Você está na página 1de 10

DEFICIENTE X CIDADANIA X ACERVO

ALAMBERT, Clara Correia d’


Arquiteta (FAU Mackenzie –1981), pesquisadora e museógrafa.
Mestre e Doutora em Arquitetura e Urbanismo (FAU USP – 1994 e 2004).
Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
(e-mail : alambert@unisys.com.br )

Resumo da Comunicação :

Freqüentemente as instituições culturais desenvolvem atividades e montam exposições para o


público em geral, esquecendo-se de uma parcela significativa de visitantes em potencial: o público
com algum tipo de dificuldade ou deficiência (física, visual, auditiva, mental). Assim, não existe, via
de regra, a preocupação de adaptação museográfica dos espaços culturais e nem o planejamento
de eventos direcionados a este público especial, agravando ainda mais a discriminação social e
cultural a que está submetido.

Possibilitar o entendimento e a apropriação do espaço expositivo e fornecer condições para que o


deficiente possa superar suas dificuldades (se possível, sózinho) são questões que devem ser
encaradas com seriedade pelas instituições culturais – públicas e privadas. Acreditamos que a
discussão a respeito do atendimento eficaz do deficiente nas mostras dos museus seja de grande
importância numa sociedade democrática, de modo a permitir o acesso deste público diferenciado
ao nosso Patrimônio Histórico, Artístico e Científico.

Desta forma, pretendemos apresentar na nossa comunicação algumas experiências bem


sucedidas, desenvolvidas por nós em cursos e em exposições destinadas ao público em geral,
que procuraram também atender aos visitantes deficientes através de um tratamento
museográfico específico.

Abstract

Usually the cultural institutions develop activities and exhibitions for the public in general, forgetting
a large amount of visitors: people with any kind of difficulty or deficiency (physically handicapped
person, blind, deaf, mentally handicapped person). Actually, we don’t see preoccupation neither to
adapt the exhibition’s design of cultural places nor in planning specific events to this special public,
making even worse the social and cultural discrimination to them.

To make possible the understanding and exhibition experience and to assist the handicapped
person to overcome their limitations (if possible, alone) are questions that should seriously be
considered by the cultural institutions - public and private ones. We believe that the discussion
about the handicapped’s effective service at exhibitions is very important in a democratic society, in
order to make easy the access to this special visitor to our historic, artistic and scientific heritage.

In fact, our communication intends to present some well succeed experiences that we developed in
courses and shows to the public in general, at which we also searched to attend the handicapped
person by a specific exhibition’s design.

“Da diferença de cor entre os indivíduos, ou de comportamento cultural entre grupos, o racismo faz o signo
de uma deturpação absoluta e, acima de tudo, a marca de uma inferioridade ou de uma superioridade
constitutivas. Será que as sociedades contemporâneas terão a coragem e a lucidez necessárias para
romper com este comportamento frente aos deficientes, quando lhes é imposto o mesmo tipo de
discriminação?”
(trecho do discurso proferido por Amadou M. M’Bow, diretor geral da UNESCO, em 1981, Ano Internacional
dos Deficientes)

Quando se fala em Patrimônio Cultural e Cidadania pensa-se de imediato no direito de cada


cidadão de ter acesso aos bens e equipamentos culturais existentes na sua cidade; direito este,
indubitável e extensivo a todas as pessoas de uma dada comunidade urbana sem exceções.
Freqüentemente as instituições culturais desenvolvem atividades e montam exposições para o
público em geral, esquecendo-se de uma parcela significativa de visitantes em potencial : o
público deficiente. Assim, não existe, via de regra, a preocupação de adaptação museográfica dos
espaços culturais e nem o planejamento de eventos direcionados a este público especial,
agravando ainda mais a discriminação social e cultural a que estão submetidos.

A situação difícil dos deficientes faz parte da matriz social das comunidades desde os primeiros
tempos da humanidade. Aqueles que têm “diferenças” de aspecto e de comportamento,
resultantes de variadas causas, como nascimento, doença, acidente ou idade, são vítimas de
atitudes diversas por parte das pessoas ditas “normais” ; atitudes que vão do ostracismo até o
paternalismo excessivo, passando pela indiferença e pela negligência. Estes sentimentos
acarretam nos deficientes sensações de dependência e insegurança, que prejudicam o bom
relacionamento com eles.

Ser deficiente pode significar muitas coisas diferentes : desde uma aceitação resignada do
isolamento imposto pelo ambiente social até a revolta constante contra a sua própria deficiência,
que o leva muitas vezes à busca da superação das suas dificuldades. O que é importante deixar
claro é que os deficientes são pessoas com algumas limitações, que não impedem, no entanto, o
desenvolvimento de suas potencialidades. Eles desejam ser tratados de maneira natural, como
pessoas comuns, e almejam o direito legítimo a uma vida digna, produtiva e independente,
participando e se integrando, social e culturalmente, de modo a exercer plenamente a sua
cidadania.

Até a década de 1960, no Brasil, as pessoas com algum tipo de deficiência eram discriminadas
socialmente, ficando confinadas, em geral, em instituições ou dentro das próprias casas. A partir
desta época surgem os primeiros movimentos em defesa dos direitos dos deficientes, organizados
por inúmeras associações atuantes, que lutaram incansavelmente durante anos para que as suas
reivindicações se transformassem em leis. Atualmente existe ampla legislação – federal, estadual
e municipal – que garante às pessoas portadoras de deficiência o direito de acesso ao trabalho,
educação, esporte, saúde, lazer, cultura, reabilitação, transporte, habitação etc.

De acordo com um cálculo estimativo da UNESCO os deficientes constituem hoje cerca de um


décimo da população mundial, formando uma parcela significativa de indivíduos com limitações
que se encontra no mundo inteiro e em todos os estratos sociais e econômicos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) acredita que o número de pessoas portadoras de algum
tipo de deficiência seja superior a 600 milhões no mundo inteiro. No Brasil a situação é ainda mais
grave quando comparada com os índices dos países desenvolvidos. Aqui, segundo dados obtidos
no Censo 2000, existem cerca de 25 milhões de deficientes, ou seja, o correspondente a 15 % da
população brasileira. E, conforme informações divulgadas pela Comissão Permanente de
1
Acessibilidade (CPA) , só na cidade de São Paulo os deficientes constituem um contingente de
mais de um milhão de habitantes.

Os museus como instituições culturais destinadas à guarda, conservação e exposição de acervos,


possuem uma atribuição essencial de difusão cultural e educativa do Patrimônio Histórico, Artístico
e Científico de um povo ou de uma civilização. Mas, como outras instituições, os museus
brasileiros, via de regra, negligenciavam grupos importantes de visitantes que poderiam freqüentá-
los, como os de deficientes, e que não o faziam por diversas razões: desde as dificuldades de
acesso e de circulação interna pelos espaços do museu até a falta de um atendimento eficiente e
personalizado a este tipo especial de público.

1
A Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) está vinculada à Secretaria Municipal da Habitação de São Paulo
(SEHAB) e foi criada com o objetivo de contribuir para a inclusão social do deficiente, procurando fornecer orientação tanto
aos profissionais das áreas de Direito e Edificação (engenheiros e arquitetos), quanto aos próprios portadores de
deficiência.
1. MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA (Niterói – Rio de Janeiro / projeto : Oscar Niemeyer)

O velho ideal democrático do museu aberto a todos se concretiza hoje na eliminação de todo tipo
de barreiras : econômicas, sociais, de idade, educativas, de idioma etc. A partir da arquitetura as
barreiras físicas começam a ser eliminadas para que os deficientes possam alcançar todos os
espaços públicos do museu. Um simples degrau pode significar um obstáculo intransponível para
uma pessoa em cadeira de rodas, por exemplo. É importante ter em mente que o deficiente deseja
percorrer o museu sem embaraços e sem o auxílio de ninguém, como uma pessoa normal. A
acessibilidade deve estar presente nas edificações de cunho cultural para oferecer maior conforto
e segurança na apropriação destes espaços por todas as pessoas, deficientes ou não. Assim, o
objetivo da acessibilidade no museu é alcançar maior funcionalidade do espaço edificado,
eliminando as barreiras físicas de modo a possibilitar independência e mobilidade a todos os
visitantes especiais, que tenham locomoção ou visão reduzida, ou ainda aos que apresentem
algum tipo de dificuldade de comunicação (deficientes auditivos e mentais).
2
O conceito de acessibilidade está necessariamente associado ao do desenho universal, cuja
principal proposta é a de projetar espaços que sejam capazes de atender à maior gama possível
de variações antropométricas, representadas por diferenças etárias (crianças, adultos, idosos), de
peso (obesos), de altura (anões, pessoas de grande estatura, de cadeira de rodas) e de sexo. O
desenho universal visa também reduzir, através do design, os empecilhos físicos que impedem a
autonomia das pessoas com limitações locomotoras ou sensoriais, adequando os espaços, o
mobiliário e os equipamentos às necessidades dos deficientes.

A legislação de acessibilidade federal, estadual e municipal, que regulamenta o assunto no Brasil,


garante o ingresso aos edifícios públicos a todos os cidadãos irrestritamente. Desta forma,
qualquer projeto de construção, ampliação ou reforma de um edifício público, deve atender a
determinados requisitos básicos de acessibilidade para ser aprovado, tais como : deve ter pelo
menos um dos acessos externos à edificação livre de barreiras arquitetônicas como degraus,
corredores e portas com largura estreita etc.; deve prever pelo menos um itinerário interno que
permita as circulações horizontal e vertical entre todos os ambientes e serviços de interesse do
edifício, seja através de rampas, de plataformas elevatórias, de esteiras rolantes ou de elevadores,
entre outras obrigações. Diante dessas exigências legais de acessibilidade os edifícios que
abrigam museus têm que realizar obras de adaptação, assim como, os projetos de novos museus
estão obrigados a prever espaços capazes de facilitar a visitação de pessoas com deficiência
visual ou de mobilidade. Com relação aos edifícios de interesse histórico e/ou arquitetônico, que
foram adaptados para a implantação de museus, em geral as modificações são difíceis e
custosas, mas sempre há a possibilidade de se instalar rampas de acesso (nem que sejam

2
“O conceito de “Desenho Universal”, criado por uma comissão em Washington, EUA, no ano de 1963, foi inicialmente
chamado de “Desenho Livre de Barreiras” por ter seu enfoque voltado à eliminação de barreiras arquitetônicas nos projetos
de edifícios, equipamentos e áreas urbanas. Posteriormente, esse conceito evoluiu para a concepção de Desenho
Universal, pois passou a considerar não só o projeto, mas principalmente a diversidade humana, de forma a respeitar as
diferenças existentes entre as pessoas e a garantir a acessibilidade a todos os componentes do ambiente.” In: Guia de
Acessibilidade em Edificações, p.6.
móveis), plataformas elevatórias e elevadores para servir aos que possuem problemas de
locomoção.

Do ponto de vista arquitetônico, em muitos casos pode ser recomendável o uso de rampas quando
os desníveis a serem vencidos são pequenos e existe a disponibilidade de espaço para a sua
construção. As rampas oferecem um meio simples e confortável de vencer diferenças de altura e
garantem uma continuidade de movimento. Entretanto, o uso de rampas acessíveis na arquitetura
dos museus é restrito, devido principalmente à pequena inclinação a ser adotada, que determina a
necessidade de uma grande extensão para o seu desenvolvimento.

Segundo a recomendação da NBR 9050/04, relativa a acessibilidade a edificações, mobiliário,


espaços e equipamentos urbanos, a inclinação das rampas em edifícios públicos não deve ser
superior a 8,33 % para um comprimento máximo de 10,80 m entre patamares, só que na prática
os usuários de cadeiras de rodas reclamam que esta inclinação é excessiva, exigindo um grande
esforço físico para vencê-la, e sugerem que para sua segurança e conforto a inclinação ideal das
rampas esteja entre 6,0 e 7,0 %.

Um exemplo notável do uso de rampas determinando o partido de um edifício é o Museu Solomon


R. Guggenheim (1955-59), de volumetria marcante na paisagem novaiorquina, ícone da
Arquitetura Moderna Internacional, e, em particular, da arquitetura de museus. Na concepção
daquele museu e para atender o programa solicitado, o arquiteto americano Frank Lloyd Wright
inovou tanto na forma quanto no conteúdo, ao propor um edifício em forma de espiral cônica
invertida, desenvolvida a partir do desenho de uma rampa interna contínua, que serve de suporte
para a exposição do acervo. “ Quando lhe perguntaram por que escolhera uma rampa, em vez dos
convencionais pisos sobrepostos, Wright explicou que o visitante do museu acharia mais
conveniente entrar no edifício, tomar o elevador até ao topo da rampa, ir descendo gradualmente
em redor de um pátio aberto, sendo-lhe sempre possível – por a rampa tocar a caixa do elevador
em todos os andares – voltar para trás, ou saltar até andares mais baixos, até que, no fim da
3
exposição, se achasse no rés-do-chão, perto da saída.” É provável que a motivação de Wright
para o emprego de rampas no seu projeto arquitetônico e proposta museográfica não estivesse
baseada em uma preocupação específica com a acessibilidade de portadores de deficiência
locomotora, porém a solução adotada no seu museu visava uma maior flexibilidade e liberdade de
apropriação do espaço expositivo pelos visitantes, que numa visão mais ampla acabou por
favorecer também o acesso dos deficientes ao seu museu. Solução esta, que, sem dúvida, pode
servir de paradigma para o desenvolvimento de outros partidos de museus.

2./ 3. MUSEU SOLOMON R. GUGGENHEIM (Nova Iorque – EUA / projeto : Frank Lloyd Wright)

Vista externa e interna do museu.

3
In: Frank Lloyd Wright, p. 151.
A já citada NBR 9050/04 recomenda também especificações técnicas e dimensionais para os
4
elevadores, como o tamanho mínimo das cabinas , que não pode ser inferior a 1,10 m x 1,40 m.
Os elevadores devem permitir o acesso a todos os pavimentos e devem possuir botoeiras
sinalizadas em braile e comunicação falada informando ao deficiente visual o andar em que o
elevador está parado. Segundo esta mesma norma as plataformas elevatórias devem ser
basculantes (para não obstruir a escada) e previstas para vencer desníveis de até 2,00 m em
edifícios de uso público.

Estas e outras condições passaram a ser exigidas pela Prefeitura Municipal de São Paulo para
aprovação dos projetos específicos de acessibilidade dos edifícios de uso público ou coletivo,
novos ou adaptados : recomendação para construção de rampas com uma inclinação de no
máximo 6,0 % para que os deficientes possam subi-las sem a ajuda de terceiros ; uso de piso
podotátil (ou playpiso – piso de bolinhas) para marcar o início e o fim das rampas; uso de piso
antiderrapante; previsão de um elevador dimensionado para cadeira de rodas; colocação nas
escadas de corrimãos com acabamento recurvado nas extremidades para maior segurança dos
usuários; uso de corrimãos duplos em rampas (a altura menor é destinada às pessoas em cadeira
de rodas); construção de número proporcional de sanitários destinados a deficientes físicos que
permitam o acesso de cadeira de rodas e munidos de barras metálicas de apoio; e, previsão de
portas com no mínimo 0,80 m de largura.

Quanto à questão museográfica deve-se considerar que as soluções adotadas na exibição do


acervo permanente ou de exposições temporárias precisam ser criativas e apropriadas às
necessidades especiais dos visitantes. Qualquer pessoa com algum tipo de deficiência poderá
apreciar proveitosa e prazerosamente uma mostra desde que esta seja bem equipada e forneça
condições para o deficiente superar as suas dificuldades.

Desta maneira conceber exposições e eventos com ambientações que estimulem um maior
número de sentidos – tato, olfato e audição – pode beneficiar não só os deficientes visuais mas
todos os visitantes, tornando mais interessante e rica em sensações a apresentação do acervo. É
possível utilizar o canto de aves ou sons de outros animais numa exposição de história natural, ou
então, usar o perfume de diferentes tipos de madeira numa apresentação sobre marcenaria, ou
ainda, mostrar texturas de diferentes materiais como cerâmica, pedras, tecidos etc. Mesmo que
não seja possível o manuseio de todo o acervo exposto, deve-se prever a apresentação de um
pequeno número de peças que possam ser tateadas pelos deficientes visuais e mentais.

A fim de proporcionar um melhor acolhimento é recomendável que cada museu ou instituição


cultural preveja na entrada um espaço exclusivo de recepção para o atendimento adequado e
eficiente do visitante com necessidades especiais. Assim, neste local poderá estar disponível aos
deficientes visuais uma planta em relevo ou uma maquete das diferentes áreas de interesse da
instituição, executadas para lhes facilitar a compreensão do espaço físico do museu – circulação
horizontal e vertical, sanitários, loja, biblioteca, auditório etc. – e dos seus espaços expositivos
(salas de exposição permanentes e temporárias).

4
Consultar o item 6.8.2.1 da NBR 9050/04.
4. Maquete das áreas de interesse do museu ou da organização da exposição para orientação espacial de deficientes
visuais.

Deve-se considerar que o deficiente visual não tem problemas motores, podendo caminhar sem
dificuldade, porém para facilitar o seu percurso poderá ser prevista na montagem e incorporada no
projeto museográfico uma “corda-guia” disposta ao longo do percurso previsto da exposição e
interrompida diante de cada elemento expositivo (quadro, painel ou vitrine), a qual indicará à
pessoa com limitação visual a seqüência da exposição. Outra solução simples é marcar com
textura diferenciada o piso fronteiro ao objeto exposto.

Para facilitar a compreensão e apreciação dos deficientes visuais é importante prever o


acompanhamento de um monitor especializado no trato com este tipo de público que poderá de
uma maneira agradável e didática descrever a mostra para um grupo ou para um visitante. O uso
de aparelhos tipo “walkman” ou CD player com descrição verbal da exposição, a confecção de
etiquetas, textos e folhetos explicativos em braile também são outros recursos que muito auxiliarão
os que possuem problemas visuais.

Uma outra alternativa viável é a concepção de uma exposição que contasse com a apresentação
de objetos ou obras artísticas de diversas formas, texturas, materiais, que pudessem ser tateadas
e manuseadas, tanto pelos visitantes em geral, quanto pelos deficientes visuais. Este tipo de
exposição certamente proporcionaria um maior grau de satisfação aos deficientes visuais do que
uma mostra apenas descritiva dos objetos – sem tocá-los eles não poderão “vê-los”.

A iluminação interna dos museus, em geral pouco intensa para evitar danos aos objetos expostos,
também pode ser causa de limitações e constrangimentos aos que possuem deficiências visuais.
A iluminação reduzida das salas de exposição e outros espaços do museu dificulta a circulação e
a apreciação do acervo. Para facilitar a locomoção, no nível do rodapé, tal como nos cinemas e
teatros, poderiam ser instaladas “luzes-guia” que iluminariam o piso e orientariam a circulação dos
deficientes visuais. Uma solução simples para resolver o problema da visualização das vitrines
seria a instalação próxima do objeto exposto de uma minuteria, ou seja, de um interruptor que
permitiria aumentar a intensidade luminosa da vitrine, limitando a duração da iluminação sobre o
objeto. Outra sugestão seria a distribuição na entrada do museu de pequenas lanternas, que
poderiam ser utilizadas durante a visitação pelos que tivessem necessidade delas.

Para os visitantes com dificuldades de mobilidade o local e a organização física da exposição


devem ser estudados de forma a facilitar a sua locomoção independente do auxílio de outras
pessoas. Assim, o distanciamento entre as vitrines deve ter largura mínima de 1,50 m, suficiente
para a livre circulação e rotação completa do deficiente em cadeira de rodas. As bases das
vitrines podem ter altura variável entre 0,80 e 1,00 m para permitir uma boa visibilidade e
confortável apreciação dos objetos ou obras de arte pelos cadeirantes. As etiquetas devem ser
rebaixadas a uma altura média de 1,10 m para facilitar a leitura e, no caso de exposições
pensadas para atender preferencialmente ao público deficiente, deve-se considerar uma altura
guia mais baixa que a usual (ou seja, inferior a 1,60 m) para a colocação de quadros e de painéis
com textos.
5. Previsão de espaçamento adequado no planejamento museográfico para movimentação de cadeiras de rodas.

6. MUSEU DE BELAS ARTES (Sevilha – Espanha)


Exemplo de distribuição de pedestais de modo a facilitar a circulação dos visitantes. Etiquetas em altura compatível para
leitura de cadeirantes.
7. MUSEU DI CASTELVECCHIO (Verona – Itália)
Amplo espaçamento entre suportes facilitam a circulação de visitantes de cadeira de rodas.

8. MUSEU DE CERÂMICA RUIZ DE LUNA (Talavera de la Reina / Espanha)


Vitrines mais baixas favorecem a visualização de deficientes em cadeira de rodas.

No caso do atendimento aos deficientes auditivos a monitoria deverá ter preparo especial,
contando com a orientação de professores especializados e, se possível, acompanhamento de
pessoas que dominem a linguagem gestual. O deficiente auditivo locomove-se e enxerga
normalmente, mas distrai-se com facilidade e geralmente não é alfabetizado. As informações
devem ser transmitidas de forma clara e o monitor se colocar sempre frontalmente ao visitante,
falando e movendo os lábios de modo pausado.

Como o deficiente mental necessita de maior atenção durante a visitação do museu é necessário
prever um maior número de monitores proporcionalmente ao de deficientes (geralmente um
monitor para cada grupo de quatro ou cinco deficientes) pois estes são muito dispersivos e
dependentes. Esse público deve contar com um tratamento diferenciado dos demais e, para os
esclarecimentos necessários, as monitorias e serviços educativos dos museus devem entrar em
contato com as entidades responsáveis.

Finalmente, não se deve esquecer que no projeto de qualquer exposição, prevista ou não para o
público deficiente, deve-se evitar sempre o uso expográfico de áreas ou passagens estreitas, as
quais bloqueiam a visão e causam encontros e confusões. Deve ser evitada também a criação de
áreas fechadas (sem saída) que tendem a concentrar pessoas, dificultando o seu escoamento no
caso de emergência. Outro fator a ser considerado no planejamento museográfico e visual do
museu é a sinalização de orientação e informação, os textos explicativos da exposição e a
sinalização de segurança. Devem ser previstos telefones públicos e bebedouros em altura
compatível para crianças e pessoas em cadeira de rodas. Nas salas de exposição ou entre os
módulos expositivos de grandes mostras é recomendável a previsão de espaços ou mobiliário
para descanso, para atender não só ao público em geral, mas em particular, aos idosos, às
pessoas com crianças e aos deficientes físicos. Os percursos expositivos devem ser planejados
criteriosamente para minimizar o gasto de energia física dos visitantes, evitando o cansaço que
pode prejudicar psicologicamente a fruição da exposição.

Porém, a difícil tarefa de encorajar a visitação e a participação do público deficiente no museu não
se restringe somente às adaptações físicas e museográficas ; ela exige um imenso esforço por
parte do pessoal que trabalha no museu, desde o responsável pela instituição até os vigilantes e
recepcionistas. Todos os profissionais devem estar preparados e treinados para melhor atender às
necessidades materiais e psicológicas dos deficientes e devem estar dispostos a dedicar mais do
seu tempo às atividades de manipulação e de criatividade, como visitas guiadas específicas e
oficinas para grupos. As instituições especializadas no trato com deficientes serão neste momento
de grande ajuda, orientando os profissionais dos museus na realização deste trabalho. A monitoria
precisa contatar a entidade responsável para que sejam fornecidos dados de como melhor
proceder com essa clientela. O monitor deve conhecer e, se possível, pesquisar o acervo para
melhor transmitir as informações necessárias e estimular a reflexão sobre as obras expostas. A
informalidade, o bom humor e a cordialidade devem ser as tônicas do tratamento a ser dedicado
pelo monitor a todos os visitantes com necessidades especiais.

Qualquer que seja o público alvo a realização de oficinas paralelamente ao evento facilita a
transmissão de informações e dos objetivos a que a mostra se propõe. Dar possibilidade aos
deficientes se manifestarem verbalmente ou através de jogos, questionários, desenhos, ou outras
formas de expressão, possibilitando uma maior compreensão e entrosamento público-acervo é
também um exercício da cidadania que o museu deve incentivar e ter como uma das suas metas.
Oficinas de pintura, trabalhos em argila (principalmente para os deficientes visuais), teatro, música
etc. trazem maior entendimento e interesse aos visitantes.

Cabe aqui relatar que desde a década de 1990, juntamente com a museóloga Marina Garrido
Monteiro, desenvolvemos pesquisas direcionadas à compatibilização dos espaços museológicos e
museográficos a todos os tipos de deficientes ou pessoas com limitações físicas ou sensoriais. No
nosso manual Exposição – Materiais e Técnicas de Montagem já aparece a preocupação com o
atendimento mais adequado a este público especial nas recomendações direcionadas para o
planejamento e a montagem de exposições.

Nos vários cursos de montagem de exposição que realizamos desde então tivemos como
premissa propor aos grupos de participantes o desenvolvimento de um projeto museográfico que
possibilitasse a apreciação por todo tipo de visitante, inclusive pelos deficientes. Após a montagem
das exposições – resultados práticos do curso – pudemos constatar o bom resultado obtido com
soluções e propostas relativamente simples como, por exemplo, o emprego de etiquetas em braile
colocadas em altura mais baixa, a previsão de algumas peças de diferentes formatos, materiais e
texturas, para manuseio dos deficientes visuais, o acompanhamento de monitores capacitados
para fornecer informações, descrever as obras expostas; um distanciamento maior entre as
vitrines facilitando a circulação e visualização dos objetos. Os resultados encorajadores mostraram
que com poucos recursos se poderia apresentar uma mostra que possibilitasse o aproveitamento
por uma gama maior de visitantes. Daí surgiu a idéia do projeto “Contato com Arte” que resultou
em diversas exposições na capital (Pinacoteca do Estado e na Estação Especial da Lapa, esta
última com a promoção do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo) e em cidades
do interior paulista, como Rio Claro e Marília.

Todos os recursos culturais das sociedades devem e podem ser usados para melhorar a
existência dos deficientes e a engenhosidade e o esforço não podem ter limites. Definir o papel
dos museus em uma tal empreitada é sem dúvida abrir a porta para um vasto potencial, ainda
inexplorado, e começar um diálogo tão necessário, quanto oportuno entre aqueles que trabalham
com a cultura e aqueles que se dedicam à saúde e ao bem estar dos homens.

Referências Bibliográficas
. ALAMBERT, Clara Correia d’ & MONTEIRO, Marina Garrido. Exposição – Materiais e Técnicas
de Montagem. São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura, 1990.
. Guia de Acessibilidade em Edificações. São Paulo, CPA / SEHAB/ PMSP, 2004.
. NBR 9050 / 2004. Associação Brasileira de Normas Técnicas / ABNT.
. PFEIFFER, Bruce Brooks. Frank Lloyd Wright. Köln, Benedikt Taschen, 1994.

Você também pode gostar