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A CONSEQUÊNCIA NEOLIBERAL NO CONTROLE SOCIAL DA POLÍTICA DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL

Josyene Roberta Tavares de Moura 1


Jinadiene da Silva Soares Moraes2

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar o controle social na Política


de Assistência Social na atual conjuntura brasileira. Será que,
em uma sociedade onde todas as relações são regidas pelo
capital, a classe subalterna tem voz para clamar seus direitos?
Para responder a tal indagação, realizamos pesquisa
bibliográfica e documental. Iniciamos este artigo remetendo-
nos ao ano de 1970 para esboçar o processo de implantação
do neoliberalismo no Brasil. Em seguida, analisamos o que
vem a ser o controle social e sua atuação na Política de
Assistência Social e, por fim, ressaltamos a consequência da
política neoliberal no controle social.

Palavras-chave: Neoliberalismo. Política de Assistência Social.


Controle Social.

ABSTRACT

The aim of this article is to analyze the social control in the


Politics of Social Assistance in the current Brazilian
conjuncture. It will be that, in a society where all the relations
are governed by the capital, the subordinate class have voice to
cry out for its rights? To answer to such investigation, we
accomplish bibliographical and documental research. We
initiate this article sending it the year of 1970 to sketch the
process of implantation of the neoliberalism in Brazil. After that,
we analyze what he comes to be the social control and its
performance in the Politics of Social Assistance and, finally, we
stand out the consequence of the neoliberal politics in the social
control.

Keywords: Neoliberalism. Politics of Social Assistance. Social


Control.

1
Estudante de Pós-Graduação. Centro Universitário Tiradentes (Unit). E-mail:
robertatavares.m@hotmail.com
2
Mestre. Sindicato dos Assistentes Sociais do Estado de Alagoas (SASEAL)
1. INTRODUÇÃO

Com o intuito de desmistificar a reduzida participação popular3, sobretudo na


Política de Assistência Social, realizamos um estudo a partir do ano de 1970, quando a crise
estrutural do capital atingiu toda a sociedade capitalista e reduziu as políticas públicas
sociais, até os dias atuais com a expansão do neoliberalismo. Este, visto como solução para
essa crise, ratificou a ideia de Estado mínimo, precarizou os serviços públicos que foram se
tornando ineficazes e expandiu a lógica privatizante.
É no ano de 1980 que ocorre, no Brasil, a luta efervescente para a elaboração e
promulgação da Constituição Federal de 1988, aparato legal que caracterizou a Assistência
Social como direito e permitiu que a população participasse das políticas públicas. Porém,
em 1990 o neoliberalismo é implementado no país indo na contramão dos direitos
promulgados. Devido a esse fato é que, só após cinco anos à promulgação da referida
Constituição, a Lei Orgânica da Assistência Social é aprovada.
Neste artigo procuramos explicar por que/como, mesmo com tanto aparato legal,
o ajuste neoliberal consegue reduzir o controle social, principalmente na Política de
Assistência Social. Apresentaremos todo o processo legal da política e enfatizaremos as
sequelas do neoliberalismo no controle social da Assistência Social.

2. A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E SUA SOLUÇÃO: NEOLIBERALISMO?

Em meados dos anos 1970 o sistema do capital4 enfrenta a crise mais severa de
sua história, na qual a maior parte da humanidade é quem sofre as consequências com a
redução e precarização dos serviços sociais e das políticas públicas (MESZÁROS, 2000).
É típico desse sistema que aconteçam as crises, pois as mesmas fazem parte de
seu ciclo. Segundo Netto e Braz (2011, p. 167, grifos dos autores) “a crise é constitutiva do
capitalismo: não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise”. Porém, o que
diferencia a crise estrutural do capital para as crises que o próprio sistema necessita é que,
dos anos 1970 até hoje, não houve a fase do auge, ou seja, o sistema conseguiu retomar,
mas não atingiu a expansão:
Vivemos na era de uma crise histórica sem precedentes. Sua severidade pode ser
medida pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais

3
Segundo Correia (2005) a sociedade pode controlar as ações do Estado através do controle social.
Porém, com o advento do neoliberalismo e seu caráter individualista a sociedade coletiva deixou de
ganhar espaço. Por esse fato a participação popular tornou-se escassa.
4
Sistema do capital ou modo de produção capitalista, foi “gestado no ventre do feudalismo e no
interior do qual a produção generalizada de mercadorias ocupa o centro da vida econômica” (NETTO;
BRAZ, 2011, p. 85, grifos dos autores).
ou menos extensa, como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural,
profunda, do próprio sistema do capital (MÉSZÁROS, 2000, p. 7).

Como essa crise não tem precedentes, estudiosos afirmam que o declínio do
sistema aconteceu quando o Estado passou a intervir além do âmbito econômico, ou seja,
ampliou suas ações para o social em resposta às reivindicações dos trabalhadores. Com a
questão social em alta e a luta efervescente da classe trabalhadora5, o Estado efetiva as
políticas sociais visando acalmar os ânimos e gerar lucro, como afirma Faleiros: “Por este
meio procura-se, ao mesmo tempo, contribuir para a acumulação de capital, para manter o
sistema de compra e para responder às pressões das forças sociais do momento”
(FALEIROS, 2006, p. 54).
Logo após à efetivação dessas políticas, com o investimento do Estado no
social, o mercado entra em crise - a chamada crise estrutural do capital, não conseguindo
mais alcançar a prosperidade e mesmo diante da concessão de renda para a população
consumir, o subconsumo entra em cena e traz consigo a desvalorização da moeda. Assim, a
solução encontrada é o retorno do laissez-faire (mercado livre), pois, segundo os liberais,
ele mesmo consegue se regular e enxugar os gastos sociais para investir no econômico.
É dessa forma que o neoliberalismo entra em cena, segundo Anderson (1995):

O neoliberalismo nasceu logo após a II Guerra Mundial, nos países de capitalismo


maduro, como Europa e América do Norte, surgiu como resposta teórica e política
ao modelo de Estado de Bem-estar social, onde a intervenção do mesmo na
economia foi considerada como sendo a principal causadora da crise estrutural no
sistema de produção (ANDERSON, 1995, p. 9).

No Brasil6, “o ajuste neoliberal foi implementado a partir dos anos 1990 [do
século XX], mesmo o país [...] resistindo às políticas de desregulamentação financeira e à
abertura comercial irrestrita” (MOURA; PEREIRA, 2012, p. 16). O impacto desse ajuste
abrangeu o país em um pequeno lapso temporal e atingiu as políticas sociais públicas,
descaracterizando tanto a Constituição Federal de 1988 como as Leis Orgânicas.
No âmbito da Assistência Social, que visa romper com o clientelismo e caridade,
a promulgação da Lei Orgânica da Assistência em 1993 foi um marco histórico, pois a
concepção de que o usuário é sujeito de direito é firmada, porém a efetivação ainda é
deficiente.
Com o enxugamento dos gastos sociais, as políticas públicas vêm sofrendo
grande precarização, pois o investimento maior é no setor privado. Porém, mesmo com tal
investimento e se adequando ao ideário neoliberal, a economia não consegue prosperar,

5
Devemos entender as políticas sociais, não de forma unilateral, mas a partir do binômio concessão-
conquista, dentro do movimento contraditório da sociedade capitalista.
6
O Brasil não teve o Estado de Bem Estar Social, o país servia/serve de base para a sustentação dos
países centrais. Esse processo explica o atraso da política neoliberal chegar ao Brasil.
pois milhares de cidadãos dependem dos serviços públicos e, sem saúde, sem educação e,
principalmente, sem ter o que comer, não há emprego formal, não há autonomia de renda e
não há qualidade de vida.
Desse modo, entendemos que o neoliberalismo não se constituiu em resposta
exitosa para colocar a economia capitalista no nível pretendido por seus defensores,
conforme demonstram Netto e Braz (2011), mas conseguiu suplantar os direitos
conquistados pelos trabalhadores de forma contundente, como o que vem acontecendo na
política de Assistência Social.
No item a seguir explanaremos o contexto histórico da política de Assistência
Social. Analisaremos seu desenvolvimento no Brasil e evidenciaremos o controle social
como base para a participação popular nessa política.

3. A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A


PARTICIPAÇÃO POPULAR

Tendo a clareza de que a Assistência Social tem sua gênese na caridade,


filantropia e solidariedade religiosa, cabe fazermos a diferença entre assistência,
assistencialismo e assistência social, para deixar claro o direito do qual estamos tratando.

A assistência é o acesso ao bem, de forma contributiva, ou através de contribuição


indireta, pela alocação de recursos governamentais para atender às necessidades
coletivas. Assim, diversas políticas públicas podem ter a assistência dentro de si.
Assistencialismo é o acesso ao bem através da doação, benesse, ou seja, existe a
relação entre doador e receptor. Já a Assistência Social é uma política pública que
visa o enfrentamento dos usuários em situações de vulnerabilidade e risco social
(AGUIAR, 2014, p. 2).

Nessa direção, o desenvolvimento de ações referentes à benesse, no Brasil,


durou até meados dos anos de 1985. Em um breve resgate histórico temos em 1947 a
criação da Legião Brasileira de Assistência – LBA, que teve sua origem na mobilização do
trabalho civil, feminino e de elite; e para a prestação de serviços assistenciais às famílias
dos convocados para a Segunda Guerra Mundial.
De início, o atendimento era materno-infantil, mas logo após atuou no
desenvolvimento econômico e social do país, abrangendo a população em situação de
vulnerabilidade social. Em 1966, a LBA foi transformada em fundação e foi financiada pela
União até 1969. Posteriormente, foi incorporada ao Ministério da Previdência e Assistência
Social e no ano de 1977 passou a integrar o Sistema Nacional de Previdência e Assistência
Social (SPOSATI, 2008).
Em 1985 foi criado o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República
que “particulariza a assistência social como política pública, reconhece o usuário como
sujeito de direitos, sugere que seja ampliada sua participação e realizada a ruptura com a
leitura caritativa e tutelar” (SPOSATI, 2008, p. 30). Nesse mesmo período, a busca de
conhecimentos e pesquisas a respeito da Assistência Social torna-se primordial, visando
uma margem qualitativa para a política. A Secretaria Nacional de Assistência Social
“provoca seminários, cria linhas de financiamento de pesquisas nos órgãos científicos
federais, reúne em Brasília e no Rio de Janeiro a Financiadora de Estudos e Projetos
(FINEP) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)para
ampliar seus compromissos com a assistência social” (SPOSATI, 2008, p. 32).
A luta de diversos grupos, comunidades científicas e movimentos sociais ganha
força com a proposta da Lei Orgânica e Política de Assistência Social. Porém, a construção
desse modelo descentralizado e participativo chocou-se com os interesses de vários atores
envolvidos nesse processo, por isso acabou sendo negado7 pelo então presidente da época,
Fernando Collor de Melo, afirmando em seu veto8 que a “proposição não estava vinculada a
uma assistência social responsável “(SPOSATI, 2008, p.49).
Anos após, a luta pela LOAS continuou, e no II Seminário Nacional de
Assistência Sociale este provocou a Conferência Nacional de Assistência Social, em 1993,
na qual, após muita luta, a Lei Orgânica da Assistência Social foi implementada (SPOSATI,
2008).
Por meio dessa, a Assistência Social tornou-se uma instituição constitucional e a
população em situação de vulnerabilidade e risco social tornou-se usuária (SIMÕES, 2011).
É essa mesma lei que dá direito à participação desses usuários no inciso II do seu art 5º: “II
--- participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das
políticas e no controle das ações em todos os níveis” (LOAS, 1993, p. 12).
Cabe ressaltar que setores da sociedade civil conseguiram que o controle social9
fosse inserido na Constituição Federal de 1988. Aqui, o mesmo tem o intuito de efetivar a

7
Mesmo com o choque de concepções, cabe ressaltar que a Constituição de 1988 foi promulgada
indo de encontro ao ideário neoliberal. Essa Constituição reconheceu a Assistência Social como
direito à seguridade social em seus artigos 203 e 204 (SPOSATI, 2008, p.39).
8
Entre as razões ponderáveis que justificam o veto, sobressai a da existência, na proposição de
dispositivos contrários aos princípios de uma assistência responsável, que se imite a auxílios às
camadas mais carentes da população sem, contudo, comprometer-se à complementação pecuniária
e continuada de renda, papel este com uma ação voltada a maior disponibilidade de empregos e
salários dignos (SPOSATI, 2008, p.49).
9
Segundo Correia, a expressão controle social parte de duas premissas: a primeira é a que entende
controle social como controle do Estado sobre a sociedade, ou seja, o Estado controla a sociedade
em favor dos interesses da classe dominante, através da implementação de políticas sociais visando
amenizar os conflitos de classe. É a ideia de um Estado restrito a administrar os interesses da classe
dominante. A segunda entende o controle social como controle da sociedade sobre as ações do
Estado: aqui, a sociedade tem como controlar as ações do Estado, favorecendo a classe
trabalhadora. A ideia é de um Estado ampliado que, mesmo representando a classe dominante, ele
incorpora as demandas da classe trabalhadora. É nessa segunda perspectiva que se baseia a
participação popular no processo de gestão político-administrativo-financeira e técnico-
operativa, com caráter democrático e descentralizado (BRASIL, 2005).
Posteriormente, nesse sentido, a LOAS reafirmou a Assistência Social como
política pública universal e de gestão participativa. Com o objetivo de efetivar essas
percepções, em 2004, foi aprovada a Resolução nº 145/04 (Conselho Nacional de
Assistência Social, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Secretaria
Nacional de Assistência Social), que visa à implantação da Política Nacional de Assistência
Social (PNAS), que foi elaborada em discussões realizadas em todos os Estados do Brasil
através de fóruns e conferências (FONSECA et.al, 2014).
A PNAS retrata os desafios da participação dos usuários – a qual pode se dá
nos conselhos, nas conferências, nos fóruns, não restringindo-se apenas a esses (BRASIL,
2005). Aqui trataremos, particularmente, dos Conselhos10 de Assistência Social. A Política
Nacional de Assistência Social cita algumas reflexões sobre as dificuldades do
entendimento desses usuários sobre a importância da sua participação. A primeira é que a
assistência social só conquistou caráter de política em 1988, o qual foi reafirmado em 1993
com a LOAS; a segunda é sobre a falta de capacitação para esses usuários, pois é
necessário explicar todo processo da política, seu financiamento e a importância da inserção
desses usuários neste processo. Soares (2008, p.110) alerta que “as determinações
macrossocietárias ditadas pelo capitalismo, através do neoliberalismo, como saída para
mais uma das crises do capital, favorecem o esvaziamento dos conselhos em seu objetivo
geral”.
Devido a essa questão, iremos relatar, a seguir, as consequências do ajuste
neoliberal sobre o controle social na assistência social. Será que os limites para participação
dos usuários são apenas esses que cita a Política Nacional de Assistência Social.

4. O AJUSTE NEOLIBERAL E SUA CONSEQUÊNCIA NO CONTROLE SOCIAL DA


ASSISTÊNCIA SOCIAL

Constituição Federal, a Lei Orgânica da Assistência e a Política Nacional de Assistência Social


(CORREIA, 2005, p.48).
10
Os conselhos têm como principais atribuições a deliberação e a fiscalização da execução da
política e de seu financiamento, em consonância com as diretrizes propostas pela conferência; a
aprovação do plano; a apreciação e aprovação da proposta orçamentária para a área e do plano de
aplicação do fundo, com a dos critérios de partilha dos recursos, exercidas em cada instância em que
estão estabelecidos. Os conselhos, ainda, normatizam, disciplinam, acompanham, avaliam e
fiscalizam os serviços de assistência social, prestados pela rede socioassistencial, definindo os
padrões de qualidade de atendimento, e estabelecendo os critérios para o repasse de recursos
financeiros (BRASIL, 1993, p.29).
Como vimos no primeiro item, a crise estrutural do capital encontrou sua solução
no neoliberalismo com seu tripé: privatização, focalização e descentralização. Porém, até os
dias atuais, o sistema não conseguiu prosperar e vive rastejando em busca de melhores
condições econômicas. Com isso, o enxugamento dos gastos sociais é explícito e a
população usuária dos serviços públicos é quem sofre as consequências.
Segundo Soares (2009), a lógica é realmente esta, caracterizar o serviço público
como ineficiente, para que os serviços privados possam desenvolver e gerar lucro:

Um dos componentes ideológicos por trás desse tipo de proposta é a ideia de que o
setor público caracteriza-se, por princípio, em qualquer circunstância, como
ineficiente e ineficaz, ao contrário do setor privado, o único a possuir uma
„racionalidade‟ e uma „vocação‟ capazes de levar ao crescimento econômico. As
possibilidades de sucesso da proposta privatizante estariam assim garantidas desde
que o Estado não interferisse (SOARES, 2009, p. 40).

É dessa forma que a privatização consegue espalhar-se, gerando lucro para o


sistema do capital, e o serviço público recebendo pouquíssimo investimento. A população é
que fica à mercê da sua própria sorte.
Outra medida adotada pelo ajuste é a focalização, que é implantada,
geralmente, nos programas sociais, permitindo que nem todo usuário tenha acesso. Na
Política Nacional de Assistência Social temos uma característica dessa tendência, ao
afirmar que: “provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de
iniciativa pública e da sociedade para garantir o atendimento às necessidades básicas”
(BRASIL, 2005, p. 31).
Ao viabilizar os mínimos sociais à política, almeja o imediato para aquele
indivíduo, família ou grupo. É o mínimo para quem não tem nada, ou seja, foca na situação
precária para viabilizar algo em curto prazo, suprindo o imediatismo sem se preocupar com
a situação daquele indivíduo ou família em longo prazo. Segundo Pereira (2000 apud
CORREIA, 2002, p. 126), “mínimo expressa uma conotação de menor, de menos, ou seja,
de patamares que beiram a desproteção social ou mesmo pressupõe a supressão ou cortes
de atendimento tal como propõe a ideologia neoliberal”.
Na Política Nacional de Assistência Social, ainda, podemos perceber outra
tendência neoliberal: a transferência da responsabilidade do Estado para a sociedade civil.
Ao citar que a sociedade, também, deve garantir as necessidades básicas, a PNAS
transfere a responsabilidade estatal para a sociedade, permitindo que a mesma crie
Organizações Não-Governamentais para completar o setor público. Assim, “o problema da
utilização desses mecanismos está no seu caráter substitutivo dos serviços públicos e não
na sua possível atuação complementar” (SOARES, 2009, p. 80).
O ajuste neoliberal permite que a Assistência Social retome seus primórdios ao
transferir sua responsabilidade para a sociedade. Assim, temos a filantropia e não mais o
direito social conquistado, porém não nos referimos à filantropia em torno da benesse,

[...] mas da filantropia do grande capital, que moderniza linguagens e práticas,


incorpora pautas que buscam homogeneizar os diferentes segmentos da sociedade
civil, redefinindo o papel socializador do capital e ampliando suas ações para fora da
empresa como parceiros na implementação de políticas sociais de combate à
pobreza (NETTO, 1999 apud CORREIA, 2002, p. 129 grifos do autor).

É nessa direção que o neoliberalismo atua, visando extinguir os serviços


públicos com o discurso de modernidade e da ineficiência da administração pública. Ao se
deparar com os problemas sociais, essa instância atua no imediato, mas não na base do
problema, ou seja, utiliza-se de medidas paliativas que não solucionarão o problema, pois:

Quando o Estado admite a existência de problemas sociais, procura-os ou em leis


da natureza, que nenhuma força humana pode comandar, ou na vida privada, que é
independente dele, ou na ineficiência da administração que depende dele. Se o
Estado moderno quisesse acabar com a impotência da sua administração, teria que
acabar com a atual vida privada. Se ele quisesse eliminar a vida privada, deveria
eliminar a si mesmo, uma vez que ele só existe como antítese dela (MARX, 2010, p.
23).

Desse modo, como desempenhar o controle social face ao antagonismo social,


uma vez que a lei estabelece algo e não é cumprido ou até já vem com concepções
neoliberais? “É uma contradição entre o legal e o real no campo dos direitos sociais”
(CORREIA, 2002, p. 128).
Diante da desconstrução das políticas sociais, podemos perceber que a lógica
do direito se perde em meio às concepções do ajuste. O controle social recebe toda essa
perspectiva e se torna um campo pouco ou até mesmo desconhecido pelos usuários, que
são fragmentados até para terem acesso à política e seus programas. Portanto,
concordamos com Correia ao afirmar que “o controle social este ainda, na sua maioria, está
nas mãos dos gestores, que o trata como sigilo, como se fosse privado, manipulando-o
clientelisticamente” (CORREIA, 2001 apud CORREIA, 2002, p. 133).
Particularmente, na Política de Assistência Social há outros problemas, dentre os
quais, destacamos três que consideramos expressivos para caracterizar as dificuldades
existentes para o exercício do controle social nesta área.
O primeiro, inclusive já citado neste artigo, diz respeito ao caráter de política
social pública conquistado pela Assistência Social há muito pouco tempo (a partir de 1993).
Ainda hoje muitos profissionais, infelizmente, desenvolvem as ações da referida política
assemelhando-as a atividades caritativas e filantrópicas. Por outro lado, muitos usuários
também veem a política como favor, o que leva a aceitar serviços de qualquer qualidade,
sem reivindicar direitos, sem fiscalizar – conforme atribuição dos conselhos preceituada pela
Lei Orgânica da Assistência Social.
O segundo problema crucial diz respeito à participação social da chamada
sociedade civil. Quem de fato é a sociedade civil? Diferente da participação popular na
política de saúde, na assistência social não há paridade entre usuários e os demais
segmentos, nem é o próprio usuário que participa dos conselhos. A paridade constante nos
conselhos de assistência social é entre governo (50%) e sociedade civil (50%), contudo,
essa sociedade civil é composta por representantes dos usuários ou de organizações de
usuários, das entidades e organizações de assistência social e dos trabalhadores do setor.
Observem que há na lei a representação de usuários, entretanto, a participação
desses nos fóruns de eleição para os conselhos está sendo cada vez mais inviabilizada,
haja vista que exige-se desses, para inscrição no processo eleitoral, dentre outras, conforme
a Resolução nº02 de 10 de fevereiro de 2014 do Conselho Nacional de Assistência Social:

I - Cópia autenticada da ata de eleição e posse da diretoria atual, registrada em


cartório;
II - Relatório de atividades referentes ao ano anterior à eleição assinado pelo
representado legal;
III - Declaração de funcionamento, assinada pelo representante legal da entidade ou
organização;
IV - Cópia autenticada do Estatuto Social da entidade ou organização, em vigor,
devidamente registrado em cartório;
V - Cópia do Comprovante de Inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
(CNPJ);
VI - Cópia autenticada do documento de inscrição no CMAS do município sede onde
atua.

Devemos lembrar que a maior parte dos usuários da Assistência Social não
estão organizados em entidades e/ou associações que os permitam participar de processos
eleitorais como esses. Desse modo, as vagas são comumente preenchidas por
organizações de usuários que são “aquelas juridicamente constituídas, que tenham,
estatutariamente, entre seus objetivos a defesa dos direitos de indivíduos e grupos
vinculados à PNAS [Política Nacional de Assistência Social], sendo caracterizado seu
protagonismo na organização mediante participação efetiva nos órgãos diretivos que os
representam, por meio da sua própria participação ou de seu representante legal, quando
for o caso” (RESOLUÇÃO Nº 24 DE 16 DE FEVEREIRO DE 2006/CNAS), tais como as que
encontramos na composição do Conselho Nacional de Assistência Social: Organização
Nacional de Cegos do Brasil, Associação Brasileira de Autismo, Movimento Nacional de
População de Rua.
Grande parte dessas entidades não possuem representações em âmbito
estadual e/ou municipal o que, frequentemente, tem provocado sucessivas vacâncias nos
conselhos estaduais e municipais, como é o caso do Conselho Estadual de Assistência
Social de Alagoas que realizou em 2014 duas eleições para o segmento da sociedade civil
por esse motivo (RESOLUÇÃO Nº. 005/2014 24 DE ABRIL DE 2014, RESOLUÇÕES Nºs 17
e 18 DE 21 DE AGOSTO DE 2014/ CEAS-AL).
Um último problema, mas não menos grave, que identificamos na participação
social na política de Assistência Social é a conjunção do que vem a ser sociedade civil, a
qual não é homogênea, não é um campo pacífico, mas é, como afirma Gramsci, o lugar
onde se processa a articulação institucional de ideologias e dos projetos classistas. Ela
expressa a luta, os conflitos e articula, contraditoriamente, interesses estruturalmente
desiguais (CORREIA, 2005, p.55 apud SOARES, 2008, p.20). Sendo assim, há vários
interesses que se contrapõe nos conselhos de assistência social, não apenas entre governo
e sociedade civil, mas dentro mesmo da própria sociedade civil (representantes dos
usuários ou de organizações de usuários, das entidades e organizações de assistência
social e dos trabalhadores do setor), o qual, muitas vezes é mistificado a partir do
predomínio da visão liberal de sociedade, dando uma ideia de que todos estão ali em busca
do mesmo objetivo, mascarando a dinâmica do conselho que é de conflito e de luta.
Devemos ressaltar que enquanto usuários e suas organizações junto com
algumas entidades de trabalhadores defendem a estatização da Política e a sua realização
por instituições públicas, as entidades e organizações de assistência social podem querer
continuar detendo a quase exclusividade no desenvolvimento dos serviços
socioassistenciais promovendo, desse modo, a privatização da Política em discussão.
Acreditamos que tais questões, aqui apresentadas, levam ao esvaziamento dos
conselhos de seu objetivo central e se constituem em estratégias neoliberais para
comprometimento do exercício do controle social que, embora, não provoquem, tais
conselhos, mudanças significativas através de meios institucionais, é necessária uma
revisão na forma de organização e atuação dos conselhos de assistência social para que
possam ter visibilidade e sejam, de fato, legítimos representantes da classe trabalhadora
(SOARES, 2008, p.114).

5. CONSIDERAÇOES FINAIS

Ao finalizar este artigo, devemos afirmar que concordamos com a Política


Nacional de Assistência Social ao relatar, como visto anteriormente, o desafio da
participação dos usuários no âmbito do controle social. Entretanto, podemos perceber que o
problema vai além de metodologias, socialização de informações e capacitações. Pois, com
a lógica neoliberal as políticas sociais, principalmente a da Assistência Social, ficam à mercê
do sistema. A falta de investimento no que é público e a expansão do serviço privado não
permitem que usuários em vulnerabilidade social tenham acesso ao setor pago, sendo
prejudicados em serviços desqualificados.
Outro fator que nos chama atenção é a focalização desta política ao elaborar
critérios para que os usuários tenham acesso. Até mesmo a sua elaboração já sofreu
consequência neoliberal, pois não garante a universalização dos direitos sociais.
E por fim, há o retorno da filantropia, no qual o repasse da responsabilidade
estatal para a sociedade civil retoma o caráter de solidariedade, voluntariado e não de
direito, como está estabelecido nos aparatos legais.
Dessa forma, a estratégia neoliberal vem atingindo também o controle social. O
ajuste imposto pelo neoliberalismo leva o usuário à não-participação desde seu início, como
podemos ver nos critérios de elegibilidade impostos pelo próprio Conselho Nacional de
Assistência Social, obrigando-o a delegar a sua participação a entidades que nem sempre o
representam, sendo assim negado o que é seu por direito. E a solução para esse tipo de
situação é a luta, a luta contra esse sistema que explora o homem e o enxerga apenas
como mercadoria.
O controle social dentro da estrutura estatal é cercado de limites, sendo, por
isso, imprescindível a busca por outros meios alheios ao Estado (fóruns e outros
movimentos autônomos e independentes das tramas estatais) para a resistência e a luta por
uma sociedade mais justa e igualitária e também porque a história comprova que são muitas
as manobras, utilizadas pelo Estado, para coibir a participação dos trabalhadores nas
decisões que os envolvem.
Contudo, enquanto houver o direito à participação social temos que qualificá-la
para que esta se dê da melhor forma possível a fim de garantir os direitos que são
pertinentes à classe trabalhadora.

REFERÊNCIAS

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