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Getúlio Vargas
José Olavo da Silva Garantizado Júnior1
Desde Aristóteles até o início do século XXI, as maneiras de lidar com os fenômenos
argumentativos (ou pelo menos os que envolviam a persuasão) estiveram sempre limita-
dos, ora a aspectos eminentemente retóricos, ora a aspectos de natureza eminentemente
textual. Poucos foram os trabalhos que buscaram uma correlação entre essas perspectivas
teóricas. Trabalhos como os de Patrick Chareaudeau (1983, 1992, 1994) e de Rosalice
Pinto (2010) visaram trazer para as análises textuais e discursivas elementos externos ao
texto e ao discurso. Merece destaque o trabalho dessa última autora que, a partir da análi-
se de textos verbais e não verbais, desenvolveu um modelo argumentativo com categorias
da Linguística do Texto e da Análise do Discurso.
Apesar de o Brasil ser um dos países com grande quantidade de trabalhos sobre ar-
gumentação em diversificadas áreas do conhecimento, percebemos, a partir da leitura
de Pinto (2010), que são poucas as pesquisas que consideraram os aspectos externos ao
texto como elementos que pudessem ser sistematizados e explorados em uma análise do
processo argumentativo. Assim, a partir da evidência nítida dessa lacuna nos estudos de
argumentação, elaboramos um modelo analítico desse fenômeno que pudesse ser desen-
volvido, levando-se em consideração aspectos externos ao texto, assim como elementos
textuais e retóricos. Para ilustrarmos de maneira mais didática nosso pensamento, obser-
vemos o esquema a seguir, que sistematiza as categorias usadas em nossa abordagem:
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos
econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o
trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social (CARTA-TESTAMENTO).
Como se pode perceber, o Locutor reconhece que possui um “destino” que lhe é “im-
posto”, como que justificando a ação de suicídio que cometerá. O que se evidencia é que
o Locutor, movido pelas ações de interferências externas, busca a retirada da vida com
um propósito determinado. A indicação de que a época em que ele governava era compli-
cada se confirma com “fiz-me chefe de uma revolução e venci”. O item lexical “destino”
é muito elucidativo na justificativa de que o suicídio deveria ser feito, era algo imposto e
que seria a única saída do Locutor, a fim de preservar e defender a população.
Esses aspectos externos condicionam coerções para a produção do gênero Carta-Tes-
tamento. A definição de gênero defendida por nosso trabalho tem como influência os
achados de Bakhtin (1997) acerca dessa fundamental noção teórica para os estudos da
linguagem. Desse modo, entendemos que o gênero é um construto abstrato com carac-
terísticas relativamente estáveis, inseridas em um contexto sócio-histórico de produção
comunicativa e que se manifesta, de maneira material, por meio de textos que, necessa-
riamente, necessitam de contextos de usos concretos.
Seguindo as ideias de Bakhtin (1997), as unidades temáticas que se constituem no
texto são sempre relacionadas ao processo de significação amplo em que indica a derru-
bada do poder do presidente por outras forças não mencionadas pela carta, mas que se
apresentam de forma recorrente pela repetição de estruturas lexicais que nos faz perceber
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que o tema “forças” se faz presente. A ideia central do texto é o fato de um Locutor come-
ter suicídio e, assim, não deixar uma “carta de suicídio”, mas uma “Carta-Testamento”,
como se o texto indicasse o legado deixado por ele para a população, já que a palavra
testamento indica bens destinados a outro sujeito.
Outro elemento importante na constituição do Componente Genérico é o estilo. Como
se pode perceber, em muitos momentos, o Locutor opta por termos que demonstram uma
ação positiva de suas medidas governamentais, como em “não querem que o povo seja
independente” ou em “cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa cons-
ciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão”.
Na primeira passagem, a palavra “independente”, usada pelo Locutor, fora proposital-
mente uma forma de indicar que a ação de suicídio se dava, principalmente, por ele não
conseguir combater ações externas contra o seu governo. Diretamente, percebemos a “in-
citação” do povo contra os “que queria a queda” do Locutor, como se o suicídio fosse
o único caminho e, por saber disso, o presidente tendenciava a jogar a população (que
estava contra ele naquele momento) contra os que queriam um golpe. O estilo também foi
notado na expressão “sangue”, que aparece algumas vezes no texto, fazendo referência
direta ao ato cometido e, assim, chamando o interlocutor a entender os motivos da ação
suicida. O Locutor, ao indicar que “cada gota de sangue” constituirá uma “chama imortal”
capaz de produzir sujeitos resistentes, indica o quão é necessário o “combate às forças”
que o proporcionaram ao ato. Nota-se, desse modo, que há uma nítida construção de uma
argumentação que induz a população a se revoltar contra os opositores do governo. Apa-
rentemente, o Locutor, ao jogar a culpa da ação em um outrem, transfere as suas ações
de culpa e fraqueza para responsabilizar os que lhe motivaram a fazer isso, o que acaba
construindo outro argumento: “não havia mais o que fazer a não ser o suicídio”.
Analisando os aspectos relacionados ao Componente Sequencial, percebemos que o
texto, para construir o seu todo argumentativo e significativo, precisa que seja encadeado
em subconjuntos das partes que o forma. A sequenciação do plano do texto acontece em
uma sucessão. Assim sendo, o texto é construído de partes, que, por sua vez, constrói uma
unidade de sentido e se realiza em um contexto, designada por Adam (2008) como uma uni-
dade semântica e pragmática denominada “configuracional”, porque nela estão inclusas as
partes do enunciado que forma o todo do texto. Na Carta-Testamento, a predominância da
sequência argumentativa se dá por causa da busca do Locutor em indicar uma argumenta-
ção de que “fez o ato em prol do Brasil” e de que “forças o conduziram a tomar a atitude de
suicídio”. Entretanto, percebemos a sequência narrativa no segundo e no terceiro parágrafo
do texto. Isso se confirma, principalmente, nos verbos usados com tempo indicativo de
passado. Mesmo assim, apesar da tentativa de narrar procedimentos e fatos já ocorridos, o
Locutor as usam com o propósito argumentativo: convencer a população de que o suicídio
era o melhor caminho e que a oposição não deve chegar ao poder após sua morte.
Obviamente, pensar em argumentação é entender que o Locutor, mesmo que invo-
luntariamente, faz uso das características condicionadas socialmente para os gêneros e,
assim, usam-nas de forma a tentar demonstrar que seus argumentos são convincentes.
Deve-se, portanto, entender que, no caso do Locutor em questão, isso não ocorre, pois
ele busca convencer a população brasileira sobre os motivos reais que o levaram à morte.
Por causa disso, o plano do texto da Carta-Testamento tem como elemento importante a
apresentação da temática a ser abordada em forma de uma ponderação problemática, que
se instaura por meio de uma relação dialógica e intertextual os fatos que aconteceram no
atentado na Rua Tonelero e nas ações do governo apresentadas por Getúlio no texto.
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O texto em destaque, com certeza, tem como característica principal a persuasão. Quan-
do se pensa em um discurso proferido por um Locutor em uma situação de comunicação
com contexto político complicado, pensa-se nas intenções desse sujeito em empreender
sua tese e seu ponto de vista em relação a um determinado público. Desse modo, o gênero
Carta-Testamento, além de sofrer coerções da situação comunicativa em que o sujeito está
inserido, também condiciona, por exemplo, as escolhas lexicais, com o fito de se ter as
estratégias argumentativas sendo bem apresentadas. As palavras “sangue”, “forças”, “humi-
lhar” ou expressões como “me liberto”, “saio dessa vida”, “campanha subterrânea”, dentre
outras, indicam a projeção de um éthos de “não culpa” e “presidente preocupado com a
população humilde” no Locutor. Importante, também, que possamos estabelecer os limites
estabelecidos pelas proposições-enunciados apresentadas no texto refletindo a situação de
comunicação. Isso é oportuno antes de mostrarmos o esquema de sequencialidade que se
constitui nos dois textos em análise. Assim, o ponto de vista (PDV), a representação discur-
siva (RD) e os valores ilocucionários são coocorrentes no texto em análise.
Com relação ao PdV desenvolvido, percebemos que ele está apresentado significati-
vamente marcado em torno da necessidade de apresentar que existiu uma “força” con-
trária ao governo, momento em que o Locutor se engaja a seu enunciado. Isso aparece
nitidamente em vários momentos do texto e é sobre o ponto de vista da existência “dessas
forças” e de que a “os mais humildes serão desamparados” que se fundamentou o PdV
de que “o suicídio é fruto dessas forças” e de que o Locutor “lutou contra a espoliação do
povo”. Nesse sentido, constrói-se uma representação discursiva (RD) para o discurso e
dela se possibilita a criação de um éthos em que uma imagem de si emblemática de que
“Getúlio, pai dos pobres” se projeta. Na realidade, o PdV que se constrói na imagem do
Locutor é a de engajamento com o que está sendo proferido, o que nos permite indicar
que há uma forte busca em valorizar os aspectos positivos do presidente, assim como as
ações empreendidas em seu mandato. Isso se confirma nas diversas passagens em que o
argumento de “salvados dos pobres” se expressa.
A leitura do texto nos possibilita indicar os seguintes argumentos centrais: a) as forças
externas ao governo impossibilitam o Locutor de exercer seu trabalho corretamente em
favor dos pobres; b) a população brasileira, com a morte do Locutor, ficará desamparada
e c) O Locutor não tem culpa pelo seu ato em prol do povo, pois ele deixa a vida para
entra na História em função da preocupação dele com o povo. Essa base de argumentos
nos possibilita a construir a organização composicional da sequência argumentativa, uma
das ações possíveis para o Componente Sequencial.
No texto em destaque, usando o quadro proposto por Adam (1992), podemos dizer que
o P. arg. 0 pode ser considerado o fato de o Locutor querer justificar os motivos de fazer o
ato de suicídio. A tese inicial do texto seria apresentar justamente a defesa de seu governo
e de suas ações em prol da população. Interessante é que a tese inicial, de certa forma, não
aparece no início do texto, mas fragmentada em algumas partes no segundo parágrafo.
De forma indireta, o discurso do Locutor se constitui de premissas (P. arg 1) calcadas
nas informações de que o seu desejo era a continuidade de ações que privilegiavam a po-
pulação, que se sustenta como argumento quase que central na composição textual. Para
manifestar esse pensamento em forma de argumento, o Locutor usa alguns procedimen-
tos, que ele chama de “questões”:
1. “Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue
a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes”. Nesse
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argumento apresentado pelo Locutor, notamos claramente que ele busca destacar
o quanto foi o “pai dos pobres” e que “tentou sempre os caminhos para os mais
humildes”. Esse argumento só surte efeito, isto é, só leva à conclusão pretendida,
se os interlocutores o ancorarem em certas inferências (ancoragem inferencial - P.
arg 1), como no conhecimento de mundo que o presidente fez ações pelas quais
desagradaram “forças” que o fazem cometer o suicídio em prol da população. É
essa ancoragem de inferências que permite chegar à conclusão de que a oposição
e as forças de capital estrangeiro tentam de todas as maneiras convencerem a
sociedade de que Getúlio faz um péssimo governo;
2. “Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta.
Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá
a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão”. Esse ar-
gumento também pode ser enquadrado na construção argumentativa como (P. arg
1), uma vez que se configura como uma informação dada em busca de apresentar
a confirmação da tese (Getúlio está cometendo suicídio para salvar os pobres e
por ter forças externas contra o seu governo). Para empreender esse argumento,
o Locutor usa de estratégias argumentativas de “politizar” a decisão do suicídio,
argumentando a favor de seu ato de “fim da vida” como única saída para que as
“forças” não cheguem ao poder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, inces-
sante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para
defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu
sangue (CARTA-TESTAMENTO).
De forma implícita, o Locutor afirma a sua luta contra as ações da oposição, indicando
que o povo estava sendo levado a um ato falho ao querer a “saída de Getúlio da preseidên-
cia”, já que este “apenas queria o bem comum dos pobres”. Podemos considerar que essa
restrição também ocorreu na expressão “não querem que o povo seja independente”, que
seria uma restrição em forma de argumento contra o que estava sendo falado anteriormente.
O argumento conclusivo (P. arg 3) pode ser considerado a seguinte passagem:
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de
peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha
vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no
caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História (CARTA-TESTAMENTO).
Observe-se que esse argumento retoma a tese central, mas se configura como uma
nova tese, ao propor que o Locutor “saiu da vida para entrar na História”. Toda essa
estrutura sequencial argumentativa proporciona que se condicione uma série de esquema-
tizações que, de certa forma, projetam-se no éthos do Locutor.
Sendo assim, O Componente Retórico se constitui a partir das projeções das imagens
do Locutor Getúlio Vargas faz de si. Mantendo-se essa linha de raciocínio, o éthos do
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Locutor constrói-se na apresentação de suas qualidades, o que nos faz entender a pro-
jeção da imagem positiva do político Getúlio. O sujeito apresenta-se como um “pai dos
pobres” e que “está preocupado com os humildes”. Essas projeções são transpostas, em
muitos momentos, ao longo da Carta-Testamento. A leitura desse texto nos faz enten-
der que o éthos que se apresenta pelo Locutor é o de “injustiça” e “altruísmo”, já que o
Locutor empreende a construção de uma imagem de que as “forças” que o impedem de
proporcionar transformações sociais. Nesse sentido, a Carta-Testamento constitui-se de
uma justificativa para a população sobre o ato de suicídio, em prol de impossibilitar que
as forças contrárias ao Locutor tomassem o poder.
A projeção do éthos de “perseguição política” é constante ao longo do texto. Na ver-
dade, o alicerce da argumentatividade do Locutor é em indicar o quão complicado estava
sendo governar o país com a oposição jogando o povo contra o governo. Assim, o éthos
de “pai dos pobres” e o de “pai dos humildes” projeta-se como uma solução para cativar
o interlocutor (leitores da carta) sobre o momento conturbado. Esse argumento de que
“forças externas” ao governo impossibilitavam as transformações e as melhorias sociais
impostas pelo Locutor é o principal argumento para tentar ter a “adesão do auditório”
(PERELMAN; TYTECA, 1996). Aparentemente, o motivo da Carta é o de indicar o quão
estava complicado a governabilidade e, assim, o suicídio já seria um “destino” que o Lo-
cutor deveria cumprir. O éthos de “salvador” também se projeta ao longo da carta, quando
o Locutor busca indicar que sua morte representaria um sacrifício para que as “forças”
não conquistassem o poder. A imagem que se forma do Locutor é o de preocupado com a
população, com os humilhados e com os excluídos.
Ademais, O éthos de “justiceiro” é empreendido pelo Locutor como se ele quisesse
demonstrar as incoerências da época política em que ele estava vivenciando. A imagem
que se apresenta é de um político preocupado com o fato de “forças externas” o perse-
guirem e não possibilitarem as transformações sociais e econômicas iniciadas pelo seu
governo. Nesse sentido, o Locutor advoga para o argumento de “Querem calar a minha
voz” para se projetar com um éthos de “suicídio para não tomarem o poder”. A imagem
que se desenvolve desse Locutor, contrapondo-se ao do Locutor de oposição, é de “injus-
tiça”, sob a alegação de “manobra política”, já que não há “contraprovas”, logo foi feito
um “momento em que a sua morte é necessária”.
Para que essas projeções ocorressem de maneira eficiente, muitas técnicas foram usa-
das pelo Locutor propositalmente, a fim de justificar sua decisão pelo suicídio e, prin-
cipalmente, jogar a população contra os seus opositores após o ato de “perda da vida”.
Devido à quantidade muito vasta de técnicas presentes na Nova Retórica, neste trabalho,
apresentaremos apenas as mais significativas para a construção da projeção do éthos de
“pai dos pobres” e que, de alguma maneira, confirme a tese inicial da sequência argumen-
tativa. Desse modo, fica a dica para que esse importante documento possa ser analisado
sob o olhar das várias estratégias argumentativas.
Sendo assim, um dos argumentos muito notórios foi o que se baseia na estrutura da
realidade (PERELMAN; TYTECA, 1996), que são aqueles ancorados nas relações de
nosso sistema de significados a partir do mundo objetivo. Um dos mais notados foi o ar-
gumento de causalidade, em que se argumenta e se expõe a causa dos fenômenos. Como
se sabe, uma causa se impõe por uma série de encadeamento dos fatos, o que podemos
observar em “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos
nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho”, em que o Locutor usa a
força da oposição como uma das causas do ato suicida por ele realizado. Na verdade, esse
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argumento se apresenta com uma multiplicidade de causas, que seriam outras possibilida-
des que podem constituir a projeção do éthos de “injustiça”, como em “não querem que o
povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os
valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano”,
em que se projeta outra possibilidade de causa para o ato cometido.
Outro argumento muito utilizado pelo Locutor foi o de “argumento do sacrifício”. Para
Perelman e Tyteca (1996), esse tipo de técnica seria um tipo de argumento que se aproxima
com o da comparação e que busca comprovar a veracidade de uma tese pelo sacrifício de
alguém que tem alguma pureza de propósito. No caso do Locutor da Carta-Testamento, a
projeção do éthos de “altruísmo” se deu por meio das técnicas do argumento de sacrifício.
Argumentos como “como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes”, “Iniciei
o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar”, “Meu
sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu
sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a
resistência” e “Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio.
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na
História”. Nos três trechos apresentados da Carta-Testamento, o que se observa é um Locu-
tor que se projeta como “capaz de fazer sacrifícios pelo povo brasileiro”. Esse argumento é
confirmado pela presença de itens lexicais que, em termos semânticos, aproximam-se dessa
noção altruísta de forma explícita (como é o caso do uso da palavra “sacrifício” no segundo
argumento) e implícita (palavras como “sangue”, “renunciar” e “defendi”, por exemplo). É
evidente que essa base de argumento confirma a projeção de um éthos positivo do Locutor,
capaz de “cometer o suicídio em prol da população mais humilde” ou “cometer o suicídio
só para não deixar que as forças externas cheguem ao poder”.
Considerações finais
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