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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

MYLENA PEREIRA DA SILVA

A DINÂMICA SOCIAL DE RESGATE DOS CATIVOS NA REGÊNCIA


OTOMANA DE ARGEL DO SÉCULO XVIII: PROCISSÃO DE RETORNO,
REINTEGRAÇÃO E IMPACTO POLÍTICO-CULTURAL NA ÉPOCA
MODERNA.

Rio de Janeiro
2019
MYLENA PEREIRA DA SILVA

A DINÂMICA SOCIAL DE RESGATE DOS CATIVOS NA REGÊNCIA


OTOMANA DE ARGEL DO SÉCULO XVIII: PROCISSÃO DE RETORNO,
REINTEGRAÇÃO E IMPACTO POLÍTICO-CULTURAL NA ÉPOCA
MODERNA.

Projeto de pesquisa apresentado


à Banca de Seleção de Mestrado
do Instituto de História do
Programa de Pós-graduação em
História Social para habilitação
na Universidade Federal do Rio
de Janeiro.

Grande Área: Ciências Humanas


Área: História Moderna

Rio de Janeiro
2019
SUMÁRIO

1. RESUMO ...................................................................................4
2. INTRODUÇÃO .........................................................................5
2.1 Delimitação do Tema ........................................................... 5
2.2 Discussão Bibliográfica ....................................................... 6
3. OBJETIVOS .............................................................................9
3.1 Objetivo Geral ......................................................................9
3.2 Objetivos Específicos ...........................................................9
4. QUADRO TEÓRICO .............................................................10
4.1 Perspectivas Teóricas ..........................................................10
5. HIPÓTESE ..............................................................................11
6. FONTES E METODOLOGIA ..............................................11
7. BIBLIOGRAFIA ....................................................................14
7.1 Fontes Primárias .................................................................14
7.2 Fontes Secundárias .............................................................14
1. RESUMO

O interesse pelo estudo do objeto desse projeto e pela temática moura teve início
após orientações monográficas e leitura de livros sobre historiografia do norte do
continente africano, permanência moura na Europa através dos séculos e as relações com
a cristandade europeia à partir da expansão do islamismo, um dos grandes protagonistas,
numa Europa marcada por conflitos políticos e religiosos durante a época moderna.
Após a delimitação do tema sobre os processos de retorno à Europa atrelado ao
caráter político cultural de demonização do Islão, a busca por novas obras, e a releitura
de outras já conhecidas ao longo da graduação, foi estimulante na decisão de estudar os
desdobramentos e as causas da problemática abordada por este projeto, bem como as
relações existentes entre os grupos que não se encaixavam na aceitabilidade do homem
branco, católico e europeu.
Outro ponto essencial na abordagem político cultural do projeto foi a presença
plural de outras religiões, também amplamente perseguidas ao longo dos séculos por
instituições religiosas, determinantes para os desdobramentos diplomáticos na dinâmica
magrebina mediterrânica durante o período delimitado. Tais movimentações marítimas
despertavam grande interesse comercial nas potências magrebinas cuja atividade corsária
figurava como principal atividade, como no caso da Regência de Argel.
É igualmente importante ressaltar que as inúmeras perseguições àqueles, que de
alguma forma, não se encaixavam nos parâmetros construídos socialmente teve grande
espaço no Brasil, vide o passado escravocrata do país. De maneira geral, aquilo que não
podia ser bem compreendido era encarado como inimigo latente, contudo, esses grupos
vistos como inferiores não estavam passivos às vontades europeias, eram sujeitos ativos
nessa interação, muitas vezes violenta, e igualmente perigosos em suas mais diversas
estratégias.
Portanto, as muitas facetas dessas interações, de caráter nem sempre tão
diplomático, resgatam uma riqueza de detalhes e nuances a respeito do período. E a falta
de claridade a respeito dentro da historiografia nacional desperta certo incômodo pessoal
frente à vasta disponibilidade de crônicas, documentos oficiais, diários pessoais, cartas
suplicantes e jornais publicados séculos atrás sobre o cativeiro cristão em terras
estrangeiras e seu custoso retorno à cristandade natal.

4
2. INTRODUÇÃO

2.1 Delimitação do Tema

O objetivo deste projeto de pesquisa, assim como seu conteúdo, recai na


problemática da existência de cativos europeus na Regência Otomana de Argel, mais
precisamente ao longo da segunda metade do século XVIII, bem como a dinâmica cujas
potências europeias do período estavam inseridas desde sua relação com a demonização
do Islão até a reintegração desses aprisionados em retorno ao seu continente de origem.
Com o objetivo de resgate, através de um discurso econômico e cultural, permeado de
ideias políticas, muitos foram os atritos encontrados por Estados de Portugal e França,
por exemplo, na obtenção de acordos, tratados de paz e outros assuntos de caráter
diplomático com a elite da Regência de Argel e seus governantes.
Entretanto, recorrendo a apropriados resgates contextuais de décadas anteriores e
ao longo dos estudos acerca do tema aqui abordado, ficaram evidentes as discrepâncias
encontradas a respeito dos processos de resgate, cujas ordens religiosas de Trinitários e
Mercedários estavam envolvidas em diversos aspectos, nos reinos de França e Portugal
nas décadas de setenta, oitenta e noventa do século XVIII.
As polêmicas que se somavam ao retorno, celebrado publicamente, desses
homens e mulheres do território “barbaresco” e sua reintegração social nos anos
consecutivos revelam a importância de políticas cotidianas, sejam elas religiosas ou não,
para acolher, punir e estabelecer aqueles que permaneceram sob domínio islâmico
durantes meses ou até mesmo anos nas mais variadas condições de subsistência, de acordo
com sua origem social, função desempenhada e gênero.
Esses cristãos cativos que, por etapas longas e economicamente dispendiosas nas
viagens, regressam de território herético, cuja inferioridade de sua sociedade não se tinha
dúvida, seja pela prática não-cristã ou por práticas sociais muito distintas, estiveram
suscetíveis às mais diversas tentações dos ditos agentes de satã numa terra estrangeira
cuja língua árabe falada figurava também outro grande obstáculo.
As fontes utilizadas para o estudo do tema trazem um amplo panorama dessa
realidade relacional cristã-moura, as trocas mútuas ocorridas ao longo dos anos de
cativeiro, o processo de chegada desses resgatados à Europa, bem como as consequências
desse encontros para o complexo contexto mediterrânico. Contexto esse que estava muito
distante da pacificidade almejada por alguns reinos com as potências muçulmanas

5
magrebinas devidas as mais variadas nuances, cujo valor historiográfico devido muitas
vezes lhes é negado.
Portanto, o objetivo deste projeto de pesquisa, assim como seu conteúdo, se vale
das sensibilidades dessa árida problemática inserida ao longo do século XVIII, porém,
mais foca em sua segunda metade, a fim de trazer claridade sobre os aspectos já citados
nesta parte introdutória da pesquisa. Aspectos esses que recaem, acima de tudo, na análise
da legitimidade das relações entre Estado e sociedade dentro do conceito de cultura
política e sua relação com a demonização o Islão, perante o espetáculo das procissões
organizadas, pelas ordens religiosas aqui pontuadas, de acolhimento das centenas de
cativos advindos da Regência de Argel, em diferentes cidades francesas e ibéricas.

2.2 Discussão Bibliográfica

A fim de melhor compreender a trajetória da cultura política como categoria


analítica na história, conceito que permeia a análise da relação entre Estado, sociedade e
cultura frente às relações dos Estados europeus com a regência islâmica de Argel, é
essencial voltar o olhar historiográfico para o século XIX e depois para a década de 1970
onde os historiadores ligados à Escola dos Annales começaram a dar forma histórica ao
conceito.
Segundo Rodrigo Motta1, as origens do conceito de cultura política
remontam às ideias do francês Alexis de Tocqueville e só veio ter caráter acadêmico em
meados do século XX em meio aos debates norte-americanos de obras como as de Gabriel
Almond e Sidney Verba, em A cultura cívica, de 1963 são abordados no estudo de
Norberto Bobbio2. O termo “cultura política”, em sua primazia, foi desenvolvido pelas
Ciências Sociais dos Estado Unidos com o objetivo de lançar um olhar analítico sobre a
legitimidade das relações entre o Estado e a sociedade.
Contudo, os historiadores adaptaram tal conceito no processo de renovação da
História política positivista, amplamente criticada até finais do século XX por sua

1
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela
historiografia. In: ______ (Org.). Culturas Políticas na História: novos estudos. Belo de Horizonte, MG:
Argvmentvm, 2009.
2
BOBBIO, Norberto et.al. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.

6
preferência de abordagem sobre o Estado e as classes dominantes, numa visão que os
apresentava como protagonistas e agentes civilizadores do desenvolvimento histórico.
Partindo de uma concepção narrativa estatista de poder, esse tipo de historiografia
estava presa ao tempo da curta duração ao tratar de acontecimentos muito particulares,
elitistas e não-reproduzidos, não podendo assim, ser ciência. Entretanto, mesmo com a
crítica dos fundadores da revista, Lucien Febvre e Marc Bloch, a respeito da valorização
política sobre os outros aspectos igualmente importantes, à partir da década de 1970, a
terceira geração dos Annales (1968-1989) buscou superar a concepção tradicionalmente
criticada pelas gerações anteriores e demonstrar o caráter científico da história política
como as outras linhas de estudo.
Superar a abordagem narrativa da concepção institucional de poder foi um desafio
fulcral que esses historiadores assumiram ao tentar assimilar à noção de uma pluralidade
de tempos e seus ritmos de duração característicos da geração braudeliana. Esse
movimento renovador na incorporação do paradigma culturalista teve com um dos
objetivos principais a afirmação da abordagem das massas como ponto central e
transformar em estudo da participação e impacto na vida política.
Desse modo, o novo conceito de cultura política foi essencial para o movimento
historiográfico explicitado, visto que a noção do fenômeno designa um conjunto de
comportamentos e valores das mais amplas égides de uma dita sociedade diante do seu
Estado. O político passou a ter um caráter esta institucional e se tornou receptivo ao
estudo das massas, dos comportamentos, dos padrões culturais, das mentalidades, do
imaginários, da participação popular e também do poder, claramente.
“Ater-se ao estudo do Estado como se ele encontrasse em si mesmo o seu
princípio e sua razão de ser é portanto deter-se na aparência das coisa”, segundo Rémond
(2003, p.20). Essa virada foi fundamental para que hoje seja possível associar questões
culturais ao político sem uma noção segregadamente elitista. Foi a partir dessa
reformulação historiográfica que estudar a dinâmica entre Estado, sociedade e as práticas
católicas e islâmicas no século XVIII se tornou possível. Assim, o foco principal dessa
Nova História Política torna-se os indivíduos e suas formas reais de pensar e agir.
Ainda segundo Rèmond (2003, p. 34-35), “[...] a noção de cultura política...
implica continuidade na longuíssima duração”, assim, fica claro que tal conceito recupera
a história política, antes criticada, e associa à teoria e ao método desenvolvido pelos
Annales, dando devida atenção à atuação de Fernand Braudel, esses fenômenos da cultura
política só poderiam ser compreendidos numa perspectiva de longuíssima duração.

7
Fazendo resgate à outro célebre historiador, Peter Burke3, afirma que essa
redefinição na historiografia se deu num viés antropológico do saber, onde os
historiadores do político descobrem a cultura. Se trata, acima de tudo, de buscar relações
com a cultura para uma história política renovada nas relações entre essas duas categorias,
anteriormente tão antagônicas. A cultura política veio como instrumento de unificação
historiografia nesse contexto ao suprir a lacunas que desde o século XIX estavam latentes
no fazer histórico e posteriormente no ofício do historiador. O autor ainda afirma que esse
novo conceito seria quase um sinônimo ao das mentalidade pois em muito se assemelham
na estrutura interna, sua diferença maior se dá, porém, na função desempenhada dentro
da teoria com que se relacionam.
Sendo assim, o conceito de cultura política pode ser caracterizado como central
da Nova História Política onde o tempo longo é determinante no estudo do
comportamento das massas, na relação entre seus atores desde os mais baixos segmentos
e no jogo político perante o Estado.
Contudo, há outras nuances que perpassam o assunto aqui trabalhado. Serge
Berstein4 ressalta que o conceito de cultura política, ao passar pelos filtros da
historiografia, foi modificado pela crítica em comparação à sua origem das ciências
sociais. Segundo o autor, no interior da historiografia, a cultura política de um povo não
é mais analisada a partir de sua afinidade ou não com a democracia e nem em relação ao
desenvolvimento econômico, como estava caracterizado na obra Almond e Verba. O que
houve foi uma significação muito mais familiar ao conceito das mentalidades,
característica inegável da Nova História.
Mesmo com todas essas abordagens aqui explicitadas de forma breve, o conceito
de cultura política não esteve livre de críticas dirigidas. Ronaldo Vainfas 5, ressalta que a
autonomia das mentalidades frente às outras instâncias teve uma redução ao âmbito
econômico-social e carente de uma maior vinculação histórica. Ele também elucida que
há um grande risco de engessar a história ao associar o cultural à longa duração fazendo

3
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia. Editora
Unesp: São Paulo, 1997.
4
BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, J.P.; SIRINELLI, J.F. (Dir.). Para
uma História cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 349-363.
5
VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; ______ (Org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio
de Janeiro: Campus, 1997. p. 127-162.

8
das mudanças menos perceptíveis. Tais críticas foram direcionadas à Nova História e
consequentemente atingiram ao conceito de cultura política quanto à sua rigidez.
Historiadores como Serge Berstein, aqui já mencionado, e Sirinelli6 ressaltam,
também as diferenças existentes ao abordarem a pluralidade de culturas políticas que
disputam espaço num mesmo âmbito nacional, podendo existirem em raízes diferentes da
histórica, que influenciam de maneira diversa a formação do indivíduo, diferente de uma
suposta mentalidade homogênea e geral de toda uma sociedade, como discorrem alguns
historiadores da Nova História.
Portanto, a cultura política, dentre suas várias sensibilidades, resulta da ação
permanente e cotidiana de diferentes organizações sociais. Visando reafirmar um
determinado conjunto de valores e concepções, que são perceptíveis, quando na temática
deste projeto, estigmatizam aquilo que não é bem compreendido deixando marcas e
impressões através das fontes utilizadas na dinâmica do Estado, sociedade, cultura
europeia em relação ao Islão em sua alteridade.

3. OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

A proposta central presente na pesquisa é de analisar, por meio das fontes


encontradas de autorias, gêneros e segmentos sociais com objetivos diferentes o processo
cultural cuja religião católica acolhia os cativos da Regência de Argel. O seu retorno à
Europa, também é igualmente importante, com respaldo para os debates acerca da
demonização do outro, o Islão, e as dinâmicas culturais que justificavam os discursos
diplomáticos e religiosos.

3.2 Objetivos Específicos

1. Discutir sobre o papel atribuído às ordens Trinitárias e Mercedárias,


comparativamente, no resgate dos cativos nos banhos magrebinos da Regência
de Argel e as investidas católicas a respeito.

6
SIRINELLI, Jean-François. Génération intellectuelle, op. Cit., O repúdio do idealismo republicano está
descrito in Jean Luchaire, Une génération réaliste, Paris. Valois, 1928.

9
2. Identificar, de forma comparada, o processo de procissão celebrada e
organizada na Europa por tais ordens religiosas, assim como as diferentes
interpretações sobre sua validade na França e em Portugal, sobretudo.

4. QUADRO TEÓRICO

4.1 Perspectivas Teóricas

Ao tratar das conjecturas diplomáticas cujo contexto religioso perpassa e no que


tange ao debate do período a respeito das rupturas e continuidades percebidas, não se
pode deixar de resgatar àqueles do Annales que propuseram novas questões à chamada
História Tradicional. Um dos grandes ganhos historiográficos do século XX foi a prática
de diferenciação na compreensão do conhecimento histórico por vestígios que vão muito
além do uso da fontes, “[...]tudo o que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo
que toca pode e deve informar sobre ele” (BLOCH, 2001).
Entretanto a questão da alteridade volta-se para a observação do contato cultural
e político entre Estado, valores e parâmetros inteiramente diferentes cujos conflitos
consequentes se desenvolveram sob diferentes perspectivas na Europa cristã entre si e na
regência islâmica.
A relação com o “outro” é marcada pelo medo do que não é bem compreendido,
fazendo clara alusão à Delumeau7, e pela distinção clara existente em culturas políticas
de lógica social própria. O contraste político-cultural que permeou as relações
diplomáticas e religiosas entre a Europa e a Regência de Argel, de certa forma, acaba
fortalecendo a noção das diferenças interpretativas perante os desdobramentos de resgate
e chegada dos feitos cativos. Essas realidades distintas, porém, através do séculos, em
contato e mutuamente influentes, são um espelho que reflete e destaca as sensibilidades,
diferenças e semelhanças perante ao outro.

7
DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente: 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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5. HIPÓTESE

Esta parte do projeto recai na perspectiva estabelecida pela visão cultural a


respeito da representação do outro, enquanto indivíduo ativo dentro de sua religião. A
hipótese se constrói acerca do dissenso interpretativo atribuído a um mesmo evento em
localidades diferentes mas em períodos muito próximo, se comparada à longa duração. A
procissão dos cativos vindos dos banhos magrebinos, sobretudo dos banhos argelinos,
possui diferentes nuances acerca de sua validação, eficácia e até mesmo necessidade, já
que as ordens religiosas que organizavam esses eventos públicos, eram vistas e descritas
pelas fontes encontradas de maneira muito contrastante e singular.
Para a realização desta pesquisa, é fundamental interrogar essas fontes de forma a
extrair pontos que não se encontram tão evidentes e o que levou a perceber a
problematização. A construção de diferentes discursos acerca do que é relatado dentro
das fontes variam, sobretudo, dependendo da função social ocupada, gênero e pelo
objetivo do tipo de material publicado sobre o contexto aqui, introdutoriamente,
apresentado. Tais sensíveis diferenças geraram, o que Marc Bloch8 inaugura como
“história como problema” cuja curiosidade serve como motor inicial na delimitação de
uma causa científica.

6. FONTES E METODOLOGIA

“[...] toda história é filha de seu tempo e de suas circunstâncias, e dado que o
historiador também tem um compromisso específico com sua sociedade e sua
época, toda história refletirá necessariamente as escolhas e pontos de vista do
próprio historiador que se projetam inclusive na seleção dos fatos a serem
investigados e no modo de organizá-los, classificá-los, interpretá-los e arranjá-
los dentro de um paradigma que lhes atribua significação e sentido próprios.
Dado que não existe nem pode existir uma história atemporal, eterna,
‘ahistórica’” ... (AGUIRRE ROJAS, 2007, p. 30-31).

Ao longo do século XVIII alguns protagonistas anônimos, e outros de


representatividade mais aparente, exprimiram seus pensamentos e impressões em
escritos, que por muitas décadas e até mesmo séculos permaneceram na obscuridade do

8
BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: ed. Zahar, 2001.

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desconhecimento. Esses documentos remontam às épocas vividas ou o olhar lançado
sobre décadas anteriores com o objetivo de pontuar, na longa duração, um movimento
que embora localizado no espaço e no tempo afetou estruturas muito mais globais e de
complexidade latente dentro das relações internacionais. Aglutinando cultura e política,
serão mobilizadas para o presente trabalho de projeto diferentes fontes textuais impressas
de caráter religioso, político e social, em quase sua totalidade, cuja autoria das
personagens é pouco conhecida majoritariamente.
Diários pessoais, jornais publicados e tratados político-diplomáticos oficiais serão
analisados dentro da perspectiva da Nova História Política sob o conceito de Cultura
Política e suas relações com a questão da alteridade perante o “outro” de forma que se
possa alcançar a percepção do contexto total, mas sem deixar de manter as singularidades
dessas dinâmicas mediterrânicas que acabaram por colocar em conflito, dissidência e em
alguns acordos, Estados com trajetórias, valores e sociedades muito distintas. Os impactos
dessas transações também serão pontuados visto que as diferentes interpretações sobre a
questão magrebina na recuperação dos cativos europeus criou discursos legitimadores e
de valorização religiosa mas também tortos olhares em seu continente de origem.
Considerando a tipologia das fontes que serão utilizadas, é possível dividi-las em
algumas categorias. Sendo assim:

1. Os relatos feitos pelo frei João de Sousa presentes na missão diplomática de


Portugal a Argel (1786-1787) para negociação de tratado de paz e comércio,
cujo embaixador era Jacques Philippe de Landerset. Esses relatos estão
disponíveis e impressos no livro Missões Diplomáticas entre Portugal e o
Magrebe no Século XVIII – Os Relatos de Frei João de Sousa, de Isabel M.
R. Mendes Drumond Braga.
2. O diário de Anna Francesca Cradock publicado posteriormente por O.
Delphin-Balleyguier como Journal de Madame Cradock: Voyage en France
(1783-1786). A fonte aborda sobre costumes, procissões, feiras e festas, e
dentre as descrições feitas está a abordagem de uma de uma procissão de
cativos vindos do Magrebe que teve lugar em Paris na data de 18 de Outubro
de 1785.
3. O Journal de rachat des captifs d’Alger et Tunis en 1779, de Vincent de
Caraffa, encontrado no Boletim da Sociedade de Ciências Históricas e
Naturais da Córsega, 1886. A fonte relata a procissão realizada em Marselha

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para recepcionar os cativos do norte da África no reino francês montada pelos
trinitários e mercedários franceses.
4. O livro Histoire du Royaume d’Alger: avec l’Etat présent de son
Gouvernement, de ses Forces de Terre & de Mer, de ses Revenus, Police,
Justice Politique & Commerce, de Jacques Philippe Laugier de Tassy, antigo
chanceler do Consulado de França na regência argelina na segunda década de
Setecentos, entre 1717 e 1718 e Comissário da Marinha em Amsterdã em
1725, ano em que o livro foi publicado. Ele aborda sobre a organização do
poder, da milícia turca, raça, escravidão cristã em Argel, redenção e moral.
As cartas compiladas em Voyages dans les régences de Tunis et d’Alger, de
Jean-André Peyssonnel são datadas de 1724 e 1725, onde ele aborda a
realidade magrebina e procissões de cativos promovidos pelos redentores
franceses, bem como as descobertas sobre biologia e história natural ao visitar
Túnis e Argel.

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7. BIBLIOGRAFIA

a. Fontes Primárias

BRAGA, Isabel M. R. M. D. Missões Diplomáticas entre Portugal e o Magrebe no Século


XVIII. Relatos do Frei João de Sousa. Lisboa: Centro de Estudos Históricos da
Universidade Nova de Lisboa / Artes e Letras, Livreiro Antiquário, 2008.
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CRADOCK, Anna F. Journal de Madame Cradock. Voyage en France, 1783-1786,
traduzido do manuscrito original e inédito por O. Delphin-Balleyguier. Paris, 1896.
DE TASSY, Laugier. Histoire du Royaume d’Alger: avec l’Etat présent de son
Gouvernement, de ses Forces de Terre & de Mer, de ses Revenus. França: Wentworth
Press, 2018.
PEYSSONNEL, Jean-André. Voyages dans les régences de Tunis et d’Alger. Paris:
Librairie de Gide, 1838.

b. Fontes Secundárias

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1830). O Islão, o corso e a geoestratégia no ocidente do Mediterrâneo, Tese de
Doutoramento em História dos Descobrimentos e da Expansão. Universidade de
Lisboa/Faculdade de Letras, 2016.
AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. Antimanual do mau historiador. Tradução de
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