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A SOCIEDADE DE “OS
VINGADORES: A ERA ULTRON”: O
SIMULACRO APRESENTADO NO
CINEMA
Ingrid Barbosa
Trabalho de Conclusão de Curso - Publicidade e Propaganda - Centro Universitário Adventista de São
Paulo

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O Cinema Como Forma de Compreender a Sociedade e os Simulacros de Baudrillard


Ingrid Barbosa

Tecnout opias: As Imbricações Homem/Máquina Na Cibercult ura


Anderson Luis da Silva

Mediat ización por los jóvenes en la expansión narrat iva del Universo Cinemát ico Marvel
Mat heus Tage
CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO
CAMPUS ENGENHEIRO COELHO
PUBLICIDADE E PROPAGANDA

INGRID RAINIER LACERDA BARBOSA

A SOCIEDADE DE “OS VINGADORES: A ERA ULTRON”:


O SIMULACRO APRESENTADO NO CINEMA

ENGENHEIRO COELHO
2015
A todos aqueles que têm coragem de
questionar o mundo, que utopicamente
buscam entendê-lo, mas não esquecem de
viver.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus, o dono de toda a vida, o conhecimento, o tempo e da


energia. Nada seria possível sem Deus!
Agradeço à minha mãe, minha primeira e mais importante educadora, por ter me
ensinado a pensar, a ler, escrever, observar e criticar; e por ela também ter aceitado o desafio
de viver a vida se transformando diariamente junto comigo, sempre aberta a novas coisas.
Agradeço ao meu pai e Maria Eugênia pelo apoio, pelas ligações dizendo para manter
a calma e que estavam torcendo por mim.
Ao restante da minha família, pela torcida e expectativa.
Agradeço ao meu orientador, Rodrigo Follis, primeiramente por ter aceitado me
orientar, pelo apoio, por compartilhar comigo pensamentos, referências, conhecimento, e por
me entender sempre que precisei.
Necessário agradecer ao professor Tales Tomaz, que me aceitou no GECCOM e me
iniciou na pesquisa acadêmica, me fez pegar o gosto pelo lado mais inquiridor da
comunicação e questionar ainda mais o mundo.
Aos demais componentes da banca ao longo do ano, Lizbeth Kanyat, Renato
Garibaldi, Kenny Zukowski, pelas críticas, sugestões e por acreditar que no fim ia dar certo.
Aos amigos, fazendo necessária a menção em específico de alguns: 1) as meninas do
meu quarto, Bianca, Lidia e Marseille, por me confortar sempre que eu me desesperei; 2) os
amigos da agência Ágora, Dalila, Ana Fernanda, Ina, Fernanda, Vivi, Rod, Pam, Jairo e
Marlene, obrigada por me apoiarem e torcer sempre, além de me fazer sentir sempre parte do
grupo; 3) Danilo, Bruna e Biel, foram muitas as ligações e desabafos ao longo do ano; 4) às
amigas de longe, Tamara, Andrielly e Stephanie, que sempre falavam pra eu tomar coragem e
acabar logo; 5) os amigos das “brisas”, das “viagens” e das discussões filosóficas nas manhãs
e noites, Kenny, Jônathas, Lia, Gorski, Reci, Jéssica, Lucas, Nina e o restante do Projeto
Natan, vocês são demais, me fazem sentir normal!
Por último, agradeço à instituição UNASP-EC e ao grupo de professores pela
formação acadêmica aqui obtida, que abriu meus horizontes em tantos âmbitos, desde a vida
espiritual, profissional, social e pessoal.
Nunca teria havido ciências humanas nem
psicanálise se tivesse sido milagrosamente
possível reduzir o homem a comportamentos
racionais.
Jean Baudrillard
RESUMO

Esse trabalho é uma análise do filme “Vingadores: a era de Ultron”, partindo do princípio de
Hagemeyer de que o filme é uma contra análise da sociedade e, portanto, uma observação
deste pode trazer compreensões acerca do contexto social em que foi produzido. A teoria dos
simulacros de Baudrillard foi amplamente abordada no estudo, sendo utilizada como forma de
compreender a sociedade, levando também em conta as relações com a mídia e a técnica
ainda de acordo com o mesmo autor. Ao longo dos capítulos foi feito um levantamento
bibliográfico para definir e discutir as ordens dos simulacros e seus respectivos imaginários.
Estes conceitos foram aplicados ao filme buscando identificar a presença das ordens e
imaginários no objeto escolhido através da escolha de personagens, também conforme a
proposta de Hagemeyer sobre o papel dos personagens como representações alegóricas de
momentos históricos e grupos sociais e de Thomson sobre a necessidade do ser humano de
criar heróis.Assim, foram relacionadas as ordens de simulacro com os personagens, notando
as características dos personagens em comparação com a descrição dos simulacros e de seus
imaginários. Finalmente, notou-se que o filme escolhido possui elementos bastante úteis e
pontuais para a compreensão da sociedade à luz da teoria dos Simulacros e que a escolha de
um produto do cinema, por ser um objeto da mídia, também pode encontrar importância para
a comunicação e no mercado.

Palavras chave
Vingadores: a era Ultron; Simulacros; Baudrillard; heróis; filme; sociedade
ABSTRACT

This work is an analysis of the film “Avangers: the Ultron era”. Beginning at the thought of
Hagemeyer about film as a counter-analysis of society, one can observe that such an object
can bring comprehensions about the social context in which it was produced. Also,
Baudrillard‟s theory of simulacra was widely covered in the study and chosen for it to
understand society. The relationship with media and technique were likewise commented
according to the same author. A bibliographical review was carried on over the chapters to
define and discuss the orders of simulacra and its respective imaginaries. These concepts were
applied to the film aiming to identify the orders and imaginaries in the chosen object through
determined characters, still following Hagemeyer in his proposal about the role of the
characters as allegoric representations of historical moments and social groups, and
Thomson‟s point of view about the human need of creating heroes. Thus, the orders of
simulacra were related to the characters, noting the characteristics of the last compared to the
description of the first. At last, it was understood that the chosen movie has very useful and
sharp elements for the comprehension of society in the light of the simulacra theory. Also, the
choice of a cinema product, a media object, also can find its importance for communication
and the market.

Keywords
Avangers: age of Ultron; Simulacra; Baudrillard; heroes; film; society
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
1.1. Síntese da bibliografia fundamental e uma breve revisão de seus conceitos ................... 9
1.2. Problemática da pesquisa ............................................................................................... 10
1.3. Hipóteses ........................................................................................................................ 10
1.4. Objetivos ........................................................................................................................ 11
1.4.1. Objetivo Geral ......................................................................................................... 11
1.4.2. Objetivos Específicos .............................................................................................. 12
1.5. Justificativa .................................................................................................................... 12
1.5.1. Relevância Pessoal .................................................................................................. 12
1.5.2. Relevância Social .................................................................................................... 12
1.5.3. Relação com a linha de pesquisa do curso .............................................................. 12
1.6. Métodos ......................................................................................................................... 13
1.7. Projeção dos capítulos ................................................................................................... 13
2 A SOCIEDADE E A MÍDIA .............................................................................................. 15
2.1. O cinema como forma de compreender a sociedade ..................................................... 16
2.2. Afinal, que sociedade? ................................................................................................... 19
2.3. Ser veloz é incerto .......................................................................................................... 22
2.4. A técnica ........................................................................................................................ 24
2.5. A sociedade re-produzida pela sua mídia ...................................................................... 26
2.6. Os imaginários e os simulacros ..................................................................................... 29
2.7. O imaginário para Morin ............................................................................................... 30
2.8. A relação entre as teorias e a mídia escolhida ............................................................... 32
3 A PROGRESSÃO DOS SIMULACROS E SEUS IMAGINÁRIOS E PERCEPÇÕES
IMEDIATAS EM VINGADORES: A ERA DE ULTRON ................................................... 34
3.1. A primeira ordem do simulacro ..................................................................................... 34
3.2. A segunda ordem do simulacro...................................................................................... 36
3.3. A terceira ordem do simulacro ....................................................................................... 37
3.4. A progressão dos imaginários ........................................................................................ 40
4 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DE PERSONAGENS: ANALISANDO
VINGADORES: A ERA DE ULTRON .................................................................................. 42
4.1. A descrença nos heróis e o paradoxo da existência destes ............................................ 43
4.2. O perfil dos heróis .......................................................................................................... 49
4.2.1. Os heróis ainda idealizados ..................................................................................... 50
4.2.2. O homem e suas máquinas ...................................................................................... 52
4.3. A exacerbação da técnica – inteligência artificial: Ultron vs. Visão ............................. 55
4.4. Bruce Banner e NataschaRomanoff: a cura pelo toque humano ................................... 61
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 64
6 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 66
1 INTRODUÇÃO

Em 2013, a Marvel Studios lançou o filme “Os Vingadores”, que ganhou enorme
simpatia do público, conquistou inúmeros novos fãs, mesmo por parte dos que jamais leram
as HQs, que deram origem ao filme, ou sequer sabiam da história. Segundo o site Omelete1,
foram US$ 538 milhões arrecadados que o classificaram atualmente como uma das maiores
bilheterias mundiais até então. Assim, entende-se que o público criou uma relação empática
com o filme por se identificar com a trama em alguns aspectos. A continuação da
saga,“Vingadores: a era Ultron”, foi lançada nos cinemas brasileiros em abril deste ano. Ao
assistir o filme, nota-se o retrato de uma sociedade disfuncional, que mesmo contando com os
heróis mais competentes, com toda a força e inteligência, não tem seus problemas resolvidos e
ela continua à beira de desabar.

1.1. Síntese da bibliografia fundamental e uma breve revisão de seus conceitos


De acordo com Ciro Marcondes Filho (2004) em Sociedade Tecnológica,numa breve
recapitulação histórica, encontraremos o período teocrático – no qual Deus era o centro da
sociedade. Posteriormente, a descoberta de novos territórios e o surgimento de novas ideias de
progresso levou ao destronamento de Deus em detrimento do ser humano (MARCONDES
FILHO, 2004, p. 24-26). Acontecimentos históricos relevantes marcaram esse período, como
a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Inúmeras criações e processos facilitaram,
então, a vida do ser humano, que agora também contava com ideais liberalistas e o
estabelecimento do capitalismo.
Criou-se bastante (e ainda mais se cria agora), porém “o homem, no momento em que
transfere suas funções às máquinas, abre mão também de grande parte de sua autonomia em
relação ao controle de suas coisas” (MARCONDES FILHO, 2004, p. 29). Observa-se aqui
um deslocamento do poder do ser humano para as máquinas. Evoluiu-se então para máquinas
eletrônicas, a ampla difusão da internet e a formação do universo virtual. Marcondes Filho
(2004) denomina este período de Tecnocracia.
Edgar Morin (2003, p. 17) afirma que “produzimos a sociedade que nos produz”. A
implicação desta circularidade é que da mesma forma que o ser humano produz mídia – um
exemplo de técnica moderna – a mídia produz uma nova sociedade, pois a relação do ser
humano com a técnica sempre levou a modificações na forma de viver. Porém, além de

1
Disponível em <http://omelete.uol.com.br/filmes/noticia/bilheteria-mundial-os-vingadores-supera-harry-
potter/ >, acesso em 17/04/2015.
produzir, ela reproduz a sociedade e uma das formas de se explicar isso é através da teoria dos
simulacros. Baudrillard os define como a reprodução de objetos e eventos, sendo que as
ordens dos simulacros demonstram a progressão dessa simulação entre a referência e sua
reprodução (KELLNER, 1989, p. 77). Marcondes Filho comenta esse conceito afirmando que
“os simulacros são um atentado contra a realidade”(MARCONDES FILHO, 2009), de modo
que “todas as dicotomias entre aparência e realidade, superfície e profundidade, vida e arte,
sujeito e objeto se desintegram num universo de „simulacros‟ funcionalizado, integrado e
autorreprodutivo, controlado por modelos e códigos de „simulações‟”2 (KELLNER, 1989, p.
77, tradução livre).
Baudrillard apresenta três ordens de simulacros e, ao definir a terceira ordem do
simulacro, traz a Disneylândia como um exemplo perfeito de um simulacro. As pessoas vão à
Disney para se divertir com sua magia e diversões fantásticas e, ao deixarem-na, têm a ideia
de que estão voltando para o mundo real. Assim o encantado parque de diversões mascara que
fora dele também já não há realidade – tudo foi tomado por signos e
simulações(BAUDRILLARD, 1991, p. 20-22). Podemos inferir que os filmes da Marvel
funcionam de maneira parecida – os efeitos, personagens e enredo fazem crer que é um
mundo irreal, pois é bastante diferente do nosso mundo e, logo, não teríamos os mesmos
problemas vistos no filme. O que passa despercebido, contudo, é que ele próprio é um retrato
da sociedade atual, que é disfuncional e está à beira de desfazer-se.

1.2. Problemática da pesquisa


Retomando o conceito de que sociedade produz sua mídia – sendo essa um exemplo
de técnica moderna – e esta mídia produz uma nova sociedade, a qual é explicada por
Baudrillard através da teoria dos simulacros, pergunta-se, então,que sociedade emerge a partir
de uma leitura de “Vingadores: a era Ultron”?

1.3. Hipóteses
Falando sobre o imaginário, Morin (1970, p. 107-109) propõe três formas de projeção:
o automorfismo, o antropomorfismo e o desdobramento. Ele aponta que estes dois últimos se
dão no momento em que a projeção passa a ser alienação, o que ele chama de momentos
mágicos. Além da projeção, o autor fala sobre o processo de identificação, quando um
indivíduo exposto a outro ou a um meio, ao invés de se projetar ali, absorve-o. Por fim, há um
2
“All dichotomies between appearance and reality, surface and depths, life and art, subject and object, collapse
into a functionalized, integrated and self-reproducing universe of ‘simulacra’ controlled by ‘simulation’ models
and codes.”
último processo, a transferência, a qual se trata da passagem desse complexo projeção-
identificação para o imaginário. Isso acontece porque “o antropo-cosmo-morfismo, que já não
consegue suster-se no real, bate asas para o imaginário”. O cinema é, para Morin (1970), uma
das formas em que se visualiza esses processos, sendo que, conforme a circularidade dos fatos
proposta anteriormente, ali nasce a alienação que alimentará o início daqueles processos e o
resultado destes é a própria realização do complexo projeção-identificação-transferência.Por
esta razão, a análise de um filme se torna propícia.
Baudrillard (1991, p. 151) fala dos imaginários correspondentes a cada ordem do
simulacro. À primeira ordem, ele coloca a utopia; à segunda, ele afirma ser a ficção científica;
e, à terceira, ele próprio questiona se haveria algum imaginário capaz de correspondê-la, mas
que certamente a ficção científica morreria em algum momento e algo surgiria. Ora, os filmes
da saga “Vingadores”são de ficção, o que significa que se enquadram na correspondência à
segunda ordem dos simulacros. No entanto, o que se observa no primeiro filme é a
apresentação de uma utopia, pois se acredita ainda que a liga de heróis é capaz de trazer de
volta a paz e a ordem3ao mundo, o que o posicionaria correspondendo à primeira ordem do
simulacro. Por outro lado, Baudrillard (1991, p. 152-153) aponta que a tendência na terceira
ordem do simulacro é a de tratar o imaginário de forma que ele constitui mais um “imaginário
relativamente ao real”, sendo ele próprio é a antecipação do real e que houve também uma
inversão, pois agora o real se tornou o álibi da ficção.
Em “Vingadores: a era Ultron” encontramos uma sociedade desesperançada,
distópica e desacreditada até mesmo de seus heróis. Este cenário parece se aproximar da atual
condição da sociedade, de forma que podemos encontrar traços correspondentes à terceira
ordem do simulacro. Logo, nota-se nesse novo filme uma mistura das ordens, sendo que nada
parece corresponder totalmente à disfuncionalidade trágica do filme. Assim, há a
possibilidade de perceber que os simulacros não são suficientes para explicar a sociedade.

1.4. Objetivos
1.4.1. Objetivo Geral
O trabalho visa a identificar e analisar que sociedade emerge de uma leitura do filme
“Vingadores: a era Ultron”, considerando a proposta de Baudrillard de compreender através
de simulacros a sociedade re-produzida pela mídia.

3
Aparentemente, o segundo filme quebrará esta utopia, apresentando uma sociedade disfuncional. Será
necessário assistir ao filme, que estreará dentro de algumas semanas, para poder ter mais assertividade.
1.4.2. Objetivos Específicos
 Construir, mediante bibliografia selecionada,uma compreensão da sociedade tecnológica,
discutindo a mídia e a nova sociedade re-produzida pela mídia;
 Construir uma análise do filme “Vingadores: a era Ultron”, identificando nele a
presença dos imaginários correspondentes à primeira e à segunda ordem do simulacro,
como é proposto por Baudrillard (1991, p. 152-158), discutindo utopia e ficção científica;
 Discutir a presença também do imaginário correspondente à terceira ordem do simulacro
no filme proposto, conforme Baudrillard (1991, p. 152-158), abordando a mistura das
ordens dos simulacros através de seus imaginários e observando qual a leitura possível da
sociedade a partir dessa mistura.

1.5. Justificativa
1.5.1. Relevância Pessoal
Compreender a sociedade sempre foi uma questão inquietante e a proposta de que a
mídia é um espelho da sociedade sempre pareceu perfeitamente plausível. Assim, unindo o
gosto por filmes de heróis ao interesse em analisar a sociedade, surgiu a ideia de escolher um
filme de grande gosto pessoal para realizar este trabalho. Incluir a teoria dos simulacros de
Baudrillard como parâmetro para a pesquisa foi uma escolha resultada do desejo de
compreender melhor este autor, após alguns breves usos feitos de sua obra em pesquisas
anteriores, e por acreditar que no filme é possível fazer boas observações utilizando tal teoria
e suas implicações.

1.5.2. Relevância Social


O estudo traz para a própria sociedade um convite a dois importantes fatos: 1)
compreender a si, notando os paradigmas surgidos na pós-modernidade e as mudanças que
têm acontecido nesse momento histórico; e 2) fazer uso da mídia de maneira mais crítica,
entendendo que, se a observarmos, encontraremos uma boa alternativa de encontrarmos nosso
lugar na sociedade e também conseguir compreendê-la.

1.5.3. Relação com a linha de pesquisa do curso


Esta monografia se enquadra na linha de pesquisa do curso intitulada “Processos e
produtos mediáticos contemporâneos”, por se tratar da análise de um produto da mídia – um
filme – e buscar a compreensão da sociedade apresentada nele.
1.6. Métodos
Esta é uma pesquisa tanto bibliográfica como de análise documental, no caso um
filme. Assim, o trabalho foi dividido da seguinte maneira:
1. A introdução deverá trazer um resumo do filme e apresentar rapidamente quais
aspectos dele o fizeram ser escolhido para o trabalho, assim como as etapas principais
do presente projeto;
2. O primeiro capítulo deverá construir o panorama da sociedade circular (MORIN,
1970, 2003) – produtora de mídia e re-produzida por esta. Serão pensados os
conceitos:tecnocracia (MARCONDES FILHO, 2004, 2010), a cibercultura e seus
pilares (LEMOS, 2004), a dromocracia (TRIVINHO, 2007), a liquidez (BAUMAN,
2007) e a essência da técnica (HEIDEGGER, 2007).Após esta construção, serão
definidos os simulacros e suas ordens, novamente através de Baudrillard (1991, 1996),
e suas respectivas relações com a ficção;
3. O segundo capítulo introduzirá o filme a ser analisado, “Vingadores: a era Ultron”,
também abordando a questão da narração e linguagem do cinema e sua relação com o
espectador de análise de imagens em movimento (AUMONT, 2012). A partir disso,
será tratada a presença da primeira e da segunda ordem do simulacro no filme, usando
como argumento os imaginários que Baudrillard (1991) aponta serem correspondentes
às ordens. Serão trazidos aqui outros autores que complementarão a compreensão da
sociedade no tocante aos imaginários que se posicionam aqui, a saber, a utopia e a
ficção;
4. O terceiro capítulo falará sobre a presença da terceira ordem do simulacro. Pretende-se
trazer esta ordem separada as anteriores, pois é previsto que ela necessite de uma
discussão maior e de diferentes vieses4.
5. A última parte se encarregará de avaliar se foi respondida a problemática, se as
hipóteses se confirmaram e outras constatações do estudo que levaram à conclusão
que estará sendo proposta.

1.7.Projeção dos capítulos

4
Vale esclarecer aqui que esta divisão capitular pode ser modificada de acordo com a necessidade de mais ou
menos espaço mediante os resultados do estudo.
Capítulo 1: A sociedade e a mídia
Resumo do capítulo: Este capítulo construiu o panorama da sociedade que produz uma mídia
e da sociedade re-produzida pela mídia, a partir dos conceitos de tecnocracia de Ciro
Marcondes Filho, de velocidade de Eugênio Trivinho e a visão de Jean Baudrillard a respeito
da técnica. Também foi discutida a possibilidade e relevância do cinema como documento
histórico para compreender a sociedade que o produziu, baseado em Rafael Hagemeyer e
Edgar Morin e, para tal, foi escolhida a teoria dos simulacros de Baudrillard como base para
analisar o filme Vingadores: a era de Ultron.

Capítulo 2: A progressão dos simulacros e seus imaginários e percepções no filme


Vingadores: a era de Ultron
Resumo do capítulo: Este capítulo traz uma definição mais aprofundada do simulacro e suas
ordens e de seus imaginários correspondentes, de acordo com Baudrillard e apresentado como
será relacionado o filme dentro dessa proposta filosófica.

Capítulo 3: A representação social através de personagens: analisando Vingadores: a era


de Ultron
Resumo do capítulo:O último capítulo parte da proposta de Hagemeyer de que os
personagens de um filme são representações de grupos de pessoas ou de momentos históricos.
Foram escolhidos alguns personagens e discutidos de acordo com os simulacros de
Baudrillard. Finalmente, foram traçadas as considerações finais de todo o trabalho.
2 A SOCIEDADE E A MÍDIA

O desafio de fazer um estudo tendo como objeto a sociedade, qualquer que seja o
recorte ou perspectiva escolhida, está na necessidade de se pensar nela como um objeto
complexo. Edgar Morin (2003, p. 23-24) apresenta esta ideia explicando que até a metade do
século 20 as ciências utilizavam formas reducionistas de conhecimento e acabavam ocultando
novas percepções por aplicar a “lógica mecânica da máquina artificial aos problemas vivos,
humanos e sociais”.
Baudrillard (1999, p. 15-16) não parece muito otimista ao trazer o paradoxo que existe
na realidade encontrada quando se trata de pensar o mundo ao afirmar que,

Para o pensamento analítico, a única hipótese é a de uma evolução e de um


progresso de formas vivas. Se o mundo tem uma história, nós podemos
fingir levá-lo à sua explicação final. Mas como diz Cioran, „se a vida tem um
sentido, nesse caso somos todos uns fracassados‟. Isso significa dizer que a
hipótese final é desesperada. Sublinha nossa fraqueza e nos mergulha numa
incerteza infeliz. [...] É verdade que o mundo fica perfeitamente enigmático,
mas essa incerteza, como a das aparências, é feliz. [...] O mundo é protegido
de seu fim por sua indeterminação diabólica”.

Apesar dessa aparente busca sem fim, o teórico francês não foi o único a persistir com
inúmeras obras tentando explicar o mundo, o indivíduo e a sociedade. Morin discute a
necessidade de uma reforma de pensamento para se pensar a sociedade. Ele diz que o
problema de todo cidadão é “como adquirir a possibilidade de articular e organizar as
informações sobre o mundo” (MORIN, 2003, p. 24). Levando em conta sua observação sobre
o problema parcelar excessivamente os conhecimentos, o que em sua opinião quebra um
mundo complexo e produz fragmentos (MORIN, 2003, p. 25), são trazidos alguns princípios
para construir o pensamento complexo. Além de facilitar na compreensão do mundo, Morin
também afirma que ao buscarmos dinstinguir conhecimentos e ligá-los, ao invés de separá-
los, tratamos também da incerteza surgida da queda do determinismo. “Assim, o objetivo do
pensamento complexo é ao mesmo tempo unir (contextualizar e globalizar) e aceitar o desafio
da incerteza” (MORIN, 2003, p. 26).
São propostos sete princípios para pensar a complexidade. Para evitar mais delongas,
falaremos apenas do quarto princípio: o anel recursivo. Trata-se de uma compreensão de
circularidade que vai além da simples relação de causa e efeito, e que também supera a
autorregulação proposta por Norbert Wiener5. O anel recursivo compreende que “os
indivíduos humanos produzem a sociedade nas – e através de – suas interações, mas a
sociedade, enquanto todo emergente, produz a humanidade desses indivíduos,aportando-lhes
a linguagem e a cultura” (MORIN, 2003, p. 27). Essa forma de pensar será escolhida para este
trabalho, considerando que se assume que “os produtos e os efeitos são produtores e
causadores do que os produz” (MORIN, 2003, p. 27). De forma mais direta, Morin (2003, p.
17) já afirmou que “produzimos a sociedade que nos produz” e Baudrillard (1999, p. 14)
afirma que “a incerteza do pensamento vem de que não estou sozinho pensando o mundo, mas
que o mundo me pensa de volta”. É essa relação que será explorada a seguir, levando em
conta o lugar da mídia e seus produtos nesse contexto, sendo que a mídia escolhida foi o
cinema e o produto o filme “Vingadores: a era de Ultron”, lançado no Brasil em 23 de abril
de 2015 pela Marvel Studios.

2.1. O cinema como forma de compreender a sociedade


Este trabalho parte da premissa de que um objeto da mídia traz consigo marcas da
sociedade que o produziu, conforme a relação de circularidade exposta anteriormente. A partir
desta, pode-se considerar que os produtos do cinema, sendo este uma mídia, trazem consigo
uma relação com a sociedade que o produziu, a qual provavelmente possui um significado a
ser pesquisado. No entanto, é preciso tecer algumas considerações a respeito da possibilidade
da análise do cinema como um documento histórico, a ser relacionado com teorias de
implicações sociológicas e filosóficas, permitindo, então, que ele seja utilizado nesta
monografia.
De acordo com Rafael Hagemeyer (2012, p. 15-16), falando sobre o início da história
do cinema, a sinestesia resultante da produção que sincroniza imagem e som simula o contato
direto com a realidade, ainda mais quando se agrega linguagens, efeitos, recursos de
plasticidade e equipamentos, que não somente permitem simular ou reproduzir a realidade,
mas transformá-la de acordo com alguma leitura. Havemos de considerar, porém, o temor que
tal advento trouxe e não demorou muito para que o audiovisual fosse classificado como objeto
massivo e alienante (HAGEMEYER, p. 17-37). No entanto, enquanto alguns se valem da
proposição platônica de considerar o cinema (ou qualquer outra mídia) uma caverna, há
outros que pela perspectiva aristotélica encontram na observação da imagem aprendizado.
Isso significa, conforme Hagemeyer (2012, p. 23), “que a capacidade de aprender com elas
5
O terceiro princípio trazido por Edgar Morin (2003, p. 27) é o anel retroativo, proposto por Norbert Wiener, o
qual acredita na insuficiência da causalidade linear, em que “a causa age sobre o efeito, e este sobre a causa” e
propõe uma autorregulação que tornaria o sistema autônomo, como se o processo por si só se estabilizasse.
depende menos de seu teor do que do olhar daqueles que a observam, de sua capacidade de
associação com um amplo repertório e da relação com conceitos filosóficos que permitem
compreendê-las.”
Hagemeyer (2012, p. 29) diz ainda que Walter Benjamin foi um dos primeiros e
principais teóricos da comunicação a considerar o cinema como uma “arte industrial” e,
portanto, dependente da técnica, o que o levaria a seguir a mesma lógica de reprodutibilidade
que ele aplicava à imagem com o advento da fotografia6. Sendo desnecessário para este
trabalho traçar detalhadamente toda a mudança do pensamento social e acadêmico a respeito
do cinema, podemos resumir os fatos dizendo que houve um grande desconforto com o
surgimento e ascendência dos meios de comunicação de massa. O rádio e a televisão, junto ao
cinema, também ganharam tremenda desconfiança e foram taxados de alienantes da
população. Algumas razões apontadas por Hagemeyer (2012, p. 28-35) para o preconceito
com esses meios são o “sentimento de superioridade aristocrática”; a atribuição que teóricos
totalitaristas deram a alienação como intrínseca aos meios de comunicação; o fato de
considerar que a indústria cultural se aproveitava desses meios para lucrar enquanto explorava
as massas.No entanto, novas visões e mudanças de perspectivas têm modificado o status dos
meios de massa no meio acadêmico. O autor conclui essa discussão afirmando que,

A cada grande impacto das tecnologias de comunicação ocorrem


manifestações de nostalgia diante do mundo que se transforma, das relações
e dos modos de vida que ficam para trás. Mas se as gerações anteriores se
ressentem por se considerarem excluídas ou superadas pelas novas
modalidades de cultura e relacionamento – e das novas formas de
consciência que emergem dessas novas relações –, outras gerações crescem
integradas às novas formas de comunicação, de tal forma que não poderiam
conceber o mundo sem elas (HAGEMEYER, 2012, p. 35-36).

O advento de coisas novas, principalmente quando tomam um aspecto global, traz


temor às antigas gerações, porém determina uma nova forma de vida para as gerações que
crescerem já com os novos meios consolidados. Sendo assim, ao invés de pensá-los
repulsivamente, é necessário aceitar que são parte formadora de uma nova forma de sociedade
e que, tendo tão grande impacto a ponto de serem parte inerente das novas gerações, o estudo
desses meios e seus produtos pode impedir o desenvolvimento do conhecimento dos tais.
Além de que, se há algo para que um grande grupo decide assistir, ouvir, utilizar, a análise

6
A principal obra de Walter Benjamin, “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, trata
justamente da reprodutibilidade técnica da arte, propondo que a técnica possibilitava a produção de arte por
mais indivíduos, tirando a exclusividade dos artistas, bem como tornava mais fácil a viralização dessas artes.
Esse fenômeno resultava da lógica industrial e dos inventos desse período da história.
desses tais poderá revelar características e impressões desse público consumidor das novas
mídias e seus produtos.
Quanto à análise do cinema como documento histórico, Hagemeyer (2012, p. 42-43)
aponta que durante o século 20 surgiram duas linhas principais utilizadas pelos historiadores:
a) a formalista, que comparava documentos, imagens e obras, levando em conta elementos
como luminosidade, tom das cores, enquadramentos, balanço de elementos dispostos na
imagem, espessura geral das linhas etc.; e b) a contextualista, preocupada em entender a obra
dentro do contexto em que foi lançada, observando o trabalho do artista e suas relações com
as classes, funções sociais da arte e as ideologias dominantes. Ao enquadrar o presente estudo
em uma das duas linhas, optamos pela última. Como observa o autor, “também há uma
história social do cinema, mais preocupada com a produção dos filmes, seu contexto de
exibição, a recepção do público e da crítica, seus aspectos ideológicos”, sendo que nesse
trabalho há um grande foco principalmente no “contexto de exibição” e nos “aspectos
ideológicos” do filme.
Rafael Hagemeyer traz o teórico Marc Ferro, com seu artigo “O filme como contra-
análise da sociedade”, o qual enfatiza a importância e a possibilidade de se compreender a
História através do cinema. “Nela, um setor da sociedade representa a história, cujos
personagens e conflitos dramáticos podem ser lidos como uma alegoria de seu próprio tempo.
[...] Um filme pode ser lido, desta forma, como expressão ideológica da sociedade, segundo as
escolhas narrativas realizadas por seus autores, de acordo com o desejo de seus produtores”
(HAGEMEYER, 2012, p. 48). Ainda que não seja negada a interferência do ponto de vista do
criador da narrativa, do roteirista e dos produtores, a própria escolha na elaboração do filme e
a identificação (ou a falta dela) do público com o filme já é uma resposta que nos mostra algo
sobre a sociedade ou um segmento dela. “Podemos compreender que desde então o filme[...]
passou a ser visto como parte importante, senão preponderante, na reprodução do imaginário
social. O cinema pode ser considerado fonte privilegiada para compreender as emoções, os
medos e as esperanças de uma época” (HAGEMEYER, 2012, p. 48).
Feitas essas considerações, o autor propõe três tipos de códigos mediante os quais
pode ser feita a análise: 1) os de enquadramento, montagem, iluminação etc.; 2) os códigos
narrativos, de sequência, focalização, marcas de enunciação, função dos protagonistas,
temporalidade; e 3) representações sociais e enunciados ideológicos (HAGEMEYER, 2012, p.
49). Tendo claramente descritos os aspectos e sua importância e utilidade como análise social,
este trabalho fará uso principalmente do terceiro código e mais tenuamente do segundo
(considerando a função dos protagonistas), como descritas acima.
2.2. Afinal, que sociedade?
Para um breve sequenciamento histórico, recorramos a Ciro Marcondes Filho (2004)
em Cibercultura. O primeiro período histórico mencionado por ele é o teocêntrico, em que
Deus ocupava o centro da cultura por meio da religião. Porém, nas últimas décadas do século
15, com a vinda da modernidade, o ser humano rejeita a onipotência do ser invisível,
“destrona Deus e coloca-se em seu lugar. Se Deus havia sido criador do Universo, agora é o
homem que deverá criar universos” (MARCONDES FILHO, 2004, p. 24). Esse é o
antropocentrismo, trazendo consigo novas convicções de progresso, evolução, razão e
verdades. Ao invés de esperar o medieval destino divino, passou-se a trabalhar e lutar para
atingir um ponto final e, ao invés de buscar uma utopia espiritual, procura-se uma “utopia
material ainda em vida” (MARCONDES FILHO, 2004, p. 25).
Nesse período também se viu um crescente nas descobertas e invenções,
principalmente com a Revolução Industrial. Era preciso substituir o potente divino centro da
sociedade, e a humanidade o fez bem com suas máquinas. “A civilização antropocêntrica
associava a ciência à técnica e ambas voltavam-se para o mundo social” (MARCONDES
FILHO, 2004, p. 26). No entanto, suas criações deram outro rumo para a história e o auge do
ser humano e, ainda de acordo com Marcondes Filho (2004, p. 27), é a partir da metade do
século 20 que identificamos o despontar de um novo tipo de sociedade: a tecnocêntrica.

No tecnocentrismo, os meios técnicos que haviam sido criados pelo homem


avançam, expandem-se, multiplicam-se a ponto de ocupar espaços que
antigamente eram preenchidos pelos homens. Máquinas e aparelhos
substituem pessoas no trabalho industrial, nas pequenas atividades
domésticas, fazem operações matemáticas, registram a memória das pessoas,
em suma, preenchem uma série de funções que até então eram executadas
pelos próprios homens. O homem como que transfere à máquina uma grande
quantidade de trabalhos que o ligavam diretamente à terra, à produção e
mesmo à criação artística (MARCONDES FILHO, 2004, p. 29).

Ao entregar a realização de suas tarefas às máquinas por ele criadas, o ser humano cria
uma relação de submissão e dependências delas e passa até a se comportar como uma
máquina. A diferença principal entre este modelo e seu antecedente é que antes ainda existia a
ideia de senhorio do criador dos objetos técnicos e estes, em especial dos eletrônicos,
enquanto que a constante devoção a elas levou a uma “rearticulação da sociedade”. Seguindo
para o momento em que os eletrônicos se estabeleceram como parte da vida do ser humano,
toda a construção do posicionamento na sociedade e do imaginário do ser humano se deslocou
para o virtual (MARCONDES FILHO, 2004, p. 29-33).
Com a grande invasão das máquinas eletrônicas e a presença da internet constante no
cotidiano do ser humano, surge um novo termo para o período atual, a cibercultura, definida
porAndré Lemos(2003, p. 11) como “a cultura contemporânea marcada pelas tecnologias
digitais”. Ele também diz que a cibercultura é “a forma sociocultural que emerge da relação
simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica que
surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70”
(LEMOS, 2003, p. 11).
Lemos também propõe dois princípios relevantes desta era. O primeiro deles é o da
“liberação da palavra”, ou seja, uma época em que todos têm voz; segundo, a “conexão e
conversação mundial” (chamada por Pierre Levy de “inteligência coletiva), o que significa
que, uma vez dada a todos a liberdade de falar, há muito mais compartilhamento de
informação. Para ele, estes princípios demonstram uma reconfiguração da comunicação e de
sua relação global (LEMOS, 2010, p. 25-26). Esses dois pilares são fortes argumentos
utilizados pelo autor para encarar este período de maneira otimista. Eugênio Trivinho (2007),
por sua vez, tem uma perspectiva negativa desse período, consoante à de Marcondes Filho,
apresentando como principal argumento o governo da velocidade na era cibercultural, a ser
discutido no próximo tópico desse capítulo.
Se considerarmos o período teocêntrico como a era obscura e o antropocêntrico como
a era das luzes, pode-se dizer que o tecnocêntrico é a era da “refração da luz, que vai marcar a
grande diversidade e a grande diluição dos diversos componentes do social” (2004, p. 31).
Assim, perdoando o possível equívoco, causado pelo nome dado ao período de pensar as
máquinas como centro, o que é proposta nessa definição é uma sociedade sem centro. “A
sociedade como que se desintegra, pulveriza-se em uma série de fragmentos”, diferente de
quando no antropocentrismo encontrávamos a sociedade como um “organismo”, com partes
encaixadas em suas funções e do teocentrismo, quando a ideia de Deus era o ponto de união
entre os seres humanos (MARCONDES FILHO, 2004, p. 31).
“Até aqui, todos os sistemas fracassaram. Os sistemas mágicos, metafísicos e
religiosos, que em outros tempos provaram seus méritos, caíram em desuso”, afirma
Baudrillard (1999, p. 20). Ele segue falando que a realidade virtual se apresentou como
grande esperança, se mostrando como o “equivalente definitivo”, pois ao invés do mundo se
trocar por algo que viesse de si mesmo, ele estaria se substituindo por algo que vem de fora, e
seria “em suma, a instalação de um perfeito artefato virtual e tecnológico tal que permite que
o mundo possa se trocar por seu duplo artificial”. Ou seja, que na realidade virtual o mundo
(leia-se também a sociedade) poderia se projetar e encontraria seu exato reflexo virtual, porém
otimizado, uma vez que estava migrando para um “duplo infinitamente mais „verdadeiro‟ que
esse [o real], infinitamente mais real que o mundo real, pondo fim, então, à questão da
realidade e à toda veleidade de lhe dar um sentido” (BAUDRILLARD, 1999, p. 20).
Essa visão de uma sociedade fragmentada também está presente nos escritos de
Baudrillard em A transparência do mal (1996). Aliás, em seu primeiro capítulo, intitulado
“Após a orgia” é possível traçar alguns paralelos com a visão de Marcondes Filho da
sociedade tecnocêntrica. Baudrillard descreve que,

A orgia é o momento explosivo da modernidade, o da liberação em todos os


domínios. Liberação política, liberação sexual, liberação das forças
produtivas, liberação das forças destrutivas, liberação da mulher, liberação
da criança, das pulsações inconscientes, liberação da arte. Assunção de todos
os modelos de representação e de todos os modelos de anti-representação.
Total orgia de real7, de racional, de sexual, de crítica e de anticrítica, de
crescimento e de crise de crescimento (BAUDRILLARD, 1996, p. 9).

Ora, considerando que o “momento explosivo da modernidade” é o ápice desta,


podemos entender que esse evento se encaixa ainda no período antropocêntrico. Todas as
revoluções, todas as conquistas, tudo que se quisesse produzir e vencer – o homem tinha
certeza de que era capaz de alcançar e lutou por todas as liberdades. Tendo percorrido todos
os caminhos e chegado ao final, “hoje tudo está liberado, o jogo está feito e encontramo-nos
coletivamente diante da pergunta crucial: O QUE FAZER APÓS A ORGIA?”
(BAUDRILLARD, 1996, p. 9).E parece que Baudrillard descreve um cenário bastante
parecido com a sociedade sem centro de Marcondes Filho. Após a orgia, não tendo mais nada
a conquistar, o teórico francês afirma que vivemos “o estado da utopia realizada, de todas as
utopias realizadas, em que é preciso paradoxalmente continuar a viver como se elas não o
estivessem. Mas, já que o estão e já que não podemos ter a esperança de realizá-las, só nos
resta hiper-realizá-las numa simulação indefinida” (BAUDRILLARD, 1996, p. 10).
Há dois termos nessa citação que merecem atenção – a hiper-realização e a simulação.
Para Baudrillard, há uma grande relação entre essas duas coisas, pois a hiper-realidade8 é a
realidade que já aconteceu, porém simula não haver acontecido ainda, assumindo diferentes
aparências para repetir algum feito já ocorrido. Para que o sentimento de constante libertação

7
A termo real é utilizado referindo-se ao cotidiano, ao que acontece fora do virtual; ou seja, o real é empírico.
8
É importante ressaltar que a forma como Baudrillard coloca o hiper-real não indica claramente de imediato
que ele é ou está no virtual, mas sim que o espaço virtual é favorável à repetição e simulação. Marcondes Filho,
porém, objetiva a noção de hiper-real ao afirmar que “é possível, através das máquinas e dos sistemas
eletrônicos, vivenciar uma série de experiências através do que se chama de realidade virtual” (MARCONDES
FILHO, 2004, p. 31), indicando que as tecnologias eletrônicas (mídia eletrônica) são o grande palco do hiper-
real e criando também a ideia de real virtual, a realidade que acontece no virtual.
–orgia – continue a existir, “o que foi liberado o foi para passar à pura circulação, para entrar
em orbita” (BAUDRILLARD, 1996, p. 10), assim, cada vez que a volta se completa, o evento
parecerá inédito. Sendo a finalidade dessa circulação de liberações é “fomentar e alimentar as
redes”. Existe a necessidade constante de existir um algo que mostra o progresso da sociedade
e, por isso, “as coisas liberadas são fadadas à comutação incessante e, portanto, à
indeterminação crescente e ao princípio de incerteza” (BAUDRILLARD, 1996, p. 10).
Baudrillard parece sugerir que o virtual é o grande responsável por intensificar a
repetição e a fractalização da realidade. “Já não há modo fatal de desaparecimento, mas sim
um modo fractal de dispersão” (BAUDRILLARD, 1996, p. 10) e a passagem do real para o
hiper-real não está simplesmente em representar o real, mas em alimentar o hiper-real,
fazendo girar as simulações. Dessa forma, o virtual parece um espaço perfeito para essa
circulação de repetições/simulações, uma vez que a conectividade e mobilidade ganham cada
vez mais espaço no cotidiano do ser humano. O contexto observado aqui é similar à definição
da sociedade sem centro, como definido por Marcondes Filho – uma sociedade fractalizada,
onde não há um cerne para a realidade. E quando a realidade simulada passa a circular de
maneira frenética e dispersa, há um grande risco de que sua essência seja perdida, pois a
simulação já se desprendeu de sua referência (BAUDRILLARD, 1996, p. 11). Assim,
entendemos que os dois teóricos estão falando do mesmo período.

2.3. Ser veloz é incerto


No capítulo anterior, muitos conceitos passaram por alto em meio às discussões de
Baudrillard e é de grande importância para esse estudo que alguns detalhes sejam
compreendidos, dentre eles a ideia de velocidade, apreendida de “comutação incessante” e
também o termo incerteza. Para tratar destes dois assuntos traremos Eugênio Trivinho (2007)
e Bauman (2007).
Trivinho apresenta a velocidade como um vetor9, portanto uma força autônoma,
presente na esfera da sociedade, não como um simples processo, mas impondo-se como “eixo
de organização e modulação de toda a existência social, cultural, política e econômica”
(TRIVINHO, 2007, p. 91). Em outras palavras, por causa da velocidade ocorre uma
reestruturação da sociedade contemporânea. Para deixar mais claro ainda o que é a
velocidade, ele diz: “a velocidade não é, portanto, um acontecimento. Ela é, pelo contrário, o

9
Eugênio Trivinho utiliza o termo “vetor” e “resultante” para falar da velocidade e seu efeito imediato,
respectivamente, fazendo alusão às relações das forças na física, onde uma combinação de vetores sempre
gera uma resultante.
que caracteriza a própria presentidade: tempo irreversível de imediatez, inexorável em sua
natureza e em sua tendência à complexização progressiva” (TRIVINHO, 2007, p. 91).
Desta definição, tiramos três características principais da velocidade: 1) ela é
irreversível, não irá regredir a estágios anteriores; 2) ela não se retém e é irrefutável; e 3) ela
está continuamente evoluindo. O que Trivinho parece mostrar aqui é que não há chances
contra a velocidade, o que soa um tanto determinista, dando até margem para encontrar
alguma semelhança com o velho discurso da agulha hipodérmica10.Nesse contexto, Trivinho
apresenta o conceito de dromocracia, que significa “governo da velocidade. Embora o teórico
não marque uma data de início para a inserção da velocidade na sociedade, ele aponta que
num passado mais distante se encontrava a velocidade apenas nas guerras. Com a Revolução
Industrial, a velocidade passou a afetar a esfera do trabalho, o que era notado pela resultante
da produtividade. No presente momento, o autor aponta que a velocidade alcançou o lazer e
sua resultante é a intensidade (TRIVINHO, 2007, p. 92) e, assim, tendo atingido a esfera
profissional e pessoal do ser humano, instaurou o seu governo. Em outras palavras, ao atingir
o lazer, o governo da velocidade invadiu todos os âmbitos da vida do ser humano, de forma
que o que importa é se divertir no menor tempo possível da maneira mais intensa possível.
Trivinho também trabalha as extensões do termo dromocracia abordando o indivíduo
dessa sociedade dromocratizada. A nova crise existencial pode ser traduzida com uma
paráfrase de Othelo – ser veloz ou não ser? É preciso que haja capacitação para seguir com o
governo da velocidade, do contrário, não será possível viver. Isso é chamado por Trivinho de
dromoaptidão e se traduz na busca de não apenas manter a velocidade, mas constantemente
otimizá-la. Esta busca “pode ser encarada de vários ângulos: individual, grupal, institucional,
empresarial, não-governamental, nacional, global, sem prejuízo de níveis intermediários”
(TRIVINHO, 2007, p. 97). A constante ânsia pela velocidade é a causadora das
dromopatologias, ela corrói o ser, mantém apenas a superficialidade do indivíduo e conduz a
inúmeros distúrbios e crises (TRIVINHO, 2007, p 99).
Aproveitemos essa menção das crises da velocidade para tratar de um de seus
principais problemas resultantes: a ansiedade; e não é somente a ansiedade por ser mais veloz,
mas também pela incerteza. Não se sabe o que surgirá no dia seguinte e seres humanos,
empresas e nações estão em uma constante guerra por ser mais veloz. Além disso, o fato da
velocidade ser progressiva não significa que suas fases anteriores são excluídas, mas que são
10
A teoria da agulha hipodérmica, também chamada de teoria da bala mágica, surgiu na escola norte-
americana durante a década de 1930. Ela apresenta a comunicação como algo fatal, que atinge a todos de
maneira uniforme, sem deixar espaço para que haja uma reação do consumidor, classificando-o como uma
gente passivo na sociedade e colocando a mídia como maniqueísta.
mantidas e contagiosas, ou seja, vivemos a velocidade na guerra, na indústria, no trabalho, na
ciência, no lazer.
Bauman (2007) parece trazer uma visão bastante semelhante à de Trivinho ao
apresentar seu conceito de liquidez e aplicá-lo na sociedade. Afirma ele que a sociedade
líquida é a “sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num
tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das
formas de agir” (BAUMAN, 2007, p. 7). É nesse cenário que se consolida o sentimento que
parece definir o período tecnocrático, ou a sociedade dromocrática, ou a sociedade líquida – a
incerteza, também presente na descrição de Baudrillard como característica principal da era
das simulações, cujo movimento é circular e fractalizado.

2.4. A técnica
Se tomarmos o conceito de tecnocentrismo para definir o período da sociedade atual,
embora a técnica não esteja no centro, é pelo domínio desta que a sociedade se fragmentou e
está sem centro, de acordo com Marcondes Filho (2004, p. 24-33). Portanto, se torna
necessário observar a técnica.Sobre tal, Trivinho escreve que “a violência da velocidade é o
halo que anima desde os objetos técnicos (equipamentos de produção, veículos de transportes,
eletrodomésticos, etc.) até a ordem da informação transnacional” (TRIVINHO, 2007, p. 95).
A questão da técnica como dominadora na história social está presente desde a Grécia
antiga. Francisco Rüdiger (2011) aponta que desde Platão e Aristóteles, em vez de a verdade
ser considerada a própria revelação do ser das coisas, passou a ser “reinterpretada como
função do pensar”. Assim, “a técnica passa a dar sinais de que pode se tornar lugar de
apreensão do ser e princípio de estruturação da experiência do pensamento, ou seja: veículo
da história, porque só com ela o ente seria passível de representação” (RÜDIGER, 2011, p.
434). Em outras palavras, ficou notável que a técnica moldaria a forma de pensar e a maneira
dos seres se representarem, uma vez que a representação deixaria de ser por sua essência e se
tornaria aparente pela apropriação da técnica.
Analisando o pensamento de Jean Baudrillard a respeito da técnica, nota-se que ele
passou por uma mudança relevante a respeito dessa. Inicialmente, como aborda Rüdiger
(2010, p. 3-4), o teórico francês considerou a tecnologia a “realidade mais essencial do mundo
moderno, apesar disso nos ser praticamente inconsciente no curso da vida cotidiana.” Em
outras palavras, todas as produções e descobertas do ser humano partiram e partem da técnica.
Por outro lado, ele considera que quando a “irracionalidade da vida social” vai de encontro à
“racionalidade da ação tecnológica”, faz surgir uma “realidade densa e contraditória, marcada
pela contínua interferência de um sistema de práticas culturais sobre um sistema de
desenvolvimento tecnológico.” É importante destacar que, nesse momento, Baudrillard afirma
que a centralidade tão essencial da técnica não impede que esta seja moldada ao ser
apropriada pela humanidade, sendo determinada pelas circunstâncias de apropriação, as
relações de classe e os interesses econômicos envolvidos em seu uso.
A Revolução Industrial, para Baudrillard, “permitiu que a tecnologia se tornasse uma
força de produção autônoma”, fazendo surgir um sistema técnico que consistia em “um meio
para reestruturar as relações sociais e desenvolvê-las racionalmente”. Assim, a técnica poderia
se colocar a serviço da sociedade se o “sistema social vertical” fosse derrubado (RÜDIGER,
2010, p. 4). Baudrillard acreditava na existência de um pensamento tecnológico, o qual
poderia nortear a construção de um sistema mais progressista e democrático se a técnica fosse
desvinculada da cultura social de exploração das classes. Para Rüdiger (2010, p. 5-6), há um
espaço em branco deixado pelo teórico francês – a explicação de que forma e porque as
práticas sociais obstruíam a técnica – e ressalta a necessidade da observação de um fenômeno,
o qual ele considera que certamente teria sido uma notação do próprio Baudrillard e que foi
responsável pela mudança de seu pensamento sobre a técnica: “nosso tempo é cada vez mais
prisioneiro de seu imaginário”, ou seja, a técnica se tornou mitologia, uma nova forma de se
pensar e reordenar o mundo, uma ideologia. Isso pode ser visto no que ele chama de “culto ao
automatismo”, o ato de o ser humano passar a cultuar as máquinas, buscando um estado
inerte, no qual as tecnologias lhe sirvam sempre a seu favor e o permitam ser apenas
espectador de seus feitos.
O rompimento de Baudrillard com sua antiga visão foi motivado pelo seu
envolvimento com os conflitos ideológicos, vendo a descrença nas instituições, revoluções e
nas correntes filosóficas. Em sua nova perspectiva “a técnica não somente perderá o caráter de
elemento contraditório, tensionador mesmo do sistema social, mas passará a ser vista como
um de seus vetores negativos” (RÜDIGER, 2010, p. 6). A partir da década de 1970, o
discurso sobre a técnica tomou um tom cada vez mais apocalíptico. A antiga perspectiva da
técnica como ideologia foi substituída por um “vetor histórico ontológico de formação de um
mundo artificial” (RÜDIGER, 2010, p. 7), conferindo à técnica um poder autônomo.
Para compreender mais objetivamente a diferença entre o pensamento de Baudrillard
nesses dois momentos, observemos abaixo a citação de Rüdiger (2010, p. 6) que sintetiza o
ponto de vista de seu primeiro período.
De início, recordemos, expressara o autor a ideia de que a técnica, embora
possuísse uma legalidade autônoma, convertera-se em ideologia, em função
da forma como acabou se inserindo nas relações sociais da era capitalista. A
técnica deveria ser sempre estudada, portanto, a partir de um exame do seu
papel e função no seu contexto histórico.

Vejamos agora uma citação de Baudrillard (1999, p. 57) em A troca impossível, que
deixa clara a visão dele da técnica após sua mudança.
Detrás de cada tela de televisão e de computador, em cada operação técnica
com que se defronta diariamente, o indivíduo é analisado função por função,
provado, experimentado, fragmentado, acossado, obrigado a responder,
convertido em um sujeito fractal, que se difrata através das redes, em troca
da mortificação de seu olhar, de seu corpo, do mundo real.

Assim, vemos que de uma ideologia que movimentava o pensamento inquieto humano
de descobrir e produzir coisas, intensificado pela revolução industrial, dependente das
relações sociais e do emprego do capital, a técnica, para Baudrillard, se tornou um vetor de
efeito artificializante, produzindo uma espécie de efeito centrífugo em que sua essência
autônoma é imposta, enquanto o ser humano faz uso de seus objetos tecnológicos e se
submete à orientação da própria técnica. Retomando a descrição de Trivinho acerca da
velocidade como vetor – uma força autônoma, irrefutável, irreversível e progressiva – vê-se
grande afinidade entre ambos os vetores, os quais, podemos concluir, quando somados,
produzirão as resultantes mencionadas anteriormente: a estratégia para vitória, a
produtividade e a intensidade.

2.5. A sociedade re-produzida pela sua mídia


Retomemos as discussões trazidas aqui. Definimos que vivemos numa sociedade sem
centro, grandemente dominada pela técnica, da repetição de verdades e histórias fragmentadas
e orbitantes, que se aproveitam da boa condição do virtual para tal e simulam uma realidade
nova que já aconteceu. Antes, porém, de ter entrado nessas definições, foi proposto e
escolhido um princípio de circularidade em que “os indivíduos humanos produzem a
sociedade nas – e através de – suas interações, mas a sociedade, enquanto todo emergente,
produz a humanidade desses indivíduos aportando-lhes a linguagem e a cultura” (MORIN,
2003, p. 27). Utilizando esse princípio, é possível compreender que a sociedade é composta
por indivíduos, dotados de linguagem e cultura, que produzem mídia – uma representação da
técnica moderna – e que esta, sendo lançada na redoma da sociedade e cultura, passa a re-
produzir a sociedade. Dessa forma, não há como responder taxativamente perguntas como: as
pessoas utilizam a internet por que ela existe ou a internet existe porque as pessoas precisam
dela? Questionamentos de duplos vieses tomam a mesma noção da pergunta de cunho popular
“quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?”.
Tendo construído o panorama da sociedade produtora de mídia, agora é preciso
analisar a sociedade re-produzida11 por ela. Dentre as muitas propostas para explicar a
sociedade atual, seguiremos com a de Baudrillard: a teoria dos simulacros, escolhida como
base para esse estudo. Os simulacros são “uma reprodução de objetos ou eventos, enquanto as
„ordens do simulacro‟ formam os estágios ou „ordens de aparência‟ nas relações entre o
simulacro e o real. Baudrillard apresenta uma teoria de como os simulacros vieram para
dominar a vida social, tanto historicamente quanto fenomenologicamente12” (KELLNER,
1989, p. 78, tradução livre). É importante destacar também que as ordens dos simulacros não
têm relação somente com os signos, mas inclui as relações de poder e mercado. Além disso,
os estágios apresentados por Baudrillard não são uma projeção excludente das etapas
anteriores, é possível coexistir as ordens do simulacro, pois a progressão deste é complexiva.
A primeira ordem é a da contrafação,quando um objeto ou signo simula ser algo que
não é, negando a si próprio. Esta ordem é correspondente à primeira lei do valor – a lei
natural, quando o valor das coisas estava na sua funcionalidade natural (BAUDRILLARD,
1996, p. 11); ela busca também voltar a um ideal ou restituí-lo (BAUDRILLARD, 1991, p.
151). Baudrillard explica que essa ordem surge com a Renascença. No feudalismo, a
sociedade era estática, seus signos eram fixos em suas classes sociais estratificadas, signos
perfeitamente claros, pois o indivíduo possuía sua identidade determinada pela sua posição
social sem possibilidade de mudanças. Com o advento da modernidade e a ascensão da
burguesia, porém, essa nova classe passou a impor sua presença através da imitação – signos
– enraizados na natureza das coisas, o que era perceptível em sua arte e comércio
(KELLNER, 1989, p. 78).
A revolução industrial trouxe a segunda ordem, a ordem da produção, que surge
correspondendo à segunda lei do valor – a lei de mercado. Neste mesmo tempo nasce de
forma acentuada a lógica mercadológica, marcada pela produção e replicação em série. A
ordem natural deixou de ser procurada e a natureza foi subjugada à industrialização. Houve
inclusive efeito sobre a arte, ocasionando também numa nova relação com a imagem, pois ela

11
É necessária essa diferenciação entre “reproduzir” e “re-produzir” nesse trabalho, pois reprodução implica
fazer uma cópia idêntica, ou quase, à original. A ideia nesse trabalho é que a mídia produz uma nova sociedade,
ela produz novamente uma sociedade em seu contexto midiatizado e virtual.
12
“’simulacra’ are reproductions of objects or events, while the ‘orders of simulacra’ form various stages or
‘orders of appearance’ in the relationships between simulacra and ‘the real’. Baudrillard presents a theory of
how simulacra came to dominate social life, both historically and phenomenologically”.
passa a ser reproduzida com outras finalidades além da arte pela arte e passa a ser vista como
um produto.
Finalmente, a terceira ordem do simulacro, a simulação, correspondente à lei estrutural
do valor. Ou seja, nesta fase do simulacro falamos apenas de signos que sequer precisam ter
alguma relação – diferente da contrafação ou da produção – com uma realidade. Os signos
simplesmente representam modelos, os quais precedem as coisas de forma que até mesmo a
produção em série se submete aos modelos e a digitalidade se torna imperante (KELLNER,
1989, p. 79). Para Baudrillard, esse é o momento em que a sociedade migra de “sociedade
capitalista-produtivista para neo-capitalista cibernética, cujo objetivo agora é o controle
total13” (BAUDRILLARD, 1983, p. 111, tradução livre).
Enquanto Baudrillard finaliza as ordens dos simulacros na terceira, ele descreve ainda
uma quarta ordem do valor, representando o estado em que ele atinge o estágio fractal,
quando “já não há equivalência, nem natural nem geral, nem há lei do valor propriamente
dita: só há uma espécie de epidemia do valor, de metástase geral do valor, de proliferação e
dispersão aleatória” [grifo original](BAUDRILLARD, p. 11, 1996). Ao falar desta ordem do
valor, há uma forte inclinação para compreendermos que se trata de um tempo bastante
presente. O funcionamento da era virtual, trazendo a interatividade e constante conectividade
parece favorecer esta fractalização do valor, conforme discutido ao abordar a sociedade pós-
orgia (BAUDRILLARD, 1996).
Nesse contexto, é importante encontrarmos e enfatizarmos outras coisas que
progrediram. São os dois vetores apresentados nesse trabalho: a técnica, agora denominada
técnica moderna, e a velocidade. Ambas já foram definidas como autônomas, progressivas e
alheias às vontades e domínios do ser humano. Ao que parece, é a presença de ambas ao
longo dos estágios dos simulacros que liderou as mudanças sociais apontadas. Se quisermos
traçar um paralelo entre a divisão das eras trazida por Marcondes Filho e as ordens do
simulacro, veremos que o feudalismo, quando os signos eram perfeitamente claros e
transparentes, era o período teocêntrico. O antropocentrismo se inicia com o começo da
modernidade e vemos que é ali que se inicia a primeira ordem do simulacro, de acordo com a
perspectiva de Baudrillard, segunda ordem do simulacro, marcada pela revolução industrial,
ainda está no antropocentrismo e o tecnocentrismo seria comparável à terceira ordem do
simulacro.

13
“a capitalist-produtivist society to a neo-capitalist cybernetic order that aims now at total control”.
2.6. Os imaginários e os simulacros
Além de estabelecer relações entre as ordens dos simulacros e as respectivas leis de
valor, Baudrillard propõe imaginários correspondentes a cada uma delas.De certa forma,
entender estes imaginários propostos até auxilia na compreensão das ordens dos simulacros
em si. Diz ele,
À primeira categoria corresponde o imaginário da utopia. À segunda a ficção
científica propriamente dita. À terceira corresponde – haverá ainda um
imaginário que responda a essa categoria? A resposta provável é que o bom
velho imaginário da ficção científica morreu e que alguma outra coisa está a
surgir[...]. Não há real, não há imaginário senão a uma certa distância. Que
acontece quando esta distância, inclusive a distância entre o real e o
imaginário, tende a abolir-se, a reabsorver-se em benefício exclusivo do
modelo? Ora, de uma categoria de simulacros a outra, a tendência é bem a de
uma reabsorção desta distância (BAUDRILLARD, 1991, p. 151-152).

A ordem da contrafação, correspondente à lei natural do valor, procura retomar o ideal


natural. Por isso, a utopia é seu imaginário correspondente, “onde se desenha uma esfera
transcendente, um universo radicalmente diferente ([...] a decolagem do mundo real é
máxima, é a ilha da utopia oposta ao continente do real)” (BAUDRILLARD, 1991, p. 125).
Assim, há um grande caminho a percorrer entre o real no simulacro em sua primeira ordem e
seu imaginário correspondente.
A ordem da produção, correspondente à lei de mercado, se relaciona com o imaginário
da ficção científica – o qual muito nos interessa e será um ponto importante para esse estudo,
ocasionando na escolha de um filme desse gênero como objeto de análise social. A distância
entre o real e o imaginário nesse estágio do simulacro diminui consideravelmente, pois a
ficção científica “não é senão uma projecção desmedida, mas não qualitativamente diferente,
do mundo real da produção. [...] Ao universo potencialmente infinito da produção, a ficção
científica acrescenta a multiplicação das suas próprias possibilidades” (BAUDRILLARD,
1991, p. 152).O resultado da ficção de somar às possibilidades de realidade difere da utopia,
cujo resultado era opor a realidade ao universo ideal.
Chegando à terceira ordem do simulacro, a ordem da simulação, correspondente à lei
estrutural do valor, o teórico francês expressa uma aparente dúvida em relação ao que esperar
do imaginário referente a esse estágio do simulacro. O problema encontrado é que parece não
haver algo que expresse a projeção social que se encaixe na ordem estrutural do valor. Ao
prosseguir em sua discussão, Baudrillard aponta que a distância entre o real e o imaginário é
totalmente reabsorvida no que ele chama a “era implosiva dos modelos”. Vale relembrar que
na terceira ordem do simulacro a reprodução de objetos ou eventos acontece de forma
totalmente independente, perdendo total relação com a referência. O que restam são apenas
modelos, uma constante repetição de modelos, os quais

já não constituem uma transcendência ou uma projeção, já não constituem


um imaginário relativamente ao real, são eles próprios antecipação do real, e
não dão, pois, lugar a nenhum tipo de antecipação ficcional – são imanentes,
e não criam, pois, nenhuma espécie de transcendência imaginária. O campo
aberto é o da simulação no sentido cibernético, isto é, o da manipulação em
todos os sentidos destes modelos (cenários, realização de situações
simuladas, etc.), mas então nada distingue esta operação da gestão e da
própria operação do real: já não há ficção (BAUDRILLARD, 1991, p. 152-
153).

Uma vez que os simulacros de simulação são uma cópia sem real, imitações
circulantes, modelos repetitivos que são autenticados como signos sem referência, assume-se
que já não há mais real, tudo se tornou em modelos. Aqui bem cabe a afirmação de
Marcondes Filho (2009) de que “os simulacros são um atentado contra a realidade”. Não que
essa percepção seja uma exclusividade da terceira ordem do simulacro, mas é nesse estágio
que o prejuízo se torna mais evidente. Primeiro, existia apenas uma contrafação da verdade,
que buscava utopicamente voltar a um ideal que fosse próximo à ordem natural das coisas.
Em seguida, a lógica produtiva somada à lei de mercado instaurou a replicação em série e
passou-se a imitar a realidade, de maneira que esta já poderia ser confundida com sua
representação. Finalmente, chega-se ao momento das simulações, da lei estrutural do valor,
em que o real é dispensável, pois é a perpetuação de modelos que importa circular.

O imaginário era o álibi do real num mundo dominado pelo princípio da


realidade. Hoje em dia, é o real que se torna álibi do modelo, num universo
regido pelo princípio da simulação. E é paradoxalmente o real que se tornou
a nossa verdadeira utopia – mas uma utopia que já não é da ordem do
possível, aquela com que já não pode senão sonhar-se, como um objeto
perdido (BAUDRILLARD, 1991, p. 153).

O que Baudrillard parece nos apresentar é uma realidade (ou não realidade, já que esta
foi perdida) que chegou ao extremo oposto do que se via naquela da primeira ordem do
simulacro. Antes, procurava-se uma utopia – um imaginário – para fugir da realidade presente
e consertar seus problemas. Agora, parece que vivemos num imaginário e queremos voltar ao
real, que se tornou utópico.

2.7. O imaginário para Morin


Falando sobre o imaginário, Morin (1970, p. 107-109) apresenta três relações
possíveis do ser humano com os entes ao seu redor. A primeira delas é a projeção, a qual ele
divide em três formas: o automorfismo, o antropomorfismo e o desdobramento. Ele aponta
que estes dois últimos se dão no momento em que a projeção passa a ser alienação, o que ele
chama de momentos mágicos.Diz ele: “a projeção é um processo universal e multiforme. As
nossas necessidades, aspirações, desejos, obsessões, receios, projetam-se14, não só no vácuo
em nossos sonhos e imaginação, mas também sobre todas as coisas e todos os seres”
(MORIN, 1970, p. 105). O próximo processo é o de identificação, quando um indivíduo
exposto a outro ou a um meio, ao invés de se projetar ali, absorve-o. Há uma ligação entre a
projeção e a identificação, para Morin, principalmente entre dois de seus resultados, o
antropomorfismo – uma das formas de projeção, em que o indivíduo projeta características
humanas a coisas e animais – e o cosmomorfismo, que pode ocasionar da identificação.
Quando o ser humano se identifica com o mundo e se sente como um microcosmo, ele soma a
isso o antropomorfismo e se coloca no lugar do outro ou de alguma coisa, pois esse ente
exterior se tornou assimilável para ele.
Por fim, há um último processo, a transferência, a qual se trata da passagem desse
complexo projeção-identificação para o imaginário. Isso acontece porque “o antropo-cosmo-
morfismo, que já não consegue suster-se no real, bate asas para o imaginário.”

É o complexo projeção-identificação-transferência que comanda todos os


chamados fenômenos psicológicos subjectivos, ou seja, os que traem ou
deformam a realidade objectiva das coisas, ou então se situam,
deliberadamente, fora desta realidade (estados de alma, devaneios).
Comanda igualmente – sob a forma antropo-cosmórfica – o complexo dos
fenômenos mágicos: do duplo, da analogia, da metamorfose (MORIN, 1970,
p. 107).

O cinema é, para Morin, uma das formas em que se visualiza esses processos, sendo
que, conforme a circularidade dos fatos proposta anteriormente, ali nasce a alienação que
alimentará o início daqueles processos e o resultado destes é a própria realização do complexo
projeção-identificação-transferência.Para ele, o cinema confere estruturas subjetivas às
imagens objetivas (MORIN, 1970, p. 109-111).A abordagem de imaginário de Jean
Baudrillard é bastante diferente da de Edgar Morin. Enquanto o primeiro trata da progressão
histórica do imaginário em relação aos simulacros – sua proposta de explicar e entender a
sociedade, escolhida para liderar esse trabalho –, o último fala do imaginário de maneira
individual, relatando como que o ser humano posiciona sua parte subjetiva em relação ao
outro. O que toca esse trabalho nos escritos de Morin é justamente sua afirmação de que o
cinema, um objeto da técnica moderna, um lazer tão comum para a sociedade, é uma das

14
O tipo de língua portuguesa foi mantido no texto para que se preservasse a originalidade da citação.
formas mais claras de visualizar o imaginário humano, pois é ali que se projetam intenções, é
ali que quem assiste se identifica com o que vê e transfere para outras mídias o que um filme
lhe transmitiu. De igual modo, quem produz o filme passa para ele as projeções-identificações
que possui do mundo que pensa. E por aí vão inúmeras probabilidades de resultados do
complexo projeção-identificação-transferênciaentre indivíduos e cinema.
Baseado nessa constatação do papel do cinema no imaginário do ser humano e na
sociedade, e considerando que, como uma mídia, um filme traz representa uma sociedade e
re-produz uma nova sociedade, o próximo capítulo tratará da presença da primeira e da
segunda ordem do simulacro no filme “Vingadores: era Ultron”para observar, através dos
respectivos imaginários dessas ordens, qual a sociedade que emerge da observação deste
filme.

2.8. A relação entre as teorias e a mídia escolhida


Posto que existe uma relação de circularidade entre a sociedade e a mídia – a
sociedade produz uma mídia e esta re-produz uma nova sociedade – esse capítulo trabalhou a
caracterização da sociedade em que estamos inseridos, a produção da mídia e a sociedade
midiatizada. Definimos a sociedade como sendo tecnocêntrica, amplamente invadida pelas
tecnologias digitais, o que nos levou também a trazer o conceito de cibercultura. Foi levantada
também a questão da existência de dois vetores que são exteriores ao ser humano, a
velocidade, responsável pela dromocracia (governo da velocidade) vigente na cibercultura, e a
essência da técnica moderna, tida por Baudrillard como um vetor negativo tensionador da
sociedade, que traça o caminho para a construção de um mundo artificial.
Tendo a mídia como um produto da técnica moderna, foi trabalhada a teoria dos
simulacros, como uma forma de entender a sociedade midiatizada e, explicada as ordens dos
simulacros na proposta de Baudrillard, foram trazidos os imaginários relacionados a cada uma
das respectivas ordens – a utopia, a ficção científica e a inversão de real por ficção tendo o
real como utopia.Morin também fala sobre os imaginários, propondo o complexo da
projeção-identificação-transferência, em que o ser humano se projeta em um ser ou objeto
e/ou se identifica com estes e transfere essas relações para a mídia, sendo que o teórico aponta
o cinema como uma forma de visualizar esses processos. A partir dessa consideração de
Morin e da discussão trazida por Hagemeyer (2010), sobre a relevância de analisar produtos
do cinema para compreender a sociedade, utilizaremos o filme “Vingadores: a era Ultron”,
lançado no mês de abril pela Marvel Studios, para servir de análise. O estudo buscará
identificar as três ordens do simulacro a partir de seus respectivos imaginários e, através
destes, compreender qual a sociedade que emerge da observação do filme.
3 A PROGRESSÃO DOS SIMULACROS E SEUS IMAGINÁRIOS E PERCEPÇÕES
IMEDIATAS EM VINGADORES: A ERA DE ULTRON

Conforme foi proposto e discutido anteriormente, partiremos agora para a aplicação da


teoria dos simulacros no filme Vingadores: a era de Ultron. Utilizaremos a justificativa e
ponto de vista de Hagemeyer (2012, p. 42-48) acerca da utilização do cinema como
documentação histórica, a partir da qual se torna possível analisar e compreender a sociedade.
Deve ser lembrado que a preocupação do presente trabalho é observar os aspectos
ideológicos, o que deverá ser feito mediante a escolha de setores da sociedade e personagens
do filme, os quais, segundo o autor, são alegorias de seu próprio tempo e trazem no enredo
conflitos que, igualmente, alegorizam conflitos presentes na sociedade real (produtora do
filme). Portanto, serão avaliados códigos narrativos, marcas de enunciação, a função dos
protagonistas, a temporalidade, as representações sociais e os enunciados ideológicos.
Utilizaremos também para a escolha dos elementos do filme e suas respectivas análises a obra
Jacques Aumont (2012)“A estética do filme”.

3.1. A primeira ordem do simulacro


É necessário retomar e aprofundar do que se trata a primeira ordem do simulacro – a
contrafação – para que ao serem apresentados os elementos do filme a serem analisados seja
possível visualizar neles a presença desta ordem, e assim também será feito com as demais
ordens. Antes, porém, é preciso enfatizar que as ordens do simulacro acontecem de maneira
paralela, uma não impede nem anula a existência da outra. O que se observa é a presença de
uma ordem dominante em cada período da história. No caso da primeira ordem, ela foi
dominante do Renascimento até o início da era industrial (BAUDRILLARD, 1993, p. 50).
Baudrillard (1993, p. 50) explica que o fim do feudalismo e a ascensão da burguesia
ocasionaram o surgimento da contrafação e também da moda. No sistema feudal a sociedade
era estamental, ou seja, dividida em grupos imóveis e que não se misturavam – as castas
divididas em clero, nobreza (senhores feudais) e os trabalhadores. Nascer em um desses
grupos significava ser estritamente de tal e perpetuar sua existência. No entanto, a burguesia
surgiu como uma nova classe que não se enquadrava em nenhum dos grupos pré-existentes.
Embora muitos deles fossem antes trabalhadores e continuassem exercendo um ofício de
trabalho, como artesãos, em geral, eles passaram a possuir e partilhar do controle da moeda de
troca. Assim, quebrou-se a ordem dos signos fixos e pouco circulantes, antes restritos apenas
às respectivas castas. A burguesia não era nobreza por nascimento, mas ela podia se vestir
como os nobres, comprar como os nobres e se tornar detentora de capital como os nobres.
Assim, a era do signo comprometido deu lugar ao signo emancipado, quando qualquer
classe poderia participar da sociedade como quisesse, bastando possuir os devidos signos que
os caracterizassem como tais. “A arbitrariedade do signo começa quando, ao invés de ligar
duas pessoas numa reciprocidade inevitável, o significante passa a se referir ao universo
desencantado do significante, o denominador comum do mundo real, ao qual ninguém tem
mais a menor obrigação (BAUDRILLARD, 1993, p. 50, tradução livre15). Mas o que seria, de
fato, essa contrafação?Podemos começar explicando o que ela não é. É importante ressaltar
que ela não tem a ver com a circulação restrita, que passa agora a ser irrestrita, mas sim com a
questão do signo comprometido, preso, estritamente ligado ao seu referente; e é justamente
essa autocracia do referente que a contrafação nega.Em outras palavras, a contrafação é como
se fosse uma rebeldia do signo de ter se libertado da ligação estrita com seu referente.
Outra característica importante é que “a contrafação não ocorre por mudar a natureza
de seu „original‟, mas, por extensão, acontece de forma que altera totalmente o material cujo
sentido é completamente dependente de uma restrição” (BAUDRILLARD, 1993, p. 51,
tradução livre16).O signo de nobreza, em seu significado original, fazia sentido num contexto
em que as classes não se modificavam, quando bastava nascer em uma família nobre e você
seria nobre. A partir do momento que não nobres, por causa do capital adquirido no comércio,
passaram a parecer nobres, se passar por nobres, agir como nobres, o signo de nobreza
assumiu outro sentido, pois foi destituído de seu referente.
Assim, compreendemos que o surgimento da burguesia e o sucesso do mercantilismo,
a Revolução Comercial, foram responsáveis pela circulação do signo, o qual significava que
quem se apropriasse de determinado signo, mesmo que anteriormente este estivesse ligado a
outra classe que não fosse a sua, poderia contradizer sua origem assumindo uma nova
aparência, aquela que estivesse representada pelo signo apropriado. Por isso, Baudrillard
afirma também que o surgimento da moda está ligado ao surgimento da primeira ordem do
simulacro (BAUDRILLARD, 1993, p. 50).Vale lembrar que esse nesse simulacro vigora a lei
natural do valor, pois a ele “correspondia um referente natural, e o valor desenvolvia-se em
relação com um uso natural do mundo” (BAUDRILLARD, 1996, p. 11). Se em algum

15
“The arbitrariness of the sign begins when, instead of bonding two persons in an inescapable reciprocity, the
signifier starts to refer to a disenchantated universe of the signified, the common denominator of the real
world, towards which no-one any longer has the least obligation.”
16
“Counterfeiting does not take place by means of changing the nature of an ‘original’, but, by extension,
through completely altering a material whose clarity is completely dependent upon a restriction”
momento houver a tentação de pensar que esse simulacro não ocorre mais, Baudrillard (1993,
p. 51) afirma que, apesar das inúmeras revoluções e mudanças na sociedade, existe uma
crescente “nostalgia” por voltar ao referente natural das coisas. Mais adiante, essa percepção
será mais comentada ao falarmos do imaginário do simulacro de terceira ordem.

3.2. A segunda ordem do simulacro


Esse é o simulacro de produção, dominante na era industrial, regido pela lei de
mercado do valor (BAUDRILLARD, 1993, p. 50).O principal a ser observado na progressão
dos simulacros é a mudança sofrida pelo signo e suas significações, pois é através da notação
dos signos no mundo que é possível entender a relação da humanidade com as coisas.Na
produção, a natureza não é mais uma lógica ou uma ordem, mas sim “objeto de dominação e a
reprodução se torna o princípio social dominante, governado pelas leis de mercado”
(KELLNER, 1989, p. 79, tradução livre17). A palavra-chave da sociedade é reprodução – a
produção em série forma equivalentes, que podem ser trocados uns pelos outros de acordo
com as leis do mercado (KELLNER, 1989, p. 79).

O signo moderno sonha com seu predecessor e adoraria redescobrir uma


obrigação em sua referência ao real. Ele encontra apenas uma razão, uma
razão referencial real e „natural‟ das quais pode se alimentar. Essa ligação
que o designa, no entanto, é apenas um simulacro de obrigação simbólica,
produzindo nada mais que valores neutros que são trocados um pelo outro
num mundo objetivo (BAUDRILLARD, 1993, p. 51, tradução livre18).

Repetindo o exemplo usado por Baudrillard (1993, p. 51) para o signo moderno, ou
seja, da segunda ordem do simulacro, compara-se o signo ao trabalho – assim como o
trabalhador da era industrial produz apenas equivalentes,ao invés de originais, o signo
emancipado produz apenas significantes equivalentes. Em outras palavras, uma vez que a
Revolução Industrial instaurou a produção seriada, em que os produtos perderam sua
unicidade, a partir de um referente, antes fabricado artesanalmente (manufaturas), fazia-se
inúmeras cópias do objeto, remetendo à ideia de um original, mas sem ligação alguma com
tal. Vale ressaltar que esse é o momento em que surgem as máquinas e, pouco a pouco, o ser
humano foi perdendo sua função na produção, tendo parte apenas em um ponto específico do
processo de produção, conferindo à máquina certo louvor.
17
“nature becomes the object of domination, and reproduction itself becomes a dominant social principle
governed by the laws of the market”.
18
“The modern sign dreams of its predecessor, and would dearly love to rediscover an obligation in its
reference to the real. It finds only a reason, a referential reason, a real and a ‘natural’ on which it will feed. This
designatory bond, however, is only a simulacrum of symbolic obligation, producing nothing more than neutral
values which are exchanged one for the other in an objective world.”
3.3. A terceira ordem do simulacro
Esse estágio do simulacro provavelmente é o mais complexo, tanto que a obra
Simulacros e Simulações (1991) de Baudrillard é praticamente toda dedicada justamente a
explorar a terceira ordem. Esta ordem é dominante no atual período, governado pelos signos e
códigos (BAUDRILLARD, 1993, p. 50), quando há apenas uma perpetuação dos modelos,
quando os signos são totalmente desligados de seus referentes e eles apenas giram em órbita
como verdade, simulando ser algo tão real que a humanidade os acata e vive a partir dos tais
mesmo suspeitando que não sejam de fato reais (BAUDRILLARD, 1996, p. 9-15).
Entendemos que tudo é imagem – vivemos na era do excesso das imagens, e Walter
Benjamim diria que isso resultou dos os avanços da fotografia que permitiram a reprodução
de tudo que se vê de maneira viral e acessível. Retomemos a categorização de Baudrillard
(1983, p. 11) sobre as quatro fases da imagem. Nesse ponto, Baudrillard (1991, p. 13) define
quatro fases da imagem, sendo que nesta ordem do simulacro cabem apenas as três primeiras:
“1) o reflexo de uma realidade profunda; 2) mascarar e deformar uma realidade profunda; 3)
mascarar a ausência de uma realidade profunda; e 4) a imagem não tem relação qualquer com
a realidade: ela é o seu próprio simulacro puro” (BAUDRILLARD, 1991, p. 13). A grande
mudança ocorre da segunda fase para a terceira,

A passagem dos signos que dissimulam alguma coisa aos signos que
dissimulam que não há nada, marca a viragem decisiva. Os primeiros
referem-se a uma teologia da verdade e do segredo (de que faz ainda parte a
ideologia). Os segundos inauguram a era dos simulacros e da simulação,
onde já não existe Deus para reconhecer os seus, onde já não existe Juízo
Final para separar o falso do verdadeiro, o real de sua ressurreição artificial,
pois tudo já está antecipadamente morto e ressuscitado (BAUDRILLARD,
1991, p. 14).

Na primeira fase, a imagem é uma boa reprodução do real, é fiel, precisa e exata, do
“domínio do sacramento”. Na segunda fase, a representação é má, a imagem pervertendo,
mascarando, alterando uma realidade, do “domínio do malefício”. Esse é o ponto da virada,
pois essas duas primeiras fases da imagem descrevem a progressão da primeira ordem do
simulacro, para a segunda e, finalmente, para a terceira. Na terceira fase, a imagem mascara a
ausência de uma realidade – o signo representa algo que não está lá, ele “finge ser uma
aparência”, escondendo que já não há ali a realidade; está sob o “domínio do sortilégio”.
Finalmente, a quarta fase da imagem: “ela não tem relação alguma com qualquer realidade,
ela é seu próprio e puro simulacro” (BAUDRILLARD, 1983, p. 11, tradução livre 19); a
imagem já nem pertence ao domínio da aparência, mas da simulação.
Perpetua-se a não realidade até que não há mais importância se ela relembra uma
realidade ainda que distante, apenas o modelo é viralizado, tendo o signo assumido todo o
valor e sido colocado em órbita. “Há uma produção desenfreada do real e do referencial,
acima e paralelo à loucura da produção material: é assim que a simulação aparece na fase que
nos toca – uma estratégia do real, do neo-real e do hiper-real cujo duplo universal é uma
estratégia de dissuasão” (BAUDRILLARD, 1983, p. 12, tradução livre20).
Defenderemos aqui que o filme Vingadores: a era de Ultron pode ser considerado um
exemplo combinado dos simulacros. No filme há marcas da utopia, da idealização, há marcas
da ficção e da produção, mas, principalmente, há uma característica marcante da simulação,
que ecoa da análise de Baudrillard a respeito da Disney: o filme faz acreditar que aquele
mundo é irreal e que o nosso é real a partir daquele, assim já não percebemos a irrealidade em
que vivemos. Vejamos o que ele fala sobre a Disneylândia,

A Disneylândia é colocada como imaginário a fim de fazer crer que o resto é


real, quando toda Los Angeles e a América que a rodeia já não são reais, mas
do domínio do hiper-real e da simulação. Já não se trata de uma
representação falsa da realidade (a ideologia), trata-se de esconder que o real
já não é real e, portanto, salvaguardar o princípio de realidade
(BAUDRILLARD, 1991, p. 21).

De modo semelhante, poderíamos dizer que o filme apresenta um mundo quase


idêntico ao nosso, exceto pela presença de criaturas fantásticas e seres alienígenas. No
entanto, a mera aparição desses entes provoca o pensamento de que “é apenas um filme, este
não é o nosso mundo”. Os conflitos retratados, porém, nos mais diversos níveis – políticos,
como a divisão da HIDRA vs. SHIELD; sociais, sobre a luta de classes, exploração dos
desfavorecidos e falta de segurança nacional; humanitárias, como o uso de inteligência
artificial e o aprimoramento humano; relacionais, com a questão familiar e profissional do
Gavião Arqueiro e o possível romance entre a Viúva Negra e Hulk; e a bipolaridade clássica
do “bem” e o “mal” – provocam em quem assiste uma identificação, tornando possível nos
transportar para o filme através da percepção de que aquele mundo pode ser tão seu quanto o
que ele vive, pois os problemas são os mesmos. Porém, as utopias e a magia da ficção
científica cumprem sua missão junto à simulação de entreter o espectador a ponto de, ao final

19
“it bears no relation to any reality whatever, it is its own pure simulacrum.”
20
“there is a panic-striken production of the real and the referential, above and parallel to the panic of material
production: this is how simulation appears in the phase that concerns us – a strategy of the real, neo-real and
hypperral whose universal double is a strategy of deterrence.”
do filme, pensar: “foi apenas um filme, agora estou de volta à vida real; ainda bem que o meu
mundo é bem menos problemático e mais seguro. ”
Primeiro, o filme mascara a irrealidade da sociedade envolta pelo hiper-real, toda
baseada em signos e recheada de significações virtuais, pois a intensidade da experiência
imaginária faz com que o que é exterior ao filme pareça real. Segundo, transmite uma
sensação de que não são os mesmos problemas, pois embora haja uma identificação com as
questões tratadas no filme, a presença de elementos fantásticos tende a inibir a percepção dos
problemas cotidianos sociais. Assim como no filme, convivemos diariamente com a
desigualdade, com políticas desonestas e lutas por poder, questões humanitárias polêmicas,
dificuldades em se relacionar com o outro e um estigma de bem e mal. Pode-se até dizer que
essa semelhança é, sim, percebida, tanto que é confundível com a dita realidade – alguém
poderá até exemplificar seu problema utilizando algum caso do filme (ou de outro filme) –
mas, mais uma vez, aí está a vitória da simulação. O imaginário deste simulacro justamente
está em aniquilar a distância entre o real e o imaginário, não se pode mais diferenciar um do
outro, como diz Baudrillard (1991, p. 152-153):

Os modelos já não constituem uma transcendência ou uma projeção, já não


constituem um imaginário relativamente ao real, são eles próprios a
antecipação do real, e não dão, pois, lugar a nenhum tipo de antecipação
ficcional – são imanentes e não criam, pois, nenhuma espécie de
transcendência imaginária. [...] O imaginário era o álibi do real, num mundo
dominado pelo princípio de realidade. Hoje em dia, é o real que se torna álibi
do modelo, num universo regido pelo princípio de simulação.

Assim, notamos que o simulacro de simulação é predominante no filme, uma vez que
o filme em si simula que ele é irreal em detrimento ao nosso “mundo real”.Vingadores 2
também carrega a questão do caos, um caos que não se pode compreender porque ele existe,
mas sabe-se que está lá – um traço do mundo pós-orgia descrito por Baudrillard (1996), que
corresponde, historicamente, ao mesmo período em que a simulação é predominante. Nesse
momento, o signo é livre, circulante, mas já não imita nem mascara um referente, o filme
esconde o fato da não existência do real – “mascara a ausência de uma realidade profunda”, a
terceira fase da imagem (BAUDRILLARD, 1993, p. 50). E por que já não há mais real?
Porque tudo se converteu em signos, de nada mais importa o referente e sua natureza ou sua
produção, o que vale é a significação dada aos signos (BAUDRILLARD, 1991). Estes,
perpetuados, são modelos viralizados majoritariamente pela realidade virtual.
3.4. A progressão dos imaginários
Como foi apresentado no capítulo anterior, para cada ordem do simulacro Baudrillard
(1991, p. 151-152) apresenta um imaginário correspondente; na contrafação, o imaginário
correspondente é a utopia.Para Baudrillard (1991, p. 152), a utopia era o estado de almejar
construir uma sociedade ou um mundo melhor.

[Na utopia], se desenha uma esfera transcendente, um universo radicalmente


diferente (o sonho romântico é ainda a sua forma individualizada, onde a
transcendência se desenha em profundidade, até às estruturas inconscientes,
mas de qualquer modo a descolagem do mundo real é máxima, é a ilha da
utopia oposta ao continente do real).

No entanto, entre o real e o imaginário há uma distância que tende a se tornar


inexistente à medida que se avançam as ordens do simulacro. Ou seja, o imaginário na
primeira ordem é aquele em que mais há distância entre o real e o imaginário.

Não há real, não há imaginário senão a uma certa distância. Que acontece
quando esta distância, inclusive a distância entre o real e o imaginário, tende
a abolir-se, a reabsorver-se em benefício exclusivo do modelo? Ora, de uma
categoria de simulacros a outra, a tendência é bem a de uma reabsorção desta
distância, deste desvio que dá lugar a uma projeção ideal ou crítica
(BAUDRILLARD, 1991, p. 152).

Partindo para o próximo imaginário, temos a ficção científica, correspondente à


segunda ordem do simulacro. O termo ficção científica aqui não necessariamente parece se
referir ao gênero de filmes, embora este caiba bem para o caso, mas na lógica produtiva
denominada de tal forma. Baudrillard a define como uma “projecção desmedida, mas não
qualitativamente diferente, do mundo real da produção. Prolongamentos mecânicos ou
energéticos, as velocidades ou as potências passam à potência n, mas os esquemas e os
cenários são os mesmos da mecânica, da metalurgia etc.” (BAUDRILLARD, 1991, p. 152). A
ficção científica e o devaneio do ser humano de testar suas possibilidades, de pegar suas
admiradas máquinas e imaginar até onde elas podem chegar, o que elas são capazes de fazer.
Através desse imaginário foi possível visualizar tudo que se almejava, o limite da colonização
– o fundo do mar, as mais distantes partes da terra, o centro da terra, os abismos, o espaço, os
outros mundos, o universo e o desconhecido. Era preciso explorar o progresso da ciência e das
máquinas – diga-se de passagem, frutos da técnica – e na ficção científica se tornaria possível
exteriorizar talvez os maiores sonhos de conquistas do ser humano.
Pode-se dizer que este modelo de ficção tem nos acompanhado até bem de perto na
atualidade. Ou será que se confunde com o que seria o imaginário da terceira ordem? Diz
Baudrillard que na produção a distância é acentuadamente estreitada entre imaginário e real.
Ao chegar à terceira ordem do simulacro, essa distância é absorvida e já não se sabe mais a
diferença entre real a imaginário. Não seria absurdo o real ultrapassar a ficção, porém o real
jamais poderá “ultrapassar o modelo, do qual é apenas álibi” (BAUDRILLARD, 1991, p.
153). Lembremos que no simulacro de simulação, o signo é convertido em modelo e já não há
mais real, são os modelos que circulam pela sociedade e a definem. Os modelos são a fase
final da imagem, após ela dissimular a existência do real, fingir ser uma aparência, ela acaba
apenas como um signo, modelos de supostos reais, porém sem referência alguma para se ligar
ao real. Talvez seja por isso que Baudrillard (1991, p. 151) questiona “haverá ainda algum
imaginário que corresponda a essa categoria? ” Aparentemente, ele encontra uma resposta no
decorrer do capítulo. O imaginário da simulação é como se fosse uma utopia reversa, ou uma
distopia. Ele almeja voltar para o real, encontrar um referente, voltar às suas origens, algo que
lhe prenda de volta ao mundo, uma vez que se encontra perdido em meio aos signos,
circulando em meio às simulações e preso a modelos.
Um resumo de tudo o que foi discutido nesse capítulo estão resumidos na tabela
abaixo (tabela 1), sumarizando as ordens dos simulacros, contextualizados em períodos
históricos, a modificação do posicionamento do signo, a relação com as ordens de valor (que
não foram exploradas nesse trabalho, porém a menção delas é útil), a progressão dos
imaginários correspondentes como apresentado neste tópico e a distância entre estes e o real.

Tabela 1: Sumarização dos Simulacros, seus contextos e implicações históricos e sociais.

Momento Ordem do Ordem de Distância do


Signo Imaginário
Histórico Simulacro Valor real
Início do
Contrafação Emancipação Natural Utopia Grande
Mercantilismo
Revolução Ficção
Produção Imagem Mercado Pequena
Industrial Científica
Era
Simulação Modelos Estrutural ??? Inexistente
Tecnológica

Fonte: Produção Própria.


4 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DE PERSONAGENS: ANALISANDO
VINGADORES: A ERA DE ULTRON

Antes de tudo, consideremos que a grande parte dos filmes que assistimos são
narrativos, ou seja, apresenta uma história percebida pela existência de personagens,
passagem de tempo e elementos que são identificáveis para o público (AUMONT, 2012, p.
89-100). No entanto, nos primórdios do cinema não era prevista essa união da imagem com a
narrativa de forma tão forte,

A princípio, a união de ambos não era evidente: nos primeiros tempos de sua
existência, o cinema não se destinava a se tornar maciçamente narrativo.
Poderia ser apenas um instrumento de investigação científica, um
instrumento de reportagem ou de documentário, um prolongamento da
pintura e até um simples divertimento efêmero de feira. Fora concebido
como um meio de registro, que não tinha a vocação de contar histórias por
procedimentos específicos21 (AUMONT, 2012, p. 89).

É preciso compreender que “qualquer objeto, qualquer paisagem, por mais estático
que sejam, encontram-se, pelo simples fato de serem filmados, inscritos na duração e
oferecidos à transformação” (AUMONT, 2012, p. 91). Sendo assim, qualquer objeto ganha
uma representação que deverá passar uma mensagem de forma que o objeto não é mais
apenas ele, mas executa um papel representativo no filme e fazem parte da narrativa de forma
significativa. Se ampliarmos esse conceito retomando o pensamento de Hagemeyer (2010),
compreende-se que até mesmo os personagens possuem uma função alegórica e sua existência
na trama pretende passar uma mensagem e se identificar com o público, pois tudo que é
exposto ao público está sujeito que este crie sua própria narrativa a respeito das imagens
vistas (AUMONT, 2012, p. 90-92).
Aumont (2012, p. 98) afirma ainda que “o cinema é concebido como o veículo das
representações que uma sociedade dá de si mesma”, pois ele é capaz de reproduzir “sistemas
de representação ou articulação sociais”, assim, “a tipologia de um personagem ou de uma
série de personagens pode ser considerada representativa não apenas de um período do
cinema como também de um período da sociedade.” Se passarmos para um estágio ainda

21
Seria válida uma reflexão a respeito dessa afirmação de Aumont, indicando a possibilidade de que a técnica
também mudou a forma de fazer filmes e o obrigou a perder, de certa forma, a espontaneidade e o interesse
ingênuo da arte pura, pois passou a atender a uma série de normas impostas. Porém, será uma discussão
extensa e que não faz parte do escopo desse trabalho.
maisprofundo, serão encontradas também ideologias22 no filme. E, para o autor, a análise
destas deve ser construída levando em conta uma combinação entre as representações sociais
passadas no filme e as regulagens psíquicas do espectador (AUMONT, 2012, p. 99).
O autor se utiliza da perspectiva psicanalítica para explicar o processo de identificação
do espectador com o filme. Para ele, utilizando como base Jacques Lacan e Freud, essa
identificação é resultante da construção imaginária do eu.Aumont (2012, p. 246) faz uma
analogia entre o espelho e a tela, dizendo sobre ambos: “temos diante de nós, em ambos os
casos, uma superfície emoldurada, limitada, circunscrita. Essa propriedade do espelho (e da
tela) é provavelmente o que lhe permite fundamentalmente isolar um objeto do mundo e, ao
mesmo tempo, constituí-lo em objeto total.” Frente às duas telas nos colocamos imóveis,
utilizando a visão intensamente, reconhecendo os outros corpos – ora o nosso próprio corpo
refletido (fase do espelho, primordial na infância), ora o corpo dos outros na tela.
Para falar sobre o processo de identificação e criação do imaginário do eu, é
trabalhado o conceito das relações edipianas de Freud. Para este, esta identificação é
carregada de uma ambivalência, pois nela há o ser e o ter – o desejo de ser como o outro (pai
ou mãe) ou de ter o outro, possuí-lo. Segundo Aumont (2012, p. 251), relação semelhante
pode ser estabelecida no filme. Através do jogo de câmeras e da decupagem, o personagem
está “preso em uma oscilação semelhante, ora sujeito do olhar (é ele quem vê a cena, os
outros), ora objeto sob o olhar de um outro (um outro personagem ou o espectador).”
O período edipiano se resolve a partir do processo de identificação construído. À
medida que são abandonados os investimentos nos pais, criam-se identificações secundárias
para com eles, onde são estabelecidas as diferenças entre si e o outro antes desejado. O
imaginário do eu se torna então um recorte daquilo que ficou da primeira identificação com
os pais, depois de seus afastamentos e da soma das experiências de identificação ao longo da
vida com a cultura, a comunidade e a arte. Aumont (2012, p. 252) reforça que o romance, o
teatro e o cinema são “experiências culturais de forte identificação (pela encenação do outro
como figura do semelhante)” e “vão desempenhar um papel privilegiado nessas identificações
secundárias culturais.”

4.1. A descrença nos heróis e o paradoxo da existência destes


Dentro do gênero de cinema denominado “ficção científica”, já existe a distinção de
uma categoria denominada “heróis”, o que é exatamente o caso do filme “Vingadores: a era
22
É preciso ressalvar que o termo “ideologias” na obra de Aumont (2012) se refere a visões de mundo,
diferente da utilização do termo por Baudrillard, bastante repetida ao longo do trabalho, que fala de ideologia
como uma inverdade.
de Ultron”. Todo o enredo gira em torno da equipe de heróis que dá nome ao filme, sendo o
grupo composto por humanos treinados, aprimorados, modificados por aberrações
laboratoriais ou compostos de deidades de outros mundos. Na trama, são esses seres que estão
à frente da compreensão acerca do mundo, que antecipam os problemas e trazem as soluções,
apresentando toda a humanidade como dependente. Há, no entanto, algumas considerações
acerca do posicionamento deles na série de filmes e mais no volume escolhido.
A criação da figura do herói está presente ao longo de toda a história da humanidade.
Desde a Grécia antiga, na mitologia, até a contemporaneidade, nos heróis dos quadrinhos e
dos filmes, isso sem contar as outras figuras públicas ou de âmbito pessoal que escolhemos
como heróis pela identificação. Porém, focando naqueles personagens fantasiosos, são
designados para realizar coisas impossíveis para o ser humano – encontrar favor dos deuses,
salvar pessoas específicas, enfrentar vilões, consertar problemas sociais, salvar o mundo do
caos. De acordo com Thomson (2011, p. 141),os heróis representam os ideais da sociedade, o
ser humano escolhe para si os heróis com quem eles podem se identificar nas lutas, conflitos e
objetivos e na forma como devem ser essas realizadas e resolvidas as batalhas. Podemos dizer
que este herói estava situado no imaginário da utopia, pois ele era um ideal de perfeição a ser
alcançado.Partindo, porém, para o momento histórico que nos interessa, vemos que “o herói
morreu com o ser humano moderno; mas, como o homem eterno – aperfeiçoado, não
específico e universal –, renasceu. Sua segunda solene tarefa e façanha é, por conseguinte [...],
retornar ao nosso meio, transfigurado, e ensinar a lição de via renovada que aprendeu”
(CAMPBELL, 2007 apud LIMA, 2010), um exemplo pode ser visto no diálogo entre Tony e
Steve (Figuras 1 e 2), em que o primeiro desabafa “Os heróis mais poderosos da Terra são
desfeitos como tirar doce de criança”.

Figura 1 e 2: Diálogo entre Tony Stark e Steve Rogers vestidos como civis.

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

Essa notação da morte e renascimento do herói contemporâneo pode ser observada,


por exemplo, na diferente concepção do caráter dos personagens. Se antes eles eram de moral
totalmente respeitável e perfeita – embora em sua maior parte, mesmo nos contos gregos,
possuíssem um ponto fraco –, os atuais heróis têm passados obscuros, podem sem afetados
pelo mal, são frutos de erros e problemas de experimentos ou de desgraças do acaso; tal é a
descrição da equipe de Vingadores. A morte do ser humano moderno, como chamou
Campbell, tendo a ver com a descrença do ser nas promessas de progresso do modernismo,
suas grandes conquistas e o poder sobre a máquina deram lugar a um novo ser humano,
obrigado a conviver com o caos e seu “desempoderamento” do controle do mundo e da
eficácia de suas criações. Thomson (2011, p. 7, tradução livre23) argumenta que o super-herói,
os heróis contemporâneos, sofreu o fenômeno descrito por Baudrillard de que “a ideia é
destruída pela sua própria realização”, ou seja,

O desenvolvimento extremo de uma ideia (que leva a ideia para além de seus
próprios limites, finalidade ou ponto final, um estado de „ex-terminação‟)
pode por esse meio destruí-la – como, por exemplo, o sexo é destruído pela
pornografia, que é mais sexual que o sexo; o corpo pela obesidade, que é
mais gordo do que a gordura; a violência pelo terror, que é mais violenta que
a violência; a informação pela simulação, que é mais real que o próprio real;
o tempo pela instantaneidade, que é mais presente que o „ao vivo‟; e, em
Watchman, o herói é destruído pelo super-herói, que é mais heroico que
qualquer herói, porém os seus heroísmos não são mais reconhecidos como
heróicos.

Esta representação do super-herói que é mais heróico que o próprio herói, da


superação da ideia pelo seu excesso, se encaixa no imaginário do simulacro de simulação. A
ficção superou o real; o modelo superou o real; o real é apenas um álibi para a ficção e,
seguindo o princípio da simulação, os modelos sequer possuem referente, ou seja, não se
ligam a um real, são eles próprios os signos circulantes.
Os Vingadores estão à disposição para combater o mal, sendo que este jamais parece
ter fim e sua origem é desconhecida, pois a cada aparente conquista se descobre que há algo
maior por trás. Assim, ao final do filme há a deixa para uma continuação que trará uma luta
pior, com um mal ainda maior e seguem lutando, passando uma impressão de segurança de
conhecer a origem do mal, enquanto toda a humanidade apenas sofre os danos das lutas entre
os heróis, anti-heróis e vilões e ficam à mercê de serem socorridos. “Os civis”, como são
chamados pela SHIELD, parecem estar totalmente alienados de que há uma crise universal,

23
“the extreme development of an idea (which takes that idea beyond its own limits, end, or terminus, into a
‘state of termination’) can thereby destroy it – as, for example, sex is destroyed by porn, which is more sexual
than sex; the body by obesity, which is fatter than fat; violence by terror, which is more violent than violence;
information by simulation, which is truer than truth; time by instantaneity, which is more present than the
present; and, as in Watchman, the hero is destroyed by the superhero, which is more heroic than the hero, but
whose extreme heroics are no longer recognizable as heroics”.
não apenas global. Vale ressaltar que na maioria das vezes as entidades malignas que invadem
a Terra o fazem por causa dos heróis e não por causa dos seres humanos e mesmo o grande
problema causado no filme em análise neste trabalho foi causado por dois integrantes da
equipe – a criação de Ultron. Além disso, em muitas situações drásticas, nas quais foi
necessário a intervenção dos Vingadores para salvar as pessoas, o problema foi causado
exatamente por eles, como nos estragos da cidade pelas perseguições no trânsito, a invasão no
trem que atravessa a cidade. Um desses casos é o trem desgovernado, que ficou nesse estado
por causa da luta entre Capitão América (Figura 3), Feiticeira e Mercúrio contra Ultron.

Figura 3: Capitão América na cena do salvamento do trem desgovernado

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

Mesmo no início do filme há uma cena em que é mostrada uma manifestação do povo
pedindo que os Vingadores “voltem para casa e os deixem em paz”, rejeitando os heróis que
outrora foram tão aclamados quando um dos autômatos da Legião de Ferro de Stark é atingido
por alguém ao avisar que aquela não é uma área segura, mas que os Vingadores estão lá para
ajudar e a população será avisada quando puderem retornar ao local. Enquanto isso, os civis
gritam: “Avangers, voltem para casa!”e lançam pedras e objetos (Figura 4).
Figura 4: Autômato da Legião de Ferro de Stark atingido por civis.

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

Ainda assim, os super-heróis seguem cumprindo o que eles afirmam ser sua missão –
que eles mesmos criaram? O personagem Tony Stark afirma: “Não é para isso que lutamos,
para podermos acabar com o mal e voltarmos para casa? ” Identificamos aqui uma marca da
inocência da Disney, quando o voltar para casa ainda representa aqui não apenas o local mais
seguro, mas a concretização de que os problemas todos foram extintos e o perigo maior foi
vencido. Estar de volta em casa seria o real, um possível paralelo com o imaginário da
simulação, ao Baudrillard propor que a ficção já se confunde tanto com o real e o modelo
ultrapassou de longe o real, que esse imaginário se concretiza pela busca de retornar ao real,
ao natural, ainda que de maneira inconsciente, uma espécie de utopia inversa: “E é
paradoxalmente o real que se tornou a nossa verdadeira utopia – mas uma utopia que já não é
da ordem do possível, aquela com que já não pode senão sonhar-se, como um objeto perdido”
(BAUDRILLARD, 1991, p. 153).
Semelhante ideia é percebida em um dos momentos mais tensos do filme – exceto que
nos clichês da Marvel, sabe-se que uma cena de derrota no meio do filme serve apenas para
garantir ao espectador que no final tudo terminará “bem”, ou o que se pode considerar um fim
positivo. Após a manipulação de Wanda ter afetado toda a equipe e descontrolado Hulk, o que
ocasionou num grande estrago para a cidade na qual estavam, Clint(Gavião Arqueiro), o
componente da equipe com menor aparência de herói, assume o controle da nave e leva toda a
equipe para um “lugar seguro”, sua casa (Figura 5).
Figura 5: Nave dos Vingadores pousa no quintal da casa de Clint

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

Ali pela primeira vez o espectador conhece a família dele, morando numa casa de
campo com aspecto bucólico, e mais uma vez vê-se o forte apelo para retornar para casa. Se
antes a ficção se esforçava para se afastar da realidade e testar suas extensões e capacidades,
agora “o processo será antes o inverso: será o de criar situações descentradas, modelos de
simulação e de arranjar maneira de lhes dar as cores do real, do banal, do vivido, de reinventar
o real como ficção, precisamente porque ele desapareceu da nossa vida” (BAUDRILLARD,
1991, p. 154-155). No entanto, sempre é necessário que eles voltem para a luta no planeta
Terra– “eles [os seres humanos] precisam de nós”, afirma a equipe. De qualquer forma, o
problema parece estar justamente na presença dos heróis, talvez sem eles o mal não
aparecesse. Porém, a extinção do mal, o fim para o qual eles lutam, extinguiria também o
propósito deles mesmos.
Todos lutam – heróis e humanos – não se sabe exatamente para que nem por que,
apenas que é necessário lutar. Tal pensamento parece ecoar do momento pós-orgia descrito
por Baudrillard (1996). Tudo já foi conquistado, não há mais nada pelo que lutar, mas é
necessário continuar para que haja uma busca para dar sentido à existência humana. Simulam-
se problemas através da repetição e colocam-nos em órbita para que sejam revividos e
viralizados para que a luta ainda exista. Levando em conta que no filme o mal que faz a luta
continuar existe de fato, embora desconhecido, poderia ser dito que existiria uma razão,
diferente da pós-orgia, porém considerando que os heróis e todo o mal são irreais e frutos do
imaginário, a luta tornaria a ser sem propósito.
Será então que no mundo contemporâneo a existência de heróis se tornou
desnecessária? É a discussão que Thomson (2011, p. 10-11) parece sugerir ao levantar a
questão de que talvez a nossa cultura esteja vivendo num período “pós-heroico”. Propondo
um diálogo entre Isaiah Berlin e Kant, ele cita o posicionamento daquele acerca do heroísmo
romantizado, o qual ele afirma ter carregado uma tendência de louvor aos heróis que
influenciou os pensamentos fascistas. Mediante essa visão, Berlin afirma que quando olhamos
para os horrores do Holocausto torna-se ridículo pensar em heroizar algum ser humano e, a
partir do que Kant chama de “destino essencial da natureza humana”, ele diz que precisamos
crescer e deixar nossos pensamentos infantis, como os heróis, e pensar por nós mesmos.
Thomson, no entanto, contrapõe-se a essa visão de Berlin indagando se mesmo essa tentativa
de nos afastarmos dos heróis não é uma demonstração da “inextinguível necessidade humana
por algo melhor: esperança, ideais, um futuro que digno de ser buscado e heróis para nos
conduzir até lá?” E se apagarmos todas as nossas histórias de heróis, o que nos restaria? “Pode
sequer existir uma história significativa – uma história digna de ser vivida – sem os heróis?”
(THOMSON, 2011, p. 11, tradução livre24).

4.2.O perfil dos heróis


Thomson (2011, p. 1, tradução livre25) diz que essa nova fase dos heróis não apresenta
o “novo desenvolvimento dos heróis, mas produz seus heróis precisamente para desconstruir a
própria ideia do herói, sobrecarregando e despedaçando o reflexo idealizado da humanidade e
também nos encorajando a refletir sobre sua significância dos diferentes pontos de vista dos
cacos deixados no chão”. Os heróis contemporâneos têm o objetivo metalinguístico de auto
explicar quem são os novos heróis e de fazer com que a sociedade reflita sobre seus valores.
Em sua divisão acerca dos imaginários relativos às ordens dos simulacros, Baudrillard (1991)
coloca, como já foi visto, a utopia, a ficção científica e um fim não totalmente compreendido
ao qual ele não dá nome. Relembrando que as ordens dos simulacros não negam umas às
outras nem isolam a aparição de cada uma, podemos inferir que tal qual a concomitância dos
simulacros da contrafação, produção e simulação, os imaginários correspondentes coexistem.
Observemos então a criação e a função dos heróis do filme e seu posicionamento dentro da
lógica proposta pela teoria.
Inicialmente, a própria ideia da construção de heróis parece fazer parte da primeira
ordem do simulacro, em que se visa a “restituição ou a instituição ideal de uma natureza à
imagem de Deus” e o imaginário se converte em utopia, “se desenha uma esfera

24
“an inextinguishable human need for something better: Hope, ideals, a future worth pursuing, and heroes to
lead us there?”; “Can there even be a meaningful history – a history worth living – without heroes?”
25
“the development of its heroes, but rather by developing its heroes precisely in order to desconstruct the
very idea of the hero, overloading and thereby shattering this idealized reflection of humanity and encouraging
us to reflect upon its significance from the many different angles of the shards left lying on the ground.”
transcendente” (BAUDRILLARD, 1991, p. 151-152), uma vez que os heróis são a imagem de
um ser humano perfeito – mais parecido com Deus – e buscam um ideal. No entanto,
observando os personagens de Vingadores, já influenciados pelo padrão contemporâneo em
que mesmo os heróis não são perfeitos, podemos ver algumas diferenças entre o objetivo da
existência dos componentes da equipe. O contraste deve ser considerado com o simulacro da
produção e seu imaginário da ficção científica, de “prolongamentos mecânicos ou
energéticos”. A diferença mais marcante entre ambos é que “No universo limitado da era pré-
industrial, a utopia opunha um universo alternativo ideal. Ao universo potencialmente infinito
da produção, a ficção científica acrescenta a multiplicação de suas próprias possibilidades”
(BAUDRILLARD, 1991, p. 152).

4.2.1. Os heróis ainda idealizados


A figura do Capitão América, como o próprio nome sugere, é patriótica. O herói era
um homem comum da época da Segunda Grande Guerra, que queria lutar, mas foi
considerado fisicamente inapto para tal. Então, um cientista testou nele um experimento que o
tornaria forte e foi lhe dado um escudo do metal mais resistente da Terra. De repente, o rapaz
feio, de aparência apática e estrutura física desprezível se tornou um homem distinto e
cobiçado pelas mulheres. Ele é um americano perfeito, que luta pelo seu povo, acredita em
seu governo, é extremamente justo e sempre faz o bem (Figura 6). Era apaixonado por uma
mulher durante a guerra, mas se martirizou caindo com o avião numa geleira e passou setenta
anos congelado; desde então, não se envolve com mulheres.

Figura 6: Capitão América

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron


Outra figura utópica idealizada é a do personagem Thor. Esse, por sua vez, é um deus
nórdico, filho de Odin, rei de Asgard, e provável herdeiro do trono. Ele é bonito, forte, uma
referência de bondade, luta não só pelo bem de seu povo, mas também dos outros planetas ao
redor. Apesar de toda a maldade de seu irmão Loki, ainda tenta salvá-lo. Envolveu-se com
uma humana e é fiel a ela.26 Thor também carrega um martelo feito de um metal de seu
planeta com alta energia e bastante pesado. Apenas quem for “digno” consegue levantá-lo, o
que parece ser uma peculiaridade de seu proprietário, um dos momentos representado na
Figura 7. Contudo, no início do filme, na festa da SHIELD em comemoração à conquista do
cetro de Loki, todos tentam erguer o martelo e Steve Rogers (o Capitão América) quase
consegue, deixando uma suspeita de que ele seja de certa forma “digno”.

Figura 7: Thor

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

Considerando a visão de Aumont (2012) e Hagemeyer (2010) de que os personagens


podem representar não apenas segmentos sociais, mas ideologias, e se utilizando das ordens
dos simulacros, podemos dizer que Capitão América e Thor poderiam ser uma representação
do imaginário da utopia, referentes ao imaginário da contrafação. Ambos apontam para um
ideal no qual a humanidade deveria se espelhar. O primeiro por ser construído como um ícone
de lutador da pátria – levando em conta o pensamento redentor costumeiramente relacionado
aos Estados Unidos, quem luta de coração pelo país assume um papel messiânico. Thor, por
outro lado, é um deus de outro mundo e, embora isso não seja totalmente inteligível para os

26
É importante ressaltar que para facilitar a discussão sobre os personagens, falaremos da história deles como
é descrita nos filmes feitos pela Marvel, ciente de que as histórias originais dos quadrinhos apresentam
diferenças mais detalhes.
terráqueos, o uso de seu machado, signo que autentica sua adjetivação de digno, o coloca
numa posição idealizada.

4.2.2. O homem e suas máquinas


Por outro lado, o personagem Tony Stark (Homem de Ferro), é extremamente
carismático, charmoso, inteligente, mas também é egocêntrico, orgulhoso, galanteador,
interesseiro. Seus poderes são lidar com o ferro, aliado à sua inteligência. Construiu não
somente uma armadura de ferro para si, mas todo um exército e possui um laboratório
altamente avançado em física e química. Ele parece ter mais tato com as máquinas que ele
cria do que com as pessoas. Seu coração é de ferro e, em tudo que faz, sempre parece
necessitar de sua armadura. Em cada novo filme do universo Marvel, suas criações de
maquinarias parecem crescer e as possibilidades parecem ter se multiplicado – tal qual a
descrição do imaginário da ficção científica,que consiste em testar as possibilidades da ficção,
os limites das criações da técnica, tentar concretizar os sonhos do ser humano por meio dos
produtos – se conhecer através da técnica.
Além disso, ele criou a J.A.R.V.I.S., um sistema que trabalha como um sócio para
ele,executa suas pesquisas, dá os comandos para seu exército de autômatos, cuida da casa, faz
buscas em todos os sistemas de base de dados, possui qualquer informação necessária. A
J.A.R.V.I.S. está presente em toda a casa de Stark, até dentro de sua armadura, e ele conversa
com sua criação o tempo todo, seja para trabalhar e executar as funções para o qual ela foi
programada, até mesmo para desabafar ou para faticamente conversar. Nesses termos, vemos
que sua aproximação para com a técnica se dá em todas suas formas, seja nas máquinas, nos
sistemas. Na verdade, Tony Stark é a própria representação do homem técnico – ele é o
excesso da tecnicidade absorvida pelo homem. Seu modo de pensar é técnico, sua forma de
agir e sua aparência deixam claro seu envolvimento com tal e, além de tudo, em dados
momentos no filme se vê a influência que ele exerceu sobre outros aspirantes a vingadores,
como é o caso do Máquina de Combate (Rhody), cujo visual assumido, principalmente por
dentro da armadura, é bastante parecido com o Homem de Ferro (ver figura 8 e 9).
Figura 8: Homem de Ferro dentro de sua armadura

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

Figura 9: Máquina de Combate por dentro de sua armadura

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

Nesse momento é necessário observar também outra característica: a distância entre o


real e o imaginário se reduz, pois “a projecção desmedida” do “mundo da produção” começa
a se a confundir.Ciro Marcondes Filho (2010) discute essa relação do ser humano com as
máquinas. Para ele, o homem entrou em um estado de admiração pela técnica – mais
especificamente hoje, a técnica moderna – e ele deseja fazer parte dela. A utilização das
máquinas dá uma sensação de controle para seu possuidor – embora saibamos que está sujeita
a eventuais disfunções – e, no caso de Stark, referindo-se às armaduras e naves de
emergência, elas de fato o obedecem inquestionavelmente. Além disso, Marcondes Filho
(2010) afirma que o ser humano encontra beleza na máquina pelo fato de ela sempre fazer o
que for mandada, uma execução perfeita que garante segurança e certeza. Para ele, o homem
passa a desejar ser como uma máquina, pois, sendo humano, está sujeito a incertezas que
impedem que seu funcionamento se dê sempre da maneira planejada. Máquinas não sentem,
não avaliam situações, elas apenas sempre estão disponíveis para desempenhar com perfeição
o que lhe foi designado.
Uma ressalva, porém, talvez possa ser feita sobre a relação entre Stark e suas
máquinas quando postas sob a visão de Marcondes Filho, pois embora ela pareça ser
perfeitamente cabível, há um detalhe que mostra uma diferença considerando o pensamento
tecnocrata do autor: Stark apresenta para com a J.A.R.V.I.S., seu exército de ferro e sua
armadura uma relação em que ele tem poder sobre as tais, elas atendem ao seu comando e ele
parece não se afetar pelo uso quase confuso das máquinas. É possível até mesmo traçar um
paralelo com o que Baudrillard (1993) diz sobre os simulacros de segunda ordem, utilizando
como analogia oautômato. Este pode ser confundido com o ser humano, no entanto, não
objetiva tomar o lugar deste, ou seja, se tornar seu duplo. “O autômato”, um exemplo da
máquina, “visa representar o homem, busca a semelhança entre o seu movimento e o
movimento humano”, como descreve Rocha (2012, p. 29).Nota-se aqui que a própria criação
do seu exército de autômatos parece ecoar precisamente a colocação de Baudrillard (1993, p.
55, tradução livre27) acerca do simulacro de produção,

Isto é, a série: a própria possibilidade de existir dois ou n objetos idênticos.


A relação entre eles já não é a de um original e sua contrafação, analogia ou
reflexão, mas sim de equivalência e indiferença. Na produção seriada, os
objetos se tornam simulacros uns dos outros e, assim como dos objetos, do
ser humano que os produziu. A extinção da referência original por si facilita
a lei geral das equivalências, em outras palavras, a própria possibilidade da
produção.

Considerando esse fato da criação das máquinas e da forma como eles lidam com os
tais, vemos traços da era humanista e antropocêntrica, conforme a divisão de Ciro Marcondes
Filho (2009) – o pensamento de que é possível ter controle sobre a vida e se tornar invencível
por meio das máquinas, criações do próprio ser humano, conferindo a este o domínio sobre o
futuro. Sendo assim, talvez possamos assumir que o personagem do Homem de Ferro é uma
representação que se encaixa na segunda ordem do simulacro. Vale ressaltar ainda que a
relação do Homem de Ferro com a técnica, sendo o herói quase como um amálgama que soma
homem e máquina – isso até o momento apresentado aqui, excetuando a criação de Ultron e
do Visão, na qual ele teve parte – não retrata a técnica de forma negativa. Isso é
principalmente visível, como já foi mencionado antes, em ter a técnica subordinada a ele, de
27
“That is, the series: the very possibility of two or n identical objects. The relation between them is no longer
one of an original and its counterfeit, analogy or reflection, but is instead one of equivalence and indifference.
In the series, objects become indistinct simulacra of one another and, along with objects, of the men that
produce them. The extinction of the original reference alone facilitates the general of equivalences, that is to
say, the very possibility of production.”
forma que ela imediatamente responde ao que ele deseja ou precisa fazer. Recorrendo ao
pensamento de Baudrillard a respeito da técnica, deve ser lembrado que ao longo de sua obra
houve dois momentos: 1) considerar que a técnica estava sob o domínio do homem e que seu
crescimento dependia do capital, e 2) a percepção de que a técnica se multiplica por si só e
independe do ser humano, trazendo uma visão mais crítica e apocalíptica sobre ela
(RÜDIGER, 2010). Poderia ser dito que a forma como a técnica é retratada no personagem de
Tony Stark parece estar em concordância com sua primeira visão acerca dela, um pensamento
mais predominante na era moderna, com o advento da revolução industrial, a ascensão da
produção seriada e o avanço das máquinas.

4.3. A exacerbação da técnica – inteligência artificial: Ultron vs. Visão


O período referido por Marcondes Filho como tecnocêntrico é chamado pela maioria
dos estudiosos de pós-modernismo, inclusive por Baudrillard. Em “A troca simbólica e a
morte”e “Selected Writings”, o autor afirma que esse tempo é,

O fim do trabalho. O fim da produção. O fim da economia política. [...] O


fim da dialética significante/significado que permitiu o acúmulo do
conhecimento e do significado, um sintagma linear de discurso acumulado.
O fim simultâneo da dialética do valor da troca valor/uso, o único que
tornava possível o acúmulo do capital e a produção social. O fim da
dimensão linear do discurso. O fim da dimensão linear da mercadoria. O fim
da era clássica do signo. O fim da era da produção (BAUDRILLARD, 1976;
1986, apud KELLNER, 1989, p. 61, tradução livre28).

Para Baudrillard, o pós-modernismo significou a mudança do determinante social, que


antes era o modo de produção e passou a ser o código da produção. A força do trabalho não
era mais a que fazia rodar as engrenagens sociais, motivados pela produção, mas se tornou
apenas mais um signo entre os signos, conferindo ao seu significado seu status, posição
social, indicando seus contatos e sua classificação dentro de seu círculo social (KELLNER,
1989, p. 61). Nessa nova era, “as novas tecnologias – a mídia, os modelos cibernéticos e os
sistemas de direção, computadores, processamento de informação, as indústrias de

28
“The end of labor. The end of production. The end of political economy. The end of the dialetic
signifier/signified which permitted the accumulation of knowledge and of meaning, the linear syntagm of
cumulative discourse. The end simultaneously of the dialetic of exchange value/use value, the only one to
make possible capital accumulation and social production. The end of linear dimension of discourse. The end of
linear dimension of merchandise. The end of the classic era of the sign. The end of production.”
entretenimento e do conhecimento – substituíram a produção industrial e a economia política
como o princípio organizador da sociedade” (KELLNER, 1989, p. 61, tradução livre29).
Contudo, apesar do uso do termo pós-modernismo pelo autor, é interessante notar que
Baudrillard não fala que a técnica foi revogada ou substituída por algo novo, mas que ela
tomou uma dimensão diferente, como se ela superasse seus próprios limites e circulasse
apenas num plano sígnico. Assim é o que se entende dos imaginários relativos aos simulacros,
como anteriormente explicado. O imaginário da produção, a ficção, foi superado de tal forma
que o imaginário da simulação trouxe uma inversão na lógica social – sendo o real o álibi do
imaginário, quando chegamos a uma espécie de utopia reversa, em que se almeja retornar ao
real, o qual é tido como um “objeto perdido” (BAUDRILLARD, 1991, p. 153). Nesse sentido,
parece ser interessante fazer uso do termo cunhado por Gilles Lipovetsky (2007)
“hipermodernidade”, ao invés de pós-modernidade, em sua obra “Sociedade da decepção”.
Juremir Machado, no prefácio da obra, resume o conceito de Lipovetsky dizendo que a
hipermoderidade é a “exacerbação da modernidade”, intensificando o incentivo à mudança, ao
consumo, à atividade.
Ao olhar para o filme com esses conceitos em mente, a criação de Ultron parece
sugerir o caos do período descrito.Ele surge por meio dos estudos e experimentos de Stark e
Banner, somando a parte tecnológica elaborada pelo primeiro e a parte neurológica pelo
segundo.Assim que seu carregamento se completa, ele tem uma discussão com J.A.R.V.I.S. e
aparente extingue esse outro sistema (Figura 10).

Figura 10: Ultron vs. J.A.R.V.I.S.

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

29
“new tecnologies – media, cybercultural models and steering systems, computers, information processing,
entertainment and knowledge industries and so forth – replace industrial production and political economy as
the organizing principle of society.”
Ele é um sistema de inteligência artificial que se move por todas as conexões
eletrônicas, consegue movimentar as máquinas, possui consciência e se incorpora num corpo
de ferro que ele mesmo juntou e consegue controlar alguns autômatos e criar seus próprios.
Ele foi designado para combater os problemas da humanidade, porém, assim que “nasce”,
percebe a dialética existência dos Vingadores e os identifica como um obstáculo para ele. Sua
aparição física se dá exatamente na discussão sobre quem é digno durante a festa em
comemoração pela captura do cetro de Loki e os acusa de hipocrisia – pois apesar de se
aclamarem salvadores do mundo, não deixam de ser assassinos e culpados pela maior parte
dos problemas contra os quais eles lutam na Terra. Ele afirma que sua missão é trazer “paz em
seu tempo” e ser “uma armadura ao redor do mundo”, frases aprendidas de Stark (Figura 11).

Figuras 11 e 12: Aparição de Ultron aos Vingadores

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

A discussão no início do tópico 4 deste trabalho, acerca da mudança no perfil dos


super-heróis e em como a existência dos tais depende de haver problemas, fechando um ciclo
em que, uma vez extintas as lutas, também estarão extintos os Vingadores, é retomada agora
na fala da ameaça de Ultron: “Vocês querem proteger o mundo, mas não querem que ele
mude” (Figura 12) Além dessa discussão, esse personagem traz a reflexão sobre a
independência da técnica – a superação desta em relação ao homem. É como se fosse uma
revolta das máquinas ao ser humano, que antes se julgava em controle da técnica e então
percebe que está não somente preso a ela, mas que se tornou dependente e subjugado a ela.A
técnica moderna – a tecnologia – tem tomado rumos que excedem a humanidade. É o que se
chama de “pós-humano”, acreditando que é possível aprimorar o ser humano até que ele se
torne imortal. A inteligência artificial é um exemplo disso. Ultron diz que ele é uma forma
“avançada” de humanidade e que, se depender dele, “a raça humana terá a oportunidade de
evoluir”. Após conseguir um poderoso metal – vibranium – ele aumenta seu “corpo” de ferro
cada vez mais. Também é interessante notar que ele cantarola uma frase diversas vezes
durante o filme: “I had strings, but now I‟m free” (“eu tinha cordas, mas agora estou livre).
Ainda sobre o objetivo para o qual Ultron foi criado, à medida que ele evolui, se
desenvolvendo inclusive na aparência, como se nota pelo seu “corpo” e sua capacidade
criativa – o exército de seres de ferro e a bomba nuclear que deveria explodir a cidade e até o
planeta – ele parece também “amadurecer” e sua função de encontrar o problema da
humanidade e extingui-lo o leva a uma nova e trágica conclusão: o problema do mundo é a
própria humanidade; o problema do ser humano é ele mesmo. Por isso, seu novo objetivo não
é mais destruir os vingadores, mas e, como ele mesmo diz, “destruir a humanidade e recriá-
la”, “lhe dar a oportunidade de evoluir” (Figura 13).

Figura 13: Visão que Wanda tem da mente de Ultron – o sonho de Ultron

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

Enquanto descreve os sintomas do simulacro de simulação, Baudrillard (1983, p. 59-


60) fala sobre o comportamento do homem em relação à guerra nesse período. Para ele, a
forma de guerra convencional se tornou antiquada. Ele afirma que a nova forma de fazer
guerra é a dissuasão. “A dissuasão exclui a guerra – a violência antiquada da expansão dos
sistemas. A dissuasão é a violência neutra a implosiva de sistemas envolventes ou
metaestáveis. Não há mais um sujeito dissuasivo, nem um adversário, nem estratégia – é uma
estrutura planetária de aniquilação das apostas” (BAUDRILLARD, 1983, p. 59-60, tradução
livre30). Ele continua ainda dizendo que, com exceção do período imediato do início da
Guerra Fria, ninguém verdadeiramente pretende explodir uma bomba atômica, pois sabe-se
que isso implica consequências que afetariam mesmo o autor do feito. Embora as armas
nucleares indiquem a sofisticação do armamento, “mas essa sofisticação excede qualquer
objetivo possível a tal ponto que é ela mesma um sintoma da inexistência” (BAUDRILLARD,

30
“Deterrence excludes war – the antiquated violence of expanding systems. Deterrence is the neutral,
implosive violence of metastable or involving systems. There is no subject of deterrence any more, nor
adversary, nor strategy – it is a planetary structure of the annihilation of takes.”
1983, p. 60, tradução livre31) – seja essa inexistência pela aniquilação física por meio da
explosão ou pelo cerco que criou-se na necessidade de segurança e na transformação de tudo
em dados. Ultron foi criado na intuição desse contexto, feito para proteger o mundo, criado e
nascido por meio da tecnologia excedendo o humano. Porém, diferente da suposta
intencionalidade apenas dissuasiva dita por Baudrillard, ele não tinha medo de destruir, pelo
contrário, ele fala sobre a beleza do fogo e da purificação que é feita através deste.
Em contraponto com Ultron, surge o personagem Visão. Igualmente criado através de
inteligência artificial, ele foi idealizado por Ultron e criado pela Dra. Cho, sob sua
manipulação. Seu corpo foi feito de Vibranium (o mesmo material do escudo do Capitão
América), a partir da junção deste metal com células humanas para criar tecido. No entanto,
após os Vingadores roubarem o recipiente que continha o corpo ainda em formação. Stark e
Banner começam a carregar a J.A.R.V.I.S. nele e, em meio a intensas discussões sobre se
deveriam de fato trazê-lo à vida ou não, Thor aparece e descarrega a energia de seu martelo e
completa a formação – nasce Visão. Em sua testa está a joia da mente, que estava antes
escondida no cetro de Loki. Enquanto todos os vingadores temiam suas intenções, ele pegou
facilmente o martelo de Thor, provando ser “digno”.Quando perguntam quem ele é, a resposta
obtida é um tanto intrigante, ele apenas diz: “Eu sou” (Figura 14). Essa resposta é uma
referência à maneira como Deus se define na Bíblia, o que daria conferiria ao personagem um
papel messiânico, redentivo, a esperança de salvar o mundo do mal – representado por Ultron.

Figura 14: “Eu sou”

Fonte: Filme Vingadores: a era de Ultron

O papel de Visão é bastante interessante, pois apenas com ele os Vingadores serão
capazes de derrotar Ultron, deixando a possibilidade de concluir que apenas outra máquina

31
“but this sofistication exceeds any possible objective to such an extent that it is itself a symptom of
nonexistence.”
seria capaz de destruir uma máquina. Contudo, há nesse ponto uma divergência com todo o
pensamento que vem sendo construído acerca da técnica: é deixada a sensação de que há uma
técnica boa, representada por Visão, e uma técnica ruim, representada por Ultron. Vale ainda
ressaltar que ambos foram criados por Tony Stark e Bruce Banner, no entanto os resultados
tomaram dimensões bastante diferentes daquelas esperadas. Assim, embora haja certa glória
no mérito pelas criações, é bastante visível a resposta da técnica, mostrando a fragilidade do
conhecimento humano, que não consegue prever exatamente o resultado daquilo que ele
produz. Além disso, repete-se o ciclo mencionado anteriormente – os heróis criaram um mal
e, por isso, precisaram criar um bem para vencê-lo; ganham crédito por salvarem o mundo,
mas salvar do problema que eles mesmos criaram.
Há ainda no filme o exemplo do que foi feito aos gêmeos Maximoff. O cientista
Strucker, que aparece apenas no início do filme, fazia testes de aprimoramento em seres
humanos, sendo que os únicos sobreviventes ao teste foram Pietro e Wanda – ele ganhou a
habilidade de se mover numa velocidade ultra rápida e ela a de manipular a realidade e a
percepção. A chegada de Ultron e Visão, totalmente desenvolvidos por meio da inteligência
artificial, reforça a discussão sobre o aprimoramento humano e suas consequências. Kellner
(1989, p. 82) aponta que para Baudrillard a sociedade da simulação possui um imaginário
cibernético, carregada de uma lógica dissuasiva inclusive para afirmar o que é o real, como o
exemplo da Disney32. A presença da cibernética e a lógica da simulação culminam no
conceito de Baudrillard de hiperreal: “a própria definição do real se torna, aquilo a partir do
qual se pode produzir um equivalente. [...] No limiar desse processo de reprodutibilidade, o
real não é apenas aquilo que pode ser reproduzido, mas aquilo que já foi reproduzido. O
hiperreal” (BAUDRILLARD, 1983, p. 164, tradução livre33). Vendo Ultron e Visão como
uma reprodução do ser humano, porém da forma como imaginaríamos que ele seria melhor –
imortal, com mais inteligência e capacidade lógica, poderes e força – e ainda na criação
puramente tecnológica deles, encontramos nesses dois personagens a representação do
simulacro de terceira ordem – o simulacro de simulação. Não esquecendo, no entanto, que,
como já foi discutido em tópicos antecedentes, o próprio filme é da ordem da simulação.

32
Exemplo explicado no tópico 3.3.
33
“The very definition of the real becomes: that of which it is possible to give an equivalent reproduction. *…+
At the limit of this process of reproductibility, the real is not only what can be reproduced, but that which is
already reproduced. The hyperreal.”
4.4. Bruce Banner e Natascha Romanoff: a cura pelo toque humano
É bastante interessante a interação construída entre os personagens de Bruce Banner, o
Hulk, e Natascha Romanoff, a Viúva Negra. Ele se tornou um monstro por causa de erros em
experiências laboratoriais e cada vez que tem seu humor alterado se torna o Hulk e destrói
tudo que vê pela frente, sempre dando trabalho à equipe para trazê-lo de volta ao normal. Ela,
por sua vez, foi criada como uma agente para matar e passou até mesmo por uma operação
que a deixou estéril para que ela não tivesse laços e pudesse executar os trabalhos sem
preocupações.Um fato interessante acontece no filme. Os vingadores se deram conta de que a
única que era capaz de acalmar o Hulk de maneira rápida e sem danos era a Viúva
Negra.Nesses casos, ela o chama: “Ei, grandão! O sol está abaixando”, estende sua mão para
que ele a toque com sua e, então, ele se acalma e aos poucas volta a ser simplesmente Bruce
Banner. Percebe-se que há alguma relevância a ser considerada nesse fato pelo enfoque
especial dado a esta cena no filme (Figura 15).

Figura 15: O toque entre a mão de Nat e Hulk

Fonte: FilmeVingadores: a era de Ultron

Ainda sobre os laços e sua importância para a sobrevivência humana é interessante


notar a ênfase dada pelo Capitão América e pelo Visão na necessidade de permanecerem
unidos e enfrentarem juntos as batalhas. É possível citar também a relação bastante próxima
entre os gêmeos, Wanda e Pietro, tanto que ela sente sua morte mesmo à distância. Tomada
pela raiva, ela procura Ultron, que está à beira de despencar num trem. Ele adverte que ela vai
morrer, quando ela afirma que já morreu e com seus poderes arranca seu coração de ferro, na
tentativa de fazê-lo sentir a dor que ela está sentindo (Figura 16).
Figura 16: Wanda arranca o coração de Ultron

Fonte: Filme Vingadores: a era de Ultron

A frase cantarolada constantemente por Ultron diz algo sobre os laços. Ele repete: “eu
tinha cordas, mas agora eu sou livre”, mas ao final, enquanto ele atira de sua nave mirando no
garoto que se perdeu de sua mãe e está sendo salvo pelo Gavião Arqueiro, ele ri em tom de
zombaria da atitude amável e solidária do herói e canta: “Eu não tenho cordas, então me
divirto; não estou amarrado a ninguém” (Figura 17).

Figura 17: Ultron

Fonte: Filme Vingadores: a era de Ultron

O final do filme é um relevante diálogo entre Ultron e Visão. Este último explica ao
anterior porque ele pretende salvar a humanidade ao invés de destruí-la. Ultron insiste que o
ser humano está condenado por ele mesmo e que o mundo acabará por sua causa e chama
Visão de ingênuo, diante da resposta de que, apesar de ele também saber que não há solução
para a humanidade, “há graça em seus erros. É um privilégio estar entre deles” (Figura 18).
Figura 18: Visão em diálogo com Ultron

Fonte: Filme Vingadores: a era de Ultron

É irônico uma máquina reconhecer o estado drástico da humanidade. Contudo, a


relevância dada aos laços entre os seres humanos e o prezar pela vida parece ser a chave
proposta pelo filme como motivação para lutar e como solução para os problemas. Na última
cena, o “corpo” de ferro em que Ultron se personificou é destruído pela segunda vez. Ele
ainda pode transferir sua consciência para qualquer lugar ou objeto, mas sempre lutará
sozinho, contando apenas com os demais seres de ferro e tecnologia que ele criar. Enquanto
isso, os demais personagens, carregados que estejam de seus signos que os diferenciam e até
que tornaram possível classificá-los em diferentes formas de simulacros, permanecem unidos
por laços.
Talvez seja esse mais um ponto em que não seja possível aplicar o pensamento de
Baudrillard ou o contexto da pós-modernidade como foi construído até aqui no filme. A
possibilidade de encontrarmos uma técnica boa e outra má na dubiedade entre Ultron e Visão
– o que não estaria de acordo com o último pensamento do teórico francês sobre a técnica –
também abriria espaço para pensar que a incapacidade ou falta de desejo de Ultron de firmar
laços não seja simplesmente porque ele é um android, mas porque sua essência é naturalmente
má e egoísta, ao contrário de Visão. Além disso, a ênfase nos laços e o tom romântico
assumido tanto nos momentos heroicos quanto nos momentos mais intimistas, não seriam
coerentes com a compreensão de Bauman (2007) da sociedade líquida, uma vez que ele
também leva em conta a fragilidade dos laços e a crise nos relacionamentos ocasionada pelo
pós-modernismo. Porém, talvez possa ser essa a tentativa apresentada de Baudrillard (1991, p.
151) de retornar à utopia original, como ele propõe no imaginário da simulação, um caminho
para retornar à humanidade em meio ao excesso da tecnicidade e da confusão entre os duplos
de real e hiperreal.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Já discutimos que a mídia é um espelho da sociedade e que a sociedade é re-criada a
partir das mídias e que esse processo cíclico não é apenas uma relação direta de ação e reação,
mas uma integração de produções e relações estabelecidas com estas, como proposto por
Morin (2003). De modo simplificado, no entanto, poderíamos dizer que estamos no mundo e
que o mundo nos pensa de volta, o que também nos confirma que não há jamais apenas um
olhar sobre um fato. Partindo desse pensamento, entendemos que o cinema, sendo uma mídia,
também é um espelho da sociedade e, conforme afirma Hagemeyer (2010), pode ser um
objeto bastante útil para compreendê-la. Este trabalho tem analisado o posicionamento dos
personagens e as representações deles no filme em relação à sociedade representada. Feita a
ressalva de que a mídia é um produto da técnica e, portanto, também o cinema o é, foi
observada a técnica na perspectiva de Baudrillard através de Rüdiger (2011), onde foi
mostrado que o teórico francês concluiu que a técnica não está a serviço do homem, mas é um
vetor autônomo artificializante do mundo, de modo que ela passou a definir o modo como o
ser humano pensa e define a si mesmo.
Embora a palavra técnica não seja diretamente mencionada nestes escritos, Baudrillard
(1991, 1993, 1999) parece demonstrar a evolução desta através dos simulacros, estabelecendo
três ordens – contrafação, produção e simulação – sendo que o fator principal a ser observado
em cada uma delas é o signo. Ao longo do processo descrito desde a idade média até a
atualidade da era virtual, notou-se que o signo partiu de um significante fixo e restrito até se
emancipar, multiplicar e, finalmente, se virtualizar, reduzido somente a modelos, simbolismo
fractalizado que povoa a sociedade. Por isso, Baudrillard (1996) afirma que já não há mais
real, tudo se resume apenas a signos – estes já sem referência alguma à sociedade. Sendo
assim, a mídia é um espelho do que chamamos de real, sendo que este não é real, nem
tampouco ela é.
O filme é uma ótima representação da soma dos simulacros. O teatro por si só é um
simulacro de contrafação, considerando que pessoas representam personagens. De acordo
com Aumont (2012), todo filme é ficção, ainda que mais ou menos próximo da realidade
como a definimos, e Baudrillard considera a ficção científica como o imaginário do simulacro
de produção, o que posicionaria os filmes de super-heróis. Por falar em heróis,
compreendemos que estes assumem um importante papel social e que representam ambições,
sonhos e problemas da sociedade que os criou, porém, os heróis contemporâneos – ou os
super-heróis – apresentam também os problemas que conhecemos como humanos e trazem
um lado não heroico, ao mesmo tempo em que seus poderes são mais fantásticos do que o
próprio heroísmo (THOMSON, 2010). Analisando alguns personagens de Vingadores: a era
de Ultron vimos a colisão da utopia com a ficção e o não nomeado imaginário da simulação,
observando a representação que esses personagens traziam dos simulacros e seus imaginários.
Se sentimos uma confusão com todas essas intercalações e representações aqui citadas
e discutidas, é um sinal de que o filme em questão representa o simulacro de simulação,
período em que reina grande incerteza, quando o signo está disperso e as redes se encarregam
de fractalizar e viralizar. Já não se sabe mais o que é real e o que é imaginário e o próprio
filme é uma demonstração disso, sendo que ele ilude o espectador a achar que o seu mundo é
real em detrimento do filme, quando na verdade não há real, tanto o filme quanto a realidade
estão reduzidos a signos. Isso posto, podemos talvez afirmar que a mídia é agora responsável
por criar ou re-criar o conceito de realidade. Mais uma vez, podemos considerar aqui a
proposta de Baudrillard acerca do imaginário atual – uma utopia de encontrar novamente o
real. Uma vez conferida à mídia essa capacidade de redefinição do real, mesmo esse esforço
de encontrar um real para o qual voltar continua acontecendo sob a lógica da técnica.
Finalmente, a sociedade que emerge do filme ao colocarmos as lentes dos simulacros
conforme a proposta de Baudrillard é um paralelo daquela que conhecemos e chamamos de
real: a crise, a incerteza, o excesso de tecnologia, a disparidade entre as classes e o instinto de
salvar o mundo de algo que ainda não se conhece. Se a presença dos heróis com seus poderes
e presença fantasiosos fosse ser considerada como o grande diferencial entre o mundo de
Vingadores: a era de Ultron e o que chamamos real, a percepção dos personagens como
alegorias de momentos históricos torna a linha entre real e imaginário ainda mais tênue,
principalmente se esses dois termos forem utilizados e compreendidos aqui sob a ótica de
Baudrillard.Vale notar que o filme é um produto da mídia, mas seus elementos excedem as
telas do cinema, como se vê na produção de brinquedos, acessórios, peças de vestuário,
utilitários, dentre outros objetos, estampados com personagens, cenas ou logotipos de filmes.
Mesmo essa confusão parece continuar a discussão da mistura entre real e imaginário nos
simulacros, porém, se estão no nosso real nos vestindo e sendo usados, até que ponto esses
signos podem de fato ser considerados não reais, como Baudrillard afirma? Essa abertura traz
a oportunidade para futuros estudos.
Assim, a relação do filme no mercado comunicacional e publicitário também ganha
aqui sua importância, uma vez que tais itens circulam no mercado e o cinema é um espaço de
inserção publicitária. Por fim, a pesquisa utilizando filmes na categoria de ficção pode ser
utilizada como forma de compreender a sociedade e tende a estar carregada de elementos que
se tornam visíveis à luz de pontos de vista filosóficos sobre a sociedade.
6 REFERÊNCIAS

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