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Brasília - DF
2022
MARCIA DEGANI
Brasília
2022
RESUMO
DEGANI, M. Sensory arts: stimulating the senses of the elderly through appreciation and
artistic making. 2022. 158 f. Thesis (PhD in Gerontology) – Universidade Católica de Brasília,
Brasília, 2022.
The aging process brings with it a series of discomforts, one of which is caused by the reduction
in sensory acuity. These deficits vary from person to person in terms of affected senses and
degree of impairment. From this perspective, all relationships established between individuals
and the world occur through sensory functions. Thus, communication, self-perception, pleasure,
and maintenance of survival depend directly on the proper functioning of the sensory apparatus.
The aim of this study was to analyze different methodologies of artistic expressions and their
relationship with artistic practice and with the development of perceptual potentials in the
elderly. A qualitative, non-experimental, exploratory, descriptive, and transversal methodology
was chosen. The convenience sample consisted of eight elderly people, with a mean age of
86.00 years (SD= ± 7.66), participating in the Day Care Center for the elderly - Pasárgada. The
elderlies were evaluated by characterization and development instruments to characterize the
sample and instruments to monitor the development of the elderly over time (sensory
evaluation). The methodological procedure consisted of six steps: a) recruitment; b) gathering
information about the participants; c) initial interview; d) introduction dynamics to artistic
appreciation; e) evaluation of the sensory profile; and f) workshops. The activities carried out
that aimed to integrate sensory perception and artistic expression were offered in the following
theme: a) appreciation of artistic images, b) evaluation of the sensory profile; c) visual arts,
movement, and music workshop; d) performing arts workshop; e) sensory tree assembly
workshop. The reports were analyzed in the light of the biographical method that differs from
the methodology of life histories, widely used in the human sciences, due to the collective
nature of this mode of analysis, with the biographical evaluations of the eight elderlies being
reported. The results corroborate studies that indicate sensory interventions as important
promoters of psychological, emotional, and social gains. It is also concluded that the permissive
and playful character of art brought about a break with standards that characterize things as
good or bad, promoting the appreciation of all productions as unique that attributed value due
to their expressive nature.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7
1. CAPÍTULO 1 – PROJETO PILOTO............................................................................... 12
2. CAPÍTULO 2 – ARTIGO SNOEZELEN ........................................................................ 36
3. CAPÍTULO 3 – A ARTE COMO ESTRATÉGIA DE ESTIMULAÇÃO PARA O
IDOSO ..................................................................................................................................... 55
4. JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 82
5. OBJETIVOS ....................................................................................................................... 83
5.1 OBJETIVO GERAL ...................................................................................................... 83
5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................................ 83
6. MATERIAIS E MÉTODOS .............................................................................................. 84
6.1 TIPO DE ESTUDO ....................................................................................................... 84
6.2 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ....................................................................................... 85
6.3 AMOSTRA .................................................................................................................... 86
6.4 INSTRUMENTOS......................................................................................................... 86
6.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................. 89
6.6 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS ........................................................ 97
7. RESULTADOS .............................................................................................................. 98
8. ARTIGO – METODOLOGIAS DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA EM IDOSOS
FREQUENTADORES DE UM CENTRO DIA: UMA ANÁLISE BIOGRÁFICA .. 119
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 140
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 142
APÊNDICE I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido........................................ 152
APÊNDICE II – Questionário Sociodemográfico ............................................................. 154
ANEXO I – Critérios de Avaliação do Perfil Sensorial .................................................... 155
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INTRODUÇÃO
Antes de expor o contexto no qual surgiu o desejo de realizar esta pesquisa, devo
ressaltar que apenas uma ciência de caráter interdisciplinar como a Gerontologia me permitiria
realizá-la. Este trabalho reúne a minha formação e vivência profissional na área da música e
das artes por mais de 30 anos, a visão humanista que passei a cultivar a partir do Mestrado em
Gerontologia Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a
necessidade de compreender o ser humano na sua integralidade, o que me levou a cursar o
bacharelado em fonoaudiologia.
Os transtornos de natureza sensorial me chamaram a atenção, inicialmente, em
atendimentos que realizei como fonoaudióloga no Centro Dia Pasárgada, em São Paulo, nos
anos de 2015 e 2016 e, posteriormente, na Unidade Longevità Sudoeste em Brasília, em 2017.
Nesses dois espaços, tive a oportunidade de me relacionar com pessoas em quadros demenciais,
a maioria diagnosticada com Doença de Alzheimer e outros tipos de transtornos associados de
ordem física e cognitiva. Antes de verificar, por meio da literatura, que as demências exacerbam
as perdas sensoriais, uma das coisas que mais me chamou a atenção nos idosos com esse
diagnóstico foi a perda do olfato. Ao realizar uma dinâmica em que propus a identificação de
aromas, como de ervas, café, alho e sabonete, percebi que a discriminação dos odores estava
severamente alterada. A partir disso, passei a observar os demais sentidos e constatei que havia
déficits sensoriais importantes na maioria deles em todos os idosos.
Meu interesse pelo assunto aumentou quando descobri que a estimulação sensorial
poderia ser realizada de forma passiva, em estágios mais severos nos quadros demenciais, em
casos de acidentes vasculares cerebrais e em outras situações que impedem a participação ativa
e consciente do idoso. Sempre me incomodou o fato de se negligenciar as necessidades dos
velhos por estarem “no final da vida” e penso que, justamente por isso, a qualidade de vida do
idoso deveria estar em primeiro lugar especialmente nessa fase. Verifiquei que,
surpreendentemente, os idosos, mesmo aqueles portadores de doenças degenerativas, ao serem
estimulados da forma adequada, podem apresentar melhoras ou retardar a progressão dos
sintomas preservando por um período maior a funcionalidade do organismo.
Envolver as artes nas abordagens em estimulação multissensorial surgiu de forma
natural e intuitiva, por ser uma linguagem que me é familiar desde a infância (pois venho de
uma família de artistas) e na qual tive a oportunidade de me profissionalizar, tendo atuado tanto
no palco, como nos bastidores por mais de trinta anos. Por explorar a criatividade, a
inventividade, exigir que a atenção se presentifique no aqui e agora, pela liberdade expressiva
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que a caracteriza e por ser tecida de conteúdos emocionais, acredito que as linguagens artísticas
possam ser exploradas em diversos contextos terapêuticos e promoverem ganhos especialmente
ao público idoso.
Há algum tempo, observo uma tendência à exploração de experiências sensoriais nas
artes por proporcionarem um contato mais intenso com o objeto artístico por diversas vias (ou
módulos) sensoriais simultaneamente, resultando na imersão do espectador no universo da obra,
muitas vezes integrando-o como cocriador. A utilização de novas tecnologias nas artes permitiu
a associação de diversos estímulos sensoriais em experimentos, instalações e performances.
Também tenho observado uma maior preocupação da sociedade, de forma geral, com questões
que envolvem a sensorialidade. Nessa delicada fase que temos atravessado, a importância de
uma dieta sensorial adequada veio à tona junto com a experiência do isolamento. Fomos levados
a sentir na própria pele o desconforto que causa a sensível redução dos estímulos sensoriais no
nosso cotidiano.
No segundo semestre de 2018, tive a oportunidade de criar uma instalação
multissensorial para idosos inspirada nos trabalhos que conheci voltados para as crianças, com
o cuidado de não propor experiências que parecessem infantis. Cursando o Doutorado em
Gerontologia, a disciplina “Aspectos artísticos do envelhecimento”, ministrada pelos
professores Lucy Gomes e Vicente Alves, solicitou aos alunos que apresentassem algo de
caráter artístico vinculado à velhice ou ao envelhecimento no III Simpósio da Rede dos
Programas Interdisciplinares sobre Envelhecimento (Reprinte)/2018. Expus minha ideia ao
colega Vagner Lacerda, que me incentivou a seguir adiante e tornou-se meu parceiro nessa
empreitada. A descrição e os resultados dessa experiência encontram-se no primeiro capítulo
deste documento, sob o título de Projeto Piloto. Essa experiência foi fundamental na criação do
Projeto de Pesquisa e depois no seu desenvolvimento, mesmo com as adaptações realizadas em
decorrência da COVID-19.
Os idosos que participariam inicialmente seriam compostos pelo grupo NeuroCog-
Idoso, da Universidade Católica de Brasília (UCB), dirigido pela professora Isabelle Patriciá
Freitas Soares Chariglione, minha orientadora. Porém, devido à pandemia e pelos cuidados
éticos e metodológicos necessários nesse momento, o local de coleta de dados foi modificado
para o Centro Dia para idosos – Pasárgada, onde os idosos já estariam inseridos e no qual a
equipe já estaria adaptada a um protocolo próprio de atendimento e acompanhamento.
Desde a realização do Projeto Piloto, tenho estado atenta a tudo que se relaciona à
estimulação multissensorial para idosos por ter observado os benefícios que esse tipo de
intervenção proporciona a esse grupo em específico. Por intermédio de artigos, publicações,
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sensorial na vida de qualquer pessoa é muito mais abrangente que uma falha mecânica na
captação dos estímulos ou apenas uma perda de limiares perceptivos. A funcionalidade do
organismo depende da interpretação adequada dos estímulos sensoriais, sendo que poderá
chegar ao ponto de colocar uma vida em risco, como no caso de não se conseguir detectar um
cheiro de gás/fumaça ou não perceber a buzina de um automóvel ao atravessar a rua. Da mesma
forma e não menos importante, tudo o que pode ser interpretado como prazer também depende
dos órgãos sensoriais Transtornos de natureza cognitiva, física, emocional e até
comportamental podem advir dos déficits sensoriais, sendo que o isolamento e a depressão
também podem ter como causa o déficit no processamento desses estímulos.
Esta pesquisa teve como objetivo estimular a percepção sensorial do idoso por meio de
dinâmicas que envolveram a prática artística. Os participantes vivenciaram diferentes modos
de expressão nas artes ora por meio da fruição, ora exercitando a criatividade. A atmosfera
lúdica esteve presente em todos os momentos trazendo não somente bem-estar e leveza, mas
principalmente, favorecendo a imersão no mundo das sensações, de uma forma livre e
descompromissada, prazerosa e divertida.
Apresentaremos no primeiro capítulo o Projeto Piloto realizado na Universidade
Católica de Brasília em 2018, o segundo capítulo trata da abordagem Snoezelen contextualizada
às necessidades do idoso, sendo este capítulo, artigo publicado em 2019 na Revista Kairós de
Gerontologia. Embora esta tese não trate diretamente da metodologia Snoezelen, foi este
conceito que alicerçou o trabalho realizado nas intervenções. O terceiro capítulo aborda as
características que a arte tem do ponto de vista perceptivo demonstrando que por si só se
constitui veículo de estimulação sensorial.
Por ter sido realizada no auge da pandemia da COVID-19 foi necessário realizar
algumas mudanças e adaptações na pesquisa de campo. A primeira delas esteve relacionada ao
seu corpus e modalidade de análise. Planejávamos trabalhar com idosos cognitivamente
saudáveis frequentadores do grupo NeuroCog-Idoso, mas como, de forma geral, estes grupos
foram desativados, a pesquisa foi adequada a um grupo de idosos que, na sua totalidade,
apresentava alterações cognitivas e encontrava-se em idade muito avançada. Essa mudança
impactou na metodologia adotada em relação à análise dos dados obtidos, uma vez que, o
registro da fala desses indivíduos foi insuficiente para que se realizasse a análise de conteúdo
que, a princípio, seria por meio do software IRaMuTeQ. Assim, mantivemos o caráter
qualitativo que será apresentado de forma descritiva alicerçado no método biográfico.
A Estesiologia, corrente filosófica derivada da Fenomenologia proposta por Merleau
Ponty norteou o nosso olhar, por ter seu foco nas relações entre o corpo e a consciência do ser
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Marcia Degani1
Vagner Lacerda Ribeiro2
Isabelle Patriciá Freitas Soares Chariglione3
1
Graduada em Fonoaudiologia, Doutoranda em Gerontologia, Universidade Católica de Brasília, e-mail:
marciadegani@yahoo.com.br
2
Graduado em Economia, Doutorando em Gerontologia, Universidade Católica de Brasília, e-mail:
vagnerlr@uol.com.br
3
Graduada em Psicologia, Doutorado em Cognição e Neurociências, Universidade de Brasília, e-mail:
ichariglione@unb.br
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of different approaches in multisensory stimulation therapies and the impact that sensory
memory exerts on the elderly individual. Through the experiment, it was possible to verify the
close connection between the senses and the memory, recovering sensations and pleasures that
were not stimulated or even forgotten. It is suggested to deepen studies related to the
development of new auxiliary dynamics in memory maintenance, treatment of dementias and
development of new products and services adapted to the needs of the elderly.
Keywords: senses, multisensory stimulation, elderly, memory,
1 INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional nos países em desenvolvimento se tornou uma realidade
(ALMEIDA, 2019; ARAGÃO; CHARIGLIONE, 2019; MENDES et al., 2018). Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008), esses países envelhecem a uma velocidade maior
que os países desenvolvidos. As estatísticas preveem que, em cinco décadas, mais de 80% dos
idosos do mundo viverão em países em desenvolvimento. Em decorrência do resultado dos
avanços científicos e medicinais, da redução das doenças parasitárias e infecciosas, da
diminuição dos índices de natalidade, assim como das taxas de mortalidade, o ser humano vem
aumentando a quantidade de anos vividos e, dessa forma, o período da velhice tem se estendido
cada vez mais. Shirrmacher (2005) ressalta que, já nos anos 90 do século XX, estudos sobre a
longevidade realizados na Alemanha admitiram não saber se existirá um limite de tempo para
extensão da vida humana.
Demograficamente, o escalão que mais cresce na população mundial, na atualidade, é o
dos idosos acima de 80 anos: são 540 milhões de idosos longevos no mundo (MARTINS, 2011).
A população brasileira acima dos 80 anos de idade, segundo o Censo realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2000, era de 1.832.105 pessoas. No
Censo de 2010, o Brasil contabilizou 2.935.558 idosos longevos (com 80 anos ou mais), além
de 24.210 centenários: 2/3 deles, mulheres. A população com faixa etária acima dos 80 anos,
em 1940, era de 170,7 mil habitantes, passando para 2,9 milhões em 2010, ano em que os idosos
longevos representavam 14,2% da população idosa e 1,5% da população brasileira. Espera-se
que, em 2030, representem 21% dos idosos ou 2,7% dos brasileiros (ALCÂNTARA, 2016).
Segundo a OMS (SBGG, 2019), atualmente o Brasil conta com mais de 29 milhões de
idosos, sendo que este grupo etário cresceu 35,5% em menos de 20 anos, pois, em 2000, a
população idosa do Brasil era de 14,5 milhões de pessoas. O envelhecimento acelerado da
população trouxe desafios em todos os âmbitos que envolvem a qualidade de vida. Sobre disso,
pode-se dizer que diversos fatores corroboram para que um indivíduo possa envelhecer com
dignidade, que interferem não apenas na qualidade de vida do idoso, mas de toda a população.
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Vão desde fatores psicológicos, sociais e culturais, até a assistência médica e a existência de
políticas públicas que garantam a todos, condições adequadas de higiene, saneamento básico,
transporte, segurança, acessibilidade (OMS, 2008).
A OMS entende que todas as etapas da vida humana, desde o nascimento, constituem-
se em curso de vida. Sabe-se que a capacidade funcional tende a aumentar durante a infância,
atinge o ápice nos primeiros anos da vida adulta e começa a entrar em declínio. A velocidade
desse declínio é influenciada por fatores genéticos, estilo e qualidade de vida, sendo variável
de acordo com cada indivíduo. A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (BRASIL, 2006)
considera que o conceito de saúde está relacionado à funcionalidade do organismo e não
necessariamente à presença ou ausência de doenças. Contudo, o idoso está mais naturalmente
exposto às perdas em todos os níveis. Borges (2018, p. 5) define o envelhecimento como “fase
de deterioração corporal e funcional, diminuição da vitalidade e da capacidade de adaptação do
organismo às mudanças”.
informação do ambiente para o ser humano e que esta seria condição para o desenvolvimento
de todo e qualquer processo reflexivo (KLEINMAN, 2014). Em meados do séc. XX, a
fenomenologia e os pensadores existencialistas retomaram a visão de Aristóteles. Para o
filósofo Merleau-Ponty (1908-1961), o corpo não é apenas um objeto para o estudo da ciência,
mas uma condição permanente para que se vivencie a experiência, conferindo especial
importância à percepção sinestésica, pois “o sentido da experiência está na corporeidade e não
em uma essência desencarnada” (NÓBREGA, 2008).
Atualmente, a psicologia cognitiva parte do princípio de que toda informação
processada no cérebro percorre antes alguma via sensorial, sendo que a memória sensorial é a
primeira responsável pelo processamento das informações. Primeiramente, a informação é
captada pelos órgãos dos sentidos por meio de estímulos visuais, táteis, auditivos, olfatórios ou
gustatórios, para que possa ser posteriormente interpretada no córtex cerebral. Essa memória é
extremamente curta, baseada na sensação e na percepção. Sua duração é de segundos a
milésimos de segundos antes de haver o esquecimento. A memória sensorial será codificada e
transformada em informação sensorial através do treino, repetição e atenção (CORRÊA, 2010;
SIGNOR, 2018).
O objetivo do experimento a ser descrito e discutido neste artigo foi observar o
comportamento de idosos cognitivamente saudáveis diante de estratégias lúdicas de
estimulação sensorial e as memórias despertadas a partir dos estímulos expostos.
neurodegenerativo volte a progredir. Desse modo, os autores recomendam que os idosos sejam
permanentemente estimulados, especialmente nas instituições de longa permanência, onde se
constatou haver déficits cognitivos mais intensos e precoces, além de uma maior carência de
estímulos sensoriais.
A abordagem Snoezelen é uma forma de estimulação multissensorial que pode se
adequar à demanda dos idosos, especialmente os que apresentam quadros cognitivos mais
comprometidos. O método foi criado na década de 1970, na Holanda, pelos terapeutas Verheul
e Husegge, com a finalidade de melhorar o bem-estar de pessoas com deficiência mental
profunda. Snoezelen é a junção de duas palavras holandesas: snuffelen (cheirar/explorar) e
doezelen (repousar/relaxar). As salas Snoezelen são ambientes aconchegantes e tranquilos,
projetados para despertar percepções sensoriais de forma controlada, confortável e segura. Essa
abordagem se desenvolve por meio de diversos tipos de equipamentos que promovem estímulos
sensoriais, tais como: colchão de água, poltrona massageadora, projetores, óleos aromáticos,
tubos de bolhas, objetos com variedade de texturas, luzes coloridas etc. A interação com esses
elementos pode ser tanto ativa como passiva, em sessões individuais ou em grupos pequenos
que comportem, no máximo, três idosos. Esses espaços destinam-se a promover estimulação,
interação e/ou relaxamento (AMARAL, 2014; ROSA JUNIOR et al., 2009).
Estimular os sentidos dos idosos também pode ser uma boa estratégia para acionar a
memória. Santos et al. (2016) observaram que estimular cada sentido fez com que aflorasse
memórias de experiências cotidianas. Martins (2011) constatou que a estimulação sensorial,
além de reduzir a depressão e os processos disruptivos, atinge fortemente a memória retrógrada,
ressaltando que o ideal seria que o terapeuta buscasse conhecer o percurso de vida do seu
paciente, sobretudo na infância, de forma que, ao selecionar os estímulos, possa ser mais
eficiente e assertivo. Queiroz, Ziruollo e Mello (2012) destacam que o estímulo sensorial ativa
a memória retrógrada e ressaltam que a reação sensorial é das últimas funções a serem perdidas
com o processo de envelhecimento.
1.3.1 Visão
A visão é uma das perdas sensoriais mais frequentes em idosos, juntamente com a
audição. A função visual normal é capaz de perceber, discriminar e interpretar os estímulos
luminosos. Os sistemas visual, vestibular e somatossensorial atuam no controle postural, sendo
que alteradas ocasionam mudança na marcha, desequilíbrio e demandam um maior gasto
energético, gerando fraqueza muscular e podendo levar a quedas (PENEDO, 2018).
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A partir dos 40 anos, a estrutura ótica dos olhos começa a ser afetada pelo
envelhecimento e, a partir dos 60, a estrutura retiniana. Os problemas visuais mais comuns nos
idosos são: catarata, glaucoma, degeneração macular e retinopatia diabética (LAMAS & PAÚL,
2013). Dificuldades visuais significativas atingem 14% dos idosos entre 70 e 74 anos. A partir
dos 85 anos, 32% possuem perda visual, sendo que 25% não conseguem ler jornal, mesmo com
auxílio de óculos ou lupas. 90% dos idosos necessitam usar lentes corretivas em algum período
da vida (PEDRÃO, 2011).
O idoso normal poderá perder a acuidade visual em ambientes com pouco contraste, ter
dificuldade de adaptar a visão em locais escuros (por causa da redução do tamanho da pupila),
ter menos tolerância ao brilho, reduzir a discriminação das cores e diminuir a capacidade de
leitura. As alterações visuais podem levar uma pessoa de 60 anos a necessitar quatro vezes mais
luminosidade do que uma de 20 anos (BRAIDA; NOJIMA, 2016).
A visão subnormal em idosos está relacionada ao declínio cognitivo, a doenças
cardíacas, à artrose e hipertensão, podendo levar a quedas e fraturas de quadril, o que
compromete demasiadamente a qualidade de vida. 60% dos idosos que possuem visão
subnormal também apresentam déficit auditivo, restrição de mobilidade, comprometimento
cognitivo, doenças cardíacas e pulmonares. O comprometimento da visão, juntamente com
doenças articulares e cardíacas, são os principais fatores que levam o idoso a necessitar de
auxílio nas atividades de vida diária. A depressão é mais associada à perda visual do que
auditiva, por exercer maior impacto na execução das atividades cotidianas (PEDRÃO, 2011).
É importante que haja um treinamento para a readaptação das habilidades visuais e
motoras direcionadas às atividades de vida diária. Também o uso de óculos, a utilização de
novas técnicas de leitura e a adaptação da iluminação são imprescindíveis para minimizar os
efeitos da redução da acuidade visual, ressaltando que alguns idosos se tornam hipersensíveis
à luminosidade.
1.3.2 Audição
O ser humano consegue captar frequências - graves e agudos - que atingem o espectro
de 20 a 20.000 Hz. A intensidade acima de 130 dB causa desconforto, e acima de 160 dB podem
causar o rompimento da membrana timpânica. A conversação normal situa-se em torno de 500
a 3.000 Hz e entre 45 a 60 dB. A perda auditiva envolve o comprometimento da sensibilidade
às frequências, às intensidades ou a ambas. Em relação à intensidade, considera-se leve a perda
até 25 dB, até 40 dB, moderada, e até 60 dB, severa. O Brasil possui cerca de 5 milhões de
deficientes auditivos, sendo que, aos 60 anos, 44% já apresentam a audição comprometida,
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entre 70 a 79 anos, 66% podem apresentar perda significativa, e após os 80 anos, 90%. Os
indivíduos do sexo masculino são mais suscetíveis a terem déficits auditivos devido à
quantidade de pelos que levam ao acúmulo de cerúmen no conduto auditivo externo. A perda
auditiva não tratada leva ao isolamento social (PEDRÃO, 2011).
A presbiacusia é a doença degenerativa mais comum, ocorrendo com maior frequência
em homens acima de 40 anos. Há uma maior dificuldade na audição de frequências mais
agudas, entre 1.000 e 8.000 Hz. É mais comum a perda se iniciar nas frequências agudas, indo
para as médias e, em seguida, as graves. Também é frequente a ocorrência de zumbidos.
Com o aumento da idade, observa-se a tendência em aumentar a perda auditiva. Dos 80
aos 89 anos, o idoso costuma apresentar o aumento dos limiares nas frequências agudas, assim
como prejuízos em relação à clareza da fala, discriminação dos fonemas, compreensão do
discurso rápido e em ambientes ruidosos (LAMAS; PAÚL, 2013).
Quanto mais tempo houver entre a descoberta da perda e a reabilitação, pior será o
prognóstico. Voltar a ter uma audição normal não será possível. O idoso deverá utilizar
aparelhos de amplificação sonora individuais, prescritos a partir do exame audiométrico, que
poderão melhorar a intensidade do estímulo acústico, a discriminação da fala e a diminuição do
ruído de fundo. No Brasil, 50% dos idosos que possuem déficit auditivo nunca utilizaram
aparelhos. Dos que chegaram a experimentá-lo, 10% a 30% mantêm o uso a longo prazo, e 70%
a 90% desistem devido a: contexto clínico (se for uma deficiência auditiva central, pode não
ser compensada com o uso do aparelho), insatisfação com o desempenho do aparelho,
intolerância aos sons amplificados e até vergonha ou vaidade. As perdas auditivas relacionadas
à idade podem ser prevenidas evitando-se a exposição a ruídos de alta intensidade, a ingestão
de medicamentos ototóxicos, o tabaco, a exposição a solventes industriais e um maior consumo
de álcool (PEDRÃO, 2011).
1.3.3 Paladar
O paladar e o olfato são os sentidos responsáveis pelo apetite, pelas escolhas alimentares
e pela nutrição. O gosto e o cheiro dos alimentos preparam a digestão estimulando as secreções
salivares, gástricas, pancreáticas e intestinais. Existem cinco gostos básicos: o amargo, o ácido,
o salgado, o doce e o umami, sendo que cada um deles é percebido em região diferente da
língua. O sabor de um alimento é a junção do aroma, do gosto, da textura, do ruído ao mastigar
e da aparência do alimento, ou seja, o sabor envolve a integração multissensorial. O sentido do
paladar é o que mais se distingue emocionalmente e a ligação que estabelece com os outros
sentidos é também considerada um fator emocional (MARQUES, 2016).
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1.3.4 Olfato
O olfato é uma das sensações humanas mais primitivas. Além de assumir especial
importância em relação à nutrição e na detecção de odores que podem colocar em risco a saúde
e a vida do idoso, tais como cheiro de gás, de queimado e alimentos estragados, destaca-se
como um sentido capaz de trazer memórias relacionadas às experiências vivenciadas. O odor
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está associado ao prazer e ao desprazer, sendo fortemente ligado às recordações do ser humano
(MARQUES, 2016).
No processo de envelhecimento, o olfato é mais prejudicado que o paladar. O
comprometimento é o mesmo para homens e mulheres, porém, a discriminação dos odores é
melhor nas mulheres. As alterações nos idosos compreendem: a redução do muco nasal com
menor fluidez do muco que é produzido, a substituição do epitélio sensorial nasal pela mucosa
respiratória e a diminuição da concentração de neurônios, sendo que a taxa de recuperação da
capacidade olfatória em idosos é reduzida. Na doença de Alzheimer, verifica-se a perda da
capacidade olfatória, pois a habilidade de discriminação de odores situa-se no lobo temporal
medial, precocemente comprometido pela doença. A doença de Parkinson também compromete
o olfato, ressaltando que os testes de função olfatória auxiliam no diagnóstico diferencial para
outros transtornos neurodegenerativos (PEDRÃO, 2011).
A perda olfatória pode levar o idoso a alimentar-se mal, a perder o interesse nas refeições
e levá-lo à desnutrição. Os sentidos do olfato e do paladar representam uma forma importante
de interação com o meio ambiente, assim como fonte de prazer. A perda desses sentidos pode
desencadear estados de tristeza e até depressão (LAMAS; PAÚL, 2013).
1.3.5 Tato
Montagu (1988) considera o tato a matriz de todos os sentidos, pois seu órgão
correspondente é a pele, e dela se originaram os ouvidos, a boca, o nariz e os olhos. A pele é o
mais sensível e antigo órgão do corpo humano, o primeiro meio de comunicação e de proteção
do ser humano. Para Marques (2016, p. 13), “o tato traduz a componente física do ser humano”,
intermediando a interação com o ambiente e a relação com as outras pessoas.
O tato faz parte do sistema sensorial somático – tato, pressão, vibração, propriocepção,
dor e sensações térmicas. Os receptores para tato, pressão e vibração são as terminações
nervosas localizadas na pele. Os receptores para a propriocepção são as cápsulas das
articulações, os tendões e a musculatura esquelética. No envelhecimento, pode ocorrer redução
na sensação de dor, vibração, frio, calor, pressão e toque. Deficiências vitamínicas (complexo
B), diabetes, alcoolismo, tabagismo, doenças renais, mieloma múltiplo, neoplasias, doenças
autoimunes, exposição a toxinas e infecções podem causar a perda do tato (PEDRÃO, 2011).
O idoso pode perder a sensibilidade para temperaturas, o que pode lhe causar
queimaduras ou hipotermia. Ocorre também a diminuição da sensibilidade ao toque, pressão e
vibração com o aumento da possibilidade de lesões na pele. O aumento dos limiares para a
percepção do tato pode levar o idoso a tolerar um estímulo extremo sem perceber que causa
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2 MÉTODO
Trata-se de um relato de experiência, de uma das atividades realizadas com os idosos
do Grupo NeuroCog-Idoso. Esta pesquisa e o seu referido Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido foram submetidos ao sistema do Comitê de Ética em Pesquisa, e aprovados por
meio do protocolo CAAE n° 67653517.4.0000.0029, sob o parecer nº 2.071.414.
Para tanto, utilizou-se um recorte transversal, descritivo, quantitativo e qualitativo.
Buscou-se avaliar e descrever a experiência multissensorial desses idosos de forma quantitativa
e qualitativa através de questionário entregue no final do circuito que explorou o desempenho
dos idosos em relação às dinâmicas propostas. Foram elaboradas seis questões objetivas de
múltipla escolha mais uma questão subjetiva. Esses questionários foram preenchidos pelos
próprios idosos após a prática. Optou-se pelo método misto, visando abarcar a complexidade
das vivências que trataram não apenas de identificar os elementos sensoriais, mas também
verificar o impacto que estes exerceriam sobre a memória dos idosos que estavam ali presentes.
23
2.1 Amostra
O grupo foi composto por 26 idosos, com média etária de 74 anos, cognitivamente
saudáveis, assistidos pelo projeto NeuroCog-idoso. A amostra contou com quatro idosos do
sexo masculino e 22 do sexo feminino, com idades entre 60 e 88 anos, distribuídos conforme
Gráfico 1.
2.2 Instrumentos
2.2.1 Instrumentos da instalação multissensorial
Estação Tato
Composta por cinco Caixas de Sensações e um Tapete de Plástico Bolha. As caixas
foram preparadas para que os idosos apalpassem os elementos que estariam dentro delas sem
que fosse possível visualizá-los, sendo eles: bolinhas de gude, plástico bolha, Geleca (Amoeba),
isopor, esponja de cozinha dupla face picada (mais ou menos 4 cm).
As caixas foram dispostas em um balcão, sendo que, enquanto os idosos apalpavam os
elementos dentro das caixas, também caminhavam descalços sobre a superfície do plástico
bolha.
Estação Olfato
24
Jogo da Memória de Cheiros: composto por diversos potinhos que continham ervas,
óleos essenciais e café. O “jogo” consistia em identificar o cheiro e realizar o pareamento desses
diversos odores, contudo, a proposta consistia em simplesmente explorar os odores. Foram
escolhidos para esta estratégia os seguintes elementos: alecrim, erva doce, café, óleo essencial
de menta, eucalipto e canela.
Estação Paladar
Criou-se uma cascata de isopor no formato de pipocas e, embaixo da cascata, foram
colocados saquinhos de pipocas entre as “pipocas de isopor”, fazendo alusão ao formato,
tamanho, cor e textura do alimento. As pipocas foram oferecidas a quem quisesse comê-las.
Estação Audição
Composta por taças coloridas “afinadas com água” em correspondência com oito sinos
coloridos (afinados em escala de dó maior, cada sino correspondendo a uma nota musical). As
taças eram percutidas com uma baqueta de madeira.
Em um biombo foram dispostos quatro fones de ouvido, cada um deles com um som
que representasse um dos elementos da natureza, sendo eles: chuva, vento, enxada cavando a
terra e fogo queimando a madeira. O idoso foi convidado a interagir com esses sons.
Estação Visão
Foram oferecidos diversos adereços de fantasias que ficavam em um cabideiro junto
com um espelho e uma moldura que continha a inscrição “Eu sou Uma Obra de Arte”. Sendo a
última das estações do circuito, nenhuma instrução foi dada. O idoso que se sentiu à vontade
vestiu os adereços, interagiu com os colegas e tirou fotos atrás da moldura. A proposta foi
apenas brincar, transformando o próprio visual através do uso desses acessórios.
3 RESULTADOS
Ao responderem se as experiências sensoriais trouxeram algum tipo de memória, os 26
idosos responderam que sim, demonstrando que o estímulo sensorial por si só pode estimular o
surgimento de lembranças.
Sobre quais sentidos trouxeram essas lembranças, observou-se que o olfato (“Jogo da
memória dos cheiros”) foi o que mais acionou a memória dos idosos. Dos 26 idosos presentes,
22 referiram que o cheiro trouxe memórias. A experiência reiterou a proposição de Marques
(2016), ao afirmar que o olfato é o sentido que possui maior agilidade em trazer memórias
passadas.
O segundo sentido que mais estimulou a memória foi a audição (20 pessoas), em
seguida, o tato - caixas de sensações (16 pessoas), audição - sinos (13 pessoas), tato - tapete de
bolhas (12 pessoas) e visão - adereços (1 pessoa). Os resultados consolidados das experiências
mais reportadas seguem apresentados no Gráfico 2.
26
Acredita-se que a estratégia elaborada para a visão estimulou pouco a memória dos
idosos porque esteve voltada para o lúdico, e o fato de vestirem os adereços trouxe uma
atmosfera de interação e diversão. Isso fez com que a atenção se voltasse para o ambiente e
para as pessoas, em vez de provocar um movimento de introversão e reflexão, mais propício ao
surgimento de reminiscências.
Na dinâmica das caixas de sensações, na qual deveriam experimentar, pelo tato, cinco
sensações, 15 idosos conseguiram identificar todos os elementos que provocaram as sensações
táteis, sendo 12 do sexo feminino e três do sexo masculino com idades, que variam de 60 a 88
anos. Oito idosos não identificaram um dos cinco elementos, sendo que três idosos não
identificaram o plástico bolha, dois idosos não identificaram a esponja dupla face, dois idosos
não identificaram o isopor e um idoso não identificou a bolinha de gude. Desses oito idosos,
seis eram do sexo feminino e dois do sexo masculino com idades entre 63 e 86 anos. Apenas
um idoso do sexo feminino, 70 anos, identificou três elementos, sendo eles a geleca/amoeba, a
bolinha de gude e o isopor; um idoso (sexo feminino 72 anos) identificou dois elementos (geleca
e bolinha de gude) e um idoso não respondeu a essa questão.
Os elementos mais percebidos foram geleca e bolinha de gude. Todos identificaram a
geleca e apenas um idoso não identificou as bolinhas de gude. Neste experimento, observamos
27
que neste grupo, composto por idosos cognitivamente saudáveis, a diferença etária não
interferiu nos resultados. Os resultados consolidados são apresentados no Gráfico 3.
A percepção tátil mais aguçada foi atribuída para a geleca e bolinhas de gude por se
tratar de elementos que remetem ao lúdico e à memória retrógrada. Confirmou-se, depois, na
questão subjetiva, que os idosos referiram ter se recordado de situações vividas na própria
infância e na infância dos filhos.
Na experiência sensorial que explorou o olfato (memória dos cheiros), cinco idosos
identificaram todos eles (café, menta, eucalipto, erva doce, canela e alecrim); três idosos não
identificaram apenas o alecrim e um idoso não identificou apenas o café. Dos seis idosos que
conseguiram identificar quatro dos seis odores a que foram expostos, todos eles identificaram
a menta e o eucalipto. Cinco idosos identificaram o café, quatro idosos identificaram a canela,
dois idosos o alecrim e um idoso a erva doce. Sete idosos identificaram três odores, três idosos
dois odores e um idoso apenas um odor, que foi o café. Os odores mais identificados em ordem
decrescente foram: o café, juntamente com a menta, seguido do eucalipto, canela, erva doce e
alecrim. Atribuiu-se o resultado obtido devido aos cheiros do café, da menta e do eucalipto
serem mais presentes no cotidiano: a menta pode remeter às pastilhas, cremes dentais etc., e o
eucalipto é odor característico de produtos de limpeza e saunas. Quanto à canela, por ser um
condimento mais frequentemente utilizado na culinária do dia a dia do que a erva doce e o
alecrim. Os idosos representantes de 88% da população (23) perceberam que os cheiros se
28
repetiram, sendo que um idoso não percebeu e dois não responderam a essa pergunta. O resumo
das quantidades de experiências olfativas detectadas pelos idosos encontra-se ilustrada no
Gráfico 4.
4 DISCUSSÃO
Por meio da experiência realizada, observou-se que a abordagem sensorial vai ao
encontro do perfil, das necessidades do público idoso, e pode trazer desdobramentos positivos
não apenas para a terapêutica dos distúrbios que envolvem o declínio sensorial. Observou-se,
ainda, de imediato, que a perda da acuidade dos sentidos exerce forte impacto na realização das
atividades rotineiras do dia a dia, fazendo com que o idoso seja prejudicado desde a realização
de um trabalho doméstico, podendo até levá-lo ao constrangimento nas relações interpessoais
e, por vezes, ao isolamento. Aprimorar a percepção sensorial na velhice trará o benefício de
ativar a memória dos sentidos, despertando sensações e lembranças que serão despertadas pela
integração sensorial: um determinado cheiro será capaz de trazer uma recordação tátil, ou
determinado gosto, remeterá a alguma paisagem que o levará recordar fatos ocorridos, e assim
por diante.
Verificou-se que o aspecto lúdico trouxe um clima favorável durante o desenvolvimento
do experimento e que os idosos aderiram e apreciaram as estratégias propostas. O ambiente
31
juntamente com eles, o forte componente afetivo presente na memória sensorial. As memórias
sensoriais, pelo caráter marcante que possuem, são elementos que, juntamente com as
lembranças, são capazes de despertar um sentido mais profundo de identidade – pessoal e
cultural – remetendo à história de vida de cada um.
Verificou-se que a abordagem multissensorial pode receber diversos enfoques e ser
utilizada para vários propósitos, sendo um eficiente caminho para que haja a emersão de
recordações antigas ou recentes. Também evidenciou ser um eficaz instrumento de estimulação
utilizado para desencadear processos criativos que pode ser utilizado como recurso terapêutico
contribuindo na formação de novas redes de plasticidade neural em indivíduos portadores de
doenças neurodegenerativas, em acidentes vasculares cerebrais e em outros quadros que
envolvam comprometimento neural.
Sugere-se, como possibilidade de ampliação deste estudo, verificar até que ponto as
alterações sensitivas dos idosos poderão ser minimizadas através de abordagens que estimulem
a acuidade sensorial, e como o desenvolvimento da sensibilidade sensorial pode ser realizado
através das artes, em atividades dirigidas de degustação, concertos, audições temáticas,
exposições, visitas acompanhadas a teatros, museus, terapia horticultural, cromoterapia,
aromaterapia, etc. A estimulação multissensorial se apresenta como um novo caminho a ser
explorado que poderá agregar à saúde mental, à preservação das habilidades cognitivas e à
qualidade de vida dos idosos.
REFERÊNCIAS
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idosos no domicílio. A importância da estimulação como ponte de rejuvenescimento da
33
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Acesso em: 21 jun. 2019.
36
Marcia Degani
Isabelle Patriciá Freitas Soares Chariglione
RESUMO: Através dos sentidos do corpo o ser humano se constitui e estabelece as suas
relações com o mundo. A perda da acuidade sensorial que ocorre com o envelhecimento afeta
todos os indivíduos em diferentes níveis, causando transtornos que comprometem a
independência, a autonomia, as relações interpessoais e o sentido de identidade. A abordagem
Snoezelen tem sido utilizada tanto como conceito quanto como intervenção terapêutica, visando
a adaptação e a melhoria na qualidade de vida dos idosos.
ABSTRACT: Through the senses of the body the human being is constituted and establishes
its relations with the world. The loss of sensory acuity that occurs with aging affects all
individuals at different levels, causing disorders that compromise independence, autonomy,
interpersonal relationships and the sense of identity. The Snoezelen approach has been used
both as a concept and as a therapeutic intervention, aiming at adapting and improving the quality
of life of the elderly.
Introdução
Há uma série de situações que ocorrem com maior frequência no período na velhice que
podem levar o indivíduo a sofrer alterações sensoriais, tais como: demência, lesões cerebrais,
diabetes, polifarmácia, depressão, institucionalização, ficar por longos períodos acamados ou
em ambientes pobres em estímulos sensoriais e outros. O aumento do declínio sensorial causará
dificuldades na comunicação e prejuízos relacionados à autonomia e à independência do idoso
(Giro & Paúl, 2013).
38
Para Aristóteles a sensação é o que define o animal pois, se ele possui sensação,
provavelmente também terá capacidade de imaginar e o apetite (no sentido de vontade), pois
onde existe sensação também existe prazer, dor e desejo. No tratado “Sobre a Alma”,
Aristóteles confere especial enfoque às sensações, sendo o primeiro estudioso a especificar e
caracterizar os cinco sentidos primários. Para o filósofo, os sentidos são atributos da alma, pois
é através dela que vivemos e percepcionamos (Aristóteles, trad. Lóio, 2019).
a consciência, logo, o corpo deve ser compreendido como a própria expressão da existência. Há
uma distinção entre o “corpo vivido” e o “corpo objeto”: o “corpo objeto” representaria a
dimensão apenas biológica, foco de estudo das pesquisas científicas, enquanto o “corpo vivido”
seria aquele que sente, experimenta e atribui significado aos comportamentos. O corpo seria
comparável à uma obra de arte: não há como separar aquilo que se expressa (o próprio corpo)
de sua expressão (Caminha, 2019).
O ser humano existe através do seu corpo e ter um corpo disfuncional requer uma
atenção especial no sentido de potencializar as suas capacidades remanescentes. A perda da
acuidade sensorial em idade avançada representa uma série de limitações. É importante
considerar que, o corpo do idoso em seu aspecto sensível e perceptivo, não se trata de um “corpo
objeto”, mas sim de um “corpo vivido”, construído através das suas experiências, possuindo
uma identidade única, que permanece em constante transformação ao longo da vida. Assim,
podemos entender que, ao acessarmos o corpo nessa dimensão, lidaremos com o indivíduo
integralmente, nas suas dimensões objetiva e subjetiva, uma vez que todas as experiências de
vida ocorrem mediadas pela percepção sensorial.
elétrica, para que a mesma seja decodificada em diferentes áreas do cérebro responsáveis pelo
processamento das informações sensoriais. Para que os receptores possam reagir aos estímulos
é necessário que o mesmo corresponda à sua capacidade de transdução (Martins, 2015).
O ser humano possui pelo menos seis tipos de receptores sensoriais, sendo eles: os
quimiorreceptores (responsáveis pelo olfato e paladar), os mecanorreceptores (encarregados na
percepção das variações de movimento, força, sensações táteis e auditivas), os nociorreceptores
(encarregados de transmitir sensações de dor), os fotorreceptores (responsáveis pela captação
da luz através da visão), os proprioceptores (fornecem informações sobre a posição do corpo e
a força a ser aplicada) e os termorreceptores (responsáveis por fornecer informações sobre a
temperatura) (Martins, 2015).
Em geral, os estímulos acionam várias formas de percepção, ou seja, são captados por
diversas modalidades sensoriais. Por exemplo, se uma travessa quente de comida cai no chão,
ao mesmo tempo ocorrerão o estímulo visual (se o evento estiver no campo visual de quem o
percebeu), auditivo, tátil, olfativo, proprioceptivo etc. O sistema nervoso irá integrar e organizar
todas essas informações para que a pessoa possa responder de forma adaptativa. Neste caso, o
sujeito que a deixou cair poderia se afastar (resposta motora) no instante em que a travessa
estivesse caindo, para não se sujar, não se ferir ou não se queimar. Outra pessoa poderia
identificar o evento mesmo estando fisicamente distante, através do barulho causado pelo
impacto de travessa no chão e do cheiro da comida (Martins, 2015).
A resposta adaptativa seria uma ação apropriada através da qual o indivíduo responde,
com sucesso, à demanda ambiental. Na medida em que o indivíduo é estimulado aumenta-se o
número de respostas adaptativas relacionadas ao mesmo estímulo. As novas respostas
adaptativas são sempre melhores que as anteriores, facilitando a aprendizagem ou o
aperfeiçoamento de habilidades (Rocha & Dounis, 2013).
Falhas na integração sensorial podem resultar em: falta de força e tônus muscular
gerando má postura e fadiga; prejuízo na consciência espacial e na percepção de posição
ocasionando insegurança e dificuldade na coordenação dos movimentos; uso ineficaz da
informação visual para coordenar os movimentos do corpo causando prejuízos no desempenho
das ações; dificuldade para manter a atenção e a concentração; lentidão no desempenho de
tarefas motoras novas; rejeição a alimentos por causa de temperatura ou textura; tendência ao
isolamento, dificuldade na graduação da força para manipular objetos; alterações na fala e na
linguagem, e outros (Posar & Visconti, 2018). As alterações no equilíbrio corporal dos idosos
também são influenciadas por desajustes no funcionamento sensorial decorrentes do processo
de envelhecimento, predispondo os idosos à instabilidade e às quedas, pois o equilíbrio humano
se constrói a partir de informações sensoriais, neste caso, visuais, vestibulares e proprioceptivas
(Ricci, Gazola & Coimbra, 2009).
De acordo com Lamas e Paúl (2013), a perda visual é das mais temidas complicações
do envelhecimento pelo impacto que exerce na qualidade de vida, colocando em risco a
independência do idoso e podendo propiciar quedas, erros na administração de medicamentos,
isolamento e depressão. A presbiacusia (perda auditiva decorrente do envelhecimento) atinge
de 30 a 35% das pessoas acima dos 65 anos e é considerada a principal causa de anos vividos
com incapacidade na vida adulta. A perda auditiva não tratada reflete em isolamento, uma vez
que implica em dificuldades para a compreensão da fala. O olfato e o paladar também sofrem
prejuízos com o envelhecimento. Metade das pessoas entre 65 a 90 anos possuem perda
significativa do olfato, sendo que o paladar também se altera com o envelhecimento
aumentando a sensibilidade para o gosto amargo. A redução do paladar pode estar envolvida
com o uso de medicamentos, doenças na cavidade oral, causas nutricionais, infecciosas e
endócrinas.
45
Hoje sabe-se que a redução do olfato está associada à doenças degenerativas sendo um
dos indicadores de quadros demenciais e que, além dos danos cognitivos, as demências
apresentam um aceleramento na perda do processamento sensorial (Alcântara, Mattos &
Novelli, 2019). A perda da acuidade do paladar e do olfato pode causar transtornos e colocar a
vida do idoso em risco, tais como, não perceber o cheiro e o gosto de algum alimento vencido
ou esquecer o gás ligado e não sentir o cheiro. Também pode contribuir levando-o a um quadro
de desnutrição (por perder o interesse pela comida) ou a uma alimentação muito doce ou muito
salgada, inadequada para quem tem diabetes ou hipertensão. O tato comporta vários tipos de
receptores, cada um deles responsável por um tipo de sensação da pele (pressão, calor, frio, dor,
etc.). A perda específica de determinados receptores faz com que o idoso consiga tolerar
estímulos mais extremos sem sentir dor. A redução da percepção tátil também compromete o
equilíbrio e a coordenação causando alterações na marcha e predispondo o idoso a quedas
(Ricci, Gazolla & Coimbra, 2009; Lamas & Paúl, 2013).
Muitos são os fatores que podem levar ao comprometimento do aparato sensorial, assim
como as consequências que poderão advir dessas mudanças, lembrando que, alterações
sensoriais interferem na percepção de mundo do indivíduo exercendo um forte impacto em
todas as suas atividades e, sobretudo, na sua qualidade de vida (Alcântara, Mattos & Novelli,
2019). Situações de internação que requerem a permanência no leito por longos períodos
empobrecem a dieta sensorial, assim como a institucionalização, necessitando o planejamento
de uma dieta sensorial adequada (Martins, 2015). O termo dieta sensorial refere-se a uma oferta
de estímulos sensoriais necessários para manter o cérebro ativo e garantir o bom funcionamento
do organismo. O empobrecimento da dieta sensorial também pode resultar em isolamento e
depressão (Martins, 2015).
uma boa comunicação com o terapeuta e a redução de comportamentos não adaptativos (Taco,
2016; Venâncio, 2016; Sánchez & Abreu, 2018; Nacimba, 2018).
O conceito Snoezelen surgiu na Holanda no final dos anos 60 e início dos anos 70 do
séc. XX. Criado por Jan Hulsegge, musicoterapeuta, e Ad Verheul, terapeuta ocupacional,
partiu da necessidade de proporcionar experiências sensoriais a pacientes que apresentassem
múltiplas deficiências com alto grau de severidade, incluindo os quadros psiquiátricos e de
deficiência intelectual grave, residentes no Instituto “De Hartemberg”. Estes terapeutas
observaram que o ambiente institucional era pobre em estímulos sensoriais, sendo necessário
criar situações para que essas pessoas recebessem uma dieta sensorial que evitasse os prejuízos
decorrentes da privação sensorial. No início, Hulsegge e Verheul desenvolveram materiais que
pudessem ser explorados por estes pacientes adaptando-os às suas condições e restrições, tais
como: mobiles, objetos musicais, objetos coloridos com diferentes texturas, tecidos coloridos,
massageadores etc., que seriam utilizados juntamente com diversos elementos da natureza na
estimulação dos sentidos. Estes objetos foram dispostos nos espaços de vida dos residentes
tendo um efeito tão benéfico que surpreendeu os profissionais que atuavam no local. (Martins,
2015).
A ideia de criar um espaço específico para a estimulação dos sentidos surgiu a partir de
uma tenda de atividades montada num centro para pessoas com comprometimentos múltiplos
na Holanda em 1978. Hulsegge e Verheul inspiraram-se nessa experiência para criar um espaço
temporário que foi montado numa feira de verão. Na medida em que os efeitos positivos da
estimulação sensorial foram se evidenciando, os espaços se ampliaram e, ao longo dos anos, o
Snoezelen foi recebendo locais próprios passando a ser realizado em salas estruturadas com
equipamentos apropriados para a estimulação dos sentidos. Embora o Snoezelen originalmente
tenha sido criado para atender às necessidades de pacientes com deficiências múltiplas, quadros
psiquiátricos e graves comprometimentos cognitivos, foi logo sendo adequado também para
outras populações, no contexto pedagógico, educacional, de lazer, relaxamento e outros
(Amaral, 2014).
O termo Snoezelen foi criado a partir do neologismo entre duas palavras holandesas:
“snoezel”, que significa cheirar ou sentir e “doezelen” que quer dizer repousar ou relaxar,
combinando então duas vertentes: uma ativa, que é a própria estimulação sensorial e outra
passiva, o relaxamento. É importante ressaltar que, de acordo com os seus idealizadores, a
intervenção Snoezelen não se restringe a um espaço particular, podendo ser realizada também
em ambientes externos e ao ar livre, desde que proporcione ao sujeito uma estimulação sensorial
47
que provoque sensações agradáveis, em ambiente seguro, controlado e de forma não diretiva,
ou seja, permitindo ao paciente escolher o estímulo com o qual gostará de interagir (Amaral,
2014; Martins, 2015; Sánchez & Abreu, 2018).
luzes coloridas que obedece ao controle de mudança de cor), fibras óticas e projetores de
imagens. Os elementos auditivos são fundamentais para que o espaço transmita paz e
tranquilidade. A voz do terapeuta deve ser suave e a música que for utilizada durante a sessão
deve permanecer em volume baixo. A ambientação olfativa também deve ser suave e agradável.
Pode-se também trabalhar o olfato em conjunto com o paladar através dos alimentos que serão
degustados (Rodríguez & Ilauradó, 2010).
O trabalho que a AMCIP desenvolve é voltado para bebês e crianças que ficaram
hospitalizadas por longos períodos e sofreram intercorrências invasivas resultando em stress e
rejeição ao contato físico, especialmente com médicos e terapeutas. Em contexto de internação,
os bebês são privados de receberem os estímulos necessários para o seu desenvolvimento, de
forma que o Snoezelen atuará promovendo estes estímulos em situações que envolvam a
49
interação com o terapeuta (SELLA, 2017). Ainda não há registros de estudos e pesquisas que
envolvam idosos e estimulação multissensorial na metodologia Snoezelen no Brasil, assim
como de ILPIS (Instituições de Longa Permanência) que possuam um espaço Snoezelen para
atendimento no contexto gerontológico.
Nacimba (2018), conclui que o Snoezelen pode reduzir os níveis de ansiedade através
do relaxamento e da estimulação em pacientes com demência referindo que, de acordo com a
escala de Beck, houve uma redução dos níveis de ansiedade, de moderado para leve, nos
períodos anterior e posterior à intervenção. Sánchez e Abreu (2018), relatam que a intervenção
em estimulação multissensorial de acordo com a abordagem Snoezelen resultou em melhoria
na qualidade de vida dos pacientes idosos, especialmente em estágios mais avançados de
demência, nos quais outras intervenções terapêuticas não foram possíveis de serem realizadas
e ressaltam que, mesmo nos estágios mais severos é crucial manter-se a estimulação,
observando que o Snoezelen em geral, proporciona tranquilidade e prazer aos idosos. Contudo,
estes autores também recomendam prudência ao realizar-se em pacientes com epilepsia e
histórias de quadros convulsivos, assim como em pessoas com esquizofrenia que apresentem
episódios delirantes e alucinações.
Considerações Finais
um todo, nas esferas biológica, emocional e cultural. Um transtorno de ordem sensorial pode
atingir muito mais que a realização de atividades práticas, afetando camadas mais profundas do
indivíduo, relacionadas à identidade, ao reconhecimento de si, do outro e do ambiente.
Com o aumento da longevidade, a sociedade tem estado mais atenta à uma série de
questões de diversas naturezas que envolvem o envelhecer. Todos os indivíduos perdem em
acuidade sensorial na medida em que envelhecem e o declínio da funcionalidade do organismo
se deve, em grande parte, a essas perdas. A demência vem se tornando um assunto de interesse
de toda a sociedade, pois o seu maior fator de risco é a idade avançada, sendo uma das razões
que mais comprometem o vivenciar de uma velhice satisfatória. Sabe-se hoje, que o declínio
sensorial é mais acelerado quando há processos neurodegenerativos e que os déficits sensoriais
podem ser indicadores de quadros demenciais.
Referências
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Universidade de Brasília.
RESUMO
As artes e a percepção sensorial sempre caminharam juntas. A estética, um dos princípios das
artes, traz na própria raiz o sensorial, uma vez que o termo “estética” deriva do vocábulo grego
nas artes elementos que promovem intensa estimulação nos circuitos neurais. A estimulação
multissensorial é indicada aos idosos especialmente devido à não reposição de células sensoriais
que se perde com o passar do tempo, cuja função seria a captação dos estímulos sensoriais e
que não são repostas pelo organismo resultando na progressiva queda de limiares perceptivos
que traz forte impacto na qualidade de vida do idoso comprometendo o seu desempenho
mecanismos adaptativos, surge a possibilidade de estimular os sentidos por meio das artes,
56
sendo este um caminho que oferece uma riqueza de possibilidades, podendo conferir benefícios
INTRODUÇÃO
sentidos do idoso por meio da apreciação e do fazer artístico” redigida por Marcia Degani para
estratégias que envolvam a linguagem das artes na estimulação multissensorial dos idosos e
busca investigar os efeitos desse nível de estimulação. A revisão bibliográfica realizada para
esse capítulo em específico, teve como objetivo buscar na literatura as possíveis familiaridades
existentes entre arte e percepção sensorial. O texto apresentará, inicialmente, reflexões sobre o
a natureza da obra de arte, explorará modos de interação entre fruidor e obra de arte, o
no âmbito cognitivo, que se pode atingir por meio de experiências que envolvam criatividade,
DESENVOLVIMENTO
algo relativamente recente, pois é na atualidade que a humanidade está aprendendo a lidar com
o aumento da longevidade: não se tem notícias de que, em algum outro período histórico, a
humanidade tenha atingido idades tão avançadas (TEIXEIRA, 2020). Além de recente, é algo
de formas distintas. Além disso, há uma dimensão pessoal, pois cada um envelhece à sua
maneira e esse processo levará em conta fatores tais como a genética, o modo de vida, os
Portanto, entende-se que a gerontologia possui esse caráter, permitindo abordar o indivíduo na
sua inteireza e integrar aspectos que, em outras disciplinas, seriam tratados como pertinentes a
diferentes domínios. Para Petraglia (2013), complexidade significa “o que é tecido junto”. Este
científica e humanista que, nas suas origens, se relacionavam sem qualquer impedimento. A
organismo pode acarretar uma série de transtornos. Desde que se evidenciou o envelhecimento
global da população, com o aumento da longevidade, e que as pessoas têm tido a oportunidade
de conviver com gerações anteriores, vivenciando a própria velhice junto com a velhice dos
seus ascendentes, surgiu um medo generalizado de atingir idades avançadas sem saúde e sem
Sobre estimulação, pode-se pensa-la de duas formas: uma delas está relacionada ao
exercitar, a disponibilizar os estímulos necessários para que, pela prática, o sujeito mantenha
pois, estar estimulado significa ter vontade de realizar. No primeiro sentido, de alguma forma,
a família, a sociedade e o governo têm a missão de proporcionar meios para que os idosos se
pelo máximo período possível, o idoso saudável e produtivo. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) inclui o conceito de Envelhecimento Ativo nas suas plataformas, definindo-o como
como finalidade a melhora na qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem (BRASIL,
2018). Entretanto, para que o idoso se mantenha em atividade (ou sendo estimulado), será
necessário que, antes, ele tenha vontade e disposição, que ele queira, ou seja, se sinta estimulado
a realizar as coisas. Assim foi durante toda a sua vida, sendo que a própria rotina se encarregava
desse corpo, de onde virá o estímulo, no sentido de motivação, para que esse idoso se mantenha
evitar doenças e não piorar os desconfortos, é um temor, uma neurose, não um jeito de se manter
a funcionalidade de forma natural e orgânica. Ter o corpo funcional é tê-lo pronto para realizar
as atividades que cada vida requer. Um deficiente visual pode ter o corpo infinitamente mais
funcional que milhares de outras pessoas a depender da função que foi atribuída a ele realizar,
a exemplo do cantor lírico Andrea Bocceli. Não seria necessário haver motivações de
realização, que fossem além do medo da doença, do desconforto e da inatividade, para que os
Em “A educação dos sentidos”, o escritor Rubem Alves (2018) reflete que todo ser
humano carrega consigo, em cada mão, duas “caixas”: na mão direita, a caixa de “ferramentas”,
no mundo com essa finalidade. A segunda caixa, a caixa de brinquedos, é a caixa das coisas
“inúteis”. Nela, guardam-se os prazeres, as alegrias, as lembranças felizes, a arte. Nas línguas
inglesa e germânica, produzir arte e brincar se traduzem no mesmo verbo: to play e spielen,
Relata, ainda, o autor que apresentou esse tema a um grupo de idosos iniciando sua fala
com a afirmativa de que aquelas pessoas finalmente teriam chegado “à idade em que se
tornaram completamente inúteis” (ALVES, 2018, p. 18). Após a reação negativa da plateia que
interpretou como ofensa tal afirmação, o autor questionou-os: “então vocês se identificam mais
com uma vassoura do que com uma canção do Tom Jobim?” (ALVES, 2018, p. 18). Ao
poderia ser feita: “vocês se identificam mais com uma sirene de ambulância, alarme de carro
ou apito de chaleira do que com uma canção do Tom Jobim?” Dessa forma, através da
proposição de Rubem Alves, percebe-se que, também no sentido sensorial existirão duas
dimensões de percepção com funções totalmente distintas: uma utilitária e outra contemplativa.
com maior frequência, na visão e audição), nas mudanças hormonais e endócrinas que afetam
PAÚL, 2013). Na velhice, é raro encontrar alguém que não apresente redução nos limiares
sensoriais e que não vivencie alguma espécie de desconforto em decorrência disso. Intervenções
depressão e outras, que podem contribuir para que ele tenha uma rotina de vida carente em
estímulos sensoriais. Estimular os sentidos é fundamental para a saúde integral do idoso para a
manutenção da saúde geral do organismo, das funções cognitivas, para a saúde mental e
equilíbrio emocional. Nesse aspecto, a estimulação sensorial cumprirá a função que Rubem
organismo. Entretanto, os sentidos são fundamentais tanto para acionar os reflexos de proteção
uma bela canção. Tanto para saber o valor do boleto atrasado, quanto para interromper a leitura
e suspirar diante de determinada literatura. Na infância, período no qual não deveria existir
muita distinção entre o que é e o que não é brincadeira (to play, spielen), é interessante observar
que o ser humano desenvolve da mesma forma as mesmas habilidades que lhe garantem a
sobrevivência e as que levam ao exercício da criação e abstração. A arte, em toda a sua riqueza,
deveria permanecer na vida adulta como uma maravilhosa “caixa de brinquedos”, promovendo
percepcionar sensorialmente uma informação por mais de uma via sensorial, integrando aquilo
que obteve de informação, na medida em que uma modalidade sensorial complementa o que
foi captado por outra. Sendo a definição de sinestesia proveniente da medicina para denominar
em domínios que não foram estimulados, mas desencadeados por outros domínios, por
tem um som ardido” ou “a voz negra tende a ter um timbre mais escuro e aveludado”. Ao
explorar os efeitos sinestésicos, a arte contemporânea busca construir propostas que integrem
dos processos neurobiológicos subjacentes ao prazer de quem cria, frui, executa, interpreta e
62
analisa a obra de arte. As pesquisas provenientes das neurociências retiram a arte de um patamar
transcendente para compreender como ela se processa no corpo das pessoas. Através da
humanos vivenciam experiências estéticas. Estética, do grego aisthêtikos, significa “aquele que
tem a capacidade de sentir”. Esse vocábulo seria derivado de aisthêsis: “capacidade de perceber
através dos sentidos, sensibilidade”. Proveniente das neurociências, em meados dos anos 2000,
percepção e compreensão dos processos que envolvem fruição e criação artística, partindo de
análises em torno dos artefatos do período pré-histórico, tais como: pinturas rupestres,
De acordo com Couchot (2018), nas suas origens, o sentimento estético foi identificado
no homem primitivo através de objetos que eram recolhidos sem que houvesse qualquer
evidência de possuírem função instrumental (não teriam nem função utilitária, nem memorial).
Seu foco seria a contemplação, a excitação da atenção perceptual, para que fossem interrogados
do mundo por meio da atenção cognitiva resultou na inserção do ser humano no ambiente,
permitindo o diálogo com seu meio. É através dela que o homem passou a formular hipóteses,
O sentimento estético surge de uma atenção diferenciada que provoca emoções, prazeres
e ressonâncias cognitivas como ideias, conceitos e juízos de valor de uma forma não
hierárquica. Ele gera condutas que se caracterizam por se retroalimentarem, ou seja, o prazer
que se obtém através do fazer artístico é o que impulsiona o ser humano a permanecer
realizando a arte, de modo que, para algo ser vivenciado como conduta estética, deverá ter como
finalidade seu próprio caráter gratificante. A atenção estética pode se fixar em qualquer objeto,
contudo quem a suscita é o fruidor, tal como afirmou David Hume, no século XVII: “a beleza
está na mente de quem a contempla” ou popularmente, “a beleza está nos olhos de quem vê”
(SUASSUNA, 2018).
conceitos de beleza. Por essa razão, Couchot (2018), propõe que o termo “belo” seja substituído
por “indutor estético”, designando tudo aquilo que for capaz de capturar a atenção e levar ao
prazer contemplativo. Indutores estéticos podem ser intencionais (condutas operatórias, tais
como uma pintura, dançar e cantar) ou não intencionais (condutas simbólicas que se expressam
no belo da natureza: uma paisagem, conchas, cristais, fósseis, o canto dos pássaros, o barulho
da água, etc.).
múltiplas representações, por meio de uma abertura cognitiva para o mundo. A percepção
para garantir a sua sobrevivência, gerando ações ou respostas adaptativas, sendo que, na arte, a
ciências cognitivas, é uma manifestação somática que se faz presente para que o animal reaja
64
ao perigo através de condutas de luta ou fuga, visando a sua proteção e sobrevivência. Nos seres
acordo com as neurociências são: a participação nos processos racionais (não sendo algo que
se opõe à razão) e sua natureza ao mesmo tempo somática e psíquica. Elas fundamentam as
relações com o outro e são adaptativas. Logo, deve-se considerar que toda conduta contém um
caráter cognitivo e uma natureza afetiva (MOURTHÉ JUNIOR; LIMA; PADILHA, 2018).
partir de um modo de exploração, dando-se através dos sentidos. Perceber formas, a fim de
interpretá-las, para o cérebro, é o mesmo que formular hipóteses. Como resultado, o indivíduo
responderá por meio de ações. Na arte, ao invés da percepção estabelecer uma relação dialética
com as ações, esta relação será impulsionada pelo prazer, transformando-se assim em
Para que uma percepção se transforme em sentimento estético, deverá atravessar três
níveis, sendo que o primeiro nível se subdivide em três etapas. No primeiro nível, ocorrerá a
momento de busca ou atenção exploratória. Nessa etapa, ocorre a estimulação dos sistemas
perceptivo-motores que, no caso da estimulação visual será o deslocamento dos olhos, que fará
ligação com o cérebro límbico, que reagirá pela atração, repulsão ou indiferença, e a ativação
lobo parietal posterior ativará a atenção visual, realizando uma triagem de informações e
nível, ocorrerá uma terceira etapa, que tratará de avaliar as impressões captadas pelos sentidos
em comparação com as ações em curso. Essa etapa corresponderia à fase da antecipação. Diante
de uma obra de arte, o indivíduo acessa seu repertório de memórias, facilitando a exploração e
identificar o timbre dos instrumentos realizando um tipo de audição mais subjetiva, enquanto o
esquerdo realizará uma audição bem mais especializada, na qual irá discriminar elementos
como linguagem, ritmo e harmonia. Cabe ressaltar que, nesse nível de percepção, a experiência,
ativação das vias aferentes e áreas subcorticais ligadas aos órgãos sensoriais, que receberão e
tratarão as informações provenientes do primeiro nível. Essas operações são acompanhadas por
dopamina quando a emoção provocada pela música produz prazer e a ativação do cerebelo nas
de formas, cores, rostos, etc., em diferentes áreas do córtex. Os primeiros e segundos níveis
serão condições para que ocorra a emergência do sentimento estético no terceiro nível.
O terceiro nível se caracteriza pela integração dos dados fornecidos pelos níveis
anteriores, mais o surgimento do sentimento estético propriamente dito, que virá permeado de
Nenhum ato criativo seria possível sem o uso da memória, contudo, a criação artística a
criadora, se dá através do delírio das Musas, capaz de arrebatar o “poeta” no papel de artista
criador. Durante o êxtase criativo, o acesso aos portões da poesia só ocorrerá se o poeta
sucumbir à loucura das Musas (STEINER, 2003). Mnemosyne (a memória criativa) será a mãe,
condutora do Coro das Musas, responsável pelo desencadeamento dos processos de criação.
Bosi (1994) reflete que a Memória é irmã de Cronos e de Okeanós, do tempo e do oceano,
responsável por presidir a função poética, por meio de uma intervenção louca e sobrenatural.
Gilson (2010) descreve que os antigos poetas começariam suas obras invocando inspiração às
Musas, uma vez que a arte transcenderia o entendimento, necessitando apoiar-se no símbolo de
uma divindade.
de processos de criação. Sua ênfase seria o emprego das lembranças de forma inventiva. De
acordo com essa teoria, a memória situa-se em um campo flexível e mutável, ultrapassando a
função de recordar histórias individuais e sociais. Para o autor (2011), a memória criadora
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possui um caráter dinâmico, tal como a concepção dos gregos na antiguidade: a “matéria-prima”
da arte. Esse dinamismo é exemplificado ao afirmar que, por mais que se observe determinado
objeto, ele nunca será o mesmo, pois a cada instante ele, no mínimo, se torna mais velho,
Ainda de acordo com o filósofo, a realidade é a própria mobilidade. Para ilustrar seu
raciocínio, ele descreve a relação de duração e movimento por meio da metáfora da flecha
lançada, que traça o seu trajeto em um só golpe. Se o percurso for visto de forma fragmentada
– ao interromper-se a continuidade do percurso – a flecha será vista como algo inerte, ao passo
que, se contemplada a partir da duração do percurso, estará em movimento, pois nunca estará
em nenhum ponto do trajeto percorrido. Assim, o tempo da criação está situado em um fluxo
cronológica. O passado, como conteúdo da memória, é definido por Bergson (2010) como uma
totalidade aberta, sendo possível transitar por ele durante o movimento da criação. Se, para ele,
o que define a realidade é o movimento, então o passado não “foi”, o passado “é”, de maneira
presente, no qual trará novos planos de consciência ao materializar-se em uma percepção atual
(ANDRADE, 2012).
realidade. A lembrança evoca o símbolo, fazendo com que ele ressurja cada vez mais forte,
corresponderia no homem o que o instinto é para os animais, sendo que sua função será atuar
na esfera das questões imediatas e práticas, contudo, poderá também agir movida pelo impulso
criador, instigado pela intuição. A intuição funciona como um crivo que seleciona o que
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já existe por si, como se o processo criativo primeiro “se encontrasse” para depois se
afirma que, quando a inteligência é tocada pela intuição, abre-se um novo percurso direcionado
às ações criativas, pois as obras de arte nascem sempre de impulsos intuitivos e estes de
movimentos emocionais.
processo de criação e ao enfatizar que é a inteligência que age a serviço da intuição, uma vez
que a memória é quem faz emergir a ação criadora, Bergson (2010) afirma que a arte habita na
se dispõem, tal qual num jogo de cartas, para serem atualizadas no momento presente em todos
os processos criativos.
criadora, segundo esse filósofo, será o “intervalo de indeterminação” aquele “hiato” aberto pela
ação criadora que força o criador a sair das soluções automáticas. O intervalo de indeterminação
ocorre quando, no processo criativo, surge a necessidade de realizar escolhas, nos momentos
percurso, destruições e reconstruções. Quanto menor ele for, maior o automatismo. O intervalo
de indeterminação seria então o bloqueador das ações condicionadas que, na visão de Bergson
Bergson (2010), ressalta que a música é a forma de arte que melhor traduz o significado
de tempo experienciado, que seria o tempo vivido em estado de contemplação. Este tempo só
pode ser percebido na sua dimensão subjetiva, em termos de sensibilidades, tensões e emoções,
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pois a música cria uma imagem do tempo percebida pelo movimento de formas sonoras sendo,
assim, um tempo transitório. Os fenômenos que preenchem a dimensão subjetiva do tempo não
são lineares nem mensuráveis, mas sim, determinados pela experiência individual (ISHISAKI,
2016).
Tanto as expressões artísticas, como o próprio conceito da arte, passaram por diversas
transformações ao longo do tempo, de forma que, mesmo na cultura ocidental, o que hoje se
compreende como arte, em outros tempos não seria reconhecido como tal (ECO, 2016). O que
se sabe é que tais objetos, hoje considerados artísticos e que muitas vezes se encontram expostos
nas galerias dos museus, foram considerados especiais por não possuírem função utilitária, mas
por terem sido selecionados através de critérios simbólicos, tendo como finalidade a
com base na utilização de símbolos. Cabe aqui ressaltar que o símbolo possui um significado
para quem o criou, como pela cultura que o assimilou. A significação dos símbolos pode ser
Alguns estudiosos, como Lev Vygotsky (1896-1934), enfatizam a natureza social da arte,
afirmando que a sua significação, construída por meio da linguagem simbólica, é um produto
cultural que medeia o indivíduo e o gênero humano (BARROCO; SUPERTI, 2014). Um dos
propósitos da arte seria o de expressar uma ideia através de um símbolo articulado. O que a
obra de arte busca expressar não é um sentimento real, mas a ideia do sentimento, sendo a sua
expressão mais importante que a própria experiência estética. É na dimensão simbólica que está
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a essência da arte, logo, uma obra de arte não deve ser necessariamente sensorialmente
agradável e também simbólica, mas o oposto, o aspecto sensorial deverá estar a serviço do
símbolo (LANGER, 2019). A arte provoca reflexão por se comprometer com o real
totalidade por estar fora dela, como nas palavras de José Saramago “é preciso sair da ilha para
ver a ilha”. Dessa forma, a arte pode ser uma via de acesso aos conteúdos humanos de ordem
De acordo com Gonçalves (2018), uma obra de arte se constitui como um objeto estético
terminam no receptor. Uma mesma obra de arte pode se abrir para diferentes leituras, sendo o
seu significado variável e dependente do fruidor. Considera-se que o objeto artístico só se torna
uma obra de arte através da percepção de quem o recebe, de modo que a arte não está situada
diálogo estabelecido entre a criação e quem a acolhe (BARROSO, 2008). Couchot (2012)
ressalta que a dimensão estética de uma obra de arte não pode ser reconhecida no objeto em si,
Para Gonçalves (2018), o objetivo final da arte será transformar o receptor, sendo esta
a propriedade que garante sua validade enquanto estrutura artística. Deve-se, portanto, destacar
o caráter ativo do receptor na relação com a obra de arte. Para Vygotsky (1999), a percepção
da arte também exige criação, pois, não basta ao fruidor compreender e vivenciar o sentimento
do autor, mas sim, reelaborar de forma criativa o próprio sentimento, de modo que a obra se
Dewey (2010) ressalta que a arte reside na experiência singular que a criação artística
proporciona. De acordo com o autor, o artístico está relacionado à produção, seja ela realizada
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produzir algo visível, audível ou tangível por uma execução habilidosa, que se dirija ao esforço
de perfeição (DEWEY, 2010). O estético emerge diante da apreciação, como ponto de vista que
surge por meio da percepção do fruidor. A percepção artística, longe de ser um reconhecimento
passivo, se constitui como um ato de reconstrução, pois depende de uma consciência nova e
viva.
Dada à dificuldade em estabelecer um conceito definitivo para a arte e tudo que ela
abrange enquanto obra (pintura, escultura, poesia, composição musical, etc.) ou ação
(performances teatrais, musicais, dança, etc.) (CUNHA, 2003), cabe ressaltar que, ao longo da
história, ela vem sendo objeto de estudo de diversas disciplinas, sobretudo nas ciências
humanas. A psicanálise de C. Jung, por exemplo, fundamenta-se no estudo dos símbolos, sendo
que as obras de arte são amplamente estudadas por representarem um portal de acesso ao
(medicamento), que trará o alívio à dor do existir, condição inerente a todos os seres humanos.
Para o filósofo, essa dor é vivenciada por uma angústia permanente que o homem vivencia por
toda a vida, por ter sido “condenado a escolher”, se tornando um verdadeiro escravo das
próprias escolhas. Para Sartre, a arte representa um escape necessário, capaz de restabelecer o
sentido de ordem diante dos acontecimentos caóticos da realidade humana (PEREIRA, 2019).
Neste estudo, o enfoque dado à arte será como fenômeno perceptivo. A experiência
estética só pode ocorrer por intermédio da percepção, enfatizando que, percepcionar não
corresponde à captação isolada de estímulos, mas à sua integração, capaz de levar o receptor a
personalidade, influências culturais e do modo particular com cada indivíduo reage aos
Um instrumento pode ser pensado como extensão de determinado corpo, que visa
possibilitar a concretização de determinado desejo que não se realizaria, caso ele não existisse.
Uma garrafa, enquanto instrumento, é a resposta à necessidade de carregar líquidos, dada essa
limitação do corpo humano. Botton e Armstrong (2014) acreditam que, tal qual os outros
instrumentos, a arte possui a função de ampliar as capacidades humanas para além de suas
limitações naturais. Ainda segundo esses autores, a finalidade da arte será trazer à tona
conteúdos emocionais lançando uma luz sobre aspectos que a mente necessita processar
obras destinadas à fruição, suscita um maior envolvimento com lembranças e sentimentos, tanto
por parte do autor da obra, como por parte de quem interage com ela.
Botton e Armstrong (2014) identificam sete fragilidades humanas que podem ser
reelaboradas por meio da relação estabelecida entre o homem e as artes. Esses autores
identificaram, portanto, sete funções para a arte que serão: a rememoração, a esperança, o
Esses autores acreditam que a primeira reação aos efeitos do esquecimento seria
Fotografar os eventos significativos da vida denota a consciência de que existe uma fragilidade
A categoria das artes que possui mais popularidade é a alegre, agradável e graciosa
de flores ou uma bela paisagem na parede de casa, para Botton e Armstrong (2014), denotaria
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uma certa esperança ou o desejo de que o percurso dos acontecimentos siga na direção da
harmonia.
Outra função da arte será a de ajudar a enfrentar o sofrimento. Diversas obras de arte
demonstram que o sofrimento não deve ser negado, que faz parte da vida e que ser humano é
viver todos os tipos de emoção, inclusive as desagradáveis. Diversas obras-primas surgiram nos
momentos em que seus autores vivenciavam situações de intenso sofrimento. Esses artistas
transformaram a própria dor em obras de rara beleza, capazes de despertar profunda comoção.
O público, ao se identificar com a obra, teria também a oportunidade, tal qual o artista que a
tem um tipo diferente de dinâmica interna e, o que equilibra uma pessoa, pode exceder e
desiquilibrar outra. As obras de arte eleitas por cada pessoa com a função de reequilibrá-las
serão muito variáveis. Uma música, por exemplo, escolhida por alguém agitado, na busca de
diferente do que a escolhida por outra pessoa desanimada que busca um estado de maior
vitalidade e ânimo. Há também que se considerar que a interpretação do significado das obras
de arte varia de pessoa para pessoa. A mesma obra pode transmitir, por exemplo, tranquilidade
para uns e tristeza para outros. De acordo com Platão, a substância que constitui a harmonia na
música é a mesma que harmoniza o cosmos e, por consequência, o ser humano. Dessa forma, a
(FUBINI, 2019).
Ao se identificar com determinada obra de arte, o indivíduo acessa uma dimensão que
lhe permite entrar em contato consigo mesmo e ter uma maior clareza ou compreensão de si.
Uma pessoa, ao se sentir atraída por uma pintura, encontrará, nos elementos que a compõem,
pistas que a levarão a ter um maior entendimento a respeito de sua identidade. Segundo Botton
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e Armstrong (2014), isso ocorre porque, no instante em que surge a afinidade com o objeto de
arte, os valores que ali estão presentes podem ficar mais claros, tendo a arte o poder de trazer à
(2014) destacam que a obra de arte pode despertar uma série de transformações qualitativas nas
dinâmicas individuais.
Muitas obras de arte prestigiadas, tais como, cinematográficas, livros e canções, também
ocorre por provocar associações negativas. Quando o fruidor assume uma atitude aberta e
receptiva a tais manifestações, não significa necessariamente que “gostou” da obra, mas sim,
que ele se permitiu ser tocado por ela. Buscar a compreensão dos motivos que causaram tal
desagrado contribuirá para que haja um crescimento pessoal, pois, ao sair da zona de conforto,
vida distintos daqueles que possui. Umberto Eco (2016) afirma ser possível compreender os
valores implícitos em uma obra de arte e, mesmo assim, não os aceitar, demonstrando que a
arte não é absoluta, mas estabelece relações dialéticas com outros saberes. Na perspectiva de
sentimentos não cotidianos e superar o individual, transferindo as emoções para a esfera comum
estado de presença. A apreciação de uma obra artística provoca essa atitude de imersão no
momento presente, assim como desperta o interesse para o novo, pois, mesmo que o sujeito
tenha ouvido a mesma canção centenas de vezes, cada escuta lhe poderá trazer algo de novo
que ele não havia percebido. Cada momento de interação com a arte, mesmo já sendo conhecida
por parte do fruidor, é singular, pois cada escuta terá o poder de causar diferentes sensações
percepção é processada de uma forma rápida e automática e que a arte canaliza a conduta dos
As obras de arte são compostas por elementos sensoriais e têm a função imediata de
impressionar os sentidos. Pode-se afirmar que as artes são governadas pelos departamentos
naturais dos sentidos. As artes atingem esferas sensoriais específicas ao selecionar os modos
pelos quais serão apreendidas. A superfície estética de cada expressão artística se traduz no
universo no qual ela se insere: para a pintura, a gama de cores; para a música, os sons, notas
musicais ou frequências. Esses elementos sensoriais deverão satisfazer a uma lógica para se
Somente através das práticas culturais e artísticas, será possível desenvolver percepções
que transcendam o imediatismo das necessidades cotidianas. Assim, a arte contribui para que
os sentidos humanos se tornem plenamente desenvolvidos. Marx (2003) afirma que a arte
princípios da beleza. A percepção sensorial, enquanto veículo que leva à apreciação de uma
expressão artística, se distingue qualitativamente daquela que se realiza nas ações automáticas,
da percepção comum por proporcionar novas formas de pensar e sentir, desenvolvendo uma
espécie de olhar que se estende além da obra, na medida em que aquela experiência se integra
à vida do fruidor. Dufrenne retira o caráter elitista da percepção estética e afirma que a atenção
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estética pode ter outros focos além da apreciação de obras de arte. Para o filósofo, a percepção
estética não é um privilégio de conhecedores, basta o observador estar aberto e disponível para
nas vivências psíquicas, Dufrenne distingue três momentos no processo de percepção: presença,
estético, sendo o corpo responsável por um nível primitivo de percepção que se situa em um
plano pré-reflexivo. A percepção existirá primeiro no nível corporal, antes de adquirir uma
contato significaria entregar-se fisicamente à sensação provocada pelo elemento que suscitou o
comportamento estético. Assim, diante de um objeto estético, o apreciador, passa a ser também
representação corresponde à passagem daquilo que foi vivenciado pelo corpo para a esfera
mental e pode ser compreendida como a passagem do vivido (irrefletido) para o pensado
(refletido), realizada pela imaginação. Para exemplificar essa atualização, Dufrenne utiliza a
imagem da neve e a sensação de frio que ela antecipa, de modo que, para o filósofo, a
da busca pelo sentido de tal experiência estética. O sentimento surge como fruto de uma relação
Para Dufrenne, a obra fala por si e se abre a quem se sentiu tocado por ela (MILHORIM;
TELLES, 2014). Para Bauman (2009), o olhar estético é uma atitude que pode existir fora do
campo das produções artísticas se estendendo para a dinâmica da vida, de forma a conceber sua
construção um processo criativo, tal qual ocorre na composição de uma obra de arte
(BAUMAN, 2009).
77
CONCLUSÃO
Estimular o idoso é sempre uma missão desafiadora, pois em relação ao ciclo da vida,
ele parece andar na contramão. Tendo como parâmetro os padrões de normalidade, o bebê e a
criança são estimulados e os estímulos que são oferecidos, de todas as naturezas, trazem em si
o potencial de florescimento nas etapas posteriores da vida, ao passo que, na grande maioria
das vezes, o objetivo da estimulação dirigida aos idosos, será o de conservar algumas
quanto mais longevos, tendem a enxergar menos, ouvir menos, sentir menos o cheiro e o gosto
das coisas e captar cada vez menos sensações através da pele. As transformações sensoriais que
se processam no corpo envelhecido afetam a dinâmica de vida como um todo, dentre elas, a
por meio do próprio corpo. Ao longo da vida, as pessoas se mantém funcionais de formas
distintas, pois seus corpos atendem a diferentes demandas e são estimulados, inclusive,
enquanto realizam as ações que determinam as necessidades do corpo para que haja a
Observa-se que o aumento da longevidade tem provocado reflexões que envolvem desde
a necessidade economizar para a velhice, até a construção de novos significados que atendam
Diante da possibilidade de viver vinte ou trinta anos a mais que os próprios avós, tem
surgido, sobretudo nas gerações que ainda não atingiram a terceira idade, uma série de
questionamentos e preocupações. Os futuros idosos, de forma geral, desejam viver uma velhice
Nesse capítulo, a arte, em suas múltiplas manifestações, se apresenta como uma dessas
possibilidades, demonstrando que pode assumir o papel de estimulador e, ao mesmo tempo, ser
o próprio estímulo. Será estimulante por provocar diálogos, ser veículo de expressão, por se
REFERÊNCIAS
ALVES, R. A educação dos sentidos: conversas sobre a aprendizagem e a vida; São Paulo:
Planeta do Brasil, 2018.
BAUMAN, Z. A arte da vida. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2009. 184 p.
BERGANTINI, L. P. Sinestesia nas artes: relações entre ciência, arte e tecnologia. ARS (São
Paulo), São Paulo, v. 17, n. 35, p. 225-238, abr. 2019. https://doi.org/10.11606/issn.2178-
0447.ars.2019.151267.
79
BOSI, E. Memória e sociedade: lembrança dos velhos. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
BOTTON, A. de; ARMSTRONG, J. Arte como terapia. Tradução Denise Bottman. Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2014.
CANELLAS, W. A memória como criação ou o tempo de hesitação como práxis da vida. In:
BARRENECHEA, M. A. (org.) As dobras da memória. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.
GILSON, E. Introdução às artes do belo: o que é filosofar sobre a arte. São Paulo:
Realizações Editora, Livraria e Distribuidora, 2010.
RIBEIRO, S. Tempo de cérebro. Estudos avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, p. 6-22, 2013.
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ea/v27n77/v27n77a02.pdf. Acesso em: 16 mar.
2020.
STEIN, M. Jung: o mapa da alma: uma introdução. São Paulo: Cultrix, 2006.
SUASSUNA, A. Iniciação à Estética. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. 94 p.
Disponível em: http://lelivros.love/book/baixar-livro-iniciacao-a-estetica-ariano-suassuna-em-
pdf-epub-mobi-ou-ler-online/. Acesso em:16 mar. 2020.
4. JUSTIFICATIVA
5. OBJETIVOS
6. MATERIAIS E MÉTODOS
6.3 AMOSTRA
A amostra de conveniência foi composta por oito sujeitos, com média de idade igual a
86,00 anos (DP= ± 7,66), sendo 3 homens e 5 mulheres, com escolaridade entre nível médio e
superior, majoritariamente com uso de medicamentos e com dificuldade de compreensão, dois
dos idosos possuem sequelas de acidente vascular encefálico, um idoso com esquizofrenia e um
com doença de Parkinson. frequentadores do Centro-Dia Pasárgada, situado em São Paulo - SP.
Critério de inclusão: ser frequentador do Centro-Dia Pasárgada. Critérios de exclusão:
apresentar algum déficit visual, auditivo e/ou motor que inviabilizassem o entendimento e a
realização das atividades relacionadas às avaliações e às intervenções artísticas.
6.4 INSTRUMENTOS
Rey (2010) ressalta que a origem do uso de instrumentos nas ciências humanas é de
cunho positivista e que a sua institucionalização passou a ser uma exigência para que seja
legitimado o caráter científico do estudo, de forma que, os resultados obtidos são assumidos
acriticamente e naturalizados como verdadeiros. Para esse autor, nessa perspectiva, os
instrumentos apresentam categorias pré-definidas que determinam a abrangência das respostas,
sendo que, essa característica mutila a produção intelectual do pesquisador na fase da coleta de
dados (REY, 2010). A utilização de questionários pode ser interessante no estudo das
representações conscientes dos participantes, de acordo com Rey (2010), entretanto, em
qualquer espécie de questionário, haverá sempre uma pressão social, mesmo que inconsciente,
pois toda resposta é inseparável da pergunta e da carga subjetiva de quem a formula. Como esta
pesquisa abordará o relacionamento e as percepções dos participantes em relação às artes,
optou-se por um caminho que permitisse a livre expressão do universo subjetivo desses
indivíduos, de forma que, o material coletado durante a realização das oficinas será obtido
através da gravação dos diálogos que ocorrerão nos momentos de partilha.
Para Yin (2016), a pesquisa qualitativa não comporta a utilização de instrumentos, sendo
o termo “protocolo” mais apropriado para indicar os procedimentos realizados através por
instrumento na pesquisa quantitativa (questionários, testes, tabelas etc.). De acordo com esse
autor, mesmo havendo a utilização de instrumentos abertos, perde-se a oportunidade de capturar
a vida real pela fala do outro, uma vez que as respostas estão atreladas às respectivas perguntas
e trazem, de forma implícita, as expectativas e conjecturas do entrevistador (YIN, 2016).
Mesmo havendo um protocolo predefinido, o entrevistador deverá manter-se atento, sensível e
receptivo às informações inesperadas que poderão ocorrer de diversas formas no processo da
pesquisa. Ressalta, ainda, o autor que o protocolo funciona como um guia para que o
88
a) Recrutamento
Todos os idosos que frequentavam o Centro-Dia Pasárgada no mês de novembro de 2020
foram convidados a participar da pesquisa. Dois que haviam sido frequentadores, mas não
estavam comparecendo presencialmente também foram convidados por sugestão da
diretora do Centro Dia. O primeiro contato com os responsáveis legais foi realizado pela
diretora do estabelecimento no intuito de pedir o consentimento para que os idosos que não
pudessem assinar o TCLE fossem inclusos, se eles desejassem participar da pesquisa. Após
essa autorização iniciaram-se os contatos presenciais.
c) Entrevista inicial
Foi realizada sem a participação de familiares, cuidadores ou responsáveis na presença
apenas do idoso e da entrevistadora. Utilizou-se o questionário sociodemográfico, porém
o mesmo serviu como pretexto para o estabelecimento do diálogo e guia para que se
mantivesse uma homogeneidade nas questões abordadas. O objetivo principal foi o
estabelecimento do vínculo entre pesquisador e entrevistado e, secundariamente, a
observação do estado físico e cognitivo de cada idoso.
d) Dinâmica de introdução à apreciação artística
90
Como cada idoso necessitou se deslocar de uma estação para outra, pôde-se observar a
estabilidade da marcha, o equilíbrio e o senso de orientação espacial. Nesta última estação havia
uma poltrona reclinável, bolas com diferentes pesos não ultrapassando 500 gramas e dois
aparelhos com mola e encaixe para os dedos, próprios para exercitar a força das mãos: um com
quase nenhuma resistência nas molas e outro com uma resistência um pouco maior.
Para verificar se o idoso teria a capacidade de agarrar os objetos com as duas mãos e
somente com a direita ou à esquerda, antes que ele fosse convidado a se se sentar na poltrona
reclinável era-lhe solicitado que “ajudasse ao pesquisador” a organizar as bolas colocando-as
sobre uma bancada. Assim, as bolas eram oferecidas, ora do lado direito, ora do esquerdo. As
bolas maiores, que eram mais leves, eram lançadas de uma distância bem próxima, para
verificar se seriam pegas com as duas mãos. A relação de proximidade ao jogar as bolas foi
explorada de acordo com a performance de cada participante. Aumentava-se a distância, caso
o participante agarrasse a bola com muita facilidade.
Em seguida, eram convidados a se assentarem na poltrona, a esticar as pernas no
banquinho de apoio, a relaxarem e o pesquisador perguntava se poderia reclinar o encosto. A
intensidade das luzes era diminuída e uma música tranquila era tocada (utilizou-se áudios de
melodias celtas tocadas na harpa com acompanhamento suave e sons da natureza ao fundo).
Neste momento uma pequena lanterna era movimentada pelo pesquisador projetando o foco na
parede que ficava de frente para a poltrona. Isso era feito antes de recliná-la, caso o idoso
permitisse que deitasse o encosto.
Nessa estação foi possível observar a tolerância à posição supina, a força em cada uma
das mãos, a ação motora bilateral, a facilidade ou dificuldade para atingir o relaxamento, a
ocorrência ou não de movimentos involuntários, se segue a luz movimentando a cabeça, em
que nível se dava a percepção do movimento da lanterna e o autocontrole no sentido de
conseguir aquietar-se.
As áreas social e psicológica foram observadas durante a interação com o idoso e nas
atividades realizadas anteriormente.
As pontuações obtidas na avaliação do perfil sensorial constam nos gráficos, conforme
os critérios de Avaliação do Perfil Sensorial do instrumento proposto pela Dra. Amélia Nabais
Martins (Anexo I).
f) Oficinas
Foi oferecido a cada integrante a possibilidade de participar de três oficinas de arte, sendo:
artes visuais, movimento e música; artes cênicas e montagem da árvore de natal sensorial.
94
Após breve exploração dos instrumentos dispostos sobre a mesa (tambor, coquinhos e
caixa de madeira com baqueta) para verificar o manuseio e reconhecer os diferentes timbres, o
idoso foi convidado a escolher que instrumento iria utilizar. Propôs-se uma batida simples de
divisão binária em uníssono com o pesquisador para estabelecer um pulso regular e orgânico.
Os jogos rítmicos propostos, em sequência, foram:
- Revezamento de batidas com, juntamente verbalização, de modo que quem tocasse o primeiro
tempo falaria “um” e quem tocasse o segundo falaria “dois”.
- Realização de contraste do primeiro tempo forte e do segundo tempo fraco com apoio verbal
e sem o apoio, reforçando a batida do tempo forte no próprio instrumento.
Aos idosos que realizaram esses jogos com facilidade foi introduzido o tempo ternário
com a mesma sequência de jogos rítmicos descritos finalizando com canções que pudessem ser
cantadas em tempo de valsa, tais como “Beijinho doce”, “Cabecinha no ombro” e “O cravo
brigou com a rosa”.
Enfeites sensoriais:
- Pompons com cheiro de mirra (utilizou-se óleo essencial para perfumar os pompons).
- Sininhos
7. RESULTADOS
Antes de abordar os resultados desta pesquisa, penso ser de especial relevância salientar
fatores que determinaram o seu modo de execução, a apresentação dos resultados e a análise da
pesquisa. O primeiro e principal deles foi o fato desse trabalho ter se desenvolvido no auge da
pandemia da COVID-19, nos meses de novembro e dezembro de 2020, na cidade de São Paulo.
Como sabemos, São Paulo é a maior metrópole do país, contando atualmente com uma
estimativa de 12,39 milhões de habitantes (IBGE. 2020). A configuração urbana e o modo de
vida na cidade de São Paulo favoreceram a propagação da doença, de modo que, nesta época,
a incidência de contaminação e óbitos por COVID-19 ultrapassava, tanto em números
absolutos, como na porcentagem dos casos em relação ao total da população. Nesses meses
pude observar uma cidade funcionando em condições totalmente atípicas com sérios problemas
urbanos. O aumento do desemprego desfigurou a cidade, transformando-a em acampamento de
indivíduos desabrigados de seus lares. Moradores de rua se distribuíam por todos os cantos,
especialmente na região central, no caso, coincidindo com a localização do Centro-Dia
Pasárgada e imediações, locais nos quais residem os seus frequentadores. No percurso, via-se
que essas pessoas não tinham como realizar os cuidados mínimos de prevenção, de modo que
toda a população e neste caso, os familiares e responsáveis pelos idosos foram levados a
redobrar as medidas protetivas para que seus entes não fossem contaminados.
1. S.F.S – 89 anos
D.N. 01/08/1931
- déficit visual
100
a. Questionário sociodemográfico
Não participou porque nos dias em que foi realizada ela não estava presente no centro dia (a
frequência da S.F.S era uma vez por semana).
relaxando na poltrona nem tolerando posição supina, ótima discriminação visual, tátil,
orientação espacial e desempenho cognitivo (compreendeu todas as instruções com facilidade).
d. Primeira oficina
Em um primeiro momento foi resistente à dinâmica com os instrumentos afirmando que não
conseguiria, mas depois realizou os jogos rítmicos com bastante facilidade. Caminhou sobre o
plástico bolha apoiada no corrimão de um lado e na bengala do outro pois apresenta
comprometimento na locomoção. Em todos os momentos manteve a fisionomia serena e alegre.
Durante a atividade com o retroprojetor dispôs as gotinhas de anilina de forma simétrica
buscando ocupar o espaço da transparência de modo equidistante. Demorou um pouco para
compreender que as imagens projetadas na parede eram as gotinhas de anilina que pingou.
Ficou muito admirada com o resultado dessa dinâmica. Referiu: “isso é artístico”, “como pode
alguém pensar numa coisa dessa”? (SIC). Após essa atividade observei que seu humor
melhorou bastante.
e. Segunda oficina
Deu a impressão de não se sentir à vontade no cenário da sacola de praia preenchendo-a com
poucos elementos. Recusou-se a tirar os sapatos, usar chapéu e óculos. Realizou a dramatização
com os bonecos respondendo apenas “sim ou não” às perguntas feitas pelo meu personagem.
Elogiou a imagem projetada na parede, o ventinho, quis ficar sentada bebendo água de coco e
comendo umas frutinhas. Entendi que o temperamento de S.F.S se adapta melhor a atividades
mais sóbrias.
f. Terceira oficina
S.F.S. fez a árvore de natal mais caprichada, simétrica e harmônica. Dispôs os enfeites
mantendo a mesma distância uns dos outros evitando colocar próximos elementos iguais.
Interagiu com todos os objetos que compunham a árvore, reconhecendo-os pelo tato antes de
retirá-los da sacola, olfato (pompons com cheiro) e paladar/olfato no caso do chocolate. Tocou
a marimba e ainda cantou “bate o sino/jingle bells”.
2. N.T.A. – 79 anos
D.N 21/03/1938
- anomia moderada
- possui muita energia: gosta de estar sempre em movimento tendo alguma ocupação
a. Questionário sociodemográfico
c. Perfil sensorial
d. Primeira oficina
Realizou as três atividades com ótima desenvoltura. Observei certa dificuldade em manter a
atenção durante as instruções para cada atividade. Os tempos binários foram realizados com
muita facilidade e nos ternários encaixei “Cabecinha no ombro” em ritmo de valsa. No plástico
bolha ela quis dançar e disse que sente muita vontade de conhecer uma “balada”. Demonstrou
ter gostado muito da atividade com o retroprojetor e demorou um pouco para compreender que
a imagem projetada na parede era aquela que tinha feito na transparência.
e. Segunda oficina
Não funcionou com N.T.A. O fato de haver muitos elementos com possibilidade de escolha
desencadeou um estado de desorganização mental, euforia e hiperatividade. Ela não apenas quis
colocar tudo que viu dentro da sacola como passou todo o tempo em que permaneceu na
instalação perguntando se poderia levar as coisas para casa. O estado de euforia diminuiu um
pouco quando retirei o som das ondas do mar para reduzir a quantidade de estímulos e bebemos
a água de coco com o biscoito e as frutinhas. Mesmo assim saiu da sala querendo levar consigo
o chapéu.
f. Terceira oficina
Realizou bem, experimentou todos os enfeites sensoriais que, dessa vez tive o cuidado de
oferecer um por vez, para que ela os explorasse e indicasse o local em que deveriam ser colados.
Perguntou várias vezes se poderia levar para casa, eu respondia que sim, ela se esquecia e
perguntava novamente. Ficou muito feliz com o resultado e mais ainda por poder levar a árvore
para casa.
104
3. N.G. – 96 anos
D.N 25/12/1925
- tontura
- saudosismo exacerbado
- deficiência auditiva
- foi a “atriz protagonista” na fotonovela que fizeram (o texto da fotonovela foi uma construção
conjunta de todos os idosos. Mais tarde contou à coordenadora do centro-dia que o enredo se
tratava da história de sua avó).
a. Questionário sociodemográfico
N. G. soube responder sua data de nascimento e contou diversas vezes durante a entrevista que
seu nome é Natalina por ter nascido no dia de Natal. No final de todas as repetições
acrescentava: “coitada da minha mãe que bem no dia de natal estava tendo filho” (SIC).
Afirmou ter dois filhos (um casal) e residir com um deles. Disse que sabe ler e escrever, mas
não se lembrou até que “ano” foi para a escola. Como profissão, afirmou ter sido tecelã em uma
fábrica de tecidos. Tem consciência da própria deficiência auditiva, mas até então se recusava
a usar a prótese. Conheceu Inezita Barroso e demonstrou que esse evento foi marcante na sua
vida, pois diversas vezes interrompeu a entrevista para cantar “Marvada pinga”. Outro evento
que relatou várias vezes referia-se à sua infância afirmando que morou na roça, colhia café
(gestualizando como se colhe), contou que criavam porcos e que era seu pai quem matava o
105
porco. “Uma delícia comer o porco na hora” (SIC). Enfatizou o fato de o pai fazer um salame
maravilhoso “por causa do tempero, ele punha muito alho”. Recordou-se que os salames
ficavam dependurados como em um varal e que se divertia indo lá no meio da noite para “roubar
e comer escondido” (SIC). Prefere as comidas fortes e salgadas. Repetiu muitas vezes “comida
boa é a italiana: polenta com molho ao sugo, polenta com leite, rabada com polenta. Polenta
boa pra fritar tem que ser feita no dia anterior pra não ficar molengona” (SIC). Reclamou que
no centro dia não servem torresmo. Se casou com um italiano, ótimo pai, “severo como tem
que ser” (SIC). “As mulheres de hoje são muito fraquinhas: gravidez, no meu tempo, não tinha
esse monte de frescura. Essas grávidas parecem que vão quebrar. Conheci uma grávida que saiu
do tanque para ter filho e no dia seguinte já tinha voltado pro tanque” (SIC). Essas citações
consistiram no conteúdo da entrevista que era relatado diversas vezes, com as mesmas palavras.
De vez em quando o discurso era interrompido para me perguntar se eu sabia que ela conheceu
Inezita Barroso e cantar “Marvada pinga”, recordando-se de grande parte da extensa letra e da
melodia da música. “Sabia que eu conheci a Inezita Barroso”? (SIC). Antes de deixar a sala
afirmou amar a vida e achar uma pena que tudo passe muito rápido. Complementei: “como uma
viagem boa que a gente tem que aproveitar”? E ela: “pena que essa viagem acaba” (SIC).
Escolheu o quadro das crianças brincando na praia, observou alguns detalhes da pintura,
reconheceu o ambiente e repetia “olha que gracinha, mas que coisinha mais linda, olha as
dobrinhas...” (SIC). Nesse dia relatou que seu sonho era ter sido avó, mas que não teve nenhum
neto.
Apesar do acentuado declínio da memória recente, N.G. demonstrou ótimo nível de atenção e
compreensão. Os sistemas sensoriais mais comprometidos foram: auditivo pela recusa em usar
a prótese, olfativo, demonstrando dificuldade tanto na percepção como no reconhecimento dos
aromas e vestibular, evidenciando instabilidade na marcha, desequilíbrio e tontura.
d. Primeira oficina
Compreendeu o jogo rítmico, mas sentiu muita dificuldade para manter o andamento da batida.
Não encontramos a sua batida orgânica, ou seja, um tempo no qual mantivesse as batidas com
periodicidade. Entretanto, houve empenho de sua parte e em alguns momentos conseguimos
realizar tempos em uníssono. Demonstrou musicalidade assimilando com facilidade os tempos
106
binários e ternários. Caminhou sobre o plástico bolha apoiada na barra e gostou de sentir as
bolinhas estourarem ao pisar nelas. Adorou a dinâmica da anilina no retroprojetor. No início já
compreendeu que a imagem projetada era o reflexo das gotas sobre a transparência.
e. Segunda oficina
Realizou tudo que lhe foi sugerido com incrível desenvoltura e plena compreensão de todas as
ações. N.G. demonstrou extrema abertura para o lúdico. Montou a sacola, quis usar os adereços,
experimentar água de coco, frutas e biscoito. Criou personagem, desenvolveu enredo com
coerência, temporalidade (começo, meio e fim), colocou os pés na água acompanhando os
acontecimentos fictícios, ou seja, no momento em que as personagens decidiram caminhar na
praia, seguindo o desenrolar da trama. Às vezes minha personagem perguntava algo, ela se
esquecia que a pergunta era dirigida à personagem e respondia por si, mas bastava lembrar que
quem estava conversando era a “Mariazinha” (personagem que ela criou) e não ela, que
imediatamente retomava o discurso na fala da personagem. Divertiu-se muito.
f. Terceira oficina
Explorei o tato deixando todos os enfeites repetidos dentro da sacola e um de cada sobre a mesa,
para que ela os sentisse no tato e os relacionasse visualmente dizendo qual deles seria. Ela
acertou todos. Com os olhos vendados, conseguiu perceber, mas não identificou o cheiro do
chocolate. Explorou os sons da marimba e cantamos “Bate o sino pequenino” (a única música
que saía relativamente afinada no brinquedo). Encerrou a sessão encantada com a árvore. Me
perguntou se eu sabia que ela conheceu a Inezita Barroso e cantou “Marvada pinga”.
4. Z.S. – 87 anos
D.N. 30/08/1933
- desorientação espacial
- é galanteador, corteja as mulheres que acha bonitas e paquera algumas das funcionárias, mas
não chega a ser desrespeitoso nem inconveniente
a. Questionário sociodemográfico
Antes de iniciar a entrevista, Z.S. demonstrou insegurança, perguntou se a atividade seria difícil
e antes que eu a explicasse, referiu que não iria conseguir realizá-la. Logo deu a entender que
seu receio era o medo de precisar escrever alguma coisa, por ser analfabeto. Falou sem parar e
não prestou atenção naquilo que lhe era perguntado demonstrando extrema necessidade de
receber aprovação e atenção. Repetiu várias vezes: “meu nome é ‘Z.S.’, assim que se pronuncia.
Nunca conheci outro Z.S. (enfatizando o acento forte em parte do nome), meu nome é
exclusivo, ninguém mais se chama assim” (SIC). Falou o tempo todo sobre sua vida
independentemente das perguntas que eram feitas. Afirmou várias vezes ter prosperado como
comerciante. Falou muito sobre dinheiro (compra, venda, imóveis, carro). Referiu ser viúvo e
ter dois filhos homens. Disse que mora com os dois, ficando cada semana na casa de um. Disse
que os dois filhos são bons para ele, cada um do seu jeito e que as duas casas são muito boas,
que tem o quarto dele em ambas. “Meus filhos me levam e me buscam aqui do centro dia. Gosto
de vir apreciando a paisagem. Gosto muito das minhas noras porque elas me tratam muito bem.
As casas são grandes, têm jardim, piscina e ficam uma do lado da outra” (SIC). Soube pela
coordenadora do Centro-dia que um dos filhos é homossexual, que ele não consegue processar
bem esse fato e que não existem duas noras. “Em casa gosto de fazer nada porque já trabalhei
muito na vida” (SIC). Decidiu que vai aprender a ler e escrever e pede às cuidadoras que o
ensinem e mandem “dever de casa” para ele treinar. Retomou muitas vezes o assunto da
alfabetização. Deixou transparecer que detesta ser analfabeto e que esse fato lhe traz
sentimentos de inferioridade. Observei que busca compensar o analfabetismo incluindo na fala
relatos que deem a entender que é rico.
108
Ficou deslumbrado com a tela da moça que parece flutuar. Várias vezes disse “olha que coisa
linda, parece que ela está assim... dançando no céu” (SIC). Quando referi que aquilo é uma obra
de arte porque despertou sua admiração, respondeu que “arte é uma coisa muito importante,
muito grande e eu não entendo nada disso” (SIC). Sobre música, afirmou gostar de música
sertaneja, Zezé di Camargo e Luciano e cantou várias vezes “Saudades de Matão”, música
difícil de ser cantada por exigir boa afinação que ele demonstrou ter.
d. Primeira oficina
e. Segunda oficina
Divertiu-se muito. Fez a seguinte observação: “mas aqui está muito melhor que na praia! A
praia é cheia de gente, um calorão, quando chove falta água...” (SIC). Quis realizar todas as
ações propostas. Criou personagem, desenvolveu trama fictícia e realizou as falas com
criatividade e facilidade para improvisar no contexto da trama. Foi incisivo ao querer conquistar
meu personagem fazendo elogios que davam a entender que eram para mim, mas foi possível
desconversar, fazer piada e contornar a situação com facilidade.
f. Terceira oficina
Montou sua árvore de natal com muito pouca ajuda, demonstrou interesse pela marimba e
identificou vários enfeites pelo tato tendo à frente o modelo de cada um.
109
5. J.B. – 85 anos
D.N 25/04/1935
- Motricidade lenta
- Raciocínio lento
- É homossexual e dedicou sua vida aos seus “dois maridos” (M.B. e F.B.). Com Fernando
relaciona-se há mais de 60 anos e com Milton há mais de 30 anos. Cada um dos três reside em
sua própria residência e os dois maridos sempre souberam um do outro.
- Agora durante a pandemia os dois maridos resolveram brigar na justiça por herança, sendo
que o Sr. João já tinha feito o testamento e isso tem o deixado muito triste.
- Criativo e sincero
- Lentidão para responder como se demorasse um tempo para a informação chegar ao cérebro
e ser interpretada
a. Questionário sociodemográfico
J.B. entrou na sala acompanhado pela cuidadora e logo em seguida a cuidadora saiu.
Demonstrou resistência e desconfiança por meio da fisionomia. Antes que eu iniciasse minha
fala, seus olhos ficaram marejados de lágrimas. Olhou o gravador e supus não ter gostado de
haver um gravador sobre a mesa, não entendendo que estava desligado. Liguei e desliguei
mostrando-lhe que quando está ligado a luz acende, guardei o gravador no estojo e coloquei
110
dentro da minha bolsa. A tristeza no seu olhar era impactante. Disse que estava achando sua
carinha muito triste e perguntei se havia acontecido alguma coisa. Ele respondeu afirmando:
“estou com um problema”. As sequelas do AVE comprometeram muito sua fala retardando o
tempo de processamento da informação e da resposta. Ao perceber minha dificuldade para
compreender sua fala, baixou os olhos, a cabeça e encolheu os ombros. Busquei estabelecer
contato visual e disse: Sr. J.B., o senhor acha que o seu problema tem solução? Ele respondeu:
“tem solução”. Complementei afirmando que também acho que os problemas podem ser
resolvidos. Notei que houve uma tentativa em expor o que estava acontecendo, mas para mim
estava realmente muito difícil compreender o que ele dizia pela demora nas respostas,
articulação imprecisa e volume muito baixo. Seus olhos novamente se encheram de lágrimas.
Coloquei luvas e perguntei se poderia segurar suas mãos. Ele balançou a cabeça afirmando que
sim. Fiz um carinho nas suas mãos e disse que, apesar de não estar entendendo direito o que ele
estava falando, tinha compreendido que ele estava passando por um momento muito difícil e
que eu estava do lado dele. Ficamos praticamente toda a sessão de mãos dadas e ele
correspondeu ao carinho movimentando o dedo polegar acariciando minha mão. Falei que a
Vanessa me disse que ele gosta muito de ouvir música clássica e que eu também gosto.
Perguntei se ele gostaria de ouvir uma música bem bonita e ele respondeu que sim. Coloquei
“Clair de Lune” de C. Debussy no celular e segurei bem perto dele, porque naquele dia não
havia planejado utilizar caixa de som. Tive a impressão de que a música transmitiu o alento que
ele estava precisando e ele expressou uma fisionomia mais serena. Nesse momento entrou a
cuidadora avisando que iria servir o almoço dele na sala em que estávamos. Ele abriu um sorriso
e a cuidadora disse que achou ótimo vê-lo com a carinha melhor porque tem sofrido muito nos
últimos tempos. Ao deixar a sala eu disse: “Sr. J.B., bom almoço. Logo, logo nos vemos”. Ele,
como professor, me corrigiu: “logo nos ve-re-mos”. Achei muito positiva a correção e entendi
como uma afirmação da própria identidade.
Não quis realizar. Ao sentar-se na cadeira começou a chorar muito. Conduzi-o à poltrona
reclinável que havia na sala, reduzi a intensidade e retirei o movimento das luzes, deixando
apenas uma luz suave que mudava de cor lentamente, como se uma cor se transformasse em
outra, em sequência cromática. Coloquei as luvas e massageei suas mãos, braços e pés. Nesse
dia havia caixa de som. Inicialmente escolhi músicas instrumentais com fundo sonoro de água
e depois temas de filmes como “A bela e a fera”, o dueto final de “O fantasma da ópera” e “A
thousand years”, todas executadas de forma instrumental. Me transmitiu que estava sentindo
111
necessidade de ser acolhido com delicadeza. Terminou a sessão com fisionomia serena e sorriu
quando a cuidadora chegou para almoçarem.
c. Primeira oficina
Também não quis realizar as atividades e foi direto para a poltrona reclinável. Chorou bem
menos que na sessão anterior. O repertório desse dia foi Bach, Mozart e Vivaldi. Escolhi
melodias mais vibrantes na intenção de trazer energia por meio da atmosfera musical. Utilizei
massageadores manuais e elétricos para proporcionar qualidades diferentes de estímulos táteis.
d. Segunda oficina
Entrou na sala mais animado, montou a sacola, gostou do cenário de praia, do barulho do mar,
nesse dia observei que leva tudo que toca à boca. Ao comer o que havia sobre a mesinha
apresentou comportamento compulsivo e comeu tudo com muita rapidez. Concordou em
colocar os pés na água morna e deixou transparecer que essa atividade trouxe relaxamento.
Demonstrou necessitar contato físico, pois usei o hidratante para bebês como se fosse o protetor
solar e ele quis prolongar a ação esticando os braços e as pernas. Foi o primeiro dia que não
chorou e finalizou a sessão demonstrando satisfação e presença no aqui e agora.
e. Terceira oficina
Demonstrou interagir bem diante de vários estímulos, apresentou harmonia na disposição dos
elementos visuais, não identificou o chocolate pelo cheiro, mas comeu todos (eram três
bengalinhas para cada árvore), não se interessou pela marimba, mas finalizou a sessão sorrindo
e satisfeito com o resultado e por poder levar o enfeite para sua casa.
6. R.L.B. – 73 anos
D.N. 08/07/1947
- Doença de Parkinson
- Confunde-se com os objetos que são dela e os que são dos outros
- Confunde lateralidade
a. Questionário sociodemográfico
R.L.B. foi recebida por mim na sala do ateliê. Chegou bastante reservada, desconfiada e falando
muito baixo, quase não dava para entender. Inicialmente expliquei o trabalho que seria feito e
iniciei a sessão com as perguntas do questionário sociodemográfico. Respondeu nome
completo, data de nascimento, naturalidade (SP), estado civil (viúva), filhos (3 filhas). Falou
que terminou o colegial e imediatamente se casou aos 18 anos. Tem uma filha casada comissária
de bordo que não tem filhos por causa da profissão. Não tem netos. Disse que a saúde está boa,
que tem dormido bem, que já tomou remédio para dormir, mas não toma mais. Referiu sempre
ter se tratado com homeopatia. Ao perguntar o nome das filhas respondeu que as filhas não
gostam que ela diga aos outros o nome delas. Assiste ao noticiário porque o marido a acostumou
assim. Gosta de vir ao centro dia para fazer fisioterapia, se exercitar. Gosta de ficar sozinha e
não entende quem reclama de solidão. Mora com a filha. Ressaltou que o marido a instruía a
não falar sobre sua própria vida e se negou a responder as demais perguntas. Busquei deixar
claro que minha pesquisa abordaria os sentidos e ela citou os cinco sentidos principais.
Novamente referiu não querer falar sobre si porque o marido não gostava porque as pessoas
iriam se aproveitar dela financeiramente. “Meu marido falava: não fala da sua vida porque tem
perigo, eu tenho tudo na minha vida, na minha bolsa tem seguro saúde, eu vou na psicóloga do
seguro saúde, é que tem uma certa segurança que ele deixou pra nós, é perigoso, é tanta coisa
que pode acontecer, não se fala da própria vida, tem que pensar que qualquer um pode ser
inimigo” (SIC). “Minhas filhas também não gostam, não é pra dar endereço, a senhora diz que
não mora aqui porque é demais, as pessoas incomodam muito, querem saber tudo da vida da
gente. Eu venho aqui pra almoçar uma vez por semana porque tenho que esperar a faxineira”
(SIC). Perguntei se gosta da comida do centro dia. “Gosto sim, é muito boa e as moças são tão
boazinhas” (SIC). Repetiu não querer falar sobre si porque as pessoas usam as informações para
113
roubar seu dinheiro. Associei ao delírio persecutório, pois soube que comumente confunde as
suas coisas com as coisas dos outros e acha que está sendo roubada.
Ao mostrar as seis imagens ela se impressionou com a imagem do casal sério e perguntou sobre
o homem: “esse aqui morreu”? Respondi que não sabia e ela começou a narrar uma história
como se conhecesse o casal. No quadro das crianças na praia perguntou: “elas têm problema”?
Respondi que não sabia, mas que achava que só estavam brincando na praia. Perguntei qual dos
quadros chamou mais a sua atenção. “O das crianças, elas têm o rostinho redondinho, são tão
bonitinhas” (SIC). A Sra. Gosta de praia? “Acho uma delícia pôr o pé na areia e sentir aquele
ventinho. Eu adoro criança, queria muito ter netos, mas minha filha não quer ter filhos porque
agora está nos Estados Unidos” (SIC). Qual dos quadros a senhora não gostou? Respondeu que
todas as imagens eram bonitas, mas achou o casal com a cara estranha. Quando perguntei se ela
achava que eram felizes não soube responder. Ainda sobre esse quadro, afirmou ter achado
“pesado” (SIC). “A cara da mulher alivia um pouco, mas é assustador” (SIC). Logo após ter
dito isso foi se levantando e pedindo desculpas porque estava na hora de ir, porque tinha que
almoçar, por causa da faxineira, porque não pode atrasar a filha que viria buscá-la.
As áreas olfativa, visual e tátil apresentaram-se íntegras, com a ressalva de não permitir contato
corporal. O olfato apresentou-se muito prejudicado. Reagiu aos aromas mais fortes, mas não
identificou nenhum deles. Na área motora, devido à rigidez característica da doença de
Parkinson, apresentou instabilidade no equilíbrio, dificuldade em relaxar e incapacidade para
permanecer na posição supina. A força e a mobilidade dos membros superiores preservada.
Quanto à área social e psicológica, durante a avaliação apresentou bons resultados, contudo,
em situações corriqueiras é comum entrar em conflito com as pessoas, sentir-se perseguida,
achar que está sendo lesada sem motivo aparente e irritar-se com facilidade.
d. Primeira oficina
Realizou todas as atividades propostas sem demonstrar dificuldade e com bom nível de
compreensão. Suponho que a atividade rítmica tenha favorecido o equilíbrio e melhorado a
estabilidade da marcha pois caminhou sobre o plástico bolha melhor do que normalmente
caminha. Realizou bem a dinâmica do retroprojetor demorando um pouco para associar suas
ações ao reflexo projetado.
114
e. Segunda oficina
Aderiu de bom grado à proposta do “faz de conta”, explorou os elementos da instalação, porém
não foi capaz de dissociar a personagem de si mesma.
f. Terceira oficina
Montou a própria árvore demonstrando certa confusão na disposição dos enfeites, quis colar
uns em cima dos outros e evidenciou desorientação espacial.
7. S.L. – 95 anos
D.N. 01/12/1925
S.L. é um dos frequentadores mais longevos do Centro Dia. No dia que tive acesso às pastas
dos frequentadores não constava a do Sr. Luiz e posteriormente, não tive como ter acesso a ela.
S.L. era sempre tratado como “Doutor” por todos no Centro Dia. Foi desembargador, residiu
em diversos países e possuía fluência em vários idiomas. De gosto refinado, S.L. aprecia óperas,
música erudita e as artes de forma geral. Foi diagnosticado com Doença de Alzheimer que se
encontra em fase razoavelmente avançada com perceptível declínio das capacidades funcionais.
Demonstrou habilidade em camuflar a perda cognitiva por ser bastante sociável, fazer uso de
generalizações e possuir linguagem corporal que leva o interlocutor a achar que está sendo
compreendido. Gosta de conversar, de estar em contato com as pessoas, é simpático, educado
e cordial.
a. Questionário sociodemográfico
Preparei a entrevista no ateliê do centro dia, de modo que conversaríamos um de frente para o
outro separados por uma mesa. O Sr. S.L. foi desembargador e mantém uma desenvoltura social
admirável, apesar de apresentar demência senil bastante avançada. Ao entrar na sala, pegou a
cadeira que estava posta ao lado da sua, tentando colocá-la em cima da mesa, entre mim e ele.
Eu o ajudei e a cadeira permaneceu em cima da mesa entre nós durante toda a entrevista. As
ferragens que se cruzam embaixo do assento comprometiam a visualização um do outro, mas
realizamos o questionário assim mesmo. Perguntei o porquê de querer colocá-la ali e ele
respondeu que era para a entrevista “ficar mais interessante” (SIC). Afirmei de forma humorada
que nunca havia entrevistado alguém daquela forma e que para mim aquele momento seria
115
inesquecível. Ele complementou minha fala afirmando que o intuito era aquele mesmo: “ser
inesquecível” (SIC). Iniciei o contato me apresentando e em seguida expliquei como seriam as
intervenções. Perguntei se ele estaria de acordo em participar da pesquisa e ele disse que sim.
O Sr. S.L. apresenta comprometimento cognitivo acentuado, sua fala não faz sentido algum,
mas demonstra uma extrema habilidade em disfarçar suas limitações por meio de
generalizações. Estabelece contato visual com o interlocutor como se compreendesse todas as
informações, balança a cabeça de modo afirmativo e repete as últimas palavras que ouviu como
se expressasse a própria opinião. Nos episódios de anomia encaixa na fala “tá tá tá”. Dentre os
jargões que utiliza para manter a interação destacam-se “foi assim que eles decidiram, fazer o
quê”, “isso é difícil”, “então fomos e agora está assim”, “são muitas coisas”, “por isso que está
assim nessa coisa”, “habitualmente é no fim” e “tudo nessa faixa”. Por meio dessas falas ele
conversa sobre qualquer assunto. Das perguntas do questionário respondeu seu nome,
nacionalidade brasileira, estado civil casado, uma filha e profissão advogado. Disse que sua
saúde está “cada vez melhor” (SIC), que come e dorme muito bem. Sobre a idade perguntei:
“quantos anos o Sr. tem”? Sua resposta: “muitos”.
Na tela que representa um casal sério ele disse: “sabia que eles ficaram ruim no mês passado”?
Respondi: “Não. Por quê? Ele disse: “É. Só eles que ficaram. Eu também não sabia. Começou
essa história e isso não funcionou. Mas muita coisa não foi feita. Olha, as coisas foram
apreciadas, isso, aquilo. Devo fazê-lo ou deixar de fazer, sabe? Então foi isso. Tem mais coisa
pra fazer com menos coisa do que disse. Então eu tô assim” (SIC). Complementei: “mas o Sr.
está tão bem”! Ele: “eu acho que estou. Esperando não sair disso”. Perguntei qual das imagens
ele tinha gostado mais. Ele falou: “deixa eu ver” e ficou um tempo olhando. “Essa aqui foca,
né? Mas em geral, isso aqui tem muita coisa que precisa mentalizar. Não sei por quê. Tem que
fazer isso e aquilo, então eu já fico meio sem ação” (SIC). Voltou à tela do casal sério e disse:
“essas pessoas não têm família”. Frequentemente se esquece ou nem saiba sobre o que está
falando, mas possui uma habilidade em manter o diálogo que chama a atenção. Afirmou gostar
de ouvir ópera e perguntei se havia alguma preferida. Ele respondeu: “isso é um acervo...”,
“exato”, “não sei por que”, “nada foi feito”, “disseram que seria”, “e agora eu tô nisso” e “tá tá
tá”. Perguntei se ele gostava de Puccini, da ópera Turandot e ele ficou animado demonstrando
familiaridade com o tema. Ao encerrar a entrevista perguntei se poderia contar com ele.
Respondeu que sim e acrescentou: “Semana que vem, né? Sem chateação” (SIC).
Basicamente apresentou apenas reação aos estímulos, exceto aos olfativos. Percebeu e reagiu a
alguns dos estímulos apresentados, porém não foi capaz de identificá-los e nomeá-los. Levando
em consideração a idade avançada, obteve bom desempenho vestibular e proprioceptivo.
Apresenta limitações motoras e dificuldades para locomoção. Demonstrou certa intolerância ao
toque, resistência ao relaxamento e à posição supina. Apresentou rigidez corporal.
d. Primeira oficina
Realizou apenas a dinâmica do retroprojetor, coloquei como fundo musical a ária de ópera
“Nessum dorma” cantada por Luciano Pavarotti, mas ele não deu a mínima bola para isso.
e. Segunda oficina
Participou, escolheu os itens da sacola, quis usar o chapéu e os óculos, não quis beber a água
de coco porque coloquei no copo e ele não gostou do aspecto turvo da água. Comeu as frutas e
ficou conversando como se estivesse na praia (ele mesmo, não criou personagem). Não realizou
o teatro com os fantoches.
f. Terceira oficina
Quis levar tudo à boca, fui dando os enfeites um a um e perguntando “posso colar esse aqui,
onde fica melhor”? Ele dispôs os enfeites de forma aleatória, mas achou bonito e ficou feliz
com o resultado.
8. S.H. – 85 anos
D.N. 1/12/1935
- Após tal surto tornou-se moradora de rua e assim viveu por muitos anos.
- Foi levada ao psiquiatra, recebeu diagnóstico de esquizofrenia e desde então tem sido
medicada.
117
a. Questionário sociodemográfico
Respondeu adequadamente todas as questões evitando relatar eventos de sua vida. Apresentou
fala coerente, riqueza de vocabulário, atenção ao interlocutor, raciocínio lógico e boa memória.
Manteve-se reservada buscando responder exclusivamente o que lhe era perguntado sem se
aprofundar nos temas.
Observou com atenção todas as telas e fez comentários coerentes sobre a atmosfera de cada
imagem, cores, elementos e personagens. Escolheu como preferida a tela das crianças. Várias
vezes abordou a questão de não ter se casado, nunca ter namorado e não ter filhos. Disse que,
de todas as cores, a que mais gosta é o branco por ser “uma cor eclesiástica” (SIC).
A área visual está preservada e suponho que o fato de evitar o contato visual não esteja
relacionado à visão, mas sim ao quadro de esquizofrenia. Na área auditiva, o não
reconhecimento dos sons me deixou em dúvida. Os instrumentos foram apresentados um por
um anteriormente com seus respectivos timbres que são facilmente reconhecíveis. Não sei se,
de fato, não os reconhece ou se sentiu insegura para responder. Em alguns momentos pareceu
se sentir desconfortável, talvez por estar num ambiente completamente diferente de tudo que já
tinha visto. Na área tátil, chamou a atenção o fato de, apesar de reconhecer todas as texturas,
não haver mudança de expressão facial nem demonstração de surpresa ao percepcionar texturas
contrastantes. Não respondeu a nada relacionado ao olfato. As áreas motora, proprioceptiva e
vestibular estão preservadas, entretanto, deve-se considerar que o quadro de esquizofrenia é um
transtorno mental, que se reflete nas áreas emocional e social.
d. Primeira oficina
e. Segunda oficina
f. Terceira oficina
Não apresentou dificuldade em identificar pelo tato os enfeites tendo à frente o suporte visual.
Montou a árvore agrupando e enfileirando enfeites iguais. Quis guardar os chocolates para
comer em casa e saiu bastante satisfeita com o resultado do seu trabalho.
119
Marcia Degani1
Andrezza Veridyanna Cardoso2
Isabelle Patriciá Freitas Soares Chariglione3
Resumo
O processo de envelhecimento traz consigo uma série de desconfortos, sendo que
um deles é provocado pela redução da acuidade sensorial. Nessa perspectiva, todas
as relações estabelecidas entre os indivíduos e o mundo ocorrem através das funções
sensoriais. O objetivo deste estudo foi analisar diferentes metodologias de expressões
artísticas e suas relações com o fazer artístico e com o desenvolvimento de potenciais
perceptivos em idosos. Optou-se por uma metodologia de natureza qualitativa, não
experimental, exploratória, descritiva e transversal. A amostra de conveniência foi
composta por oito idosos, com média de idade igual a 86 anos (DP= ± 7,66).
participantes de um Centro-Dia para idosos. Os idosos foram avaliados por
instrumentos de caracterização e desenvolvimento para a descrição da amostra e
instrumentos de acompanhamento do desenvolvimento dos idosos no decorrer do
tempo (avaliação sensorial). O procedimento metodológico foi composto por seis
etapas: a) recrutamento; b) levantamento de informações sobre os participantes; c)
entrevista inicial; d) dinâmica de introdução à apreciação artística; e) avaliação do
perfil sensorial; e f) oficinas. Os relatórios foram analisados à luz do método biográfico.
Os resultados corroboram estudos que indicam as intervenções de natureza sensorial
como importantes promotoras de ganhos psicológicos, emocionais e sociais. Conclui-
se ainda que o caráter permissivo e lúdico da arte trouxe o rompimento com padrões
que caracterizam as coisas como boas ou ruins, propiciando a valorização de todas
as produções como únicas que atribuiu valor devido à sua natureza expressiva.
1
Graduada em Fonoaudiologia, Doutoranda em Gerontologia, Universidade Católica de Brasília, e-mail:
marciadegani@yahoo.com.br
2
Graduanda em Psicologia, Universidade de Brasília, e-mail: andrezzacpsi@gmail.com
3
Graduada em Psicologia, Doutorado em Cognição e Neurociências, Universidade de Brasília, e-mail:
ichariglione@unb.br
120
Abstract
The aging process brings with it a series of discomforts, one of which is caused by the
reduction in sensory acuity. From this perspective, all relationships established
between individuals and the world occur through sensory functions. The aim of this
study was to analyze different methodologies of artistic expressions and their
relationship with artistic practice and with the development of perceptual potentials in
the elderly. A qualitative, non-experimental, exploratory, descriptive and transversal
methodology was chosen. The convenience sample consisted of eight elderly people,
with a mean age of 86 years (SD= ± 7.66). participants of a Day Center for the elderly.
The elderly were evaluated by characterization and development instruments to
characterize the sample and instruments to monitor the development of the elderly
over time (sensory evaluation). The methodological procedure consisted of six steps:
a) recruitment; b) gathering information about the participants; c) initial interview; d)
introduction dynamics to artistic appreciation; e) evaluation of the sensory profile; and
f) workshops. The reports were analyzed using the biographical method. The results
corroborate studies that indicate sensory interventions as important promoters of
psychological, emotional and social gains. It is also concluded that the flexible and
playful character of art brought about a break with standards that characterize things
as good or bad, promoting the appreciation of all productions as unique that attributed
value due to their expressive nature.
1 Introdução
2 Métodos
2.2 Amostra
A amostra de conveniência foi composta por oito sujeitos, com média de idade
igual a 86 anos (DP= ± 7,66), sendo três homens e cinco mulheres, com escolaridade
entre nível médio e superior, majoritariamente com uso de medicamentos e com
dificuldade de compreensão; dois dos idosos possuem sequelas de acidente vascular
encefálico (AVE), um idoso com esquizofrenia e um com doença de Parkinson.
frequentadores do Centro-Dia para idosos, situado em São Paulo, SP. Foi utilizado
como critério de inclusão ser frequentador desse Centro-Dia, e como critérios de
exclusão: apresentar algum déficit visual, auditivo e/ou motor que inviabilizassem o
entendimento e a realização das atividades relacionadas às avaliações e às
intervenções artísticas.
2.3 Instrumentos
3 Resultados
ela gostaria de participar da minha pesquisa e que seriam realizadas atividades que
envolveriam as artes, ela se animou afirmando que gosta de “todo tipo de artesanato”
(SIC). Durante a entrevista cantou várias vezes “Cabecinha no ombro” (encosta sua
cabecinha no meu ombro e chora) em português e em japonês. Em uma dessas
vezes, ao terminar a música, comecei a cantar logo em seguida “Beijinho doce”. Ela
me acompanhou demonstrando o conhecimento da melodia e da letra. Terminamos o
horário destinado à realização do questionário sociodemográfico cantando músicas
que geralmente são conhecidas pelos idosos dessa geração.
b. Dinâmica dos quadros
Escolheu a imagem da moça flutuando e, ao explorarmos a figura como um
todo, demonstrou ótimo reconhecimento de cores, ótima orientação espacial
relacionada à imagem e refinada percepção de detalhes.
c. Perfil sensorial
Apresentou excelente desempenho nas áreas motora, visual, vestibular e
proprioceptiva. Apresentou pequena dificuldade no reconhecimento de texturas e
timbres. O comprometimento maior recaiu sobre a área olfativa. Afirmou ter sentido
os cheiros, não conseguindo identificá-los. Não sei se isso realmente ocorreu, pois
observei que não houve alteração significativa em sua fisionomia ao inalar o conteúdo
dos potinhos.
d. Primeira oficina
Realizou as três atividades com ótima desenvoltura. Observei certa dificuldade
em manter a atenção durante as instruções para cada atividade. Os tempos binários
realizou com muita facilidade, e nos ternários encaixei “Cabecinha no ombro” em ritmo
de valsa. No plástico bolha ela quis dançar e disse que sente muita vontade de
conhecer uma “balada”. Demonstrou ter gostado muito da atividade com o
retroprojetor e demorou um pouco para compreender que a imagem projetada na
parede era aquela que tinha feito na transparência.
e. Segunda oficina
Não funcionou com N.T.A. O fato de haver muitos elementos com possibilidade
de escolha desencadeou um estado de desorganização mental, euforia e
hiperatividade. Ela não apenas quis colocar tudo que viu dentro da sacola como
passou todo o tempo em que permaneceu na instalação perguntando se poderia levar
as coisas para casa. O estado de euforia diminuiu um pouco quando retirei o som das
ondas do mar para reduzir a quantidade de estímulos e bebemos a água de coco com
o biscoito e as frutinhas. Mesmo assim, saiu da sala querendo levar consigo o chapéu.
f. Terceira oficina
Realizou bem, experimentou todos os enfeites sensoriais que, dessa vez, tive
o cuidado de oferecer um por vez, para que ela os explorasse e indicasse o local em
que deveriam ser colados. Perguntou várias vezes se poderia levar para casa, eu
respondia que sim, ela se esquecia e perguntava novamente. Ficou muito feliz com o
resultado e mais ainda por poder levar a árvore para casa.
própria deficiência auditiva, mas até então se recusava a usar a prótese. Conheceu
Inezita Barroso e demonstrou que esse evento foi marcante na sua vida, pois diversas
vezes interrompeu a entrevista para cantar “Marvada pinga”. Outro evento que relatou
várias vezes referia-se à sua infância afirmando que morou na roça, colhia café
(gestualizando como se colhe), contou que criavam porcos e que era seu pai quem
matava o porco. “Uma delícia comer o porco na hora” (SIC). Enfatizou o fato de o pai
fazer um salame maravilhoso “por causa do tempero, ele punha muito alho”.
Recordou-se que os salames ficavam dependurados como em um varal e que se
divertia indo lá no meio da noite para “roubar e comer escondido” (SIC). Prefere as
comidas fortes e salgadas. Repetiu muitas vezes “comida boa é a italiana: polenta
com molho ao sugo, polenta com leite, rabada com polenta. Polenta boa pra fritar tem
que ser feita no dia anterior pra não ficar molengona” (SIC). Reclamou que no centro-
dia não servem torresmo. Se casou com um italiano, ótimo pai, “severo como tem que
ser” (SIC). “As mulheres de hoje são muito fraquinhas: gravidez, no meu tempo, não
tinha esse monte de frescura. Essas grávidas parecem que vão quebrar. Conheci uma
grávida que saiu do tanque para ter filho e no dia seguinte já tinha voltado pro tanque”
(SIC). Essas citações consistiram no conteúdo da entrevista que era relatado diversas
vezes, com as mesmas palavras. De vez em quando o discurso era interrompido para
me perguntar se eu sabia que ela conheceu Inezita Barroso e cantar “Marvada pinga”,
recordando-se de grande parte da extensa letra e da melodia da música. “Sabia que
eu conheci a Inezita Barroso”? (SIC). Antes de deixar a sala afirmou amar a vida e
achar uma pena que tudo passe muito rápido. Complementei: “como uma viagem boa
que a gente tem que aproveitar”? E ela: “pena que essa viagem acaba” (SIC).
b. Dinâmica dos quadros
Escolheu o quadro das crianças brincando na praia, observou alguns detalhes
da pintura, reconheceu o ambiente e repetia “olha que gracinha, mas que coisinha
mais linda, olha as dobrinhas...” (SIC). Nesse dia relatou que seu sonho era ter sido
avó, mas que não teve nenhum neto.
c. Instalação perfil sensorial
Apesar do acentuado declínio de memória recente, N.G. demonstrou ótimo
nível de atenção e compreensão. Os sistemas sensoriais mais comprometidos foram:
auditivo, pela recusa em usar a prótese, olfativo, demonstrando dificuldade tanto na
percepção como no reconhecimento dos aromas, e vestibular, evidenciando
instabilidade na marcha, desequilíbrio e tontura.
d. Primeira oficina
Compreendeu o jogo rítmico, mas sentiu muita dificuldade para manter o
andamento da batida. Não encontramos a sua batida orgânica, ou seja, um tempo no
qual mantivesse as batidas com periodicidade. Entretanto, houve empenho de sua
parte e em alguns momentos conseguimos realizar tempos em uníssono. Demonstrou
musicalidade assimilando com facilidade os tempos binários e ternários. Caminhou
sobre o plástico bolha apoiada na barra e gostou de sentir as bolinhas estourarem ao
pisar nelas. Adorou a dinâmica da anilina no retroprojetor. No início já compreendeu
que a imagem projetada era o reflexo das gotas sobre a transparência.
e. Segunda oficina
Realizou tudo que lhe foi sugerido com incrível desenvoltura e plena
compreensão de todas as ações. N.G. demonstrou extrema abertura para o lúdico.
Montou a sacola, quis usar os adereços, experimentar água de coco, frutas e biscoito.
Criou personagem, desenvolveu enredo com coerência, temporalidade (começo, meio
e fim), colocou os pés na água acompanhando os acontecimentos fictícios, ou seja,
no momento em que as personagens decidiram caminhar na praia, seguindo o
129
a própria localização: não sabia para que lado ir. Fazendo uso da prótese auditiva
conseguiu localizar os sons e identificar timbres. Achou que a música utilizada no final
parecia “música de enterro” (SIC).
d. Primeira oficina
Realizou todos os jogos rítmicos propostos mantendo o andamento.
Compreendeu os tempos binários e ternários: “Cabecinha no ombro” e “Saudades de
Matão” são valsinhas e a marcação do tempo é ternária. Caminhou sobre o plástico
bolha com facilidade. Realizou a atividade do retroprojetor consciente desde o início
que a projeção na parede era o reflexo do que era feito na transparência.
e. Segunda oficina
Divertiu-se muito. Fez a seguinte observação: “mas aqui está muito melhor que
na praia! A praia é cheia de gente, um calorão, quando chove falta água...” (SIC). Quis
realizar todas as ações propostas. Criou personagem, desenvolveu trama fictícia e
realizou as falas com criatividade e facilidade para improvisar no contexto da trama.
Foi incisivo ao querer conquistar meu personagem, fazendo elogios que davam a
entender que eram para mim, mas foi possível desconversar, fazer piada e contornar
a situação com facilidade.
f. Terceira oficina
Montou sua árvore de Natal com muito pouca ajuda, demonstrou interesse pela
marimba e identificou vários enfeites pelo tato tendo, à frente, o modelo de cada um.
precisando e ele expressou uma fisionomia mais serena. Nesse momento, entrou a
cuidadora avisando que iria servir o almoço dele na sala em que estávamos. Ele abriu
um sorriso e a cuidadora disse que achou ótimo vê-lo com a carinha melhor porque
tem sofrido muito nos últimos tempos. Ao deixar a sala eu disse: “Sr. J.B., bom
almoço. Logo, logo nos vemos”. Ele, como professor, me corrigiu: “logo nos ve-re-
mos”. Achei muito positiva a correção e entendi como uma afirmação da própria
identidade.
b. Instalação do perfil sensorial
Não quis realizar. Ao sentar-se na cadeira, começou a chorar muito. Conduzi-
o à poltrona reclinável que havia na sala, reduzi a intensidade e retirei o movimento
das luzes, deixando apenas uma luz suave que mudava de cor lentamente, como se
uma cor se transformasse em outra, em sequência cromática. Coloquei as luvas e
massageei suas mãos, braços e pés. Nesse dia, havia caixa de som. Inicialmente
escolhi músicas instrumentais com fundo sonoro de água e depois temas de filmes
como “A bela e a fera”, o dueto final de “O fantasma da ópera” e “A thousand years”,
todas executadas de forma instrumental. Me transmitiu que estava sentindo
necessidade de ser acolhido com delicadeza. Terminou a sessão com fisionomia
serena e sorriu quando a cuidadora chegou para almoçarem.
c. Primeira oficina
Também não quis realizar as atividades e foi direto para a poltrona reclinável.
Chorou bem menos do que na sessão anterior. O repertório desse dia foi Bach, Mozart
e Vivaldi. Escolhi melodias mais vibrantes na intenção de trazer energia por meio da
atmosfera musical. Utilizei massageadores manuais e elétricos para proporcionar
qualidades diferentes de estímulos táteis.
d. Segunda oficina
Entrou na sala mais animado, montou a sacola, gostou do cenário de praia, do
barulho do mar, nesse dia observei que leva tudo que toca à boca. Ao comer o que
havia sobre a mesinha, apresentou comportamento compulsivo e comeu tudo com
muita rapidez. Concordou em colocar os pés na água morna e deixou transparecer
que essa atividade trouxe relaxamento. Demonstrou necessitar de contato físico, pois
usei o hidratante para bebês como se fosse o protetor solar e ele quis prolongar a
ação esticando os braços e as pernas. Foi o primeiro dia que não chorou e finalizou a
sessão demonstrando satisfação e presença no aqui e agora.
e. Terceira oficina
Demonstrou interagir bem diante de vários estímulos, apresentou harmonia na
disposição dos elementos visuais, não identificou o chocolate pelo cheiro, mas comeu
todos (eram três bengalinhas para cada árvore), não se interessou pela marimba, mas
finalizou a sessão sorrindo e satisfeito com o resultado e por poder levar o enfeite para
sua casa.
sempre ter se tratado com homeopatia. Ao perguntar o nome das filhas, respondeu
que as filhas não gostam que ela diga aos outros o nome delas. Assiste ao noticiário
porque o marido a acostumou assim. Gosta de vir ao centro-dia para fazer fisioterapia,
se exercitar. Gosta de ficar sozinha e não entende quem reclama de solidão. Mora
com a filha. Ressaltou que o marido a instruía a não falar sobre sua própria vida e se
negou a responder às demais perguntas. Busquei deixar claro que minha pesquisa
abordaria os sentidos e ela citou os cinco sentidos principais. Novamente referiu não
querer falar sobre si porque o marido não gostava porque as pessoas iriam se
aproveitar dela financeiramente. “Meu marido falava: não fala da sua vida porque tem
perigo, eu tenho tudo na minha vida, na minha bolsa tem seguro saúde, eu vou na
psicóloga do seguro saúde, é que tem uma certa segurança que ele deixou pra nós,
é perigoso, é tanta coisa que pode acontecer, não se fala da própria vida, tem que
pensar que qualquer um pode ser inimigo” (SIC). “Minhas filhas também não gostam,
não é pra dar endereço, a senhora diz que não mora aqui porque é demais, as
pessoas incomodam muito, querem saber tudo da vida da gente. Eu venho aqui pra
almoçar uma vez por semana porque tenho que esperar a faxineira” (SIC). Perguntei
se gosta da comida do centro-dia. “Gosto sim, é muito boa e as moças são tão
boazinhas” (SIC). Repetiu não querer falar sobre si porque as pessoas usam as
informações para roubar seu dinheiro. Associei ao delírio persecutório, pois soube que
comumente confunde as suas coisas com as coisas dos outros e acha que está sendo
roubada.
b. Dinâmica dos quadros
Ao mostrar as seis imagens, ela se impressionou com a imagem do casal sério
e perguntou sobre o homem: “esse aqui morreu”? Respondi que não sabia e ela
começou a narrar uma história como se conhecesse o casal. No quadro das crianças
na praia, perguntou: “elas têm problema”? Respondi que não sabia, mas que achava
que só estavam brincando na praia. Perguntei qual dos quadros chamou mais a sua
atenção. “O das crianças, elas têm o rostinho redondinho, são tão bonitinhas” (SIC).
A Sra. gosta de praia? “Acho uma delícia pôr o pé na areia e sentir aquele ventinho.
Eu adoro criança, queria muito ter netos, mas minha filha não quer ter filhos porque
agora está nos Estados Unidos” (SIC). Qual dos quadros a senhora não gostou?
Respondeu que todas as imagens eram bonitas, mas achou o casal com a cara
estranha. Quando perguntei se ela achava que eram felizes não soube responder.
Ainda sobre esse quadro, afirmou ter achado “pesado” (SIC). “A cara da mulher alivia
um pouco, mas é assustador” (SIC). Logo após ter dito isso, foi se levantando e
pedindo desculpas porque estava na hora de ir, porque tinha que almoçar, por causa
da faxineira, porque não pode atrasar a filha que viria buscá-la.
c. Instalação perfil sensorial
As áreas olfativa, visual e tátil apresentaram-se íntegras, com a ressalva de não
permitir contato corporal. O olfato apresentou-se muito prejudicado. Reagiu aos
aromas mais fortes, mas não identificou nenhum deles. Na área motora, devido à
rigidez característica da doença de Parkinson, apresentou instabilidade no equilíbrio,
dificuldade em relaxar e incapacidade para permanecer na posição supina. A força e
a mobilidade dos membros superiores preservada. Quanto à área social e psicológica,
durante a avaliação apresentou bons resultados, contudo, em situações corriqueiras
é comum entrar em conflito com as pessoas, sentir-se perseguida, achar que está
sendo lesada sem motivo aparente e irritar-se com facilidade.
d. Primeira oficina
Realizou todas as atividades propostas sem demonstrar dificuldade e com bom
nível de compreensão. Suponho que a atividade rítmica tenha favorecido o equilíbrio
133
“essas pessoas não têm família”. Frequentemente se esquece ou nem saiba sobre o
que está falando, mas possui uma habilidade em manter o diálogo que chama a
atenção. Afirmou gostar de ouvir ópera e perguntei se havia alguma preferida. Ele
respondeu: “isso é um acervo...”, “exato”, “não sei por que”, “nada foi feito”, “disseram
que seria”, “e agora eu tô nisso” e “tá tá tá”. Perguntei se ele gostava de Puccini, da
ópera Turandot, e ele ficou animado demonstrando familiaridade com o tema. Ao
encerrar a entrevista, perguntei se poderia contar com ele. Respondeu que sim e
complementou: “Semana que vem, né? Sem chateação” (SIC).
c. Instalação perfil sensorial
Basicamente apresentou apenas reação aos estímulos, exceto aos olfativos.
Percebeu e reagiu a alguns dos estímulos apresentados, porém, não foi capaz de
identificá-los e nomeá-los. Levando em consideração a idade avançada, obteve bom
desempenho vestibular e proprioceptivo. Apresenta limitações motoras e dificuldades
para locomoção. Demonstrou certa intolerância ao toque, resistência ao relaxamento
e à posição supina. Apresentou rigidez corporal.
d. Primeira oficina
Realizou apenas a dinâmica do retroprojetor, coloquei como fundo musical a
ária de ópera “Nessum dorma” cantada por Luciano Pavarotti, mas ele não deu a
mínima bola para isso.
e. Segunda oficina
Participou, escolheu os itens da sacola, quis usar o chapéu e os óculos, não
quis beber a água de coco porque coloquei no copo e ele não gostou do aspecto turvo
da água. Comeu as frutas e ficou conversando como se estivesse na praia (ele
mesmo, não criou personagem). Não realizou o teatro com os fantoches.
f. Terceira oficina
Quis levar tudo à boca, fui dando os enfeites um a um e perguntando “posso
colar esse aqui, onde fica melhor”? ele dispôs os enfeites de forma aleatória, mas
achou bonito e ficou feliz com o resultado.
4 Discussão
Referências
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MARTINS, Maria Amélia Nabais. Snoezelen com Idosos: estimulação sensorial para
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OLIVEIRA, Leônidas de et al. What is the impact of the European Consensus on the
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Revista Kairós-Gerontologia, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 141-159, 2019. ISSNprint
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memória dos idosos: um relato de experiência. Memorialidades, v. 13 n. 25e26, p. 7-
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http://periodicos.uesc.br/index.php/memorialidades/article/viewFile/1421/1125.
Acesso em: 21 jun. 2019.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto aos objetivos secundários, cremos que a arte, por natureza, se encarregou de
promover uma abertura para novas possibilidades de diálogo, independentemente de haver ou
não integridade cognitiva, pois os critérios de avaliação de uma produção artística são amplos
e inclusivos. Não observamos descoberta de novos potenciais e talentos, mas sim o desejo de
realizar, participar, interagir e, sobretudo, o prazer de se relacionar com uma nova forma de
linguagem.
Nunca, na história da humanidade, tivemos notícias de que o ser humano atingiu níveis
tão elevados de longevidade. Como administrar esse tempo a mais de vida e o que devemos
fazer para que estes anos a mais sejam bem vividos ainda é um desafio para a nossa geração.
Cremos que o trabalho realizado se traduziu na busca de um novo caminho explorando a riqueza
inerente à linguagem artística. Gostaríamos que esse estudo se transforme em incentivo à busca
de alternativas criativas que possam também explorar novas possibilidades de intervenção
direcionadas ao público idoso. Cremos que o olhar sobre a velhice tem se transformado, porém
ainda existe a concepção de que a longevidade avançada está atrelada à incapacidade, perdas e
doenças. Por mais que os participantes dessa pesquisa fossem portadores de demência, pudemos
observar que são conscientes do fato de serem velhos e também da carga de significados
depreciativos que a velhice carrega, pois os vivenciam de forma internalizada. O convívio com
141
essas pessoas nos ensinou a dar mais importância à resistência desses indivíduos frente à
passagem de tantos anos, do que à natural fragilidade de seus corpos.
Não apenas observamos nos idosos em questão, mas também em nós mesmos, diante
do isolamento o qual tivemos que nos submeter durante a pandemia, a importância dos
estímulos sensoriais para a manutenção de uma integridade física, mental e emocional. No caso
do indivíduo idoso, a necessidade de uma dieta sensorial adequada se amplia e, se
considerarmos os que vivenciam quadros demenciais, ainda mais, pois o sensorial alimenta o
cognitivo e as perdas sensoriais requerem adaptação. Estimulação sensorial é algo muito
necessário aos idosos.
O olhar da arte trouxe a possibilidade de uma livre expressão sem padrões, julgamentos
de certo e errado, bom e ruim. O impacto foi marcante e potencializou o diálogo com o
sensorial. A arte também convidou à valorização do diferente e estimulou a memória pela via
da sensação e da emoção. Por essas razões e pelo fato de a matéria prima da arte ser a memória
reinventada, cremos que as atividades artísticas sejam realmente benéficas aos idosos,
acrescentando o fato de ser um veículo de expressão que amplia a voz de pessoas que têm muito
a dizer.
Darcy Ribeiro.
142
REFERÊNCIAS
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Tangamente. In: NÓBREGA, T. P. da (org.). Estesia: corpo e fenomenologia em movimento.
São Paulo: LiberArs, 2018.
VILLAS BOAS, S. Biografismo: Reflexões sobre as escritas da vida. São Paulo: Editora
UNESP, 2008.
Se, por ventura sentir-se ameaçado(a) ou mesmo assustado(a) com alguma atividade realizada
durante a pesquisa, ou sentir-se desmotivado diante das atividades propostas, o desconforto
poderá ser minimizado da seguinte forma: o senhor(a) será encaminhado(a) à equipe
responsável pelo atendimento psicológico do Centro-Dia Pasárgada, ou mesmo poderá solicitar
meu acompanhamento profissional, de forma a garantir que quaisquer danos previsíveis serão
evitados (minimização dos riscos).
153
É de nossa responsabilidade a assistência integral caso ocorra danos que estejam diretamente
ou indiretamente relacionados à pesquisa. Esta pesquisa não lhe trará custos e é de nossa
responsabilidade o ressarcimento do custeio das despesas relacionadas à mesma.
Todas as medidas de proteção relacionadas à pandemia do novo Coronavírus serão adotadas,
tais como a utilização de máscaras, luvas e vestimentas adequadas, limpeza e higienização do
ambiente antes de todas as intervenções. Os materiais que serão utilizados nas oficinas serão
previamente higienizados e de uso exclusivo de cada participante.
A todos os participantes será garantido o acesso aos resultados da pesquisa assim como o acesso
ao registro deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido sempre que o mesmo for
solicitado.
Neste ato e, para todos os fins de direito, será autorizado o uso de todos os registros de imagem
e voz realizados durante a pesquisa, que poderão ser exibidos parcial ou totalmente durante a
defesa da tese, apresentações audiovisuais, publicações, eventos científicos e/ou artísticos
nacionais e internacionais, assim como disponibilizadas no banco de imagens resultante da
pesquisa, na Internet ou em outras mídias, fazendo-se constatar os devidos créditos aos
pesquisadores. Caso os senhores preferirem não serem identificados, comprometemo-nos a
preservar suas identidades por meio da utilização de recursos de imagem que desfoquem as
suas fisionomias.
Se o(a) Senhor(a) tiver qualquer dúvida em relação à pesquisa, por favor telefone para: Marcia
Degani, telefone: 61- 981760939 em horário comercial.
Este projeto foi Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UCB, número do protocolo
________. As dúvidas com relação à assinatura do TCLE ou os direitos do sujeito da pesquisa
podem ser obtidas no CEP/UCB pelo telefone: (61) 3356-9784. O CEP da UCB está localizado
na sala K-239, no endereço Campus I - QS 07 – Lote 01 – EPCT – Águas Claras – Brasília –
DF.
Este documento foi elaborado em duas vias, uma ficará com o pesquisador responsável e a outra
com o voluntário da pesquisa.
Eu aceito participar da pesquisa: SIM ( ) NÃO ( )
Desejo não ser identificado nos registros de imagem: SIM ( ) NÃO ( )
Nome completo:
Assinatura:
I- Características Gerais
1. Iniciais Nome:
2. Sexo ( )feminino ( ) masculino
3. Nacionalidade ( ) Brasil ( ) Outros: __________
4. Naturalidade:
5. Data Nascimento:
6. Idade:
7. Há quanto tempo mora em SP?
8. Cidade que reside:
9. Qual seu estado civil? ( ) solteiro ( ) casado ( ) viúvo ( ) separado ( ) desquitado ( ) Outros
10. Filhos ( ) Não ( ) Sim Quantos? _____________________
11. Com quem reside atualmente? ( ) sozinho ( ) neto(s) ( ) filhos ( ) outros parentes ( ) Outros
12. Escolaridade
( ) 1º grau incompleto ( ) 2º grau incompleto
( ) 1º grau completo ( ) 3º grau incompleto
( ) 2º grau incompleto ( ) 3º grau completo
II – Outras Informações
13. Profissão ( ) aposentado ( ) Trabalhando ( ) benefício ( ) nunca trabalhou
14. Lazer ( ) não ( ) sim Qual?___________________
15. Hobbies ( ) não ( ) sim Qual?_______________________
16. Atividade Física ( ) não ( ) sim Qual? Frequência?
17. Como está a sua saúde? ( )ruim ( )nem boa nem ruim ( )boa ( )excelente
18.Utiliza alguma medicação? ( ) sim ( ) não
Qual? __________________________________________________________
Para que serve? __________________________________________________
Avaliador: ____________________________________
Data:________________________
155
Diagnóstico:
Avaliação
Inicial
A.
D.
G.
B.
C.
E.
F.
AUDITIVA
Avaliação
Inicial
ÁREA
A.
D.
G.
B.
C.
E.
F.
A. Reage a sons
B. Apresenta um movimento exagerado (espasmo) ao escutar um som repentino
C. Localiza a fonte sonora
D. Agrada-lhe o som da música
E. Responde à voz do terapeuta
F. Reconhece ou identifica alguns sons (sinos, tambores, areias etc.)
G. Com audição normal, ignora os sons e ruídos
ÁREA TACTIL
Avaliação
Inicial
A.
D.
G.
B.
C.
E.
F.
Avaliação
Inicial
ÁREA
A.
D.
G.
B.
C.
E.
F.
A. Reage a aromas
B. Reconhece aromas
157
Inicial
ÁREA
A.
D.
G.
H.
B.
E.
F.
C
Avaliação
Inicial
ÁREA
VA
A.
D.
G.
B.
C.
E.
F.
PSICOLÓGICA
ÁREA SOCIAL
Avaliação
Inicial
E
A.
D.
G.
B.
C.
E.
F.
A. Estabelece facilmente contato visual
B. Mostra sorriso
C. Permite a proximidade do/s terapeutas
D. Interagir com os outros
E. Irrita-se com facilidade
F. Expressa estados de ânimo
G. Mostra-se contente
2 Pouca resposta
3 Resposta com ajuda
4 Alguma resposta
5 Apresenta muito boa resposta