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Qual a importância das fontes históricas para a pesquisa histórica?

As fontes históricas são vestígios do passado que permitem que o historiador desenvolva sua
pesquisa e responda questões referentes a elas. Dessa maneira, as fontes assumem um papel
de total importância para a pesquisa histórica dando credibilidade à mesma. O termo “fonte” é
compreendido como documento que registra e comprova o vestígio do passado

Qual a finalidade da história oral?


HISTÓRIA, TEMPO PRESENTE E HISTÓRIA ORAL• 329 escamoteando-se assim sua
finalidade de produzir fontes que serão objeto de análises e interpretações. Finalmente, critica-
se a noção de que a histó- ria oral seria uma outra história, uma história alternativa, mais
compro

Qual a importância da fonte oral para a pesquisa histórica?


O trabalho com a História oral se beneficia de ferramentas teóricas de diferentes disciplinas das
Ciências Humanas, como a Antropologia, a História, a Literatura, a Sociologia e a Psicologia,
por exemplo. Trata-se pois, de metodologia interdisciplinar por excelência. (Fontes Históricas,
p. 156)

Introdução

Neste artigo abordamos aspectos das práticas didático-pedagógicas das professoras


que atuaram nas 4a séries do Ensino Fundamental de uma escola Escola Estadual
Gustavo Kulmman de Cuiabá-MT, na década de 1990, manifestados nos relatos
orais das professoras quando recordavam de suas práticas em sala de aula.
Recorremos à história oral nessa pesquisa como uma das formas de resgatar
fragmentos de uma história que ajudaram a constituir o ensino da produção de
texto escrito naquele ambiente escolar. O projeto de pesquisa foi desenvolvido no
Programa de Estudos de Pós-Graduação do Mestrado em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, na área de concentração de Teorias e Práticas
Pedagógicas, vinculado à linha de pesquisa de Educação e Linguagem, sob a
orientação da Prof. Dra. Cancionila J. Cardoso.

O estudo teve como objetivo contribuir para a compreensão de parte de uma


história educacional em Cuiabá e no Estado de Mato Grosso, e para o
desenvolvimento da pesquisa histórica em alfabetização. Mediante a recuperação,
reunião, seleção, organização e análise da configuração textual de fontes
documentais, buscou-se compreender como as propostas para o ensino da
produção textual escrita, contidas nas prescrições (materiais normativos que
advieram de órgãos federais e estaduais), foram possivelmente realizadas na práxis
pedagógica das professoras.

Os procedimentos metodológicos utilizados ampararam-se em autores que


desenvolvem pesquisas de fundo histórico em educação, especialmente naqueles
relacionados com a preocupação da leitura e da escrita como objeto de estudo.

Os dados foram analisados sob a ótica da história cultural, com foco na análise da
configuração textual, por meio de descrição, interpretação, comparação e
cruzamento das fontes.
Tomando os aspectos didático-pedagógicos que foram percebidos nos materiais
coletados como objeto de investigação, levantamos alguns questionamentos:

1. Em que se assemelhavam e se diferenciavam os métodos de ensino da produção


textual escrita antes e depois da promulgação da última LDB, que contribuíram
para a constituição/consolidação de novos referenciais teórico-metodológicos
(PCN), que acabaram por fundamentar novas propostas de organização do ensino
e, em especial, o ensino da produção escrita?
2. Como se via o objeto-texto: na perspectiva do texto como pretexto ou
instrumento para se aprender a ler e escrever, ou na perspectiva do texto como
objeto de ensino-aprendizagem? Quais gêneros (textuais e discursivos) aparecem
nos dados e que foram privilegiados pela Escola?
3. Quais os conteúdos privilegiados ao longo do período que se quer enfocar?
Foram sempre os mesmos? Sofreram mudanças? Em função de quê?

A partir desses questionamentos, elegemos como questão fundamental a seguinte:

Como o ensino da produção textual escrita foi sendo ressignificado na transição


entre o prescrito e o realizado, pelas professoras das 4as séries de uma escola
pública mato-grossense na última década?

No caso deste artigo, enfocaremos um dos instrumentos utlizados na coleta de


dados que se caracterizou revelador de aspectos das práticas pedagógicas das
professoras por meio de seus discursos orais. Após descrevermos o funcionamento
da história oral em pesquisas históricas, apresentamos o processo de entrada em
campo para a execução das entrevistas e alguns resultados que advieram desses
relatos quando cruzados com outros dados, como as prescrições para o ensino da
produção textual escrita que circulavam no Estado de Mato Grosso, nos anos de
1990.

História oral como fonte de pesquisa histórica

A história oral se configura como um procedimento de coleta utilizado


freqüentemente em pesquisas históricas de educação. Este recurso possibilita ao
pesquisador recorrer, além de documentos escritos, aos documentos orais como
elementos significativos no resgate de uma história.

Ao recorrer à história oral, é preciso entendê-la numa perspectiva que vai além de
um relato de fatos: é uma maneira de se chegar ao conhecimento de fatos
vivenciados num dado momento histórico em que somente documentos escritos
não poderiam revelar por si só todos os sentidos circulantes num determinado meio
social. Meihy (1996: 10) considera a história oral como uma "percepção do passado
como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado".
Em sua concepção, a história oral "garante sentido social à vida de depoentes e
leitores que passam a entender a seqüência histórica e a sentirem-se parte do
contexto em que vivem". Neste sentido, também Chartier (2002: 84) refere-se ao
relato como uma singularização da história, pelo fato de manter uma relação
específica com a verdade, pois as construções narrativas pretendem ser "a
reconstituição de um passado que existiu".

Thompson (1992: 22) define a história oral como uma prática social possivelmente
geradora de mudanças que transformam tanto o conteúdo quanto a finalidade da
história, pois, para ele, a história oral altera o enfoque da própria história e revela
novos campos de investigação, podendo derrubar barreiras entre alunos,
professores, gerações, instituições educacionais e até o mundo exterior.

Segundo Sousa (1998: 27), os dados podem ser obtidos:

"... por meio de fontes vivas de informações: histórias de vida, autobiografias,


biografias, depoimentos pessoais e entrevistas, ... material que precisa passar por
um minucioso processo de análise."

Neste sentido, Meihy (1996: 15-16) categoriza três elementos fundamentais para
construir uma história oral: "o entrevistador, o entrevistado e a aparelhagem de
gravação". A partir desses elementos, o autor propõe três ações: "a da gravação, a
da confecção do documento escrito, a de sua eventual análise". O autor percebe
ainda que é possível existir três tipos de história oral: "história oral de vida, história
oral temática e tradição oral".

A entrevista é um recurso importante para fazer aparecer uma história oral e,


conforme Thompson (1992: 25):

"Os historiadores orais podem escolher exatamente a quem entrevistar e a respeito


do que perguntar. A entrevista propiciará, também, um meio de descobrir
documentos escritos e fotografias que, de outro modo, não teriam sido localizados."

De acordo com Thompson (1992: 32-33), por meio da entrevista, ocorre um


rompimento entre "a instituição educacional e o mundo, e entre o profissional e o
público comum". Neste processo, o historiador aprende, na entrevista, a ouvir, a se
relacionar com pessoas de classes sociais diferentes e a se envolver em histórias
que retratam momentos sociais de quem as conta. E, para isso, esclarece (ibidem:
43) que o historiador oral precisa ser "um bom ouvinte, e o informante, um auxiliar
ativo."

No entendimento de Meihy (1996: 28-30), os papéis de entrevistador e


entrevistado ocupam lugares sociais diferentes e a afinidade entre um e outro se
caracteriza como fator essencial no processo da entrevista. O entrevistado deve ser
tratado, como um colaborador, e o entrevistador não deve vê-lo como um objeto
de pesquisa, pois dele dependerá todas as etapas de entrevista, bem como a
autorização para publicação dos depoimentos e a autoria. Já o entrevistador "deve
ser sempre o realizador da entrevista e o diretor do projeto". Para se evitar
situações de constrangimento, pode-se recorrer ao anonimato dos sujeitos.

Para o entrevistador conseguir obter as informações almejadas no momento da


entrevista, precisa ativar a memória do entrevistado. A memória, segundo
Thompson (1992: 152), depende de elementos significativos, como um nome, um
rosto, para que fatos já adormecidos possam ser lembrados. Para o autor (ibidem:
153), "o processo da memória depende, pois, não só da capacidade de
compreensão do indivíduo, mas também de seu interesse", podendo estar muitas
vezes relacionado não em seu apego aos fatos, mas em sua divergência com eles.

Para Nunes (1992: 76), a memória "só atua resgatando, registrando aquilo que
tem uma importância para um agora". Por isso, as perguntas em uma entrevista
devem ser elaboradas de acordo com a pretensão de ouvir do entrevistador, ou
seja, precisam ser coerentes não só com o tema em foco, mas também com o
interlocutor com quem se fala. Thompson (1992: 260-263) propõe alguns princípios
básicos para a elaboração das perguntas:
"As perguntas devem ser sempre tão simples e diretas quanto possível, em
linguagem comum. Nunca faça perguntas complexas ou de duplo sentido ..., evite
induzir a uma resposta. ... E sempre que possível evite interromper uma
narrativa..."

Outro fator determinante em uma entrevista, abordado por Thompson (1992: 163),
refere-se ao local em que ela é realizada, podendo alterar o próprio discurso do
entrevistado e seus conceitos sobre o que diz.

A gravação das entrevistas, na opinião de Thompson (1992: 146-147), é a primeira


etapa e deve ser um registro fidedigno e exato, pois retrata exatamente o dito,
principalmente as marcas de incerteza, humor, fingimento e dialetos. Ao contrário
do registro escrito:

"A fita é um registro muito melhor e mais completo do que jamais se encontrará
nas anotações rascunhadas ou no formulário preenchido pelo mais honesto
entrevistador, e menos ainda nas atas de reunião."

A transcrição das entrevistas se caracteriza como uma segunda etapa importante


no processo da história oral. Conforme Thompson (1992: 57-58), "a transcrição
destina-se à mudança do estágio da gravação oral para o escrito", procedimento
que deve ser cauteloso,

"O que deve vir a público é um texto trabalhado, onde a interferência do autor seja
clara, dirigida à melhoria do texto". Por isso, o autor afirma: "por lógico, não são as
palavras que interessam e sim o que elas contêm. ... Vícios de linguagem, erros de
gramática, palavras repetidas devem ser corrigidos, sempre indicando ao leitor, que
precisa estar preparado."

Entendemos, portanto, a necessidade de correção da entrevista, mantendo o


sentido intencional articulado pelo narrador.

A textualização é a última etapa na materialização do discurso oral. Thompson


(1992: 59) considera que, nesse momento, o narrador passa a dominar como
personagem único em primeira pessoa, passando pelo processo de transcriação, ou
seja, um texto "recriado em sua plenitude" que deve ser conferido pelo
entrevistado para autorização de sua publicação.

No que concerne à apresentação e interpretação dos relatos orais, Thompson


(1992: 301-305) sugere que ela deve ser condizente com o contexto no qual foi
coletado. Afinal "trata-se de um material que não apenas se descobriu, mas que,
em certo sentido, ajudou-se a criar ...".

Reconstruir histórias de vida, sejam elas nos aspectos pessoais, sociais, culturais ou
profissionais, é uma forma de reaver lembranças escondidas reveladoras de
sentimentos que, ao serem expressos pelas palavras, conseguem fazer os fatos
renascerem, mesmo imaginariamente, pois, conforme Thompson (1992: 337):

"A história oral devolve a história às pessoas em suas próprias palavras. E ao dar-
lhes um passado, ajuda-as também a caminhar para um futuro construído por elas
mesmas."

 
Relatos orais: sujeitos de pesquisa e a (re)construção de suas
práticas

Na pesquisa que empreendemos sobre o ensino da produção textual escrita, na


década de 1990, nas 4a séries de uma escola de Cuiabá-MT, antes de iniciar cada
uma das entrevistas, logo na chegada, a professora a ser entrevistada era
presenteada com um arranjo de flores, para introduzir um contato interativo
descontraído e com alguma tonalidade afetiva. Era uma forma de agradecermos
pela concessão da entrevista. As entrevistas iniciavam-se de forma tranqüila e,
conforme o diálogo fluía, estabelecia-se um vínculo de amizade e confiança,
fazendo as entrevistadas sentirem vontade de contar suas histórias de ensino. Era
comum, durante as entrevistas, as professoras mostrarem seus álbuns de
fotografias, inclusive da época escolar. Olhávamos as fotos e ouvíamos
atenciosamente seus relatos. Tínhamos muito claro (pesquisadores e
entrevistados), que se tratava de uma conversa, direcionada a retomar parte de
suas práticas pedagógicas desenvolvidas num determinado período.

As professoras mostraram-se extremamente colaborativas ao tentarem recordar


como desempenharam parte das atividades docentes no ensino da produção textual
escrita. Ao término de cada entrevista, encerrávamos sempre dando voz à
entrevistada quando perguntávamos se ela gostaria de retomar algum item ou
fazer alguma consideração final, para, só então, finalizávamos com um
agradecimento.

Desde o início, a entrevista caracterizou-se como uma experiência marcante para


nós, pois tivemos de nos inserir, por alguns instantes, no universo das
entrevistadas e compartilhar de suas lembranças, fossem agradáveis ou não. Tais
relatos advieram de pessoas cujas vidas foram parcialmente dedicadas à sala de
aula e à escola.

Procuramos respeitar as lembranças, posições, explicações e, sobretudo, a


autoridade das professoras em relação aos seus discursos. Ao tomar para a
pesquisa as lembranças das professoras, procuramos nos orientar em Bosi (1973:
55), para quem:

"Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com imagens e idéias de
hoje, as experiências do passado."

Além das entrevistas, foram preenchidas fichas individuais com perguntas sobre a
entrevista e as entrevistadas. Estas concederam autorização (ver Apêndice A) para
o uso de suas falas, de seus nomes e de suas fotos na pesquisa e em eventuais
publicações.

As transcrições das entrevistas: do discurso oral ao discurso


escrito

Por constituir a primeira versão escrita do que foi dito pelas entrevistadas, a
transcrição exigiu que tivéssemos total atenção aos seus dizeres. Procuramos ser
fiéis aos ditos e reorganizar o relato retirando apenas marcas da oralidade, pois
eram irrelevantes à pesquisa, embora tenhamos conservado frases ou enunciados
incompletos e marcado os momentos de silêncio. A pontuação, a utilização de
aspas, parênteses e travessões seguiram o padrão da gramática normativa da
língua portuguesa.
Nesse sentido, Bauer e Gaskell (2002: 106) asseguram:

"O nível de detalhes das transcrições depende das finalidades do estudo. O quanto
uma transcrição implica elementos que estejam além das meras palavras
empregadas varia de acordo com o que é exigido da pesquisa."

Utilizamos para as transcrições um programa computacional, um software,


denominado Via-voice. Ouvíamos um trecho da entrevista, ditávamos num
microfone, e o programa efetuava a transcrição. A cada frase dita pelas
entrevistadas, era ouvido novamente o conteúdo gravado para serem feitas as
eventuais correções. Procuramos manter fielmente a idéia do discurso oralizado,
pois Thompson (1992: 297) defende que:

"... ao passar a fala para a forma impressa, o historiador precisa desenvolver uma
nova espécie de habilidade literária que permita que seu texto escrito se mantenha
tão fiel quanto possível, tanto ao caráter quanto ao significado do original."

As entrevistas revelaram, em seu conteúdo, o resultado do encontro, do diálogo


entre pesquisadores e professoras. Tratou-se de discursos permeados de
subjetividade, de saudades do que foi e uma certa culpa do que poderia ter sido,
lembranças inconclusas de uma prática que envolvia contradições, conflitos,
harmonias, alegrias, tristezas, prazeres e desprazeres que podem ser encontrados
na profissão-professor.

E assim, presumindo ter explicitado a metodologia que fundamentou esta


investigação e os procedimentos a que lançamos mão, apresentamos, na seqüência
alguns resultados advindos dos relatos orais das professoras.

Discursos orais: das prescrições às realizações

Nos discursos orais, materializados em entrevistas, as propostas curriculares que


regulamentavam a ação pedagógica na última década no Estado de Mato Grosso
apareceram ocupando um lugar distante na memória das professoras
entrevistadas. Naqueles dez anos de trabalho, todas as professoras lembravam-se
pouquíssimo ou quase nada da existência de qualquer documento oficial que
regulamentou a educação básica, o que demonstrou haver uma ausência de
iniciativa e acompanhamento, por parte do Estado, de um trabalho de formação
concreta para aplicação das propostas, conforme expressaram as quatro
professoras:

"... Não lembro das propostas não. Sei que nós trabalhamos várias, assim na
mente não estou lembrando não." (Profa A.: 1992-1998)
"... uma coisa é existir e outra coisa é a gente ter acesso a essas informações. A
gente não tinha, pelo menos lá na escola." (Profa N.: 1994-997)
"... Não lembro de nenhuma proposta curricular do Estado! Dessa escola cilada e do
CBA eu lembro, eu não trabalhava, mas sempre estava na escola interagindo com
os colegas." (Profa B.: 1998-2000)
"Nós recebíamos livros e livros para ler, e não sei o que. Só que tudo que se
falava..., pouco se fazia!" (Profa J.: 1999-2000)

Havia uma variável nos discursos das professoras quando se posicionaram em


relação às prescrições: a maioria delas, com exceção a professora A., estava em
final de carreira. O discurso da professora A. se enquadrou mais no nível da
desinformação do que da rejeição às propostas. Já as outras professoras disseram
conhecer pelo menos parte das propostas, mas atribuíram a responsabilidade do
descaso com a aplicação e a formação continuada à esfera institucional, que não
repassava as informações de forma adequada e necessária para apropriação das
novas teorias. O posicionamento da professora J. se voltou para além da questão
da formação, mas no sentido de rejeição mesmo, de cansaço, de encerramento de
carreira.

A partir da implantação da proposta da Escola Ciclada, em Mato Grosso, no ano de


20001, o aluno passou a ser focalizado como sujeito ativo do processo de ensino-
aprendizagem. Além do não rompimento brusco da 4a para a 5a série, o que gerava
altos índices de desistência e reprovação, o ensino de Língua Portuguesa, de um
modo geral, passou a ser concebido como um ensino que visaria o domínio da
linguagem em suas várias modalidades: escrita, gramatical, discursiva. Aprender
uma língua deixaria de ser, nesta perspectiva teórica, uma prática isolada da
realidade do aluno, por meio de um ensino contextualizado. O trabalho com textos
recebeu orientações para o não-tratamento do texto como pretexto para o ensino
gramatical, mas como uma unidade de sentido que precisava ser explorada em
toda sua complexidade. Não era esperada do aluno apenas uma
formação profissional, mas uma formação de sujeito-leitor, crítico, produtor de
textos e de idéias, sendo capaz de agir e interagir em várias situações
comunicativas.

Não houve repercussão no ensino da produção textual escrita, nas 4a séries da


Escola Estadual Gustavo Kulmman e na década de 1990, contemplando as
orientações da proposta da Escola Ciclada. As professoras expressaram, em suas
falas, uma mistura de revolta com indignação em relação ao que tiveram e ao que
deixaram de ter em sua prática pedagógica:

"Não que com isso a gente não estivesse preparada. A gente estava, mas não tinha
apoio mesmo, condições..." (Profa N.)

Os relatos das professoras também manifestaram que houve abandono na


formação continuada do professor:

"Nunca na escola tivemos cursos de formação ... Nas escolas não foi o apoio de
ninguém, nenhum acompanhamento pedagógico da SEDUC nós tivemos." (Profa N.)

Segundo a Professora B., mesmo atuando no final da década, a situação


permanecia a mesma: "Não tivemos formação para aplicar essas propostas! Foram
impostas, chegaram e caíram de 'pára-quedas.'"

A professora J. recordou a semelhança da implantação do CBA e da Escola Ciclada e


desabafou: "Dessa escola ciclada vieram livros e livros para você ler e aplicar.
Quando ela veio, ela já veio assim: 'Faça'!"

A professora tem essa opinião apesar de a proposta da Escola Ciclada ser dotada de
uma tonalidade democrática, em que cada escola teria liberdade de escolha em
aplicar ou não um ensino a partir de ciclos, tonalidade também consolidada na Lei
Federal de Diretrizes e Bases da Educação, no 9.394/96, Art. 23:

"A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais,


ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados ..."
A característica da possibilidade parece não ter sido entendida pelo Estado, pois,
nos dizeres da Professora J., houve imposição para a implantação dos ciclos, numa
flagrante falsa democracia:

"... a diretora, na época, fez uma proposta para deixar como era, porque eles
disseram que a escola poderia escolher se queria ou não trabalhar com ciclo. Mas,
não deixaram e ela teve que refazer para trabalhar, adequar esse negócio de ciclo."

Na concepção da professora, essa imposição gerava um ensino artificial, em que o


professor perdia sua liberdade de escolha e passava a ser um reprodutor de idéias
prontas:

"... Você usando verbos determinados por um órgão maior, dizendo o que você
pode e não pode usar passa ser aquela cópia. Depois, me aposentei porque achei
aquilo uma palhaçada, porque as crianças não estavam e não estão aprendendo
nada, e não estão aprendendo nada mesmo."

O problema alastrava-se, na opinião das professoras J. e B., pois o trabalho do


professor, em relação ao relatório exigido na proposta da Escola Ciclada, se tornava
um verdadeiro "faz de conta":

"... Porque o relatório os pais não estavam preparados e eles não entendiam. Os
pais compreendiam assim: 'Ah, não vai reprovar mesmo'. Você dá o relatório para
eles e eles nem querem ler, falam assim: 'Ah, só fala professora como que está
meu filho'. Porque quando era nota os pais entendiam, viam um 5.0 achava que
estava baixa e punham os filhos para estudar. Depois que passou, eles não querem
nem saber." (Profa B.: 1998-2000)

"... Você faz relatório e o pai não lê, a mãe não lê, ninguém lê. Coordenadora não
lê, ninguém lê. Fica aquele estresse na sua cabeça, descrevendo o perfil da criança,
a psiquê da criança, o aproveitamento da criança. Você fica procurando negócio
para agradar não sei quem. E isso aí tira da gente a autonomia de ser..., de
escrever o que realmente você sente, o que você quer e o que é real." (Profa J.:
1999-2000)

Nos relatos orais da professora B., ela expõe a dificuldade enfrentada no Estado
mato-grossense para executar essa proposta:

"... a proposta da Escola Ciclada, na Prefeitura, é mais correta do que no Estado.


No Estado, não tem nada, tudo é eu que tenho que fazer. Na EEGK, já era assim
mesmo. Nunca teve apoio, só no papel! Se você ler o livrinho, lá fala tudinho. Só
que, na realidade, não aplica aquilo ali."

Apesar das dificuldades e da rejeição dessa proposta por algumas professoras,


houve casos de aceitação, confirmados nos dizeres da Professora N.2:

"... eu gostei muito da proposta. Então, eu consegui e fiz com muito entusiasmo e
fui vitoriosa. Toda aquela proposta, tudo aquilo que eu fiz no curso, eu busquei fora
depois. Eu tive apoio de colegas, também muito interessados, de outra escola. A
gente fez um grupo de estudos aqui, na minha casa, ou então, na minha chácara."

A negação da proposta por parte de outros professores era, em sua opinião, fruto
do abandono, do despreparo para aplicar outra concepção para o ensino:
"Ocorria de o professor ficar desesperado, e falava assim: 'Não, já que eu não sei o
novo, vou ficar fazendo bem-feito o velho'. Entendeu? É aquela velha história."

Segundo ela, faltou formação continuada, faltou método, caminhos que


direcionassem o trabalho do professor em sala de aula, pois a assimilação de outra
teoria não acontece de uma hora para outra:

"Faltou orientação. Ficou sem método e sem o livro que embasasse o conhecimento
do professor dentro dessa proposta. Lá dizia que você não podia soletrar para
criança, mas também não dava outras técnicas, não te orientava, você entendeu?
Se eu não posso soletrar: B + O = BO... não pode contar e nem tomar tabuada, é
coisa do passado. Mas, não deu o novo, não orientou. Como que você vai
continuar? Então, você voltava para você não se perder. Então, o professor falava:
'Ah, eu vou ficar no velho', porque sentia perdido. Como, que você vai dar o novo,
se você não foi preparado? ... Então, era isso que justificava." (Prof a N.: 1994-
1997)

Nem mesmo os Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997, receberam


tratamento de aplicação diferente do que ocorreram com as Propostas curriculares
na EEGK. Em seus discursos orais, as professoras deixaram explícito o abandono e,
em alguns casos, elas deixaram transparecer um possível desconhecimento do teor
teórico dos PCN e sua proposta para o ensino da produção textual escrita:

"Foi a Seduc que trouxe os PCN para a escola. A gente se reunia no sábado para
estudar e fazer planejamento. A 3a série fazia uma parte, a 4a série pegava, ia só
globalizando, aumentando os conteúdos. Com o PCN, não mudou muita coisa não."
(Profa A.: 1992-1999)
"Não houve cursos de formação. Houve uma reunião de mudanças com os pais,
mas você notava que os próprios coordenadores estavam 'navegando', não sabiam
em qual 'praia' estavam. E tinha muita coisa na proposta do PCN que estava muito
aquém da escola, muito fora da realidade. A proposta era muito boa, mas os
professores não receberam apoio nem na escola e nem fora dela para colocar em
prática. Quem acompanhou, estudou, leu, fez isolado." (Profa N.: 1994-1997)
"Na escola, muito pouca coisa. Mas, eu tinha o PCN em casa, eu sempre lia, via os
temas transversais era sobre sexualidade, saúde, meio ambiente, principalmente.
Então, eu lia e aplicava na minha sala." (Profa B.: 1998-2000)
"Nunca! Nunca! Nunca foi reunido o corpo docente para estudar o PCN, que eu me
lembre não! (Profa J.: 1999-2000)

A professora J. chegou a comparar os PCN com outras tentativas que considerou


fracassada, como o CBA (diga o que é), por exemplo:

"... o que adianta PCN se eles inventaram esse ciclo? Me diga! O PCN tem um valor
porque ele vem com métodos para você conduzir os seus alunos. Aí, vem com os
ciclos em cima disso e você não pode reter o aluno. Que valor tem esse PCN?"

Já a professora N. considerou a proposta dos PCN consistente e disse ter


contribuído muito em sua prática pedagógica:

"Havia uma diferença do tradicional que a gente procurava mudar. Mas, não quer
dizer que o fato de mudar já estava na proposta do PCN, porque não estava! Mas,
pelo menos não estava igual com o tradicional. A gente procurava usar o teatro,
colocar a dança, porque naquele tempo não tinha. Era mais decorado, ... os textos
não eram dialogados, questionados. Era muito diferente no início. Depois, a gente
foi tentando." (Profa N.: 1994-1997)
Em relação ao ensino da produção textual escrita, as contribuições dos PCN
serviram nas práticas da professora para estabelecer a interação entre os alunos,
como foi com a professora N.:

".. pelo menos, na minha sala, eu acho que aquilo que eu propus eu consegui, que
é a socialização de alunos, a leitura, a escrita. ... Melhora também para as crianças,
a partir do momento que eu também mudo a minha postura."

Entretanto, a professora B. não conseguiu atribuir a mesma importância aos PCN


no que se referiu ao ensino da produção textual escrita, por considerar que a
"Língua Portuguesa é difícil" e que "a criança já vem com deficiência desde o
prezinho". E também, segundo ela, devido ao "regionalismo das crianças, eles
comem muita letra", ao pronunciar a palavra "eles escrevem 'errado'. Por exemplo:
cantando eles falam 'cantano'; dançando: 'dançano'. Fica muito difícil porque, como
eles falam, eles escrevem".

Apesar de manifestar não conhecer as maneiras possíveis propostas pelos PCN para
tratar com as questões dialetais da língua, a professora deixou explícito que esse
era apenas um dos problemas que enfrentava na realização de propostas
inovadoras na sala de aula.

Embora as Propostas Curriculares do período pesquisado tenham ostentado


consideravelmente a importância do trabalho em sala de aula com as diversidades
culturais do Brasil, inclusive no que se referia à linguagem, na EEGK ainda
prevaleceu um certo distanciamento entre essa teoria e sua realização. A
professora demonstrou, em entrevista, a percepção do fenômeno, mas não as
ações para lidar com ele.

A professora N. enumerou muitos outros problemas que interferiram no


crescimento profissional dos professores naquele período. Questões que estavam
além do contexto da sala de aula e dos órgãos governamentais, mas se faziam
presentes entre eles no meio escolar:

"... Para falar a verdade, uma das coisas que atrapalhava muito o trabalho do
professor era o próprio relacionamento dos professores, por que você fazia seu
trabalho isolado, porque era muito difícil, pelo menos essa década nossa." (Profa.
N.)

Levados por esse isolamento, os professores perdiam-se em suas dúvidas,


angústias, conflitos, sentimentos, que acabam se fazendo presentes nessa profissão
e, assim, segundo ela "... perdiam muito a força que eles tinham, pois não a
colocava em prática." Atitudes como essas dificultavam o trabalho e desempenho
dos professores. Em sua opinião, nem toda culpa pode ser atribuída às outras
esferas do sistema educacional. Cada um teve a sua parcela:

"... Não sei se faltou a nossa força de vontade e o nosso interesse de mudar um
costume tão arcaico, um relacionamento de trabalho tão distanciado. Eu penso, às
vezes, que pode ter sido culpa nossa." (Profa. N.)

Mas, o que eram as prescrições escritas para as professoras e para escola? A quem,
de fato, caberia a apropriação das prescrições, num primeiro momento, senão às
próprias professoras? Os documentos prescritivos escritos são feitos para direcionar
práticas didático-pedagógicas e provocar transformações. São estas suas funções
principais. A compreensão do conteúdo arrolado nestes prescritos é de
responsabilidade de todos os que têm de se envolver para que estes prescritos
sejam executados. A partir da compreensão, o professor, por exemplo, tem de
mobilizar esforços para exigir e receber condições pedagógicas e colocar em uso os
ditames. As professoras da EEGK já tinham no mínimo dez anos de carreira e
precisariam ter conhecido e colocado em prática as diretrizes para o ensino. Atribuir
a culpa do desconhecimento das propostas por uma ausência de trabalho de
formação continuada por parte da Secretaria Estadual ou da própria Escola é uma
forma das professoras inocentarem-se da responsabilidade por não terem efetuado
uma formação continuada que cada professor, individualmente, deveria buscar para
responder a um desempenho adequado. Procedendo-se desta forma, os
profissionais estariam fazendo uma espécie de delegação de culpas, isentando-se
de qualquer compromisso com os prescritos escritos e impossibilitando assim a
entrada no novo em suas práticas?

As professoras manifestavam os efeitos de sentido dos discursos proferidos naquele


sistema educacional, considerando que as escritas normativas eram regidas por
discursos ideológicos, com finalidades representativas no meio social e
influenciavam, de certa maneira, o comportamento das professoras da EEGK e todo
aquele coletivo escolar, agindo em sua formação social, negando ou afirmando as
prescrições escritas em suas realizações em sala de aula.

Mesmo havendo falta de estudo para apropriação das teorias, ficando as


professoras à mercê de suas dúvidas e medos, tendo de cumprir seus papéis de
educadoras e responder a um sistema hierarquizado e educacional, agiram num
espaço de manobra possível entre os discursos que se conflitavam e fizeram de
suas práticas uma história de ensino.

Considerações finais

Os depoimentos orais das professoras revelaram o quanto elas foram contaminadas


pelo presente e quase não falaram do passado. Enfocaram muito as dificuldades de
aplicação das propostas e pouco as outras questões que nortearam o ensino da
produção escrita, especialmente no início da década de 1990. Enquanto estávamos
mais interessados em como as concepções subsidiaram o ensino da produção
textual no período pesquisado, as professoras estavam mais preocupadas em
expressar seus incômodos com as prescrições que advieram do Governo Estadual,
como a Escola Ciclada, ou do Governo Federal, como os PCN, o que gerou, em
alguns momentos, um salteamento em seus relatos orais para as prescrições do
final da década de 1990, dificultando a abstração de aspectos de suas práticas no
início dos anos 90.

Suas escolhas acabavam mescladas entre os conteúdos sugeridos nas propostas


daquele momento e as metodologias que já as acompanhavam, como a cópia, o
ditado, a soletração. Afinal, os discursos contidos nos prescritos escritos indicavam
que era preciso mudar, mas as professoras não sabiam como mudar. Já que a
formação continuada não ocorria com a intensidade necessária para apropriação
daquelas novas tendências de ensino que trancorreram nos anos 90 e se
caracterizavam como uma mudança em curso, o que exigia além da formação,
estudos e reflexões das próprias professoras ao se depararem com aquela transição
teórica-metodológica. O fato de rejeitar as propostas, fossem elas de âmbito
federal, estadual ou escolar, configurava-se também como uma maneira de se
acomodar, ou de rejeitar o novo para continuar atribuindo sustenção às suas
práticas anteriores. A formação continuada não depende apenas da escola, ou da
Secretaria de Estado e Educação, mas também de cada professor que demonstre
interesse em ler, conhecer, discutir e aplicar as orientações advindas de propostas
de um ensino ideal, já que as prescrições escritas são elaboradas com caráter
orientador e chegam às escolas para que as sugestões para o ensino sejam
estudadas e colocadas em prática no desempenho do métier.

A análise dessa trajetória sobre o ensino da produção textual escrita no período


enfocado evidenciou, tanto nos dizeres das professoras como em seus escritos
documentados, pontos que se contradisseram entre o prescrito e o realizado.
Diante de tantas propostas para o ensino da produção textual escrita, contidas nos
documentos governamentais, no decorrer da década de 1990, muitos discursos
explícitos e implícitos circulavam em sua propagação, fossem eles de caráter
político ou não. Mas, o que ocorria, na prática, era a ausência de um
acompanhamento no trabalho das professoras, e essa ausência refletia-se na sala
de aula e, possivelmente, na aprendizagem das crianças, descaracterizando assim,
os discursos de caráter inovador mobilizados pelas instâncias governamentais.

Tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelas professoras na EEGK, na última


década do século passado, ao efetuarem sua práxis em direção ao ensino da
produção textual escrita, é preciso considerar que, apesar de todas as contradições
expressas tanto em seus relatos orais, em contraponto com as normativas, elas
conseguiram cumprir seus papéis na educação mato-grossense. Parafraseando Julia
Meihy (2001: 17) dizemos que "o professor também sabe fazer flechas com
qualquer madeira ...". E assim as professoras atingiram um ensino real naquele
momento sócio-histórico, mesmo não podendo ser considerado uma representação
de ensino ideal, pois, entre o prescrito e o realizado sempre há o abismo
do possível.

Esta pesquisa possibilitou a oportunidade de conhecermos alguns aspectos que


nortearam as práticas pedagógicas daquelas professoras, não com o intuito de
estabelecermos julgamentos entre o certo e errado, mas de contribuirmos com
pesquisas históricas em educação, pois os materiais analisados sugeriram quão
promissores são para este tipo de pesquisa, uma vez que revelaram situações
ocorridas em parte da educação mato-grossense, da EEGK, que, até então,
estavam ofuscadas.

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Thompson, P. (1992). A voz do passado: História Oral. Tradução de: Lólio Lourenço
de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

Notas

E.D.C.W. Menegolo
Endereço para correspondência: Av. Beira Rio, 4.444, centro, Vilhena, RO,
78995-000, Brasil.
Fone: (69) 3322-8020
E-mail para correspondência: elizabethmenegolo@yahoo.com.br.

(1) Recordamos que esta proposta contemplava em muito as propostas dos PCN,


pois vinha seguida de uma outra reformulação constitucional, a nova LDB 9.394/96.

(2) Embora a professora N. tenha demonstrado aceitação na aplicação da proposta


da Escola Ciclada, ela e a professora A. não chegaram a trabalhar com as 4a séries
naquele início de século.

A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA ORAL COMO


FONTE IDENTITÁRIA DE UM POVO
Publicado em 05 de julho de 2009 por Antonio Roberto
Antônio Roberto Xavier1

RESUMO: Neste artigo, num primeiro momento, discuto a importância da história oral como
fonte subsidiária e complementar para a pesquisa histórica. Esse tipo de fonte é abordado na
perspectiva da historiografia tradicional e confrontado com o ponto de vista da Nova História.
Num segundo momento, abordo a questão da pesquisa histórica como um persistente e
incansável trabalho de consulta e exploração das mais diversificadas fontes com o objetivo de
alcançar a realidade pretendida. Por último, analiso a memória como uma das mais importantes
fontes que proporciona vez e voz àqueles que, ao longo do tempo, foram oprimidos,
esquecidos, menosprezados ou ofuscados pelo poder da classe dominante que sempre tentou
impor suas diretrizes alienáveis.

Palavras chaves: História, história oral, fonte, memória.

ABSTRACT: In this article, first of all, explain the importance of the oral history as subsidiary
source and complementary for the historical research. This kind of source is explained in a
perspective of traditional historiography and comparing the point of view of the new history. In a
second moment, explain the issue of historical research as a persistent and tireless work of
consultation and exploration of the most varied source with the goal to reach the intended
reality. Finally, in analyze the memory as one of the most important source that provides
opportunities and voice those that, have been oppressed forgotten justified by the power of
dominant group of society that always tried to force its alienable directresses.

Key words: History, oral history, source, memory

___________________________________________________________________________

[1]Licenciado pleno em História pela UECE, Especialista em História e Sociologia pela URCA,
Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela UECE, Mestre em Políticas Públicas e
Sociedade pela UECE e Professor dos Cursos de Licenciatura Específica em História e
Pedagogia da UVA e dos Cursos de Especialização de História Geral e de Metodologia do
Ensino Superior das Faculdades INTA.

1. Introdução

Este artigo aborda a questão da História Oral como possível fonte histórica, merecedora de
credibilidade insuspeita nem de maior e nem de menor valor histórico do que as fontes escritas.
Discute-se a construção da história a partir de documentação escrita e oralidade mnemônica,
ressaltando-se o sujeito histórico a partir da memória como forma metodológica viável e
confiável. O ponto de partida fundamenta-se no advento do movimento dos annales (1929-
1969), que rompe com a historiografia tradicional e lança elasticidade para abordagem de
diferentes objetos na pesquisa histórica, sob múltiplos aspectos e variadas circunstâncias.

A História Oral é considerada como fonte identitária de um povo, capaz de retratar as


realidades, as vivências e os modos de vida de uma comunidade em cada tempo e nas suas
mais variadas sociabilidades. Esse tipo de fonte não só permite a inserção do indivíduo, mas o
resgata como sujeito no processo histórico produtor de histórias e feitos de seu tempo.

O problema da verdade histórica é abordado a partir da Memória Coletiva como fonte


alternativa de reconstrução do passado, proporcionando, no presente, vez e voz aos
discriminados, oprimidos, menosprezados e ofuscados pelo discurso do poder. Com efeito,
esse tipo de discurso fora utilizado durante muito tempo pela historiografia tradicional, que
priorizava a História Oficial ou vista de cima, com base em documentos escritos de cunho
político governamental selecionados tendenciosamente como única fonte credora de
confiabilidade.

A questão da hierarquização das fontes históricas é analisada dentro de uma abordagem


dialética, onde se alerta para o risco que os historiadores tendem a correr. Neste sentido, é
necessário dispensar atenção para não se cometer o equívoco, antes praticado pela
historiografia tradicional. É preciso precaução para não se priorizar somente as fontes orais,
mas procurar redimensioná-las com fontes escritas, visando uma investigação cada vez mais
aprofundada, a fim de se chegar a realidade ou as realidades pretendidas ao final do processo
investigativo.

Por último, ressalta-se a importância da memória, em tempos de globalização e da crescente


demanda do mercado econômica que insiste transformar o mundo em uma aldeia global. Este
fato tem como conseqüência o processo de aculturação, no qual se verifica a perda da
soberania dos Estados Nacionais atingindo, intensamente, a identificação e os costumes
próprios de um povo. É no afã deste processo de mundialização da "sociedade global" (termo
de Otávio Ianni), que se prima pela memória como busca de reconhecimento e identificação
própria e cultural de uma nação legitimamente soberana. No caso específico do Brasil, a
valorização da memória como fonte é de suma importância, pois as características da
sociedade brasileira foram sempre pautadas por um autoritarismo profundo e dicotômico,
dividindo sempre o povo brasileiro em rico e miserável, letrado e analfabeto, latifundiário e
escravo, mandante e mandado. Por conta dessa inegável realidade, a história brasileira, muitas
vezes, contou a história vista de cima, oficializada, valorizando grandes feitos praticados pelos
heróis nacionais reconhecidos pela classe dominante.

2. História escrita e História oral

Na obra História oral: possibilidades e procedimentos, de Sônia Maria de Freitas, publicada


pela USP em 2002, é detectado, num primeiro momento, um paradigma sobre a questão da
credibilidade do testemunho oral na perspectiva da tradição historiográfica do século XIX, com
a mudança de abordagem proporcionada com o lançamento da revista dos Annales, em 1929,
por Marc Bloch e Lucien Febvre.

Na vertente da historiografia do século XIX, representada, sobretudo, por Fustel de Coulanges,


na obra La Monarchie Franque, de l888, o depoimento oral ou transcrito não merecia
credibilidade. Portanto, somente deveria ser utilizado como último recurso e com extrema
cautela. Segundo Freitas (op. cit.), a tradição historiográfica, considerava que esses
documentos representavam fontes "subjetivas, falíveis e eram comprometidas pelas notícias
tendenciosas, mentiras e calúnias" (p. 13-14).

Essas assertivas, acima citadas, estavam profundamente influenciadas pela corrente


positivista, reinante na época, sobretudo na Escola francesa e serviam, de certa forma, como
escudo protetor para cada vez mais legitimar e propagar, como tendência geral (ocidental), a
história oficial (dos grandes vultos e heróis) daquele contexto.

Com o advento do movimento dos Annales (1929 – 1969), o debate para a abordagem histórica


rompe com essa visão e procura redimensionar a abordagem histórica, centrada nos seguintes
focos:

1) História – problema, ou seja, substituir a tradicional narrativa de acontecimentos.

2) História de todas as atividades humanas e não apenas da história política (ampliação e


elasticidade do objeto investigado).

3) Abordagem histórica de forma inter e transdisciplinarizada com as outras ciências.

4) Abordagem histórica do cotidiano voltada para o sócio-cultural.

5) Abordagem histórica inter-relacional com o econômico e o demográfico de forma universal,


nacional, regional e local, levando em conta os atores sociais.

6) Abordagem histórica a partir de novas fontes, como: tradição oral, escrita, vestígios
antropológicos, arqueológicos, etc.

Enfim, após o movimento dos Analles (mais tarde chamado de 'Nova História') a abordagem


histórica passa a redimensionar: conceitos, novos objetos, novos problemas e novos métodos.
A partir desse movimento, a pesquisa histórica ganha uma ampla abrangência exigindo, por
sua vez, pesquisas mais densas e investigações mais amplas e aprofundadas abarcando um
universo maior dos diversos tipos de fontes.

Com relação aos depoimentos orais, os historiadores tradicionais alegam que esse tipo de
fonte deve ser considerado subjetivo por se nutrirem da memória individual que, segundo eles,
às vezes, pode ser falível e fantasiosa. Freitas (op. cit.) rebate argumentando que em História
Oral o entrevistado deve ser considerado, ele próprio, um agente histórico e sua visão acerca
de sua própria experiência e dos acontecimentos sociais, dos quais participou, necessitam ser
resgatados. Com relação à subjetividade, ela está presente em todas as fontes históricas,
sejam: orais, escritas ou visuais. O que é relevante em História Oral é "saber por que o
entrevistado foi seletivo ou omisso, pois, esta seletividade também tem o seu significado".
Ademais, "a noção de que o documento escrito possui um valor hierárquico superior a outros
tipos de fontes, vem sendo sistematicamente contestada, em um século marcado por um
avanço sem precedentes nas tecnologias de comunicação" (p. 29).

Induvidosamente, considerar a História Oral como fonte de menor valor ou questionar sua
validade parece não ser coerente com o ofício do historiador. Neste sentido, avaliando a
dimensão projetada pela História Oral e sua fidedignidade Thompson (1992) assegura que: "se
as fontes orais podem de fato transmitir informações 'fidedignas', tratá-las simplesmente como
um documento a mais é ignorar o valor extraordinário que possuem como testemunho
subjetivo, falado" (p. 29).

Todavia, o pesquisador não poderá, por outro lado, se valer somente das fontes orais e, às
cegas, classificá-las como prioritárias e inverter a situação com relação à hierarquização
dessas fontes, fazendo o que antes era feito pelos historiadores tradicionais com as fontes
escritas. É preciso tomar algumas cautelas e perceber certos limites no uso dessas fontes.

A história oral estourou nos meios acadêmicos na década de 1970 como um novo fenômeno
metodológico e político. Com uma certa freqüência, se ouviu informações de como a história
oral seria uma contra-história – não um elemento ou instrumento que poderia tornar possível
uma contra-história, mas o próprio objeto pronto. Hoje em dia somos todos um pouco menos
ingênuos, me parece, e reconhecemos que a história oral está longe de ser uma história
espontânea, não é a experiência vivida em estudo puro, e que os relatos produzidos pela
história oral devem estar sujeitos ao mesmo trabalho crítico de outras fontes que os
historiadores costumem consultar (HALL, 1991: 157).

O comentário supracitado vem, em boa hora, alertar para que não se trilhe pela
supervalorização metodológica das fontes orais, assim como também não se deve fazer com
outros tipos de fontes. O interessante ao trabalho do historiador é perceber onde são cabíveis
os diversos recursos ou fontes na sua investigação -pesquisa. A maleabilidade na utilização
das fontes e os diversos tipos procedimentais, ao explorá-las, proporcionarão um trabalho
científico de maior conjectura e de fundamentação teórico-metodológica mais sustentável.

A utilização da História Oral como fonte de pesquisa, no complemento, justificação e como


recurso alternativo não só enriquece o trabalho de pesquisa, como também valoriza os 'atores
sociais' como indivíduos sujeitos-agentes de sua própria história. É no foco desta discussão
que se pode fazer uma análise, a partir de um marco com o qual o trabalho do historiador
objetiva revelar sua abordagem tomando por base as seguintes indagações: Qual História?
Qual Fonte?Qual Verdade? É Na busca incessante de responder a essas indagações que o
Historiador, no desenrolar de sua pesquisa, estará constantemente organizando e
(re)organizando seu trabalho de investigador, dentro de um movimento dialético e constante
com as diversas fontes a serem estudadas minuciosamente.

Parte-se do pressuposto de que o maniqueísmo cientificista, adotado, sobretudo, pelos


cientistas sociais no Brasil, tem contribuído extremamente para que se veja somente no
documente escrito, a condição sine qua non para uma pesquisa ser considerada como
científica. É pelo rompimento desse maniqueísmo que a 'Nova História' reconhece a
necessidade de reavaliação dos critérios empregados na análise epistemológica das fontes
históricas. Nessa perspectiva, a 'Nova História', propõe que a abordagem histórica não pode
ser centrada do ponto de vista cerrado e voltado apenas para as chamadas fontes 'oficiais',
consideradas fidedignas, tornando, assim, uma história unilateral e de visão micro.
Seguindo a tendência da 'Nova História', a história precisa ser abordada a partir das várias
fontes possíveis e sob múltiplas vertentes, como: a história das mentalidades, dos vencidos ou
esquecidos, do cotidiano, das experiências individuais, enfim, de todos os ângulos possíveis e
plausíveis, pois, somente assim, rompe-se com a linha dogmática e elitista, defendida pela
tradicional historiografia. É por uma história de visão pluralista, baseada no campo
multifacetado de fontes, que o historiador deve pautar seu trabalho. Para isso, conforme Le
Goff (1993), urge a necessidade de se romper com a História do poder monárquico ou do poder
burguês, que durante muito tempo primou escrever "os papéis representados pelas elites do
poder, da fortuna ou da cultura como sendo os únicos que contavam" (p. 261).

É no leque de abordagens de novos objetos, novos problemas e novos procedimentos


metodológicos que a história passa a necessitar de fontes escritas, orais e visuais, para
penetrar na essência da verdade dos fatos. Nesta direção, o historiador-investigador analisa,
compara e avalia fonte com fonte ao seu alcance. É um trabalho de grande fôlego e exige
retoques sucessivos. Pode-se dizer que na busca da realidade, o historiador utiliza, num
movimento constante e profundo, as fontes, procurando lapidar seu objeto investigado,
transpondo barreiras da realidade aparente, a fim de se alcançar a essência do real (Gadamer,
1998).

No movimento de análise das fontes orais é que o historiador percebe as construções e


desconstruções de seu objeto pesquisado. É com esse movimento analítico que o historiador
procura novos rumos e enfoques com registros múltiplos da memória, os quais, lhe servirão de
comprovação das fontes escritas pelas fontes orais e vice-versa, visando a veracidade das
informações, conforme aponta THOMPSON (1992):

A história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto conteúdo, como finalidade da
história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de
investigação; (...) pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar
fundamental, mediante suas próprias palavras (p. 25).

Desta forma, o preconceito da historiografia tradicional é refutado, pois, considera as fontes


orais como documentos apenas subsidiários e possuidores de baixo valor histórico. Entretanto,
apesar da indiscutível contribuição do movimento do annales na tentativa de desmistificação
das fontes erigida pela tradição historiográfica, ainda perduram preconceitos acerca da história
oral como fonte segura na busca da verdade hisdtórica. Segundo BURKE (1992), isso acontece
devido a seguinte problemática:

Paul Thompson sugeriu que os velhos professores não gostam de aprender novos truques e
resistem ao que percebem ser uma erosão da posição especial do método rankeano. Isso pode
ser verdade, mas eu suspeito de que há razões mais profundas, e mesmo estridentes. Os
historiadores vivem em sociedades alfabetizadas e, como muitos dos habitantes de tais
sociedades, inconscientemente tendem a desprezar a palavra falada. Ela é o corolário de
nosso orgulho em escrever e de nosso respeito pela palavra escrita (p. 166).

Na obra de FREITAS (op. cit.), alguns enfoques incisivos são apresentados com respeito à
verdade histórica. No bojo do texto em debate, percebe-se que o processo do conhecimento,
para se chegar à verdade, é algo inacabado e infinito. Na proporção que aperfeiçoamos o
saber sobre diversos aspectos da realidade, analisada sob diferentes prismas e "acumulando
verdades parciais não produz uma suma de conhecimentos, nem modificações puramente
quantitativas do saber, mas transformações qualitativas da nossa visão da história" (p. 17).

3. Verdade histórica e Memória


Na busca da realidade ou verdade histórica existe um trabalho de investigação profunda,
incansável e interminável do pesquisador. Este trabalho tem por meta extrair do objeto
pesquisado a sua essência. Dentro da concepção marxiana isso só seria possível através de
um método objetivo que depende, a priori, da concepção do sujeito abordante. De acordo com
essa corrente de pensamento, os seres que enxergamos são apenas aparências da realidade.
Com efeito, a essência dos seres paira no conceito do sujeito. As aparências trazem a
essência, porém, para se chegar à essência do objeto, é preciso uma lapidação profunda
desse objeto através de um trabalho constante de pesquisa. É necessário se perceber a
exterioridade que encobre a realidade que está fora do ser, pois, todo ser está envolto de
mediações. Desta forma, necessário se faz - na busca da realidade almejada - partir do
abstrato para o concreto, do simples para o complexo, do imediato para o mediato. Em outras
palavras, vale dizer que a verdade histórica é construída a partir de várias verdades parciais e
relativas. Neste sentido Schaff apud FREITAS (op. cit.), destaca:

... a verdade histórica se constrói cada vez mais complexa, cada vez mais precisa, a partir de
verdades parciais e, neste sentido, relativas. (...) o fato da diversidade, da variabilidade, até
mesmo da incompatibilidade dos pontos de vista dos historiadores que, potencialmente,
dispõem das mesmas fontes e, subjetivamente, aspiram à verdade, e só a verdade, crendo
mesmo tê-la realmente descoberto (p. 17).

Por último, apresenta-se no texto em discussão a questão da memória na história oral. Ao


longo do tempo, a memória foi abordada de diferentes formas. Na antiguidade, a memória era
comparada a uma deusa, 'Mnemósine'. A finalidade desta deusa era lembrar aos homens os
heróis e os seus feitos vantajosos, além de presidir a poesia lírica. A memória era tratada como
algo divino e foi responsável pela elaboração de uma vasta mitologia da reminiscência na
Grécia antiga.

Mnemósine, revelando ao poeta os segredos do passado, o introduz nos mistérios do além. A


memória aparece então como um dom para iniciados e a anamnesis, a reminiscência, como
uma técnica ascética e mítica. Também a memória joga um papel de primeiro plano nas
doutrinas órficas e pitagóricas. Ela é o antídoto do Esquecimento. No inferno órfico, o morto
deve evitar a fonte do esquecimento, não deve beber no Letes, mas, pelo contrário, nutrir-se da
fonte da Memória, que é uma fonte de imortalidade (LE GOFF, 1996: 438).

Na Idade Média a memória passou por intensas transformações, devido à difusão do


cristianismo – religião da recordação – ideologia dominante na época. Nesse período ocorreu a
chamada 'cristianização' da memória, dividida em coletiva e mnemotécnica. A primeira foi
subdividida em litúrgica (girava em torno de si própria) e laica (restrita e de fraca penetração
cronológica). Nessa época a memória apresentava expressão, sobretudo, na literatura
medieval por meio das narrativas orais (contos populares e canções) e da escrita, ambas de
cunho religioso, místico e transcendental. A prática do 'poeta-memoricista' (relembrando os
bons tempos do passado) fazia parte do cotidiano cultural daquela época.

... a memória, onde cresce a história, que por sua vez alimenta, procura salvar o passado para
servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a
libertação e não para a servidão dos homens (LE GOFF, 1996, p. 24).

Mas, como sabemos que em todas as épocas e em todos os tempos não existem, no geral,
apenas bons tempos, o homem da Idade Medieval parece estar bitolado ou condicionado a um
esforço tremendo para um esquecimento, a fim de não relembrar qualquer sofrimento ou
angústia. Esse esquecimento, no entanto, não era fortuito ou alienante, haja vista que a
felicidade para existir necessita também desse recurso.
Fechar de quando em quando as portas e janelas da consciência, permanecer insensível às
ruidosas lutas do mundo subterrâneo dos nossos órgãos; fazer silêncio e tábua rasa na nossa
consciência, a fim de que aí haja lugar para pressentir (...): eis aqui, repito, o ofício desta
faculdade ativa, desta vigilante guarda encarregada de manter a ordem psíquica, a
tranqüilidade, a etiqueta (NIETZSCHE, 1991: 57).

Na Idade Moderna a memória ganha ímpeto com o desenvolvimento comercial e com o avanço
das comunicações. Nessa época foi registrada uma maior difusão e intensificação da escrita,
porém, a oralidade concomitantemente à escrita também é perpassada com amplitude,
principalmente por camponeses e comunidades pobres, através de contos populares bastante
utilizado na época.

Apesar das diversas transformações culturais ocorridas ao longo dos séculos, os narradores
camponeses adaptavam o cenário de seus relatos ao seu próprio meio. Contudo, mantinham
intactos os principais elementos, usando repetições, rimas e outros dispositivos mnemônicos.
Destarte, a memória preservou a tradição historiográfica evitando, assim, deformações e
distorções acerca da história dos vencidos ou esquecidos. Neste sentido é que história é
sinônimo de memória numa relação de fusão entre ambas.

Na contemporaneidade, num primeiro momento, a memória mantém um processo de


interdependência com a história. Com o passar do tempo, essa memória vai se ancorar na
história. Por isso é que se diz que, no século XIX, há uma certa perda da memória. Isto se dá
porque a história apropria-se da memória coletiva e a transcreve. Conforme o texto em
discussão, da virada do século XIX para o XX, a memória emancipou-se da história e se tornou
matéria da literatura, da filosofia, da psicologia e da sociologia. Desta forma, os historiadores
apresentam um domínio limitado no campo da memória e têm realizado poucos trabalhos
aprofundados em relação a essa temática. Há, sem dúvida, um déficit da história relativo a um
estudo mais profundo da memória. Muito embora, segundo Freitas (op. cit.), se reconheça os
trabalhos dos franceses Nora e Le Goff, relacionados com esse assunto.

Não se pode negar que, ultimamente, vários estudos são direcionados para o estudo da
memória. Já se disse que "um povo sem memória é um povo sem história". Entende-se por
esta expressão que não há história sem memória. O discurso, hoje, sobre memória, enfoca que
ela é o encontro do passado no presente e que significa a identidade cultural, a construção e a
história de um povo. A memória representa a forma de organização de uma nação, sociedade,
comunidade, cidade ou grupo social. É necessário ressaltar que a memória em debate é a
memória coletiva, pois, os indivíduos, não podem ser analisados separadamente. Eles não
vivem isoladamente e a memória, ao ser retratada, será sempre de um grupo ou classe social.
Deste modo, entende-se que a memória individual é parte constitutiva e inseparável da
memória coletiva. Ao se lembrar do passado, não se pode lembrar de um fato ou indivíduo
isolado, pois, "... só temos a capacidade de nos lembrar quando nos colocamos no ponto de
vista de um ou mais grupos e nos situar novamente em uma ou mais corrente do pensamento
coletivo" (HALBWACHS, 1990: 36).

4. Considerações finais

Mais do que nunca é necessário realçar a importância da memória como resgate de


identificação de um povo soberano. O processo hegemônico do binômio
globalização/neoliberalismo e sua meta de transformar o mundo numa aldeia global, além de
ter trazido consigo problemas globais sérios, impossíveis de resolução, como a cura da AIDS e
da Violência Organizada, prima pela perda da identidade dos Estados Nacionais. O resgate
oportuno de valores ético-morais, costumes e tradições próprias de uma nação, deve ser meta
prioritária na atual sociedade de massa, ávida pelo consumismo, volátil e direcionada pela
efemeridade (IANNI, 2002).

É neste contexto temporal - de tentativa de aculturação global - que elencamos a memória


coletiva como forma de suspirar em defesa da identidade cultural da nação. É por meio dessa
memória imortal, que se espera ouvir relutantemente a voz do esquecido, do 'vencido', do
oprimido e de todos aqueles que ainda sonham com uma vida social com mais eqüidade rumo
à felicidade. É imprescindível tomar consciência do papel que cada um pode e deve
representar na sociedade brasileira, em busca de identidade própria. Aceitar as diferenças sem
preconceitos e lutar pela coesão social de pensamento, objetivando a conquista do bem
comum são outras providências. Mais do que nunca é necessário uma conscientização
histórico-política revelada através da memória para que com as experiências do passado
possamos aprender, no presente, para a busca de um futuro mais promissor. Esta é
aconcepção e análise da memória, que se vislumbraa partir deste artigo. A meta é dar-lhe
continuidade em outros debates futuros, conforme oportunidades surjam.

É através da experiência vivida no passado, dos erros e acertos, das ilusões e desilusões, das
ideologias e utopias, dos sonhos e das realidades, das verdades e mentiras, das buscas e
desistências, dos medos e das coragens, enfim, de tudo que se viveu, sentiu ou pensou, que
se pode corrigir, no presente, para se melhorar no futuro. Tudo isso só é possível se o
historiador lançar mãos dos diversos tipos de fontes, pois, nem tudo está escrito. Neste sentido
é que a memória privilegia aqueles que não tiveram vez e nem voz por falta de oportunidade ou
por ofuscamento das diretrizes dominantes. O estudo da memória é fundamental,
principalmente numa sociedade intensamente autoritária, violenta e discriminadora, como a
brasileira que foi produzida por um Estado assistencialista, que sempre negou os direitos
essenciais para o exercício da cidadania ativa aos seus habitantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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