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ARTIGO TÉCNICO

QUALIDADE DA ÁGUA DURANTE A FORMAÇÃO DE LAGOS


PROFUNDOS EM CAVAS DE MINERAÇÃO: ESTUDO DE CASO DO
LAGO DE ÁGUAS CLARAS - MG

WATER QUALITY DURING THE FILLING OF DEEP MINING LAKES: CASE STUDY
OF AGUAS CLARAS PIT LAKE - MG

EDUARDO VON SPERLING


Engenheiro Civil, Doutor em Ecologia Aquática (Universidade Técnica de Berlim), Professor Titular do Departamento de
Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais

FERNANDO ANTONIO JARIDM


Biólogo da COPASA-MG (Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais), Mestre em Saneamento, Meio
Ambiente e Recursos Hídricos (UFMG)

CESAR AUGUSTO PAULINO GRANDCHAMP


Geólogo da MBR (Minerações Brasileiras Reunidas S/A), Mestre em Geologia (UFMG)

Recebido: 28/04/04 Aceito: 22/07/04

RESUMO ABSTRACT
O trabalho apresenta os resultados do monitoramento de quali- The paper presents the results of a broad monitoring program carried
dade da água durante o processo inicial de formação do Lago de out during the beginning of the filling process of Lake Aguas Claras,
Águas Claras, cuja gênese é decorrente do enchimento da cava Brazil. This lake was created after the exhaustion of an iron ore
exaurida de uma mineração de ferro. Em sua configuração final mining activity. In its final conformation the lake will have a
o lago possuirá uma área de 0,7 km2 e uma profundidade máxi- surface area of 0,7 km2 and the maximum depth of 234 m, which
ma de 234 m, o que o posicionaria atualmente como o ambiente will make it the deepest lake in the country. The results of a two years
hídrico mais profundo do país. Constata-se o predomínio de monitoring program show the prevalence of good water quality
uma boa qualidade de água, com baixo grau de mineralização, (well oxygenated, low degree of mineralization, absence of organic
excelentes condições de oxigenação e ausência de contaminação and mineral contamination), but also a quite interesting shift in
orgânica e mineral. No aspecto hidrobiológico destaca-se a fre- the dominance of phytoplanktonic groups, indicating the high
quente alternância no predomínio de grupos algais, indicando a instability of lakes that are undergoing a process of formation.
instabilidade de ecossistemas que se encontram em processo de
formação.

PALAVRAS-CHAVE: Lagos de mineração, qualidade da água, KEYWORDS: Mining lakes, water quality, monitoring.
monitoramento.

INTRODUÇÃO água, para o caso de lagos situados próxi- dos, circundados por paredes rochosas ín-
mos a áreas urbanas. É senso comum que gremes, não apresentando usualmente
O presente trabalho objetiva discu- tais lagos ostentam um componente esté- uma região litorânea. Suas características
tir os aspectos de qualidade da água du- tico de natureza mais agradável do que a morfológicas (elevada profundidade e pe-
rante o processo de enchimento de lagos permanência de uma depressão no terre- quena área) não favorecem a circulação
de mineração. A formação destes novos no. A formação de lagos de mineração vertical completa da coluna d’água, pro-
ambientes aquáticos tem sido uma ten- constitui-se no entanto em um fenôme- piciando desta forma o estabelecimento
dência adotada internacionalmente por no relativamente novo em escala mundi- de uma condição meromítica (circulação
ocasião do descomissionamento de mi- al, dado o fato de que a exaustão de mi- parcial), a qual implica em marcantes in-
nas exauridas. Entende-se que o enchi- nas de grande porte, cujo início de explo- fluências sobre a qualidade da água. Muita
mento das cavas com água permite a cri- ração deu-se notadamente após o térmi- atenção tem sido dada na literatura técni-
ação de ecossistemas com forte beleza cê- no da Segunda Guerra Mundial, ocor- ca aos complexos efeitos ambientais da
nica e que podem servir ainda a usos sele- reu apenas a partir da década de 1990, exploração minerária, existindo no en-
cionados, tais como recreação controlada com o esgotamento da sua vida útil. Tais tanto poucas informações sobre as ques-
(natação, vela, pesca) e abastecimento de lagos são geralmente estreitos e profun- tões sanitárias e ambientais destes ambien-

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Formação de lagos em cavas de mineração

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tes hídricos criados em decorrência da ati-
vidade de mineração. Os relatos disponí-
veis estão quase sempre relacionados à
formação de lagos de mineração de cará-
ter ácido, em decorrência da oxidação de
minerais sulfetados (Klapper & Schultze,
1995; Miller et. al., 1996; Levy et. al.,
1997; Geller et. al., 1998; Stevens &
Lawrence, 1998; Packroff, 2000;
Lessmann et. al., 2000; Kalin et. al.,
2001; Boland & Padovan, 2002;
Hindak & Hindáková, 2003).
O trabalho apresenta o estudo de
caso relativo ao enchimento da cava da
Mina de Águas Claras, Belo Horizonte-
MG. Trata-se aqui da primeira documen- Figura 1 - Evolução do nível de água durante a formação do lago de Águas Claras
tação detalhada sobre a qualidade da água
durante a formação de lagos profundos sentadas na Figura 2. Os valores seguem
em cavas de mineração no Brasil. A ex- METODOLOGIA as oscilações naturais da temperatura do ar,
ploração de minério de ferro, realizada conforme seus aspectos de sazonalidade.
pela MBR (Minerações Brasileiras Reu- O programa de monitoramento do Cabe destacar que, em decorrência
nidas S/A) iniciou-se em 1973, tendo sido enchimento do Lago de Águas Claras do elevadíssimo calor específico da água,
encerrada após 28 anos de atividade. envolve todos os parâmetros mais rele- os ambientes aquáticos apresentam am-
Neste período foram retiradas cerca de vantes para a avaliação da qualidade da plitudes térmicas consideravelmente in-
300 milhões de toneladas de minério. São água, abrangendo tanto aqueles de natu- feriores àquelas obtidas na atmosfera.
três as fontes hídricas para o enchimento reza físico-química quanto hidrobiológica Com relação ao perfil térmico (variação
do lago: águas subterrâneas que afluem à (Chapman & Kimstach, 1992). Neste da temperatura em função da profundi-
cava, após interrupção do funcionamen- trabalho será feita uma apreciação apenas dade), que está sendo determinado des-
to dos poços de bombeamento; água su- dos parâmetros mais importantes. As de a amostragem de 05/09/01, as oscila-
perficial aduzida de um curso d’água vi- amostragens foram realizadas com ções verticais (diferenças entre superfície
zinho à área da mineração (Ribeirão do frequência mensal, seguindo-se os méto- e fundo) são naturalmente superiores nos
Prata) e a precipitação pluviométrica, a dos analíticos preconizados pelo Standard meses mais quentes do ano, tendo atingi-
qual incide sobre a cava durante a estação Methods for the Examination of Water and do os maiores valores quando o lago su-
chuvosa (Outubro a Março). Conforme Wastewater (APHA, 1998). A determi- perou a profundidade de 30 m: 5,5 0C
modelagem hidrológica realizada antes do nação hidrobiológica do fitoplâncton e em dezembro/02 (profundidade de
enchimento, a recarga de água permitirá do zooplâncton foi feita de forma quan- 40 m) e 4,4 0C em março/03 (profundi-
futuramente a manutenção do nível de titativa e qualitativa, com classificação dade de 50 m). Por outro lado nos meses
água desejado (Grandchamp et. al., taxonômica até o nível de espécie, quan- de inverno ocorre um resfriamento da ca-
2001). A Figura 1 apresenta a evolução do possível. Para tanto foram utilizadas as mada superficial, provocando um aumen-
do enchimento da cava da mina de Àguas chaves de identificação disponíveis na li- to da densidade da água naquela região.
Claras. Embora esteja geograficamente si- teratura clássica especializada. Desta forma a densidade na superfície do
tuado próximo à área urbana de Belo Ho- O período de monitoramento con- lago assume valores próximos àqueles en-
rizonte, o lago encontra-se separado da templado neste trabalho estendeu-se de contrados nas camadas inferiores, geran-
mesma pela Serra do Curral. Desta forma agosto/2001 a setembro/2003. O ponto do consequentemente um processo de
não ocorre nenhuma influência antrópica de amostragem está situado na superfície circulação vertical da massa líquida medi-
em sua bacia de drenagem, a menos natu- do lago, em sua região central. A partir de ante a atuação do vento. As diferenças de
ralmente da atividade minerária. setembro/2001, quando a profundida- temperatura entre superfície e fundo apre-
Em sua configuração final o Lago de de já era superior a 10 m, foram também sentaram portanto os valores mínimos nos
Águas Claras possuirá uma área de realizadas coletas nas camadas de fundo. meses mais frios: 00 C (junho/03, pro-
0,67 km2, um volume total de 58 milhões fundidade de 51 m), 0,1 0C (julho/02,
de m3 e a marcante profundidade máxima RESULTADOS E profundidade de 32 m) e 0,2 0 C
de 234 m, que lhe conferiria atualmente a DISCUSSÃO (maio/02, profundidade de 27 m). Cons-
posição de lago mais profundo do país. tata-se assim a clara ocorrência de perío-
Sua profundidade relativa (relação entre A seguir são apresentados os resulta- dos de estratificação que se alternam com
profundidade máxima e diâmetro médio dos das análises relativas aos parâmetros mais a fase de circulação da coluna de água.
do lago, conforme Håkanson, 1981) será relevantes, juntamente com a discussão so- Para melhor representar a estabilidade tér-
de 25 %, que é um valor extremamente bre seus aspectos ambientais e sanitários. mica, foi proposta a utilização do
alto, indicando a ocorrência futura de con- parâmetro conhecido como resistência
dições de meromixia. A dificuldade de cir- Temperatura da água térmica relativa (RTR) (Wetzel, 1983).
culação vertical completa em lagos de mi- Quanto maior for o seu valor, maior será a
neração é discutida em Stevens & As variações de temperatura na su- estabilidade térmica do ambiente, indi-
Lawrence (1998). perfície e no fundo do lago estão apre- cando a sua resistência à circulação verti-

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cal. A RTR é calculada mediante a relação


entre as diferenças de densidade entre
superfície e fundo e um valor arbitrado
de 0,008, que corresponde à diferença
de densidade entre as temperaturas de 5
e 4 0 C. A Figura 3 apresenta a evolução
da RTR ao longo dos diversos meses de
coleta. Observa-se claramente que os mai-
ores valores são sempre registrados nos pe-
ríodos mais quentes do ano, quando a
estabilidade térmica é naturalmente mai-
or. Constata-se ainda uma tendência de Figura 2 - Variações da temperatura da água
aumento da RTR à medida em que o lago
vai tornando-se mais profundo. Em sua
fase final de formação o lago de Aguas
Claras será meromítico, isto é, não sofrerá
circulações verticais completas devido à
sua elevada profundidade relativa (mui-
to profundo em relação à pequena área).

Oxigênio dissolvido
As concentrações de oxigênio dis-
solvido encontradas até o momento no
lago de Aguas Claras são, em geral, plena-
mente satisfatórias, com valores que indi- Figura 3 - Valores da Resistência Térmica Relativa
cam elevados percentuais de saturação.
Na Figura 4 estão registrados os valores ob-
tidos nas coletas de superfície e de fundo.
No aspecto global, os teores de oxi-
gênio dissolvido variaram de 11,1 mg/L
(agosto/02, 3 m de profundidade) a
4,3 mg/L (dezembro/02, 4 m de pro-
fundidade), sendo sempre registradas
concentrações mais elevadas nas camadas
superiores, que é onde ocorre a atividade
fotossintética das algas, com consequente
liberação de oxigênio. Cabe ainda desta-
car a influência da temperatura na disso-
lução de gases na água (lei de Henry), Figura 4 - Teores de oxigênio dissolvido (mg/L)
sendo tanto maior a dissolução quanto
mais fria for a temperatura da água. Des- uma reta desde a superfície até o fundo. mento do lago, poderá ocorrer, em deter-
ta forma os maiores teores de oxigênio são Na fase de estratificação o perfil torna-se minadas épocas do ano, uma redução do
normalmente encontrados no período clinogrado, isto é, assume a conformação teor de oxigênio nas camadas profundas,
de inverno. Observa-se também a ocor- de uma curva. Ocasionalmente os valores a qual deverá ser recuperada mediante a
rência do fenômeno de supersaturação de mais altos de oxigênio dissolvido foram circulação vertical natural do corpo
oxigênio, ou seja, a obtenção de teores encontrados não exatamente na superfí- d’água. No entanto quando o lago atin-
superiores ao limite de saturação para cie, mas um pouco abaixo, em região onde gir elevadas profundidades, aproximada-
aquela dada temperatura e aquela pressão frequentemente ocorre o maior acúmulo mente superiores a 100 m, espera-se uma
atmosférica. Assim sendo, as concentrações de algas. Observa-se assim o estabeleci- forte redução do estoque de oxigênio
superiores a 9 mg/L, registradas nos meses mento de máximas metalimnéticas, que dissovido nas camadas profundas, as quais
de agosto/02, outubro/02 e abril/03 de- constitui-se em fenômeno comum em tendem futuramente a permanecer
notam um excesso de oxigênio em decor- ambientes lênticos. Por outro lado ocor- anóxicas (com ausência de oxigênio) ou
rência da atividade fotossintética das al- rem eventualmente também as mínimas hipóxicas (com baixas concentrações de
gas. As diferenças de concentração entre metalimnéticas, como foi o caso em de- oxigênio). Cabe ressaltar que a restrita
superfície e fundo variaram de 3,3 mg/L zembro/02. Este perfil anômalo é devido presença de oxigênio dissolvido no fun-
(dezembro/02) a 0,02 mg/L (junho/02), ao acúmulo de bactérias na região do do de corpos d’água é um fenômeno co-
observando-se que as menores diferenças metalímnio, as quais podem atuar inten- mum em lagos pequenos e profundos,
ocorrem obviamente em períodos de cir- samente na decomposição da matéria or- como é o caso de Águas Claras, indepen-
culação da massa líquida. Nesta ocasião o gânica, provocando assim a diminuição dentemente de qualquer influência
perfil de oxigênio dissolvido assume o das concentrações de oxigênio dissolvi- antrópica.
aspecto ortogrado, ou seja, constitui-se em do. Com o prosseguimento do enchi-

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Transparência
Os valores de transparência obtidos
até o momento no lago de Aguas Claras
são relativamente baixos (Figura 5), vari-
ando de 0,5 m (dez/01) a 3 m (julho/03),
havendo a expectativa de que tornem-se
mais elevados com a evolução do enchi-
mento do lago. Na verdade isto já vem
ocorrendo desde março/03, como pode
ser evidenciado na mesma figura. Figura 5 - Transparência da água (m)
Nota-se uma esperada diminuição
de valores por ocasião do período de chu-
vas. Assim sendo, a média do período
abril-setembro (1,6 m) é consideravel-
mente superior àquela encontrada para o
período outubro-março (1 m). O aporte
natural de material mineral originário do
entorno da cava, aliado ao crescimento
de comunidades de algas, é o principais
responsáveis pelos teores obtidos. Estes
indicam que a profundidade da zona de
penetração de luz (zona fótica) varia no
intervalo de 1,5 a 9 m, já que esta região Figura 6 - Valores de turbidez
equivale a aproximadamente três vezes a
transparência (Esteves, 1998).

Turbidez de materiais corantes de origem orgânica. (Figura 8) variaram de 68 µS/cm


Constata-se ainda uma possível tendên- (nov/02, fundo) a 113 µS/cm (maio/01,
No lago de Aguas Claras os valores cia à estabilização dos teores de cor, os superfície), indicando a presença de sais
de turbidez variaram de 1,1 UNT (ju- quais atingiram um valor máximo de 2 dissovidos na água, de origem
nho/02, superf.) a 55 UNT (janeiro/03, unidades desde a coleta de março/02. geoquímica. Observa-se que tais valores
fundo). Conforme pode ser observado situam-se em uma faixa estreita e não têm
na Figura 6, existe, em geral, o predomí- pH se alterado significativamente ao longo do
nio de valores mais elevados nas coletas tempo. Por outro lado pode-se constatar
de fundo, em decorrência da precipita- Os valores de pH no lago de Aguas a ocorrência de teores um pouco mais ele-
ção do material suspenso em águas de Claras (Figura 7) oscilaram de 6,9 vados no período seco, quando não ocor-
baixa movimentação horizontal. A mé- (janeiro/03, superfície e fundo) a 9,2 re o efeito diluidor das águas de chuva.
dia dos teores de turbidez nas amostragens (novembro/02 e abril/03, superfície), ca- Possivelmente os valores de condutividade
de superfície foi de 8 unidades, contra racterizando portanto a ocorrência de nas amostragens futuras serão mantidos na
12 unidades nas amostragens de fundo. águas tipicamente alcalinas, como aliás é faixa de 70 a 90 µS/cm, considerando-se a
Observa-se ainda uma esperada compar- comum para os ambientes aquáticos na- ausência de quaisquer pulsos poluidores que
timentalização sazonal, com valores mais turais. venham a afetar significativamente a quali-
elevados sendo registrados no período chu- Observa-se quase sempre o predo- dade da água.
voso (média outubro-março: 11 UNT) mínio de teores mais elevados de pH na
em comparação com a época seca (média superfície em relação ao fundo, o que é Fosfato total e solúvel
abril-setembro: 5 UNT). Todos os resul- devido à atividade fotossintética da co-
tados obtidos situam-se bastante abaixo munidade fitoplanctônica, a qual absor- As concentrações de fosfato total no
do limite da Classe 2 (100 UNT), confor- ve o ácido carbônico durante seu proces- lago de Aguas Claras situaram-se na faixa
me Resolução CONAMA 20/86. so metabólico. Esta diferença entre ca- de < 0,01 mg/L a 0,177 mg/L (junho/01,
madas superiores e inferiores foi de até superfície). Abstraindo-se deste último
Cor 1 unidade (novembro/02). A média de valor, pode ser observada uma suave ten-
pH foi de 8 na superfície e de 6,9 no fun- dência temporal decrescente para as con-
Os teores de cor nas águas do lago do. Não se observa qualquer influência sa- centrações de fosfato. Os teores regis-
de Aguas Claras são muito baixos, tendo zonal na evolução dos teores de pH, po- trados, embora freqüentemente superio-
variado de < 1 unidade (em freqüentes dendo-se antever que os mesmos devam res (em cerca de 40 % dos resultados)
amostragens) a 6 unidades (maio/01). se manter futuramente na faixa de 7 a 9. ao limite estabelecido para a Classe
Não se observa uma clara tendência de 2 (0,025 mg/l), não podem ser conside-
predomínio de valores maiores na super- Condutividade elétrica rados como elevados, já que grande parte
fície ou no fundo.Os resultados obtidos dos corpos d’água no Estado de Minas
indicam uma presença muito restrita na Para a condutividade elétrica os teo- Gerais possuem concentrações naturais
água de colóides finamente dispersos ou res obtidos no lago de Aguas Claras superiores a este limite. Cabe ainda des-

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tacar que a referida Resolução encontra-


se em processo de revisão quanto à avali-
ação de fosfato total, cujo limite para a
Classe 2 deverá sofrer substancial incre-
mento. Não se observa uma clara caracte-
rização na diferença de valores entre su-
perfície e fundo, conforme pode ser
visualizado na Figura 9, embora seja per-
cebida uma leve propensão à obtenção
de maiores valores na coleta de fundo em
época de estratificação da massa líquida,
fato este já reportado em vários trabalhos Figura 7 - Teores de pH
sobre limnologia tropical (Tundisi &
Saijo, 1997).
Com relação à fração solúvel, gran-
de parte dos valores até agora obtidos
(aproximadamente 80 %) são inferiores
a 0,01 mg/L. Merece registro a elevada
concentração de fosfato solúvel encontrada
em junho/03, superfície (0,177 mg/L), que
coincide com o valor de fosfato total. A fra-
ção solúvel do fósforo é aquela que é mais
facilmente incorporada à biomassa das al-
gas. Com a evolução do enchimento da cava Figura 8 - Teores de condutividade elétrica (µS/cm)
e principalmente na fase pós-formação do
lago é provável que a fração solúvel esteja
mais fortemente presente nas camadas pro-
fundas em decorrência do fenômeno de
fertilização interna, ou seja, solubilização dos
sais de fósforo sob condições de anaerobiose.

Série nitrogenada
Os resultados da série nitrogenada
no lago de Aguas Claras apontam para
concentrações relativamente baixas dos
parâmetros analisados. O nitrogênio Figura 9 - Valores de fosfato total
amoniacal, que representa a fração reduzi-
da do nitrogênio, apresentou concentra-
ções variando de < 0,05 mg/L a 0,4 mg/L
(agosto/02, superfície) (Figura 10). À se-
melhança do fósforo, também aqui não se
constata uma tendência espacial (as dife-
renças entre superfície e fundo são muito
variáveis) nem tampouco temporal na evo-
lução dos resultados.
Com relação ao nitrogênio nítrico (Fi-
gura 11), as concentrações situaram-se na
faixa de < 0,01 mg/L a 1,3 mg/L (mai/01).
Destaca-se que os menores teores de nitrogê- Figura 10 - Concentrações de nitrogênio amoniacal
nio nítrico coincidem com valores mais ele-
vados de DBO, o que é explicado pela in- O estudo da relação nitrogênio/fós- sim o nitrogênio como nutriente
compatibilidade química entre estes dois foro permite uma avaliação aproximada limitante nesta fase. Cabe destacar que o
parâmetros. A apresentação gráfica dos resul- de qual é o nutriente limitante ao cresci- nitrogênio tem assumido o papel de
tados indica uma tendência na diminuição mento das algas. Conforme a Figura 12, limitante em ambientes aquáticos
dos valores ao longo do tempo. Observa-se observa-se que a maioria dos resultados impactados pelo lançamento de esgotos
ainda o freqüente predomínio da fração oxi- (80%) é superior a 7, o que caracteriza o (Downing & McCauley, 1992). As ra-
dada (N-nítrico) sobre a fração reduzida predomínio do fósforo como nutriente zões para isso são: as águas residuárias
(N-amoniacal), com exceção apenas de algu- limitante. No entanto no período novem- domésticas possuem uma relação N/P
mas coletas, em consonância portanto com a bro/02-junho/03, ocorreu uma substan- inferior à demanda das algas, ou seja, em
boa condição de oxigenação das águas do cial redução na relação N/P, com apenas tese faltaria nitrogênio para o crescimen-
lago de Aguas Claras. dois resultados acima de 7, indicando as- to destes organismos; em lagos impactados

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ocorre o fenômeno da desnitrificação nas
camadas profundas, o qual conduz a uma
perda de nitrogênio; finalmente nestes
ambientes pode entrar em ação o proces-
so de fertilização interna, isto é, liberação
de fósforo das camadas anaeróbias do se-
dimento. A conjunção destes fatores leva
à conclusão de que a constatação do ni-
trogênio como nutriente limitante pode
estar associada a uma baixa qualidade eco-
lógica do ambiente.
Figura 11 - Concentrações de nitrogênio nítrico
Para o lago de Águas Claras a ten-
dência, já manifestada nos resultados do
monitoramento, é de que o fósforo assu-
ma permanentemente o papel de
limitante, muito embora seja observada
uma tendência de decréscimo na relação
N/P (Figura 12). Nesta mesma figura
constata-se ainda a ocorrência de picos na
relação N/P durante a época seca, ocasião
em que normalmente a qualidade da água
é melhor devido à ausência de chuvas.
Este comportamento tem sido observado
em outros ambientes lênticos situados na Figura 12 - Relação nitrogênio total / fósforo total
Região Metropolitana de Belo Horizonte
(Souza, 2003). Uma possível explicação
para tal fato seria a maior assimilação do matéria orgânica já chega mineralizada ao 14 pode-se observar, a partir aproxima-
fósforo pelas algas em períodos de altos fundo do lago, não gerando conse- damente de fevereiro/03, uma tendência
valores de transparência. quentemente teores altos de DBO. Em decrescente para os teores de ferro no fun-
Reduzidos valores da relação geral, não se observa uma segmentação do do lago.
TN/TP favorecem o predomínio de espé- temporal delineada, ou seja, não existem A fração solúvel do ferro teve con-
cies algais com heterocistos (células trans- diferenças marcantes entre coletas feitas centrações sempre inferiores a 0,05 mg/L
parentes, com paredes espessas, que ocor- na seca e no período chuvoso. Embora a (limite da Classe 2: 0,3 mg/L), o que in-
rem ao longo do filamento de certas algas), obtenção de baixas concentrações já fos- dica não estar ocorrendo processo
as quais são capazes de fixar nitrogênio di- se esperada, dado o fato de não existir bioquímico de solubilização do ferro. Em
retamente da atmosfera. Na Figura 12 os fonte de contaminação orgânica no en- um período futuro, quando o estoque de
valores mais baixos de TN/TP estão asso- torno da cava, o registro de reduzidos oxigênio dissolvido no fundo do lago re-
ciados à presença de cianobactérias dos gê- valores de DBO é sempre um excelente in- duzir-se ou mesmo acabar devido à ausên-
neros Raphidiopsis e Oscillatoria, ambas dicador de qualidade. Os teores encontrados cia de uma circulação completa da massa
heterocistadas (Margaleff, 1983). apontam para uma restrita demanda de oxi- líquida, deverá ocorrer a ressolubilização
gênio, possivelmente apenas para a decom- do ferro contido no sedimento do lago.
Demanda bioquímica de posição da matéria orgânica autóctone, ou seja,
oxigênio aquela gerada dentro do próprio lago, como é Manganês
o caso típico das algas. É importante destacar
De forma coerente com a boa que o enchimento da cava está sendo feito em As concentrações de manganês
oxigenação das águas na cava da mina de região desprovida de vegetação, não havendo oscilaram entre < 0,05 mg/L (70 % dos
Aguas Claras, a DBO encontrada foi mui- assim a demanda de oxigênio para estabiliza- resultados) e 0,17 mg/L (fev/02, fundo),
to baixa, com concentrações variando de ção de matéria orgânica vegetal. que constituem-se em valores relativa-
< 0,1 mg/L (diversas coletas) a 4,3 mg/L mente baixos (Figura 15). Apenas 5 %
(dezembro/02, superfície) (Figura 13). Ferro dos teores foram superiores ao limite da
Todos os teores obtidos situam-se portan- Classe 2 (0,1 mg/L). Observa-se um cla-
to abaixo do limite da Classe 2 (5 mg/L). Os teores de ferro total no lago de ro declínio das concentrações a partir de
À exceção do valor de dezembro/02, cuja Aguas Claras situaram-se na faixa de março/02, quando apenas 3 valores situ-
magnitude deve ter sido influenciada < 0,05 mg/L (diversas amostragens) a aram-se acima de 0,05 mg/l. Após feve-
pelo período chuvoso, todos os outros re- 1,73 mg/L (jan/03, fundo) (Figura 14). reiro/03, todos os resultados foram infe-
sultados são inferiores a 2,8 mg/L, com Tais valores são típicos de bacias de dre- riores a 0,05 mg/l. De forma semelhante
cerca de 80 % deles iguais ou menores nagem geoquimicamente ricas em ferro, ao ferro, também aqui foram observados
que 1 mg/L. Frequentemente os valores como é o caso da cava de Águas Claras. teores mais elevados na camada profun-
das coletas de superfície têm sido superi- Observou-se o predomínio de concen- da. A fração solúvel de manganês situou-
ores aos das coletas de fundo. Isto deve-se trações mais elevadas na região de fundo, se sempre abaixo do limite analítico de
à rápida decomposição da matéria orgâ- formada pelo sedimento com alto con- detecção (0,05 mg/L).
nica nas camadas superficiais, ou seja, esta teúdo de minério de ferro. Pela Figura

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Figura 13 - Valores de demanda bioquímica de oxigênio Figura 14 - Concentrações de ferro total

Bacteriologia
A análise da eventual presença de
bactérias coliformes (coliformes fecais e
E. coli) tem por objetivo avaliar a qualida-
de bacteriológica da água com relação à
contaminação por esgotos. Sabe-se que
algumas espécies de coliformes podem
ocasionalmente ser encontradas no pró-
prio solo ou mesmo na vegetação. Neste
aspecto a determinação de bactérias
Escherichia coli torna-se mais confiável, em Figura 15 - Concentrações de manganês total
virtude das mesmas serem originárias ex-
clusivamente do trato intestinal de seres de lagos em processo de formação são espera- mes no período anterior. Em um contexto
humanos e dos outros animais de sangue das oscilações qualitativas (composição das mais amplo, nota-se ainda uma tendência
quente. Os resultados obtidos no lago de espécies) e quantitativas (populações de cada de gradual declínio das populações algais
Aguas Claras apontam para uma virtual espécie), até que o ambiente atinja natural- ao longo do tempo (Figura 16).
ausência de contaminação fecal, com quase mente um estado de equilíbrio (homeostase). Quanto à composição dos grupos
todos os valores sendo inferiores a 2 NMP O grupo do plâncton é constituido algais (Figura 17), observou-se uma inte-
(Número mais provável/100 mL). por organismos sem movimentação pró- ressante alternância de predomínios, ca-
Coliformes fecais: 80 % dos resulta- pria, que vivem em suspensão na água, racterizando a forte instabilidade do
dos iguais ou inferiores a 2 NMP/100 mL; podendo ser agrupados em fitoplâncton ecossistema aquático em formação.
único valor elevado, digno de registro, ocor- (algas, bactérias) e zooplâncton A sequência de dominância dos di-
reu na coleta de dezembro/02, fundo (protozoários, rotíferos, crustáceos). A versos grupos do fitoplâncton pode ser
(2400). A obtenção desta alta concentra- comunidade planctônica exerce um pa- resumida pelo esquema abaixo:
ção deve estar associada às fortes chuvas do pel fundamental na ecologia aquática,
período. tanto na construção da cadeia alimentar Cianofíceas ⇒ Clorofíceas e Pirrofíceas
Escherichia coli: 86 % dos resultados quanto na condução de processos essen- ⇒Euglenofíceas⇒Clorofíceas⇒
iguais ou inferiores a 2 NMP/100 mL. ciais, como a produção de oxigênio e a Fitoflagelados e Clorofíceas ⇒ Crisofíceas
Valor máximo de 23 em dezembro/02, decomposição da matéria orgânica. ⇒Clorofíceas ⇒Pirrofíceas⇒ Clorofíceas
fundo, coincidindo com o alto valor de As densidades do fitoplâncton ob- ⇒Crisofíceas⇒ Pirrofíceas ⇒ Clorofíceas
coliformes fecais. tidas até a última coleta (setembro/2003) ⇒Pirrofíceas⇒Crisofíceas ⇒ Clorofíceas
Em termos de balneabilidade (Reso- são extremamente variáveis, refletindo a ⇒Fitoflagelados⇒ Crisofíceas
lução CONAMA 274/00) as águas do lago instabilidade típica de ambientes aquáti- Observa-se que as algas clorofíceas
estão enquadradas na categoria excelente cos em processo de formação (Figura 16). quase sempre intercalam na dominância,
(limites para esta classe: 250 NMP/100 mL A menor população algal foi registrada constituindo-se no único grupo que nun-
de coliformes fecais e 200 NMP/100 mL no mês de julho/03 (237 ind/10 mL), ca ficou duas coletas seguidas sem apre-
de E. coli. enquanto que a maior (42.223 ind/10 mL) sentar população detectável. Este é o gru-
ocorreu em época semelhante (agosto/03), po que apresentou até agora a maior
Hidrobioloia evidenciando a forte oscilação temporal dominância global.
dos resultados. Observa-se a leve tendên- A distribuição quantitativa dos diver-
A análise hidrobiológica das águas na cia de obtenção de densidades mais ele- sos grupos algais, no período agosto/01 a
cava, com determinação de fitoplâncton e vadas no período seco, quando a capaci- setembro/03, é representada na Figura 18.
zooplâncton, foi realizada a partir da campa- dade diluidora do ambiente aquático é São registrados picos da população
nha de amostragem de setembro/01. Os re- menor. Destaca-se também a ocorrência fitoplanctônica em períodos que se se-
sultados hidrobiológicos constituem-se em de picos de população de algas a partir de guem à estação chuvosa. Este compor-
excelente instrumental para a avaliação da abril/02, contrastando com o predomínio tamento foi observado em outros siste-
qualidade de ambientes aquáticos. No caso de densidades aproximadamente unifor- mas lênticos brasileiros (Esteves, 1998,

Eng. sanit. ambient. 256 Vol. 9 - Nº 3 - jul/set 2004,250-259


Formação de lagos em cavas de mineração

ARTIGO TÉCNICO
Figura 16 - Evolução da população do fitoplâncton Figura 17 - Evolução temporal da composição do fitoplâncton

Pinto-Coelho et. al., 2003), assim como dominância de Chlamydomonas foi registrada pirrófitas, sendo 3 do gênero Peridinium
em lagos tropicais fora do país (Ryding & em lagos de mineração de características extre- [P. cinctum (dominante), P. volzii e P.
Rast, 1989), provavelmente em mamente ácidas (Lessmann et. al., 2000). wisconsinense] e 1 do gênero Peridinopsis.
consequência do aparecimento de condições
limnológicas favoráveis (diminuição da Euglenophyta: surgiram apenas na Fitoflagelados: as algas fitoflageladas fo-
turbidez, ocorrência de ventos mais fracos) amostragem de fevereiro/2002, ocupan- ram detectadas logo no início do enchi-
após o período de chuvas. Destaca-se ainda o do 70 % da população fitoplanctônica mento do lago de Águas Claras, seguin-
fato de que alguns episódios de queda na total e com a clara dominância do gênero do-se então períodos de forte presença e
população fitoplanctônica coincidem com aclorofilado Peranema. Em maio/2002 de desaparecimento, como tem sido a tô-
picos da comunidade zooplanctônica, como ocorreu uma fraca floração de euglenófitas, nica com vários outros grupos algais.
foi o caso em fevereiro e outubro/2002 e representadas unicamente pelo gênero Com relação ao zooplâncton obser-
junho/2003. Trachelomonas. A presença de euglenófitas vou-se uma forte variação de densidades,
As principais características de cada no lago de Águas Claras está correlacionada desde 41 ind./10 L (fevereiro/2003) até
grupo fitoplanctônico são: com a obtenção de elevados teores de DBO 92.800 ind./10 L (agosto/2001) (Figura
e turbidez. A maior parte dos gêneros en- 19). Tais oscilações, como também para o
Cyanophyta: o predomínio mais regular contrados são constituidos por organismos caso do fitoplâncton, devem ser debitadas à
deste grupo, fato este todavia não ocorri- flagelados não pigmentados, os quais não instabilidade natural decorrente de um am-
do, poderia suscitar fundadas preocupa- realizam fotossíntese, vivendo portanto na biente aquático em processo de formação.
ções com relação à possível presença de dependência de disponibilidade de maté- Pode ser constatada uma clara tendência de
cianotoxinas, já que as primeiras mortes ria orgânica. diminuição da população zooplanctônica
causadas por estes metabólitos e registradas ao longo do tempo.
na literatura internacional são originárias Chrysophyta: estiveram presentes em Foram encontradas populações
do Brasil, em 1996 (Azevedo et. al., baixas densidades na fase inicial de en- zooplanctônicas mais elevadas no perío-
1996, Azevedo, 1998). Tais florações chimento do lago, havendo então a pre- do seco (época invernal), o que pode ter
provocam consideráveis danos ao ambi- sença quase exclusiva do gênero Synedra, sido causado por um incremento de
ente aquático, conforme já amplamente acompanhado eventualmente de salinidade em decorrência da maior eva-
reportado na literatura especializada, não Pinnularia. A partir de maio/2002 as poração. Esta característica não parece no
apenas com relação a lagos e represas crisofíceas dominaram por 3 meses, se- entanto estar claramente elucidada, já que
(Chorus & Bartram, 1999, Bouvy et. al., guindo-se então uma alternância de perí- pesquisas em lagos brasileiros mostram um
2000, Carmichael et. al., 2001), mas odos de desaparecimento e de predomí- aumento da comunidade do zooplâncton
também para o caso de rios (Lanciotti et. nio. Outros gêneros registrados em eleva- na estação chuvosa (Sendacz, 1984), en-
al., 2003). As algas cianofíceas foram do- das densidades foram Cyclotella e quanto outros autores consideram a chu-
minantes no Lago de Águas Claras apenas Navicula. No geral apenas estes 4 taxa va como um fator de perda para o
no período inicial de enchimento (agosto e foram registrados quantitativamente, to- zooplâncton (Campbell et. al., 1998).
setembro/2001), com destaque para as es- dos eles pertencentes ao grupo das Não apenas as densidades, mas tam-
pécies Synechocystis prevalekii (formada diatomáceas. As algas diatomáceas têm bém os grupos dominantes têm apresen-
por pequenos organismos com tamanho sido apontadas como dominantes em la- tado amplas variações, ressaltando-se a
de 2,4 a 3,5 µ) e Hyella sp. vivem prefe- gos formados em cavas de mineração de alternância de predomínio geral entre
rencialmente no lodo (Komárek & cascalho (Hindak & Hindáková, 2003). rotíferos e crustáceos (Figura 20). Os
Anagnostidis, 1999), o que justifica sua protozoários só compuseram o grupo
presença na fase inicial de formação do lago. Pyrrophyta: a população de algas dominante em concentrações muito bai-
pirrófitas tem se apresentado de forma xas (75 ind/10 L em julho/02, 41 em
Chlorophyta: predomínio geral da espé- bastante variável ao longo do período de fevereiro/03, 145 em julho/03).
cie Chlorella vulgaris. Em março/2002 amostragem, tornando-se por vezes o gru- A sequência de dominância está
ocorreu floração de Monoraphidium sp., po dominante na comunidade fito- sumarizada abaixo:
cuja detecção pode estar associada à pre- planctônica e ocasionalmente desapare-
sença de matéria orgânica (Palmer, 1962). cendo completamente; no conjunto de Rotíferos ⇒ crustáceos ⇒ rotíferos ⇒
Outros gêneros frequentes foram Chlorococcum, análises realizadas foi feita a detecção qua- crustáceos ⇒ rotíferos ⇒ crustáceos e
Chlamydomonas and Sphaerocystis. A litativa de apenas 4 espécies de algas protozoários ⇒ rotíferos ⇒ crustáceos

Eng. sanit. ambient. 257 Vol. 9 - Nº 3 - jul/set 2004,250-259


Sperling, E. v.; Jardim, F. A.; Grandchamp, C. A. P.
ARTIGO TÉCNICO

Figura 18 - Distribuição percentual dos grupos algais Figura 19 - Evolução da população do zooplâncton

⇒ protozoários ⇒ crustáceos ⇒
rotíferos ⇒ protozoários ⇒ rotíferos
No período de agosto/01 a setem-
bro/03 as populações do zooplâncton es-
tiveram quase que exclusivamente divi-
didas entre rotíferos e crustáceos: rotíferos
(66 %), crustáceos (33 %), protozoários (1 %).
Os picos de população do
zooplâncton não seguem nenhum claro
padrão sazonal, mas algumas vezes estão
correlacionados com as densidades Figura 20 - Evolução da composição do zooplâncton
fitoplanctônicas, como já foi reportado
no caso de lagos de mineração (Packroff,
2000). A Figura 20 mostra um marcante se abaixo dos limites fixados para a Classe REFERÊNCIAS
pico populacional do zooplâncton em fe- 2. O único parâmetro que não está em
vereiro/2002, o qual coincidiu com uma conformidade plena com a referida legis- APHA. Standard methods for the examination
queda na densidade do fitoplâncton. lação é o fosfato total, cuja presença natu- of water and wastewater. 20. Ed., Washington
DC: American Public Health Association,
Nesta ocasião ocorreu a dominância de ral nos solos da região é significativa, de 1998
algas Cyclopoida (principalmente do gê- acordo com considerações feitas anterior-
mente neste trabalho. No aspecto hidro- AZEVEDO, S.M.F.O., et. al. First report of
nero Peranema), as quais são organismos mycrocystins from a Brazilian isolate of the
detritívoros e carnívoros (Hutchinson, biológico observa-se claramente a forte cyanobacterium Microcystis aeruginosa. Journal
1975; Cole, 1983) e vivem preferencial- instabilidade do ambiente em formação, of Applied Phycology v. 6, p. 261-265, 1996
mente no metalímnio de lagos e represas notadamente com relação à sequência do AZEVEDO, S.M.F.O. Effects of toxic Cyanobacteria
(Okano, 1980). predomínio de grupos de algas e à on environmental quality and human health in Brazil.
alternância entre rotíferos e crustáceos na Proceedings of the International Conference on
CONCLUSÕES comunidade do zooplâncton. Toxic Cyanobacteria 4, Beaufort, NC, USA, 1998
De maneira geral constata-se a ten- BOLAND, K.T. & PADOVAN, A.V. Seasonal
Os resultados das campanhas de dência à obtenção de um equilíbrio nos stratification and mixing in a recently flooded
monitoramento até agora realizadas, ava- valores de vários parâmetros, à medida mining void in tropical Australia. Lakes and
Reservoirs: Research and Management v.7, p.
liados em conjunto, permitem concluir em que o lago vai adquirindo uma certa 125-131, 2002
pelo predomínio de uma qualidade de estabilidade na sua estrutura fisico-quí-
mica. No entanto os parâmetros BOUVY, M., et. al. Occurrence of
água muito boa no lago em formação. Cylindrospermopsis (cyanobacteria) in 39 Brazilian
Trata-se de um ambiente bem oxigena- hidrobiológicos e aqueles que estão asso- tropical reservoirs during the 1998 drought. Aquatic
do, inclusive nas camadas profundas, com ciados à dinâmica de crescimento de or- Microbiology and Ecology v. 23, p. 13-27, 2000
baixos teores de cor e turbidez, de pH ganismos, como nutrientes por exemplo, CAMPBELL, C.E., KNOECHEL, R. &
levemente alcalino, com um restrito grau deverão ainda experimentar sensíveis va- COPEMAN, D. Evaluation of factors related to
de mineralização (baixa alcalinidade, du- riações ao longo do tempo, decorrentes increased zooplankton biomass and altered species
do próprio processo de formação do lago. composition following impoundment of a
reza e condutividade elétrica) e reduzi- Newfoundland reservoir. Canadian Journal of
dos teores de nutrientes. As águas na cava O prognóstico favorável com relação à Fisheries and Aquatic Sciences v. 55, p. 230-
estão livres de contaminação mineral e qualidade da água no lago de Águas Cla- 238, 1998
orgânica, o que é evidenciado pelos bai- ras permite indicar como prováveis usos
CARMICHAEL, W.W., et. al. Human fatalities
xos valores de DBO, nitrogênio amoniacal para o futuro ambiente as atividades de from cyanobacteria: chemical and biological
e coliformes, assim como pela ausência de recreação (natação, pesca, vela), harmo- evidence for cyanotoxins. Environmental Health
metais pesados e de outros agentes tóxi- nia paisagística e, caso necessário, abaste- Perspectives, v. 109, p. 663-668, 2001
cos. Dentre os parâmetros constantes dos cimento de água para comunidades vizi- CHAPMAN, D. & KIMSTACH, V. The
Padrões de Qualidade para Corpos nhas. Devido à elevada profundidade do selection of water quality variables. In: Chapman,
d’Água (Resolução CONAMA 20/86), lago o exercício de recreação de contato D. (Org.), Water quality assessments: a guide
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quase todos os resultados do monito- primário deverá estar vinculado a estritas environmental monitoring. 1. Edition,
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Eng. sanit. ambient. 258 Vol. 9 - Nº 3 - jul/set 2004,250-259


Formação de lagos em cavas de mineração

ARTIGO TÉCNICO
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Internationale Revue der Gesamten RYDING, S.O. & RAST, W. The control of Fax: (31) 3238-1879
Hydrobiologie v. 80, p. 639-653, 1995 eutrophication of lakes and reservoirs. Paris: E-mail: eduardo@desa.ufmg.br
KOMÁREK, J. & ANAGNOSTIDIS, K. UNEP, Parthenon, 1989
Süsswasserflora von Mitteleuropa –
Cyanoprokariota. Jena: Gustav Fischer Verlag,
1999

engenharia
sanitária
eambiental
INDEXAÇÃO: Repidisca - Rede Panamericana de Informaciones en Salud Ambiental
Home Page - http://www.cepis.org.pe

Também na versão on-line: www.abes-dn.org.br

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