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FORTALEZA
2019
FRANCISCA PAULA VIANA MENDES
FORTALEZA
2019
Universidade de Fortaleza — UNIFOR
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Ambiente, Trabalho e Cultura nas Organizações Sociais
Dissertação intitulada "Do caos à obra: desvelando afetos nos processos criativos de
artistas visuais", de autoria da mestranda Francisca Paula Viana Mendes aprovada
pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz- Fortaleza, CE - 60.811-905 - Brasil - tel: 55 3477-3000
A todas as mulheres nordestinas.
Esta dissertação não seria possível sem a colaboração e o apoio de inúmeras pessoas que
se dispuseram a debater sobre as ideias aqui expostas e ceder uma parte do seu tempo e recursos
para que eu pudesse escrevê-la.
Assim, sou enormemente grata à minha família, Nadja (Mãe) e Dalter (Pai), Rudinei
(Padrasto) e Alexandra (Madrasta), irmãos(ãs), Marília, Dalmo, Lucca, Maria Regina, Paulino
e Gustavo, e ao meu companheiro, Amadeu, por estarem presentes em todas as minhas
empreitadas.
Sou grata aos colegas e amigos de Pós-Graduação, por compartilharmos as dores e
angústias, as alegrias e a empolgação de estar na Academia construindo conhecimento, em
especial aos membros do Laboratório Otium, Gustavo, Ana Claudia, André, Sabrina, Érica,
Chagas, Berta, Marlo, Lucas e Zuleica.
Grata aos secretários do Programa de Pós-Graduação da Unifor, Hendrews e Sônia, pela
enorme paciência e pela generosidade que tiveram comigo sempre que precisei resolver alguma
questão.
Grata ao Grupo de Estudos Aion, a todos os seus participantes, em especial, ao seu
facilitador, Sidarta Cavalcante, companheiro de pesquisa de jornadas anteriores.
Grata à revisora desta dita dissertação, Aline Rebouças.
Grata a todos os professores que tive a honra de fazer parte da sala de aula como aluna
de um programa de Pós-Graduação, Normanda, Regina, Cinthya, Boris, Clara, Leonardo,
Thereza, Karla, Sylvia e em especial, ao professor orientador desta dissertação, José Clerton de
Oliveira Martins.
Grata à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNCAP) pela bolsa de estudos a mim concedida para que eu pudesse realizar os meus
estudos.
Grata enfim, a todos os (as) artistas visuais que colaboraram voluntariamente para que
o conhecimento aqui exposto pudesse ser construído com seus depoimentos, em especial, à
artista que abriu seu coração tão profundamente, para que eu pudesse compreender seus afetos
e motivações no estudo de caso.
Conhece-te a ti mesmo.
RESUMO
Os afetos têm sido estudados nos processos criativos juntamente com outros processos mentais,
como os cognitivos. Embora já haja estudos conclusivos sobre os aspectos cognitivos dos
processos criativos, não há resultados conclusivos no que concerne aos afetos. Assim, lançou-
se a partir da pergunta disparadora "quais os afetos que influenciam os processos criativos de
artistas visuais fortalezenses?" a proposta de estudar a influência dos afetos nos processos
criativos, com o objetivo geral de identificar os afetos vivenciados em processos criativos. O
percurso metodológico se deu a partir do enfoque qualitativo de viés etnográfico. De modo a
atender aos objetivos, a pesquisa foi dividida em um Estudo com dois momentos. O Estudo 1
teve o objetivo de apreender o contexto no qual se inserem os artistas visuais fortalezenses,
registrar uma descrição breve dos seus processos criativos e identificar os afetos listados como
vivenciados durante os processos. O Estudo de caso ocorreu a partir de demarcadores da
etnografia e teve o objetivo de trazer uma compreensão mais ampla dos fenômenos observados
no primeiro momento do Estudo 1. Foram definidos como participantes desta pesquisa artistas
visuais fortalezenses. A coleta de dados no Estudo 1 se deu a partir de perguntas disparadoras
organizadas através do recurso Google Formulários e a coleta de dados no Estudo de caso se
deu a partir da observação participante, da entrevista e do diário de campo. A análise do material
obtido teve finalidade de classificar os dados através de códigos numéricos ou linguísticos, com
sistematização em unidades temáticas. O Estudo 1 valeu-se do uso do software SPSS e o
software Iramuteq, enquanto que o Estudo de caso utilizou o software Iramuteq para as
entrevistas e a análise dos relatos etnográfico. Dentre os resultados, foi possível verificar que
os processos criativos descritos pelos (as) artistas visuais são entendidos como meios de
produção e de trabalho, através dos quais se transmite uma mensagem.
Affects have been studied in creative processes along with other mental processes, such as
cognitive processes. Although there are already conclusive studies on the cognitive aspects of
creative processes, studies on affect in this matter present inconclusive results. Thus, it was
launched through the question "what are the affects that influence Fortaleza's visual artists
creative processes?" a proposal to study about the influence of affections in the creative
processes, with the general objective of identifying the affects experienced in the processes.
The methodological course was based on the qualitative approach of ethnographic view. In
order to meet the objectives, the research was divided into two studies. Study 1 had the objective
of apprehending the context in which Fortaleza's visual artists are inserted, recording a brief
description of their creative processes and identifying the affections listed as experienced during
the processes. The Case Study was based on ethnographic markers and aimed to bring a broader
understanding of the phenomena observed in the first moment of Study 1. It was defined as
participants in this study visual artists from Fortaleza, Ceará, Brazil. Data collection in Study 1
was based on triggering questions organized through the Google Forms and data collection in
Case study was based on participant observation, interview, and field diary. Data analysis was
carried out in Study 1, seeking to classify the data through numerical or linguistic codes,
systematizing in thematic units using SPSS software and Iramuteq software. In Case study, with
the same objectives of Study 1, the Iramuteq software was used for the interviews and the
analysis of the ethnographic reports. Among the results, it was possible to verify that the
creative processes described by the visual artists are understood as means of production and
work, through which a message is transmitted.
Tabela 1 Resumo dos modelos criativos de Sternberg e Lubart (1996), Amabile (1996) e
Csikzentmihalyi (1996) ............................................................................................................ 24
Tabela 2 Tipos de motivação de suas características ............................................................... 39
Tabela 3 Resumo do Estudo 1 .................................................................................................. 53
Tabela 4 Resumo dos estudos, instrumentos e análises ........................................................... 58
Tabela 5 Perfil dos (as) Artistas Visuais Fortalezenses participantes ...................................... 69
Tabela 6 Lista dos 8 afetos mais frequentes divididos por sexo .............................................. 95
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
2 MODELOS TEÓRICOS SOBRE A CRIATIVIDADE E OS PROCESSOS
CRIATIVOS ..................................................................................................................... 17
2.1 Modelo de Sternberg e Lubart, ou Teoria do Investimento Criativo............................ 19
2.2 Modelo Componencial da Criatividade de Amabile .................................................... 21
2.3 Modelo da Perspectiva de Sistemas de Csikzentmihalyi.............................................. 22
2.4 Limitações gerais dos estudos sobre a criatividade apontados ..................................... 27
3 FATORES QUE INFLUENCIAM OS AFETOS ....................................................... 30
4 MOTIVAÇÃO E OS PROCESSOS CRIATIVOS ..................................................... 38
4.1 Teorias da motivação baseadas na promoção e na prevenção ...................................... 41
5. OS PROCESSOS CRIATIVOS NAS COSMOGONIAS ........................................ 44
6 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................... 50
6.1 Estudo 1 ........................................................................................................................ 51
6.2 Estudo de caso .............................................................................................................. 54
6.3 Procedimentos Éticos ................................................................................................... 60
7 PERFIL DOS ARTISTAS VISUAIS PARTICIPANTES ......................................... 62
8 DESCREVENDO OS PROCESSOS CRIATIVOS RELATADOS .......................... 72
8.1 Análise de Similitude ................................................................................................... 87
9 IDENTIFICAÇÃO DOS AFETOS NOS PROCESSOS CRIATIVOS .................... 91
10 SOBRE O PROCESSO CRIATIVO DE UMA ILUSTRADORA FREELANCER
FORTALEZENSE .......................................................................................................... 100
11 INFLUÊNCIA DOS AFETOS NOS PROCESSOS CRIATIVOS ........................ 114
12 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 148
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 157
APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre Esclarecido .................................... 162
APÊNDICE B - Estudo 1 ............................................................................................... 168
APÊNDICE C - Estudo de caso ..................................................................................... 169
APÊNDICE D - Instrumento de coleta de dados - desenhos ...................................... 170
ANEXO A – Parecer do CEP/UNIFOR ....................................................................... 172
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INTRODUÇÃO
em minha profissão, pois trabalho como artista plástica, comunicadora e professora de Artes
Visuais.
A partir de observações feitas no meu campo profissional, pude perceber tanto nos meus
processos criativos como nos dos meus alunos (as) a ocorrência de emoções e sentimentos no
percurso de criação.
A partir dessas observações, voltei-me para a literatura científica, onde percebi que as
emoções, os sentimentos e os humores são abarcados por um conceito mais amplo, o dos afetos,
que são definidos por Bezerra e Feitosa (2018) como tudo aquilo que afeta o sujeito,
Os afetos têm sido estudados nos processos criativos, juntamente com outros processos
mentais, como os cognitivos, como aquilo que perpassa psicologicamente a pessoa no seu fazer
criativo (Lubart, 2001). Convencionou-se nos estudos sobre processos criativos a divisão em 4
momento de relaxamento das intenções conscientes, para que associações inconscientes possam
colocado pela primeira fase e a quarta e última fase um momento de validação e verificação da
solução criativa.
A partir desses encaminhamentos, pude definir os temas que compõem essa dissertação,
Em Baas et al (2008), por exemplo, é apontado que o humor, uma das dimensões dos
afetos, é um preditor da criatividade e está ligado ao seu desempenho, além de atuar como um
autores também colocam que há pelo menos três linhas de investigação sobre a relação humor-
criatividade.
negativos com a criatividade. Embora haja uma quantidade considerável de trabalhos nesta
promover a criatividade; 2) eles podem ter um efeito negativo sobre ela e 3) nenhuma diferença
é encontrada.
Por fim, uma terceira linha de investigação sobre a relação humor-criatividade busca
comparar diretamente estados positivos com estados negativos. Diante destas possibilidades, a
perspectiva que mais me chamou atenção foi a que investiga o impacto dos afetos entendidos
como negativos na criatividade e nos processos criativos, devido aos seus resultados
contraditórios.
está a julgar moralmente um afeto, mas a compreendê-lo a partir de sua potência de ação,
aumentando-a ou diminuindo-a.
A partir delas coloca-se que afetos positivos (felicidade, exaltação, entusiasmo) podem
indicar que tudo corre bem com o ambiente, sinalizando possibilidades de crescimento e
exploração; já afetos negativos, como a angústia, a tristeza e o tédio, sinalizam que pode haver
um problema na relação do ser humano com o ambiente, funcionando como um sinal de “pare”,
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indicando que se deve proceder de maneira cautelosa (Gasper &Middlewood, 2014; Silverstre
seu impacto, sua influência e sua potência de ação, sua possibilidade de preceder a um
negativas são consideradas aversivas e facilitam o afastamento entre uma pessoa e a fonte de
Miranda, Bramati, Veras e Magalhães, 2001), porém seria esse o caso nos processos criativos?
Ou seja, afetos negativos provocariam sempre movimentos de retração? Esta minha dúvida se
ao fato de que a criatividade é reconhecida como um recurso para lidar com situações adversas.
Sem situações adversas, como a criatividade poderia ser reconhecida como um recurso para
outros, têm reconhecido desde 1990 que a criatividade pode ser uma habilidade socioemocional
para lidar com os problemas atuais e do futuro e Silvestre e Vandenberghe (2013) apontam que
processos criativos, como ficaria a explicação de pessoas criativas que utilizaram a criatividade
Uma vez levantadas essas questões e definidos os temas, me voltei para outro detalhe
nas pesquisas consultadas: percebi que as mesmas eram de natureza quantitativa e foram
realizadas com populações gerais. Assim, propus através do projeto desta dissertação uma
pesquisa qualitativa e com uma população específica: a dos (as) artistas visuais, dada a
possibilidade de entendimento que poderia ter nessa área, uma vez que também atuo na mesma.
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Os (as) artistas visuais são entendidos (as) por Adondis (2015) como todos aqueles que
realizam atividades no campo das Artes Visuais, divididas em Artes Plásticas e Artes Aplicadas.
respeito às áreas aplicadas, como arquitetura, desenho industrial, design gráfico, fotografia e o
Todas estas áreas distinguem-se entre si em suas atividades e criações. Por exemplo, um
(a) arquiteto (a), não faz o mesmo que um (a) ilustrador (a). Porém, embora distintas, estas áreas
mantém o elemento visual comum, principalmente nos seus tópicos fundamentais. Um (a)
arquiteto (a) e um (a) ilustrador (a), estudam os elementos da comunicação visual, sombra e
pois nele encontrei profissionais, artistas visuais de diferentes campos, porém, com este
denominador comum.
Outro ponto que pode ser esclarecido é que, apesar de ser uma dissertação que investiga
sobre os processos criativos com artistas visuais, o foco aqui não é a arte, mas o processo
criativo. Deste modo, em nenhum momento realizo críticas ou juízos de valor quanto à
execução e técnica das obras dos artistas visuais participantes, mas sobretudo, mantenho minha
postura como pesquisadora dos processos criativos, independente dos seus resultados.
Assim, foi diante dos questionamentos apontados que elaborei a pergunta disparadora,
que reúne a principal questão desta dissertação: quais os afetos que influenciam os processos
seguintes pressupostos:
Afetos negativos podem constituir-se como uma fonte de potencial criativo nos processos
criativos;
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conhecimento, etc., terão influência nos afetos e nos processos criativos dos artistas visuais,
criativo. A energia psíquica capitalizada através de um afeto pode exercer influência antes,
Objetivo Geral:
processos criativos.
Objetivos Específicos
visuais;
fortalezenses;
potencial criativo.
Por fim, esta dissertação está organizada em 4 (quatro) seções principais: a primeira, de
caráter introdutório, em que são apresentados o contexto, a relevância social e acadêmica dessa
pesquisa, alguns possíveis benefícios, bem como a definição do seu objeto, pressupostos e
apresentado o percurso metodológico utilizado para coleta e análise dos dados e na quarta seção
ser desenvolvida por todos? Ser criativo em uma área significa que se pode ser em outras? Estas
são algumas perguntas que os pesquisadores sobre a criatividade têm feito em suas pesquisas e
quais identificamos dúvidas e lacunas semelhantes às que se encontram nos estudos sobre os
capacitar as futuras gerações para lidarem com problemas atuais e futuros, como o
questões, mas quando buscamos na literatura científica o que é, o que influencia e como
desenvolver a criatividade dos seres humanos de uma maneira geral, percebe-se que não há
unanimidade sobre como fazer tal feito. Assim, encontra-se um potencial teórico nas pesquisas
Dentre as principais razões para que isto ocorra, de acordo com Morais (2011) e
criativos com poucas iniciativas para integrá-los, visto que estes conceitos chegam, em alguns
Por esta razão, este capítulo estabelece as teorias e modelos sobre criatividade e
A primeira questão sobre a criatividade, e talvez mais urgente, pois fundamental, trata
sobre sua origem. De onde vem a criatividade? Ela é uma expressão universal? As explicações
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podem direcionar-se para perspectivas inatistas quando o fator genético é colocado em primeiro
pesquisadores desde década de 1950, quando era estudada com o foco em compreender o
passa a incluir fatores sociais, históricos e culturais, isto é, os fatores ambientais, ao passo que
O foco dos estudos sobre a criatividade na atualidade tem sido compreender o que é,
Dentre as teorias que buscam dar conta destas questões sobre o que é e as origens da
criatividade, três modelos têm sido destacados nas pesquisas nas últimas décadas: a Teoria do
como principal fonte na apresentação destas teorias, embora também sejam citadas por Garcês,
pode ser facilitada ou impedida tanto por fatores ambientais como por variáveis individuais,
ambiental.
Estes fatores, de acordo com Alencar e Fleith (2003), devem ser vistos de maneira
interativa e deve-se também levar em consideração que nem sempre são todos amplamente
Ainda de acordo com as autoras supracitadas, para a inteligência são consideradas três
habilidade de reconhecer, dentre as próprias ideias, aquelas que valem a pena investir e a
Com relação aos estilos intelectuais, ou as formas como a pessoa utiliza a própria
os seguintes estilos: legislativo, ou o gosto por formular problemas e criar novas regras;
executivo, sendo definido como o estilo daqueles que gostam de implementar as ideias e, por
fim, judiciário, ou a tendência por emitir julgamentos e avaliar as tarefas e as regras utilizadas
pelos demais.
o conhecimento, tanto formal, quanto informal sobre um dado assunto, para que se possa
demonstram ter. Estes são, de acordo com Alencar e Fleith (2003, p.3), a predisposição em
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novas ideias, a perseverança diante dos obstáculos e a autoestima, embora não seja necessário
prazer de realização de uma tarefa, embora não descartem a motivação extrínseca de seu
modelo.
O fator ambiental, por fim, trata das características dos contextos que influenciam a
produção criativa nos diversos tipos de ambientes, como o familiar, escolar e das organizações.
Dentre os fatores ambientais, lista-se de acordo com esta teoria: o grau de favorecimento da
geração de uma nova ideia, o suporte necessário à geração de novos produtos criativos e a
divisão de suas fases, formuladas originalmente por Wallas (1926) e amplamente exploradas
296).
Na incubação, por sua vez, não há trabalho mental consciente. É possível estar focado
em outros problemas, ou simplesmente relaxar, mas não há foco no problema proposto pela
fase 1. Também, é nesta fase em que as associações de ideias ocorrem a nível inconsciente.
Na terceira fase, ou iluminação, ocorre uma espécie de ruptura ou revolução das ideias.
intuitivos. Também nesta fase é importante que não haja apressamentos, para que a ideia ocorra.
É uma fase delicada, em que pressões externas podem acabar por influenciá-la.
Por fim, na fase 4 (quatro), Lubart (2001) coloca que ocorre a validação da ideia
incubada e descoberta, ocorrendo a sua avaliação. Ainda de acordo com o autor, é possível
retornar às fases anteriores se durante a avaliação, a solução não for satisfatória. É possível
possibilite vários caminhos para a solução de um problema (heurística). Dentre os fatores que
influenciam a criatividade neste modelo, estão listados, de acordo com Alencar e Fleith (2003,
estão:
estratégias que favorecem a produção de novas ideias e traços de personalidade) e, por fim,
inata, caracterizada pela satisfação e o interesse de uma pessoa numa dada tarefa.
nos seus processos criativos (Alencar & Fleith, 2003): 1) identificação do problema, 2)
geração da resposta, em que surge um novo produto criativo, 4) validação da resposta e, por
criatividade nos sistemas sociais e na interação entre o criador, o meio e sua audiência. Sendo
assim, para este autor, a criatividade não está dentro da pessoa, mas na interação desta com seu
contexto sociocultural.
Mais importante do que definir a criatividade neste modelo é investigar onde ela se
mentores e recursos como livros, computadores etc., “(...) expectativas parentais positivas com
relação ao desempenho do filho na vida escolar e profissional e apoio familiar no que diz
respeito aos interesses apresentados pela criança” (Alencar & Fleith, 2003, p.6).
transmitido, compartilhado em uma sociedade (...)” (Alencar & Fleith, 2003, p. 6), ou corpo
criativa, não apenas no que diz respeito ao conhecimento em si, mas também, a sua organização.
Já o campo, ou sistema social, diz respeito à atuação de juízes, autorizados ou não, que decidem
se o novo produto ou ideia deve ser incluído nos domínios. Um resumo dos modelos criativos
criação numa determinada área. Além disto, a criatividade subtende a capacidade de associar
uma série de características que as pessoas criativas possuem. Morais (2011) acrescenta às
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enquanto um fator da origem da criatividade, embora este fosse um aspecto comum nos estudos
persistência.
criatividade e dos processos criativos, sendo que o modelo de Lubart é o único a reconhecer a
Outro aspecto que parece comum aos modelos criativos é a atribuição ou o olhar do
outro, seja este um crítico autorizado, detentor dos mesmos códigos, símbolos e significados do
criador, ou críticos leigos, pessoas comuns que expressam seus gostos e pensamentos sobre
determinada criação, autorizando-a assim, a fazer parte ou não dos campos já estabelecidos.
(2010) lista a família, a escola, o ambiente de trabalho, o contexto sociocultural e a saúde, todos
reconhecidos nos modelos criativos citados. Estes fatores podem atuar como incentivadores ou
portanto, inibidor, é também possível que ele venha a atuar como um fator incentivador.
Por exemplo: quando Oliveira (2010) descreve o fator família define atitudes como
filhos, a atenção aos interesses da criança e ao seu mundo interior, o ambiente e os valores do
deixa claro que também é possível que lares desestruturados, repressores, com regras rígidas e
sem diálogo, características estas inibidoras do desenvolvimento criativo, podem gerar pessoas
criativas, uma vez que a criatividade pode se tornar uma forma de compensação das frustrações
do ser humano. A partir da identificação de todos esses fatores, sugere-se a Figura 1, criada
Conhecimento Personalidade
Motivação Processos
Figura 1
Fatores pessoais e ambientais influentes no desenvolvimento da criatividade
Fonte: Figura criada por Morais (2011)
Observamos através da literatura científica atual que são reconhecidos tanto fatores
olhar do outro, a escola e a família; e também fatores que estão entre os pessoais e ambientais,
no desenvolvimento da criatividade.
revisão dos modelos sobre a criatividade, há pouca exploração quanto aos afetos e como eles
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influenciam a criatividade e os processos criativos, o que nos leva também a buscar entender as
É por esta e outras razões que Morais (2011) entende que pesquisar sobre criatividade,
condições, embora seja consenso dos autores consultados que uma pessoa considerada como
questões semelhantes, Garcês et al (2013) aponta que esta dificuldade também se dá devido ao
fato de que a forma de conceituar a criatividade tem dependido em muito dos pesquisadores e
existentes que tentam dar conta desta complexidade e de explicá-la, é possível encontrar
diferentes.
do potencial criativo inerente ou não, universal ou não, de cada pessoa. Ainda não é possível
Este fato possui uma forte implicação para a visão atual de que o desenvolvimento
criativo das pessoas faz parte do conjunto de soluções que se espera que as gerações futuras
ela não pode ser pensada, por exemplo, como uma solução ensinada e generalizada a partir de
várias áreas, ou seja, uma vez que uma pessoa apresente uma aptidão para uma determinada
área, a pintura, por exemplo, esta mesma pessoa poderá expressar-se criativamente em outras
condicionam a expressão da criatividade de uma forma mais geral e de uma forma específica?
perguntas que remanescem ainda sem respostas e em meio a estas questões encontramos os
(1961) chegou a 4 (quatro) aspectos que se interligam, embora não tenha chegado a uma “teoria
Criatividade
Cognição
Afetos
Figura 2
4 aspectos que se interligam nos estudos sobre a criatividade com base em Rhodes (1961)
Fonte: Figura criada pela autora com base em Rhodes (1961)
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Destes fatores, por fim, o foco deste trabalho são os processos mentais envolvidos no
acontecimento criador, ou processos criativos; mais especificamente os afetos vivenciados
nesses processos, sem desconsiderar, no entanto, os demais fatores: a pessoa criativa, a
influência ambiental e o produto final.
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Os processos criativos são uma dimensão dos estudos sobre a criatividade. A partir deles
Ao passo que os aspectos cognitivos têm sido amplamente estudados e definidos nos
modelos criativos, os estudos dos afetos nos processos criativos permanecem nebulosos e
abertos a discussões.
Isto ocorre não apenas devido à história dos afetos no ocidente, mas, sobretudo, dada a
sido negligenciada por estudos iniciais na psicologia, a compreensão desta relação vem
ganhando importância desde a década de 1980 (Alves, Ferrarez, & Lopes, 2011), quando se
passa a entender que ambos, afeto e cognição conectam-se numa relação de interdependência,
não podendo um processo se dar inteiramente de modo isolado do outro (Sousa, 2011; Sell &
Pillotto, 2007).
Os afetos, ora entendidos como anteriores, ora como posteriores à cognição, carregam
um estigma de visões filosóficas e psicológicas no ocidente, sendo apontado por Martins e Melo
(2008, p.126-127) como algo “(...) até bem pouco tempo, que deveria ser controlado ou
Porém, ainda que se busque a superação de uma visão dicotômica e positivista sobre
eles, restam dificuldades quanto ao conceito, não havendo um modelo teórico consensual que
expliquem os afetos, o que dificulta a sua pesquisa, a começar pela diferenciação entre as
Usados, por vezes como sinônimos, todos eles dizem respeito em algum grau às
respostas de uma pessoa a algum estímulo ambiental, mas diferem tanto psicologicamente como
31
Tanto na literatura científica, como no senso comum, ainda se observa uma considerável
confusão entre estes três termos. As emoções são entendidas por Vaz (2009, p. 21) como uma
Além das funções orgânicas, a autora supracitada aponta ainda que as emoções também
exercem um papel na adaptação social, possibilitando uma compreensão das intenções dos
comportamentos das outras pessoas e uma função no desenvolvimento humano, visto que faz
intensidade. As ativações fisiológicas das emoções são breves, ao passo que dos sentimentos
são mais duradouras e menos intensas. Assim, as emoções são fugazes, ao passo que os
sentimentos podem ter uma duração maior. São exemplos de emoções a alegria, a raiva, o nojo,
O mesmo se dá com o humor, que tem uma duração maior que a das emoções, mas que
tende a ser mais difusos do que estas. As emoções sinalizam um tipo de tendência à ação,
conforme o tipo de estímulo, ao passo que o humor atua como propulsor apenas de tendências
de ações mais gerais (Vaz, 2009). São exemplos de humor a melancolia e o otimismo.
Ao passo que os aspectos cognitivos dos processos criativos parecem definidos quanto
a sua participação em cada fase, como colocado no capítulo 1, não se encontra uma indicação
clara de como participam os aspectos afetivos, ou seja, como e pelo que a ação de criar é
motivada do ponto de vista afetivo? Como a percepção dos estímulos internos e externos
O que sabemos é que nos processos criativos os afetos estão fortemente ligados ao
sensível e suas dimensões: percepção, intuição e experiência (Sell & Pillotto, 2007; Ostrower,
2017). Isto é, os afetos vivenciados têm alguma influência sobre as formas de percepção dos
A criação, assim, pode relacionar-se com os afetos, pois eles podem se configurar como
uma abertura, uma entrada para as sensações e juntamente com a cognição, formar a base
através da qual o ser humano conhece a si mesmo e ao mundo; a base para suas ações e
comportamentos.
também através de caminhos intuitivos, sensíveis e afetivos. Estes caminhos são dinâmicos e
através deles são integrados um conjunto de elementos, que formam uma rede subjetiva de
significados (Sell & Pillotto, 2007). Dessa forma, a ativação provocada pelo estímulo necessita
da atribuição de um significado para tornar-se emoção, sentimento ou humor (Vaz, 2009), não
ocorrendo a percepção “pura” dos estímulos internos e externos, pois eles são sempre, de
alguma forma, associados às vivências subjetivas anteriores, para que possam ganhar
significado.
através de sua sensibilidade, o ser humano tende a percebê-lo relacionando-o a ele mesmo, às
suas próprias vivências (Ostrower, 2017). Estes estímulos, por sua vez, afetarão mais ou menos
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as ações tomadas a partir deles, dependendo da pessoa, resultando num comportamento e num
desempenho.
Os afetos, juntamente com a cognição são os recursos através dos quais o ser humano
processo criativo definida por Lubart (2001), a preparação, em que a pessoa reúne
conhecimentos e apreensões sobre o mundo para solucionar um problema, pois significa que
Assim, os modelos teóricos atuais apontam que quando um ambiente e seus estímulos
não são percebidos como uma potencial ameaça, o processamento da informação captada se dá
assim, baseia-se num processo heurístico e intuitivo das informações. Por outro lado, quando
as estruturas interiores passam a ser atualizadas para melhor responder ao ambiente (Alves et
al., 2011).
havendo reconhecimento disto nos três modelos citados no capítulo 1, assim como são
situação real, o que se está a propor é que se uma pessoa em um ambiente sente afetos como
alegria, entusiasmo, felicidade, etc., ela tenderá a processar as informações de modo a assimilá-
la àquilo que ela já conhece sobre o mundo. Por outro lado, se ao se encontrar em um ambiente,
seus estímulos provocam raiva, tristeza ou angústia, tende-se a repensar e reavaliar aquilo que
criativos, pois através das sensações e dos afetos, o artista associa as formas aos valores (Amigo,
2009). Sem os afetos negativos, não haveria, por exemplo, uma reavaliação daquilo que se
relação do ser humano com o mundo e na compreensão dos seus afetos. O ambiente não é neutro
nem um recipiente, visto que está sempre passando uma mensagem e está sempre
comprometido com uma forma de conceber o mundo (Moreira & Souza, 2016).
nem abstrato. Ele está sempre sendo modificado e permanentemente construído de forma
onde o que se faz, com que finalidades é ocupado e quando é ocupado, desvela suas dimensões
A partir de como são definidas as relações num ambiente, este pode potencializar ou
engajamento social, num ambiente específico, portanto, depende dos afetos e dos processos
Afetos positivos sinalizam que a pessoa pode seguir em sua exploração. Afetos
negativos sinalizam que se deve proceder com cautela (Gasper & Middlewood, 2014). No
entanto, a criatividade parece ter o potencial de tornar mais complexa esta relação entre o ser
humano e o ambiente. Isto porque através dos processos criativos é possível visualizar novas
perspectivas, buscando novas saídas e estabelecendo novas conexões para situações difíceis.
35
Em outras palavras: ambientes que provoquem afetos negativos não necessariamente provocam
cautela e retração para aquele (a) que se utiliza de recursos criativos, pois existe a possibilidade
de transformação. Ou, ainda que provoque uma retração ou reavaliação, é possível que isto seja
Ativação
(reação fisiológica)
Expressão afetiva
(ou não)
Figura 3
Fluxograma dos afetos, da pessoa e do ambiente
Fonte: Figura elaborada pela autora com base em Vaz (2009).
aos afetos é complexa, embora aparentemente imediata. A criatividade é definida como a busca
e elaboração de uma solução para um problema e isto por si só já pode gerar alguma carga
afetiva. Assim, pode-se sugerir que com a ausência da percepção de um problema, não há
É este ponto que sustenta a proposta de revisão dos modelos sobre a criatividade exposto
nesta dissertação, visto que os modelos apontam condições que, quando colocadas lado a lado,
família e pelos professores na sua exploração do mundo. Alguém que teve acesso ao
motivado intrinsecamente e alguém que goza de uma boa saúde (Oliveira, 2010).
condições sociais e individuais adversas superam dificuldades através, sobretudo, dos recursos
criativos.
Isto significaria que, mesmo quando um estímulo é percebido de modo negativo, o que
indicaria a diminuição da potência de ação de uma pessoa, seria possível, através de recursos
criativos, capitalizar esta energia, para que num outro momento ela aumente a sua potência de
ação. Deste modo, a dinâmica dos afetos tornar-se-ia menos polarizada e mais integral. Ou seja,
não seriam somente os afetos positivos a potencializar os processos criativos, mas os afetos,
podem não ser imediatos e idênticos para todos os indivíduos. Que a ativação provocada por
um estímulo ambiental pode perdurar o suficiente para que seja aproveitada em outros
momentos.
37
Não se trata, portanto, de reprimir os afetos negativos, como se eles não existissem. O
equilíbrio social, psicológico e biológico não é alcançado através da eliminação dos afetos, mas
como uma resposta proporcional à circunstância (Martins & Melo, 2016), pois a saúde e o bem-
estar subjetivo dependem igualmente dos processos emocionais e dos processos intelectuais.
No mais, é importante levar em conta a ideia de que ambientes e pessoas reais não são
Assim, os processos de criação, de acordo com Sell e Pillotto (2007), começam com
mobilização interior, caracterizado pela presença ativa da mente. Sem essa inquietação e tensão
inicial não há mobilização da energia. Por isto é proposto também um estudo sobre a motivação
nesta dissertação. Sobre o processo através do qual é mobilizada a energia empregada nos
processos criativos.
considerada como uma característica da criatividade e dos processos criativos, por isso,
e na prevenção.
38
A partir das revisões propostas no capítulo 1 e 2, é possível identificar uma relação entre
afetos e motivação. Nos processos criativos, as motivações podem agir como “molas
compreensão do comportamento humano, nas ações, objetivos e razões para que ele ocorra de
um jeito ou de outro. Isto é particularmente importante para os estudos dos processos criativos,
engajamento ambiental e social. Acerca disto, Sheldon (1995) e Hennessey (2013) apontam que
- Regulação Pouco elevado Motivação introjetada, mas que ainda não foi
Introjetada integrada no self.
Tabela 2
Tipos de motivação de suas características
Fonte: tabela construída a partir da tradução livre, com base na pesquisa de Karagiannidis,
Barkoukis, Gourgoulis e Kosta (2015).
40
conduzindo a diferentes níveis de respostas afetivas positivas, sendo o inverso também possível:
aponta que o comportamento conduzido pela motivação extrínseca é menos criativo que o
comportamento conduzido pela motivação intrínseca. O nível de criatividade decai quanto mais
extrínseca vai se tornando a motivação. Isto porque menos autonomia a pessoa terá para criar.
os autores apontam o tédio, para as respostas afetivas negativas e a satisfação (enjoyment) para
Autodeterminação
Muito Elevado
Elevado
Motivação Extrínseca
Pouco Elevado
Menos Elevado
Tédio
Menos Elevado Amotivação
Figura 4
Tipos de motivação e possíveis respostas afetivas
Fonte: figura construída a partir da tradução livre, com base na pesquisa de Karagiannidis,
Barkoukis, Gourgoulis, & Kosta (2015).
41
A satisfação é definida como uma resposta afetiva positiva caracterizada pela apreciação
e o desfrute, pela felicidade e pelo gostar. Ela se opõe, de acordo com Granero-Gallegos et al
(2013), ao tédio pois ele é descrito como uma emoção indefinida que conduz ao desconforto,
significado.
entre a criatividade, os processos criativos, os afetos e os tipos de motivação, bem como seus
Uma segunda perspectiva teórica para explicar a motivação é apontada por Baas,
Roskes, Sligte, Nijstad e Dreu (2011). Os autores colocam que há basicamente 2 sistemas
promoção e a prevenção.
objetos desejados. Quando há progresso na busca de objetivos, uma pessoa regulada pela
promoção tende a sentir emoções alegres. Quando há obstáculos, raiva ou desanimo e quando,
relaxamento e o alívio.
42
Os autores partem de debates anteriores em que as pessoas com foco na promoção são
mais criativas que pessoas com foco na prevenção. Em outras palavras: pessoas motivadas e
em estados afetivos alegres e felizes são mais flexíveis e, portanto, mais criativas, que pessoas
motivadas por estados afetivos como a tristeza e a raiva. No entanto, o foco preventivo não é
associado negativamente à criatividade. Afetos como a raiva e o medo, por exemplo, podem às
motivação com foco na prevenção pode, através de estados afetivos negativos e enquanto não
ativos, pois mesmo após sua resolução, observa-se um aumento no engajamento da pessoa com
relação a ação.
Sendo assim, de fato, estados focados na promoção promovem mais a criatividade que
estados focados na prevenção, na medida em que tanto antes do objetivo, como após o objetivo
43
a pessoa se mantém ativada, isto é, engajada e com energia para direcionar, se quiser, à
medida em que se mantém sem resolução, pois uma vez resolvido há queda nos níveis de
energia e engajamento.
criativos como um fator fundamental. Morais (2011, p.4) coloca que “é consensual que só se
cria quando se está comprometido com o que se faz” e que, por isso, criar é uma ação mais
exigente que um mero reproduzir. Alencar e Fleith (2003) destacam no modelo de Sternberg e
como condição para a criatividade, Morais (2011) coloca que ainda que a motivação extrínseca
possa fazer parte do processo, é a motivação intrínseca a grande propulsora do fazer criativo,
pois é necessária paixão para criar algo único. Além disso, é possível apontar que, dada a
autorrealização.
experimentado pela pessoa durante o processo criativo. Ela pode, dessa forma, ter um impacto
investigações sobre a criatividade, os processos criativos e os afetos, optamos por fechar esta
apresentação dos marcos conceituais recorrendo a outras formas de conhecimento, em que esses
temas pudessem ser compreendidos a partir de uma perspectiva que aponta novas articulações
simplória para os mitos, como uma forma de representar fenômenos naturais numa época em
Porém, Jung e Kerenyi (2011) advertem que a mitologia é mais que uma simples
coletânea fantasiosa de explicações sobre a realidade para satisfazer uma curiosidade. Não se
trata de criar deliberadamente uma história de “faz de conta” para explicar o Mundo, colocam
os autores, pois não há nada de aleatório, arbitrário ou subjetivo nos mitos, que, de acordo com
Velazquez (2015) abrangem não apenas aspectos racionais sobre uma realidade, mas também,
reações involuntárias do organismo e conteúdos inconscientes, pois somente uma parte dos
estímulos e das sensações captadas pelo organismo humano se torna articulada, chegado através
Por estas razões é que se percebe a importância de abordar os processos criativos a partir
desta outra forma de conhecimento – os mitos –, pois, através deles, espera-se ser possível
atingir outros aspectos, além dos racionais, sobre a criação, que de alguma forma não foram
como o Caos, palavra que na língua portuguesa vem do grego "Kháos", do verbo "Khaíein" e
O Caos personifica uma espécie de vazio primordial, uma abertura que contempla a
ausência, mas a presença de todos os elementos. É vazio porque é potência, informe, pois
nenhuma referência apreensível pelos sentidos foi criada ainda, para que as formas possam ser
definidas e identificadas.
O Caos reúne em si uma reserva de energia imensa e inexaurível que envolve e coexiste
com mundo formal. Ele representa a totalidade, de onde as formas vêm e onde as formas se
dissolverão nos fins dos tempos (Brandão, 2013). Trata-se de todos os estímulos possíveis, tanto
no nível material, como no espiritual, de tudo que já existiu que existe e existirá.
(Chevalier & Gheerbrant, 2015), significando que tudo que se tornou visível na Criação existia
antes no Caos, num estado latente, "adormecido", não-formal. Não se trata, portanto, da água,
da terra e das trevas no sentido material, enquanto fenômenos físicos, mas de símbolos que
Aqui, assumimos que a pessoa que se encontra num processo criativo constrói vias de
acesso a esses conteúdos latentes, simbólicos, a esta matéria bruta que reside nas profundezas
do seu inconsciente. Para Salis (2003, p. 210), a condição caótica inicial é admitida em todas
“É aquilo que dá condições para o ser – o abissal, o obscuro do inconsciente universal, o que
antecede o ser”.
onde o processo se inicia. Observamos, assim, também, uma possível aproximação entre as
As mitologias narram que no princípio, neste estado caótico original, não havia nada
além de Uma (às vezes múltiplas) Consciência(s) criadora(s) (Eliade, 1995). Estas entidades
são compreendidas como forças gigantescas, titânicas, nas palavras de Salis (2003), que lutam
contra as forças anteriores para se impor, significando que o ser humano, frente ao seu potencial,
O espaço vazio em estado caótico é figurado como um Oceano sem fim, como Águas
Primordiais, uma espécie de espaço onde todas as coisas estão misturadas e existem em
potência; o espaço primordial não está vazio de fato, mas apenas não-organizado. É a
intervenção ativa da Consciência criadora que transforma esta potência caótica em ordem, um
Cosmos inteligível.
forma: “A princípio existia água por toda parte. Um pedaço de madeira (vime, vara, pau, árvore)
sai da água em direção ao céu. Nessa árvore havia um ninho. Os que estavam dentro não
Partindo do que o autor supracitado conta, no ninho havia uma águia, um lobo, o Coiote,
a pantera, o falcão dos prados, o gavião (po´yon) e o condor, ou seja, múltiplas consciências
primeiras criadoras. Decididos a criar terra, eles enviam ao fundo das águas um pato para trazer
Em seguida enviam outra espécie de pato que também morre, mas que consegue tocar a
terra no fundo das águas, trazendo lodo de volta em suas unhas, donde os animais que estão no
pelo pedaço de pau), o ninho que abrigava a vida em potencial em suas múltiplas espécies
água, para pegar o lodo, símbolo da Matéria, através da qual a criação será moldada.
Assim, a vida organizada em uma forma inteligível, só pode ocorrer quando o estado
caótico primordial é perturbado por uma intervenção ativa, uma imposição, que implica também
numa noção de sacrifício de um estado anterior, neste caso simbolizado pelo pato. Porém, este
é apenas o primeiro passo para transformação da Matéria Primordial em um Cosmos. Para que
No caso da narrativa dos yokuts yauelmanis, o pato, animal sacrificado, é o único que
se movimenta para pegar o lodo. Na gênese judaico-cristã, observa-se essa mesma noção sobre
Cósmico, formal, pois ele provoca a vibração necessária à ordenação. Assim, os gregos
compreendiam que, além do Caos e da Matéria Primordial, um terceiro elemento era necessário
48
personificada por Eros, que do grego Éros (Brandão, 2013) significa "desejo incoercível dos
sentidos".
Eros é conhecido como o Deus do Amor. Porém, o estado primordial de Eros, a energia
erótica, aproxima-se de uma espécie de princípio natural como a gravidade, do qual nada, nem
Para os seres humanos, este princípio inescapável são os seus próprios sentidos, como
o significado original grego indica, através dos quais, captam-se e responde-se ao ambiente.
Eros é o princípio motor cósmico, mola propulsora dos Deuses e dos seres humanos (Salis,
inteligíveis, que chegam à percepção. As cosmogonias descrevem, assim, como algo passa da
potência e energia, e de organização desta potência e desta energia que formam os processos
movimento, não há geração de novas formas. A geração de novas formas, por sua vez, é
necessária para a evolução, para a expansão cósmica, para a transformação do ser humano.
criativos e na criatividade e que, de acordo com Ostrower (2017), não se dá de maneira aleatória.
Tomando a si mesmo como medida, o ser humano ordena interiormente o mundo de acordo
de criatividade. Para ela, criar é formar, é dar forma a algo novo, estabelecer novas coerências,
A motivação humana para criar encontra-se nesta constante busca por ordenação e
geração de significado. É através dos processos de criação que o ser humano se orienta, dando
Assim, Ostrower (2017) infere que o ser humano cria, não apenas porque gosta de criar,
não apenas porque quer criar, mas porque criar é uma necessidade existencial para o ser
humano. Criar é uma precisão, uma condição necessária ao seu crescimento e desenvolvimento.
Com os mitos foi possível lançar uma perspectiva sobre a criatividade humana que
medida em que apresentam a criação carregada de tensões e ações, como um processo que se
constitui entre o cósmico e o caótico que habitam o ser humano. Foram com estes apontamentos
5 PERCURSO METODOLÓGICO
sua natureza qualitativa, tal qual definido por Aguirre e Martins (2014), pois mantém seu foco
É uma pesquisa que articula seu questionamento central de modo exploratório, com
enfoque etnográfico, pois, ainda de acordo com os autores supracitados, procura observar
naturais.
fortalezenses em seus processos criativos, capturando suas práticas no dia-a-dia, suas rotinas e
seus rituais.
O caráter exploratório de uma pesquisa, de acordo com Flick (2013) se deve ao fato de
que ela se concentra em uma situação em que se busca primeiramente familiarizar-se com o
fenômeno estudado.
Buscamos, assim, através da exploração, alcançar uma visão geral, de modo a facilitar
Estudo, mas dividida em dois momentos. O primeiro momento foi realizado com um grupo
51
maior de 56 participantes e no segundo, foi realizado um estudo de caso, com uma participante
do primeiro momento. Uma explicação detalhada do Estudo 1 segue no item 5.1. A entrada no
De modo ainda a atender os objetivos desta pesquisa, a mesma foi dividida em dois
5.1 Estudo 1
Objetivo
um levantamento de participantes uma descrição breve dos seus processos criativos. Identificar
os afetos que estes participantes listaram como vivenciados durante os seus processos.
objetivamos investigar aspectos gerais do exercício das Artes Visuais em Fortaleza: quem são
Lócus e participantes
frequentam ou frequentaram escolas no campo das Artes Visuais em Fortaleza, como a Opa!
Escola de Design e o Porto de Iracema das Artes; profissionais atuantes nos campos das Artes
Visuais.
deste número ser alterado pelo campo para mais ou para menos. O critério de inclusão deste
52
estudo era trabalhar com Artes Visuais. Ao final deste estudo, foi contabilizada a participação
de 56 pessoas.
Coleta de dados
intuito de facilitar a coleta dos dados, as perguntas disparadoras foram organizadas através do
whatsapp, que reuniam designers e outros profissionais, enviado por mensagem direta (e-mail
ou messenger) para artistas visuais previamente selecionados. A coleta de dados ocorreu entre
A análise dos dados foi feita buscando classificar os dados através de códigos numéricos
ou linguísticos, sistematizando em unidades temáticas. Para tanto, foi utilizado o software SPSS
É importante deixar claro que, com a organização destes dados numéricos não tivemos
analisados com um olhar qualitativo, buscando realizar uma apreensão do campo investigado.
que apresentasse dados sociodemográficos sobre o mercado das Artes Visuais no Ceará,
53
nenhum parecia saber da existência dos mesmos. Pode-se, então, a partir deste estudo, esboçar
Já a análise dos afetos listados pelos artistas foi feita a partir dos componentes lexicais,
É fundamental deixar claro que o uso dos softwares, tanto SPSS quanto Iramuteq, foi
feito com a intenção de facilitar a análise, mas que ela foi realizada, em última instância pelos
apreensões sobre o contexto/perfil dos (as) artistas visuais; o segundo contendo a descrição dos
participantes sobre seus processos; o terceiro uma análise dos afetos listados como aqueles
de caso.
Objetivo
reconstruir o seu caso da lista dos 56 participantes do Estudo 1. Ocorrendo algumas semanas
após as entrevistas online, a partir do mês de outubro, o estudo de caso teve o objetivo de
suas vivências afetivas, trazendo uma compreensão mais ampla dos fenômenos observados no
Estudo 1.
Lócus e Participantes
O espaço selecionado para esta investigação foi o escritório/casa da participante, por ser
Quanto ao (a) participante selecionado (a) para compor o caso, traçamos os seguintes
- Aquele ou aquela que não atendeu algum dos critérios de inclusão apresentados;
55
- Aquele ou aquela que não exerce profissionalmente a função de artista visual e que
Observou-se também a riqueza qualitativa dos relatos no Estudo 1 para a seleção dos
contato com os mesmos, para saber se atendiam todos os critérios de exclusão, 3 foram
eliminados, devido ao fato de não terem disponibilidade para as entrevistas e ou devido não
Observamos também a riqueza qualitativa dos relatos no Estudo 1 para a seleção dos
contato com os mesmos, para saber se atendiam todos os critérios de exclusão, 3 foram
eliminados, devido ao fato de não terem disponibilidade para as entrevistas e ou devido não
qualidade do discurso e das observações participantes confirmaram sua relevância para este
momento do estudo, dadas as particularidades do seu perfil (idade, gênero, formação, área de
Coleta de Dados
Uma vez que concordasse em participar voluntariamente desta pesquisa, atendendo aos
critérios de inclusão, a artista visual selecionada foi convidada a participar da mesma, quando
participantes em seus próprios contextos, através do contato direto do pesquisador com estes.
Ela se dá, ainda de acordo com os autores supracitados, em quatro fases: 1) acesso e
A entrevista narrativa foi realizada, neste caso, em sua modalidade informal e não
mais que explicar. O objetivo era descobrir opiniões subjetivas da participante, compondo a
partir do seu relato, uma narrativa dos principais tópicos explorados nesta pesquisa: os
As notas de campo foram padronizadas de acordo com hora, data, local, fatos
apreensão de informações não verbais sobre ela e seu pensamento. Foram observados materiais,
técnicas, escolha de formas e cores, conteúdos e temas que as obras expressam. Também foi
solicitado à participante que desenhasse, ou criasse uma obra com temas específicos, de acordo
com sua entrevista. O objetivo era, através do desenho, externar, de modo simbólico, metafórico
57
ou literal, conteúdos prévios apontados pela própria artista. A partir do desenho, pediu-se
também que a participante atribuísse significados ao desenho que criou, descrevendo seus
afetos.
Com esta proposta, partiu-se de alguns pressupostos, baseados na construção dos mapas
afetivos propostos por Bonfim (2008), embora eles não tenham sido utilizados como
instrumento de coleta.
intangibilidade, visto que busca apreender para além dos processos racionais sobre os afetos e
seu objeto. Os mapas afetivos foram criados para investigar os ambientes a partir dos afetos
neles vivenciados. A intenção com a construção do desenho, portanto, não foi criar mapas
afetivos, mas, partir de seus pressupostos, adaptá-los ao objetivo proposto pelo projeto.
Ao final, a participante não criou um desenho como sugerido pela pesquisadora, pois
considerava que já tinha um desenho pronto que representava o tema proposto (criar um
desenho que representasse o seu processo criativo). Este desenho foi apresentado à
Por fim, foram utilizados o gravador, a câmera fotográfica e o diário de campo para
facilitar a transcrição do material e tornar mais ágil e eficaz a análise dos dados, lembrando do
caráter sigiloso destas informações e de sua restrição no uso exclusivo desta pesquisa.
também foram levadas em consideração: 1) estar atento (a) ao que ocorre sem interpretar
inicialmente, mas apenas observando, sem tomar a si mesmo como um referencial; 2) Mudar a
“lente de foco”, isto é, estar atento (a) aos detalhes e ao contexto amplo e geral, alternando entre
Uma vez que foi realizada a retirada emocional do campo, demos início à fase de
variados e podem começar desde a seleção do problema, terminando apenas com a escrita da
última frase do relatório. Gil (2008) coloca que enquanto observa, entrevista e toma notas, o (a)
pesquisador (a) também analisa sobre aquilo que é coletado simultaneamente. Após a
transcrição das entrevistas, depoimentos e material coletado, as categorias foram formadas com
o auxílio do software Iramuteq, amparando o processamento dos dados a partir de uma análise
lexical, porém, assim como o software SPSS no Estudo 1, o uso do Iramuteq foi compreendido,
Por fim, para resumir os dois estudos, a natureza da pesquisa e o tipo e o enfoque, foi
Objetivo Geral
Identificar os afetos vivenciados por artistas visuais fortalezenses
Figura 5
Desenho do percurso metodológico da pesquisa
Fonte: Figura criada pela autora
60
Destacamos ainda que foram explicitados os objetivos da pesquisa e aspectos éticos, além da
concordaram em contribuir com a pesquisa, não apenas no que diz respeito ao nome, mas
Riscos
algum tipo de desconforto mental ou emocional que pudesse ser vivenciado por seus
participantes ao longo da pesquisa, visto que ele se trata de uma investigação dos afetos
vivenciados por artistas visuais em seus processos criativos, sendo possível que alguns
assim, um inconveniente.
dos (as) participantes sentirem-se invadidos em sua privacidade, visto tratar-se de perguntas
que diziam respeito aos afetos vivenciados por eles/elas. Nestes casos, para minimizar as
possibilidades dos riscos descritos, foi garantido local reservado para aplicação das entrevistas
em profundidade, onde o (a) participante não se sentisse exposto (a) e desconfortável para
61
respondê-la, havendo o compromisso dos pesquisadores em ficarem atentos (as) a sinais verbais
e não verbais de desconforto e de garantir o acesso aos resultados para os (as) participantes.
pelos (as) participantes foram mantidos em sigilo ou divulgados apenas com o consentimento
assistência, o (a) participante também poderia ser encaminhado (a) pela pesquisadora ao
emergencial, sem a necessidade de encaminhamento aos pacientes por ordem de chegada e sem
nenhum custo financeiro. Não foram previstos riscos de saúde física nesta pesquisa.
Benefícios:
O benefício esperado com a pesquisa é criar a oportunidade para o (a) participante falar
a respeito do seu processo criativo e oportunidades para expressar suas opiniões de forma que
ele/ela mesmo (a) torne-se mais consciente a respeito de sua prática. Além disto, o (a)
participante pode contribuir para elaborar um perfil sociodemográfico dos artistas visuais na
o objetivo de identificar quais os afetos vivenciados por eles/elas em seus processos criativos,
este capítulo apresenta os resultados coletados no Estudo 1, tal qual desenhado no percurso
Participaram 58 pessoas, das quais foram selecionadas 56, que atuam nas Artes Visuais,
um perfil dos artistas visuais que atuam na cidade de Fortaleza, com gênero, idade, grau de
instrução, atuações profissionais, tempo que exercem a profissão, se exercem alguma outra
função remunerada e se consideram que passam por processos criativos no seu dia-a-dia.
análise foi feita da seguinte forma: apreensões sociodemográficas foram realizadas a partir do
respostas.
mais mulheres atuando em áreas das Artes Visuais em Fortaleza do que homens, sendo 34
A idade mais nova relatada dentre os participantes foi de 21 anos e a mais velha, 72
anos, com a idade média de 38 anos e idade mediana entre os 35 anos de idade. Dentre as
maior frequência dentro da faixa etária entre 34 e 39 anos de idade, sendo em sua maioria
mulheres.
Figura 6
Faixa etária dos participantes
Figura criada pela autora
Verificamos que este dado é coerente com o tempo que os participantes disseram que
anos. Inferimos, assim, que a maioria dos participantes possui experiência em seus respectivos
Tanto a idade média como mediana em que os (as) participantes começaram a trabalhar
foi de 23 anos. Porém, observamos um pico nas idades de 22 (f=7;13%), 19, 23 e 25 anos em
que 6 (11%) dos (as) participantes relatou, respectivamente em cada uma dessas idades, ter
mediana, 25 anos. Dentre os homens, tanto a idade média como mediana em que começaram a
Com relação à profissão, foram listados 11 campos de atuação das Artes Visuais, sendo
Professor (no campo das Artes), Produção Cultural, Publicidade, Animação, Conservação e
Embora tecnicamente todos estes campos de atuação façam parte das Artes Visuais,
constatamos que existe uma tendência na prática de significar a atuação nas Artes Visuais como
sinônimo das Artes Plásticas. Fotografia, Arquitetura, Estilismo, Design e Animação, por
exemplo, fazem parte das Artes Visuais aplicadas e, portanto, foram relatadas como atuações
distintas.
Das 12 profissões listadas, dentro do percentual válido das respostas, 36 (69%) pessoas
(10 homens e 27 mulheres), atuam nas Artes Visuais Aplicadas e 17 (32%) pessoas (11 homens
Nas Artes Aplicadas, dentro do percentual válido, 16 (29%) atuam em ramos do Design,
Nas Artes Visuais Plásticas, levando em consideração o percentual válido, 11 (20%) dos
participantes atuam nas “Artes Visuais”, isto é, no desenho, na pintura, escultura e afins, 4 (7%)
dos participantes. Por fim, 5 (9%) dos participantes atuam como Professores em áreas das Artes
Figura 7
Atuação nas Artes Visuais
Fonte: criada pela autora
A constatação de que há mais pessoas atuando nas artes aplicadas que nas artes plásticas
Fortaleza. Embora reconheçamos que a atuação nas artes plásticas não se dá apenas através dos
equipamentos culturais registrados pela Secretaria Estadual da Cultura (Secult), dentre estes, 2
Brasileiros - Cultura 2014 do IBGE (2015), a maioria dos itens que listam aparelhos culturais
como “não”.
66
Ainda que não tenhamos encontrado o número exato de escritórios e agências nestes
campos, é possível observar através do Google Mapas, a partir de descritores como “agência de
localizados em Fortaleza, CE, e que não estão concentrados apenas em três bairros como
oportunidades de mercado nas Artes Visuais Aplicadas que nas Artes Visuais Plásticas.
que sim e 25 (45%) afirmando que não. Dentro deste percentual, aqueles que responderam sim,
12 (55%) eram homens e 18 (55%) mulheres e aqueles que responderam não, 10 (45%) eram
Assim, chamou atenção o fato de que mais da metade dos profissionais que atuam nas
Artes Visuais em Fortaleza, sendo em sua maioria mulheres, declararam que exercem outra
função remunerada.
Quando listadas pelos próprios participantes, estas outras funções se encontram dentro
dos campos das Artes Visuais. Por exemplo, a participante de número 25 declarou-se como
designer”.
A constatação destes dados levou à indagação se esta outra função, ainda que dentro dos
campos das Artes Visuais, é exercida a partir da vontade do (a) participante ou da necessidade,
45%
Sim
55% Não
Figura 8
Exercício de outra função remunerada
Figura criada pela autora
Com relação à distribuição entre artistas visuais plásticos e aplicados que exercem
outras funções, 9 (52%) dos participantes são artistas visuais plásticos e 21(55%) artistas visuais
das áreas aplicadas, portanto, há mais artistas visuais aplicados exercendo uma outra função
Com relação ao grau de instrução, 4 (7%) dos (as) participantes responderam que
concluíram o Ensino Médio, 30 (54%) dos (as) participantes concluíram o Ensino Superior e
Grau de Instrução
7%
Figura 9
Escolaridade
Fonte: figura criada pela autora
68
também chamou atenção, uma vez que, embora a maioria dos participantes tenha formação de
Dentre as mulheres, 1 (3%) relatou ter concluído o Ensino Médio, 18 (53%) o Ensino
(14%) relataram ter concluído o Ensino Médio, 12 (55%) o Ensino Superior e 7 (32%) possuem
formação com nível em Pós-Graduação. Portanto, há mais mulheres com Ensino Superior e
Por fim, dos (as) 56 participantes que tiveram seus questionários analisados, 100%
relatou que considera que passa por processos criativos no seu dia-a-dia, de onde inferimos que,
de fato, selecionar participantes que trabalham com Artes Visuais traz resultados diferentes das
pesquisas em que processos criativos são investigados em uma população geral, pois artistas
visuais atuantes relatam, pelo menos do ponto de vista quantitativo, ter um contato diário com
processos criativos.
Os (as) artistas visuais passam por questões específicas a sua profissão que interferem
direta e indiretamente em seus processos criativos, além de que, participantes de uma população
geral podem não se perceberem como realizando processos criativos diariamente, ainda que o
Total de Participantes: 58
Total de questionários válidos: 56
17 (32%) 36 (69%)
(11 homens 6 mulheres) (10 homens e 27 mulheres)
Exercem outras funções remuneradas
Sim Não
31 (55%) 25 (45%)
Diante das questões levantadas ao longo das análises dos dados, se tornou relevante
entender o porquê de mais da metade dos profissionais, que está há aproximadamente 14 anos
“Como andam as artes visuais no Brasil”1 no item que busca descrever o mercado a partir da
visão dos artistas, encontra-se o depoimento de três artistas plásticos que declararam em seus
se viver de arte e ainda o depoimento de que o caminho do artista é longo, até que seja
Embora seja apenas uma fonte de dados secundária, a partir desta matéria encontra-se a
informação de que, devido às dificuldades do mercado, os artistas são obrigados a ter dupla
quais se inserem os artistas visuais fortalezenses, traçar um perfil a partir dos dados e entender
da afetividade dos participantes, pois percebemos que os artistas visuais fortalezenses, ainda
que com experiência e formação superior, podem enfrentar dificuldades para se manter a partir
estudo de caso, seria possível perceber o impacto das dificuldades do mercado, das dificuldades
1
Disponível em: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/como-
andam-as-artes-visuais-no-brasil--99368/10883)
71
O exercício de uma segunda função remunerada pode ocorrer dada a vontade do artista
de atuar em mais de um campo das Artes Visuais. No entanto, entendemos também que a busca
por uma segunda atuação profissional pode ser um indicativo das dificuldades que os (as)
possíveis dificuldades e obstáculos que estes artistas vivenciam no seu dia-a-dia. Além do
perfil, foi possível também descrever os processos criativos e os afetos listados pelos
A partir das apreensões realizadas sobre o contexto dos (as) artistas visuais no Estudo
Ao analisar o banco de dados com as respostas sobre estas questões a partir do software
Iramuteq, o Corpus Geral da análise da questão “descreva o seu processo criativo” foi
441 STS (72,41%), 1304 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), sendo 609 palavras
distintas.
vivência dos processos criativos dos artistas visuais fortalezenses num contexto de trabalho e
produção/obra/criação pode ter como motivação a realização de, ou estar direcionada para,
realização de um trabalho.
conhecimento, das fontes de inspiração, das experiências, dos métodos e referências utilizadas
Classe 1
Processo criativo e trabalho
Subcorpus A 23,33%
Processo criativo,
trabalho e produção
46,66% Classe 2
Produção e finalidade do
processo
23,33%
Classe 3
Origem do processo
Subcorpus B 30%
Origem e elementos do
processo criativo
53,33% Classe 4
Processos criativos e
significados
23,33%
Figura 10
Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente
Fonte: figura gerada pelo software Iramuteq e reorganizada pela autora
“Trabalho” é entendido a partir do contexto profissional dos artistas. Está ligado à prática da
arte como atividade que viabiliza a sobrevivência e à vida material do artista. No subcorpus B,
“Trabalho” por sua vez, pode ser um sinônimo para a própria obra, ou para o processo através
Participante 51
Eu trabalho criando objetos constantemente.
74
Participante 35
Primeiro eu separo imagens que me estimulem a imaginação para a
determinada necessidade, pode ser coleção ou coisas do tipo. Depois eu me
certifico de que tenho tempo para trabalhar naquilo. Depois coloco uma
música e me sento em um local confortável. E a partir daí começo o processo
de criação.
fortalezenses é possível atribuir vários significados à palavra “trabalho”, tal como apontado por
Fischer (2014), que observa que o trabalho no contexto primitivo está ligado à vivência da arte,
Ainda de acordo com o autor, no contexto primitivo as mediações entre o ser humano e
o meio são realizadas através do trabalho e do uso de ferramentas capazes de compensar uma
uma função, dentre os seres humanos primitivos, de realizar uma espécie de coesão social, de
trabalho é atividade central nas sociedades humanas porque é praticado, desde períodos
primitivos, como atividade fundamental que viabiliza sua subsistência. Para Fischer (2014) é
um modo de intercâmbio entre o ser humano e a natureza, caracterizado por sua habilidade de
supracitado aponta que ao interferir nas ofertas naturais através do trabalho, transformando-as,
humano passa por um processo lento, em que se encontra frente à natureza não apenas como
natureza, produzindo assim, a base material da sociedade (Brito, 2016), além de que através
Embora haja um potencial criativo que remonta, de acordo com Fischer (2014), às
criativa e re-criativa da vida não fazem parte da lógica do sistema capitalista, onde o trabalho e
as ocupações tomados pelos seres humanos na atualidade limitam sua capacidade criativa,
significado do trabalho nas sociedades atuais, reduzido à atividade laboral forçosa e penosa. O
autor esclarece que a palavra trabalho na língua portuguesa é derivada da palavra tripaliun do
latim que, por sua vez, está associado a um instrumento de tortura medieval.
Já nas sociedades míticas gregas da antiguidade, havia 7 palavras que poderiam ser
utilizadas com o significado de trabalho, de acordo com a natureza do mesmo: 1) trabalho servil
(douleia), 2) trabalho criador ou contemplativo (erga), 3) uma luta por mérito (athlos), 4) busca
para estar à altura dos Deuses através das competições (ágon), 5) exercícios físicos, psíquicos
e espirituais (áskesis), 6) exercícios para desnudar o corpo e revelar a psique (gýmnasis) e, por
fim, como condução criadora das mãos (heiragogia) (Salis, 2013, p. 31-32).
76
Embora haja um esvaziamento dos significados dados ao trabalho nas sociedades pós-
modernas, é possível observar a partir da fala dos participantes, que o trabalho pode ter um
significado plural quando relacionado às artes visuais e aos processos criativos, tal qual aponta
Salis (2013).
de um indivíduo, todos considerados uma forma de trabalho, por exemplo, poderiam ocorrer ao
mesmo tempo, aponta Martins (2013), que identifica, neste contexto, a possibilidade de
emergência de uma dimensão lúdica. O trabalho, assim, poderia ser árduo, mas não
necessariamente desprazeroso.
Trazendo estas reflexões sobre a centralidade do trabalho nas sociedades pré e pós-
industriais, para o campo das Artes Visuais, partimos do pressuposto que pensar o artista como
um trabalhador na atualidade é desafiador, pois o (a) artista pode não trabalhar como os demais
trabalhadores, de forma braçal, ou disponibilizando 8 (oito) horas do seu dia para receber em
troca um salário. O artista conserva, de algum modo, os âmbitos criativos do trabalho primitivo
apontados por Fischer (2014), na medida em que cria e recria novos significados para objetos
de uma realidade.
Além disto, na atualidade, o (a) artista depara-se com o consumo como uma questão
cultural. As sociedades do consumo são aquelas que estão organizadas para aquisição de bens
(Martins, Aquino, Sabóia & Pinheiro, 2012) em que as dinâmicas sociais passam a ser
interesses pessoais, de compra e venda, são mais importantes que os interesses comunitários
Aqueles que não detêm os meios de produção dos bens e dos serviços nestas sociedades
alugam sua força de trabalho através da disponibilização do seu tempo, que é cronometrado e
troca de um salário.
informação e opinião, as experiências podem tornar-se empobrecidas, ao passo que Han (2015)
que colabora para o desenvolvimento dos distúrbios mentais como a depressão, o estresse, a
vida em modo 24/7 (Crary, 2015), em um mundo técnico-racional-capitalista, que não solicita
mais o sujeito a pensar, criar, descobrir alternativas de vida, mas tão somente a responder de
modo passivo e monótono àquilo que o mundo lhe solicita em termos de produção e consumo
(Buchianeri, 2012).
descartáveis é colocada como indispensável, devido à urgência por realização pessoal, a qual o
A insatisfação provocada pela rotina e pela repetição, pelo excesso de trabalho e pelo
empobrecimento das experiências guardam uma relação com o ritmo de produção de novos
substitutos para o significado com a finalidade de tornar a vida humana menos entediante
(Svendsen, 2006) e a arte e sua produção não estão fora deste contexto, que impacta direta e
indiretamente a subjetividade.
Um artista visual, seja ele plástico ou aplicado, representa alguém que é pago para criar
nas sociedades atuais de produção e consumo, como aponta o jornalista inglês Gompertz
(2015), isto é, de alguém autorizado a exercer seu potencial criativo. De acordo com este autor,
enquanto a maioria das pessoas vive fatigada, aceitando um trabalho pouco satisfatório para
colocar comida na mesa, o artista não está disposto a fazer tais concessões, pois sua motivação
A arte, no entanto, não escapa das dinâmicas mercadológicas capitalistas, sendo a arte
contemporânea a forma de arte que, de acordo com Moulin (2007), ocupa o lugar máximo da
Em termos práticos, isto quer dizer que a inserção do (a) artista visual no mercado da
arte depende do seu acesso a informações e rituais próprios do mesmo, que exerce influência
A liberdade dos artistas para criar, portanto, é gerenciada por outros atores (artistas,
críticos, marchands, colecionadores, conservadores e galerias), formando, assim, uma rede que
Compreende 23,33% (f= 7 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e
radicais no intervalo entre x² = 11,27 (Trabalho), x² = 3,5 (Criação) e x²= 3,5 (Tempo).
contexto do trabalho como atividade profissional, como se observa no exemplo das falas:
Participante 13
Parto de dois caminhos. Trabalhos sob encomenda que norteiam um processo
criativo mais direcionado. Que são a maioria. E trabalhos autorais que me
deixam mais livres pra criação, mas que no momento não ocupam a grande
parte do tempo desse processo.
Participante 4
Meu processo criativo começa a partir do momento que acordo. Pois trabalho
com o imaginário em diversos seguimentos do meu cotidiano real e muitas
vezes fictício. Transfiro todo esse processo para minhas telas”.
Participante 54
Que envolve o lado racional e emocional o tempo todo. Em alguns momentos
é bem cansativo.
Participante 22
Com o trabalho concluído vem um novo impulso para outro momento de
produção.
A partir das análises, pode-se inferir que há uma percepção do artista visual quando o
processo criativo está direcionado para a criação de uma obra que tem por objetivo o
criação de uma obra para si, tornando, assim, importante investigar no estudo de caso se há
diferença de significados dados à obra e ao processo criativo quando este parte de motivações
criativos.
A partir destas observações, podemos propor uma revisitação aos Modelos Criativos de
Amabile e Csikszentmihalyi, na medida em que estes autores afirmam que a criatividade está
80
relacionada apenas às motivações intrínsecas. No modelo de Lubart, por sua vez, o autor prevê
que a criatividade pode estar ligada tanto às motivações intrínsecas como extrínsecas.
A partir dos estudos propostos por esta investigação, tem-se tornado evidente que a
criatividade e os processos criativos vivenciados por pessoas que dependem destes processos
como profissional, o (a) artista visual tem demandas externas as quais deve atender e visto que
Este quarto tipo de temporalidade social não se resume apenas a um tempo liberado
obrigações externas.
81
autonomia das pessoas nas temporalidades. Percebe-se então, que a maioria dos usos feitos do
quanto mais alta é a percepção de autonomia numa ação, maior a sua relação com a satisfação
e quanto menor, maior a sua relação com o tédio. Observa-se, assim, sociedades organizadas a
Mircea Eliade (2001, 2013) e por Viktor de Salis (2004), como aquelas que, sobretudo,
centravam suas visões de mundo nos mitos, ou ainda, na possibilidade de se relacionar de modo
Nestas sociedades, o mundo era visto como um lugar mágico e religioso, onde havia a
possibilidade de se encontrar o divino em toda parte, isto é, nos bosques, nos mares, rios,
plantas, animais, em resumo, em toda e qualquer estrutura do mundo natural (Salis, 2004, p.
33). O tempo era um referencial diferente da vida humana (Eliade, 2001), pois na Antiguidade,
embora ele também fosse quantitativo, cronológico, não era este o aspecto do tempo que
Os ritmos vitais e sociais não eram apressados para se adequar a uma medida
quantitativa. A ideia de que era preciso empregar tempo, não apenas em quantidade, mas
também em qualidade para se atingir um objetivo era amplamente compreendida (Eliade, 2001,
2013).
82
mitologia grega a partir de duas noções sagradas, Kairós e Kronos. "Ao cunharem duas palavras
para qualificarem o tempo vivido, cada uma das possibilidades (Kronos/Kairós) designava não
apenas uma qualidade de tempo, mas indicava uma representação divina vinculada à
Inferimos, assim, a partir das respostas dos participantes, que se um indivíduo realiza
atividades artísticas com fins profissionais, torna-se difícil isolar a natureza de suas motivações
relacionadas à manifestação da sua criatividade e dos processos criativos, sendo este fator,
talvez, uma das razões para as dificuldades de operacionalização e generalização dos estudos
que se voltam para o seu aproveitamento qualitativo, para o desfrute e o prazer da ação de criar;
e cronológico, visto que o (a) artista, como os demais trabalhadores, possuem prazos para
Os processos criativos dos artistas visuais são compostos por momentos, isto é, períodos
em que se desenrolam atividades específicas, indo de encontro com autores como Aquino,
Martins, Sabóia e Pinheiro, (2012) quando discorrem sobre o aspecto qualitativo do tempo –
Kairós. O tempo dos processos criativos não é composto apenas pela contagem do mesmo, mas,
sobretudo, por aquilo que se realiza e vivencia nele. Mas, ao mesmo tempo, o artista, enquanto
alguém que realiza sua atividade para sobreviver, submete-se também ao tempo cronológico.
Compreende 23,33% (f= 7 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e
radicais no intervalo entre x² = 15,16 (Produzir), x² = 5,96 (Para) e x²= 3,5 (Poder).
83
Participante 22
Primeiro vem um impulso de produzir/fazer algo ou resolver/melhorar alguma
coisa. Depois, vou elaborando várias possibilidades/caminhos e escolho o que
julgar melhor. Posso experimentar algumas possibilidades para chegar na
escolha do método. Com o trabalho concluído vem um novo impulso para
outro momento de produção.
Participante 7
Procuro peças que se assemelhem ao sentimento que quero passar para quem
entra em contato com o que produzo.
A partir das falas, compreendemos que o objetivo dos processos criativos é criar uma
Para tanto, os artistas estabelecem métodos e rotinas, buscam referências e recorrem aos
seus afetos, com o intuito de encontrar as formas que mais se adéquam as suas mensagens.
Infere-se, a partir daí, que o processo de produção da obra é, portanto, tomado, por vezes, como
Os processos criativos são motivados pelos significados que o (a) artista busca
compartilhar através de suas obras. Estes significados podem variar, de acordo com os fins
profissionais os quais o artista foi contratado (a), aos fins pessoais de criação da mesma e para
transmitir esses significados o artista cria métodos, estuda e aplica materiais, mune-se de
referências.
Cria-se não apenas porque se quer, mas porque o ser humano necessita.
84
Compreende 30% (f= 8 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e
radicais no intervalo entre x² = 10,77 (Acontecer), x² = 66,67 (Música) e x²= 2,57 (Fazer).
Participante 10
Meu processo é muito subjetivo, muitas vezes acontece de estar conversando
com o cliente e ter uma "visão" de como fazer a ilustração, às vezes é uma
frase de uma música, ou até mesmo um sonho. Claro que passo pela busca de
referências e me inspiro em outros artistas, mas o que me faz começar a
trabalhar é bem isso.
Participante 52
Normalmente gosto de pesquisar em livros e internet, mas algumas vezes ele
acontece vendo um filme, ouvindo música ou andando na rua.
Participante 12
Meu processo criativo acontece através dos meus sentimentos os quais me
impulsionam a realizar as minhas obras. As idéias surgem durante momentos
variados do meu dia-a-dia, mas meu verdadeiro processo criativo ocorre
mesmo durante a execução das obras, uma vez, que dificilmente realizo um
estudo prévio para tais, e, mesmo quando o faço isso acontece mais na sintonia
de ação, pensamento e intuição, sinto, portanto que essa ultima se sobressai
perante as demais, ultrapassando a lógica e a técnica e como um sopro do
gênio primitivo que sempre é mais forte que a lógica e a razão.
(1) As necessidades dos clientes que contratam um (a) artista visual para realizar a
livros e da internet.
(4) Os afetos. Quando descrevendo o seu processo criativo o participante 5 coloca “Em
um primeiro olhar, empolgante e depois, frustrante”. O participante 2, por sua vez coloca “Meu
85
processo criativo acontece através dos meus sentimentos os quais me impulsionam a realizar as
minhas obras”. A partir desta fala, pode-se inferir que os afetos vivenciados e associados ao
uma origem para ele. É o caso da fala “mas meu verdadeiro processo criativo ocorre mesmo
uma música ou assistindo a um filme, “andando na rua”. O participante 20 por sua vez, coloca:
No dia a dia eu produzo bem mais pela manhã, meu processo criativo nesse
horário está bem recheado. Quando estou criando procuro sempre finalizar
alguma peça nesse período depois que finalizo, sempre levanto, vou
desaparecer um pouco, fazendo um lanche, conversando com alguém ou até
ir ao banheiro para sair da minha zona criativa e respirar um pouco. Quando
volto parto pra outra, mas ao longo do dia continuo fazendo isso e tudo
funciona direitinho.
Sendo assim, os processos criativos podem sofrer a influência tanto de ações dirigidas
como a busca ativa por referências e atividades que tem o objetivo de inspirar, como também
atividades não-dirigidas para o processo e que, aparentemente, não resguardam uma relação
coloca Vygostky (2010), relacionado às memórias, às experiências anteriores; bem como com
Mas, também, as ações rotineiras do dia-a-dia, como ir ao banheiro, assistir a um filme ou ouvir
O que os depoimentos sugerem é que o (a) artista não precisa estar focado o tempo todo
na atividade de criação. Que além dos recursos direcionados, como a utilização de referências
Além disto, a construção desta categoria substancia o pressuposto de que os afetos não
se dão de modo isolado na vida das pessoas. Não se está puramente triste ou alegre, com raiva
86
corriqueiros, como aqueles motivados ao se escutar uma música, até aqueles motivados por
Compreende 23,33% (f= 7 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e
evocações dos indivíduos relacionadas aos significados dados aos seus próprios processos
Participante 11
Um fluxo contínuo de informações vivenciadas diariamente e
redimensionadas em dados poéticos. Mistura arte e vida e têm interesses que
persistem. Interesses que funcionam como instrumentos de percepção do
mundo. Penso desenhando, então os esboços funcionam como uma forma de
organização das idéias para que possam, posteriormente, serem executados ou
não.
Participante 3
Depende de qual trabalho, mas são testes e mais testes indo lapidando
avançando e regredindo, corrigindo e concertando a obra como um todo.
Participante 46
Como parte da minha prática de vida, exercendo em diversas situações. Desde
o trabalho até o convívio familiar.
Participante 12
(...) como um sopro do gênio primitivo que sempre é mais forte que a lógica e
a razão.
Entendemos a partir da fala dos participantes que a vivência de processos criativos pode
carregar múltiplos significados, dentre eles: (1) como instrumento de percepção do mundo; (2)
como uma forma de organização das ideias; (3) como um meio para criação de uma obra; (4)
como algo que faz parte da vida como um todo, ocorrendo desde o trabalho à vida familiar; (5)
como uma forma de expressão de aspectos primitivos do indivíduo, mais fortes que a lógica e
a razão.
87
Evidenciamos assim que os processos criativos não se restringem ao ato da criação, que
estes comportam outros aspectos do seu dia-a-dia, outras esferas da vida, inclusive as
existenciais.
através da experiência e da intuição que o (a) artista se apoia no seu processo de criação para
criar e, portanto, lapida, avança e regride, até que encontre a melhor forma para expressão de
sua mensagem.
Por fim, a descrição do processo criativo de acordo com os artistas visuais fortalezenses
Observamos que há 4 (quatro) palavras que mais se destacam nos discursos: “Processo”,
dentre outros.
Outra informação que se obtém a partir da Análise de Similitude vem do próprio formato
do gráfico, que se configura semelhante à letra “U”, de modo circular, com pontas nas
88
sem tocar nenhuma ramificação, a palavra “lógica”. O “Trabalho”, por sua vez, ramifica-se para
Figura 11
Análise de Similitude
Fonte: figura gerada pelo software Iramuteq
desempenham forte papel na vivência dos processos criativos. Porém, ao passo que a pesquisa
está ligada à busca de elaboração de uma ideia que será representada a partir de uma forma,
89
como possibilidade de ação e de criação, o trabalho está ligado aos processos criativos a partir
É também digno de nota o fato de que a palavra “Produzir”, apareceu como ramificação
do fato do (a) artista estar produzindo para si ou para o seu trabalho (profissão), a ideia de
Em seguida, foi analisada a nuvem de palavras obtida por meio do discurso dos
primeiramente dividir as palavras a partir de suas localizações: centro, baixo, cima, esquerda,
direita.
Figura 12
Nuvem de Palavras
Fonte: figura gerada pelo software Iramuteq
90
referências, imagens, fotografias, formas e de atividades como escutar música (parte de cima).
Busca-se, sobretudo, fazer funcionar as ideias (parte de baixo). A criação está ligada à lógica,
à história, à arte e à obra (palavras à direita) e, por fim, a ação e o interesse estão por trás da
Entendemos que os processos criativos descritos pelos (as) artistas visuais fortalezenses,
assim, são entendidos como meios de produção e de trabalho, através dos quais se transmite
uma mensagem. Eles se originam de diversas formas, podendo surgir a partir de atividades
Compreendido o contexto e o que os (as) artistas visuais entendem por processo criativo,
é chegada a hora de analisar os afetos listados por estes como vivenciados em seus processos
criativos, então, uma terceira análise foi feita para organizar somente esta temática, ainda com
Uma observação importante sobre as análises das afetividades listadas, é que embora a
Nestes casos, quando possível – isto é, quando não implicava numa perda na qualidade
Observamos também que ao listar os seus afetos, os participantes, por vezes, listaram
comunicar e compreendemos, assim, que elas fazem parte da resposta, pois se referem às
um corpus textual.
92
Observamos que há quatro palavras que mais se destacaram nos discursos: ansiedade,
alegria, satisfação e felicidade, sendo que o peso da alegria e da ansiedade é maior. Delas se
ramificam outras que apresentam expressão significativa, como raiva, inquietação, empolgação,
diagonal. Neste sentido, inferiu-se que os processos criativos dos artistas visuais fortalezenses
A alegria e a ansiedade são os dois afetos mais listados pelos participantes. Porém,
verificamos através de suas ramificações que estes não se polarizam unicamente como positivos
ou negativos. À alegria estão associadas palavras como tensão, frustração, confiança, paz e
Figura 13
Análise de Similitude
Figura gerada pelo software Iramuteq
Em seguida, analisamos a nuvem de palavras obtida por meio da pergunta: liste 6 (seis)
palavras mais evocadas foram: ansiedade, alegria, satisfação, felicidade, medo, prazer, euforia,
curiosidade e realização. Nas palavras das extremidades vemos: insegurança, tensão, angústia,
Desta forma, entendemos que os afetos positivos estão no centro das afetividades
vivenciadas pelos participantes nos processos criativos, ao passo que os afetos negativos,
embora sejam listados, possuem menos peso quando comparados aos positivos.
A partir da nuvem de palavras verificamos que os afetos positivos têm um peso mais
Inferimos assim que os afetos que dominam os processos criativos dos artistas plásticos
fortalezenses são positivos, embora afetos negativos também façam parte do processo.
Figura 14
Nuvem de palavras
Figura gerada pelo software Iramuteq
Por fim, organizamos também uma tabela com os 8 afetos mais frequentes, de acordo
com sexo, entendendo que embora a frequência seja próxima entre homens e mulheres, os afetos
positivos como alegria, satisfação e felicidade foram mais listados pelas mulheres que pelos
homens, ao passo que a ansiedade, o medo e a frustração foram mais listados pelos homens que
pelas mulheres. As exceções são: para os homens, o amor e para as mulheres a raiva.
95
Diante das análises realizadas, inferimos, enfim, que os afetos identificados por artistas
visuais fortalezenses em seus processos criativos não se dão isoladamente em suas valências
positiva e negativa.
Embora não tenham maior peso, dentre os afetos listados pelos artistas visuais,
negativos, reafirmando assim, a importância de investigar sobre o impacto dos afetos negativos
na criatividade e nos processos criativos. Ambos, afetos negativos e positivos, podem funcionar
como pontos de partida para os processos criativos e, talvez, um dos problemas com os estudos
experimentais sobre esta questão seja justamente a tentativa de isolar os afetos para investigar
a sua influência.
partir de estudos qualitativos, considerando as pessoas e seus contextos, uma vez que ao pedir
para os (as) artistas que identificassem os afetos vivenciados em seus processos criativos,
eles/elas não isolam os afetos em condições ideais de observação. Isto é, listam o amor ao lado
perspectivas investigativas que defendem que somente humores positivos facilitam a resolução
criativa de problemas precisam ser revisadas, não porque estejam erradas, mas porque estão
incompletas.
96
artistas visuais fortalezenses, pois através deles percebemos que a atuação profissional nas
Artes Visuais em Fortaleza, CE, sejam elas plásticas ou aplicadas, pode encontrar-se permeada
por dificuldades e desafios, sendo condizente com a variedade de afetos positivos e negativos
listados. Podemos, portanto, a partir dos resultados apresentados, ligar o contexto dos
exigências e prazos que se tem de cumprir afirmam o exercício das Artes Visuais como uma
profissão.
Por fim, o estudo também possibilitou observar que apesar das possíveis dificuldades e
desafios que ocorrem àqueles que trabalham com arte na cidade de Fortaleza, os participantes
negativos.
Neste sentido, o (a) artista é, sim, um trabalhador diferenciado dos demais, no que diz
respeito à satisfação no exercício de sua profissão. Ele/Ela tem contas para pagar e busca
garantir sua sobrevivência como qualquer outro ser humano, enfrentando dificuldades e
desafios, exercendo outras funções remuneradas, se necessário. Mas declara-se, ao final destes
processos, como alegre, feliz e satisfeito, cabendo, inclusive, a partir de suas falas, a inferência
subjetiva relacionada aos valores e significados atribuídos por uma pessoa a uma experiência.
Ele é caracterizado, dentre outras coisas, pela sensação de plenitude e integração percebida
entre o ser humano e o ambiente. Pensado por Cuenca (2016) e novamente apontado por
do ser com o mundo. Quando entendido como ócio humanista, aproxima o ser humano de seu
reside na pessoa e não na atividade. Trata-se, portanto, de uma experiência que vai além da
como no lazer, mas de uma atitude com que se realiza a atividade (Rhoden, 2009).
As mesmas atividades realizadas por pessoas diferentes, assim, podem ou não conduzir
a experiências de ócio, dependendo dos significados atribuídos pelas pessoas a elas, desvelando
assim, a importância dos afetos vivenciados nas experiências de ócio para a atribuição dos
percepção de liberdade e à motivação, que pode ser intrínseca ou extrínseca, isto é, a orientação
da recompensa para a satisfação gerada pela experiência em si, ou a busca de uma recompensa
externa.
ainda, pode ser vivenciada sem que seja percebida e em graus de intensidade diferentes (Tinsley
e Tinsley, 1986).
Um tópico relevante para este estudo trata dos atributos das experiências de ócio, pois
integrativa, Rhoden (2009, p. 1248) aponta 11 atributos ou qualidades do ócio. São eles: 1)
98
A autora também esclarece que, não precisando que todos estes atributos estejam
presentes, havendo a presença de 3 ou 4 já pode se considerar que a pessoa passou por uma
experiência de ócio.
A partir da análise das respostas dos participantes e das características listadas por
Rhoden (2009) é, portanto, possível inferir que a satisfação e o desfrute nos processos criativos
Torna-se, assim, cada vez mais evidente a relação entre o ócio, a motivação, a cultura e
o desenvolvimento humano, donde Cuenca (2016) associa também o ócio à fonte de saúde,
qualidade de vida e prevenção de enfermidades físicas e psíquicas. Viver o ócio, coloca o autor,
é estar consciente da não obrigatoriedade e da finalidade não utilitária de uma ação interna ou
definida por Cuenca (2016) como uma dimensão do ócio humanista, caracterizada pela vivência
tempo.
quais se valora alguma coisa. Trata-se de uma comunicação que se dá entre o artista, a obra e o
A autora supracitada deixa claro que utiliza a palavra valor no sentido de humanizar,
apontar tudo aquilo que potencializa às pessoas que são seres valiosos em si mesmo num sentido
kantiano. Tudo que humaniza as pessoas contribui para o seu desenvolvimento e para o seu
Dentre os benefícios do ócio estético listados por Amigo (2009), estão: o cultivo da
estético e da inteligência artística, uma compreensão simbólica do mundo, uma visão renovada
assim, outro nível sobre a criatividade como um fator promotor da educação emocional e do
de estabelecer e manter contato com interesses intrínsecos, Sheldon (1995), infere que a
criatividade é uma habilidade através da qual o ser humano ganha acesso a recursos cognitivos
profundos e Hennessey (2013) infere que existe uma relação direta entre a orientação
motivacional trazida para uma tarefa e a criatividade desempenhada nesta tarefa. Dessa forma,
em que observamos, na descrição dada pelos (as) participantes aos seus processos criativos,
nova fase se deu no campo: a busca por profundidade. Ao contatarmos a participante potencial
para o estudo de caso, percebemos imediatamente que sua atitude diferia dos demais potenciais
foram ricos e detalhados, sendo esta a primeira característica que chamou atenção: ela foi
extremamente solícita, com uma postura aberta e participativa, respondendo todas as perguntas,
permitindo o registro fotográfico, abrindo o seu quarto, que também é seu escritório de
partir das respostas da participante no questionário online iniciamos os encontros com ela a
Perfil da Participante
Sexo: Feminino
Profissão: Ilustradora
Declarou exercer outra profissão: não
Formação: Ensino Superior (Publicidade)
Tempo que exerce a profissão como ilustradora: 8 anos
Idade: 34 anos.
semanas de contato nas quais, houve 7 encontros de 1h30, aproximadamente, gravados por
áudio. Em algumas semanas não houve encontro por questão de logística dos horários dos
interação, como troca de mensagens por whatsapp, além de que, ao ter a informação de que seu
apartamento espaçoso e confortável, com uma vista belíssima para o mar. O seu ambiente de
Figura 15
Quarto/escritório da participante
Fonte: Fotografias do acervo da autora
Limpo, arejado, cheio de quadros muito bem organizados nas paredes com temas
relacionados às personagens e histórias de cultura pop ocidental e oriental. Na Figura 16, uma
participante.
102
Figura 16
Quadros no quarto/escritório da participante
Fonte: Fotografias do acervo da autora
participante para um visitante que não a conhece: bonecos do tipo action figure de alguns
personagens de mangá e anime. Remédios para alergia. Uma pequena fonte de água corrente
que traz uma sensação de calma ao ambiente. Uma pequena, porém considerável estante de
Figura 17
Ferramentas de trabalho da participante
Fonte: Fotografia do acervo da autora
A sensação que tivemos ao entrar no quarto da participante pela primeira vez era de que,
de alguma maneira, todos aqueles objetos são, de fato, rastros deixados por ela, mapas para sua
personalidade e identidade, e esta foi a primeira pergunta que surgiu da primeira visita ao
campo: o que ela está tentando mostrar para o mundo? Ao entrar no ambiente ficou evidente
que se tratava do quarto de uma artista, tanto pelos materiais espalhados, como pelas referências
A participante mora com os pais e com o irmão. Ela conta que sempre teve o apoio dos
pais, inclusive financeiro, ainda que estes pudessem vir a incentivá-la durante a adolescência a
buscar outras profissões, como medicina, por exemplo. Ao explicar sua trajetória nas Artes
Visuais, ela conta que seus avôs se interessavam por artes e que isso, de alguma forma foi
Sua escolha para o ensino superior foi a Publicidade, área que ela considera “legal”, mas
que não teve vontade de exercer, mesmo antes de terminar a faculdade. Ela concluiu o curso
Fortaleza, através do qual veio a sua primeira oportunidade profissional na área e a dar aula no
Entre 2011 e 2014, ela teve problemas de saúde: gastrite e problemas na vesícula, tendo
que passar por uma cirurgia. A partir destes problemas, ela descobriu que possui uma condição
em que seus ossos saem facilmente do lugar e ao ser colocada na maca para cirurgia, sua coluna
foi afetada.
Embora sentisse dores, esta condição demorou a ser diagnosticada, o que veio a lhe
causar ataques de pânico. Além disto, ela conta que neste período, também terminou um
relacionado que já durava 14 anos. As dores, tanto físicas como emocionais, levaram-lhe à
depressão, que, por sua vez, fez com que ela passasse um ano sem desenhar.
Em 2013 começou a fazer terapia. Por volta deste período, também encontrou uma
médica que a diagnosticou e tratou de sua dor física. Sua reviravolta começou em 2015, quando
desenho para eles, recebeu elogios. Aos poucos, ela foi retomando o desenho e passou a
Embora tenha declarado no questionário online que não exerce outra profissão, é digno
de nota que, além da função primária como ilustradora, a participante dá aulas particulares, dá
aulas em um curso de mangá de Fortaleza e vende cadernos, roupas e demais produtos de sua
marca pessoal, confeccionados por ela mesma, para complementar a renda. Sua carreira como
encomendada, de onde vieram outros clientes, e desde então, as coisas vão indo bem.
105
Figura 18
Caderno criado a partir das ilustrações da participante
Fonte: Foto cedida pela participante
tradicional à mão, faz uso hoje principalmente da ilustração digital. Para isto, ela precisa de um
computador potente e de uma mesa digitalizadora, conhecida como tablet no meio das Artes
Visuais.
“O desenho”, afirma ela, “é a parte que está melhor resolvida em mim”, ficando claro
que o desenho para ela é uma forma de conexão consigo mesma. “Eu ganho pouco, mas sou
visuais fortalezenses passam por dificuldades e desafios em suas profissões, mas que, ao final,
se sentem satisfeitos.
do desenho foi o primeiro sinal de que sua vida estava voltando a se organizar. Quando estava
cheia de problemas ela desenhava menos. Ao superar os problemas, o desenho foi um indicativo
Quando perguntamos a ela sobre de onde vem o conhecimento para sua criação, ela
afirma que de si mesma. A participante se considera autodidata. Tudo que sabe, ela aprendeu
de alguns cursos e workshops, porém ela não tem de fato, uma formação em Artes ou Ilustração.
sensibilidade e abertura. Uma tarde de conversas em seu quarto e percebemos que sua
personalidade solícita está ligada ao fato de ser uma pessoa sensível e transparente, disposta a
No segundo encontro a conversa foi fluida e durou a tarde inteira. Durante o passar da
tarde, ouvimos música, observamos uma parte do seu processo criativo em uma encomenda, e
houve descontração com sua gata de estimação. O dia estava quente. Os encontros que seguiram
Com relação ao seu processo criativo, observamos que existem pelo menos três fontes
de estímulo cognitivo para a participante: a música, os jogos e o sono. As músicas que escuta
antes, durante e depois do processo, ela explicou que são geralmente sem letras, só o
instrumental, para não distrair. Servem para inspirar e para ajudar na capacidade de
concentração.
Com relação aos jogos, a participante explica que um dos principais temas de suas
ilustrações são personagens de jogos de vídeo games e RPG e, sendo assim, ela usa a trilha
sonora dos jogos de vídeo game em que estão as personagens que ela desenha, como forma de
se inspirar. Além disso, músicas lhe inspiram imagens que já aparecem prontas em sua mente,
Ela descreveu como uma vez estava escutando em seu carro a música Paradise. da
banda Cold Play e precisou reduzir a velocidade, pois teve a visualização completa de várias
criativo da participante. “As cenas já vêm prontas em minha mente”, coloca ela, na medida em
que recebe estímulos sonoros e motores, advindos dos jogos de vídeo game, jogos de RPG, das
A participante fala que tem uma dificuldade muito grande de se concentrar e que as
músicas ajudam neste processo. A música abafa outros barulhos e possíveis interrupções da rua
e das outras pessoas que habitam sua casa. Ela explica que as músicas de vídeo game geralmente
Novamente sobre a inspiração das imagens que cria, a participante coloca que muitas
vezes, quando vai desenhar, a imagem original do desenho já está formada em sua cabeça, que
ela consegue essas visualizações às vezes mais em estados em que está quase dormindo do que
quando está consciente e dá como exemplo a sua ilustração da princesa do fogo, em que sonhou
Figura 19
Ilustração da Princesa de Fogo
Fonte: fotos do acervo da participante
108
Outro exemplo seria a ilustração que fez para um cliente em que teve a ideia quando
estava caindo no sono. A imagem veio pronta em sua mente e, tão logo possível, ela repassou
Quando foi perguntado se ela por ventura não se esquece dos detalhes daquilo que
visualiza depois de um sonho, por exemplo, ela diz que não. Ela explica também que sempre
teve seus horários invertidos, referindo-se ao fato de que se sente mais produtiva à noite e que
precisa de um pouco mais de sono que as outras pessoas para descansar. Ela fala que se sente
mais produtiva à noite porque consegue ter paz, isto é, quando as pessoas a sua volta vão dormir
e os ruídos da rua cessam, por isto ela tem preferência por desenhar à noite.
Os jogos de vídeo game, por sua vez, constituem-se como uma terceira fonte de estímulo
cognitivo e motor para a participante. No período da pesquisa ela estava a jogar o jogo Final
Fantasy XIV, do tipo MMORPG. Como os jogos constituem-se fator importante, tanto cognitivo
A sigla MMO significa em inglês Massive Multiplayer Online. Uma tradução livre para
construído para que muitos jogadores estejam presentes ao mesmo tempo, através da internet
O fato de ser um RPG, sigla em inglês, Role Playing Game, traduzido livremente como
jogo de interpretação, jogo de atuação, significa que o jogo se passa num cenário específico,
que neste caso é medieval e futurista, em que os participantes podem criar personagens, os quais
desta experiência que veio a sua principal fonte de inspiração para a criação de suas
personagens, que constituem o foco do seu trabalho: Demi, uma elfa verde, Alustriel uma elfa
Figura 20
Personagens da participante, Anastriana, Demi e Alustriel
Fonte: Imagem do acerco da participante
suas personagens e ilustra momentos vivenciados por estas. A partir destas 3 personagens,
ilustrações suas criadas anteriormente, prepara sua paleta de cores com base na mensagem que
deseja passar.
Ela também se identifica como uma referência para o próprio desenho, visto que suas
verdadeiramente como parte de um nicho específico, uma cultura própria que carrega consigo
110
valores e significados próprios. Os jogos de vídeo game, os jogos de RPG, o mangá e a cultura
Esta pode se dar tanto no momento, como posterior à criação. A artista se mostra sempre
Quando um trabalho é comissionado, a participante explica que faz de tudo para que o
resultado final seja exatamente como cliente imaginou, demonstrando um rigor e um controle
de qualidade do seu próprio trabalho. Além disto, ela conta como o seu universo de criação foi
expandido a partir das demandas destes clientes. Ao mostrar suas ilustrações no computador, a
participante mostra que suas obras mais rigorosas e mais bem executadas vieram das demandas
Durante uma tarde na casa da participante, observamos uma parte do seu processo
personagens, o equilíbrio dos espaços), a participante pegou um desenho prévio como modelo.
A partir deste modelo, ela capturou os principais aspectos da posição dos personagens através
de um rascunho.
a foto do casal, que estava em posição frontal. A ilustração que a participante estava criando era
um Chibi, palavra japonesa que significa pequeno, baixinho. Trata-se de um desenho no estilo
mangá, um tipo de cartoon japonês, cuja principal característica é a cabeça desenhada na mesma
proporção do corpo, onde há uma redução considerável dos traços se a referência base é uma
Então, para início a participante não apenas teve que reduzir os traços da fotografia de
111
referência, como imaginar as figuras humanas que estavam sendo desenhadas em outras
Observamos que em nenhum momento ela utilizou outra referência para desenhar
objetos que estavam em outro ângulo, como os óculos, por exemplo. Perguntamos a razão, se
era porque, por ventura, já havia desenhado muitas vezes aquele objeto e ela disse que sim, que
o que ela não estava consultando em outras fontes era porque já visualizava de cabeça.
Sobre as coisas que tem dúvida, no entanto, ela afirma que busca tanto em sites, como
consulta com uma amiga desenhista informações para saber se seu desenho está correto. Ela
fala que é uma pessoa muito dispersa e que tem dificuldade em se concentrar, que às vezes
enxerga as linhas tortas e isso dificulta, por exemplo, que desenhe em perspectiva. Ela também
seriedade, compromisso e busca para melhorar suas técnicas, suas escolhas de cor, a aplicação
de conhecimentos, etc.
seu trabalho, a participante também relatou de que modo diversos aspectos da sua vida, como
sua família, sua saúde e sua rotina afetam o seu processo criativo.
Em um dos encontros, ela descreve sua rotina: faz terapia uma vez por semana e dança
do ventre duas vezes na semana. Ela também faz fisioterapia para melhorar sua condição de
saúde e qualidade de vida. Organiza o calendário para que possa tirar um dia para desenhar
coisas para si e outros dias para que possa dar conta das encomendas. “Eu moro aqui no meu
Durante os encontros tornou-se evidente que ela busca melhorar a si mesma a todo
instante, que cobra demais de si mesma, demonstrando mesmo, um grau de insegurança. Ela é
uma pessoa extremamente aberta, extremamente sensível e transparente. Não fala do seu
112
A participante sempre fala com muito orgulho de suas criações, sejam personagens de
RPG de mesa ou de jogos eletrônicos, seja o esforço que faz para se superar nas ilustrações de
suas personagens.
vivências afetivas diárias. Observamos que o clima, geralmente era calmo, estava agitado, cheio
de gente. A mãe assistia televisão na sala. O pai também estava na sala. A irmã dormia em sua
cama e havia uma criança, seu sobrinho. A irmã parecia exausta e não se importava com o
barulho.
No meio disso tudo havia uma participante aparentando mais dispersa que de costume,
um pouco agitada também, com todo aquele movimento. Ao chegarmos em sua casa, ela foi
logo declarando que estava com preguiça de criar, que era um daqueles dias em que ela não
rendia. O computador estava ligado, já com uma ilustração que ela deveria estar trabalhando
para o seu cliente. Mas ela não estava rendendo. Quando chegamos, ela ia dar continuidade à
ilustração, mas escolheu me mostrar antes o jogo de RPG que ela joga e que já havia falado que
Ela colocou a introdução do jogo para rodar. A introdução é bonita e inspiradora, trata
de uma cena de uma guerra, em que um dragão se liberta de sua prisão e destrói um reino. No
entanto, guerreiros, paladinos, magos e clérigos se unem para combatê-lo. Ao assistir esse
vídeo, pode-se perceber o quanto todo aquele universo influencia a participante em suas
Além disto, podemos observar que os jogos eletrônicos talvez desempenhem um papel
instrumentais e podem ser repetitivas, bonitas e agradáveis de ouvir. Elas inspiram igualmente
113
Nos jogos eletrônicos de RPG estão previstas uma série de rotinas que o jogador executa
no controle. Uma sequência de botões a serem apertados e poderes mágicos que se combinam
Deste modo, se tornou evidente que a participante está com frequência buscando um
certo tipo de relaxamento. Uma atividade mais ou menos repetitiva que possibilite um
afastamento de outros estímulos. Ela joga vídeo games, ouve música, joga RPG, tem uma fonte
de água corrente em seu quarto. É como se ela estivesse sempre buscando relaxar, aliviar uma
tensão; as horas de sono a mais e o fato de ser mais noturna também colaboram para essas
observações.
Ainda num tom informal e de conversa, perguntamos a ela se havia diferença entre o surgimento
da ideia criativa a partir dela para dos seus clientes. Também foi pedido para que ela descrevesse
como é participar dos eventos públicos onde pode comercializar seu trabalho. Se ela acha que
seu trabalho passa alguma mensagem e o que significa criar para ela.
pesquisa e propomos à participante respondê-las. Após este encontro, embora tenham sido
coletados todos os dados necessários, houve mais 4 semanas de observação com a participante
para garantir que todos os dados necessários foram coletados. A análise das respostas dadas por
informalmente, porém registradas com o gravador, partimos para a análise com o apoio do
software Iramuteq.
O Corpus Geral da análise foi constituído por 1 texto, separado em 112 segmentos de
textos (ST), com aproveitamento de 599 STS (70,08%), 3991 ocorrências (palavras, formas ou
do conteúdo das respostas analisadas. Ele é composto pelas classes 1 (Âmbito familiar, afeto e
sensação de falha do projeto existencial de uma pessoa, ausência de autonomia e como isso
corresponde a 71% do conteúdo das respostas analisadas. Ele é composto pelas classes 2
dos processos criativos, bem como o potencial dessas características no entendimento dos afetos
Classe 6
Relaxamento e atenção no processo
criativo
21,2%
Classe 5
Saúde mental e processo criativo
16,5%
Classe 2
Relação com o cliente
15,3%
Classe 4
Aspectos técnicos dos
processos criativos
17,6%
Classe 3
Origem do bloqueio criativo
16,5%
Classe 1
Âmbito familiar, afeto e processo
criativo
12,9%
Figura 21
Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente
Figura gerada pelo software Iramuteq e remontada pela autora
entendimento dos afetos vivenciados por uma pessoa, antes, durante e depois de sua ação. Da
integridade e dignidade, de ter autonomia para tomar decisões em sua vida e, por fim, como a
percepção de falha ou de desvio do sentido da sua existência impacta sobre o seu processo
Compreende 12,94% (f= 11 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e
radicais no intervalo entre x² = 34,74 (Mãe), x² = 20.92 (Pai), x²= 7,97 (Conversar), x² = 5,12
Eu preciso estar comigo, meus pais, principalmente minha mãe, sempre achou
que eu acordava meio dia, eu acordo as onze, muitas vezes até antes e fico
aqui trancada, só, sabe, conversando comigo, olhando para os quadros,
assistindo alguma besteira, eu preciso disso para eu poder funcionar o resto do
dia sem matar ninguém.
(...) não estou mais com idade de aguentar isso com a paciência que um dia eu
tive, então assim, tem certas coisas que me drenam muito, as relações
interpessoais aqui em casa me drenam, tem várias e várias coisas erradas que
eu vejo aqui, eu sou a única que faz terapia, eu já pedi para os meus pais
fazerem terapia, meu irmão fazer terapia, é um negócio tenso sabe. Talvez
melhore porque o meu irmão vai se mudar, se isso acontecer melhora, porque
minha mãe e ele vivem brigando, mas minha mãe não admite.
Dia de quinta-feira é um dos dias que eu mais produzo porque eu estou só.
Para mim isso aqui é fundamental. Antes do meu irmão se mudar para cá eu
tinha períodos de solidão com certa frequência, meus pais viajavam e eu ficava
só, eu sinto muita falta disso, porque esse momento que eu respirava sem ter
o carinho sufocante que é a minha família. Longe de mim reclamar deles, são
pessoas maravilhosas, meus pais são tudo para mim, mas cada um tem o seu
tempo e eu estou precisando do meu tempo, todo mundo precisa de um tempo
sozinho, precisa ter aquela liberdade de acordar de ovo virado e não sorrir e
não dar bom dia e eu não tenho isso aqui.
silêncio e de privacidade.
117
As maiores dificuldades que a participante enfrenta no seu dia-a-dia, como ela mesma
Um tempo que ela sinta que é dela, para ela ser e fazer o que quiser, especialmente em períodos
de variação de humor e em períodos de criação, como quando ela coloca que “todo mundo tem
o direito de acordar de ovo virado”, isto é, acordar de mau humor, e não ter que aparentar estar
tendo um bom dia, ou quando relata que, numa tarde, colocou os fones de ouvido para indicar
que não queria interrupções, pois tinha muitas encomendas para trabalhar. Nesta referida tarde
a participante relatou que chegou a ser interrompida com frequência ainda maior.
Ao longo do dia, seus pais, irmãos e outros parentes fazem pequenas interrupções.
Perguntam se ela precisa de alguma coisa, se quer se alimentar na hora das refeições principais,
ou simplesmente aparecem à sua porta com perguntas do dia-a-dia. Ela afirma que essas
pequenas interrupções, somadas a brigas e discussões periódicas, acabam por drenar sua
energia.
âmbito do seu tempo sociocultural. Ou seja, observamos que as relações interpessoais familiares
Um contraste relevante para ser apontado, ainda relacionado a estas reflexões, é de que
Na relação com seus clientes existe sempre uma negociação, uma conversação sobre o
que será realizado e o que não será. Além disso, a participante gerencia, em seu tempo
silêncio como uma via de restituição de sentido, como uma forma de apreensão de si mesma.
O silêncio e a quietude como uma espécie de vazio primordial, anterior à existência, ao fazer e
à ação. As relações interpessoais, assim, demonstram ter impacto sobre os afetos e os processos
criativos.
Compreende 16,47% (f= 14 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e
que acaba por impactar no processo criativo e 3) excesso de ideias e pensamentos que não
subcorpos que a categoria “Âmbito familiar, afeto e processo criativo”, evidenciado assim que
existência.
fator que gera a sensação de falha no projeto existencial da participante, ou seja, falha na
tentativa de se tornar o ser único que realmente é, com todas as suas peculiaridades. Isto
“drena”, como colocado pela própria participante, seus “motivos”, suas razões de ser. Notamos
também que nestas relações a participante experiencia um excesso, um carinho sufocante dos
pais, que estão sempre a lhe dar e a demandar atenção, donde surge um cansaço mental.
excessivamente positivo que Han (2015) discorre, colocando que em contraponto com
sociedades anteriores em que o vírus e o corpo estranho constituíam-se como uma ameaça à
saúde pública, nas sociedades atuais os problemas de saúde que despontam estão relacionados
negatividade, ou seja, pela possibilidade de negar e de dizer não ao diferente, ao outro, ao corpo
estranho. Já as sociedades atuais são tomadas por um excesso de positividade em que o outro,
120
por mais diferente que pareça é assimilado, um excesso de transparência onde a noção de outro
Tem-se assim um excesso de estímulos positivos que resultam, enfim, num esgotamento
provocado pela busca de um autodesempenho. Han (2015) explica este mecanismo com relação
cansaço da participante gerado por este excesso de positividade, em que o outro não é
reconhecido, mas assimilado, em que não se pode dizer não e em que aquilo se faz nunca é o
bastante.
Em outras palavras, foi observado que a participante tem dificuldades ao ter que assumir
as mesmas rotinas, os mesmos comportamentos e os mesmos valores que sua família, o que, a
partir de sua fala, podemos também perceber esta situação como angustiante, uma violência
humores, influenciam os processos criativos ao ponto de gerar bloqueios. Este achado está para
além dos objetivos traçados nesta pesquisa, mas se tornaram significativos durante seu
desenvolvimento, pois foi possível constatar que os afetos negativos foram gerados não pelas
mas, sobretudo, pelas relações interpessoais sociais. Além disso, não havíamos previsto uma
e os processos criativos tal qual apontados por Oliveira (2010) e por Alencar e Fleith (2003),
porém, com a ressalva de que as relações interpessoais familiares são mais complexas que as
A participante relatou no primeiro encontro que sempre recebeu todo o apoio dos pais
em relação a sua escolha profissional, sentindo inclusive que esta aptidão pelas artes lhe foi
passada por seus avôs. Não basta, portanto, que a família incentive, mostre apoio, forneça
dela se percebe padrões de comportamentos e valores que serão aceitos ou negados pelos seus
membros. Através da família encontramos um potencial que impulsiona ou afasta o ser humano
do seu projeto existencial. Ainda que a família se relacione afetivamente de forma positiva com
o indivíduo, o que se mostrou mais impactante no relato da participante foi o baixo grau de
liberdade. Isto não se deu devido a somente afetos negativos, mas também ao excesso de afetos
positivos.
Sem essa abertura para o novo e para o original, os pais e a família como um todo podem
demonstrar afetos positivos com relação ao desenvolvimento criativo dos filhos, mas, ainda
assim, influenciá-los (as) negativamente no que diz respeito à sua criatividade e processos
criativos.
Na mitologia grega há uma narrativa que ilustra esse processo. O mito de Cronos, o titã
que devorava seus filhos ao ver que estes não eram tão perfeitos quanto ele gostaria.
Cronos é um titã, uma entidade primordial que personifica o Tempo e que esteve
presente no momento em que o Cosmos foi formado; os titãs são percebidos como gigantes,
visto que, da perspectiva humana é impossível presenciar as forças naturais caóticas e selvagens
Ao destronar seu pai, Cronos ganha o direito de reinar sobre os demais seres, acordo
que fizera com seu irmão mais velho, com a condição de que devorasse sua prole para que não
Uma vez que seus filhos nascem, Cronos não aceita as qualidades únicas que eles lhe
apresentam e os devora para que não cresçam, para que não se tornem maiores que o próprio
Sendo assim, Cronos engole sem piedade Hestia, Demeter, Poseidon, Hades e Hera e
engoliria Zeus, se sua mãe não o salvasse, treinando-o posteriormente com sua avó, a Terra,
para destronar o pai, saga que ficou conhecida como titanomaquia, ou a luta de Zeus contra os
titãs.
Cronos possui um caráter consumidor, destruidor de sua própria prole. O mito de Cronos
fala da tendência dos pais em entender os filhos como uma extensão de si mesmos, engolindo-
os e impedindo, assim, o crescimento deles diante das diferenças que estes podem apresentar,
Transpondo para a questão criativa, o mito de Cronos revela, por fim, o impacto do
tempo cronológico sobre a criatividade, isto é, o aspecto castrador, que gera barreiras e
bloqueios, que frustra a ação antes mesmo que ela tome forma.
O tempo enquanto Cronos tende a ser estrutural, a ser forma rígida que segue a precisão
de um relógio suíço. Esta estrutura que revela como as coisas devem ser, é transmitida nos
âmbitos familiares e quando apresentada de forma rígida, pode frustrar a criatividade antes
do ser, pode devorá-lo, assim como o Cronos grego devora os seus filhos. Para a participante
entrevistada, esta ocupação do tempo heterocondicionado pode se dar por vezes, através de suas
123
relações familiares, mas o que parece estar em jogo aqui é a realização de uma atividade ou
ação em que há percepção de baixos níveis de autonomia e o impacto dessa percepção nos
ao campo empírico (Tilburg & Igou, 2017; Raffaelli, Mills & Christoff, 2017; Eastwood et al.,
2012) e na filosofia, como a de Heidegger, ele tem sido entendido como decorrente da ausência
falta de significado nas atividades e relações, falta de propósito, o que parece estar relacionado
à fala da participante quando esta coloca que seus bloqueios são por “falta de motivo”, isto é,
Dentre as teorias iniciais que buscaram entender o tédio com base em dados empíricos, estão
aquelas que investigaram sua psicodinâmica com um enfoque comportamental, em que o tédio
é entendido como o desejo por engajamento mental através de uma atividade, mas sem ter
Ainda de acordo com os autores supracitados, nas Teorias sobre a Excitação, o tédio é
entendido como um estado não ótimo de excitação em que ocorre um descompasso entre a
aversivo que ocorre quando não é possível atingir um nível ideal de excitação através do
Eastwood et al. (2012) iniciaram sua pesquisa com o objetivo de chegar a uma definição de
tédio precisa, que pudesse ser utilizada por um vasto espectro de pesquisadores e, assim,
Com base na psicodinâmica e nos aspectos existenciais do tédio, Eastwood et al. (2012,
o tédio é um estado aversivo que ocorre quando (a) uma pessoa não é capaz
de engajar com sucesso a atenção à informações internas (pensamentos ou
sentimentos) ou externas (estímulos ambientais) necessárias para participar de
uma atividade satisfatória; (b) estar cientes do fato da impossibilidade de
engajar a atenção e participar em uma atividade satisfatória, podendo assumir
a forma de um alto grau de consciência do esforço mental gasto na tentativa
de se envolver com uma tarefa, ou consicência do engajamento em uma tarefa
não relacionada com os interesses pessoais e (c) atribuir a causa do estado
aversivo ao meio ambiente.
A definição de Eastwood et al. (2012) tem sido reduzida ao seguinte conceito: o tédio é
uma experiência aversiva de querer, mas não poder se engajar numa atividade satisfatória, ou
querer, mas não poder desengajar-se de uma atividade não satisfatória. Desde então, este
conceito tem se tornado amplamente aceito e citado por pesquisas científicas, matérias de
jornais e revistas.
ausência de autonomia podem resultar em experiências de tédio. Assim como o ócio, o tédio
trata de uma apreensão subjetiva e está ligado às motivações na busca de um objetivo. Não se
trata de encontrar o tédio na ação/situação em si, mas na atitude com a qual se realiza a mesma.
A satisfação é definida como uma resposta afetiva positiva caracterizada pela apreciação
e o desfrute, pela felicidade e pelo gostar. Ela se opõe, de acordo com Granero-Gallegos et al.
(2013) e Karagiannidis et al (2005, p. 138), ao tédio pois ele é descrito como uma emoção
criativos para entender como a sensação de insatisfação e de aversão impacta nos mesmos.
Danckert & Merrifield (2016) apontam que ao examinar os substratos neurais de pessoas no
estado de fluxo proposto por Csikzentmihalyi, em que um indivíduo se encontra num estado
mental focado, imerso num estado de satisfação enquanto realiza uma atividade, ambos os
oposição, pois a criatividade tem por condição a motivação intrínseca e, portanto, a satisfação
como apontado em Danckert & Merrifield (2016), encontrando-se, assim, em aparente oposição
ao tédio, definido por Eastwood et al. (2012) como querer mas não poder.
A oposição, no entanto, não está na atividade em si, mas na natureza da motivação com
a qual a pessoa entediada se engaja em suas atividades. “Querer, mas não poder” pode ser
autonomia, e sem autonomia não há criatividade. Porém, “querer, mas não poder” pode também
estar apontando para busca por uma libertação desta condição, o que leva à discussão da
pesquisa de Mann e Cadman (2014), intitulada “O tédio nos torna mais criatvos?” e aos
uma experiência negativa para todas as pessoas e que não há um consenso real sobre as
Apesar das associações negativas, as autoras indagam se o tédio é sempre ruim, visto
que, como um afeto, ele tem uma função, como, por exemplo, comunicar às pessoas que alguém
126
que se sente entediado não deseja fazer parte de um ambiente, demonstrando a sua falta de
envolvimento.
O tédio pode também, de acordo com Mann e Cadman (2014), indicar que se está
havendo busca por novos estímulos diante da saturação dos mesmos, ou quando os estímulos
No mais, as autoras também colocam que quando os estímulos não se carcterizam como
perigosos ou como reforço, as pessoas tendem a perder o interesse neles. A perda de interesse
nos estímulos é algo importante para que os seres humanos se concentrem onde há verdadeiro
perigo e ou recompensa. O tédio, portanto, teria uma função adaptativa, na medida em que
Em parte, o que foi colocado em teoria por Man e Cadman (2014) pode ser observado
dele agir, paradoxalmente, como uma força propulsora e motivadora, visto que a experiência
do tédio alerta que algo não está bem e que algo deve ser feito: mudar de emprego, procurar um
novo hobbie ou redecorar a casa ou, no caso da participante, buscar o próprio espaço e
independência.
ele cria de encorajar comportamentos de busca por desafios e mudanças. Ainda que associado
com a letargia, ele também pode, num sentido prático, energizar, inspirar e proporcionar
por outros estímulos e de resgate de sua autonomia. A criatividade e seus processos criativos
mantêm uma relação com o que ocorre em sua vida pessoal e com sua busca por sentido
Compreende 21,18% (f= 18 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e
radicais no intervalo entre x² = 19,3 (Nada), x² = 15,62 (Tédio), x² = 15,62 (Jogar), x² = 11,58
e mental antes, durante e após o processo criativo. Esta disposição varia conforme a quantidade
e qualidade de energia disponível, tanto física como mental, experimentada pela participante
que, por sua vez, está diretamente ligada ao que ocorre em sua vida afetiva, as emoções,
sentimentos e humores que ela vivencia ao longo do seu dia, semana, mês e mesmo ano.
(...) geralmente é assim [meu processo criativo], estou aqui conversando com
uma pessoa e vem a ideia, estou aqui escutando uma música e vem a ideia,
estou aqui vendo um filme, ou uma roupa no meio da rua e penso, “isso vai
ficar legal em tal personagem”, então meu processo criativo é muito doido.
(...) acontece quando estou dormindo, acontece quando estou olhando para o
teto, acontece quando estou dirigindo, é um negócio meio caótico.
Quando por exemplo não estou conseguindo pensar em nada eu vou até jogar
para tirar minha cabeça ativamente do problema e depois que estou mais
relaxada eu penso, o que posso fazer com isto aqui. Aí ajuda. Vai aos trancos
e barrancos, mas vai.
128
Eu tento sempre quando estou muito bloqueada para fazer alguma coisa,
geralmente, faço algo que eu tô muito familiarizada, porque aí eu funciono
muito como um computador, sabe, eu estou tirando minha cabeça do primeiro
plano e tô concentrando, abrindo outros programas, para deixar o antivírus
fazer um scan. Minha faxina mental funciona dessa forma.
Observamos a partir destes relatos a necessidade de uma atividade que permita deixar
divagar a mente da participante. Na literatura consultada esta dinâmica refere-se tanto à fase de
incubação nos processos criativos, como ao devaneio e ao pensamento não relacionado à tarefa
problema, como jogar vídeo game, dirigir, ouvir música, etc. Estas atividades são repetitivas,
Desta forma, a participante está, ainda que não dê este nome, incubando suas ideias ao
passar por uma fase de relaxamento entre fases de foco e atenção, como apontado por Alencar
Chamou atenção, em virtude das atividades que a participante realiza para relaxar, a sua
possível ligação com o que Danckert e Merrifield (2016) chamam de rede de modo padrão ou
default mode network em inglês: a tendência do cérebro de interconectar regiões enquanto não
está focado.
focado e que se tornam ativas quando uma pessoa não está focando sua atenção em algo externo
em particular. Quando uma pessoa leva sua atenção a uma tarefa ou atividade externa, a
atividade na região de default mode network decai, pois uma área executiva central passa a ser
O que isto significa é que quando a atenção não está focada no cumprimento de uma
modo padrão. Quando o cérebro está focado em uma ação, por sua vez, ativa somente a área
Embora não haja uma articulação oficial entre a rede de modo padrão e a fase de
incubação dos processos criativos apontado por Lubart (2011), a própria definição de retirada
do foco consciente, para que uma teia de informações maior seja formada, aproxima os dois
conceitos.
Ou seja, observamos que é através de atividades não focadas que a participante encontra
as conexões necessárias no seu processo criativo e isto reforça novamente, as relações dos
Os relatos que compõem esta categoria indicam que através desta dinâmica de
de sua relação pessoa/ambiente nos seus processos criativos, entendendo aqui ambiente em
acordo com Cavalcante e Elali (2011), como algo multidimensional, abrangendo o meio físico
concreto, natural ou construído em sua associação com as condições sociais, políticas, culturais,
psicológicas e econômicas, bem como tudo que está presente nele, como as pessoas que o
Ontem terminei esse meu trabalho e fui mostrar para o cliente, esse cliente é
da Inglaterra. Mandei a encomenda para ele e ele reagiu “ahhhhh, ficou
incrível!”. Eu falei para ele, eu tava me sentindo um lixo e a tua encomenda
130
me animou. Essas pequenas coisas que os clientes as vezes soltam, para mim
fazem todo o meu sofrimento valer a pena (...).
vivenciados por ela e como isto é canalizado para o seu processo criativo. A partir desta relação
clientes, dos seus amigos e da sua própria percepção sobre o seu interior.
Uma parte desta energia é aproveitada antes, durante e depois do processo criativo,
compondo o seu humor. Quando a participante se encontra cheia de energia, mas não tem com
o que gastar, ela experiência o tédio. Nas suas próprias palavras: “Tédio para mim é quando
você está cheio de energia, mas não se interessa por nada, nada está bom”.
apresentados por Danckert e Merrifield (2016), uma vez que os autores entendem o tédio como
objetivos de uma pessoa. Porém, isto não é necessariamente negativo, pois de alguma forma, a
sem poder direcioná-la e alinhá-la com suas próprias intenções. Voltamo-nos assim, também,
para a definição clássica de Eastwood et al. (2012) de que o tédio é querer, mas não poder se
Cadman (2014), no que diz respeito à compreensão do tédio como um estado agitado. O tédio,
neste caso, não ocorreu devido à hipo, mas à hiperestimulação e no que diz respeito a sua
possível relação com a criatividade e os processos criativos, pois, por fim, observamos a partir
131
dos relatos que compõem esta categoria a confirmação da relação entre tédio e motivação, ou
seja, entre a natureza do engajamento da pessoa na ação e seus desempenhos e resultados, o que
Mann e Cadman (2014) apontam que devido ao fato de que as pessoas sentem
dificuldade de focar sua atenção quando estão entediadas, o processo de pensamento pode
mudar, deslocando-se para outras áreas que possam prover maior estimulação.
Quando a pessoa não pode, por alguma razão, se desengajar externamente de uma
situação, seu foco se volta para o seu interior, funcionando como uma espécie de lente de
Além de pensar sobre como se desengajar da tarefa tediosa, a pessoa que se encontra
neste processo pode também pensar sobre problemas e ideias não relacionados à tarefa que está
alguém que sente dificuldade de se concentrar e que utiliza recursos como a música, os jogos
A função do devaneio, de acordo com Mann e Cadman (2014, p. 167), é regular a tensão
gerada pelo tédio. Ele está relacionado à memória dinâmica, que é a habilidade de reavaliar
informação e possíveis soluções para um problema. “O ato de ‘sonhar acordado’ pode, assim,
preocupa suas mentes quantas vezes quiserem, de maneiras variadas e, a cada vez, incorporando
Este parece ser o caso da participante quando ela coloca que pode estar deitada olhando
para o teto ou dirigindo o carro, fazendo atividades que permitem que sua mente vague.
132
ilógicas podem ser exploradas, conduzindo assim, à solução de problemas de maneira criativa.
desfrute. No entanto, observamos a partir dos relatos da participante, que outras atividades
aparentemente não relacionadas à criatividade exercem uma importante função nos seus
Desta forma, Cuenca (2016) está correto ao descrever a criatividade como uma
dimensão do ócio, mas existe também um aspecto da criatividade que ocorre fora do ócio e que
se relaciona, inclusive, com o tédio, ou seja, com a aversão a uma situação de privação da
sintetizada nos estudos de Eastwood et al (2012) entre o tédio e a atenção. Os autores apontam
que o tédio é decorrente de uma orientação inadequada da atenção, de uma falha de atenção ao
meio ambiente, ou ainda falha dos processos de controle executivo e tentativas fracassadas de
Porém, observamos a partir dos relatos da participante que esta falha ou afrouxamento
uma distração como, por exemplo, jogar vídeo game, ele não é aversivo, porém, quando ocorre
a partir de uma percepção de baixos níveis de autonomia, o relaxamento pode ser percebido
A partir deste estudo inferimos, portanto, que a principal relação entre tédio, criatividade
consciente (incubação) no processo criativo, desvelando assim que a incubação nem sempre é
prazerosa, ou meramente uma distração, mas que também pode ser provocada por estados
aversivos como o tédio. Confirmamos, assim, as pesquisas de autores como Mann e Cadman
2) O tédio, ainda confirmando as autoras supracitadas, pode funcionar como uma mola
propulsora, capitalizando e energizando as pessoas em seus processos criativos. Isto pode não
ocorrer inclusive, dias antes da criação, dependendo do tempo que a pessoa necessite para
processar e resolver aquilo que lhe causou o tédio em primeiro lugar. Se for uma causa simples,
como por exemplo, estar com o corpo cansado e a mente ativa, a incubação pode durar somente
algumas horas, ou seja, após um descanso, a pessoa hipoteticamente estaria pronta para criar
novamente. Se for uma questão mais complexa, como por exemplo, um fator exterior como a
relação com um familiar e a percepção de autonomia, pode durar meses, anos, ou ainda, uma
A partir dos relatos da participante, confirmamos que afetos negativos realmente têm o
poder de despotencializar um processo criativo, como apontado por Baas et al (2008). Em dias
produzir. Porém, o fato destes afetos agirem enquanto despotencializadores, não significa que
tristeza, mas depende de uma resolução para que possa, enfim, liberar a energia capitalizada.
134
Compreende 16,47% (f= 14 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e
radicais no intervalo entre x² = 10,5 (Gosto), x² = 5,7 (Conseguir), x² = 3,6 (Sentir) e x² = 4,3
Vandenberghe (2013).
Para mim o desenho faz parte de mim, minha lembrança quando eu era criança
já era desenhando e eu fui notando que eu fui ficando triste na medida em que
eu ia me afastando disso, então, para mim o desenho é realmente parte da
minha saúde mental. Eu acho que me tornei ilustradora porque foi uma
maneira que eu arranjei de passar mais tempo fazendo o que me faz feliz e aí
eu descobri que o que eu faço faz outras pessoas felizes também e assim, as
pessoas ficarem felizes com o meu trabalho é a cereja do trabalho.
A partir desses relatos, observamos que os processos criativos podem se tornar um fator
atividades que lhes proporcionam bem-estar e satisfação, bem como entendimento de suas
outras pesquisas, não se está excluindo o fato de que artistas visuais não possuem transtornos
psíquicos, que não podem ser afligidos por estes, ou mesmo, que a arte e a criatividade é uma
A participante deste caso, por exemplo, admite já ter sofrido de depressão e ansiedade.
Porém, relata também, que o desenho agia como uma espécie de termômetro. Quando ela não
estava bem de jeito nenhum, não conseguia desenhar. Quando passou a se sentir melhor, o
Quando a participante coloca que desenhou suas personagens, Demi e Alustriel, que
têm um potencial simbólico não verbal do processamento dos seus afetos, neste caso, da
necessidade de ser abraçada em situações em que se sente mal. Desta forma, os desenhos da
participante carregam consigo uma mensagem para si mesma, funcionando como uma via de
autodescoberta.
A Demi sou eu, a cor da roupa dela é pura escolha pessoal, adoro azul.
Uma asa dela é branca e a outra é negra, porque, apesar de eu me
considerar uma pessoa neutra a maior parte do tempo, eu me considero
uma pessoa um pouco caótica, então ela tem o yin e o yang junto com
ela. Atrás dela são girassóis porque ela é do signo de leão que é o meu
signo. No arco em volta faz referência ao sol que é o meu astro e o fundo
escolhi para contrastar com o vestido. No caso da Alustriel ela tem as
asas brancas em ironia porque a raça dela é toda ruim, mas ela é toda
minha bondade condensada numa pessoa e sem filtro, ela está de rosa
porque das minhas personagens ela é a mias princesinha, se ela pudesse
ela andava assim todos os dias e também porque é uma cor que escolhi
para ficar um bom contraste com a pele dela. Ela tem uma lua ao redor
dela, pois é uma criatura da noite e atrás tem um campo florido porque
ela considera a data de nascimento dela na primavera. No caso da
136
Anastriana, ela tem asas negras, pois ela é tudo aquilo que a sociedade
medieval considera errado, ela é uma mulher que adora um decote, ela
é uma mulher exagerada, ela foi deflorada, foi escrava sexual durante 3
gerações e ela carrega marcas dessa época. Das minhas personagens de
fantasia medieval ela é a única que usa lábios vermelhos que era
considerado coisa de rameira, e ela usa e não está nem aí. A história
dela toda se passa numa região que é neve a maior parte do tempo. Por
isso há neve no fundo. A cor de fundo da Alustriel é para contrastar com
o fundo. A Anastriana é a bruta das 3.
e cada detalhe de sua ilustração, mas, sobretudo, verificamos que toda a descrição da cena é
ferramenta para a manutenção das crises afetivas e existenciais da participante, bem como uma
Compreende 15,30% (f= 13 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e
radicais no intervalo entre x² = 28,5 (Cliente), x² = 8,6 (Querer), x² = 8,2 (Dar), x² = 6,3
do seu trabalho. Isso se tornou claro a partir da pergunta “existe diferença entre criar a partir da
ideia de um cliente e a partir de suas ideias?” a qual a participante respondeu da seguinte forma:
A diferença para mim existe muito mais no que to desenhando do que de quem
foi a ideia. (...) A vontade para fazer um desenho que vem dos outros e um
que vem de mim costuma ser igual. Na verdade o que me motiva de verdade
é o sentimento do meu cliente quando ele chega para mim. Me deixa muito
feliz ou muito para baixo. Você lidar com timidez do cliente é uma coisa, mas
lidar com uma pessoa que escreve com reticências. Essa pessoa não está
empolgada com nada e aí você entrega o desenho e a pessoa fica bem para
dentro, esse tipo de reação pode tanto me jogar para dentro do desenho como
me tirar. Depende muito da minha conexão com o cliente.
137
fator motivador em seu processo criativo. Se ela sente que consegue estabelecer uma conexão
com ele/ela e entregar a sua encomenda seguindo todos os detalhes das instruções dadas por
estes, a entrega e validação, ou seja, a avaliação dada pelo cliente sobre o seu trabalho tem um
Observamos também que a participante relatou que pode sentir tanto satisfação na
criação de uma obra cuja ideia não partiu dela, como numa que a ideia veio inteiramente de si.
Ou seja, uma obra criada a partir de uma motivação extrínseca pode se alinhar com as
Criar para mim, de mim para mim, significa muito me dar liberdade e é uma
liberdade para muita coisa, uma liberdade para me expressar, uma liberdade
para sonhar, uma liberdade para eu brigar, uma liberdade para eu enfrentar os
meus próprios medos. Criar quando é de mim para o cliente já significa que é
como se eu tivesse, de forma exagerada, é como se eu estivesse fazendo parte
da festa de casamento da pessoa. Porque quando você procura um desenhista
você procura porque você quer muito.
É uma felicidade tão grande quando você pega um cliente maltratado que pega
o dinheiro do cliente e que passa um ano sem dar satisfação, tenho alguns
clientes que passaram por isso, aí você pega um cliente desse que chega
maltratado, desacreditado, entrega a sua encomenda para ele, que a explosão
de alegria é tão grande que para mim é como se eu fosse parte de uma
experiência engradecedora e extremamente importante para o meu cliente (...).
O meu sonho sempre foi desenhar a minha vida inteira e aí, meu site é
desenhando sonhos por isso, porque tem muita gente que quer colocar ideias
para fora e não consegue e eu quero fazer parte disso, eu quero poder ajudar
as pessoas a colocar as ideias delas para fora, acho que é por isso que valorizo
tanto ser freelancer, pois o meu trabalho é muito mais pessoal que o de
qualquer desenhista de jogo e eu gosto disso, desse sentimento de que o meu
trabalho é algo pessoal e que vem de dentro, não é uma coisa feita em massa,
ou algo para agradar. Posso morrer pobre, mas eu morro feliz. Se eu sou
sonhadora por causa disso, que se dane, eu prefiro manter minha alma íntegra
138
relação com os clientes e que esta fase pode ter um impacto potencializador ou
também ocorre no campo afetivo na medida em que o desenho e sua obra constituem-se como
parte da sua identidade. Quando fala que não deixaria de ser freelancer para ganhar mais
dinheiro, porém, criando algo despersonalizado, “em massa”, a participante confirma mais uma
vez a criação da sua obra como uma mensagem/expressão de si mesma e que sua motivação
para criar está relacionada à possibilidade de valorização do que ela cria como expressão de si
e não como algo massificado, meramente criando para atender às demandas de um mercado.
experienciada pela participante quando entrega uma ilustração que agrada seus clientes não vem
do processo em si, mas da sensação de conexão que ela experiencia ao ser validada, tanto
satisfação são complexas, não podendo ser reduzidas a meramente intrínsecas ou extrínsecas.
Por fim, a última classe compreende 17,7% (f= 15 ST) do corpus total analisado.
Processo criativo para mim é um pouco difícil de falar sobre, porque cada um
tem o seu processo criativo e o meu é muito orgânico, uma amiga minha, está
na vez dela e eu estava com ela e ela falou, quero minha personagem nesta
pose e na mesma hora eu vi o que deveria estar atrás dela, a maior parte do
meu processo criativo é assim, eu tenho visões do que eu preciso fazer, nem
sempre eu consigo isso e acabo me frustrando, mas geralmente é assim, estou
aqui conversando com uma pessoa e vem a ideias, estou aqui escutando uma
música e vem a ideia, estou aqui vendo um filme, ou uma roupa no meio da
rua e penso, isso vai ficar legal em tal personagem, então meu processo
criativo é muito doido.
Isso quando é uma coisa mais espontânea e não estou com trava. Quando eu
estou com trava, como quando a minha amiga veio com uma ideia incoerente
de por a personagem dela numa pose que não combinava com o outro
personagem, aí eu passo tempo buscando referências, fazendo outras coisas
para ver se aparece, mas meu processo criativo é um negócio bem doido
mesmo, acontece quando estou dormindo, acontece quando estou olhando
para o teto, acontece quando estou dirigindo, é um negócio meio caótico.
Travei, eu não me forço porque eu sei que não vai acontecer. E quando vem
de novo, vem, vem com os dois pés e eu fico, gente, me pague logo, me pague
que eu quero muito fazer o seu desenho.
Essa última peça, eu passei muita raiva desenhando esse desenho. Para mim
foi um inferno desenhar porque eu não estava acertando o detalhe da roupa.
Nesse aqui, deu raiva por causa dos detalhes, mas foi mais tranquilo, pois meu
cliente me disse como ele queria a posição. Quando ele aprovou o rascunho
eu fiquei super feliz. Eu fiz a arte final e para mim deixou de fazer um processo
doloroso, logo quando eu voltei a trabalhar eu detestava fazer, mas aí ele se
tornou um processo mais tranquilo. Uma parte que eu detesto fazer até hoje é
colocar as cores chapadas, se eu pudesse, eu contrataria uma pessoa para fazer
isso para mim. E aí começa o processo que eu mais gosto que é de sombrear
e de ver as coisas tomando forma, para mim essa parte do processo é uma
parte muito feliz e ao mesmo tempo muito assustadora, porque eu tenho
patamares em que eu tento chegar lá e eu ainda tenho muito que aprender,
então eu sempre tenho aquele fantasma na minha cabeça me dizendo, faça
melhor, mas eu continuo fazendo, vou pintando e aí quando eu vejo que não
tá bom, pego umas músicas de vídeo game velhas, silencio minha cabeça e
vou trabalhar e aí quando eu entrego é só alegria, as vezes quando eu entrego
eu sinto alívio, quando eu demoro muito a entregar. Eu gostei desse desenho
porque eu fiz uma iluminação mais dramática, eu adoro fazer iluminação
dramática, eu não consigo fazer uma iluminação normal.
A partir dos relatos supracitados foi possível identificar as técnicas, fases e dinâmicas
pelas quais a participante passa em seu processo criativo. A fase 1 seria a definição do tema e
do estilo do desenho. Ambos podem ser determinados pela própria participante ou por seus
140
clientes. Nesta fase, a participante esforça-se para captar o máximo de informações possíveis,
seja dos seus clientes, ou das referências que utiliza e busca inspirar-se através da música e de
A fase 3 seria o momento em que ocorre a incubação. Esta fase pode vir antes ou depois
da fase 2, principalmente se ela estiver se sentindo bloqueada. É o momento em que ela permite
retirar o foco consciente da criação e deixa sua mente vagar e relaxar através de jogos de vídeo
game, músicas, ao dirigir um carro, conversar com outras pessoas, ou mesmo dormir e sonhar.
na figura 22.
141
Fase 1 e 2
Definição do tema
Foco
Foco
Fase 3
Relaxamento
Fase 4
Relaxamento ou
tensão
Figura 22
Fluxograma do processo criativo da participante (fases 1 a 4)
Figura criada pela autora
142
incubação, iluminação e validação, dada a proximidade das fases descritas pela participante e
O foco deste Estudo, no entanto, recaí sobre a influência dos afetos nos processos
Sendo assim, observamos que antes do processo criativo, o humor o qual se encontrava
a participante era crucial para a dinâmica que seria seguida. Se já começasse o trabalho
empolgada, seja devido ao trabalho ou qualquer outro fator externo, a participante carregava
consigo este estado para o processo. Se por alguma razão se encontrasse mal humorada, mais
bloqueios tendiam a aparecer, maior o tempo de incubação, maior a cobrança para manter o seu
padrão de qualidade.
internas ou externas ao processo. Raiva, frustração, tristeza, ansiedade, são algumas emoções
descritas constantemente por ela e são geralmente experienciadas quando a participante não
atinge seus objetivos como gostaria durante o processo, ou seja, quando não consegue aplicar
uma técnica específica, quando a ideia do desenho (pode, ação dos personagens) lhe parece
participante se empolga, por exemplo, quando utiliza técnicas específicas, quando desenha
cabelo, por exemplo, pois considera que consegue uma boa execução, ou quando planeja a
iluminação.
devido às interrupções feitas por sua família, medo e sensação de incompetência que não são
das técnicas e exige de si mesma um alto padrão de qualidade, porém, apresenta uma tendência
de desvalorização de suas habilidades devido a fatores externos, como sua relação com os pais,
Outro fator externo a sua criação, mas que influencia suas emoções e sentimentos
para a participante, em que ela produz ilustrações específicas para a sua participação.
Por fim, observamos também os afetos vivenciados pela participante após seu processo
máximo de satisfação, ou reconfirma sua raiva e frustração diante de um processo que, por
alguma razão, não se iniciou bem. Dessa forma, foi possível criar a figura 23.
Empolgação
Fase 1 Humor Foco
Frustração
Emoções/ Felicidade/Satisfação/Alegria
Fase 2 Sentimentos
Raiva/Tristeza Bloqueio
Figura 23
Influência dos afetos no processo criativo
Fonte: Figura criada pela autora
144
A partir do esquema proposto inferimos que os afetos tanto negativos, como positivos
inicie a partir de um afeto negativo, ou positivo, a valência deste afeto pode mudar durante o
processo. Assim, um processo que se iniciou positivo pode terminar negativo e visse-versa.
Além disso, o presente estudo reuniu consideráveis evidenciais de que num processo criativo
Por fim, observamos que os afetos vivenciados nos processos criativos, podem ser
podem ser inerentes ao que se está fazendo nele, ou terem suas origens em outros fatores
externos, como a família e as pessoas que se interage, a saúde, o cansaço e o ambiente como
uma totalidade.
Quanto ao tédio e ao ócio nos processo criativos, observamos que o tédio pode vir a
fazer parte das dinâmicas que alternam foco e relaxamento físico e mental no processo criativo,
ao passo que o ócio, pode ser vivenciado no próprio processo criativo como um todo e,
desta, à ideia de que consegue se sustentar do desenho, atividade que lhe proporciona desfrute,
uma Análise de Similitude, indicando a conexidade entre as palavras, através da qual foi
possível identificar palavras centrais como “Cliente”, “Desenhar”, “Querer”, “Sentir”, “Feliz”,
Figura 24
Análise de Similitude
Figura gerada pelo software Iramuteq
146
Observamos também que a imagem formada ocorre em sentido diagonal, não ocorrendo
temas.
força média e, por fim, “Terapia”, “Falta”, “Dormir”, “Encomenda”, “Corpo”, “Depender”,
periferias.
Figura 25
Nuvem de Palavras
Figura gerada pelo software Iramuteq
147
Por fim, tanto a Análise de Similitude, quanto a Nuvem de Palavras reafirmam, através
em seu processo criativo, através de suas relações tanto com a família como com seus clientes,
suas dinâmicas de foco e relaxamento, bem como o processo criativo como um recurso de
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
aproximação das pessoas de sua fonte de estímulo, ao passo que afetos negativos provocam
aversão e, portanto, afastamento da fonte de estímulo (Moll et al, 2001), observamos que
quando aplicados aos estudos sobre a criatividade, as principais teorias sobre os afetos apontam
o seguinte: 1) que os afetos positivos facilitam a resolução criativa dos problemas; 2) os afetos
negativos podem ou promover a criatividade ou ter um efeito negativo sobre ela (Baas et al,
2008).
Esta pesquisa teve o objetivo geral de investigar quais os afetos que influenciam os
criativos, operando, sobretudo, nos níveis de motivação e satisfação percebidas pela pessoa
antes, durante e depois da atividade criativa. A motivação, neste contexto, diz respeito a uma
Tanto no questionário online como no estudo de caso foi possível inferir que afetos
positivos atuam como fortes motivadores dos processos criativos. Que mesmo diante de
adversidades, a satisfação percebida a partir das experiências criativas que compõem o processo
Não observamos que os afetos possam aumentar a criatividade dos participantes, como
a hipótese levantada por Mann e Cadman (2015), porém, observamos que afetos positivos
possibilitam que um número menor de bloqueios criativos seja vivenciado durante o processo
149
criativo. Sendo assim, é possível experienciar uma sensação maior de fluidez, ou seja, a pessoa
se propõe à resolução de um problema na atividade criativa, para o qual encontra uma solução
com facilidade.
criatividade, como ter um efeito negativo sobre ela. Observamos a partir dos dois estudos
realizados nesta pesquisa que tanto os afetos positivos como negativos estão presentes nos
processos criativos.
Neste caso, o que consideramos que precisa ser urgentemente reavaliado nos estudos
motivado inteiramente apenas por afetos positivos ou negativos. Um ser humano vivencia
estados afetivos alternados e às vezes até simultâneos, positivos e negativos. Não sendo possível
Antes do processo criativo, a pessoa pode carregar consigo o que está acontecendo em
sua vida afetiva, seu estado de saúde, a complexidade de suas relações com outros seres
humanos e sua percepção sobre os seus meios de sobrevivência, dentre outros inúmeros fatores
ambientais. Durante o processo, além dos afetos que carregou consigo, a pessoa, ainda que
motivada por um afeto positivo, pode vir a sentir frustração ou raiva, por exemplo, diante da
dificuldade de execução de uma técnica, ou diante de um resultado que não era esperado, ao
concluir a obra. Assim, os afetos negativos podem compor os processos criativos, tanto quanto
os afetos positivos.
Há quatro caminhos possíveis de influência dos afetos nos processos criativos no que
diz respeito à valência: 1) o processo se inicia a partir de um afeto positivo e termina com a
percepção afetiva positiva; 2) o processo se inicia a partir de um afeto positivo, mas termina
com a percepção afetiva negativa; 3) o processo se inicia com a percepção afetiva negativa e
150
termina com a mesma inalterada; 4) o processo se inicia com a percepção afetiva negativa, mas
termina positiva.
Sendo assim, não se pode dizer, tão diretamente quanto se gostaria, que todo processo
criativo motivado por afetos positivos terá, no fim, uma percepção afetiva positiva. Embora
afetos positivos possam potencializar os processos criativos, os mesmos não dependem apenas
da saúde mental e é, por definição, a busca de soluções originais para um problema. Seria
contraditório afirmar que alguém que carrega um afeto negativo consigo para o seu processo
criativo não pode nele encontrar as resoluções que darão fim ao seu problema.
Durante um processo criativo, a pessoa toma uma série de decisões quanto às técnicas,
temas e execuções que irá realizar e nem sempre consegue fazer tudo o que se propõe ou, antes
de atingir ao que se propõe, passa por obstáculos e dificuldades. Talvez, por isso, o afeto
negativo listado com maior frequência nos processos criativos dos participantes entrevistados
em algumas ocasiões no estudo de caso com a participante, o processo criativo pode vir a se
deles.
Era assim que a participante do estudo de caso relatava que num dia em que se sentia
muito triste, desenhou, segundo ela, inconscientemente, sem pensar muito, suas personagens
A participante também relatou que quando estava com raiva ou percebendo muita
agitação no seu ambiente, isso a atrapalhava na sua execução, necessitando de um maior esforço
para se concentrar.
151
A partir do estudo de caso, os resultados foram além dos objetivos traçados por esta
pesquisa, pois foi possível inferir que os afetos negativos podem influenciar os processos
criar, dificuldade nas execuções das técnicas, ou mesmo apatia, influenciando nos níveis de
motivação. Assim, os afetos negativos podem, de fato, ter um efeito negativo nos processos
3) Do mesmo modo que inferimos que não se deve pensar os afetos de maneira
(2015), criou-se uma tabela defindo diferentes graus de motivação: intrínseca, extrínseca e
mas, assim como que se pode observar que afetos positivos e negativos estão presentes nos
processos criativos, observamos nos dois estudos propostos por esta pesquisa que, para os
profissionais das Artes Visuais participantes, que tiram sua sobrevivência de sua atividade e
produção criativa, que tem de lidar com clientes e com fatores ligados ao mercado de sua
processos criativos.
indivíduo criativo, os estudos sobre os afetos nos processos criativos não são tidos como
Os afetos, por sua vez, tratam das reações psicológicas e fisiológicas de uma pessoa a
motivação, isto é, daquilo que impulsiona o ser humano, daquilo que o faz mover-se. Nos
intrínseca é uma característica nuclear da criatividade, embora não excluam que as motivações
nos processos criativos na sua execução e neste sentido, a criatividade se reconfirma como uma
dimensão do ócio. Porém, há mais que uma experiência autotélica num processo criativo e que
age como um fator motivador, talvez tão forte quanto a experiência de satisfação gerada pela
atividade em si.
Uma possível motivação extrínseca que aparenta ter esta força trata dos benefícios da
criatividade para a saúde mental. Ainda que se engaje num processo criativo com o intuindo de
encontrar uma resolução para um afeto negativo (por exemplo: distanciar-se da tristeza de uma
situação, canalizar a raiva vivenciada numa ocasião anterior com um membro da família),
Outra motivação extrínseca que se mostrou forte nos processos criativos, podendo
obstante, exercem uma função, juntamente com o artista, de validação da obra criada. A partir
do Estudo de caso, observamos que uma das maiores satisfações relatadas pela participante, era
4) Outro resultado que não era esperado, mas que foi desvelado ao longo da
problemas estabelecidos que dão origem ao processo criativo. Nesta dinâmica é possível que
dentre os estados e atividades que levam a um relaxamento das intenções conscientes, encontre-
se o tédio. Evidenciamos também que os processos criativos podem sofrer a influência tanto de
5) Assim, foi possível verificar dois tipos de tédio dentre os afetos que influenciam os
processos criativos. O primeiro guarda uma relação com a existência e se aproxima do que já
vem sendo explorado e descrito por correntes filosóficas fenomenológicas. O segundo guarda
uma relação com a dinâmica de relaxamento da atenção e pode possibilitar a incubação, fase
Diante dos resultados, podemos confirmar os pressupostos de que tanto afetos positivos
como negativos podem influenciar os processos criativos. Que ambos podem potencializar ou
despotencializar os mesmos, não sendo a despotência uma exclusividade dos afetos negativos.
por esta pesquisa como compondo o processo criativo foram: alegria, raiva, ansiedade,
Os fatores pessoais e ambientais influentes nos processos criativos dos artistas visuais
adequadas; o silêncio; a relação com os clientes; a percepção do processo criativo como uma
se constituem: 1) Como ponto de partida para os processos criativos. Os afetos estão ligados às
e ao relaxamento. Os afetos ajudam a compor a disposição geral que uma pessoa agrega aos
seus processos criativos 3) Os afetos podem gerar bloqueio criativos; 4) Os afetos são um dos
elementos que compõem os significados que os participantes dão aos seus processos.
E, para finalizar, concluímos que os afetos negativos podem constituir-se enquanto uma
fonte de potencial criativo, a depender das apreensões subjetivas da pessoa quanto a estes afetos.
O percurso desta pesquisa também apresentou uma série de limitações em seu trajeto,
nunca sendo demais afirmar que os estudos realizados aqui não têm a intenção de esgotar os
apresentação dos resultados dado o potencial do material coletado com a participante do estudo
da mesma. Havendo alguns meses a mais, poder-se-ia ter buscando outros casos e assim,
realizar um novo estudo sobre as questões apreendidas no ateliê de não apenas uma, mas
surgiram, inclusive tópicos que não haviam sido pressupostos no projeto e escolhemos registrar
todos estes tópicos, comprometendo por vezes, uma explicação mais alongada, caso tivéssemos
Outra limitação que pode ser apontada trata da coleta de dados questionário online. Com
optamos pela coleta de dados online com os 56 artistas participantes. Embora conheçamos a
maioria dos artistas pessoalmente, não pudemos observá-los ao vivo no momento em que
responderam às perguntas utilizadas para coleta dos dados, deixando de registrar, assim,
trejeitos, expressões faciais e corporais dos mesmos, que poderiam vir a ser importantes para a
análise.
vindouras:
tanto positivos quanto negativos, influenciam os processos criativos, podendo anteceder quatro
processo criativo passam a ser percebidos a partir de perspectivas afetivas positivas após o
positivos anteriores ao processo criativo passam a ser percebidos como negativos após o
não sendo possível isolar somente das valências na tentativa de compreender a influência das
mesmas nos processos criativos, visto que estas não ocorrem de modo asséptico.
3) O tédio, ainda que percebido como um afeto negativo, pode vir a compor os fatores
criativos e, através dele, pode-se constituir uma via de acesso às associações criativas. Em
outras palavras, nem sempre uma experiência de tédio resultará numa abertura para a
criatividade e, provavelmente, quando resultar, não será percebido como tal. Porém, isto não
Por fim, quanto aos possíveis frutos, esta dissertação me possibilitou iniciar os meus
dos meus próprios processos e melhor observação dos processos dos meus alunos.
157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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recentes ao estudo da criatividade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 19(1), 1-8. Disponivel
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TÍTULO DA PESQUISA:
Do Caos à obra: desvelando afetos nos processos criativos de artistas visuais fortalezenses
PESQUISADOR RESPONSÁVEL:
Prezado(a) participante,
Você está sendo convidado(a) para participar de uma pesquisa que tem como objetivo
são vivenciados por artistas visuais e como estas emoções podem influenciar nos processos que
Para tanto, planejamos elaborar um perfil demográfico com artistas visuais participantes
processos. Por esta razão, buscamos conhecer sobre a sua experiência como artista visual na
cidade de Fortaleza.
Para alcançar este objetivo, esta pesquisa inclui a realização de entrevistas com artistas
percepções sobre o seu processo criativo. Com esses dados, a pesquisadora almeja ampliar a
literatura acadêmica e o conhecimento que se tem do artista visual hoje e de seus processos
criativos, o que pode lhe fornecer uma inequívoca fonte de desenvolvimento pessoal.
163
papel no estudo e a importância que o seu relato terá para o trabalho da pesquisadora. Por esse
motivo, é apresentado a você este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que tem como
1. PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA:
formulário online gerado a partir da ferramenta Google Forms sobre seus dados
sociodemográficos e seu processo criativo. Posteriormente, você também pode ser procurado
para responder a uma entrevista contendo algumas questões para aprofundar as questões
respondidas sobre seu processo criativo, com gravação de voz e registro fotográfico, e ser
observado no próprio ambiente onde vivencia seus processos de criação, pela pesquisadora,
durante o tempo que julgar necessário para responder as questões da pesquisa. A sua
colaboração é valiosa para esta pesquisa por uma vez que você atua como artista visual na
cidade de Fortaleza.
qualquer motivo resolver desistir, terá toda a liberdade para sair da pesquisa, sem prejuízo
pessoal. Você pode desistir da sua participação a qualquer momento, mesmo após ter iniciado
a entrevista sem nenhum prejuízo para você. Não haverá penalizações caso você decida não
consentir a sua participação, ou desistir dela. Contudo, ela é muito importante para a execução
do pesquisador informações sobre sua participação e/ou sobre a pesquisa, o que poderá ser feito
responsável e sua equipe saberá que você está participando desta pesquisa. Ninguém mais
saberá da sua participação. Entretanto, caso você deseje que o seu nome / seu rosto / sua voz ou
o nome da sua instituição conste no trabalho final, nós respeitaremos sua decisão. Basta que
conhecimento apenas dos pesquisadores responsáveis e serão utilizadas somente para essa
Sua identidade será mantida em absoluto sigilo no percurso da pesquisa e sua conclusão,
Saúde Brasileiro (CNS/MS). O material da pesquisa, com seus dados e informações, será
armazenado em local seguro e guardado em arquivo por pelo menos cinco anos após o término
da pesquisa.
1. RISCOS E DESCONFORTOS:
participante. Ocasionalmente, durante a entrevista, você poderá lembrar ou sentir algo que gere
continuada em outro momento ou, se você preferir, será interrompida a sua participação na
pesquisa. Deixamos também claro que durante as entrevistas você tem a liberdade para não
responder perguntas que considere demasiadamente pessoais ou que de alguma forma invadam
sua privacidade. Lembramos, entretanto, que estes casos são muito raros.
165
participante falar a respeito do seu processo criativo e oportunidades para expressar suas
opiniões de forma que ele mesmo tome mais consciência a respeito de sua prática. Além disto,
o participante estará contribuindo para elaborar um perfil sociodemográfico dos artistas visuais
na cidade de Fortaleza.
emergencial, sem a necessidade de encaminhamento aos pacientes por ordem de chegada e sem
nenhum custo financeiro. O serviço também oferece acompanhamento individual posterior caso
Desembargador Floriano Benevides, 221- Bairro Edson Queiroz (ao lado do Fórum Clóvis
metodologia da pesquisa, antes e durante o curso da mesma. O estudo será orientado pelo prof.
Dr. José Clerton de Oliveira Martins, professor titular da Universidade de Fortaleza. Em caso
Paula Viana Mendes, num horário previamente combinado por e-mail ou telefone, no seguinte
endereço: Rua Sabino Pires, 80, Bairro: Aldeota. Fortaleza (CE) CEP: 60050-080. Fone (85)
seus direitos e os aspectos éticos envolvidos na pesquisa poderá consultar o Comitê de Ética
Ce.
9. CONCORDÂNCIA E PARTICIPAÇÃO
documento, que será elaborado em duas vias: uma via deste Termo ficará com você e a outra
ficará com a pesquisadora. O(a) participante da pesquisa ou seu representante legal, quando for
o caso, deve rubricar todas as folhas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinando
na última página deste Termo. A pesquisadora responsável deve, da mesma forma, rubricar
deste Termo.
10. USO DE VOZ E/OU IMAGEM: Caso você deseje que seu nome, seu rosto, sua voz
ou o nome da sua instituição apareça nos resultados da pesquisa, sem serem anonimizados,
oportunidade de fazer perguntas, esclarecer dúvidas que foram devidamente explicadas pelos
pesquisadores, ciente dos serviços e procedimentos aos quais será submetido e, não restando
_______________________________________
_______________________________________
Assinatura do pesquisador
168
APÊNDICE B - Estudo 1
1. Dados Biodemográficos
Sexo F( )M( )
Idade
(somente números)
Nível de Formação
Ensino Fundamental ( )
Ensino Médio ( )
Ensino Superior ( )
Cursando Ensino Superior ( )
Pós- Graduação ( )
Profissão
QUESTÕES DISPARADORAS
1) Descreva sua trajetória como artista visual. Quando e porque se tornou um(a).
4) Você consegue identificar as emoções que sente antes, durante e depois de ter criado
uma obra?
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2.____________________________________
3.____________________________________
4.____________________________________
5.____________________________________
6.____________________________________