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“AS RAÍZES JUDAICAS DA FAMÍLIA LEÃO”

(Correção e esclarecimentos)
Rubens R. Câmara

O Governo Português, ao promulgar o Decreto-Lei 30-A/2015 de 27 de fevereiro de


2015, passou a oferecer aos descendentes de judeus sefarditas1 portugueses a possibilidade de
adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização, desde que satisfeitas as condições
elencadas naquele dispositivo legal. Dentre os requisitos, há o que exige a obtenção de um
certificado, emitido por uma sociedade israelita domiciliada em Portugal, que ateste a ligação dos
antepassados do interessado à comunidade sefardita, aceitando-se o estudo genealógico como
meio de prova.
Em razão disso, o artigo “As Raízes Judaicas da Família Leão”, de minha autoria,
publicado em GERAÇÕES / BRASIL - BOLETIM DA SOCIEDADE GENEALÓGICA
JUDAICA DO BRASIL(Edição de Maio 1999 - Volume 5 nº 1 / 2), que pode ser acessado pelo
“link” original daquele boletim, qual seja, http://ahjb.org.br/pdf/jornal_may99.pdf, ou em
inúmeros sítios da Internet nos quais o mesmo encontra-se disponível, tem sido alvo de interesse
de pessoas ligadas à família mineira Silveira Leão, objetivando embasar o requerimento à
Comunidade Israelita de Lisboa (ou do Porto) para obtenção do mencionado certificado. Também
sou regularmente consultado sobre os desdobramentos genealógicos, bem como sobre as provas
documentais que embasaram o referido artigo. Tenho respondido individualmente a todas as
consultas, esclarecendo que o artigo foi revisado e uma correção ao mesmo foi publicada em
edição posterior de GERAÇÕES / BRASIL - BOLETIM DA SOCIEDADE
GENEALÓGICA JUDAICA DO BRASIL (Julho de 2002, Volume nº 11), invalidando a
cadeia genealógica que ligava meu 10º avô, Antônio de Leão, e sua descendência ao cristão-novo
dr. Lopo Dias, processado pela Inquisição2.
Entendo que se faz necessária uma nova e mais detalhada abordagem a esse assunto,
para dar maior publicidade à mencionada correção, que tem passado despercebida de
pesquisadores interessados nas informações genealógicas contidas no referido artigo.
Ao iniciar minhas pesquisas genealógicas no ano de 1980, quando ainda não se podia
contar com recursos de pesquisas eletrônicas, valia-me das fontes primárias nacionais, tais como,
registros paroquiais católicos e, principalmente, os processos de habilitação sacerdotal (“De
Genere et Moribus”), com base nas quais pude avançar algumas gerações, especificamente com
relação a meus antepassados de sobrenome Leão, até meu 10º avô, Antônio de Leão, que viveu
na cidade do Porto na primeira metade do século XVII (1630-1650).
A partir de 1995, com o advento da rede mundial de computadores, passei a interagir
com pesquisadores no exterior, sendo que contratei um deles em Portugal para fazer a busca por
assentos de batismo, casamento e óbito daquele meu antepassado, bem como eventuais processos
da Inquisição, tendo em vista a tradição familiar dando conta de que tínhamos origem cristã-nova.
Em poucas semanas, recebi “e-mail” do tal pesquisador noticiando que encontrara o
assento de casamento dos pais de Antônio de Leão, bem como o de seu batismo, e, mais, que meu
antepassado se ligava à família cristã-nova de dr. Lopo Dias, que, por sua vez, era mencionado
em “Um Caderno de Cristãos Novos de Barcelos”, de Luis de Bivar Guerra. Mais tarde, consegui
através dos Centros da História da Família da Igreja dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons) a
reprodução de tais registros, bem como adquiri uma cópia do referido “Caderno...” e, já através
do sítio da Torre do Tombo, solicitei cópias impressas dos processos da Inquisição contra o dr.
Lopo Dias e sua neta Inês Henriques de Leão3, confirmando, em parte, os dados genealógicos, o
que, de certa forma, me deixou tranquilo sobre a autenticidade das informações.
Nesse ponto, escrevi o artigo que foi publicado em GERAÇÕES / BRASIL -
BOLETIM DA SOCIEDADE GENEALÓGICA JUDAICA DO BRASIL(Edição de Maio
1999 - Volume 5 nº 1/2).
Contudo, ainda faltavam alguns registros que poderiam “amarrar” melhor a
genealogia, tais como os assentos de casamento e óbito de Antônio de Leão, de sorte que
prossegui nas pesquisas, iniciando por revisar as informações que já tinha, fazendo uma releitura
do assento de batismo de Antônio (de Leão), a saber:

“Antº f º de Mathias de Leão e de sua a mulher Mª Glz. da Rua das Carpas desta frgª naceo em dezasseis de ag to de
611 foi bautizado nesta Igra aos vinte e hu’ do mesmo de Seis Centos e onze forão padrinhos Antº Gomes mor. em casa
do Dr. Lopo Dias por ser seu neto e Mª Antª mulher de Mel. Bento e eu Bar. de Sousa q o bautizei. Bar. de Sousa"4.

Constatei, então, a errônea leitura de uma abreviatura, logo após o nome do padrinho,
como “mer.” que, certamente, induziu o pesquisador a entender que se referisse à qualificação de
“Antº Gomes” como “mercador”, concluindo, então, que o batismo havia sido realizado “em
casa do dr. Lopo Dias por ser [o batizando] seu neto”. Na verdade, a abreviatura no referido
assento é “mor.” de “morador” e não de “mercador”. Portanto o padrinho, Antônio Gomes, era
“morador em casa do dr. Lopo Dias por ser [Antônio Gomes] seu neto”, e, não, o batizando. Isso
ficou melhor esclarecido com a leitura do processo da Inquisição contra Inês Henriques de Leão,
neta de Lopo Dias, na qual ela afirmou que “[...] tem um irmão que se chama Antônio Gomes de
Leão [...]”, ambos filhos do licenciado Luís Gomes de Leão e Maria da Paz, esta, sim, filha do dr.
Lopo Dias. Além disso, no processo da Inquisição contra o dr. Lopo Dias, não consta que este
tivesse outra filha, também de prenome Maria, porém de sobrenome Gonçalves. Portanto, não
resta qualquer dúvida que o neto do dr. Lopo Dias, mencionado no referido assento de batizado,
era o padrinho do batizando. Circunstancialmente, pode-se perceber ligações de parentescos entre
todos os mencionados no referido registro, como, por exemplo, a hipótese de Mathias de Leão ter
parentesco próximo com Luís Gomes de Leão, pai de Antônio Gomes de Leão, o padrinho, de
quem o batizando recebeu o prenome. Mas, o importante desse esclarecimento é que meu
antepassado, Antônio de Leão, definitivamente não era neto do dr. Lopo Dias, e, em
consequência, este não é ascendente da família Silveira Leão de Minas Gerais.
Isso constatado, fiz publicar na edição de julho de 2002, Volume nº 11,
de GERAÇÕES / BRASIL - BOLETIM DA SOCIEDADE GENEALÓGICA JUDAICA DO
BRASIL, uma correção, desvinculando meus antepassados da descendência direta de Lopo Dias.
Passei, então, a refinar a pesquisa com o objetivo de confirmar se o assento de
batismo de Antônio, filho de Mathias de Leão, era, realmente, o de meu 10º avô, ainda que não
fosse neto do dr. Lopo Dias.
Mais recentemente, em pesquisa “on line” na Torre do Tombo, localizei dois
processos de habilitação a familiar do Santo Ofício requeridos por um neto e um bisneto de meu
10º avô, Antônio de Leão, o Frei Luís da Natividade5 e o Licenciado Miguel da Fonseca Leão6.
Com a leitura desses processos, esclareceram-se a naturalidade de meu antepassado (“lugar
Lidrais da Vila Boa do Bispo, Couto dos Religiosos Crúzios, Freguesia de Sobretâmega, Bispado
do Porto”), sua filiação (Antônio de Leão e Clara Soares), casamento em Vila Nova de Gaia aos
sete de janeiro de 16317 e seu óbito no lugar Lidrais, Vila Boa do Bispo, aos dez de janeiro de
16708. Constatou-se, também, que meus 10ºs avós, Antônio de Leão e Maria Álvares (ou Alves),
viveram na freguesia da Sé, cidade do Porto, por cerca de três décadas, onde nasceram seus
filhos.
Com essas informações, ficava também demonstrado que não é de meu 10º avô,
Antônio de Leão, o mencionado assento de batismo de Antônio, filho de Mathias de Leão e Maria
Gonçalves.
A homonímia, moldura temporal, vizinhança e a incorreta interpretação do registro
de batismo de Antônio, filho de Mathias de Leão, levaram o pesquisador a concluir que se tratava
do batismo de meu antepassado, equívoco a que também incorri, mas que espero, com o presente
esclarecimento, tê-lo sanado de vez, apresentando, por oportuno, minhas escusas.
Por fim, esclareço que o artigo “As Raízes Judaicas da Família Leão” continua
válido, salvo no que diz respeito à, já contestada, ligação de meu 10º avô, Antônio de Leão (filho
de Antônio de Leão e Clara Soares) e sua descendência, com o cristão-novo dr. Lopo Dias.

1
Sefarditas (em hebraico ‫ספרדים‬, sefardi; no plural, sefardim) é o termo usado para referir aos descendentes
de judeus originários de Portugal e Espanha. A palavra tem origem na denominação hebraica para designar a Península
Ibérica (Sefarad, ‫) ספרד‬. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Sefardita).

2 Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Coimbra, proc. 10185

3 Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 2742

4 Arquivo Distrital do Porto (http://pesquisa.adporto.pt/viewer?id=491172 tif 020 )


5 Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Luís, mç. 41, doc. 673

6 Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Miguel, mç. 15, doc. 242

7https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:S3HT-D1K3-P49?i=326&wc=MPDD-
4WL%3A197771501%2C218092001%2C218798201%2C201304902%2C218860501&cc=1913408
8
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:3QS7-89ML-B9YY?i=16&wc=MP8S-
RS9%3A197771501%2C205378801%2C207593901%2C197771504%2C207624801&cc=1913408

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