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“Depressão é falta de louça pra lavar”

Já ouvi isso diversas vezes, e repliquei também, até sentir o que realmente é.
Minha casa tá sempre cheia de louça pra lavar, então não sei se posso associar
essa doença à falta de cerâmica com resto de alimento.
É falta de alguém pra falar, de algo pra sentir, de objetivo pra buscar, de louça
pra lavar… sim, também, pois é a falta, o vazio, que faz nossa cabeça pensar coisas
como nunca tinha pensado e agir de formas que não costumamos agir. É o cansaço
mental de não aceitar o lugar que estás agora, a agonia de não poder resolver tudo
em um milésimo de segundo (às vezes, nem em anos), um desespero interno que
você não sabe de onde vem e, consequentemente, não pode superá-lo.
A “falta de louça pra lavar” é um modo pejorativo, de quem não aceita o
sofrimento alheio, tratar dessa condição como algo praticamente inexistente. Porém,
não literalmente, tem sua parte de razão.
Já terminei a louça, que estava há quase duas semanas sendo acumulada.
Melhorei, me senti bem, casa arrumada é bom demais, mas amanhã, quando
desarrumar, vou voltar a sentir tudo de novo. E é assim mesmo (não que devesse
ser, mas é), é todo dia uma vitória, uma conquista em pequenas coisas, pequenas,
muito pequenas mesmo, como conseguir lavar a louça! Conseguir fazer arroz,
levantar mais cedo, dar uma volta na praça… mas não é todo dia que conseguimos.
A louça não ficou duas semanas na pia porque você é um involuído nojento que não
sabe a importância da limpeza, ficou porque você não tem motivos pra lavar, assim
como não tem motivos pra cuidar de si mesmo.
Nada que possa ou deva ser feito é viável, nada que está ao seu alcance é
esperançoso, não tem soluções, mesmo, então, pra que fazer? Pra que levantar da
cama se eu vou olhar a louça suja, o chão grudando, o quarto desarrumado, a vida
como não sonhei, e ficar me cobrando por tudo isso estar acontecendo? Ver que a
vida estagnou, saber que preciso dar um passo pra frente, e mesmo assim não
conseguir, como se cada perna pesasse uma tonelada. Pesa porque pra você, você
é o pior de todos, um egoísmo inverso, como se você se sentisse o escolhido pra
ser frustrado, como naquelas cenas em que a multidão passa em velocidade
acelerada, e você ali, no meio de todas aquelas histórias, parado, só olhando.
Desde que me encontrei nessa situação toda acima, uma coisa eu posso
dizer com total convicção, a gente não é nada sozinho. Uma visita, uma mensagem,
um role qualquer, uma distração que parece mínima, quando estamos nessas
situações, é tudo que a gente precisa. Como se todo esse texto se acalmasse,
ainda existe, mas deu uma cochilada enquanto você fala com seu melhor amigo,
enquanto você ri de algo besta e esquece que tudo que foi escrito até agora é sobre
você mesmo.
E sempre, sempre um dia de cada vez. Pra dar mil passos, é preciso dar o
primeiro, depois o segundo, depois o terceiro…
Você não tá sozinho nem sozinha, a força inicial pra esses passos pode estar
nos outros, nos que você não quer que sofram a sua dor.

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