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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO/DOUTORADO

FRANCISCA PAULA VIANA MENDES

DO CAOS À OBRA: DESVELANDO AFETOS NOS PROCESSOS


CRIATIVOS DE ARTISTAS VISUAIS

FROM CHAOS TO THE WORK: UNVEILING AFFECTS IN VISUAL


ARTISTS CREATIVE PROCESSES

FORTALEZA

2019
FRANCISCA PAULA VIANA MENDES

DO CAOS À OBRA: DESVELANDO AFETOS NOS PROCESSOS CRIATIVOS DE


ARTISTAS VISUAIS

FROM CHAOS TO THE WORK: UNVEILING AFFECTS IN VISUAL ARTISTS


CREATIVE PROCESSES

Dissertação apresentada no Programa de Pós-


Graduação em Psicologia da Universidade de
Fortaleza como pré-requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Psicologia

Orientador: Prof., Dr. José Clerton de Oliveira


Martins.

Coordenador: Normanda Araújo de Morais.

Área de Concentração: Psicologia Sociedade e


Cultura.

Linha de Pesquisa: Ambiente, Trabalho e


Cultura.

FORTALEZA

2019
Universidade de Fortaleza — UNIFOR
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Ambiente, Trabalho e Cultura nas Organizações Sociais

Dissertação intitulada "Do caos à obra: desvelando afetos nos processos criativos de
artistas visuais", de autoria da mestranda Francisca Paula Viana Mendes aprovada
pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

Profa. Dra. Karla Patrícia Martins Ferreira (UNIFOR) - Membro efetivo

Prof. Dr. Pablo Diego Mañié Solari (URCA) - Membro efetivo

Fortaleza, 02 de Agosto de 2019.

Visto: Profa. Dra. Normanda Araujo de Morais


Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
UNIFOR

Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz- Fortaleza, CE - 60.811-905 - Brasil - tel: 55 3477-3000
A todas as mulheres nordestinas.

À minha mãe, Nadja


AGRADECIMENTOS

Esta dissertação não seria possível sem a colaboração e o apoio de inúmeras pessoas que
se dispuseram a debater sobre as ideias aqui expostas e ceder uma parte do seu tempo e recursos
para que eu pudesse escrevê-la.
Assim, sou enormemente grata à minha família, Nadja (Mãe) e Dalter (Pai), Rudinei
(Padrasto) e Alexandra (Madrasta), irmãos(ãs), Marília, Dalmo, Lucca, Maria Regina, Paulino
e Gustavo, e ao meu companheiro, Amadeu, por estarem presentes em todas as minhas
empreitadas.
Sou grata aos colegas e amigos de Pós-Graduação, por compartilharmos as dores e
angústias, as alegrias e a empolgação de estar na Academia construindo conhecimento, em
especial aos membros do Laboratório Otium, Gustavo, Ana Claudia, André, Sabrina, Érica,
Chagas, Berta, Marlo, Lucas e Zuleica.
Grata aos secretários do Programa de Pós-Graduação da Unifor, Hendrews e Sônia, pela
enorme paciência e pela generosidade que tiveram comigo sempre que precisei resolver alguma
questão.
Grata ao Grupo de Estudos Aion, a todos os seus participantes, em especial, ao seu
facilitador, Sidarta Cavalcante, companheiro de pesquisa de jornadas anteriores.
Grata à revisora desta dita dissertação, Aline Rebouças.
Grata a todos os professores que tive a honra de fazer parte da sala de aula como aluna
de um programa de Pós-Graduação, Normanda, Regina, Cinthya, Boris, Clara, Leonardo,
Thereza, Karla, Sylvia e em especial, ao professor orientador desta dissertação, José Clerton de
Oliveira Martins.
Grata à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNCAP) pela bolsa de estudos a mim concedida para que eu pudesse realizar os meus
estudos.
Grata enfim, a todos os (as) artistas visuais que colaboraram voluntariamente para que
o conhecimento aqui exposto pudesse ser construído com seus depoimentos, em especial, à
artista que abriu seu coração tão profundamente, para que eu pudesse compreender seus afetos
e motivações no estudo de caso.
Conhece-te a ti mesmo.
RESUMO

Os afetos têm sido estudados nos processos criativos juntamente com outros processos mentais,
como os cognitivos. Embora já haja estudos conclusivos sobre os aspectos cognitivos dos
processos criativos, não há resultados conclusivos no que concerne aos afetos. Assim, lançou-
se a partir da pergunta disparadora "quais os afetos que influenciam os processos criativos de
artistas visuais fortalezenses?" a proposta de estudar a influência dos afetos nos processos
criativos, com o objetivo geral de identificar os afetos vivenciados em processos criativos. O
percurso metodológico se deu a partir do enfoque qualitativo de viés etnográfico. De modo a
atender aos objetivos, a pesquisa foi dividida em um Estudo com dois momentos. O Estudo 1
teve o objetivo de apreender o contexto no qual se inserem os artistas visuais fortalezenses,
registrar uma descrição breve dos seus processos criativos e identificar os afetos listados como
vivenciados durante os processos. O Estudo de caso ocorreu a partir de demarcadores da
etnografia e teve o objetivo de trazer uma compreensão mais ampla dos fenômenos observados
no primeiro momento do Estudo 1. Foram definidos como participantes desta pesquisa artistas
visuais fortalezenses. A coleta de dados no Estudo 1 se deu a partir de perguntas disparadoras
organizadas através do recurso Google Formulários e a coleta de dados no Estudo de caso se
deu a partir da observação participante, da entrevista e do diário de campo. A análise do material
obtido teve finalidade de classificar os dados através de códigos numéricos ou linguísticos, com
sistematização em unidades temáticas. O Estudo 1 valeu-se do uso do software SPSS e o
software Iramuteq, enquanto que o Estudo de caso utilizou o software Iramuteq para as
entrevistas e a análise dos relatos etnográfico. Dentre os resultados, foi possível verificar que
os processos criativos descritos pelos (as) artistas visuais são entendidos como meios de
produção e de trabalho, através dos quais se transmite uma mensagem.

Palavras-chave: Criatividade; Processos criativos; Afetos; Artistas visuais.


ABSTRACT

Affects have been studied in creative processes along with other mental processes, such as
cognitive processes. Although there are already conclusive studies on the cognitive aspects of
creative processes, studies on affect in this matter present inconclusive results. Thus, it was
launched through the question "what are the affects that influence Fortaleza's visual artists
creative processes?" a proposal to study about the influence of affections in the creative
processes, with the general objective of identifying the affects experienced in the processes.
The methodological course was based on the qualitative approach of ethnographic view. In
order to meet the objectives, the research was divided into two studies. Study 1 had the objective
of apprehending the context in which Fortaleza's visual artists are inserted, recording a brief
description of their creative processes and identifying the affections listed as experienced during
the processes. The Case Study was based on ethnographic markers and aimed to bring a broader
understanding of the phenomena observed in the first moment of Study 1. It was defined as
participants in this study visual artists from Fortaleza, Ceará, Brazil. Data collection in Study 1
was based on triggering questions organized through the Google Forms and data collection in
Case study was based on participant observation, interview, and field diary. Data analysis was
carried out in Study 1, seeking to classify the data through numerical or linguistic codes,
systematizing in thematic units using SPSS software and Iramuteq software. In Case study, with
the same objectives of Study 1, the Iramuteq software was used for the interviews and the
analysis of the ethnographic reports. Among the results, it was possible to verify that the
creative processes described by the visual artists are understood as means of production and
work, through which a message is transmitted.

Keywords: creativity, creative processes, affects visual artists.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Fatores pessoais e ambientais influentes no desenvolvimento da criatividade............9


Figura 2 4 aspectos que se interligam nos estudos sobre a criatividade com base em Rhodes
(1961)........................................................................................................................................28
Figura 3 Fluxograma dos afetos, da pessoa e do ambiente........................................................35
Figura 4 Tipos de motivação e possíveis respostas afetivas......................................................40
Figura 5 Desenho do percurso metodológico da pesquisa.........................................................59
Figura 6 Faixa etária dos participantes......................................................................................63
Figura 7 Atuação nas Artes Visuais...........................................................................................65
Figura 8 Exercício de outra função remunerada........................................................................67
Figura 9 Escolaridade................................................................................................................67
Figura 10 Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente..........................................73
Figura 11 Análise de Similitude................................................................................................88
Figura 12 Nuvem de Palavras....................................................................................................89
Figura 13 Análise de Similitude ............................................................................................... 93
Figura 14 Nuvem de Palavras ................................................................................................... 94
Figura 15 Quarto/escritório da participante 1 ......................................................................... 101
Figura 16 Quadros no quarto/escritório da participante ......................................................... 102
Figura 17 Ferramentas de trabalho da participante ................................................................ 103
Figura 18 Caderno criado a partir das ilustrações da participante .......................................... 105
Figura 19 Ilustração da Princesa de Fogo ............................................................................... 107
Figura 20 Personagens da participante, Anastriana, Demi e Alustriel ................................... 109
Figura 21 Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente....................................... 115
Figura 22 Fluxograma do processo criativo da participante................................................... 141
Figura 23 Influência dos afetos no processo criativo ........................................................... 1454
Figura 24 Análise de Similitude..............................................................................................146
Figura 25 Nuvem de Palavras..................................................................................................147
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Resumo dos modelos criativos de Sternberg e Lubart (1996), Amabile (1996) e
Csikzentmihalyi (1996) ............................................................................................................ 24
Tabela 2 Tipos de motivação de suas características ............................................................... 39
Tabela 3 Resumo do Estudo 1 .................................................................................................. 53
Tabela 4 Resumo dos estudos, instrumentos e análises ........................................................... 58
Tabela 5 Perfil dos (as) Artistas Visuais Fortalezenses participantes ...................................... 69
Tabela 6 Lista dos 8 afetos mais frequentes divididos por sexo .............................................. 95
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
2 MODELOS TEÓRICOS SOBRE A CRIATIVIDADE E OS PROCESSOS
CRIATIVOS ..................................................................................................................... 17
2.1 Modelo de Sternberg e Lubart, ou Teoria do Investimento Criativo............................ 19
2.2 Modelo Componencial da Criatividade de Amabile .................................................... 21
2.3 Modelo da Perspectiva de Sistemas de Csikzentmihalyi.............................................. 22
2.4 Limitações gerais dos estudos sobre a criatividade apontados ..................................... 27
3 FATORES QUE INFLUENCIAM OS AFETOS ....................................................... 30
4 MOTIVAÇÃO E OS PROCESSOS CRIATIVOS ..................................................... 38
4.1 Teorias da motivação baseadas na promoção e na prevenção ...................................... 41
5. OS PROCESSOS CRIATIVOS NAS COSMOGONIAS ........................................ 44
6 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................... 50
6.1 Estudo 1 ........................................................................................................................ 51
6.2 Estudo de caso .............................................................................................................. 54
6.3 Procedimentos Éticos ................................................................................................... 60
7 PERFIL DOS ARTISTAS VISUAIS PARTICIPANTES ......................................... 62
8 DESCREVENDO OS PROCESSOS CRIATIVOS RELATADOS .......................... 72
8.1 Análise de Similitude ................................................................................................... 87
9 IDENTIFICAÇÃO DOS AFETOS NOS PROCESSOS CRIATIVOS .................... 91
10 SOBRE O PROCESSO CRIATIVO DE UMA ILUSTRADORA FREELANCER
FORTALEZENSE .......................................................................................................... 100
11 INFLUÊNCIA DOS AFETOS NOS PROCESSOS CRIATIVOS ........................ 114
12 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 148
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 157
APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre Esclarecido .................................... 162
APÊNDICE B - Estudo 1 ............................................................................................... 168
APÊNDICE C - Estudo de caso ..................................................................................... 169
APÊNDICE D - Instrumento de coleta de dados - desenhos ...................................... 170
ANEXO A – Parecer do CEP/UNIFOR ....................................................................... 172
12

INTRODUÇÃO

O meu interesse em pesquisar sobre os processos criativos se pelo fato de vivenciá-los

em minha profissão, pois trabalho como artista plástica, comunicadora e professora de Artes

Visuais.

A partir de observações feitas no meu campo profissional, pude perceber tanto nos meus

processos criativos como nos dos meus alunos (as) a ocorrência de emoções e sentimentos no

percurso de criação.

A partir dessas observações, voltei-me para a literatura científica, onde percebi que as

emoções, os sentimentos e os humores são abarcados por um conceito mais amplo, o dos afetos,

que são definidos por Bezerra e Feitosa (2018) como tudo aquilo que afeta o sujeito,

aumentando ou diminuindo sua potência de ação.

Os afetos têm sido estudados nos processos criativos, juntamente com outros processos

mentais, como os cognitivos, como aquilo que perpassa psicologicamente a pessoa no seu fazer

criativo (Lubart, 2001). Convencionou-se nos estudos sobre processos criativos a divisão em 4

fases: 1) preparação, 2) incubação, 3) iluminação e 4) validação; sendo a primeira fase um

momento de análise preliminar de definição e estabelecimento do problema; a segunda um

momento de relaxamento das intenções conscientes, para que associações inconscientes possam

ocorrer; a terceira um momento de ruptura e surgimento de ideias que solucionem o problema

colocado pela primeira fase e a quarta e última fase um momento de validação e verificação da

solução criativa.

A partir desses encaminhamentos, pude definir os temas que compõem essa dissertação,

como a criatividade, os processos criativos e os afetos, observando que a compreensão de como

os afetos influenciam a criatividade e os processos criativos têm se destacado como objeto de

investigações norte-americanas e que os resultados dessas pesquisas ainda necessitam de

exploração, tendo em vista algumas contradições identificadas em seus resultados.


13

Em Baas et al (2008), por exemplo, é apontado que o humor, uma das dimensões dos

afetos, é um preditor da criatividade e está ligado ao seu desempenho, além de atuar como um

intermediário entre fatores situacionais (ambientais) e fatores ligados à personalidade. Os

autores também colocam que há pelo menos três linhas de investigação sobre a relação humor-

criatividade.

A primeira, e que contempla um maior número de trabalhos, defende que humores

positivos facilitam a resolução criativa de problemas, interferindo na riqueza das associações.

Uma segunda linha de investigação procura estabelecer a relação entre os humores

negativos com a criatividade. Embora haja uma quantidade considerável de trabalhos nesta

linha, os resultados são contraditórios, mostrando que 1) os humores negativos podem

promover a criatividade; 2) eles podem ter um efeito negativo sobre ela e 3) nenhuma diferença

é encontrada.

Por fim, uma terceira linha de investigação sobre a relação humor-criatividade busca

comparar diretamente estados positivos com estados negativos. Diante destas possibilidades, a

perspectiva que mais me chamou atenção foi a que investiga o impacto dos afetos entendidos

como negativos na criatividade e nos processos criativos, devido aos seus resultados

contraditórios.

Nessas pesquisas, quando assinalados a partir da valência positiva ou negativa, não se

está a julgar moralmente um afeto, mas a compreendê-lo a partir de sua potência de ação,

aumentando-a ou diminuindo-a.

A partir delas coloca-se que afetos positivos (felicidade, exaltação, entusiasmo) podem

indicar que tudo corre bem com o ambiente, sinalizando possibilidades de crescimento e

exploração; já afetos negativos, como a angústia, a tristeza e o tédio, sinalizam que pode haver

um problema na relação do ser humano com o ambiente, funcionando como um sinal de “pare”,
14

indicando que se deve proceder de maneira cautelosa (Gasper &Middlewood, 2014; Silverstre

& Vandernberghe, 2013).

Assim, o que se busca ao qualificar um afeto como positivo ou negativo, é entender o

seu impacto, sua influência e sua potência de ação, sua possibilidade de preceder a um

movimento de expansão ou retração no comportamento humano.

A valência do afeto, assim, também tem um impacto direto na motivação. Emoções

negativas são consideradas aversivas e facilitam o afastamento entre uma pessoa e a fonte de

estímulo; já afetos positivos exercem uma função de aproximação (Moll, Oliveira-Souza,

Miranda, Bramati, Veras e Magalhães, 2001), porém seria esse o caso nos processos criativos?

Ou seja, afetos negativos provocariam sempre movimentos de retração? Esta minha dúvida se

ao fato de que a criatividade é reconhecida como um recurso para lidar com situações adversas.

Sem situações adversas, como a criatividade poderia ser reconhecida como um recurso para

lidar com tais situações?

Instituições como a União Europeia, a UNESCO e o Instituto Airton Senna, dentre

outros, têm reconhecido desde 1990 que a criatividade pode ser uma habilidade socioemocional

para lidar com os problemas atuais e do futuro e Silvestre e Vandenberghe (2013) apontam que

a criatividade é um fator promotor do desenvolvimento emocional e mental dos seres humanos,

prevenindo desajustes e sofrimentos psíquicos. Se somente afetos positivos impulsionassem

processos criativos, como ficaria a explicação de pessoas criativas que utilizaram a criatividade

como um recurso para manejar experiências de crise pessoal?

Uma vez levantadas essas questões e definidos os temas, me voltei para outro detalhe

nas pesquisas consultadas: percebi que as mesmas eram de natureza quantitativa e foram

realizadas com populações gerais. Assim, propus através do projeto desta dissertação uma

pesquisa qualitativa e com uma população específica: a dos (as) artistas visuais, dada a

possibilidade de entendimento que poderia ter nessa área, uma vez que também atuo na mesma.
15

Os (as) artistas visuais são entendidos (as) por Adondis (2015) como todos aqueles que

realizam atividades no campo das Artes Visuais, divididas em Artes Plásticas e Artes Aplicadas.

A primeira abrange a pintura, a escultura, o desenho, a ilustração tradicional. A segunda diz

respeito às áreas aplicadas, como arquitetura, desenho industrial, design gráfico, fotografia e o

uso das novas tecnologias na criação artística.

Todas estas áreas distinguem-se entre si em suas atividades e criações. Por exemplo, um

(a) arquiteto (a), não faz o mesmo que um (a) ilustrador (a). Porém, embora distintas, estas áreas

mantém o elemento visual comum, principalmente nos seus tópicos fundamentais. Um (a)

arquiteto (a) e um (a) ilustrador (a), estudam os elementos da comunicação visual, sombra e

luz, composição, etc.

Esta informação é particularmente importante para o Estudo 1 realizado nesta pesquisa,

pois nele encontrei profissionais, artistas visuais de diferentes campos, porém, com este

denominador comum.

Outro ponto que pode ser esclarecido é que, apesar de ser uma dissertação que investiga

sobre os processos criativos com artistas visuais, o foco aqui não é a arte, mas o processo

criativo. Deste modo, em nenhum momento realizo críticas ou juízos de valor quanto à

execução e técnica das obras dos artistas visuais participantes, mas sobretudo, mantenho minha

postura como pesquisadora dos processos criativos, independente dos seus resultados.

Assim, foi diante dos questionamentos apontados que elaborei a pergunta disparadora,

que reúne a principal questão desta dissertação: quais os afetos que influenciam os processos

criativos de artistas visuais fortalezenses? A partir desta pergunta, foram formulados os

seguintes pressupostos:

1) Afetos tanto positivos quanto negativos podem influenciar os processos criativos.

Afetos negativos podem constituir-se como uma fonte de potencial criativo nos processos

criativos;
16

2) Fatores pessoais e ambientais, como família, saúde, professores, acesso ao

conhecimento, etc., terão influência nos afetos e nos processos criativos dos artistas visuais,

podendo potencializar positiva ou negativamente os mesmos;

3) A experiência de um afeto não precisa ser imediata para influenciar um processo

criativo. A energia psíquica capitalizada através de um afeto pode exercer influência antes,

durante e depois, no que concerne aos processos criativos de artistas visuais.

Partindo destes pressupostos, foram definidos os seguintes objetivos:

Objetivo Geral:

 Identificar os afetos vivenciados por artistas visuais fortalezenses em seus

processos criativos.

Objetivos Específicos

 Entender como fatores pessoais e ambientais influenciam os afetos dos artistas

visuais;

 Compreender como os afetos influenciam os processos criativos de artistas visuais

fortalezenses;

 Determinar se os afetos negativos podem ou não se constituir como uma fonte de

potencial criativo.

Por fim, esta dissertação está organizada em 4 (quatro) seções principais: a primeira, de

caráter introdutório, em que são apresentados o contexto, a relevância social e acadêmica dessa

pesquisa, alguns possíveis benefícios, bem como a definição do seu objeto, pressupostos e

objetivos. Na segunda seção são apontados os referenciais teóricos utilizados, focando-se na

compreensão sobre a criatividade, os afetos e os processos criativos. Na terceira seção é

apresentado o percurso metodológico utilizado para coleta e análise dos dados e na quarta seção

os resultados encontrados, a discussão e a conclusão. Seguem também, já na seção final, as

referências bibliográficas, os anexos e apêndices.


17

1 MODELOS TEÓRICOS SOBRE A CRIATIVIDADE E OS PROCESSOS


CRIATIVOS

O que é ser criativo? A criatividade é um privilégio de apenas algumas pessoas, ou pode

ser desenvolvida por todos? Ser criativo em uma área significa que se pode ser em outras? Estas

são algumas perguntas que os pesquisadores sobre a criatividade têm feito em suas pesquisas e

que se tornam também fundamentais na compreensão dos processos criativos.

Estudos sobre processos criativos se originam em pesquisas sobre a criatividade, nas

quais identificamos dúvidas e lacunas semelhantes às que se encontram nos estudos sobre os

processos criativos. Por exemplo: órgãos governamentais e institucionais apontam uma

urgência em desenvolver a criatividade enquanto competência socioemocional e, assim,

capacitar as futuras gerações para lidarem com problemas atuais e futuros, como o

desaparecimento de empregos convencionais e a escassez de recursos materiais, dentre outras

questões, mas quando buscamos na literatura científica o que é, o que influencia e como

desenvolver a criatividade dos seres humanos de uma maneira geral, percebe-se que não há

unanimidade sobre como fazer tal feito. Assim, encontra-se um potencial teórico nas pesquisas

sobre criatividade e processos criativos que difere de sua aplicação e concretização.

Dentre as principais razões para que isto ocorra, de acordo com Morais (2011) e

Sakamoto (2010), está a multiplicidade de conceitos sobre o que é a criatividade e os processos

criativos com poucas iniciativas para integrá-los, visto que estes conceitos chegam, em alguns

casos, a anular e contradizer uns aos outros.

Por esta razão, este capítulo estabelece as teorias e modelos sobre criatividade e

processos criativos trabalhados nessa investigação, visto que não há um entendimento

inteiramente consensual sobre estas temáticas.

A primeira questão sobre a criatividade, e talvez mais urgente, pois fundamental, trata

sobre sua origem. De onde vem a criatividade? Ela é uma expressão universal? As explicações
18

podem direcionar-se para perspectivas inatistas quando o fator genético é colocado em primeiro

plano; ambientalista, levando em considerações fatores sociais e culturais, e metafísicas,

quando é atribuída ao dom e à inspiração (Barroco e Tuleski, 2007).

Assim, a criatividade enquanto tema de pesquisa tem chamado a atenção de

pesquisadores desde década de 1950, quando era estudada com o foco em compreender o

indivíduo criativo, sua personalidade e características cognitivas. A partir da década de 1970,

passa a incluir fatores sociais, históricos e culturais, isto é, os fatores ambientais, ao passo que

as explicações a partir de perspectivas metafísicas foram gradualmente sendo descartadas.

O foco dos estudos sobre a criatividade na atualidade tem sido compreender o que é,

quais as condições, preditores e variáveis; pessoais e ambientais, que tornam um indivíduo

criativo (Alencar & Fleith, 2003, p. 1-2).

Dentre as teorias que buscam dar conta destas questões sobre o que é e as origens da

criatividade, três modelos têm sido destacados nas pesquisas nas últimas décadas: a Teoria do

Investimento em Criatividade, de Sternberg e Lubart (1996), o Modelo Componencial da

Criatividade, de Amabile (1996) e a Perspectiva de Sistemas, de Csikzentmihalyi (1996).

Na literatura consultada, a revisão narrativa de Alencar e Fleith (2003) constituiu-se

como principal fonte na apresentação destas teorias, embora também sejam citadas por Garcês,

et al (2013), Morais (2011) e Oliveira (2010).

O objetivo da exposição desses modelos criativos é, portanto, compreender de onde

surgem os estudos sobre os processos criativos e potenciais fatores influentes já identificados

por outros autores, tanto pessoais, como ambientais.


19

1.1 Modelo de Sternberg e Lubart, ou Teoria do Investimento Criativo

No modelo de Sternberg e Lubart (1996), também conhecido por Teoria do Investimento,

a criatividade é entendida como a capacidade de solucionar ou redefinir um dado problema e

pode ser facilitada ou impedida tanto por fatores ambientais como por variáveis individuais,

sendo o comportamento criativo entendido como resultado de seis fatores inter-relacionados: a

inteligência, os estilos intelectuais, o conhecimento, a personalidade, a motivação e o contexto

ambiental.

Estes fatores, de acordo com Alencar e Fleith (2003), devem ser vistos de maneira

interativa e deve-se também levar em consideração que nem sempre são todos amplamente

observados em pessoas criativas.

Ainda de acordo com as autoras supracitadas, para a inteligência são consideradas três

habilidades cognitivas em específico neste modelo: a habilidade de redefinir problemas, a

habilidade de reconhecer, dentre as próprias ideias, aquelas que valem a pena investir e a

habilidade de persuadir outras pessoas sobre o valor das suas ideias.

Com relação aos estilos intelectuais, ou as formas como a pessoa utiliza a própria

inteligência, Alencar e Fleith (2003) destacam na Teoria do Investimento de Sternberg e Lubart

os seguintes estilos: legislativo, ou o gosto por formular problemas e criar novas regras;

executivo, sendo definido como o estilo daqueles que gostam de implementar as ideias e, por

fim, judiciário, ou a tendência por emitir julgamentos e avaliar as tarefas e as regras utilizadas

pelos demais.

O terceiro fator influente no comportamento criativo na Teoria de Sternberg e Lubart é

o conhecimento, tanto formal, quanto informal sobre um dado assunto, para que se possa

discriminar os problemas e realizar um maior número de associações.

O quarto fator é a personalidade, ou o conjunto de traços que pessoas criativas

demonstram ter. Estes são, de acordo com Alencar e Fleith (2003, p.3), a predisposição em
20

correr riscos, a confiança em si mesmo, a tolerância à ambiguidade, a coragem para expressar

novas ideias, a perseverança diante dos obstáculos e a autoestima, embora não seja necessário

que todos estes traços estejam presentes.

A motivação na Teoria de Sternberg e Lubart trata, de acordo com Alencar e Fleith

(2003), das forças impulsionadoras, em especial, da motivação intrínseca, caracterizada pelo

prazer de realização de uma tarefa, embora não descartem a motivação extrínseca de seu

modelo.

O fator ambiental, por fim, trata das características dos contextos que influenciam a

produção criativa nos diversos tipos de ambientes, como o familiar, escolar e das organizações.

Dentre os fatores ambientais, lista-se de acordo com esta teoria: o grau de favorecimento da

geração de uma nova ideia, o suporte necessário à geração de novos produtos criativos e a

avaliação que é feita do produto criativo (Alencar & Fleith, 2003).

Neste modelo, uma forma de apreender e organizar os processos criativos se dá na

divisão de suas fases, formuladas originalmente por Wallas (1926) e amplamente exploradas

por Lubart (2001): 1) preparação, 2) incubação, 3) iluminação e 4) validação.

A primeira fase, preparação, diz respeito a um momento de análise preliminar, definição

e estabelecimento do problema. Do ponto de vista cognitivo, baseia-se na educação, nas

habilidades analíticas e no conhecimento relevante para resolver problemas (Lubart, 2001, p.

296).

Na incubação, por sua vez, não há trabalho mental consciente. É possível estar focado

em outros problemas, ou simplesmente relaxar, mas não há foco no problema proposto pela

fase 1. Também, é nesta fase em que as associações de ideias ocorrem a nível inconsciente.

Na terceira fase, ou iluminação, ocorre uma espécie de ruptura ou revolução das ideias.

Uma possível solução para o problema da fase 1 emerge, procedido de conhecimentos


21

intuitivos. Também nesta fase é importante que não haja apressamentos, para que a ideia ocorra.

É uma fase delicada, em que pressões externas podem acabar por influenciá-la.

Por fim, na fase 4 (quatro), Lubart (2001) coloca que ocorre a validação da ideia

incubada e descoberta, ocorrendo a sua avaliação. Ainda de acordo com o autor, é possível

retornar às fases anteriores se durante a avaliação, a solução não for satisfatória. É possível

também que as fases ocorram de modo praticamente simultâneo.

1.2 Modelo Componencial da Criatividade de Amabile

No Modelo Componencial da Criatividade de Amabile, a criatividade é definida como

a capacidade de ser original e de adequação de uma resposta e a necessidade de que a tarefa

possibilite vários caminhos para a solução de um problema (heurística). Dentre os fatores que

influenciam a criatividade neste modelo, estão listados, de acordo com Alencar e Fleith (2003,

p. 4-5) os fatores cognitivos, motivacionais, sociais e de personalidade. Dentre as condições,

estão:

(a) A habilidade de domínio, definida como o nível de expertise em um domínio

(talento, conhecimento formal e informal, experiência e habilidades técnicas),

(b) Os processos criativos relevantes (estilo de trabalho, estilo cognitivo, domínio de

estratégias que favorecem a produção de novas ideias e traços de personalidade) e, por fim,

(c) A motivação intrínseca, cultivada pelo ambiente social e, em parte, considerada

inata, caracterizada pela satisfação e o interesse de uma pessoa numa dada tarefa.

O Modelo Componencial da Criatividade de Amabile também inclui 5 (cinco) etapas

nos seus processos criativos (Alencar & Fleith, 2003): 1) identificação do problema, 2)

construção ou ativação do conhecimento necessário às possíveis soluções do problema, 3)

geração da resposta, em que surge um novo produto criativo, 4) validação da resposta e, por

fim, 5) tomada de decisões com base nas avaliações do estágio anterior.


22

1.3 Modelo da Perspectiva de Sistemas de Csikzentmihalyi

A Perspectiva Sistêmica de Csikzentmihalyi coloca a ênfase dos estudos sobre a

criatividade nos sistemas sociais e na interação entre o criador, o meio e sua audiência. Sendo

assim, para este autor, a criatividade não está dentro da pessoa, mas na interação desta com seu

contexto sociocultural.

Mais importante do que definir a criatividade neste modelo é investigar onde ela se

encontra, ou seja, como um ambiente social, histórico e cultural reconhece produções

consideradas como criativas (Alencar & Fleith, 2003).

Trata-se de um processo sistêmico, interativo e resultante de três fatores: o ser humano

enquanto possuidor de uma bagagem genética e experiências pessoais; o domínio (cultura) e o

campo (sistema social).

Com relação ao indivíduo, Csikzentmihalyi (1996) destaca dois aspectos – o

background social e cultural e as características associadas à criatividade, que são a curiosidade,

o entusiasmo, a motivação intrínseca, a abertura a experiências, a persistência, a fluência de

ideias e a flexibilidade de pensamento.

Dentre as características ambientais influentes, são listadas no Modelo da Perspectiva

de Sistemas de Csikzentmihalyi: estímulo à produção criativa, valorização do processo de

aprendizagem, oportunidades de acesso e atualização do conhecimento, bem como o acesso a

mentores e recursos como livros, computadores etc., “(...) expectativas parentais positivas com

relação ao desempenho do filho na vida escolar e profissional e apoio familiar no que diz

respeito aos interesses apresentados pela criança” (Alencar & Fleith, 2003, p.6).

E com relação ao domínio, trata-se do “(...) conjunto de regras e procedimentos

simbólicos estabelecidos culturalmente, ou seja, conhecimento acumulado, estruturado,

transmitido, compartilhado em uma sociedade (...)” (Alencar & Fleith, 2003, p. 6), ou corpo

organizado de conhecimentos relacionados a uma área.


23

Para Csikzentmihalyi (1996), o acesso aos domínios é fundamental para a expressão

criativa, não apenas no que diz respeito ao conhecimento em si, mas também, a sua organização.

Já o campo, ou sistema social, diz respeito à atuação de juízes, autorizados ou não, que decidem

se o novo produto ou ideia deve ser incluído nos domínios. Um resumo dos modelos criativos

apresentados pode ser visualizado na tabela 1.

Modelo Modelo de Sternberg Modelo Componencial da Modelo da Perspectiva de


e Lubart, ou Teoria Criatividade de Amabile Sistemas de Csikzentmihalyi
do Investimento
Criativo

Conceito Capacidade de Capacidade de ser original e de A criatividade não está dentro


Geral sobre o redefinir um dado adequação de uma resposta e a da pessoa, mas na interação
que é problema. necessidade de que a tarefa desta com seu contexto
criatividade Convergências de 6 possibilite vários caminhos para a sociocultural.
fatores. solução de um problema. A criatividade como um
processo sistêmico.

Condições A inteligência, os Fatores cognitivos, motivacionais, O ser humano enquanto


para que estilos intelectuais, o sociais e de personalidade possuidor de uma bagagem
ocorra a conhecimento, a genética e experiências
criatividade personalidade, a pessoais, o domínio (cultura) e
motivação e o o campo (sistema social)
contexto ambiental

Traços de Predisposição a Autodisciplina, persistência, Curiosidade, entusiasmo,


Personalidade correr riscos, independência, tolerância por motivação intrínseca, abertura
considerados confiança em si ambiguidades, não a experiências, persistência,
como mesmo, tolerância à conformismo, automotivação e fluência de ideias e
importantes ambiguidade, desejo de correr riscos. flexibilidade de pensamento
coragem parar
expressar
novas ideias,
perseverança diante
de obstáculos e
autoestima

Fatores Características dos (a) Encorajar autonomia do Estímulo à produção criativa,


Influentes na contextos familiares, indivíduo, evitando controle valorização do processo de
criatividade escolares e excessivo e respeitando a aprendizagem, oportunidades
organizacionais que individualidade de cada um; de acesso e atualização do
influenciam a (b) cultivar a autonomia e conhecimento, bem como o
produção criativa, a independência enfatizando valores acesso a mentores e recursos
partir do ao invés de regras; como livros, computadores
favorecimento da (c) ressaltar as realizações ao invés etc., “(...) expectativas
geração de uma nova de notas ou prêmios; parentais positivas com relação
idéia, o suporte (d) enfatizar o prazer no ato de ao desempenho do filho na
necessário à geração aprender; vida escolar e profissional e
de novos produtos (d) evitar situações de competição; apoio familiar no que diz
criativos e a (e) expor os respeito aos interesses
avaliação que é feita indivíduos a experiências que apresentados pela criança”
do produto criativo possam estimular sua criatividade; (Alencar &Fleith, 2003, p.5).
(f) encorajar comportamentos de
questionamento e curiosidade;
24

(g) usar feedback informativo;


(h) dar aos indivíduos opções de
escolha;
(i) apresentar pessoas criativas
como modelos (Alencar &Fleith,
2003, p. 5-6).

Modelo Modelo de Sternberg Modelo Componencial da Modelo da Perspectiva de


e Lubart, ou Teoria Criatividade de Amabile Sistemas de Csikzentmihalyi
do Investimento
Criativo

Motivação Intrínseca e Intrínseca Intrínseca


Extrínseca

Processo 1) Preparação 1) identificação do problema,


Criativo 2) Incubação, 2) construção ou ativação do
3) Iluminação e conhecimento necessário
4) Validação às possíveis soluções do
problema,
3) geração da resposta, em
que surge um novo produto
criativo,
4) validação da resposta e,
por fim,
5) tomada de decisões com
base nas avaliações do
estágio anterior.
Tabela 1
Resumo dos modelos criativos de Sternberg e Lubart (1996), Amabile (1996) e Csikzentmihalyi
(1996)
Fonte: Tabela criada com base nas pesquisas de Garcês, et al. (2013), Morais (2011), Oliveira
(2010), Alencar e Fleith (2003).

É possível encontrar semelhanças e diferenças entre os modelos apresentados. Dentre

as semelhanças, destaca-se a participação fundamental que tem o conhecimento formal e

informal na ocorrência da criatividade. O processo criativo é facilitado pela vivencia de

experiências, pelas informações, as técnicas, os códigos, os símbolos e os significados da

criação numa determinada área. Além disto, a criatividade subtende a capacidade de associar

informações, o que depende de um conhecimento prévio (Morais, 2011).

Assim, quando relacionada aos processos cognitivos, a criatividade subtende a

capacidade de associar às formas específicas de processar informações. Cada modelo sugere

uma série de características que as pessoas criativas possuem. Morais (2011) acrescenta às
25

características já listadas, a flexibilidade, a imagética, o uso de analogias e metáforas para

construção de um pensamento, a criação de problemas, bem como, suas possíveis soluções.

Observa-se também que um aspecto importante à expressão criativa está relacionado à

personalidade do criador. No geral, a personalidade criativa por si só não se sustenta mais

enquanto um fator da origem da criatividade, embora este fosse um aspecto comum nos estudos

da década de 1950. Dentre as características de uma personalidade criativa, Morais (2011)

destaca a autonomia, a tolerância à ambiguidade, o gosto pelo risco, o sentido de humor e a

persistência.

Os três modelos apontam unanimemente a motivação como um fator influenciador da

criatividade e dos processos criativos, sendo que o modelo de Lubart é o único a reconhecer a

possibilidade de que a motivação extrínseca, e não apenas a intrínseca, participa da criatividade

e dos processos criativos.

Outro aspecto que parece comum aos modelos criativos é a atribuição ou o olhar do

outro, seja este um crítico autorizado, detentor dos mesmos códigos, símbolos e significados do

criador, ou críticos leigos, pessoas comuns que expressam seus gostos e pensamentos sobre

determinada criação, autorizando-a assim, a fazer parte ou não dos campos já estabelecidos.

Por fim, dentre os fatores influentes no desenvolvimento do potencial criativo, Oliveira

(2010) lista a família, a escola, o ambiente de trabalho, o contexto sociocultural e a saúde, todos

reconhecidos nos modelos criativos citados. Estes fatores podem atuar como incentivadores ou

inibidores da criatividade, porém, embora um fator possa inicialmente parecer desfavorável e,

portanto, inibidor, é também possível que ele venha a atuar como um fator incentivador.

Por exemplo: quando Oliveira (2010) descreve o fator família define atitudes como

estímulo à curiosidade, à independência e à imaginação, o fortalecimento da autoestima dos

filhos, a atenção aos interesses da criança e ao seu mundo interior, o ambiente e os valores do

lar como características estimuladoras do desenvolvimento do potencial criativo. Porém, o autor


26

deixa claro que também é possível que lares desestruturados, repressores, com regras rígidas e

sem diálogo, características estas inibidoras do desenvolvimento criativo, podem gerar pessoas

criativas, uma vez que a criatividade pode se tornar uma forma de compensação das frustrações

do ser humano. A partir da identificação de todos esses fatores, sugere-se a Figura 1, criada

com base nos estudos de Morais (2011).

Conhecimento Personalidade

Olhar do outro Habilidade


(validação)

Motivação Processos

Figura 1
Fatores pessoais e ambientais influentes no desenvolvimento da criatividade
Fonte: Figura criada por Morais (2011)

Observamos através da literatura científica atual que são reconhecidos tanto fatores

pessoais, como a personalidade e a habilidade individual, como fatores ambientais, como o

olhar do outro, a escola e a família; e também fatores que estão entre os pessoais e ambientais,

como a motivação, os processos criativos e o conhecimento formal e informal, como influentes

no desenvolvimento da criatividade.

Os processos criativos focam-se tanto nos processos cognitivos como afetivos,

vivenciados num percurso criador. Dentre os fatores pessoais do desenvolvimento da

criatividade nos modelos revistos, identificam-se os processos cognitivos, porém, em toda a

revisão dos modelos sobre a criatividade, há pouca exploração quanto aos afetos e como eles
27

influenciam a criatividade e os processos criativos, o que nos leva também a buscar entender as

limitações desses modelos.

1.4 Limitações gerais dos estudos sobre a criatividade apontados

É por esta e outras razões que Morais (2011) entende que pesquisar sobre criatividade,

medi-la empiricamente e operacionalizá-la é, sobretudo, difícil, pois a criatividade acontece a

partir da confluência, coexistência de fatores pessoais e ambientais e da interação entre estas

condições, embora seja consenso dos autores consultados que uma pessoa considerada como

criativa não precisa apresentar todos estes fatores de uma só vez.

Além disso, os modelos criativos como propostos na atualidade possuem ainda

necessidade de revisão, integração e adição de novos fatores, como os afetos. Diante de

questões semelhantes, Garcês et al (2013) aponta que esta dificuldade também se dá devido ao

fato de que a forma de conceituar a criatividade tem dependido em muito dos pesquisadores e

das visões destes sobre o que é a criatividade.

A criatividade é um fenômeno complexo e dada a quantidade de teorias e modelos

existentes que tentam dar conta desta complexidade e de explicá-la, é possível encontrar

ambiguidades, polêmicas e controvérsias e os estudos sobre os processos criativos não são

diferentes.

Uma das controvérsias fundamentais nesses estudos trata justamente do entendimento

do potencial criativo inerente ou não, universal ou não, de cada pessoa. Ainda não é possível

responder se e como as pessoas diferem em seus potenciais criativos.

Este fato possui uma forte implicação para a visão atual de que o desenvolvimento

criativo das pessoas faz parte do conjunto de soluções que se espera que as gerações futuras

tenham em relação aos problemas enfrentados atualmente pela humanidade.


28

Se a criatividade vem de um set de habilidades cognitivas inerentes a cada indivíduo,

ela não pode ser pensada, por exemplo, como uma solução ensinada e generalizada a partir de

uma educação formal (Morais, 2011).

Outra ambiguidade apresentada pela autora supracitada trata da expressão criativa em

várias áreas, ou seja, uma vez que uma pessoa apresente uma aptidão para uma determinada

área, a pintura, por exemplo, esta mesma pessoa poderá expressar-se criativamente em outras

áreas, como a poesia? Ou seja, o quanto as especificidades do domínio de expressão criativa

condicionam a expressão da criatividade de uma forma mais geral e de uma forma específica?

A busca pela compreensão da criatividade encontra-se, portanto, limitada a várias

perguntas que remanescem ainda sem respostas e em meio a estas questões encontramos os

estudos sobre os processos criativos.

Buscando sistematizar as teorias existentes, dadas estas dificuldades e desafios, Rhodes

(1961) chegou a 4 (quatro) aspectos que se interligam, embora não tenha chegado a uma “teoria

geral da criatividade”: 1) A pessoa criativa; 2) os processos mentais envolvidos no

acontecimento criador, ou processos criativos; 3) a influência ambiental e cultural na

emergência do potencial criativo; 4) o produto criativo em si.

Criatividade

Pessoa Criativa Processos Influência Produto Criativo


criativos Ambiental

Cognição

Afetos

Figura 2
4 aspectos que se interligam nos estudos sobre a criatividade com base em Rhodes (1961)
Fonte: Figura criada pela autora com base em Rhodes (1961)
29

Destes fatores, por fim, o foco deste trabalho são os processos mentais envolvidos no
acontecimento criador, ou processos criativos; mais especificamente os afetos vivenciados
nesses processos, sem desconsiderar, no entanto, os demais fatores: a pessoa criativa, a
influência ambiental e o produto final.
30

2 FATORES QUE INFLUENCIAM OS AFETOS

Os processos criativos são uma dimensão dos estudos sobre a criatividade. A partir deles

são estudados os afetos e os processos cognitivos que perpassam o ser humano

psicologicamente no ato da criação.

Ao passo que os aspectos cognitivos têm sido amplamente estudados e definidos nos

modelos criativos, os estudos dos afetos nos processos criativos permanecem nebulosos e

abertos a discussões.

Isto ocorre não apenas devido à história dos afetos no ocidente, mas, sobretudo, dada a

dificuldade de conceituá-los e operacionalizá-los. Embora a relação entre cognição e afeto tenha

sido negligenciada por estudos iniciais na psicologia, a compreensão desta relação vem

ganhando importância desde a década de 1980 (Alves, Ferrarez, & Lopes, 2011), quando se

passa a entender que ambos, afeto e cognição conectam-se numa relação de interdependência,

não podendo um processo se dar inteiramente de modo isolado do outro (Sousa, 2011; Sell &

Pillotto, 2007).

Os afetos, ora entendidos como anteriores, ora como posteriores à cognição, carregam

um estigma de visões filosóficas e psicológicas no ocidente, sendo apontado por Martins e Melo

(2008, p.126-127) como algo “(...) até bem pouco tempo, que deveria ser controlado ou

reprimido para não perturbar o raciocínio lógico”.

Porém, ainda que se busque a superação de uma visão dicotômica e positivista sobre

eles, restam dificuldades quanto ao conceito, não havendo um modelo teórico consensual que

expliquem os afetos, o que dificulta a sua pesquisa, a começar pela diferenciação entre as

emoções, os sentimentos e os humores.

Usados, por vezes como sinônimos, todos eles dizem respeito em algum grau às

respostas de uma pessoa a algum estímulo ambiental, mas diferem tanto psicologicamente como
31

fisiologicamente um dos outros, em termos de duração, complexidade, áreas cerebrais ativadas

e substâncias secretadas pelo organismo.

Tanto na literatura científica, como no senso comum, ainda se observa uma considerável

confusão entre estes três termos. As emoções são entendidas por Vaz (2009, p. 21) como uma

reação subjetiva e idiossincrática a um determinado evento do ambiente externo ou interno,

caracterizada por mudanças fisiológicas, cognitivas, experienciais e comportamentais. Elas

preparam o organismo neurologicamente e fisiologicamente para reagir ao ambiente e exercem

funções motivacionais no comportamento.

Além das funções orgânicas, a autora supracitada aponta ainda que as emoções também

exercem um papel na adaptação social, possibilitando uma compreensão das intenções dos

comportamentos das outras pessoas e uma função no desenvolvimento humano, visto que faz

parte das competências ligadas à cognição, ao conhecimento e às relações interpessoais.

As emoções diferem dos sentimentos devido à ativação fisiológica, na sua duração e

intensidade. As ativações fisiológicas das emoções são breves, ao passo que dos sentimentos

são mais duradouras e menos intensas. Assim, as emoções são fugazes, ao passo que os

sentimentos podem ter uma duração maior. São exemplos de emoções a alegria, a raiva, o nojo,

a tristeza, a surpresa e o medo e exemplos de sentimentos o amor e o ódio.

O mesmo se dá com o humor, que tem uma duração maior que a das emoções, mas que

tende a ser mais difusos do que estas. As emoções sinalizam um tipo de tendência à ação,

conforme o tipo de estímulo, ao passo que o humor atua como propulsor apenas de tendências

de ações mais gerais (Vaz, 2009). São exemplos de humor a melancolia e o otimismo.

Observamos assim, que os afetos estão diretamente ligados às motivações, pois

mobilizam os seres humanos à ação e o aos comportamentos pessoais e sociais, e à

sensibilidade, ou captação dos estímulos ambientais.


32

Ao passo que os aspectos cognitivos dos processos criativos parecem definidos quanto

a sua participação em cada fase, como colocado no capítulo 1, não se encontra uma indicação

clara de como participam os aspectos afetivos, ou seja, como e pelo que a ação de criar é

motivada do ponto de vista afetivo? Como a percepção dos estímulos internos e externos

influencia as fases da criação?

O que sabemos é que nos processos criativos os afetos estão fortemente ligados ao

sensível e suas dimensões: percepção, intuição e experiência (Sell & Pillotto, 2007; Ostrower,

2017). Isto é, os afetos vivenciados têm alguma influência sobre as formas de percepção dos

estímulos e sua organização subsequente.

A criação, assim, pode relacionar-se com os afetos, pois eles podem se configurar como

uma abertura, uma entrada para as sensações e juntamente com a cognição, formar a base

através da qual o ser humano conhece a si mesmo e ao mundo; a base para suas ações e

comportamentos.

O conhecimento construído nunca se dá somente a partir das vias intelectuais, mas

também através de caminhos intuitivos, sensíveis e afetivos. Estes caminhos são dinâmicos e

através deles são integrados um conjunto de elementos, que formam uma rede subjetiva de

significados (Sell & Pillotto, 2007). Dessa forma, a ativação provocada pelo estímulo necessita

da atribuição de um significado para tornar-se emoção, sentimento ou humor (Vaz, 2009), não

ocorrendo a percepção “pura” dos estímulos internos e externos, pois eles são sempre, de

alguma forma, associados às vivências subjetivas anteriores, para que possam ganhar

significado.

Na prática, isto quer dizer que ao vivenciar um estímulo em um ambiente, apreendido

através de sua sensibilidade, o ser humano tende a percebê-lo relacionando-o a ele mesmo, às

suas próprias vivências (Ostrower, 2017). Estes estímulos, por sua vez, afetarão mais ou menos
33

as ações tomadas a partir deles, dependendo da pessoa, resultando num comportamento e num

desempenho.

Os afetos, juntamente com a cognição são os recursos através dos quais o ser humano

dá sentido e significado ao mundo e isto é particularmente importante para a primeira fase do

processo criativo definida por Lubart (2001), a preparação, em que a pessoa reúne

conhecimentos e apreensões sobre o mundo para solucionar um problema, pois significa que

além dos conhecimentos formais, eruditos e técnicos, a pessoa utilizará também do

conhecimento que vem dos seus afetos, de sua experiência e intuição.

Assim, os modelos teóricos atuais apontam que quando um ambiente e seus estímulos

não são percebidos como uma potencial ameaça, o processamento da informação captada se dá

de forma a assimilá-la através de um conhecimento previamente adquirido. A associação,

assim, baseia-se num processo heurístico e intuitivo das informações. Por outro lado, quando

um ambiente apresenta ameaça, o processamento prende-se a estes estímulos e o

comportamento se torna cauteloso. Ao invés de associar os estímulos ao conhecimento prévio,

as estruturas interiores passam a ser atualizadas para melhor responder ao ambiente (Alves et

al., 2011).

Os afetos, portanto, influenciam diretamente a capacidade de associar as informações,

havendo reconhecimento disto nos três modelos citados no capítulo 1, assim como são

necessários à criatividade e aos processos criativos.

Eles também aproximam ou afastam a pessoa de uma fonte de estímulos. Em uma

situação real, o que se está a propor é que se uma pessoa em um ambiente sente afetos como

alegria, entusiasmo, felicidade, etc., ela tenderá a processar as informações de modo a assimilá-

la àquilo que ela já conhece sobre o mundo. Por outro lado, se ao se encontrar em um ambiente,

seus estímulos provocam raiva, tristeza ou angústia, tende-se a repensar e reavaliar aquilo que

já se conhece sobre o mundo. Este mecanismo é particularmente relevante para os processos


34

criativos, pois através das sensações e dos afetos, o artista associa as formas aos valores (Amigo,

2009). Sem os afetos negativos, não haveria, por exemplo, uma reavaliação daquilo que se

conhece sobre si mesmo e o mundo.

O ambiente, como se pode observar, é um elemento fundamental na construção da

relação do ser humano com o mundo e na compreensão dos seus afetos. O ambiente não é neutro

nem um recipiente, visto que está sempre passando uma mensagem e está sempre

comprometido com uma forma de conceber o mundo (Moreira & Souza, 2016).

A relação entre os seres humanos e os ambientes, ainda de acordo com as autoras

supracitadas, se dá de modo processual e dialógico. Um ambiente não é um elemento estático,

nem abstrato. Ele está sempre sendo modificado e permanentemente construído de forma

concreta por aqueles que o habitam.

Na perspectiva de Vygostky (2009) os ambientes não se opõem aos seres humanos.

Tanto um como o outro é entendido numa relação de interdependência e de uma totalidade.

Além do espaço físico, um ambiente também é construído a partir de um conjunto de afetos,

onde o que se faz, com que finalidades é ocupado e quando é ocupado, desvela suas dimensões

e significados dados numa realidade.

A partir de como são definidas as relações num ambiente, este pode potencializar ou

despotencializar, inibir ou favorecer o desempenho e a motivação. O modo como se dá o

engajamento social, num ambiente específico, portanto, depende dos afetos e dos processos

cognitivos vivenciados nestes.

Afetos positivos sinalizam que a pessoa pode seguir em sua exploração. Afetos

negativos sinalizam que se deve proceder com cautela (Gasper & Middlewood, 2014). No

entanto, a criatividade parece ter o potencial de tornar mais complexa esta relação entre o ser

humano e o ambiente. Isto porque através dos processos criativos é possível visualizar novas

perspectivas, buscando novas saídas e estabelecendo novas conexões para situações difíceis.
35

Em outras palavras: ambientes que provoquem afetos negativos não necessariamente provocam

cautela e retração para aquele (a) que se utiliza de recursos criativos, pois existe a possibilidade

de transformação. Ou, ainda que provoque uma retração ou reavaliação, é possível que isto seja

utilizado positivamente no processo. A figura 3 propõe um fluxograma esquematizando a

relação entre a pessoa, os afetos e o ambiente.

Ser humano Estímulos (internos Ambiente


ou externos)

Ativação
(reação fisiológica)

Negativo Atribuição de um Positivo


significado

Aversão, retração Resposta afetiva Expansão


(comportamento)

Expressão afetiva
(ou não)

Figura 3
Fluxograma dos afetos, da pessoa e do ambiente
Fonte: Figura elaborada pela autora com base em Vaz (2009).

Observamos, a partir do fluxograma proposto, que a construção dos significados dados

aos afetos é complexa, embora aparentemente imediata. A criatividade é definida como a busca

e elaboração de uma solução para um problema e isto por si só já pode gerar alguma carga

afetiva. Assim, pode-se sugerir que com a ausência da percepção de um problema, não há

porque buscar soluções criativas.

É este ponto que sustenta a proposta de revisão dos modelos sobre a criatividade exposto

nesta dissertação, visto que os modelos apontam condições que, quando colocadas lado a lado,

tornam-se uma visão ideal dos preditores da criatividade.


36

De acordo com os modelos pesquisados, o indivíduo criativo é alguém incentivado pela

família e pelos professores na sua exploração do mundo. Alguém que teve acesso ao

conhecimento tanto geral quanto específico. Alguém autônomo, aberto a experiências,

motivado intrinsecamente e alguém que goza de uma boa saúde (Oliveira, 2010).

Partindo deste tipo de modelo, parece se desconsiderar aquelas pessoas que em

condições sociais e individuais adversas superam dificuldades através, sobretudo, dos recursos

criativos.

Esta realidade pode ser observada particularmente no Brasil e em países

subdesenvolvidos, em que diante de condições adversas como a fome, a miséria, a escassez de

recursos e desigualdades, indivíduos solucionam suas crises a partir de recursos criativos: a

criação e a contação de histórias, a transformação de materiais inusitados em produtos, a atitude

bem-humorada diante das dificuldades, dentre outras características.

É apontado pela literatura que a criatividade e os processos criativos são promotores do

desenvolvimento emocional, influenciando na capacidade de escolha e na resolução dos

problemas, possibilitando assim, novas formas de aprendizagem.

Isto significaria que, mesmo quando um estímulo é percebido de modo negativo, o que

indicaria a diminuição da potência de ação de uma pessoa, seria possível, através de recursos

criativos, capitalizar esta energia, para que num outro momento ela aumente a sua potência de

ação. Deste modo, a dinâmica dos afetos tornar-se-ia menos polarizada e mais integral. Ou seja,

não seriam somente os afetos positivos a potencializar os processos criativos, mas os afetos,

sejam eles positivos ou negativos.

Isto também significa que o impacto de um afeto sobre a motivação e o comportamento

podem não ser imediatos e idênticos para todos os indivíduos. Que a ativação provocada por

um estímulo ambiental pode perdurar o suficiente para que seja aproveitada em outros

momentos.
37

Não se trata, portanto, de reprimir os afetos negativos, como se eles não existissem. O

equilíbrio social, psicológico e biológico não é alcançado através da eliminação dos afetos, mas

como uma resposta proporcional à circunstância (Martins & Melo, 2016), pois a saúde e o bem-

estar subjetivo dependem igualmente dos processos emocionais e dos processos intelectuais.

No mais, é importante levar em conta a ideia de que ambientes e pessoas reais não são

sempre e ininterruptamente positivos ou negativos. Eles reúnem em si o potencial para

ambiguidades e experiências diversas, que devem ser levadas em consideração.

Assim, os processos de criação, de acordo com Sell e Pillotto (2007), começam com

uma profunda inquietação e tensão na região pura da sensibilidade e correspondem a um

caminho de desenvolvimento da personalidade. Para as autoras, o ato criativo é um estado de

mobilização interior, caracterizado pela presença ativa da mente. Sem essa inquietação e tensão

inicial não há mobilização da energia. Por isto é proposto também um estudo sobre a motivação

nesta dissertação. Sobre o processo através do qual é mobilizada a energia empregada nos

processos criativos.

É digno de nota que apenas no Modelo de Lubart a motivação extrínseca é também

considerada como uma característica da criatividade e dos processos criativos, por isso,

selecionamos duas perspectivas teóricas para a compreensão da motivação nas perspectivas

científicas. Na primeira, a motivação é entendida com base na Teoria da Autodeterminação e

na segunda é entendida como um sistema de regulação do comportamento baseado na promoção

e na prevenção.
38

3 MOTIVAÇÃO E OS PROCESSOS CRIATIVOS

A partir das revisões propostas no capítulo 1 e 2, é possível identificar uma relação entre

afetos e motivação. Nos processos criativos, as motivações podem agir como “molas

propulsoras” ou podem despotencializar uma personalidade criadora.

As perspectivas investigativas sobre a motivação ajudam, dentre outras coisas, na

compreensão do comportamento humano, nas ações, objetivos e razões para que ele ocorra de

um jeito ou de outro. Isto é particularmente importante para os estudos dos processos criativos,

na medida em que desvela as ações e as razões no comportamento criativo.

Na Teoria da Autodeterminação explicada por Karagiannidis et al (2015), o

comportamento é guiado por regulações motivacionais diferentes, que variam em níveis de

autodeterminação. A autoderminação está ligada à percepção de autonomia.

A motivação, portanto, determina, com base no grau de autonomia, as possibilidades de

engajamento ambiental e social. Acerca disto, Sheldon (1995) e Hennessey (2013) apontam que

a autonomia é uma característica nuclear da criatividade.

De acordo com Karagiannidis et al (2015) há, basicamente, 3 tipos de motivações:

intrínsecas, extrínsecas e amotivações. Sendo que as motivações extrínsecas se dividem em

quatro: regulação externa, regulação introjetada, regulação por identificação e regulação

integrada. As características de cada uma seguem na tabela 2.


39

Tipo de Grau de Definição


Motivação autodeterminação

Amotivação Menos elevado Ausência da intenção de agir.


(dentre os tipos de Ausência de motivação intrínseca e extrínseca.
motivação)
Contribuições para uma ação de maneira passiva.

Motivação Engajamento em uma atividade por razões diferentes


Extrínseca da atividade em si

- Regulação Menos elevado Comportamentos promulgados para satisfazer uma


Externa demanda externa ou para obter uma recompensa
externamente imposta como contingência.

- Regulação Pouco elevado Motivação introjetada, mas que ainda não foi
Introjetada integrada no self.

Exemplo: ações que buscam a aprovação externa e o


fortalecimento do ego.

- Regulação Elevado Comportamentos motivados pelo valor ou


por importância da ação.
identificação
Maior possibilidade de participação do indivíduo
comparado com regulação externa e regulação
introjetada.

- Regulação Muito Elevado Integração total de uma motivação regulada pela


Integrada identificação com o self, sendo congruente com os
valores, necessidades e objetivos da pessoa.
O comportamento se mantém extrínseco porque tem
objetivo instrumental

Motivação Mais elevado Envolvimento em uma atividade dado o prazer e a


Intrínseca (dentre todas os satisfação inerentes a esta. Ações motivadas pela
tipos de motivação) diversão, o desafio e o entusiasmo.

Tabela 2
Tipos de motivação de suas características
Fonte: tabela construída a partir da tradução livre, com base na pesquisa de Karagiannidis,
Barkoukis, Gourgoulis e Kosta (2015).
40

Quanto mais elevado o nível de autodeterminação, maior é o nível de autonomia,

conduzindo a diferentes níveis de respostas afetivas positivas, sendo o inverso também possível:

menos autodeterminação leva a menos autonomia e à resposta afetiva negativa (Karagiannidis

et al, 2015; Sheldon, 1995).

Fundamentado no Modelo Componencial da Criatividade de Amabile, Sheldon (1995),

aponta que o comportamento conduzido pela motivação extrínseca é menos criativo que o

comportamento conduzido pela motivação intrínseca. O nível de criatividade decai quanto mais

extrínseca vai se tornando a motivação. Isto porque menos autonomia a pessoa terá para criar.

Dentre as respostas afetivas mais influentes na pesquisa de Karagiannidis et al (2015),

os autores apontam o tédio, para as respostas afetivas negativas e a satisfação (enjoyment) para

as respostas afetivas positivas, a partir do qual, sugere-se a figura 4.

Autodeterminação

Mais Elevado Motivação Intrínseca Satisfação

Muito Elevado

Elevado
Motivação Extrínseca
Pouco Elevado

Menos Elevado
Tédio
Menos Elevado Amotivação

Figura 4
Tipos de motivação e possíveis respostas afetivas
Fonte: figura construída a partir da tradução livre, com base na pesquisa de Karagiannidis,
Barkoukis, Gourgoulis, & Kosta (2015).
41

A satisfação é definida como uma resposta afetiva positiva caracterizada pela apreciação

e o desfrute, pela felicidade e pelo gostar. Ela se opõe, de acordo com Granero-Gallegos et al

(2013), ao tédio pois ele é descrito como uma emoção indefinida que conduz ao desconforto,

ressentimento, culpa e, às vezes, ao prazer (Karagiannidis et al, 2005, p. 138). Os autores

também caracterizam o tédio como a falta de estímulos, variedades, desafios, excitação e

significado.

Por meio da Teoria da Autodeterminação, estabelece-se, portanto, possíveis relações

entre a criatividade, os processos criativos, os afetos e os tipos de motivação, bem como seus

possíveis desfechos: tédio ou satisfação.

3.1 Teorias da motivação baseadas na promoção e na prevenção

Uma segunda perspectiva teórica para explicar a motivação é apontada por Baas,

Roskes, Sligte, Nijstad e Dreu (2011). Os autores colocam que há basicamente 2 sistemas

motivacionais através dos quais ocorre a regulação de objetivos, comportamentos e emoções: a

promoção e a prevenção.

A promoção tem por objetivo a regulação de resultados desejados na busca de objetivos,

comportamentos e emoções. Busca-se um resultado final positivo de aquisição ou consumo de

objetos desejados. Quando há progresso na busca de objetivos, uma pessoa regulada pela

promoção tende a sentir emoções alegres. Quando há obstáculos, raiva ou desanimo e quando,

por fim, há falha na busca pelo objetivo, há tristeza e desencorajamento.

Já a prevenção tem por objetivo a regulação de estados aversivos, evitando-os ou

afastando-se deles. O foco recai na segurança e na responsabilidade em evitar resultados

negativos como a rejeição e o prejuízo. Quando a prevenção falha, o resultado esperado é o

medo, a tensão e a preocupação. Quando a prevenção é bem-sucedida, o resultado é o

relaxamento e o alívio.
42

O objetivo da pesquisa de Baas, et al (2011) é investigar como processos auto-

regulatórios e afetivos encontram-se conectados e podem ser promotores ou inibidores da

criatividade, entendida a partir de Teoria Componencial de Amabile, como habilidade de gerar

ideias, ter insights e criar soluções novas e potencialmente utilizáveis.

Os autores partem de debates anteriores em que as pessoas com foco na promoção são

mais criativas que pessoas com foco na prevenção. Em outras palavras: pessoas motivadas e

em estados afetivos alegres e felizes são mais flexíveis e, portanto, mais criativas, que pessoas

motivadas por estados afetivos como a tristeza e a raiva. No entanto, o foco preventivo não é

associado negativamente à criatividade. Afetos como a raiva e o medo, por exemplo, podem às

vezes, promover a criatividade.

Partindo da hipótese de que o resultado da regulação e não a regulação em si é definitiva

na promoção ou inibição da criatividade, Baas, et al (2011) mostram em seus resultados que

enquanto não há uma resolução para o comportamento ou objetivo, a pessoa encontra-se

cognitivamente ativada, isto é, observa-se um aumento no engajamento dos sistemas

motivacionais de promoção ou prevenção, organizados centralmente. Por esta razão, a

motivação com foco na prevenção pode, através de estados afetivos negativos e enquanto não

houver resolução, promover a criatividade. Enquanto a pessoa se mantém cognitivamente

ativada, seja através do foco na promoção ou da prevenção, há possibilidade de direcionamento

da energia cognitiva gerada para a criatividade.

O fechamento regulatório é a chave para compreender a promoção de estados focados

em promoção ou prevenção. Os estados focados na promoção, no entanto, se mantêm sempre

ativos, pois mesmo após sua resolução, observa-se um aumento no engajamento da pessoa com

relação a ação.

Sendo assim, de fato, estados focados na promoção promovem mais a criatividade que

estados focados na prevenção, na medida em que tanto antes do objetivo, como após o objetivo
43

a pessoa se mantém ativada, isto é, engajada e com energia para direcionar, se quiser, à

criatividade. Já estados com foco na prevenção são também promotores da criatividade, na

medida em que se mantém sem resolução, pois uma vez resolvido há queda nos níveis de

energia e engajamento.

A motivação é, assim, destacada na literatura atual sobre a criatividade e os processos

criativos como um fator fundamental. Morais (2011, p.4) coloca que “é consensual que só se

cria quando se está comprometido com o que se faz” e que, por isso, criar é uma ação mais

exigente que um mero reproduzir. Alencar e Fleith (2003) destacam no modelo de Sternberg e

Lubart, a criatividade como uma força impulsionadora.

Embora não haja consenso sobre a natureza intrínseca e ou extrínseca da motivação

como condição para a criatividade, Morais (2011) coloca que ainda que a motivação extrínseca

possa fazer parte do processo, é a motivação intrínseca a grande propulsora do fazer criativo,

pois é necessária paixão para criar algo único. Além disso, é possível apontar que, dada a

presença de motivações intrínsecas, a criatividade pode direcionar as pessoas à satisfação e a

autorrealização.

É possível, assim, afirmar que a motivação diz respeito ao grau de satisfação

experimentado pela pessoa durante o processo criativo. Ela pode, dessa forma, ter um impacto

no desempenho e no resultado final da obra criada no processo.


44

4 OS PROCESSOS CRIATIVOS NAS COSMOGONIAS

Diante das dificuldades conceituais e metodológicas apresentadas com relação às

investigações sobre a criatividade, os processos criativos e os afetos, optamos por fechar esta

apresentação dos marcos conceituais recorrendo a outras formas de conhecimento, em que esses

temas pudessem ser compreendidos a partir de uma perspectiva que aponta novas articulações

para estas questões: os mitos.

Ainda encontramos em diversas literaturas, científicas e não científicas, uma explicação

simplória para os mitos, como uma forma de representar fenômenos naturais numa época em

que os seres humanos não possuíam recursos tecnológicos e racionais.

Porém, Jung e Kerenyi (2011) advertem que a mitologia é mais que uma simples

coletânea fantasiosa de explicações sobre a realidade para satisfazer uma curiosidade. Não se

trata de criar deliberadamente uma história de “faz de conta” para explicar o Mundo, colocam

os autores, pois não há nada de aleatório, arbitrário ou subjetivo nos mitos, que, de acordo com

Velazquez (2015) abrangem não apenas aspectos racionais sobre uma realidade, mas também,

aspectos estéticos, experienciais e existenciais. Os mitos, portanto, agregam formas de

percepção, de captação e organização dos estímulos ambientais, levando em consideração as

reações involuntárias do organismo e conteúdos inconscientes, pois somente uma parte dos

estímulos e das sensações captadas pelo organismo humano se torna articulada, chegado através

de formas organizadas, à consciência, ou seja, às disposições intencionais (Velázquez, 2015).

Por estas razões é que se percebe a importância de abordar os processos criativos a partir

desta outra forma de conhecimento – os mitos –, pois, através deles, espera-se ser possível

atingir outros aspectos, além dos racionais, sobre a criação, que de alguma forma não foram

contemplados nos modelos apresentados.


45

As narrativas que contam especificamente como o mundo surgiu são chamadas de

cosmogonias. Nelas encontra-se o relato de como o estado Caótico, anterior à Criação,

permanecia intocado, até que algo o perturbou.

Ao observar a estrutura das cosmogonias, verifica-se que estas narrativas apontam a

existência de um estado pré-formal, anterior a toda a criação, o qual os antigos identificavam

como o Caos, palavra que na língua portuguesa vem do grego "Kháos", do verbo "Khaíein" e

significa abrir-se, entreabrir-se, Abismo Insondável (Brandão, 2013).

O Caos personifica uma espécie de vazio primordial, uma abertura que contempla a

totalidade do mundo sensível. Trata-se de um vazio que, paradoxalmente, não representa a

ausência, mas a presença de todos os elementos. É vazio porque é potência, informe, pois

nenhuma referência apreensível pelos sentidos foi criada ainda, para que as formas possam ser

definidas e identificadas.

O Caos reúne em si uma reserva de energia imensa e inexaurível que envolve e coexiste

com mundo formal. Ele representa a totalidade, de onde as formas vêm e onde as formas se

dissolverão nos fins dos tempos (Brandão, 2013). Trata-se de todos os estímulos possíveis, tanto

no nível material, como no espiritual, de tudo que já existiu que existe e existirá.

No princípio, o Caos coexiste com a Água, a Terra, e as Trevas, símbolos da pré-

existência em todas as cosmogonias, pois como elementos femininos exprimem qualidades do

estado caótico primordial (latência, fertilidade, massa informe e indiferenciada, energia em

potencial, etc.), além de constituírem-se enquanto matéria para a manifestação da Criação

(Chevalier & Gheerbrant, 2015), significando que tudo que se tornou visível na Criação existia

antes no Caos, num estado latente, "adormecido", não-formal. Não se trata, portanto, da água,

da terra e das trevas no sentido material, enquanto fenômenos físicos, mas de símbolos que

assinalam aspectos qualitativos e primordiais do Caos.


46

Aqui, assumimos que a pessoa que se encontra num processo criativo constrói vias de

acesso a esses conteúdos latentes, simbólicos, a esta matéria bruta que reside nas profundezas

do seu inconsciente. Para Salis (2003, p. 210), a condição caótica inicial é admitida em todas

as teogonias, significando no pensamento arcaico o cósmico aglomerado de matéria primordial.

“É aquilo que dá condições para o ser – o abissal, o obscuro do inconsciente universal, o que

antecede o ser”.

No processo criativo, o Caos é o símbolo do potencial, do conhecimento latente, das

associações, da riqueza das experiências e da totalidade dos estímulos. É o ponto de partida de

onde o processo se inicia. Observamos, assim, também, uma possível aproximação entre as

narrativas míticas e os modelos teóricos apresentados, na medida em que se parte desta

totalidade dos estímulos ambientais e individuais.

As mitologias narram que no princípio, neste estado caótico original, não havia nada

além de Uma (às vezes múltiplas) Consciência(s) criadora(s) (Eliade, 1995). Estas entidades

são compreendidas como forças gigantescas, titânicas, nas palavras de Salis (2003), que lutam

contra as forças anteriores para se impor, significando que o ser humano, frente ao seu potencial,

precisa agir ativamente para dele extrair manifestações concretas e objetivas.

O espaço vazio em estado caótico é figurado como um Oceano sem fim, como Águas

Primordiais, uma espécie de espaço onde todas as coisas estão misturadas e existem em

potência; o espaço primordial não está vazio de fato, mas apenas não-organizado. É a

intervenção ativa da Consciência criadora que transforma esta potência caótica em ordem, um

Cosmos inteligível.

Na narração dos índios yokuts yauelmanis da California o Mundo começa da seguinte

forma: “A princípio existia água por toda parte. Um pedaço de madeira (vime, vara, pau, árvore)

sai da água em direção ao céu. Nessa árvore havia um ninho. Os que estavam dentro não

enxergavam nenhuma terra. Só havia água” (Eliade, 1995, p.69).


47

Partindo do que o autor supracitado conta, no ninho havia uma águia, um lobo, o Coiote,

a pantera, o falcão dos prados, o gavião (po´yon) e o condor, ou seja, múltiplas consciências

primeiras criadoras. Decididos a criar terra, eles enviam ao fundo das águas um pato para trazer

o lodo de suas profundezas, mas ele morre sem ar.

Em seguida enviam outra espécie de pato que também morre, mas que consegue tocar a

terra no fundo das águas, trazendo lodo de volta em suas unhas, donde os animais que estão no

ninho criam a terra firme.

Verificamos aí todos os elementos caóticos pré-formais: a Água, a Terra (simbolizada

pelo pedaço de pau), o ninho que abrigava a vida em potencial em suas múltiplas espécies

terrestres e aéreas, posteriormente, aquática, quando o pato é enviado para as profundezas da

água, para pegar o lodo, símbolo da Matéria, através da qual a criação será moldada.

Assim, a vida organizada em uma forma inteligível, só pode ocorrer quando o estado

caótico primordial é perturbado por uma intervenção ativa, uma imposição, que implica também

numa noção de sacrifício de um estado anterior, neste caso simbolizado pelo pato. Porém, este

é apenas o primeiro passo para transformação da Matéria Primordial em um Cosmos. Para que

esta intervenção ativa transforme de fato a Matéria, é necessário o movimento.

No caso da narrativa dos yokuts yauelmanis, o pato, animal sacrificado, é o único que

se movimenta para pegar o lodo. Na gênese judaico-cristã, observa-se essa mesma noção sobre

o movimento, como algo anterior à criação:

No princípio criou Deus os céus e a terra.


E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o
Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.
E disse Deus: Haja luz; e houve luz (Gênesis 1:1-3).

O movimento é o elo intermediador entre o estado Caótico, pré-formal, e o estado

Cósmico, formal, pois ele provoca a vibração necessária à ordenação. Assim, os gregos

compreendiam que, além do Caos e da Matéria Primordial, um terceiro elemento era necessário
48

à criação: a força erótica, compreendida como um princípio de atração ou repulsão,

personificada por Eros, que do grego Éros (Brandão, 2013) significa "desejo incoercível dos

sentidos".

Eros é conhecido como o Deus do Amor. Porém, o estado primordial de Eros, a energia

erótica, aproxima-se de uma espécie de princípio natural como a gravidade, do qual nada, nem

os Deuses, escapam (Brandão, 2013).

Para os seres humanos, este princípio inescapável são os seus próprios sentidos, como

o significado original grego indica, através dos quais, captam-se e responde-se ao ambiente.

Eros é o princípio motor cósmico, mola propulsora dos Deuses e dos seres humanos (Salis,

2003), significando, assim, que os sentidos são os propulsores, a motivação original do

comportamento e da vida humana.

Entra aí o papel da motivação. A sensibilidade capta os estímulos que ao serem

significados transformam-se em respostas afetivas e cognitivas. Os afetos e o conhecimento

impulsionam o ser humano na tomada de ações. Através da observação das narrativas

cosmogônicas pode-se, portanto, inferir que a criação no pensamento mítico se dá através de

um processo de constante desorganização e organização dos sentidos, através das motivações.

O Caos, sendo a totalidade de toda a existência e, portanto, de todas as formas e de todos

os estímulos, coexiste com a criação: o Cosmos, os estímulos organizados em formas

inteligíveis, que chegam à percepção. As cosmogonias descrevem, assim, como algo passa da

ordem dos estímulos para a ordem do inteligível.

Pode-se, portanto, inferir que é a oscilação entre os estados caóticos e cósmicos, de

potência e energia, e de organização desta potência e desta energia que formam os processos

criativos fundamentados no pensamento mítico.

Manter uma atitude meramente caótica (vivenciar múltiplos estímulos) ou meramente

cósmica (organizar a sensação em padrões de percepção) não gera movimento e, sem


49

movimento, não há geração de novas formas. A geração de novas formas, por sua vez, é

necessária para a evolução, para a expansão cósmica, para a transformação do ser humano.

Evidenciamos, a partir dos mitos, o papel fundamental da percepção nos processos

criativos e na criatividade e que, de acordo com Ostrower (2017), não se dá de maneira aleatória.

Tomando a si mesmo como medida, o ser humano ordena interiormente o mundo de acordo

com os seus próprios referenciais (expectativas, desejos, medos), interpretando fenômenos de

formas específicas, pois está sempre em busca de gerar novos significados.

A estes processos de formação e organização de conteúdos, Ostrower (2017) chamou

de criatividade. Para ela, criar é formar, é dar forma a algo novo, estabelecer novas coerências,

apreender novas relações.

A motivação humana para criar encontra-se nesta constante busca por ordenação e

geração de significado. É através dos processos de criação que o ser humano se orienta, dando

ordem e avaliando o sentido dos fenômenos.

Assim, Ostrower (2017) infere que o ser humano cria, não apenas porque gosta de criar,

não apenas porque quer criar, mas porque criar é uma necessidade existencial para o ser

humano. Criar é uma precisão, uma condição necessária ao seu crescimento e desenvolvimento.

Com os mitos foi possível lançar uma perspectiva sobre a criatividade humana que

transcende o meramente particular e individual, reafirmando, a partir de outra via de

conhecimento, o papel da sensibilidade e da motivação nas formas de percepção e desvelando

no centro dos processos criativos uma busca por sentido e significado.

Os mitos também ensinam sobre os afetos vivenciados nos processos criativos, na

medida em que apresentam a criação carregada de tensões e ações, como um processo que se

constitui entre o cósmico e o caótico que habitam o ser humano. Foram com estes apontamentos

que a próxima etapa deste trabalho se iniciou.


50

5 PERCURSO METODOLÓGICO

De modo a atender os objetivos desta pesquisa, a presente proposta é caracterizada por

sua natureza qualitativa, tal qual definido por Aguirre e Martins (2014), pois mantém seu foco

na interpretação e compreensão dos comportamentos e da fala dos participantes, no seu estado

natural e espontâneo, sem que ocorra a manipulações de sua conduta.

É uma pesquisa que articula seu questionamento central de modo exploratório, com

enfoque etnográfico, pois, ainda de acordo com os autores supracitados, procura observar

aspectos de um grupo como o comportamento, as crenças e os valores em seus ambientes

naturais.

Quanto às técnicas qualitativas, na pesquisa de enfoque etnográfico buscamos

compreender os aspectos fundamentais de uma cultura ou grupo, envolvendo um trabalho de

campo, considerando o pesquisador e sua observação participante como o principal instrumento

de coleta de dados, mantendo um contato pessoal com os participantes do seu estudo.

Esta pesquisa se concentrou na aproximação com o fenômeno em seus aspectos

comportamentais, culturais e psicológicos, considerando assim, os (as) artistas visuais

fortalezenses em seus processos criativos, capturando suas práticas no dia-a-dia, suas rotinas e

seus rituais.

O caráter exploratório de uma pesquisa, de acordo com Flick (2013) se deve ao fato de

que ela se concentra em uma situação em que se busca primeiramente familiarizar-se com o

fenômeno estudado.

Buscamos, assim, através da exploração, alcançar uma visão geral, de modo a facilitar

a formulação de pressupostos, hipóteses e questões futuras sobre estes temas, identificando

padrões de pensamento e de comportamento do grupo pesquisado (Gil, 2008).

De modo ainda a atender os objetivos desta pesquisa, a mesma foi organizada em um

Estudo, mas dividida em dois momentos. O primeiro momento foi realizado com um grupo
51

maior de 56 participantes e no segundo, foi realizado um estudo de caso, com uma participante

do primeiro momento. Uma explicação detalhada do Estudo 1 segue no item 5.1. A entrada no

campo se deu em setembro de 2018 e o campo foi concluído em maio de 2019.

De modo ainda a atender os objetivos desta pesquisa, a mesma foi dividida em dois

estudos complementares. A entrada no campo se deu em setembro de 2018 e o campo foi

concluído em maio de 2019.

5.1 Estudo 1

 Objetivo

Apreender o contexto no qual se inserem os artistas visuais fortalezenses e registrar com

um levantamento de participantes uma descrição breve dos seus processos criativos. Identificar

os afetos que estes participantes listaram como vivenciados durante os seus processos.

O Estudo 1 buscou um reconhecimento preliminar e exploratório do campo em que

objetivamos investigar aspectos gerais do exercício das Artes Visuais em Fortaleza: quem são

e onde estão estes/estas artistas. A partir do Estudo 1, buscou-se identificar características de

participantes potenciais para o Estudo de caso.

 Lócus e participantes

Artistas visuais residentes na cidade de Fortaleza, Ceará, previamente selecionados a

partir de suas atuações e exposições na cidade de Fortaleza, profissionais atuantes que

frequentam ou frequentaram escolas no campo das Artes Visuais em Fortaleza, como a Opa!

Escola de Design e o Porto de Iracema das Artes; profissionais atuantes nos campos das Artes

Visuais.

Havia uma previsão inicial de 50 participantes para o Estudo 1, havendo a possibilidade

deste número ser alterado pelo campo para mais ou para menos. O critério de inclusão deste
52

estudo era trabalhar com Artes Visuais. Ao final deste estudo, foi contabilizada a participação

de 56 pessoas.

 Coleta de dados

Após contatar potenciais participantes, pessoalmente ou através de recursos online,

pedimos que os mesmos respondessem ao questionário apresentado no Apêndice 1. Com o

intuito de facilitar a coleta dos dados, as perguntas disparadoras foram organizadas através do

recurso Google Formulários, compartilhado em grupos de redes sociais como facebook e

whatsapp, que reuniam designers e outros profissionais, enviado por mensagem direta (e-mail

ou messenger) para artistas visuais previamente selecionados. A coleta de dados ocorreu entre

os dias 10 e 30 de setembro de 2018.

 Análise dos dados

A análise dos dados foi feita buscando classificar os dados através de códigos numéricos

ou linguísticos, sistematizando em unidades temáticas. Para tanto, foi utilizado o software SPSS

para organização dos dados sociodemográficos numéricos e realização do cálculo de suas

frequências médias e medianas.

É importante deixar claro que, com a organização destes dados numéricos não tivemos

a intenção de quantificá-los para generalizá-los. Os dados, mesmo os numéricos, foram

analisados com um olhar qualitativo, buscando realizar uma apreensão do campo investigado.

Foram colhidos dados sociodemográficos sobre os participantes, principalmente porque os

mesmos não foram encontrados previamente.

Conversando com profissionais da área se conheciam algum estudo de levantamento

que apresentasse dados sociodemográficos sobre o mercado das Artes Visuais no Ceará,
53

nenhum parecia saber da existência dos mesmos. Pode-se, então, a partir deste estudo, esboçar

um perfil do artista visual Fortalezense.

Já a análise dos afetos listados pelos artistas foi feita a partir dos componentes lexicais,

facilitada a partir do software Iramuteq, identificando e agrupando os segmentos de texto que

fazem parte de um mesmo vocabulário.

É fundamental deixar claro que o uso dos softwares, tanto SPSS quanto Iramuteq, foi

feito com a intenção de facilitar a análise, mas que ela foi realizada, em última instância pelos

pesquisadores envolvidos no projeto.

Organizamos, assim as análises do Estudo 1 em 5 capítulos: o primeiro contendo as

apreensões sobre o contexto/perfil dos (as) artistas visuais; o segundo contendo a descrição dos

participantes sobre seus processos; o terceiro uma análise dos afetos listados como aqueles

vivenciados nos processos. O quarto e o quinto capítulo apresentamos os resultados do estudo

de caso.

Objetivo Lócus e Coleta Análise


Participantes
-Apreensões sobre o contexto 56 Perguntas Classificação dos
sociodemográfico participantes, disparadas a dados através de
- Registrar uma breve descrição artistas Visuais partir do códigos numéricos e
dos processos criativos de Fortalezenses Google lingüísticos.
artistas visuais atuantes Formulário Softawres SPSS e
- Identificar os afetos profissionalmente Iramuteq utilizados
vivenciados em seus processos em algum campo como suporte.
- Selecionar os participantes das Artes Visuais.
para o Estudo de caso
Tabela 3
Resumo do Estudo 1
Fonte: tabela criada pela autora
54

5.2 Estudo de caso com enfoque etnográfico

 Objetivo

Devido a questões de tempo e de recurso, escolhemos focar em um (a) participante e

reconstruir o seu caso da lista dos 56 participantes do Estudo 1. Ocorrendo algumas semanas

após as entrevistas online, a partir do mês de outubro, o estudo de caso teve o objetivo de

observar e entrevistar em profundidade um (a) artista visual em seus processos criativos e em

suas vivências afetivas, trazendo uma compreensão mais ampla dos fenômenos observados no

Estudo 1.

 Lócus e Participantes

O espaço selecionado para esta investigação foi o escritório/casa da participante, por ser

o seu espaço de produção.

Quanto ao (a) participante selecionado (a) para compor o caso, traçamos os seguintes

critérios de inclusão e exclusão para selecioná-lo (a):

- Deveriam ser artistas visuais residente na cidade de Fortaleza, selecionado (a)

previamente através das perguntas feitas online do Estudo 1.

- Trabalhar profissionalmente com Artes Visuais;

- Conhecer suas rotinas, seus processos, seus métodos e experiências relacionadas às

artes e compartilhá-los voluntariamente;

- Disponibilidade para entrevistas conforme o cronograma estipulado no projeto;

- Compartilhar voluntariamente suas obras para realização de registro fotográfico e

sonoro, para análises posteriores.

Quanto aos critérios de exclusão:

- Aquele ou aquela que não atendeu algum dos critérios de inclusão apresentados;
55

- Aquele ou aquela que não exerce profissionalmente a função de artista visual e que

consideram seus processos criativos como um hobbie.

Observou-se também a riqueza qualitativa dos relatos no Estudo 1 para a seleção dos

participantes. Deste modo, selecionamos 4 potenciais participantes para o caso. Ao entrar em

contato com os mesmos, para saber se atendiam todos os critérios de exclusão, 3 foram

eliminados, devido ao fato de não terem disponibilidade para as entrevistas e ou devido não

quererem compartilhar seus processos voluntariamente.

Observamos também a riqueza qualitativa dos relatos no Estudo 1 para a seleção dos

participantes. Deste modo, selecionamos 4 potenciais participantes para o caso. Ao entrar em

contato com os mesmos, para saber se atendiam todos os critérios de exclusão, 3 foram

eliminados, devido ao fato de não terem disponibilidade para as entrevistas e ou devido não

quererem compartilhar seus processos voluntariamente.

A partir da entrada no campo com a participante selecionada, observamos que a

qualidade do discurso e das observações participantes confirmaram sua relevância para este

momento do estudo, dadas as particularidades do seu perfil (idade, gênero, formação, área de

atuação). A observação da participante durou de outubro de 2018 a janeiro de 2019.

 Coleta de Dados

Uma vez que concordasse em participar voluntariamente desta pesquisa, atendendo aos

critérios de inclusão, a artista visual selecionada foi convidada a participar da mesma, quando

também lhes foi explicado sobre o tema da pesquisa e apresentado o TCLE.

De acordo com a disponibilidade da participante selecionada e da pesquisadora, foi

organizado um cronograma de visitas ao seu espaço de criação e produção, bem como

realização das entrevistas narrativas (Apêndice 2) e registro dos demais dados.

Os instrumentos de coleta de dados utilizados para este estudo foram:


56

- A observação participante, que se caracteriza pela obtenção de informações dos

participantes em seus próprios contextos, através do contato direto do pesquisador com estes.

A observação participante é uma técnica aberta e flexível e se adapta ao campo, realizada a

partir da participação do pesquisador na vida da comunidade a qual se estuda, obtendo dados

de "imediato" (Aguirre & Martins, 2014).

Ela se dá, ainda de acordo com os autores supracitados, em quatro fases: 1) acesso e

entrada ao campo; 2) o pesquisador é visto como um membro provisório da comunidade; 3) o

pesquisador se torna um membro assumido e despercebido do grupo e 4) dá-se uma ruptura em

que o pesquisador se despede do campo mediante a saturação das informações.

A partir da observação participante, uma vez que se familiarizou com os processos e

rotinas criativas da artista, de modo a complementá-la, foram também realizadas entrevistas em

profundidade, buscando compreender as perspectivas da participante a respeito de suas

experiências e situações expressas em suas próprias palavras.

A entrevista narrativa foi realizada, neste caso, em sua modalidade informal e não

sistematizada, visto se tratar de uma pesquisa de natureza exploratória, buscando compreender

mais que explicar. O objetivo era descobrir opiniões subjetivas da participante, compondo a

partir do seu relato, uma narrativa dos principais tópicos explorados nesta pesquisa: os

processos criativos e os afetos vivenciados nestes.

As notas de campo foram padronizadas de acordo com hora, data, local, fatos

específicos, impressões sensoriais, palavras-chave, etc., de acordo com Gil (2010).

Foi realizada observação e documentação da criação da artista, que possibilitaram a

apreensão de informações não verbais sobre ela e seu pensamento. Foram observados materiais,

técnicas, escolha de formas e cores, conteúdos e temas que as obras expressam. Também foi

solicitado à participante que desenhasse, ou criasse uma obra com temas específicos, de acordo

com sua entrevista. O objetivo era, através do desenho, externar, de modo simbólico, metafórico
57

ou literal, conteúdos prévios apontados pela própria artista. A partir do desenho, pediu-se

também que a participante atribuísse significados ao desenho que criou, descrevendo seus

afetos.

Com esta proposta, partiu-se de alguns pressupostos, baseados na construção dos mapas

afetivos propostos por Bonfim (2008), embora eles não tenham sido utilizados como

instrumento de coleta.

De acordo com a autora, pesquisar sobre a afetividade acarreta um grau de

intangibilidade, visto que busca apreender para além dos processos racionais sobre os afetos e

seu objeto. Os mapas afetivos foram criados para investigar os ambientes a partir dos afetos

neles vivenciados. A intenção com a construção do desenho, portanto, não foi criar mapas

afetivos, mas, partir de seus pressupostos, adaptá-los ao objetivo proposto pelo projeto.

Ao final, a participante não criou um desenho como sugerido pela pesquisadora, pois

considerava que já tinha um desenho pronto que representava o tema proposto (criar um

desenho que representasse o seu processo criativo). Este desenho foi apresentado à

pesquisadora e o questionário do Apêndice 3 foi respondido com base nele.

Por fim, foram utilizados o gravador, a câmera fotográfica e o diário de campo para

facilitar a transcrição do material e tornar mais ágil e eficaz a análise dos dados, lembrando do

caráter sigiloso destas informações e de sua restrição no uso exclusivo desta pesquisa.

Outras técnicas observacionais utilizadas, sugeridas por Aguirre e Martins (2014)

também foram levadas em consideração: 1) estar atento (a) ao que ocorre sem interpretar

inicialmente, mas apenas observando, sem tomar a si mesmo como um referencial; 2) Mudar a

“lente de foco”, isto é, estar atento (a) aos detalhes e ao contexto amplo e geral, alternando entre

os dois; 3) Buscar palavras-chave na observação das pessoas; 4) Recordar a sequência inicial,

buscando se concentrar nas primeiras e ultimas observações de cada conversa; 5) Reproduzir

mentalmente as observações e cenas; 6) Deixar o campo quando já estiver observado o


58

necessário para a investigação; 7) Fazer as anotações rapidamente, depois da observação e 8)

Recolher os fragmentos dos dados perdidos.

 Análise dos dados

Uma vez que foi realizada a retirada emocional do campo, demos início à fase de

organização do material e codificação do apreendido de acordo com Aguirre e Martins (2014),

classificando e agrupando o material através de códigos numéricos ou linguísticos,

sistematizando suas unidades temáticas ou de significado frente a sua compreensão e utilização.

Os procedimentos analíticos realizados na pesquisa com enfoque etnográfico são

variados e podem começar desde a seleção do problema, terminando apenas com a escrita da

última frase do relatório. Gil (2008) coloca que enquanto observa, entrevista e toma notas, o (a)

pesquisador (a) também analisa sobre aquilo que é coletado simultaneamente. Após a

transcrição das entrevistas, depoimentos e material coletado, as categorias foram formadas com

o auxílio do software Iramuteq, amparando o processamento dos dados a partir de uma análise

lexical, porém, assim como o software SPSS no Estudo 1, o uso do Iramuteq foi compreendido,

sobretudo, como uma forma de suporte para a pesquisadora.

Uma visão resumida do estudo de caso pode ser visualizada na tabela 4.

Objetivo Participantes Instrumentos Análise


Aprofundar as 1 - Observação - Iramuteq
questões participante, Participante. - Análise do
coletadas no artista visual - Entrevistas em relato
Estudo 1, de fortalezense que profundidade. etnográfico.
modo a responder atendeu aos - Registro de - Análise da
os objetivos do critérios de obras dos artistas. linguagem visual.
projeto inclusão - Construção de
desenhos
- Diário de
campo.
Tabela 4
Resumo dos estudos, instrumentos e análises
Fonte: Tabela criada pela autora
59

Por fim, para resumir os dois estudos, a natureza da pesquisa e o tipo e o enfoque, foi

organizado um desenho do percurso metodológico como um todo na figura 5.

Objetivo Geral
Identificar os afetos vivenciados por artistas visuais fortalezenses

Objetivo Específico Objetivo Específico Objetivo Específico


Entender como fatores Compreender como os Determinar se os afetos
pessoais e ambientais afetos influenciam os negativos podem ou
influenciam os afetos e processos criativos de não se constituir como
os processos criativos artistas visuais uma fonte de potencial
dos artistas visuais fortalezenses criativo

Abordagem Qualitativa: investigação exploratória

Lócus: ambientes de Diário de Campo


produção artística:
ateliês pessoais, Etnografia Observação Participante
estúdios e escolas de
arte
Desenhos e obras
Participantes: artistas
visuais fortalezenses
Entrevista em Profundidade

Análise do relato etnográfico (Aguirre & Martins, 2014)


3.5 Procedimentos Éticos
Utilização dos Software SPSS e Iramuteq

Figura 5
Desenho do percurso metodológico da pesquisa
Fonte: Figura criada pela autora
60

5.3 Procedimentos Éticos

Consideramos os aspectos éticos referentes à pesquisa envolvendo seres humanos,

submetendo o projeto ao Comitê de Ética da UNIFOR e aprovado sob o número do parecer

3.293.930 (Anexos). Reforçamos que os participantes foram entrevistados de forma individual.

Destacamos ainda que foram explicitados os objetivos da pesquisa e aspectos éticos, além da

solicitação para que os participantes lessem e assinassem o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (Resolução n 466/12).

Solicitamos a autorização do uso de gravador, máquinas fotográficas e filmadoras

durante as entrevistas. Asseguramos a preservação da identidade dos (as) participantes que

concordaram em contribuir com a pesquisa, não apenas no que diz respeito ao nome, mas

também qualquer outra informação que permita sua identificação.

 Riscos

Os riscos desta pesquisa estão classificados como mínimos, prevendo a possibilidade de

algum tipo de desconforto mental ou emocional que pudesse ser vivenciado por seus

participantes ao longo da pesquisa, visto que ele se trata de uma investigação dos afetos

vivenciados por artistas visuais em seus processos criativos, sendo possível que alguns

participantes, ao relembrar/vivenciar seus afetos, se sentissem incomodados (as), gerando,

assim, um inconveniente.

Além disso, durante as entrevistas em profundidade, previmos a possibilidade de risco

dos (as) participantes sentirem-se invadidos em sua privacidade, visto tratar-se de perguntas

que diziam respeito aos afetos vivenciados por eles/elas. Nestes casos, para minimizar as

possibilidades dos riscos descritos, foi garantido local reservado para aplicação das entrevistas

em profundidade, onde o (a) participante não se sentisse exposto (a) e desconfortável para
61

respondê-la, havendo o compromisso dos pesquisadores em ficarem atentos (as) a sinais verbais

e não verbais de desconforto e de garantir o acesso aos resultados para os (as) participantes.

Todos os dados confidenciais, fotos, imagens, registros e outros documentos cedidos

pelos (as) participantes foram mantidos em sigilo ou divulgados apenas com o consentimento

livre dos participantes.

Caso houvesse qualquer desconforto emocional ou constrangimento que necessitasse de

assistência, o (a) participante também poderia ser encaminhado (a) pela pesquisadora ao

Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), no segundo andar do Núcleo de Atenção Médica

Integrada (NAMI) da Universidade de Fortaleza, que disponibiliza o serviço de Plantão

Psicológico que se caracteriza pelo oferecimento de até 4 atendimentos psicológicos de cunho

emergencial, sem a necessidade de encaminhamento aos pacientes por ordem de chegada e sem

nenhum custo financeiro. Não foram previstos riscos de saúde física nesta pesquisa.

 Benefícios:

O benefício esperado com a pesquisa é criar a oportunidade para o (a) participante falar

a respeito do seu processo criativo e oportunidades para expressar suas opiniões de forma que

ele/ela mesmo (a) torne-se mais consciente a respeito de sua prática. Além disto, o (a)

participante pode contribuir para elaborar um perfil sociodemográfico dos artistas visuais na

cidade de Fortaleza e para a compreensão dos afetos nos processos criativos.


62

6 PERFIL DOS ARTISTAS VISUAIS PARTICIPANTES

Buscando apreender o contexto no qual se inserem os artistas visuais fortalezenses, com

o objetivo de identificar quais os afetos vivenciados por eles/elas em seus processos criativos,

este capítulo apresenta os resultados coletados no Estudo 1, tal qual desenhado no percurso

metodológico, principalmente, as questões referentes a informações sociodemográficas.

Participaram 58 pessoas, das quais foram selecionadas 56, que atuam nas Artes Visuais,

na cidade de Fortaleza, Ceará, a partir do questionário do apêndice 1, sendo possível esboçar

um perfil dos artistas visuais que atuam na cidade de Fortaleza, com gênero, idade, grau de

instrução, atuações profissionais, tempo que exercem a profissão, se exercem alguma outra

função remunerada e se consideram que passam por processos criativos no seu dia-a-dia.

Das 58 pessoas que responderam às perguntas disparadoras, foram excluídas as

respostas de 2 participantes, devido ao fato de terem se declarado de profissões/atuações que

não contemplavam o critério de inclusão da pesquisa. Dentre os 56 questionários válidos, a

análise foi feita da seguinte forma: apreensões sociodemográficas foram realizadas a partir do

uso do software SPSS, calculando suas frequências, porcentagens e cruzando algumas

respostas.

A partir da análise dos dados sociodemográficos dos participantes, constatamos que há

mais mulheres atuando em áreas das Artes Visuais em Fortaleza do que homens, sendo 34

(61%) participantes do sexo feminino e 22 (40%) do sexo masculino.

A idade mais nova relatada dentre os participantes foi de 21 anos e a mais velha, 72

anos, com a idade média de 38 anos e idade mediana entre os 35 anos de idade. Dentre as

mulheres, a idade média é de 38 anos e a idade mediana é de 39 anos e dentre os homens, a

idade média é de 38 anos e a idade mediana é de 34 anos.


63

Apreendemos, portanto, que os artistas visuais fortalezenses podem encontrar-se com

maior frequência dentro da faixa etária entre 34 e 39 anos de idade, sendo em sua maioria

mulheres.

21 anos 34-39 anos 72 anos

Figura 6
Faixa etária dos participantes
Figura criada pela autora

Verificamos que este dado é coerente com o tempo que os participantes disseram que

exercem a profissão. Levando em consideração o percentual válido, chegou-se ao resultado do

tempo médio de 15 anos e tempo mediano de 14 anos.

O menor período de tempo no exercício da profissão relatado foi de 1 ano e o maior, 45

anos. Inferimos, assim, que a maioria dos participantes possui experiência em seus respectivos

mercados, visto que já se encontram nele há pelo menos 14 anos.

Tanto a idade média como mediana em que os (as) participantes começaram a trabalhar

foi de 23 anos. Porém, observamos um pico nas idades de 22 (f=7;13%), 19, 23 e 25 anos em

que 6 (11%) dos (as) participantes relatou, respectivamente em cada uma dessas idades, ter

começado a trabalhar. Observou-se também que 20 (36%) participantes começaram a trabalhar

na área depois dos 25 anos.

Dentre as mulheres, a média da idade em que começaram a trabalhar é de 24 anos e a

mediana, 25 anos. Dentre os homens, tanto a idade média como mediana em que começaram a

trabalhar é de 22 anos. Percebemos, assim, que as mulheres tendem a adentrar no mercado de

trabalho posteriormente aos homens.


64

Com relação à profissão, foram listados 11 campos de atuação das Artes Visuais, sendo

eles: Arquitetura, Design (Gráfico, de Moda, de Produto), Estilismo, Fotografia, Ilustração,

Professor (no campo das Artes), Produção Cultural, Publicidade, Animação, Conservação e

Restauração e Artes Visuais.

Embora tecnicamente todos estes campos de atuação façam parte das Artes Visuais,

constatamos que existe uma tendência na prática de significar a atuação nas Artes Visuais como

sinônimo das Artes Plásticas. Fotografia, Arquitetura, Estilismo, Design e Animação, por

exemplo, fazem parte das Artes Visuais aplicadas e, portanto, foram relatadas como atuações

distintas.

Das 12 profissões listadas, dentro do percentual válido das respostas, 36 (69%) pessoas

(10 homens e 27 mulheres), atuam nas Artes Visuais Aplicadas e 17 (32%) pessoas (11 homens

6 mulheres) atuam em áreas das Artes Visuais Plásticas.

Nas Artes Aplicadas, dentro do percentual válido, 16 (29%) atuam em ramos do Design,

6 (11%) atuam na Arquitetura, 4 (7%) na Fotografia, 3 (5%) atuam na Publicidade e 1 (2%)

atua na Animação. Totalizando 54% dos participantes.

Nas Artes Visuais Plásticas, levando em consideração o percentual válido, 11 (20%) dos

participantes atuam nas “Artes Visuais”, isto é, no desenho, na pintura, escultura e afins, 4 (7%)

atuam na Ilustração e 1 (2%) atuam na área de Conservação e Restauração, totalizando 29%

dos participantes. Por fim, 5 (9%) dos participantes atuam como Professores em áreas das Artes

Visuais tanto aplicadas, como plásticas.


65

Atuação em áreas das Artes


Visuais plásticas e aplicadas

68% 32% Artes Plásticas


Artes Aplicadas

Figura 7
Atuação nas Artes Visuais
Fonte: criada pela autora

A constatação de que há mais pessoas atuando nas artes aplicadas que nas artes plásticas

trouxe-nos indagações sobre as oportunidades do mercado destas respectivas áreas em

Fortaleza. Embora reconheçamos que a atuação nas artes plásticas não se dá apenas através dos

aparelhos culturais estaduais e municipais, a partir do Anuário de Fortaleza 2012-2013

(http://www.anuariodefortaleza.com.br/), verificamos que estes espaços, quando comparados à

quantidade de escritórios e agências de publicidade, design, comunicação, arquitetura e

fotografia da cidade, se dão em menor ocorrência.

No Anuário de Fortaleza 2012-2013, consta que em 2013 a cidade possuía 63

equipamentos culturais registrados pela Secretaria Estadual da Cultura (Secult), dentre estes, 2

arquivos, 4 bibliotecas públicas, 12 centros culturais, 27 museus e 18 teatros. É possível

encontrar também 58 bens tombados em âmbito municipal, regional e federal. Os equipamentos

culturais encontram-se concentrados nos bairros do Centro, da Aldeota e da Praia de Iracema.

Em relação à Cultura, o relatório da pesquisa do Perfil dos Estados e Municípios

Brasileiros - Cultura 2014 do IBGE (2015), a maioria dos itens que listam aparelhos culturais

e ações do governo de incentivo a diversas formas de propagação da cultura, o Ceará aparece

como “não”.
66

Ainda que não tenhamos encontrado o número exato de escritórios e agências nestes

campos, é possível observar através do Google Mapas, a partir de descritores como “agência de

publicidade”, “agência de comunicação”, escritório de arquitetura”, que são consideravelmente

numerosos, quando comparados à quantidade de aparelhos culturais públicos e privados

localizados em Fortaleza, CE, e que não estão concentrados apenas em três bairros como

acontece com os equipamentos culturais governamentais. Assim, inferimos que há mais

oportunidades de mercado nas Artes Visuais Aplicadas que nas Artes Visuais Plásticas.

Seguindo para a próxima pergunta no questionário: se os artistas visuais exercem outras

funções profissionais remuneradas, chegando à frequência de 31 (55%) participantes afirmando

que sim e 25 (45%) afirmando que não. Dentro deste percentual, aqueles que responderam sim,

12 (55%) eram homens e 18 (55%) mulheres e aqueles que responderam não, 10 (45%) eram

homens e 15 (45%) eram mulheres.

Assim, chamou atenção o fato de que mais da metade dos profissionais que atuam nas

Artes Visuais em Fortaleza, sendo em sua maioria mulheres, declararam que exercem outra

função remunerada.

Quando listadas pelos próprios participantes, estas outras funções se encontram dentro

dos campos das Artes Visuais. Por exemplo, a participante de número 25 declarou-se como

“artista, designer, produtora”. A participante número 30 declarou-se como “arquiteta e

designer”.

A constatação destes dados levou à indagação se esta outra função, ainda que dentro dos

campos das Artes Visuais, é exercida a partir da vontade do (a) participante ou da necessidade,

de complementação de renda, por exemplo.


67

Exerce outra função


remunerada?

45%
Sim
55% Não

Figura 8
Exercício de outra função remunerada
Figura criada pela autora

Com relação à distribuição entre artistas visuais plásticos e aplicados que exercem

outras funções, 9 (52%) dos participantes são artistas visuais plásticos e 21(55%) artistas visuais

das áreas aplicadas, portanto, há mais artistas visuais aplicados exercendo uma outra função

remunerada que artistas visuais plásticos.

Com relação ao grau de instrução, 4 (7%) dos (as) participantes responderam que

concluíram o Ensino Médio, 30 (54%) dos (as) participantes concluíram o Ensino Superior e

22 (39%) concluíram algum tipo de Pós-Graduação.

Grau de Instrução
7%

39% Ensino Médio


Ensino Superior
54% Pós-Graduação

Figura 9
Escolaridade
Fonte: figura criada pela autora
68

Este dado, o da escolaridade, aliado ao anterior, o exercício de outra função remunerada,

também chamou atenção, uma vez que, embora a maioria dos participantes tenha formação de

nível superior ou pós-graduação, mais da metade dos participantes se declararam como

exercendo outra função.

Dentre as mulheres, 1 (3%) relatou ter concluído o Ensino Médio, 18 (53%) o Ensino

Superior e 15 (44%) possuem formação com nível em Pós-Graduação. Dentre os homens, 3

(14%) relataram ter concluído o Ensino Médio, 12 (55%) o Ensino Superior e 7 (32%) possuem

formação com nível em Pós-Graduação. Portanto, há mais mulheres com Ensino Superior e

Pós-Graduação que homens.

Por fim, dos (as) 56 participantes que tiveram seus questionários analisados, 100%

relatou que considera que passa por processos criativos no seu dia-a-dia, de onde inferimos que,

de fato, selecionar participantes que trabalham com Artes Visuais traz resultados diferentes das

pesquisas em que processos criativos são investigados em uma população geral, pois artistas

visuais atuantes relatam, pelo menos do ponto de vista quantitativo, ter um contato diário com

processos criativos.

Os (as) artistas visuais passam por questões específicas a sua profissão que interferem

direta e indiretamente em seus processos criativos, além de que, participantes de uma população

geral podem não se perceberem como realizando processos criativos diariamente, ainda que o

estejam. Na tabela 5 é apresentado um esboço do perfil do (a) Artista Visual Fortalezense.


69

Total de Participantes: 58
Total de questionários válidos: 56

Participantes do Sexo Feminino Participantes do Sexo Masculino


34(61%) 22 (40%)
Faixa etária dos participantes
21-72 anos de idade
Idade média dos participantes
34-39 anos de idade
Tempo médio que exercem a profissão:
15 anos
Idade em que a maioria começou a trabalhar
23 anos
Idade média em que as mulheres Idade média que os homens começaram a
começaram a trabalhar trabalhar
25 22
Atuação nas Artes Visuais Plásticas Atuação nas Artes Visuais Aplicadas

17 (32%) 36 (69%)
(11 homens 6 mulheres) (10 homens e 27 mulheres)
Exercem outras funções remuneradas
Sim Não
31 (55%) 25 (45%)

12 (55%) homens e 18 (55%) mulheres 10 (45%) homens e 15 (45%) mulheres

9 (52%) dos participantes são artistas visuais


plásticos

21(55%) artistas visuais das áreas aplicadas


Grau de Instrução
Ensino Médio Ensino Superior Especialização
4 (7%) 30 (54%) 22 (39%)
Consideram que passam por processos criativos no seu dia-a-dia
Sim (100%)
Tabela 5
Perfil dos (as) Artistas Visuais Fortalezenses participantes
Perfil dos (as) Artistas Visuais Fortalezenses participantes
Fonte: tabela criada pela autora

Diante das questões levantadas ao longo das análises dos dados, se tornou relevante

entender o porquê de mais da metade dos profissionais, que está há aproximadamente 14 anos

no mercado, com formação de Ensino Superior ou Pós-Graduação, declararem que exercem

outra função remunerada.


70

Na matéria de Batista (2007), publicada no site do Ministério da Cultura, intitulada

“Como andam as artes visuais no Brasil”1 no item que busca descrever o mercado a partir da

visão dos artistas, encontra-se o depoimento de três artistas plásticos que declararam em seus

depoimentos com unanimidade suas queixas:

Carências de espaços e recursos para apresentarem suas obras; falta do


reconhecimento de que a arte é um instrumento importante para o
desenvolvimento econômico e social; dificuldades para conseguir incentivos
fiscais e "limitação" do setor, que mantém um mercado "viciado", sempre com
mostras e exposições de artistas já conhecidos do grande público (Batista,
2007).

Na matéria encontra-se ainda a informação de que os artistas brasileiros encontram

dificuldades de serem reconhecidos como profissionais, dado o preconceito perante a idéia de

se viver de arte e ainda o depoimento de que o caminho do artista é longo, até que seja

reconhecido como bem-sucedido.

Embora seja apenas uma fonte de dados secundária, a partir desta matéria encontra-se a

informação de que, devido às dificuldades do mercado, os artistas são obrigados a ter dupla

jornada de trabalho, exercendo inclusive funções consideradas opostas às artes.

Realizar esta apreensão do campo investigando os contextos sociodemográficos nos

quais se inserem os artistas visuais fortalezenses, traçar um perfil a partir dos dados e entender

suas possíveis dificuldades se tornou, ao longo da pesquisa, um fator decisivo no entendimento

da afetividade dos participantes, pois percebemos que os artistas visuais fortalezenses, ainda

que com experiência e formação superior, podem enfrentar dificuldades para se manter a partir

do mercado de Artes Visuais de Fortaleza e se pressupôs, assim, que ao observar a artista no

estudo de caso, seria possível perceber o impacto das dificuldades do mercado, das dificuldades

para se sustentar e outras adversidades referentes a esta questão.

1
Disponível em: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/como-
andam-as-artes-visuais-no-brasil--99368/10883)
71

O exercício de uma segunda função remunerada pode ocorrer dada a vontade do artista

de atuar em mais de um campo das Artes Visuais. No entanto, entendemos também que a busca

por uma segunda atuação profissional pode ser um indicativo das dificuldades que os (as)

artistas passam para manter-se somente com uma atuação.

Ao analisar os contextos relatados pelos participantes do Estudo 1, constatou-se que há

possíveis dificuldades e obstáculos que estes artistas vivenciam no seu dia-a-dia. Além do

perfil, foi possível também descrever os processos criativos e os afetos listados pelos

participantes a partir dos resultados do Estudo 1.


72

7 DESCREVENDO OS PROCESSOS CRIATIVOS RELATADOS

A partir das apreensões realizadas sobre o contexto dos (as) artistas visuais no Estudo

1, um segundo momento ocorreu destinado às análises da descrição dos processos criativos e

dos afetos vivenciados por eles/elas.

Ao analisar o banco de dados com as respostas sobre estas questões a partir do software

Iramuteq, o Corpus Geral da análise da questão “descreva o seu processo criativo” foi

constituído por 56 textos, separados em 69 segmentos de textos (ST), com aproveitamento de

441 STS (72,41%), 1304 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), sendo 609 palavras

distintas.

O conteúdo analisado foi categorizado em 4 classes: classe 1, com ST 7 (23,33%), classe

2 com ST 7 (23,33%), classe 3 com ST 9 (30%) e classe 4 com ST 7 (23,33%). As 4 classes

encontram-se divididas em duas ramificações (A e B) do corpus total em análise (Figura 10).

O subcorpus A, “Processo criativo, trabalho e produção”, composto pelas classes 1

(Processo criativo e trabalho) e 2 (Produção e finalidade do processo criativo) se refere a

vivência dos processos criativos dos artistas visuais fortalezenses num contexto de trabalho e

produção, de onde entendemos que a finalidade dos seus processos criativos e

produção/obra/criação pode ter como motivação a realização de, ou estar direcionada para,

realização de um trabalho.

O subcorpus B, denominado “Origem e elementos do processo criativo”, composto

pelas classes 3 (Origem do processo) e 4 (Processos criativos e significados) trata do

conhecimento, das fontes de inspiração, das experiências, dos métodos e referências utilizadas

em seus processos criativos para idealizar e realizar um trabalho, ou uma produção.


73

Classe 1
Processo criativo e trabalho
Subcorpus A 23,33%
Processo criativo,
trabalho e produção
46,66% Classe 2
Produção e finalidade do
processo
23,33%

Classe 3
Origem do processo
Subcorpus B 30%
Origem e elementos do
processo criativo
53,33% Classe 4
Processos criativos e
significados
23,33%
Figura 10
Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente
Fonte: figura gerada pelo software Iramuteq e reorganizada pela autora

Observamos, assim, que a palavra “Trabalho” no contexto dos artistas visuais

fortalezenses pode assumir dois significados distintos e complementares. No subcorpus A,

“Trabalho” é entendido a partir do contexto profissional dos artistas. Está ligado à prática da

arte como atividade que viabiliza a sobrevivência e à vida material do artista. No subcorpus B,

“Trabalho” por sua vez, pode ser um sinônimo para a própria obra, ou para o processo através

do qual resultará na obra.

Exemplo do significado de “Trabalho” no subcorpus A. Fala do


participante 26
O meu processo criativo está diretamente associado a uma demanda
corporativa, ou seja, produção seriada de estratégias criativas.

Participante 51
Eu trabalho criando objetos constantemente.
74

Exemplo do significado de “Trabalho” no subcorpus B. Fala do


participante 22
Primeiro vem um impulso de produzir, fazer algo ou resolver, melhorar
alguma coisa. Depois, vou elaborando várias possibilidades, caminhos e
escolho o que julgar melhor. Posso experimentar algumas possibilidades para
chegar à escolha do método. Com o trabalho concluído vem um novo impulso
para outro momento de produção.

Participante 35
Primeiro eu separo imagens que me estimulem a imaginação para a
determinada necessidade, pode ser coleção ou coisas do tipo. Depois eu me
certifico de que tenho tempo para trabalhar naquilo. Depois coloco uma
música e me sento em um local confortável. E a partir daí começo o processo
de criação.

A partir dessas observações, entendemos que no contexto dos artistas visuais

fortalezenses é possível atribuir vários significados à palavra “trabalho”, tal como apontado por

Fischer (2014), que observa que o trabalho no contexto primitivo está ligado à vivência da arte,

da linguagem, da magia e do desenvolvimento humano.

Ainda de acordo com o autor, no contexto primitivo as mediações entre o ser humano e

o meio são realizadas através do trabalho e do uso de ferramentas capazes de compensar uma

falta de atributos fisiológicos e biológicos necessários a nossa adaptação.

A arte é a capacidade do ser humano de imaginar e criar ferramentas desempenhando

uma função, dentre os seres humanos primitivos, de realizar uma espécie de coesão social, de

organizar e codificar a natureza.

O fato de o trabalho ter aparecido como uma palavra/atividade que carrega

ambiguidades em seu significado quando associada ao fazer artístico não se dá ao acaso. O

trabalho é atividade central nas sociedades humanas porque é praticado, desde períodos

primitivos, como atividade fundamental que viabiliza sua subsistência. Para Fischer (2014) é

um modo de intercâmbio entre o ser humano e a natureza, caracterizado por sua habilidade de

transformá-la deliberadamente, com um propósito específico relacionado à sobrevivência.


75

Através de uma investigação do ser humano em períodos pré-históricos, o autor

supracitado aponta que ao interferir nas ofertas naturais através do trabalho, transformando-as,

nomeando-as, dando-lhes novas formas e utilidades, apropriando-se de suas qualidades, o ser

humano passa por um processo lento, em que se encontra frente à natureza não apenas como

sua criatura, mas também, como seu co-criador.

Na atualidade, o trabalho é o processo que cria utilidades por meio da transformação da

natureza, produzindo assim, a base material da sociedade (Brito, 2016), além de que através

dele, o corpo, os conteúdos psíquicos e afetivos são movimentados, obtendo recompensas e

recursos que possibilitam a sobrevivência humana (Neffa, 2015).

Embora haja um potencial criativo que remonta, de acordo com Fischer (2014), às

próprias origens do trabalho e da humanidade, Baptista (2013), argumenta que as esferas

criativa e re-criativa da vida não fazem parte da lógica do sistema capitalista, onde o trabalho e

as ocupações tomados pelos seres humanos na atualidade limitam sua capacidade criativa,

havendo pouco espaço para exercê-la.

Partindo de uma análise etimológica, Salis (2013) assinala o empobrecimento do

significado do trabalho nas sociedades atuais, reduzido à atividade laboral forçosa e penosa. O

autor esclarece que a palavra trabalho na língua portuguesa é derivada da palavra tripaliun do

latim que, por sua vez, está associado a um instrumento de tortura medieval.

Já nas sociedades míticas gregas da antiguidade, havia 7 palavras que poderiam ser

utilizadas com o significado de trabalho, de acordo com a natureza do mesmo: 1) trabalho servil

(douleia), 2) trabalho criador ou contemplativo (erga), 3) uma luta por mérito (athlos), 4) busca

para estar à altura dos Deuses através das competições (ágon), 5) exercícios físicos, psíquicos

e espirituais (áskesis), 6) exercícios para desnudar o corpo e revelar a psique (gýmnasis) e, por

fim, como condução criadora das mãos (heiragogia) (Salis, 2013, p. 31-32).
76

Embora haja um esvaziamento dos significados dados ao trabalho nas sociedades pós-

modernas, é possível observar a partir da fala dos participantes, que o trabalho pode ter um

significado plural quando relacionado às artes visuais e aos processos criativos, tal qual aponta

Salis (2013).

Em sociedades Pré-Industriais, o trabalho poderia se configurar a partir de outros

significados, diferentes dos atuais. As brincadeiras, a caça, o preparo da comida e a educação

de um indivíduo, todos considerados uma forma de trabalho, por exemplo, poderiam ocorrer ao

mesmo tempo, aponta Martins (2013), que identifica, neste contexto, a possibilidade de

emergência de uma dimensão lúdica. O trabalho, assim, poderia ser árduo, mas não

necessariamente desprazeroso.

Trazendo estas reflexões sobre a centralidade do trabalho nas sociedades pré e pós-

industriais, para o campo das Artes Visuais, partimos do pressuposto que pensar o artista como

um trabalhador na atualidade é desafiador, pois o (a) artista pode não trabalhar como os demais

trabalhadores, de forma braçal, ou disponibilizando 8 (oito) horas do seu dia para receber em

troca um salário. O artista conserva, de algum modo, os âmbitos criativos do trabalho primitivo

apontados por Fischer (2014), na medida em que cria e recria novos significados para objetos

de uma realidade.

Além disto, na atualidade, o (a) artista depara-se com o consumo como uma questão

cultural. As sociedades do consumo são aquelas que estão organizadas para aquisição de bens

e serviços que vão além das necessidades de sobrevivência de um indivíduo ou comunidade,

através de processos de industrialização avançados em que impera a lógica do capital.

Estas sociedades só se tornaram possíveis a partir do avanço do capitalismo por meio

de uma crescente monetarização da economia e da expansão de mercados consumidores

(Martins, Aquino, Sabóia & Pinheiro, 2012) em que as dinâmicas sociais passam a ser

construídas a partir da lógica da aquisição de bens e de consumo, da lei da oferta e da procura


77

e das relações de compra e de venda, universalizando, a partir daí, a experiência de que os

interesses pessoais, de compra e venda, são mais importantes que os interesses comunitários

(Figueiredo & Santi, 2016).

Aqueles que não detêm os meios de produção dos bens e dos serviços nestas sociedades

alugam sua força de trabalho através da disponibilização do seu tempo, que é cronometrado e

controlado a serviço da produtividade, através do cumprimento de uma jornada de trabalho em

troca de um salário.

É também observado por Larossa (2014) que, devido ao excesso de trabalho, de

informação e opinião, as experiências podem tornar-se empobrecidas, ao passo que Han (2015)

denuncia o excesso de estímulos vivenciados na atualidade como uma fonte de esgotamento,

que colabora para o desenvolvimento dos distúrbios mentais como a depressão, o estresse, a

ansiedade e a síndrome de burnout.

Surge assim, um sujeito motivado pelo auto-desempenho, acelerado por um ritmo de

vida em modo 24/7 (Crary, 2015), em um mundo técnico-racional-capitalista, que não solicita

mais o sujeito a pensar, criar, descobrir alternativas de vida, mas tão somente a responder de

modo passivo e monótono àquilo que o mundo lhe solicita em termos de produção e consumo

(Buchianeri, 2012).

O consumo vivenciado em seu extremo e não apenas para a subsistência é denominado

por Lipovetsky (2007) como hiperconsumo, em que a compra excessiva de produtos

descartáveis é colocada como indispensável, devido à urgência por realização pessoal, a qual o

sujeito busca nos múltiplos consumos materiais.

A insatisfação provocada pela rotina e pela repetição, pelo excesso de trabalho e pelo

empobrecimento das experiências guardam uma relação com o ritmo de produção de novos

produtos, que substituem indiscriminadamente os outros, através da ampliação de necessidades

supérfluas (Francileudo & Martins, 2016; Larossa, 2014; Svendsen, 2006).


78

Observamos, assim, a proliferação de placebos sociais e a busca desenfreada de

substitutos para o significado com a finalidade de tornar a vida humana menos entediante

(Svendsen, 2006) e a arte e sua produção não estão fora deste contexto, que impacta direta e

indiretamente a subjetividade.

Um artista visual, seja ele plástico ou aplicado, representa alguém que é pago para criar

nas sociedades atuais de produção e consumo, como aponta o jornalista inglês Gompertz

(2015), isto é, de alguém autorizado a exercer seu potencial criativo. De acordo com este autor,

enquanto a maioria das pessoas vive fatigada, aceitando um trabalho pouco satisfatório para

colocar comida na mesa, o artista não está disposto a fazer tais concessões, pois sua motivação

única é criar uma obra com valor e significado.

A arte, no entanto, não escapa das dinâmicas mercadológicas capitalistas, sendo a arte

contemporânea a forma de arte que, de acordo com Moulin (2007), ocupa o lugar máximo da

incerteza, de assimetria da informação, que não é identicamente partilhada por todos,

autorizando múltiplas estratégias, financeiras, estéticas e simbólicas.

Em termos práticos, isto quer dizer que a inserção do (a) artista visual no mercado da

arte depende do seu acesso a informações e rituais próprios do mesmo, que exerce influência

direta e indireta no valor e na estética de sua obra.

A liberdade dos artistas para criar, portanto, é gerenciada por outros atores (artistas,

críticos, marchands, colecionadores, conservadores e galerias), formando, assim, uma rede que

determinada valores, oportunidades e legitimidade das artes (Moulin, 2007).

Os dados demográficos recolhidos e organizados no Estudo 1, juntamente com a análise

de como os artistas visuais descrevem seus processos criativos, organizado em categorias

através da Classificação Hierárquica Descendente reforçam, assim, as discussões teóricas sobre

essa categoria, a do trabalho, demonstrando sua complexidade, ambiguidades e desafios quando

exercido por artistas visuais.


79

 Classificação Hierárquica Descendente

Classe 1 - Processo criativo, tempo e trabalho

Compreende 23,33% (f= 7 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e

radicais no intervalo entre x² = 11,27 (Trabalho), x² = 3,5 (Criação) e x²= 3,5 (Tempo).

Predominando as evocações dos indivíduos relacionadas ao processo criativo realizado no

contexto do trabalho como atividade profissional, como se observa no exemplo das falas:

Participante 13
Parto de dois caminhos. Trabalhos sob encomenda que norteiam um processo
criativo mais direcionado. Que são a maioria. E trabalhos autorais que me
deixam mais livres pra criação, mas que no momento não ocupam a grande
parte do tempo desse processo.

Participante 4
Meu processo criativo começa a partir do momento que acordo. Pois trabalho
com o imaginário em diversos seguimentos do meu cotidiano real e muitas
vezes fictício. Transfiro todo esse processo para minhas telas”.

Participante 54
Que envolve o lado racional e emocional o tempo todo. Em alguns momentos
é bem cansativo.

Participante 22
Com o trabalho concluído vem um novo impulso para outro momento de
produção.

A partir das análises, pode-se inferir que há uma percepção do artista visual quando o

processo criativo está direcionado para a criação de uma obra que tem por objetivo o

cumprimento de um trabalho profissional e quando o processo criativo é vivenciado para

criação de uma obra para si, tornando, assim, importante investigar no estudo de caso se há

diferença de significados dados à obra e ao processo criativo quando este parte de motivações

ligadas ao exercício da profissão (exteriores) e quando este parte de motivações ligadas a si

mesmo (autocondicionadas), especialmente nos níveis de satisfação vivenciados nos processos

criativos.

A partir destas observações, podemos propor uma revisitação aos Modelos Criativos de

Amabile e Csikszentmihalyi, na medida em que estes autores afirmam que a criatividade está
80

relacionada apenas às motivações intrínsecas. No modelo de Lubart, por sua vez, o autor prevê

que a criatividade pode estar ligada tanto às motivações intrínsecas como extrínsecas.

A partir dos estudos propostos por esta investigação, tem-se tornado evidente que a

criatividade e os processos criativos vivenciados por pessoas que dependem destes processos

profissionalmente nem sempre estarão ligados às motivações intrínsecas, na medida em que,

como profissional, o (a) artista visual tem demandas externas as quais deve atender e visto que

o tempo para suprir as necessidades socioeconômicas é quase inteiramente heterocondicionado,

como apontado por Munnè (1980), ao classificar as temporalidades em 4 tipos:

1) O tempo psicobiológico, considerado heterocondicionado, destinado para a

satisfação das necessidades psíquicas e biológicas elementares, como comer,

dormir, realizar atividade sexual, se higienizar, etc;

2) O tempo socioeconômico, quase inteiramente heterocondicionado, destinado ao

suprimento das necessidades socioeconômicas fundamentais a partir de atividades

laborais, atividades domésticas, atividades de estudo, atendimento a demandas

sociais e coletivas, etc;

3) O tempo sociocultural, que pode ser tanto heterocondicionado como

autocondicionado destinado às atividades sociais, compromissos e convenções

desta ordem e, por fim;

4) O tempo livre, autocondicionado, destinado à elaboração de si e do mundo através

de atividades realizadas com percepção de liberdade e exercício da criatividade.

Este quarto tipo de temporalidade social não se resume apenas a um tempo liberado

do trabalho, mas a um tempo em que as ações humanas ocorrem sem pressões e

obrigações externas.
81

Os temos heterocondicionados e autocondicionados dizem respeito à percepção de

autonomia das pessoas nas temporalidades. Percebe-se então, que a maioria dos usos feitos do

tempo no emprego de uma atividade nas sociedades contemporâneas é heterocondicionado.

Com base em Granero-Gallegos et al (2013) e Karagiannidis et al (2005), sabe-se que

quanto mais alta é a percepção de autonomia numa ação, maior a sua relação com a satisfação

e quanto menor, maior a sua relação com o tédio. Observa-se, assim, sociedades organizadas a

partir de um tempo cronológico, com atividades predominantemente heterocondicionadas e que

se percebe, possivelmente, a partir de baixos níveis de autonomia.

Um contraste relevante para a compreensão do tempo e do trabalho nas sociedades

atuais seria a compreensão do tempo e do trabalho nas sociedades pré-industriais, onde

encontram-se as sociedades míticas da Antiguidade descritas pelo historiador das religiões

Mircea Eliade (2001, 2013) e por Viktor de Salis (2004), como aquelas que, sobretudo,

centravam suas visões de mundo nos mitos, ou ainda, na possibilidade de se relacionar de modo

mítico com a realidade.

Nestas sociedades, o mundo era visto como um lugar mágico e religioso, onde havia a

possibilidade de se encontrar o divino em toda parte, isto é, nos bosques, nos mares, rios,

plantas, animais, em resumo, em toda e qualquer estrutura do mundo natural (Salis, 2004, p.

33). O tempo era um referencial diferente da vida humana (Eliade, 2001), pois na Antiguidade,

embora ele também fosse quantitativo, cronológico, não era este o aspecto do tempo que

norteava as atividades das pessoas.

Os ritmos vitais e sociais não eram apressados para se adequar a uma medida

quantitativa. A ideia de que era preciso empregar tempo, não apenas em quantidade, mas

também em qualidade para se atingir um objetivo era amplamente compreendida (Eliade, 2001,

2013).
82

Assim é que as noções quantitativas e qualitativas do tempo foram elaborados na

mitologia grega a partir de duas noções sagradas, Kairós e Kronos. "Ao cunharem duas palavras

para qualificarem o tempo vivido, cada uma das possibilidades (Kronos/Kairós) designava não

apenas uma qualidade de tempo, mas indicava uma representação divina vinculada à

possibilidade" (Aquino, Martins, Sabóia& Pinheiro, 2012, p.220).

Inferimos, assim, a partir das respostas dos participantes, que se um indivíduo realiza

atividades artísticas com fins profissionais, torna-se difícil isolar a natureza de suas motivações

relacionadas à manifestação da sua criatividade e dos processos criativos, sendo este fator,

talvez, uma das razões para as dificuldades de operacionalização e generalização dos estudos

experimentais relacionados à criatividade e aos processos criativos.

As temporalidades podem ser vivenciadas, ao mesmo tempo, de modo kairótico, visto

que se voltam para o seu aproveitamento qualitativo, para o desfrute e o prazer da ação de criar;

e cronológico, visto que o (a) artista, como os demais trabalhadores, possuem prazos para

cumprir e servem-se de tempos cronometrados para tal.

Os processos criativos dos artistas visuais são compostos por momentos, isto é, períodos

em que se desenrolam atividades específicas, indo de encontro com autores como Aquino,

Martins, Sabóia e Pinheiro, (2012) quando discorrem sobre o aspecto qualitativo do tempo –

Kairós. O tempo dos processos criativos não é composto apenas pela contagem do mesmo, mas,

sobretudo, por aquilo que se realiza e vivencia nele. Mas, ao mesmo tempo, o artista, enquanto

alguém que realiza sua atividade para sobreviver, submete-se também ao tempo cronológico.

Classe 2 – Produção e finalidade do processo criativo

Compreende 23,33% (f= 7 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e

radicais no intervalo entre x² = 15,16 (Produzir), x² = 5,96 (Para) e x²= 3,5 (Poder).
83

Predominando as evocações dos indivíduos relacionadas à produção (obra ou criação) como

uma finalidade do processo criativo, como se observa no exemplo das falas:

Participante 22
Primeiro vem um impulso de produzir/fazer algo ou resolver/melhorar alguma
coisa. Depois, vou elaborando várias possibilidades/caminhos e escolho o que
julgar melhor. Posso experimentar algumas possibilidades para chegar na
escolha do método. Com o trabalho concluído vem um novo impulso para
outro momento de produção.

Participante 7
Procuro peças que se assemelhem ao sentimento que quero passar para quem
entra em contato com o que produzo.

A partir das falas, compreendemos que o objetivo dos processos criativos é criar uma

obra e que a produção/obra/criação de um (a) artista visual é elaborada de modo a transmitir

uma mensagem, sendo esta a sua finalidade.

Para tanto, os artistas estabelecem métodos e rotinas, buscam referências e recorrem aos

seus afetos, com o intuito de encontrar as formas que mais se adéquam as suas mensagens.

Infere-se, a partir daí, que o processo de produção da obra é, portanto, tomado, por vezes, como

o processo criativo ou como sua finalidade.

Os processos criativos são motivados pelos significados que o (a) artista busca

compartilhar através de suas obras. Estes significados podem variar, de acordo com os fins

profissionais os quais o artista foi contratado (a), aos fins pessoais de criação da mesma e para

transmitir esses significados o artista cria métodos, estuda e aplica materiais, mune-se de

referências.

Confirma-se assim os estudos de Ostrower (2017), em que a autora discorre sobre a

criatividade como uma necessidade existencial de geração e compartilhamento de significados.

Cria-se não apenas porque se quer, mas porque o ser humano necessita.
84

Classe 3 – Origem do processo criativo

Compreende 30% (f= 8 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e

radicais no intervalo entre x² = 10,77 (Acontecer), x² = 66,67 (Música) e x²= 2,57 (Fazer).

Predominando as evocações dos indivíduos relacionadas a como se inicia os processos criativos

dos participantes, a partir de referências, conhecimentos, atividades e afetos, como se observa

no exemplo das falas:

Participante 10
Meu processo é muito subjetivo, muitas vezes acontece de estar conversando
com o cliente e ter uma "visão" de como fazer a ilustração, às vezes é uma
frase de uma música, ou até mesmo um sonho. Claro que passo pela busca de
referências e me inspiro em outros artistas, mas o que me faz começar a
trabalhar é bem isso.

Participante 52
Normalmente gosto de pesquisar em livros e internet, mas algumas vezes ele
acontece vendo um filme, ouvindo música ou andando na rua.

Participante 12
Meu processo criativo acontece através dos meus sentimentos os quais me
impulsionam a realizar as minhas obras. As idéias surgem durante momentos
variados do meu dia-a-dia, mas meu verdadeiro processo criativo ocorre
mesmo durante a execução das obras, uma vez, que dificilmente realizo um
estudo prévio para tais, e, mesmo quando o faço isso acontece mais na sintonia
de ação, pensamento e intuição, sinto, portanto que essa ultima se sobressai
perante as demais, ultrapassando a lógica e a técnica e como um sopro do
gênio primitivo que sempre é mais forte que a lógica e a razão.

A partir dos fragmentos discursivos dos participantes identificamos diversas fontes de

referências, atividades e afetos de onde se originam os processos criativos:

(1) As necessidades dos clientes que contratam um (a) artista visual para realizar a

criação de algum produto/obra/criação.

(2) Os sonhos (atividade fisiológica).

(3) Criações artísticas não visuais; é o caso da utilização da música, de um filme, de

livros e da internet.

(4) Os afetos. Quando descrevendo o seu processo criativo o participante 5 coloca “Em

um primeiro olhar, empolgante e depois, frustrante”. O participante 2, por sua vez coloca “Meu
85

processo criativo acontece através dos meus sentimentos os quais me impulsionam a realizar as

minhas obras”. A partir desta fala, pode-se inferir que os afetos vivenciados e associados ao

processo criativo são, sim, pontos de partida para a criação.

(5) A própria atividade realizada durante o processo criativo constitui-se em si como

uma origem para ele. É o caso da fala “mas meu verdadeiro processo criativo ocorre mesmo

durante a execução das obras” e, por fim,

(6) A realização de atividades rotineiras: o participante 52 coloca ao lado de ouvindo

uma música ou assistindo a um filme, “andando na rua”. O participante 20 por sua vez, coloca:

No dia a dia eu produzo bem mais pela manhã, meu processo criativo nesse
horário está bem recheado. Quando estou criando procuro sempre finalizar
alguma peça nesse período depois que finalizo, sempre levanto, vou
desaparecer um pouco, fazendo um lanche, conversando com alguém ou até
ir ao banheiro para sair da minha zona criativa e respirar um pouco. Quando
volto parto pra outra, mas ao longo do dia continuo fazendo isso e tudo
funciona direitinho.

Sendo assim, os processos criativos podem sofrer a influência tanto de ações dirigidas

como a busca ativa por referências e atividades que tem o objetivo de inspirar, como também

atividades não-dirigidas para o processo e que, aparentemente, não resguardam uma relação

com ele, como “ir ao banheiro”.

Assim, os processos criativos relacionam-se com as motivações, podendo estar, como

coloca Vygostky (2010), relacionado às memórias, às experiências anteriores; bem como com

a satisfação e o desfrute da expansão de um conhecimento e ou do uso que se faz de uma técnica.

Mas, também, as ações rotineiras do dia-a-dia, como ir ao banheiro, assistir a um filme ou ouvir

uma música, podem também ter influência sobre os processos criativos.

O que os depoimentos sugerem é que o (a) artista não precisa estar focado o tempo todo

na atividade de criação. Que além dos recursos direcionados, como a utilização de referências

e de técnicas, há também a influência de outras atividades ou ações não direcionadas.

Além disto, a construção desta categoria substancia o pressuposto de que os afetos não

se dão de modo isolado na vida das pessoas. Não se está puramente triste ou alegre, com raiva
86

ou entusiasmado o tempo todo. Os afetos influenciam os processos criativos, desde os mais

corriqueiros, como aqueles motivados ao se escutar uma música, até aqueles motivados por

lembranças, ou o relacionamento com clientes.

Classe 4 – Processos criativos e significados

Compreende 23,33% (f= 7 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e

radicais no intervalo entre x² = 3,5 (Funcionar) e x² = 2,33 (Trabalho). Predominando as

evocações dos indivíduos relacionadas aos significados dados aos seus próprios processos

criativos, como se observa no exemplo das falas:

Participante 11
Um fluxo contínuo de informações vivenciadas diariamente e
redimensionadas em dados poéticos. Mistura arte e vida e têm interesses que
persistem. Interesses que funcionam como instrumentos de percepção do
mundo. Penso desenhando, então os esboços funcionam como uma forma de
organização das idéias para que possam, posteriormente, serem executados ou
não.

Participante 3
Depende de qual trabalho, mas são testes e mais testes indo lapidando
avançando e regredindo, corrigindo e concertando a obra como um todo.

Participante 46
Como parte da minha prática de vida, exercendo em diversas situações. Desde
o trabalho até o convívio familiar.

Participante 12
(...) como um sopro do gênio primitivo que sempre é mais forte que a lógica e
a razão.

Entendemos a partir da fala dos participantes que a vivência de processos criativos pode

carregar múltiplos significados, dentre eles: (1) como instrumento de percepção do mundo; (2)

como uma forma de organização das ideias; (3) como um meio para criação de uma obra; (4)

como algo que faz parte da vida como um todo, ocorrendo desde o trabalho à vida familiar; (5)

como uma forma de expressão de aspectos primitivos do indivíduo, mais fortes que a lógica e

a razão.
87

Evidenciamos assim que os processos criativos não se restringem ao ato da criação, que

estes comportam outros aspectos do seu dia-a-dia, outras esferas da vida, inclusive as

existenciais.

Observamos que embora haja um princípio lógico mínimo de organização e criação, é

através da experiência e da intuição que o (a) artista se apoia no seu processo de criação para

criar e, portanto, lapida, avança e regride, até que encontre a melhor forma para expressão de

sua mensagem.

Os processos criativos aproximam-se, dessa forma, dos mitos, na medida em que

carregam significados múltiplos, por vezes ambíguos, abrangendo diversos aspectos da

existência humana, tornando-se meios de expressão dessa complexidade que envolve o

sensível, o estético e o racional.

Por fim, a descrição do processo criativo de acordo com os artistas visuais fortalezenses

é também apresentada pela Análise de Similitude e pela Nuvem de Palavras.

7.1 Análise de Similitude

A partir da Análise de Similitude, baseada na teoria dos gráficos, é possível verificar as

ocorrências entre as palavras e as indicações da conexidade entre as palavras, auxiliando na

identificação da estrutura do conteúdo de um corpus textual.

Observamos que há 4 (quatro) palavras que mais se destacam nos discursos: “Processo”,

“Criativo”, “Trabalho” e “Pesquisa”. Delas se ramificam outras que apresentam expressão

significativa, como “Momento”, “Referência” e “Ideia”. No extremo das ramificações pode-se

encontrar: “Criar”, “Obra”, “Produzir”, “Criação”, “Ação”, Design”, “Arte”, “Fotografia”,

dentre outros.

Outra informação que se obtém a partir da Análise de Similitude vem do próprio formato

do gráfico, que se configura semelhante à letra “U”, de modo circular, com pontas nas
88

extremidades de “Processo” e de “Pesquisa” próximas. No centro das duas extremidades, porém

sem tocar nenhuma ramificação, a palavra “lógica”. O “Trabalho”, por sua vez, ramifica-se para

baixo, na direção contrária às ramificações de “Processo” e “Pesquisa”.

Figura 11
Análise de Similitude
Fonte: figura gerada pelo software Iramuteq

A partir da interpretação desta figura, percebemos que a pesquisa e o trabalho

desempenham forte papel na vivência dos processos criativos. Porém, ao passo que a pesquisa

está ligada à busca de elaboração de uma ideia que será representada a partir de uma forma,
89

como possibilidade de ação e de criação, o trabalho está ligado aos processos criativos a partir

dos interesses e da funcionalidade das obras.

É também digno de nota o fato de que a palavra “Produzir”, apareceu como ramificação

da palavra processo e não da palavra “Trabalho”, demonstrando assim que independentemente

do fato do (a) artista estar produzindo para si ou para o seu trabalho (profissão), a ideia de

produção faz parte do processo como um todo.

7.2 Nuvem de Palavras

Em seguida, foi analisada a nuvem de palavras obtida por meio do discurso dos

participantes. Verifica-se que as palavras mais evocadas foram: “Criativo”, “Processo”,

“Trabalho”, “Pesquisa”, “Referência”, “Ideia”, Produzir”, “Criação”. Aqui podemos

primeiramente dividir as palavras a partir de suas localizações: centro, baixo, cima, esquerda,

direita.

Figura 12
Nuvem de Palavras
Fonte: figura gerada pelo software Iramuteq
90

Desta forma, compreendemos que os processos criativos dos artistas visuais

fortalezenses envolvem o trabalho e a pesquisa. A produção se dá por meio da utilização de

referências, imagens, fotografias, formas e de atividades como escutar música (parte de cima).

Busca-se, sobretudo, fazer funcionar as ideias (parte de baixo). A criação está ligada à lógica,

à história, à arte e à obra (palavras à direita) e, por fim, a ação e o interesse estão por trás da

peça, do design, do produto final como um todo.

Entendemos que os processos criativos descritos pelos (as) artistas visuais fortalezenses,

assim, são entendidos como meios de produção e de trabalho, através dos quais se transmite

uma mensagem. Eles se originam de diversas formas, podendo surgir a partir de atividades

direcionadas e não-direcionadas e comportam diversos significados, indo do trabalho enquanto

meio de subsistência a questões existenciais.


91

8 IDENTIFICAÇÃO DOS AFETOS NOS PROCESSOS CRIATIVOS

Compreendido o contexto e o que os (as) artistas visuais entendem por processo criativo,

é chegada a hora de analisar os afetos listados por estes como vivenciados em seus processos

criativos, então, uma terceira análise foi feita para organizar somente esta temática, ainda com

base no software Iramuteq.

Uma observação importante sobre as análises das afetividades listadas, é que embora a

pergunta disparadora pedisse para que os participantes listassem 6 (seis)

emoções/sentimentos/humores que vivenciam em seus processos criativos, alguns participantes

listaram sentimentos e emoções explicando-as, ou escrevendo entre parênteses a situação em

que vivenciavam aquele afeto.

Nestes casos, quando possível – isto é, quando não implicava numa perda na qualidade

da resposta do participante – reduzimos as frases aos afetos expressos em cada uma.

Observamos também que ao listar os seus afetos, os participantes, por vezes, listaram

qualidades, ações ou estados fisiológicos, como energia, adrenalina, aceitação, descoberta,

força, motivação, vontade, acúmulo, amizade, atenção, aventura, barganha, canalização,

compreensão, emergência, urgência, entendimento, espiritualidade, exaustão, imaginação,

fraternidade, introspecção, necessidade, negação, organização, otimismo, percepção, paixão,

preguiça, sensação, sensibilidade, sofrimento, estresse e vitalidade.

Embora estas palavras não se configurem necessariamente como emoções, sentimentos

ou humores, complementam o âmbito da afetividade cujos participantes tiveram a intenção de

comunicar e compreendemos, assim, que elas fazem parte da resposta, pois se referem às

vivências afetivas dos participantes.

A Análise de Similitude foi utilizada para verificar as ocorrências entre as palavras e as

indicações da conexidade entre elas, auxiliando na identificação da estrutura do conteúdo de

um corpus textual.
92

Observamos que há quatro palavras que mais se destacaram nos discursos: ansiedade,

alegria, satisfação e felicidade, sendo que o peso da alegria e da ansiedade é maior. Delas se

ramificam outras que apresentam expressão significativa, como raiva, inquietação, empolgação,

frustração, confiança, medo e curiosidade. No extremo das ramificações encontra-se paciência,

insegurança, paz, orgulho, entusiasmo, amor, angústia e tranquilidade.

Percebemos que o gráfico desta análise apresenta-se crescendo em direções vertical e

diagonal. Neste sentido, inferiu-se que os processos criativos dos artistas visuais fortalezenses

está permeado por afetos tanto positivos quanto negativos.

A alegria e a ansiedade são os dois afetos mais listados pelos participantes. Porém,

verificamos através de suas ramificações que estes não se polarizam unicamente como positivos

ou negativos. À alegria estão associadas palavras como tensão, frustração, confiança, paz e

esperança. À ansiedade, euforia, angústia, prazer, dúvida, excitação e medo.


93

Figura 13
Análise de Similitude
Figura gerada pelo software Iramuteq

Em seguida, analisamos a nuvem de palavras obtida por meio da pergunta: liste 6 (seis)

emoções/sentimentos/humores que você vivencia no seu processo criativo. Verificamos que as

palavras mais evocadas foram: ansiedade, alegria, satisfação, felicidade, medo, prazer, euforia,

curiosidade e realização. Nas palavras das extremidades vemos: insegurança, tensão, angústia,

paciência, dúvida e esperança.


94

Desta forma, entendemos que os afetos positivos estão no centro das afetividades

vivenciadas pelos participantes nos processos criativos, ao passo que os afetos negativos,

embora sejam listados, possuem menos peso quando comparados aos positivos.

A partir da nuvem de palavras verificamos que os afetos positivos têm um peso mais

forte, localizando-se no centro e os afetos negativos encontram-se em regiões mais periféricas.

Inferimos assim que os afetos que dominam os processos criativos dos artistas plásticos

fortalezenses são positivos, embora afetos negativos também façam parte do processo.

Figura 14
Nuvem de palavras
Figura gerada pelo software Iramuteq

Por fim, organizamos também uma tabela com os 8 afetos mais frequentes, de acordo

com sexo, entendendo que embora a frequência seja próxima entre homens e mulheres, os afetos

positivos como alegria, satisfação e felicidade foram mais listados pelas mulheres que pelos

homens, ao passo que a ansiedade, o medo e a frustração foram mais listados pelos homens que

pelas mulheres. As exceções são: para os homens, o amor e para as mulheres a raiva.
95

Afeto Mulheres Homens Freqüência Total


Alegria 14 12 26
Ansiedade 12 13 25
Satisfação 8 5 13
Felicidade 7 5 12
Medo 3 4 7
Raiva 3 4 7
Frustração 3 2 5
Amor 1 4 5
Tabela 6
Lista dos 8 afetos mais frequentes divididos por sexo

Diante das análises realizadas, inferimos, enfim, que os afetos identificados por artistas

visuais fortalezenses em seus processos criativos não se dão isoladamente em suas valências

positiva e negativa.

Embora não tenham maior peso, dentre os afetos listados pelos artistas visuais,

encontrou-se ao lado de emoções, sentimentos e humores positivos, também os afetos

negativos, reafirmando assim, a importância de investigar sobre o impacto dos afetos negativos

na criatividade e nos processos criativos. Ambos, afetos negativos e positivos, podem funcionar

como pontos de partida para os processos criativos e, talvez, um dos problemas com os estudos

experimentais sobre esta questão seja justamente a tentativa de isolar os afetos para investigar

a sua influência.

Registramos, assim, a partir dos resultados, a importância de compreender os afetos a

partir de estudos qualitativos, considerando as pessoas e seus contextos, uma vez que ao pedir

para os (as) artistas que identificassem os afetos vivenciados em seus processos criativos,

eles/elas não isolam os afetos em condições ideais de observação. Isto é, listam o amor ao lado

da raiva, a frustração ao lado da alegria, o medo ao lado da satisfação. Identificamos que

perspectivas investigativas que defendem que somente humores positivos facilitam a resolução

criativa de problemas precisam ser revisadas, não porque estejam erradas, mas porque estão

incompletas.
96

A apreensão dos dados sociodemográficos coletados nesta pesquisa se tornaram

particularmente importantes para a compreensão preliminar dos afetos vivenciados pelos

artistas visuais fortalezenses, pois através deles percebemos que a atuação profissional nas

Artes Visuais em Fortaleza, CE, sejam elas plásticas ou aplicadas, pode encontrar-se permeada

por dificuldades e desafios, sendo condizente com a variedade de afetos positivos e negativos

listados. Podemos, portanto, a partir dos resultados apresentados, ligar o contexto dos

participantes aos seus afetos e processos criativos. As questões ligadas à sobrevivência, as

exigências e prazos que se tem de cumprir afirmam o exercício das Artes Visuais como uma

profissão.

Por fim, o estudo também possibilitou observar que apesar das possíveis dificuldades e

desafios que ocorrem àqueles que trabalham com arte na cidade de Fortaleza, os participantes

declararam sua alegria e satisfação, prevalecendo os estados afetivos positivos sobre os

negativos.

Neste sentido, o (a) artista é, sim, um trabalhador diferenciado dos demais, no que diz

respeito à satisfação no exercício de sua profissão. Ele/Ela tem contas para pagar e busca

garantir sua sobrevivência como qualquer outro ser humano, enfrentando dificuldades e

desafios, exercendo outras funções remuneradas, se necessário. Mas declara-se, ao final destes

processos, como alegre, feliz e satisfeito, cabendo, inclusive, a partir de suas falas, a inferência

de que vivenciam experiências de ócio em seus processos.

O ócio, de acordo com Baptista e Martins (2013), se dá através de uma apreensão

subjetiva relacionada aos valores e significados atribuídos por uma pessoa a uma experiência.

Ele é caracterizado, dentre outras coisas, pela sensação de plenitude e integração percebida

entre o ser humano e o ambiente. Pensado por Cuenca (2016) e novamente apontado por

Rhoden (2009), o ócio comporta, em suas dimensões, a criatividade.


97

O ócio pode ser entendido como um fenômeno psicossocial, dinâmico e de intercâmbio

do ser com o mundo. Quando entendido como ócio humanista, aproxima o ser humano de seu

projeto existencial, trazendo os benefícios de autodescoberta, desenvolvimento psicológico e

social, saúde e qualidade de vida.

Enquanto experiência subjetiva, o ócio é caracterizado primeiramente pelo fato de que

reside na pessoa e não na atividade. Trata-se, portanto, de uma experiência que vai além da

disponibilidade do tempo livre das obrigações, ou da realização específica de uma atividade,

como no lazer, mas de uma atitude com que se realiza a atividade (Rhoden, 2009).

As mesmas atividades realizadas por pessoas diferentes, assim, podem ou não conduzir

a experiências de ócio, dependendo dos significados atribuídos pelas pessoas a elas, desvelando

assim, a importância dos afetos vivenciados nas experiências de ócio para a atribuição dos

significados nas experiências vividas.

Para Neulinger (1984), o ócio como experiência subjetiva está condicionado à

percepção de liberdade e à motivação, que pode ser intrínseca ou extrínseca, isto é, a orientação

da recompensa para a satisfação gerada pela experiência em si, ou a busca de uma recompensa

externa.

A experiência de ócio assim está diretamente relacionada à percepção de autonomia e,

ainda, pode ser vivenciada sem que seja percebida e em graus de intensidade diferentes (Tinsley

e Tinsley, 1986).

Outra maneira de entender a percepção de liberdade nas experiências de ócio é através

da noção de ausência de obrigatoriedades percebidas ou da realização de atividades obrigatórias

como se as tivesse escolhido (Rhoden, 2009).

Um tópico relevante para este estudo trata dos atributos das experiências de ócio, pois

se concentram nas sensações ou sentimentos vivenciados na mesma. A partir de uma revisão

integrativa, Rhoden (2009, p. 1248) aponta 11 atributos ou qualidades do ócio. São eles: 1)
98

percepção de liberdade; 2) motivação ou significado intrínseco (autotelismo); 3) desfrute ou

estados afetivos positivos; 4) desenvolvimento humano; 5) sociabilidade ou encontro

interpessoal; 6) descanso ou relaxamento; 7) ruptura ou evasão; 8) desafio; 9) implicação

psicológica; 10) autoexpressão; e, finalmente, 11) os estados introspectivos: o encontro consigo

e com a natureza ou com a beleza (apreciação estética).

A autora também esclarece que, não precisando que todos estes atributos estejam

presentes, havendo a presença de 3 ou 4 já pode se considerar que a pessoa passou por uma

experiência de ócio.

A partir da análise das respostas dos participantes e das características listadas por

Rhoden (2009) é, portanto, possível inferir que a satisfação e o desfrute nos processos criativos

dos (as) artistas visuais entrevistados, indicam a possibilidade de experiências de ócio.

Torna-se, assim, cada vez mais evidente a relação entre o ócio, a motivação, a cultura e

o desenvolvimento humano, donde Cuenca (2016) associa também o ócio à fonte de saúde,

qualidade de vida e prevenção de enfermidades físicas e psíquicas. Viver o ócio, coloca o autor,

é estar consciente da não obrigatoriedade e da finalidade não utilitária de uma ação interna ou

externa, elegendo uma ação em função da satisfação que esta proporciona.

A criatividade, entendida em seu sentido mais amplo como criação e re-criação, é

definida por Cuenca (2016) como uma dimensão do ócio humanista, caracterizada pela vivência

de experiências criativas em que além da satisfação e do bem-estar pessoal, busca-se também a

sensação de formação, autorrealização, liberação de uma rotina, relação e fugacidade com o

tempo.

Outra forma de compreender a experiência de ócio nos processos criativos se dá através

da experiência estética. A arte é compreendida como uma fonte portadora de valores,

evidenciado, assim, o seu potencial para o desenvolvimento humano (Amigo, 2009).


99

Na experiência estética são realizadas operações sensíveis e intelectuais, através das

quais se valora alguma coisa. Trata-se de uma comunicação que se dá entre o artista, a obra e o

receptor, possibilitando o descobrimento de valores atribuídos às formas.

A autora supracitada deixa claro que utiliza a palavra valor no sentido de humanizar,

apontar tudo aquilo que potencializa às pessoas que são seres valiosos em si mesmo num sentido

kantiano. Tudo que humaniza as pessoas contribui para o seu desenvolvimento e para o seu

enriquecimento pessoal. A arte é, assim, um campo inesgotável de enriquecimento da vida.

Dentre os benefícios do ócio estético listados por Amigo (2009), estão: o cultivo da

sensibilidade, da inteligência e da consciência, a renovação do olhar e do escutar, o descobrimento

de um mundo, o desenvolvimento da intuição perceptiva, o desenvolvimento do pensamento

estético e da inteligência artística, uma compreensão simbólica do mundo, uma visão renovada

do real, a possibilidade de ser crítico(a), o questionamento de si mesmo, o questionamento das

utopias e o desvelamento de uma realidade inquietante, ajudando a compreender os outros seres

humanos e a reconhecer os sentimentos vivenciados em seu coração.

Ao conceituar a criatividade como uma dimensão da experiência de ócio, acessa-se,

assim, outro nível sobre a criatividade como um fator promotor da educação emocional e do

desenvolvimento humano. Partindo do pressuposto que pessoas autodeterminadas são capazes

de resistir a forças situacionais e intrapessoais controladoras que podem minar a criatividade e

de estabelecer e manter contato com interesses intrínsecos, Sheldon (1995), infere que a

criatividade é uma habilidade através da qual o ser humano ganha acesso a recursos cognitivos

profundos e Hennessey (2013) infere que existe uma relação direta entre a orientação

motivacional trazida para uma tarefa e a criatividade desempenhada nesta tarefa. Dessa forma,

os resultados encontrados confirmam os estudos de Cuenca (2016) e Amigo (2009), na medida

em que observamos, na descrição dada pelos (as) participantes aos seus processos criativos,

experiências que desvelam valores, sentido existencial e desenvolvimento humano.


100

9 UM ESTUDO DE CASO SOBRE O PROCESSO CRIATIVO DE UMA


ILUSTRADORA FREELANCER FORTALEZENSE

Com a finalização das apreensões realizadas no primeiro momento do Estudo 1, uma

nova fase se deu no campo: a busca por profundidade. Ao contatarmos a participante potencial

para o estudo de caso, percebemos imediatamente que sua atitude diferia dos demais potenciais

contatados. Neste capítulo serão apresentadas as apreensões etnográficas sobre o processo

criativo de uma ilustradora freelancer fortalezense, através do qual buscamos compreender a

influência dos afetos nos processos criativos.

A participante do estudo de caso é uma ilustradora autônoma de 34 anos. Seus relatos

foram ricos e detalhados, sendo esta a primeira característica que chamou atenção: ela foi

extremamente solícita, com uma postura aberta e participativa, respondendo todas as perguntas,

permitindo o registro fotográfico, abrindo o seu quarto, que também é seu escritório de

produção, criando sempre um ambiente confortável enquanto observávamos o seu dia-a-dia. A

partir das respostas da participante no questionário online iniciamos os encontros com ela a

partir do seguinte perfil:

Perfil da Participante

Sexo: Feminino
Profissão: Ilustradora
Declarou exercer outra profissão: não
Formação: Ensino Superior (Publicidade)
Tempo que exerce a profissão como ilustradora: 8 anos
Idade: 34 anos.

Descrição preliminar do processo criativo no Estudo 1:


“Meu processo é muito subjetivo, muitas vezes acontece de estar conversando com o cliente e
ter uma "visão" de como fazer a ilustração, as vezes é uma frase de uma música, ou até mesmo
um sonho. Claro que passo pela busca de referências e me inspiro em outros artistas, mas o que
me faz começar a trabalhar é bem isso”.

6 afetos listados no Estudo 1:


Alegria, empolgação, me sinto útil, insegurança, necessidade de estudo, medo de não progredir.
101

As impressões a seguir advêm do relato etnográfico com a participante. Foram 10

semanas de contato nas quais, houve 7 encontros de 1h30, aproximadamente, gravados por

áudio. Em algumas semanas não houve encontro por questão de logística dos horários dos

pesquisadores e dos dela.

No entanto, durante as semanas de observação, houve também outras formas de

interação, como troca de mensagens por whatsapp, além de que, ao ter a informação de que seu

trabalho se dá principalmente em veículos digitais, passamos a observar suas redes sociais.

Ao chegar ao seu prédio no primeiro encontro, observamos que se trata de um

apartamento espaçoso e confortável, com uma vista belíssima para o mar. O seu ambiente de

trabalho é o seu quarto.

Figura 15
Quarto/escritório da participante
Fonte: Fotografias do acervo da autora

Limpo, arejado, cheio de quadros muito bem organizados nas paredes com temas

relacionados às personagens e histórias de cultura pop ocidental e oriental. Na Figura 16, uma

fotografia para ilustrar a diversidade de temas e a importância dos quadros no ambiente da

participante.
102

Figura 16
Quadros no quarto/escritório da participante
Fonte: Fotografias do acervo da autora

No seu quarto há muitos objetos que, de alguma maneira, apresentam e representam a

participante para um visitante que não a conhece: bonecos do tipo action figure de alguns

personagens de mangá e anime. Remédios para alergia. Uma pequena fonte de água corrente

que traz uma sensação de calma ao ambiente. Uma pequena, porém considerável estante de

marcadores do tipo copic, um tipo de marcador importado, de alta qualidade e geralmente de

preço elevado quando comprado em Fortaleza. Luminárias. Cadernos. Livros. Calendários e

quadros marcando datas e suas atividades. Material de escritório. Computador, mesa

digitalizadora e materiais de informática de um modo geral.


103

Figura 17
Ferramentas de trabalho da participante
Fonte: Fotografia do acervo da autora

A sensação que tivemos ao entrar no quarto da participante pela primeira vez era de que,

de alguma maneira, todos aqueles objetos são, de fato, rastros deixados por ela, mapas para sua

personalidade e identidade, e esta foi a primeira pergunta que surgiu da primeira visita ao

campo: o que ela está tentando mostrar para o mundo? Ao entrar no ambiente ficou evidente

que se tratava do quarto de uma artista, tanto pelos materiais espalhados, como pelas referências

visuais de sua preferência. O ambiente era agradável e fácil de sentir-se à vontade.

A participante mora com os pais e com o irmão. Ela conta que sempre teve o apoio dos

pais, inclusive financeiro, ainda que estes pudessem vir a incentivá-la durante a adolescência a

buscar outras profissões, como medicina, por exemplo. Ao explicar sua trajetória nas Artes

Visuais, ela conta que seus avôs se interessavam por artes e que isso, de alguma forma foi

passado para ela.


104

Sua escolha para o ensino superior foi a Publicidade, área que ela considera “legal”, mas

que não teve vontade de exercer, mesmo antes de terminar a faculdade. Ela concluiu o curso

em 2010. Em 2008, se tornou aluna de um curso de desenho de um Estúdio de quadrinhos em

Fortaleza, através do qual veio a sua primeira oportunidade profissional na área e a dar aula no

curso de mangá, um tipo de quadrinho oriental.

Entre 2011 e 2014, ela teve problemas de saúde: gastrite e problemas na vesícula, tendo

que passar por uma cirurgia. A partir destes problemas, ela descobriu que possui uma condição

em que seus ossos saem facilmente do lugar e ao ser colocada na maca para cirurgia, sua coluna

foi afetada.

Embora sentisse dores, esta condição demorou a ser diagnosticada, o que veio a lhe

causar ataques de pânico. Além disto, ela conta que neste período, também terminou um

relacionado que já durava 14 anos. As dores, tanto físicas como emocionais, levaram-lhe à

depressão, que, por sua vez, fez com que ela passasse um ano sem desenhar.

Em 2013 começou a fazer terapia. Por volta deste período, também encontrou uma

médica que a diagnosticou e tratou de sua dor física. Sua reviravolta começou em 2015, quando

participou de um workshop com dois professores estrangeiros e ao mostrar seu caderno de

desenho para eles, recebeu elogios. Aos poucos, ela foi retomando o desenho e passou a

trabalhar com ilustração.

Embora tenha declarado no questionário online que não exerce outra profissão, é digno

de nota que, além da função primária como ilustradora, a participante dá aulas particulares, dá

aulas em um curso de mangá de Fortaleza e vende cadernos, roupas e demais produtos de sua

marca pessoal, confeccionados por ela mesma, para complementar a renda. Sua carreira como

ilustradora começou a se desenvolver a partir de um cliente que propagou sua arte

encomendada, de onde vieram outros clientes, e desde então, as coisas vão indo bem.
105

Figura 18
Caderno criado a partir das ilustrações da participante
Fonte: Foto cedida pela participante

A participante, embora também realize trabalhos e tenha conhecimento de ilustração

tradicional à mão, faz uso hoje principalmente da ilustração digital. Para isto, ela precisa de um

computador potente e de uma mesa digitalizadora, conhecida como tablet no meio das Artes

Visuais.

“O desenho”, afirma ela, “é a parte que está melhor resolvida em mim”, ficando claro

que o desenho para ela é uma forma de conexão consigo mesma. “Eu ganho pouco, mas sou

feliz”, afirma a participante, confirmando a análise do questionário online, de que artistas

visuais fortalezenses passam por dificuldades e desafios em suas profissões, mas que, ao final,

se sentem satisfeitos.

Ao sair da depressão e superar as dores físicas que a impediram de trabalhar, a retomada

do desenho foi o primeiro sinal de que sua vida estava voltando a se organizar. Quando estava

cheia de problemas ela desenhava menos. Ao superar os problemas, o desenho foi um indicativo

de que ela estava se conectando consigo.


106

Quando perguntamos a ela sobre de onde vem o conhecimento para sua criação, ela

afirma que de si mesma. A participante se considera autodidata. Tudo que sabe, ela aprendeu

em vídeos de pintura tradicional e pintura digital, em livros e encarando os desafios. Participou

de alguns cursos e workshops, porém ela não tem de fato, uma formação em Artes ou Ilustração.

As principais palavras-chave do primeiro encontro com a participante foram:

sensibilidade e abertura. Uma tarde de conversas em seu quarto e percebemos que sua

personalidade solícita está ligada ao fato de ser uma pessoa sensível e transparente, disposta a

ajudar, a compartilhar o seu mundo, seus valores e crenças.

No segundo encontro a conversa foi fluida e durou a tarde inteira. Durante o passar da

tarde, ouvimos música, observamos uma parte do seu processo criativo em uma encomenda, e

houve descontração com sua gata de estimação. O dia estava quente. Os encontros que seguiram

foram igualmente agradáveis.

Com relação ao seu processo criativo, observamos que existem pelo menos três fontes

de estímulo cognitivo para a participante: a música, os jogos e o sono. As músicas que escuta

antes, durante e depois do processo, ela explicou que são geralmente sem letras, só o

instrumental, para não distrair. Servem para inspirar e para ajudar na capacidade de

concentração.

Com relação aos jogos, a participante explica que um dos principais temas de suas

ilustrações são personagens de jogos de vídeo games e RPG e, sendo assim, ela usa a trilha

sonora dos jogos de vídeo game em que estão as personagens que ela desenha, como forma de

se inspirar. Além disso, músicas lhe inspiram imagens que já aparecem prontas em sua mente,

estimulando assim o seu processo de visualização.

Ela descreveu como uma vez estava escutando em seu carro a música Paradise. da

banda Cold Play e precisou reduzir a velocidade, pois teve a visualização completa de várias

cenas de suas personagens em sua mente.


107

A capacidade de visualização é uma habilidade cognitiva fundamental no processo

criativo da participante. “As cenas já vêm prontas em minha mente”, coloca ela, na medida em

que recebe estímulos sonoros e motores, advindos dos jogos de vídeo game, jogos de RPG, das

músicas e dos sonhos.

A participante fala que tem uma dificuldade muito grande de se concentrar e que as

músicas ajudam neste processo. A música abafa outros barulhos e possíveis interrupções da rua

e das outras pessoas que habitam sua casa. Ela explica que as músicas de vídeo game geralmente

são repetitivas e que isso a ajuda a se concentrar.

Novamente sobre a inspiração das imagens que cria, a participante coloca que muitas

vezes, quando vai desenhar, a imagem original do desenho já está formada em sua cabeça, que

ela consegue essas visualizações às vezes mais em estados em que está quase dormindo do que

quando está consciente e dá como exemplo a sua ilustração da princesa do fogo, em que sonhou

várias vezes com a mesma imagem até que conseguisse desenhá-la.

Figura 19
Ilustração da Princesa de Fogo
Fonte: fotos do acervo da participante
108

Outro exemplo seria a ilustração que fez para um cliente em que teve a ideia quando

estava caindo no sono. A imagem veio pronta em sua mente e, tão logo possível, ela repassou

a ideia para que o cliente pudesse aprovar.

Quando foi perguntado se ela por ventura não se esquece dos detalhes daquilo que

visualiza depois de um sonho, por exemplo, ela diz que não. Ela explica também que sempre

teve seus horários invertidos, referindo-se ao fato de que se sente mais produtiva à noite e que

precisa de um pouco mais de sono que as outras pessoas para descansar. Ela fala que se sente

mais produtiva à noite porque consegue ter paz, isto é, quando as pessoas a sua volta vão dormir

e os ruídos da rua cessam, por isto ela tem preferência por desenhar à noite.

Os jogos de vídeo game, por sua vez, constituem-se como uma terceira fonte de estímulo

cognitivo e motor para a participante. No período da pesquisa ela estava a jogar o jogo Final

Fantasy XIV, do tipo MMORPG. Como os jogos constituem-se fator importante, tanto cognitivo

como referência, um pouco dos seus conteúdos e mecânicas serão descritos.

A sigla MMO significa em inglês Massive Multiplayer Online. Uma tradução livre para

o português significaria Jogadores Múltiplos e Massivo Online, significando que o jogo é

construído para que muitos jogadores estejam presentes ao mesmo tempo, através da internet

na plataforma em que ocorre o jogo.

O fato de ser um RPG, sigla em inglês, Role Playing Game, traduzido livremente como

jogo de interpretação, jogo de atuação, significa que o jogo se passa num cenário específico,

que neste caso é medieval e futurista, em que os participantes podem criar personagens, os quais

vão interpretar e utilizar seus poderes para jogar.

A partir dos jogos, a participante cria personagens, vivencia cenários e aventuras. É

desta experiência que veio a sua principal fonte de inspiração para a criação de suas

personagens, que constituem o foco do seu trabalho: Demi, uma elfa verde, Alustriel uma elfa

do tipo droll (elfa das cavernas) e Anastriana, uma elfa comum.


109

Figura 20
Personagens da participante, Anastriana, Demi e Alustriel
Fonte: Imagem do acerco da participante

A participante mantém uma página na internet onde compartilha parte da história de

suas personagens e ilustra momentos vivenciados por estas. A partir destas 3 personagens,

desenvolveu sua marca comercial e sua identidade enquanto artista visual.

Assim, a primeira fase do processo criativo da participante seria, justamente, este

processo de visualização/inspiração a partir de suas experiências anteriores, com jogos,

músicas, momentos de silêncio e de sono.

Após a ideia inicial, a participante volta-se às referências para criação da ilustração.

Utiliza-se de imagens, programas de computador que simulam posições de figura humana,

ilustrações suas criadas anteriormente, prepara sua paleta de cores com base na mensagem que

deseja passar.

Ela também se identifica como uma referência para o próprio desenho, visto que suas

personagens refletem aspectos de sua personalidade. A participante busca em si mesma, no seu

estado de humor, emoções e sentimentos, em aspectos de sua personalidade, a inspiração para

compor suas ilustrações e personagens.

As referências que cercam o processo de criação da participante constituem-se

verdadeiramente como parte de um nicho específico, uma cultura própria que carrega consigo
110

valores e significados próprios. Os jogos de vídeo game, os jogos de RPG, o mangá e a cultura

japonesa, a magia e a tecnologia.

A terceira etapa do processo criativo da participante seria a avaliação do seu trabalho.

Esta pode se dar tanto no momento, como posterior à criação. A artista se mostra sempre

bastante preocupada com a qualidade de suas ilustrações, chegando a um rigor excessivo.

Quando um trabalho é comissionado, a participante explica que faz de tudo para que o

resultado final seja exatamente como cliente imaginou, demonstrando um rigor e um controle

de qualidade do seu próprio trabalho. Além disto, ela conta como o seu universo de criação foi

expandido a partir das demandas destes clientes. Ao mostrar suas ilustrações no computador, a

participante mostra que suas obras mais rigorosas e mais bem executadas vieram das demandas

e encomendas dos clientes.

Durante uma tarde na casa da participante, observamos uma parte do seu processo

criativo no desenvolvimento de uma peça encomendada. Tratava-se de uma ilustração de um

casal, no qual ela retratava os mesmos como cavaleiro e princesa medievais.

Para criar a composição do desenho (a posição dos personagens, a relação entre os

personagens, o equilíbrio dos espaços), a participante pegou um desenho prévio como modelo.

A partir deste modelo, ela capturou os principais aspectos da posição dos personagens através

de um rascunho.

A primeira consideração importante desta observação diz respeito à própria referência,

a foto do casal, que estava em posição frontal. A ilustração que a participante estava criando era

um Chibi, palavra japonesa que significa pequeno, baixinho. Trata-se de um desenho no estilo

mangá, um tipo de cartoon japonês, cuja principal característica é a cabeça desenhada na mesma

proporção do corpo, onde há uma redução considerável dos traços se a referência base é uma

fotografia, por exemplo.

Então, para início a participante não apenas teve que reduzir os traços da fotografia de
111

referência, como imaginar as figuras humanas que estavam sendo desenhadas em outras

posições, o que indica uma capacidade de abstração.

Observamos que em nenhum momento ela utilizou outra referência para desenhar

objetos que estavam em outro ângulo, como os óculos, por exemplo. Perguntamos a razão, se

era porque, por ventura, já havia desenhado muitas vezes aquele objeto e ela disse que sim, que

o que ela não estava consultando em outras fontes era porque já visualizava de cabeça.

Sobre as coisas que tem dúvida, no entanto, ela afirma que busca tanto em sites, como

consulta com uma amiga desenhista informações para saber se seu desenho está correto. Ela

fala que é uma pessoa muito dispersa e que tem dificuldade em se concentrar, que às vezes

enxerga as linhas tortas e isso dificulta, por exemplo, que desenhe em perspectiva. Ela também

demonstra rigor quanto à busca de uma proporção correta.

A todo o momento, na fala da participante sobre o seu padrão de qualidade, percebemos

seriedade, compromisso e busca para melhorar suas técnicas, suas escolhas de cor, a aplicação

de conhecimentos, etc.

Além de buscar inspiração para criar, utilizar-se de referências e avaliar constantemente

seu trabalho, a participante também relatou de que modo diversos aspectos da sua vida, como

sua família, sua saúde e sua rotina afetam o seu processo criativo.

Em um dos encontros, ela descreve sua rotina: faz terapia uma vez por semana e dança

do ventre duas vezes na semana. Ela também faz fisioterapia para melhorar sua condição de

saúde e qualidade de vida. Organiza o calendário para que possa tirar um dia para desenhar

coisas para si e outros dias para que possa dar conta das encomendas. “Eu moro aqui no meu

quarto”, coloca a participante, “meu trabalho é aqui, meu lazer é aqui”.

Durante os encontros tornou-se evidente que ela busca melhorar a si mesma a todo

instante, que cobra demais de si mesma, demonstrando mesmo, um grau de insegurança. Ela é

uma pessoa extremamente aberta, extremamente sensível e transparente. Não fala do seu
112

sofrimento, limitações ou dificuldades com pudor, ou vergonha, ou constrangimento.

A participante sempre fala com muito orgulho de suas criações, sejam personagens de

RPG de mesa ou de jogos eletrônicos, seja o esforço que faz para se superar nas ilustrações de

suas personagens.

Em um dos encontros, percebemos como o ambiente familiar tem influência em suas

vivências afetivas diárias. Observamos que o clima, geralmente era calmo, estava agitado, cheio

de gente. A mãe assistia televisão na sala. O pai também estava na sala. A irmã dormia em sua

cama e havia uma criança, seu sobrinho. A irmã parecia exausta e não se importava com o

barulho.

No meio disso tudo havia uma participante aparentando mais dispersa que de costume,

um pouco agitada também, com todo aquele movimento. Ao chegarmos em sua casa, ela foi

logo declarando que estava com preguiça de criar, que era um daqueles dias em que ela não

rendia. O computador estava ligado, já com uma ilustração que ela deveria estar trabalhando

para o seu cliente. Mas ela não estava rendendo. Quando chegamos, ela ia dar continuidade à

ilustração, mas escolheu me mostrar antes o jogo de RPG que ela joga e que já havia falado que

era referência para suas personagens, o Final Fantasy 14.

Ela colocou a introdução do jogo para rodar. A introdução é bonita e inspiradora, trata

de uma cena de uma guerra, em que um dragão se liberta de sua prisão e destrói um reino. No

entanto, guerreiros, paladinos, magos e clérigos se unem para combatê-lo. Ao assistir esse

vídeo, pode-se perceber o quanto todo aquele universo influencia a participante em suas

criações. O vídeo estimula a fantasia e a imaginação de um universo com criaturas mágicas e

personagens que estão lutando por um propósito.

Além disto, podemos observar que os jogos eletrônicos talvez desempenhem um papel

no processo de relaxamento da participante. Suas músicas, como ela já colocou, são

instrumentais e podem ser repetitivas, bonitas e agradáveis de ouvir. Elas inspiram igualmente
113

essa atmosfera mágica e maravilhosa dos jogos.

Nos jogos eletrônicos de RPG estão previstas uma série de rotinas que o jogador executa

no controle. Uma sequência de botões a serem apertados e poderes mágicos que se combinam

e que devem ser executados em sua certa ordem.

Deste modo, se tornou evidente que a participante está com frequência buscando um

certo tipo de relaxamento. Uma atividade mais ou menos repetitiva que possibilite um

afastamento de outros estímulos. Ela joga vídeo games, ouve música, joga RPG, tem uma fonte

de água corrente em seu quarto. É como se ela estivesse sempre buscando relaxar, aliviar uma

tensão; as horas de sono a mais e o fato de ser mais noturna também colaboram para essas

observações.

Passadas 5 semanas e 4 encontros, percebemos que já havia familiaridade com as rotinas

da participante e que era o momento de direcionar os encontros para os temas da pesquisa.

Ainda num tom informal e de conversa, perguntamos a ela se havia diferença entre o surgimento

da ideia criativa a partir dela para dos seus clientes. Também foi pedido para que ela descrevesse

como é participar dos eventos públicos onde pode comercializar seu trabalho. Se ela acha que

seu trabalho passa alguma mensagem e o que significa criar para ela.

Na semana seguinte, imprimimos as questões disparadoras previstas no projeto de

pesquisa e propomos à participante respondê-las. Após este encontro, embora tenham sido

coletados todos os dados necessários, houve mais 4 semanas de observação com a participante

para garantir que todos os dados necessários foram coletados. A análise das respostas dadas por

ela aos questionários do apêndice 2 e 3 estão apresentadas no capítulo 10.


114

10 INFLUÊNCIA DOS AFETOS NOS PROCESSOS CRIATIVOS

Transcritas as respostas das perguntas, juntamente com outras indagações feitas

informalmente, porém registradas com o gravador, partimos para a análise com o apoio do

software Iramuteq.

O Corpus Geral da análise foi constituído por 1 texto, separado em 112 segmentos de

textos (ST), com aproveitamento de 599 STS (70,08%), 3991 ocorrências (palavras, formas ou

vocábulos), sendo 997 palavras distintas.

O conteúdo analisado foi categorizado em 6 classes: classe 1, com ST 11 (12,94%),

classe 2 com ST 13 (15,29%), classe 3 com ST 14 (16,47%), classe 4 com ST 15 (17,65%),

classe 5 com ST 14 (16,47%) e classe 6 com ST 18 (21,18%). As 6 classes encontram-se

divididas em duas ramificações (A e B) do corpus total em análise (Figura 21).

O subcorpus A, “Existência, afetos negativos e bloqueio criativo”, corresponde a 29%

do conteúdo das respostas analisadas. Ele é composto pelas classes 1 (Âmbito familiar, afeto e

processo criativo) e 3 (Origens do bloqueio criativo) e se refere à relação existente entre a

sensação de falha do projeto existencial de uma pessoa, ausência de autonomia e como isso

interfere no processo criativo gerando um bloqueio criativo.

O subcorpus B, “Características, dinâmicas e benefícios dos processos criativos”,

corresponde a 71% do conteúdo das respostas analisadas. Ele é composto pelas classes 2

(Relação com o cliente) e 4 (Aspectos técnicos do processo criativo), 5 (Saúde mental e

processo criativo) e 6 (Relaxamento e atenção no processo criativo) e se refere às características

dos processos criativos, bem como o potencial dessas características no entendimento dos afetos

vivenciados por uma pessoa.


115

Classe 6
Relaxamento e atenção no processo
criativo
21,2%

Classe 5
Saúde mental e processo criativo
16,5%

Classe 2
Relação com o cliente
15,3%

Classe 4
Aspectos técnicos dos
processos criativos
17,6%

Classe 3
Origem do bloqueio criativo
16,5%
Classe 1
Âmbito familiar, afeto e processo
criativo
12,9%

Figura 21
Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente
Figura gerada pelo software Iramuteq e remontada pela autora

Observamos que no subcorpus B ramificam-se duas categorias, classe 6 e 5. Estas

categorias referem-se, sobretudo, às características do processo criativo e ao seu potencial

entendimento dos afetos vivenciados por uma pessoa, antes, durante e depois de sua ação. Da

classe 5 se ramificam mais duas categorias, 2 e 4, que complementam as características

anteriores, principalmente em seus aspectos técnicos e profissionais.

- Classificação Hierárquica Descendente

Subcorpus A – Existência, afetos negativos e bloqueio criativo

O subcorpus A concentra os relatos da participante relacionados aos afetos negativos,

especificamente aqueles relacionados ao sentido de sua existência. A necessidade de


116

independência (emocional e financeira), de ser ouvida e entendida, de ser respeitada em sua

integridade e dignidade, de ter autonomia para tomar decisões em sua vida e, por fim, como a

percepção de falha ou de desvio do sentido da sua existência impacta sobre o seu processo

criativo gerando bloqueios.

Classe 1 - Âmbito familiar, afeto e processo criativo

Compreende 12,94% (f= 11 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e

radicais no intervalo entre x² = 34,74 (Mãe), x² = 20.92 (Pai), x²= 7,97 (Conversar), x² = 5,12

(Momento), x² = 5,12 (Acontecer) e x² = 5,12 (Casa). Predominando as evocações relacionadas

às dificuldades enfrentadas pela participante em sua casa.

Eu preciso estar comigo, meus pais, principalmente minha mãe, sempre achou
que eu acordava meio dia, eu acordo as onze, muitas vezes até antes e fico
aqui trancada, só, sabe, conversando comigo, olhando para os quadros,
assistindo alguma besteira, eu preciso disso para eu poder funcionar o resto do
dia sem matar ninguém.

(...) não estou mais com idade de aguentar isso com a paciência que um dia eu
tive, então assim, tem certas coisas que me drenam muito, as relações
interpessoais aqui em casa me drenam, tem várias e várias coisas erradas que
eu vejo aqui, eu sou a única que faz terapia, eu já pedi para os meus pais
fazerem terapia, meu irmão fazer terapia, é um negócio tenso sabe. Talvez
melhore porque o meu irmão vai se mudar, se isso acontecer melhora, porque
minha mãe e ele vivem brigando, mas minha mãe não admite.

Dia de quinta-feira é um dos dias que eu mais produzo porque eu estou só.
Para mim isso aqui é fundamental. Antes do meu irmão se mudar para cá eu
tinha períodos de solidão com certa frequência, meus pais viajavam e eu ficava
só, eu sinto muita falta disso, porque esse momento que eu respirava sem ter
o carinho sufocante que é a minha família. Longe de mim reclamar deles, são
pessoas maravilhosas, meus pais são tudo para mim, mas cada um tem o seu
tempo e eu estou precisando do meu tempo, todo mundo precisa de um tempo
sozinho, precisa ter aquela liberdade de acordar de ovo virado e não sorrir e
não dar bom dia e eu não tenho isso aqui.

A partir destes relatos é possível perceber que as dificuldades da participante

relacionadas à família se referem à necessidade de um espaço próprio, de ter momentos de

silêncio e de privacidade.
117

As maiores dificuldades que a participante enfrenta no seu dia-a-dia, como ela mesma

coloca, estão ligadas às relações interpessoais. Os problemas, tanto os relatados pela

participante, quanto os observados durante o campo, concentram-se na busca por uma

conciliação entre o seu tempo pessoal e o tempo das obrigações/relações familiares.

A partir do relato da participante, percebemos que ela necessita de um tempo sozinha.

Um tempo que ela sinta que é dela, para ela ser e fazer o que quiser, especialmente em períodos

de variação de humor e em períodos de criação, como quando ela coloca que “todo mundo tem

o direito de acordar de ovo virado”, isto é, acordar de mau humor, e não ter que aparentar estar

tendo um bom dia, ou quando relata que, numa tarde, colocou os fones de ouvido para indicar

que não queria interrupções, pois tinha muitas encomendas para trabalhar. Nesta referida tarde

a participante relatou que chegou a ser interrompida com frequência ainda maior.

Ao longo do dia, seus pais, irmãos e outros parentes fazem pequenas interrupções.

Perguntam se ela precisa de alguma coisa, se quer se alimentar na hora das refeições principais,

ou simplesmente aparecem à sua porta com perguntas do dia-a-dia. Ela afirma que essas

pequenas interrupções, somadas a brigas e discussões periódicas, acabam por drenar sua

energia.

Como a partir da fala da participante percebemos a questão da temporalidade, propomos

as sistematizações das tipologias do tempo social de Munnè (1980) para compreendê-la no

âmbito do seu tempo sociocultural. Ou seja, observamos que as relações interpessoais familiares

da participante ocorrem com um baixo nível de autonomia.

Um contraste relevante para ser apontado, ainda relacionado a estas reflexões, é de que

o tempo socioeconômico da participante não se dá de forma totalmente heterocondicionada. Ou

seja, a participante sente mais autonomia no cumprimento de suas atividades laborais e de

estudo do que no cumprimento de demandas sociais relacionadas a sua família.


118

Na relação com seus clientes existe sempre uma negociação, uma conversação sobre o

que será realizado e o que não será. Além disso, a participante gerencia, em seu tempo

socioeconômico, seus horários e suas metas de produção.

Observamos também, através da fala da participante, a necessidade de experienciar o

silêncio como uma via de restituição de sentido, como uma forma de apreensão de si mesma.

O silêncio e a quietude como uma espécie de vazio primordial, anterior à existência, ao fazer e

à ação. As relações interpessoais, assim, demonstram ter impacto sobre os afetos e os processos

criativos.

Classe 3 – Origens do bloqueio criativo

Compreende 16,47% (f= 14 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e

radicais no intervalo entre x² = 22 (Sentido, do verbo sentir), x² = 7,2 (Bloqueio), x² = 5,7

(Liberdade), x² = 5,7 (Terapia) e x² = 5,7 (Maltratar). Predominando as evocações relacionadas

às origens de bloqueios criativos vivenciados pela participante.

Então quando começo a me criticar ao ponto de me sentir estagnada, eu


começo a ter bloqueio e esse bloqueio é muito cruel porque a maioria das
pessoas reclama que está sem ideia, o meu bloqueio é mais cruel do que isso,
porque é aquele bloqueio que diz assim, eu me sento aqui eu olho para a tablet
e é assim, qual o sentido?

É um massacre, meu bloqueio é um massacre, de várias e várias eus, que


tentam frear esse negócio. Acaba que às vezes, uma sobrevive e pega o taco
de baseball espanca o bloqueio até o taco quebrar.

Eu sou uma pessoa muito violenta, especialmente comigo mesma, então eu


me maltrato muito, eu me torturo muito, eu me boto muito para baixo, muito
desse meu medo de falhar que é uma coisa que eu levo muito para a terapia
também, eu tenho certeza que vem de uma sensação de incompetência eterna
que eu tenho, que eu não sei quando ela chegou mas ela ta aqui.

Durante o relato, identificamos três origens dos bloqueios criativos da participante: 1)

cansaço físico ou mental. 2) “Falta de motivo”, isto é, o esvaziamento do sentido existencial

que acaba por impactar no processo criativo e 3) excesso de ideias e pensamentos que não

podem ser realizados ao mesmo tempo.


119

É relevante observar que a categoria “Origens do bloqueio criativo” está no mesmo

subcorpos que a categoria “Âmbito familiar, afeto e processo criativo”, evidenciado assim que

a percepção de falha no projeto existencial e falta de autonomia advindo das relações

interpessoais, maiores dificuldades observadas na participante, impacta no processo criativo

gerando um bloqueio. O projeto existencial aqui entendido como a possibilidade plena da

pessoa se descobrir e se afirmar enquanto um indivíduo singular e de dar sentido a sua

existência.

Verificamos, assim, a percepção de falta de autonomia nas relações familiares como um

fator que gera a sensação de falha no projeto existencial da participante, ou seja, falha na

tentativa de se tornar o ser único que realmente é, com todas as suas peculiaridades. Isto

“drena”, como colocado pela própria participante, seus “motivos”, suas razões de ser. Notamos

também que nestas relações a participante experiencia um excesso, um carinho sufocante dos

pais, que estão sempre a lhe dar e a demandar atenção, donde surge um cansaço mental.

A percepção deste esvaziamento de sentido e a experiência de estímulos positivos

excessivos impactam no processo criativo da participante gerando um bloqueio criativo.

Pode parecer estranho que o excesso de positividade se torne um fator negativo à

primeira vista, mas é justamente sobre o esgotamento provocado por um sistema

excessivamente positivo que Han (2015) discorre, colocando que em contraponto com

sociedades anteriores em que o vírus e o corpo estranho constituíam-se como uma ameaça à

saúde pública, nas sociedades atuais os problemas de saúde que despontam estão relacionados

à saúde mental, à depressão, à ansiedade e ao esgotamento.

As sociedades anteriores, ainda de acordo com o autor supracitado, definem-se pela

negatividade, ou seja, pela possibilidade de negar e de dizer não ao diferente, ao outro, ao corpo

estranho. Já as sociedades atuais são tomadas por um excesso de positividade em que o outro,
120

por mais diferente que pareça é assimilado, um excesso de transparência onde a noção de outro

acaba por desaparecer, impedindo assim o reconhecimento do diferente.

Tem-se assim um excesso de estímulos positivos que resultam, enfim, num esgotamento

provocado pela busca de um autodesempenho. Han (2015) explica este mecanismo com relação

às sociedades, mas de forma correspondente, pode-se buscar compreender o esgotamento e o

cansaço da participante gerado por este excesso de positividade, em que o outro não é

reconhecido, mas assimilado, em que não se pode dizer não e em que aquilo se faz nunca é o

bastante.

Em outras palavras, foi observado que a participante tem dificuldades ao ter que assumir

as mesmas rotinas, os mesmos comportamentos e os mesmos valores que sua família, o que, a

partir de sua fala, podemos também perceber esta situação como angustiante, uma violência

para consigo mesma, uma sensação de incompetência eterna.

O impacto disso no processo criativo é o bloqueio. É a sensação de falta de sentido e

fortes autocríticas. Através da análise do subcorpos A, inferimos que os afetos negativos

relacionados à percepção do sentido de uma existência, sejam eles emoções, sentimentos ou

humores, influenciam os processos criativos ao ponto de gerar bloqueios. Este achado está para

além dos objetivos traçados nesta pesquisa, mas se tornaram significativos durante seu

desenvolvimento, pois foi possível constatar que os afetos negativos foram gerados não pelas

atividades relacionadas à sobrevivência, o trabalho, ou a relação com os clientes, por exemplo,

mas, sobretudo, pelas relações interpessoais sociais. Além disso, não havíamos previsto uma

relação entre afetos negativos e bloqueios.

Confirmamos também, a partir desse resultado, o impacto da família sobre a criatividade

e os processos criativos tal qual apontados por Oliveira (2010) e por Alencar e Fleith (2003),

porém, com a ressalva de que as relações interpessoais familiares são mais complexas que as

apontadas atualmente na literatura.


121

A participante relatou no primeiro encontro que sempre recebeu todo o apoio dos pais

em relação a sua escolha profissional, sentindo inclusive que esta aptidão pelas artes lhe foi

passada por seus avôs. Não basta, portanto, que a família incentive, mostre apoio, forneça

materiais e facilite o acesso ao conhecimento, como apontado atualmente na literatura.

A família constitui-se enquanto um fator no desenvolvimento criativo porque através

dela se percebe padrões de comportamentos e valores que serão aceitos ou negados pelos seus

membros. Através da família encontramos um potencial que impulsiona ou afasta o ser humano

do seu projeto existencial. Ainda que a família se relacione afetivamente de forma positiva com

o indivíduo, o que se mostrou mais impactante no relato da participante foi o baixo grau de

autonomia, de assumir e respeitar a personalidade e a individualidade da participante. Afinal, a

criatividade e os processos criativos são sobre originalidade, sobre a possibilidade de encontrar

novas soluções às questões e problemas e se relacionam, assim também, com um grau de

liberdade. Isto não se deu devido a somente afetos negativos, mas também ao excesso de afetos

positivos.

Sem essa abertura para o novo e para o original, os pais e a família como um todo podem

demonstrar afetos positivos com relação ao desenvolvimento criativo dos filhos, mas, ainda

assim, influenciá-los (as) negativamente no que diz respeito à sua criatividade e processos

criativos.

Na mitologia grega há uma narrativa que ilustra esse processo. O mito de Cronos, o titã

que devorava seus filhos ao ver que estes não eram tão perfeitos quanto ele gostaria.

Cronos é um titã, uma entidade primordial que personifica o Tempo e que esteve

presente no momento em que o Cosmos foi formado; os titãs são percebidos como gigantes,

visto que, da perspectiva humana é impossível presenciar as forças naturais caóticas e selvagens

dos períodos primordiais (Brandão, 2013).


122

Ao destronar seu pai, Cronos ganha o direito de reinar sobre os demais seres, acordo

que fizera com seu irmão mais velho, com a condição de que devorasse sua prole para que não

tivesse sucessores (Brandão, 2013; Commelin, 2011).

Uma vez que seus filhos nascem, Cronos não aceita as qualidades únicas que eles lhe

apresentam e os devora para que não cresçam, para que não se tornem maiores que o próprio

titã, cumprindo, assim, o acordo que fizera com seu irmão.

Sendo assim, Cronos engole sem piedade Hestia, Demeter, Poseidon, Hades e Hera e

engoliria Zeus, se sua mãe não o salvasse, treinando-o posteriormente com sua avó, a Terra,

para destronar o pai, saga que ficou conhecida como titanomaquia, ou a luta de Zeus contra os

titãs.

Cronos possui um caráter consumidor, destruidor de sua própria prole. O mito de Cronos

fala da tendência dos pais em entender os filhos como uma extensão de si mesmos, engolindo-

os e impedindo, assim, o crescimento deles diante das diferenças que estes podem apresentar,

diante do medo de perder o controle durante o seu crescimento.

Transpondo para a questão criativa, o mito de Cronos revela, por fim, o impacto do

tempo cronológico sobre a criatividade, isto é, o aspecto castrador, que gera barreiras e

bloqueios, que frustra a ação antes mesmo que ela tome forma.

O tempo enquanto Cronos tende a ser estrutural, a ser forma rígida que segue a precisão

de um relógio suíço. Esta estrutura que revela como as coisas devem ser, é transmitida nos

âmbitos familiares e quando apresentada de forma rígida, pode frustrar a criatividade antes

mesmo que ela se manifeste.

Entendemos daí uma relação entre tempo, existencialismo e criatividade. A ocupação

do tempo heterocondicionada, isto é, orientada para fora do âmbito subjetivo e do significado

do ser, pode devorá-lo, assim como o Cronos grego devora os seus filhos. Para a participante

entrevistada, esta ocupação do tempo heterocondicionado pode se dar por vezes, através de suas
123

relações familiares, mas o que parece estar em jogo aqui é a realização de uma atividade ou

ação em que há percepção de baixos níveis de autonomia e o impacto dessa percepção nos

processos criativos. Abrimos, assim, para investigações de possíveis âmbitos de tédio,

especialmente, o tédio existencial.

Tradicionalmente, o tédio foi debatido em perspectivas filosóficas antes de ser levado

ao campo empírico (Tilburg & Igou, 2017; Raffaelli, Mills & Christoff, 2017; Eastwood et al.,

2012) e na filosofia, como a de Heidegger, ele tem sido entendido como decorrente da ausência

de significado pessoal, e da sensação de vazio, uma experiência aversiva de inação e paralisia,

falta de significado nas atividades e relações, falta de propósito, o que parece estar relacionado

à fala da participante quando esta coloca que seus bloqueios são por “falta de motivo”, isto é,

devido a um esvaziamento do sentido.

Assim, evidenciamos a possível influência de âmbitos de tédio nos processos criativos.

Dentre as teorias iniciais que buscaram entender o tédio com base em dados empíricos, estão

aquelas que investigaram sua psicodinâmica com um enfoque comportamental, em que o tédio

é entendido como o desejo por engajamento mental através de uma atividade, mas sem ter

consciência do que se deseja, ocorrendo assim, um impasse (Eastwood et al., 2012).

Ainda de acordo com os autores supracitados, nas Teorias sobre a Excitação, o tédio é

entendido como um estado não ótimo de excitação em que ocorre um descompasso entre a

excitação necessária para um indivíduo e a disponibilidade de estimulação ambiental,

especificamente, quando há muito ou pouco estímulo em uma ambiente. “O tédio é o estado

aversivo que ocorre quando não é possível atingir um nível ideal de excitação através do

envolvimento com o ambiente” (Eastwood et al., 2012, p.484).

Ao identificar na origem dos bloqueios criativos da participante o cansaço físico e

mental, o excesso de estímulos e o esvaziamento do sentido, estamos, portanto, identificando

um possível âmbito de tédio.


124

Buscando mapear os elementos experienciais do tédio e seu processo metal subjacente,

Eastwood et al. (2012) iniciaram sua pesquisa com o objetivo de chegar a uma definição de

tédio precisa, que pudesse ser utilizada por um vasto espectro de pesquisadores e, assim,

contribuir para operacionalização de pesquisas empíricas.

Com base na psicodinâmica e nos aspectos existenciais do tédio, Eastwood et al. (2012,

p.484) chegaram à seguinte definição:

o tédio é um estado aversivo que ocorre quando (a) uma pessoa não é capaz
de engajar com sucesso a atenção à informações internas (pensamentos ou
sentimentos) ou externas (estímulos ambientais) necessárias para participar de
uma atividade satisfatória; (b) estar cientes do fato da impossibilidade de
engajar a atenção e participar em uma atividade satisfatória, podendo assumir
a forma de um alto grau de consciência do esforço mental gasto na tentativa
de se envolver com uma tarefa, ou consicência do engajamento em uma tarefa
não relacionada com os interesses pessoais e (c) atribuir a causa do estado
aversivo ao meio ambiente.

A definição de Eastwood et al. (2012) tem sido reduzida ao seguinte conceito: o tédio é

uma experiência aversiva de querer, mas não poder se engajar numa atividade satisfatória, ou

querer, mas não poder desengajar-se de uma atividade não satisfatória. Desde então, este

conceito tem se tornado amplamente aceito e citado por pesquisas científicas, matérias de

jornais e revistas.

Ao passo que no Estudo 1 inferimos que a sensação de satisfação e plenitude nos

processos criativos podem resultar em experiências de ócio, inferimos a partir da análise do

subcorpos A do estudo de caso que a experiência de baixos níveis de satisfação devido a

ausência de autonomia podem resultar em experiências de tédio. Assim como o ócio, o tédio

trata de uma apreensão subjetiva e está ligado às motivações na busca de um objetivo. Não se

trata de encontrar o tédio na ação/situação em si, mas na atitude com a qual se realiza a mesma.

A satisfação é definida como uma resposta afetiva positiva caracterizada pela apreciação

e o desfrute, pela felicidade e pelo gostar. Ela se opõe, de acordo com Granero-Gallegos et al.

(2013) e Karagiannidis et al (2005, p. 138), ao tédio pois ele é descrito como uma emoção

indefinida que conduz ao desconforto, ressentimento, culpa e, às vezes, prazer.


125

Buscamos, assim, compreender as relações entre o tédio, a criatividade e os processos

criativos para entender como a sensação de insatisfação e de aversão impacta nos mesmos.

Danckert & Merrifield (2016) apontam que ao examinar os substratos neurais de pessoas no

estado de fluxo proposto por Csikzentmihalyi, em que um indivíduo se encontra num estado

mental focado, imerso num estado de satisfação enquanto realiza uma atividade, ambos os

estados, de fluxo e de tédio, parecem se opor.

A relação mais aparente entre o tédio e a criatividade se mostra, portanto, como de

oposição, pois a criatividade tem por condição a motivação intrínseca e, portanto, a satisfação

e autorrealização decorrentes da ação automotivada, como apontado na pesquisa de

Karagiannidis et al (2005), bem como na experiência de fluxo proposta por Csikzentmihalyi,

como apontado em Danckert & Merrifield (2016), encontrando-se, assim, em aparente oposição

ao tédio, definido por Eastwood et al. (2012) como querer mas não poder.

A oposição, no entanto, não está na atividade em si, mas na natureza da motivação com

a qual a pessoa entediada se engaja em suas atividades. “Querer, mas não poder” pode ser

pensado com base na Teoria da Autodeterminação, como a ausência da percepção de

autonomia, e sem autonomia não há criatividade. Porém, “querer, mas não poder” pode também

estar apontando para busca por uma libertação desta condição, o que leva à discussão da

pesquisa de Mann e Cadman (2014), intitulada “O tédio nos torna mais criatvos?” e aos

possíveis aspectos paradoxais do tédio.

As autoras supracitadas partem do pressuposto de que o tédio não é, necessariamente,

uma experiência negativa para todas as pessoas e que não há um consenso real sobre as

definições de tédio, dada a sua variedade.

Apesar das associações negativas, as autoras indagam se o tédio é sempre ruim, visto

que, como um afeto, ele tem uma função, como, por exemplo, comunicar às pessoas que alguém
126

que se sente entediado não deseja fazer parte de um ambiente, demonstrando a sua falta de

envolvimento.

O tédio pode também, de acordo com Mann e Cadman (2014), indicar que se está

havendo busca por novos estímulos diante da saturação dos mesmos, ou quando os estímulos

atuais já não trazem satisfação, possibilitando que se desenvolva um mecanismo adaptativo ao

excesso de ruído e de informação.

No mais, as autoras também colocam que quando os estímulos não se carcterizam como

perigosos ou como reforço, as pessoas tendem a perder o interesse neles. A perda de interesse

nos estímulos é algo importante para que os seres humanos se concentrem onde há verdadeiro

perigo e ou recompensa. O tédio, portanto, teria uma função adaptativa, na medida em que

indica quais estímulos se mantém interessantes.

Em parte, o que foi colocado em teoria por Man e Cadman (2014) pode ser observado

na participante, na medida em que foram percebidos baixos níveis de autonomia em suas

relações interpessoais. Os estímulos ambientais negativos nestas relações parecem impulsioná-

la para a busca de soluções e mudanças.

Dentre os possíveis benefícios do tédio, apontam as autoras supracitadas, estaria o fato

dele agir, paradoxalmente, como uma força propulsora e motivadora, visto que a experiência

do tédio alerta que algo não está bem e que algo deve ser feito: mudar de emprego, procurar um

novo hobbie ou redecorar a casa ou, no caso da participante, buscar o próprio espaço e

independência.

O paradoxo do tédio, colocam Mann e Cadman (2014), consiste na possibilidade que

ele cria de encorajar comportamentos de busca por desafios e mudanças. Ainda que associado

com a letargia, ele também pode, num sentido prático, energizar, inspirar e proporcionar

transformações em busca da variedade.


127

É o que observamos na participante do estudo de caso. Sua crise existencial devido a

relações interpessoais no âmbito familiar sinalizam para a possibilidade de mudança, de busca

por outros estímulos e de resgate de sua autonomia. A criatividade e seus processos criativos

mantêm uma relação com o que ocorre em sua vida pessoal e com sua busca por sentido

existencial. Esta relação é reconfirmada com as análises do subcorpus B.

Subcorpus B – Características, dinâmicas e benefícios dos processos criativos

Reforçando categorias encontradas em pesquisas anteriores sobre criatividade e

processo criativo como motivação, conhecimento e validação, neste subcorpus observamos as

dinâmicas e os benefícios proporcionados pelos processos criativos.

Classe 6 – Relaxamento e atenção no processo criativo

Compreende 21,18% (f= 18 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e

radicais no intervalo entre x² = 19,3 (Nada), x² = 15,62 (Tédio), x² = 15,62 (Jogar), x² = 11,58

(Cansado) e x² = 11,58 (Energia). Predominando as evocações relacionadas à disposição física

e mental antes, durante e após o processo criativo. Esta disposição varia conforme a quantidade

e qualidade de energia disponível, tanto física como mental, experimentada pela participante

que, por sua vez, está diretamente ligada ao que ocorre em sua vida afetiva, as emoções,

sentimentos e humores que ela vivencia ao longo do seu dia, semana, mês e mesmo ano.

(...) geralmente é assim [meu processo criativo], estou aqui conversando com
uma pessoa e vem a ideia, estou aqui escutando uma música e vem a ideia,
estou aqui vendo um filme, ou uma roupa no meio da rua e penso, “isso vai
ficar legal em tal personagem”, então meu processo criativo é muito doido.
(...) acontece quando estou dormindo, acontece quando estou olhando para o
teto, acontece quando estou dirigindo, é um negócio meio caótico.

Quando por exemplo não estou conseguindo pensar em nada eu vou até jogar
para tirar minha cabeça ativamente do problema e depois que estou mais
relaxada eu penso, o que posso fazer com isto aqui. Aí ajuda. Vai aos trancos
e barrancos, mas vai.
128

Eu tento sempre quando estou muito bloqueada para fazer alguma coisa,
geralmente, faço algo que eu tô muito familiarizada, porque aí eu funciono
muito como um computador, sabe, eu estou tirando minha cabeça do primeiro
plano e tô concentrando, abrindo outros programas, para deixar o antivírus
fazer um scan. Minha faxina mental funciona dessa forma.

Observamos a partir destes relatos a necessidade de uma atividade que permita deixar

divagar a mente da participante. Na literatura consultada esta dinâmica refere-se tanto à fase de

incubação nos processos criativos, como ao devaneio e ao pensamento não relacionado à tarefa

apontado por alguns autores que tratam sobre o tédio.

A partir da observação e dos relatos, percebemos que o processo criativo da participante

ocorre alternadamente entre estados de relaxamento e estados de foco/atenção. A participante

recorre frequentemente a atividades que, em suas palavras, retiram a cabeça ativamente do

problema, como jogar vídeo game, dirigir, ouvir música, etc. Estas atividades são repetitivas,

corriqueiras, que em nada parecem ter relação com o processo criativo.

Desta forma, a participante está, ainda que não dê este nome, incubando suas ideias ao

passar por uma fase de relaxamento entre fases de foco e atenção, como apontado por Alencar

e Fleith (2003) e Lubart (2001).

Chamou atenção, em virtude das atividades que a participante realiza para relaxar, a sua

possível ligação com o que Danckert e Merrifield (2016) chamam de rede de modo padrão ou

default mode network em inglês: a tendência do cérebro de interconectar regiões enquanto não

está focado.

A DMN trata de um conjunto de regiões cerebrais relacionadas com o pensamento

focado e que se tornam ativas quando uma pessoa não está focando sua atenção em algo externo

em particular. Quando uma pessoa leva sua atenção a uma tarefa ou atividade externa, a

atividade na região de default mode network decai, pois uma área executiva central passa a ser

ativida para a execução da ação.


129

O que isto significa é que quando a atenção não está focada no cumprimento de uma

tarefa externa, um conjunto de regiões do cérebro se intercontectam, formando uma rede de

modo padrão. Quando o cérebro está focado em uma ação, por sua vez, ativa somente a área

cerebral relacionada aquela ação.

Embora não haja uma articulação oficial entre a rede de modo padrão e a fase de

incubação dos processos criativos apontado por Lubart (2011), a própria definição de retirada

do foco consciente, para que uma teia de informações maior seja formada, aproxima os dois

conceitos.

Ou seja, observamos que é através de atividades não focadas que a participante encontra

as conexões necessárias no seu processo criativo e isto reforça novamente, as relações dos

processos criativos com os afetos.

Os relatos que compõem esta categoria indicam que através desta dinâmica de

alternância entre o foco/relaxamento da mente, a participante, canaliza de fato, parte da energia

de sua relação pessoa/ambiente nos seus processos criativos, entendendo aqui ambiente em

acordo com Cavalcante e Elali (2011), como algo multidimensional, abrangendo o meio físico

concreto, natural ou construído em sua associação com as condições sociais, políticas, culturais,

psicológicas e econômicas, bem como tudo que está presente nele, como as pessoas que o

transitam ou que o habitam.

Processo criativo é tirar um pouco de mim e tornar aquilo palpável, processo


criativo é isso, eu estou pegando um sopro meu e estou colocando numa peça,
colocando no papel, é basicamente isso e é massa quando vem o processo
criativo de outra pessoa, porque é um sopro meu e o sopro criativo de outra
pessoa.

De maneira geral na vida, quando estou muito cansada, o corpo cansado e a


cabeça ativa sinto tédio. O meu tédio me bate quando quero fazer uma coisa e
não consigo ou quando eu não estou interessada em nada naquele momento e
estou cheia de energia para gastar.

Ontem terminei esse meu trabalho e fui mostrar para o cliente, esse cliente é
da Inglaterra. Mandei a encomenda para ele e ele reagiu “ahhhhh, ficou
incrível!”. Eu falei para ele, eu tava me sentindo um lixo e a tua encomenda
130

me animou. Essas pequenas coisas que os clientes as vezes soltam, para mim
fazem todo o meu sofrimento valer a pena (...).

Observamos uma relação entre o que ocorre no ambiente da participante, os afetos

vivenciados por ela e como isto é canalizado para o seu processo criativo. A partir desta relação

pessoa-ambiente, a participante recebe estímulos positivos e negativos de sua família, de seus

clientes, dos seus amigos e da sua própria percepção sobre o seu interior.

Uma parte desta energia é aproveitada antes, durante e depois do processo criativo,

compondo o seu humor. Quando a participante se encontra cheia de energia, mas não tem com

o que gastar, ela experiência o tédio. Nas suas próprias palavras: “Tédio para mim é quando

você está cheio de energia, mas não se interessa por nada, nada está bom”.

Observamos, assim, que a experiência de tédio da participante confirma os conceitos

apresentados por Danckert e Merrifield (2016), uma vez que os autores entendem o tédio como

um fracasso na auto-regulação, isto é, um fracasso no alinhamento do comportamento com os

objetivos de uma pessoa. Porém, isto não é necessariamente negativo, pois de alguma forma, a

participante parece capitalizar esta energia posteriormente para o seu processo.

Percebemos uma coerência com todo o contexto afetivo explorado no subcorpos A, em

que constatamos as dificuldades vivenciadas pela participante quanto à própria autonomia

diante de sua família.

Através de suas relações no âmbito familiar, a participante se enche de energia, porém,

sem poder direcioná-la e alinhá-la com suas próprias intenções. Voltamo-nos assim, também,

para a definição clássica de Eastwood et al. (2012) de que o tédio é querer, mas não poder se

desengajar de uma situação aversiva.

Os relatos da participante também confirmam Danckert e Merrifield (2016) e Mann e

Cadman (2014), no que diz respeito à compreensão do tédio como um estado agitado. O tédio,

neste caso, não ocorreu devido à hipo, mas à hiperestimulação e no que diz respeito a sua

possível relação com a criatividade e os processos criativos, pois, por fim, observamos a partir
131

dos relatos que compõem esta categoria a confirmação da relação entre tédio e motivação, ou

seja, entre a natureza do engajamento da pessoa na ação e seus desempenhos e resultados, o que

nos convoca ao entendimento da influência positiva do tédio nos processos criativos.

Mann e Cadman (2014) apontam que devido ao fato de que as pessoas sentem

dificuldade de focar sua atenção quando estão entediadas, o processo de pensamento pode

mudar, deslocando-se para outras áreas que possam prover maior estimulação.

Quando a pessoa não pode, por alguma razão, se desengajar externamente de uma

situação, seu foco se volta para o seu interior, funcionando como uma espécie de lente de

aumento sobre os sentimentos, experiências, pensamentos e emoções, buscando neles os

estímulos que lhe falta em seu exterior.

Além de pensar sobre como se desengajar da tarefa tediosa, a pessoa que se encontra

neste processo pode também pensar sobre problemas e ideias não relacionados à tarefa que está

desempenhando. É a esta mudança no foco da atenção que as autoras chamam de devaneio, já

associado ao tédio a partir da pesquisa de Danckert e Merrifield (2016).

É o que descrevemos no relato etnográfico ao registrar que a participante se vê como

alguém que sente dificuldade de se concentrar e que utiliza recursos como a música, os jogos

ou mesmo o sono, como uma atividade que potencializa sua atenção.

A função do devaneio, de acordo com Mann e Cadman (2014, p. 167), é regular a tensão

gerada pelo tédio. Ele está relacionado à memória dinâmica, que é a habilidade de reavaliar

informação e possíveis soluções para um problema. “O ato de ‘sonhar acordado’ pode, assim,

proporcionar aos indivíduos a oportunidade de reexaminar um problema ou situação que

preocupa suas mentes quantas vezes quiserem, de maneiras variadas e, a cada vez, incorporando

novas informações e possíveis soluções”.

Este parece ser o caso da participante quando ela coloca que pode estar deitada olhando

para o teto ou dirigindo o carro, fazendo atividades que permitem que sua mente vague.
132

Dentre os benefícios de devanear, as autoras apontam o fato de que idéias aparentemente

ilógicas podem ser exploradas, conduzindo assim, à solução de problemas de maneira criativa.

O devaneio abre, assim, o caminho para a manifestação de novas ideias e da originalidade.

Desvelamos, assim, que se a criatividade brotasse apenas de motivações intrínsecas,

pessoas criativas teriam de estar constantemente numa disposição de autonomia, satisfação e

desfrute. No entanto, observamos a partir dos relatos da participante, que outras atividades

aparentemente não relacionadas à criatividade exercem uma importante função nos seus

mecanismos de inspiração e produção.

Desta forma, Cuenca (2016) está correto ao descrever a criatividade como uma

dimensão do ócio, mas existe também um aspecto da criatividade que ocorre fora do ócio e que

se relaciona, inclusive, com o tédio, ou seja, com a aversão a uma situação de privação da

autonomia, do desfrute e do prazer.

Por fim, ao observar que possíveis experiências de tédio e relaxamento do foco

consciente alternam-se com experiências de foco e atenção, confirmamos também a relação

sintetizada nos estudos de Eastwood et al (2012) entre o tédio e a atenção. Os autores apontam

que o tédio é decorrente de uma orientação inadequada da atenção, de uma falha de atenção ao

meio ambiente, ou ainda falha dos processos de controle executivo e tentativas fracassadas de

envolver a atenção por meio do regulamento do sistema de alerta.

Porém, observamos a partir dos relatos da participante que esta falha ou afrouxamento

da atenção é necessária em seus processos criativos. Quando o afrouxamento ocorre através de

uma distração como, por exemplo, jogar vídeo game, ele não é aversivo, porém, quando ocorre

a partir de uma percepção de baixos níveis de autonomia, o relaxamento pode ser percebido

como tédio e não como distração.

A partir deste estudo inferimos, portanto, que a principal relação entre tédio, criatividade

e processos criativos ocorre a partir dos seguintes fatores:


133

1) a necessidade de alternância entre estados focados e estados de relaxamento do

consciente (incubação) no processo criativo, desvelando assim que a incubação nem sempre é

prazerosa, ou meramente uma distração, mas que também pode ser provocada por estados

aversivos como o tédio. Confirmamos, assim, as pesquisas de autores como Mann e Cadman

(2014) que afirmam que o tédio cumpre uma função adaptativa.

2) O tédio, ainda confirmando as autoras supracitadas, pode funcionar como uma mola

propulsora, capitalizando e energizando as pessoas em seus processos criativos. Isto pode não

ocorrer necessariamente num momento imediato, anterior ao processo criativo, podendo

ocorrer inclusive, dias antes da criação, dependendo do tempo que a pessoa necessite para

processar e resolver aquilo que lhe causou o tédio em primeiro lugar. Se for uma causa simples,

como por exemplo, estar com o corpo cansado e a mente ativa, a incubação pode durar somente

algumas horas, ou seja, após um descanso, a pessoa hipoteticamente estaria pronta para criar

novamente. Se for uma questão mais complexa, como por exemplo, um fator exterior como a

relação com um familiar e a percepção de autonomia, pode durar meses, anos, ou ainda, uma

vida inteira, dependendo da resolução que se dá a este problema.

A partir dos relatos da participante, confirmamos que afetos negativos realmente têm o

poder de despotencializar um processo criativo, como apontado por Baas et al (2008). Em dias

de raiva, frustração ou tristeza intensas, a participante relatou que se sentia impossibilitada de

produzir. Porém, o fato destes afetos agirem enquanto despotencializadores, não significa que

não tenham um papel no processo criativo da participante, principalmente em sua dinâmica

alternante entre o foco e o relaxamento.

O tédio, assim, está a meio caminho: não é despotencializador, como a raiva ou a

tristeza, mas depende de uma resolução para que possa, enfim, liberar a energia capitalizada.
134

Classe 5 – Saúde mental e processo criativo

Compreende 16,47% (f= 14 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e

radicais no intervalo entre x² = 10,5 (Gosto), x² = 5,7 (Conseguir), x² = 3,6 (Sentir) e x² = 4,3

(Feliz). Predominando as evocações relacionadas ao potencial de resolução, satisfação e

desenvolvimento emocional proporcionado pelos processos criativos. Estes potenciais,

acrescidos da prevenção do sofrimento psíquicos, já são abordados na pesquisa de Silvestre e

Vandenberghe (2013).

Para mim o desenho faz parte de mim, minha lembrança quando eu era criança
já era desenhando e eu fui notando que eu fui ficando triste na medida em que
eu ia me afastando disso, então, para mim o desenho é realmente parte da
minha saúde mental. Eu acho que me tornei ilustradora porque foi uma
maneira que eu arranjei de passar mais tempo fazendo o que me faz feliz e aí
eu descobri que o que eu faço faz outras pessoas felizes também e assim, as
pessoas ficarem felizes com o meu trabalho é a cereja do trabalho.

É um jeito de eu botar para fora, de eu me comunicar comigo mesma. Eu notei


o quanto que isso fazia bem para minha saúde mental em um dia em que eu
estava muito mal e aí eu peguei no lápis comecei a desenhar, a princípio
aleatória, foi um negócio meio mediúnico sabe, comecei a desenhar e me
esqueci do que eu estava fazendo e quando eu me toquei eu desenhei, eu sendo
abraçada pela Demi e pela Alustriel e isso para mim diz muita coisa. Eu sei
que elas não existem, mas elas fazem parte de mim e inconscientemente e
estava me consolando sem saber. Esse foi o dia que eu percebi, mas eu sempre
me senti muito feliz, muito satisfeita, não vou dizer completa, porque, mas eu
sempre me senti muito abraçada, acho que a palavra é essa, abraçada,
englobada, fazendo parte de algo quando eu to desenhando e para mim que
sinto deslocada com tudo, me sinto deslocada com todos, sempre acho que to
sobrando, na hora que estou desenhando sou eu e eu, e não tenho ninguém
para incomodar e é como se meu material dissesse bem-vinda de volta.

A partir desses relatos, observamos que os processos criativos podem se tornar um fator

no processamento e desenvolvimento afetivo da participante, fazendo parte das dinâmicas e

atividades que lhes proporcionam bem-estar e satisfação, bem como entendimento de suas

necessidades afetivas em momentos de sofrimento psíquico.

O reconhecimento do seu trabalho a partir dos clientes e a possibilidade de expressão

de seus estados afetivos verbalizados e não verbalizados, juntamente com a percepção de

autonomia em seus processos tornam-se uma poderosa ferramenta de transformação do seu

estado emocional, além de lhe possibilitar experiências de satisfação e felicidade.


135

É importante ressaltar que ao afirmar o potencial de manutenção da saúde mental que

os processos criativos vivenciados pela participante proporcionaram e, também, listado em

outras pesquisas, não se está excluindo o fato de que artistas visuais não possuem transtornos

psíquicos, que não podem ser afligidos por estes, ou mesmo, que a arte e a criatividade é uma

espécie de cura para estes transtornos.

A participante deste caso, por exemplo, admite já ter sofrido de depressão e ansiedade.

Porém, relata também, que o desenho agia como uma espécie de termômetro. Quando ela não

estava bem de jeito nenhum, não conseguia desenhar. Quando passou a se sentir melhor, o

primeiro sinal de que estava se recuperando foi voltar a desenhar.

Quando a participante coloca que desenhou suas personagens, Demi e Alustriel, que

considera representações de si mesma, abraçando a si mesma, observamos que seus desenhos

têm um potencial simbólico não verbal do processamento dos seus afetos, neste caso, da

necessidade de ser abraçada em situações em que se sente mal. Desta forma, os desenhos da

participante carregam consigo uma mensagem para si mesma, funcionando como uma via de

autodescoberta.

Também observamos que a participante se vê como uma fonte de inspiração para a

criação e desenvolvimento das suas personagens, transportando seus humores, sentimentos e

emoções para elas. Segue o relato da participante, explicando a figura 20.

A Demi sou eu, a cor da roupa dela é pura escolha pessoal, adoro azul.
Uma asa dela é branca e a outra é negra, porque, apesar de eu me
considerar uma pessoa neutra a maior parte do tempo, eu me considero
uma pessoa um pouco caótica, então ela tem o yin e o yang junto com
ela. Atrás dela são girassóis porque ela é do signo de leão que é o meu
signo. No arco em volta faz referência ao sol que é o meu astro e o fundo
escolhi para contrastar com o vestido. No caso da Alustriel ela tem as
asas brancas em ironia porque a raça dela é toda ruim, mas ela é toda
minha bondade condensada numa pessoa e sem filtro, ela está de rosa
porque das minhas personagens ela é a mias princesinha, se ela pudesse
ela andava assim todos os dias e também porque é uma cor que escolhi
para ficar um bom contraste com a pele dela. Ela tem uma lua ao redor
dela, pois é uma criatura da noite e atrás tem um campo florido porque
ela considera a data de nascimento dela na primavera. No caso da
136

Anastriana, ela tem asas negras, pois ela é tudo aquilo que a sociedade
medieval considera errado, ela é uma mulher que adora um decote, ela
é uma mulher exagerada, ela foi deflorada, foi escrava sexual durante 3
gerações e ela carrega marcas dessa época. Das minhas personagens de
fantasia medieval ela é a única que usa lábios vermelhos que era
considerado coisa de rameira, e ela usa e não está nem aí. A história
dela toda se passa numa região que é neve a maior parte do tempo. Por
isso há neve no fundo. A cor de fundo da Alustriel é para contrastar com
o fundo. A Anastriana é a bruta das 3.

A partir da fala da participante, verificamos o seu cuidado em escolher as cores, das

roupas, da posição, em transmitir a personalidade de suas personagens através de cada elemento

e cada detalhe de sua ilustração, mas, sobretudo, verificamos que toda a descrição da cena é

uma interpretação dela para com ela mesma.

Inferimos, assim, que a criatividade e os processos criativos constituem-se como uma

ferramenta para a manutenção das crises afetivas e existenciais da participante, bem como uma

ferramenta de autoconhecimento, viabilizando-se como uma possibilidade de manutenção de

sua saúde mental.

Classe 2 – Relação com os (as) clientes

Compreende 15,30% (f= 13 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e

radicais no intervalo entre x² = 28,5 (Cliente), x² = 8,6 (Querer), x² = 8,2 (Dar), x² = 6,3

(Sentimento) e x² = 3,9 (Feliz). Predominando as evocações acerca do relacionamento com os

clientes enquanto um potencial de satisfação e motivação, e como um mecanismo de validação

do seu trabalho. Isso se tornou claro a partir da pergunta “existe diferença entre criar a partir da

ideia de um cliente e a partir de suas ideias?” a qual a participante respondeu da seguinte forma:

A diferença para mim existe muito mais no que to desenhando do que de quem
foi a ideia. (...) A vontade para fazer um desenho que vem dos outros e um
que vem de mim costuma ser igual. Na verdade o que me motiva de verdade
é o sentimento do meu cliente quando ele chega para mim. Me deixa muito
feliz ou muito para baixo. Você lidar com timidez do cliente é uma coisa, mas
lidar com uma pessoa que escreve com reticências. Essa pessoa não está
empolgada com nada e aí você entrega o desenho e a pessoa fica bem para
dentro, esse tipo de reação pode tanto me jogar para dentro do desenho como
me tirar. Depende muito da minha conexão com o cliente.
137

Eu costumo ficar desempolgada quando é uma personagem que eu não


consigo me relacionar ou então quando é uma pessoa que eu não consigo me
relacionar. Quando eu não consigo me conectar. Eu acho massa quando essas
coisas acontecem, quando estou aqui brincando com o cliente, jogando ideias
e aí o cliente diz, faz.

A partir destes relatos identificamos a relação entre os clientes e a participante como um

fator motivador em seu processo criativo. Se ela sente que consegue estabelecer uma conexão

com ele/ela e entregar a sua encomenda seguindo todos os detalhes das instruções dadas por

estes, a entrega e validação, ou seja, a avaliação dada pelo cliente sobre o seu trabalho tem um

desfecho positivo e potencializador. Se o contrário ocorre, ou seja, se desde o início não há o

estabelecimento de uma relação amistosa e confiante, isto tem um impacto no resultado e a

validação negativa torna-se despotencializadora.

Observamos também que a participante relatou que pode sentir tanto satisfação na

criação de uma obra cuja ideia não partiu dela, como numa que a ideia veio inteiramente de si.

Ou seja, uma obra criada a partir de uma motivação extrínseca pode se alinhar com as

motivações intrínsecas da participante, como colocado a partir dos relatos:

Criar para mim, de mim para mim, significa muito me dar liberdade e é uma
liberdade para muita coisa, uma liberdade para me expressar, uma liberdade
para sonhar, uma liberdade para eu brigar, uma liberdade para eu enfrentar os
meus próprios medos. Criar quando é de mim para o cliente já significa que é
como se eu tivesse, de forma exagerada, é como se eu estivesse fazendo parte
da festa de casamento da pessoa. Porque quando você procura um desenhista
você procura porque você quer muito.

É uma felicidade tão grande quando você pega um cliente maltratado que pega
o dinheiro do cliente e que passa um ano sem dar satisfação, tenho alguns
clientes que passaram por isso, aí você pega um cliente desse que chega
maltratado, desacreditado, entrega a sua encomenda para ele, que a explosão
de alegria é tão grande que para mim é como se eu fosse parte de uma
experiência engradecedora e extremamente importante para o meu cliente (...).

O meu sonho sempre foi desenhar a minha vida inteira e aí, meu site é
desenhando sonhos por isso, porque tem muita gente que quer colocar ideias
para fora e não consegue e eu quero fazer parte disso, eu quero poder ajudar
as pessoas a colocar as ideias delas para fora, acho que é por isso que valorizo
tanto ser freelancer, pois o meu trabalho é muito mais pessoal que o de
qualquer desenhista de jogo e eu gosto disso, desse sentimento de que o meu
trabalho é algo pessoal e que vem de dentro, não é uma coisa feita em massa,
ou algo para agradar. Posso morrer pobre, mas eu morro feliz. Se eu sou
sonhadora por causa disso, que se dane, eu prefiro manter minha alma íntegra
138

do que se partir por dinheiro, eu prefiro passar dificuldade financeira e viver


daquilo que eu gosto e acredito do que ser rica e infeliz, para mim é
completamente descompensado essa balança, meu desenho em cima e riqueza
em baixo.

Verificamos, assim, que a validação no processo criativo da participante se dá na sua

relação com os clientes e que esta fase pode ter um impacto potencializador ou

despotencializador no seu processo criativo.

Apesar de tratar da avaliação da obra criada em seus aspectos técnicos, a validação

também ocorre no campo afetivo na medida em que o desenho e sua obra constituem-se como

parte da sua identidade. Quando fala que não deixaria de ser freelancer para ganhar mais

dinheiro, porém, criando algo despersonalizado, “em massa”, a participante confirma mais uma

vez a criação da sua obra como uma mensagem/expressão de si mesma e que sua motivação

para criar está relacionada à possibilidade de valorização do que ela cria como expressão de si

e não como algo massificado, meramente criando para atender às demandas de um mercado.

Compreender a relação da participante com seus clientes levanta novamente questões

sobre o papel da motivação intrínseca e extrínseca nos processos criativos. A satisfação

experienciada pela participante quando entrega uma ilustração que agrada seus clientes não vem

do processo em si, mas da sensação de conexão que ela experiencia ao ser validada, tanto

tecnicamente como afetivamente.

Inferimos, assim, que as relações entre os processos criativos, as motivações e a

satisfação são complexas, não podendo ser reduzidas a meramente intrínsecas ou extrínsecas.

Classe 4 – Aspectos técnicos do processo criativo

Por fim, a última classe compreende 17,7% (f= 15 ST) do corpus total analisado.

Constituída por palavras e radicais no intervalo entre x² = 23 (Desenho), x² = 30,4 (Processo

criativo) e x² = 10,7 (Personagem). Predominando as evocações relacionadas principalmente


139

aos aspectos técnicos do processo criativo da participante, ou seja, rascunhos, referências,

estilo, iluminação, dentre outros, além da definição de suas fases e dinâmicas.

Processo criativo para mim é um pouco difícil de falar sobre, porque cada um
tem o seu processo criativo e o meu é muito orgânico, uma amiga minha, está
na vez dela e eu estava com ela e ela falou, quero minha personagem nesta
pose e na mesma hora eu vi o que deveria estar atrás dela, a maior parte do
meu processo criativo é assim, eu tenho visões do que eu preciso fazer, nem
sempre eu consigo isso e acabo me frustrando, mas geralmente é assim, estou
aqui conversando com uma pessoa e vem a ideias, estou aqui escutando uma
música e vem a ideia, estou aqui vendo um filme, ou uma roupa no meio da
rua e penso, isso vai ficar legal em tal personagem, então meu processo
criativo é muito doido.

Isso quando é uma coisa mais espontânea e não estou com trava. Quando eu
estou com trava, como quando a minha amiga veio com uma ideia incoerente
de por a personagem dela numa pose que não combinava com o outro
personagem, aí eu passo tempo buscando referências, fazendo outras coisas
para ver se aparece, mas meu processo criativo é um negócio bem doido
mesmo, acontece quando estou dormindo, acontece quando estou olhando
para o teto, acontece quando estou dirigindo, é um negócio meio caótico.

Travei, eu não me forço porque eu sei que não vai acontecer. E quando vem
de novo, vem, vem com os dois pés e eu fico, gente, me pague logo, me pague
que eu quero muito fazer o seu desenho.

Essa última peça, eu passei muita raiva desenhando esse desenho. Para mim
foi um inferno desenhar porque eu não estava acertando o detalhe da roupa.
Nesse aqui, deu raiva por causa dos detalhes, mas foi mais tranquilo, pois meu
cliente me disse como ele queria a posição. Quando ele aprovou o rascunho
eu fiquei super feliz. Eu fiz a arte final e para mim deixou de fazer um processo
doloroso, logo quando eu voltei a trabalhar eu detestava fazer, mas aí ele se
tornou um processo mais tranquilo. Uma parte que eu detesto fazer até hoje é
colocar as cores chapadas, se eu pudesse, eu contrataria uma pessoa para fazer
isso para mim. E aí começa o processo que eu mais gosto que é de sombrear
e de ver as coisas tomando forma, para mim essa parte do processo é uma
parte muito feliz e ao mesmo tempo muito assustadora, porque eu tenho
patamares em que eu tento chegar lá e eu ainda tenho muito que aprender,
então eu sempre tenho aquele fantasma na minha cabeça me dizendo, faça
melhor, mas eu continuo fazendo, vou pintando e aí quando eu vejo que não
tá bom, pego umas músicas de vídeo game velhas, silencio minha cabeça e
vou trabalhar e aí quando eu entrego é só alegria, as vezes quando eu entrego
eu sinto alívio, quando eu demoro muito a entregar. Eu gostei desse desenho
porque eu fiz uma iluminação mais dramática, eu adoro fazer iluminação
dramática, eu não consigo fazer uma iluminação normal.

A partir dos relatos supracitados foi possível identificar as técnicas, fases e dinâmicas

pelas quais a participante passa em seu processo criativo. A fase 1 seria a definição do tema e

do estilo do desenho. Ambos podem ser determinados pela própria participante ou por seus
140

clientes. Nesta fase, a participante esforça-se para captar o máximo de informações possíveis,

seja dos seus clientes, ou das referências que utiliza e busca inspirar-se através da música e de

imagens que visualiza a partir das descrições e referências consultadas.

A fase 2 seria o desenho propriamente dito. Nesta fase, a participante acessa um

conjunto de técnicas e conhecimentos sobre desenho e ilustração o rascunho, o traço, a forma,

a iluminação, a composição, a colorização e a finalização.

A fase 3 seria o momento em que ocorre a incubação. Esta fase pode vir antes ou depois

da fase 2, principalmente se ela estiver se sentindo bloqueada. É o momento em que ela permite

retirar o foco consciente da criação e deixa sua mente vagar e relaxar através de jogos de vídeo

game, músicas, ao dirigir um carro, conversar com outras pessoas, ou mesmo dormir e sonhar.

Por fim, a fase 4 seria a de resolução. Trata-se da finalização, entrega ao cliente e

validação da ilustração criada. É um momento que tem um grande potencial de frustração ou

empolgação para a participante. Um fluxograma do processo criativo da participante é proposto

na figura 22.
141

Fase 1 e 2

Definição do tema

Por ela Pelo Cliente

Consulta a referências, captação da descrição e


dos detalhes, utilização da música. Visualização

Foco

Criação do desenho/ilustração propriamente ditos

Utilização de técnicas e conhecimentos especializados

Foco

Fase 3

Retirada do foco consciente

Jogos de vídeo game, músicas, filmes, dirigir o carro, conversar com


outras pessoas, ou mesmo dormir e sonhar

Relaxamento

Fase 4

Conclusão da ilustração/Entrega para o cliente/ Validação

Relaxamento ou
tensão
Figura 22
Fluxograma do processo criativo da participante (fases 1 a 4)
Figura criada pela autora
142

Confirma-se assim, as fases do processo descritas por Lubart (2001), preparação,

incubação, iluminação e validação, dada a proximidade das fases descritas pela participante e

observadas por mim no processo criativo da participante.

O foco deste Estudo, no entanto, recaí sobre a influência dos afetos nos processos

criativos. Ou seja, como são percebidas as emoções, sentimentos e humores da participante

antes, durante e depois do seu processo.

Sendo assim, observamos que antes do processo criativo, o humor o qual se encontrava

a participante era crucial para a dinâmica que seria seguida. Se já começasse o trabalho

empolgada, seja devido ao trabalho ou qualquer outro fator externo, a participante carregava

consigo este estado para o processo. Se por alguma razão se encontrasse mal humorada, mais

bloqueios tendiam a aparecer, maior o tempo de incubação, maior a cobrança para manter o seu

padrão de qualidade.

Durante o processo criativo a participante tende a experienciar emoções, sejam estas

internas ou externas ao processo. Raiva, frustração, tristeza, ansiedade, são algumas emoções

descritas constantemente por ela e são geralmente experienciadas quando a participante não

atinge seus objetivos como gostaria durante o processo, ou seja, quando não consegue aplicar

uma técnica específica, quando a ideia do desenho (pode, ação dos personagens) lhe parece

incoerente. Quando a ideia não vem devido a algum bloqueio.

Porém, durante o processo não são apenas as emoções negativas as experimentadas. A

participante se empolga, por exemplo, quando utiliza técnicas específicas, quando desenha

cabelo, por exemplo, pois considera que consegue uma boa execução, ou quando planeja a

iluminação.

Estas emoções supracitadas fazem parte internamente do seu processo, porém, a

participante também pode experienciar emoções externas ao processo. Ou seja, frustrações


143

devido às interrupções feitas por sua família, medo e sensação de incompetência que não são

coerentes com o seu domínio técnico.

A participante demonstra capacidade de visualização e imaginação fortes, conhecimento

das técnicas e exige de si mesma um alto padrão de qualidade, porém, apresenta uma tendência

de desvalorização de suas habilidades devido a fatores externos, como sua relação com os pais,

principalmente no quesito da confiança destes no cumprimento de suas responsabilidades.

Outro fator externo a sua criação, mas que influencia suas emoções e sentimentos

durante o processo é a participação em eventos. É um momento de expectativa e empolgação

para a participante, em que ela produz ilustrações específicas para a sua participação.

Por fim, observamos também os afetos vivenciados pela participante após seu processo

criativo. Dependendo da conclusão, entrega e validação, a participante chega a um ponto

máximo de satisfação, ou reconfirma sua raiva e frustração diante de um processo que, por

alguma razão, não se iniciou bem. Dessa forma, foi possível criar a figura 23.

Empolgação
Fase 1 Humor Foco
Frustração

Emoções/ Felicidade/Satisfação/Alegria
Fase 2 Sentimentos
Raiva/Tristeza Bloqueio

Fase 3 Distração/Relaxamento Duração maior, se os afetos


anteriores forem negativos

Fase 4 Afetos Satisfação ou


frustração

Figura 23
Influência dos afetos no processo criativo
Fonte: Figura criada pela autora
144

A partir do esquema proposto inferimos que os afetos tanto negativos, como positivos

podem influenciar um processo criativo, potencializado ou despotencializando o mesmo.

Quando iniciado a partir de afetos negativos, o processo criativo tende a favorecer o

aparecimento de bloqueios criativos e a necessitar de um tempo maior na fase de incubação.

Quando iniciado a partir de um afeto positivo, um processo criativo tende a ter um

desfecho de satisfação. É importante também apontar que, embora um processo criativo se

inicie a partir de um afeto negativo, ou positivo, a valência deste afeto pode mudar durante o

processo. Assim, um processo que se iniciou positivo pode terminar negativo e visse-versa.

Além disso, o presente estudo reuniu consideráveis evidenciais de que num processo criativo

não se vivencia unicamente afetos positivos ou negativos.

Por fim, observamos que os afetos vivenciados nos processos criativos, podem ser

intrínsecos ou extrínsecos ao processo. Ou seja, a frustração ou empolgação com o mesmo,

podem ser inerentes ao que se está fazendo nele, ou terem suas origens em outros fatores

externos, como a família e as pessoas que se interage, a saúde, o cansaço e o ambiente como

uma totalidade.

Quanto ao tédio e ao ócio nos processo criativos, observamos que o tédio pode vir a

fazer parte das dinâmicas que alternam foco e relaxamento físico e mental no processo criativo,

ao passo que o ócio, pode ser vivenciado no próprio processo criativo como um todo e,

sobretudo, em sua fase de validação, onde se encontrou o máximo grau de satisfação da

participante através da percepção de realização das suas habilidades e da atribuição de sentido

desta, à ideia de que consegue se sustentar do desenho, atividade que lhe proporciona desfrute,

autoconhecimento, desenvolvimento emocional e manutenção da sua saúde mental.


145

a. Análise de Similitude e Nuvem de Palavras


Após a formação e análise das categorias no Estudo de caso, novamente foi realizada

uma Análise de Similitude, indicando a conexidade entre as palavras, através da qual foi

possível identificar palavras centrais como “Cliente”, “Desenhar”, “Querer”, “Sentir”, “Feliz”,

“Processo”, “Bloqueio”, “Pai”, “Adorar”. Destas palavras, ramificaram-se outras palavras

como “Mundo”, “Infeliz”, “Maravilhoso”, “Música”, “Falta”, “Dormir”, “Sopro”, “Jogar”,

“Tédio”, “Cansado”, “Mental”, “Autocrítica”, “Encomenda” e “Trabalhar”. Por fim, nas

extremidades encontram-se palavras como “Saúde”, “Difícil”, “Forçar”, “Corpo”, “Sentido”.

Figura 24
Análise de Similitude
Figura gerada pelo software Iramuteq
146

Observamos também que a imagem formada ocorre em sentido diagonal, não ocorrendo

curvas, ou proximidades entre as extremidades, indicando assim, uma linearidade entre os

temas.

Já a Nuvem de Palavras destaca palavras como “Processo”, “Querer”, “Cliente”,

“Sentir”, “Desenhar”, “Bloqueio” como palavras fortes, “Feliz”, “Criativo”, “Adorar”,

“Entregar”, “Personagem”, “Liberdade”, “Tédio”, “Conversar”, “Ideia”, como palavras de

força média e, por fim, “Terapia”, “Falta”, “Dormir”, “Encomenda”, “Corpo”, “Depender”,

“Infeliz”, “Maltratar”, “Ajudar”, “Autocrítica”, “Energia” e “Sentido” como palavras

periferias.

Figura 25
Nuvem de Palavras
Figura gerada pelo software Iramuteq
147

Por fim, tanto a Análise de Similitude, quanto a Nuvem de Palavras reafirmam, através

de verbos, substantivos e adjetivos, a intensidade da influência da vida afetiva da participante

em seu processo criativo, através de suas relações tanto com a família como com seus clientes,

suas dinâmicas de foco e relaxamento, bem como o processo criativo como um recurso de

manutenção de sua saúde mental.


148

11 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo de estudos anteriores que afirmam que afetos positivos promovem a

aproximação das pessoas de sua fonte de estímulo, ao passo que afetos negativos provocam

aversão e, portanto, afastamento da fonte de estímulo (Moll et al, 2001), observamos que

quando aplicados aos estudos sobre a criatividade, as principais teorias sobre os afetos apontam

o seguinte: 1) que os afetos positivos facilitam a resolução criativa dos problemas; 2) os afetos

negativos podem ou promover a criatividade ou ter um efeito negativo sobre ela (Baas et al,

2008).

Esta pesquisa teve o objetivo geral de investigar quais os afetos que influenciam os

processos criativos de artistas visuais fortalezenses e, assim, explorar questões anteriores

contraditórias e inconclusivas sobre o tema, chegando à conclusão de que:

1) Os afetos positivos, de fato, atuam como um fator potencializador dos processos

criativos, operando, sobretudo, nos níveis de motivação e satisfação percebidas pela pessoa

antes, durante e depois da atividade criativa. A motivação, neste contexto, diz respeito a uma

vontade voluntária disposta à atividade e à satisfação, ao contentamento e sensação de

realização antes, durante e depois do processo criativo.

Tanto no questionário online como no estudo de caso foi possível inferir que afetos

positivos atuam como fortes motivadores dos processos criativos. Que mesmo diante de

adversidades, a satisfação percebida a partir das experiências criativas que compõem o processo

criativo supera todos os obstáculos apresentados pelos participantes: desde dificuldades

financeiras, a relacionamentos problemáticos, problemas de saúde física e ou mental ou relações

interpessoais com a família.

Não observamos que os afetos possam aumentar a criatividade dos participantes, como

a hipótese levantada por Mann e Cadman (2015), porém, observamos que afetos positivos

possibilitam que um número menor de bloqueios criativos seja vivenciado durante o processo
149

criativo. Sendo assim, é possível experienciar uma sensação maior de fluidez, ou seja, a pessoa

se propõe à resolução de um problema na atividade criativa, para o qual encontra uma solução

com facilidade.

2) A observação da influência dos afetos negativos confirma as duas hipóteses,

aparentemente contraditórias de Baas et al (2008), pois eles podem tanto promover a

criatividade, como ter um efeito negativo sobre ela. Observamos a partir dos dois estudos

realizados nesta pesquisa que tanto os afetos positivos como negativos estão presentes nos

processos criativos.

Neste caso, o que consideramos que precisa ser urgentemente reavaliado nos estudos

sobre a criatividade e os processos criativos é a ideia asséptica de que um processo criativo é

motivado inteiramente apenas por afetos positivos ou negativos. Um ser humano vivencia

estados afetivos alternados e às vezes até simultâneos, positivos e negativos. Não sendo possível

dizer quando está sob uma influência inteiramente de um estado ou de outro.

Antes do processo criativo, a pessoa pode carregar consigo o que está acontecendo em

sua vida afetiva, seu estado de saúde, a complexidade de suas relações com outros seres

humanos e sua percepção sobre os seus meios de sobrevivência, dentre outros inúmeros fatores

ambientais. Durante o processo, além dos afetos que carregou consigo, a pessoa, ainda que

motivada por um afeto positivo, pode vir a sentir frustração ou raiva, por exemplo, diante da

dificuldade de execução de uma técnica, ou diante de um resultado que não era esperado, ao

concluir a obra. Assim, os afetos negativos podem compor os processos criativos, tanto quanto

os afetos positivos.

Há quatro caminhos possíveis de influência dos afetos nos processos criativos no que

diz respeito à valência: 1) o processo se inicia a partir de um afeto positivo e termina com a

percepção afetiva positiva; 2) o processo se inicia a partir de um afeto positivo, mas termina

com a percepção afetiva negativa; 3) o processo se inicia com a percepção afetiva negativa e
150

termina com a mesma inalterada; 4) o processo se inicia com a percepção afetiva negativa, mas

termina positiva.

Sendo assim, não se pode dizer, tão diretamente quanto se gostaria, que todo processo

criativo motivado por afetos positivos terá, no fim, uma percepção afetiva positiva. Embora

afetos positivos possam potencializar os processos criativos, os mesmos não dependem apenas

dos afetos para sua realização.

Além disso, a criatividade é comprovadamente um recurso que possibilita a manutenção

da saúde mental e é, por definição, a busca de soluções originais para um problema. Seria

contraditório afirmar que alguém que carrega um afeto negativo consigo para o seu processo

criativo não pode nele encontrar as resoluções que darão fim ao seu problema.

Durante um processo criativo, a pessoa toma uma série de decisões quanto às técnicas,

temas e execuções que irá realizar e nem sempre consegue fazer tudo o que se propõe ou, antes

de atingir ao que se propõe, passa por obstáculos e dificuldades. Talvez, por isso, o afeto

negativo listado com maior frequência nos processos criativos dos participantes entrevistados

sejam a raiva e a frustração.

Se a pessoa já inicia o processo criativo a partir de um afeto negativo, como observamos

em algumas ocasiões no estudo de caso com a participante, o processo criativo pode vir a se

tornar um recurso de processamento dos afetos negativos, ou seja, de percepção e de resolução

deles.

Era assim que a participante do estudo de caso relatava que num dia em que se sentia

muito triste, desenhou, segundo ela, inconscientemente, sem pensar muito, suas personagens

abraçando-a, consolando-a, desvelando, assim, para si mesma, a necessidade de apoio.

A participante também relatou que quando estava com raiva ou percebendo muita

agitação no seu ambiente, isso a atrapalhava na sua execução, necessitando de um maior esforço

para se concentrar.
151

A partir do estudo de caso, os resultados foram além dos objetivos traçados por esta

pesquisa, pois foi possível inferir que os afetos negativos podem influenciar os processos

criativos, provocando um maior número de bloqueios: ausência de ideias ou inspiração para

criar, dificuldade nas execuções das técnicas, ou mesmo apatia, influenciando nos níveis de

motivação. Assim, os afetos negativos podem, de fato, ter um efeito negativo nos processos

criativos, como podem, também, em casos de resolução, promover a criatividade.

3) Do mesmo modo que inferimos que não se deve pensar os afetos de maneira

asséptica, voltamo-nos com o mesmo olhar para a motivação. A partir de Karagiannidis et al

(2015), criou-se uma tabela defindo diferentes graus de motivação: intrínseca, extrínseca e

amotivação. Defende-se a idéia de que é a motivação intrínseca que caracteriza a criatividade,

mas, assim como que se pode observar que afetos positivos e negativos estão presentes nos

processos criativos, observamos nos dois estudos propostos por esta pesquisa que, para os

profissionais das Artes Visuais participantes, que tiram sua sobrevivência de sua atividade e

produção criativa, que tem de lidar com clientes e com fatores ligados ao mercado de sua

atividade profissional, há sempre motivações intrínsecas e extrínsecas ocorrendo em seus

processos criativos.

Os modelos teóricos sobre a criatividade a apontam como uma habilidade de resolução

de problemas, a partir da elaboração de soluções que levam em consideração diferentes

perspectivas e a originalidade. Nestes modelos são apontadas diversas características da pessoa

e do ambiente que favorecem a criatividade, estando, dentre elas, o acesso ao conhecimento, a

motivação, o olhar do outro e os processos criativos.

Os processos criativos tratam dos processos mentais, afetivos e cognitivos que

perpassam a pessoa na ação criativa. Já os processos cognitivos parecem definidos nos

processos criativos, visto que a literatura apresenta claramente a atenção, a memória, a

capacidade de associação entre as informações e a capacidade combinatória do cérebro, além


152

de atitudes e comportamentos como a autonomia, a predisposição em correr riscos, a abertura

à experiência, a tolerância à ambiguidade e a flexibilidade como algumas das características do

indivíduo criativo, os estudos sobre os afetos nos processos criativos não são tidos como

conclusivos, visto que seus resultados se contradizem, especialmente no entendimento da

influência dos afetos negativos nos processos criativos.

Os afetos, por sua vez, tratam das reações psicológicas e fisiológicas de uma pessoa a

um estímulo ambiental, abrangendo as emoções, os sentimentos e os humores. Uma

característica dos afetos é potencializar ou despotencializar o ser humano em suas ações,

levando-o a aproximar-se ou afastar-se de suas fontes de estímulo.

Dessa forma, os afetos também possibilitam a compreensão do comportamento e da

motivação, isto é, daquilo que impulsiona o ser humano, daquilo que o faz mover-se. Nos

processos criativos, os autores consultados concordam unanimemente que a motivação

intrínseca é uma característica nuclear da criatividade, embora não excluam que as motivações

extrínsecas também possam motivar comportamentos criativos.

A percepção de satisfação originada na atividade em si confirma-se como um fator forte

nos processos criativos na sua execução e neste sentido, a criatividade se reconfirma como uma

dimensão do ócio. Porém, há mais que uma experiência autotélica num processo criativo e que

age como um fator motivador, talvez tão forte quanto a experiência de satisfação gerada pela

atividade em si.

Uma possível motivação extrínseca que aparenta ter esta força trata dos benefícios da

criatividade para a saúde mental. Ainda que se engaje num processo criativo com o intuindo de

encontrar uma resolução para um afeto negativo (por exemplo: distanciar-se da tristeza de uma

situação, canalizar a raiva vivenciada numa ocasião anterior com um membro da família),

quando o desfecho se torna positivo e encontra-se o alívio ou resolução da negatividade, a

vivência do processo criativo também possibilitará uma experiência de satisfação.


153

Outra motivação extrínseca que se mostrou forte nos processos criativos, podendo

potencializar ou despotencializar os mesmos, trata-se da relação com os clientes que, não

obstante, exercem uma função, juntamente com o artista, de validação da obra criada. A partir

do Estudo de caso, observamos que uma das maiores satisfações relatadas pela participante, era

o momento de confirmação afetiva vivenciado conjuntamente com seus clientes.

4) Outro resultado que não era esperado, mas que foi desvelado ao longo da

investigação, foi a possibilidade de identificar, dentre as dinâmicas que compõem o processo

criativo, um movimento de foco e relaxamento entre as intenções conscientes de resolução dos

problemas estabelecidos que dão origem ao processo criativo. Nesta dinâmica é possível que

dentre os estados e atividades que levam a um relaxamento das intenções conscientes, encontre-

se o tédio. Evidenciamos também que os processos criativos podem sofrer a influência tanto de

ações dirigidas ao processo, como também de ações não dirigidas.

5) Assim, foi possível verificar dois tipos de tédio dentre os afetos que influenciam os

processos criativos. O primeiro guarda uma relação com a existência e se aproxima do que já

vem sendo explorado e descrito por correntes filosóficas fenomenológicas. O segundo guarda

uma relação com a dinâmica de relaxamento da atenção e pode possibilitar a incubação, fase

descrita por Lubart (2001) nos processos criativos.

Diante dos resultados, podemos confirmar os pressupostos de que tanto afetos positivos

como negativos podem influenciar os processos criativos. Que ambos podem potencializar ou

despotencializar os mesmos, não sendo a despotência uma exclusividade dos afetos negativos.

Podemos afirmar, ainda, que os fatores pessoais e ambientais se tornaram fundamentais

para compreender a dinâmica e a potencialização dos processos criativos; e que a experiência

de um afeto pode influenciar um processo criativo imediatamente, como dentro de dias,

semanas e mesmo anos.


154

De acordo com os objetivos propostos, concluímos que os principais afetos identificados

por esta pesquisa como compondo o processo criativo foram: alegria, raiva, ansiedade,

felicidade, amor, frustração, medo, satisfação, paciência, angústia, tédio e entusiasmo.

Os fatores pessoais e ambientais influentes nos processos criativos dos artistas visuais

participantes foram: o conhecimento das técnicas e do processo criativo; a percepção das

habilidades pessoais para desempenhar a ação criativa; a família e as relações interpessoais; a

saúde; o acesso a um ambiente onde se pode encontrar materiais de trabalho e referências

adequadas; o silêncio; a relação com os clientes; a percepção do processo criativo como uma

possibilidade de viabilização da sobrevivência e do trabalho e, por fim, os próprios afetos

vivenciados antes, durante e depois dos processos criativos.

Assim, concluímos que os afetos influenciam os processos criativos, na medida em que

se constituem: 1) Como ponto de partida para os processos criativos. Os afetos estão ligados às

motivações, à sensação de satisfação ou aversão ligados ao processo; 2) Os afetos podem

influenciar o desempenho do processo criativo, na medida em que conduzem também ao foco

e ao relaxamento. Os afetos ajudam a compor a disposição geral que uma pessoa agrega aos

seus processos criativos 3) Os afetos podem gerar bloqueio criativos; 4) Os afetos são um dos

elementos que compõem os significados que os participantes dão aos seus processos.

E, para finalizar, concluímos que os afetos negativos podem constituir-se enquanto uma

fonte de potencial criativo, a depender das apreensões subjetivas da pessoa quanto a estes afetos.

O percurso desta pesquisa também apresentou uma série de limitações em seu trajeto,

nunca sendo demais afirmar que os estudos realizados aqui não têm a intenção de esgotar os

debates em seus campos correspondentes.

A principal limitação deste trabalho relaciona-se ao tempo e aos recursos para

apresentação dos resultados dado o potencial do material coletado com a participante do estudo

de caso, havendo a necessidade de fechamento da dissertação para o cumprimento dos prazos


155

da mesma. Havendo alguns meses a mais, poder-se-ia ter buscando outros casos e assim,

realizar um novo estudo sobre as questões apreendidas no ateliê de não apenas uma, mas

também outros artistas.

Esta dissertação trata-se de uma pesquisa exploratória, em que tópicos diversificados

surgiram, inclusive tópicos que não haviam sido pressupostos no projeto e escolhemos registrar

todos estes tópicos, comprometendo por vezes, uma explicação mais alongada, caso tivéssemos

escolhido cortar alguns dos dados encontrados.

Outra limitação que pode ser apontada trata da coleta de dados questionário online. Com

o objetivo de otimizar o tempo e os recursos disponíveis para a realização desta pesquisa,

optamos pela coleta de dados online com os 56 artistas participantes. Embora conheçamos a

maioria dos artistas pessoalmente, não pudemos observá-los ao vivo no momento em que

responderam às perguntas utilizadas para coleta dos dados, deixando de registrar, assim,

trejeitos, expressões faciais e corporais dos mesmos, que poderiam vir a ser importantes para a

análise.

Ainda assim, consideramos que o material coletado e analisado no Estudo 1 possibilitou

respostas às questões levantadas, o que me leva a lançar as seguintes hipóteses às pesquisas

vindouras:

1) Uma crise pode, enfim, constituir-se enquanto um potencial criativo. Os afetos,

tanto positivos quanto negativos, influenciam os processos criativos, podendo anteceder quatro

resultados: a) afetos negativos anteriores ao processo criativo remanescem percebidos como

negativos após o processo criativo, despontencializando-o; b) afetos negativos anteriores ao

processo criativo passam a ser percebidos a partir de perspectivas afetivas positivas após o

processo criativo, potencializando-o. c) afetos positivos anteriores ao processo criativo

remanescem percebidos como positivos após o processo criativo, potencializando-o e d) afetos


156

positivos anteriores ao processo criativo passam a ser percebidos como negativos após o

processo criativo, despontencializando-o.

2) A percepção da afetividade de uma pessoa deve ser compreendida como uma

totalidade que se intercala e ou ocorre simultaneamente, entre valências positivas e negativas,

não sendo possível isolar somente das valências na tentativa de compreender a influência das

mesmas nos processos criativos, visto que estas não ocorrem de modo asséptico.

3) O tédio, ainda que percebido como um afeto negativo, pode vir a compor os fatores

de relaxamento que possibilitam a retirada do foco consciente do problema nos processos

criativos e, através dele, pode-se constituir uma via de acesso às associações criativas. Em

outras palavras, nem sempre uma experiência de tédio resultará numa abertura para a

criatividade e, provavelmente, quando resultar, não será percebido como tal. Porém, isto não

anula o fato de que no tédio pode-se encontrar um mecanismo de balanceamento energético,

que pode vir a ser aproveitado nos processos criativos.

Por fim, quanto aos possíveis frutos, esta dissertação me possibilitou iniciar os meus

estudos sobre os afetos e os processos criativos, os quais me possibilitaram maior consciência

dos meus próprios processos e melhor observação dos processos dos meus alunos.
157

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Validação de Dois Instrumentos de Avaliação para a População Portuguesa. Dissertação
de Mestrado, Instituto de Educação e Psicologia - Universidade do Minho, Braga.

van Tilburg, W. A. P., &Igou, E. R. (2017). Boredom begs to differ: Differentiation from
other negative emotions. Emotion, 17(2), 309–322. Disponível em:
https://doi.org/10.1037/emo0000233.

Velázquez, C. (2015) Mas afinal o que é estética? Por uma redescoberta da educação
sensível. Lisboa: Chiado.

Vygotsy, L. A imaginação e a arte na infância. Lisboa: Relógio D´Àgua, 2009


Wallas, G. (1926). The art of thought. New York: Harcourt Brace.
162

APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre Esclarecido

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ


UNIVERSIDADE DE FORTALEZA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TÍTULO DA PESQUISA:

Do Caos à obra: desvelando afetos nos processos criativos de artistas visuais fortalezenses

PESQUISADOR RESPONSÁVEL:

Francisca Paula Viana Mendes

Prezado(a) participante,

Você está sendo convidado(a) para participar de uma pesquisa que tem como objetivo

compreender como os afetos influenciam os processos criativos de artistas visuais

fortalezenses. Em outras palavras, buscamos identificar que emoções, sentimentos e humores

são vivenciados por artistas visuais e como estas emoções podem influenciar nos processos que

os artistas visuais vivenciam antes, durante e depois da criação de uma obra.

Para tanto, planejamos elaborar um perfil demográfico com artistas visuais participantes

e investigar se afetos específicos podem ou não compor as afetividades vivenciadas nos

processos. Por esta razão, buscamos conhecer sobre a sua experiência como artista visual na

cidade de Fortaleza.

Para alcançar este objetivo, esta pesquisa inclui a realização de entrevistas com artistas

visuais que queiram compartilhar com a pesquisadora experiências pessoais, memórias e

percepções sobre o seu processo criativo. Com esses dados, a pesquisadora almeja ampliar a

literatura acadêmica e o conhecimento que se tem do artista visual hoje e de seus processos

criativos, o que pode lhe fornecer uma inequívoca fonte de desenvolvimento pessoal.
163

Do ponto de vista ético, é fundamental que o participante da pesquisa compreenda o seu

papel no estudo e a importância que o seu relato terá para o trabalho da pesquisadora. Por esse

motivo, é apresentado a você este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que tem como

objetivo informá-lo sobre os seus direitos enquanto participante da pesquisa.

1. PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA:

Para participar desse estudo, pedimos a sua valiosa colaboração em responder um

formulário online gerado a partir da ferramenta Google Forms sobre seus dados

sociodemográficos e seu processo criativo. Posteriormente, você também pode ser procurado

para responder a uma entrevista contendo algumas questões para aprofundar as questões

respondidas sobre seu processo criativo, com gravação de voz e registro fotográfico, e ser

observado no próprio ambiente onde vivencia seus processos de criação, pela pesquisadora,

durante o tempo que julgar necessário para responder as questões da pesquisa. A sua

colaboração é valiosa para esta pesquisa por uma vez que você atua como artista visual na

cidade de Fortaleza.

Sua participação na pesquisa será voluntária. Durante o andamento da pesquisa, se por

qualquer motivo resolver desistir, terá toda a liberdade para sair da pesquisa, sem prejuízo

pessoal. Você pode desistir da sua participação a qualquer momento, mesmo após ter iniciado

a entrevista sem nenhum prejuízo para você. Não haverá penalizações caso você decida não

consentir a sua participação, ou desistir dela. Contudo, ela é muito importante para a execução

da pesquisa. A qualquer momento, durante a pesquisa ou posteriormente, você poderá solicitar

do pesquisador informações sobre sua participação e/ou sobre a pesquisa, o que poderá ser feito

através dos meios de contato explicitados neste Termo.


164

2. QUEM SABERÁ SE EU DECIDIR PARTICIPAR: Somente a pesquisadora

responsável e sua equipe saberá que você está participando desta pesquisa. Ninguém mais

saberá da sua participação. Entretanto, caso você deseje que o seu nome / seu rosto / sua voz ou

o nome da sua instituição conste no trabalho final, nós respeitaremos sua decisão. Basta que

você marque ao final deste termo a sua opção.

3. CONFIDENCIALIDADE: As informações concedidas serão confidenciais, de

conhecimento apenas dos pesquisadores responsáveis e serão utilizadas somente para essa

pesquisa. A entrevista será gravada apenas se houver a sua autorização.

Sua identidade será mantida em absoluto sigilo no percurso da pesquisa e sua conclusão,

conforme orienta a resolução de nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde - Ministério da

Saúde Brasileiro (CNS/MS). O material da pesquisa, com seus dados e informações, será

armazenado em local seguro e guardado em arquivo por pelo menos cinco anos após o término

da pesquisa.

1. RISCOS E DESCONFORTOS:

Os procedimentos utilizados nesta pesquisa apresentam um risco mínimo para o

participante. Ocasionalmente, durante a entrevista, você poderá lembrar ou sentir algo que gere

emoção. Se isso proporcionar desconforto, a entrevista será interrompida imediatamente, sendo

continuada em outro momento ou, se você preferir, será interrompida a sua participação na

pesquisa. Deixamos também claro que durante as entrevistas você tem a liberdade para não

responder perguntas que considere demasiadamente pessoais ou que de alguma forma invadam

sua privacidade. Lembramos, entretanto, que estes casos são muito raros.
165

5. BENEFÍCIOS: O benefício esperado com a pesquisa é criar a oportunidade para o

participante falar a respeito do seu processo criativo e oportunidades para expressar suas

opiniões de forma que ele mesmo tome mais consciência a respeito de sua prática. Além disto,

o participante estará contribuindo para elaborar um perfil sociodemográfico dos artistas visuais

na cidade de Fortaleza.

6. FORMAS DE ASSISTÊNCIA: Caso haja qualquer desconforto emocional ou

constrangimento que necessite de assistência, você será encaminhado(a) pela pesquisadora ao

Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), no segundo andar do Núcleo de Atenção Médica

Integrada (NAMI) da Universidade de Fortaleza, que disponibiliza o serviço de Plantão

Psicológico que se caracteriza pelo oferecimento de até 4 atendimentos psicológicos de cunho

emergencial, sem a necessidade de encaminhamento aos pacientes por ordem de chegada e sem

nenhum custo financeiro. O serviço também oferece acompanhamento individual posterior caso

seja evidenciada a necessidade pelos profissionais de psicologia. O serviço de Plantão

Psicológico acontece todas as terças, quartas e quintas das 14 às 17 horas na Rua

Desembargador Floriano Benevides, 221- Bairro Edson Queiroz (ao lado do Fórum Clóvis

Beviláqua), CEP: 60811-905. Telefone para contato: (85)34773644.

7. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS: caso você aceite participar da pesquisa, não

receberá nenhuma compensação financeira.

8. ESCLARECIMENTOS: Será concedida a garantia de esclarecimentos sobre a

metodologia da pesquisa, antes e durante o curso da mesma. O estudo será orientado pelo prof.

Dr. José Clerton de Oliveira Martins, professor titular da Universidade de Fortaleza. Em caso

de maiores esclarecimentos, favor entrar em contato com a pesquisadora responsável Francisca


166

Paula Viana Mendes, num horário previamente combinado por e-mail ou telefone, no seguinte

endereço: Rua Sabino Pires, 80, Bairro: Aldeota. Fortaleza (CE) CEP: 60050-080. Fone (85)

987570403. E-mail: paulavianamendes@hotmail.com. Se desejar obter informações sobre os

seus direitos e os aspectos éticos envolvidos na pesquisa poderá consultar o Comitê de Ética

em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade de Fortaleza - COÉTICA Av. Washington

Soares, 1321, Bloco M, Sala da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação. Horário

de Funcionamento: 08:00hs às 12:00hs e 13:30 às 18:00hs. Telefone (85) 3477-3122, Fortaleza,

Ce.

9. CONCORDÂNCIA E PARTICIPAÇÃO

Se você estiver de acordo em participar da pesquisa, deve preencher e assinar este

documento, que será elaborado em duas vias: uma via deste Termo ficará com você e a outra

ficará com a pesquisadora. O(a) participante da pesquisa ou seu representante legal, quando for

o caso, deve rubricar todas as folhas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinando

na última página deste Termo. A pesquisadora responsável deve, da mesma forma, rubricar

todas as folhas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinando na última página

deste Termo.

10. USO DE VOZ E/OU IMAGEM: Caso você deseje que seu nome, seu rosto, sua voz

ou o nome da sua instituição apareça nos resultados da pesquisa, sem serem anonimizados,

marque um dos itens abaixo.

____ Eu desejo que o meu nome conste no trabalho final

____ Eu desejo que meu rosto/face conste no trabalho final

____ Eu desejo que minha arte conste no trabalho final

____ Eu desejo que a minha voz conste no trabalho final


167

____ Eu desejo que o nome da minha instituição conste no trabalho final.

11. CONSENTIMENTO: Pelo presente instrumento que atende às exigências legais, o

Sr.(a)__________________________, portador(a) da cédula de

identidade__________________________, declara que, após leitura minuciosa do TCLE, teve

oportunidade de fazer perguntas, esclarecer dúvidas que foram devidamente explicadas pelos

pesquisadores, ciente dos serviços e procedimentos aos quais será submetido e, não restando

quaisquer dúvidas a respeito do lido e explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO em participar voluntariamente desta pesquisa.

E, por estar de acordo, assina o presente termo.

Fortaleza, _________ de __________________ de_______.

_______________________________________

Assinatura do participante ou representante legal

_______________________________________

Assinatura do pesquisador
168

APÊNDICE B - Estudo 1

1. Dados Biodemográficos

Sexo F( )M( )

Idade
(somente números)

Nível de Formação
Ensino Fundamental ( )
Ensino Médio ( )
Ensino Superior ( )
Cursando Ensino Superior ( )
Pós- Graduação ( )

Profissão

Tempo que exerce a


profissão
Exerce uma segunda função Sim ( ) Não ( )
remunerada?
Idade que começou a
exercer a profissão
(somente números)

2. Liste 6 emoções/sentimentos que você vivencia no seu processo criativo


_______________________________
_______________________________
_______________________________
_______________________________
_______________________________
_______________________________

3. Descreva o seu processo criativo


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________
169

APÊNDICE C - Estudo de caso

QUESTÕES DISPARADORAS

1) Descreva sua trajetória como artista visual. Quando e porque se tornou um(a).

2) O que você entende por processo criativo?

3) Como você descreveria o seu processo criativo?

4) Você consegue identificar as emoções que sente antes, durante e depois de ter criado

uma obra?

5) Em algum momento você se sente ou sentiu bloqueado criativamente? E o que você

faz para se desbloquear?


170

APÊNDICE D - Instrumento de coleta de dados - desenhos

Primeiramente obrigada pela sua colaboração.


Abaixo você deverá fazer um desenho que represente seu processo criativo. Ao
final peço que você descreva brevemente o significado deste desenho e liste 6
emoções/sentimentos que atribui a ele.

2. As seguintes perguntas fazem referência ao desenho que você fez. É importante.


171

3. Escreva 6 palavras que resumam os seus sentimentos/emoções em relação ao desenho.

1.____________________________________
2.____________________________________
3.____________________________________
4.____________________________________
5.____________________________________
6.____________________________________

a. Descreva os significados que o desenho tem para você


172

ANEXO A – Parecer do CEP/UNIFOR


173
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