Você está na página 1de 3

Arte para cegos: como podemos ajudar um deficiente

visual a conhecer uma obra de arte?


Marco Henrique Pereira e Leonardo Massena

Você já imaginou como um deficiente visual aprecia uma obra de arte? Como
podemos descrever a obra Mona Lisa para um cego? Existem projetos que
permitem a cegos conhecer obras de arte através do tato. Um exemplo é a
exposição O Relevo, da artista plástica gaúcha Lenora Rosenfield, onde deficientes
visuais usam luvas especiais para tocar os quadros e sentir a pintura, tendo assim
uma percepção de como seria a obra de arte. Mas quem não tem oportunidade para
visitar exposições como esta? Como podemos incluir os deficientes visuais no meio
artístico cultural?
Para Virgínia Kastrup (2010) no que diz respeito à acessibilidade dos cegos
aos museus, parecem existir duas orientações ou políticas que vêm sendo seguidas.
“A primeira é uma política do acesso à informação e a outra é uma política do
acesso à experiência, onde se destaca o papel da experiência estética” (Kastrup,
2010)¹. A autora ainda destaca que:
A primeira privilegia a transmissão de informações sobre as obras, sobre
seus criadores e sobre seu contexto histórico. Para isto lança mão de
dispositivos como maquetes, mapas táteis, gravações em áudio e recursos
diversos em Braille (placas, folhetos, etc). Em se tratando de obras de arte,
o mapa tátil dificilmente é capaz de produzir a percepção do que a arte tem
de arte, pois ele se limita a representar uma forma. E o acesso á arte
depende mais da percepção da dimensão expressiva da obra do que de sua
dimensão representativa¹. (Kastrup, V, 2010, p. 42)

No entanto, o mapa tátil muitas vezes é feito com pouca ou nenhuma


consideração pela adequação das peças à percepção tátil, resultando em
experimentações malsucedidas, que deixam confuso o espectador que se desejava
incluir. “Costuma-se simplesmente pressupor, por exemplo que o alto-relevo e a
escultura são formas de arte tão acessíveis ao tato quanto à visão” (Almeida, Carijó
e Kastrup, p. 86, 2010)².

¹ Kastrup, V. Experiência Estética para uma Aprendizagem Inventiva: notas sobre a acessibilidade de pessoas
cegas a museus. 2010. Disponível em: < https://www.seer.ufrgs.br/InfEducTeoriaPratica/article/view/12463>
² Almeida, M. C. et al. Por uma estética tátil: sobre a adaptação de obras de artes plásticas para deficientes
visuais. 2010. Disponível em: < http://periodicos.uff.br/fractal/article/view/4781>
Segundo os dados estatísticos do IBGE (2003), 14,5% da população nacional
apresentam algum tipo de incapacidade, ou seja, alguma dificuldade de locomover-
se, enxergar, ouvir ou com alguma deficiência física, mental ou sensorial. Os
deficientes visuais representam 48,1% deste contingente, sendo por isso, o grupo de
maior representatividade do que se diz falta de mobilidade. Muitos destes deficientes
visuais não têm a oportunidade para visitar uma exposição em alto relevo. Muitos
passam a vida toda sem saber como seria um quadro de Picasso.
Apesar dessa condição se repetir também para quem que não tem problemas
de visão, pelo menos existe a possibilidade de visualizar as obras por meio da
internet, assim podemos ter uma ideia de como seria ela pessoalmente. Já
deficientes visuais não têm nem essa possibilidade.
Após refletir sobre este tema pensamos numa forma de ajudar os deficientes
visuais a conhecerem obras de arte através do áudio. Para este fim seria
desenvolvido um aplicativo que a partir de um comando de voz do usuário seria feito
uma pesquisa no banco de dados do programa e com isso seria informado ao
usuário um audioguia, com uma descrição completa da obra de arte pesquisada. O
áudio informaria a descrição da obra, a sua localização, se existe exposições com
mapa tátil da obra ou sua réplica, e, ainda, traria relatos de pessoas que tiveram a
oportunidade de visitar a obra pessoalmente. Com isso, tentaríamos trazer para o
deficiente visual a experiência de como seria a obra de arte no real. Seria como uma
leitura de um livro, e com os detalhes do que foi informado, o usuário poderia
imaginar a obra de arte com maior complexidade.
Para saber se a ideia seria possível e se existe algo parecido no mercado, foi
feito uma pesquisa na base de dados do Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual. Utilizando palavras chaves do tema, não encontramos nenhum registro
de patente para algo parecido, e por isso concluímos que não existe nada igual.
Poderíamos classificar o aplicativo como uma tecnologia assistiva que são
muito importantes e que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades
funcionais de pessoas com deficiência e consequentemente promover vida
independente e inclusão social.
O desenvolvimento tecnológico tem propiciado às pessoas com deficiência
visual novas alternativas de ajuda técnica para sua inclusão social e
autonomia em suas atividades. Diversas tecnologias específicas lhes
permitem vencer as barreiras e realizar suas atividades com autonomia e
independência³. (Nunes, Machado, Vanzin, p. 197, 2013)
A audiodescrição surgiu no Estado Unidos em 1975. No Brasil, teve seu
primeiro ensaio no final dos anos 1990. A audiodescrição vem conquistando espaços
diversos devido à eficácia com que se apresenta no desafio de traduzir em palavras
aquilo que os olhos das pessoas cegas não podem enxergar, mas que os ouvidos
podem entender, para abrir espaço para o conhecimento.
As pessoas com deficiência visual, em particular as pessoas cegas, contam
com o recurso da audiodescrição como uma das tecnologias assistivas que
contribuem para o acesso à informação de conteúdos audiovisuais.
Dessa forma, essas pessoas passam a estar em igualdade de condições com
aquelas que não têm deficiência visual e podem estudar e apreender esses
conteúdos antes inacessíveis e assim refletir sobre eles, discutir, propor e criar
novos conhecimentos para a sociedade. A audiodescrição permite que se tornem
também produtores de conhecimento. Como mostra Kleina (2012, p.05) citado por
Santos (2016, p.04):
Quando usamos ferramentas ou recursos específicos, ou seja,
equipamentos ou dispositivos, estes poderão proporcionar novas
possibilidades ao deficiente visual, tais como, maior liberdade, qualidade de
vida e inclusão social, através da ampliação de sua comunicação,
mobilidade, controle de seu ambiente, habilidades de seu aprendizado,
trabalho e integração com a família, amigos e sociedade4.

Para que isso seja possível, será necessário o investimento do estado ou da


iniciativa privada para tornar o aplicativo totalmente gratuito e viável para trazer ao
deficiente visual uma nova concepção do mundo. Dando mais um passo para uma
realidade onde todos possam consumir cultura e se sentirem inclusos na sociedade.

³ Nunes, E. V. et al. Audiodescrição como tecnologia assistiva para o acesso ao conhecimento por pessoas
cegas. 2013. Disponível em: <http://guaiaca.ufpel.edu.br/handle/123456789/711>
4
Santos, J. Tecnologia Assistiva: um estudo sobre o uso de aplicativos para deficientes visuais 1. ed. 2016.
Disponível em: < https://ojs.eniac.com.br/index.php/Anais_Sem_Int_Etn_Racial/article/view/443/548>

Você também pode gostar