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Quando nos referimos à “Teoria Crítica”, estamos nos contrapondo, radicalmente, a uma
teoria menor (utilitária) ou à “Teoria Tradicional”, ou seja, àquela que ganhou forma e
força segundo os princípios estabelecidos por Descartes no século XVII, quando este
publicou o “Discurso do Método” (1637), e que, segundo Horkheimer (1983), reflete uma
realidade determinada sob o prisma de um método que insinua ser capaz de transmitir sua
verdade através de conceitos. O que é mais contraditório neste sistema é que o próprio
método de análise é formalizado, social e historicamente, por aqueles que têm interesses
de apresentar apenas um lado desta mesma realidade, ou a que melhor lhes confortam,
considerando que uma epistemologia fundamentada em conceitos nos apresenta uma
realidade fragmentada, construída subjetivamente de partes e recortes sobre um mundo
complexo e fantástico.
É importante enfatizar que a Teoria Crítica não desconsidera sua parte conservadora,
subjetiva e positivista, da teoria tradicional, uma vez que suas técnicas desenvolvidas para
o conforto de uma parte da população mundial (burgueses e os ricos), pelo bem ou pelo
mal, têm nos trazidos alguns benefícios e utilidades. No entanto suas maldades e
violências praticadas e instruídas, sub-repticiamente, nas práticas cotidianas das relações
sociais, nas práxis políticas, na domesticação escolar, nas relações familiares, na
militarização dos Estados, enfim, num mundo administrado, vislumbra-se a imagem do
leviatã hodierno, da barbárie sofisticada pelas ideologias capitalista do consumo, do
fascismo, quando buscam uma “socialização” empregando a força normativa
(necropolitica) para matar, disseminando ódio e discriminação aos opositores com
propósitos de os subjugar e dominar tudo e todos.
Neste necessário debate, instruindo, para este texto, pelos “Teóricos de Frankfurt”, ou de
parte dos seus membros, além de outros autores, que tiveram contato de perto com a
filosofia de Nietzsche, ou àqueles que discutiram a sociedade e suas ideologias
antidemocráticas, analisando o método da ordem (cartesiano), determinista, apropriado
pelos mais diversos setores proprietários dos meios de produção, dos centros científicos,
mais outras instituições formadoras de opinião e de visões de mundo, percebem que este
sistema vertical hierarquizante, retorna para a sociedade na forma de uma violência
simbólica que se estende por todos os poros formadores da sociedade europeia do século
XX: Justiça, trabalho, família, economia, cultura, política, arte, escolas, universidades,
enfim, em todas as esferas do mundo moderno e por que não dizer “pós-moderno”, onde
os aspectos estéticos valorizam muito mais as formas em detrimento aos seus conteúdos
“vazios”. Neste sentido, nosso recorte de análise se refere ao campo das artes.
Antes, chamo atenção para enfatizar que o modelo cultural eurocêntrico se torna
hegemônico e se espalha pelo resto do mundo como a forma melhor determinada de
civilização. O que não é verdade, mas é uma forma de dominação moderna, quase sem
armas de fogo...
É interessante perceber que a estética, como parte integrante da Filosofia, tem um papel
fundamental, que é a de nos esclarecer sobre o real, para que possamos viver em
consonância com o que realmente está acontecendo empiricamente, além de estabelecer
a liberdade de expressão e de pensamento para todas as pessoas em qualquer lugar deste
Mundo. No entanto quando ela passa a ser apropriada e retraduzida pela classe dominante
(burgueses principalmente) ganha outro status, o de mercadoria, voltando, então, para um
estágio retrógado quando se pensa sobre a emancipação das ideias sobre a realidade da
política e da justiça social, por exemplo. Neste sentido a estética, formalizada no âmbito
das artes, passa a ser mais um instrumento de dominação.
Muito autores se debruçaram sobre essa questão. Dolf Oehler (1979), inspirado nos ideais
do “Esclarecimento” nos provoca, quando desperta em nós a curiosidade de saber qual
era a impressão dos artistas libertários sobre a classe burguesa na primeira metade do
século XIX (entre 1820 e 1840):
Tomando como exemplo, penso que um dos redutos provedores do neo-kynismo são os
museus de arte. Foi a partir deles que Baudelaire começou suas análises sobre o campo
das artes no seu tempo. Neles as exposições retratam as satisfações burguesas, suas
aspirações e fantasias alegres como conto de fadas. Tudo perfeito, tudo bonitinho e em
seus lugares. Os artistas, os “gênios”, são aqueles a quem o “dom” (divino?) lhes
assentou, e, por isso, escolhidos pelos anfitriões e curadores em exposições. Em
continuidade a essa impostura, os críticos de arte – geralmente brancos, heterossexuais,
cristão, burgueses etc – complementam as narrativas que vão encarnar nas mentes
doentias de fascistas e usurpadores dos direitos das maiorias minoradas e/ou subjulgadas,
os valores que deveriam contestar.
Um desses valores incontestes é a da autonomia da arte, a qual, mesmo em correntes
subversivas como o dadaísmo ou o surrealismo, sofreram com o tempo a corrosão da
ideologia capitalista, permitindo a “sujeição da arte ao circuito das mercadorias e ao papel
de porta voz da ideologia dominante, que constitui escravidão idêntica ao antigo julgo
teológico”, formalizando, deste modo, uma contradição no próprio sentido lógico do fazer
artístico que é a “arte liberdade” (JIMENEZ, 1977, p. 64). Um dos teóricos mais
combatentes que se debruçou sobre esta temática foi Adorno (1903-1969), denunciando,
inclusive, a estrutura que sustenta o fascismo e suas vertentes ideológicas: a serpente e
suas crias!
Dialogando com Adorno, ao modo dialético, Walter Benjamin (1892-1940) nos envolve
com a discussão da perda da “aura” no texto “A obra de arte na era de sua reprodutividade
técnica” (BENJAMIN, 1935). Neste documento o filósofo analisa criticamente os efeitos
provocados nas pessoas devido aos avanços tecnológicos que, pelo mal ou pelo mal,
difundiu alterações perceptivas sobre nossa realidade. Ele avança sua discussão trazendo
à tona as reproduções dos filmes, dos livros e da fotografia mecanicamente, extinguindo
desta forma a “autenticidade e a unicidade” que caracteriza uma obra de arte para
Benjamin.
Em sua reflexão, também, vislumbramos que as técnicas empregadas para essa
reprodução, acompanha o espírito explorador de um capitalismo selvagem, bárbaro, mas
sofisticado, que ao invés de promover prazer e uma suposta felicidade, gera mais
insatisfação e preguiça mental nos indivíduos, impossibilitando-os de pensar por si
próprio ao ponto de se “esclarecer”. É interessante perceber que o sentido que Benjamin
tem de “esclarecimento”, alinha-se com os mesmos princípios teóricos desenvolvidos por
Adorno e Horkheimer no livro “Dialética do esclarecimento” (1985). Para estes
frankfurtianos o significado de esclarecimento vai além do sentido que o conceito
“Ilustração” nos traduz. Basicamente o esclarecimento tem a função de afastar do
pensamento humano o medo da natureza, dos mitos e “substituir a imaginação pelo
saber”, ou seja, “desencantar o mundo”. De outra forma, a “ilustração” que propunha uma
revolução na política e nos costumes, engendrou outras normas e forma de poder que ao
invés de se contrapor ao antigo regime, o reforçou, guilhotinando de forma rápida, pelo
medo, expressões e ideias que julgavam opositoras. Nada mais fascista que um mundo
tecnicamente administrado, conservador dos costumes e negacionista dos instintos. Freud
apontou em “O mal-estar da civilização” (1930) os prejuízos cognitivos e os surgimentos
de doenças estranhas devido a essa forma repressiva que “optamos” em conviver. Estamos
vivenciando esta crise no Brasil atual, pessoas enlouquecidas pelas ruas, mitologizando
realidades, devido a essa forma/modelo de sociedade administrada pela técnica, não pela
técnica em si, mas pela sua instrumentalização ideológica de dominação, transformando
as alteridades em negócios lucrativos e excludente, e o fantástico de tudo isso, é que a
autorepressão é induzida sem que haja gritos ou tiros de canhão, mas na formulação de
ideias falsas disseminadas todo tempo e todo lugar, vias canais publicitários massivos,
como formas de liberdades.
Encerro esta incipiente narrativa pensando junto com Susan Buck-Moss (1996), quando
sugere que uma das intenções fundamentais de Benjamin, apontada no final do texto
“Ensaio sobre a obra de arte”, foi a de perceber “a crise da experiência cognitiva causada
pela alienação dos sentidos que torna possível a humanidade visionar a sua própria
destruição prazerosamente” (p.37), reflexão bem oportuna e bem próxima de nós; não a
percebe quem não quer, estamos informando!
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Referências bibliográficas:
ADORNO, Theodor W. Teoria estética. Lisboa: Edições 70/ São Paulo: Martins Fontes,
1982;
ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento –
fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985
BENJAMIM, Walter et tal. Benjamin, Habermas, Horkheimer, Adorno. In: Textos
escolhidos - Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril cultural, 1983;
BENJAMIM, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica. In:
CAPISTRANO, Tadeu (Org). Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2012;
BUCK-MORSS, Susam. Estética e anestética: uma reconsideração de a obra de arte de
Walter Benjamin. In: CAPISTRANO, Tadeu (Org). Benjamin e a obra de arte: técnica,
imagem, percepção. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012;
DESCARTES, René. Discurso do método. In: Coleção os pensadores, vol. XV. Trad. J.
Guinsburg e Bento Prado Jr. São Paulo: Abril Cultural, 1983;
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. In: Coleção os Pensadores. São Paulo:
Abril Cultural, 1983;
JIMENEZ, Marc. Para ler Adorno. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977
OEHLER, Dolf. Quadros parisienses: estética antiburguesa em Baudelaire, Daumier e
Heine (1830-1848). São Paulo: Companhia das Letras, 1997;
SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica. São Paulo: Estação Liberdade, 2012;