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Exemplos de poesias com características vanguardistas

· Leia um texto cubista:


     
Poema de Sete Faces
 Carlos Drummond de Andrade
     
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
     
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
     
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
     
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
     
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
     
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
     
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
     
Gauche: termo francês, quer dizer torto, desajeitado

· Leia um texto expressionista:

A noite
Augusto dos Anjos

A nebulosidade ameaçadora
Tolda o éter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios

1
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.

A água transubstancia-se. A onda estoura


Na negridão do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.

A custódia do anímico registro


A planetária escuridão se anexa...
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,

Ficam brilhando com fulgor sinistro


Dentro da treva omnímoda e complexa
Os olhos fundos dos que estão com medo!

· Leia um texto dadaísta:


Outras palavras
Caetano Veloso
     
Nada dessa cica de palavra triste em mim na boca
Travo, trava mãe e papai, alma buena, dicha louca
Neca desse sono de nunca jamais nem never more
Sim, dizer que sim pra Cilu, pra Dedé, pra Dadi e Dó
Crista do desejo o destino deslinda-se em beleza:
Outras palavras
Tudo seu azul, tudo céu, tudo azul e furta-cor
Tudo meu amor, tudo mel, tudo amor e ouro e sol
Na televisão, na palavra, no átimo, no chão
Quero essa mulher solamente pra mim, mais, muito mais
Rima, pra que faz tanto, mas tudo dor, amor e gozo:
Outras palavras
Nem vem que não tem, vem que tem coração, tamanho trem
Como na palavra, palavra, a palavra estou em mim
E fora de mim
Quando você parece que não dá
Você diz que diz em silêncio o que eu não desejo ouvir
Tem me feito muito infeliz mas agora minha filha:
Outras palavras
Quase João, Gil, Ben, muito bem mas barroco como eu
Cérebro, máquina, palavras, sentidos, corações
Hiperestesia, Buarque, voilá, tu sais de cor
Tinjo-me romântico mas sou vadio computador
Só que sofri tanto que grita porém daqui pra a frente:
Outras palavras
Parafins gatins alphaluz sexohnei la guerrapaz
Ourake palávora driz okê Cris expacial
Projeitinho imanso ciumortevida vidavid
Lambetelho frúturo orgasmaravalha-me Logun
Homenina nel parais de felicidadania:
Outras palavras

· Leia um texto surrealista:

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As realidades
Louis Aragon
(Tradução de Roberto Schmitt-Prym)

Era uma vez uma realidade


com as suas ovelhas de lã real
a filha do rei passou por ali
E as ovelhas baliam que linda ela está
a re a re a realidade
Na noite era uma vez
Uma realidade que sofria de insônia
Então chegava a madrinha fada
e realmente levava-a pela mão
a re a re a realidade

No trono havia uma vez


um velho rei que se aborrecia
e pela noite perdia o seu manto
e por rainha puseram-lhe ao lado
a re a re a realidade

CAUDA: dade dade a reali


dade dade a realidade
A real a real
idade idade dá a reali
ali
a re a realidade
era uma vez a REALIDADE.

Louis Aragon (Paris, 1897 - idem, 1982)


Escritor francês. Inicia muito jovem a sua atividade literária. A Primeira Guerra Mundial interrompe os seus
estudos de Medicina e, em 1917, é destacado para um hospital, onde conhece André Breton. Com este e com
Soupault, cria a revista Littérature, animadora do surrealismo. Deste período é o seu Feu de joie (1920) e Le
Mouvement Perpétuel (1924). Em 1927 adere ao Partido Comunista, e um ano mais tarde conhece a escritora
de origem russa Elsa Triolet, com quem casa. Fruto desta união são diversos livros de tema amoroso publicados
entre 1942 e 1963: Les Yeux d’Elsa, Les Yeux et la Mémoire, Elsa e Le fou d’Elsa.

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