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Por essa razão, surpreende-me que tão pouco se tenha escrito sobre o
sentido moral nos contos de fadas. A crítica literária dos contos de fadas e
da literatura infantil moderna é um empreendimento relativamente recente,
não tendo se formado, ainda, um acervo interpretativo robusto ou
significativo, e os estudos realizados por psicólogos e educadores
abordam principalmente problemas específicos dessas disciplinas. Seria
de se esperar que os estudiosos de ética fizessem algo melhor. Apesar
disso, os especialistas em ética filosófica ou religiosa não dedicaram muita
atenção às crianças enquanto aprendizes morais, nem escreveram muito
sobre literatura infantil. Talvez a razão disso seja que esses estudiosos
subscrevem, como tantos outros, a noção errônea de que a criança
encontra-se em um estágio pré-moral, sendo-lhe mais importante a
socialização do que a formação moral. Intuitivamente, porém, e por
experiência como pais e professores, deveríamos saber que não é tão
simples assim.
A escritora americana Flannery O’Connor certa vez afirmou uma verdade
simples, mas profunda: “Uma história é uma forma de dizer algo que
não pode ser dito de outra maneira… Conta-se uma história porque
seria inadequado fazer uma afirmação.”[3]
Seu filho não cultivará uma virtude apenas porque você a explicou a ele
Viver uma vida moral significa ser receptivo e responsável para com o
outro. As virtudes são aqueles traços do caráter que possibilitam à pessoa
utilizar sua liberdade de maneiras moralmente responsáveis. A mera
habilidade, entretanto, de utilizar princípios morais para justificar as
próprias ações não torna uma pessoa virtuosa. O grande filósofo judeu
Martin Buber conta a história de como caiu no “erro fatal de ensinar ética”
como um conjunto de regras formais e princípios. Buber descobriu que
muito pouco desse tipo de educação “transforma-se em substância para a
construção do caráter”. Em seu ensaio “A Educação do Caráter”, uma
pequena jóia da filosofia moral e da educação, Buber recorda: “Tento
explicar aos meus alunos que a inveja é algo vil, e imediatamente sinto a
secreta resistência daqueles que são mais pobres que seus colegas. Tento
explicar que oprimir o mais fraco é algo perverso, e imediatamente vejo um
sorriso contido nos lábios dos mais fortes. Tento explicar que mentir é algo
que corrompe a vida, e então algo assustador acontece: o mentiroso
contumaz da classe redige um ensaio brilhante sobre o poder destrutivo da
mentira.”[7]
Notas