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Mirian Keiko Luz Ito Rovo de Souza Lima

o lugar da adequação em Severiano Porto:


Aldeia sos do amazonas

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação


em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Arquitetura na área de concentração Teoria e Projeto.

Orientadora: Profª. Drª. Beatriz Santos de Oliveira

Rio de Janeiro, Maio de 2004


Mirian Keiko Luz Ito Rovo de Souza Lima

o lugar da adequação em Severiano Porto:


Aldeia sos do amazonas

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação


em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Arquitetura na área de concentração Teoria e Projeto.

Orientadora: Profª. Drª. Beatriz Santos de Oliveira

Rio de Janeiro, Maio de 2004

_______________________________________
Profª. Beatriz Santos de Oliveira, D. Sc.
PROARQ/FAU/UFRJ

___________________________________________
Prof. Paulo Afonso Rheingantz, D. Sc.
PROARQ/FAU/UFRJ

___________________________________________
Prof. Roberto Segre, D. Sc.
PROURB/FAU/UFRJ

III
LIMA, Mirian Keiko Ito Rovo de Souza

O Lugar da Adequação em Severiano Porto: Aldeia SOS do


Amazonas/Mirian Keiko Luz Ito Rovo de Souza Lima. — [Rio de
Janeiro] 2004.

XXV, 216 p. : il. (PROARQ/UFRJ, M. Sc., Arquitetura, 2004)

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,


FAU/PROARQ.

Orientadora: Beatriz Santos de Oliveira

1. Severiano Porto 2. Arquitetura Contemporânea Brasileira.


3. Aldeia SOS do Amazonas. I. PROARQ/FAU/UFRJ II. Título (série)
A Ricardo, por tudo.

iv
À memória dos meus avós,
Tokusho e Teruyo Ito.

v
A Ricardo, por tudo.

iv
À memória dos meus avós,
Tokusho e Teruyo Ito.

v
AGRADECIMENTOS

Este trabalho é fruto da contribuição de muitas pessoas que estiveram


envolvidas ao longo do seu percurso, ora contribuindo com o apoio
emocional, ora com informações preciosas, indispensáveis à sua
realização. Manifesto todo o meu agradecimento:

Primeiramente ao Professor Severiano Porto, por me fazer ver a


arquitetura com outros olhos. Por me compartilhar a sua visão de
mundo, pela paciência em responder as minhas perguntas, pela
oportunidade da convivência e além de tudo, pela maneira carinhosa e
serena de ser.

À minha orientadora Profª. Dra. Beatriz Santos de Oliveira, pela


dedicação, incentivo, parceria e sobretudo, pela amizade.

Aos professores do PROARQ pela qualidade de suas aulas.

Às Professoras Lais Bronstein, Maria Júlia Santos e Silvia Arango, por


despenderem seus preciosos tempos para esclarecer dúvidas e sugerir
material bibliográfico.

Aos Professores Roberto Segre e Hugo Segawa, membros da minha


banca de qualificação, que com suas sugestões ajudaram-me no
enriquecimento de meu trabalho. Ao Professor Segre também devo
agradecer pela indicação de importantes materiais bibliográficos.

Ao Núcleo de Pesquisa e Documentação da Faculdade de Arquitetura


e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro por abrir-me
as portas do acervo do arquiteto Severiano Porto para a
documentação complementar a pesquisa.

Aos estagiários de Severiano Porto: Marina Cavalcanti, Túlio Araújo,


Thiago Vasconcelos, Daniel Mayer e João Vicente Rocha pelo auxílio na

vi
documentação necessária à pesquisa e pelos agradáveis momentos
que compartilhamos durante a organização do arquivo do arquiteto.

Às companheiras de mestrado pela amizade, carinho, apoio e pelos


momentos agradáveis: Alessandra Ghilardi, Ana Claudia Penna, Ana
Eugenia Abulafia, Annie Eppinghaus, Eloisa Santos, Ethel Pinheiro,
Glauci Coelho, Sonia Chacon, Marcia Poppe e Monique Abrantes.

À Associação das Aldeias Infantis SOS Brasil, pelas valiosas


informações. Devo agradecer especialmente ao Sr. Georg Rodenbach
pela entrevista concedida, à Claudia Russo pela documentação da
Aldeia SOS de Brasília e ao Sr. Nelson Peixoto pelas valiosas
informações e documentação sobre a Aldeia SOS do Amazonas.

A Mário Emilio Ribeiro, Roberto Thompson Motta, Fernando Abreu dos


Santos, Renato Menescal, Luis Cesar Monken, Mauricio Porto e Liliane
Porto, pelos enriquecedores depoimentos. A Fernando Abreu também
agradeço pelo material cedido de seu arquivo pessoal.

Em Manaus agradeço ao arquiteto Roberto Moita, à engenheira


Luizete Maia e a João Brito (funcionários da SUFRAMA e ex-estudantes
e colaboradores de Severiano Porto), ao engenheiro Francisco
Anastácio Cantisani, a Roger Abrahim, a Robert Schuster, à Inez Daou.
Agradeço também à todos os proprietários das residências de
Severiano Porto que nos receberam em suas casas e nos concederam
valiosas informações.

Em especial agradeço à receptividade de Wanda Torres que em muito


nos auxiliou no contato com os clientes de Severiano em Manaus.

Ao companheirismo do Sr. Ito nas viagens à Manaus. À minha mãe e


meus irmãos, tios e primos, e à todos os familiares que sempre me
apoiaram durante as minhas árduas caminhadas.

À amiga-irmã Sandra Martins, pelo apoio de sempre.

vii
Sumário

Lista de figuras ..................................................................................................................... x


Resumo .......................................................................................................................................... xxiv
Abstract ...................................................................................................................................... xxv

introdução............................................................................................................................... 1

1. A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica............ 11

1.1 O primeiro caminho: caruaru-uberlândia-rio ........................................................ 13

1.2 Um carioca por formação ................................................................................................. 16

1.3 Os primeiros experimentos ............................................................................................... 28

1.4 A fase amazônica: ampliação de um olhar ............................................................. 46

2. O regionalismo e o racionalismo em Severiano Porto ..................... 76

2.1 Sobre o regionalismo............................................................................................................ 76

2.1.1 O regionalismo nas vanguardas do século XX ...................................... 78

2.1.2 O regionalismo na arquitetura contemporânea ....................................... 84

2.1.3 O lugar do regionalismo em Severiano Porto........................................... 94

2.2 Sobre o racional [ismo] ..................................................................................................... 97

2.2.1 A mediocritas albertiana ...................................................................................... 98

2.2.2 O racionalismo e o movimento moderno ....................................................... 104

2.2.3 O lugar do racionalismo em Severiano Porto ........................................ 110

2.2.4 Decoro e oikonomia em Severiano Porto ..................................................... 114

viii
3. Aldeia sos do Amazonas ............................................................................................. 119

3.1 O nascimento da Aldeia ..................................................................................................... 120

3.2 O programa da aldeia ......................................................................................................... 126

3.2.1 A implantação da aldeia e sua organização espacial .......................... 137

3.2.2 O fator climático na configuração espacial da aldeia ....................... 143

3.2.3 A organização espacial da aldeia e o seu sentido ................................ 146

3.3 A circulação de palha – espinha dorsal da aldeia ......................................... 151

3.3.1 Aspectos simbólicos da circulação de palha ........................................... 161

3.4 A casa-lar .................................................................................................................................... 163

3.4.1 Os caminhos de chegada à casa-lar .............................................................. 164

3.4.2 A forma e o programa ............................................................................................ 166

3.4.3 A forma e o clima ...................................................................................................... 170

3.4.4 A casa-lar e as aberturas ................................................................................... 180

3.4.5 Relações com a cultura ........................................................................................ 183

Considerações finais ................................................................................................... 187

Referências Bibliográficas .......................................................................................... 201

Bibliografia Recomendada ........................................................................................... 205

Apêndice – relação das obras do arquiteto ................................................. 211

ix
LISTA DE FIGURAS

1. Vila residencial na Praia de Botafogo, 462. Local onde residiu a família


Porto por volta da década de 1930-1940. (Foto da autora, janeiro 2003)

2. Severiano Porto em álbum de formatura de 1954. (Fonte: Acervo pessoal


do arquiteto Fernando Abreu)

3. Mário Emílio Ribeiro em álbum de formatura. (Fonte: Acervo pessoal do


arquiteto Fernando Abreu)

4. Os colegas da turma de 1954 da Faculdade Nacional de Arquitetura. (Foto


do Acervo pessoal do arquiteto Fernando Abreu)

5. Professor Adhemar Cunha Fonseca, em álbum de formatura da turma de


1954. (Fonte: Acervo pessoal do arquiteto Fernando Abreu)

6. Professor Carlos del Negro, em álbum de formatura da turma de 1954.


(Fonte: Acervo pessoal do arquiteto Fernando Abreu)

7. Cartaz comemorativo, elaborado por Severiano Porto para os 46 anos da


turma de 1954, “Os Últimos do Museu”. (Fonte: Acervo pessoal do
arquiteto Fernando Abreu)

8. Jornal O Globo, 21-03-1996.Reportagem sobre os 50 anos do Clube


Excursionista Carioca, criado em 1946, por Ricardo Menescal. (Fonte:
Acervo pessoal do arquiteto Fernando Abreu)

9. WEFS Arquitetos. Escritório sociedade de Waldir de Mello Mattos, Ennio


Passafini, Fernando Abreu e Severiano Porto. (Fonte: Arquivo pessoal do
arquiteto Fernando Abreu)

10. Edifício Saint Malo (1957). Ipanema, RJ. Projeto de Severiano Porto e
Ennio Passafini. (Foto da autora, dezembro de 2003)

11. Planta de situação do Edifício Saint Malo (1957). Ipanema, RJ. Projeto de
Severiano Porto e Ennio Passafini. (Desenho da autora)

12. Planta tipo do Edifício Saint Malo com solução de três quartos e com área
da sala expandida. (Fonte: Revista Brasil-Arquitetura Contemporânea, n. 11,
1957)

13. Vista da fachada sul da Residência Heliandro Maia (1973). (Foto da autora,
abril de 2003)

14. Planta superior da Residência Heliandro Maia (1973). (Fonte: Revista Casa
e Jardim, n. 259, 1976, p. 109)

x
15. Fachada sul da Residência Heliandro Maia (1973). (Fonte: Revista Casa e
Jardim, n. 259, 1976, p. 109)

16. Planta de situação do Condomínio Praia da Lua. (Fonte: Coleção Severiano


Porto, NPD/FAU/UFRJ)

17. Vista da região do Condomínio Praia da Lua. (Foto da autora, abril de


2003)

18. Corte da residência Tipo 1 do Condomínio Praia da Lua. (Fonte: Coleção


Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

19. Planta baixa da residência Tipo 1 do Condomínio Praia da Lua. (Fonte:


Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

20. Vista da casa Tipo 1 do Condomínio Praia da Lua. (Foto da autora, abril
2003)

21. Corte da residência Tipo 2 do Condomínio Praia da Lua. (Fonte: Coleção


Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

22. Vista do interior da casa Tipo 1 do Condomínio Praia da Lua. Notar as


estruturas em madeira pré-fabricadas. (Foto: Beatriz Santos de Oliveira,
abril de 2003)

23. Exemplos de fechamentos e esquadrias especificados para as casas tipo do


Condomínio Praia da Lua. (Fonte: Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ)

24. Detalhe do desenho das esquadrias do Edifício Saint Malo. (Foto da autora,
dezembro 2003)

25. Edifício Derby (1958) Projeto de Severiano Mário Porto. Lagoa, Rio de
Janeiro. (Foto da autora, dezembro 2003)

26. Planta de situação do Edifício Derby (1958). Rua Alexandre Ferreira, 291,
Lagoa. Projeto de Severiano Mário Porto. (Desenho da autora)

27. Planta do pavimento tipo do Edifício Derby (1958), Lagoa. Projeto de


Severiano Mário Porto. Sem escala. (Fonte: Arquivo CEDAE com alterações
da autora)

28. Planta de Situação, Edifício Saint Etienne (1958), Av. Delfim Moreira, 952,
Leblon-RJ. Projeto de Severiano Porto e Ennio Passafini. (Desenho da
autora)

29. Edifício Saint Etienne (1958) Projeto de Severiano Mário Porto e Ennio
Passafini. (Foto da autora, dezembro 2003)

30. Planta do pavimento tipo do Edifício Saint Etienne (1958). (Fonte: Arquivo
CEDAE, com alterações da autora)

31. Edifício Lagoa das Raízes (1962), Lagoa-RJ. Projeto de Severiano Porto.
(Foto da autora, janeiro 2003)

32. Planta de Situação, Edifício Lagoa das Raízes (1962), Lagoa. Projeto de
Severiano Porto. (Desenho da autora)

xi
33. Planta do pavimento tipo, Edifício Lagoa das Raízes (1962), Lagoa. Projeto
de Severiano Porto. (Fonte: Arquivo CEDAE com alterações da autora)

34. Edifício Jardim Leonor (1954), Ipanema-RJ. Projeto de Álvaro Vital Brazil.
(Fonte: Guia da Arquitetura Moderna no Rio de Janeiro, p. 88)

35. Hospital Santa Casa de Misericórdia (1978), Manaus. Projeto de Severiano


Porto. Não construído. (Fonte: Revista CJ Arquitetura, n. 20, p. 22, 1978)

36. Planta de situação do Restaurante Chapéu de Palha (1967). (Fonte: Revista


ABA, n. 1, p. 116, 1967)

37. Corte do Restaurante Chapéu de Palha. (Fonte: Revista ABA, n. 1, p. 117-


118, 1967)

38. Planta de madeiramento do telhado do Restaurante Chapéu de Palha.


(Fonte: Revista ABA, n. 1, p. 117-118, 1967)

39. Planta baixa do Restaurante Chapéu de Palha. (Fonte: Revista ABA, n. 1, p.


117-118, 1967)

40. Planta de estrutura de telhado e madeiramento do forro do Restaurante


Chapéu de Palha. (Fonte: Revista ABA, n. 1, p. 117-118, 1967)

41. Restaurante Chapéu de Palha, Manaus (1967). (Fonte: Catálogo da


Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura)

42. Fachada posterior do Restaurante Chapéu de Palha.(Fonte: Revista ABA, n.


1, p. 119, 1967)

43. Companhia Amazonense de Telecomunicações — CAMTEL (1965). (Fonte:


Revista ABA, n. 1, p. 82, 1967)

44. Planta baixa. Escolas Pré-Fabricadas – Escola Rural (1965). (Fonte: Revista
ABA, n. 1, 1967)

45. Escolas Pré-Fabricadas – Escola Rural (1965). (Fonte: Revista ABA, n. 1, p.


120, 1967)

46. Estádio Vivaldo Lima (1965). Foto da maquete. (Fonte: Revista Arquitetura,
n. 42, p. 55)

47. Estádio Vivaldo Lima. Corte da marquise. (Fonte: Revista Arquitetura, n. 42,
dez., p.55, 1965)

48. Vista da entrada da Residência Alexandre Ale dos Santos (1982), Ponta
Negra. (Foto Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

49. Residência Alexandre Ale dos Santos (1982). Planta baixa, fachada anterior
e posterior. (Fonte: Revista Projeto, n. 83, p. 71, 1986)

50. Residência Alexandre Ale dos Santos (1982).Detalhe das esquadrias em


madeira que fazem o fechamento das paredes da sala de estar. (Foto:
Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

51. Residência Alexandre Ale dos Santos (1982). Vista da varanda na fachada
posterior. (Foto: Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

xii
52. Residência Robert Schuster (1978) à partir do vazio interior. (Foto Beatriz
Santos de Oliveira, abril de 2003)

53. Residência Robert Schuster (1978). Vista da fachada oeste. (Foto da


autora, abril de 2003)

54. Residência Robert Schuster (1978). Planta baixa do pavimento


intermediário (níveis 2.20 a 3.10). (Fonte: Arquivo pessoal Severiano Porto)

55. Residência Robert Schuster (1978). Corte 3.3. (Fonte: Arquivo pessoal
Severiano Porto)

56. Centro de Proteção Ambiental de Balbina (1983-1988). Detalhe da


cobertura em cavaco. (Foto da autora, abril de 2003)

57. Ilustrações de telhado em madeira. (Fonte: TAYLOR:1983, p. 113)

58. SUFRAMA (1971). (Foto: Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

59. SUFRAMA (1971). Planta de situação. (Fonte: CJ Arquitetura, n. 20, 1978)

60. SUFRAMA (1971). (Foto da autora, abril de 2003)

61. SUFRAMA (1971). Corte. (Fonte: CJ Arquitetura, n. 20, 1978)

62. SUFRAMA (1971). Detalhe da cúpula. (Foto da autora, abril de 2003)

63. SUFRAMA (1971). Detalhe da cobertura com módulos estruturais em


concreto armado. (Foto da autora, abril de 2003)

64. Reservatórios de Água – COSAMA (1972). (Fonte: Catálogo da Associação


Brasileira dos Escritórios de Arquitetura [198?] )

65. Ampliação da Central Telefônica de Manaus. Prédio da Administração


(1979). (Foto da autora, março de 2004)

66. Residência Felipe Abrahim (1969). (Foto da autora, março de 2004)

67. Residência Felipe Abrahim (1969). Fachada parcial. Sem escala. (Fonte:
Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

68. Residência Eduar Mousse (1979). (Foto: Beatriz Santos de Oliveira, abril de
2003)

69. Residência Eduar Mousse (1979). Sala de estar. (Foto: Beatriz Santos de
Oliveira, abril de 2003)

70. Residência Eduar Mousse (1979). Corte parcial da sala de estar. Sem
escala. (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

71. Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990). (Fonte: Revista


Projeto, n. 83, p. 50-58,1986)

72. Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990). (Foto da


autora, março de 2003)

73. Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990). Corte salas de


aula e administração. (Fonte: Revista Projeto, n. 83, p. 50-58, 1986)

xiii
74. Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990). Vista exterior
do bloco das salas de aula. (Foto da autora, abril de 2003)

75. Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990). Corredor do


bloco da administração. (Foto: Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

76. Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990). Pavimento


superior e térreo. (Fonte: Revista Projeto, n. 83, p. 50-58, 1986)

77. Escola de Música e Clube do Trabalhador do SESI (1978-1980). (Fonte:


Revista Projeto, n. 83, 63-65, 1986)

78. Escola de Música e Clube do Trabalhador do SESI (1978-1980). Planta de


situação. (Fonte: Revista Projeto, n. 83, 63-65, 1986)

79. Escola de Música e Clube do Trabalhador do SESI (1978-1980). Planta do


1o pavimento. (Fonte: Revista Projeto, n. 83, 63-65, 1986)

80. Escola de Música e Clube do Trabalhador do SESI (1978-1980). Planta do


subsolo. (Fonte: Revista Projeto, n. 83, 63-65, 1986)

81. Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia (1983). (Fonte: Revista


Projeto, n. 83, p. 66, 1986)

82. Cidade de Monlevade (1934), projeto do conjunto. Lúcio Costa. (Fonte:


BRUAND, 2002, p.75)

83. Park Hotel São Clemente (1944). Lúcio Costa. (Fonte: WISNIK, 2001, p.81)

84. Casa de fim de semana de Carlos Frederico Ferreira (1949). (Fonte:


MINDLIN,1999, p.54-55)

85. Casa de fim de semana Carlos Frederico Ferreira, planta baixa. (Fonte:
MINDLIN,1999, p.54-55)

86. Luis Barragán. Los Clubes (1964), Cidade do México. (Fonte:


www.pritzkerprize.com/barragan)

87. Ricardo Legorreta. Hotel Camino Real, Cidade do México (1968).(Fonte:


Architectural Record, n.5, 2000)

88. Eládio Dieste. Igreja de Atlântida, Uruguai (1952-1959). (Fonte:


www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq011)

89. Rogélio Salmona. Arquivo Histórico Nacional, Bogotá. (Fonte:


www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq036)

90. Maison Jaoul (1937), projeto de Le Corbusier. (Fonte: LE CORBUSIER,


1946, p. 12)

91. Capa de Emiliano Di Cavalcanti para o catálogo da exposição da Semana de


Arte Moderna, São Paulo, fevereiro de 1922. (Fonte:
www.asemanade22.hpg.ig.com.br).

92. Instituto de Educação (1928), Tijuca, Rio de Janeiro. Projeto de Angelo


Brunhs e José Cortez. (Fonte: Guia da Arquitetura Eclética no Rio de
Janeiro, p.75).

xiv
93. Salão de dança da Casa do Baile (1942), projeto de Oscar Niemeyer. Um
dos exemplares de uma obra de arquitetura regional crítica, segundo
Tzonis e Lefaivre. (Fonte: TZONIS, 2001, p. 45).

94. Residência Beires (1973-76), projeto de Alvaro Vieira Siza em Povoa do


Varzim; vista, planta do primeiro pavimento e do térreo. (Fonte:
FRAMPTON, 1990, p. 316.)

95. Pousada de Caça e Pesca (1979-1983), Ilha de Silves, Amazonas. Projeto


de Severiano Mário Porto e colaboração de Mario Emilio Ribeiro e Luis
Cesar Monken. Corte. Sem Escala. (Fonte: Revista Módulo, n. 75, 1983, p.
61)

96. Pousada de Caça e Pesca (1979-1983), Ilha de Silves, Amazonas. Planta do


pavimento térreo. Sem escala. (Fonte: Revista Módulo, n. 75, 1983, p. 61).

97. Pousada de Caça e Pesca (1979-1983), Ilha de Silves, Amazonas. Planta do


pavimento superior. Sem escala. (Fonte: Revista Módulo, n. 75, 1983, p.
61)

98. Casa sobre palafitas no Rio Negro, Amazonas. (Foto: Beatriz Santos de
Oliveira, abril de 2003)

99. Fachada sul do Park Hotel São Clemente (1944), em Nova Friburgo. Projeto
de Lúcio Costa. (Fonte: Wisnik, 2001, p.81)

100. Hermann Gmeiner (1919-1986), fundador da SOS Kinderdorf. (Fonte:


http://www.soschildrensvillages.ca/pages/gallery.html)

101. Vista aérea da Aldeia SOS do Amazonas.(Fonte: Severiano Porto)

102. Mapa parcial da cidade de Manaus. (Desenho da autora sobre


levantamento aerofotogramétrico da cidade)

103. Desenho esquemático do terreno da Aldeia SOS do Amazonas. (Desenho da


autora)

104. Aldeia SOS do Amazonas, em fase de conclusão das obras. (Fonte:


Severiano Porto)

105. Mapa esquemático, mostrando a localização da Aldeia SOS do Amazonas,


na região Centro-Oeste de Manaus. (Desenho da autora, a partir de
levantamento aerofotogramétrico)

106. Corte Esquemático e Planta de Situação da Aldeia SOS de Brasília,


localizada na Asa Norte da cidade de Brasília. (Fonte: Departamento de
Obras das Aldeias Infantis SOS Brasil, 2004)

107. Detalhe da Planta Baixa da Casa–lar da Aldeia SOS de Brasília. Sem escala.
(Fonte: Departamento de Obras das Aldeias Infantis SOS Brasil, 2004)

108. Detalhe da Planta Baixa da Casa-lar da Aldeia SOS do Amazonas. Sem


escala. (Desenho da autora)

109. Planta de Situação da Aldeia SOS do Amazonas. (Desenho da autora)

110. Foto aérea da Aldeia SOS do Amazonas. (Fonte: Severiano Porto)

111. Casa-lar. Vista sul. (Foto da autora, março de 2004)

xv
112. Casa das Tias. Vista oeste. (Foto da autora, março de 2004)

113. Alojamento. Vista sul. (Foto da autora, março de 2004)

114. Jardim de Infância. Vista norte. (Foto da autora, março de 2004)

115. Biblioteca Infantil. Vista oeste. (Foto da autora, março de 2004)

116. Casa Comunitária. Vista sul. (Foto da autora, março de 2004)

117. Garagem. Vista leste. (Foto da autora, março de 2004)

118. Lavanderia. Vista norte. (Foto da autora, março de 2004)

119. Refeitório. Vista norte. (Foto da autora, março de 2004)

120. Guarita. Vista sul. (Foto da autora, março de 2004)

121. Trabalho com Terra. Vista oeste. (Foto da autora, março de 2004)

122. Escola de Mães. Vista sul. (Foto da autora, março de 2004)

123. Corte Longitudinal do Auditório da Aldeia SOS do Amazonas. Sem escala.


(Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

124. Planta Baixa do Auditório da Aldeia SOS do Amazonas. Sem escala. (Fonte:
Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

125. Fachada Norte da Casa de Criação e Arte da Aldeia SOS do Amazonas.


Projeto não construído. Sem Escala. (Fonte: Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ)

126. Corte Longitudinal da Casa de Criação e Arte. Projeto não construído. Sem
escala. (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

127. Planta Baixa da Casa de Criação e Arte. Projeto não construído. Sem
escala. (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

128. Auditório. Vista sul. (Foto da autora, março de 2004)

129. Auditório. Vista oeste. (Foto da autora, março de 2004)

130. Interior Auditório. Vista do palco. (Foto da autora, março de 2004)

131. Interior Auditório. Vista da platéia. (Foto da autora, março de 2004)

132. Entrada principal da Aldeia SOS. (Foto da autora, março de 2004)

133. Entrada secundária da Aldeia SOS. (Foto da autora, março de 2004)

134. Planta de Situação esquemática, com a indicação dos acessos do conjunto.


(Desenho da autora)

135. Desenho esquemático indicando os eixos longitudinal e transversal.


(Desenho da autora)

136. Desenho esquemático indicando os eixos longitudinal e transversal


transformado nas principais circulações da Aldeia. (Desenho da autora)

xvi
137. Desenho esquemático indicando a organização da Aldeia, segundo as zonas
privativa e semi-pública como definido pelos eixos longitudinal e
transversal. (Desenho da autora)

138. Esquema mostrando os dois eixos imaginários. Assinalado em vermelho o


eixo dominante, com energia direcional. (Desenho da autora)

139. Desenho esquemático do terreno da Aldeia SOS do Amazonas. Notar os


desenho e a direção das curvas de nível que dará a forma final da
circulação coberta. (Desenho da autora)

140. Desenho esquemático mostrando as curvas de nível do terreno. (Desenho


da autora)

141. Desenho esquemático mostrando a forma final do eixo longitudinal, a


circulação coberta, com as características da topografia. (Desenho da
autora)

142. Planta de situação parcial da Aldeia SOS do Amazonas. Notar o eixo de


entrada, o transversal, onde estão localizadas as edificações semi-públicas.
(Desenho da autora)

143. Esquema mostrando a circulação dos ventos entre as edificações. (Desenho


da autora)

144. Esquema da trajetória aparente do sol para Manaus. (Desenho da autora)

145. Vista do pavilhão do Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-


1990). (Foto: Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

146. Vista do pavilhão do Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-


1991). (Foto: Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

147. Planta de Situação do Campus da Universidade do Amazonas


(1973/1981/1990). (Fonte: Revista Projeto, n. 83, p.50)

148. Planta de Situação da Secretaria de Produção do Estado do Amazonas


(1968). (Fonte: Revista ARQUITETURA, n. 42, p. 63)

149. Vista da Secretaria de Produção do Estado do Amazonas (1968). (Foto da


autora, abril de 2004)

150. Perspectiva geral da Secretaria de Produção do Estado do Amazonas


(1968). (Fonte: Revista ARQUITETURA, n. 42, p. 62)

151. Esquema mostrando a organização espacial das zonas privativa


(assinalada em vermelho) e semi-pública (assinalada em verde) da Aldeia
SOS do Amazonas. (Desenho da autora)

152. Desenho parcial da planta de situação, mostrando a relação arrítmica entre


as edificações do eixo de entrada. (Desenho da autora)

153. Eixo de entrada da Aldeia SOS do Amazonas. (Foto da autora, março de


2003)

154. Casa Comunitária. Detalhe da janela. (Foto da autora, março de 2003)

xvii
155. Casa-lar. Vista parcial da fachada norte, para onde se voltam os quartos.
(Foto da autora, março de 2004)

156. Jardim de Infância. Vista parcial da fachada oeste. (Foto da autora, março
de 2004)

157. Casa Comunitária. Interior. (Foto da autora, março de 2004)

158. Casa-lar. Entrada principal. (Foto da autora, março de 2004)

159. Alojamento de visitantes. Interior. (Foto da autora, abril de 2003)

160. Refeitório. Interior. (Foto da autora, março de 2004)

161. Casa-lar. Cozinha. (Foto da autora, março de 2004)

162. Jardim de Infância. Interior. (Foto da autora, março de 2004)

163. Casa Comunitária. Hall de entrada. (Foto da autora, março de 2004)

164. Vista aérea da Aldeia SOS do Amazonas, em fase de conclusão das


obras.(Fonte: Severiano Porto)

165. Detalhe da cobertura do Circulação de Palha. (Foto da autora, março de


2003)

166. Detalhe da estrutura de madeira que sustenta a cobertura da circulação.


(Foto da autora, março de 2003)

167. Chapéu de Palha. (Foto da autora, março de 2003)

168. Desenho esquemático indicando a localização do Chapéu de Palha em


ponto de transição entre as zonas privativas e a semi-pública. (Desenho da
autora)

169. Detalhe do madeiramento da “aba” do Chapéu de Palha. (Foto da autora,


março de 2004)

170. Detalhe dos pilares inclinados de aquariquara do Chapéu de Palha. (Foto


da autora, março de 2004)

171. Detalhe da sapata de concreto aparente do Chapéu de Palha. (Foto da


autora, março de 2004)

172. Detalhe construtivo da sapata aparente do Chapéu de Palha. (Fonte:


Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

173. Circulação de Palha. (Foto da autora, março de 2004)

174. Circulação de Palha. (Foto da autora, março de 2004)

175. Detalhe construtivo da sapata aparente do Chapéu de Palha. (Fonte:


Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

176. Detalhe construtivo da sapata aparente do Chapéu de Palha. (Fonte:


Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

177. Caminho sob a circulação coberta. (Fonte: Severiano Porto)

xviii
178. Circulação de Palha. Detalhe do piso. (Foto da autora, março de 2004)

179. Planta do Piso da Circulação de Palha. (Fonte: Coleção Severiano Porto,


NPD/FAU/UFRJ).

180. Corredor coberto do Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-


1990). (Foto: Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

181. Trecho da Circulação de Palha que cruza o eixo viário. (Foto da autora,
março de 2004)

182. Celebração sob o Chapéu de Palha. (Fonte: Severiano Porto)

183. Vista do Chapéu de Palha por entre as edificações da Aldeia. (Foto da


autora, abril de 2003)

184. Casa indígena amazônica. (Fonte: Arquitetura Brasil 500 anos. Universidade
Federal de Pernambuco, 2002. Volume 1, p. 42)

185. Chapéu de Palha da Aldeia. (Foto da autora, abril de 2003)

186. Crianças brincando sob a Circulação de Palha. (Foto da autora, abril de


2003)

187. Desenho esquemático mostrando como a Circulação de Palha se aproxima


dos blocos da Biblioteca Infantil e Jardim de Infância. (Desenho da autora)

188. Pequeno chapéu de palha conformado na extremidade sul da Circulação de


Palha.

189. Restaurante Chapéu de Palha, Manaus (1967). Fachada posterior. (Fonte:


Revista ABA, n. 1, p.117-119)

190. Restaurante Chapéu de Palha, Manaus (1967). Planta baixa. (Fonte: Revista
ABA, n. 1, p.117-119)

191. Vista aérea de Oca indígena amazônica. (Fonte: Arquitetura Brasil 500 anos.
Universidade Federal de Pernambuco, 2002. Volume 1)

192. Pousada de Caça e Pesca (1979-1983) da Ilha de Silves. Planta de


cobertura. (Fonte: Revista Módulo, n. 75, 1983, p. 61)

193. Pousada de Caça e Pesca (1979-1983) da Ilha de Silves. Planta do


pavimento superior. (Fonte: Revista Módulo, n. 75, 1983, p. 61)

194. Perspectiva geral do Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de


Balbina (1983-1988). (Fonte: Revista Arquitectura Viva, n. 48,1994,p.42)

195. Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de Balbina (1983-1988).


Planta de cobertura.(Fonte: Revista AU, n. 11, 1987,p. 54)

196. Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de Balbina (1983-1988).


Planta alojamentos.(Fonte: Revista AU, n. 11, 1987,p. 54)

197. Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de Balbina (1983-1988).


Planta laboratório polivalente de endemias. (Fonte: Revista AU, n. 11,
1987,p. 56)

xix
198. Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de Balbina (1983-1988).
Planta de situação. (Fonte: Revista AU, n. 11, 1987,p. 53)

199. Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de Balbina (1983-1988).


Vista da circulação e passeio. (Foto: Beatriz Santos de Oliveira, abril de
2003)

200. Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de Balbina (1983-1988).


Vista geral. (Foto da autora, abril de 2003)

201. Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de Balbina (1983-1988).


Corte transversal do alojamento. (Fonte: Arquitectura Viva, n.25,p.27,
1992).

202. Vista da cobertura com detalhe de abertura na cumeeira para ventilação.


(Foto da autora, abril de 2003)

203. Maloka Makuna. (Fonte: Arquitetura Brasil 500 anos. Universidade Federal de
Pernambuco, 2002. Volume 1)

204. Vista aérea da Aldeia SOS do Amazonas. (Fonte: Severiano Porto)

205. Passeio da Circulação de Palha. (Foto da autora, março de 2004)

206. Passeio da Circulação de Palha. (Foto da autora, março de 2004)

207. Crianças ribeirinhas. (Foto da autora, abril de 2003)

208. Vista oeste da Casa-lar. (Foto da autora, março de 2004)

209. Corte esquemático mostrando o assentamento das Casas-lar em torno da


Circulação de Palha. (Desenho da autora)

210. Vista do caminho entre as Casas-lar. (Foto da autora, março de 2004)

211. Desenho esquemático mostrando a disposição das Casas-lar. (Desenho da


autora)

212. Vista da Casa-lar a partir da Circulação de Palha. (Foto da autora, março de


2004)

213. Vista da face sul das Casas-lar. (Fonte: Severiano Porto).

214. Vista da face norte das Casas-lar. (Fonte: Severiano Porto).

215. Prisma genérico retangular, configurador da Casa-lar. (Desenho da autora)

216. Desenho esquemático mostrando a disposição das Casas-lar. (Desenho da


autora)

217. Esquema da trajetória aparente do sol para Manaus. (Desenho da autora)

218. Configuração genérica da Casa-lar. (Desenho da autora)

219. Desenho esquemático, mostrando o deslocamento da massa volumétrica


da Casa-lar. (Desenho da autora)

220. Desenho esquemático, mostrando o eixo dominante da configuração


genérica da casa, transformado em eixo de circulação. (Desenho da autora)

xx
221. Interior da Casa-lar, indicando o eixo de circulação no sentido leste. (Foto
da autora, março de 2004)

222. Planta Baixa da Casa-lar. (Desenho da autora)

223. Desenho esquemático mostrando o sistema estrutural da Casa-lar.


(Desenho da autora)

224. Residência Robert Schuster em Tarumã-Açu, Manaus (1978). Planta baixa


do pavimento intermediário e corte. (Acervo pessoal do arquiteto)

225. Planta baixa e corte da Residência Tipo 1 do Condomínio Praia da Lua


(1979), Rio Negro. (Desenho da autora)

226. Desenho esquemático mostrando as transformações no volume da Casa-


lar. (Desenho da autora)

227. Fachada leste da Casa-lar.(Foto da autora, abril de 2003)

228. Detalhe da abertura para captação dos ventos na fachada leste da Casa-lar.
(Desenho da autora)

229. Desenho esquemático da Casa-lar. Notar a subtração do volume para a


criação do jardim interno. (Desenho da autora)

230. Fachada leste da Casa-lar.(Foto da autora, abril de 2003)

231. Jardim interno da Residência Severiano Porto (1971) em Manaus. (Foto:


Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

232. Planta do pavimento superior da Residência Severiano Porto (1971), em


Manaus. (Fonte: Revista Projeto, n.40, p.24,1982)

233. Jardim Interno da Casa-lar. (Foto da autora, março de 2004)

234. Jardim Interno da Casa-lar. (Foto da autora, março de 2004)

235. Vista dos elementos vazados que compõe a parede da circulação da Casa-
lar.(Foto da autora, março de 2004)

236. Desenho esquemático da planta baixa da Casa-lar. (Desenho da autora)

237. Vista dos elementos vazados na fachada principal da Casa-lar. (Foto da


autora, março de 2004)

238. Axonométrica parcial da Casa-lar. (Desenho da autora)

239. Axonométrica da Casa-lar. (Desenho da autora)

240. Corte longitudinal da Casa-lar. (Desenho da autora)

241. Vista da fachada oeste da Casa-lar. (Foto da autora, março de 2004)

242. Fachada oeste da Casa-lar. Sem escala. (Fonte: Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ)

243. Fachada leste da Casa-lar. Sem escala. (Fonte: Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ)

xxi
244. Corte esquemático da Casa-lar. (Desenho da autora)

245. Vista da fachada sul da Casa-lar. (Foto da autora, março de 2004)

246. Vista da sala de estar da Casa-lar. (Foto da autora, março de 2004)

247. Vista da sala de estar e da área íntima da Casa-lar. (Foto da autora, março
de 2004)

248. Vista dos planos de fechamento dos forros dos quartos da Casa-lar. (Foto
da autora, março de 2004)

249. Axonométrica da Casa-lar. Notar detalhe do forro dos quartos. (Desenho da


autora)

250. Esquema da ventilação do forro dos quartos. (Desenho da autora)

251. Vista do forro do teto do Quarto das Crianças da Casa-lar. (Foto da autora,
março de 2004)

252. Quarto das Crianças da Casa-lar. (Foto da autora, abril de 2003)

253. Corte Transversal da Casa-lar. (Desenho da autora)

254. Vista da pérgula da Casa-lar, situada na fachada oeste. (Foto da autora,


março de 2004)

255. Detalhe dos paus roliços rústicos, utilizados na estrutura da pérgula. (Foto
da autora, março de 2004)

256. Vista da janela da sala de estar localizada na fachada oeste. (Foto da


autora, março de 2004)

257. Vista da varanda localizada na fachada sul da Casa-lar. (Foto da autora,


março de 2004)

258. Vista da varanda localizada na fachada norte da Casa-lar. (Foto da autora,


março de 2004)

259. Planta esquemática da Casa-lar. (Desenho da autora)

260. Detalhe de janela do Quarto das Crianças da Casa-lar. (Foto da autora, abril
de 2003)

261. Detalhe de esquadria da sala de estar da Casa-lar. (Foto da autora, março


de 2004)

262. Vista do Quarto das Crianças da Casa-lar. Notar desenho da janela. (Foto
da autora, março de 2004)

263. Detalhe da janela basculante do Quarto das Crianças. (Foto da autora,


março de 2004)

264. Detalhe da janela basculante do Quarto das Crianças. (Foto da autora,


março de 2004)

265. Planta baixa esquemática do Quarto das Crianças da Casa-lar. (Desenho da


autora)

xxii
266. Vista do Quarto das Crianças. Notar a variedade de desenho das janelas.
(Foto da autora, março de 2004

267. Vista das fachadas leste e norte da Casa-lar. (Foto da autora, abril de 2003)

268. Fachada sul da Casa-lar. (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

269. Fachada Norte da Casa-lar. (Fonte: Coleção Severiano Porto,


NPD/FAU/UFRJ)

270. Casa sobre palafitas no Rio Negro, Amazonas. (Foto da autora, março de
2004)

271. Casa flutuante no Rio Negro, Amazonas. (Foto: Beatriz Santos de Oliveira,
abril de 2003)

272. Vista do interior de casa ribeirinha. Notar a abertura para ventilação na


parte superior, junto ao telhado. (Foto da autora, março de 2004)

273. Interior de casa flutuante. (Foto: Beatriz Santos de Oliveira, abril de 2003)

274. Casa flutuante típica das várzeas dos igapós amazônicos. (Foto: Beatriz
Santos de Oliveira, abril de 2003)

275. Interior da casa flutuante, sentido oposto da figura 273. (Foto: Beatriz
Santos de Oliveira, abril de 2003)

xxiii
RESUMO

O presente estudo ocupa-se da investigação do processo projetual do


arquiteto Severiano Porto, procurando compreender a correlação
existente entre o seu pensar e fazer arquitetônicos. Sua forma final
está composta de três capítulos.

No primeiro capítulo “A Trajetória do Arquiteto: uma


experiência rio-amazônica” procuramos contextualizar vida e obra do
arquiteto, tomando como ponto de partida os primeiros anos no Rio
de Janeiro.

O segundo capítulo “O Regionalismo e o Racionalismo em


Severiano Porto” refere-se ao suporte teórico que escolhemos para
compreender o nosso objeto de estudo. Trata-se da problematização
de duas idéias que permeiam a obra de Severiano Porto e que
avaliamos como sendo fundamentais nesta investigação. Ou seja: o
regionalismo, termo que a crítica normalmente utiliza para classificar
sua obra, e o racionalismo, conceito que aparece no discurso do
arquiteto pra explicar o seu processo projetual.

No terceiro capítulo trazemos o nosso estudo de caso, a


Aldeia SOS do Amazonas. Através de sua análise, buscamos captar a
síntese do amadurecimento projetual de Severiano Porto, confirmar as
idéias presentes em seu discurso, verificar os caminhos que escolhe
para resolver os problemas com que se defronta no processo de
concepção arquitetônica, assim como tentar descobrir outros
significados de sua arquitetura.

No capítulo referente às Considerações Finais, procuramos


pontuar os principais assuntos abordados nos capítulos anteriores
sobre a maneira de pensar e fazer arquitetura em Severiano Porto.

xxiv
ABSTRACT

This thesis aims to investigate the meaning of Severiano Porto's (b.


1930) architecture, through the identification of his design process.
Porto has been acclaimed as one of the most important brazilian
contemporary architects and is best known for his amazonian works
which was developed according to the specific conditions of the
tropical environment.

The first chapter "A Trajetória do Arquiteto: uma experiência


rio-amazônica" introduces the main aspects of Porto's life and work
taking as a starting point his first years in Rio de Janeiro. His goals,
concepts and family influences are outlined.

The second chapter "O Regionalismo e o Racionalismo em


Severiano Porto", aims to examine more closely two ideas that we
found as crucials to understanding Porto's architecture: the idea of
regionalism and rationalism. The first one being a term normally used
by critics to classify Porto's works, and the second a term that the
architect himself uses to describe his design process.

The third chapter introduces our case study, Aldeia SOS do


Amazonas (1993-1997), one of Porto's last comissions in Manaus,
capital of Amazonas state. Through its investigation we aim to
apprehend the synthesis of Porto's design maturity, confirm the ideas
presented in his discourse, as well as reveal other meanings of his
architecture and design process.

The main themes discussed in the previous chapters are


concluded in the last part of the thesis where we point out our
understanding of Severiano Porto's visions and strategies which leads
to his unique manner of approaching architecture.

xxv
INTRODUÇÃO

A motivação inicial deste trabalho se encontrava no interesse por

compreender de forma mais ampla o processo projetual do arquiteto,

a fim de identificar a correlação existente entre o pensar e o fazer

arquitetônicos.

De modo a dar concretude à nossa investigação e com o

objetivo de contribuir com a discussão teórica sobre nossa

arquitetura, optamos por analisar a obra de um arquiteto

contemporâneo brasileiro. A escolha do arquiteto Severiano Porto para

a nossa jornada deveu-se não só às características e à importância de

sua obra, mas também ao relativo desconhecimento que ela ainda

apresenta, mesmo entre o público especializado.

Severiano Porto é um dos mais significativos expoentes da

arquitetura contemporânea brasileira. Conhecido como o arquiteto da

Amazônia por lá ter desenvolvido boa parte de suas obras, na

realidade nasceu em Uberlândia, Minas Gerais, em 1930, tendo, no

entanto, crescido e concluído seus estudos no Rio de Janeiro. Em

1954, formou-se nesta cidade, pela Faculdade Nacional de Arquitetura

da Universidade do Brasil, juntamente com Mário Emílio Ribeiro (n.

1930), seu colaborador em diversos projetos.

O trabalho de Severiano Porto é reconhecido pelas soluções

que apresenta no encontro das tecnologias modernas e tradicionais,

pelo respeito ao contexto físico e cultural e pela coerência da

adequação da arquitetura ao clima tropical. Estas qualidades

presentes em suas obras fizeram com que sua arquitetura se

1
destacasse e recebesse diversas premiações no Brasil durante as

décadas de sessenta a oitenta. A admiração da crítica pelo seu

trabalho, principalmente pelas obras que envolvem o uso da madeira,

como por exemplo o Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de

Balbina (1983-1988) e a Pousada de Caça e Pesca na Ilha de Silves

(1979-1983), levou-o a ser reconhecido também internacionalmente.

Em 1985, Severiano Porto recebeu a láurea máxima na Bienal

de Arquitetura de Buenos Aires. Em 1987 foi escolhido pela revista

francesa Architecture D’Aujourdhui, em edição especial dedicada ao

Brasil,1 como um dos três grandes representantes da arquitetura

brasileira ao lado de Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi, recebendo a

homenagem de um artigo intitulado Severiano Mário Porto: L’Homme de

L’Année. Recentemente (em novembro de 2003), o arquiteto foi

homenageado com o título de professor honoris causa pela Faculdade

de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de

Janeiro.

É indiscutível a contribuição que este arquiteto tem dado à

arquitetura brasileira e latino-americana nestas quase cinco últimas

décadas marcadas por intensa atividade. Apontamos, entretanto, que

os valores e o significado de sua arquitetura ainda estão para ser

revelados, solicitando um trabalho que aprofunde certos conceitos

que, em nossa opinião, possam levar à compreensão maior do

pensamento e obra do arquiteto.

As poucas pesquisas desenvolvidas sobre a obra de Severiano

Porto até este momento são em sua maioria ensaios que inscrevem

1
COUSIN, Jean-Pierre. Severiano Mário Porto: L’Homme de L’Année. Revista
L’Architecture D’Aujourd’hui, n.º 251, France, jun. 1987, p. 10.

2
sua obra em um contexto mais amplo. Dentre os críticos de renome

podemos citar Hayfa SABBAG, Jorge CZAJKOWSKI, Roberto SEGRE,

Marina WAISMAN e principalmente, Hugo SEGAWA e Ruth Verde ZEIN.

Devemos apontar também o trabalho de dissertação de mestrado de

Kyung Mi LEE: Severiano Mário Porto: A Produção do Espaço na

Amazônia, publicada em 1998.2

Neste último trabalho mencionado são apresentadas fichas

técnicas com trinta e uma obras realizadas pelo arquiteto no período

de 1965-1994, todas compiladas a partir das publicações feitas em

revistas especializadas, com exceção do projeto da Aldeia SOS do

Amazonas (1993-1997), cuja documentação (fotos e informações gerais

cedidas pelo arquiteto) era até então, inédita. LEE tece considerações

sobre a adequação da arquitetura ao clima; dedica um capítulo sobre

a trajetória de Severiano Porto a partir da chegada a Manaus e esboça

no capítulo referente às Considerações Finais, a relação da obra do

arquiteto com os temas da arquitetura no cenário nacional e mundial.

O esforço de LEE em reunir as informações contidas nas

revistas especializadas de modo a oferecer ao leitor uma visão menos

fragmentada da produção de Severiano Porto é de grande mérito,

alcançando o objetivo da autora. Entretanto, o conteúdo apresentado

ainda se mostra incipiente no que diz respeito a uma compreensão do

fazer e pensar do arquiteto.

O presente trabalho dará continuidade a todos aqueles que o

antecederam que procuraram contribuir para com a compreensão da

2
LEE, KYUNG MI. Severiano Mário Porto: A Produção do Espaço na Amazônia. 1998
– Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, USP.

3
obra de Severiano Porto. Certa de que muito ainda há para ser

investigado numa obra que acreditarmos ser trabalho para uma vida

inteira, procuraremos aqui, buscar alguns caminhos que ainda não

puderam ser explorados.

Para abarcarmos a complexidade da obra de Severiano Porto,

escolhemos trilhar a nossa investigação em direção à uma leitura que

nos permitisse que aproximássemos do problema por um cruzamento

de olhares, ou seja: através de entrevistas realizadas com o arquiteto

e o convívio com ele no seu ambiente de trabalho; através de

entrevistas com seus pares, assim como com seus clientes; através da

vivência da obra selecionada para o estudo de caso, analisada in loco,

e com a análise gráfico-formal dos projetos.

Assim, a nossa escolha metodológica implicou que

privilegiássemos, em um primeiro momento, o contato com o

arquiteto. Com ele, procurávamos analisar o seu discurso para retirar

as referências epistemológicas e os princípios que orientam seu

trabalho; além disso, buscávamos conhecer sua personalidade, sua

visão de mundo, seu meio social e sua formação. Para esta tarefa,

contamos com cinco depoimentos formais do arquiteto. Outras

informações foram obtidas quando da oportunidade de freqüentar o

seu escritório no Rio de Janeiro no momento de organização do seu

arquivo. No convívio com o arquiteto, além de tomar conhecimento de

parte de sua produção,3 colocados gentilmente à nossa disposição,

3
O acervo do escritório de Manaus havia recém-chegado ao Rio de Janeiro
quando do início desta pesquisa. De maneira que grande parte da docu-
mentação ainda não se encontrava disponível.

4
pude conhecer o seu jeito de ser e a maneira como se comporta no

ambiente de trabalho.

Para que pudéssemos precisar melhor a relação entre o pensar

e o fazer em Severiano Porto, optamos por analisar criticamente uma

obra significativa de sua carreira. Escolher uma, dentre tantas, não foi

fácil tarefa, como se pode imaginar, uma vez que o arquiteto

apresenta uma vasta produção e muitas obras premiadas, todas

logicamente com sua devida importância. A escolha da Aldeia SOS do

Amazonas (1993-1997), obra localizada na cidade de Manaus, como

estudo de caso para esta dissertação, deveu-se ao fato dela ser uma

das últimas obras a ser realizada pelo arquiteto em Manaus, e

também por intuirmos, inicialmente, que através dela poderíamos

captar a síntese do seu amadurecimento projetual. Além disso ela

apresentava características que nos permitiriam recuperar outras

obras que fizeram parte do seu passado amazônico.

A Aldeia SOS do Amazonas certamente não teve a mesma

repercussão que as outras obras do arquiteto consideradas

paradigmáticas como a já comentada Pousada de Caça e Pesca, ou

ainda, o Centro de Proteção Ambiental de Balbina. Não obstante a

abordagem destas obras seja inesgotável, elas não desmerecem

aquelas outras consideradas menos relevantes, muitas vezes por

serem desconhecidas, mas que podem apresentar riquezas

(especialmente quando experienciadas in loco) comparadas com

aquelas vistas em fotos de publicação.

5
Além disso, com a Aldeia SOS do Amazonas4 percebemos que

poderíamos verificar o programa para fins educativos e residencial,

dois programas distintos de fundamental importância na prática

profissional de Severiano Porto, que, os projetos da Ilha de Silves, de

Balbina ou mesmo a premiada Residência Robert Schuster (1978), em

Tarumã Açu, não nos permitiria. Além disso, todas estas obras

consideradas paradigmáticas estão localizadas em áreas rurais,

isoladas da complexidade da área urbana onde foi realizada boa parte

das obras de Severiano Porto.

A aproximação que escolhemos para a nossa investigação

indicava que vivenciar o nosso estudo de caso, era sem dúvida um

ponto fundamental para compreendermos o gesto ordenador do

arquiteto, confirmar seu discurso e tentar encontrar na obra outros

sentidos possíveis de seu trabalho. Para MONTANER esta é uma tarefa

imprescindível para o crítico,

Dificilmente o juízo de uma obra arquitetônica poderá realizar-se sem

visitá-la, estudando-a somente por fotografias. Falta a experiência

sensorial de perceber a articulação dos espaços, de ver sua escala e

sua luz, de apalpar suas texturas, de analisar seus detalhes

construtivos, de comprovar seu funcionamento, de verificar sua

situação na paisagem.5

4
A Aldeia SOS do Amazonas consiste em uma edificação para fins
assistenciais e educativos que tem por principal finalidade abrigar crianças
carentes. Ela faz parte de uma entidade filantrópica de âmbito maior de origem
européia que é a SOS Kinderdorf-International. No nosso país, a entidade é
assistida pela Associação das Aldeias Infantis SOS Brasil.

5
MONTANER, Josep Maria. Arquitectura y crítica. Barcelona: Editorial Gustavo
Gili, 1999, p. 13.

6
Para isto, mesmo com todos os obstáculos colocados pela

distância, foi necessário nos deslocarmos para a cidade de Manaus

em uma viagem que perdurou por duas semanas durante o mês de

abril de 2003 e mais uma outra viagem de curta duração, no mês

março do ano seguinte. Lá, pudemos conhecer também o lugar que o

arquiteto atuou, assim como fazer o reconhecimento de outras obras

suas que imaginávamos nos auxiliar na compreensão do nosso estudo

de caso e de sua arquitetura como um todo.

Em Manaus também foram colhidos depoimentos de pessoas

que conviveram proximamente à Severiano Porto, assim como de

alguns de seus clientes. Entre os companheiros de profissão e amigos

podemos destacar o engenheiro Francisco Anastácio Cantisani e o

arquiteto Roger Abrahim. Depoimento igualmente relevante foi o de

Wanda Torres (responsável pelos assuntos administrativos do

escritório sediado em Manaus). O momento é oportuno para lembrar

que, no Rio de Janeiro, depoimentos fundamentais para esta pesquisa

foram aquelas cedidas pelos arquitetos Fernando Abreu, Roberto

Thompson, Mário Emílio Ribeiro e Renato Menescal.

À abordagem do vivenciamento da obra in loco, acrescentamos

uma outra, a da experiência da obra por meio de sua análise gráfica.

Esta maneira de nos aproximarmos do nosso estudo de caso, nos

traria a possibilidade de apalpá-lo de maneira a encontrarmos suas

características espaciais, a lógica da composição e estrutura, as

soluções relativas ao programa, os sistemas de circulação e os

materiais utilizados.

7
O procedimento adotado na realização deste trabalho, terminou

por sugerir sua forma final, composta de três capítulos. O primeiro,

intitulado "A Trajetória do Arquiteto: uma experiência rio-amazônica" é

onde procuramos, através da prospecção da vida do arquiteto, saber

como ele foi escolhendo suas afinidades, como foi a sua formação.

Com isso queríamos estabelecer a relação entre sua vida e obra, uma

vez que acreditamos que o arquiteto projeta com base em referências

oriundas de suas vivências tanto psicológicas e afetivas, quanto

tectônicas e artísticas.

No segundo capítulo, “O Regionalismo e o Racionalismo em

Severiano Porto”, trazemos nossa fundamentação teórica. Conforme

mencionado anteriormente foi preciso esclarecer para nossa própria

compreensão algumas idéias que a obra do arquiteto suscita. Ao longo

da pesquisa, verificamos que dos pares conceituais pertinentes para

uma compreensão do processo projetual do arquiteto — tradição e

modernidade, projeto e canteiro, regionalismo e racionalismo, decidimos

dar prioridade à estes dois últimos, uma vez que através da presente

investigação eles se mostraram como sendo os mais problemáticos, e,

portanto, carecendo de um aprofundamento maior neste momento. O

primeiro conceito, o regionalismo, foi amplamente divulgado na teoria

arquitetônica no início da década de 1980. É neste momento que a

arquitetura de Severiano Porto é reconhecida internacionalmente,

tendo a crítica valorizado o seu trabalho por fazer referência ao

contexto físico e cultural da Amazônia. Desde então, com todo o

aparente esgotamento sobre a utilização do termo regionalismo, sua

8
arquitetura continua sendo rotulada dentro de tal tendência.6 Assim

sendo, fez-se necessário analisar até que ponto tal denominação

poderia ser aplicada à obra do arquiteto.

Por um outro lado, de acordo com o discurso de Severiano

Porto (nas diversas entrevistas concedidas por ele durante a

elaboração deste trabalho) o seu processo de projeto nada mais é do

que racional. Por isto, buscamos desvendar o termo iluminando-o por

ângulos diversos, de acordo com nossa abordagem, para descobrir em

qual dos sentidos, presentes na teoria da arquitetura, condiz com a

prática de Severiano Porto.

No terceiro capítulo, “Aldeia SOS do Amazonas”, trazemos

nosso estudo de caso, analisado a partir das nossas intenções

metodológicas, já comentadas.

No último capítulo, “Considerações Finais”, buscamos pontuar

os principais aspectos abordados ao longa da pesquisa sobre a

maneira de fazer e pensar a arquitetura em Severiano Porto. Também

tecemos outras considerações que só puderam ser reveladas no

decorrer do trabalho e confirmadas com a análise da obra escolhida

como estudo de caso. Nos referimos especialmente a uma

peculiaridade na maneira de ser de Severiano que influiu diretamente

no projeto da Aldeia: a de ser antes de tudo, um educador.

6
Prova do que acaba de ser dito é a inclusão da entrevista concedida por
Severiano Porto a Alberto Petrina para a revista SUMMA, n. 210, 1985, no mais
recente livro organizado pelos críticos Alexander TZONIS e Liane LEFAIVRE (um
dos principais propagadores do regionalismo crítico),“Tropical Architecture:
critical regionalism in the age of Globalization”, publicado pela Wiley Academy
da Grande Bretanha, em 2001.

9
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

“Sempre houve muitas razões para viajar, das quais a


mais simples – já complexa – consiste em fazê-lo pelo
lucro e pela aventura, dois móveis dificilmente
separáveis, até entre os mercadores das Mil e Uma
Noites e em Marco Polo. Para converter a uma religião
em que se crê outros homens...como os franciscanos a
se embrenhar no império mongol, Francisco Xavier no
Japão, ou ainda os monges hindus a evangelizar a
China.... Em outros casos, para reencontrar, como
Ulisses, uma pátria perdida, ou, como parece ter sido a
esperança dos grandes navegadores primitivos pelo
Pacífico, para procurar um ilha mais propícia que aquela
que se deixava. Logo um novo móvel se acrescenta a
esses motivos: a procura do conhecimento. Ulisses,
como tão bem o viu o poeta grego moderno Kavafis,
deve encontrar nas inumeráveis escalas que o separam
de Ítaca uma oportunidade de se instruir e de gozar a
vida.”

Marguerite Youcenar7

7
YOUCENAR, Marguerite. A Volta da Prisão. Tradução Maria Luiza X. de A.
Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p. 117.

10
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1. a trajetória do arquiteto:
uma experiência rio-amazônica

Que visão de mundo poderia ter um jovem homem que aos trinta e

cinco anos deixa a urbe, no Sul do país, para uma duradoura viagem à

“longínqua” região Amazônica, com clima, cultura e hábitos tão

diferentes daqueles em que fora criado o citadino? Severiano Porto

chega à Manaus em 1965. Leva em sua bagagem certamente uma

dose de aventura e da vitalidade dos viajantes de YOUCENAR e, no

espírito, o ato demiúrgico, pois o destino irá reservá-lo a tarefa de

organizar e planejar a paisagem de uma cidade e restaurar a sua

condição de civilidade, após anos de decadência. Não é por menos. O

momento de chegada do arquiteto Severiano Porto em Manaus é

ímpar: muito ainda estava por se fazer na cidade e havia poucos

profissionais do ramo na região. Os primeiros projetos colocados em

suas mãos, a convite do governador Arthur Cezar Ferreira Reis, foram

a reforma do palácio do Governo — o Palácio Rio Negro — e o projeto

da Assembléia Legislativa do Estado.8 O empreendimento, que a

8
O contato de Severiano Porto com o então governador do Amazonas já era de
longa data. O historiador e pesquisador amazonense, Arthur C. F. Reis e sua
família, além de vizinhos de Severiano no bairro de Botafogo, no Rio de

11
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
princípio estava previsto para durar apenas algumas semanas, se

estenderia por algumas décadas, culminando em uma intensa

atividade profissional que totaliza um catálogo de 280 obras, sendo

boa parte destas dedicada à Amazônia. Embora as duas obras

mencionadas anteriormente não tenham se concretizado, elas foram

responsáveis por abrir as portas para outras vindouras. Nas semanas

em que passou na cidade de Manaus, o arquiteto tomou

conhecimento dos planos do Governo para outros projetos. Logo

acabou por se envolver com o Estádio Vivaldo Lima, obra de grande

porte que o fez se deslocar com a família para Manaus, em 1966.

Como nos diz Marguerite YOUCENAR, são muitos os motivos

que levam os homens a realizar suas viagens, sendo o mais simples

aquele movido pelo trabalho com o indispensável ingrediente aventura.

Zenão, um dos grandes viajantes da obra da escritora, era médico e

viajava pela necessidade do ganha-pão, mas seu principal objetivo era

expor-se ao desconhecido, romper com os preconceitos e costumes,

deixando-se atritar com os estrangeiros — ganho maior de uma

viagem feita por um homem inteligente —, como também o fez o

imperador Adriano.9

Janeiro, seus filhos estudavam no Colégio Brasil-América, propriedade de


Mário de Magalhães Porto, pai de Severiano. Quando este já havia se formado e
estava trabalhando no centro da cidade, ele e o professor Arthur Reis,
costumavam tomar o mesmo ônibus para o centro da cidade. Com a Revolução
de 31 de Março de 1964, Arthur Reis que presidia a SPEVEA (Superintendência
do Plano de Valorização Econômica da Amazônia)—veio a ser indicado
governador do Amazonas. Neste mesmo ano solicita ao arquiteto Severiano
Porto o projeto de reforma do escritório da Representação do Governo do
Estado do Amazonas no Rio de Janeiro e o convida à Manaus para que
elaborasse alguns projetos. Como era fim de ano, Severiano Porto retardou o
convite para o ano seguinte e somente em janeiro de 1965 viaja ao Norte do
país.

9
YOUCENAR, op. cit. p. 118-121.

12
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Viajar é deixar o cotidiano para entrar no olhar do outro,

encontrar outros pontos de vista, é experimentar o olhar múltiplo, é

ver de fora e de dentro, ou como nos diz BELUZZO, é confrontar o

“universo interior com o exterior”.10 O gosto pelo inusitado condiz com

a prática do viajante que deseja desvendar os mistérios do mundo e

que não teme o desafio.

A “viagem” de Severiano Porto à Amazônia foi sem dúvida uma

trajetória profícua na vida do arquiteto. Mas, para que esta história

profissional fosse bem sucedida, muitos desafios precisaram ser

vencidos. Certamente sua profunda seriedade profissional foi

fundamental na construção de sua trajetória, bem como essencial

também sua personalidade aberta para o mundo, com o gosto

apurado pela vivência do cotidiano e para o aprendizado.

1.1 o primeiro caminho: Caruaru-Uberlândia-Rio

Severiano Mário Vieira de Magalhães Porto nasceu em Uberlândia,

interior de Minas Gerais, no dia 19 de fevereiro de 1930. O pai, Mário

de Magalhães Porto, nascido em Caruaru, interior de Pernambuco, era

filho de um político da cidade, o prefeito Leocádio Porto, hoje nome

de uma importante praça local. Dr. Mário deixou Pernambuco por

Minas Gerais, ainda jovem. Formou-se na Faculdade de Direito de

Recife e assim que passou a exercer a função de Promotor da Justiça,

foi transferido para a cidade de Uberlândia, onde, paralelamente ao

10
BELUZZO, Ana Maria de Moraes. O Brasil dos Viajantes. Catálogo da
Exposição. Museu de Arte de São Paulo, 1994, p.34.

13
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
cargo de promotor, atuou como figura notável no ramo da educação,

uma de suas maiores paixões.

Além de diretor do Ginásio Mineiro de Uberlândia, uma das

escolas mais significativas para a história da educação da cidade,11

Mário de Magalhães Porto foi também o fundador, junto com o irmão

Nelson, do Liceu de Uberlândia, um anexo do Ginásio.

Dr. Mário era uma pessoa que contagiava os alunos pela sua

dedicação ao ensino e pelo seu espírito idealista. Sua esposa, Maria

de Lourdes Vieira Porto, compartilhava dos ideais do marido. Tendo

se formado na Escola Normal, em Recife, tornou-se sua companheira

de vida e de profissão.

A proximidade com o ambiente de ensino marcaria a formação

de Severiano Porto. De fato, podemos afirmar que o arquiteto

respirou, literalmente, desde o seu primeiro momento de vida, ares do

ambiente de ensino, pois nasceu nas dependências do Ginásio Mineiro

de Uberlândia e ali viveu até os cinco anos de idade, quando a família

mudou-se para o Rio de Janeiro.

No antigo Distrito Federal, seus pais seguiriam suas vidas como

educadores, envolvendo-se como professores de diversas escolas e

também assumindo cargos de direção (Dr. Mário foi diretor do Colégio

Anglo-Americano). No Rio de Janeiro também foram proprietários do

Colégio Brasil-América, uma escola particular localizada no bairro de

11
Para maiores detalhes, ver pesquisa realizada pelos historiadores da
educação Décio Gatti Júnior e Cristina do Vale Gatti da Universidade de
Uberlândia: GATTI, Décio e GATTI, Giseli Cristina do Vale. Representações sociais
sobre a importância da escola estadual de Uberlândia no processo de urbanização e
modernização da cidade de Uberlândia (1929-1950). Disponível em:
<www.cetadl.bham.ac.uk/hes/abstract/decio5sp.doc> Acesso em: 01 jan.
2004 e também a dissertação de mestrado: GATTI, Giseli Cristina do Vale.
História e Representações Sociais da Escola Estadual de Uberlândia (1929-
1950).Uberlândia, 2001.

14
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Botafogo. Sua atuação na área da Educação fê-lo inclusive presidente

da Associação de Ensino Particular. Em seus depoimentos, Severiano

recorda-se da personalidade apaixonada do pai, uma pessoa que vivia

intensamente o trabalho, que falava dos seus interesses e ideais com

muito ardor.

Com Severiano Porto não foi diferente. Além da extensa

atuação como arquiteto, dedicou-se paralelamente ao ensino por

quase três décadas (1972-1999), como docente da disciplina

Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Tecnologia da Universidade

do Amazonas. Como se não bastasse, foi membro do Conselho da

Secretaria Estadual de Cultura do Amazonas (1967-1970) e um dos

responsáveis por implantar, naquele Estado, o Conselho Regional de

Engenharia Arquitetura e Agronomia (CREA) e o Instituto dos

Arquitetos do Brasil do Amazonas (IAB-AM).12

A educação recebida por Severiano Porto e sua irmã Carlota,

um ano mais velha, incluía o incentivo às atividades artísticas, como a

prática musical, uma herança da família como lembra Severiano: “[...]

papai tocava piano, mamãe tocava piano, tocava também bandolim;

tocava mais em Recife, e papai cantava, compunha, mamãe também

fazia uma espécie de sarau; a família era muito alegre!”13 Severiano

estudou teoria musical por dois anos na Escola Nacional de Música.

12
Severiano Porto foi Delegado Regional do Amazonas do Instituto de
Arquitetos do Brasil – IAB, no período de 1972 a 1976 e seu presidente no
período de 1977 a 1980. Foi também conselheiro do CREA-AM-RR, entre 1976-
1979, tendo, em 1979, recebido o Certificado de Serviço Relevante à Nação
concedido pelo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
Entre 1980 a 1983 foi Conselheiro Federal do Conselho Federal de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia – CONFEA. (Fonte: Currículo do arquiteto, 2002)

13
Depoimento do arquiteto Severiano Porto em 30 de janeiro de 2003.

15
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Deste aprendizado ficou o gosto pela gaita, a qual muito lhe apraz

tocar nos momentos oportunos. Embora a música estivesse sempre

presente em sua vida, seu maior interesse na infância foi pelo desenho

e, desde cedo, não teve dúvidas de que seria arquiteto. Em nenhum

momento houve, por parte de seus pais, oposição em relação à opção

profissional feita por Severiano Porto, que sempre teve muita

autonomia em suas escolhas.

1.2 um carioca por formação

Severiano Porto cresceu e concluiu seus estudos em Botafogo, Zona

Sul carioca, numa época em que predominava no bairro a paisagem

horizontal formada por casas, vilas e ruas arborizadas. Esse ar

bucólico começa a ser alterado no final da década de 1940, quando

despontam os primeiros edifícios de apartamentos.

Um dos endereços da família Porto foi uma casa confortável,

em uma vila construída na primeira década do século XX, localizada

na Praia de Botafogo, 462, uma das poucas ainda existentes na

região. Ali também residia a família do Professor Arthur Cézar Ferreira

Reis que, em 1964, vem a ser Governador do Amazonas, quando

então convida Severiano para realizar alguns projetos em Manaus.

Foi na Escola México, uma escola pública localizada na rua da

Matriz, em Botafogo, onde Severiano Porto concluiu o primário. Era

Fig. 1: Vila residencial na uma pródiga época para a Educação, marcada por grandes incentivos
Praia de Botafogo, 462. Local
onde residiu a família Porto culturais. Severiano tem a lembrança de ir cantar, com a turma da
por volta da década de 1930-
1940. (Foto da autora) escola, no campo do Vasco da Gama com o Maestro Heitor Villa-

16
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Lobos, que ensaiava durante o ano todas as professoras das escolas

públicas.14

Severiano fez o ginásio no Colégio Anglo-Americano e uma

parte do científico no Andrews,15 completando o segundo grau no

Colégio Brasil-América, de propriedade de seus pais. Logo depois

prestou o vestibular e entrou para a Faculdade Nacional de

Arquitetura da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do

Rio de Janeiro.

Muitas vezes a formação do discurso inicial de um arquiteto

pode ser alterada, tomando direções diversas das idéias formuladas

durante a juventude. No caso de Severiano, entretanto, observamos

que o caminho trilhado formou-se sobre uma estrutura sólida e

coerente. Os anos de estudante na Faculdade Nacional de Arquitetura

e os dez primeiros anos como arquiteto no Rio de Janeiro foram

momentos decisivos na construção do seu discurso. Na Faculdade, as

amizades, os interesses e as atividades extracurriculares direcionavam

os princípios que desenhariam o seu perfil de arquiteto.

A Faculdade Nacional de Arquitetura, onde o arquiteto

Fig. 2: Severiano Porto em álbum de Severiano Porto se graduou no ano de 1954, funcionava no edifício da
formatura de 1954. (Fonte: Acervo
Fernando Abreu).

14
Nesta época, o educador Anísio Teixeira assumira a Diretoria da Instrução
Pública do Distrito Federal (1931-1935), e Heitor Villa-Lobos foi seu
colaborador na Superintendência de Educação Musical e Artística.

15
Foi nesta escola o primeiro contato de Severiano Porto com o amigo Roberto
Thompson Motta, também arquiteto, formado na mesma turma da Faculdade
Nacional de Arquitetura, em 1954. Thompson foi professor da Faculdade
Nacional de Arquitetura por quarenta anos. Em seu escritório, ainda em
funcionamento, dedicou-se aos projetos de luminotécnica e acústica. Seu
currículo inclui mais de 3000 projetos. O escritório de Severiano Porto e Mário
Emilio Ribeiro contou com a participação da especialidade do arquiteto e
amigo em diversos projetos, dentre os quais podemos citar o Campus da
Universidade do Amazonas (1973/1981-1990), o Hospital da Santa Casa de
Misericórdia (1978), o Ambulatório Médico do IPASEA (1979), a Escola de
Música e Clube do Trabalhador do SESI em Fortaleza (1978-1980).

17
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
antiga Escola Nacional de Belas-Artes,16 que nos anos trinta fora palco

das reformas propostas por Lúcio Costa e da formação da primeira

geração de arquitetos modernistas tais como Affonso Eduardo Reidy,

Alcides da Rocha Miranda, Oscar Niemeyer, Luiz Nunes entre outros.

Para Severiano Porto e seus colegas de turma, dentre os quais

destacamos Mário Emílio Ribeiro — seu sócio, amigo e responsável

pelo escritório do Rio de Janeiro entre 1968-1989 —, Roberto

Thompson, Ennio Passafini, Ricardo Menescal, Gilda Pontual, Harry

James Cole, Waldir Lima Amaral, Walmor Prudencio, Raquel Sisson e

Fernando Abreu, os anos de graduação foram vividos com euforia

tanto pela vivência cotidiana nas instalações da Faculdade, edifício

eclético projetado no início do século XX por Adolfo Morales de Los

Rios, onde hoje funciona o Museu Nacional de Belas-Artes, quanto

pela vivência cultural e política da cidade, naquela época ainda

Fig. 3: Mário Emílio Ribeiro em Distrito Federal. Em depoimento recente, Severiano Porto assim
álbum de formatura. (Fonte: Acervo
Fernando Abreu) recorda:

Na Belas-Artes todos nós convivíamos juntos do primeiro ao quinto ano.

Sempre todo intervalo de aula tinha lá o Billy Blanco cantando e todos

nós em volta. Eu ia com os alunos do quinto ano que estavam se

formando, a gente saía junto, fui com eles visitar Ademar de Barros,

quer dizer, éramos um todo. Além da facilidade de que as provas todas

eram públicas, nas circulações, nas galerias do Museu. Então, nós

tínhamos a chance de ver do primeiro ao quinto ano, todas as provas

que se faziam em cada semestre, de todos os alunos. Você sentava

junto, ficava vendo eles. Do primeiro ano você já tinha uma noção do

16
Com a reforma no ensino em 1945, a faculdade de arquitetura passa a ser
independente da Escola de Belas Artes, denominando-se a partir de então
Faculdade Nacional de Arquitetura.

18
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
curso inteiro, você via o mesmo tema sendo resolvido por cento e

tantos alunos, cada semestre, e de cada matéria. Então, eu estou

dizendo, ali tinha uma comunhão. Já no Fundão17 não tem.18

Fig.4: Os colegas da turma de 1954 da Faculdade Nacional de Arquitetura. Da


esquerda para a direita, Severiano Porto é o segundo, logo ao lado dele, ao
centro, Ricardo Menescal. Fernando Abreu é o segundo da direita para a
esquerda. (Fonte: Acervo Fernando Abreu)

Os colegas da turma de 1954 também compartilham da

mesma opinião sobre os momentos agradáveis que a escola

proporcionava aos estudantes. Assim nos relata Fernando Abreu:

A turma era muito unida como era praxe na época. Hoje se perdeu o

espírito de turma, pela dimensão incrível das faculdades, pelo sistema

de créditos que joga os alunos de uma turma para outra, que passam

17
O arquiteto está aqui se referindo ao edifício onde funciona a atual
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, localizado no Campus da Ilha do Fundão.

18
Depoimento do arquiteto Severiano Porto em 30 de setembro de 2003.

19
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
praticamente a se desconhecer! Não é aquilo de iniciar no primeiro ano

e chegar até ao final do curso, com a turma sempre unida.19

Bons professores e profissionais compunham o quadro docente

da Faculdade naquela época, entre eles o estudioso e autor de vários

livros sobre a arquitetura luso-brasileira, Paulo Santos, também

fundador da firma Pires e Santos; o arquiteto e artista plástico, Ubi

Bava; o professor Carlos Del Negro, de Cerâmica e Modelagem; o

professor Gustavo Bandeira de Melo, de Concreto Armado; o professor

Adhemar Cunha Fonseca, de Mecânica Racional; entre outros.

Fig. 5: Professor Adhemar


Cunha Fonseca, em álbum
Neste período de que estamos tratando — da formação do
de formatura da turma de
1954. (Fonte: Acervo Fernando
Abreu) arquiteto — a arquitetura brasileira tinha reconhecimento

internacional. Era um momento de prestígio para uma arquitetura que

veio a ser símbolo de um país emergente em processo de

industrialização. Os anos de 1950 e 1960 representaram um período

de crescimento econômico para o Brasil; viveu-se a euforia do Plano

de Metas do Governo JK (1956-1960), do ‘Brasil Grande’, que

corporificou os desejos de modernização tendo como símbolo máximo

a inauguração de Brasília, em 1960.

Neste contexto, o clima em geral era bastante positivo. Havia


Fig. 6: Carlos del Negro,
em álbum de formatura da trabalho garantido para a maioria dos jovens graduados pela
turma de 1954. (Fonte: Acervo
Fernando Abreu)
Faculdade Nacional de Arquitetura, quase todos já comprometidos

com os escritórios especializados antes mesmo de formados.

Fernando Abreu20 comenta, por exemplo, que embora tivesse

se decidido por outros caminhos, já tinha seu lugar garantido no

19
Depoimento do arquiteto Fernando Abreu em 26 de setembro de 2003.

20
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
escritório de Jorge Machado Moreira — na época envolvido com o

projeto do Campus da Universidade na Ilha do Fundão — onde

estagiou durante todo o curso. Outros como Walmir Lima Amaral, que

entrou cedo para o escritório do arquiteto Henrique Mindlin e ali fez

sua carreira; Mário Emílio Ribeiro, que estagiou com Sergio Bernardes

e depois também ingressou para o escritório de Mindlin, onde ficou

por alguns anos, participando ativamente de sua equipe. Com

Severiano Porto não foi diferente. Tendo iniciado sua carreira como

estagiário na Construtora Ary C. R. de Brito, nos dois últimos anos da

Faculdade, ali permaneceu por mais onze anos como arquiteto, até

envolver-se com os projetos na Amazônia.

Se o panorama cultural dos anos de formação de Severiano

Porto era de prestígio para a arquitetura brasileira, era também para

a cultura nacional em um sentido amplo. No Brasil floresciam a bossa-

nova, as publicações de Carlos Drummond de Andrade, Clarice

Lispector, João Guimarães Rosa, Jorge Amado. No universo das artes

surgiam os trabalhos dos concretistas e neoconcretistas nas figuras

de Hélio Oiticica, Waldemar Cordeiro, Lygia Clark, Almícar de Castro e

Franz Weissmann.21

Neste quadro de manifestações artístico-culturais, é possível

sentir o espírito questionador e contestador que começa a ser

delineado no mundo, na expressão da rebeldia desenhada nas vozes

20
Fernando Abreu dos Santos consolidou sua carreira profissional como
arquiteto da construtora Servenco. Dentre as obras realizadas junto a esta
firma, destaca-se o projeto do Rio Design Center do Leblon, e mais
recentemente, o Rio Design Center, na Barra da Tijuca (RJ).

21
SEGRE, Roberto. Razão, natureza e intuição na arquitetura carioca. In: Índio
da Costa. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo; Casa da Palavra,
2003, pp. 8-39.

21
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
da cultura Beat, no surgimento do rock-‘n-roll, no existencialismo, no

ressurgimento do surrealismo.

A turma de 1954 da Faculdade Nacional de Arquitetura não

estava alheia às mudanças de seu tempo. Ficou conhecida como a

Turma do Barulho, pois seus membros estavam envolvidos não só com

a liderança do Diretório Acadêmico, desde o início da graduação,22

como também em peripécias que deixavam a diretoria de “cabelo em

pé”. Certa vez foram flagrados (pelos vizinhos dos outros edifícios)

tomando banho despidos na caixa d’água da Escola. Muitas vezes

eram tidos, também, como rebeldes, pelas reivindicações que faziam,

sendo uma delas a insistência em terminar o curso no Museu Nacional

de Belas Artes e não na Praia Vermelha como planejava a diretoria —

antes da mudança da escola para a Cidade Universitária, na Ilha do

Fundão —, proeza que acabaram conquistando, rendendo-lhes um

outro título, agora de os Últimos do Museu.

Em suas atividades extra-curriculares, muitos deles se reuniam

no Clube Excursionista Carioca, fundado por Ricardo Menescal.

Faziam parte do clube rapazes e moças que se juntavam para fazer

caminhadas nos morros do Rio de Janeiro e em outras regiões mais

distantes. Eram também alpinistas, gostavam de conquistar o

desconhecido, de viver aventuras, de estarem próximos da natureza.

Severiano, por exemplo, junto com seus colegas da Faculdade,

Ricardo Menescal e o primo deste, Luis Fabrício Menescal, escalou e

22
Foi lançada, nesta época, a candidatura do colega Ricardo Menescal, feito
seu presidente logo em seguida.

22
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
conquistou o paredão CEPI no Pão de Açúcar, subiu também o Pico

das Agulhas Negras e o de Itatiaia.

Fig. 7: Cartaz comemorativo elaborado por Severiano Porto para os 46 anos da


turma de 1954, “Os Últimos do Museu”. (Fonte: Acervo Fernando Abreu)

Uma característica curiosa dos jovens do Clube Excursionista

Carioca era que a visão ecológica já impregnava seu comportamento e

antecipava em algumas décadas a idéia de preservação e respeito à

natureza. É o arquiteto Renato Menescal, um dos freqüentadores do

Clube e irmão de Ricardo Menescal, quem nos relata:

Eram as primeiras pessoas que eu ouvi falar que não se devia derrubar

uma árvore, não se devia jogar lixo no chão, isso não existia, essa

mentalidade ecológica naquela época, não existia; e já esse pessoal, o

Severiano, Fernando Abreu e outros já tinham essa visão.23

23
Depoimento do arquiteto Renato Menescal em 22 de setembro de 2003.

23
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

Fig.8: Jornal O Globo, 21-03-1996. Reportagem sobre os 50 anos do Clube


Excursionista Carioca, criado em 1946, por Ricardo Menescal. No centro da
foto, segurando a flâmula do Clube, Severiano Porto, na extrema direita, seu
amigo e colega da Faculdade Nacional de Arquitetura, Ricardo Menescal. (Fonte:
Acervo Fernando Abreu)

O depoimento de Menescal muito pode nos dizer sobre a

conduta profissional de Severiano Porto, que anos mais tarde na

Amazônia, desenvolveria uma arquitetura sensível ao entorno e

cuidadosa com o homem e com o ambiente em que habita.

As escolhas feitas por Severiano em sua juventude já

mostravam ser ele uma personalidade em sintonia com os

acontecimentos de sua época. Gostava de se envolver com grupos, de

participar da vida em comum, de estabelecer o diálogo.

O espírito engajador que Severiano Porto mostrou na profissão,

como professor e atuante nas entidades de classe, já podia ser sentido

desde os tempos de graduação, quando participava ativamente das

tarefas organizadoras do meio em que se inseria, como nos relata:

24
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
No primeiro ano da Faculdade eu já entrei como tesoureiro do diretório

acadêmico; no segundo ano eu já era presidente da associação atlética;

no terceiro ano eu já era da federação carioca. Depois no quarto e

quinto anos, eu fui ser representante de turma...eu e o Passafini.24

O mesmo espírito participativo e aberto ao conhecimento

continuou após a graduação. No envolvimento com as entidades de

classe surgiram oportunidades de conhecer profissionais que

participariam de seu trabalho desenvolvido na Amazônia:

[...] depois eu passei a me envolver com o IAB [RJ], até cheguei a

organizar uns cursos, foi quando eu conheci os colegas que

trabalhavam no Banco do Brasil que faziam especificações,

orçamentos, faziam preço unitário de cada serviço...cronograma de

serviços [...].25

Os colegas mencionados por Severiano foram os engenheiros

Milber Guedes e Sérgio Serzedelo. Juntos elaboraram um caderno de

encargos muito utilizado por Severiano Porto na Amazônia. Este

caderno, porque continha as especificações dos materiais e as etapas

de execução das obras, propiciava contar com o apoio jurídico

necessário nos trâmites com as construtoras, tornando-se um recurso

de fiscalização que agilizava o andamento das obras. Como nos

24
Depoimento do arquiteto em 30 de janeiro de 2003. O arquiteto Ennio
Passafini (já falecido) foi um dos grandes companheiros de Severiano Porto.
Cursaram a mesma escola no primário e depois mais tarde a Faculdade
Nacional de Arquitetura. Juntos formaram a Construtora Contemporânea no
Rio de Janeiro, realizando alguns projetos em parceria, antes da mudança de
Severiano Porto para a Amazônia.

25
Idem.

25
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
lembra Ruth Verde ZEIN: “Esse caderno foi adotado em todo o

Amazonas e era mais avançado que o usado no resto do país”.26

Desde o começo de sua formação profissional, Severiano

mostrou-se absolutamente confiante no seu posicionamento em

relação à arquitetura. Ainda como estudante, por exemplo, acreditava

na necessidade de ampliar seu conhecimento, envolvendo-se em todas

as etapas do projeto de arquitetura:

Por isso que eu senti desde jovem que arquitetura era fazer. Eu estava

no segundo ano quando fui trabalhar com o professor Maurício Sued

que era de instalação elétrica e hidráulica; eu achava importante saber

elétrica e hidráulica.27

Não intencionava ser um especialista no assunto, mas sim ter

um controle maior em todas as etapas do projeto. Severiano Porto

buscava o conhecimento prático da arquitetura, do saber fazer que

compreende a troca entre o projeto e o canteiro. O trabalho na

construtora Ary C. R. de Brito foi a oportunidade que lhe propiciou

ampliar seu conhecimento:

Fui trabalhar lá dois anos antes de me formar. Foi uma maravilha

porque tinha as obras, eu fazia detalhes, ia para a obra. Os mestres

eram competentíssimos, porque, antigamente, vinha de pai para filho.

Então eles sabiam tudo. Quando vinha o marmorista eu ia para lá e a

gente via como é que ele montava, como ele desenhava, como a pedra

26
PENTEADO, Sílvia; ZEIN, Ruth Verde e YAMASHIRO, Denise. A longa
trajetória da efervescência cultural do Rio a Manaus. In: Projeto. São Paulo, n.
83, jan. 1986, p. 47.

27
Depoimento do arquiteto Severiano Porto em 30 de setembro de 2003.

26
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
entrava na parede, o pé de galinha quando chegava, assim no patamar,

a gente ia vendo [...].28

Severiano se refere aos anos de aprendizado proporcionado

pela construtora do arquiteto Ary C. R. Brito como uma grande escola.

Naquela firma, além da oportunidade da convivência com o saber dos

mestres-de-obras, era possível também observar o preparo dos

desenhos, sempre executados com muito rigor, desde aqueles

referentes à locação dos pilares até os detalhes das esquadrias das

janelas.

Ainda que mostrasse o seu apreço pela construtora em que

trabalhava, o desejo de Severiano Porto sempre foi ter o seu próprio

escritório. Assim, ainda em 1953, no quarto ano de faculdade,

Severiano Porto e os colegas Waldir de Mello Mattos, Ennio Passafini e

Fernando Abreu, abrem o seu primeiro escritório. A experiência

certamente contribuiu para o aprendizado dos jovens ao capacitá-los

para prestar serviços na área de desenho além de desenvolver projetos

alheios. O WEFS (iniciais dos arquitetos), entretanto, não teve longa

Fig. 9: WEFS Arquitetos. Escritório duração, pois parte do grupo seguiu por caminhos distintos tão logo
sociedade de Waldir de Mello
Mattos, Ennio Passafini, Fernando os sócios se graduaram. O escritório continuou com a dupla Ennio
Abreu e Severiano Porto. (Fonte:
Acervo Fernando Abreu)
Passafini e Severiano Porto. Os dois rapazes, que se conheciam desde

os tempos do primário, formaram a Construtora Contemporânea.

Juntos, os jovens arquitetos lançaram-se nos primeiros experimentos

significativos de suas carreiras.

28
Idem.

27
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
No subcapítulo Os Primeiros Experimentos, a seguir, teremos a

oportunidade de examinar dois exemplos desta parceria — os edifícios

de apartamentos Saint Malo (1957) e Saint Etienne (1958).

1.3 os primeiros experimentos

Nos dez primeiros anos de recém formado, considerando os anos

compreendidos entre a data de formatura, em 1954, até o ano de

1964, quando o Governador Arthur Cézar Ferreira Reis solicita os

projetos de Manaus à Severiano, o arquiteto sedimenta os

fundamentos da prática arquitetônica, o que lhe dá segurança em seu

ofício para atuar na Amazônia.

A experiência adquirida na Construtora Ary C. R. Brito ainda

deu a Severiano Porto possibilidades de solucionar problemas

específicos de projeto, ligados diretamente ao processo construtivo,

cumprindo prazos restritos, em um trabalho caracteristicamente

pragmático, de grande racionalidade. Foi nessa construtora que o

arquiteto adquiriu boa parte de sua experiência profissional, antes de

ir para a Amazônia.

Paralelamente ao trabalho na construtora, Severiano Porto

lançou-se também em alguns projetos independentes. Não foram

muitos. Existem catalogados no Núcleo de Pesquisa e Documentação

da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, onde hoje se encontra o acervo do arquiteto, apenas

quatro projetos da fase inicial, todos do início da década de 1960. São

eles: o Colégio e Escola Normal Santa Dorotéia (1962), a Papelaria Piril

28
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
(1963), a Residência Comandante Nélio de Lima (1963) e a

Representação do Governo do Estado do Amazonas (1964).

Além das obras mencionadas, Severiano Porto também

acumulou em seu currículo inicial alguns projetos de maior porte,

principalmente edifícios de apartamentos construídos entre as

décadas de 1950 e início de 1960, em bairros da Zona Sul carioca.

Algumas dessas obras foram escolhidas para serem

examinadas na presente pesquisa pela importância que tiveram no

exercício de aprendizagem do arquiteto Severiano Porto. Essas obras

não estão catalogadas. Com a ajuda do arquiteto, pudemos localizar

algumas delas, obtendo os desenhos documentados no Arquivo da

CEDAE e no Arquivo de Irajá Secretaria Municipal de Urbanismo.

A habitação multifamiliar foi um programa recorrente na

prática do arquiteto Severiano Porto, desde o início de seu trabalho na

Construtora Ary C. R. Brito, firma que se especializou em tal tipo de

construção, voltada principalmente para as classes média e média

alta cariocas. Graças à experiência ali acumulada (Severiano Porto

começou a estagiar na construtora no 3° ano da faculdade), o

arquiteto pôde projetar, ainda como recém-formado, o Edifício Saint

Malo (1957) em Ipanema, o Edifício Saint Etienne (1958) no Leblon e o

Edifício Cachoeira Dourada em Copacabana, todos eles realizados em

parceria com o amigo e companheiro de faculdade Ennio Passafini.

Severiano Porto também participou de outros projetos de

edifícios em autoria exclusiva; são eles: os edifícios Derby (1958) e o

Lagoa das Raízes (1962), ambos localizados no bairro da Lagoa.

Todos os edifícios mencionados, exceto o Cachoeira Dourada,

pela impossibilidade de localizá-lo, serão examinados a seguir.

29
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
O Edifício Saint Malo

Localizado na Rua Gomes Carneiro n° 141, em Ipanema, o Saint Malo

(1957) foi uma encomenda do empreendedor e engenheiro civil Manoel

Pessoa de Mello Farias, responsável pela assinatura do projeto e

execução da obra. O edifício de nove andares, incluindo cobertura,

teve sua implantação limitada às possibilidades do terreno e às

restrições do código de obras. O térreo, em pilotis, é ocupado pelo hall

de entrada e por vagas de garagem. De acordo com o memorial de

especificações do projeto, publicado na revista Brasil Arquitetura

Contemporânea, n° 11, de 1957, o hall teria “...piso em mosaico de

Fig. 10: Edifício Saint Malo mármore, fechamento frontal e lateral em estilo moderno, com vidros
(1957), Ipanema, RJ. Projeto de
Severiano Porto e Ennio amplos e lisos, rodapé de aço inoxidável...”, palavras que, de certa
Passafini. (Foto da autora)
forma, denunciam o desejo dos jovens projetistas de estarem filiados

à uma linguagem arquitetônica contemporânea.

No Edifício Saint Malo o andar tipo é formado por quatro

apartamentos de dois ou três quartos cada, conforme o desejo do

morador. As áreas noturnas e diurnas ora se voltam para a fachada


Rua Gomes Carneiro
frontal, dando para a rua Gomes Carneiro, ora para os fundos do lote.
N
0 15 m No miolo do edifício se concentram as áreas de circulação — ponto de

Fig. 11: Planta de situação,


ligação entre as duas alas —, e os vazios para ventilação e iluminação,
Edifício Saint Malo (1957).
(Desenho da autora) para onde também se voltam um dos quartos e as áreas de serviço.

Embora as soluções de planta sejam muito compartimentadas,

sem a permeabilidade que a estrutura independente possibilita,

percebe-se um desejo de avançar na sua organização, ao oferecer uma

solução de flexibilidade, como pode ser verificado no memorial

30
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
apresentado na revista mencionada, em trecho que segue transcrito

abaixo:

Na solução que permite suprimir um dos quartos de frente, e que, ao

nosso ver é a solução ideal para uma reduzida família, devemos

observar em primeiro lugar que com o possível aumento da família, o

apartamento poderá voltar a situação primitiva de 3 quartos, mediante

obras rápidas e de custo insignificante, permitindo, enquanto isso o uso

de uma sala muito maior, e de um quarto de padrão muito superior ao

comum, sem alterar nenhuma das demais comodidades do

apartamento.29

Fig. 12: À esquerda, planta tipo com solução de três quartos. À direita, planta
tipo, com área da sala expandida, ocupando um dos quartos de frente. (Fonte:
Revista Brasil-Arquitetura Contemporânea, n. 11, 1957)

29
Memorial do projeto apresentado na revista Brasil-Arquitetura Contemporânea,
n. 11, 1957.

31
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
O conceito de flexibilidade se apresenta de modo incipiente no

Edifício Saint Malo, mas será uma idéia recorrente nos projetos

desenvolvidos por Severiano na Amazônia. Ele aparecerá tanto em

edifícios de pequeno porte, quanto de grande porte. Na residência do

Dr. Heliandro Maia (1973), por exemplo, construída no Condomínio

Parque Residências (1972), em Manaus, Severiano opta pelo

fechamento em madeira nas divisões internas que separam os quartos

dispostos em seqüência (ver figura 14). Tal recurso permite, sem

muitos custos, ampliar ou reduzir as áreas dos quartos, conforme as

necessidades de uso.

Fig. 13: Vista da fachada sul da Fig. 14: Planta superior da Residência Heliandro Maia (1973). (Fonte: Casa e Jardim,
Residência Heliandro Maia (1973). n.259, 1976, p. 109)
(Foto da autora)
Fig. 15: Fachada sul da Residência Heliandro Maia (1973). (Fonte: Casa e Jardim, n.259,
1976, p. 109)

O conceito de flexibilidade também permeará o projeto para o

Condomínio Praia da Lua (1979), localizado na praia de mesmo nome

no Rio Negro, a 30 minutos de barco de Manaus. Para viabilizar a

venda de loteamento do cliente, Severiano elabora um projeto de fácil

construção, sem necessidade de mão-de-obra especializada. O projeto

é apresentado em forma de um caderno, semelhante à um manual de

instruções, que o empreendedor oferece ao futuro proprietário,

mediante a compra do terreno. Ali são encontrados, além das

32
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
especificações de dois tipos diferentes de casa (2 ou 3 quartos),

idealizadas em peças de madeira pré-fabricadas, uma variedade de

desenho de esquadrias, tipos de fechamento para as divisórias

internas e cobertura de telhados, para serem eleitos conforme o

desejo do usuário (ver figura 23).


Fig. 16: Planta de situação do
Condomínio Praia da Lua. (Fonte:
Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

Fig. 18 e 19: Corte e planta baixa da residência Tipo 1 do Condomínio Praia da


Lua (1979). (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

Fig. 17: Vista da região do Con-


domínio Praia da Lua. (Foto da autora)

Fig. 21: Corte da residência Tipo 2 do Condomínio Praia da Lua (1979). (Fonte:
Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

Fig. 20: Vista da casa Tipo 1 do


Condomínio Praia da Lua. (Foto da
autora)

Fig. 22: Vista do interior da casa


Tipo 1 do Condomínio Praia da Fig. 23: Exemplos de fechamentos e esquadrias especificados para as casas-
Lua. Notar as estruturas em tipo do Condomínio Praia da Lua (1979). (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)
madeira pré-fabricadas. (Foto: Beatriz
Oliveira)

33
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
É interessante observar que o conceito de flexibilidade da

moradia está diretamente ligado às idéias que defendem a

participação do usuário na arquitetura, coincidindo com o movimento

ecológico, em evidência nos anos 70. Entretanto, devemos lembrar

que o conceito já havia sido anunciado pelos arquitetos da vanguarda

do século XX, e já estava presente, no contexto holandês, com a Casa

Schröeder (1924), de Gerrit Rietveld, na mobilidade das divisões

internas, e também na proposta de Le Corbusier no Museu do

crescimento ilimitado (1931), onde é dada ênfase especial aos

conceitos de crescimento e flexibilidade da arquitetura.

São exatamente estes conceitos que direcionaram vários

projetos de grande porte realizados por Severiano em Manaus, como a

Sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus — SUFRAMA—

(1971) (ver pág. 63) e o Campus da Universidade do Amazonas

(1973/1981-1990) (ver pág.67), ambos concebidos a partir de módulos

estruturais, visando a expansão e o crescimento dos complexos.

Retornando à análise do Edifício Saint Malo, a fachada é

tratada com aberturas diferenciadas, dada a variação das dimensões

das esquadrias e dos seus tipos, ora com folhas de correr, ora de

abrir. Linhas verticais e horizontais, levemente protuberantes, criam

áreas de sombras e luz, de cheios e vazios, mesmo que timidamente.

As duas faixas verticais que cortam a fachada de cima a baixo, não

ficam em muita evidência, provavelmente pela ausência dos tijolos

aparentes das vedações na parte inferior das janelas — como indicado

no projeto de aprovação — o que certamente criaria um contraste

mais interessante. Os detalhes das esquadrias em madeira com o

34
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
desenho da bandeira em veneziana fixa, evidenciam o cuidado com

relação à ventilação.

Na parte central da fachada, que corresponde à área social,

foram adotadas as portas-janela (ver figura 24), formando sacadas com

o parapeito em gradil, solução esta que, além de permitir uma boa

aeração e iluminação dos cômodos internos, também permite uma

maior relação entre o interior e o exterior.

Fig.24: Detalhe do desenho das es-


quadrias do Edifício Saint Malo. (Foto
da autora)

O Edifício Derby

Fig.25: Edifício Derby (1958) Projeto de Severiano Mário Porto. Lagoa, Rio de
Janeiro. (Foto da autora)

Iniciativa do empreendedor Sr. Murilo Siqueira Campos e outros, o

Edifício Derby (1958), localizado na rua Alexandre Ferreira, 291, na

Lagoa, foi para Severiano Porto uma experiência inédita, uma vez que

tanto o projeto quanto a fiscalização da obra foram de sua inteira

responsabilidade. Severiano Porto acompanhou minuciosamente

35
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
todos os passos da construção do edifício, da locação dos pilares à

contagem das ferragens da estrutura.

Em termos de implantação, o Edifício Derby, tal como o Saint

Malo, não apresenta recuos frontais ou laterais e assim como esse,

tem as áreas de circulação concentradas no miolo do edifício.

O Edifício Derby foi construído com quatro andares

(respeitando o gabarito do bairro à época), com dois apartamentos de

três quartos cada. A área de convívio em dois ambientes ocupa toda a

extensão frontal da fachada, ligando-se à área de dormir, voltada para

a fachada posterior, por um longo corredor.

Rua Alexandre Ferreira

N
0 10 m

Fig.26: Planta de situação do Edi-


fício Derby(1958). Rua Alexandre
Ferreira, 291, Lagoa. Projeto de
Severiano Mário Porto. (Desenho da
autora)

Fig. 27: Planta do pavimento tipo do Edifício Derby(1958), Lagoa. Projeto de


Severiano Mário Porto. Sem escala. (Fonte: Arquivo CEDAE com alterações da autora)

36
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Cozinhas, banheiros e áreas de serviço concentram-se na parte

central de cada apartamento, junto aos respectivos poços de

ventilação/iluminação. Os apartamentos do 4° pavimento se

diferenciam dos demais pelo acesso à cobertura, onde foram previstas

áreas de estar e terraço.

O resultado formal do Edifício Derby é sóbrio, constitui-se em

prisma regular, sem adornos. Aqui não aparece o tratamento da

fachada em grelha, como sugerida no Edifício Saint Malo, mas sim

esquadrias em fita, de desenho limpo.

O Edifício Saint Etienne


Av. Delfim Moreira

Rua General Artigas


N

0 10 m

Fig. 28: Planta de Situação, Edifí-


cio Saint Etienne (1958), Av. Delfim
Moreira, 952, Leblon-RJ. Projeto
de Severiano Porto e Ennio
Passafini. (Desenho da autora)

Fig. 29: Edifício Saint Etienne (1958). Projeto de Severiano Mário Porto e Ennio
Passafini. (Foto da autora)

37
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
O Edifício Saint Etienne (1958),30 localizado no bairro do

Leblon, foi um projeto da parceria Severiano Porto e Ennio Passafini

para o mesmo cliente do Edifício Saint Malo, o engenheiro civil Manoel

Pessoa de Mello Farias, também responsável pela construção do

imóvel.

Diferente dos demais edifícios analisados até o momento, o

Saint Etienne apresenta uma localização privilegiada, ao ocupar o

terreno da esquina formada pela avenida Delfim Moreira, paralela à

orla marítima, e a rua General Artigas. O andar térreo em pilotis e a

situação de esquina do edifício possibilitaram a permeabilidade visual

entre as duas ruas, fazendo com que o edifício dialogasse com o

espaço público.
Av. Delfim Moreira

Rua General Artigas


N

0 10 m

Fig. 30: Planta do pavimento tipo do Edifício Saint Etienne (1958). O


apartamento da esquerda, com as iniciais em azul, tem a vista principal
voltada para a orla marítima. Já os dois apartamentos da direita, com as
iniciais assinaladas em verde, tem as áreas noite e dia voltadas para a rua
General Artigas. Sem escala. (Fonte: Arquivo CEDAE com alterações da autora)

No Edifício Saint Etienne cada andar possui três apartamentos;

um de quatro quartos que ocupa praticamente a metade do pavimento

30
As datas dos edifícios de apartamentos analisados neste subcapítulo, são
referentes ao Projeto de Aprovação.

38
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
tipo, com vista para o mar, e dois de três quartos — de configuração

espelhada — que se voltam para a rua General Artigas. As entradas

sociais dos apartamentos de quatro e três quartos são distintas, a

primeira tem acesso pela Avenida Delfim Moreira e a segunda para a

rua General Artigas.

A organização interna dos apartamentos privilegiou as áreas

noturnas e diurnas com suas aberturas voltadas para as ruas, exceto

um dos dormitórios dos apartamentos de três quartos que é ventilado

e iluminado pelo prisma interno, para onde também se voltam as

áreas de serviço.

Por meio de escadas internas independentes, é feito o acesso

dos apartamentos do último pavimento (no 4° andar) à cobertura,

onde se encontram as áreas de terraço, salão e um pequeno banheiro

projetados para cada um dos três apartamentos.

A massa prismática do Edifício Saint Etienne se dilui com a

malha ortogonal das fachadas — que organiza as esquadrias das

janelas — mas cuja repetitividade é por sua vez interrompida pela

faixa vertical na fachada frontal e da empena cega localizada na

esquina.

Com a atual obra de manutenção, foram retirados daquela faixa

os elementos que vedam parcialmente as janelas ali contidas, que

correspondem às aberturas de um dos banheiros do apartamento de

frente.

Não é necessário um grande esforço para perceber que o

Edifício Saint Etienne e os dois analisados anteriormente, conquanto

compartilhem do padrão de ocupação que visa o aproveitamento

máximo do lote — em decorrência da pressão do mercado imobiliário

39
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
— falam em linguagem similar àquela então adotada por arquitetos

cariocas de renome que tiveram suas formações vinculadas ao ideário

da arquitetura moderna, como é o caso dos irmãos Roberto, Firmino

Saldanha, Sergio Bernardes entre outros que também receberam

comissões de edifícios de apartamentos no Rio de Janeiro. Sempre

que possível estes arquitetos, ainda que limitados pelas condições dos

lotes de quadra compactada, aplicavam elementos da nova

arquitetura, como o uso do pilotis, a janela em fita e em grelha, a

utilização dos quebra-sóis, conferindo uma qualidade arquitetônica

aos edifícios de apartamentos, procurando destacá-los da massa

anônima.

Devemos, entretanto, destacar que nos edifícios ora em análise,

sente-se falta de um tratamento adequado para suas aberturas, como

é o caso do Edifício Derby, cuja fachada frontal, voltada para noroeste,

recebe uma grande quantidade de insolação. O mesmo irá acontecer

com o Edifício Lagoa das Raízes, realizado por Severiano Porto, em

1962, para a construtora RJ OAKIM. Neste projeto, que será

apresentado a seguir, a fachada frontal, com orientação desfavorável,

recebe panos de vidro em toda a sua extensão.

40
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Edifício Lagoa das Raízes

O Edifício Lagoa das Raízes configura-se em uma torre de 16 andares

assentada sobre três pavimentos de garagem e pilotis, localizado na

subida da rua Gastão Bahiana, 615, no bairro da Lagoa.

A situação desse edifício difere dos analisados anteriormente,

pela peculiaridade do sítio, um lote de aclive acentuado, e pela sua

implantação em centro de terreno. O pavimento tipo apresenta quatro

apartamentos, dois de quatro quartos voltados para a rua Professor

Gastão Baihana e dois de três quartos voltados para a rua Presidente

Alfonso Lopez, do lado oposto.

Fig. 31: Edifício Lagoa das Raí-


zes (1962), Lagoa-RJ. Projeto de
Severiano Porto. (Foto da autora)

Rua Pres. Alfonso Lopez

na
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s tão
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0 15 m

Fig. 32: Planta de Situação, Edi- Fig. 33: Planta baixa do pavimento tipo. Edifício Lagoa das Raízes (1962),
fício Lagoa das Raízes (1962), Lagoa. Sem escala. Projeto de Severiano Porto. (Fonte: Arquivo CEDAE com alterações
Lagoa. Projeto de Severiano da autora)
Porto. (Desenho da autora)

41
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
É possível notar no Edifício Lagoa das Raízes uma hierarquia no

tratamento das faces do volume: enquanto a fachada frontal é tratada

homogeneamente, com a leveza dos panos de vidro, as demais

fachadas possuem um peso maior dos cheios sobre os vazios.

A opção pelo uso da malha reticulada na fachada frontal revela

um compromisso com uma linguagem estética vinculada ao Estilo

Internacional e à imagem corporativa que passa a ganhar força nos

anos 60. Podemos apontar como antecedente desta linguagem na

habitação verticalizada na cidade carioca, o Edifício Jardim Leonor

(1954), projeto do arquiteto Álvaro Vital Brazil. Aqui a fachada em

cortina de vidro também se expõe à insolação desfavorável, sem

qualquer proteção de brises, combogós e outros elementos vazados

tão caros à primeira geração de arquitetos modernistas cariocas.

Podemos considerar que os edifícios de apartamentos


Fig. 34: Edifício Jardim Leonor
(1954), Ipanema-RJ. Projeto de realizados por Severiano Porto na fase inicial de sua carreira foram,
Álvaro Vital Brazil. (Fonte: Guia da
Arquitetura Moderna no Rio de Janeiro)
para o arquiteto, um campo de aprendizado, principalmente no que

diz respeito às questões dos procedimentos construtivos e da

racionalização da construção. Entretanto, a idéia de adequação do

edifício, principalmente em relação às variáveis climáticas, um dos

princípios norteadores de sua arquitetura amazônica, se apresenta

ainda incipiente nas proposições dos edifícios analisados.

Além da experiência com o programa da habitação

multifamiliar, um outro projeto significativo na vida profissional de

Severiano Porto — em termos de exigência pelo seu porte — foi o

desenvolvimento do projeto do Colégio e Escola Normal Santa

Dorotéia (1962), em Pouso Alegre, Minas Gerais, que ocorreu antes de

sua partida para a Amazônia. Embora o Colégio não tenha sido

42
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
construído, sua importância pode ser avaliada, na fase inicial de

Severiano Porto, pela exigência de uma série de pesquisas

programáticas até então inéditas em sua prática. Assim, além das

instalações comuns exigidas para o funcionamento de um colégio, era

preciso prever, também, uma capela e outras áreas que servissem à

rotina das freiras residentes, como dormitórios, refeitório,

ambulatório, etc. “...aí eu sugeri, logo de saída”, comenta o arquiteto,

“viajarmos juntos vendo outros colégios e ir analisando, porque sem

comparar você não consegue”.31

Com este projeto, o arquiteto descobriu um método de

pesquisa que se tornará freqüente em seus futuros projetos. Diante de

um programa que fugia aos padrões de sua rotina profissional, ele

incluiu o método de pesquisa de campo, da observação e vivência

diretas em projetos análogos; com isto pôde avaliar a exigência do

programa e sua adequação ao funcionamento do espaço. Severiano

Porto utilizou este mesmo procedimento em diversos projetos

realizados na Amazônia. Para a realização da CEASA (Central de

Abastecimento S/A) de Manaus, em 1973, percorreu suas sedes no

Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo.

Percebeu, através das pesquisas realizadas em campo, que o

programa exigia uma estrutura flexível, pois em muitos locais os

pavilhões eram abandonados por não se adaptarem às atividades de

produção agrícola que se modificavam de tempo em tempo. Por meio

da observação, Severiano Porto resolveu adotar um sistema estrutural

padronizado, em concreto armado, que podia se diversificar, ampliar

ou reduzir, conforme as necessidades de cada lugar. Aqui, como

31
Depoimento de Severiano Porto em 30 de janeiro de 2003.

43
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
podemos notar, aparece novamente a idéia de flexibilidade para um

programa de grande porte.

O projeto do Hospital Santa Casa de Misericórdia (1978),32

também exigiu do arquiteto uma ampla pesquisa de campo. O

complexo que pretendia ser um Centro Comunitário Integrado de

Saúde no Distrito Industrial de Manaus, equipado com os padrões

mais avançados da Medicina, seria um hospital-referência para a

região. Para a sua realização, Severiano Porto passou seis meses

analisando minuciosamente o funcionamento de hospitais de outros

Estados. Vestia-se de médico, passava horas nos centros cirúrgicos

observando cada detalhe das atividades e das questões de higiene.

Visitava todas as áreas dos hospitais, conversava com os funcionários

— dos médicos ao pessoal do almoxarifado —, e assim ficava sabendo

dos pormenores do funcionamento dos espaços.

Fig. 35: Hospital Santa Casa de Misericórdia (1978), Manaus. Projeto de


Severiano Porto (não construído). (Fonte: Revista CJ Arquitetura, n. 20, 1978)

Em Severiano Porto, a experiência do mundo palpável, das

leituras do mundo concreto, da interação com a realidade, são

essenciais na sua maneira de fazer arquitetura. As concepções

espaciais e os detalhes construtivos que leva para a prancheta são

44
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
inegavelmente alimentados pelas observações de erros ou acertos

conhecidos na prática do ofício.

Assim também acontece em relação à vivência da obra, uma

questão que aparece com freqüência na fala de Severiano Porto. Para

ele, a experiência do canteiro de obras é essencial para todo arquiteto.

Mostra-se seriamente preocupado com a formação do profissional que

recebe pouco estímulo nas escolas de arquitetura na aquisição do

conhecimento prático. Neste sentido, o seu discurso chega a ganhar

mesmo um tom radical quando enfatiza o papel da obra no processo

projetual, como demonstram suas palavras em recente depoimento:

A outra coisa que eu digo é que tem que acabar com a idéia de que

arquiteto faz projeto. Arquiteto não faz projeto! O arquiteto faz obra!

Obra! Quando você vai falar com o cliente, ou que ele te chama, que

vão ao terreno, é obra-na-etapa-de-ir-ao-terreno! Na hora que você vai

ter reunião com o contratante...é obra-na-fase-da-reunião-com-o-

contratante! A fase da proposta, é a obra na fase-de-proposta-de-

projeto! E fica tudo assim, não é. E depois é a obra...é a fase do estudo

preliminar. Depois vem a fase do estudo de ante-projeto. Depois vem a

fase do projeto, mas do ante-projeto você já tem que contactar com

todos os calculistas, os outros que vão começar a dar as informações

que vão alterar o seu projeto em função do que vem deles, e ao mesmo

tempo depois você vai ter que fazer desenhos com eles, para que eles

depois possam dar retorno e fazer as coisas deles certas. Hoje, com o

computador, isso é uma maravilha. Antigamente era desenho. Então...e

finalmente a obra na fase de fundações. A obra, não é ser designer, não,

tem que entender muito de técnicas construtivas, dos materiais, e você

32
Projeto não construído.

45
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
não tem que ir para modismo, porque nenhum material novo invalida

os anteriores, o outro, o tradicional.33

É neste sentido da arquitetura como prática que Severiano

conduzirá sua arquitetura amazônica. É com a compreensão da

arquitetura como construção, como detalhe, como resultado de um

olhar depurado a partir da conquista do dia-a-dia no canteiro, da

pesquisa em campo, do constante diálogo com o mundo concreto, que

fará com que Severiano Porto proponha soluções, as mais diversas, de

acordo com o que a experiência mostrasse como sendo a mais

correta, a mais adequada para cada situação.

1.4 a fase amazônica: ampliação de um olhar

Severiano planejava acompanhar as obras do Colégio e Escola Normal

Santa Dorotéia passo a passo, fiscalizando-a da mesma maneira como

havia feito com o edifício Derby. Já estava quase se mudando para

Pouso Alegre, quando houve a renúncia de Jânio Quadros. Com a

situação econômica do país instável, o financiamento para as obras do

Colégio foi suspenso e a obra jamais concretizada. Não fosse este

episódio em sua vida é bem provável que Severiano Porto não tivesse

ido para a Amazônia. “Graças a Deus, não deu certo”— comenta o

arquiteto Renato Menescal—“porque aí eu acho que ele se saiu muito

melhor... eu acho que o destino caiu bem para ele, ele foi morar no

lugar que devia”.

33
Em entrevista concedida à autora em 14 de janeiro de 2003.

46
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
De fato, o que nos demonstra a trajetória de Severiano Porto na

Amazônia é que este foi o local que ofereceu ao arquiteto novas

possibilidades de refletir sobre sua postura projetual. Até este

momento, sua prática resumia-se em uma racionalidade construtiva,

visando a maximização dos espaços em função do mercado

imobiliário, e de conteúdo programático que lhe oferecia pouca

oportunidade para novos experimentos. Na Amazônia, entretanto, o

mundo era outro; as condições que lá encontrou — as especificidades

do lugar, com cultura, paisagem, clima, completamente distintos do

Rio de Janeiro, a diversidade e número de comissões que recebera,

foram, sem dúvida, um vasto campo de aprendizado para o arquiteto.

A partir de sua chegada ao Amazonas, foram mais três décadas

e meia de uma rica experiência de vida e de profissão e de um legado

para a arquitetura brasileira. Sua produção, que teve seu início no Rio

de Janeiro em meados da década de 50, somou cerca de trezentos

projetos.34

Aproximadamente um terço desta produção foram projetos de

grande vulto, desenvolvidos junto aos órgãos governamentais do

Amazonas. A primeira comissão recebida se deu ainda no Rio de

Janeiro, com a reforma da Representação do Governo do Estado do

Amazonas, em 1964, a pedido do Professor Arthur Cezar Ferreira

Reis, já feito, nesta época, governador do Amazonas. A convite do

mesmo governador e de seus sucessores, o arquiteto pôde

34
Severiano Porto doou o seu acervo ao Núcleo de Pesquisa e Documentação
da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2003. Lá ele deixou catalogados
duzentos e oitenta projetos. Há ainda outros não catalogados, como edifícios
de apartamentos no Rio de Janeiro, alguns apresentados nesta pesquisa, e
estudos, que o arquiteto optou por não doar ao acervo. O número de projetos
realizados pelo arquiteto, portanto, torna-se impreciso. São estimados cerca de
trezentos projetos.

47
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
desenvolver, nas próximas décadas, vários projetos arquitetônicos de

escolas, campus universitário, centrais telefônicas —no interior e na

capital —, sedes administrativas, secretarias de Governo, centros

culturais, reservatórios de água, e toda sorte de programas, inclusive

intervenções urbanas como loteamentos, condomínios e plano diretor

como o que realizou para o Distrito Industrial de Manaus, bem como o

projeto de urbanização da Praia de Ponta Negra (1992), visando o

desenvolvimento da cidade e seus arredores.

Além do significativo trabalho desenvolvido no Amazonas, vale

lembrar que o arquiteto desenvolveu projetos para outros estados

como Roraima, Rondônia, Mato Grosso do Sul e Ceará.35

Além das comissões recebidas pelas obras públicas,

Severiano Porto desenvolveu grande variedade de programas

particulares como banco, lojas, restaurante, hotéis, e ainda uma

significativa produção de natureza residencial (unifamiliares em sua

maioria), para uma clientela formada pela elite local – profissionais

liberais e empresários – que passou a valorizar e acreditar no trabalho

do arquiteto à medida que este ia ganhando fama devido à sua

seriedade profissional e novas idéias e experimentações que ia

introduzindo em sua arquitetura. Ou seja: a releitura sofisticada das

técnicas construtivas e materiais locais, valorizando e enobrecendo

aquilo que até então era desprezado.

É importante lembrar que a arquitetura amazônica de

Severiano Porto só passou a ser realmente aceita pela elite local

quando o arquiteto recebeu o reconhecimento externo, ao ser

35
Ver Apêndice, para a lista das obras do arquiteto.

48
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
premiado em diversas categorias, em sua maioria pelo Instituto dos

Arquitetos do Brasil – IAB/RJ,36 o que fez com que suas obras logo

ganhassem espaço na literatura especializada, tornando possível

ainda mais a divulgação do seu trabalho na região.

Um marco neste sentido foi o restaurante Chapéu de Palha

(hoje demolido), premiado em 1967 pelo IAB/RJ. O restaurante de

características rústicas, especializado em culinária regional,

localizado em Adrianópolis, na época, um bairro tranqüilo da cidade

de Manaus, passa a ser referência turística e motivo de orgulho no

lugar. Tal foi o êxito deste projeto que um empresário, em outra

localidade da Amazônia, decide copiá-lo inteiramente, partindo dos

desenhos de publicação.37

O Chapéu de Palha teve uma grande importância na vida

profissional de Severiano Porto, pois representou um momento de

passagem entre um fazer baseado na racionalidade construtiva, para

um outro que começa a dialogar poeticamente com a arquitetura. A

linguagem utilizada era sem precedentes em sua prática. Severiano

36
Pelo Instituto de Arquitetos do Brasil Severiano recebeu as seguintes
premiações: em 1965, Estádio Vivaldo Lima, Manaus, AM - Menção Honrosa
Edifício para fins esportivos e recreativos; em 1967, Restaurante Chapéu de
Palha, Manaus, AM - Edificações para fins comerciais e de abastecimento; em
1971, Residência do Arquiteto, Manaus, AM - Edificações para Habitações -
Prêmio Marcelo Roberto; em 1971, Superintendência da Zona Franca de
Manaus – SUFRAMA, Manaus, AM - Edificações para fins institucionais e
administrativos - 1º Prêmio na Categoria “Edifício Públicos”; em 1972,
Reservatórios Elevados da COSAMA, Manaus, AM - Edifício para fins de
abastecimento; em 1978, Residência Robert Schuster, Tarumã-Açu, Manaus,
AM e Residência do Dr. João Luiz Osório, Cabo Frio, Rio de Janeiro - Habitação
Unifamiliar; em 1982, Pousada de Caça e Pesca na Ilha de Silves, AM; em
1986, Personalidade do Ano - IAB/RJ-86 Severiano Mário Porto e Mário Emílio
Ribeiro; em 1987, Campus da Universidade do Amazonas, Manaus, AM e
Centro de Proteção Ambiental de Balbina, Presidente Figueiredo, AM. No
exterior o arquiteto recebe o seguinte prêmio: em 1985, Premio Universidad de
Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina.

37
Severiano Porto pediu que a indenização pelos direitos autorais fosse doado
a uma instituição educacional do município de Boa Vista, Roraima, local onde
se deu a cópia do projeto.

49
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
adotou para a edificação um sistema construtivo semelhante a uma

estrutura de guarda-chuva, a partir de materiais disponíveis na região:

troncos de aquariquara (madeira abundante no local, geralmente

utilizada em postes de iluminação); cobertura em palha de palmeira.

Para a fundação, Severiano optou pelas sapatas aparentes feitas de

concreto e para o piso do salão e paredes externas o acabamento em

tijolo.

Fig. 36: Planta de situação do Res-


taurante Chapéu de Palha (1967).
(Fonte: Revista ABA, n. 1, p. 116)

Fig. 37, 38, 39 e 40: Ao lado, da


esquerda para a direita - corte e
planta de madeiramento do telha-
do. Em baixo, da esquerda para a
direita - planta baixa, e planta de
estrutura de telhado e madeira-
mento do forro do Restaurante
Chapéu de Palha. (Fonte: Revista ABA,
n. 1, p. 117-118)

Fig. 41: Restaurante Chapéu de Pa- Fig. 42: Fachada posterior do Restaurante Chapéu de Palha (1967). (Fonte: Revista
lha, Manaus (1967). (Fonte: Catálogo ABA, n. 1, p. 119)
da Associação Brasileira dos Escritórios de
Arquitetura)

50
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Para uma melhor compreensão da trajetória profissional de

Severiano Porto, é importante lembrar que, por ocasião de sua

chegada à Manaus em meados da década de 1960, dava-se início a

um dos maiores empreendimentos realizados pelo Governo brasileiro,

de integração e ocupação da Amazônia. Diversas medidas foram

criadas para revigorar a economia da capital amazonense e cumprir o

projeto de integração da Amazônia Ocidental, que se intensificou a

partir de 1967, com a criação da Zona Franca de Manaus.38 Até

aquele momento, a região se encontrava isolada e em lastimável

situação, após cinco décadas de abandono desde o período triunfal do

“ciclo da borracha” e sua queda fatídica na segunda década do século

XX.

A paisagem urbana de Manaus praticamente desconhecia a

atuação de profissionais da área da arquitetura e do urbanismo. A

mais importante intervenção urbanística até então havia acontecido no

final do século XIX, com a iniciativa do Governador Eduardo Ribeiro —

ele próprio responsável pelos traços urbanísticos da cidade — na

época da riqueza proporcionada pelo comércio da borracha. De

acordo com o historiador Márcio SOUZA,39

O jovem coronel-engenheiro Eduardo Ribeiro governando o Amazonas

durante a nascente República, movimentando um fabuloso erário

38
RIBEIRO, Vitor Filho. Manaus: Crescimento Demográfico e Espacial. In:
Amazônia em Cadernos. Manaus: EDUA 1998, v. 4, pp.313-314.

39
SOUZA, Márcio. A Expressão Amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo.
(1a ed.) São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1978, p. 90.

51
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
público sonha com uma Manaus imensa, urbanizada e próspera, como

uma Paris dos Trópicos.40

Entre 1920 e 1960 pouco se construiu na cidade de Manaus, e

o que era feito não se adequava à realidade da região, eram modelos

importados de outras localidades. A imagem de progresso e de

crescimento na cidade esteve sempre simbolicamente associada a

modelos arquitetônicos de regiões diferentes e distantes, muitas vezes

incompatíveis com o contexto amazônico.

O governo do Professor Arthur Cezar Ferreira Reis41 marcou

uma nova fase para o Estado do Amazonas. Durante os três anos de

sua administração, implantou um programa de infra-estrutura básica

para a capital e o interior; soube valorizar e reconhecer a importância

da arquitetura para a nova organização que buscava. Além de

Severiano Porto, ainda foram contratados os serviços da firma dos

arquitetos Luis Carlos Antony e Fernando Pereira da Cunha,

incumbidos da realização do Plano Diretor da cidade de Manaus

(projeto não realizado), e o arquiteto César Oiticica, para a

40
A pequena cidadela com características de aldeia, se transforma. Nesta
época era diretamente da Europa que partiam os padrões de conforto e de
cultura. A cidade foi suprida de serviços de luz, esgotos, água, transporte
urbano e fluvial; ruas alargadas foram traçadas, igarapés soterrados. A aldeia
ganhava outro ar e a sociedade uma outra maneira de viver. Palácios,
palacetes, teatro, cervejaria, fábricas, jardins e monumentos foram erguidos,
tudo importado da Europa, incluindo os construtores, engenheiros, mestres de
obras e operários.

41
Vale ressaltar que o Governador Arthur Cezar Ferreira Reis foi um profundo
conhecedor da Amazônia. Sua produção intelectual se concentra na
especialidade de história e economia desta região. Um dos seus primeiros
cargos públicos, logo depois de bacharelar-se em Ciências Jurídicas e Sociais
no Rio de Janeiro, foi a direção do Departamento de Educação e Cultura do
Amazonas. Em Manaus, sua terra natal, também exerceu o magistério em
vários educandários, além de ter colaborado com o Jornal do Comércio do seu
pai, o jornalista e teatrólogo carioca Vicente Reis. Deu continuidade à vida
pública ao assumir outros cargos, entre os quais, a chefia da Divisão de
Expansão Econômica do Ministério do Trabalho e Diretor do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia, no Rio de Janeiro.

52
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
coordenação da Companhia de Habitação do Amazonas, todos eles

procedentes do Rio de Janeiro .

maturidade projetual

Severiano Porto foi o arquiteto encarregado da maior parte das obras

públicas. Durante o governo do Dr. Arthur Reis (1964-1967), projetou o

Estádio Vivaldo Lima (1965), a CAMTEL – Companhia Amazonense de

Telecomunicações – (1965), as Escolas Pré-Fabricadas — Escola Rural

(1965), o Parque Dez de Novembro (1967), o Anexo do Palácio do Rio

Negro (1966), a Polícia Militar do Estado do Amazonas (1967).

Fig. 43: Companhia Amazonense de Telecomunicações — CAMTEL (1965).


(Fonte: Revista ABA, n. 1).

Fig. 44: Planta baixa. Escolas Pré- Fig. 45: Perspectiva. Escolas Pré-Fabricadas – Escola Rural (1965). (Fonte:
Fabricadas – Escola Rural (1965). Revista ABA, n. 1)
(Fonte: Revista ABA, n. 1)

No início, era Severiano Porto quem acompanhava todos os

passos das obras em andamento. Com a obra do Estádio de Futebol

53
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Vivaldo Lima42 por exemplo, além de autor do projeto, também foi

encarregado da direção geral da obra. Com esta responsabilidade,

chegava a contar as ferragens das estruturas como havia feito com a

construção do Edifício Derby, no Rio de Janeiro. Em uma dessas

ocasiões, devido ao rigor do arquiteto, foi possível detectar um erro de

Fig. 46: Estádio Vivaldo Lima cálculo de uma laje subterrânea que estava sendo feita sob uma rua
(1965). Foto da maquete. (Fonte:
Revista Arquitetura, n. 42)
onde passariam caminhões pesados; o engenheiro responsável já

tomava a iniciativa de desmanchar o que havia feito, quando

Severiano interceptou-o, decidindo por uma estrutura mais forte.

Assim, o espaçamento das ferragens “que deveria ser a cada quinze”,

comenta Severiano, acabou sendo a “cada dez”. Segundo Severiano,

Fig. 47: Estádio Vivaldo Lima. Corte neste caso, era melhor errar por excesso. Certamente, foi a
marquise. (Fonte: Revista Arquitetura, n.
42)
experiência prévia adquirida no canteiro de obras no Rio de Janeiro

que lhe deu o conhecimento necessário para exigir um trabalho sério e

de qualidade.

Na época de sua chegada à Manaus, a disponibilidade de

pessoal especializado era muito pouca. Não havia escolas de

engenharia ou arquitetura. Isto fez com que ele, mesmo tendo se

estabelecido em Manaus com a família em 1966, mantivesse o

escritório do Rio de Janeiro para realizar todo o trabalho de

detalhamento de projetos e coordenação de todos os serviços

complementares, como cálculo estrutural, serviços de luminotécnica,

acústica e ar-condicionado. O escritório carioca ficou sob a

responsabilidade do arquiteto Mário Emilio Ribeiro, com quem

Severiano Porto manteve sociedade entre os anos de 1965 e 1989. A

42
Além do arquiteto Mário Emilio Ribeiro esta obra também teve como colabo-
rador o arquiteto Murillo Lagares Silva.

54
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
competência e o profissionalismo do colega foi de inestimável valor

para o andamento dos trabalhos de grande porte desenvolvidos na

Amazônia.

A condição de benfeitor e colaborador para a construção de

uma cidade que passou a ser a grande irradiadora do desenvolvimento

da Amazônia Ocidental, sensibiliza o arquiteto profundamente. Ele se

torna uma das figuras mais importantes da cidade de Manaus.43

De uma certa forma, podemos dizer que Severiano Porto

também se via com a responsabilidade de um educador, pois o

quadro amazônico, na época de sua chegada, era de desânimo; tudo

estava por se fazer na região, e muito do que era feito, principalmente

na cidade, não se adequava à realidade local.

É importante mencionar que a reivindicação por construções

mais adequadas à paisagem e clima amazônicos já aparecia nas vozes

de alguns intelectuais da região.44 O escritor Luiz de Miranda

CORRÊA, por exemplo, expõe suas convicções sobre uma arquitetura

adequada para a Amazônia, em artigo publicado em 1963 na revista

Arquitetura:

É tempo dos arquitetos, engenheiros da Amazônia brasileira, criarem

um estilo identificado com as necessidades do trópico. Criarem uma

arquitetura identificada com a terra, com o clima, com o homem,

43
Em 1970 Severiano Porto ganha as páginas da Revista Veja, na seção
Ambiente, com o artigo O arquiteto das madeiras (Revista Veja. Editora Abril, n.
112 – 28 de outubro de 1970, pp-58-59). Em 1973 o arquiteto é homenageado
com o título de cidadão do Estado do Amazonas, com evento divulgado nos
jornais locais, pelo reconhecimento de suas obras e conseqüente contribuição
para o desenvolvimento do Estado.

44
Lembramos que os estudos sociológicos realizados por Gilberto Freyre
sobre a casa brasileira e a sua defesa por uma arquitetura adequada aos
trópicos, já está presente no seu Manifesto Regionalista, lançado em 1926, no
Recife. Sobre este assunto, ver página 81 do Capítulo 2.

55
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
usando matéria prima local. Região com tradição histórica, com traços

de cultura definida, como por exemplo na alimentação, no “folclore”, na

literatura, não pode continuar a ser, por mais anos, copista de

habitações que não funcionam em seu território equatorial.45

O também escritor Leandro TOCANTINS em artigo publicado na

revista Arquitetura no ano de 1965, fala sobre a incoerência das

“casas-estufa”, cópias mal feitas dos modelos vindos do Sul do país e

dos Estados Unidos, implantadas artificialmente em “terras ardentes

sem nenhuma conexão com o meio” e reivindica uma casa mais

“ecológica” para a Amazônia, tomando como exemplo a arquitetura

autóctone da região:

[...] vejam-se as barracas da população pobre, herança do taperi

indígena. Muito embora elas aparentem falta de conforto jamais

agridem a natureza, sempre se harmonizam com os ventos, com a

vegetação, com a água, com o tipo de solo. 46

Severiano Porto também percebeu nas construções autóctones,

soluções construtivas muito mais coerentes com o ambiente

amazônico do que aquilo que estava sendo realizado no centro

urbano; e as múltiplas possibilidades destas construções passam a

ser incorporadas ao seu processo projetual.

Em uma de suas primeiras viagens pelo interior do Amazonas,

já demonstrava o desejo de deixar-se “atritar” com as diferenças

45
CORRÊA, Luiz de Miranda. A Arquitetura na Amazônia. Revista Arquitetura, n.
17, p.3-6, nov. 1963.

46
TOCANTINS, Leandro. Arquitetura e Paisagismo na Amazônia. Revista
Arquitetura, n. 41, p. 31-38, nov. de 1965.

56
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
regionais, abrindo-se às possibilidades de seus ensinamentos, como

relata em uma de suas lembranças:

No primeiro passeio pelo rio, a caminho de Itaquatiara, fomos vendo,

ao longo de toda aquela margem, uma série de habitações e processos

construtivos. Fomos vendo as soluções ecológicas do homem ribeirinho,

que se defende das cheias com construções elevadas, e se defende do

clima orientando bem as casas e empregando a palha com fartura, nos

telhados, nas paredes e no fechamento dos vãos. Verificamos que para

eles a casa não tem a importância que nós damos a ela. Para nós

significa segurança, significa estabilidade e tranqüilidade futura,

enquanto que para eles, pelo que se podia ver, significa apenas um

abrigo temporário, logo que não os impede de se deslocarem para

outras áreas, atrás do peixe. Isto nos chamou muito a atenção, como

também a flexibilidade da habitação, onde a peça que de dia funciona

como sala, à noite, com as redes, se transforma em quarto, podendo

abrigar mais ou menos gente, dependendo de se pendurar mais ou

menos redes. Quando começamos a viajar pelas estradas de terra

firme, notamos que o homem que depende da mata, da caça, esse tem

outro espírito: é mais introvertido. Gosta da caça de espera, de armar a

rede em cima de uma árvore e passar horas, a noite toda, botando isca

para pegar determinado animal. Fica meses longe da cidade. Sua

habitação é também simples, uma cobertura a que chamam de tapiri.

Às vezes, uma água só: alguns paus encostados num outro pau, uma

cobertura de palha e, por baixo, a rede. Outras vezes um piso de pau

roliço elevado do chão. Um sistema diferente, um outro exemplo de

habitação temporária.

São gigantes esses homens, em coragem e iniciativa. Foram eles que

mantiveram a hegemonia brasileira na região, morando em lugares que

é difícil de imaginar. E o que espanta é que não se vêem crianças

subnutridas. Eles têm muito a nos ensinar de como sobreviver, de como

57
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
fazer, de como viver e morar na Amazônia. Nós devemos é realmente

partir deles e ampliar sua experiência. Normalizar, quem sabe.47

Severiano Porto teve de lidar, desde o primeiro momento, com

todas as variáveis que interferem na realização de um projeto - clima,

disponibilidade de material construtivo e de mão-de-obra. Seu espírito

prático, munido por uma teoria alimentada pela vivência, permitiu ao

arquiteto olhar para a Amazônia a partir de uma leitura realista de sua

paisagem, de suas condições econômicas e sociais, de sua gente e

sua cultura.

Mas o olhar de Severiano Porto não tem apenas a Amazônia

como referência. Ele vai muito mais longe, se alarga e vai além

fronteira. É verdade que o seu trabalho se desenvolveu a partir de

intensas pesquisas das possibilidades oferecidas pelas especificidades

do meio, dando ao desenho uma dimensão crítica através das

experiências que ia acumulando. Mas o que vemos no conjunto de sua

obra é uma variedade de propostas. Não há, de forma alguma,

preconceito no uso de um ou outro material, de uma ou outra técnica

construtiva, de uma ou outra tipologia. Severiano Porto sempre se

mostrou um arquiteto aberto para todas as possibilidades, tanto

àquelas adquiridas pela modernidade, quanto pela tradição.

Assim o arquiteto incorporou em seus projetos o uso da

madeira e/ou da palha, materiais abundantes na região amazônica.

Um dos primeiros experimentos neste sentido foi o já comentado

Restaurante Chapéu de Palha (1967). A madeira também será utilizada

47
Depoimento do arquiteto em: CZAJKOWSKI, Jorge. Uma arquitetura para a
Amazônia. In: GAM/ Galeria de Arte Moderna/ Jornal Mensal de Artes Visuais. Rio
de Janeiro, 1976, no 27, p. 14.

58
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
de forma rústica na Igrejinha de Nossa Senhora do Cavaco, da Colônia

Agrícola do Rio Preto da Eva (1968). O mesmo tema será levado

adiante na Pousada de Caça e Pesca (1979-1983) na Ilha de Silves, no

Centro de Proteção Ambiental de Balbina (1983-1988), e na Aldeia SOS

do Amazonas (1993-1997), estudo de caso da presente pesquisa, cuja

análise será apresentada no Capítulo 3.

Severiano Porto também utilizou a madeira nas construções

pré-fabricadas, como nos projetos para as Escolas Pré-Fabricadas –

Escola Rural (1965) e no projeto para o Condomínio Praia da Lua

(1979); outras vezes utilizou-a de maneira mais apurada, como nas

residências para a classe média alta.

Na Residência Alexandre Ale dos Santos (1982), localizada no

bairro de Ponta Negra, em Manaus, por exemplo, empregou-a tanto

em toras maciças, quanto em um trabalho de marcenaria mais

delicado.

Fig. 48: Vista da entrada da Residência Alexandre Fig. 49: Planta baixa, fachada anterior e posterior da
Ale dos Santos (1982), Ponta Negra. (Foto: Beatriz Residência Alexandre Ale dos Santos.
Oliveira)

59
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

Fig. 50: Detalhe das esquadrias em Fig. 51: Vista da varanda na fachada posterior da Residência Alexandre Ale dos
madeira que fazem o fechamento Santos (1982). (Foto: Beatriz Oliveira)
das paredes da sala de estar da
Residência Alexandre Ale. (Foto:
Beatriz Oliveira)
Nas esquadrias que fazem o fechamento das áreas de estar e

jantar da casa, lançou mão das treliças com desenho em losango,

tomada de empréstimo da arquitetura colonial e venezianas móveis

típicas do Ceará. As peças de madeira foram trazidas da fazenda do

proprietário em Boca do Acre, no alto Amazonas.

A madeira foi, sem dúvida, um material bastante utilizado pelo

arquiteto, fosse nas estruturas ou como material de fechamento em

substituição ao tijolo. Quase sempre ela está presente em seus

projetos amazônicos, seja nas técnicas construtivas locais ou aliadas a

detalhes construtivos de outras referências. É o caso da utilização do

telhado em cavaco — lascas de madeira rústicas — que o arquiteto

incorporou em algumas de suas obras, como por exemplo na

premiada Residência Robert Schuster (1978). A residência foi

projetada para o amigo, o topógrafo austríaco Robert Schuster,

homem familiarizado com a floresta e com os rios da região. Para a

60
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
residência de fim de semana, situada em zona rural, em meio à densa

vegetação, e beira de igarapé, próximo ao Tarumã Açu, Severiano

idealizou uma “sofisticada cabana” de três pavimentos, aberta ao

vento, a ser construída quase que inteiramente com as madeiras

encontradas nas proximidades. Suas dimensões foram pensadas para

atender as ferramentas dos construtores, homens da terra,

responsáveis tanto pela preparação das peças, montagem e

acabamento, quanto da obtenção do material na floresta.

Fig. 52: Residência Robert Schuster (1978) à partir do vazio interior. Na parte
central da foto, o fechamento da área da cozinha. (Foto: Beatriz Oliveira)

Fig.53: Vista da fachada oeste da Residência Robert Schuster (1978). (Foto da


autora)

Fig. 54 e 55: Residência Robert Schuster (1978). Planta baixa do pavimento


intermediário (níveis 2.20 a 3.10) e corte 3.3 (passando pela cozinha, escada,
vazio interior e quartos). (Fonte: Arquivo pessoal Severiano Porto)

61
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Na Residência Schuster, a madeira aparece na estrutura, nas

tábuas de friso no piso e nos elementos de vedação. A cobertura

recebe telhas de cavaco que se apoiam em paus roliços tirados da

mata em lugar de ripas.

O cavaco também foi especificado para a Igrejinha de Nossa

Senhora do Cavaco da Colônia Agrícola do Rio Preto da Eva (1968),


Fig. 56: Detalhe da cobertura em
cavaco do Centro de Proteção para a Pousada de Caça e Pesca (1979-1983), na Ilha de Silves, e para
Ambiental de Balbina (1983-1988).
(Foto da autora)
o Centro de Proteção Ambiental de Balbina (1983-1988).

Segundo Severiano Porto, o cavaco não aparece com tanta

freqüência, como elemento de cobertura, na arquitetura vernácula da

região; ele foi introduzido a partir do conhecimento de outras regiões,

como da região Sul do país onde a técnica da madeira é uma tradição.

Severiano observou a utilização deste material pelos imigrantes

sulinos (muitos deles da área da construção) quando esteve em

Roraima; havia também observado o cavaco nas construções chilenas

e norueguesas. O telhado de madeira é um elemento comum nas

construções de regiões onde há possibilidade de obter grandes

pranchas de corte de árvores. Nas ilustrações ao lado vemos exemplos

de sua aplicação em casas da América do Norte e Europa. É um

elemento tradicional também na arquitetura japonesa.

O momento é oportuno para comentar sobre a proximidade de

Severiano com a cultura japonesa através de sua ligação com o

Consulado Japonês em Manaus. Ele projetou a Associação Japonesa

de Manaus (1969) e o conjunto de edificações do Consulado do Japão


Fig. 57: De cima para baixo, ilustra-
ção de telhado em madeira na Ca- (1979). Além disso, ele se aproximou ainda mais do vasto
rolina do Norte-E.U.A.; na Checos-
lováquia; e demonstração de mé- conhecimento de construção milenar japonesa, principalmente no que
todo de obtenção do cavaco. (Fonte:
TAYLOR, 1983)
diz respeito ao uso da madeira, a partir de material bibliográfico e

62
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
audiovisual sobre arquitetura japonesa que lhe eram cedidos ou

doados por aquele órgão para ser usado em suas aulas na

universidade.

Ainda que Severiano insistisse no uso da madeira, obviamente

pela disponibilidade do material na região, e sua adequação a

determinados programas, não fazia dela sua preferência absoluta. O

arquiteto também lançou mão, por exemplo, da potencialidade do

concreto armado.

Na Sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus —

SUFRAMA48 — (1971), Severiano optou pela utilização do concreto

aparente nos módulos estruturais de 15m X 15m, independentes

entre si, que conformam a grande cobertura do conjunto.

Fig. 58: SUFRAMA (1971). (Foto:


Beatriz Oliveira)

Fig. 59: SUFRAMA (1971). Planta de situação. (Fonte: CJ Arquitetura, n. 20, 1978)

48
A SUFRAMA consiste na sede do órgão responsável pelo planejamento e im-
plantação da Zona Franca de Manaus, Distrito Industrial e Distrito Agropecuá-
rio. O projeto, que inclui no seu conjunto, o Bloco de Administração, Museu e
Auditório, assim como Área de Estacionamento e Castelo D’água, recebeu o 1o
Prêmio na categoria Edifícios Públicos, na XII Premiação Anual do IAB-RJ, em
1974. Um projeto de restauração (1995) foi feito pelo escritório de Severiano
Porto, após um incêndio que destruiu todas as instalações do complexo.

63
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
O sistema construtivo adotado, além de permitir o crescimento

da área construída, com a adição de outros módulos estruturais,

também autoriza a flexibilidade na organização dos espaços internos

(salas e conjuntos administrativos) montados em estrutura metálica

leve (em uma modulação de 1,25x1,25) e livres dos módulos

Fig. 60: SUFRAMA (1971). (Foto da estruturais da cobertura superior. A cúpula dos módulos, em forma de
autora)
pirâmide oca, se justifica por motivos funcionais: ela facilita a retirada

de ar quente, como se fossem coifas; mas além das considerações

práticas, a cobertura apresenta uma grande expressão plástica. Se, no

exterior, ela se traduz como um conjunto bem alicerçado com os

pilares apoiados em bases piramidais robustas, no interior a sensação

Fig. 61: SUFRAMA (1971). Corte. é de surpreendente leveza com a permeabilidade proporcionada pelo
Notar detalhe da cobertura com de-
senho para saída de ar quente.
(Fonte: CJ Arquitetura, n. 20, 1978)
espaço contínuo e pela visibilidade da concavidade das cúpulas-coifas,

enfatizada pela luz indireta que entra pela abertura na parte superior.

A expressão plástica do concreto aparente também será

explorada por Severiano nos Reservatórios de Água para a Companhia

de Saneamento de Manaus — COSAMA — (1972). O cilindro usual foi

subdividido em seis cilindros iguais que se unem em forma de gomos

(ver figura 64). A forma adotada enfatiza a verticalidade e é acentuada


Fig. 62 : SUFRAMA (1971). Deta-
lhe da “cúpula-foifa”. (Foto da autora)
pelo trabalho de texturas estriadas (feitas com a utilização de telhas

onduladas como fôrmas), que acompanha o sentido da altura do

edifício.

Severiano seguirá utilizando o concreto aparente em diversas

encomendas de natureza pública durante a década de 1970, como no

Ambulatório Médico do Instituto de Previdência e Assistência dos

Fig. 63: SUFRAMA (1971). Detalhe Servidores do Estado do Amazonas — IPASEA — (1979) e na Central
da cobertura com módulos estrutu-
rais em concreto armado. (Foto da Telefônica de Manaus (1979), onde predomina o concreto aparente na
autora)

64
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
estrutura e o vidro fumê nos fechamentos (ver figura 65). A fachada

voltada para o sol da tarde foi protegida com elementos tipo brise.

Fig. 64: Reservatórios de Água – COSAMA (1972). (Fonte: Catálogo da Associação


Brasileira dos Escritórios de Arquitetura).

Fig. 65: Ampliação da Central Telefônica de Manaus. Prédio da Administração


(1979). (Foto da autora)

O mesmo material que hora destacamos, o concreto aparente,

não escapará dos experimentos de menor porte. Severiano o

empregou também na arquitetura doméstica. Na Residência Felipe

Abrahim (1969)49 (ver figuras 66-67) e na Eduar Mousse (1979) (ver figuras

68-70), ambas localizadas em Manaus, o concreto aparente será

tratado com destaque nas platibandas que ora ocultam os telhados de

baixa inclinação, ora os jardins suspensos.

Nas duas ocasiões o material industrializado se mescla ao

material tradicional. Na primeira, aparece o arenito róseo como

revestimento das paredes laterais externas, a cerâmica nos elementos

vazados de paredes voltadas para o interior ou exterior da casa, e, em

ambas, aparece o inconfundível trabalho de marcenaria, que se tornou

uma marca registrada das casas projetadas por Severiano: ele está

49
Atualmente a residência, localizada em uma das ruas movimentadas do
centro de Manaus, a Avenida Getúlio Vargas, está sendo utilizada como sede de
uma clínica médica.

65
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
presente no desenho das treliças e nas esquadrias das portas e das

janelas — sempre atendendo às necessidades de ventilação e

iluminação.

Aliás, a preocupação com a adequação do desenho ao clima é

uma constante nessas casas, onde aparece o pé-direito alto, os

generosos beirais e os detalhes construtivos que atentam para o

máximo conforto da temperatura nos ambientes com a ventilação

contínua.

Fig. 66: Residência


Felipe Abrahim (1969). (Foto da
autora)

Fig. 67: Residência Felipe Abrahim (1969). Fachada parcial, mostrando os


elementos de acabamento e detalhe da esquadria. Sem escala. (Fonte: Coleção
Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

Fig. 68: Residência Eduar Mousse


(1979). (Foto: Beatriz Oliveira)

Fig. 70: Residência Eduar Mousse (1979). Corte parcial da sala de estar. Notar
Fig. 69: Residência Eduar Mousse o pé-direito alto e os detalhes construtivos que favorecem a ventilação cruzada.
(1979). Sala de estar. (Foto: Beatriz Sem escala. (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)
Oliveira)

66
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
No repertório de técnicas construtivas utilizadas por Severiano,

encontramos ainda a estrutura metálica e a técnica da cerâmica

armada. No Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-

1990),50 o arquiteto adotou a estrutura metálica para a cobertura dos

edifícios. O sistema da cobertura em duas águas e amplos beirais é

Fig. 71: Campus da Universidade independente dos ambientes fechados. Estes, por sua vez, são
do Amazonas (1973/1981-1990).
Planta de situação. (Fonte: Revista
Projeto, n. 83,1986) definidos por estrutura e forro de concreto, paredes de alvenaria e

esquadrias em madeira e vidro.

Fig. 72: Campus da Universidade


do Amazonas (1973/1981-1990).
(Foto da autora)

Fig. 73: Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990). Corte salas


de aula e administração. (Fonte: Revista Projeto, n. 83,1986)

Fig. 74: Campus da Universidade


do Amazonas (1973/1981-1990).
Vista exterior do bloco das salas de
aula. (Foto da autora)

Fig. 76: Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990). Pavimento


superior e térreo. (Fonte: Revista Projeto, n. 83,1986)

Fig. 75: Campus da Universidade 50


Os estudos preliminares do plano diretor para a implantação do campus
do Amazonas. Vista do corredor do remontam ao início da década de 70. Dificuldades com as negociações de
piso superior do setor administra- financiamento atrasaram a construção para o início dos anos 80, quando então
tivo. (Foto: Beatriz Oliveira) adotou-se um novo projeto.

67
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Entre a cobertura que recebe telhas de cimento amianto e os

ambientes fechados, forma-se um colchão de ar ventilado que garante

o isolamento térmico. Um dispositivo junto à cumeeira auxilia a saída

de ar quente que se forma embaixo das telhas.

Desde o princípio, uma das preocupações predominantes de

Severiano foi adequar a arquitetura ao clima, evitando o consumo

desnecessário de energia com equipamentos de ar-condicionado.

Além disso, procurou-se adequar os edifícios às características

topográficas do lugar, minimizando o impacto no meio ambiente.

Assim os diversos blocos foram implantados, acomodados

suavemente ao terreno e de forma a se beneficiar dos ventos

dominantes da região. Eles foram organizados dentro de uma malha

modulada (ver figura 76), visando a flexibilidade de ampliação e

interligados por circulações cobertas intercalados com áreas verdes e

jardins.

Severiano lançou mão das abóbadas de cerâmica armada —

com sistema estrutural criado pelo engenheiro uruguaio Eladio Dieste

— em duas ocasiões: na Escola de Música e Clube do Trabalhador do

SESI em Fortaleza (1978-1980) (ver figuras 77-80) e na Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia (1983), projeto não construído (ver

figura 81). A facilidade de execução, a leveza das estruturas, e o

caráter acolhedor do material, foram pontos significativos para o

emprego da técnica. No primeiro projeto, Severiano adotou as

abóbodas em cerâmica armada para a cobertura do 1o pavimento (ver

figura 79), onde se dá a prática de atividades esportivas, dança, salão

de festas e boate. A solução adotada exigiu o mínimo de pilares,

68
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
autorizando espaços livres, perfeitos para as atividades destinadas,

assim como uma ventilação contínua em todos os ambientes. No

pavimento inferior (Figura 80), aproveitando o desnível do terreno,

foram localizados os ambientes destinados ao centro musical, onde se

dão os ensaios de orquestras, instrumentos e canto. Há ainda neste


Fig. 77: Escola de Música e Clube
do Trabalhador do SESI (1978- mesmo pavimento, as salas de gravação, apresentação e reparos, bem
1980). (Fonte: Revista Projeto, n. 83)
como a administração e depósitos.

Em outro projeto, a Assembléia Legislativa do Estado de

Rondônia, em que adota a solução da cerâmica armada, Severiano

ultrapassa a estrutura utilitária que caracteriza o projeto anterior,

chegando a uma composição onde é possível verificar o vigor plástico

oferecido pela técnica construtiva.


Fig. 78: Escola de Música e Clube
do Trabalhador do SESI (1978-
1980). Planta de situação. (Fonte:
Revista Projeto, n. 83)

Fig. 81: Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia (1983), projeto não


construído, com sistema estrutural criado pelo engenheiro uruguaio Eladio
Dieste. (Fonte: Revista Projeto, n. 83)

Fig. 79: Escola de Música e Clube


do Trabalhador do SESI (1978- Neste conjunto de exemplos citados, é notável a versatilidade
1980). Planta do 1o pavimento.
(Fonte: Revista Projeto, n. 83)
com que Severiano se lança em novas pesquisas de materiais e

técnicas construtivas e nas possibilidades espaciais oferecidas por

cada uma delas, tendo sempre como princípio norteador o

reconhecimento da solução correta e adequada para cada projeto

Fig. 80: Escola de Música e Clube tratado, levando em conta o cliente, as condições econômicas, os
do Trabalhador do SESI (1978-
1980). Planta do subsolo. (Fonte: aspectos físicos e culturais de cada contexto.
Revista Projeto, n. 83)

69
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Arquitetura pós-60, pluralidade projetual

Os trabalhos realizados por Severiano em sua fase de maturidade

projetual, que se dá quase que exclusivamente na Amazônia, coincide

com um momento em que a prática arquitetônica, tanto no contexto

nacional quanto internacional, reveste-se de uma pluralidade de

orientações projetuais. A abertura para soluções variadas,

demonstrada pelas eleições de elementos construtivos feitas por

Severiano Porto, refletem bem o momento de sua época. Sua

arquitetura de concreto aparente, por exemplo, reflete a onipresença

deste tipo de construção nos grandes centros urbanos do Brasil dos

anos 1960 e 1970. As obras do MASP (1957-1969) em São Paulo,

projeto de Lina Bo Bardi, do MAM - Rio de Janeiro (1954-1967) de

Affonso Eduardo Reidy, e da FAU-USP (1961) de Vilanova Artigas,

exerceram uma grande influência na arquitetura das décadas

seguintes. A expressividade estrutural do concreto armado, seguindo a

linha do otimismo tecnológico, também pode ser vista em várias

partes do mundo, como nos Metabolistas Japoneses, seja nos

sistemas para cidades alternativas aéreas ou oceânicas, seja no

sistema de agregação de cápsulas como alternativa habitacional para

suas caóticas cidades urbanizadas.

Porém, ao lado do aproveitamento tecnológico aparecerão

também, ao longo dos anos 60 e sobretudo nos anos 70, com a

conscientização “ecológica”, diante do agravamento da escassez dos

recursos naturais e do aumento de fontes poluidoras e sua ameaça ao

meio ambiente, propostas que visam adequar o projeto à

particularidade de cada contexto, aproveitando as técnicas e materiais

tradicionais, valorizando o homem comum, o culto pelo vernacular.

70
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
Em 1964, por exemplo, Bernard Rudofsky, arquiteto austríaco

que viveu no Brasil entre os anos de 1939 a 1941, apresenta a

exposição Arquitetura sem Arquitetos, no Museu de Arte Moderna de

Nova Iorque. Ali é mostrada a arquitetura popular de várias culturas e

a sua qualidade de permanência, de coerência entre uso e forma. Há

uma tendência a valorizar o cotidiano, a participação do usuário, bem

como a do operário no canteiro de obras.

Trabalho primoroso neste sentido foi aquele realizado pelo

arquiteto egípcio Hassan Fathy. Sensibilizado com a vida dos

camponeses de sua terra e da carência de moradias apropriadas e a

baixo custo, Fathy investiu em longas pesquisas em autoconstrução de

moradias feitas de tijolos de adobe, resgatando a mão-de-obra e a

técnica construtiva das cúpulas e abóbodas naquele material, uma

herança dos seus antepassados. Em 1973, sua experiência é

publicada no livro Construindo com o povo: arquitetura para os pobres.

Nesta mesma década, temos, no âmbito brasileiro, a

divulgação das idéias do arquiteto Sergio Ferro, que ganhou forma de

livro em O canteiro e o desenho.51 Ferro atenta para a socialização da

obra criticando o processo de produção e a exploração da mão-de-

obra que aliena o operário e o distancia do produto de seu trabalho.

De uma certa forma, ainda que destituída da tonalidade política que

motivou Ferro, e mais engajada na ordem da racionalização do fazer,

o trabalho de Severiano também revelou uma preocupação com o

processo de trabalho no canteiro de obras. Em vez de impor os

detalhes construtivos de carpintaria que havia aprendido no Sul do

51
FERRO, Sérgio. O canteiro e o desenho. São Paulo, Projeto/IAB, [197-] .

71
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
país, Severiano percebeu que seria muito mais racional, se pudesse

adaptá-los à maneira do saber fazer local, redimensionando os

detalhes construtivos de acordo com as ferramentas normalmente

utilizadas pelos caboclos. Era, sem dúvida, uma maneira de alcançar

economia e rapidez na execução, mas também é um gesto que reflete

a sensibilidade do arquiteto em relação ao trabalho do operário.


Fig. 82: Cidade de Monlevade
(1934), projeto do conjunto. Lúcio
Costa. (Fonte: BRUAND, 2002) Sobre a valorização das técnicas construtivas tradicionais e sua

conciliação com aquelas contemporâneas, convém assinalar que, em

âmbito nacional, este tema remonta aos princípios da arquitetura

moderna no Brasil.52 Lúcio Costa foi a figura de proa desta tendência

que teve na proposta para as residências dos operários da Vila de

Monlevade (1934)—com estrutura de concreto armado para os pilotis e


Fig. 83: Park Hotel São Clemente
(1944). Lúcio Costa. (Fonte: WISNIK, o processo artesanal das paredes em pau-a-pique—, o início de uma
2001)

idéia que veio influenciar projetos dos períodos seguintes. Dentre

aqueles que tiveram uma repercussão mais ampla, podemos citar o

Park Hotel São Clemente, em Nova Friburgo (1944), de autoria do

próprio Lúcio, a premiada casa de Carlos Frederico Ferreira (1949),

também em Nova Friburgo e o Pavilhão Lowndes (1954), em

Petrópolis, dos irmãos Roberto. A obra de Lúcio Costa em Friburgo,


Fig. 84: Casa de fim de semana
Carlos Frederico Ferreira (1949).
(Fonte: MINDLIN,1999) aproveitou-se largamente da madeira local, inserindo-se de maneira

harmoniosa no contexto, ainda que permeada por um discurso

moderno; a síntese entre uma técnica rudimentar e uma linguagem

moderna, também está presente na casa de campo de Carlos

Frederico Ferreira, inteiramente em pedra rústica e madeira na

estrutura, pau-a-pique nas paredes e cobertura em sapê; bem como

Fig. 85: Casa de fim de semana no Pavilhão Lowndes, onde os irmãos Roberto empregam a pedra
Carlos Frederico Ferreira, planta
baixa. (Fonte: MINDLIN,1999)
52
Sobre este assunto, ver páginas 103-104 do Capítulo 2.

72
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
bruta — mimetizando as características do entorno—, nas paredes

que sustentam o edifício que abriga um escritório de vendas de

loteamento.

É curioso observar que nas décadas de 50 e 60, período em

que se dá a formação de Severiano, as manifestações populares são

temas constantes nas principais publicações especializadas sobre

arquitetura e artes plásticas brasileiras. Revistas como a Módulo (Rio

de Janeiro 1955/1965), Habitat (São Paulo 1950/1965), Arquitetura (Rio de

Janeiro 1961/1969) e Brasil Arquitetura Contemporânea (Rio de Janeiro

1953/1957) trazem temas tais como o bumba-meu-boi, as carrancas

do rio São Francisco e a capoeira. Além disso, uma série de artigos53

revelam interesse sobre as construções vernáculas brasileiras,

principalmente as amazônicas. Na revista Módulo de 1955, em “As

casas sobre palafitas no Amazonas”, o poeta e calculista Joaquim

Cardozo chama a atenção para a riqueza das soluções construtivas

das casas ribeirinhas. Na revista Habitat, de 1952, (na época, sob

direção da arquiteta Lina Bo Bardi), o artigo “Construir é Viver”, faz

reverência à arte de construir do homem do povo, da arquitetura sem

arquiteto, demonstrando a construção de uma casa na selva e a

capacidade do homem local em executá-la sem grandes recursos.

Isto posto, podemos perceber que, no âmbito da cultura

contemporânea brasileira, a recuperação de um conhecimento de

outrora e a valorização do popular antecedem as manifestações

53
Encontramos os seguintes artigos tratando do tema: “Amazonas: o povo
arquiteto” (Habitat, n. 1, de 1950), “Porque o povo é arquiteto?” (Habitat, n. 3,
de 1951), “O povo é arquiteto” (Habitat, n. 10, de 1953), “Construir é Viver”
(Habitat, n. 7, de 1952), “Arquitetura Popular no Brasil” (Módulo, n. 1(5), de
1956), “As Casas sobre Palafitas do Amazonas” (Módulo, n. 1(1), de 1955), “A
Arquitetura na Amazônia” (Arquitetura, n. 17, 1963), “Arquitetura e Paisagismo
na Amazônia” (Arquitetura, n. 41, 1965).

73
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
internacionais, que tomaram força no cenário na década de 70, como

já foi assinalado. Aqui percebemos que houve uma continuidade de

idéias desde aquelas que permearam as primeiras manifestações

modernistas no Brasil, na década de 20, e que primeiramente se

expressaram via artes literárias e plásticas e depois na arquitetura.54

Fig. 86: Luis Barragán. Los Clu- Uma gradativa adequação dos postulados do Movimento
bes (1964), Cidade do México.
Moderno à realidade econômica, física e cultural local também é

sentida em outros países da América Latina, especialmente a partir da

década de 40. No México, as propostas de Luis Barragán (1902-1988),

conjugam a peculiaridade da arquitetura popular do seu país, através

das cores, da característica tradicional dos pátios e da simplicidade

Fig. 87: Ricardo Legorreta. Hotel de suas construções, com soluções contemporâneas. Ricardo
Camino Real, Cidade do México
(1968). Legorreta (1931), também mexicano e contemporâneo de Severiano

Porto, segue os passos de Barragán em relação à uma arquitetura

com raízes próprias. No Uruguai, um dos maiores expoentes desta

tendência é o engenheiro Eladio Dieste (1917 - 2000), que reinventa a

sabedoria milenar do tijolo através da aplicação de sofisticados

procedimentos de cálculo para construir leves cascas de cerâmica


Fig. 88: Eládio Dieste. Igreja de
Atlântida, Uruguai (1952-1959). armada, de baixo custo, de grande flexibilidade formal, utilizando

mão-de-obra pouco especializada e material local. Severiano, como já

foi dito, fez uso do conhecimento de Dieste no Clube do Trabalhador e

Escola de Música do SESI (1978-1980) em Fortaleza e na Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia (1983).

Outro arquiteto que merece destaque no sentido de uma


Fig. 89: Rogélio Salmona.
Arquivo Histórico Nacional, releitura do potencial local a partir da arquitetura moderna é o
Bogotá.

54
Sobre este assunto, ver páginas 79-84 no Capítulo 2.

74
A trajetória do arquiteto: uma experiência rio-amazônica

1
colombiano Rogelio Salmona (1929), que substituiu a técnica do

concreto armado pela técnica do tijolo, amplamente utilizado na

arquitetura popular bogotana, para dar forma a espaços que dialogam

com a cultura, a história e paisagem local, em uma linguagem

nitidamente contemporânea.

A atuação de Severiano Porto foi sem dúvida pioneira na

incorporação da madeira no repertório das residências de classe alta

no Amazonas e na conformação de espaços pouco convencionais com

este material. Mas devemos mencionar também o trabalho realizado

com a madeira por José Zanine Caldas. A partir da década de 60, ele

projeta uma série de residências no Joá, Rio de Janeiro, onde emprega

a madeira bruta e materiais de demolição. Essas casas tiveram na

época uma grande repercussão e aceitação por parte do público.

Com tudo o que foi dito, cumpre verificar que a arquitetura de

Severiano Porto, por propor soluções de desenho que consideram o

contexto físico, cultural e climático da região amazônica, tem sido

constantemente classificada dentro de uma corrente teórica da

arquitetura de tendência regionalista.

Nas entrevistas realizadas com Severiano Porto para a presente

pesquisa, contudo, foi possível perceber que para ele, a idéia de uma

arquitetura regional ou racional não são incompatíveis. Esta revelação

nos levou a acurar tal problemática tendo em vista obter uma

compreensão maior das questões conceituais que sua obra suscita.

No próximo capítulo, portanto, daremos prosseguimento

tratando dos dois conceitos que elegemos como fundamentação

teórica para a presente investigação: o regionalismo e o racionalismo.

75
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

2. o regionalismo e o racionalismo
em Severiano Porto

Neste capítulo, como comentado anteriormente, trazemos os dois

conceitos que consideramos fundamentais para compreendermos a

obra de Severiano Porto: um que diz respeito ao regionalismo, termo

freqüentemente utilizado pela crítica para classificar a obra do

arquiteto, e outro que encontramos presente em seu discurso, quando

diz compreender a arquitetura como um fazer racional. Trataremos de

investigar tais conceitos, não com o intuito de esgotá-los — tarefa

impossível considerando os limites de tempo disponível para a

presente pesquisa —, mas sim, tendo em vista, encontrar os seus

lugares na arquitetura de Severiano Porto.

2.1 sobre o regionalismo

Dando início a nossa investigação do emprego da palavra, verificamos

que o regionalismo é um termo relativamente recente que irá começar

76
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

a aparecer no século XIX. Por ele entende-se, de uma maneira geral,

ora um ideário político que visa favorecer os interesses regionais e

locais, defendendo a descentralização administrativa; ora um ideário

artístico-cultural que visa preservar os costumes e tradições de um

povo de um determinado local.

O regionalismo é também um termo utilizado para se referir à

expressão própria de uma região, como a pronúncia, as tradições e

linguagens que possam ser reconhecidas como pertencentes a uma

localidade. Na literatura, por exemplo, o regionalismo se distingue por

utilizar na sintaxe e no vocabulário, assim como em sua ambiência ou

no comportamento de um personagem, características que possam

ser identificadas como dominantes de uma região.55

Em arquitetura, segundo os teóricos e historiadores europeus

Alexander TZONIS e Liane LEFAIVRE, o regionalismo é apontado como

sendo um conceito que se manifesta desde os tempos de Vitrúvio,56

tendo nos últimos trezentos anos dominado a arquitetura em quase

todos os países.57 Neste período mais recente da história, o

regionalismo teria se manifestado, segundo os teóricos, através de

55
Enciclopédia Mirador Internacional. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do
Brasil, vol.17, 1977.

56
TZONIS, Alexander e LEFAIVRE, Liane. Tropical Critical Regionalism:
Introductory Comments. In: Tropical Architecture:Critical Regionalism in the age of
Globalization. London: John Wiley & Sons, 2001. p.3. “The Roman
architect/engineer and author, Vitruvius, who extensively discussed the Doric or
Ionic temples without referring to the term Classical, does refer by name of
regional architecture, pointing to the differences in buildings around the world
which he explains through climatic conditions and draws a parallel to the
variations in the physique of people and concludes that “the arrangement of
buildings should be guided by locality and climate”.

57
TZONIS, Alexander e LEFAIVRE, Liane. El regionalismo crítico y la
arquitectura española actual. In: A & V, Monografias de Arquitectura y Vivienda,
Regionalismo. Madrid, n.3, 1985, p.4.

77
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

diversas motivações, por um lado demonstrando sua associação aos

movimentos de reforma e liberação — daí o regionalismo que

conhecemos, com sua carga ideológica, nutrindo um novo sentido de

identidade entre grupos, ligada aos movimentos nacionalistas do

século XIX —, mas por outro, também demonstrando ser um

instrumento de repressão e chauvinismo, ligado aos regimes

totalitários do início do século XX — que empregavam largamente os

motivos folclóricos — que se opunham à arquitetura moderna, vista

como uma doutrina “cosmopolita” e subversiva.58

2.1.1 O regionalismo nas vanguardas do século XX

As idéias de regionalismo não estiveram distantes das vanguardas do

século XX como se costuma acreditar. Segundo o crítico Alan

COLQUHOUN,59 o racionalismo/universalismo foi apenas uma das

vertentes da arquitetura daquele período. As origens do Movimento

Moderno partiram de idéias opostas marcadas de um lado pelos

princípios do Iluminismo e de outro pelo Romantismo.60 Assim, Le

Corbusier, por exemplo, será fortemente influenciado, durante seus

anos de formação, pelo mediterraneismo adotado pelos nacionalistas

da Suíça Romande. A referência ao vernacular terá um papel

relevante, principalmente, em seus experimentos da década de 1930.

58
TZONIS, Alexander e LEFAIVRE, Liane, op. cit., 2001, p. 5.

59
COLQUHOUN, Alan. O conceito de regionalismo. In: Projeto, n.159,
dez.1992, p.75.

60
Idem.

78
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

Fig. 90: Maison Jaoul (1937), projeto de Le Corbusier. Casa de fim de semana
em troncos de madeira rústica, com planta independente da estrutura. (Fonte:
LE CORBUSIER, 1946)

A alusão ao lugar e a adoção de materiais e técnicas

construtivas tradicionais jamais deixaram de permear as teorias

modernistas.61 A arquitetura nórdica conhecida sob o rótulo de new

empirism, o Bay Region Style californiano e a arquitetura modernista

brasileira são algumas das manifestações comumente referidas como

sendo regionalistas,62 ora por serem arquiteturas com um acento

próprio, ou, o que é mais comum, por incorporarem na obra

arquitetônica aspectos locais e universais.

o nativismo no modernismo brasileiro

Sabemos que as manifestações modernistas nas artes e literatura

brasileiras estiveram pautadas na busca das raízes locais. Assim

também aconteceu em diversos países da América Latina, que desde

o fim do século XIX, intentavam definir uma identidade cultural

61
Idem, ibidem.

62
SEGAWA, Hugo. Dilemas da modernidade e da tradição na arquitetura
brasileira. In: Projeto. São Paulo, n.131, abril-maio, 1990, pp. 49-50.

79
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

própria, coincidindo com as movimentações nacionalistas e

centenários da Independência das novas repúblicas do continente

americano. Contribuía também para isso a valorização do exótico

como fonte de estudo para cientistas e artistas europeus que passam

a olhar para a África, Ásia e as civilizações americanas pré-

colombianas.63

O projeto moderno brasileiro marcado pela Semana de Arte

Moderna de 1922, uniu o desejo pela atualização da cultura (em

relação às vanguardas européias), introduzindo o componente

nacional. O redescobrimento do Brasil pelos brasileiros tem o seu

marco com a publicação, em 1924, do "Manifesto Pau Brasil" escrito

por Oswald de Andrade (1890-1954). De acordo com o filósofo

Eduardo Jardim de MORAES, com o Manifesto,

Não se trata mais de combater o passado em nome da


Fig. 91: Capa de Emiliano Di
atualização/modernização, mas de introduzir a ótica do nacionalismo
Cavalcanti para o catálogo da
exposição da Semana de Arte
no processo de renovação: seremos modernos se formos nacionais [...]
Moderna, São Paulo, fevereiro
de 1922.
só seremos participantes do universo cultural se nele nos integrarmos

com nosso coeficiente de nacionalidade.64

Em 1928, Oswald de Andrade dá continuidade às idéias Pau-

Brasil com o movimento antropofágico, onde argumenta que a

modernidade brasileira se faz por ingerir e digerir as idéias externas

em um processo criativo. Segundo MORAES,

63
SEGRE, Roberto. América Latina Fim de Milênio. São Paulo: Nobel, 1991, p.
124.

64
MORAES, Eduardo J. de. A Brasilidade Modernista: Sua dimensão filosófica.
Rio de Janeiro: Graal, 1978, p.83.

80
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

O instinto antropofágico, por um lado, destrói, pela deglutição,

elementos de cultura importados; por outro, assegura a sua

manutenção em nossa realidade, através de um processo de

transformação/absorção de certos elementos alienígenas. Ou seja:

antes do processo colonizador, havia no país uma cultura na qual a

antropofagia era praticada, e que reagiu, sempre antropofagicamente

mas com pesos diferentes, ao contato dos diversos elementos novos

trazidos pelos povos europeus.

É este instinto antropofágico que deve ser agora valorizado pelo projeto

cultural defendido por Oswald de Andrade. Ele se caracteriza por

defender ferrenhamente a intuição e pelo poder de sintetizar em si os

traços marcantes da nacionalidade que garantem a unidade da nação.65

É importante lembrar que na mesma época em que se

manifesta o movimento modernista e toda a idéia de atualização de

uma cultura, visando unir o local com o universal, é lançado em 1926,

no Recife, o Manifesto Regionalista de Gilberto FREYRE. Aqui a idéia

não é de atualizar a cultura brasileira como na Semana de 1922, e

sim resistir aos estrangeirismos que negligenciam e destróem as

particularidades de uma região. O Manifesto Regionalista de FREYRE,

segundo OLIVEN, se desenvolve em torno de duas temáticas: uma que

visa defender a região em termos de unidade de organização nacional;

e outra que visa preservar os valores regionais e tradicionais do Brasil,

e mais especificamente a do Nordeste.66 Neste sentido, FREYRE se

coloca em defesa do popular contra os malefícios do “cosmopolitismo

65
Idem, p.144.

66
OLIVEN, Ruben George. Cultura e Modernidade no Brasil. São Paulo. Perspec.
[online]. Apr./June 2001, vol.15.

81
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

e do falso modernismo”. Assim, por exemplo, ele irá defender desde a

culinária Nordestina até evocar os mocambos como exemplo da casa

bem adaptada ao clima e à vida nos trópicos, possível mesmo de ser

uma solução da moradia para os menos favorecidos: "a máxima

utilização, pelo homem, na natureza regional, representada pela

madeira, pela palha, pelo cipó, pelo capim fácil e ao alcance dos

pobres".67

As primeiras manifestações em direção a uma arquitetura

modernista brasileira mergulharam, da mesma forma que nas artes

plásticas e literárias, em um movimento de valorização das raízes

locais. Este era um anseio que já se notava nas idéias do arquiteto

português radicado no Brasil, Ricardo Severo (1869-1940). Em sua

conferência “A Arte Tradicional no Brasil”, pronunciada na Sociedade

de Cultura Artística, em 1914, o arquiteto defendeu a pesquisa da

arquitetura colonial brasileira como uma orientação para a “perfeita

cristalização da nacionalidade”.68 As idéias de Severo foram

pronunciadas em outras partes do país, ganhando no Rio de Janeiro,

na voz do médico e historiador da arte José Mariano Filho (1881-1946),

a denominação de movimento neocolonial.69 Neste momento, a

67
FREYRE, apud OLIVEN, op. cit.

68
SEGAWA, Hugo. Arquitetura no Brasil 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 2002, p.
35.

69
Este foi um movimento que, na realidade, coincidiu com um estilo ufanista
que se deu em outros países do continente americano quando buscavam uma
identidade cultural própria a partir do resgate da arquitetura colonial. Entre os
anos de 1900-1930 uma série de estudos será feita em torno do colonial na
arte e na arquitetura. Há também neste período uma abertura para o tema em
torno do “nacional” em publicações e eventos culturais. A adoção do repertório
formal da colônia alcançará o seu apogeu na Exposição Ibero-americana de
Sevilha, em 1929. Os pavilhões da Colômbia e México, por exemplo, levaram o
repertório pré-colombiano e a Argentina o barroco-andaluz. É interessante

82
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

valorização da arquitetura luso-brasileira se dava essencialmente no

seu aspecto plástico. Era ainda uma expressão academicista que

buscava um decorativismo “genuinamente brasileiro”, coincidindo

com o espírito nacionalista, que havia se iniciado com as celebrações

do quarto centenário do descobrimento do Brasil70 e prosseguiu nas

décadas seguintes. A adesão ao movimento ficou representada na


Fig. 92: Instituto de Educação
(1928), Tijuca, Rio de Janeiro. Exposição do Centenário no Rio de Janeiro em 1922, acabando por se
Projeto de Angelo Brunhs e José
Cortez. (Fonte: Guia da Arquitetura oficializar ao ser adotada em edifícios públicos como no Instituto de
Eclética no Rio de Janeiro).

Educação (1928), na Tijuca, projeto de Ângelo Brunhs e José Cortez.

Ainda que fosse uma aproximação superficial para o resgate da

tradição local, o estilo neocolonial será essencial para as novas

direções da arquitetura brasileira que vai aparecer nas décadas de

1930-1940, com Lúcio Costa (1902-1998), um profundo conhecedor da

arquitetura colonial, que foi além dos recursos “estilísticos” desta

arquitetura para analisá-la em seus aspectos essenciais, ou seja, em

seu sistema construtivo, em sua configuração espacial, no desenho de

suas aberturas, no jogo volumétrico dos telhados e no mobiliário.71

ressaltar também a influência do mission style norte-americano nas correntes


neocoloniais locais. É um estilo que interpreta livremente os códigos coloniais e
se faz presente nas mansões californianas, logo divulgadas pelo cinema
hollywoodiano daquela época. (Para maiores informações ver SEGRE, op. cit.
1991, pp. 132-133).

70
“A década de 1910 conheceu a institucionalização de movimentos
nacionalistas – como a Liga da Defesa Nacional, criada em 1916 pelo poeta
Olavo Bilac (1865-1918), ou o recrudescimento de movimentos capitaneados
por instituições como a Sociedade Eugênica de S. Paulo ou a Liga Pró-
Saneamento do Brasil – críticos do falso ufanismo e da situação médico-
sanitária no Brasil”. (SEGAWA, 2002, op. cit., p. 36).

71
Este assunto será tratado com maior propriedade no subcapítulo 2.2.

83
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

2.1.2 O regionalismo na arquitetura


contemporânea

A idéia de regionalismo é reacendida no discurso da arquitetura

contemporânea no princípio dos anos 80, coincidindo com o

esgotamento cultural diante da tendência uniformizadora do mundo

construído, fruto de uma economia global. Nesta época o tema é

tratado em diversas publicações especializadas. Peter BUCHANAN,

por exemplo, em seu artigo With due respect: Regionalism, se coloca

em defesa de uma arquitetura regionalista em contraponto a uma de

Estilo Internacional ou àquelas que se apropriam superficialmente das

formas do passado. Para o autor:

Diferente do pós-modernismo, o Regionalismo não pode ser um mero

sincretismo ou colagens mal feitas dos elementos do Modernismo, da

história ou da região. Ao invés disso, deve ser um híbrido genuíno, uma

configuração totalmente nova que poderá incluir uma lembrança do

passado, mas transformado ou reformatado em termos do seu

significado para os dias de hoje”. 72

A idéia de um regionalismo contemporâneo específico, como

este mencionado por BUCHANAN, teve repercussões mais amplas,

principalmente com a idéia de Regionalismo Crítico defendida pelos já

mencionados teóricos e professores da Universidade de Delft, na

72
BUCHANAN, Peter. With due respect: Regionalism. In: The Architecture
Review, 173, n. 1035, p.16. Tradução da autora. “Unlike Post-Modernism,
Regionalism can be no mere syncretism or slick collage of elements from
Modernism, history and region. Instead it must be a genuine hybrid, a totally
new configuration which may include a remembrance of the past, but
transformed or framed in terms of its significance for today”.

84
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

Holanda, Alex TZONIS e Liane LEFAIVRE, e pelo historiador inglês

Kenneth FRAMPTON.

o conceito de regionalismo crítico

TZONIS e LEFRAIVE cunharam o termo Regionalismo Crítico para

explicar uma tendência contemporânea da arquitetura regionalista.

Como já foi dito, seus textos oferecem uma genealogia do

regionalismo alegando ser um movimento presente desde os tempos

de Vitrúvio. Para sustentar suas teses em relação ao regionalismo

contemporâneo, os teóricos irão dar nome às diversas manifestações

de cunho regionalista73 para diferenciá-las de uma manifestação atual

específica que é crítica. O conceito, de acordo com os autores

mencionados, deve sua inspiração aos escritos de Lewis MUMFORD:

Lewis Mumford reinventou o regionalismo ao reformatá-lo. Foi um ato

crítico que retirou do regionalismo seu comprometimento nacionalista,

e o reintroduziu às inevitáveis condições de um mundo global.74

73
Assim irão denominar de Regionalismo Pitoresco os ideais estéticos surgidos
na arquitetura da paisagem na Inglaterra nos finais dos século XVII e início do
XVIII; de Regionalismo Romântico as manifestações vinculadas ao Romantismo
e aos movimentos nacionalistas no século XIX, ligando-se às tendências
etnográficas; de Regionalismo Super-familiarizado ou Regionalismo Historicista
Regressivo às manifestações regionalistas destituídas de seu conteúdo
emancipatório, mas usado como instrumento totalitário e chauvinista durante
os regimes ditatoriais do final do século XIX e início do século XX. O
Regionalismo Super-familiarizado também será cunhado para denominar a
versão da arquitetura regionalista ligada à atividade comercial turística que irá
aparecer no início do século XX.

74
TZONIS, Alexander e LEFAIVRE, Liane. Tropical Critical Regionalism:
Introductory Comments, op. cit. p. 6. Tradução da autora. “...Lewis Mumford
reinvented regionalism by reframing it. It was a critical act which removed
regionalism from its nationalist bias and reintroduced it to the new conditions
of an unavoidably global world”.

85
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

Para eles o regionalismo crítico, “faz referência à memória e ao

lugar para com isso resistir aos efeitos negativos da anomia e atopia

próprias do capitalismo tardio”.75 O termo crítico agregado por

TZONIS e LEFAIVRE ao termo regionalismo tem o sentido de afrontar

o mundo estabelecido e a legitimidade das visões de mundo das

pessoas. Na arquitetura, segundo os autores, a função de crítico se

faz com um “efeito estético cognitivo especial” que é a

desfamiliarização, um conceito presente nos escritos do crítico

literário russo, Victor Shklovsky.76

O método da desfamiliarização, segundo TZONIS e LEFAIVRE,

tem o objetivo de contrastar com a idéia de familiarização incorporada

nos regionalismos convencionais. O arquiteto regionalista crítico faz

isso destacando aspectos da arquitetura vernacular e tradicional

tipificando-as para que o observador passe a interpretar formas

comuns de uma maneira diferente, dando a elas novos significados.

Enfim, é uma forma de conscientização e de “resistência contra a

apropriação de um modo de vida e uma série de relações humanas

por conta de interesses econômicos e de poder alheios”.77

O ponto de vista regionalista crítico foi adotado, segundo os

autores, por diversos arquitetos dos anos pós-guerra, aparecendo nos

trabalhos dos ingleses Candilis, Josic e Woodis no norte da África, nas

obras de Alvar Aalto na Finlândia, no trabalho de Kenzo Tange no

75
TZONIS, Alexander e LEFAIVRE, Liane. El regionalismo crítico y la
arquitectura española actual. Op. cit. p. 4.

76
Idem, ibidem.

77
Idem, p. 13.

86
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

Japão,— especialmente o projeto Prefeitura de Kagawa (1956) —, no

trabalho de vários espanhóis como no edifício Bankminter (1974-1976)

de Rafael Moneo.

TZONIS e LEFAIVRE também apontam o aparecimento do

regionalismo crítico nos países tropicais, como no Sri Lanka, com os

trabalhos de Minnette da Silva, e no Brasil com Oscar Niemeyer,

Affonso Eduardo Reidy e Lina Bo Bardi.

Em sua essência os postulados de Frampton não diferem muito


Fig.93: Salão de dança da Casa do
das idéias presentes nos textos de TZONIS e LEFAIVRE. Seu discurso,
Baile (1942), projeto de Oscar
Niemeyer. Um dos exemplares de
uma obra de arquitetura regional no entanto, comparece com um tom mais polêmico e político na sua
crítica, segundo Tzonis e Lefaivre.
(Fonte: TZONIS, 2001). defesa do regionalismo crítico. O caráter ideológico deste movimento,

para FRAMPTON, pode ser identificado em determinadas,

[...] escolas regionais recentes cujo objetivo tem sido representar e

servir, com um sentido crítico, as limitadas áreas em que se assentam.

Tal regionalismo depende, por definição, de uma conexão entre a

consciência política de uma sociedade e a profissão.78

A preocupação de FRAMPTON é também aquela de TZONIS e

LEFAIVRE sobre as conseqüências do processo de “globalização” e a

conseqüente uniformização dos padrões culturais mundiais. Nestes

termos, o regionalismo crítico é definido por FRAMPTON como um

movimento de resistência à homogeneização do ambiente construído,

78
FRAMPTON, Kenneth. El regionalismo crítico: arquitectura moderna e iden-
tidad cultural. In: A & V, Monografias de Arquitectura y Vivienda. Madrid, n. 3,
1985, p.20.

87
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

é um “sentimento anti-centrista, uma aspiração à alguma forma de

independência cultural, econômica e política”.79

Através de exemplos projetuais de arquitetos atuantes em

diversas partes do mundo, como Alvaro Siza em Portugal (ver figura

94), Mario Botta na Suíça e Luis Barragan, no México,80 FRAMPTON

irá apontar que as qualidades enfatizadas nas obras dos regionalistas

críticos serão aquelas engajadas na acentuação da topografia, na

materialidade da edificação, na utilização do artesanato e material

local, assim como na resposta à luz e ao clima, mais do que na

qualidade gráfica e visual da arquitetura.

As teses dos teóricos do regionalismo crítico não se

constituíram em uma teoria acabada apresentando mesmo pontos

bastante discutíveis em sua formulação. O desejo de abarcar com o

termo, por si só ambíguo, uma variedade de posturas projetuais


Fig. 94: Residência Beires (1973-
76), projeto de Alvaro Vieira Siza realizadas em locais tão distintos parece ser uma das principais
em Povoa do Varzim; vista, planta
do primeiro pavimento e do térreo. problemáticas. Além disso, o desejo de se criar uma identidade local a
(Fonte: FRAMPTON, 1990)
partir de fragmentos da arquitetura vernacular e responder às

peculiaridades do clima e topografia, como uma frente de

“resistência” e anti-centrista, sugerindo que a postura crítica venha de

uma região periférica, é de uma certa forma uma idéia contraditória,

79
Idem, ibidem.

80
Além dos arquitetos mencionados, FRAMPTON também aponta como sendo
regionalistas críticos os arquitetos Oscar Niemeyer e Affonso Reidy no Brasil,
Clorindo Testa na Argentina, Richard Neutra e Rudolph Schindler na Costa
Oeste dos Estados Unidos, Tadao Ando no Japão, dentre outros.

88
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

pois as obras selecionadas como exemplares “regionalistas críticos”

são na realidade obras que fazem parte do jet set internacional.81

Críticas ao regionalismo crítico

Alan COLQUHOUN é um dos críticos que se opõe à validez de uma

doutrina do regionalismo como ele bem demonstra em seu ensaio

"Conceito de Regionalismo”.82 Para ele, preservar a essência do lugar,

buscando sua autenticidade parece algo não realizável, nem hoje, nem

como queria o regionalismo dos românticos, pois a representação de

uma essência nacional desde sempre se constituiu em uma ficção,

que só serviu para legitimar a nação em termos de cultura regional –

e, neste sentido, segundo COLQUHOUN, ela foi bem sucedida.

Contextualizar o objeto arquitetônico através de elementos

tradicionais e locais, não passa, de acordo com COLQUHOUN, de uma

opção do artista dentre a vasta possibilidade de transitar entre

códigos universais, principalmente nos dias de hoje com o avanço da

comunicação. COLQUHOUN argumenta também que esta escolha

nada tem a ver com o conceito de regionalismo, que historicamente

está assente nos movimentos de emancipação política e no

sentimento de preservação de uma região. Para ele de nada serve a

junção do termo crítico ao regionalismo para livrar deste a conotação

do passado. Além disso a definição dada por TZONIS e LEFAIVRE ao

termo crítico, ou seja, de desfamiliarização e estranhamento é um

81
PORTO FILHO, Gentil Alfredo Magalhães Duque. Arquitetura, lugar e
contextualismo : considerações teóricas e um projeto. 1998. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP, p.73.

82
COLQUHOUN (1992), op. cit., p. 75-78.

89
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

conceito incompatível com a idéia de regionalismo. E o fato de tipificar

determinados elementos, através de fragmentos, confirma o fato de

que o que resta de uma suposta identidade regional não passa de

apenas pedaços do que existe de um contexto original. O que se

conclui que nada está sendo preservado.

A visão do crítico e historiador espanhol Josep Maria

MONTANER83 sobre o regionalismo crítico é semelhante àquela de

COLQUHOUN. Considera o termo amplo, ambíguo e insuficiente para

caracterizar a diversidade cultural. Ele acredita que seja mais uma

invenção da crítica internacional que esconde no termo e em suas

abordagens, a dependência de certas culturas em relação à outras.

o regionalismo na América Latina

A idéia de regionalismo teve repercussões significativas na América

Latina, sendo um assunto colocado em pauta nos SAL (Seminários de

Arquitetura Latino Americana).84 Na ocasião de sua primeira

realização também se dá a 1a Bienal de Arquitetura de Buenos Aires,

em 1985, evento que contempla o arquiteto Severiano Porto com o

prêmio máximo.

83
MONTANER, Josep Maria. Depois do Movimento Moderno: arquitetura da
segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p. 178.

84
Os Seminários de Arquitetura Latino-Americana com encontros realizados na
Argentina (Buenos Aires, 1985, 1986), Colômbia (Manizales, 1987), México
(Tlaxcala, 1989), Chile (Santiago, 1991), Venezuela (Caracas, 1993), Brasil
(São Carlos e São Paulo, 1995), Porto Rico, 2001 e Montevidéu, 2003, contam
com a participação de arquitetos e críticos ibero-americanos.

90
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

A obra de Severiano desperta um grande interesse por parte do

júri85 principalmente pela apresentação da Pousada de Caça e Pesca

na Ilha de Silves (1979-1983), obra de características rústicas,

construída basicamente em madeira lavrada e cobertura de cavaco.

De acordo com ACAYABA,86 o júri internacional destacou os seguintes

aspectos da obra do arquiteto: “a simbiose entre o moderno e a

herança nativa e a sua capacidade de identificar uma cultura”.

O momento urgia por reflexões sobre o fazer arquitetônico que

fossem relevantes às particularidades dos países latino-americanos.

Entretanto, ainda que os críticos locais pudessem reconhecer em

muitos projetos contemporâneos a síntese do local com o universal, o

discurso do regionalismo pela voz dos europeus foi considerado como

demasiadamente generalista e com fundamentação conceitual muito

discutível. As opiniões em torno do tema divergiram, obtendo tanto

posições favoráveis quanto contrárias. Segundo o arquiteto,

historiador e crítico, Professor Roberto SEGRE:

Fig. 95, 96 e 97: Pousada de Caça Ramón Gutiérrez, Alberto Petrina e Roberto Fernández acharam que era
e Pesca (1979-1983), Ilha de
Silves, Amazonas. Projeto de uma nova manobra dos teóricos do 1o Mundo para classificar as obras
Severiano Mário Porto e colabo-
ração de Mario Emilio Ribeiro e do Terceiro Mundo de forma tão universalista quanto as estabelecidas
Luis Cesar Monken. De cima para
baixo: Corte, Planta do Pavimento por Jencks. Outros como Marina Waisman e Antonio Toca, tentaram
Térreo e Planta do Pavimento
Superior. (Fonte: Revista Módulo, n. 75, adaptar as categorias iniciais à situação específica da América Latina. A
1983)
professora Waisman, em vez da resistência de Frampton, elaborou a

85
O júri internacional foi constituído por, entre outros, Kisho Kurokawa
(Japão), Oriol Bohigas (Espanha), Vicente Wissenbach (Brasil), Kiyonori
Kikutake (Japão), Jorge Glusberg (Argentina) e Jean Nouvel (França).

86
ACAYABA, Marlene Milan. A premiação brasileira na Bienal de Buenos Aires.
In: Projeto, n. 77, Jul-1985, pp. 51-52.

91
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

alternativa de divergência, como identificação de obras diferentes das

que se produzem no 1o Mundo. Alguns autores estabeleceram

parâmetros mais detalhados para identificar a produção regional: os

chilenos Enrique Browne e Cristián Fernández Cox apelaram,

resgatando as categorias de Heidegger, ao espírito do tempo e do

lugar, e à particularidade de uma modernidade “apropriada e

harmônica”, ou seja, adequada às condições sociais, econômicas e

culturais de cada país.87

O arquiteto e crítico mexicano Antonio TOCA irá reconhecer nas

obras de Assis Reis, Severiano Porto, Eladio Dieste e Rogelio Salmona

entre outros latino-americanos, uma atitude de tendência organicista

ou regionalista, por se mostrarem sensíveis em adequar a

modernidade às especificidades do lugar. Com o exemplo desses

arquitetos, ele reitera a idéia de regionalismo como um movimento

cultural de resistência que resgatará as origens latino-americanas,

abrindo um caminho alternativo para se construir uma cultura

arquitetônica original e criativa, opondo-se a uma arquitetura

internacional acrítica que tem levado à crescente mediocridade do

ambiente construído:

Para a América Latina é indispensável a luta por um movimento cultural

amplo e firme que, somada à defesa da autonomia social e econômica,

avance na consolidação de alternativas modernas e criativas que

ajudem na conformação de uma frente ampla de resistência, face ao

87
SEGRE, Roberto. O regionalismo radical do século 21. Debate. São Paulo.
Disponível em:< www.revprojeto.com.br> Acesso em: 21 de setembro de 2003.

92
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

implacável avanço de uma sociedade tecnológica—totalmente

desumanizada, descaracterizada.88

A importância do Regionalismo Crítico na América Latina (...) é

fundamental para alcançar uma arquitetura moderna que incorpore o

sentido de lugar e que permita uma continuidade entre passado e

presente, sem abdicar de vantagens que oferece a tecnologia.89

Marina WAISMAN irá elaborar o conceito de divergência, uma

modernidade divergente e não de resistência como querem os

regionalistas críticos, fazendo entender que os diversos lugares

assimilam a modernidade — o processo civilizatório — com um

colorido próprio conforme suas particularidades.

Creio que a compreensão e a prática do regionalismo entre nossos

arquitetos...consiste em buscar caminhos próprios, em dirigir-se até a

conformação de uma cultura arquitetônica original, em uma posição

eminentemente ativa que difere profundamente da atitude de

entrincheirar-se em terreno conhecido para impedir a invasão. Por isso

contraponho a idéia de divergência — separação dos caminhos

aparentemente obrigatórios — à de resistência.90

Já o arquiteto chileno Cristián Fernández COX irá reconhecer a

produção local contemporânea—aquela que assimila a especificidade

88
TOCA, Antonio. Do desconcerto à certeza: teses para uma arquitetura
regional. In: AU. São Paulo, n. 17, abril-maio, 1988, p.92.

89
Idem, p.93.

90
WAISMAN, apud SPERLING, David. Arquitetura como discurso. O Pavilhão
Brasileiro em Osaka de Paulo Mendes da Rocha. Arquitextos. São Paulo.
Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br>Acesso em: 09 de março de
2004.

93
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

do ambiente latino-americano — através da concepção de

“modernidade apropriada”. Sua tese parte da definição de

modernidade como o desafio histórico de transitar a partir de uma

ordem recebida até uma ordem produzida. Segundo COX,

Toda modernidade deve ser sui generis (apropriada) não apenas para

ser autêntica em relação à sua identidade peculiar, mas também para

ser autenticamente uma ordem produzida: uma modernidade

autêntica.91

Com esta exposição sobre o regionalismo buscamos situar o

surgimento do conceito e o seu desdobramento na teoria da

arquitetura de modo que possamos compreender o trabalho de

Severiano Porto no seu contexto histórico e crítico e identificar até que

ponto tal termo poderá ser empregado para caracterizar a sua obra.

2.1.3 O lugar do regionalismo em Severiano


Porto

Percebemos que o termo regionalismo está acometido de uma série

de acepções que se revelam bastante complexas e divergentes na sua

definição, tendo na América Latina despertado discussões acaloradas

como observou SEGRE. Por um lado concordamos com COLQUHOUN

ao apontar a inadequação do termo para identificar as decisões

projetuais de arquitetos contemporâneos que elegem elementos locais

para dar forma aos seus projetos. O regionalismo como doutrina ou

91
COX, Fernández Cristián. Modernidade apropriada, revisada e reencantada.
In: Projeto, n. 146, out-1991, pp. 123-127.

94
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

movimento terá sempre uma tonalidade romântica ao tentar preservar

localismos em edificações como se estes pudessem representar um

discurso local. A autonomia de uma cultura não será conquistada

simplesmente pela escolha de alguns elementos nativos eleitos

livremente e que possam ser emblemáticos de uma identidade.

Pois, mesmo que tivéssemos que classificar o regionalismo em

Severiano Porto de acordo com a utilização de códigos emblemáticos,

quais critérios iríamos utilizar? Quais os valores? Se fossemos apontar

a utilização de técnicas e materiais locais, destacando o uso da

madeira ou da palha, por exemplo, quais projetos consideraríamos?

Certamente apontaríamos a Pousada de Caça e Pesca na Ilha de

Silves, o Restaurante Chapéu de Palha, a Residência Robert Schuster

e o Centro de Proteção Ambiental da Hidrelétrica de Balbina entre

alguns outros projetos. Mas a pergunta que nos colocamos é: até que

ponto a utilização de tais materiais em tais projetos, poderia

caracterizar uma arquitetura regional? Primeiramente trataríamos de

esclarecer que tanto a madeira como a palha são elementos

encontrados em outras regiões do país. E como comentado

anteriormente, o cavaco — lascas de madeira rústicas — que

Severiano faz uso na cobertura de alguns de seus projetos é utilizado

com menos freqüência (como elemento de cobertura) na região

amazônica, do que na região sul do país, nos países nórdicos, nos

Estados Unidos e no Japão. E o que dizer da palha, material

encontrado em várias partes do mundo e usada há séculos? Não seria

ele um material de emprego universal, ao invés de regional? Assim, de

partida, poderíamos descartar o critério material e técnicas

95
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

construtivas na classificação do regionalismo em Severiano Porto,

mesmo porque, como já tivemos a oportunidade de mencionar, sua

produção amazônica não se limita aos materiais vegetais como

comumente se pensa: ela é construída também com materiais

industrializados, com a técnica do concreto armado, em estrutura

metálica, em cerâmica armada e em alvenaria.

Devemos destacar, entretanto, que há um ponto constante em

sua obra que é aquele que se refere a atenção para o rigor do clima,

geografia e topografia local. Em toda a sua obra amazônica,

invariavelmente, o arquiteto propõe soluções de desenho que atentam

para as condições do terreno, da trajetória do sol, dos ventos, da

luminosidade. Verificaríamos que neste sentido sim, a arquitetura de

Severiano Porto poderia ser considerada regionalista uma vez que ela

atende à especificidade da região de acordo com as condições já

comentadas.

Mas, como veremos no próximo subcapítulo, de acordo com

Severiano, atender as especificidades da região não passa de uma

atitude racional. Para aclarar estas idéias que a princípio se

apresentam como contraditórias seguiremos, então as próximas

páginas com a nossa investigação em torno da palavra racional. Para

isto será necessário verificar também em que termos a Razão da qual

fala Severiano poderá se identificar com o pensamento racionalista tal

como aparece no discurso da teoria e crítica da arquitetura.

96
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

2.2 sobre o racional[ismo]

Determinados termos podem ter seus sentidos cristalizados, seja por

motivos ideológicos ou por costume, impedindo muitas vezes que

façamos uma leitura pertinente do universo que os constituiu. É o que

parece suceder com a palavra racional que em arquitetura está

fortemente atrelada ao Movimento Moderno.

Com a exposição que segue, mais do que nos determos no

assunto da apropriação terminológica, o que pretendemos é verificar o

que determinadas palavras podem significar no discurso do arquiteto

Severiano Porto, pois elas poderão nos fazer compreender o sentido

de sua obra, desvendar suas referências epistemológicas e apreender

a sua visão de mundo.

Recorrer à etimologia do termo poderá nos ajudar a

encontrar algumas respostas para as nossas indagações.

Nos dicionários92 verificamos que a palavra racional significa o

que usa a razão (ratio em latim). A origem do substantivo ratio está no

verbo reor que significa contar, reunir, medir, separar, ou de um modo

geral, ações que trazem o sentido de organizar, de ordenar as coisas.

Dizem-nos também os dicionários que ratio remete aos substantivos

gregos noús — intelecto, razão, ato de pensamento, desígnio — e lógos

92
As obras consultadas para a definição da palavra razão e seus derivados
foram os seguintes: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 1998; LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia.
São Paulo: Martins Fontes, 1999; CHAUÍ, Marlene. Convite à filosofia. São
Paulo: Editora Ática, 1997; BUARQUE DE HOLANDA, Aurélio. Novo Dicionário
Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986; Enciclopédia Mirador Internacional.
São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil, vol. 17, 1977.

97
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

— medida, relação, proporção matemática, razão; e por extensão,

linguagem, debate, diálogo. O que podemos tirar como conclusão com

essa breve investigação é que na sua origem, a palavra razão, ou

racional (o que usa a razão), é o ato de falar, de perceber, de ver,

querer dizer de maneira ordenada, com medida e proporção. Deste

modo, poderíamos concluir que uma arquitetura racional seria aquela

que usa da justa medida, do equilíbrio, aquela que fala de maneira

ordenada e compreensível.

Neste sentido, a definição de uma arquitetura racional encontra

eco no corpo dos tratados clássicos. O princípio do decoro ou

conveniência vitruviana significa o que é próprio e justo. Em Alberti,

não é diferente: a idéia de racionalidade em arquitetura se faz

presente através da noção de equilíbrio, nas proporções matemáticas,

no encontro da medida certa para as coisas, naquilo que ele chamava

de mediocritas.

Vejamos com maior propriedade o nos diz o arquiteto

renascentista sobre este assunto.

2.2.1 A mediocritas albertiana

O desejo de estabelecer uma medida certa para as coisas, dando a

cada uma delas o seu justo lugar para alcançar um todo harmônico é

um dos princípios fundamentais da tratadística da arquitetura do

renascimento. Alberti (1404-1472) em seu De Re Ædificatoria nos deixa

claro que almejar o equilíbrio é a própria condição para se alcançar a

beleza, a dignidade. É o que confere ao homem o seu sentido de

98
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

humanidade. A crença que Alberti depositava no equilíbrio

(mediocritas) dizia respeito também a uma visão de mundo, um

princípio filosófico que deveria ser revelado na arquitetura uma vez

que era o próprio reflexo da condição de civilidade.

Para Alberti, a arquitetura está muito além da mera

composição de formas: é uma tarefa que promove a vida humana, e

por isso uma atividade de grande responsabilidade social. Portanto,

ao assumir a sua condição de organizador do mundo, ao ser o

mediador do homem com o seu meio, o arquiteto deveria ser capaz,

antes de mais nada, de saber julgar com equilíbrio:

Obviamente a arquitetura é uma ciência nobre, e não cabe a qualquer

indivíduo. Este deve ser um homem de caráter apurado, de grande

dedicação, da melhor educação, de extensa experiência, e

especialmente de poderoso intelecto e juízo fundamentado, para

declarar-se arquiteto.93

Em Alberti, errar por exagero ou escassez significava uma falta

de conhecimento, de prudência e de virtude. Cometer um erro de

julgamento poderia comprometer o projeto seriamente. Assim é que a

idéia de mediocritas — que também pode ser definida como meio

termo, medida correta —, perpassava todas as operações do projeto

93
ALBERTI apud OLIVEIRA, Beatriz Santos. A Construção de um Método para a
Arquitetura: Procedimentos e Princípios em Vitrúvio, Alberti e Durand. E-book,
1997: www.midiadesign.com.br/metodo/metodo.pdf, p. 24. Tradução da
autora. “Doubtless architecture is a very noble science, not fit for every head.
He ought to be a man of a fine genius, of a great application, of the best
education, of thorough experience, and especially of strong sense and found
judgement, that presumes to declare himself an architect.”

99
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

de arquitetura e que por essa via deveria chegar a um resultado que

podemos compreender como sendo a perfeita adequação das partes

para se chegar a um todo harmônico.

O corpo teórico desenvolvido por Alberti em De Re Ædificatoria

deu ênfase na idéia da proporção para atingir o belo na forma

arquitetônica. Entretanto, a harmonia almejada não se resumia à

ordem estética, era também pensada em relação ao emprego correto

dos materiais, na melhor orientação do edifício, no melhor

aproveitamento do terreno. Assim, como conclui OLIVEIRA, “a beleza

para eles [Vitrúvio e Alberti] é o mesmo que perfeita adequação,

harmonia em um sentido global”94 correspondendo ao que Vitrúvio

considerou como decoro ou conveniência e Alberti chamou de

congruência:

A tarefa da congruência é combinar elementos de características

diferentes, de maneira tal a contribuir para formar um todo belo (...)

podemos presumir a beleza como sendo a concordância e harmonia

das partes em relação ao todo em termos de quantidade, refinamento e

combinação, enquanto unidade, ou seja, de acordo com a lei da

natureza. Este é o principal desígnio da arquitetura e é por estas vias

que ela alcança beleza, dignidade e valor.95

94
Idem, p. 52.

95
Idem, p. 24. Tradução da autora. “The business and office of congruity is to
put together members differing from each other in their natures, in such a
manner that they may conspire to form a beautiful whole (...) we may conclude
beauty to be such a consent and agreement of the parts of a whole in which it
is found, as to number, finishing and collocation, as congruity, that is to say,
the principal law of nature requires. This is what architecture chiefly aims at,
and by this she obtains her beauty, dignity and value.”

100
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

O racional na arquitetura vernacular

Dando prosseguimento à idéia do racional em arquitetura que vimos

discutindo até então, por conta da definição dada por Severiano ao

seu fazer, torna-se necessário mencionar as qualidades presentes na

arquitetura vernacular, referência constante do arquiteto. As casas dos

caboclos do Rio Negro, por exemplo, sejam as flutuantes ou sobre


Fig. 98: Casa sobre palafitas no Rio
Negro, Amazonas. palafitas, caracterizam-se por uma profunda relação entre forma e

uso, sem redundâncias. São feitas na justa medida, são adequadas ao

clima, tanto no que diz respeito à orientação quanto à utilização de

materiais. Severiano Porto esteve atento para as tradições

construtivas dos indígenas e dos seus descendentes desde o primeiro

momento em que se estabeleceu na região. Nas construções

populares observou que eram elaboradas de maneira prática e

econômica de acordo com as necessidades humanas, dos recursos

disponíveis, apresentando detalhes construtivos coerentes com as

variáveis climáticas e geográficas do local, ou seja, adequadas à

realidade da região.

É com o mesmo apreço que o arquiteto Severiano Porto aponta

as arquiteturas vernaculares dos países nórdicos, da arquitetura

tradicional japonesa e de outras culturas. Verifica que as soluções

milenares são grandes exemplos para a arquitetura contemporânea,

como a solução dos pagodes japoneses, construídos em madeira com

a flexibilidade necessária para suportarem abalos sísmicos. O conceito

tecnológico tradicional é aperfeiçoado e hoje aproveitado nas novas

construções como comenta o arquiteto:

101
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

No Japão quando eles estavam começando a fazer os edifícios que

caíam, eles pensaram em ver os pagodes, porque os pagodes estavam

lá há anos. E aí verificaram que ele treme, balança, balança. Aí todos os

edifícios têm uma estrutura central flexível que no terremoto não cai.

Então, eles buscavam a sabedoria do passado, tanto lá quanto na

Noruega. Você faz aquele balanço imenso depois tem outro aqui,

depois tem outro aqui, aquilo lindo! Faz os desenhos com curva e etc.

Aquilo dali não é só beleza, aquilo é porque quando treme, não é rígido,

porque se for rígido quebra.96

Assim é que em Severiano, a arquitetura sempre será apoiada

em justificativas para cada elemento empregado, nunca nada é

escolhido em vão. Há sempre uma lógica, uma razão de ser para

todas as suas ações. Lançar mão de materiais e soluções construtivas

tradicionais corresponde, no pensamento do arquiteto, mais a uma

atitude racional, ou seja, coerente com a prática arquitetônica que

deveria ser sensível aos ensinamentos de uma sabedoria antiga. Tais

ensinamentos poderão ser da maior validade no presente, uma vez

que se adeqüem aos problemas contemporâneos, ou seja, desde que

tenham uma justificativa, uma razão de ser para a nova construção.

96
Entrevista concedida pelo arquiteto Severiano Porto em 30 de Setembro de
2003.

102
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

o vernacular na nova arquitetura brasileira

Devemos lembrar que a recuperação de um conhecimento de outrora

pela sua validade no presente é uma atitude projetual que fez tradição

desde a introdução da arquitetura modernista no Brasil, graças à

Lúcio Costa, que soube bem perceber que as características

funcionais e racionais da arquitetura civil colonial apresentavam-se

completamente compatíveis com os preceitos das vanguardas

européias.

Lúcio Costa, mesmo ao assumir a doutrina do Movimento

Moderno, do qual foi principal condutor no Brasil, atentou para o fato

da possibilidade de síntese, já no início da década de 1930,97 entre os

ensinamentos da arquitetura civil luso-brasileira e o racionalismo

internacional.98

Era na despretensiosa arquitetura tradicional popular

desenvolvida pelos mestres de obra na Colônia que estava depositada

a riqueza de ensinamentos tão caros a Lúcio Costa. A pureza de suas

formas, a verdade construtiva, as soluções de adequação ao clima, a

economia de meios eram qualidades incontestáveis de uma boa

arquitetura. A sobriedade e a simplicidade presente em uma

97
Como já mencionado, em 1934, para o projeto da Vila Operária Monlevade,
MG, Lúcio Costa propõe tipologias habitacionais com soluções que uniam o
moderno e o tradicional. Em Os Materiais da Natureza e a Natureza dos Materiais,
Hugo SEGAWA faz a seguinte observação: “Decerto encontramos a primeira
manifestação da arquitetura moderna de vertente carioca associável ao
emprego de técnicas construtivas tradicionais na proposta de Lúcio Costa para
a vila operária de Monlevade: casas em estrutura de concreto armado em
pilotis, com paredes de pau-a-pique”. (SEGAWA, Hugo. Os Materiais da
Natureza e a Natureza dos Materiais. In: Arquiteturas no Brasil: Anos 80, São
Paulo: Pro-Editores: 1988, p.36).

98
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
2002, p. 73.

103
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

arquitetura de experiência de trezentos anos na Colônia,

apresentavam-se perfeitamente compatíveis com os avanços da nova

arquitetura, porque trazia no seu âmago a racionalidade da qual

falavam os teóricos do Movimento Moderno.

O Park Hotel São Clemente em Nova Friburgo (1944) é

considerado por muitos críticos99 uma obra exemplar da síntese

professada por Lúcio Costa, demonstrando a atitude sensata, racional,

coerente do arquiteto ao professar a fusão do tradicional e o moderno.

As idéias de Lúcio foram decisivas na orientação de muitos arquitetos.


Fig. 99: Fachada sul do Park Hotel
São Clemente (1944), em Nova São notáveis nas obras de Francisco Bolonha, e de maneira indireta
Friburgo. Projeto de Lúcio Costa.
(Fonte: Wisnik, 2001)
nas obras dos irmãos Roberto, Affonso Reidy, Rino Levi, Oswaldo

Bratke, Jorge Machado Moreira, arquitetos estes que fizeram parte da

formação de Severiano Porto.

2.2.2 O racionalismo e o Movimento Moderno

Assim como a palavra racional, o racionalismo é um termo fortemente

atrelado ao Movimento Moderno. Mas, denominar uma arquitetura de

racionalista, parece ser algo redundante,100 pois a arquitetura, é, ou

deveria ser por princípio, a mais racional de todas as artes.101

99
Para BRUAND (2001), op. cit., p. 134: “Nessa obra, tudo é equilíbrio, obtido
quer por uma simetria impecável e um senso de proporções muito seguro, (...)
cuja simplicidade aparente é, na realidade, a expressão de um soberbo
refinamento”. SEGAWA (1998), op. cit., p. 36, também compartilha da visão de
Bruand, quando observa que o Park Hotel é a “(...) obra-síntese a demonstrar
as possibilidades contemporâneas de materiais tradicionais, permeada por um
discurso moderno”.

100
Sobre o racionalismo em arquitetura, cf. COLQUHOUN, Alan. Racionalismo:
um conceito filosófico em arquitetura. In: Gávea. Rio de Janeiro, n.9, dez. 1991

104
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

Devemos observar entretanto que o termo racionalismo como

tantos outros empregados na teoria da arquitetura, origina-se do

mundo do pensamento. Neste caso, convém examinarmos

primeiramente a abrangência do termo neste campo, para depois

prosseguirmos com o seu significado na arquitetura.

O Racionalismo na filosofia

No campo filosófico entende-se em geral por racionalismo a linha de

pensamento que sustenta os procedimentos da razão para a obtenção

do conhecimento verdadeiro.102 Historicamente, denomina-se

Racionalismo a corrente filosófica que se desenvolveu entre os séculos

XVII até meados do século XVIII, tendo como seus principais expoentes

Descartes, Spinoza e Leibniz.

É com Descartes que o antigo conceito de Razão, como

orientador fundamental da conduta humana, é reintroduzido no

mundo moderno. Razão para ele se equipara ao bom senso, e é igual

em todos os homens, porém é preciso aplicá-lo adequadamente.103

Daí “Os longos encadeamentos de razões, todas simples e fáceis, de

que os geômetras costumam lançar mão para chegar as suas

demonstrações mais difíceis”, como procedimento para determinar

e cf. SILVA, Elvan. Racionalismo e pseudo-racionalismo: um gênero de


degeneração semântica na arquitetura. In: Arquitetura Revista. Vol.3. FAU/UFRJ.
1985/1986.

101
COLQUHOUN (1991), op. cit., p.91.

102
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
103
Idem, p. 825.

105
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

suas regras do método, que com ele Descartes acreditava chegar ao

conhecimento do todos os campos possíveis.

O Racionalismo do século XVII e XVIII caracterizou-se pela

confiança plena nos poderes da razão humana não somente para o

conhecimento da realidade como também para a sua transformação.

A busca da racionalidade como força libertadora dos preconceitos e

dos mitos, revoluciona todas as áreas do conhecimento, impulsiona a

ciência moderna e abre as portas para o homem dominar a natureza.

Entretanto, quando o racionalismo aporta no século XIX

alimentado pelo pensamento iluminista e o positivismo de Augusto

Conte, ele é levado às últimas conseqüências: com a descoberta da

historicidade do homem, da idéia de evolução e progresso, e do

conceito linear do tempo, pensava-se que a ciência e tecnologia fariam

do mundo algo transparente. Acreditava-se não apenas alcançar o

controle das coisas naturais, como também da humanidade, levando-a

ao progresso moral e à felicidade plena.

Mas, esse “pequeno racionalismo”, como queria Merleau-

Ponty,104 era um racionalismo que pensava falar em nome da razão, e

no entanto, revelou-se um racionalismo repleto de mitos; mito da

explicação científica da realidade, mito da idéia evolutiva das

civilizações. Considerado por muitos filósofos como destituído de

razão, esse racionalismo entrou em crise quando o mundo assistiu às

guerras, aos totalitarismos, à legitimação do poderio de uma

sociedade em relação a outra.

104
MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p.
161.

106
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

O Racionalismo na arquitetura

A arquitetura do Movimento Moderno é apontada como sendo o auge

da tradição do pensamento racionalista no campo da arquitetura. E

não só isso, senão que, as obras, escritos e manifestos de Adolf Loos,

Le Corbusier e Mies van der Rohe tornaram-se fundamentais para a

interpretação das idéias e estética do início do século XX.105

E não obstante o racionalismo seja um termo normalmente

associado às formas prismáticas e à inspiração cubista, também faz

referência às produções consideradas mais individualistas, de formas

complexas, mais ambientadas com o entorno como é o caso das obras

do americano F.L.Wright e do finlandês Alvar Aalto. O historiador

ARGAN,106 por exemplo, nomeará o primeiro como pertencente à

corrente do racionalismo orgânico e o segundo ao racionalismo empírico.

Se considerarmos a expressão racionalismo como sendo uma

visão de mundo e uma conduta ética, ou seja, como confiança nos

procedimentos da razão como único meio para a obtenção da verdade

e como a crença no uso da razão (bom senso, justa medida, tal como

aparece na etimologia e nos primórdios da filosofia ocidental) para

libertar o homem das opiniões infundadas e pensar e agir com

equilíbrio, devemos observar, que neste sentido ele aparece nos mais

antigos escritos sobre arquitetura.

Se com Vitrúvio buscava-se de uma vez por todas combater a

decadência do meio profissional e devolver à arquitetura os princípios

105
MONTANER ( 2001), op. cit.,p.36.

106
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992,
p. 264.

107
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

racionais deixados pelos gregos, no Renascimento (com as mudanças

sociais e a efervescência cultural associada às grandes descobertas

marítimas e científicas), buscava-se uma racionalidade para estruturar

a Arquitetura como disciplina, daí uma razão que falava de um

equilíbrio, de uma razão humanista, ética, pois tratava-se de instaurar

um processo civilizatório.

Já nos séculos XVIII e XIX, com as transformações políticas e

econômicas como aquela da França da era Napeoleônica, o momento

era voltado para uma racionalização do fazer (é o periodo que ocorre

as divisões da disciplina arquitetônica e o surgimento da engenharia).

J. N. L. Durand, professor da Ecole Polytechnique de Paris, autor de

Précis des Leçons d’architecture (1817), elabora um sistema normativo e

econômico tendo em vista racionalizar o processo de projeto,

atendendo os diversos programas requisitados de forma simplificada

e eficiente.

Se os tratadistas clássicos enxergavam a arquitetura de uma

maneira global, onde o equilíbrio das instâncias função, beleza e

técnica era imprescindível para se considerar construção como

Arquitetura, o processo projetual de Durand, por um outro lado, deu

ênfase ao princípio da economia (para ele: simplicidade, simetria,

regularidade) — agora colocado ao lado da conveniência (solidez,

salubridade e comodidade), e não no interior desta como queriam os

clássicos. Assim, a condição do belo em arquitetura, no conceito

durandiano, passou a estar diretamente associada à ética econômica.

108
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

Quanto à arquitetura do Movimento Moderno, não há dúvidas

de que é herdeira direta do otimismo no progresso científico e

tecnológico, do racionalismo iluminista e do positivismo do século XIX.

A arquitetura deveria responder às novas tarefas sociais que se

apresentavam; uma sociedade racionalmente ordenada, industri-

alizada, de cultura universal, cuja expressão estética era alcançada,

por via de regra, no funcionalismo, na verdade construtiva, no culto à

inovação tecnológica.

Mas como bem sabemos, a arquitetura racionalista das

vanguardas do século XX, com suas dimensões revolucionárias e

utópicas, pretendia também trazer de volta à disciplina um conteúdo

ético, além de estético. E é por isso que teóricos da arquitetura deste

período, como Le Corbusier, foram buscar na tradição clássica, e

também no vernacular, a racionalidade necessária para depurar a

arquitetura da arbitrariedade dos historicismos. O mesmo conteúdo

ético pode ser observado nas proposições do “racionalismo orgânico”

de Wright. Funcionalismo, tecnologia, propósito social eram idéias que

o colocavam em junção com os arquitetos das vanguardas

européias.107

Assim, se a arquitetura racionalista dos princípios do século XX

ainda traz em seu cerne uma racionalidade humanista, que apresenta

um comprometimento ético, que vê a arquitetura como um meio para

uma vida melhor, em meados deste mesmo século ele dá forma a um

107
ALFONSIN, Anthony. Frank Lloyd Wright and Modernism. The Museum of
Modern Art, New York. Publication of the exhibition Frank Lloyd Wright Architect,
1994, p. 33.

109
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

racionalismo tecnicista que deixa escapar os princípios racionais para

tornar-se uma simplificação da complexidade. Este racionalismo

desvirtuoso que, em um campo mais amplo, levou à insanidade das

guerras e ditaduras, no campo da arquitetura, também resultou em

um instrumento indevido; seja nos conjuntos habitacionais, indiferente

às particularidades do lugar e das condições de vida; seja no

planejamento urbano rígido que compartimenta a cidade

mecanicamente em funções e atividades distintas; seja nas assépticas

torres de vidro que ignoram o contexto em que são inseridos, aí estão

alguns exemplos da falácia de tal racionalismo que dizia falar em

nome da razão.

2.2.3 O lugar do racionalismo em Severiano Porto

Todo o caminho que percorremos até o momento teve como propósito

aclarar idéias que se firmam em torno do procedimento projetual de

Severiano Porto e identificar quais são de fato suas referências

epistemológicas e a sua visão de mundo.

Quando das entrevistas realizadas com ele para a presente

pesquisa, fomos conduzidos a um outro conceito a partir do seu

discurso, ou seja, o racionalismo, uma vez que a palavra racional,

aparece na explanação do seu processo de projeto e também por

Severiano Porto pertencer a um momento determinado da história da

arquitetura onde o racionalismo associado à arquitetura moderna foi a

escola de sua geração.

110
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

Após compreendermos tal conceito, cabe-nos agora identificar

até que ponto o racionalismo, tal como se apresenta na teoria e crítica

de arquitetura, poderia ser aplicada à Severiano Porto.

Para esta tarefa será necessário retomarmos uma das

entrevistas realizadas com o arquiteto em torno do termo

regionalismo:

É tão difícil dizer o que é regionalismo, porque, para mim, ele é

vinculado à própria arquitetura que se vai fazer. Porque se está situado

numa região e atender às necessidades regionais, vamos dizer na

Suécia, frio o tempo todo, na Noruega lá em cima Trondheim, ele não

tem opção, ele tem que fazer uma arquitetura regionalista.

É uma coisa lógica, um racional lógico. Porque você tem que atender à

regionalidade mesmo que você esteja fazendo aqui no Rio, quer dizer o

brise da Petrobrás, o brise do Ministério da Educação e muitas outras

soluções assim, que atendem, vamos dizer, a o deixar entrar o sol e

combater o sol. 108

Percebemos com esse discurso, que para Severiano, atender as

condições climáticas do lugar é uma das premissas do seu fazer. Mas

vejamos o que mais ele nos diz:

[...] é uma fase assim de degradação profissional. Por isso é uma fase

triste, as pessoas só fazendo o que seria modismo, aí faz Casa Cor, faz

isso tudo. “Um canto lindo foi feito pelo fulano, outro canto lindo”, quer

dizer esse canto seria lindo se ele soubesse para onde, porquê. Por

que, tem os porquês de cada um, do programa. Cada um gosta de ter a

108
Entrevista concedida pelo arquiteto Severiano Porto em 30 de Setembro de
2003.

111
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

sua biblioteca, outro já não gosta, outro está mais acostumado com a

sala, outro gosta de uma sala maior para computação. Então, são os

programas que vão definir...se vai ter ar-condicionado ou outros

equipamentos. Tudo é muito lógico e racional para quem vai fazer.

Se você for ver em Gramado, no Hotel Laghetto, que é de um arquiteto,

proprietário e autor do projeto, você vai ver que beleza as esquadrias de

madeira feitas em Santa Catarina, parecem perfis metálicos, de

alumínio, de tão perfeito! Então eles têm essa capacidade. No

Amazonas, não. Porque quando eu fiz os encaixes eles não sabiam

trabalhar, nem tinham os equipamentos. Agora põe manual e fazendo

com mais liberdade de trabalhar de uma forma espontânea, aí eles

conseguem. Então, foi adaptar à mão-de-obra, à regionalidade, entre

aspas, do trabalho que eles fazem, com o material que eles têm. 109

Assim, notamos que Severiano também entende por

regionalidade ou regionalismo (os dois termos são indistintos em seu

discurso), a perfeita adequação tanto no que diz respeito ao programa

quanto à eleição de materiais e técnicas construtivas. Para ele isso

não passa de uma atitude lógica, ou como prefere o arquiteto “um

racional lógico”, palavras que demonstram, na sua redundância, um

caráter enfático, denunciando a importância que tais soluções têm em

sua arquitetura.

Mas não são somente os aspectos técnicos e funcionais de que

se ocupa a adequação em Severiano Porto. Há na sua fala indícios de

uma preocupação também com a conduta do profissional. Quando

109
Idem, ibidem.

112
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

comenta que a arquitetura passa por uma “fase triste” e de

“degradação”, por estarem fazendo dela uma frivolidade, ele também

está nos apontando uma necessidade de se repensar a profissão; de

retomar para ela uma racionalidade, “por que, tem os porquês”, nos

diz ele, e que a arquitetura não é só “modismos”.

Como tudo que foi dito, podemos inferir que o que aparece no

discurso de Severiano, diz respeito a um racionalismo que traz em seu

cerne a racionalidade humanista, que crê na razão, tal como vimos na

etimologia da palavra, como um princípio do equilíbrio; uma razão

flexível que procura ajustar as diferenças, ao contrário daquele

racionalismo rígido que tomou de assalto a arquitetura de meados do

século XX.

Melhor ainda seria dizer que os procedimentos racionais que

reivindica Severiano para arquitetura opera no equilíbrio das diversas

instâncias que já falava os tratados clássicos de arquitetura, ou seja,

de que a concepção do projeto se dá de uma maneira integral. Já

abordamos o princípio da mediocritas no pensamento albertiano e

como vimos, para Alberti o valor de uma obra e de sua beleza seria o

resultado de uma harmonia global, satisfazendo tanto as necessidades

estéticas e simbólicas, quanto funcionais e éticas.

Para Vitrúvio, que antecedeu Alberti, o princípio que regia todo

o procedimento projetual, inclusive os critérios que estabelecem a

tríade vitruviana (firmitas, utilitas e venustas),110 também estava

110
OLIVEIRA (1997), op. cit. p. 36.

113
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

depositado na noção de equilíbrio, naquilo que ele chamava de

conveniência ou decoro.

Mais do que apoiar-se em conceitos como o regionalismo,

vemos que os princípios racionais que se utiliza Severiano no seu

processo de projeto, na realidade se inscrevem em questões

elementares há muito advertidas por Vitrúvio e Alberti. Tal como o

regionalismo, um outro discurso normalmente associado à arquitetura

de Severiano Porto, cuja abordagem se faz pertinente neste momento,

é o discurso ecológico.

Com as considerações que faremos a seguir, trataremos de

mostrar que o conteúdo atribuído ao termo ecologia, além de implicar

uma prática prescritiva, que ao nosso ver não se adequa à Severiano,

traz embutido no termo uma idéia de equilíbrio que, mais uma vez,

poderia se assentar melhor nos fundamentos da arquitetura, e mais

especificamente, na idéia vitruviana de decoro e oikonomia.

2.2.4 Decoro e oikonomia em Severiano Porto

A implantação correta do edifício considerando a orientação solar, a

ação dos ventos e o melhor aproveitamento dos materiais e a

tecnologia, as tradicionais e as contemporâneas constituíram-se no fio

condutor da arquitetura amazônica de Severiano Porto. Tendo em

vista o contexto em que suas obras ganharam repercussão, entre os

anos 1970-1980, elas foram identificadas com as tendências

arquitetônicas do regionalismo crítico, conceito já discutido, assim

114
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

como referência para a arquitetura dita ecológica. Cumpre verificar, no

entanto, que a qualidade intrínseca no trabalho de Severiano Porto, o

princípio da adequação, talvez pudesse ser melhor identificada com

uma das mais antigas recomendações que se tem conhecimento para

os procedimentos da arquitetura: as de Vitrúvio. Seu tratado “Da

Arquitetura” escrito no século I a.D., já dizia que o arquiteto deveria

estar atento ao Decoro ou Conveniência, ou seja, “ao aspecto correto

da obra, que resulta na perfeita adequação do edifício em que não

haja nada que esteja fundado em alguma razão”.111 Para alcançar

isto, Vitrúvio dizia que o arquiteto deveria observar atentamente “o

costume e a natureza dos lugares”,112 ou em outras palavras, cuidar

dos aspectos sociais, das condições geográficas e climáticas de cada

região. Uma outra recomendação de Vitrúvio diz respeito à

Distribuição ou Oikonomía, que para ele “consiste no devido e melhor

uso possível dos materiais e dos terrenos, e em procurar o menor

custo da obra, conseguido de um modo racional e ponderado".113 E dá

o seguinte exemplo:

111
VITRUVIO Marco Lucio. Los Diez Libros de Arquitectura. Traducción Agustín
Blánquez.Barcelona: Editorial Iberia, 1997, P. 14.

112
Os exemplos dados por Vitruvio para ilustrar as suas recomendações,
dizem respeito aos templos, um programa recorrente em sua época. Assim ele
nos diz sobre o decoro: “el decoro natural requiere para emplazamiento de
cualquier templo la elección de los parajes más saludables y donde haya
fuentes de aguas abundantes...Está también de acuerdo com el decoro natural
el dar luz de Oriente a los dormitorios y bibliotecas, orientando en cambio las
salas de banõ y las estancias de invierno al Poniente invernal; así como los
demás lugares que requierem una luz siempre igual, el que reciban ésta del
Septentrión, porque esta parte del cielo ni se obscurece ni se esclarece con el
curso del Sol, sino que permanece todo el día constante e inmutable”.
(VITRUVIO, op. cit., p. 15).

113
Idem, ibidem.

115
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

Em nem todos os países se encontra areia fóssil, pedregulho, abetos,

madeira destituída de nós ou mármores, senão que em alguns lugares

se encontra umas coisas e em outras, outras; consegui-las todas só

seria possível com dificuldades e grandes dispêndios. Portanto, quando

faltar areia fóssil, haverá que se utilizar a do rio ou a do mar; mas esta

só depois de lavada. A carência de abetos ou madeiras limpas será

remediada usando o cipreste, álamo, olmo, pinho, etc., e de maneira

semelhante se procederá com tudo mais.114

Uma outra especificidade da Distribuição ou Oikonomia é

aquela que, como nos diz o arquiteto romano: “planeja de maneira

diferente os edifícios, segundo os diversos usos a que os donos os

destinam e de acordo com a quantidade de dinheiro que se quer

empregar neles”,115 ou seja, os edifícios devem ser adaptados à

realidade do cliente, sua condição social, seus modos de vida.

O vocábulo grego Oikonomía referido anteriormente, pode ser

entendido segundo a etimologia do termo como administração

doméstica uma vez que Oikos significa casa e nomos, lei ou regra, e de

uma maneira mais ampla a administração de um ambiente ou

comunidade ou a ordem ou regularidade de um conjunto.

114
Idem, Ibidem.

115
Idem, p. 16.

116
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

Como já explicamos no artigo Por um regionalismo eco-eficiente:

a obra de Severiano Mário Porto no Amazonas:116

Tal ordem será entendida historicamente como tanto melhor quanto

mais realize o máximo resultado com o mínimo esforço, tal como

acontece na natureza. Foi com este sentido que a palavra economia deu

origem ao neologismo Ecologia, cunhado por Ernest HAECKEL, (1834-

1919), em 1866. Este zoólogo e médico alemão, um dos mais

entusiastas discípulos das teorias evolucionistas de Darwin, definiu

ecologia como sendo o corpo disciplinar referente à economia da

natureza, ou seja, das inter-relações dos organismos vivos com o

ambiente em que vivem, inorgânico e orgânico, considerando as

condições de luta pela existência.117 A idéia de organização embutida

no conceito de ecologia de HAECKEL, de que existem forças que atuam

dentro de zonas ambientais, equilibrando-as e ordenando-as em

formações típicas, referenda as teorias liberais da época e vai

influenciar enormemente outras áreas de conhecimento.

A Sociologia Urbana, por exemplo, no início do século XX, vai

estudar a cidade sob o ponto de vista daquilo que denominaram

Ecologia Humana e passam a interpretar a forma urbana e sua

organização como reflexo direto dos esforços de adaptação e busca do

equilíbrio natural empreendido pelos homens. Vale dizer, que esta

vinculação mecânica da disposição espacial a um processo social

natural de adaptação ao meio, naturalizava a ordem urbana,

descolando-a dos mecanismos econômicos e políticos que a produziam

116
ITO ROVO, Mirian Keiko; OLIVEIRA, Beatriz Santos. Por um regionalismo
eco-eficiente: a obra de Severiano Mário Porto no Amazonas. Arquitextos. São
Paulo, abril de 2004. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br>Acesso em:
abril de 2004.

117
ACOT, Pascal. História da ecologia. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p. 27.

117
O Regionalismo e o Racionalismo em Severiano Porto

e, portanto, distanciando o homem da possibilidade de transformação

da realidade social.

Compreendendo as origens da palavra ecologia corremos o

risco de que, aderida historicamente a tais conteúdos ideológicos do

liberalismo, a arquitetura de Severiano Porto poderia ser entendida

como defesa da aplicação desse pensamento ao controle das soluções

de desenho. Pelo contrário, acreditamos que uma arquitetura ecológica

não pode se apoiar na naturalização dos procedimentos construtivos e

organizacionais do lugar, mas sim ser entendida como aplicação

sempre renovada dos princípios de conveniência e economia de que

Vitrúvio já falava ao definir a Arquitetura.

Para prosseguirmos com a compreensão das constatações que

vimos fazendo até então acerca dos procedimentos projetuais de

Severiano Porto, apresentaremos nas páginas do próximo capítulo o

nosso estudo de caso, a Aldeia SOS do Amazonas, uma das últimas

obras a ser realizada pelo arquiteto na região amazônica antes do

encerramento de seu escritório em Manaus e o seu retorno definitivo

ao Rio de Janeiro.

118
Aldeia SOS do amazonas

3. aldeia sos do amazonas

A Aldeia SOS do Amazonas, obra de Severiano Porto, projetada em

1993 e construída entre 1994-1997 na região de Manaus, é um

complexo que reune edificações para fins residenciais, assitenciais e

educativos. É uma mini-comunidade que tem por finalidade primeira

oferecer às crianças em situação de risco social — orfãs, abandonadas

ou que recebem maus tratos — um lar substituto, proporcionando-lhes

um ambiente onde possam ser cuidadas como crianças normais.

A Aldeia SOS está ligada a um programa maior que é a

Associação das Aldeias Infantis SOS Brasil, filial de uma entidade

filantrópica de âmbito mundial, a SOS Kinderdorf International.

A escolha do Severiano Porto para a realização do projeto da

Aldeia SOS do Amazonas foi feita pela excelência de suas obras, cujos

valores foram de encontro às aspirações da Associação, representada

na época pela pessoa do Sr. Georg Rodenbach, cidadão austríaco

responsável pela direção das Aldeias SOS da América Latina. O

diretor, em depoimento recente, comentou também que a opção pelo

119
Aldeia SOS do amazonas

trabalho do premiado arquiteto deveu-se à simplicidade de suas

propostas arquitetônicas — bem representadas no desenvolvimento de

sua arquitetura residencial amazônica —, assim como, “pela sua

maneira correta de ser”.

O projeto desenvolvido por Severiano Porto para a Aldeia SOS

do Amazonas, como teremos a oportunidade de demonstrar a seguir,

foi além da interpretação das necessidades físico-espaciais das

edificações que compõe o conjunto, no que se refere a uma proposta

adequada ao programa, para colaborar também com os princípios

pedagógicos que formam a base da entidade filantrópica.

Assim, faz-se necessário, para uma melhor compreensão da

obra, introduzir o leitor a alguns aspectos da história da SOS Kinderdorf

e de seus ideais de ensino, assim como de alguns antecedentes que

levaram o núcleo aldeano ao Amazonas.

3.1 O NASCIMENTO DA ALDEIA

A história da SOS Kinderdorf

118
A Aldeia SOS ou SOS Kinderdorf se deu por iniciativa do educador

austríaco Hermann Gmeiner (1919-1986), que concebeu e construiu a

primeira Aldeia SOS, em Imst, na Áustria, seu país de origem, no ano

de 1949, com o intuito de abrigar crianças orfãs da Segunda Guerra

Mundial.

118
Kinderdorf em português significa aldeia para crianças.

120
Aldeia SOS do amazonas

A idéia de Gmeiner era devolver às crianças carentes um lar,

contando para isso com mulheres que haviam perdido seus familiares

na guerra para desempenharem o papel de mães, cuidando das

crianças e recriando o sentido de família.

Desde então, o programa da Aldeia SOS, por mostrar-se bem


Fig. 100: Hermann Gmeiner (1919-
1986), fundador da SOS Kinderdorf. mais humano do que os tradicionais orfanatos, foi adotado em várias

partes do mundo, adaptando-se de acordo com as necessidades de

cada localidade.

Em todos os lugares, entretanto, a Aldeia SOS se desenvolve de

acordo com o princípio pedagógico do educador austríaco que é o de

dar à criança uma estrutura familiar, oferecendo-lhe um lar, uma

comunidade, irmãos e uma figura materna. A Aldeia é, enfim, um lugar

que deve estimular a criança a construir seu futuro com autonomia,

adquirindo auto-estima e aprendendo os valores éticos de modo a

torná-la uma cidadã participativa.

No Brasil, onde as Aldeias Infantis SOS contam hoje com quinze

unidades em diversos estados — a primeira surgiu em 1967 em Porto

Alegre, Rio Grande do Sul —, seus núcleos se constituem em pequenas

comunidades com aproximadamente dez a doze Casas-lar, cada uma

formando uma família com até nove crianças, de ambos os sexos e

idades diferentes, cuidadas pela mãe social — profissão regulamentada

por lei. Além da figura materna, toda Aldeia possui um dirigente —

profissional que reside na Aldeia com sua família —, que administra e

121
Aldeia SOS do amazonas

orienta o trabalho das mães-sociais e desempenha o papel de pai

simbólico das crianças.119

Dependendo do local onde estão inseridos os programas das

Aldeias SOS, seus núcleos podem incluir projetos que apoiam os

princípios pedagógicos propostos por Gmeiner, visando o bem estar

físico e mental das crianças e adolescentes, como casa transitória

(espaço que oferece assistência imediata à criança antes que seja

definida sua situação em relação à família biológica ou substituta),

centros profissionalizantes, centros culturais, assim como outras

atividades que promovam a integração das Aldeias SOS à comunidade

local como, creches, jardins de infância, escolas de ensino

fundamental e centros de saúde.

A manutenção, desenvolvimento e construção da Aldeia é feita

através de toda sorte de contribuições e doações; vindas da sociedade,

da colaboração de sócios periódicos (locais e estrangeiros) que

apadrinham as crianças, de verbas geradas pela SOS Kinderdorf

International e dos fundos a ela ligados.

A fundação do lugar

A primeira Aldeia a ser implantada na região Norte do Brasil, a Aldeia

SOS do Amazonas,120 nasceu por iniciativa de um cidadão alemão, o

119
É importante ressaltar que a Associação das Aldeias Infantis SOS Brasil é
uma entidade plástica que permite mudanças em sua estrutura. Neste
momento, por exemplo, está havendo modificações em relação à figura e
atuação do pai simbólico, e o grau de interferência deste na coordenação das
mães-sociais.

122
Aldeia SOS do amazonas

Sr. Eduardo Flösser, que desejava fazer seu investimento social em

nosso país. Por ocasião de uma visita ao Rio de Janeiro, durante a

ECO - 92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento) o Sr. Flösser decidiu que sua doação seria feita à

Associação das Aldeias Infantis SOS Brasil, com o valor da compra do

terreno.
Fig. 101: Vista aérea da Aldeia SOS
do Amazonas (Fonte: Severiano Porto)
Pelas precárias condições da população amazonense e dos

meninos de rua da cidade de Manaus, ficou decidido esta cidade para

a construção do novo núcleo aldeano.

O sítio, suas características e localização

Quando o arquiteto Severiano Porto foi contratado para a realização

do projeto da Aldeia SOS do Amazonas, a diretoria da Associação das

Aldeias Infantis SOS Brasil já havia adquirido o sítio para a sua

implantação. O primeiro passo para a fundação da Aldeia aconteceu

no ano de 1992, logo depois da visita do doador do terreno ao Brasil.

De acordo com o depoimento do Sr. Georg Rodenbach,121

encontrar o terreno adequado para o novo núcleo não foi uma tarefa

fácil. O terreno idealizado deveria estar localizado em um bairro

residencial que oferecesse uma certa infra-estrutura, como escolas e

outros centros necessários para a formação educacional das crianças,

120
As demais se encontram em Porto Alegre e Santa Maria – RS, João Pessoa -
PB, Caicó e Natal- RN, Itanhangá e Jacarepaguá- RJ, Juiz de Fora - MG, Brasília
-DF, Rio Bonito, Poá e São Bernardo do Campo - SP, Goioerê -PR, e Lauro de
Freitas -BA.

121
Depoimento concedido à autora em 12 de Dezembro de 2003.

123
Aldeia SOS do amazonas

de preferência próximo ao centro da cidade e em uma área plana ou

quase plana.

Os terrenos disponíveis dentro da expectativa de custos da

diretoria da Aldeia SOS, entretanto, ficavam em sua maioria em áreas

próximas ao Distrito Industrial ou do Aeroporto Internacional. Embora

os terrenos encontrados fossem espaçosos e planos, atendendo aos

requisitos para o assentamento da Aldeia, eles apresentavam a

desvantagem de estarem localizados distantes de outros núcleos

comunitários, o que dificultaria a proposta de integração da

comunidade aldeana à sociedade.

O terreno finalmente encontrado para o assentamento da Aldeia

SOS do Amazonas foi o mais próximo do idealizado. Está localizado

em meio a um contexto urbano de uso predominantemente

residencial, com construções modestas de pequeno e médio porte, na

região Centro-Oeste de Manaus. Sua cota é relativamente elevada

(+80m), o que, em que se tratando das condições climáticas da região,

tem a vantagem de receber os ventos sem bloqueio ao mesmo tempo

em que resguarda as edificações dos problemas de inundação, uma

ocorrência freqüente em determinadas áreas de Manaus, cidade que é

entrecortada por igarapés.

O terreno é de esquina e se conforma ortogonalmente com as


Fig.102: Mapa parcial da cidade de
Manaus. Assinalado em vermelho,
a Aldeia SOS do Amazonas. A seta
avenidas Penetração Norte-Sul e Senador Raimundo Parente (ver figura
tracejada indica a direção dos
principais eixos viários da cidade 103). Esta se liga a um dos principais eixos viários que atravessa a
de Manaus. (Desenho da autora)
cidade de Manaus de norte à sul, ou seja, do aeroporto à área central

da cidade, próximo ao Rio Negro — região da zona portuária e centro

histórico.

124
Aldeia SOS do amazonas

3
Av. da Penetração Norte-Sul

Av. Senador Raimundo Parente

Fig.103: Desenho esquemático do Fig. 104: Aldeia SOS do Amazonas, em fase de conclusão das obras. A avenida
terreno da Aldeia SOS do Amazo- que aparece ao lado esquerdo da foto é a Penetração Norte-Sul, e na parte
nas. (Desenho da autora) inferior é a Senador Raimundo Parente. (Fonte: Severiano Porto).

Ao longo deste eixo viário, ou seja, da Estrada Torquato Tapajós

que ao sul se transforma nas avenidas Djalma Batista e Constantino

Nery, localizam-se pontos de referência importantes da cidade como a

estação rodoviária e o Estádio Vivaldo Lima (1965), o Vivaldão — como

é hoje conhecido o estádio pela população —, primeiro projeto de

grande porte realizado por Severiano Porto na cidade e recentemente

reformado pelo seu escritório.

A configuração do terreno é retangular com dimensões gerais

de 400,7 x 164,1m. Sua topografia apresenta uma suave declividade

em boa parte de sua porção sul, e que vai se acentuando à medida

que se aproxima da face noroeste, terminando em uma pequena


Fig.105: Mapa esquemático, mos-
trando a localização da Aldeia SOS depressão por onde passa um córrego (ver figura 103).
do Amazonas, na região Centro-
Oeste de Manaus. (Desenho da autora) O terreno faz divisa na direção norte, com o Bairro da Paz, uma

comunidade de baixa renda, e na direção leste com uma área florestal

125
Aldeia SOS do amazonas

que até há pouco tempo pertencia à um clube municipal, mas que

atualmente está dando lugar a novos empreendimentos imobiliários.

3.2 o programa da Aldeia

riscos iniciais

A concepção inicial do projeto arquitetônico da Aldeia SOS do

Amazonas foi marcada por um período de intensas pesquisas e de

discussões entre o arquiteto e o cliente, tendo o projeto como um

todo, da análise das informações coletadas, discussões sobre os

problemas a serem resolvidos, até a confecção das propostas

definitivas, durado pouco mais de um ano.122

Na etapa de estudos preliminares, Severiano solicitou ao Sr.

Georg Rodenbach que indicasse uma Aldeia SOS para que ele pudesse

compreender o funcionamento geral do programa, como costuma

fazer o arquiteto em projetos específicos como este. Foram as

instalações da Aldeia SOS de Brasília, uma das mais antigas do país,

existente há mais de 30 anos, que o diretor indicou a Severiano, pois

aquela Aldeia apresentava um lote com configuração semelhante à de

Manaus (ver figura 106). Além disso, segundo Sr. Georg, seu intuito era

mostrar o projeto de um núcleo aldeano de concepção simples. Para

ele, sendo um projeto de cunho social, a concepção espacial das

residências da Aldeia, assim como do núcleo como um todo, deveria

122
Informações obtidas no relatório “História Cronológica da Aldeia SOS do
Amazonas”, da autoria do ex-dirigente da Aldeia SOS do Amazonas, o Sr.
Nelson José de Castro Peixoto, atual dirigente da Aldeia SOS de Brasília.

126
Aldeia SOS do amazonas

inspirar a modéstia, pois as crianças que lá iriam habitar eram de

procedência humilde, de situações familiares onde a “escassez

material é total”. Assim, para o diretor, a idéia de mínimo, de básico,

deveria prevalecer na formação educacional das crianças, uma vez que

“dentro de pouco tempo elas teriam que enfrentar suas vidas com

autonomia”.

CORTE ESQUEMÁTICO

PLANTA DE SITUAÇÃO

Fig. 106: Corte Esquemático e Planta de Situação da Aldeia SOS de Brasília,


localizada na Asa Norte da cidade. (Fonte: Departamento de Obras das Aldeias Infantis
SOS Brasil, 2004)

Na oportunidade da visita à Aldeia SOS de Brasília, entretanto,

Severiano verificou que os espaços existentes apresentavam uma série

de problemas que poderiam ser melhorados na futura Aldeia. Um

exemplo do que acaba de ser dito, foi que o arquiteto observou que as

dimensões dos quartos das crianças da Casa-lar — a casa tipo,

ambiente de maior interesse da Aldeia —, não apresentavam medidas

adequadas ao uso. Eram, segundo nos informa Severiano,

demasiadamente pequenos, neles mal cabiam mesas de estudos

127
Aldeia SOS do amazonas

individuais. Como conseqüência, as crianças, algumas já adolescentes,

tinham que estudar na sala de jantar com o inconveniente do barulho e

da distração do movimento da casa. Notou também o arquiteto, que

em alguns quartos os armários não eram espaçosos o suficiente para

os pertences de três “meninos” e que em alguns casos, os armários

ficavam localizados no corredor, sem a adequada privacidade (ver

figura 107). Em conversa com as mães-sociais o arquiteto foi informado

que o desempenho das crianças na escola não era muito satisfatório, o

que o fez concluir que uma das causas de tal problema, poderia ser a

Fig. 107: Detalhe da Planta baixa carência de um espaço apropriado para se estudar em casa, para que
da Casa–lar da Aldeia SOS de Bra-
sília. Sem escala. (Fonte: Departamento
de Obras das Aldeias Infantis SOS Brasil, elas cultivassem suas individualidades.
2004)
Assim, Severiano dotou os quartos das crianças da Casa-lar da

Aldeia SOS do Amazonas (ver figura 108) com cerca de três metros

quadrados a mais do que era normalmente exigido em sua construção,


Quarto Quarto
das Crianças das Crianças fato que acabou por gerar críticas por parte da diretoria que enviou
17,84 m2 17,94 m2
uma carta ao arquiteto dizendo que, por motivos de custos, teriam que
Banho

recusar tal proposta. Severiano não hesitou, imediatamente respondeu


Circulação

Quarto Banho Banho pedindo que a diretoria refletisse sobre o que aqueles três metros
da Tia
11.22 m2
18.34 m2
Quarto quadrados significariam para a vida das crianças no futuro.
das Crianças

Depois desse episódio, comenta Severiano que não houve

Fig. 108: Detalhe da Planta baixa qualquer outra motivação por parte da administração da Aldeia que
da Casa-lar da Aldeia SOS do
Amazonas. Sem escala. (Desenho da
autora) viesse refutar suas idéias.

O Sr. Georg Rodenbach nos conta que a “interpretação

humanista de Severiano Porto era indiscutível” e que embora um

“conflito de idéias pedagógicas” tenha ocorrido, houve um respeito

mútuo entre o cliente e o arquiteto, onde acabou prevalecendo “a

128
Aldeia SOS do amazonas

convicção muito forte sobre a expressão espacial” que Severiano

propôs para Aldeia SOS do Amazonas.

Com este relato o nosso objetivo é poder mostrar a maneira

como Severiano conduziu o projeto da Aldeia SOS do Amazonas. Suas

propostas são fruto de uma longa trajetória, ocupada sempre com um

olhar sensível para o humano. Serve, portanto, para nos fazer ver suas

convicções sobre a arquitetura, sua conduta ética, sua maneira de ver

o mundo.

O programa desenvolvido

O projeto arquitetônico proposto por Severiano Porto para o conjunto

de edificações da Aldeia SOS do Amazonas, contemplou uma área

123
residencial composta por dez Casas-lar (a Casa-lar é o núcleo da

Aldeia, onde residem as crianças e a mãe-social), Alojamento de

Visitantes, Casa das Tias (residência das assistentes das mães-

sociais); Casa do Dirigente e Casa do Zelador.124

Ao lado dos espaços mais privativos, foram previstas

edificações coletivas, destinadas ao uso dos aldeanos e da

comunidade externa, como Jardim de Infância, Biblioteca

Infantil/Atividade de Ensino, Refeitório (onde se preparam as refeições

da escola), Trabalho com Terra (visando a produção de hortaliças para

123
As duas casas localizadas na extremidade norte foram adicionadas
posteriormente e não faziam parte do projeto original. Uma decisão entre o
cliente e a construtora contratada, a ESTACON, acabou por permutar o Centro
de Criação e Artes por tais casas, que, cabe ainda dizer, foram construídas com
configuração diferente das Casas-lar. Foram uma adaptação da Casa do
Dirigente, que não oferece o mesmo conforto daquelas projetadas para atender
uma família composta de nove crianças.

124
Estes três últimos, apresentam disposição espacial semelhante à Casa-lar.

129
Aldeia SOS do amazonas

a comunidade e com função educativa) e Casa Comunitária (que

funciona como centro administrativo da Aldeia, congregando

atendimento médico, centro de doações e biblioteca de jovens). O

programa também incluiu uma área de apoio aos funcionários e de

manutenção do complexo como Garagem, duas Guaritas e Lavanderia.

Além disso, foi previsto uma Escola de Mães (local onde a mãe-social

recebe treinamento). (Ver figura 109 e página 132)

Auditório, Centro de Criação e Artes (não construído), Parque

Aquático (não construído) e Quadras Esportivas, também foram

previstos no programa, para igualmente servir à comunidade interna e

externa. Coroando todos os espaços encontra-se a Circulação/Chapéu

de Palha, ou seja, o corredor coberto que faz a ligação entre todas as

edificações.

É de extrema relevância ressaltar que das edificações

mencionadas o Auditório (ver figuras 123-124) e o Centro de Criação e

Artes (ver figuras 125-127) foram inseridos no programa da Aldeia por

sugestão do arquiteto. O Centro de Criação e Artes se construído,

contaria com duas salas de ensaio, sala de som/gravação, dois

depósitos, uma sala de dança/coral/orquestra, uma sala de ensaio

geral, três salas separadas para cabeleireira, costura e trabalhos

manuais. Severiano nos conta que os dois projetos foram concebidos

com o intuito de desenvolver a expressividade das crianças e

adolescentes, além de capacitá-los para uma profissão que lhes desse

uma garantia para o futuro.

130
Aldeia SOS do amazonas

Fig.109: Planta de Situação da Aldeia SOS do Amazonas. (Desenho da autora)

Fig. 110: Foto aérea da Aldeia SOS do Amazonas. (Fonte: Severiano Porto)

131
Aldeia SOS do amazonas

Fig. 112: Casa das Tias. Vista oeste. Fig. 113: Alojamento. Vista sul.
Fig. 111: Casa-lar. Vista sul.

Fig. 114: Jardim de Infância. Vista Fig. 115: Biblioteca Infantil. Vista oeste. Fig. 116: Casa Comunitária. Vista sul.
norte.

Fig. 117: Garagem. Vista leste. Fig. 118: Lavanderia. Vista norte. Fig. 119: Refeitório. Vista norte.

Fig. 120: Guarita. Vista sul. Fig. 121: Trabalho Terra. Vista oeste. Fig. 122: Escola de Mães. Vista sul.

132
Aldeia SOS do amazonas

Fig.123: Corte Longitudinal


do Auditório da Aldeia SOS
do Amazonas. Sem escala.
(Fonte: Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ)

Fig.124: Planta Baixa do


Auditório da Aldeia SOS do
Amazonas. Sem escala.
(Fonte: Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ)

133
Aldeia SOS do amazonas

Fig.125: Fachada Norte da Casa


de Criação e Arte da Aldeia SOS
do Amazonas. Projeto não
construído. Sem Escala. (Fonte:
Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ)

Fig.126: Corte Longitudinal da


Casa de Criação e Arte. Projeto
não construído. Sem escala.
(Fonte: Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ)

Fig.127: Planta Baixa da Casa de


Criação e Arte. Projeto não
construído. Sem escala. (Fonte:
Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ)

134
Aldeia SOS do amazonas

O fato de Severiano inserir na Aldeia tais projetos, pode ainda

nos dizer mais sobre as suas idéias em relação ao ensino. O cuidado

que o arquiteto despende na elaboração do Auditório e do Centro de

Criação e Artes, com espaços dignos para a realização das atividades,

parece nos indicar que o arquiteto acredita de fato em um ensino por

vias da arte. Vemos que no projeto da Aldeia a arte tem um papel tão
Fig. 128: Auditório. Vista sul.
importante quanto as outras atividades propostas no programa, ou

seja, as atividades físicas e as intelectuais (estudo e leitura). Todas

elas se complementam, o que nos faz constatar, ainda, que Severiano

pensa em um espaço que visa a educação integral do indivíduo;

preparando-o em todos os sentidos, inclusive oferecendo subsídios

para sua colocação no mundo, pois há que lembrar que o arquiteto

Fig. 129: Auditório. Vista oeste. também pensa em oferecer às crianças um ensino profissionalizante.

Repare que ele tanto pensa em atividades lúdicas, com o espaço para

música, dança e teatro, como também em atividades direcionadas ao

mercado de trabalho, como cabeleireiro, artes manuais e costura.

Aqui é importante que uma observação seja feita: o fato do

arquiteto projetar espaços específicos, de custo relativamente alto,

Fig. 130: Interior Auditório. Vista do como o Centro de Criação e Artes e o Auditório, não deve ser visto
Palco. (Foto da autora)
como um cuidado desnecessário, que poderia indicar a idéia de luxo.

Pois, o que Severiano tinha em mente era criar espaços dignos para

que as atividades se desenvolvessem da maneira mais correta

possível. A mesma observação podemos fazer em relação à Casa-lar.

Severiano projetou a casa, como já vimos, com espaços generosos,

pois para uma moradia em comunidade, a idéia de espaços exíguos


Fig. 131: Interior Auditório. Vista da
platéia. (Foto da autora)
levam à promiscuidade. As casas devem, portanto, possuir ambientes

com a área útil necessária às atividades que lá se desenvolvem, de

135
Aldeia SOS do amazonas

maneira que a ordem assim possa ser preservada, dando a cada coisa

o seu devido lugar, cultivando com isso os bons hábitos e o respeito,

uma vez que se é respeitado.

Segundo o Sr. João Luis,125 atual dirigente da Aldeia SOS do

Amazonas — profissional que também já administrou a Aldeia SOS de

Jacarepaguá, no Rio de Janeiro — a Casa-lar do núcleo do Amazonas

oferece a estrutura ideal para a realização do trabalho proposto pela

entidade. Fez uma observação também em relação ao Quartos das

Tias, que foram providos por Severiano, de entrada independente.126

De acordo com o Sr. João, tal disposição do quarto, voltada tanto para

o interior da casa quanto para o exterior, tem funcionado muito bem.

Cabe destacar ainda, que os espaços do Auditório e do Centro

de Criação e Artes propostos por Severiano, trariam benefícios

financeiros para a Aldeia como um todo. Pensava-se na arrecadação

de fundos com a apresentação de pequenas peças a serem realizadas

pelos iniciantes, com o aluguel do espaço do Auditório para

programações externas,127 assim como, com a venda de artesanato e

dos serviços de cabeleireiro e costura. Esta proposta, sem dúvida

alguma, só seria benéfica à Aldeia, uma vez que a integraria à

sociedade e, ainda mais, a direcionaria para sua auto-sustentabilidade.

O momento é ainda oportuno para informar o leitor que a não

construção do Centro de Criação e Artes e do Parque Aquático nos

125
Em depoimento concedido a autora em abril de 2004.

126
As tias, vale lembrar, são assistentes das mães-sociais, que, ao contrário
destas, podem manter sua vida conjugal.

127
A idéia era que fosse estabelecido um convênio com a secretaria cultural da
cidade para o desenvolvimento das programações e o apoio necessário para a
sua realização.

136
Aldeia SOS do amazonas

impede de alcançar uma visão geral da obra como proposta

originalmente pelo arquiteto. Segundo este, a ausência do primeiro

edifício reduz consideravelmente a razão da existência do Auditório.

Aqui, mais uma vez podemos confirmar a importância que Severiano

atribui à idéia de uma educação integral.

Antes de darmos prosseguimento à análise de nosso estudo de

caso, vale lembrar que as informações mais recentes sobre o

funcionamento do Auditório, nos dizem que ele não é um espaço

ocioso mesmo com a falta que faz o edifício Centro de Criação e Artes.

Ele é alugado com freqüência para reuniões e palestras e há em vista

uma programação a ser realizada com a secretaria de cultura da

cidade, tal como havia imaginado Severiano.

3.2.1 A IMPLANTAÇÃO DA ALDEIA E SUA ORGANIZAÇÃO


ESPACIAL

Severiano distribuiu o conjunto de edificações proposto no programa

da Aldeia SOS do Amazonas ao longo do sentido predominantemente

retangular do terreno. Vale ressaltar que ao iniciar o projeto ele

encontrou o lote já descampado, de maneira que não havia vegetação

a ser preservada.

As edificações do conjunto ficaram dispostas de tal maneira que

pouca movimentação da topografia natural foi necessária para

acomodá-las. Suas configurações tiram partido de tal situação. As

Casas-lar, por exemplo, apresentam dois níveis em seu interior. A

137
Aldeia SOS do amazonas

circulação coberta incorpora a sinuosidade das curvas de nível do

terreno.128

Duas entradas ficaram definidas para o complexo: uma

principal, situada na Avenida da Penetração Norte-Sul, voltada para

um loteamento em vias de ocupação, e uma secundária, utilizada para

serviço, situada na Avenida Senador Raimundo Parente, via que se

conecta à principal artéria viária da cidade de Manaus, a já

mencionada Estrada Torquato Tapajós.


Fig. 132: Entrada principal.

Fig. 133: Entrada secundária.

Fig. 134: Planta de Situação esquemática, com a indicação dos acessos do


conjunto. (Desenho da autora)

Na organização do espaço encontramos basicamente duas

linhas imaginárias traçadas em forma de cruz, uma que disseca o

terreno no seu sentido longitudinal, colocando-se paralelamente à

Avenida da Penetração Norte-Sul, e uma outra no sentido transversal,

paralela à Avenida Senador Raimundo Parente (ver figura 135).

128
Maiores informações sobre esses espaços serão fornecidas mais adiante.

138
Aldeia SOS do amazonas

Fig. 135: Desenho esquemático


indicando os dois eixos imagi-
nários (longitudinal e transversal)
que definem a organização es-
pacial da Aldeia. (Desenho da autora)

Essas duas linhas irão se constituir nos principais eixos de

circulação do conjunto, ou seja, a circulação de pedestres e a

circulação viária (ver figura 136), e irão definir as zonas semi-públicas e

privativas (ver figura 137).

Fig. 136: Desenho esquemático


indicando os eixos longitudinal e
transversal transformado nas
principais circulações da Aldeia: a
de pedestre e a viária. (Desenho da
autora)

139
Aldeia SOS do amazonas

nte
Av.Senador Raimundo Pare
76.40
78.50

76.80 76.80 77.50

Fig. 137: Desenho esquemático


indicando a organização da Al-
deia, segundo as zonas privativas
e semi-públicas como definido Av. Penetração Norte-Sul
pelos eixos longitudinal e trans-
versal. (Desenho da autora)
0 40 Zona privativa
N 20 100 Zona semi-pública

Com o auxílio da análise gráfica, percebemos que o eixo

longitudinal é um eixo dominante com energia direcional (ver figura

138), que passa a incorporar no seu desenho as características do

assentamento, cujas curvas de nível seguem a diagonal noroeste-


Fig. 138: Esquema mostrando os
dois eixos imaginários. Assina- sudeste (ver figura 139).
lado em vermelho o eixo do-
minante, com energia direcional.
(Desenho da autora)

Fig. 139: Ao lado, esquema


mostrando as curvas de nível e a
direção que dará a forma final da
circulação coberta. (Desenho da
autora)

140
Aldeia SOS do amazonas

Sua forma final é uma linha sinuosa que quebra a

ortogonalidade cartesiana, presente no eixo transversal — circulação

viária e principal entrada do conjunto —, e as duas vias secundárias

que a apoiam (ver figura 141).

Via secundária
Via principal
Eixo transversal

Via secundária

Fig. 140: Esquema mostrando as


curvas de nível. (Desenho da autora)
N

Fig. 141: Desenho esquemático, mostrando a forma final do eixo longitudinal, a


circulação coberta, com as características da topografia. (Desenho da autora)

É possível percebemos na configuração do desenho urbano da

Aldeia, tanto uma racionalidade geométrica, presente no eixo

transversal, o eixo viário, que remete à cidade, às vias urbanas, à

velocidade do automóvel, quanto uma outra caracterizada por uma

racionalidade orgânica, presente no eixo longitudinal, o de pedestre,

que incorpora as características do lugar, acomodando-se à sua

configuração natural. A maneira como Severiano se aproxima na

resolução do desenho urbano da Aldeia, como podemos perceber com

esta última observação, é feita a partir de um cruzamento de

referências, neste caso, partindo de processos projetuais que

caracterizaram a arquitetura moderna.

141
Aldeia SOS do amazonas

Na organização espacial da Aldeia, percebemos que as

Av.Senador Raimundo Parente


Lavanderia Garagem
Refeitório Auditório

edificações destinadas às atividades coletivas e freqüentadas pela


76.40
78.50

76.80 76.80 77.50

Centro de
Criação e Artes
Chapéu de Palha
comunidade interna e externa, as quais poderíamos considerar como
Quadras
esportivas
sendo semi-públicas, foram situadas na parte mais plana do terreno
Alojamento Biblioteca
de
Visitantes
Infantil
(ver figura 142), próximo aos eixos viários circundantes e, portanto, com

Jardim
Infância maior comunicação com o meio urbano.
Casa
Comunitária

Na parte mais próxima da entrada principal encontram-se a


Entrada da
Aldeia

Casa Comunitária, o Jardim de Infância e a Biblioteca Infantil (ver figura


N

Fig. 142: Planta de Situação parcial 142). A área de esquina, vale acrescentar, consta no projeto como
mostrando o eixo de entrada, o
transversal, onde estão localizados sendo uma área reservada para uma futura construção que poderá,
as edificações semi-públicas. (De-
senho da autora)
segundo o arquiteto, trazer benefícios econômicos e educacionais à

Aldeia. Severiano pensou em algo como escola de informática ou de

idiomas.129

Notamos neste gesto a visão empreendedora de Severiano, de

um arquiteto que está pensando, mais uma vez, nas coisas práticas da

vida, no homem que tem os pés no chão, uma característica de sua

personalidade que já podia ser notada desde a fase inicial de sua vida

profissional no Rio de Janeiro.

Ainda ao longo do eixo transversal, mas mais para o fundo e

distante da entrada da Aldeia, ficaram localizados as edificações

destinadas às atividades esportivas e artísticas, (Casa de Criação e

Artes, Piscinas, Quadras esportivas, Auditório), ali também se

129
Na Aldeia de Brasília havia sido feita uma tentativa semelhante, mas como o
edifício aproveitado para este fim (escola de informática) ficava localizado
distante da via pública, ele não trouxe o resultado esperado,acabando por ser
um espaço aproveitado exclusivamente pela comunidade aldeana. Assim,
Severiano conclui que se a Aldeia de Manaus desejasse realizar
empreendimento semelhante no futuro, a área de esquina do terreno seria um
ponto comercial valorizado e atrativo e consequentemente com resultados mais
eficazes. Sua previsão está mais do que acertada: no lado oposto da esquina
acaba de ser construído o edifício do Conselho Regional de Medicina.

142
Aldeia SOS do amazonas

encontram as áreas de apoio da Aldeia (Garagem, Lavanderia,

Refeitório), com comunicação direta com a entrada secundária, ou

seja, a de serviço.

Já as áreas que requeriam maior aconchego e privacidade, ou

seja, as Casas-lar e as outras habitações do conjunto, Severiano as

situou nas áreas mais distanciadas das vias públicas.

Como podemos notar há no desenho urbano da Aldeia uma

preocupação no arranjo e distribuição dos usos do solo, segundo um

planejamento que visa dividir as áreas em zonas específicas, evitando

desta maneira que as distintas atividades se misturem. Essa

organização espacial pode nos indicar que a visão urbanística de

Severiano compartilha, de uma certa maneira, com as teorias onde

prevalece a lógica do funcionalismo, que caracterizou a urbanística e a

arquitetura modernas — concretizado no Brasil no planejamento de

Brasília.

3.2.2 o fator climático na organização espacial


da Aldeia

Juntamente com as energias ordenadoras exercidas pela topografia e

pelas rotas viárias que circundam o terreno, observamos que a

organização espacial da Aldeia deve-se, também, ao fator climático,

aspecto de extrema relevância na implantação de um objeto

arquitetônico em clima rigoroso como o que caracteriza a região

amazônica e um dos pontos centrais da arquitetura de Severiano

Porto. O clima cálido e úmido da região exige a otimização da

ventilação cruzada por toda a edificação para proporcionar o conforto

143
Aldeia SOS do amazonas

térmico, quando a ventilação natural é desejada, e a mínima exposição

da edificação aos efeitos da incidência solar.

No projeto da Aldeia SOS do Amazonas, a generosidade do

terreno permitiu o espaçamento adequado entre as edificações de

modo que as brisas atinjam o conjunto integralmente.

A forma pavilhonar, tipo arquitetônico adotado para boa parte

das edificações do complexo, permite aberturas no sentido dos ventos

para diversos compartimentos — naquela região as brisas

predominantes vêm de nordeste —, e também, menores dimensões do

volume nas fachadas leste-oeste, como requer o clima (ver figura 144).

Mar-Set
Equinócio meio-dia

VENTO Junho
DOMINANTE Dezembro
Solsticio meio-dia Solstício meio-dia

6:00 E
6:00
N

N 18:00

18:00
S

Fig. 143: Esquema mostrando a circulação dos ventos entre as edificações.


(Desenho da autora)

Fig. 144: Esquema da trajetória aparente do sol para Manaus. (Desenho da autora)

Os princípios da adequação que orientaram o partido adotado

para a Aldeia, considerando as características locais, climáticas e

topográficas é preciso lembrar, assemelha-se ao partido adotado pelo

arquiteto para outros projetos precedentes e de programas distintos,

como o Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990), cujas

edificações acompanham o desnível do terreno com os pavilhões

orientados sobre eixo leste-oeste (ver figuras 145-147).

144
Aldeia SOS do amazonas

Fig. 145 e 146: Pavilhões do Cam-


Fig. 147: Planta de Situação do Campus da Universidade do Amazonas
pus da Universidade do Amazonas,
(1973/1981-1990). Notar os pavilhões orientados sobre eixo leste-oeste
orientados no sentido leste-oeste.
(Fotos: Beatriz Oliveira) adequando-se às exigências climáticas da região. O projeto também previu,
como no assentamento da Aldeia SOS do Amazonas, adequar os edifícios à
topografia preservando suas características naturais. (Fonte: Projeto, n. 83).

O mesmo ocorre com o projeto da Secretaria de Produção do

Amazonas (1968), uma das primeiras experiências do arquiteto em

integrar a arquitetura à realidade cultural ambiental local (ver figuras

148-150). Os grandes beirais e as varandas que circundam os blocos

Fig. 148: Planta de Situação da de ambos os projetos assemelham-se a configuração das Casas-lar da
Secretaria de Produção do Estado
do Amazonas (1968). (Fonte: Revista Aldeia.
ARQUITETURA, n. 42)

Fig. 149: Vista da Secretaria de


Produção do Estado do Amazonas Fig. 150: Perspectiva geral da Secretaria de Produção do Estado do Amazonas
(1968). (Foto da autora) (1968). (Fonte: Revista ARQUITETURA, n. 42)

145
Aldeia SOS do amazonas

Observamos, desta maneira, as interseções que vão ocorrer para os

projetos realizados pelo arquiteto, entre os de grande porte e os mais

intimistas, revelando a sua maneira de trabalhar, adotando e

reinventando soluções para cada projeto.

3.2.3 A organização espacial da Aldeia e o seu


sentido

76.40
78.50
Observamos na configuração espacial da Aldeia SOS do Amazonas que
76.80 76.80 77.50

o princípio ordenador das áreas privativa e semi-pública é distinto (ver

figura 151). De um lado temos uma organização linear conformada pela

repetição das casas em torno da circulação coberta, e de outro, ao

Fig. 151: Esquema mostrando a or- longo do eixo transversal, correspondendo à circulação viária,
ganização espacial das zonas privati-
va (assinalada em vermelho) e semi- percebemos que as edificações não se apresentam organizadas de
pública (assinalada em verde). Aque-
las organizadas compassadamente e maneira tão coesa como aquelas outras. Há um distanciamento tal
essas sem uma força de coesão tão
intensa. (Desenho da autora)
entre as edificações aí colocadas (ver figura 152) que não é possível

notar uma definição hierárquica clara entre elas.

Fig. 152: Desenho esquemático da planta de situação da Aldeia SOS do


Amazonas. Notar a relação arrítmica entre as edificações do eixo de entrada.
(Desenho da autora)

146
Aldeia SOS do amazonas

Não parece ter havido a intenção de dar a uma ou outra

edificação maior importância. Não há indícios de querer tornar a

entrada da Aldeia um marco. Ao contrário, a impressão que se tem ao

adentrar o portão principal é a de uma paisagem doméstica, familiar,

serena, que se quer íntima até mesmo da comunidade externa que

chega para freqüentá-la (ver figura 153).

Fig. 153: Eixo de entrada da Aldeia SOS do Amazonas, ao longo do qual foram
situadas as edificações semi-públicas. Ao lado esquerdo temos a Casa
Comunitária, à direita o Jardim de Infância e logo depois a Biblioteca
Infantil/Atividades de Ensino. Ao fundo podemos avistar a Circulação/Chapéu
de Palha, o corredor coberto da Aldeia. (Foto da autora)

Vale dizer que contribui para o aspecto sereno do espaço a

uniformidade entre as massas edificantes e o material que as define.

Com exceção da circulação coberta, feita em madeira e palha e com

acabamento rústico, todas as demais edificações são feitas em

concreto armado e paredes de alvenaria pintadas de branco,

recebendo esquadrias de madeira. Suas formas são prismáticas e

recebem grandes planos de telha cerâmica em suas coberturas, que se

prolongam em largos beirais.

147
Aldeia SOS do amazonas

O concreto aparente é também um material utilizado na

composição das edificações da Aldeia, aparecendo nas linhas das

vergas das janelas, nos peitoris e também nos elementos vazados que

fazem o fechamento de vãos externos e internos dos volumes.

Fig.154: Casa comunitária. Deta-


lhe do acabamento da janela. (Foto
da autora)

Fig. 155: Casa-lar. Detalhe da fachada norte. Notar os materiais de


acabamento. (Foto da autora)

Fig.156: Jardim de Infância. De-


talhe do muro divisório com ele-
mento vazado de concreto apa-
rente. (Foto da autora)

Fig. 157: Casa comunitária. Interi-


or. Notar detalhe das paredes em
elemento vazado de concreto apa- Fig. 158: Casa-lar. Vista da entrada principal. Notar o fechamento em elemento
rente. (Foto da autora) vazado que faz a divisa do jardim interno e externo. (Foto da autora)

148
Aldeia SOS do amazonas

Os materiais de acabamento interno das edificações também se

repetem. Para os pisos, cerâmica em tom de cinza claro; para as

paredes internas e externas, tinta de cor branca; nas áreas molhadas

as paredes recebem revestimento também de cerâmica, em branco

neve; no teto, forro de madeira com encaixe tipo “macho e fêmea”,

quando a telha vã não é especificada. Em áreas de tráfego mais

intenso (como nas circulações das edificações coletivas), foi utilizado o

ladrilho hidráulico para o piso (ver figura 163).

Fig. 160: Refeitório. Interior. Fig.161: Casa-lar. Cozinha.

Fig.159:Alojamento de Visitantes.
Interior. Notar materiais de acaba-
mento. (Foto da autora)

Fig. 162: Jardim de Infância. Interior. Fig.163: Casa Comunitária.

149
Aldeia SOS do amazonas

A grande unidade do conjunto deve-se não só a escala dos

edifícios como também a este emprego dos mesmos materiais em

todas as edificações.130 São eles que, igualmente, vão definir as

qualidades táteis e visuais dos diversos planos que compõem os

volumes.

A idéia de unidade da qual falamos, o caráter homogêneo e

sereno do espaço construído, não deve ser confundido com monotonia.

A medida que continuamos o nosso percurso em direção à zona mais

privativa da Aldeia e para o interior das próprias edificações,

percebemos que os espaços começam a revelar uma experiência

diferente com o universo do fruidor. Começamos a perceber que

dentro da unidade existe diversidade e que ela aparece no desenho

das janelas, no jogo de volumes que compõem as edificações, ou nos

planos de parede que configuram os espaços internos, como veremos

na análise da Casa-lar. A atenção para os detalhes e a riqueza espacial

é também sentida na Circulação de Palha, o corredor coberto.

Seguiremos então a nossa análise com esse espaço que coroa

as edificações da Aldeia.

130
Para áreas como o Auditório e o Centro de Criação e Artes foram
especificados, entretanto, materiais adequados para o bom desempenho
acústico, tanto no piso e nas paredes, como no teto.

150
Aldeia SOS do amazonas

3.3 A CIRCULAÇÃO DE PALHA - ESPINHA DORSAL


DA ALDEIA

Se no eixo transversal, aquele de entrada, a organização das

edificações não confere uma experiência sensorial marcante no

fruidor, o mesmo não pode ser dito em relação ao eixo longitudinal, a

Circulação de Palha, o grande elo de ligação entre as edificações que

inspira a Aldeia de um caráter lúdico e de sentido de coletividade.

Fig. 164: Vista aérea da Aldeia SOS Sua forma sinuosa, com já vimos, acompanha as curvas de nível
do Amazonas, em fase de conclu-
são das obras. Notar, a forma sinu- do terreno. Essa configuração tem suas razões de ser: ao acomodar-se
osa da circulação coberta.
(Fonte: Severiano Porto)
às características do terreno possibilitou a redução da velocidade do

escoamento da água, contribuindo para o sistema de drenagem do

terreno.

A racionalidade do espaço também está presente nos materiais

escolhidos para sua construção, ou seja: troncos de aquariquara e

palha buçú — materiais abundantes na região — e a técnica utilizada


Fig. 165: Detalhe da cobertura da
adequaram-se perfeitamente à sinuosidade da forma utilizando-se de
Circulação de Palha. (Foto da autora)

materiais de baixo custo.

Severiano dotou a cobertura da Circulação de Palha de uma

inclinação apropriada para o escoamento das chuvas. Seu cuidado

com o clima também está presente na escolha do material da

cobertura, ou seja, a palha, que é um material leve, de pouca inércia

térmica.
Fig. 166: Detalhe da estrutura de
madeira que sustenta a cobertura. Severiano Porto tirou partido das possibilidades construtivas da
Notar que a inclinação da cober-
tura se adequa aos requerimentos técnica empregada e fez da grande circulação coberta um local de
do clima (escoamento das águas)
assim como o material utilizado, a funções múltiplas. Há momentos em que as curvas da cobertura se
palha, garante o isolamento tér-
mico necessário. (Foto da autora)
alargam e o pé-direito cresce, formando grandes abrigos alternativos.

151
Aldeia SOS do amazonas

Exemplo disso é o espaço conformado pelo ‘Chapéu de Palha’,

localizado na zonas de interseção entre os espaços privativo e o semi-

público (ver figura 168).

76.40
78.50

76.80 76.80 77.50

Chapéu de Palha
Fig. 167: Chapéu de Palha, um dos
abrigos alternativos conformado
pela circulação. (Foto da autora)

Fig. 168: Desenho esquemático indicando a localização do Chapéu de Palha,


em ponto de transição entre as zonas privativas e a semi-pública. (Desenho da
autora)

A forma sinuosa da circulação dota o lugar de um ar despojado


Fig. 169: Chapéu de Palha. Detalhe
do madeiramento da “aba”. que é enfatizado ainda mais pelo acabamento rústico dos materiais

utilizados: palha sobre caibros em paus roliços, sustentados por

pilares de aquariquara, verdadeiros troncos de árvores — alinhados

como em uma floresta — sobre fundações em sapatas de concreto

aparente.

Fig. 170: Chapéu de Palha. Detalhe


dos pilares inclinados. (Foto da
autora)

Fig. 171: Detalhe da sapata de Fig. 172: À esquerda, vista da sapata do Chapéu de Palha e `a direita, planta
concreto aparente do Chapéu de baixa. Sem escala. (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)
Palha. (Foto da autora)

152
Aldeia SOS do amazonas

As sapatas aparentes de concreto especificadas para a

fundação são pré-fabricadas, um recurso bastante prático no que diz

respeito à agilização e custos da construção.131 Na Circulação de

Palha elas recebem dimensões e formatos distintos. No espaço

circular conformado pelo Chapéu de Palha, devido à inclinação dos

pilares, elas recebem a forma de um tronco de pirâmide (ver figura

172). As demais, ao longo da circulação, têm formato de cone (ganham

maior altura aquelas situadas nas extremidades, junto às canaletas).

Fig. 173:Notar sapatas centrais Fig. 174: Circulação de Palha. Notar as sapatas junto às canaletas.

Fig. 175: Detalhe da sapata Fig. 176: Detalhe da sapata junto à canaleta. Vista e planta baixa.
central em concreto aparente.
(Fonte: Coleção Severiano Porto,
NPD/FAU/UFRJ) 131
Severiano adotou este mesmo tipo de fundação para o Restaurante Chapéu
de Palha (1967) e para os Quiosques do Parque Dez de Novembro (1967).

153
Aldeia SOS do amazonas

O desenho do piso reforça o caráter lúdico do espaço ao se

desdobrar em formas circulares variadas. Revestido em cimentado liso

em cores quentes, como terracota e amarelo ocre entremeados com

desenhos formados pelos ladrilhos hidráulicos brancos, também em

terracota (ver figura 177 e 179). Atentamos para o fato de que não há

Fig. 177: Caminho sob a circulação uma parte sequer do desenho que seja igual a outra, pois o projeto foi
coberta. (Fonte: Severiano Porto)
pensado para ser percebido na altura do observador, para ser vivido

no espaço existencial e não reduzido a um esquema pictórico e

bidimensional de prancheta, a uma forma abstrata distante do

usuário.

Fig. 178: Caminho sob a circulação


coberta. Notar o desenho do piso.
(Foto da autora)

Fig. 179: Planta parcial do piso da Circulação de Palha. (Fonte: Coleção Severiano
Porto, NPD/FAU/UFRJ)

154
Aldeia SOS do amazonas

O método projetual de Severiano como já comentamos no

Capítulo 1, incluiu desde o início de sua prática as pesquisas que

envolviam a vivência do espaço; o colocar-se em contato direto com as

coisas da vida; o habitar o mundo do outro, ocupando-se de tomar

outros pontos de vista. É, enfim, um processo que nos demonstra a

sensibilidade do arquiteto para com o ser humano, tendo em vista a

atenção que despende até mesmo em detalhes como o desenho de um

piso. Essa maneira de Severiano pensar e fazer a arquitetura está

vinculada à uma tradição arquitetônica que há muito compreende a

arquitetura como um projetar integral. Podemos citar entre os

modernos, Frank Lloyd Wright (1869-1959), Richard Neutra (1892-1970)

e Alvar Aalto (1898-1976), entre outros, como os arquitetos ligados à

essa linha de pensamento que já atentava para a realização de uma

arquitetura que se refere à escala humana, que se interessa pelas

peculiaridades da vida cotidiana, que se preocupa em harmonizar o

edifício com o meio ambiente.

O cuidado que Severiano coloca no desenho do piso da Aldeia,

pode ser visto em outras obras precedentes do arquiteto. Nas

circulações de pedestres que fazem a ligação dos diversos blocos do

Campus da Universidade do Amazonas (1973/1981-1990) (ver figura

180), por exemplo, o desenho é feito em formas geométricas retilíneas,

em cores variadas, que vão se sobrepondo, sem uma ordem rígida na


Fig. 180: Corredor coberto do Cam-
pus da Universidade do Amazonas sua composição, tal como no piso da circulação coberta da Aldeia.
(1973/1981-1990). Notar que o de-
senho do piso vai se desdobrando
em formas variadas tal como no Com este recurso, em ambos os projetos, o passeio se torna mais
piso da circulação da Aldeia SOS
do Amazonas. (Foto: Beatriz Oliveira) prazeroso, quebrando a monotonia de um longo percurso.

155
Aldeia SOS do amazonas

Voltando à nossa circulação coberta, não há como não se deixar

envolver por esse grande espaço, que parece não ter fim, cada virada

de curva, segue uma outra completamente diferente, proporcionando

uma experiência sensorial notável. O caminho é cheio de surpresas e

possibilidades de visadas. A variação de percurso, alude neste sentido,


Fig. 181: Circulação de Palha.
ao passeio arquitetônico corbusiano.

Para Le Corbusier, é no deslocamento, na idéia do espaço-

tempo-movimento que se dá a apreensão do espaço da arquitetura. O

mestre francês ao explicar sua idéia de passeio arquitetônico na Villa

Savoye em Poissy (1929-31) nos traz à luz a seguinte analogia:

Fig. 182: Crianças brincando sob a


Circulação de Palha. (Foto da autora) A arquitetura árabe nos dá uma lição preciosa. É melhor compreendida

CHAPÉU / ao ser apreciada a pé. É caminhando, se deslocando que se vê os


CIRCULAÇÀO
DE PALHA CAMPO GRAMADO

132
CASA DAS TIAS
ARQUIBANCADA
ARQUIBANCADA
princípios da ordenação da arquitetura se desdobrarem.
BIBLIOTECA
ALOJAMENTO DE
VISITANTE
79.00 79.15
INFANTIL

Sob a circulação coberta que protege o transeunte do sol


JARDIM DE
79.70 INFÂNCIA

escaldante ou das chuvas torrenciais, comuns na região, podem ser


80.30

CASA COMUNITÁRIA
/DEPARTAMENTO
MÉDICO/BIBLIOTECA

realizadas diversas atividades. Nela podemos ver crianças correndo,


Fig. 183: Desenho esquemático
mostrando como a Circulação de jogando bola, pulando corda, mães conversando, trocando idéias umas
Palha se aproxima dos blocos da
Biblioteca Infantil e Jardim de
com as outras. O espaço também é aproveitado para atividades
Infância. Ver também foto abaixo.
(Desenho da autora)
educativas oferecidas às crianças da Biblioteca Infantil e do Jardim de

Infância. Como podemos notar, Severiano tem o cuidado de levar a

circulação até aquelas duas edificações (ver figura 183).

Naquele ponto, como notamos, a forma se alarga configurando

um espaço circular (ver figura 184), apropriado para as atividades

lúdicas oferecidas pelos professores da escolinha às crianças.


Fig. 184: Pequeno chapéu de palha
conformado na extremidade sul da
circulação, como indicado no dese- 132
LE CORBUSIER and JEANNERET, Pierre. Oeuvre Complète 1929-1934.
nho acima. (Foto da autora) Zurich: Gisberg, 1952, p. 24. (Tradução da autora).

156
Aldeia SOS do amazonas

Um outro detalhe construtivo de interesse naquela parte da

circulação é que, ao cruzar com o eixo viário, a cobertura ascende (ver

figura 185). Severiano nos conta que tal detalhe foi feito para dar

passagem aos micro-ônibus que chegam com as crianças, protegendo-

as assim, da chuva e do sol.


Fig. 185: Trecho da Circulação de
Palha que cruza o eixo viário. Além de servir às funções mencionadas, a Circulação/Chapéu

de Palha é também alugada para eventos externos, gerando desta

maneira algum sustento econômico para a Aldeia. No Chapéu de Palha

acontecem festas de casamento e outras celebrações similares como

mostra a foto ao lado. A forma circular desse espaço enfatiza ainda

mais o sentido de comunhão, de convergência, própria para as


Fig. 186: Celebração sob o Chapéu
de Palha da Aldeia. (Fonte: Severiano atividades que ali acontecem.
Porto).

É importante observar que a localização do grande Chapéu de

Palha faz a passagem simbólica entre o espaço semi-público e o

privado da Aldeia, estabelecendo assim, pela sua escala e forma, o

marco de transição entre as duas zonas distintas do lugar.

Como vemos, Severiano dotou a Circulação de Palha de uma


Fig. 187: Chapéu de Palha da Al-
qualidade espacial tornando-a, sem dúvida, o pólo de convívio mais
deia. (Foto da autora)

importante da comunidade aldeana, é a sua ‘espinha dorsal’

integradora de todos os espaços.

É curioso que sua configuração pode tanto fazer referência à

rua-praça, elemento do desenho urbano tradicionalmente europeu,

quanto aos grandes espaços comunitários das ocas indígenas, espaços

Fig. 188: Casa indígena amazônica, abertos e cobertos feitos de materiais vegetais como na circulação da
utilizada para encontros da aldeia,
construída em madeira e coberta Aldeia (ver figura 188). Demonstrando, assim, a capacidade do
por folhas de palmeira. (Fonte:
Arquitetura Brasil 500 anos)
arquiteto, em absorver culturas diversas e interpretá-las dando um

novo significado à forma.

157
Aldeia SOS do amazonas

Severiano, como sabemos, fez uso dos materiais e técnicas

construtivas locais desde que chegou à Amazônia. Sem preconceitos,

percebeu que poderia tirar proveito da sabedoria tradicional quando

estas se mostravam adequadas ao programa proposto. Sua postura

Fig. 189: Restaurante Chapéu de sempre foi a de nunca se prender a dogmatismos, ele aposta na
Palha, Manaus (1967). Fachada Pos-
terior. (Fonte: Revista ABA, n. 1) experimentação. Sua primeira experimentação neste sentido foi o já

mencionado Restaurante Chapéu de Palha (1967) ,133 hoje demolido, e

ao qual presta homenagem na Aldeia.

A técnica da madeira foi aperfeiçoada em outras oportunidades.

Na Pousada de Caça e Pesca (1979 - 1983), da Ilha de Silves, a

tipologia utilizada também evoca as formas de uma construção

indígena, como a que vemos na figura 191. Imaginamos que nas


Fig. 190: Restaurante Chapéu de
freqüentes viagens realizadas por Severiano ao interior do Amazonas,
Palha, Manaus (1967). Planta Baixa.
(Fonte: Revista ABA, n. 1)
ao sobrevoar a floresta, sua memória tenha se impregnado de imagens

como esta. Em Silves, a abertura interior foi aproveitada para

conformar um jardim interno.

Fig. 191: Oca indígena amazônica. Fig. 192 e 193: À esquerda: Planta de cobertura; do lado direito: Planta do
(Fonte: Arquitetura Brasil 500 anos. pavimento superior da Pousada de Caça e Pesca da Ilha de Silves. (Fonte:
Universidade Federal de Pernambuco, Revista Módulo, n. 75, 1983, p. 61)
2002. Volume 1)

133
Prêmio IAB-RJ/1967 na categoria edifício para fins recreativos.

158
Aldeia SOS do amazonas

Fig. 194: Perspectiva geral do Centro de Proteção Ambiental de Balbina. (Fonte:


Revista Arquitectura Viva, n. 48, 1994)

No Centro de Proteção Ambiental da Usina Hidrelétrica de

Balbina (projeto-1983)(primeira etapa-1984-88), Severiano lança mão de


Fig. 195: Planta de cobertura.(Fonte:
Revista AU, n. 11, 1987,p. 54)
sistema construtivo semelhante àquele utilizado na pousada da Ilha de

Silves para conformar a grande cobertura do complexo. O Centro foi

concebido com a finalidade de estudar e acompanhar os impactos

ambientais causados pela construção da hidrelétrica de Balbina e

servir como orientação para futuras iniciativas de mesma natureza. As

edificações do Centro foram divididas em duas alas distintas em torno

Fig. 196: Planta alojamentos.(Fonte: de um espaço aberto de uso múltiplo e um espelho d’água (ver figura
Revista AU, n. 11, 1987)

198). A ala correspondente aos alojamentos e residências (não

construído), e a ala que abriga os laboratórios, museu, recepção e

manutenção se unem através de passarelas, abrigadas sob a sinuosa

cobertura de cavaco.

Fig. 197: Planta do laboratório poli-


valente de endemias. (Fonte: Revista
AU, n. 11, 1987)

Fig. 198: À direita: Planta de situa-


ção. (Fonte: Revista AU, n. 11, 1987)

159
Aldeia SOS do amazonas

Fig. 199: Circulação. (Foto: Beatriz Fig. 200: Vista geral do Centro de Proteção Ambiental de Balbina. Notar a si-
Oliveira) nuosidade da forma tal como Severiano adotou na cobertura da Aldeia SOS do
Amazonas. (Foto da autora)

O máximo de madeira foi utilizado no projeto arquitetônico,

uma vez que, uma grande quantidade do material seria inundada com

a construção da hidrelétrica. O sistema construtivo utilizado permitiu

uma notável organicidade no desenho da cobertura, que ora se alarga,

se estreita, ora ascende e descende, conferindo um aspecto de leveza

na sua forma final e de visível contraste com as formas ortogonais das

edificações organizadas sob ela. Estes ambientes fechados com

paredes de alvenaria têm estrutura independente da cobertura de


Fig. 201 e 202: Em cima, corte
transversal alojamento. (Fonte: Arqui- cavaco, o que permitiu a formação de um colchão de ar que reduz a
tectura Viva, n.25). Em baixo, detalhe
da cobertura, com abertura para temperatura dos ambientes, proporcionando sombra e permitindo
ventilação. (Foto da autora)
uma ventilação constante. Em determinados pontos da cumeeira,

Severiano dotou a cobertura de dispositivos de ventilação para facilitar

a saída de ar quente. Recurso construtivo semelhante pode ser

encontrado nas construções vernaculares da Amazônia e de outras

regiões de clima semelhante (ver figura 203).


Fig. 203: Maloka Makuna. (Fonte:
Arquitetura Brasil 500 anos)

160
Aldeia SOS do amazonas

Retornando à nossa análise da Circulação de Palha da Aldeia

SOS, não há dúvidas de que ela é herdeira direta da cobertura de

Balbina. Ambas seguem uma forma livre de notável expressão

espacial, atingindo outras funções além das meramente práticas. Na

circulação da Aldeia é interessante observar que além de todos os

atributos funcionais já mencionados, sua forma ainda pode evocar

sentidos simbólicos tais como aqueles ligados à mitologia regional.

3.3.1 ASPECTOS SIMBÓLICOS DA CIRCULAÇÃO DE

PALHA

Vejamos que não é tão difícil perceber no movimento coleante do eixo

longitudinal, a alusão de elementos naturais com a presença de um

curso d’água ou de um ofídio.

A idéia de um curso d’água pode ser sentida no próprio

percurso que se faz sob a cobertura. O caminho que se abre ao

transeunte é misterioso como os igapós e igarapés abertos pela


Fig.204: A forma coleante da Circu-
lação de Palha pode sugerir a forma
de um ofídio. (Fonte: Severiano Porto) serpente que habita as águas do rio Amazonas, e que levam o povo

ribeirinho às comunidades localizadas às suas margens. O desenho da

circulação coberta com sua volumetria ondulante e viscosidade

proporcionada pela palha da cobertura pode evocar a figura simbólica

da serpente (ver figura 204).

A crença na mitologia regional associa as aberturas dos

caminhos formados pelos igarapés e furos amazônicos à passagem da

serpente d’água ou Cobra-Grande, conhecida também como Boiúna, ou

Sucuri, que habita as profundezas dos rios. O enorme réptil povoa o

161
Aldeia SOS do amazonas

imaginário popular com inúmeras estórias, que encantam,

amedrontam, seduzem e desafiam. É ele o responsável por fazer

naufragar embarcações e também por ter dado vida aos gêmeos

Norato e Maria Caninana, ao engravidar uma índia, dando origem à

conhecida lenda da Cobra Norato.

Sabemos com a história, que o povo amazônico construiu a

sua existência ao longo dos rios que formam a paisagem da região. A

interação do homem com a água, gerou a civilização denominada

ribeirinha, que fez do rio Amazonas e seus tributários sua fonte de


Fig.205: Detalhe da Circulação de
Palha. (Foto da autora) alimentos, seus caminhos de ir e vir, seu habitat natural e lugar de seu

imaginário.

Ao longo da análise da Circulação de Palha vimos que

Severiano a configurou pensando em responder objetivamente aos

requerimentos funcionais, respeitando o meio físico em que se insere,

atendendo ao conforto climático e às necessidades programáticas.

Neste sentido, Severiano atendeu perfeitamente aos requerimentos da


Fig.206: Detalhe da Circulação de
Palha. Notar o movimento do piso entidade. Mas foi além disso. Conscientemente ou não acabou por dar
em forma de ondas. (Foto da autora)
à forma conotações também simbólicas, ligadas à mitologia local, às

origens de muitas crianças aldeanas, fazendo ainda com que a

circulação passasse a ser um grande texto em três dimensões,

incorporando desta maneira o conteúdo educativo da entidade.

Nas demais edificações que compõe o complexo, Severiano

mostrará o mesmo cuidado que teve com a circulação, ao atender


Fig.207: O imaginário das crianças
ribeirinhas é povoado com as mito- corretamente os requisitos programáticos e construtivos dos espaços.
logias regionais, uma delas associa
os igarapés amazônicos como a Nestas, entretanto, o arquiteto as dotará de um maior sentido de
passagem de uma grande serpente.
(Foto da autora)
solidez, de permanência, e não com o ar efêmero que caracteriza a

circulação coberta.

162
Aldeia SOS do amazonas

A nossa análise dará prosseguimento com o projeto da Casa-lar,

o núcleo da Aldeia.

3.4 A casa-lar

breves considerações

O principal objetivo da Aldeia SOS é oferecer à criança um lar

substituto. A Casa-lar é, portanto, o embrião da Aldeia. É o lugar que

acolhe a criança para recuperar seu sentido de família. Geralmente

cada casa é ocupada por nove crianças de idades variadas, muitas

vezes consangüíneas, que a Aldeia faz questão de acolher no mesmo

lar. A maioria vem de comunidades carentes da periferia da cidade de


Fig.208: Vista oeste da Casa-lar.
(Foto da autora)
Manaus. São crianças, como já foi dito, que sofreram maus tratos,

foram abandonadas, ou ficaram orfãs. Na Casa-lar a intenção básica é

fazer com que elas se sintam participantes de uma família comum.

Assim, a Mãe-social cuida de todos os afazeres da casa, faz as

compras, lava e passa roupa, leva os filhos adotivos para a escola, tem

toda a responsabilidade de uma mãe. Os mais velhos também

auxiliam a mãe em suas tarefas diárias, cuidando dos mais novos,

arrumando a casa, enfim, adquirindo a responsabilidade de outra

criança qualquer.

163
Aldeia SOS do amazonas

3.4.1 os caminhos de chegada à casa-lar

Para se chegar às Casas-lar, faz-se normalmente o prazeroso percurso

da Circulação/Chapéu de Palha, ao longo da qual, em níveis e lados

diferentes, ficam dispostas as duas fileiras de casas.

Fig. 209: Corte esquemático mostrando o assentamento das Casas-lar em tor-


no da Circulação de Palha. (Desenho da autora).

Circulação coberta

Caminho/entrada
p/ a casa-lar

Fig.210: O caminho pavimentado


entre as Casas-lar. (Foto da autora)
N

Fig. 211: Desenho esquemático mostrando a disposição das Casas-lar.


Assinalado em verde, os caminhos de chegada às casas. (Desenho da autora)

A partir da Circulação, caminhos pavimentados em concreto

aparente conduzem o morador à entrada principal de sua casa,


Fig.212: O caminho de chegada à
Casa-lar, a partir da circulação de localizada na fachada sul (ver figuras 210-211). É interessante notar que
Palha. (Foto da autora)

164
Aldeia SOS do amazonas

esse mesmo caminho conduz o morador da casa vizinha à sua entrada

de serviço, agora localizada na fachada norte (ver figura 210).

Fig.213: À esquerda: vista da face sul das Casas-lar. (Fonte: Severiano Porto)

Fig.214: À direita: vista da face norte das Casas-lar, para onde se volta a
entrada secundária. Notar os caminhos de chegada, partindo da circulação
coberta no lado esquerdo da foto. (Fonte: Severiano Porto)

A funcionalidade de tal planejamento também estabelece uma

comunicação entre as edificações, assegurando um sentido de

vizinhança e proteção, como aquela de uma pequena vila. A

proximidade entre elas, entretanto, não altera a privacidade, pois

Severiano as dispôs em posição levemente deslocada, uma em relação

à outra. Acrescentamos que o desalinhamento dos volumes foi

igualmente importante para tornar a paisagem da Aldeia mais

agradável, evitando a monotonia característica dos conjuntos

habitacionais que hoje enfeiam a cidade de Manaus e que desde

sempre receberam críticas por parte do arquiteto.

É interessante notar também que se no desenho urbano do

complexo com um todo, Severiano adotou uma organização

setorizada, nos moldes da cidade racionalista moderna, o cuidado que

165
Aldeia SOS do amazonas

ele coloca na relação entre os edifícios, valorizando a aproximação e a

comunicação, ou seja, o sentido de vizinhança, já o aproxima da

urbanística que valoriza o desenho da cidade tradicional, muito em

voga, vale dizer, a partir da década de 1960.134

3.4.2 A forma e o programa

A forma escolhida para a casa-lar configura-se, genericamente, em um

prisma retangular (ver figura 215), disposto em posição levemente

oblíqua em relação à circulação coberta da Aldeia (ver figura 216).

Circulação coberta

Caminho/entrada
p/ a casa-lar

N
Prisma genérico

Fig. 215: Prisma genérico retangular, configurador genérico da Casa-lar.


Mar-Set (Desenho da autora)
Equinócio meio-dia

Junho
Solsticio meio-dia
Dezembro
Solstício meio-dia
Fig. 216: Desenho esquemático mostrando a disposição das Casas-lar. Assi-
nalado em verde, os caminhos de chegada. (Desenho da autora)
6:00 E
6:00
N

18:00
Como já tivemos a oportunidade de mencionar, a configuração
18:00
S

W alongada adequa-se aos requerimentos climáticos da região,


Fig. 217:Esquema da trajetória
permitindo aberturas para diversos compartimentos na direção dos
aparente do sol para Manaus.
(Desenho da autora)

134
Basta para isso lembrar da repercussão da publicação A Morte e Vida nas
Grandes Cidades Americanas (1961) um clássico de Jane Jacobs, crítica voraz do
planejamento modernista, e defensora dos aspectos da vida comunitária, da
idéia de segurança, nos moldes da cidade tradicional.

166
Aldeia SOS do amazonas

ventos dominantes (nordeste) e menor exposição à incidência solar

para as fachadas leste e oeste.

A forma linear gera um eixo direcional-longitudinal (ver figura

218) que na Casa-lar se constituirá no eixo dominante de circulação e

Eixo longitudinal dominante da articulação dos ambientes, unindo a área social à íntima (ver figuras
Fig. 218: A Configuração linear 220 e 222). Será também, como veremos mais adiante, o principal
gera uma força direcional e do-
minante: o eixo longitudinal. (Dese-
nho da autora) trajeto dos ventos no interior da casa.

Zona convívio/serviço

Zona íntima

N
Deslocamento da
massa volumétrica
Eixo longitudinal dominante

Fig.219: Deslocamento da massa Fig. 220: O eixo longitudinal dominante é o gerador da área de circulação.
volumétrica. (Desenho da autora) (Desenho da autora)

De acordo com as características do terreno, de suave

declividade, a massa volumétrica desloca-se acomodando-se ao seu

desnível (ver figura 219). Severiano se vale desse deslocamento para

estabelecer as duas zonas distintas da casa, que se distribuem ao

longo do eixo longitudinal (ver figuras 220 e 222). De um lado, voltando-

se para a direção leste do eixo, em um nível mais abaixo, a 1.05 m,

encontra-se a zona íntima, ou seja, os três quartos das crianças, o

quarto da mãe, o quarto da tia e os respectivos banheiros. Todos os

compartimentos dessa ala, como notamos, recebem a melhor

orientação. Já do lado oposto, na parte mais alta da casa, encontra-se

167
Aldeia SOS do amazonas

a zona social/serviço, com a sala de estar, a sala de jantar, a cozinha,

a lavanderia e a despensa.

B
Varanda Quarto Quarto
Cozinha Quarto
das Crianças das Crianças
da Mãe

Serviço
Pergula Jantar
Banho Banho

A Circulação A
Estar Quarto Banho
Banho
da Tia

N Varanda
Quarto
das Crianças

Jardim
0 5m

B
Fig. 222: Planta Baixa da Casa-lar. (Desenho da autora)

Fig. 221: Interior da Casa-lar. Veri-


ficar o eixo de circulação no sen-
tido leste. (Foto da autora) Um comentário importante devemos fazer em relação à

colocação das paredes e dos pilares. Não há na Casa-lar uma

regularidade estrutural rígida. Aliás, é valido observar que Severiano

tende a evitar uma modulação fixa nos projetos residenciais, quando a

estrutura de concreto armado é a técnica empregada, deixando assim

o espaço fluir para atender as situações diversas da planimetria e

volumetria.

Fig. 223: Desenho esquemático do sistema estrutural da Casa-lar. Notar que


não há uma modulação fixa organizando paredes e pilares. (Desenho da autora)

168
Aldeia SOS do amazonas

Um comportamento mais organizado na estrutura poderá

ocorrer, no entanto, quando o arquiteto emprega sistemas onde a

madeira entra como estrutura. Na Residência Robert Schuster (1978)

(ver figura 224) os pilares de madeira que sustentam os pisos

superiores e a cobertura, comportam-se em uma modulação de 2.50 X

2.50 m. de maneira semelhante ocorre nas casas projetadas para o

Condomínio Praia da Lua (1979), organizadas dentro da mesma

modulação comentada (ver figura 225).

Fig. 224 : À esquerda, Planta Baixa do pavimento intermediário (nível 2.20 e


3.10) e à direita, Corte 1.1 da Residência Robert Schuster em Tarumã-Açu,
Manaus, (1978). Sem escala. (Fonte: Acervo pessoal do arquiteto)

2.5 2.5

painel

COZINHA BANHEIRO
2.5

painel painel
QUARTO
CIRCULAÇÃO
2.5

alvenaria painel
projeção de tijolo
lanternim SALA

SALA VARANDA

planta residência tipo 1 corte residência tipo 1

Fig. 225: Planta Baixa e Corte da Residência Tipo 1, do Condomínio Praia da


Lua (1979), Rio Negro. Sem escala. (Desenho da autora)

169
Aldeia SOS do amazonas

Dando continuidade à análise da Casa-lar verificaremos que a

forma ainda responde à outros fatores, como aqueles relacionados aos

requisitos do clima como veremos a seguir.

3.4.3 A FORMA E O CLIMA

Respondendo aos requerimentos do programa, percebemos que o

prisma básico da Casa-lar sofre transformações. Parte do volume é

subtraído, parte é deslocado, dando forma aos cômodos e criando

áreas para passagem de luz e vento.

Detalhe de
deslocamento da massa
p/ captação das brisas

Quarto
vento

corredor

Elemento vazado
bloco de concreto
Quarto
N

Jardim interno
área de transição
Fig. 226: Desenho esquemático mostrando os detalhes das transformações no
volume, criando áreas de captação de brisas e o jardim interno. (Desenho da
autora)

Observemos a transformação ocorrida na fachada leste (ver

figuras 226 e 227): um dos quartos ali localizado se desloca, criando

uma área de captação de ventos, conferindo então, juntamente com a

movimentação de outras partes da massa volumétrica, uma dinâmica

plástica digna de nota.

170
Aldeia SOS do amazonas

Tal recurso de captação dos ventos permite o movimento

constante do ar no interior da edificação, que percorre todo o seu eixo

longitudinal. O detalhe construtivo, como pode ser observado (ver figura

228), capta tanto os ventos de nordeste aumentando sua velocidade

pela angulação de entrada, quanto àqueles ventos vindos de leste.

No interior da casa, percebemos que a subtração de uma parte


Fig.227: Fachada leste da Casa-lar,
notar a massa volumétrica des- do volume define o espaço de transição entre as zonas íntima e de
locada para a circulação de ar. (Foto
da autora) convívio, criando um jardim interno (ver figura 229).

subtração
Quarto
vento

corredor
captação
dos ventos
Elemento vazado
bloco de concreto
Quarto

Fig.228: Detalhe da abertura para


captação dos ventos na fachada
leste da Casa-lar. (Desenho da autora) jardim interno

Fig.229: Desenho esquemático da Casa-lar. Notar a subtração do volume para a


criação do jardim interno. (Desenho da autora)

Este elemento irá aparecer em outras obras precedentes do

arquiteto. Na sua segunda residência, construída em 1971, o jardim

interno é o espaço articulador casa, é para onde se voltam os cômodos

principais (ver figuras 231-232). Na Casa-lar, o jardim não é um


Fig.230: Detalhe da abertura para
captação dos ventos na fachada articulador dos espaços, mas é utilizado para estabelecer um intervalo
leste da Casa-lar. (Foto da autora)
entre as distintas zonas da casa (ver figuras 233-234). Em ambos os

171
Aldeia SOS do amazonas

casos, entretanto, o jardim é utilizado para amenizar os efeitos do

clima.

Fig.231: Jardim interno da


Residência Severiano Porto
(1971) em Manaus. (Foto:
Beatriz Oliveira)

Fig. 232: Planta do pavimento superior da Residência Severiano Porto (1971),


em Manaus. Notar os espaços articulados em torno do jardim. (Fonte: Revista
Projeto, n.40)

Fig. 233 e 234: À esquerda, vista do jardim interno da Casa-lar, a partir da sala
de estar. À direita, vista do jardim, a partir da circulação, no nível inferior. (Fotos
da autora)

172
Aldeia SOS do amazonas

Quarto
Cozinha Quarto
das Crianças
da Mãe

Serviço

Banho Banho

Circulação

Fig. 235: Vista dos elementos vaza- Quarto Banho Banho


dos na circulação da Casa-lar, junto Jardim da Tia
ao jardim interno. (Foto da autora)

Varanda
Elementos vazados

Fig. 236: Desenho esquemático da planta baixa da Casa-lar. Notar a passagem


dos ventos no interior da casa (indicado em azul), possibilitada pela colocação
dos elementos vazados (assinalado em vermelho) em diversas paredes. (Desenho
da autora)

Fig. 237: Vista dos elementos vaza-


dos na parede entre o jardim inter- Da mesma forma que na residência do arquiteto, o jardim da Casa-lar
no e o externo. (Foto da autora)
tem como limite interior-exterior blocos de elementos vazados em

concreto aparente, que além de proporcionar uma textura atraente ao

filtrar a luz e possibilitar uma certa permeabilidade visual com a área

externa, é um recurso utilizado para ajudar ainda mais a constante

movimentação do vento (ver figuras 235-238). Para se evitar a entrada

Elementos de insetos e pequenos animais, foi colocada uma tela plástica entre os
vazados de
concreto
blocos de concreto que formam o muro. A presença da tela, no
Fig.238: Axonométrica da Casa-lar,
mostrando a passagem das brisas entanto, é quase imperceptível, e não interfere na permeabilidade
pelos elementos vazados que
compõe diversas paredes da casa. visual proporcionada pelo bloco de concreto vazado.
(Desenho da autora)

173
Aldeia SOS do amazonas

A cobertura de duas águas adotada para a Casa-lar, como já

comentado, foi desenhada com grandes beirais para proteger as

paredes externas e o interior da casa das chuvas e do sol, uma solução

adequada em climas rigorosos como o da Amazônia. Sua inclinação

visa a minimizar os efeitos da radiação solar e propiciar o escoamento

adequado das águas.

en
tra
da
d es
erv
iço

en
tra
da
p rin
cip
al

Fig. 239: Axonométrica da Casa-lar. (Desenho da autora)

174
Aldeia SOS do amazonas

É interessante observar que o pé-direito alto decorrente da

altura da cumeeira, contribui para que a ventilação cruzada

proporcionada pelas aberturas nas duas extremidades da cobertura

(ver figuras 242-243), retire o calor que atravessa as telhas cerâmicas

(ver figura 240).

Elementos Vazados
Telha
Forro do Quarto Cerâmica Elemento Vazado
de Madeira

Pergula
Vento

Circulação
Estar
Jardim Bloco de Concreto
Elemento Vazado
Interno
0 2

1 5

Fig. 240: Corte longitudinal da Casa-lar (ver figura 66 com a referência de


planta). (Desenho da autora)

Fig. 241: Vista oeste da Casa-lar. Fig.242: À esquerda, Fachada oeste da Casa-lar, sem escala. Notar a abertura
Notar na parte superior, junto à cu- na parte superior no encontro do plano dos telhados. (Fonte: Coleção Severiano
meeira, a abertura para ventilação. Porto.NPD/FAU/UFRJ)
(Foto da autora)
Fig.243: À direita, fachada leste da Casa-lar. Sem escala. Notar os elementos
vazados que fecham a abertura que dá para a área de circulação da casa.
(Fonte: Coleção Severiano Porto.NPD/FAU/UFRJ)

175
Aldeia SOS do amazonas

Forro do Quarto Também contribui para a exaustão do ar quente, o vão que

resulta da diferenciação de alturas dos planos dos telhados,

articulados de acordo com o deslocamento da massa volumétrica. Um

recurso que certamente proporcionou um jogo plástico de maior

Estar Jardim interesse visual com a variação de linhas e planos e de sombra e luz
Interno
na volumetria resultante (ver figura 245).
Fig.244: Corte esquemático indi-
cando a permeabilidade visual per-
mitida pela diferenciação de níveis
e pela altura da cumeeira. (Desenho
da autora)

Fig. 245: Vista da fachada sul da Casa-lar. Notar o deslocamento dos planos do
telhado. (Foto da autora)

Fig. 246: Vista da sala de es- Mas o pé-direito alto (a cumeeira está a 5 m) também atende a
tar/jantar sentido oeste. (Foto da au-
tora)
outras funções além das utilitárias. Na sala, por exemplo, área de

maior dimensão da casa e lugar do convívio da família, ele determina a

generosidade espacial do ambiente e torna visível, em função da

diferenciação de níveis, a parte íntima da casa, permitindo assim a

comunicação e integração entre as distintas zonas (ver figuras 244 e

247). Com essa configuração o espaço assegura às mães um controle

maior sobre as crianças.

É interessante observar que na Casa-lar, o pé-direito alto

também possibilita avistar da sala a riqueza plástica da composição

Fig. 247: Vista da sala de estar dos planos de fechamento que compõe os forros dos quartos (ver figura
sentido leste, em direção à área
íntima. (Foto da autora) 248).

176
Aldeia SOS do amazonas

zona de convívio

ar quente
forro do banheiro

quarto ar frio

Fig.248: Vista dos planos de fecha-


mento dos forros dos quartos, a Fig.249: Axonométrica da Casa-lar. Notar detalhe do forro dos quartos. (Desenho
partir da entrada da Casa-lar. (Foto da autora)
da autora)
Fig.250: A direita, esquema da ventilação proporcionada pelo detalhe do forro
dos quartos. (Desenho da autora)

Os forros foram desenhados para proteger os compartimentos

da entrada de insetos, assim como para oferecer conforto térmico e

acústico. O cuidado de Severiano ainda vai mais além. Como podemos

observar, há uma ligeira abertura no detalhe do encontro dos dois


Fig.251: Detalhe do forro dos quar-
tos. Notar a abertura no encontro planos inclinados (ver figuras 250-251) para permitir a constante
dos planos inclinados. (Foto da autora)
renovação do ar, deixando o ar frio entrar pelas venezianas fixas

localizadas na parte inferior das esquadrias dos quartos (ver figuras

252-253) e o ar quente sair pelo detalhe do forro, ou pela bandeira das

portas, também em veneziana.

Telha Cerâmica

Forro em Madeira

Saída de ar quente
2,7

Circ

Quarto das Crianças Quarto das Crianças


Fig.252: Vista do interior do
Quarto das Crianças da Casa-lar.
Notar o desenho da janela com a
presença da veneziana fixa em sua
0 5m
parte inferior. (Foto da autora)

Fig. 253: Corte transversal da Casa-lar. (Desenho da autora)

177
Aldeia SOS do amazonas

Mas, além disso, o desenho do forro também pode gerar um

caráter lúdico e educativo ao dotar o quarto de uma configuração

espacial que sugere a forma de uma casa, como aquela que vem

impregnada no imaginário infantil. É interessante perceber nesta

configuração a relação pequena-casa com casa-maior. A grande

cobertura, a da Casa-lar propriamente dita, abraça todo o espaço

abaixo dela. A relação estabelecida pode fazer alusão à metáfora do

útero, do aconchego, da geração da vida, ou mesmo, quem sabe a

sugestão de várias casinhas dentro de uma maior, estabelecendo o

sentido de coletividade, de cooperação, de afago que é o próprio

espírito da comunidade aldeana.

Voltando ao espaço de convívio, na sala de estar e jantar,

observamos que Severiano se utiliza de uma série de outros elementos

que combinados, favorecem o conforto térmico ao mesmo tempo em

que enriquecem a experiência espacial e visual. Exemplo disso é o

dispositivo de proteção solar, uma espécie de reinterpretação da

pérgula tradicional.

Fig. 254 e 255: Detalhe da pérgula em paus roliços rústicos, localizada na fa-
chada oeste da Casa-lar. (Fotos da autora)

O artefato, feito com a junção de paus roliços rústicos e

correntes metálicas, foi criado pelo arquiteto para proteger a janela

que dá para oeste (ver figura 254). Da abertura, a qual se fez necessária

178
Aldeia SOS do amazonas

para favorecer a ventilação cruzada que entra pela fachada oposta,

também é possível apreciar a pérgula (ver figura 256).

Outro recurso arquitetônico utilizado na sala foram as varandas,

colocadas nas fachadas sul e norte (ver figuras 257-259). Estes espaços

de transição cobertos e abertos, de forte significado cultural na

Fig.256: Detalhe da janela da sala arquitetura brasileira, fazem o elo de ligação do mundo externo com o
de estar, localizada na fachada
oeste. Notar a pérgola na parte interno, além de funcionarem como uma extensão da área de convívio
exterior. (Foto da autora)
e proteger os acessos dos efeitos climáticos. Severiano se utiliza deste

recurso espacial, invariavelmente, em todas as suas casas.

Varanda Quarto
Cozinha da Mãe

Fig. 257: Varanda da fachada sul Serviço


Pergula Jantar
da Casa-lar. (Foto da autora) Banho

A Jardim
Interno Quarto
Estar da Tia

N
Varanda

0 5

Fig. 258: Varanda da fachada Fig.259: Planta esquemática mostrando a área de convívio da Casa-lar. A seta
norte da Casa-lar. (Foto da autora) assinalada em azul corresponde à principal direção dos ventos no interior da
casa. Notar a presença das varandas nas fachadas norte e sul. (Desenho da autora)

179
Aldeia SOS do amazonas

3.4.4 A casa-lar e as aberturas

As esquadrias desenhadas por Severiano para a Casa-lar revelam um

tratamento extremamente cuidadoso. Foram feitas para otimizar o

fluxo do ar nos ambientes assim como controlar a entrada da luz. As

janelas, que podem ser de abrir, basculantes ou de correr, recebem

panos de veneziana móveis criando um interessante retalhamento da

paisagem (ver figuras 260-264), enriquecendo de maneira notável o

espaço interior. Elas foram projetadas para serem manuseadas com

facilidade e segurança.

Fig.260: Detalhe da janela de a-


brir. Notar a permeabilidade visu-
al proporcionada pelas venezia-
nas móveis. (Foto da autora)

Fig. 261: À direita, detalhe da es-


quadria de madeira que compõe
a parede entre a sala de estar e a
varanda norte. (Foto da autora)

Fig. 262, 263 e 264: Detalhe do desenho de janela tipo basculante do Quarto
das Crianças. (Foto da autora)

180
Aldeia SOS do amazonas

Nos quartos das crianças as janelas ocupam pelo menos duas

paredes, de maneira que a ventilação cruze adequadamente (ver figuras

265-266).

Quarto Quarto
das Crianças das Crianças

Banho

Circulação

Fig. 265: Detalhe de um trecho


do Quarto das Crianças (ver
também, foto abaixo). Notar
que as aberturas aparecem em
diversas paredes facilitando a
ventilação cruzada. (Desenho da
autora)
Fig. 267: Vista das fachadas leste e norte da Casa-lar. Notar o rico vocabulário
proporcionado pelos desenhos das janelas. (Foto da autora)

No quarto assinalado (ver figura 265) observamos que duas

esquadrias recebem um mesmo desenho, há ainda uma terceira

esquadria colocada no encontro das duas paredes. São duas faixas

verticais, com quadros basculantes e veneziana móveis, que no

exterior se encontram com o pilar de madeira que sustenta a mão

francesa. Tal elemento cria na fachada uma composição inusitada, de


Fig. 266: Vista do Quarto das
Crianças. Notar a variedade do
desenho das janelas (ao lado, a rico vocabulário plástico (ver figura 267). Percebemos assim, que o jogo
fig.267, mostra vista da mesma
janela a partir do exterior). (Foto de aberturas e o desenho das janelas, exercem um papel importante
da autora)

tanto no interior da casa quanto no tratamento das fachadas. O

material das esquadrias, a madeira cálida e opaca, e a sua textura,

proporcionada pelos panos de veneziana móveis e os planos e linhas

de sua modulação, fazem uma combinação harmoniosa com as

181
Aldeia SOS do amazonas

paredes pintadas de branco, o telhado em cerâmica natural e o

concreto aparente dos elementos vazados. O concreto também se faz

presente nas vergas/peitoril em forma de faixas que, além de abrigar

os trilhos para a janela de correr, também criam uma moldura

horizontal para o quadro da esquadria — (ver figuras 267-269) e

enfatiza ainda mais a horizontalidade do edifício.

Fig. 268: Fachada sul da Casa-lar. (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

Fig. 269: Fachada Norte da Casa-lar. (Fonte: Coleção Severiano Porto, NPD/FAU/UFRJ)

182
Aldeia SOS do amazonas

3.4.5 Relações com a cultura

A configuração espacial da Casa-lar faz referências à tipologia

arquitetônica autóctone amazônica, demonstrando a contribuição que

esta estabeleceu no repertório de experimentações do arquiteto

Severiano Porto no campo do espaço doméstico.

O tipo de casa com telhado de duas águas é uma imagem que

Fig. 270: Casa sobre palafitas no caracteriza a paisagem do habitat ribeirinho, presente tanto nas casas
Rio Negro, Amazonas. (Foto da
autora) sobre palafitas como nas casas flutuantes. As mesmas características

encontramos nas casas de terra firme. As soluções criativas presentes

nestas casas, ricas de elementos construtivos como a presença das

varandas, treliças, e desenhos de janelas, assim como a flexibilidade

dos espaços, que permitem ser fechados ou abertos durante as

diferentes horas do dia, foram elementos observados atentamente pelo

Fig. 271: Casa flutuante no Rio arquiteto desde que chegou à Amazônia.
Negro, Amazonas. (Foto: Beatriz
Oliveira)
A forma do telhado, com boa inclinação para o escoamento das

águas, é condição imprescindível em condições pluviométricas como

as da região, coisa que o caboclo sabe melhor que ninguém. Os

espaços se apresentam o máximo livres de vedações para a melhor

circulação do ar. Na casa barco adaptada para acomodações turísticas

que mostramos nas figuras 273-275, percebemos que a área de

Fig. 272: Detalhe do interior da repouso — a área das redes —, está disposta em torno de uma
casa ribeirinha. Notar a abertura
para ventilação na parte superior, circulação com abertura em suas extremidades para a entrada do
junto ao telhado. (Foto da autora)
vento.

183
Aldeia SOS do amazonas

Fig. 273: Interior da casa flu- Fig. 274: Casa flutuante típica das várzeas dos igapós amazônicos. O exemplar
tuante. Notar a disposição das foi adaptado para acomodações turísticas. Notar a diferença de altura das
redes em torno da circulação cumeeiras. Os vãos entre elas proporcionam aeração adequada ao ambiente
que dá passagem aos ventos. interno. (Foto: Beatriz Oliveira)
(Foto: Beatriz Oliveira)

O tipo arquitetônico alongado, com telhado de duas águas, com

espaço interno organizado em torno de um eixo que conduz a

circulação interna e a dos ventos, se faz muito semelhante a

configuração da Casa-lar. É notável a permeabilidade visual

proporcionada pelo espaço conferindo um sentido de coletividade,

como aquela também proporcionada pelo arquiteto Severiano Porto à

Casa-lar da Aldeia.

Fig. 275: Vista da circulação Devemos ressaltar, entretanto, que o sentido de coletividade
da casa flutuante, mostrando
o sentido oposto da fig. 273. que encontramos na casa flutuante é certamente distinta da que
(Foto: Beatriz Oliveira)

encontramos na Casa-lar. Nesta, embora Severiano também estimule

o sentido de coletivo — notamos isso na sua configuração espacial que

sugere as várias casinhas sob uma maior — ele, como já pudemos

apontar, dotou os espaços da casas com a privacidade necessária para

o convívio de seus moradores: as mães e tias têm seus próprios

banheiros, estas têm entrada independente para o seu quarto, as

184
Aldeia SOS do amazonas

crianças têm seu espaço de estudo e cabines individuais para seus

pertences.

Faz-se necessário pontuar diferenças para que possamos

perceber como se dão as referências na obra do nosso arquiteto, de

como ele olha e observa as coisas e como ele interpreta as diversas

soluções de maneira criativa, adequando-as às novas propostas

projetuais. Vemos aqui como a tradição em Severiano é renovada, ela

é um processo de fluxo constante, é uma força criadora no processo

de projeto. Mas para que isso aconteça é necessário que o arquiteto

seja um observador atento, uma pessoa curiosa que busca em suas

pesquisas a intimidade com os objetos de arquitetura. Só assim, é

possível atuar criticamente, saber avaliar o que interessa e descartar

aquilo que não faz sentido na nova forma. Outras referências, vindas

de outras fontes, juntam-se àquelas, que o arquiteto vai acumulando

em seu repertório, formando o seu próprio dicionário arquitetônico.

Vimos ao longo da análise da Casa-lar que da mesma maneira

que a Circulação de Palha, Severiano lançou mão de uma série de

soluções que ultrapassaram os resultados meramente práticos, para

criar espaços que enriqueceram as propostas pedagógicas da

entidade.

Na Casa-lar, além do cuidado com as corretas dimensões dos

espaços, foi possível observar que o arquiteto contribui de outras

maneiras para torná-la um lugar digno, respeitoso com seus

habitantes, sustentando suas vidas em um sentido amplo.

185
Aldeia SOS do amazonas

Após a extensa análise desta obra e de toda a pesquisa

realizada, encerraremos o nosso trabalho com as considerações finais

no capítulo que segue.

186
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho apontamos inúmeros aspectos sobre a

maneira de pensar e fazer arquitetura de Severiano Porto. Traremos

aqui aqueles que consideramos os mais relevantes para o

entendimento das questões que sua obra suscita.

O nosso arquiteto mostrou-se um homem aberto para a vida,

uma pessoa que gosta de se envolver, de interagir com o outro.

Sempre teve muita autonomia em suas decisões, seguindo o que

achava ser o mais correto para si próprio. Desde cedo, mostrou ter

um posicionamento muito claro de como deveria ser a sua própria

formação. Ele acreditava que arquitetura era fazer. Não por outro

motivo, foi complementar os estudos acadêmicos com a vivência da

obra trabalhando na Construtora Ary C. R. de Brito, que em seus

depoimentos considera como sendo a grande escola de sua formação.

Para o arquiteto, aprende-se fazendo, vivenciando.

Severiano sempre sentiu a necessidade de saber como as

coisas se dão no mundo concreto, mais do que no abstrato. Era

através da sua vivência do canteiro de obras que ele podia dominar

teoricamente aquilo que elaborava na prancheta.

O interesse pelo viver, pelo experienciar o tangível em

Severiano, incluiu, também, como vimos, o método da pesquisa em

campo. Neste sentido, mostramos como foi importante em sua

carreira profissional, o projeto do Colégio e Escola Normal Santa

187
Dorotéia (1962) em Pouso Alegre, mesmo ele não tendo sido

construído.

Esse modo de aquisição do conhecimento, do aprender

olhando como os projetos funcionam ou não funcionam, mostrando

curiosidade por tudo, Severiano levou para toda a sua vida

profissional.

Sua maneira de se aproximar da disciplina arquitetônica,

permitiu-o adquirir um conhecimento vasto, fosse dos detalhes

construtivos, fosse do emprego dos materiais. É assim que ele

compreende a arquitetura, como detalhe, como construção, como

diálogo com o mundo concreto. Tudo parece nos indicar que ele crê

que a arquitetura só é arquitetura se concretizou-se como espaço

construído. Por isso é que em Severiano, todas as etapas de

desenvolvimento do projeto são etapas de obra, ou seja, a arquitetura

é obra no sentido mais vasto de um fazer para que algo viva, que

tenha concretude. É como o ato do Criador que à criatura quer dar

vida visando o momento mais sublime, aquele em que ela fala!

Severiano sempre esteve munido por uma teoria alimentada

por sua vivência e experiência próprias, por aquilo que ele considerava

ser o mais correto. Na Amazônia, seus projetos foram desenvolvidos

de acordo com a realidade da região. Procurou adequar o edifício ao

rigor do clima, empregar os materiais disponíveis, respeitar as

características do lugar. Sempre buscou justificativas racionais para

suas tomadas de decisão.

Lembramos entretanto, que esta preocupação da adequação

verificada na obra de Severiano Porto a partir de sua fase Amazônica,

188
ainda não estava presente nos seus primeiros projetos no Rio de

Janeiro, quando recebe as encomendas dos edifícios de apartamentos

que mostramos no Capítulo 1. Ali, percebemos que o esforço do

arquiteto concentrava-se em aprofundar conhecimento nas questões

práticas da construção, mesmo que para isso tivesse que servir à

especulação imobiliária.

Por vezes, é curioso pensar quais teriam sido os caminhos

percorridos por Severiano, caso não tivesse sido convidado para

trabalhar na Amazônia. Teria o arquiteto se sensibilizado para

dialogar com a dimensão física e cultural de cada contexto específico?

Teria a racionalidade que reivindica ele para a arquitetura se ocupado

da dimensão ética da disciplina? Tudo o que sabemos é que foi

justamente a experiência na Amazônia que deu a ele toda a

oportunidade de refletir criticamente sobre o seu próprio fazer. O

volume de comissões que passa a receber a partir de meados da

década de 60, especialmente no estado do Amazonas, e a importância

que elas representam para o lugar, o fez sentir como que tendo uma

missão a cumprir. Sensibilizado como o momento de mudanças pelas

quais passava a região, Severiano se entusiasma com a oportunidade

de participar de seu desenvolvimento; lá ele se lança a novas

pesquisas e experimentações.

Como um bom educador que também aprende com o

educando, deixou-se interagir com a sabedoria do homem da terra,

pois eles indicavam a maneira certa de agir. Relembrando suas

palavras: “Eles [os caboclos, os ribeirinhos] têm muito a nos ensinar

de como sobreviver, de como fazer, de como viver e morar na

189
Amazônia”.135 Com essa atitude, Severiano também estava mostrando

aos locais os seus valores e potenciais. Ele mostra que a madeira,

embora largamente popularizada, não era coisa de “pobre” e sim um

dos materiais mais nobres, flexível, apropriado para se usar em um

lugar onde sua disponibilidade é abundante.

Tudo nos indica que o divisor de águas na carreira do arquiteto,

ou seja, de uma passagem entre um fazer voltado para a

racionalização construtiva como dos edifícios do Rio de Janeiro, para

um outro que começa a dialogar poeticamente com a arquitetura, foi o

Restaurante Chapéu de Palha (1967). A repercussão que a obra teve na

mídia e a aceitação por parte do público, demostrou que foi uma

experiência que deu certo, vindo a definir uma trajetória para

Severiano; é onde ele começa a dominar o espaço conformado pela

madeira e verificar a possibilidade expressiva do material; é onde o

emprego dos materiais locais, para a sociedade manauara, começa a

perder a conotação de penúria.

As décadas de 60 e 70, como já foi assinalado, foi uma época

de efervescência cultural e política, da instauração de novos

parâmetros e estilos de vida. Há o movimento “ecológico”, a defesa do

meio ambiente, o surgimento da contracultura. Nas artes e arquitetura

há uma revalorização do popular, do homem comum, da arquitetura

sem arquitetos, da arquitetura anônima dos países do Terceiro

Mundo, da participação do usuário na concepção do espaço

construído.

135
Ver Capítulo 1, página 58.

190
As experiências de Severiano ao longo de sua trajetória nos

mostraram que ele foi um homem de seu tempo. Durante a sua

juventude vimos que ele já simpatizava com as atividades ligadas à

natureza onde permeava a idéia de preservação quando participou do

Clube Excursionista Carioca. Na Amazônia ele desenvolveu uma

arquitetura que alterasse o menos possível a integridade do sítio, com

desenhos que aproveitassem o máximo a ventilação passiva, mais

econômica e menos poluente, com espaços concebidos de forma

flexível, suscetíveis de serem modificados sem muitas alterações de

custo; e sempre que possível utilizando-se dos materiais renováveis, a

madeira especialmente, onde era possível também aproveitar a mão

de obra local.

Mas, como vimos, Severiano lançou mão também de outros

materiais e técnicas construtivas, como o concreto aparente e as

estruturas em concreto armado. Empregou-o especialmente nas obras

de caráter público, construídas durante a década de 70, período em

que o material se tornava onipresente no Brasil. Entretanto, seja qual

fosse o material empregado, o arquiteto jamais deixou de levar em

consideração as questões práticas da adequação do desenho ao

clima.

Com a análise da Aldeia SOS do Amazonas foi possível verificar

que o fio condutor da arquitetura de Severiano – o princípio da

adequação – esteve presente em todas as tomadas de decisão do

projeto. Responder aos requerimentos do clima, do programa e

dialogar com a realidade da região, são procedimentos que não

passam de uma atitude “lógica e racional”, como quer o arquiteto,

191
fato bem confirmado em nosso estudo de caso. Neste sentido, como

pudemos apontar no Capítulo 2, verificamos que o conceito de

regionalismo, tal como este se apoia na crítica da arquitetura, não se

aplica para classificar a obra de Severiano. A não ser que

consideremos o regionalismo como a adequação da arquitetura à

especificidade climática da região. Mas este procedimento, como

apontado ao longo da pesquisa, é uma regra básica da arquitetura;

um princípio racional que nos levou a identifica-la com as mais

antigas recomendações de que se tem conhecimento para os

procedimentos da arquitetura: os de Vitrúvio e os de Alberti.

SEGAWA já havia apontado que a arquitetura amazônica de

Severiano Porto e também as de João Castro Filho, Ostacílio Teixeira

Lima Neto, Milton Monte e Paulo Sergio Nascimento, com suas formas

que resultam de uma relação íntima do edifício com o meio (amplos

beirais, utilização dos materiais apropriados, ventilação adequada,

respeito ao meio físico) são tributárias de uma regra primária como já

havia nos advertido os tratadistas clássicos.136

De fato, devemos salientar que as observações em relação a

arquitetura e clima jamais deixaram de permear as idéias do

Movimento Moderno. Vimos com os aportes de Lúcio Costa—o

principal promotor da arquitetura racionalista no Brasil e discípulo de

Le Corbusier—, como a arquitetura moderna brasileira ganhou

características próprias, incorporando elementos adequados à latitude

tropical.

136
SEGAWA, Hugo. Radicalismo Tropical: La Amazonia Contextualizada. In:
Arquitectura Viva, n. 25, julio-agosto 1992, p. 29.

192
A Aldeia SOS do Amazonas é ao nosso ver uma obra síntese,

representativa da maturidade projetual de Severiano Porto. Ali ele

condensa uma série de contribuições projetuais que marcaram sua

trajetória. Vimos a racionalidade com que resolve a implantação das

edificações com referência aos seus projetos de maior porte; vimos no

desenho urbano escolhas que apontaram para um cruzamento de

referências relacionadas à arquitetura moderna, com resoluções que

tanto o aproximam das idéias de um racionalismo “orgânico” quanto

de um racionalismo “cartesiano”. O seu trabalho, de uma forma geral,

é o resultado desse amálgama. Dessa junção de elementos que

aparentemente pertencem a correntes opostas. Só aparentemente,

pois no fundo, ambas, com suas vontades de civilização, fruto de um

pensamento racional, têm como ponto de partida um mesmo

princípio, que é o naturalismo, ou seja, a crença na natureza como

princípio de toda a existência, da idéia de que a natureza é sábia, é a

razão, a força, a necessidade que imprime a ordem no Universo. Ou,

como nos diz o filósofo francês, Clement ROSSET:

A idéia fundamental do naturalismo é uma neutralização da atuação

do acaso na gênese das existências: afirma que nada se poderia

produzir sem alguma razão e, consequentemente, as existências dos

homens resultam de outra ordem de causas, a ordem das causas

naturais.137

137
ROSSET, Clement. A Antinatureza: elementos para uma filosofia trágica. Rio de
Janeiro: Espaço e Tempo, 1989, p. 24.

193
Na Circulação de Palha está depositado o princípio estrutural e

a ousadia espacial, que na década de 60 ainda era uma promessa

com o Restaurante Chapéu de Palha, mas que lhe que deu o prestígio

e reconhecimento, para atingir seu clímax nos anos 80, quando

propõe uma forma mais livre, demonstrando o domínio de uma

linguagem conformada pela madeira, na sinuosa cobertura do Centro

de Proteção Ambiental de Balbina. Aqui, como já foi observado, mais

uma vez ele resolveu o espaço através do contraste entre as formas

geométricas e orgânicas, ou seja, na ortogonalidade dos laboratórios,

do museu e dos alojamentos, construídos em alvenaria, e a liberdade

das curvas da cobertura em madeira. Na Aldeia, Severiano encontra o

equilíbrio do conjunto partindo dessa mesma concepção, ou seja, no

contraste entre a edificação aberta e coberta da Circulação de Palha,

em forma orgânica, e as edificações fechadas em formas prismáticas

(conjunto residencial, teatro, escola, administração, serviços).

Na Aldeia, Severiano ainda nos mostra que sua arquitetura da

adequação vai além das questões meramente práticas, para revelar

intenções de ordem psicológica e expressão de valores simbólicos; na

escala urbana ela está presente na Circulação de Palha, a rua-praça

coberta, principal articulador da Aldeia, cuja forma evoca as tradições

construtivas e mitológicas locais. Vemos esta mesma intenção na

dimensão doméstica. Ainda que a primeira vista a impressão que se

tem é de que a Casa-lar é uma habitação comum, especialmente pelo

seu caráter de “casa com telhado de duas águas”, aos poucos ela vai

revelando suas diferenças, com um conjunto de elementos que

contribue para a qualificação estética dos espaços interiores e

exteriores: na organização planimétrica e nas dimensões dos

194
cômodos, concebidas para cultuar a individualidade; na flexibilidade

proporcionada pelo desenho das janelas e nos seus mecanismos de

filtragem da luz, passagem do vento, variedade de visadas. Assim é a

Aldeia como um todo. Da entrada do complexo à entrada de cada

edifício, percebemos um caráter singelo em oposição ao monumental,

contribuindo para produzir uma sensação de descobrimento e revelar

seu encanto e riqueza somente quando vivenciada.

Intuíamos inicialmente que com a análise da obra escolhida

como estudo de caso, outras descobertas poderiam suscitar e nos

indicar determinadas peculiaridades do pensar e fazer de Severiano.

De fato, o arquiteto nos mostrou/comprovou com o projeto da Aldeia

SOS do Amazonas, o lado muito marcante de sua personalidade e

que, como bem demonstrado na nossa análise, influiu diretamente na

sua maneira de projetar: o de ser antes de tudo, um educador.

Ele mostrou ter fortes convicções de como deve ser um

ambiente que se quer educativo. Ele propõe programas, diz como a

Aldeia pode se auto-sustentar. Severiano, pelo que tudo indica, tem

um posicionamento muito claro do que é justo, do que é o correto na

formação do indivíduo. Fez isso consigo mesmo ao buscar o

conhecimento prático durante os anos de sua formação. Severiano

devemos nos lembrar, teve uma proximidade estreita com as idéias de

ensino durante a sua infância. Seus pais, como mostramos no

Capítulo 1, foram educadores. Para o Dr. Mário Porto, pai de

Severiano, a educação era uma de suas maiores paixões. Em sua

época, o ensino vivia um momento de idéias revolucionárias. No Rio

de Janeiro, na década 30, novas propostas pedagógicas eram

introduzidas no ensino público pelo educador Anísio Teixeira (1900-

195
1971) com o ideário da Escola Nova da linha progressivista do filósofo

e educador americano John Dewey. A partir do conceito de

experiência, um dos pontos fundamentais do pensamento pedagógico

de Dewey, Anísio Teixeira acreditava que, uma vez o indivíduo sendo

um ser social, e existindo apenas em sociedade, então:

A escola não deve ser a oficina isolada onde se prepara o indivíduo,

mas o lugar onde, numa situação real de vida, indivíduo e sociedade

constituam uma unidade orgânica.138

Assim, dentro da perspectiva de que o aprendizado eficaz só é

alcançado através da prática, na pedagogia nova, a escola deve

apresentar-se como um meio social vivo, com condições tão reais

como aquelas vividas fora da escola, ou seja, “tem que se transformar

em um meio real, de experiências reais e de vida real”.139 Isto

implicará para a estrutura curricular e consequentemente para a

arquitetura escolar, as tradicionais salas para as matérias de ler,

escrever, calcular, bem como as salas especiais para arte, música,

trabalhos manuais e desenho, ginásios esportivos, biblioteca,

laboratório de ciências, viveiros de plantas e animais, auditório para

reuniões e apresentações teatrais e musicais, “enfim tudo que

caracterize e condense a vida humana nas suas fases fundamentais de

trabalho, diversão e vida social”140 que ofereça à criança uma

educação integral.

138
TEIXEIRA, apud DÓREA, Célia. Anísio Teixeira e a Arquitetura Escolar:
planejando escolas, construindo sonhos. 2003 - Tese (Doutorado em Educação) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, p. 27.

139
Idem, Ibidem.

140
Idem, p. 94.

196
Na sua reforma educacional, Anísio Teixeira também se

empenhou na construção de novos prédios escolares (ele refutava a

idéia de que a educação poderia ser dada de qualquer modo, em

situações improvisadas, como era comum no Rio de Janeiro daquela

época), com instalações arquitetônicas adequadas, visando os

problemas de higiene, ventilação, iluminação, assim como de

organização e distribuição planimétricas que correspondessem às

novas conquistas pedagógicas que agora dava ênfase à

individualidade da criança.

Severiano, como vimos no projeto da Aldeia mostrou-se,

mesmo inconscientemente, um adepto dessa corrente pedagógica.

Lembramos, por exemplo, como o arquiteto se opôs à idéia de

espaços mínimos (padrão da Aldeia SOS para as Casas-lar),

aumentando a metragem quadrada dos quartos das crianças,

respeitando a personalidade infantil. É interessante mencionarmos

que a escola México, onde o arquiteto cursou o primário, como

mostramos no Capítulo 1, foi uma das escolas experimentais que

serviu como laboratório do novo método pedagógico implementado na

década de 30 por Anísio Teixeira.

Além de prover o espaço da Aldeia de instalações adequadas ao

ensino, Severiano também valoriza a idéia de um ensino integral, de

um ensino que deve preparar o indivíduo para a realidade da vida,

com experiências que completam a formação do indivíduo (educação

física, artística e fundamental). E, além disso, ele está lidando com

crianças especiais e de origem humilde e é necessário oferecê-las

meios para sobreviver quando se tornarem adultas. Daí, pensar para

197
elas uma educação que as ofereça uma formação prática, como

aquela oferecida através da Casa de Criação e Arte e o Auditório,

programas que o arquiteto acrescenta ao currículo pedagógico da

Aldeia, visando a um só tempo o trabalho, o lazer, a integração à

sociedade e a auto-sustentabilidade do complexo. Enfim, um ambiente

socialmente vivo.

A vida de Severiano foi marcada pelo envolvimento com o

ensino. Ele, como bem sabemos, projetou o Campus Universitário da

Universidade do Amazonas. Projetou também o Colégio e Escola

Normal Santa Dorotéia (1962), em Pouso Alegre, Minas Gerais, as

Escolas Pré-Fabricadas-Escola Rural (1965) e o Centro Educacional

Christus do Amazonas (1969), ambas em Manaus. Em Roraima

projetou a Escola de 1o Grau “31 de março” (1976), o Colégio de 2o

Grau (1974), o Colégio Oswaldo Cruz (1974). Neste processo, teve que

certamente se envolver com as várias idéias sobre Educação. Também

inclui em seu currículo vários projetos de outras entidades educativas

e culturais, como SESCs, SESIs e SENAIs, que são programas

destinados a formação profissional e socialização do trabalhador.

Imaginamos que com a relação estabelecida por Severiano com

os diversos programas educativos, deve ter havido um enriquecimento

mútuo de idéias como aquele que houve entre o arquiteto e a Aldeia.

No Campus da Universidade do Amazonas ele preocupou-se em

criar espaços que proporcionassem a interação entre os estudantes.

Criou grandes áreas comunitárias. Para Severiano, essas áreas são

fundamentais em um espaço educacional. Em suas memórias, ele

constantemente cita sua experiência na Faculdade Nacional de

198
Arquitetura, que como já comentamos, funcionava na antiga Escola

Nacional de Belas Artes. Ali, ele recorda com prazer, como todos

conviviam, todos se conheciam, tinham a chance de “ver e viver”.

Severiano apreciava o caráter flexível do espaço da Faculdade, que

permitia a interação, e por isso proporcionava o aprendizado mais

prazeroso e eficaz. Talvez por isso Severiano tenha sempre enfatizado

as áreas comuns em seus projetos. No nosso estudo de caso, vimos a

importância do grande espaço da Circulação de Palha, o pólo de

convívio da Aldeia.

Severiano não somente projetou espaços educativos como

também atuou nestes espaços. Foi professor da disciplina

“Arquitetura e Urbanismo” da Faculdade de Tecnologia da

Universidade do Amazonas, por quase trinta anos (1972-1999).

Severiano também foi professor dentro de seu próprio escritório.

Podia passar horas explicando como funcionava um detalhe

construtivo. Quase todos os sábados costumava levar os estagiários

para visitarem as obras em andamento. Era a oportunidade de

mostrá-los que era mais fácil projetar se soubessem o que estavam

realizando. Houve ainda uma ocasião em que o arquiteto organizou

uma excursão com seus alunos de engenharia para visitarem diversas

obras de grande porte em andamento no sul do país, pois lá no

Amazonas, naquele momento, não existiam obras semelhantes e

Severiano percebia a falta que esse tipo de experiência fazia nos

alunos. Aqui, mais uma vez, aparece em Severiano a concepção de

experiência, da ação que precede a teoria, coincidindo com as linhas

de pensamento de John Dewey e Anísio Teixeira.

199
É difícil imaginar como um homem com uma vasta produção,

com tantos afazeres, com tantos projetos a serem realizados, com

tanto envolvimento em entidades de classe, ainda tivesse tempo para

ensinar. Severiano abraçou a arquitetura por todos os lados possíveis.

Com sua maneira de fazer e pensar, Severiano nos mostrou que

a arquitetura vai além do meramente construir, para se inserir em um

projeto maior onde edificar é contribuir com a condição de civilidade.

Diante de uma arquitetura contemporânea, em geral, destituída

de conteúdo, onde as formas surgem pela necessidade de novidade, e

sem motivações éticas, a coerência do discurso de Severiano Porto,

demonstrada ao longo da sua trajetória, responde a muitos dos

questionamentos colocados sobre a tarefa da disciplina arquitetônica

no mundo atual, na possibilidade de ser um instrumento

transformador da realidade, devolvendo à arquitetura o seu sentido

humanístico e seu devido valor cultural.

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RELAÇÃO DAS OBRAS

1957 Edifício Saint Malo Rio de Janeiro

1958 Edifício Derby Rio de Janeiro

Edifício Saint Etienne Rio de Janeiro

1962 Edifício Lagoa das Raízes Rio de Janeiro

Colégio Escola Normal Santa Dorotéia Minas Gerais

1963 Papelaria Piril Rio de Janeiro

Residência Comandante Nélio de Lima Rio de Janeiro

1964 Representação do Governo do Estado do Amazonas Rio de Janeiro

1965 Estádio Vivaldo Lima Amazonas

Companhia Amazonense de Telecomunicações Amazonas

Escolas Pré-Fabricadas - Escola Rural – SUPLAN Amazonas

Anexo do Palácio do Rio Negro Amazonas

1966 Residência do Arquiteto na Rua Recife - 1762 Amazonas

1967 Polícia Militar do Estado do Amazonas Amazonas

Parque Dez de Novembro Amazonas

Restaurante Chapéu de Palha Amazonas

Banco Português do Brasil Amazonas

CODEAMA Amazonas

Logel Amazonas

1968 Secretaria de Produção Amazonas

Correio e Telégrafo de Boa Vista Roraima

Colônia Agrícola do Rio Preto Amazonas

Granja de Demonstração da Secretaria de Produção Amazonas

Granja da Polícia Militar do Estado do Amazonas Amazonas

Residência do Dr. Manoel Otávio Amazonas

DRM Amazonas

Hotel Amazonas Amazonas

1969 Associação Japonesa de Manaus Amazonas

Casas de Cultura Amazonas

Centro Educacional Christus do Amazonas Amazonas

Companhia de Petróleo da Amazônia – COPAM Amazonas

Companhia de Finanças da Prefeitura de Manaus Amazonas

Edifício Comercial [Orsine Oliveira] Amazonas

Emantur ( Aeroporto ) Amazonas

Entreposto de Pesca Amazonas

Escola de Serviço Público do Estado do Amazonas Amazonas

211
Estádio Municipal de Itacoatiara Amazonas

Hospital Infantil Casa Dr. Fajardo Amazonas

Indamar Amazonas

Legião Brasileira de Assistência - Posto de Puericultura Amazonas

Legião Brasileira de Assistência - Posto de Saúde Amazonas

Loja Bemol [Benchimol e Irmão] Amazonas

Prefeitura Municipal de Itacoatiara Amazonas

Residência do Sr. Henry Klein Amazonas

Residência do Sr. Felipe Abrahim Amazonas

Residência do Dr. Paulo César Lima Amazonas

Secretaria de Finanças da Prefeitura Municipal de Manaus Amazonas

1970 Centro Municipal de Pesquisas Educacionais – CEMPE Amazonas

Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis Amazonas

Fábrica da Coca-Cola Amazonas

INPA - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Amazonas

Residência Amin Said Amazonas

Residência Sr. Fernando Monteiro Amazonas

SESI São Jorge - Centro Social do Bairro de São Jorge Amazonas

1971 Residência no Jardim Haydéa Amazonas

Residência na Rua Recife 1435 Amazonas

Loja Credilar Teatro Amazonas

Rádio TV do Amazonas LTDA. Amazonas

Projeto Rondon – Sede de Coordenação Regional Amazonas

SUFRAMA
Mercado Terminal de Manaus – Mercado Produtor Amazonas

1972 Associação dos Importadores – Zona Franca de Manaus Amazonas

Casa da Criança Amazonas

Casa do Óleo Amazonas

Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais – CPRM Amazonas

Condomínio Parque Residências Amazonas

Loteamento Ponta Negra Amazonas

COSAMA - Reservatórios Elevados Amazonas

1973 CEASA – Central de Abastecimento S.A. Amazonas

D.E.R. - Posto Policial Rodoviário Amazonas

Residência do Dr. Arnaldo Gomes da Costa Amazonas

Residência do Dr. Heliandro Maia Amazonas

Residência João Bosco Desideri Santoro Amazonas

SENAI Acre - Centro de Treinamento Acre

SENAI Carvalho Leal - Centro de Formação Profissional de Manaus Amazonas

SESI – Amazonas Amazonas

Universidade do Amazonas (1973/1981-1990) Amazonas

1974 Aeroporto Internacional de Manaus – Reforma Amazonas

Banco da Amazônia S.A. Amazonas

Colégio Oswaldo Cruz Roraima

212
Colégio de Segundo Grau Roraima

COMINFRA – Conj. Resid. para Oficiais do Ministério da Aeronáutica Amazonas

Conjunto Administrativo da COSAMA Amazonas

Faculdade de Ciências da Saúde Amazonas

Moto Importadora - Edifício Comercial Amazonas

Petrobrás - Posto de Abastecimento Amazonas

Posto Pedirão Amazonas

Residência do Sr. Orsine Rufino de Oliveira [Parque Amazonas

Residências]
Residência do Sr. Luigy Tiellet da Silva Amazonas

Residência Silvio Duarte da Cunha Soares Amazonas

Residência Tsung Philip Cheng Kung Amazonas

SESI Centro Integrado Amazonas

1975 Círculo Militar Amazonas

Congresso Eucarístico Amazonas

Praça da Bandeira – Prefeitura Municipal de Boa Vista Amazonas

Rádio Difusora de Roraima e Transmissor Roraima

Reservatórios de Caracaraí Roraima

Residência João Augusto Loureiro – Loteamento na Ponta Negra Amazonas

Residência Marlene de Souza Amazonas

Restaurante Thales Loureiro Amazonas

SESI –Santarém Amazonas

Varas Cíveis e Criminais e Juizado de Menores do EAM Amazonas

1976 Artefatos de Madeira Amazonas

Banco da Amazônia – BASA São Paulo Amazonas

Casa Navarro Amazonas

CEFI Amazonas – Centro de Reabilitação e Avaliação Física Amazonas

CEFI - Centro de Educação Física e Desportos do Amazonas – Vila Amazonas


Olímpica
Coencial - Conjunto Residencial Parque Solimões Amazonas

Escola de Primeiro Grau - "31 de Março" [escola modulada] Roraima

Metalúrgica Santo Antônio Amazonas

Palácio da Justiça Roraima

Posto de Atendimento da Empresa Amazonense de Turismo Amazonas

TELAMAZON - Posto Telefônico no Aeroporto Eduardo Gomes Amazonas

1977 Agência do Banco de Roraima Roraima

Associação de Assistência Técnica e Extensão RuraL Roraima

Centro Integrado de Patologia Amazonas

Conjunto Residencial do Bairro de São Vicente Roraima

Conj. Residencial, Centro Comercial e Centro Social Roraima

Eletrofiltros Neo Life da Amazônia Amazonas

Mercado Municipal de Boa Vista Roraima

Rodoviária Internacional de Boa Vista Roraima

Sul América Capitalização Amazonas

TELAMAZON - Prédio de Expansão e Complementação Amazonas

Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Amazonas Amazonas

213
1978 Residência do Dr. Heitor Vieira Dourado Amazonas

Residência do Sr. José Norberto da Silva Venâncio Amazonas

SUFRAMA- Centro de Serviços Rurais do Distrito Agropecuário Amazonas

Ampliação do Centro Social Ceará

Residência do Governador Roraima

Nove Residências para Secretários Roraima

Residência para o Presidente da CAER-Companhia Roraima

Residência para o Presidente da CER - Companhia Roraima

Residência para o Presidente do Banco de Roraima Roraima

Centro Comunitário Integrado de Saúde Amazonas

Residência do Sr. Robert Schuster Amazonas

Residência Paulo Nery Amazonas

Santa Casa de Misericórdia Amazonas

Soresa Estacionamento Amazonas

Clube do Trabalhador e Escola de Música do SESI (1978-1980) Ceará

Residência do Dr. João Luiz Osório Rio de Janeiro

1979 Banco do Estado do Pará Amazonas

Residência do Sr. Eduar Mousse Amazonas

Residência do Sr. Jurandir Gaioto Amazonas

Conjunto de Edificações do Consulado do Japão Amazonas

Pousada de Caça e Pesca (1979-1983) Amazonas

Condomínio Praia da Lua Amazonas

Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais Amazonas

Central Telefônica de Tabatinga Amazonas

Posto Central da Central Telefônica de Benjamim Constant Amazonas

Ambulatórios do IPASEA Amazonas

Bosque Clube Amazonas

Residência do Coronel Fernando Ramos Pereira Amazonas

Conjunto Residencial para Funcionários do BASA Amazonas

Residência do Dr. Ozias dos Santos Santiago Amazonas

1980 Cinema Novo Amazonas

Residência EMBRATEL Amazonas

Faculdade de Ciências Agrárias - Universidade do Amazonas Amazonas

Residência Oficial do Governo do Estado do Amazonas Amazonas

Amazonas Publicidade LTDA., Amazonas Distribuidora Amazonas

LTDA., Rádio TV do Amazonas LTDA.


1981 Bank of London & South America Limited Amazonas

Tribunal de Contas do Estado do Amazonas Amazonas

Residência do Sr. Carlos Souza Amazonas

Grêmio Esportivo TELAMAZON Amazonas

Residência do Sr. Patrick Maurice Maury Amazonas

Residência do Sr. Orsine Oliveira Amazonas

1982 CITIBANK Amazonas

Residência do Sr. Joaquim Margarido Amazonas

Residência do Sr. Alexandre Ale dos Santos Amazonas

Agência da VASP Amazonas

214
Estacionamento Amazonas

Residência do Dr. Ozias dos Santos Santiago Amazonas

Residência no Jardim Primavera Amazonas

Residência no Jardim Primavera Amazonas

Telecomunicações do Mato Grosso S.A. Mato Grosso do Sul

Central Telefônica de Campo Grande Mato Grosso do Sul

Centro de Apoio Operacional da TELAMAZON Amazonas

1983 Gás da Amazônia LTDA. Amazonas

Centrais Telefônicas da TELAMAZON Amazonas

Postos de Serviços da TELAMAZON Amazonas

Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia Rondônia

Centro de Proteção Ambiental de Balbina (1983-1988) Amazonas

Central Telefônica do Interior sem Satélite Roraima

1984 Residência do Dr. Carlos Fabiano Souza Amazonas

Residência do Dr. João Luiz Osório Rio de Janeiro

Residência do Dr. Francisco Anastácio Cantisani de Carvalho Amazonas

Centro de Apoio Operacional da TELEMAT Mato Grosso do Sul

Centro de Apoio Operacional da TELAMAZON Amazonas

Loja "Les Enfants" Amazonas

1985 Centro de Apoio Operacional da TELEMAT Mato Grosso do Sul

Edifício de uso misto (comércio/residência) Amazonas

Central Telefônica com Satélite para a TELAIMA Roraima

Central Telefônica sem Satélite - Amazonas

1986 Central Telefônica Torquato Tapajós Amazonas

1987 Condomínio Mediterrâneo Amazonas

Edifício Aracoara Amazonas

Edifício José Carlos Martins Mestrinho Amazonas

1988 Centrais Telefônicas e Postos de Serviço Padrão Amazonas

Amazonas Flat Service Amazonas

Anaconda Hotel Amazonas

Lojas Populares Amazonas

1989 Residência do Dr. George Anthístines Lins de Albuquerque Amazonas

Residência da Sra. Olinda Carin Antônio- Amazonas

Residência de Juliana Guimarães de Oliveira Amazonas

Residência do Sr. Orsine Rufino de Oliveira Amazonas

Ampliação da Sede da SUFRAMA Amazonas

Vitopan - Loja de Importados Amazonas

SESC Araruama Rio de Janeiro

1990 Caixa Econômica Federal - Agência Aleixo - Amazonas

Caixa Econômica Federal - Agência Cacoal Amazonas

1991 Importadora Oliveira LTDA. - Amazonas

Caixa Econômica Federal Amazonas

1992 Parque Cultura Esporte Lazer Ponta Negra Amazonas

Caixa Econômica Federal Amazonas

Centro Eletrônico LTDA. Amazonas

Oliveira Magazine Amazonas

215
TELAMAZON - Reforma e acréscimo do Posto de Atendimento Amazonas

TELAMAZON - Ilhas para Telefone Público Amazonas

1993 Lord Magazine Amazonas

Aldeias Infantis SOS Brasil - Aldeia SOS do Amazonas Amazonas

1994 TELAMAZON - Projeto de Central Telefônica Amazonas

Magazine Oliveira - Amazonas Shopping Center Amazonas

SENAI - Projeto de arquitetura para ampliação do Setor de Amazonas

Ensino
1995 Estádio Vivaldo Lima - Reestudo do projeto de arquitetura- Amazonas

reforma
Residência do Sr. Fernando Matos de Souza Amazonas

SUFRAMA - Reforma Amazonas

1996 Varas Cíveis e Criminais - Reforma Amazonas

1997 Centro de Cultura, Lazer e Comércio Rio de Janeiro

Residência Juma Participações S.A. Amazonas

Alpes Representações e Comércio LTDA. Amazonas

Empreendimento na Ponta Negra Amazonas

1998 Hotel SESC Baía das Pedras Mato Grosso

2003 Conjunto Comercial com 2 Cinemas- Arraial do Cabo Rio de Janeiro

Residência Mario Nunes de Magalhães Porto Rio de Janeiro

Universidade Federal do Amazonas – Teatro Amazonas

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