Você está na página 1de 7

O EMBATE ENTRE DOIS DIREITOS BÁSICOS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL DE 1988
A dignidade da pessoa humana ​versus ​a livre manifestação de pensamento

1
João Antônio Marquez
Lucas Figueiredo da Mota2
3
Rafaela Sandrini Goedert

RESUMO

O presente artigo científico tem como tema o embate entre dois direitos básicos previstos na
Constituição Federal de 1988, pressuposto pelo conflito entre a dignidade da pessoa humana e
a livre manifestação de pensamento. O direito à liberdade de expressão é benéfico à
sociedade, pois ele abre aos cidadãos a oportunidade de participarem e opinarem em questões
de seu interesse. Entretanto, esse princípio de liberdade é muitas vezes usado em detrimento
de outro direito fundamental, a dignidade da pessoa humana. O objetivo geral deste trabalho é
investigar as dissidências existentes entre o princípio de dignidade humana e a ideia de
liberdade de expressão. O método de procedimento utilizado na realização deste trabalho foi o
monográfico e o método de abordagem foi o indutivo, enquanto o levantamento de dados
ocorreu através da técnica de pesquisa bibliográfica. ​Para existir uma sociedade harmônica,
um direito não deve subverter o outro. Dessa forma, a liberdade de expressão deve
subordinar-se a existência do direito à dignidade da pessoa humana. Presume-se que tal
subordinação deva ocorrer de forma lenta e gradual, visto ser uma questão enraizada na
sociedade, mas que é alvo de discussões.

Palavras-chave:​ Embate, Direitos básicos, Constituição Federal.

1 INTRODUÇÃO

Recentemente, o caso no qual o humorista Danilo Gentili foi condenado a prisão por
injúria à deputada federal Maria do Rosário, intensificou as discussões referente a liberdade
de expressão e o direito à dignidade humana.

1
Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí –
Unidavi. E-mail: joao.antonio@unidavi.edu.br
2
​Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí –
Unidavi. E-mail: lucas.mota@unidavi.edu.br
3
Professora do curso de Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí –
Unidavi.
1
Os principais fundamentos dessas discussões estão na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, a qual assegura em seu art. 1°, inciso III, a dignidade da pessoa
humana e também indica em seu art. 5°, inciso IV, que é livre a manifestação do pensamento.
Dessa maneira, a interpretação destes direitos previstos na constituição, acaba gerando em
vário casos conflitos entre ambos.
Conforme o exposto, o tema do presente artigo científico é o embate entre dois direitos
básicos previstos na Constituição Federal de 1988, pressuposto pelo conflito entre a dignidade
da pessoa humana e a livre manifestação de pensamento.
O objetivo geral deste trabalho é averiguar as dissidências existentes entre o princípio
de dignidade humana e a ideia de liberdade de expressão.
Os objetivos específicos são: a) Compreender a importância da dignidade da pessoa
humana; b) Identificar os limites da liberdade de expressão; c) Constatar outros direitos
previstos pela Constituição de 88 que reforcem o tema.
Neste viés, levanta-se o seguinte problema: é possível garantir tanto a dignidade da
pessoa humana, quanto a livre manifestação de pensamento, sem que o cumprimento de um
destes direitos interfira no outro?
Para equacionamento do problema institui-se a seguinte hipótese: supõe-se que ocorra
demasia na interpretação do art. 5°, inciso IV, da Constituição Federal, o qual prevê a livre
manifestação de pensamento, gerando assim espaço para a existência de discursos de ódio,
ferindo o princípio de dignidade humana.
Ademais, ressalta-se profunda relevância jurídica do tema, visto que engloba questões
constitucionais, além de apresentar importância no viés acadêmico, tratando-se de assunto
pertinente ao curso de Direito. Por fim, também é destacado a relevância social do assunto, o
qual concerne à questões recorrentes na sociedade, como a liberdade de expressão, e atos de
injúria.

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 O CONFLITO ENTRE DOIS DIREITOS CONSTITUCIONAIS

Uma sociedade possui em sua organização diferentes concepções dos cidadãos


referente ao Estado e até mesmo as leis. Dessa heterogeneidade de ideias, no caso brasileiro,

2
emerge a Constituição Federal Brasileira (PETERS, 2015). A diversidade referida acima, faz
com que a interpretação de leis e da própria constituição, origene certos conflitos.
Um exemplo desses conflitos, é a colisão entre dois direitos previstos na Constituição
Federal Brasileira, como mencionado por Oliveira (2018, p.3):

Nossa Constituição Federal assegura tanto a dignidade da pessoa humana


quanto a liberdade de expressão e pensamento, presentes respectivamente no art.1º,
III e art. 5º, IV. Ao falarmos sobre os discursos de ódio estes dois direitos colidem
diretamente, pois cercear a liberdade do que escrevemos em nossas redes sociais
seria uma grave ofensa à liberdade de expressão, uma fortíssima censura a opiniões ​e
debates, mas como agir quando essa liberdade é utilizada para prejudicar terceiros,
ferido a dignidade destes, bem como leis e o respeito de toda uma classe?

Ressalta-se que este embate se intensifica ao analisar a grande importância de ambos


os direitos, tanto a liberdade de expressão como a dignidade da pessoa humana,
impossibilitando que a solução para o caso seja a negação de algum desses direitos.
O grande problema deste conflito, está na forma como a ideia de livre manifestação
vem sendo aplicada em certos casos. Isto porque, a liberdade de expressão se transformou em
uma ferramenta de amparo a tiranias, que fazem uso dela para revestir seu discurso de ódio na
forma de uma opinião. Tal fato em ocorrência, fere o princípio de dignidade da pessoa
humana previsto no art. 5°, inciso III, da Constituição Federal Brasileira.

2.1.1 A dignidade da pessoa humana e sua importância

Com o final da Segunda Guerra Mundial no século XX, iniciou-se uma busca geral
visando proteger os direitos humanos, para evitar que viessem a ocorrer novos períodos de
brutalidade humana, como foi presenciado nos regimes fascista e nazista. Assim sendo, o
princípio da dignidade humana passa a embasar todo o ordenamento jurídico, tendo valor
supremo.
Nesse sentido, segundo Chemin (2009), o princípio da dignidade humana surgiu para
proteger o ser humano, oferecendo a este, dignidade e respeito, pós período em que tais itens
estavam em profunda escassez. Ressalta-se que um dos fundamentos desse princípio é a
reciprocidade, pois a ação que ele visa é o bem coletivo e não apenas individual, afinal só
haverá dignidade se houver respeito mútuo.

3
Ademais, Garcia (2014) defende a ideia da dignidade da pessoa humana como um
direito absoluto, na condição suposta de que um direito fundamental é absoluto por estar no
topo da hierarquia jurídica e não sofrer restrições. Essa visão, contribui para a concepção de
que o direito à livre manifestação do pensamento não pode atuar em detrimento ao direito da
dignidade da pessoa humana.

2.1.2 Os limites da liberdade de expressão

Uma das grandes discussões referente ao tema da livre manifestação, é sobre a


possível existência de um limite para a liberdade de expressão. Nesse sentido, se realmente
existe tal limite, qual seria ele?
Segundo Rocha (2019), a liberdade de expressão não pode ser confundida com um
direito absoluto, ou seja, sua execução está subordinada também ao exercício de outros
direitos. Assim sendo, para a existência de harmonia social, um direito não pode subverter o
outro, ressaltando então, que a livre manifestação não deve se sobrepor ao princípio de
dignidade humana.
Rocha (2019) reforça a tese citando um caso de 2003 no Brasil, que chegou ao
Supremo Tribunal Federal, o qual trata sobre injúria racial. Neste, um editor de livros teria
sido acusado de racismo contra judeus. Tal caso repercutiu e gerou amplas discussões sobre o
tema, tendo quem defendesse o réu por conta do direito à liberdade de expressão previsto no
art. 5°, inciso III da Constituição Federal. Entretanto, a definição do processo ocorreu com
punição ao réu.
O caso supracitado, serve como exemplo de que o princípio de livre manifestação deve
respeitar valores sociais, éticos e morais. De acordo com Amato (2009), o uso da liberdade de
expressão não deve ser feito para banalizar conceitos pejorativos, mas sim como algo
benéfico, pois é através dela que se abre a possibilidade de a população participar e criticar
em questões de seu interesse.

2.2 ALÉM DOS DIREITOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA LIVRE


MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO

4
Os grandes fundamentos da discussão envolvendo a dignidade da pessoa humana e a
liberdade de expressão estão no art. 1°, inciso III, e art. 5°, inciso IV, da Constituição Federal
Brasileira. Todavia, há de se ressaltar que a própria Constituição Federal fornece outros
suportes a essa desavença.
Uma dessas noções está presente no art. 5°, inciso X, o qual prevê a
inviolabilidade à honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização por dano
moral. Esta segue a mesma linha de pensamento do princípio da dignidade da pessoa humana,
reforçando-a e introduzindo a ideia de reparação quando esta for violada.
Do lado oposto, o art. 5°, inciso IX, que prevê a livre expressão
independentemente de censura, reforça o princípio da liberdade de expressão. Entretanto, é
importante destacar que essas manifestações asseguram o direito de resposta, previsto pela Lei
nº 13.188/2015. A lei em pauta, dispõe sobre o direito de resposta ao ofendido em matéria
divulgada ou transmitida por veículo de comunicação social. Presume-se assim, que a matéria
deste inciso está subordinada a limitações.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

No presente artigo, o estudo do caso foi realizado em sua totalidade através da técnica
de pesquisa bibliográfica, englobando tanto a Constituição Federal brasileira, quanto outros
artigos relacionados ao assunto em questão.
O método de abordagem adotado foi o indutivo, visto que ele “confere o
estabelecimento de premissas conceituais e práticas intrínsecas ao tema” (OLIVEIRA, 2018,
p.2). Dessa maneira, foi possível obter conclusões gerais, concebidas através da análise destas
premissas.
Já em relação ao método de procedimento, foi usado o método monográfico, visando
estudar com profundidade o tema. Além disso, ressalta-se que o estudo de caso possui caráter
exploratório com base na pesquisa bibliográfica.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio da liberdade de expressão têm em casos extremos atuado no detrimento ao


direito da dignidade da pessoa humana. Tal fato decorre do uso da livre manifestação como

5
meio de amparar condutas opressoras dentro da sociedade, ferindo gravemente o direito a
dignidade supracitado.
O detrimento da dignidade da pessoa humana torna-se ainda mais grave, ao analisar a
importância deste direito. Isso porque, ele se torna uma garantia da proteção humana contra
períodos marcados pela tirania, como por exemplo o regime nazista, além de apresentar
características de um valor supremo que serve como base a todo o ordenamento jurídico.
Nesse sentido, identificar o limite da liberdade de expressão faz-se necessário para
evitar danos à dignidade humana. Com esse fim, ressalta-se que a livre manifestação do
pensamento não é um direito absoluto, por isso deve subordinar-se a execução de outros
direitos, garantindo assim a harmonia social. Ou seja, a liberdade de expressão deve respeitar
valores sociais, éticos e morais.
A Constituição Federal Brasileira prevê ainda em seu texto, outros direitos
relacionados ao tema em questão, como a inviolabilidade à honra e a imagem das pessoas, e
também a livre expressão independentemente de censura. No entanto, salienta-se que este
último, consente ao direito de resposta, previsto em matéria de lei.
Mediante o exposto, em análise ao problema levantado na introdução deste artigo
científico, conclui-se que é sim possível garantir o exercício de o exercício de ambos os
direitos de forma simultaneamente. Entretanto, para que isso ocorra é necessário que o direito
à liberdade de expressão se subordine a dignidade da pessoa humana. Presume-se ainda que
esta questão está enraizada na sociedade, por isso tal subordinação não será algo fácil
acontecer, todavia, por se tratar de um assunto de ampla discussão, supõe-se que lentamente
está sujeição ocorrerá.

REFERÊNCIAS

AMATO, Alessandra. Os Limites da Liberdade de Expressão. In: ​Portal Jurídico


Investidura​. Florianópolis, SC, 2009. Disponível em:
<www.investidura.com.br/ufsc/113-direito-constitucional/3855-os-limites-da-liberdade-de-ex
pressao>. Acesso em: 20 de Junho 2019

BRASIL. Câmara dos Deputados. ​Legislação Brasileira​. Brasília, DF: Presidência da


República, 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13188.htm>. Acesso em: 20
de junho de 2019.

6
BRASIL. [Constituição (1988)]. ​Constituição da República Federativa do Brasil de 1988​.
Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 de
junho de 2019.

CHEMIM, Pauline de Moraes. “Importância do princípio da dignidade humana”. In: ​Revista


Consultor Jurídico​. Curitiba, PR, 2009. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2009-jan-23/importancia_principio_dignidade_humana_constitui
cao_88>. Acesso em: 16 de junho de 2019.

GARCIA, Carla Rosane Pesegoginski. “A dignidade da pessoa humana como um direito


absoluto”. In: ​Jurídico Certo​. Porto Alegre, RS, 2014. Disponível em:
<https://juridicocerto.com/p/carlaadvogada/artigos/a-dignidade-da-pessoa-humana-como-um-
direito-absoluto-443>. Acesso em: 16 de junho de 2019.

OLIVEIRA, Giovanna Hingreadh do Nascimento. “A liberdade de expressão no ataque à


dignidade humana: o conflito tecnológico entre dois direitos fundamentais previstos na
Constituição Federal de 1988”. In: ​Revista Percurso​. Curitiba, PR, 2018. Disponível em:
<http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/percurso/article/view/3162>. Acesso em: 15 de
junho de 2019.

PETERS, Thayra. “Liberdade de expressão e dignidade da pessoa humana: uma discussão


sobre a colisão de direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade baseada no
documentário ‘O riso dos outros’”. In: ​Jus Navigandi​. São José dos Campos, SP, 2015.
Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/42293/liberdade-de-expressao-e-dignidade-da-pessoa-humana>.
Acesso em: 16 de junho de 2019.

ROCHA, Ana Beatriz Pereira. “Um direito e um dever: limites da liberdade de expressão”. In:
Jus Navigandi​. João Pessoa, PB, 2019. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/71260/um-direito-e-um-dever-limites-da-liberdade-de-expressao>.
Acesso em: 20 de junho de 2019.

Você também pode gostar