, a um acontecimento (que ocorreu),
a um mito (lugar-dito) ou a uma história (lugar histórico). Ele se aplica indiferentemente a uma
extensão, a uma distância entre duas coisas ou dois pontos [...] ou a uma grandeza temporal [...].
Ele é, portanto eminentemente abstrato” (AUGÉ, Marc., 1994. p. 73 e 77).
90
População, pessoas ou Gentes
O uso do termo população é sempre carregado de resoluções matemáticas e
estatísticas, como se pudessem reduzir cada mulher e homem a números. O
termo pessoas nos aproxima bastante do cotidiano, do dia-a-dia. Falamos: ‘as
pessoas gostam disto ou daquilo, são assim e assado’... No entanto, parecem
ser sempre as e os outros, porque são as pessoas. Por isso, aqui usaremos,
com mais constância, o termo gente – ou gentes – porque se aproxima ainda
mais de nosso universo lingüístico, pois é muito comum falarmos que ‘a gente
vai’, ‘veio’, ‘foi’ e que ‘a gente é assim ou assado’... A gente, também, somos
nós!
91
e gente com as coisas, a terra, as casas, a escola, a rua... Por isso, todo espaço
geográfico é produção humana. Pode-se falar em espaço de solidariedade e
afetividade quando as pessoas trocam ajuda e apoio, como em muito se dá no
interior de uma casa, em uma família. Pode-se falar em espaço de dominação
quando os interesses de uma ou de poucas pessoas se sobrepõem violentamente,
seja simbólica ou materialmente, sobre outras.
O que deve ficar claro é, simplesmente, que a Geografia é uma
produção. Não existe espaço geográfico dado, pronto ou absoluto. Cada
pessoa ou grupo de pessoas vai, sabendo ou não, produzindo espaço, que
se produz pelas relações que se vão estabelecendo; isso quer dizer que, por
vezes, o espaço do qual participamos dependeu e depende pouco de nós para
a sua existência, porque um espaço de dominação e exploração – no trabalho
maçante e alienante, por exemplo – de pessoas, grupos ou classes diferentes da
nossa, e até com interesses contrastantes.
O que se quer sempre ressaltar é que não há Geografia que não seja
parte das relações humanas, feitas e que se fazem no espaço, nos lugares. Por
isso, sempre haverá Geografia onde mulheres e homens estão, mesmo que isso
não se manifeste conscientemente. Por isso, deve-se ter a Geografia como um
conjunto de relações das quais nós, direta ou indiretamente, participamos, de
perto ou de longe.
Estas e outras relações no espaço também são apreendidas,
interiorizadas, lembradas, sentidas e faladas pelas mulheres e pelos homens.
Os estudos geográficos, e em especial a Geografia que estuda as pessoas ou as
gentes no espaço, em seus lugares, pode e deve buscar apreender e compreender
as relações nos lugares também por aquilo que as pessoas falam deles, sejam
elas crianças, velhos, adultos, mulheres e homens... Em qualquer fala pode-se
encontrar vestígios das relações nos lugares, e como que tais interpretações
dessas relações podem ajudar a compreender o espaço geográfico, os próprios
lugares.
As falas das gentes, pequenos e grandes, contudo, desobedecem
a padrões de uma “análise geográfica linear” e escorregam também sobre
espaços e tempos diversos. Daí, que a Geografia deve ser pensada junto ao
tempo, porque se pode falar de um lugar do hoje que esteja fortemente ligado
ao ontem, como também ao devir, ao futuro. Por isso, é importante ter claro
que o espaço é uma produção, também, no tempo. É no tempo que o espaço
é produzido! Mas esta produção não é absoluta ou eterna: outras relações –
conflituosas ou não – podem transformar o espaço.
A Geografia também tem se preocupado, além dos grandes
movimentos de formação e transformação do espaço, em buscar compreender
os pequenos espaços – “topoanálises” (veja BACHELARD, 2000) de “micro
espaços” – que as pessoas vivem, convivem, reprimem, libertam, se mostram
e se escondem. Nesta busca, revela-se como fonte importante, as falas de
92
mulheres e homens, crianças, idosos, pobres, mulheres separadas, migrantes,
trabalhadores informais... É claro que a Geografia apenas parcialmente se
revela nas falas (como em qualquer outra fonte); mas podem ser nestas partes
que vai se revelando as gentes de um lugar, de um bairro, de uma cidade, de
um estado, de um país...
Gentes índias
93
indígenas. E, pelo que sabemos, as índias e índios não foram perguntados se
“cederiam” partes de seus territórios para a exploração da borracha, que, aliás,
era motivada por interesses e necessidades de bem longe daqui - as indústrias
automobilísticas da Europa e dos Estados Unidos.
Por outro lado, chamar todas e todos que moravam aqui de “índios”,
significava e ainda significa uma homogeneização grotesca, colonialista e
impostora. Vejamos: ainda hoje, com todo o processo de destruição, violência
e morte das nações indígenas, a resistência, a luta e a persistência de índias e
índios, possibilitou a continuidade de modos de vida espetaculares da floresta.
Mas não são iguais todas as índias e todos os índios. São, em terras acreanas,
as nações Jaminawa, Manchineri, Kaxinawa, Kulina, Ashaninka, Shanenawa,
Katukina, Yawanawa, Jaminawa-Arara, Arara, Nukini e Poyanawa. O processo
de alienação nos impede, ainda hoje, de definir e pensar a diversidade destes
vários povos, com seus espaços, lugares, modos de vida, simbologias e culturas
diferentes umas das outras.
Assim, em território acreano, são doze nações indígenas. Estas ainda
procuram, mesmo com territórios pequenos, se reproduzir em meio ao mundo
dominador “branco”, autoritário e excludente.
Ocupando cerca de 14% do território acreano, as gentes índias são
diversas social, econômica, política, cultural e religiosamente. De iguais, apenas
a forma como lidamos com elas e eles! Isso quer dizer que: cada nação indígena
é, em si mesma, uma complexidade. Contudo, não somos nem mais complexos
e nem mais simples que as gentes indígenas, mesmo que diferentes. A questão,
então, é como o fazemos e lidamos com estas diferenças e complexidades no
espaço humano vivido. Porque, se falamos nações indígenas, aí, a história – e
o espaço – também são indígenas.
94
É o nosso espaço. O “nosso” espaço, dos doze povos que vivem no
Acre, apresentam diferenças substanciais para o nosso espaço, o do “branco”.
Buscar entendê-los é o mínimo que a Geografia deve fazer no sentido de
radicalizar o respeito pelo direito do outro ao espaço, ao seu espaço. Ao seu
pedaço, material e simbólico.
Espaços simbólicos definidores de mitos de origem (muitos
semelhantes ao Gênese cristão) que, no Acre, ganham em diversidade e
riqueza. Mas, devemos rebater o equívoco que aponta a valorização das
culturas indígenas apenas por seu significado folclórico. A folclorização, além
de preconceituoso, “civilizador” e “branco”, tende a desconsiderar que os
povos indígenas são portadores de modos de produção diferentes do nosso.
Por isso, compreender os espaços de cada povo índio, além da valorização da
diversidade, do respeito e de sua autodeterminação, é rever nossos próprios
valores, nossos próprios fazeres e nossos próprios pensares.
A fala é de “S”, que pode ser de Sílvio, Sandro, Silvano, Saul, Sérgio,
Saulo, Samuel, Samir, e de tantos e tantos outros, e revela o desejo e a tensão
entre a casa e a rua. A rua desejada vista da janela; a casa, por vezes recusada,
vista da rua. Depende da mãe... Mas a “peia” também pode estar na rua, onde
“só dá peia”.
Que Geografia malandra esta da criança que deseja a rua pela janela,
mas não deseja a rua pela peia, da mãe e dos “marginais. Desejo de pepeta que
o menino faz subir e voar e o medo da peia dos outros, dos meninos de rua...
95
Atentar para a relação entre espaço da casa e espaço da rua é significativo, uma
vez que em nossas cidades acreanas a relação com a rua ainda é importante. Se
brinca na rua, se toma banho de chuva na rua, se corre na rua, se esconde nos
esconderijos da rua... Rua como espaço da alegria. Se corre de carro na rua, se
corre de “marginal” na rua, se é atropelado na rua, se xinga na rua... Rua como
lugar de conflito, de violência. E também na casa.
A rua é, também, lugar de trabalho, inclusive, para gentes menores:
96
Ouçamos uma “dama da noite”:
97
A fala é de Francisca das Chagas Araújo, nascida no seringal
Cachoeira (município de Xapuri) em 1932. Trabalhou no corte da seringa de
1946 a 1965 e mudou-se para Rio Branco no começo da década de 1970, e na
realização da entrevista morava no Conjunto Esperança I.
Francisca não participou diretamente das mortes do avô e nem da
morte do tio; contudo, a fala revela que no presente – seus lugares – participam
questões postas no passado, sejam elas positivas – a união da família – ou
negativas – os assassinatos. Por outro lado, a fala de Francisca é reveladora da
relação de índias e índios com “brancos” e “brancas” – “minha avó, que era
índia” – em casamentos, e também da relação conflituosa entre marreteiros que
“brigaram por causas da venda de mercadoria, um toma o freguês do outro”.
Na busca de descrição das relações familiares, Francisca delineou
também relações inter-étnicas e econômicas de um espaço do passado, mas
que ainda povoam as recordações e, portanto, o imaginário de quem fala. Tais
recordações, e as relações que definem sua “sobre vida”, cruzam tempos e
lugares diversos e devem ser consideradas na busca de compreensão das gentes
e de seus lugares.
A própria trajetória de Francisca é reveladora de uma Geografia do
movimento em si, na medida em que é ela mesma sujeita à migração da floresta
para a cidade. Em outras passagens de falas das gentes do Acre, essa questão
pode emergir da exposição de contextos familiares tensos e conflituosos: “Lá
no seringal eu tinha o controle de tudinho, da mulher, dos filhos, do trabalho.
[...] depois de um tempo que a gente estava aqui até a mulher arrumou um
trabalhinho e eu não gostei. Depois fui acostumando” (CARDIA, 2004,
p.129).
Dois lugares se cruzam na fala de Alfredo, ex-seringueiro e morador
do bairro Cidade Nova, em Rio Branco: o lugar do controle sobre “tudinho”,
a mulher, os filhos e o trabalho, e o lugar onde mora agora, na cidade, com
transformações significativas e para além da mera mudança de localização
geográfica: o poder dele, do homem, marido e pai, sofre reveses na medida em
que a mulher “arrumou um trabalhinho”. E Alfredo não gostou... Mas “Depois
fui acostumando”. O controle do passado é vilipendiado pelas relações no
presente, em um novo espaço, no lugar da casa na periferia da capital.
É evidente que as relações no trabalho feminino urbano, doméstico
ou não, é regido pelo poder entre patroa-patrão e empregada-empregado,
próximo daquele regido entre “coronel” e família ribeirinha ou seringueira.
Contudo, no interior da família, as mudanças e as percepções dessas relações
são expressivas, com ou sem o “gosto” dos homens, que “Lá no seringal eu
tinha o controle de tudinho”.
Também sobre a família, e especificamente sobre o controle em
comparação entre lugares da cidade e da floresta, é elucidativa a fala de Nico,
também ex-colono e ex-seringueiro, morador do bairro Cidade Nova, em Rio
98
Branco:
“minha filha hoje está com barriga e nem ela sabe quem
fez o serviço mal feito. Eu não posso controlar porque
ela já é de “maior, tem vinte e três anos. Se fosse naquele
tempo que a gente morava no seringal, eu sabia o que fazer
e isso nem ia acontecer. Lá o homem tinha palavra e isso
não acontecia. Não tinha esse negócio de ficar andando de
um lado prá o outro”. (CARDIA, 1998, p.69)
A filha está grávida. Para o pai, “nem ela sabe quem fez o serviço”
“mal feito”. Nico já não pode “controlar porque ela já é maior de idade, tem
vinte e três anos”. O lugar do presente. Na casa dele. No interior da família.
Mas, se fosse no seringal... “Se fosse naquele tempo que a gente
morava no seringal, eu sabia o que fazer e isso nem ia acontecer”. Porque “lá
o homem tinha palavra e isso não acontecia”! Dois tempos, dois lugares. O
poder do homem se estilhaça na cidade, não sem tensão, sem conflito ou sem
“rebelião”. O lugar na cidade, diferente do seringal, fez emergir um conjunto de
relações que possibilitam à mulher estabelecer contatos com menor vigilância
e com menos represálias, inclusive, “andando de um lado prá outro”. Isso, no
entanto, não significa a destituição ou o aniquilamento do poder nas relações
de gênero. E isso, também, não deve ser interpretado de forma maniqueísta,
colocando os homens do lado do “mal” e as mulheres do lado do “bem”. Longe
disso, deve-se buscar compreender que o espaço e seus lugares, na medida
em que suas relações se modificam e são modificadas, apresentam novas
configurações na vida das pessoas, dentro ou fora da família, não importa.
É necessário, antes de continuar, deixar claro que deve se entender
a própria família, como a própria casa, parte das relações produzidas pelas
pessoas. Quer se dizer, com isso, que a família não é um dado, mas produção
e reprodução, ou seja, que lidamos com um modelo de família que deve ser
percebido e apreendido como produção humana e, por isso, entendida no seu
contexto, no tempo e no espaço. Com isso, também se quer dizer que aqui
não se busca enaltecer ou reproduzir um modelo de família ideal. Muito pelo
contrário, busca-se, modestamente, atentar para as mudanças no interior das
famílias para que se possa pensar, inclusive, que se a família sofre redefinições
no tempo e nos lugares, também a própria instituição família pode ser colocada
em discussão, se de fato ela tende a vigorar e reproduzir-se como tal.
Por isso, aqui, neste texto, nada é dado, nem a forma como interpreto
o espaço e as falas de mulheres e homens, mas parte de um momento e do
lugar – ponto, posição – que ocupo no conjunto das relações de toda ordem,
próximas ou distantes de mim.
99
Migrações: gentes de um para outro lugar
100
O lugar para o migrante
Os lugares do passado não se definem sozinhos e para sempre, mas
dependem das relações produzidas e reproduzidas no presente. Por isso,
para quem migra, falar de lugares bons ou de lugares ruins sempre
vai depender de como andam as relações no lugar onde se está; estas
relações tenderão a definir os olhares sobre os lugares do passado e,
inevitavelmente, também sobre o futuro.
Alfredo faz do lugar onde vive, hoje, espaço de uma memória que
traz à tona a violência de uma migração feita, inicialmente, de sonhos de uma
vida melhor.
A migração é, também por isso, um movimento em que filhas e
filhos nascem nos novos lugares, mas é, sem dúvida, onde mulheres e homens
morrem e seus corpos ficam esquecidos em uma terra estranha, sem familiares
ou parentes para visitar as sepulturas que, muitas vezes, são percebidas apenas
pelas velhas e já podres cruzes de madeira, que madeireiro não quis.
Pelas falas, somos levados à relativização da presença dos sulistas
– e até “paulistas” – no Acre. Isto, na medida em que nem todas e todos eram
mulheres e homens da pecuária, capitalizados ou beneficiados por políticas de
crédito subsidiado ou políticas fiscais.
Gentes de outros lugares – do Sul, Sudeste, Centro-oeste, Nordeste e
mesmo do Norte – migraram para o Acre em condições bastante adversas. Mas
com esperança. A espera por dias melhores, para muitas e muitos, já sucumbiu
diante das dificuldades vividas nos lugares, a falta de trabalho, a perda de
alguém próximo...
Dificuldades que também se deram pelas tensões com a outra ou com
o outro, com o não-sulista ou com o não-acreano (CARDIA, 2004, p. 91; 97;
106):
101
sulista); Eles sempre falam que são galego e polaco e a
gente é bugre, caboclo, gente do mato que não sabe nada
da vida. Eles dizem que são melhores que a gente, que
sabem muita coisa (Manoel, oitenta anos); [na cidade de
Rio Branco] um ajudando o outro. Nós não pensamos se
era colono, se era seringueiro. A gente queria se arrumar e
procurar trabalho” (Meire, sessenta anos).
102
pelas representações que têm sobre as gentes da Bolívia. Essas representações
têm papel importante no “jeito” como construímos as relações, podendo elas
ser mais tensas ou mais tranqüilas.
A migração, em situações mais drásticas, pode até definir a direção
para continuar vivendo ou para morrer, como se deu, por exemplo, na migração
de “soldados da borracha” para a Amazônia durante a segunda guerra mundial.
Raimundo Souza de Conceição, em novembro de dois mil e dois, disse:
103
de uma mobilidade. Forçada. Foi uma das pessoas, dentre muitas e muitas, que
sofreram com a hanseníase e foram levadas longe de casa, longe da sociedade
“sadia” e “pura”. “Dura separação”:
A irmã Neuza e os seus, por esta carta, não receberam nem beijos,
nem bênçãos e nem abraços. A carta nunca foi enviada!.
O lugar de Maria foi se fazendo e foi se mostrando em carta que
não chegou nunca. Nunca lida pela irmã Neuza. Mesmo assim, os lugares
104
de Maria foram se fazendo no “barranco mais o Tuninho e família”. Sulistas
trabalhadores. Sulistas pobres. Seriam, também, pobres sulistas?
Milhares de migrantes que foram se achegando nas últimas décadas
nas várias cidades do Acre, especialmente em Rio Branco, tiveram que
reviver – dramas, agora nas cidades. Como parte da ordem do modelo de
desenvolvimento centrado na expansão da pecuária e na especulação da terra
tanto rural quanto urbana, gentes migrantes foram ocupando partes da cidade
ou do entorno e ali fazendo – e refazendo – suas vidas, seus lugares.
Em dezenas de seringais, os empates (ação dos movimentos sociais
seringueiros impedindo o desmatamento de suas florestas, no Acre) empataram
a pecuária. Nas cidades, as ocupações urbanas tiveram papel fundamental na
medida em que possibilitaram, na criação de uma contra-ordem, a conquista
de um lugar para morar. As ocupações nas cidades – verdadeiros empates
urbanos –, longe de se constituírem como parte de uma pretensa “desordem”
(“crescimento urbano desordenado6”) ou de certo desequilíbrio, foram e são
expressões legítimas de resistência de gentes pobres que souberam, organizada
e argutamente, desenvolver formas de resistência urbanas. Na ordem capitalista
de então, em que as terras urbanas aumentavam de preço de forma exorbitante,
milhares de mulheres e homens foram, a trancos e barrancos (ALMEIDA
NETO, 2005), conquistando lugares melhores para se viver.
Em uma cidade com aproximadamente “20 mil famílias sem teto”
(SOUZA, 1998, p. 40), às gentes pobres sempre foram poucas as opções: ou
viver nos barrancos urbanos, ou ocupar, resistir e construir uma casa e um
bairro melhor, em especial em momentos em que o preço das terras urbanas
subia violentamente. Com aumentos dos terrenos nessa dimensão e com obras
de infra-estrutura que custam a serem desenvolvidas em bairros pobres, as
ocupações e resistências foram um dos caminhos encontrados por mulheres e
homens pobres.
Mulheres e homens pobres com ocupações profissionais, geralmente,
em trabalhos braçais e informais, como já constatado no final da década de
setenta do século passado, perceptível pela “ocupação dos chefes de família” da
periferia, naquele momento verificados nos bairros “Baia” e Palheiral: diarista,
trabalhador braçal, ambulante, servente, pedreiro, carpinteiro, comerciante,
empregada doméstica e lavadeira, sendo que os diaristas, trabalhadores braçais,
pedreiros, carpinteiros e empregadas domésticas apresentavam os maiores
percentuais (OLIVEIRA, 1982, p.101).
6
Não há “desordem urbana”, mas sim relações que obedecem às leis do modo de produção
capitalista: é o capitalismo que planeja o planejamento e não o planejamento que planeja o capi-
talismo, sendo que os problemas coletivos refletem a dificuldade de acesso aos bens e serviços
públicos pelo modo como as contradições se expressam no espaço (cf. GONÇALVES, 1984).
Também: “a subsistência do sistema e de sua reprodução, se dá de modo desigual entre as áreas e
essas desigualdades espaciais geram o que se chama de “desequilíbrios regionais”, na realidade
os espaços não estão desequilibrados, eles estão sim, integrados no sistema produtivo e desem-
penhando o seu papel na reprodução do sistema” (CARLOS, 1979. p. 87-88)
105
Não foi à toa que no mesmo trabalho constatava-se, já naquele
momento, que “a população “excedente” estimável na cidade situa-se em
torno de três vezes mais que a população efetivamente ocupada no mercado de
trabalho estabelecido”, em Rio Branco (OLIVEIRA, 1982).
Por isso, ressaltava-se, já nos anos oitenta daquele século, que:
106
plantadores e verdadeiros “guardiões”, pois apresentavam como proposta a
permanência da floresta em pé e o seu acesso e uso – e a própria permanência
deles – de forma mais democrática, contra o latifúndio, agora tanto seringalista
quanto pecuário. De outro, homens de um pensar e fazer que propusessem a
derrubada da floresta e a plantação de capim para vacas e bois, e em grandes
propriedades, em especial.
O embate – pelos empates, resistência e teimosia – foi inevitável.
Em alguns deles, não na maioria, a organização e planejamento dos empates,
que contou com a significativa participação do sindicalismo rural e de setores
progressistas da Igreja Católica, apontava como tática que a linha de frente
fosse composta por crianças e mulheres.
O movimento dos empates, contra a pecuária, já se deu. Contudo, nos
lugares hoje vividos, mulheres e homens, na floresta ou nas cidades, também
estabelecem suas relações tendo os empates como momento central em suas
vidas. Moradoras e moradores das reservas extrativistas, por exemplo, ali
produzem e reproduzem modos de vida em função de um processo de lutas que
culminou em uma nova, criativa e ousada forma de ocupação e uso da floresta,
em contraposição radical ao movimento avassalador da pecuarização que se
dava para o Acre e do antigo sistema de barracão imposto pelos “coronéis”,
patrões ou seringalistas.
107
No setor moveleiro, também pairava a baixa remuneração, a baixa
escolarização e a baixa “qualificação” (VIANA, 1995). Na “indústria da
cerâmica”, com produção média de 11.496,6 tijolos/mês por trabalhador, a
média de salários por trabalhador era de um a um e meio salários mínimos,
sendo que os “queimadores” tendiam a ganhar mais que os “carregadores”
(THAUMATURGO, 1996).
Já em setores de atividades comerciais de Rio Branco, a situação
muda muito pouco. No comércio, especificamente, “dos empregados no
comércio varejista de móveis, eletrodomésticos, eletro-eletrônicos, vestuário
e calçados do centro comercial”, a mão-de-obra é essencialmente jovem, com
alta rotatividade e apresentando, fundamentalmente, que “para cada posto de
emprego ocupado há cerca de 83 trabalhadores à disposição” (FERREIRA,
1997).
Outra atividade bastante representativa do atual contexto do
trabalho no Acre, em especial na capital, é a economia informal. Neste setor
encontram-se, de forma mais visível, os vendedores ambulantes do centro de
Rio Branco.
Também em meados da década de noventa, no século vinte, a maioria
das trabalhadoras e dos trabalhadores tinha entre 21 e 50 anos, com percentual
de 75%. Em termos de escolarização, 83% eram “analfabetos” ou alfabetizados
com até o primeiro grau incompleto. 48% eram procedentes da zona rural, 54%
naturais do Acre, 23% do Amazonas e 9% do Ceará. Um terço (31%) eram
originários do trabalho no corte da seringa e 36% praticavam a agricultura.
55% chegaram na década de 1980 a Rio Branco. E, refletindo exaustivas cargas
de trabalho, 57% trabalhavam sete dias por semana e 61% trabalhavam mais
de 10 horas por dia! (NASCIMENTO, 1997).
Deve-se ter claro, sempre, sobre o setor informal da economia em
Rio Branco, que:
108
trabalhadoras e os trabalhadores que tem participação precária no mercado
de trabalho, formal e informal. Um caso bastante evidente são as mulheres e
homens das cooperativas de trabalho, que tendem a contratar mãos-de-obra em
contratos precários e, até por força de uma legislação trabalhista, sem ou com
direitos reduzidos.
É assim que, em cada bairro, vão se constituindo pedaços de uma
Geografia em que mulheres e homens trabalham, estudam, andam a pé, de
ônibus, de bicicleta, de caminhão e de carro, a cavalo ou de carroça e até
de catráia e batelão. Tomam umas cachaças, criam relações de vizinhança,
brincam e brigam, xingam e rezam...
Rezam muito! Em cada cidade acreana, e mesmo em cada bairro, igrejas
se multiplicam e vão constituindo uma geografia da religião (ROSENDHAL,
CORREA, 2001). À Geografia pouco importa, a princípio, se “a religião é o
ópio do povo”; importa entender onde esta geografia se dá e como participa
das relações sócio-espaciais das gentes nos lugares. Nas igrejas, mulheres e
homens, crentes e talvez mesmo atéias e ateus, vão definindo relações que
se inscrevem no interior do “templo” e dali podendo refletir em relações nas
casas, nas ruas, nas escolas, no trabalho.
Um líder evangélico disse: “eu já fui do mundo, já bebi, já dancei,
mas quando conheci o Senhor, não só melhorei meu espírito, mas minha
condição econômica. Com o dinheiro do vício hoje compro comida para a
família” (PESSOA, 2003, p. 290).
Tampouco interessa à Geografia, inicialmente, a tez religiosa de cada
mulher ou de cada homem. Mas, na medida em que alguém diz “eu já fui do
mundo”, seu discurso remete a geógrafa ou o geógrafo a pensar o “mundo”
e, também, um lugar, ou, no mínimo, de qual “mundo” ele está falando. “Eu
já fui do mundo” parece indicar, assim, não a um lugar fora do mundo, mas a
um lugar, talvez, mundano (na ótica do crente): “já bebi, já dancei...” Beber
nos remete a bar, boteco... Dançar remete à danceteria, boate, baile... Ambos,
à festa. Ambos, ao profano. “Fui”, “bebi” e “dancei”, como acima “ditos”,
remete também a um tempo: ao passado.
Lugares do passado, diferentes do presente: “Com o dinheiro do
vício hoje compro comida para a família”. Os lugares do vício de ontem
deram lugar ao lugar da casa, à instituição família. A igreja como mediação:
“quando conheci o Senhor, não só melhorei meu espírito, mas minha condição
econômica”. “Espírito” e condição econômica se coadunam e participam dos
lugares do novo “líder evangélico”. Lugares que se coadunam, também, a
tempos do antes e do agora.
A religiosidade, da mesma forma, no Acre, foi possibilitando a
formação – na relação com outras dimensões da vida – de territórios e de
lugares singulares, parte da amálgama de expressões religiosas do Nordeste
brasileiro e de nações indígenas, como as que surgem com o Santo Daime (cf.
109
ARAÚJO, 1999). Territórios e lugares que passaram a permear a existência
de muitas mulheres e muitos homens, como a de Gregório Nobre Oliveira,
ex-seringueiro, que migrou da floresta para a capital Rio Branco e que, com
o Mestre Daniel, sob os “pés de São Francisco”, deixou de “ir pra mata e
procurar um lugar para que não tivesse gente e atirar”:
110
Mesmo apontando fortes elementos católicos, o Santo Daime não
está incólume (ou imune) à posição mais corrente em uma sociedade que se
quer “branca” – portanto não-índia –, cristã – portanto não-Daime – e elitista –
portanto, não a tudo que posso significar popular. Por isso, mulheres e homens
do Santo Daime, e aqui especialmente na formação da Capelinha, tendem a
enfrentar o preconceito, a perseguição e até a estigmatização. Geralmente,
não são nos próprios lugares que o olhar preconceituoso e até discriminador
se origina e se reproduz, e sim, de fora para dentro ou mesmo nas relações
cotidianas que mulheres e homens vão estabelecendo e desenvolvendo até, se
for preciso, na negação – “nunca tomei Daime” – como forma de resistência.
O espaço vai se redefinindo pela experiência7, pela “semelhança
de rota” em “existências” de mulheres e homens que migraram, nas últimas
décadas, da floresta para as cidades. Um processo de “desterritorialização”
que tem, no Daime, a possibilidade de “concretização do ideal de fraternidade,
igualdade e liberdade”. Longe da Revolução Francesa, das revoluções
burguesas. Espaços que dependeram da reunião de “lotes”. Negociados
por Padrinho Sebastião (foi um tradicional líder daimista). Não lotes aleatórios,
mas consecutivos aos lotes de uma família, possibilitando a “doutrina de modo
a realizarem a união”: “uniram na terra o que estava unido no astral”. Lugar,
portanto, de encontro. A união ou a ligação entre as mulheres e os homens com
o transcendental, definindo, na Terra, um lugar dissociado, minimamente, dos
jeitos dominantes.
A religiosidade no Acre, portanto, se fez na heterogeneidade de
lugares de manifestação e de relação com o transcendente. Em alguns deles
mulheres e homens deixaram seus “vícios”; em outros, mulheres e homens
viveram seus “vícios” sem traumas e sem pecado.
Um espaço religioso que também possibilitou, a partir dos anos setenta
do século passado, a formação de espaço de organização e formação política,
com as Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs, representando a “criação
política das “comunidades”. Assim, a penetração ideológica das CEBS foi tão
importante no vale do Acre e Purus, principalmente, porque “transformou os
seringais em “comunidades” (ESTEVES, 1999, p.161). Portanto, a atuação
de freiras, padres e leigos, próximos à Teologia da Libertação, teve papel
importante na construção de um espaço de organização e resistência, tanto na
floresta quanto nas cidades.
Organização, resistência e participação que, em alguns casos,
7
As pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como idéias, no âmbito do pen-
samento e de seus procedimentos, ou (como supõem alguns praticantes teóricos) como instinto
proletário etc. Eles também experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses
sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades,
como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas. Essa
metade da cultura (e é uma metade completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral
(cf. THOMPSON, Edward P. 1981, p. 189)
111
necessitou do contato direto entre mulheres e homens e chão, entre gente e
floresta, entre pessoas e terra, como da nomeação e ingresso efetivo na “opção
preferencial pelos pobres” do bispo Dom Moacir Grechi, nomeado para o vale
do Purus em 1972:
112
“Água Viva” não rima com a morte de Wilson Pinheiro. Porque a
água é viva, e Wilson, era, caindo “no outro cômodo, orfando”, morto. O salão,
lugar de discussão e organização da resistência, virou chão sem volta, virou
“fim de novela”, virou tristeza e virou ação. A ação nas dezenas de empates que
se seguiram na década de oitenta, fazendo reviver Wilson Pinheiro em cada
lugar e, hoje, nos territórios das reservas extrativistas.
Morreu Wilson Pinheiro. Morreu Chico Mendes...
113
“Eu e o próprio Chico Mentes não tínhamos nenhuma
idéia que nós estávamos numa luta ecológica e a verdade
era que a gente também estava. Ao mesmo tempo lutava
pela sobrevivência e o direito de continuar na floresta e
pela não destruição da floresta, sabia que sua destruição
implicava na não continuação de nossa sobrevivência, na
retirada de nossa sobrevivência. Então a gente se lançou
nesta luta justamente para garantir a sobrevivência,
garantir o direito de continuar na floresta, mas nós
também tava fazendo luta ecológica, a defesa dos rios,
das florestas, dos animais. Isso, aquilo e aquilo outro é
uma defesa ecológica. Mas nós não sabíamos” (SILVA,
2005, 176).
114
Sonhos simples. Sonhos de uma menina de catorze anos na periferia da capital.
Da periferia do capital. “Três sonhos”: “secretária, economista ou jogadora de
vôlei”.
Talvez, hoje, ela seja secretária em alguma empresa ou repartição
pública em Rio Branco... Talvez, esteja cursando Economia na UFAC... Talvez
esteja jogando vôlei em times amadores ou profissionais... Ou, talvez, ainda
esteja “na rua”. Mas, como ela mesma disse, “não gostava de viver na rua”.
Em outra parte do texto, trouxemos os sonhos de um adolescente de
Feijó. De suas ruas. De um trabalhador delas, nelas. Sonhos: “servir o exército”,
“ser jogador de futebol”, “ser motorista”...
Talvez esteja, por estes dias, incorporado a algum batalhão militar
em Rio Branco, ou em Cruzeiro do Sul... Talvez esteja jogando futebol em
algum time amador ou profissional do Acre, do Brasil, da Europa... Talvez
esteja transportando coisas e gentes em Feijó, no Acre, no Brasil... Onde estará
e o que faz Juceley?
Talvez esteja ainda, lavando carros, motos, bicicletas como bem disse:
“porque tenho precisão e também para não ficar fazendo o que não presta”!
115
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116
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118
Produção do espaço agrário acreano: “O homem,
a terra e a floresta”
119
A força que move o homem na fronteira.
Há uma tendência de condicionar a fronteira em razão da geografia móvel,
quando se sabe que, sem interesse econômico ou político o homem não ia lá.
Eles foram levados, não tanto pela novidade de visitar terras desconhecidas,
mas pelo desejo de alcançar fama e riqueza. O impulso geográfico foi grande,
mas não tanto como o chamado impulso econômico. A verdade é que o rio,
na sua função de nômade, de nada valia sem o elemento excitante. O caboclo
parou à margem do rio, na beira do barranco, malgrado à mobilidade herdada
do índio e ao avanço do rio. Surge a droga, a seringa, a castanha, o pau-rosa,
e lá vai o homem indiferente a tudo, no caminho deles. Ou vai com o auxílio
do rio, ou mesmo contra ele. (CONTREIRAS RODRIGUES apud MEIRA MATOS,
1980. p. 84).
120
Pinzon em 1500. Esse último, teria visitado áreas da foz do rio Amazonas,
ao qual batizou como “Santa Maria de la Mar Dulce”. Depois, entre outros
viajantes hispânicos que visitaram a região esteve Diego Lepe e Juan de
La Cosa em 1500, que tomou posse em nome do Rei de Espanha e reagiu
ao ataques indígenas, sendo o primeiro confronto entre brancos e índios na
Amazônia (Esteves, 1993).
A partir daí, marcavam-se os primeiros contatos com a dimensão
social e territorial do que era a região drenada pelo grande rio que nasce nas
montanhas andinas e deságua no Oceano Atlântico, formando um dos maiores
deltas do mundo. Contudo, o espaço amazônico ainda continuava visto como
potencial de novas descobertas, de riquezas fáceis na mente de aventureiros no
princípio da expansão capitalista por terras recém conhecidas.
Dessas viagens iniciais de exploradores, a mais importante, ou pelo
menos uma das mais importantes foi a de Francisco Orellana. Foi nessa viagem
que se teve uma dimensão geral da região ao navegar desde as nascentes nas
Cordilheiras até a foz no Oceano, em 1541. Nela “[...] Orellana conduziu um
grupo de pessoas por rio abaixo, por meses seguidos, estabelecendo contato,
descrevendo a paisagem” (o escrivão era frei Gaspar de Carvajal) numa viagem
que atacavam e tomavam à força víveres às populações nativas até chegarem
ao Atlântico. De forma que é admissível dizer que a “Amazônia foi uma
descoberta espanhola e uma conquista portuguesa [...]”. (MEIRA MATOS,
1980. p.32).
121
Contudo, a ocupação do território com vista a fazê-lo produtivo, a
partir de atividades ligadas ao uso da terra (florestal ou agropecuário) iniciaria
apenas por volta de do final do século XVI. Foi quando começou a ocupação
dos territórios dos baixos rios, sobretudo, nas áreas próximas à foz do Rio
Amazonas, no atual estado do Pará. Aí se desenvolveu a agropecuária em
grandes latifúndios que se voltavam tanto para a criação bovina, quanto para as
atividades agrícolas (canaviais e engenhos de cana-de-açúcar). As atividades
extrativistas eram praticadas apenas por comunidades de populações nativas
e mestiças, em geral, mais empobrecidas que habitavam áreas marginais aos
rios.
Ao mesmo tempo, o império português tomava a iniciativa de ocupar
o interior da grande bacia. Inicialmente, foram duas frentes de ocupação e
“amansamento” do território (inclusive dos nativos): uma foi a instalação de
fortes militares em pontos estratégicos que permitiam controle da entrada e
saída da região (o Rio era a única via de acesso); e a outra, as missões de
catequização religiosas dos jesuítas, em que se difundia a fé cristã e os valores
culturais portugueses. Tinha-se, assim, uma estratégia de ocupação que
estendia os domínios portugueses cada vez mais para oeste, subindo os cursos
dos rios. Os indígenas que iam sendo catequizados deixavam suas vidas tribais
e passavam a viver em aldeias, com práticas de pequenas criações e plantações,
paralelas à coleta de produtos florestais.
No século XVIII, com a expulsão dos missionários religiosos, uma
população regional de origem indígena ou mestiça, sob base sociocultural
luso/cristã já estava consumada na região. Desenhava-se a base da formação
populacional dos baixos rios da Grande Bacia, com forte participação dos
povos indígenas na formação étnica da população. Essa população ao ser
“destribalizada” e “aldeiada” (Cf. GONÇALVES, 2001), passava a incorporar
novas práticas no seu dia-a-dia, de forma que mesmo sendo “indígena” na
anatomia física, culturalmente já apresentava uma “mistura” com valores de
“brancos” trazidos pelos missionários e soldados. Ademais, a mestiçagem
destes indígenas com os soldados e outros brancos que entravam na região
ampliava o processo de formação étnico e social da população local. Nascia a
população “cabocla” dos baixos rios amazônicos. Com ela, uma produção do
espaço agrário local voltado para a auto-sustentação e excedente, inclusive,
perante as necessidades de abastecer os fortes; falamos em excedente, pois já
começavam a necessitar também de bens industrializados.
Principiava-se então, a participação efetiva da produção de
mercadorias amazônicas que saiam do interior para o exterior da região.
Destacavam-se os produtos extrativistas da floresta, coletado pela população
local que ia se adaptando à produção e vendendo (quase em sistema de troca –
o escambo) aos comerciantes que percorriam os rios. Era o princípio da ação
122
dos regatões, em busca das “drogas do sertão”.
Nascem, então, as bases econômicas para sustentar “uma vocação
natural” da região às atividades ligadas aos maiores mananciais de recursos
que tinha: sua flora, sua fauna e seus rios. Assim, a atividade extrativista viria
com objetivo expresso de dar uma abrangência produtiva para toda a região
a partir dos rios e integrar-se à economia do Reino Português. Inicialmente,
seria a coleta de “drogas do sertão” e posteriormente, também a produção
de excedentes da pequena agricultura cabocla que estava surgindo junto aos
aldeamentos promovidos pelos missionários. As “drogas do sertão” eram
produtos regionais como a castanha, a canela, o cacau, as sementes, as peles
de animais etc.
Na circulação dessas mercadorias, uma figura social e econômica
começa a desempenhar importante papel: o regatão (marreteiro) – que sobressai
desde cedo nas regiões de baixos e médios cursos dos rios amazônicos.
123
natural com outras finalidades já era conhecido, sobretudo, pela população
nativa amazônica). Isto viria profundamente afetar a vida e os padrões de
desenvolvimento na região amazônica, especialmente, nas terras que se
localizavam ao sul (margem direita) do grande rio.
8
É bom ressaltar que apesar da independência do Brasil ter ocorrido em 1822, a Amazônia que
estava ligada a província do Grão Pará e Maranhão, só no ano seguinte se integra ao Império
Brasileiro.
124
Princípio da “biopirataria”
Uma questão que marcaria e marca até hoje a região é o constante contrabando
de suas riquezas (as “biopiratarias”) que se remontam aos princípios da
ocupação regional. De todos estes processos, o que viria afetar mais a região
seria o contrabando da semente da hévea brasiliensis para a Inglaterra, feito
por Henry A. Wickham em 1876. Chegando a Londres, as sementes foram
colocadas nas estufas do Jardim Botânico de “Kew Gardens” e, posteriormente,
as mudas sobreviventes, seriam transferidas para o Ceilão e outras colônias
britânicas no Sudeste Asiático (Valverde, 1964). Como resultado disso, a
economia da borracha amazônica teve vida curta. (Silva, 2004)
125
Da criação de um sistema de exploração estruturado por
interdependência múltipla prendendo o seringueiro (mão-de-
obra) na relação de trabalho compulsório.
126
exemplo, “seringal Quixadá”, “Vila Sobral”, “colocação Aracati” etc.). É neste
momento de crise que os seringueiros se firmam nos seringais e se refazem
como classe social camponesa no interior da floresta. Tem-se então sua base
territorial produtiva, tanto socioeconômica como sociocultural firmada na
“colocação” – como sua posse de terra, seu território de vivência.
128
extensão territorial. Conforme Reis (1953, p.80), “tudo dependia da maior ou
menor riqueza de “madeiras”, nome porque se conheciam as árvores lactíferas
(seringueiras). O que importava num seringal, não era, em si, a extensão
que apresentasse, mas a riqueza em árvores que oferecesse”. Com isto, por
conseqüência, “a grande propriedade constituiu-se, num imperativo geográfico
e econômico. O latifúndio, por isso, passou a ser a característica maior do
seringal”. Sob a vigência da grande propriedade, o poder do seringalista era
absoluto, sobre tudo e todos.
A colocação (em termo de localização, também referida como “centro”
em oposição ao barracão, sede do seringal, localizado às margens dos rios),
era a verdadeira unidade produtiva do seringal. Correspondia (corresponde
ainda) à área territorial explorada pelo seringueiro (a família). Esta unidade
produtiva era composta de uma clareira com uma modesta casa, em geral de
madeira bruta coberta de palha (casa do seringueiro) e barracos de serviços
(defumador e outros) e, mais recentemente, com áreas de “roçados” (culturas
de subsistência) e pequenas pastagens, onde se planta macaxeira, arroz, milho,
feijão etc., e criam-se algumas cabeças de gados. A colocação contém a maior
parte de sua extensão em florestas, onde se encontram as “estradas de seringa”.
Num seringal estão contidas várias colocações.
O seringueiro, no sistema de aviamento, geralmente era um eterno
devedor. Começava a dever, desde sua saída do Nordeste, uma vez que as
dívidas com a viagem eram assumidas pelos seringalistas que os empregariam,
cobrando esta em produção. Assim, ao chegarem à região, os seringueiros –
“brabos” – já estavam presos aos seus patrões, num laço que podemos dizer,
caracterizava-se em verdadeira “escravidão por dívida”. Aqui sua função
exclusiva seria “produzir borracha”, qualquer outra atividade, no geral, estava
proibida.
A coleta da castanha-do-Brasil, nas áreas de ocorrência da castanheira,
somente se fazia porque a “safra” coincidia aos meses chuvosos (chamado na
região de “inverno”, mas que corresponde ao verão do hemisfério sul da Terra),
período parcialmente impróprio para a extração do látex.
Estas situações, somente seriam mudadas em períodos de crises na
economia da borracha. Assim, “a permissão para o plantio do roçado [...] é
também um aparente traço de independência do seringueiro. Ora, se o próprio
passa a produzir sua alimentação básica, o seringalista se vê desobrigado de
abastecer o barracão e os comboios desses alimentos” (CEDEPLAR, 1979,
p.24). Então, para se livrar das dificuldades, os seringalistas liberavam os
seringueiros para desenvolver agriculturas para a auto-sustentação familiar
e interna do seringal. Parte dessa produção também viria para o pequeno e
incipiente mercado de consumo para excedentes agrícolas na região.
Aí o seringueiro começa a se firmar na condição de posseiro, sob
o trabalho familiar, como detentor de seus meios de produção e da posse de
129
sua terra de trabalho. Com a figura do “patrão” restringida, sobressai-se, com
maior proeminência, o comerciante dos rios – o marreteiro. Neste processo, de
compra e venda, o marreteiro também vai substituindo a figura do patrão na
antiga estrutura do seringal, sob o sistema de aviamento. Nisto, à submissão
e expropriação do seringueiro, pouco diferiu, porém, a autonomia interna da
colocação já era um processo em plena conquista.
Forma-se, então, a base para o que hoje chamamos de trabalhadores
camponeses da floresta - os seringueiros. É nesse grupo social que se localizarão
os principais focos de resistência pela sua continuidade como produtor familiar
livre, nos seringais. Por conseguinte, aí também se desenvolveria as principais
situações de conflitos pela terra, com o avanço da fronteira agropecuária, nas
últimas décadas. Contudo, a importância dessa produção extrativista conciliada
com a agricultura, está no fato de que com ela concretizava-se também a
permanência do homem na floresta.
130
O Espaço agrário produzido fora da floresta
131
São Francisco 84 1943
Apolônio Sales 56 -
Cecília Parente 32 1946
Souza Ramos 34 -
Juarez Távora 79 1949
Dias Martins 76 1949
Alberto Torres 68 1949
Daniel de Carvalho - 1950
Cruz Milagrosa 95 1950
Gov. José Guiomard Santos 68 1950
Mâncio Lima 49 1950
Fonte: GUERRA, (1955, p.123).
132
a decadência da produção de borracha se consuma. Os seringueiros vão sendo
liberados gradativamente para práticas agrícolas e criatórias voltadas para a
auto-sustentação, ao lado da remanescente produção extrativa do látex que se
mantinha.
Para uma parcela da população, sobretudo, os “soldados da borracha”,
a busca das proximidades das cidades, com práticas de pequena agricultura era
alternativa muita viável. Confirma-se a tendência já manifestada do afloramento
de uma pequena produção agrícola e pecuária, sob base do trabalho familiar.
Todavia, isto implicava numa demanda maior por terras nas proximidades das
cidades.
Diante da problemática gerada, a partir da década de 40 (Quadro 02),
desenvolveu-se uma política de reassentamento dessas famílias, em “colônias
agrícolas” localizadas nas proximidades das cidades, em antigos seringais
desapropriados e loteados para esta finalidade.
133
Frente Pioneira Agropecuária
Os grandes investidores.
134
isto, buscava-se mudar a base econômica do estado, assentado tradicionalmente
no extrativismo vegetal para uma atividade mais dinâmica, no caso, a pecuária
extensiva. Como resposta, já no início da década de 1970, um primeiro fluxo
de fazendeiros motivado pelo baixíssimo preço da terra chegaria comprando
enormes extensões fundiárias. Esses, porém, estavam mais voltados para a
especulação imobiliária que para a formação de fazendas.
A partir de 1974, muitas dessas áreas vendidas são transformadas em
loteamentos que receberiam grupos de fazendeiros do Centro-Sul, agora em
busca de adquirirem terras para a formação de fazendas de médios e grandes
portes para a criação bovina. Isto ocorria, porque o “preço quase irrisório das
terras” acreanas incentivava esse tipo de ação especulativa inicial; mas mesmo
assim, o preço da terra continuava muito atrativo aos compradores centro-
sulista. Além disso, havia uma quantidade de “incentivos fiscais” e facilidades
para esses empresários no “acesso ao crédito”. Quanto aos motivos da vinda
desses “especuladores/investidores”, estas razões acima citadas, foram os
fundamentais que vimos.
A colonização privada
135
os promoveram. Aqui, os “motivos” jamais foram os incentivos e facilidades
oferecidas aos grandes investidores. Quando muito, se pode contar com o baixo
preço da terra acreana em relação ao Centro-Sul e, paralelo a isso, os motivos de
“expulsão” das suas regiões de origem, bem como as transformações nas bases
técnicas e tecnológicas pelas quais passavam a agricultura brasileira. Quanto
a essa situação, pode-se dizer que os corretores, verdadeiros “emissários dos
especuladores”, souberam muito bem explorar.
A colonização Oficial.
136
mas sim o capital que os trazem e os levam conforme suas conveniências
reprodutivas.
Outro ponto a ser considerado, refere-se aos projetos de assentamentos
que foram criados também sob meta de proporcionar resolução à situação
de “posseiro” do trabalhador seringueiro em áreas de conflitos. Assim, a
realidade de conflito expande e ganha preocupação política geral. Cria-se
a necessidade de regularizar a situação desses trabalhadores. Isto viria com
a desapropriação de algumas áreas de seringais e a implantação dos PADs
(Projetos de Assentamentos dirigidos) e dos PAEs (projetos de assentamentos
extrativistas), conforme nota-se na seqüência exposta no Quadro 3.
Para os seringueiros que permaneceram nos PADs, isto significou a
inviabilidade de suas atividades extrativas. Agora tinham se tornar agricultores,
nos moldes dos colonos centro-sulistas. Isto, de certa forma, ao invés de
assegurá-los a terra, tornou-os mais passíveis à expropriação, mais propensos
a vender suas terras e buscarem as periferias das cidades como “refúgio para
moradia”, fato que os inseriu num processo de proletarização no espaço
citadino (onde em geral havia (ainda há) grande escassez de oportunidades de
empregos).
137
em condições modificadas e preços bastante atrativos.
138
Áreas sem estudos de discriminação Várias 3.383.088 22, 09
Outras: áreas militares, urbanas, estaduais etc, Várias 447.659 2,84
Total do Estado do Acre - 15.314.990 100,00
Fonte: ZEE/AC (ACRE, 2000).
139
resistência, mas não de sua construção, ou seja, não nasceu como ideal da
luta dos camponeses da floresta. Por isso, não criou raízes no seio do próprio
movimento. A finalidade era, portanto, fazer o reassentamento de posseiros/
seringueiros que ainda não haviam sido expropriados (regularizando suas
situações fundiárias) ou receber ex-seringueiros já expropriados que se
propusessem a voltar para a terra como “agricultor” e, por outro lado, acomodar
contingentes populacionais provenientes do Centro-Sul. Aí reside o propósito
que prevê a apropriação privada de cada assentado sobre seu lote, obtendo
títulos definitivos.
Neste conjunto, podemos dizer que, num primeiro plano, o poder
público, através dos PADs, promoveu o acesso e o domínio dos camponeses na
terra. Mas ao acomodar esta diversidade camponesa, não oferecendo a infra-
estrutura necessária aos posseiros, direta ou indiretamente, são promovidas
as condições que recriam mecanismos de expropriação, através dos quais
muitos camponeses começam a sair dos lotes, cedendo lugar a uma gradativa
reconcentração da terra e retorno ao domínio capitalista (terra de negócio)
sobre um território que legitimamente seria camponês (terra de trabalho).
Para os seringueiros, nos PADs, ao se implantar uma lógica de
organização de lotes retangulares baseada no módulo rural (na região acreana,
um módulo rural variava ente 60 a 100 hectares) e em corte retilíneos,
significava inviabilizar sua tradicional produção extrativista.
Não havia mais estradas de seringa e seu território de vivência (o
lote) era pequeno para viabilizar a atividade extrativa. Para viverem em tais
condições, os seringueiros tinham que “se tornar um colono” nos moldes
trazidos pelos centro-sulistas, em especial, nos seus tratos com a terra. Isto
se repetiu noutras modalidades de assentamentos desenvolvidas, inclusive, no
âmbito do Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA, já no final da década
de 1980 e início de 1990.
Por outro lado, o acesso à terra é um anseio que está intrínseco à
condição existencial de qualquer tipo camponês. Assim, nos PADs, apesar
da expropriação, já se desenvolver, partindo das iniciativas de organizações
comunitárias existentes (como as CEBs e as delegacias sindicais) muitos
grupos de trabalhadores que têm se organizado com apoio de instituições como
a Comissão Pastoral da Terra (CPT/AC), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
(STRs) etc. Estes estão buscando mecanismos de resistência na terra, com a
formação de associações e cooperativas.
Os PAEs e as RESEXs.
140
sociais e de expressiva ação dos movimentos de resistências organizados sob
a liderança dos STRs e com apoio de várias organizações como tais como o
Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).
Todavia, ao contrário dos PADs, estas iniciativas (mais a RESEX
que o PAE) surgem como alternativa no processo de amadurecimento das
organizações populares desses trabalhadores e são implantadas em áreas cuja
expropriação dos moradores tradicionais ainda não havia atingido patamares
muito elevados.
No Acre, atualmente, são duas reservas extrativistas: RESEX Chico
Mendes (Mesorregião Geográfica Vale do Acre); RESEX Alto Juruá (na
Mesorregião Geográfica Vale do Juruá); e oito PAEs.
Após o nome do projeto, está a localização por municípios: Porto
Rico (Acrelândia), Canary (Bujari), Limoeiro (Bujari), Remanso (Capixaba),
Santa Quitéria (Brasiléia), Cachoeira (Epitaciolândia), Porto Dias (Acrelândia)
e Riozinho (Sena Madureira). Está em fase de implantação mais uma RESEX
(Cazumbá/Iracema). Estas modalidades são espaços ocupados por populações
que sempre trabalharam com atividades extrativistas de recursos naturais
renováveis da floresta.
A regularização fundiária, nestas áreas, ocorre, de forma coletiva,
através de contratos de concessão de uso, celebrada entre o poder público e
associações representativas dos moradores. Então, por meio da aprovação de
um Plano de Utilização, se estabelecem as normas para garantir a conservação
e uso sustentável dos recursos naturais (ACRE, 2000).
Assim, caberá à sociedade que ocupa este espaço definir os critérios
e objetivos para os quais estarão voltados os programas, planos e projetos de
utilização elaborados. Na prática, o que temos visto hoje, no Acre, é a busca
de alternativas que variam de uma comunidade para outra e a formação de
importantes parcerias entre as associações de moradores das RESEXs e dos
PAEs com alguns órgãos oficiais do poder público local ou até com ONGs.
Mas aí também reside a possibilidade de serem criadas formas de forças
capitalista para adentrarem às RESEXs e Paes e subordinarem os processos
produtivos (relações de produção e de trabalho) pelas formas, ritmos e padrões
de produção (adoção tecnológicas, maior quantidade de mercadoria, padrão
certificado etc.) sob a lógica da circulação das mercadorias.
Os PAEs são projetos que visavam regularizar a situação dos
seringueiros que resistiram a expropriação promovida no contexto da
configuração territorial da fronteira agropecuária. É uma alternativa
desenvolvida no Âmbito do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA),
com a assessoria do CNS e Instituto de Estudos Amazônicos. Aí as famílias
mantinham sua estrutura baseada na colocação, com três estradas de seringa,
em média, como demarcadora de sua área de domínio vivencial (o que significa
uma área variando entre 150 a 250 hectares). Nestes espaços, os proprietários
141
podem trabalhar com extrativismo e atividade agrícola de auto-sustentação,
mas devem priorizar aquelas ligadas aos ramos agroflorestais e de silvicultura.
Do ponto de vista jurídico, estes Projetos estão subordinados à administração
do INCRA.
Como vimos, a idéia da RESEX nasceu dos próprios seringueiros
em meio às suas organizações e lutas de resistência. Seriam estas alternativas
viáveis para conciliar as condições vida e valores socioculturais, no âmbito da
regularização fundiária na região, para o seringueiro. Nos PAEs, por exemplo,
buscava-se criar numa alternativa jurídica e conciliadora para legalização da
terra, formas de utilizações dos recursos da floresta e da ecologia, socialmente
viáveis ao ambiente, no conjunto com a sociedade local.
Em suma, o domínio sobre a terra das RESEXs baseia-se nas
colocações, com o uso exclusivo da família que as ocupa, mas o controle sobre
a utilização da área é coletivo (CASTILLO, 1999). Daí, a organização de
associações de moradores das reservas.
As RESEXs e os PAEs representaram, acima de tudo, uma conquista
socioambiental e territorial, em que graças à organização dos trabalhadores
seringueiros na resistência e luta pela terra, abriram-se condições para uma
efetiva territorialização do domínio dos camponeses – a “terra de trabalho”,
sobre áreas antes territorializadas pelo capitalismo (os seringais e fazendas) – a
“terra de negócio” (Cf. MARTINS, 1997).
Hoje, algumas comunidades já gozam de melhores condições de vida,
mas há muitas áreas demasiadamente empobrecidas. Há também problemas
como: a ocupação de áreas por posseiros, às vezes, expropriados dos PADs
ou, por população que havia migrado para a cidade nos anos anteriores e agora
tentam voltar para junto de conhecidos ou parentes; há ainda, a insistência de
alguns em trabalhar com atividades que levam a maior desmatamento; existem
também as questões referentes à falta de preço aos produtos; faltam vias e
meios para o escoamento da produção; assistência na educação e saúde; há
grande dificuldade em se alcançar toda a população com formas de organização
coletivamente; há, ainda, formas que interesses capitalistas que podem penetrar
estas áreas e sobrepor-se à outra, subordinando os sujeitos que aí vivem (em
seus processos e projetos de vida), levando as riquezas e deixando muito pouco
etc.
Estas situações podem conduzir, às vezes, moradores das RESEXs
e dos PAEs a migrarem em busca de melhores condições de vida. Enfim,
podemos dizer que se tiveram conquistas atualmente, é preciso continuar a luta
para mantê-las. Aí reside o desafio não só para os moradores dessas áreas, mas
para o poder público e para a sociedade acreana, e até, a brasileira em geral.
No plano da utilização destas áreas de reacomodoção camponesa, a
grande vantagem que oferecem essas modalidades de ocupação da terra sobre
os PADs (os atuais PCs) e PAs, é que o uso da terra para outra finalidade
142
que leve a um desmatamento em escala maior é proibido. Isto inviabiliza o
avanço de força devastadora da pecuária capitalista e qualquer possibilidade
de reconcentração da propriedade da terra.
Acreditamos que no âmbito da reestruturação fundiária acreana
pós 1970, os PAEs e as RESEXs tendam cada vez mais a se caracterizarem
como autênticos territórios camponeses na Floresta Amazônica; contudo, com
enorme desafios, também viabilizarem formas de impedir que forças capitalistas
retomem estes espaços em nome do desenvolvimento e da sustentabilidade.
Os pólos agroflorestais
143
(o que aparenta ser a atividade mais viável em caráter de curto prazo).
Cabe ainda ressaltar alguns pontos críticos como a incerteza
dos assentados quanto à forma jurídica que seu lote será reconhecido; a
incompreensão pelas dimensões dos lotes (variando entre três e nove hectares),
embora nenhum tenha usado toda a extensão territorial destes; a relação da
produção efetivada sobre áreas semidegradadas, o que torna mais demorado
o retorno de rendas à família produtora; o tempo para a formação de uma
identidade comunitária entre as famílias assentadas; o tempo para a formação de
uma maturidade política coletiva dos grupos assentados, quando os executores
dos projetos querem resultados imediatos etc.
Contudo, admitimos que se há um ponto que é positivo além de
alguns já mencionados, este reside na promoção de uma nova mentalidade
na política de assentamento. Aí não se baseia mais na extensão das áreas, mas
na valorização do uso do solo e da força de trabalho para os fins propostos.
Provavelmente, esta proposta poderá ser formadora de opinião implicando
num uso mais intensivo do solo e no cuidado maior com o ambiente natural/
produtivo do lote.
144
2 PA 238 178
Mâncio Lima 1 PE 35 22
Mal. Thaumaturgo 1 PA 260 195
Porto Walter 1 PA 31 30
Tarauacá 3 PA 983 586
3 PA 808 689
Feijó 1 PE 19 18
Fonte: INCRA, 2005 (População dos Beneficiários por sexo).
145
1 PA 100 85
Xapuri 2 PE 63 62
Fonte: INCRA, 2005 (População dos Beneficiários por sexo).
Obs: PA – Projeto de Assentamento; PAD – Projeto de Assentamentos Dirigidos; PE –
Pólo Agroflorestal; PAR - Projeto de Assentamento Rápido; PCA – Projeto de Colonização
Agrícola.
146
Quadro 08: Projetos de reforma agrária em áreas florestais
Quant./ Assentamentos
Municípios Cap. / Fam. /
Modal.
assent. assentadas
Mesorregião Geográfica Vale do Juruá
Cruzeiro do Sul 1 PDS 300 242
Mâncio Lima 1 PDS 250 158
Mal.
1 RESEX 567 508
Thaumaturgo
Porto Walter 1 PAE 300 164
Rodrigues Alves 1 PAF 150 76
Tarauacá 1 RESEX 170 154
Fonte: INCRA, 2005 (População dos beneficiários por sexo)
147
Serra do Divisor. Na maioria das vezes, estas UCs criadas têm atuado mais
impedimento as pretensões sociais locais que em seu favor.
148
atividade agropecuária.
O que se pode dizer é que há uma tendência produtiva “vocacional”
para o espaço agrário acreano, perante a realidade exposta neste quadro que
diríamos ser essencialmente “agroflorestal”. Entendemos como agroflorestal
mais que as atividades extrativas e de coleta natural. Mas também o manejo
de recursos madeireiros e não-madeiros, a recuperação de áreas degradadas,
a introdução de SAFs etc., no sentido de que vimos ser tratada a tese do
“neoextrativismo” (REGO, 2001):
149
de desenvolvimento baseada em produção florestal, no Acre, justifica-se nos
seguintes pontos: a) - mais que um terço de seu território é ocupado por unidades
de conservação e áreas de usos do solo florestal; b) - nestas áreas habitam uma
população aproximadamente 50.000 pessoas; c) - além disso, cerca de noventa
por cento do território estadual é ocupado por floresta.
Todavia, ressalva-se que dada a multiplicidade de sistemas agrários
produtivos, não vemos possibilidades concretas para efetivação de uma
“economia agroflorestal” exclusiva. Assim, compreendemos que mesmo em
unidades de conservação de uso direto, há plena possibilidade de conciliação
de atividades de cultivo e criação de animais com atividades de caráter agro
extrativa.
Tudo isto, em nível de perspectiva produtiva e de mercado, marca
novas possibilidades aos produtos tradicionais da floresta como a borracha
e a castanha-do-Brasil, mas também de outros como a madeira certificada,
óleos (copaíba, por exemplo), frutas, sementes, essências etc. Neste contexto,
a produção familiar camponesa, também começa a ser vista sob novas
possibilidades produtivas. É claro, temos de entender, que isso não é um
processo apenas localizado, mas é parte de reflexo das mudanças globais
repercutindo na realidade do local, ou seja, é também parte da inserção da
realidade amazônico-acreana no âmbito das relações globalizadas.
Vejamos agora alguns destes principais sistemas produtivos:
150
Já nas lavouras brancas, destaca-se o cultivo do arroz, do feijão e do
milho, sobretudo em áreas de colonização agrícola (isto não exclui produção
que pode vir de áreas florestais). As frutas e hortaliças produzidas provêm de
pequenas colônias ou de áreas dos pólos agroflorestais e hortifrutigranjeiros,
nas proximidades das cidades, em especial, de Rio Branco.
A agrossilvicultura
151
de agrossilviculturas com o cultivo de apenas um produto, por exemplo, a
pupunha para a produção de palmito, ou ainda, o guaraná. Esta monocultura
tem, contudo, sido feita em áreas já desmatadas. Cabe distinguir, que o guaraná
é uma lavoura perene, ao passo que a pupunha “para a produção de palmito”,
apesar de sua produtividade poder se prolongar por anos consecutivos não é
(as palmeiras de pupunha, além da haste principal, perfilham várias mudas
que nascem após uns cinco meses do replante). Contudo, já se têm discutido
possíveis formas de introduzir estes produtos em sistemas consorciados, sem
maiores prejuízos econômicos e ambientais.
Outros produtos típicos da região são o cupuaçu e o cacau. Essa
produção volta-se, em especial, para a extração de polpa para suco. O cacau,
no Acre, é cultivado, geralmente, em plantios caseiros, em que as poucas frutas
que excedem ao consumo familiar são colocadas à venda. Já o cupuaçu, está
sendo introduzido na formação de SAFs. Porém, no Acre, em geral, os SAFs
ainda não estão produzindo o produto em larga escala. Daí, o fato de a produção
de cupuaçu também ter um caráter caseiro ou de pequenas lavouras em sítios
ou chácaras próximas da cidade.
O extrativismo atual
152
pouca variabilidade de novos produtos extrativos, explorados comercialmente
(aí não constam os dados de produção da borracha). Destes, o que tem maior
peso é a castanha. A este potencial comercial grande de aceitação, na atualidade,
pode-se dizer que também se relaciona sua composição nutricional de 17% de
proteínas, 68% de gorduras, 6% de carboidratos, 4% de sais e 5% de água
(ACRE, Sd¹).
Explicando mais detalhadamente, pode-se dizer que o Açaí ainda
provém, na sua totalidade, da coleta natural na floresta, sendo que já existe
cultivo em lavoura que brevemente entrará com sua produção.
A madeira em tora também está voltada para indústrias, sendo que,
geralmente, não é oriunda de áreas de manejos. Há outras utilizações de madeira
na produção do carvão vegetal (para o consumo no próprio mercado local) e
lenhas para alimentar os fornos, sobretudo, de indústrias oleiras. Esta madeira
quase sempre é proveniente daquelas áreas de desmatamentos em fazendas ou
das que foram retiradas toras. De modo geral, com exceção do extrativismo do
açaí e da castanha, as demais atividades referidas têm um peso considerável
sobre o ambiente florestal.
153
características, o Acre possui a maior densidade desta espécie, representando
praticamente quase a metade da produção nacional. A capacidade produtiva
anual do Estado está estimada em torno de dez mil e quinhentas toneladas
brutas, sendo em média, setenta e cinco toneladas beneficiadas.
Atualmente, o estado está em fase de implantação de duas usinas
de beneficiamento (Xapuri e Brasiléia) o que ampliará a capacidade de
beneficiamento para 1.800 toneladas anuais (descascadas e desidratadas).
Os principais produtores da castanha beneficiada estão nos municípios
da Microrregião Geográfica de Brasiléia. Aí se destacam as Cooperativas
CAPEB/COMPAEB (Brasiléia e Epitaciolândia), a CAEX (Xapuri) e a
COOPERIACO (Sena Madureira), além da venda do produto para compradores
bolivianos. Mas também nos outros municípios da Mesorregião Vale do Acre
tem significativa produção in natura. A comercialização do produto é feita com
indústrias nacionais, mas também exportadas para outros países (como para
Itália, EUA, Bolívia).
Com a ampliação do mercado para o produto, os padrões de produção
têm sido mais rígidos. Isto tem demonstrado ser instrumento de difusão e
adoção de tecnologia de beneficiamento que, em geral, cada vez mais padroniza
o produto na condição daquilo que pode ser chamado de “mercadoria verde”.
Já em 1996, os dados do IBGE, no Acre, já apontavam para um
crescimento na produção da castanha-do-Brasil. Nesse ano, esta produção fora
equivalente a 44,1% da produção nacional, superando, inclusive, o Pará que
ficou na casa dos 43,3%. Estes estados sãos os dois maiores produtores do
produto in natura (BRASIL, 2001). Já na atualidade, este índice da produção
acreana chega próximo aos 50,0% da produção amazônica.
O outro produto que vem reconquistando importância é a Borracha.
Com o avanço da fronteira agropecuária pós 1970, até o início da década de
1990, praticamente, não era mais viável sua exploração.
As estradas de seringas foram desativadas e os trabalhadores florestais,
quando permaneceram na floresta, passaram a diversificar suas atividades com
cultivo e criação (bovina, suína e avícola), e com a coleta da castanha e da
quase insignificante produção de borracha. Só a partir de 1998, com a vigência
do Governo Estadual Jorge Viana (Engenheiro Florestal), recomeçou-se a
discutir formas de incentivos para uma retomada da produção. Houve, então,
como fruto das reivindicações dos movimentos sociais rurais que se arrolava
por anos de lutas, o estabelecimento da lei do “subsídio da borracha” (Lei
Chico Mendes – Lei nº. 1.277 de 13/01/1999.) que chega a cobrir dois terços
do preço pago ao produto.
Aqui cabe ressaltar em que consiste esta Lei:
154
Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a conceder subvenção
econômica aos produtores estaduais de borracha natural bruta, no
valor de até R$ 0,40 (quarenta centavos de real) por quilo, podendo ser
corrigido e atualizado através de decreto do Poder Executivo
Parágrafo Único. A subvenção econômica será regulamentada por
decreto do Poder Executivo.
Art. 2º As despesas decorrentes com a subvenção econômica, criada no
artigo anterior, correrão por conta de dotação orçamentária própria do
Tesouro Estadual, Órgão 1600, Unidade Orçamentária 1620, Programa/
Projeto 04401831.035, Elemento de Despesa 3212.
Art. 3º Fica o Poder Executivo autorizado a celebrar convênios com
entidades nacionais e internacionais, objetivando fomentar a produção
da borracha.
Art. 4º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário. Fonte: (ACRE, 1999).
155
no Acre. Isto, considerando que, até o momento, não há identificação de
fontes de recursos minerais viáveis de exploração, como ocorre em outros
estados amazônicos. Esse potencial madeireiro, contudo, vai muito além
destas espécies chamadas de “madeiras nobres”. Dadas tais características e a
carência de geração de riqueza local, concordamos que não incluir a madeira
na proposta de manejo florestal pode significar um atrofiamento irreversível na
viabilização da floresta como espaço produtivo.
Todavia, referimo-nos à extração feita com tecnologia que permita a
prática extrativa com menor comprometimento do ambiente florestal, planejada
e estudada a partir da área a ser “manejada”. (CTA, 1999).
Na região de Xapuri, o manejo madeireiro tem levado à prática do
que chamam de “jardinagem florestal”. Esta surgiu com a finalidade de que,
junto à retirada das árvores mais amadurecidas, o produtor atue ajudando no
crescimento das outras. Isto se efetiva quando no sistema de classificação das
árvores da mesma espécie – se baseam na filiação da mais velha para a mais nova
(como se fosse numa escala de “avó, mãe, filhas e netas”), vão sendo retiradas
as mais velhas. Os “manejadores” passam então a fazer a “limpeza” dessas
árvores, das espécies competidoras (“desbastamentos”, sobretudo de cipoais)
para o melhor desenvolvimento das mais novas que ficam na floresta. Assim,
tendo um crescimento mais rápido, poderá ser reaproveitada pelos próprios
moradores, no futuro, ou ampliar a capacidade de recomposição natural (isto é,
do poder de “resiliência da floresta”) em áreas manejadas (VIANA, MENDES,
N. e MENDES A., 2002).
Mas o que é o manejo em si? Manejar a floresta é cuidar dela com
muita atenção e cuidado. Não apenas retirar o que ela pode produzir, mas
enxergá-la como fonte de produção de frutas, palhas, cipós, madeiras, produtos
medicinais etc. É ainda reconhecer que a floresta pode produzir muito mais do
que produz hoje. Mais do que os roçados e pastos. Mas para isso ela precisa ser
muita bem cuidada (VIANA, MENDES, N. e MENDES A., 2002, p. 13).
Ademais, estes trabalhos feitos em Xapuri (Seringal Cachoeira,
dentro do Projeto PIFLOR – Pólo de Indústrias Florestais de Xapuri), têm
possibilitado grandes avanços na efetivação de um mercado para produtos
florestais manejados.
Recentemente, o projeto PIFLOR recebeu a “Certificação
Internacional FSC” (Forest Stewardship Council) de “bom manejo florestal”,
o primeiro desta natureza a receber tal certificado, no Brasil.
Portanto, o manejo florestal comunitário tem sido implantado como
estratégia de valorizar a atividade extrativista e desestimular a transformação
da floresta em pastagens e agricultura. Sendo a madeira o produto principal
da floresta, esta atividade ficará sempre vinculada ao complemento da renda
familiar, no conjunto com outras como: a coleta de castanha-do-Brasil, da
borracha e até mesmo com a agricultura e pecuária de pequena extensão.
156
O aumento da pecuária. Um problema na floresta?
Esta situação é importante, pois a pecuária aí criada tem uma aplicação direta na produção da
��
157
Referências Bibliográficas
158
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159
Geografia da luta pela terra: conflito e
resistência camponesa acreana
160
paulistas”, desconsideraram a situação dos posseiros que já ocupavam
estas terras por décadas consecutivas. Isso implicava que os novos donos
promoveriam a “limpeza da área”, isto é, a retirada dos posseiros.
Com isso, podemos constatar números expressivos de famílias que
passaram a ser expulsas de suas colocações que eram “vendidas” no conjunto
das transações efetuadas pelos seringalistas e compradores centro-sulistas.
Essa expulsão se dava de forma indireta através da indenização de benfeitorias
das colocações dos posseiros ou direta através de formas de violências físicas
diversas, queimando-se casas e lavouras, espancando-se posseiros, semeando-
se capim nos roçados de posseiros etc.
A face mais cruel destes conflitos foi marcada pelas ameaças e
mortes de líderes comunitários, sindicalistas, religiosos e até na tentativa de
fazer “justiça com as próprias mãos” por parte dos posseiros locais. Tudo
isso se concretiza com a morte de alguns desses sujeitos sociais que estavam
na vanguarda do processo. Dentre esses se podem citar: o assassinato do
sindicalista Wilson Souza Pinheiro, presidente do STR/Brasiléia, em 21 de
julho de 1980; do “fazendeiro” Nilo Sérgio de Oliveira, em 27 de julho de
1980; do sindicalista Jesus Matias, em dezembro de 1983, todos em Brasiléia;
e de “Chico” Mendes, presidente do STR/Xapuri em 1988, reconhecido
mundialmente pelo seu trabalho em defesa dos povos da floresta e de seu
“modo de vida” amazônico. Estes são apenas alguns, dentre tantos atos de
conflitos aí desencadeados.
A verdade é que os primeiros agentes desta frente pioneira, os
“investidores” capitalistas, cientes de que as terras compradas estavam ocupadas
por posseiros, tinham que promover a dita “limpeza da terra adquirida”.
A justificativa para suas ações estaria amparada em três pontos:
161
que se perpassaram no âmbito do seringal, em que a propriedade da terra, por
exemplo, ao trabalhador, nunca havia sido um problema a se preocupar. O
seringalista só voltou a interessar-se pela terra, quando ela entrou em processo
de maior mercadorização – como um “meio de ganhar dinheiro”.
Os seringalistas a viam no amplo mercado fundiário que se abria.
Ambos, entretanto, se viam perante a situação como forças inadequadas aos
propósitos produtivos postos na reprodução capitalista do espaço acreano,
perante o avanço da fronteira econômica brasileira. Isto, porém, em condições
diferentes: aos seringalistas, abria-se a possibilidade de especular a terra
(vista como terra capital), ou readequar suas propriedades para tornarem-se
fazendeiros; já os seringueiros, viam-se diante da possibilidade de ter que sair
da terra (vista como terra de vivência familiar, terra de trabalho) ou de lutar
por permanecer nela.
Então, observa-se com isso que a necessidade de se organizar para
lutar, para os posseiros, ressurge quando suas condições de trabalhadores
florestais “independentes” são gradativamente violentadas e desrespeitadas.
Ao tornarem-se vítimas cotidianas dos processos de expropriação engendrada
no contexto reprodutivo da fronteira, nasce a resistência e, daí, os sindicatos de
trabalhadores rurais e outras organizações representativas e de luta.
162
representavam no processo de conscientização através do Evangelho, a primeira
tomada de consciência dos seringueiros, sobre seus direitos usurpados pelos
agentes da frente pioneira agropecuária.
Em 1975, foi implantada a Delegacia da CONTAG na região, atuando
sob uma área de jurisdição que englobava o Acre, e Rondônia (na época ainda
Território Federal) e áreas limítrofes do sul do Amazonas. Inicialmente, esta
delegacia voltou suas ações mais para questões contratuais trabalhistas, porém,
logo por força das circunstâncias, passou a ter maiores envolvimentos também
nas questões dos posseiros.
Portanto, no processo de instituição da luta não se pode negar que
as CEBs prepararam um caminho para a atuação mais efetiva da CONTAG
e outros órgãos que vieram depois. Neste caso, nos referimos aos sindicatos
dos trabalhadores rurais – STRs, à Central Única dos Trabalhadores – CUT,
Comissão Pastoral da Terra – CPT, à Federação dos Trabalhadores na agricultura
do Acre – FETACRE, e ao Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS etc.,
que foram criados ou chegaram ao Acre a partir de meados da década de 1970
e durante a década de 1980.
Então, atuando junto a trabalhadores, Igreja e CONTAG abriram
caminhos e incentivos para a formação da base sólida para o florescimento de
fortes movimentos de resistências. Estas organizações populares mais que uma
formação de movimentos sociais em defesa da terra em si, caracterizava-se pela
defesa da vida na floresta. Nisto, a defesa da floresta aparece como condição
de reprodução de seu cotidiano social, dado que ela é o habitat social e lócus
de vivência desse sujeito – o seringueiro. Assim, a partir de 1975, sob clima de
intensa repressão do Estado e das fortes tensões sociais na região, começam a
surgir os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais (Quadro 01).
Frente a essa situação, organizar para se colocar contra a violência
desencadeada seria condição para não serem semi-dizimados, como foram os
indígenas no século passado. Nas ações fortes em defesa de seus representados
os STRs expandiram o número de seus associados a tal ponto que, por exemplo,
o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, por volta de 1978, chegou a
ter aproximadamente cinco mil associados. Isto já demonstrava a importância
da organização e da capacitação feita pela CONTAG às lideranças na condução
das lutas e resistência (BRONZEADO, 2000).
163
Seu primeiro presidente Adeli Bento da Silva
Em 20/09/1975, foi fundado
morreu misteriosamente sob suspeita de ter sido
o STR/Sena Madureira
assassinado
164
Podemos dizer então que existiam condições objetivas e subjetivas
para a expansão da organização sindical. As primeiras, materializavam-se na
constante expulsão dos seringueiros da terra; as segundas, formalizavam-se
pelas ações de pastorais católicas. Esse sindicalismo promove a difusão da lei
numa terra onde a lei do patrão havia dominado e onde a autonomia social
do trabalhador na floresta estava em processo de consolidação. A observação
severa ao Estatuto da Terra passa a ser fundamental na defesa dos direitos dos
trabalhadores pelos STRs, pela pastoral católica e pela CONTAG. Aí se forma
uma contradição, uma vez que isso também se torna causa a ser combatida
pelas forças que controla a sociedade: aqui “cumprir a lei” é uma ameaça à
propriedade privada da terra (leia-se “dos latifúndios”) e ao poder político de
elite que comandava o Estado (PAULA, 2003).
Em meio às contradições entre os seringueiros do Vale do Acre,
sobretudo, em Brasiléia e Xapuri, as manifestações de resistências ganhavam
corpos concretos nos “empates”. Aí se criam práticas fundadas na defesa da
floresta, como ambiente de vivência e como território de vida; é isto que torna
suas lutas muito mais que uma mera luta ecológica.
O empate se coloca, então, para o trabalhador florestal, como
mecanismo de defesa de sua condição sociocultural e sob o fato de ser ele um
sujeito sob uma identidade social construída na floresta. Daí essa prática ter
um caráter de defesa da floresta – seu ambiente de vida e de trabalho. Situação
esta que, às vezes, faz muitos confundirem a “luta dos seringueiros” como
um “movimento apenas ecológico” em defesa da floresta. Então, é comum
falarem de Chico Mendes, como se ele fosse apenas um “ecologista”, quando
na verdade, esse era um “líder seringueiro”, um “militante da luta de uma classe
subalterna contra forças opressoras”, isto é, ele era um “sindicalista”.
O empate é, portanto, um referencial da dimensão geográfica e
sociológica da luta da/na floresta, para a compreensão da questão agrária que
envolve a região.
O empate foi uma prática que nasceu como parte das manifestações
vividas no dia-a-dia dos seringueiros. É firmado como condição da reconstrução
de uma territorialidade camponesa do seringueiro na floresta, como valorização
e defesa de um mundo, de um espaço vivencial que se pauta nos sentidos
simbólicos de sua existência como homens e mulheres – sujeitos sociais da
floresta e na floresta. Isto era ignorado pelas forças que davam a dinâmica
socioeconômica da fronteira agropecuária recente na região.
Simplificando, o significado do “empate”, podemos dizer, eram as
ações coletivas em defesa da floresta, enquanto habitat social do modo de
165
vida seringueiro (lócus de sua moradia e vivência social). Então, os “empates”
emergem como práticas de resistência enraizados nos desafios do cotidiano de
vida do seringueiro na floresta, dadas às forças expropriadoras que agora os
ameaçam, tornando-se práticas de defesa de suas condições existenciais como
trabalhadores que se organizam (Cf, Duarte, 1987; Souza, 1996).
As diversas expressões desse simbolismo social mostram-se como
formas de retaliação às ações das forças socioeconômicas que tentam se
sobrepor à territorialidade seringueira, em sua dimensão territorial de existência
– sua colocação, sua floresta. Assim, estas manifestações eram formas de
luta que originavam-se de questões práticas na vida desses sujeitos, como nos
relatou o líder seringueiro e sindicalista Sr. Osmarino Amâncio Rodrigues, em
entrevista realizada em 2002, na cidade de Brasiléia:
166
anos de vivência na floresta) e geográfica (dimensiona por um espaço vivencial
que é a floresta) e dá força para lutar, para viver e para simplesmente “ser”
homens, mulheres, jovens, adultos, velhos ou crianças na/da floresta. É por isto
que o “seringueiro” e a “floresta”, com toda esta carga simbólica, chegam aos
nossos dias, não como “coisa”, algo “ultrapassado”, mas como sujeitos ativos
de um território que ainda é realidade.
Assim, como produto das lutas, as primeiras vitórias integrais
desses trabalhadores camponeses florestais – os seringueiros, se deram com
a implantação de RESEXs e PAEs. Essas conquistas foram demonstrações
práticas da territorialização da “terra de trabalho” (reconhecimento do direito
do trabalhador sobre seu território de vivência) sobre a “terra de negócio”.
Como não se firmam bases para a apropriação privada do solo, isto representa a
conquista do território em estruturas que dificultam a retomada da propriedade
fundiária por forças capitalistas. Esses territórios se configuram como espaços
privilegiados para a firmação e surgimento de alternativas produtivas da
produção não-capitalista na região. Nisso, vemos, atualmente, se constituírem
espaços de experimentos de várias formas de manejos comunitários dos recursos
naturais locais, de organizações coletivas em associações e cooperativas ou até
em projetos de trabalhos com artesanatos etc.
Porém, contraditoriamente, são nestas estratégias que podem estar
se formando outras formas para que o capitalismo venha ter controle sobre
o que aí e daí pode ser retirado, como a produção de madeiras, de produtos
agrícolas e de coleta extrativista.
Pode ser isto forma de reterritorialização do capital sobre estes
espaços conquistados? Fica para refletirmos. O que se pode dizer é que nisto
ainda residem as incertezas que se vive mesmo após mais de uma década de
implantação da primeira RESEX.
167
territorialidade seringueira.
A produção capitalista do espaço que se estabelecia, expropriava
as condições de sociabilidade na floresta (como desmantelando o sentido da
vivência comunitária), promovia o desmatamento e introduzia novas formas
de produzir, em que não havia lugar para este trabalhador tradicional. Nestas
condições se formaram os movimentos de resistência nos seringais.
Entendemos que movimentos de resistência são aqueles que mais
que um caráter reivindicatório do trabalhador, tem caráter de autodefesa social
contra forças opressoras que ameaçam as condições de vida já existentes no
lugar. Aí está a expressão maior do Sindicato de Trabalhadores Rurais - STRs.
Mas a resistência também se dava em lutas como as manifestações em Encontros
das CEBs, no “Grito da Terra”, nas “Romarias da Terra” e noutras práticas que
se manifestaram ao longo dessas três últimas décadas. Essas, às vezes, aliadas
às organizações populares urbanas: associações de bairros, movimentos pela
saúde na cidade, ou ainda, o apoio de partidos políticos populares.
A instituição dos STRs se deu como luta por espaços sociais, por
respeito a condição de homens trabalhadores na terra, por justiça etc. Tudo
isto, entendemos como a organização de movimentos camponeses em busca
de firmação e conquista de territórios para a continuidade de suas vivências,
ou seja, de reconhecimento do direito à terra, ou reconquista dela para aqueles
que já haviam sido expropriados. Daí, podemos vê-lo como um movimento
socioterritorial (Cf. FERNANDES, 2000; 2001), pois teve a garantia do
território como trunfo fundamental da luta. Logo após a fundação e o início
do trabalho dos sindicatos, o movimento ganha este caráter. A esta luta
podemos chamar de “luta pela terra”. Não se tratava simplesmente de entrar ou
permanecer na terra, mas ter reconhecido o direito jurídico sobre a terra que já
ocupavam há anos.
Como vínhamos falando – ter a terra significava persistir no modo de
vida com valores que historicamente foram construídos ao longo de décadas.
Então a luta, para o seringueiro, referia-se à busca da conquista do território
da colocação (condição material da territorialidade seringueira), sobrepondo
(territorializando) ao espaço antes territorializado pelo seringal ou fazendas. É
nisso que se amplia a condição de abrangência da luta com outros seguimentos
sociais rurais como a luta dos colonos assentados.
Esses movimentos atuariam em duas frentes de lutas: uma pelo
reconhecimento do direito familiar sobre território e outra de resistência
na condição de trabalhador familiar autônomo na terra (seja floresta ou no
campo). É aí que caracterizamos essas lutas, como os movimentos camponeses
168
de resistências. Dadas as circunstâncias do momento atual da produção e
reprodução do espaço agrário no Acre, onde a violência física não se apresenta
em altos índices como na década de 80. Este movimento vê-se diante de uma
busca de redefinição de seu papel.
Muitas dessas conquistas já se materializaram com o acesso e o
domínio da terra de trabalho. Porém, muitos trabalhadores, já se viam diante de
novos processos de expropriação menos violentos, mas muito mais abrangentes.
Houve a falta de perspectivas para continuarem vivendo em suas pequenas
propriedades; suas terras de trabalhos novamente estão em jogo. Então, esses
diversos agentes que reproduzem o campo acreano, no contexto de novos
conflitos que os desafiam, buscam encontrar alternativas para permanecerem
na terra. A conquista da terra nos PCs (antigo PADs), nos PAEs e nas RESEXs,
demonstra que apesar da pobreza, do isolamento e da falta de assistência à
saúde e à educação, onde há a constituição de um espaço próprio e garantido
para esses trabalhadores lutarem, resistirem e viverem.
Assim, após períodos de lutas pela terra, os movimentos de
resistências camponesas passaram a se articular também noutros patamares.
Tendo conquistado a terra, a questão é criar condições para nela permanecer
com dignidade.
Foram com esses intuitos que os movimentos de trabalhadores
rurais amazônico-acreanos, organizados e contando com pleno apoio da CPT
(Comissão Pastoral da Terra) e dos STRs, do CNS etc., que em meados da
década de 1980, deram início à fundação de associações de produtores rurais
nos projetos de colonizações e de associações dos moradores e cooperativas
nas RESEXs. È claro que nada se construiu do acaso. Em cada comunidade já
havia “célula” das organizações plantadas, originárias das antigas CEBs, das
delegacias sindicais e da própria organização comunitária.
A luta na terra
Entendemos que o movimento dos trabalhadores em busca de organizar-
se para não serem expropriados, se caracteriza num contexto contraditório
em que, se por um lado, o acesso à terra foi possibilitado a este camponês,
por outro, as próprias condições estruturais dos assentamentos trazem as
dificuldades para sua plena reprodução e manutenção na terra. Neste sentido,
estas organizações têm um caráter fundamental de serem movimentos de
resistência desses grupos sociais, ou seja, uma fase posterior à luta pelo
acesso a terra, não se tratando mais da “luta pela terra”, mas sim da “luta
na terra”. Geografizando a questão, podemos dizer que no primeiro momento
a luta se dava pela conquista de território, ou seja, o embate aí era de
caráter socioterritorial; ao acessar a terra e territorializá-la, florescem as
territorialidades camponesas (processo de recriação) que serão bases para a
luta na terra, isto significava que a luta voltava a ter como marca fundamental
o embate de caráter socioespacial (SILVA, 2002).
169
Este novo caráter da luta de resistência é chamamos de “movimento
de luta na terra”, o que denota uma fase posterior na “luta pela terra”. A “luta
na terra” é uma expressão de que o trabalhador camponês (seringueiro, colono
ou ribeirinho) já se territorializou e garantiu o acesso e o domínio ao seu espaço
produtivo, mas não se isolou da realidade. A resistência com a “luta na terra”
demonstra uma reação social de quem:
170
Luta e território: repensando a relação cidade/campo/floresta.
171
do espaço agrário produzido. É aí que se sobressai uma realidade manifestada
numa integração histórica e geográfica tridimensional em “campo-cidade-
floresta” e também da luta dos sujeitos que produzem o espaço rural acreano.
Certamente, por aí, podem-se definir recortes desta apreensão das dimensões
fundamentais do espaço produzido.
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Entrevistas:
Raimundo Barros. Entrevista concedida a Silvio Simione da Silva, em 15/10/2002 (Na sede do
Partido dos Trabalhadores em Xapuri, AC.).
Osmarino Amâncio Rodrigues. Entrevista concedida a Silvio S. da Silva e Rosiane S. de Lima,
em Brasiléia, em 16/11/2002.
172
O espaço da cidade no Acre
Isis do Mar Marques Martins
Luciano Rodrigues do Nascimento
Silvio Simione da Silva
173
a Capital da República. No momento estava superada
a questão internacional, restava acertar um problema
interno”.
174
As primeiras cidades acreanas
Estas cidades são frutos da expansão territorial do capital, através da
exploração do látex em momentos específicos e dentro da lógica da procura
de matéria-prima pela indústria dos países centrais [...]. Estes núcleos
urbanos [...] se diferenciavam dos primeiros surgidos na Amazônia. Os
primeiros foram evoluções das vilas e fortificações que, [...] surgiram –
como em outras regiões brasileiras – para servirem de defesa, ponto de
penetração e conquista do território [...]. Estas [...], segundo Oliveira (1995,
p.57) “surgem para atender as funções do comércio, da administração,
como fatores de atração e distribuição da força de trabalho e recentemente
como suporte dos grandes projetos” (MORAIS, 2000, p. 30).
175
fundamentalmente, após a descoberta da vulcanização por Goodyear em 1839,
aumentando assim, a grande procura por este produto. Mas esse processo (de
demanda) da borracha só passou a ser mais amplo a partir da década de 1860,
devido à guerra de patentes, incorporada a partir da mercantilização de idéias
e produção das mesmas numa práxis ligada, no caso, à natureza; às crises
econômicas e à Guerra de Sucessão dos Estados Unidos que ocorriam nesse
período (MACHADO, 1989).
Na Amazônia, havia o maior potencial de produção de borracha
natural, houve o desencadeamento da grande procura pelo produto e, por
conseguinte, a expansão de sua ocupação no final do século XVIII e início do
XIX. Estas reservas eram mais acentuadas ao Sul do rio Amazonas, sobretudo,
em áreas drenadas pelos afluentes rios Madeira, Purus e Juruá – os “Rios da
Borracha”. Mas como nesta região com forte potencial extrativo não havia
(na época) mão-de-obra disponível (uma vez que os povos indígenas locais
resistiam contra a submissão que se tentavam impor nesse serviço), a solução
foi o deslocamento de força de trabalho de outra região a partir da migração
de trabalhadoras e trabalhadores, em especial, dos estados (que na época
eram chamados de Províncias) do Ceará, Piauí e Paraíba, ou seja, mão-de-
obra nordestina. Cabe ressaltar que, no Brasil da época, a província do Ceará
foi a primeira a abolir a escravatura, e a então província do Rio Negro (atual
Estado do Amazonas) foi a segunda (GONÇALVES, 2003). Isso ocorreu pelo
fato de se tirar os temores dos migrantes que viriam para a Amazônia, de que
não se tornariam mais escravos. Ligado a isso, estava a “psicologia do ouro
negro”, que povoa a cabeça de migrantes para a Amazônia desde os tempos do
el dourado (MARTINELLO, 2004).
As relações de subserviência existentes entre o migrante nordestino
e o patrão seringalista, acabariam por estruturar, de forma diferenciada, o
seringal do sistema escravista até então praticado no Brasil11, com o trabalho
do seringueiro individual, tendo que seguir sozinho no meio da floresta, etc.
Não por acaso, pouco antes mesmo da abolição da escravatura, foram liberados
cerca de 30.000 escravos na Amazônia (MACHADO, 1989).
Ressalta-se que a situação desses migrantes, no Nordeste, não era das
melhores. O coronelismo, como base do latifúndio concentrador de terra, que
submetia forçosas relações de subalternidade e desterritorializaram homens e
mulheres da sua própria condição humana. As secas periódicas ampliavam a
penúria da vida no Sertão em certas épocas. Diante disso, a possibilidade de
melhores condições de vida num “paraíso verde” do “ouro negro” apresentava-
se, para eles, como forma de inserção da/na sociedade a partir da ideologia do
nacionalismo e da incorporação do trabalho no discurso identitário.
Aqui, sob formas violentas, os seringueiros, a mando dos seringalistas,
expulsavam os índios (os primeiros habitantes e extrativistas da Amazônia) das
Referimos àquele em que o capitão-do-mato ficava vigiando os negros que trabalhavam cole-
��
176
proximidades dos seringais, (processo que ficou conhecido como correrias). O
capitalismo mundial, em função da grande demanda de borracha, colocava as
casas aviadoras de Belém e Manaus na correria, que por sua vez, pressionavam
os seringalistas, que assim também colocavam os seringueiros, e estes, por
fim, submetiam os indígenas às correrias (GONÇALVES, 2003). Podemos
visualizar assim, que as correrias que dizimaram várias tribos indígenas, não
eram ações que podem ser estudadas a partir de um lugar, o seringal; mas sim
do time is money do capitalismo mundial.
Foi, porém a partir da vinda dos nordestinos, na década de 1860, que
essa ocupação realmente ganhou maior intensidade. Isto se dava através de
expedições feitas no início do século XIX.
A atual região acreana tinha grande quantidade de seringueiras (em
especial a Hevea brasiliensis). Isto significava potenciais produtivos, capazes
de alavancar uma frente mais intensiva de exploração. Daí, logo se iniciam
os financiamentos também para a vinda de primeiramente seus “gerentes” (os
seringalistas), com grupos mais reduzidos de homens, que estruturam o seringal
e montam suas bases produtivas, para depois intensificarem a vinda de maior
números de trabalhadores para empresa – os seringueiros. Então, a empresa
extrativista passou a existir a partir daquele momento, numa relação que não
se baseava em pecúnia, mas sim em mercadorias – o conhecido sistema de
aviamento.
Contudo, como já ressaltamos, a ocupação do Acre por parte desses
migrantes ocorreu sob a forma de muitos conflitos, desde os iniciais com os
indígenas, depois com os patrões.
Porém, a região acreana pertencia legitimamente à Bolívia. O
Estado boliviano sabendo acerca da entrada de brasileiros nas suas terras12, e
que elas eram grandes produtoras de borracha, e não tendo como ocupá-las,
teve como alternativa taxar (em cerca de 30%) toda a produção de borracha
escoada pelo rio Acre, que era por onde saía a maior parte da produção acreana
(GONÇALVES, 2003). Esse fato desencadeou o conflito entre brasileiros e
bolivianos, que levaria à expulsão destes últimos e a tomado do território pelos
brasileiros. Posteriormente, este território seria incorporado pelo Brasil, sob a
égide de uma ocupação militar comandada por tropas nacionais ordenada pela
Presidência da República.
177
estes ainda têm um papel muito importante para a população amazônica.
Os seringais localizavam-se nas suas margens. Os rios eram as vias únicas
de escoamento de mercadorias (em especial a borracha), de pessoas e de
informações, fazendo a ligação entre o que é interno e externo.
As cidades acreanas desde a sua formação até a década de 1960,
recebiam, por meio dos rios, vários produtos de outros estados, especialmente
do Amazonas. O rio desempenhava assim, um papel importante para a sociedade
acreana. Daí o princípio da formação urbana acreana ter ocorrido às suas
margens. Contudo, ver os rios sob uma ótica determinista (ALBUQUERQUE,
2001), acaba escondendo o papel dos sujeitos na construção de suas vidas
e se inserindo no processo de formação das cidades acreanas na condição
de pequenos agricultores e produtores, que não encontram somente no
rio o principal componente participativo em suas vidas, em sua produção
socioeconômica e em suas trajetórias.
Muitas sedes de seringais foram essenciais para a transformação
urbana na Amazônia Ocidental. São vários os casos, para citar alguns: Eirunepé,
Boca do Acre, Lábrea e Ipixuna no Amazonas; Rio Branco, Cruzeiro do Sul
e Porto Walter, no Estado do Acre (MACHADO, 1989). Cabe ressaltar que,
segundo Machado (1989), no Brasil, até o século XIX, a sede do município
era chamada de Vila; um núcleo de povoamento podia passar a esta condição,
antes mesmo de se tornar município.
No Acre, podemos ter como exemplo as cidades de Rio Branco,
Xapuri, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul, que foram fundadas na condição de
Vila, passando a município só em 1904, ano que o Acre tornou-se território13
do Brasil, pelo Decreto-lei 5.188, assinado pelo então Presidente Rodrigues
Alves.
No período que segue às décadas pós 1910, com a definição política
do território, a implantação de base administrativa nas cidades, e a crise que
começa a assolar os seringais, a população que se incorporou à floresta vai
ao encontro das cidades. Ocorrendo, assim, um gradativo crescimento, sem,
contudo, significar qualquer processo de predomínio da população urbana.
Devemos sempre salientar que na Constituição brasileira vigente na época (1891) não existia a
��
figura do território. Segundo Gonçalves (2003) foi uma forma encontrada pelo Governo Federal
de se apropriar da riqueza produzida no Acre, através da produção de borracha.
178
Após a década de 1920 e diante da crise econômica da produção
gomífera, a floresta se coloca num ambiente mais interligado aos espaços
das cidades (famílias saem do “centro” e buscam a margem dos rios e das
incipientes estradas ou mesmo os arredores das cidades). Neste contexto, há
uma ampliação de colônias agrícolas.
As vilas tornam-se mais sólidas como locais de moradia para pessoas
que atuavam no comércio e no serviço público, especialmente. Assim, as cidades
se consolidam a partir de núcleo tradicional que formaria os sete primeiros
municípios acreanos: Rio Branco, Sena Madureira, Xapuri, Brasiléia, Feijó,
Tarauacá e Cruzeiro do Sul.
A partir dos anos 1960, os rios, que eram os principais meios de
escoamento da produção gomífera, não o seriam mais em muitos lugares. Com
as políticas de Integração Nacional e a “ocupação” da Amazônia, a construção14
de rodovias que vinham ao encontro da incorporação do espaço urbano ligado
ao país buscava também a ligação com uma metrópole política, no caso,
Brasília. Centralizavam-se assim politicamente na jovem capital da República,
mas faziam um elo das mais longínquas regiões aos centros metropolitanos do
Sudeste. Com as rodovias, o Acre passa a estar integrado neste sistema.
No Acre, estradas e rodovias (BR 364, BR 317, AC 40, etc) também
ligam a Capital com os principais municípios das duas mesorregiões geográficas
(Vale do Juruá e Vale do Acre). Essas estradas se transformaram no centro
da produção do espaço pós 1960. Estas, de certa forma, facilitaram - direta
e indiretamente - a mobilidade de pessoas da floresta para a cidade, assim
como para as correntes migratórias do Centro-Sul que deram continuidade à
mobilidade do trabalho pelo capital e pela busca de terra no Acre.
Os traçados das rodovias foram linhas de disseminação da entrada e
fixação do domínio privado da propriedade fundiária e da mudança no uso da
terra para atividades agropecuárias.
Mas qual o principal componente que levou essas pessoas a migrarem?
Quais os fatores de atração e repulsão que fizeram destes “velhos” moradores,
“novos” agentes construtores do espaço urbano acreano? Para Albuquerque
(2001) e Esteves (2003), a migração para as cidades não se deu pelo simples
fato das pessoas estarem em busca de melhores expectativas na cidade.
Em grande parte, se deu pela quebra brusca das relações produtivas
na floresta, devido o incentivo à pecuária e à expulsão das seringueiras e
seringueiros desse sistema, aliado à construção de estradas, calcadas nas
ideologias de integração com o país, e se colocando no limiar da construção
política, centralizada numa cidade, e desta, com o Centro Nacional – Brasília,
e com os centros econômicos industriais do Sudeste. Formando assim, troncos
rodoviários que foram ao encontro da viabilização de transporte, tanto de
14
Não é referido aqui, criação ou surgimento, pois quem faz a estrada, materialmente e produz
seu movimento são os sujeitos que inserem e são inseridos no espaço geográfico.
179
mercadorias do centro-oeste e centro-sul para o norte, bem como a chegada
dos grandes proprietários fazendeiros.
180
Por outro lado, Rio Branco, apenas na condição de capital do território
acreano (sob descontentamento dos moradores das outras cidades) conseguiu
se consumar como a principal cidade do Acre. Segundo Gonçalves (2003), o
motivo principal de a capital ficar em Rio Branco, foi a decisão do Governo
Federal de que o Departamento do Alto Acre como maior produtor de borracha
(produzia mais do que os Departamentos do Alto Juruá e Purus, juntos), rendia
maior receita para os cofres públicos.
A maioria dos municípios da Mesorregião Vale do Acre Rio Branco,
Porto Acre, Senador Guiomard, Acrelândia, Xapuri, Capixaba, Assis Brasil,
Brasiléia, Plácido de Castro e Sena Madureira, em função da construção da
BR-364 e 317, tiveram a centralidade exercida pelas cidades de Belém e
Manaus, centralidade esta que perdurou até meados do século XX e foi cortada
já na década de 1960. Esses municípios passaram então a estar mais ligados ao
Centro-Sul por estas vias de circulação. Então, podemos afirmar que a medida
que as estradas vão chegando estas exercem papel centralizador do processo de
produção também do espaço (CARLOS: 1979, 35).
Por outro lado, as estradas também tiveram um papel importante a
partir da década de 1970 na formação de núcleos urbanos. Os antigos lugarejos
em áreas de terras firmes com a abertura das estradas agora são cidades, como
é o caso, por exemplo, do Quinari (Senador Guiomard), Bujari e Capixaba.
Conforme nos informa Esteves (2003), no caso de Capixaba, que no início da
referida década era ainda um seringal e com a construção da BR-317, começou
a receber migrantes de outros Estados brasileiros (os primeiros, originários
do Espírito Santo, daí o nome Capixaba). Esses migrantes construíam suas
moradias às margens da rodovia. Posteriormente, com o melhoramento das
condições da rodovia, chegaram várias famílias de outros municípios que
viram ali melhores oportunidades de trabalho por esta ser uma Vila que ainda
estava em formação.
Cabe relembrar que, segundo Guerra (1955), houve três principais
fases da consolidação do espaço urbano, na perspectiva da atual capital – Rio
branco, nos primeiros cinqüenta anos de sua formação. A primeira fase foi
iniciada a partir da elevação do seringal Volta da Empresa à categoria de vila,
em 22 de agosto de 1904, mudando no dia 07 de setembro do mesmo ano, para
sede provisória do Departamento do Alto Acre com o nome de Rio Branco. A
segunda fase iniciou-se em 23 de dezembro de 1912, pelo decreto-lei 9.831,
que elevava à categoria de cidade a Vila.
É neste contexto, explica o referido autor, que a paisagem urbana da
época era de casas eminentemente de madeira, que no discurso oficial, criava
certa temerosidade às construções em alvenaria devido à fragilidade dos solos.
Sob estas orientações, os primeiros moradores acabaram por absorver essas
ideologias e reproduzi-las, em comportamento que se tornou fundamental para
a transformação das relações entre o centro e a periferia. Daí, boa parte das
181
construções do chamado “centro da cidade”, era em alvenaria, sobretudo, a
partir de 1928, ao passo que na periferia predominavam as construções em
madeiras. Na terceira fase, que foi difundida a partir de 1953, houve a criação
de um plano diretor que sistematizou a construção em alvenaria, e, com cada
vez mais intensidade, o processo de concreta urbanização do espaço na capital
acreana.
Podemos dizer que, a partir da década de 1970, houve uma quarta
fase ligada aos processos de mercantilização da pequena produção e das
ideologias calcadas na mesma (mercantilização também do solo urbano)
criando o que Silva (2003) chama de fronteira agropecuária, ou frente
agropecuária. Na década de 1990, houve ainda uma quinta fase participativa
na consolidação da mercantilização da natureza (PAULA, 2004) e das idéias
sustentáveis na cidade. Agora a ênfase na produtividade da floresta em formas
não muito definidas de manejo e participação de sua “comunidade”, do “povo
da floresta”, traz ideais preservacionistas para a cidade com novos estilos de
urbanização. Também ligada a essas perspectivas, houve ainda a construção de
múltiplas correntes migratórias constantes, bem como a formação das cidades
acreanas.
182
como “paraíso de riquezas”, formada a partir das ideologias de “ocupação” da
Amazônia.
A chegada desses migrantes, pensando na melhoria de suas condições
de vida e/ou enriquecimento, acabou por encontrar no “inferno verde”, não
o pior, mas uma maneira sofisticada e ao mesmo tempo arcaica de uma
territorialidade seringalista versus territorialidade seringueira (GONÇALVES,
2003). Paralelo a isso, o início das transformações sociais no seio da identidade
de mulheres e homens.
A segunda geração, constituída, por sua vez, das filhas e filhos dos
migrantes nordestinos, incorporados desde o nascimento no seringal, criam e
reproduzem certo bucolismo (na aversão recusa da cidade), pela identificação
do lugar enquanto plaga do trabalho e do viver na floresta. Mas ao mesmo
tempo, essas relações se fragmentam com a “crise” da borracha no Acre15,
construindo novas trajetórias e novas espacialidades.
Essa nova conjuntura muda bruscamente com a Segunda Guerra
Mundial e o novo “redimensionamento do passado” formado a partir das
relações presentes, no caso, com a vinda dos “soldados da borracha” na
Amazônia, dessa vez, “forçados” a enveredarem a floresta e construírem
um “velho-novo” espaço geográfico acreano, incorporado às políticas atuais
(Segunda Guerra e a tomada das áreas produtoras da borracha malaia pelos
japoneses). Mas, com a nova crise da produção gomífera e a venda das terras
acreanas (transformação da propriedade), essa geração se vê desgarrada da
floresta e é forçada a se incorporar nas cidades. Mas essa geração se encontra
na intermediação do deslocamento para as cidades e a condição do trabalho na
floresta cada vez mais transformando as relações existentes na época.
É a geração dos movimentos de luta pela terra, nos quais se destacaram
líderes como Chico Mendes, Wilson Pinheiro, Raimundo Borborema, etc.
A terceira geração se insere no meio de uma crise que transforma
alguns paradigmas da relação floresta, campo e cidade, colocando dúvidas
perante o novo. Isto significava o desconhecido para com a produção da
fronteira agropecuária e a busca intensiva de formas de exploração madeireira
da floresta – com ou sem certificação. Nisso se forma condicionantes diretos
da/na migração rural/urbana e urbana/urbana. Esses processos desencadeados
desde a primeira geração, participam assim, incessantemente na/da construção
das cidades acreanas.
Ressaltando que não houve crise no Acre, mas houve crise na econômica empresarial extrati-
��
vista do qual os seringais eram sua territorialização, mas transformações das relações produtivas
espacializadas, isto é, a inserção da borracha “malaia” no contexto econômico mundial.
183
sobre o mundo e a floresta é marcado pelas negociações.
O sindicato é visto como uma instituição de benefícios,
como aposentadorias e outros. A mediação entre o mundo
do seringal não está mais baseada nos interesses das
“comunidades”. O saber técnico e as relações de negócios
estabelecidas com empresas, bancos, convênios com
o governo do Estado, dentre outros, contribuem para a
desmistificação dos mitos e a criação de um novo olhar
sobre a floresta, que perdeu o mistério do desconhecido”
(ESTEVES, 2003, p.29).
184
coloca sempre à margem das suas atuações.
Como podemos perceber através do estudo da cidade de Rio Branco
nas décadas de 1970-1980, feito por Almeida Neto (2004), a periferia não se
coloca apenas como um lugar de resignação, como é comumente situada pela
historiografia regional. Ela também se mostra pela organização e pela luta dos
sujeitos que fizeram ali o seu lugar. São vários os exemplos de como aquelas
gentes, na luta pela moradia, muitas vezes à margem da “lei”, iam para o front
com o Estado. Este agia motivado pelas elites da cidade que no resguardo da
propriedade do solo e com objetivo de especulação do solo urbano, tentava
retirá-los de seus tapiris, sem arredar o pé. Dessa forma, nasceram vários
bairros de Rio Branco.
Assim, foram se fazendo e construindo os múltiplos agentes
transformadores e criadores das cidades acreanas (poder público, migrantes
rurais, ocupantes de solos para moradias, [“invasores”, como caracteriza a
imprensa sensacionalista], especuladores imobiliários etc.). Na construção
dos espaços urbanos, participaram mulheres, homens, meninas e meninos que
fazem e fazem-se, a cada dia, a cada tempo, a cada espaço. Na vida, na capital
ou simplesmente na rua, como dizemos.
185
Por isso, para dissertar acerca do espaço urbano acreano, sobretudo,
a partir da década de 1970, torna-se impossível negligenciarmos as mudanças
ocorridas nas relações cidade/campo/floresta. Conforme dados da Tabela 01
onde podemos salientar algumas dessas mudanças:
186
verdade, formas violentas de expropriação da população camponesa florestal
(SILVA, 2003). Havendo assim, um processo de migração para as cidades que
se acentua muito mais em meados da década de 1970 até o final da década de
1980.
187
habitação do Estado do Acre – COHAB-ACRE. É por
demais importante definir, em primeiro plano, que o
espaço escolhido por esses sujeitos sociais, quando da sua
chegada a Rio Branco, foi exatamente a orla da cidade,
desprovido de qualquer atividade, seja administrativo,
industrial ou, até mesmo, agrícola. Se esse espaço não
possui dono ou pertencia a terceiros e/ou ao Estado, a eles
(migrantes e seringueiros) não interessava.
188
de políticas voltadas cada vez mais para as ações desenvolvimentistas da frente
empresarial agropecuária no Estado. Porém, simultaneamente, a mobilização
cada vez maior da população, sobretudo de ex-seringueiros, juntamente com
outras instituições (como, por exemplo, a Igreja), se deu na formação de
sindicatos que reivindicavam melhores condições de vida aos trabalhadores da
floresta e da cidade. Há, então, maior sofisticação das relações do Estado para
com a sociedade. Isto se dá no intuito de forjar as verdadeiras intenções do
mesmo, na consolidação de uma sociedade que deveria deixar a floresta e sua
face agrária, como espaço produtivo, para optar por uma base agropecuária no
campo e, essencialmente urbana, no modo de viver.
189
transforma, em especial, pelas ideologias de quem comanda o mesmo. Porém,
alguns destes municípios recém criados como o de Santa Rosa, Porto Walter,
Jordão, Acrelândia, Capixaba, ainda têm sua população rural muito superior à
urbana.
Cabe frisar que no final da década de 1990, se inicia um novo panorama
político do Acre. O Poder Público passa das oligarquias regionais, suplantadas,
em especial, no período ditatorial brasileiro, para novas oligarquias, que agora
incorporam o discurso calcado sob a ideologia do “desenvolvimento sustentável”.
Isto se dá com a ascensão política da “oposição16” que, parcialmente, suprime as
relações ideológicas por parte da velha oligarquia do Estado, sobretudo, em Rio
Branco. Isto não quer dizer que já estejam suplantadas as práticas reprodutivas
da política de “apadrinhamentos”, calcada na barganha, no voto em troca de
favores e na articulação da máquina administrativa, antes tão incorporada ao
discurso no Estado. Na verdade, muitas práticas persistem. Contudo, há uma
ação mais planejada com metas de políticas públicas para todos os setores
produtivos, inclusive, no que refere-se à urbanização das cidades.
Então a formação das cidades acreanas é inserida em parte nas
propostas de relações verticalmente construídas pelos jogos de interesses do
“poder” e do domínio do “território”. Assim, os municípios acreanos têm,
no seu bojo, a incorporação das relações construídas por sujeitos sociais
do passado, que participaram ontem, hoje e sempre da transformação do
espaço. Isto, mesmo que, muitas das vezes, muitos autores, não vêem esses
municípios serem incorporados à construção do urbano, como um modo de
vida e produção do espaço que, no Acre, principia-se da floresta/campo para
a cidade. Vemos, pois, mulheres e homens, a partir da produção e reprodução
do capital (CARLOS, 1979), trazerem, em sua potencialidade de construção,
a grafia (“escritos” nas suas lutas e suas histórias) das gentes na e da terra
Amazônico-acreana”.
Isto demonstra que,
FPA – Frente Popular do Acre, que correspondeu a uma frente de partidos de centro esquerda,
��
190
como um processo que estes sujeitos, com intensificação da territorialização
do urbano para com o rural, e com a criação de outros municípios, se integram
à realidade acreana atual, seja no campo, na floresta ou na cidade.
191
ou emprego, ou um fator de atração não mais da floresta para a cidade, mas
sim o inverso? Ou ainda a incorporação do discurso do “desenvolvimento
sustentável” sob duas óticas distintas: a floresta e a cidade?
Essas e várias outras questões se inserem no tema da sustentabilidade
no Acre, mesmo porque a cidade acaba se colocando de forma paradoxal: ou
é submetida às relações da e na floresta ou simplesmente sofrerá uma nova
incorporação de processos produtivos, mas perante as permanências de práticas
anteriores que persistem. As praças embelezadas, as ciclovias, a recuperação de
centros históricos, a urbanização de áreas citadinas, se contrastam com bairros
que permanecem mergulhados na lama, com a prostituição, com crianças e
adultos que pedem esmolas, com as ocupações de áreas para morar etc.
Rio Branco – capital do Estado é espelho do problema urbano
acreano. São faces de espaço que, no discurso, muito tem se dito para vê-
la como lócus de uma “cidade sustentável”, preferimos aqui, vê-la como a
“cidade de contraste” que é.
Mas o que seria esta “cidade sustentável” para o Acre? A “cidade
sustentável” se lança num paradigma de desenvolvimento que está submetido
às relações com a floresta (ZEE, 1999). Assim, estão inseridas nesse projeto
político, as pretensões de que as cidades deveriam ser também lócus onde se
coloca a floresta como agente produtivo. Ora, a floresta é lócus, é território de
produção e vivência, mas quem a produz são as gentes que a habitam, sob a
ótica das forças produtivas vigentes.
Isso é bom ou ruim para as relações existentes entre economia
e sociedade? Se pararmos para pensar, veremos que a constituição espacial
de uma economia se dá graças aos movimentos das pessoas que habitam e
transformam seu lugar; aí se programam e complementam uma série de
outros processos e fatores. Aliados, então, à inter-relação do socioespacial,
tanto estrutural quanto conjunturalmente situado nela, a mobilidade do capital
urbano é, eminentemente, participante dessas relações. Mas não podemos
confundir movimento contínuo do espaço, com a verticalização intencional,
característica do sistema capitalista sob forças externas que se impõem aos
lugares. O discurso “sustentável” nos aparece sob esta ótica.
Por outro lado, tendo como perspectiva a realidade acreana, sua
transformação política sob esta ótica é também construção que participa
do contexto que se interpõe às territorialidades dessas propostas, ditas
“sustentáveis” e com metas de vida de diversos seguimentos locais, burgueses
e não-burgueses.
Ressaltamos que Zoneamento Ecológico e Econômico Acre (ZEE/
AC), explica que a principal meta a atingir em relação ao “desenvolvimento
sustentável” é a gestão social do espaço. Isto se daria no jeito de manejar,
de forma coerente, as políticas públicas e o aparato econômico, em que se
vinculam as relações da floresta, do campo e da cidade, no âmbito dos projetos
192
de desenvolvimento postos para a sociedade. Mas fica algo incerto no tocante
às políticas públicas das cidades acreanas, quando se fala em sujeitos que se
inserem diretamente, por serem construtores desse espaço!
Partindo então, de uma “sustentabilidade” que discute a relação
cidade/floresta, vemos que a participação da construção do espaço urbano
pela população do Acre se insere, de forma não menos decisiva, na construção
desses sujeitos. Aí, não necessariamente, estes se encontram ou querem estar
em algo “sustentável”, nos moldes que dizem os apregoadores da ideologia
deste projeto de desenvolvimento. Mas querem, sim, condições de melhor
se sustentarem na labuta do cotidiano enfrentado, para trabalhar, para morar,
enfim, para viver.
Afinal, como Milan Kundera (1987) nos aponta, estamos, na nossa
vida, sempre atrás da leveza. Porém esta leveza acaba por ser insustentável.
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194
O desenvolvimento acreano em questão:
contexto histórico e especificidades microrregionais
195
Gonçalves (1998).
Após 1960, passado os quarenta anos de Território Federal unificado,
no contexto regional amazônico, outras propostas de desenvolvimento passam
a exercer influência na orientação das políticas no Estado. Todavia isso,
claramente já vinha com respaldo nas dinâmicas econômicas e territoriais
impostas pelo Governo Federal que iniciara já pós 1950. Tais mudanças se
efetivam com as políticas e expansão da fronteira econômica no Governo de
JK e, sobretudo, no período da ditadura militar pós 1964.
O respaldo em território acreano formaliza-se nas pretensões de parte
relevante da elite local que via na abertura para a agricultura e pecuária uma
saída da estagnação econômica para a região (dentro de seus projetos de classe
social dominante). Em 1962, o Território Federal do Acre é elevado à categoria
de Estado. A economia estagnada e a franca expansão da fronteira econômica
na Amazônia, já apontavam novas possibilidades para o estado num panorama
político desenvolvimentista.
É a partir daí que podemos encontrar marcos fundamentais para a
compreensão das transformações que se processaram nas décadas seguintes, as
quais foram conduzidas ao atual “projeto de desenvolvimento”.
196
O projeto desenvolvimentista
197
por outros incentivos oferecidos pelo governo estadual.
Esses atrativos, somado às possibilidades de especulação
com o mercado de terras, abriram passagem para a
expansão da frente agropecuária no início dos anos 70.
Os seus impactos na estrutura agrária acreana foram
imediatos. Em 1978, cerca de um terço das terras
cadastradas no INCRA – aproximadamente 4 milhões de
hectares – encontravam sob domínio de investidores do
Centro-Sul [...]. (Paula, 2003, p. 41).
198
Federal, agora parcialmente respaldado em nível estadual, começava a encontrar
dificuldades para sua implantação no Acre. Isto se devia entre outras razões:
199
mudanças estruturais na propriedade fundiária, por outro, muitos dos seringais
que foram vendidos, eram de proprietários que sequer viviam no Acre. Esses
retornavam apenas para venderem suas terras, e em seguida, partiam deixando
para traz os problemas que daí continuariam sendo gerados.
Havia uma implementação de mecanismo de viabilização da
produção não apenas extrativista, mas também da produção agrícola no espaço
agrário. Assim, houve um fortalecimento de assistência e extensão voltado à
produção extrativista e agrícola, o qual foi feito por órgãos federais e estaduais
como EMATER/AC (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do
Acre); SUDHEVEA (Superintendência de Desenvolvimento da Hévea);
COLONACRE (Companhia de Colonização do Acre) e o INCRA (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Que tratam de questões
relacionadas à regularização da propriedade da terra, dentre outras.
No Período de 1979 a 1982, houve a reativação das políticas de
incentivos à agropecuária. Trata-se do governo do Sr. Joaquim Falcão Macedo,
em que sob retomada do projeto de Dantas, as questões que marcaram o Governo
de Mesquita, referentes à reativação do extrativismo seriam relegadas a um
segundo plano. Há uma reabertura para frentes econômicas e populacionais
do Centro-Sul. Novamente intensificam os fluxos de pessoas interessadas na
formação de fazendas e, em especial, de migrantes em busca de terra para
o trabalho familiar, nos projetos de assentamentos do INCRA. É também o
momento em que os conflitos pela terra atingem índices de gravidades drásticos,
inclusive, com muitos assassinatos.
Neste contexto, ocorre a firmação da atividade agropecuarista e a
maior participação das indústrias madeireiras no Estado. Todavia, no contexto
geral, o êxodo rural era bastante intenso, o que fazia ocorrer no Acre um
crescimento considerável das cidades, sobretudo, da Capital. As crises nas
questões sociais estiveram acompanhadas pelo agravamento dos problemas
ambientais, chamando a atenção nacional para o que ocorria na região.
Basicamente aí se contiveram as ações do Governo, como ápices
da oligarquia local aliada aos interesses nacionais. As condições políticas e
econômicas, em tudo, agora. contribuiria para a reabertura política do país e
para a conseguinte eleição direta dos próximos governos.
200
anteriores. Foi, todavia, no governo do Sr. Nabor Junior (1983 a 1986) e do
Sr. Flaviano Mello (1987 a 1990) que se fixaram as bases para a firmação da
colonização agropecuária, e também, é nesse mesmo período, que efetivaram
as primeiras medidas que denotavam resposta aos apelos e às pressões sociais
e ambientais vividas na época. Isto já era resultado dos anos de conflito sociais
locais respaldados na realidade mundial de movimentos sociais que apontavam
para os problemas ecológicos que estavam sendo gerados.
Foi neste período que foi formado o Instituto de Meio Ambiente do
Acre (IMAC) e a Fundação de Tecnologia do Acre (FUNTAC), órgãos que
se voltam para questões ambientais, com a finalidade de atuação desde a
fiscalização até a geração de tecnologias para a produção, sobretudo, florestal.
Também houve um primeiro esboço de um “zoneamento do Estado”, em que
se mapearam as aptidões produtivas (“Atlas da FUNTAC”) e depois o “Atlas
Geográfico Ambiental do Acre” (ACRE, 1991). Contudo, os incentivos não
estiveram centrados na atividade florestal/extrativista, mas foram direcionados,
ora à indústria (em especial dos ramos madeireiras, alimentícias ou oleiras),
ora à produção rural (campo e floresta tratados como se tudo já fosse área
desmatada ou pronta para ser), ora ao comércio e construção civil e ora em
ações assistencialistas no campo social.
As preocupações “ecológicas” aí manifestadas se dão devido aos
grandes impactos causados pelas derrubadas, queimadas e conflitos sociais.
Havia pressões de organismos nacionais e internacionais que
exigiam medidas que freassem esses conflitos e que dessem maior atenção
aos problemas ambientais. Também o interesse em atrair investimentos
governamentais e não governamentais para o Estado, fazia com que o
Governo acenasse com possíveis preocupações com a questão ambiental nas
políticas públicas. Para isto, as fortes pressões dos trabalhadores organizados,
repercutiam internacionalmente. Com isto houve, inclusive, o assassinato do
sindicalista Chico Mendes em 1988, fato que obrigaria de imediato o aumento
da preocupação em torno dos assuntos socioambientais, para que se tomassem
medidas políticas nesse sentido. Todavia, com exceção das ações dos
trabalhadores organizados (STRs, CNS, FETACRE, CUT etc), das conquistas
nas áreas de assentamentos (PADs e PAEs) e do aprofundamento nas propostas
de RESEXs, as preocupações estiveram restritas a muitos discursos e práticas
contraditórias. Continuavam os incentivos à agropecuária e a outras atividades
sob metas desenvolvimentistas.
A partir de 1989, o Governo Federal proíbe as linhas de créditos que
implicassem no desenvolvimento de atividades que levassem ao desmatamento
da Amazônia (Acre, 2001, p. 27). No Acre, isto teria repercussão positiva nos
movimentos sociais rurais.
No curto governo do Sr Edmundo Pinto de Almeida Neto (1991 a
1992), também não houve ruptura com as idéias desenvolvimentistas. Todavia,
201
este apresentava um projeto acirrado de aprofundamento dessas perspectivas
de desenvolvimento, com ampliação da malha viária, colonização agrícola,
industrialização e urbanização das cidades.
Na verdade, foi uma proposta de governo cuja meta era o incentivo
ao desenvolvimento, tendo como base a expansão agropecuária e extrativista
madeireira no ambiente agrário. Que daí se esperava ter como resposta a
ampliação das oportunidades de crescimento da indústria e do comércio nas
cidades. Fora um curto Governo, mas que entendemos ter marcado como a
última tentativa formalizada de aprumar o crescimento estadual sob meta
“desenvolvimentista”, numa lógica acumulativa, planejada e predatória da
natureza local, sem operacionalizar o discurso ambientalista, como propósito
político para sua realização.
Posteriormente, os governos dos Srs. Romildo Magalhães (1992/1994)
e Orleir Cameli (1995/1998), a nosso ver, foram marcados pela ausência de
um projeto para o Estado. Não se tem clareza na definição de uma proposta
efetiva para o desenvolvimento estadual quanto ao direcionamento político,
econômico e ambiental.
O assistencialismo e paternalismo governamental predominam e
exacerbam as ações no campo social, sob metas de governo populista, mas sem
propósitos gestores da coisa pública. Como conseqüência destes governos, os
setores produtivos do estado mergulham numa decadência econômica pela falta
de incentivos e apoio governamental. Permanecem os conflitos ambientais e
sociais no Estado, e aprofunda-se uma crise de credibilidade nesses “governos”,
extrapolando até os limites do Estado, da região e do país.
Foi nesta conjuntura institucional de ausência de um projeto de
Governo, de crise social e, sobretudo, com reflexo no âmbito da própria elite
local, perante os avanços de setores da sociedade organizada, que em 1998,
chegou ao poder o Governo da Frente Popular do Acre (FPA.
Era uma frente partidária liderada pelo Partido dos Trabalhadores
(PT), sob a liderança personificada no Engenheiro Florestal Sr. “Jorge
Viana”, o qual incorporou ao partido representantes de segmentos da “velha
elite” (oligarquia) extrativista da região, de segmentos políticos de centro-
esquerda e das organizações sociais de trabalhadores (urbano-rurais).
Apresentou-se com um arrojado projeto de gestão que propunha romper tanto
com a lógica “desenvolvimentista/agropecuarista”, quanto com a inércia dos
governos anteriores, ao implantar uma ótica organizacional sob ideais do
“desenvolvimento sustentável”.
Principiava-se o ano de 1999, início da gestão do “Governo da
Floresta”.
202
O “Governo da Floresta” e o “desenvolvimento sustentável”
203
O desenvolvimento proposto pelo “governo da floresta”
Uma questão chave é o esclarecimento dos conceitos de Desenvolvimento
Sustentável. Por um lado, o Desenvolvimento Sustentável implica em mudanças
de valores, ética e comportamentos, tendo como base a cooperação na tomada
de decisões. Ao mesmo tempo, implica na adoção de novos padrões de
produção e consumo, envolvendo o compartilhamento de novas tecnologias,
maior eficiência no uso de recursos naturais e sistemas de produção e
consumo que reconhecem a necessidade vital de manter a integridade dos
sistemas ambientais. Assim, a complexidade do Desenvolvimento Sustentável
pode convencer muitas pessoas de que ele não é viável, nem necessário.
Portanto, é preciso simplificar os princípios e processos de Desenvolvimento
Sustentável para agilizar a sua operacionalização (ACRE, 2000, v.II, p. 310)
205
A verdade é que, este, soube utilizar-se desse instrumental com
profunda categoria. Assim, mesmo não negando as mudanças substanciais na
direção que se aponta para o desenvolvimento estadual, há pontos que podem
ser atestados de que tais políticas governamentais, no tocante à viabilidade de
mercado, pouco se diferenciam das orientações anteriores.
Paula (2003, p. 181-182), num trabalho que já se intitula como uma
compreensão crítica da realidade e do espaço produzido acreano: “Estado e
Desenvolvimento Insustentável na Amazônia Ocidental: dos missionários do
progresso aos mercadores da natureza”, demonstra que:
Por todos estes aspectos, tem-se como resultado uma “geografia” atual
do Estado que permite uma compreensão espacializada de um novo momento
que se vive no Acre. Com a implantação do programa de desenvolvimento, as
diretrizes firmadas no ZEE/AC, passam a ser “indicativos” para ações políticas
no estado; aí se espacializam.
Ao espacializar suas áreas de ações, o Governo busca bases territoriais.
É neste processo que então se tem proposto uma “denominação própria”
para a “efetivação regional” dessas políticas com as chamadas “regionais de
desenvolvimento”. Acreditamos que após uma compreensão crítica destes
processos, tomando estas bases territoriais, nos será possível apreender e
transmitir melhor a dimensão do atual processo desenvolvimento do Acre.
206
elementos físicos e naturais, no processo de produção socioeconômico e
territorial do Acre. Uma justificativa para isto é que dado o isolamento que se
tinha por vias terrestres (o que ainda permanece em grande parte do estado), a
circulação de pessoas, informações e mercadorias se faziam (fazem) por rios
em grande parte do território estadual.
Então, muitos dos limites fixados na divisão anterior ( 1969), com base
no conceito de regiões homogêneas feitas pelo IBGE permaneciam. Em outras
palavras, o Acre foi considerado como uma mesorregião homogênea, dividido
em duas microrregiões homogêneas: a do “Alto Juruá” e a do “Alto Purus” em
1969, nessa divisão de 1989 em regiões geográficas, efetuavam-se apenas as
seguintes modificações: a antiga “Microrregião Homogênea do Alto Juruá” foi
reconsiderada com a mesma base territorial na “Mesorregião Geográfica Vale
do Juruá”, e a antiga “Microrregião Homogênea do Alto Purus”, formou-se a
base territorial para a “Mesorregião Geográfica Vale do Acre”.
Assim, considerando essas duas mesorregiões geográficas, chegou-
se a definição, de cinco microrregiões geográficas que são:
Fonte: IBGE, 1991; ACRE, 2000. Refeito por Silvio S. da Silva, 2004.
207
Na Mesorregião Geográfica do Vale do Acre:
Fonte: IBGE, 1991; ACRE, 2000. Refeito por Silvio S. da Silva, 2004.
208
para o Acre. Aí se busca identificar potenciais naturais, como definidores
de territórios para metas sociais e empresariais. Isto numa perspectivas de
viabilizar também a produção regional ao mercado, em diferentes escalas de
abrangências (Silva, 2004).
209
Desenvolvimento do Alto Acre.
210
Microrregião de Rio Branco
Recuperação de ramais.
Incentivos à pecuária: adoção de tecnologia e intensificação
na produção.
Incentivo à produção agrária familiar nos Pólos
agroflorestais
Manejo florestal.
Eletrificação rural.
Investimentos na infra-estrutura urbana.
Recuperação do Distrito Industrial na cidade de Rio
Branco.
Desenvolvimento de atividade de turismo.
211
forte predomínio de áreas florestais, cobrindo terras drenadas pelos rios da
Bacia do Purus (os afluentes: Iaco, Macauã, Caeté e Chandless), numa planície
de aspectos colinosos, com altimetrias modestas na porção norte, mas que se
acentua no sentido sul em direção à divisa com o Peru.
Como potencialidades, pode-se citar no setor da produção agrária:
a produção da borracha natural, da castanha, da madeira, da agricultura e da
pecuária (praticadas em unidade de produção familiar ou fazendas).
No setor terciário, tem-se o comércio das cidades e dos rios, os
serviços públicos e a pouca expressividade no setor de construção civil e
serviços gerais; já no setor industrial, tem-se o beneficiamento da borracha
natural e poucas indústrias madeireiras (em Sena Madureira). Aí os principais
investimentos governamentais têm sido voltados para os setores de:
Microrregião de Brasiléia
212
se na cidade de Boca do Acre – AM.) a Assis Brasil na divisa com o Peru
(é a Chamada “Estrada do Pacífico”). Também comportam em seu território
projetos de assentamentos agrícolas e extrativistas bem como Unidades de
Conservação de Uso Direto e Indireto (Como RESEX e Estação Ecológica das
nascentes do Rio Acre).
Outras características que aqui ressaltamos referem-se ao fato de
ser esta região o lugar onde houve maiores conflitos e lutas de resistência
dos seringueiros. Por exemplo, o fato de “Xapuri” trazer um significado
implícito de ser a “terra de Chico Mendes”, embora também seja o local no
qual a arquitetura testemunha do período áureo do extrativismo. Também
muito presente. E ainda ser a cidade, na atualidade, o lócus privilegiado
para experimentos de tecnologias de exploração dos recursos da floresta sob
conceitos sustentáveis de uso. Ademais, as áreas “interligadas” entre as cidades
– Brasiléia, Epitaciolândia e Cobija (Cidade boliviana), formam o segundo
maior aglomerado urbano de toda a região amazônico-acreana (um continuum
urbano), sob influência da Zona de Livre Comércio da cidade boliviana. Já a
cidade de Assis Brasil, tem como estigma situar-se defronte à linha de divisa
entre as duas repúblicas vizinhas – sendo o marco das três fronteiras. Enfim,
a efetivação da Rodovia BR-317, interligando o Acre às rodovias peruanas
ou bolivianas (via Cobija), torna esta microrregião um importante território
de passagem para rotas de viagem a quem se dirigir, por terra, a estes países
vizinhos.
Com estas considerações, destacam-se, aí, como potencialidades
fundamentais no setor produtivo agrário a produção de Castanha-do-Brasil,
da borracha natural, da madeira (inclusive certificada), da pecuária (praticada
em unidade de produção familiar ou fazendas), e da agricultura (incluindo
a experiência com a formação de SAFs); no setor de serviço, destaca-se o
comércio, o serviço público, os serviços gerais em menor escala e uma
principiante atividade de turismo – urbano, o ecoturismo (na floresta –
especialmente, em Xapuri) e o setor comercial (Brasiléia-Cobija); já no setor
industrial, tem-se implantadas médias e pequenas usinas de beneficiamento da
castanha e da borracha (nas cidades), além das beneficiadoras de arroz, café e
das fábricas de farinha-de-mandioca (mais em áreas do campo ou da floresta).
Há ainda o Pólo de Indústria Madeireira de Xapuri, a Fábrica de
Preservativo também em Xapuri e o Frigorífico de aves em Brasiléia. Muitas
destas, provindo de iniciativas dos movimentos associativistas e cooperativistas
de grupos de trabalhadores camponeses, e outras, mais recentes, contam com
ações de setores governamentais para atraírem investidores para a região.
Levando em consideração esse potencial, as políticas voltadas para
esta região têm apoiado:
A extração da borracha.
213
A produção familiar com Projetos de assentamentos e nos pólos
agroflorestais.
A coleta e beneficiamento a castanha-do-Brasil.
O manejo florestal e madeireiro.
A indústria e tecnologia madeireira (florestal)
A diversificação e intensificação da agropecuária.
O turismo ecológico.
A eletrificação rural.
A recuperação de ramais (estradas vicinais).
A produção e industrialização avícola.
214
Dadas estas considerações, pode-se destacar, na região, no âmbito
do setor produtivo agrário, as atividades ligadas à extração da borracha natural
e da madeira, da agropecuária (fazendas e pequenas criação camponesas),
da agricultura de arroz, mandioca, feijão, frutas, guaraná (muitas vezes são
lavouras de praias, cultivadas nas vertentes fluviais); no setor de serviço, tem-
se o comércio nas cidades e nos rios, além do serviço público, das atividades
turísticas (espontaneamente). Há pouca expressão na construção civil; no setor
de indústria, há apenas algumas madeireiras e olarias em áreas urbanas (em
especial de Cruzeiro do Sul) e as pequenas fábricas de farinha de mandioca em
áreas do campo e da floresta.
Assim, na atualidade, as principais políticas públicas para essa
microrregião voltam-se, em geral, para:
Microrregião de Tarauacá
215
República do Peru (onde são mais numerosos). Aí, o domínio dos rios como
via de acessibilidade é marcante, junto à floresta que cobre, em alguns casos,
praticante quase a totalidade do território municipal, como acontece em
Jordão.
No âmbito de uma caracterização produtiva, na região, pode-se dizer
que no setor produtivo agrário destacam-se os sistemas de extrativismo da
borracha. Há uma busca da diversificação produtiva, sobretudo, pela atuação
da Cooperativa Agroextrativista de Feijó (COAF), mas também no cultivo de
frutas, mandioca, arroz, feijão e na diversificação produtiva dos sistemas de
“cultivo de praia”; no setor de serviço, destaca-se o comércio nas cidades e
nos rios, serviços públicos e poucas atividades na construção civil; o setor
industrial se restringe as poucas madeireiras e olarias na cidade e as casas de
farinhas (farinheiras) em ambiente de produção familiar camponesa, seja no
campo ou na floresta.
Assim, as políticas de desenvolvimento regional, têm sido voltadas
para as atividades da produção madeireira, da borracha e da pecuária. Para isto,
tenta-se operar com ações de incentivo a:
Pavimentação da BR 364.
Manejo Florestal.
Investimentos na produção de frutas, em especial do açaí e
abacaxi.
A agropecuária.
A atividade de agricultura familiar, tanto nos pólos
agroflorestais, como em outras modalidades de
assentamentos.
216
então, como pensar esta atividade dentro de um conceito que não promova
degradação? E ainda, considerando que esta tenha que possibilitar lucro ao
criador (em geral, fazendeiro, pois esta é uma atividade apenas parcial ao
proprietário familiar). Segundo o ZEE/AC (ACRE, 2000), isto tornar-se-
ia possível com a “adoção de tecnologias disponíveis em todas as áreas de
pastagens” do Estado. Assim, permitir-se-ia a promoção de um aumento de
250% no rebanho e, ao mesmo tempo, uma redução da pressão sobre a floresta,
evitando-se o desmatamento de mais de dois e meio milhões de hectares de
terras florestais.
Explicam:
217
“pecuária sustentável” fosse viabilizada em criações, sob base do trabalho
familiar camponês, em suas unidades produtivas, conciliando com a expansão
vertical da atividade, em projetos de reforma agrária. Aí se viabilizaria
produtivamente, inclusive, os territórios vivenciais, nos quais se conciliam a
pecuária com práticas agroflorestais, em escala de criação pequena ou média.
218
forma de uso “da floresta com sabedoria”, cujo objetivo é o de garantir a
permanência desse potencial utilizável por futuras gerações. Nessa prática, a
questão ambiental (preservação da floresta) está aliada à sobrevivência das
comunidades tradicionais que vivem dos recursos florestais, naquilo que o
Professor José Fernandes do Rego (2001) denomina como “neoextrativismo”.
Todavia, nesta diversificação, há ainda experimentos preliminares e
poucos resultados já concretizados. A atividade madeireira, sim, tende a se
consumar como carro chefe do projeto de manejo florestal. Tal é o sentido
que no ZEE/AC, conforme a tabela 01 a seguir exposta, já se faziam de áreas
exploráveis.
Nota-se na tabela a seguir o potencial para a atividade. As áreas
restritas, em geral, referem-se à unidade de conservação de uso direto, projetos
de assentamentos extrativistas e terras indígenas. As áreas não-protegidas são
outras modalidades de assentamentos camponeses e, em especial, propriedades
particulares; é onde está a maior concentração em termos quantitativos do
fundiário acreano. As áreas sem floresta são as porções desmatadas, portanto,
voltadas para as atividades agropecuaristas. Isto dá um retrato do tamanho
do desafio, sobretudo, do controle para a não desvirtuação da proposta de
manejos, como um artifício para uma extração massiva em áreas de grandes
propriedades fundiárias e privadas.
219
O Potencial do Manejo Madeireiro
220
cunho ecológico e mercadológico na abertura de possíveis explorações. Então,
as políticas públicas têm atuado no sentido de firmar melhores condições para
a relação do homem com a floresta, mas, concomitante, proporciona igual
condições para a atuação de empresas que queiram explorar economicamente
tais potenciais. Para isto, exige-se que esta se enquadre nos propósitos de exercer
as atividades em “moldes que promovam uma exploração sustentável”.
Assim, a proposta de “desenvolvimento sustentável”, tem que ser
vista no âmbito de um projeto neoliberal global. Aí, quando muito, é um
paliativo, pois também provém do “capitalismo” que gerou os projetos que
negamos. Na verdade, estamos muito longe de um projeto revolucionário,
mas temos espaço para promovê-lo ou enterrá-lo definitivamente diante das
mirabolantes formulações colocadas por emissários do Banco Mundial, dos
países ricos etc.,e pouco percebemos suas ações no nosso dia-a-dia.
Talvez a explicação de Arlete Moisés Rodrigues (1997, p. 46) sobre
o que é este projeto global de desenvolvimento nos seja bastante esclarecedora
e questionadora, agora:
221
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222
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