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19/09/2022 20:51 :: 310031699294 - eproc - ::

ESTADO DE SANTA CATARINA


PODER JUDICIÁRIO
2ª Vara Cível da Comarca da Capital
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capital.civel2@tjsc.jus.br

PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5041002-49.2020.8.24.0023/SC


AUTOR: KESIA MARTINS DA SILVA
AUTOR: CARLOS MOISES DA SILVA
RÉU: JESSE DE FARIA LOPES

SENTENÇA

Trata-se de Ação Indenizatória movida por KESIA MARTINS DA


SILVA e CARLOS MOISES DA SILVA em desfavor de JESSE DE FARIA
LOPES.

Narraram que o requerido, Deputado Estadual, publicou em seu perfil


pessoal na rede social  Twitter  informações inverídicas e difamatórias a respeito do
autor, Governador do Estado, causando grave dano à  sua intimidade, vida privada,
honra e imagem, bem como à de sua família, especialmente à de sua esposa, também
autora. Tais fatos teriam ocorrido em razão do Tweet indicando que a Secretária da
Casa Civil estaria grávida do autor, e que a publicação ganhou grande repercussão
em grupos de WhatsApp, sites, blogs e perfis em redes sociais, os quais deram
ensejo a inúmeros comentários difamatórios, que potencializaram o dano dos
autores. Assim, buscam a indenização por danos morais em R$ 100.000,00 (cem mil
reais) ao autor Carlos e R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para a requerente Kesia
(evento 1, DOC1).

O  despacho inicial recebeu a petição e determinou a citação do


requerido Jessé.

Em contestação, o demandado sustentou que o jornalista Cacau


Menezes publicou uma nota em um canal de notícias com a menção de que um
político estaria envolvido em processo de reconhecimento de paternidade. Com base
na nota, iniciaram-se as especulações, compartilhamentos de fotos, áudios e versões
sobre os fatos pela internet. Após receber a informação, em grupos de Whatsapp, de
que o político em questão seria o autor, publicou na rede social que poderia ser o
atual Governador. Ao perceber que a postagem poderia ser mal interpretada, efetuou
uma segunda publicação esclarecendo  que se baseou  na nota do jornalista Cacau
Menezes e em versões que circulavam pelas redes sociais. Mencionou, também, que
a publicação foi uma mera analogia ao caso dos respiradores e que logo em seguida
promoveu a retirada do post do ar. No dia seguinte, ao perceber que a analogia não
havia sido compreendida por boa parte das pessoas, publicou vídeo em suas redes

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sociais, esclarecendo o objetivo da publicação. Sustentou que a situação não abalou a
credibilidade, honra e imagem dos autores, que já estavam abaladas desde o início
do mandato e por existir muitos outros posts com conteúdo similar nas redes sociais.
Argumentou que devem ser observadas as prerrogativas parlamentares de imunidade
e requereu a improcedência dos pedidos. Alternativamente, pleiteou o arbitramento
dos danos morais em valor inferior ao requerido na inicial.

Houve réplica.

Intimados a indicar  as provas que pretendiam  produzir (evento 18,


DOC1), os autores requereram o julgamento antecipado do mérito (evento 25,
DOC1), enquanto a parte requerida pleiteou a oitiva dos envolvidos e a produção de
prova testemunhal, sem qualificar a testemunha, ao argumento de temor de retaliação
e perseguição política (evento 26, DOC1).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

Decido.

O feito comporta julgamento antecipado, nos moldes do art. 355, I, do


Código de Processo Civil, uma vez que a prova documental acostada aos autos é
suficiente ao deslinde da causa, prescindindo da produção de outras provas.

Neste sentido, entendo desnecessária a produção da prova oral


pretendida pela parte demandada, uma vez que a documentação existente é suficiente
para conclusão deste Juízo.

A controvérsia da lide cinge-se a verificar se a publicação realizada


pelo Deputado ofendeu a honra e imagem dos requerentes, uma vez que o post em si
trata de conteúdo incontroverso.

Pois bem.

A publicação discutida nos autos, realizada pelo requerido, menciona: 

"Secretária da Casa Civil aparece grávida e Douglas Borba assume a


paternidade. Douglas é demitido e agora a secretária diz que o filho é do
Governador Moisés e que o teste de DNA deverá ser feito. Parece que o bombeiro
andou apagando fogo fora da Agronômica".

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Importa consignar que a fala não está abrangida pela imunidade
parlamentar defendida pelo requerido, tendo em vista que ocorreu fora do ambiente
político e não ter sido realizada no exercícío da função, consoante entendimento
consolidado do STF. 

A publicação na rede social em nada se relaciona com a função


parlamentar exercida pelo Deputado, mormente quando se propôs a tecer
comentários desairosos sobre a vida particular do autor e, por consequência, de sua
mulher, na medida em que o caso envolveria suposta traição conjugal. Nesse mesmo
sentido  entendeu o Ministério Público em seu parecer na Ação Penal, que versa
sobre os mesmos fatos (evento 17, DOC2). Ou seja, não diz respeito à atividade
parlamentar.

Também afasto a tese defensiva de que ocorreu no contexto da


polêmica dos respiradores e demais escândalos políticos enfrentados pelo autor, já
que a publicação em nada menciona aqueles fatos, mas sim a  vida particular da
Secretária da Casa Civil e do Governador. 

Nesse contexto, analisando o Tweet supracitado, depreende-se que o


requerido realizou comentário acerca de boatos pré-existentes, mas em tom de piada
difamatória.  Ainda que as duas primeiras frases se limitem a repassar as notícias
veiculadas por terceiros nas mídias, a última frase do post aborda, à evidência, a vida
privada do político, em tom pejorativo, desrespeitoso, com o intuito de causar
desgaste à sua imagem, à custa, como sói ocorrer, da aflição e moral alheias.

A frase em destaque é: "Parece que o bombeiro andou apagando fogo


fora da Agronômica".  A referência à função anteriormente exercida pelo autor
(bombeiro), à sua vida conjugal (reside com sua mulher no Palácio da Agronômica)
e, ainda, ao suposto caso de infidelidade envolvendo a Secretária da Casa Civil
é  flagrante. Por mais que se queira dar-lhe outra conotação, é indissociável do
contexto mencionado, ou seja, da vida privada, de sua relação conjugal e de uma
suposta traição.  

Inegável, portanto, a ofensa à honra e à dignidade do autor, Governador


do Estado, ao ser tratado (e assim é a intenação do post) como marido supostamente
infiel. O comentário do requerido (Deputado Estadual) é especulativo e depreciativo,
tendo sido publicado por pessoa pública com grande inserção no seio da sociedade
catarinense em rede social de larga utilização. O pouco tempo em que ficou no ar
não é suficiente para excluir o ilícito civil; as repercussões foram intensas.

Em que pese defenda que a credibilidade do requerente já estava


abalada, a fim de justificar a inexistência de dano, entendo que a manifestação
extrapolou os limites da função pública do autor ao atacar sua vida particular, que em
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nada se relaciona com os escândalos da vida profissional do requerente existentes à
época. Até porque o mencionados impeachment, CPI, etc,  limitaram-se a apurar
fatos relativos ao exercícío do cargo, de modo que não convergem com a intimidade
de sua família, alvo da publicação.

Destarte, entendo existente o abalo anímico decorrente da publicação,


que, como visto, viralizou em grupos de mensagens e redes sociais (tendo
informado o requerido que, por este motivo, retirou do ar a postagem). 

Em caso análogo já entendeu neste mesmo sentido  o eg. Tribunal de


Justiça de Santa Catarina, veja-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL. OFENSAS PROFERIDAS CONTRA


OCUPANTE DE CARGO POLÍTICO. INJÚRIA. UTILIZAÇÃO DE
PALAVRAS OFENSIVAS E MISÓGINAS QUE SERVIRAM APENAS PARA
DENEGRIR A IMAGEM DA PESSOA DA AUTORA, E NÃO PARA
PROMOVER DEBATE PÚBLICO RELATIVO À LUTA POLÍTICA. ATO
ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL PRESENTE. QUANTIA, NO
ENTANTO, QUE DEVE SER PROPORCIONAL AO ALCANCE DA OFENSA
E ÀS CONDIÇÕES FINANCEIRAS DOS ENVOLVIDOS. REDUÇÃO PARA
R$ 5.000,00 QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJSC,
Apelação Cível n. 0303807-89.2015.8.24.0064, de São José, rel. Maria do
Rocio Luz Santa Ritta, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 06-10-2020).

Ainda que o homem público esteja sujeito às críticas e comentários em


razão da função que exerce, o caso em voga claramente extrapola a crítica de cunho
político ou ideológico a que se submete o autor diariamente.

No caso da autora Kesia o dano moral pretendido em ricochete possui


guarida jurisprudencial, conforme segue:

Conquanto a legitimidade para pleitear a reparação por danos morais seja, em


princípio, do próprio ofendido, titular do bem jurídico tutelado diretamente atingido
(CC/2002, art. 12; CC/1916, arts. 75 e 76), tanto a doutrina como a jurisprudência
têm admitido, em certas situações, como colegitimadas também aquelas pessoas
que, sendo muito próximas afetivamente ao ofendido, se sintam atingidas pelo
evento danoso, reconhecendo-se, em tais casos, o chamado dano moral reflexo ou
em ricochete." (REsp 1.119.632/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma,
julgado em 15/8/2017, DJe 12/9/2017)

Em análise ao conteúdo da publicação  discutida nos autos, não há


dúvida que ela atinge indiretamente a requerente, uma vez que ficou exposta à
sociedade como eventualmente traída pelo marido, do que decorre evidente prejuízo
à sua imagem e honra. 

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Diga-se, aliás, que poucas são as pechas mais jocosas no imaginário
popular do que a fama de  pessoa traída. (E a  sociedade parece julgar mais
impiedosamente a suposta vítima do que o suposto traidor). 

Neste ponto, inclusive, resta ainda mais evidente o abalo em razão de


não estar, a autora, sujeita à vida pública e política como é a de seu marido, de modo
que a lesão ao seu direito da personalidade é ainda mais gravosa.

Na fixação do  quantum,  levo em consideração a  necessidade de


compensação dos prejuízos causados e a capacidade financeira do requerido. Nessa
linha, fixo a indenização por danos morais no montante de R$ 8.000,00 (oito mil
reais) ao requerente Carlos e R$ 10.000,00 (dez  mil reais) para a autora Kesia.
Ambos os valores devem ser acrescidos de correção monetária, pelo INPC, a partir
do arbitramento, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento
danoso.

Saliento que a procedência do pedido de indenização por danos morais


em valor inferior ao requerido não enseja sucumbência recíproca, à luz do
entendimento jurisprudencial adotado.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por


KESIA MARTINS DA SILVA e CARLOS MOISES DA SILVA em desfavor de
JESSE DE FARIA LOPES, extinguindo o feito com resolução do mérito, na forma
do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar o requerido ao pagamento
de indenização por danos morais em R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) aos autores, na
forma supra dividida e com os acréscimos conforme a fundamentação. 

Condeno a parte requerida ao pagamento das despesas processuais e


honorários advocatícios, estes que arbitro em 20% (vinte por cento) sobre o valor da
condenação, na forma do art. 85, § 2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. 

Transitada em julgado, observadas as custas e nada requerido,


arquivem-se. 

Documento eletrônico assinado por FERNANDO DE CASTRO FARIA, Juiz de Direito, na forma do artigo
1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está
disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?
acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador
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Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): FERNANDO DE CASTRO FARIA

Data e Hora: 19/9/2022, às 18:33:0

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