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INTRODUÇÃO
A análise do discurso (AD) é uma área da linguística que tem como objetivo
estudar o texto como objeto histórico. Nesse campo de estudo, o texto não é entendido,
apenas, como um objeto linguístico, mas sim, como um produto de construção
linguística e sócio-histórica, pois o sujeito transpassa as marcas ideológicas no ato da
produção de sentidos. Sendo assim, ao produzir um texto, o sujeito apresenta ideias que
são provenientes da situação social, política e econômica que vivencia, e se não
considerarmos essas condições de produção, no momento da análise de um texto, não
compreenderemos a visão de mundo e o valor discursivo decorrente.
A análise do discurso vem sendo discutida desde os estudos da retórica grega,
porém só ganhou força em 1970, ainda com algumas restrições quanto ao objeto de
estudo. Tornou-se um marco quando mudou o objeto de estudo de ‘linguística da frase’
para ‘linguística do texto’. O que chamou a atenção de diversas vertentes de estudo, que
começaram a tomar o texto como o objeto de análise, ocupando um dos lugares centrais
dos estudos linguísticos.
Nos últimos anos, muitos autores vêm abordando o texto como objeto de estudo
como, por exemplo, Ingedore Koch, em diversas obras, Orlandi, Florêncio, e Pêcheux,
que se destaca como um dos principais nomes da análise do discurso de linha francesa.
Independente da perspectiva de análise, o estudo do texto está em pauta, e todas as
perspectivas parecem chegar ao mesmo ponto: considerar o texto no sentido da
discursivização (transformação da língua em discurso).
O trabalho em tela tem como objetivo analisar o pronunciamento do presidente
Jair Bolsonaro, proferido no dia 24 de março de 2020, e transmitido em rede nacional de
rádio e televisão. O pronunciamento tinha como foco falar sobre a Covid-19, os
impactos na saúde pública e as medidas restritivas que o país deveria adotar, seguindo
as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), e em consonância com
diversos países, cientistas e estudiosos sobre o assunto.
A escolha do texto, para a realização da análise discursiva, ocorreu por ser um
tema atual e de relevância social, no qual o pronunciamento divide opiniões, entre
quebra de expectativas, em que muitos brasileiros esperavam um posicionamento
coerente, por parte do presidente, levando em consideração os dados que até então
teriam sido apresentados sobre a doença, no Brasil e no mundo, o que acarretou em
diversas criticas por meio da imprensa e da população, demonstrando sentimentos de
insatisfação; e opiniões de parte da população, que apoiaram e até certo ponto, viram
neste discurso um meio de refugiu, pois ao minimizar os impactos da doença, poderiam
tranquilizar-se.
A análise desse discurso possibilita uma visão mais clara sobre a ideologia do
sujeito e a importância política, econômica e social do discurso, uma vez que,
observando as condições de produção podemos compreender se o discurso possui
elementos implícitos, como esses elementos podem ser interpretados, e se o discurso foi
coerente em caráter cientifico.
A metodologia adotada segue o modelo proposto pela teoria da análise do
discurso, que busca identificar, dentro do texto, os elementos responsáveis pela
historicidade, constituída pelo discurso e as relações sociais dos sujeitos. Dessa maneira,
foram analisadas as condições de produção do discurso (ampla e restrita), o
interdiscurso e intradiscurso, o dito, o não-dito e o silenciado, e a formação discursiva e
ideológica.
O trabalho é de cunho bibliográfico e qualitativo, cujo alguns aportes teóricos
utilizados foram: Pêcheux (1995), Florêncio et al (2009), Orlandi (1999), e outros. Os
autores selecionados são estudiosos da área da análise do discurso e foram de grande
relevância para o entendimento da teoria e dos três principais eixos da análise:
ideologia, sujeito e discurso.
O artigo está dividido em três seções. A primeira seção apresenta uma breve
discussão sobre a linguística do texto e a análise do discurso; a segunda seção aborda
conceitos fundamentais da teoria de análise do discurso, como ideologia, sujeito e
discurso; e a terceira seção é dedicada à análise do corpus, levando em consideração os
seguintes tópicos: condições de produção do discurso (ampla e restrita), o interdiscurso
e intradiscurso, o dito, o não-dito e o silenciado, e a formação discursiva e ideológica.
Por fim, seguem as conclusões obtidas através desse estudo.
O fato de a AD tomar uma unidade de análise maior do que a frase fez que o
estudo do ‘texto’ passasse a ocupar lugar central nos estudos linguísticos. E,
exatamente por tomar esse objeto complexo, a AD seguiu várias direções,
com diferentes concepções epistemológicas e metodológicas. (GREGOLIN,
1995, p. 14).
O objeto de análise da AD é o texto, mas o que é texto? Certamente, existe uma
série de conceitos para texto, dessa forma, vale destacar a percepção de Orlandi (1999),
que considera o texto como uma peça da linguagem, esta peça representa uma unidade
significativa, pois para ser um texto é necessário ter textualidade. A textualidade é
encarregada pela relação do texto com ele mesmo e com o que é externo a ele. A autora
enfatiza o caráter histórico do texto, mas não no sentido documental, e sim na relação
social que apresenta.
Nesse sentido, a AD busca a “compreensão de como um objeto simbólico
produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos”
(ORLANDI, 1999, p. 26). Quando a historicidade é considerada parte constituinte do
discurso, o texto será tomado como equivalente ao discurso, e o autor ao sujeito,
relacionando linguagem e história.
No século XIX, a história era vista apenas como uma dimensão cronológica da
evolução, e a linguística não poderia ser enquadrada nessa perspectiva. Diante disso,
surgem os estudos voltados a pancronia, que relacionavam a história e o sistema
linguístico no âmbito de causa e efeito. A AD mudou essa perspectiva de análise, e ao
invés de tratar da história, adere o sentido de historicidade, ou seja, considera o texto
uma materialidade histórica e não que a história seja base do texto.
A análise do discurso de linha francesa segue a linha da historicidade do texto,
abordando conceitos essenciais como discurso, sujeito e ideologia. De acordo com
Orlandi (1999, p. 19-20) existem três premissas fundamentais para a AD, a primeira
considera que “a língua tem sua própria ordem”, a segunda que “a história tem seu real
afetado pelo simbólico” e a terceira que “o sujeito da linguagem é descentrado, pois [...]
funciona pelo inconsciente e pela ideologia”. Analisando o texto com base nessas três
premissas, compreenderemos a sua materialidade histórica e discursiva.
É válido destacar que texto e discurso não devem ser entendidos a partir do
mesmo conceito, em sentido amplo. O texto pode apresentar um começo,
desenvolvimento e o desfecho, porém quando considerarmos esse mesmo texto em
caráter discursivo ele estará incompleto, pois ele possui relação com outros fatores, que
são externos ao ambiente textual.
Para a AD, não há sentido dado, único, verdadeiro, mas sentidos vários que
estão além das evidências. Procura-se compreender como se constituem os
processos de produção de sentidos que se fazem presentes no texto e dão
lugar, ao analista do discurso, a investigar como tal texto produz sentidos.
Isso mostra que os dizeres não podem ser vistos como mensagens que são
transmitidas e compreendidas em sua transparência, mas em seus efeitos de
sentido, produzidos por sujeitos que realizam suas escolhas, em determinadas
situações, que se mostram no modo como dizem. (FLORÊNCIO et al, 2009,
p. 67).
3 Análise do corpus
O discurso e a repercussão:
“No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo
vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito acometido de
uma gripezinha ou resfriadinho”, Diz o presidente em um dos trechos do
pronunciamento.
Esse discurso foi transmitido pela maioria dos canais abertos de rádio e
televisão, e repercutiu em diversos jornais. A maioria dos comentários, referentes ao
discurso do presidente, apontam para críticas negativas, alegando falta de empatia com
os cidadãos, falta de conhecimento sobre a doença e irresponsabilidade política. Alguns
dos jornais que repudiaram o discurso foram: Correio do Estado, UOL, NEXO, Poder
360, JC, e outros.
Todos esses jornais destacam a situação de saúde pública que o país e o mundo
vivenciam, desde dezembro de 2019, quando houve o primeiro diagnóstico do vírus, na
cidade de Wuran, na China. Os jornais apontam para a minimização da doença em um
contexto em que já havia morrido milhares de pessoas no mundo, e outros milhares
contaminados com sintomas leves e graves, demandando leitos de enfermaria e UTI nos
hospitais. No Brasil, até o dia 24 de março de 2020, coincidentemente, o dia do
pronunciamento do presidente, o Ministério da Saúde registrou a marca de mais de 2500
casos positivos e 60 mortes.
Entendendo esse contexto do qual parte o pronunciamento, pode-se analisar o
discurso, mais precisamente, seguindo os pressupostos metodológicos da AD.
Primeiramente, reforçando a importância das condições de produção, e como destaca
Florêncio et al (2009, p. 65) “para que possamos entender como essa categoria –
condições de produção -, precisamos concebê-las em seus dois sentidos: amplo e
estrito”. A primeira relaciona o discurso ao contexto sócio-histórico-ideológico,
enquanto a segunda, diz respeito ao contexto imediato da produção do discurso.
Amplas:
O dito/não-dito/silenciado
“No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo
vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito acometido de
uma gripezinha ou resfriadinho”.
Enquanto o dito trata da parte explicita na materialidade, o não-dito só pode ser
compreendido se tomarmos como base o dito. Pois, o não-dito será a negação da
afirmação dentro do discurso. Dessa forma, tomemos como base as afirmações do
discurso acima e observemos as negações que estão por trás:
Afirmação: “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse
contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar.”
Negações:
Se o histórico de atleta diminui os efeitos do vírus, todos que não fizessem parte
desse grupo estariam comprometidos;
Se fosse contaminado pelo vírus não tinha com o que se preocupar, então se
outras pessoas fossem contaminadas elas deveriam se preocupar;
Negações:
(ele) nada sentiria se tivesse contato com o vírus, logo, outras pessoas poderiam
sentir;
Existe uma grande quantidade de elementos silenciados nesse discurso, além dos
que foram citados, outros podem ser obsevados. Outros elementos, que podem ser
depreendidos na AD, é o interdiscurso e o intradiscurso, além da formação ideológica e
discursiva. A partir da observação desses aspectos observamos quem é o sujeito do
discurso e se ele se mostrou coerente com a ideologia que segue.
O interdiscurso e o intradiscurso
“No MEU caso PARTICULAR, pelo MEU histórico de ATLETA, caso fosse
contaminado pelo vírus, NÃO PRECISARIA ME PREOCUPAR. Nada sentiria ou seria,
QUANDO MUITO acometido de uma GRIPEZINHA ou RESFRIADINHO”.
Essas escolhas lexicais e discursivas retomam a ideia de que esse é um caso
particular e que no discurso, o presidente exclui as pessoas que não fazem parte desse
grupo. Retoma a ideia de que os atletas não adoecem e se adoecerem, no máximo
sentirão os sintomas de uma gripe ou resfriado, assim, não precisariam se preocupar.
Nesse caso, ao tempo que o presidente fala sobre a sua condição e diz que não precisa se
preocupar, mostra despreocupação com as outras pessoas.
O léxico utilizado no discurso define a Covid-19 como uma doença de menor
impacto à saúde do que a gripe ou o resfriado, isso pode ser percebido pela utilização do
sufixo (INHO/A), após as palavras gripe e resfriado. Esses sufixos são utilizados como
diminutivos. O discurso mostrou que os sintomas da doença nas pessoas, com histórico
de atleta, seriam menores ainda do que de uma gripe ou resfriado.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. 10 ed. São Paulo: Contexto, 1997.