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LUKÁCS, G. Tendenz oder Parteilichkeit? In: Essays über Realismus (Werke, Bd. 4). Berlin:
Luchterhand, 1971, pp. 23-34. Escrito e publicado originalmente m Die Linkskurve, IV, nº 6,
1932, pp. 13-21.
Tendência ou Partidariedade
G. Lukács
Esta conclusão zombeteira de Heine, que neste mesmo período estava mais distante da
"arte pura", da "falta de tendência" do que antes ou depois, mostra que Heine - com um
verdadeiro instinto poético - tinha fortes reservas sobre a essência da "arte da tendência" da
época e, portanto, contra a expressão "tendência". Aqui (como em outros escritos simultâneos)
ele lutou contra o subjetivista, o intelectual e, portanto, contra a abstração geral da literatura de
"tendência". Falaremos rapidamente sobre as razões sociais desta abstração. Aqui queremos
apenas afirmar com um exemplo a justificação destas objeções zombeteiras, com um exemplo
de outro poeta que também via a poesia como um meio de luta. No duelo Herwegh-Freiligrath
sobre o viés ou não partidário do poeta (1843), conflito de grande importância na história da
literatura, Herwegh escreve:
1
Em inglês, presente no Collected Works, vol. 1, p. 119.
2
Em inglês, presente no Collected Workd, vol. 2, p. 137.
Ele luta a favor do partidarismo em geral, contra a interpretação de Freiligrath da
época: "O poeta permanece numa torre de observação mais alta do que as muralhas do partido".
Há dois traços notáveis. Primeiro, de acordo com Herwegh a questão do partidarismo ou não
(ou, de acordo com a terminologia posterior: "arte da tendência" ou "arte pura") é uma decisão
subjetiva, não uma lei inevitável de qualquer literatura, como produto e arma da luta de classes.
Em segundo lugar, Herwegh aceita todo partidarismo - incluindo o de seu adversário - como
um progresso de desenvolvimento; assim, ele interpreta a questão do partidarismo (a
"tendência") por uma via formal.
Mas apesar de compreensível a tomada desta posição teórica, isto não significa que ela
seja teoricamente correta. Pelo contrário. Com a formulação burguesa do problema, com a
terminologia burguesa, adota invisivelmente todo o ecletismo burguês do problema, suas
contradições burguesas-ecléticas, não abolidas, mas em parte maquiadas, em parte rigidamente
polarizadas. Com isto queremos dizer o contraste entre "arte pura" e "tendência". Sobre esta
base, há geralmente duas respostas: por um lado, desprezamos a "arte pura” e sua "perfeição da
forma"; A literatura tem uma função social na luta de classes que determina o seu conteúdo;
cumprimos conscientemente esta função e não nos preocupamos com a decadente questão
burguesa da forma (estreitamento da literatura à agitação quotidiana, o ponto de vista de um
materialismo mecânico na teoria literária). Do outro lado, reconhecemos uma "estética" e
tentamos reconciliá-la a "tendência" extraída do campo "social", do "político", ou seja, de um
reino que é "estranho à arte". Isto significa que - ecleticamente - a tarefa inesgotável é a de
trabalhar um componente "estranho à arte" na obra de arte. Assim, por um lado é reconhecido
(tacitamente) a Imanência Estética, a autonomia artística "pura" da obra de arte, isto é, a
predominância da forma sobre o conteúdo; por outro lado, no entanto, exige-se que um
conteúdo não artístico (a "tendência"), segundo este ponto de vista, deve prevalecer. O resultado
é um idealismo eclético.
Isso é bem visível em Mehring, o mais importante teórico literário alemão da virada
do século, que superou em muito seus contemporâneos burgueses. O ecletismo de Mehring está
muito claramente expresso no fato de que ele só conseguiu encontrar uma solução "por um lado,
por outro" para a questão central da forma e do conteúdo. Mehring percebe que o
reconhecimento incondicional da resolução do problema (subjetivo-idealista) de Kant-Schiller
leva ao reconhecimento da "atemporalidade" ou da "supratemporalidade" da arte e, portanto, à
primazia da forma e à rejeição de qualquer "tendência". E porque busca rejeitar essa conclusão
(sem criticar as suas pré-condições), ele escreve: "Por conseguinte, o gosto depende também
do conteúdo e não apenas da forma". Este ecletismo, que dá uma resposta absolutamente vaga
à questão decisiva, mostra claramente quão pouco Mehring foi além do problema fundamental
de Kant-Schiller e, portanto, da estética burguesa. O limite desta concepção é que a questão da
"tendência" se coloca como uma questão da relação entre arte e moralidade, de forma que o
carácter idealista subjetivo da "tendência" emerge claramente: "Tendência" é uma exigência,
um dever, um ideal que o escritor justapõe à realidade; não é uma tendência de desenvolvimento
social em si, tornada apenas consciente pelo autor (no sentido de Marx), mas um mandamento
(subjetivamente concebido) cuja realidade é exigida a atender. Por trás desta questão está o
seguinte: primeiro, a separação rígida e circunscrita das áreas individuais da atividade humana
umas das outras, ou seja, a reflexão ideológica da divisão capitalista do trabalho, que, no
entanto, não é submetida e criticada sob um prisma marxista como um fato, como consequência
desta divisão do trabalho, mas, pelo contrário, é entendida ideologicamente como uma lei
"eterna" da separação de "essências" e feita o ponto de partida de todas as análises posteriores,
de uma forma bastante ahistórica; em segundo lugar, que a atividade humana, a prática, não é
vista na sua produção real, objetiva ou material, voltada para a mudança da sociedade, mas na
sua reflexão ideológica distorcida e invertida (como "moral"), razão pela qual – de forma
também ahistórica – a distorção ideológica resultante deve ser o ponto de partida teórico; em
terceiro lugar, nesta justaposição de arte e moralidade há a ilusão acrítica e ideológica do ser
humano individual como "átomo" da sociedade (cf. sobre esta ilusão A Sagrada Família) e ao
mesmo tempo a visão fetichizada da sociedade como uma “coisa”, como algo que envolve o
ser humano como uma realidade "estranha" (teoria do meio ambiente), em vez da soma e
sistema, o resultado da atividade humana (mesmo que não seja consciente ou intencionada no
capitalismo); em quarto lugar, o isolamento da obra de arte da prática social, da produção
material e da luta de classes corresponde a esta oposição rígida e mecanicista das pessoas
(individuais) e da sociedade, que está subjacente a toda concepção burguesa de "moral", à
concepção da tarefa da arte como a realização de um "ideal estético"; em quinto lugar, deste
ponto de vista, a arte e a moralidade não são resultados da mesma prática social, mas sim
realizações de ideais diferentes, divergentes, rigidamente opostas (no caso de Kant: "interesse"
e "indiferença"). Para a relação e solução do problema da literatura e "tendência" ("moral"),
podemos aplicar o que Hegel disse sobre a concepção não-dialética de corpo e alma: "Pois, de
fato, quando ambos são assumidos como absolutamente independentes um do outro, eles são
tão impenetráveis um para o outro quanto uma matéria é impenetrável por outra"3.
Pense em quaisquer escritos e teorias literárias do século XIX e você verá que nenhum
deles poderia escapar das consequências necessárias desta abordagem, que surgiu do ser social
da classe burguesa e especialmente dos seus escritores (fetichismo etc.). Havia apenas a escolha
de ou conscientemente (mas por essa mesma razão: apenas aparentemente) renunciar a
"tendência" e criar uma "arte pura", cujo resultado seria uma figuração tendenciosamente feita
da realidade, ou seja, "literatura de tendência" no pior sentido da palavra4. Ou, por outro lado,
a “tendência” poderia ser subjetivamente contraposta à representação da realidade de uma
forma moralizante e pregadora, trazendo um elemento estranho à representação literária.
3
HEGEL, G.W.F. Werke vol. 10, 1986, §389. p. 44.
4
Esta ajuste tendencioso da realidade para introduzir de maneira artisticamente orgânica uma "tendência", que não
surge organicamente do material da realidade, não se encontra apenas na má literatura da burguesia em declínio.
Para dar apenas alguns exemplos, encontramo-los na segunda metade de "afinidades eletivas" de Goethe, nos
dramas de Hebbel após 1848, em Dostoievski, de quem Gorki diz, com razão, que difama seus próprios
personagens.
Mehring também não encontrar uma saída para esta rede de contradições, o que é
compreensível agora. Se, por exemplo, ele critica a "tendência não artística" de Schilller em
Wilhelm Tell e os "meios não artísticos" de Heinrich von Kleist, estas são apenas soluções
ecléticas, pois ele não está em posição, dadas as suas premissas, e é incapaz de demonstrar
concretamente o que é teórica e praticamente uma "tendência artística". Ele não está em posição
de o fazer pois se sustenta na concepção burguesa da arte, cujo fundamento não podia abandonar
consistentemente, de que o "ideal" da arte é precisamente a "falta de tendência", que só as
circunstâncias da arte que são desfavoráveis para o desenvolvimento da arte (tal como a
agudização dos conflitos de classe) forçam uma característica de “tendência” sobre a arte. Como
um revolucionário honesto, Mehring se esforça para tirar as conclusões de classe adequadas,
ou seja, ele afirma a "tendência". Mas a sua opinião de classe política está em indissociável
contradição com as suas percepções artísticas. O próprio Mehring fala desta ligação, sem
perceber a amplitude de seu escopo: "em todos os tempos revolucionários, em todas as classes
que lutam pela sua libertação, o gosto será sempre significativamente manchado pela lógica e
pela moralidade, o que traduzido em termos filosóficos apenas significa que, onde o
conhecimento e o poder do desejo são intensos, o julgamento estético está sempre
comprometido”.
Aqui já temos em embrião a teoria literária do trotskismo. Pois é claro que se, segundo
Trotsky, "a ditadura do proletariado não é uma organização cultural-produtiva de uma nova
sociedade, mas uma ordem revolucionária de luta para atingi-la", se mais tarde ele opõe
rigidamente socialismo e luta de classes entre si, então para, correspondendo à intensificação
da luta de classes e à concretização de todos os problemas nela existentes, a cultura ocupa o
mesmo lugar que a "arte pura" (kantiana) ocupava para Mehring. "A literatura revolucionária
deve estar impregnada do espírito do ódio social... [é, portanto, apenas uma 'arte de tendência'
– G.L.]. No socialismo, a base da sociedade é a solidariedade [assim uma 'arte pura', uma
'cultura real' é possível - G.L.]"5. Portanto, não é coincidência que o os escritos de Mehring,
adotado de forma acrítica na nossa literatura e teoria cultural, tenha intensificado o trotskismo.
Da mesma forma, qualquer distorção mecanicista dos nossos objetivos literários - consciente
ou inconsciente, intencional ou não intencional – acaba fazendo uma curva ao trotskismo.
5
TROTSKI, L. Literatura e Revolução
Não pode ser nossa tarefa aqui analisar todos os erros teóricos desta concepção; isso
já foi feito, em grande medida, na luta contra o trotskismo. Temos aqui apenas de chamar a
atenção para o erro em todo este complexo de questões que é decisivo para a nossa pergunta
atual: à visão errada e não dialética do fator subjectivo. Marx e Engels expressam repetida e
inequivocamente as formulações dialéticas corretas sobre a dialética do fator subjetivo e
objetivo do desenvolvimento social. Mencionarei apenas uma citação que é particularmente
importante para o esclarecimento da nossa questão: “A classe trabalhadora... não têm nenhuma
utopia já pronta para introduzir par décret du peuple. Sabem que, para atingir sua própria
emancipação, e com ela essa forma superior de vida para a qual a sociedade atual, por seu
próprio desenvolvimento econômico, tende irresistivelmente, terão de passar por longas lutas,
por uma série de processos históricos que transformarão as circunstâncias e os homens. Eles
não têm nenhum ideal a realizar, mas sim querem libertar os elementos da nova sociedade dos
quais a velha e agonizante sociedade burguesa está grávida”6.
6
MARX, K. A Guerra Civil na França, 2011, p. 60.
sua intenção consciente era uma glorificação da classe decadente do antigo regime francês, mas
que ele foi "forçado a ir contra as simpatias e preconceitos políticas da sua própria classe",
apresentando um quadro correto e exaustivo da sociedade de seu tempo. A sua "tendência" está
assim em contradição com a sua representação, e esta, é significativa apesar da sua “tendência”.
(A situação é similar com Tolstoi e uma série de outros grandes escritores burgueses).
Esta barreira ideológica não existe para o proletariado. Seu ser social torna possível
para o proletariado (e, portanto, para o escritor proletário-revolucionário) atravessar essa
barreira, para ver claramente as relações de classe e o desenvolvimento da luta de classes por
trás das formas fetichizadas da sociedade capitalista. A clareza sobre essas conexões, a clareza
sobre suas leis de desenvolvimento significa, ao mesmo tempo, a clareza sobre a eficácia
histórica do próprio proletário, sobre o papel do fator subjetivo nesse desenvolvimento. Tanto
sobre a determinação deste fator subjectivo por pelo desenvolvimento histórico-económico
objetivo, como sobre a função ativa deste fator subjectivo na transformação das circunstâncias
objetivas. Este conhecimento não é um produto mecânico e direto do ser social. Ele deve ser
desenvolvido. O processo desta elaboração, no entanto, é também o produto da disposição
interna (material e ideológica) do proletariado, bem como o desafio do desenvolvimento do
proletariado, de "classe em-si" a "classe para-si"; ou seja, a exigência de sua organização interna
para cumprir sua tarefa histórico-mundial (emergência de sindicatos e partidos, seu
desenvolvimento posterior, etc.).
Também fica claro de tudo isso que a rejeição da "tendência" sob nenhuma
circunstância significa que o escritor se encontra numa "torre superior", nos termos de
Freiligrath, maior "do que as ameias do partido" (o que Mehring tende a fazer de tempos em
tempos apesar da defesa eclética da "tendência"). Pelo contrário, a correta representação
dialética e a escrita da realidade pressupõem a partidariedade do escritor. Naturalmente, mais
uma vez, não uma “partidariedade” no sentido de Herwegh, abstrata, subjetivista, arbitrária,
mas partidariedade para aquela classe que é a portadora do progresso histórico em nosso
período: para o proletariado; partidariedade para aquela "parte da classe, aquele partido cujos
membros diferem dos outros proletários apenas porque, por um lado, eles enfatizam e afirmam
nas várias lutas nacionais dos proletários os interesses comuns do proletariado como um todo,
independentemente da nacionalidade, e, por outro lado, porque eles sempre representam os
interesses de todo o movimento nos vários estágios de desenvolvimento em que a luta entre o
proletariado e a burguesia acontece".
Partidariedade neste sentido não é, portanto, um novo rótulo para uma coisa antiga.
Portanto, não se trata de substituirmos agora a palavra "tendência" pela palavra
"partidariedade", e todo o resto permanece como estava. Não. A terminologia nunca é aleatória.
O fato de termos adotado a palavra "tendência" da teoria e prática literárias da oposição
burguesa (e não do auge do seu desenvolvimento revolucionário) foi, como foi demonstrado,
um sinal de que nós trazemos neste termo uma bagagem ideológica não negligenciável. Hoje,
quando sujeitamos a herança ideológica da Segunda Internacional a uma revisão fundamental
em todos os aspectos da nossa teoria e prática, devemos também prestar muita atenção, na nossa
teoria e prática literárias para que não carreguemos conosco a bagagem burguesa trazida pela
Segunda Internacional, o que somente obstruirá o nosso progresso.
7
LENIN, V.I. Collected Workd, vol. 23, p. 97.
que se originam dialeticamente deste processo global em si, que são os momentos
indispensáveis deste processo objetivo da própria realidade. A representação do fator subjetivo
do desenvolvimento revolucionário é frequentemente substituída por um mero "desejo"
subjetivo (porque não representado) do autor: uma “tendência”. E se o autor apresenta esse
desejo como objetivo e realizado, em vez de representar o fator subjetivo dialeticamente como
tal, a representação torna-se "tendenciosa". Não temos razões para negar estes erros e
deficiências. Muito menos para deslocá-los para o campo dos "erros técnicos" ou da "inaptidão
técnica". O método que expõe os nossos erros, que revela a sua raiz - a herança não liquidada
da Segunda Internacional - é ao mesmo tempo o método que nos ajuda a superar esses erros: o
materialismo dialético, o marxismo-leninismo. A partidariedade no lugar da "tendência" é um
ponto - importante - onde podemos e devemos fazer este avanço na promoção do marxismo-
leninismo para o nosso método criativo.