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Análise Matemática III

Textos de Apoio

Cristina Caldeira
A grande maioria dos exercı́cios presentes nestes
textos de apoio foram recolhidos de folhas práticas
elaboradas ao longo dos anos por vários docentes
do Departamento de Matemática da FCTUC.
Índice

1 Cálculo diferencial em Rn 1
1.1 Algumas noções topológicas em Rn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1.1 Produto interno. Norma e distância euclidianas . . . . . . . . . . . 1
1.1.2 Bolas abertas e fechadas. Pontos interiores, fronteiros, de acumulação,
isolados, exteriores e aderentes. Vizinhança de um ponto. Conjuntos
abertos, conjuntos fechados e conjuntos limitados . . . . . . . . . . 3
1.1.3 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2 Funções reais de várias variáveis reais (parte 1) . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2.1 Definições básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2.2 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.2.3 Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.2.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.2.5 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.2.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.2.7 Derivação parcial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
1.2.8 Teorema de Schwarz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
1.2.9 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
1.2.10 Funções diferenciáveis e diferencial de uma função . . . . . . . . . . 34
1.2.11 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
1.2.12 Derivação de funções compostas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
1.2.13 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
1.2.14 Derivadas direccionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
1.2.15 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
1.3 Funções vectoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
1.3.1 Limites, continuidade e matriz Jacobiana . . . . . . . . . . . . . . . 53
1.3.2 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
1.3.3 Curvas no espaço. Recta tangente a uma curva no espaço, plano
tangente e recta normal a uma superfı́cie . . . . . . . . . . . . . . . 59
1.3.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
1.3.5 Teorema da função inversa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
1.3.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
1.4 Funções reais de várias variáveis reais (parte 2) . . . . . . . . . . . . . . . 68
1.4.1 Teorema da função implı́cita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
1.4.2 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
1.4.3 Fórmula de Taylor para funções reais de 2 variáveis reais . . . . . . 73

i
1.4.4 Extremos. Extremos condicionados . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
1.4.5 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

2 Equações diferenciais lineares 95


2.1 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
2.2 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
2.3 Equações diferenciais lineares de primeira ordem . . . . . . . . . . . . . . . 98
2.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
2.5 Equações diferenciais lineares de ordem n . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
2.5.1 Classificação e teorema da existência e unicidade . . . . . . . . . . . 102
2.5.2 Sistemas fundamentais de soluções para equações diferenciais lineares
homogéneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
2.5.3 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
2.5.4 Método de abaixamento de ordem ou método de D’Alembert . . . . 113
2.5.5 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
2.5.6 Equações diferenciais lineares homogéneas de coeficientes constantes 120
2.5.7 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
2.5.8 Método do polinómio anulador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
2.5.9 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
2.5.10 Exemplo de aplicação das equações diferenciais lineares de ordem
dois e coeficientes constantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
Movimento harmónico simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
Movimento harmónico amortecido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
Movimento harmónico forçado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
2.5.11 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
2.5.12 Equações de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
2.5.13 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
2.5.14 Método de Lagrange . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
2.5.15 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154

Bibliografia 157
Capı́tulo 1

Cálculo diferencial em Rn

1.1 Algumas noções topológicas em Rn


1.1.1 Produto interno. Norma e distância euclidianas
Seja n um inteiro positivo. Por Rn designamos o conjunto

{(x1 , x2 , . . . , xn ) : xi ∈ R , i = 1, 2, . . . , n} .

Rn é um espaço vectorial real de dimensão n para a adição de vectores e multiplicação


escalar definidas do seguinte modo:
para x = (x1 , x2 , . . . , xn ), y = (y1 , y2 , . . . , yn ) ∈ Rn , λ ∈ R

x + y = (x1 + y1 , x2 + y2 , . . . , xn + yn )

e
λx = (λx1 , λx2 , . . . , λxn ) .
A base canónica de Rn é a base constituı́da pelos vectores e1 , e2 , . . . , en , onde

i

ei = (0, . . . , 0, 1 , 0, . . . , 0) , i = 1, 2, . . . , n .

Para x = (x1 , x2 , . . . , xn ) e y = (y1 , y2 , . . . , yn ) em Rn o produto interno de x e y é o


número real definido por
X n
< x, y >= xi yi .
i=1

Observação 1.1.1 São também usuais as notações ~x para (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ Rn e ~x · ~y


para < x, y >.

Para x = (x1 , x2 , . . . , xn ) em Rn a norma euclidiana de x é o número real não negativo


√ q
kxk = < x, x > = x21 + x22 + · · · + x2n .

1
2 Textos de Apoio de Análise Matemática III

O espaço vectorial real Rn com este produto interno e esta norma é o espaço euclidiano
de dimensão n.
Recorde-se, de Álgebra Linear, que num espaço vectorial real,V , com um produto in-

terno < , > e uma norma definida por kvk = < v, v > são válidas as desigualdades:

| < u, v > | ≤ kuk kvk , ∀u, v ∈ V (desigualdade de Cauchy-Schwarz) ;

ku + vk ≤ kuk + kvk , ∀u, v ∈ V (desigualdade triangular) ;

ku − vk ≥ | kuk − kvk | , ∀u, v ∈ V .


No caso particular do espaço euclidiano de dimensão n estas desigualdades tomam a
forma:

v v
Xn u n u n
uX 2 uX
xi yi ≤ t xi t y2 , i ∀(x1 , . . . , xn ), (y1 , . . . , yn ) ∈ Rn (1.1)

i=1 i=1 i=1

(desigualdade de Cauchy-Schwarz) ;

v v v
u n u n u n
uX uX uX
t (xi + yi )2 ≤ t x2i + t yi2 , ∀(x1 , . . . , xn ), (y1 , . . . , yn ) ∈ Rn (1.2)
i=1 i=1 i=1

(desigualdade triangular) ;

v v v
u n uXn u n
u X u uX
t (xi − yi )2 ≥ t x 2
− t yi2 , ∀(x1 , . . . , xn ), (y1 , . . . , yn ) ∈ Rn . (1.3)
i
i=1 i=1 i=1

Sejam x = (x1 , x2 , . . . , xn ) e y = (y1 , y2 , . . . , yn ) em Rn . A distância euclidiana entre x


e y é o número real não negativo
p
d(x, y) = kx − yk = (x1 − y1 )2 + (x2 − y2 )2 + · · · + (xn − yn )2 .

Verifica-se facilmente que d(x, y) = 0 ⇔ x = y.


Em R, R2 e R3 a noção de distância euclidiana coincide com a “noção intuitiva”de
distância entre dois pontos: p
Para x, y ∈ R, d(x, y) = (x − y)2 = |x − y| é a medida do segmento de recta cujas
extremidades são os pontos da recta real de abcissas x e y, respectivamente. Se y > x > 0
esse segmento de recta é o representado na figura 1.1.1.
Cristina Caldeira 3

Fig. 1.1.1

Para x = (x1 , x2 ) e y = (y1 , y2 ) em R2 , d(x, y) = kx − yk é a medida do segmento de


recta cujas extremidades são os pontos do plano de coordenadas (x1 , x2 ) e (y1 , y2 ), respec-
tivamente (figura 1.1.2).

Fig. 1.1.2

1.1.2 Bolas abertas e fechadas. Pontos interiores, fronteiros, de


acumulação, isolados, exteriores e aderentes. Vizinhança
de um ponto. Conjuntos abertos, conjuntos fechados e
conjuntos limitados

Seja n um inteiro positivo. Vamos definir duas noções que generalizam os conceitos de
intervalo aberto e intervalo fechado de R.
Chama-se bola aberta de centro em a ∈ Rn e raio δ ∈ R+ ao conjunto

B(a, δ) = {x ∈ Rn : d(a, x) < δ} .

Chama-se bola fechada de centro em a ∈ Rn e raio δ ∈ R+ ao conjunto

B(a, δ) = {x ∈ Rn : d(a, x) ≤ δ} .

Observe-se que a ∈ B(a, δ) e B(a, δ) ⊂ B(a, δ).


4 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Exemplo 1.1.1

(1) Em R,
B(a, δ) = {x ∈ R : |x − a| < δ} =]a − δ, a + δ[
e
B(a, δ) = {x ∈ R : |x − a| ≤ δ} = [a − δ, a + δ] .

(2) Em R2 a bola aberta de centro em a e raio δ é o cı́rculo, sem a circunferência que o


delimita, de centro em a e raio δ. A bola fechada de centro em a e raio δ é o cı́rculo
de centro em a e raio δ (figura 1.1.3).

Fig. 1.1.3

(3) Em R3 a bola aberta de centro em a e raio δ é a esfera, sem a superfı́cie esférica que
a delimita, de centro em a e raio δ. A bola fechada de centro em a e raio δ é a esfera
de centro em a e raio δ.
Seja S um subconjunto de Rn .
Um ponto a ∈ S diz-se um ponto interior de S se existe uma bola aberta de centro em
a e contida em S, isto é, se
∃δ ∈ R+ : B(a, δ) ⊆ S .
O interior de S é o conjunto dos pontos interiores de S e representa-se por int(S). Se
a é um ponto interior de S diz-se também que S é uma vizinhança de a.
Um ponto a ∈ Rn diz-se um ponto fronteiro de S se qualquer bola aberta de Rn centrada
em a intersecta (isto é, tem intersecção não vazia com) S e o complementar de S,
Rn \S = {x ∈ Rn : x 6∈ S} .
A fronteira de S é o conjunto dos pontos fronteiros de S e representa-se por f r(S).
Um ponto a ∈ Rn diz-se um ponto de acumulação de S se toda a bola aberta centrada
em a contém pontos de S distintos de a, isto é,
∀δ ∈ R+ (B(a, δ) \ {a}) ∩ S 6= ∅ .
Cristina Caldeira 5

Observe-se que um ponto de acumulação não precisa de pertencer ao conjunto.


O conjunto de pontos de acumulação de S é o derivado de S e representa-se por S 0 .
Um ponto a diz-se um ponto isolado de S se a ∈ S e a 6∈ S 0 , isto é,

∃δ > 0 : B(a, δ) ∩ S = {a} .

É válido o resultado:

Proposição 1.1.1 Sejam S ⊆ Rn e a ∈ Rn . O ponto a é um ponto de acumulação de S


se e só se a é um ponto interior de S ou a é um ponto fronteiro não isolado.

Um ponto a ∈ Rn diz-se um ponto exterior de S se a é um ponto interior de Rn \S. O


exterior de S é o conjunto dos pontos exteriores de S e representa-se por ext(S).
Um ponto a ∈ Rn diz-se um ponto aderente a S se

∀δ ∈ R+ B(a, δ) ∩ S 6= ∅ .

O conjunto de pontos aderentes a S é o fecho de S e representa-se por S. Facilmente se


conclui que S 0 ⊆ S.

Exemplo 1.1.2

(1) Seja S1 = [2, 4[∪{5} ⊆ R. Tem-se:


int(S1 ) =]2, 4[, f r(S1 ) = {2, 4, 5}, S10 = [2, 4], ext(S1 ) =] − ∞, 2[∪]4, 5[∪]5, +∞[ e
S1 = [2, 4] ∪ {5}.
Observe-se que 4 é um ponto fronteiro e um ponto de acumulação de S1 mas não
pertence a S1 . O ponto 5 é um ponto isolado de S1 .

(2) Seja S2 = {(x, y) ∈ R2 : x ≤ y}.

Fig. 1.1.4
6 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Para este conjunto tem-se:


int(S2 ) = {(x, y) ∈ R2 : x < y}, f r(S2 ) = {(x, y) ∈ R2 : x = y},
ext(S2 ) = {(x, y) ∈ R2 : x > y}, S20 = S2 e S2 = S2 .

(3) Seja
  
1
S3 = ,0 :n∈N .
n
O interior de S3 é o conjunto vazio porque qualquer vizinhança de um número racional
contém números irracionais. Vejamos que (0, 0) é um ponto de acumulação (aliás o
único) de S3 . Seja δ > 0 qualquer. Considere-se n ∈ N tal que n > 1/δ. Então
  r
1 1 1
, 0 − (0, 0) = = <δ
n n 2 n

e portanto em toda a bola aberta centrada em (0, 0) existem pontos de S3 obviamente


distintos de (0, 0).

Seja S um subconjunto S de Rn .
S diz-se um conjunto aberto se S coincide com o seu interior, isto é, int(S) = S.
S diz-se um conjunto fechado se S contém a sua fronteira, isto é, f r(S) ⊆ S.
S diz-se um conjunto limitado se existe uma bola aberta de Rn que contém S.
Prova-se que

Proposição 1.1.2 Um subconjunto S de Rn é aberto se e só se S é uma união (finita ou


infinita) de bolas abertas.

Proposição 1.1.3 Seja S um subconjunto Rn . As afirmações seguintes são equivalentes

(i) S é fechado;

(ii) Rn \S é aberto;

(iii) S = S.

Exemplo 1.1.3

(1) O conjunto vazio e Rn são simultaneamente abertos e fechados.

(2) O conjunto S1 = [2, 4[∪{5} ⊆ R não é aberto nem fechado. S1 é limitado. Por exemplo
S1 ⊂]1, 6[.
Cristina Caldeira 7

1.1.3 Exercı́cios
1. Verifique se cada um dos seguintes conjuntos é ou não vizinhança dos pontos P
indicados:

(a) {(x, y) ∈ R2 : (x − 3)2 + (y − 1)2 < 1} e P = (3, 1);


(b) {(x, y) ∈ R2 : (x − 3)2 + (y − 1)2 ≤ 21 } e P = (3, 1);
(c) R2 e P = (3, 1);
(d) {(3, 1)} e P = (3, 1);
(e) Uma recta que contenha o ponto (3, 1) e P = (3, 1);
(f) Uma bola fechada de centro em (2, 1, 5) e P = (2, 1, 5);
(g) Uma recta que contenha (2, 1, 5) e P = (2, 1, 5);
(h) Um plano que contenha (2, 1, 5) e P = (2, 1, 5).

2. Considere os seguintes subconjuntos de R2 :

S1 = {(x, y) ∈ R2 : (x > 0 ∧ x + y < 1) ∨ (1 < x < 3 ∧ 0 < y < 2)} ;

S2 = {(x, y) ∈ R2 : xy 6= 0} ;
xy
S3 = {(x, y) ∈ R2 : y−x2
∈ R ou xy = 0} ;

2x
S4 = {(x, y) ∈ R2 : 4−x2 −y 2
∈ R ou x = 0} .

Para cada um deles,

(a) determine o interior, o exterior, a fronteira, o fecho e o derivado;


(b) verifique se são abertos, fechados ou limitados.

1.2 Funções reais de várias variáveis reais (parte 1)


1.2.1 Definições básicas
Seja ∅ 6= D ⊆ Rn . Uma função real de n variáveis reais definida em D é uma corres-
pondência que a cada x = (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ D associa um e um só número real y =
f (x1 , x2 , . . . , xn ).
Abreviadamente escreve-se

f : D ⊆ Rn −→ R
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ f (x1 , x2 , . . . , xn )
ou
f : D ⊆ Rn −→ R
x 7−→ f (x) .
8 Textos de Apoio de Análise Matemática III

O domı́nio de f é D. O contradomı́nio de f é o conjunto dos valores que f toma em


R, isto é,
{f (x1 , x2 , . . . , xn ) : (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ D} ⊆ R .
O gráfico de f é o subconjunto de Rn+1

{(x1 , x2 , . . . , xn , f (x1 , x2 , . . . , xn )) : (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ D} .

Observação 1.2.1 Em R2 e R3 é usual usarem-se as notações f (x, y) e f (x, y, z) em vez


de f (x1 , x2 ) e f (x1 , x2 , x3 ), respectivamente.

Exemplo 1.2.1 Seja f a função real de duas variáveis reais definida por f (x, y) = x 2 + y 2 .
O domı́nio de f é R2 , o contradomı́nio é R+
0 e o gráfico é

{(x, y, x2 + y 2 ) : (x, y) ∈ R2 } = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ R2 e z = x2 + y 2 } .

Uma representação gráfica (do gráfico) de f é

Fig. 1.2.1
ln(|xy| + 1)
Exemplo 1.2.2 O domı́nio da função real de 2 variáveis reais f (x, y) = 50 é
x2 + y 2 + 1
R2 . Qual o contradomı́nio ? Como obter uma representação gráfica do gráfico de f ?
Podemos usar um programa de computador. Na figura 1.2.2 tem-se uma representação
gráfica da porção de superfı́cie

{(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ [−10, 10] × [−10, 10] e z = f (x, y)} ,

obtida com o programa de computador “Mathematica”, sendo marcadas as imagens, por


f , de 2500 pontos do quadrado [−10, 10] × [−10, 10].

Fig. 1.2.2
Cristina Caldeira 9

Geralmente não é fácil representar graficamente uma função real de 2 variáveis reais,
isto é, representar em R3 o gráfico da função e as representações obtidas com programas de
computador nem sempre têm a precisão desejada. É por vezes útil recorrer às chamadas
curvas de nı́vel da função que numa imagem a duas dimensões permitem obter informação
sobre o gráfico da função.
Considere-se a função real de 2 variáveis reais f : D ⊆ R2 −→ R Para k
.
(x, y) 7−→ f (x, y)
pertencente ao contradomı́nio de f a curva de nı́vel de f de valor k é a projecção ortogonal,
sobre o plano XOY , da intersecção do plano de equação z = k com o gráfico de f , isto é,
com a superfı́cie de equação z = f (x, y).
Analiticamente a curva de nı́vel de f de valor k é {(x, y) ∈ D : f (x, y) = k}.

C é a curva de nı́vel de f de valor k

Fig. 1.2.3

Na figura 1.2.4 estão representadas as curvas de nı́vel de valores 2,5, 5 e 7,5 da função do
exemplo 1.2.2, obtidas com o programa de computador “Mathematica”. Verifica-se ainda
facilmente que a curva de nı́vel de valor 0 dessa função é constituı́da pela união dos eixos
dos XX e dos Y Y .

Fig. 1.2.4
10 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Exemplo 1.2.3 Sendo f (x, y) = x2 + y 2 o contradomı́nio de f é R+ +


0 . Para k ∈ R0 , a
curva de nı́vel de f de valor k é :
o ponto (0, 0) se k = 0; √
a circunferência do plano XOY de centro (0, 0) e raio k se k > 0.
Analogamente definem-se as superfı́cies de nı́vel de uma função real de 3 variáveis reais.
Sendo
f : D ⊆ R3 −→ R
,
(x, y, z) 7−→ f (x, y, z)
para k pertencente ao contradomı́nio de f , a superfı́cie de nı́vel de f de valor k é
{(x, y, z) ∈ D : f (x, y, z) = k} .
Exemplo 1.2.4 Seja
f : R3 −→ R
.
(x, y, z) 7−→ x2 + y 2 + z 2
O contradomı́nio de f é R+ +
0 . Para k ∈ R0 , a superfı́cie de nı́vel de f de valor k é

{((x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 = k} ,
ou seja:
o ponto (0, 0, 0) se k = 0; √
a superfı́cie esférica de centro (0, 0, 0) e raio k se k > 0.

1.2.2 Exercı́cios
1. Descreva geometricamente o domı́nio das seguintes funções :
xy
(a) f (x, y) = ;
y − 2x

x+1
(b) f (x, y) = p ;
1 − x2 − y 2
(c) f (x, y) = ln (xy);
x3
(d) f (x, y) = + arcsin (y + 3);
3p
(e) f (x, y, z) = 4 − x2 − y 2 − z 2 ;
s
x2 + y 2 + 2x
(f) f (x, y) = ;
x2 + y 2 − 2x
(g) f (x, y) = ln[x ln (y − x2 )];
(h) f (x, y) = ln [(16 − x2 − y 2 )(x2 + y 2 − 4)];
(i) f (x, y, z) = h(x) + h(y) + h(z), onde h é uma função real de variável real com
domı́nio [0, π/2];


 sin(x4 + y 6 )
 se x > 0
(j) f (x, y) = x4 + y 6 .

 √

y + 1 − x se x ≤ 0
Cristina Caldeira 11

1.2.3 Limites
Sejam f : D ⊆ Rn −→ R , a = (a1 , a2 , . . . , an ) um ponto de acumulação de D e
x 7−→ f (x)
L ∈ R. Diz-se que L é o limite de f quando x tende para a ou o limite de f no ponto a, e
escreve-se

lim f (x) = L ou lim f (x1 , x2 , . . . , xn ) = L ,


x→a (x1 ,x2 ,...,xn )→(a1 ,a2 ,...,an )

se
∀ε > 0 ∃δ > 0 : (0 < kx − ak < δ ∧ x ∈ D) ⇒ |f (x) − L| < ε . (1.4)

Observação 1.2.2

(1) O facto de se impôr em (1.4) que 0 < kx − ak faz com que possa existir o limite de f
quando x tende para a sem que f esteja definida em a (exemplo 1.2.5) ou, no caso
de f estar definida em a, o valor de f em a não interessa para o cálculo do limite.
Isto é, nesta definição de limite de f quando x tende para a não interessa o que se
passa em a. Para realçar este facto por vezes escreve-se

lim f (x) = L
x→a
x 6= a

e diz-se que “x tende para a por valores distintos de a”.

(2) O motivo de se definir o limite de f quando x tende para a apenas para pontos a
pertencentes ao derivado de D é que se a não é ponto de acumulação de D então
qualquer número real L verifica (1.4). De facto, se a 6∈ D 0 , então existe um número
real δ > 0 tal que 
{a} se a ∈ D
B(a, δ) ∩ D = .
∅ se a 6∈ D
Então
{x ∈ D : 0 < kx − ak < δ} = ∅
e portanto quaisquer que sejam L ∈ R e ε > 0 a afirmação de que |f (x) − L| < ε
para todo o x pertencente a {x ∈ D : 0 < kx − ak < δ} é verdadeira.
De modo intuitivo se a 6∈ D 0 existe uma bola aberta centrada em a que não contém
pontos de D distintos de a e portanto “não é possı́vel fazer x tender para a por pontos
distintos de a”.

Exemplo 1.2.5 Considere-se a função real de duas variáveis reais cuja expressão analı́tica

2x3
f (x, y) = 2 .
x + y2
O domı́nio de f é D = R2 \ {(0, 0)}. O ponto (0, 0) não pertence a D mas é um ponto
de acumulação de D. Verifique-se ainda que existe o limite de f quando (x, y) tende para
(0, 0) e que esse limite é zero.
12 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Seja ε > 0 qualquer. Pretende-se provar que existe δ > 0 verificando



0 < k(x, y) − (0, 0)k < δ ∧ (x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)} ⇒ |f (x, y) − 0| < ε . (1.5)

Ora
2x3 x2
|f (x, y)| = 2 = 2|x|
x2 + y 2 ,
x + y2
e uma vez que, para (x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)}, x2 ≤ x2 + y 2 , tem-se que

x2

x2 + y 2 ≤ 1

e portanto

x2 p

|f (x, y)| = 2|x| 2 ≤ 2|x| ≤ 2 x2 + y 2 = 2k(x, y) − (0, 0)k .
x + y2

Assim, para todo o ε > 0 existe δ = ε/2 > 0 verificando (1.5) e portanto

2x3
lim = 0.
(x,y)→(0,0) x2 + y 2

Uma questão que se coloca naturalmente é a de saber se é possı́vel que dois números
reais distintos L1 e L2 verifiquem simultaneamente (1.4). Provaremos que não.

Proposição 1.2.1 Considere-se uma função real de n variáveis reais

f : D ⊆ Rn −→ R
x 7−→ f (x) .

Seja a um ponto de acumulação de D. Se existe o limite de f quando x tende para a então


ele é único.

Demonstração: Sejam L1 e L2 números reais verificando (1.4). Considere-se ε > 0


qualquer. Então
ε
∃δ1 > 0 : (0 < kx − ak < δ1 ∧ x ∈ D) ⇒ |f (x) − L1 | < ; (1.6)
2
ε
∃δ2 > 0 : (0 < kx − ak < δ2 ∧ x ∈ D) ⇒ |f (x) − L2 | < . (1.7)
2
Seja δ = min{δ1 , δ2 }. Sendo a um ponto de acumulação de D, existe x0 ∈ D tal que
0 < kx0 − ak < δ. De (1.6) e (1.7) conclui-se que
ε ε
|f (x0 ) − L1 | < e |f (x0 ) − L2 | < .
2 2
Então

|L1 − L2 | = |L1 − f (x0 ) + f (x0 ) − L2 | ≤ |f (x0 ) − L1 | + |f (x0 ) − L2 | < ε .


Cristina Caldeira 13

Provou-se assim que |L1 − L2 | < ε para todo o ε ∈ R+ . Uma vez que |L1 − L2 | ∈ R+
0
conclui-se que |L1 − L2 | = 0, ou seja, L1 = L2 .

Em (1.4) intervém apenas a distância de x a a e não o modo como x se aproxima de a.


Se existir o limite de f quando x tende para a ele deve ser independente da forma como x
se aproxima de a.
Sejam f : D ⊆ R2 → R e a ∈ D 0 . Seja C uma curva (trajectória) contida em D e que
contém a.

Fig. 1.2.5

Considerando o limite de f quando (x, y) tende para a = (a1 , a2 ) ao longo de C tem-se


um limite trajectorial,
lim f (x, y) .
(x, y) → (a1 , a2 )
(x, y) ∈ C

Claro que se existe o lim f (x, y), todos os limites trajectoriais (no ponto a) devem
(x,y)→(a1 ,a2 )
existir e ser iguais.
Esta noção de limite trajectorial pode ser formalizada definindo o conceito de limite
segundo um conjunto.
Sejam f : D ⊆ Rn → R, A um subconjunto de D e a ∈ A0 . Diz-se que L ∈ R é o limite
de f quando x tende para a no conjunto A e escreve-se

lim f (x) = L ,
x→a
x∈A

se
∀ε > 0 ∃δ > 0 : (0 < kx − ak < δ ∧ x ∈ A) ⇒ |f (x) − L| < ε . (1.8)

Este conceito será muito útil na prática para se concluir que um dado limite não existe,
uma vez que é válido o resultado:
14 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Proposição 1.2.2 Sejam f : D ⊆ Rn → R, A um subconjunto de D e a ∈ A0 . Se existe


lim f (x), então também existe lim f (x) e são iguais.
x→a x→a
x∈A

Demonstração : exercı́cio 4 da secção 1.2.4.

Exemplo 1.2.6 Considere-se a função

f : R2 \ {(0, 0)} −→ R
x4 .
(x, y) 7−→ y4 +(y−x) 2

Seja A = {(x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)} : y = x}. Isto é, A obtém-se da recta de equação y = x
retirando-lhe o ponto (0, 0). O ponto (0, 0) é um ponto de acumulação de A.

x4 x4
lim f (x, y) = lim = lim = 1.
(x, y) → (0, 0) (x, y) → (0, 0) y 4 + (y − x)2 x→0 x4 + 0
(x, y) ∈ A y=x

Seja B = {(x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)} : y = x2 }. Isto é, B obtém-se da parábola de equação


y = x2 retirando-lhe o ponto (0, 0). O ponto (0, 0) é um ponto de acumulação de B.

x4
lim f (x, y) = lim
(x, y) → (0, 0) (x, y) → (0, 0) y 4 + (y − x)2
(x, y) ∈ B y = x2

x4
= lim
x→0 x8 + (x2 − x)2

x2
= lim 6 = 0.
x→0 x + x2 − 2x + 1

De acordo com a proposição anterior e uma vez que

lim f (x, y) 6= lim f (x, y) ,


(x, y) → (0, 0) (x, y) → (0, 0)
(x, y) ∈ A (x, y) ∈ B

conclui-se que não existe o limite de f quando (x, y) tende para (0, 0).

Proposição 1.2.3 Sejam D ⊆ Rn , com D = A∪B, e seja a ∈ Rn um ponto de acumulação


de A e também de B. Seja ainda f : D → R. Se

lim f (x) = lim f (x) = L


x→a x→a
x∈A x∈B

então existe o limite de f quando x tende para a e é igual a L.

Demonstração: exercı́cio 5 da secção 1.2.4.


Há um caso particular de limite segundo um conjunto que é especialmente importante.
É o caso dos chamados limites direccionais em que o conjunto A é a intersecção do domı́nio
Cristina Caldeira 15

da função com uma semi-recta com origem no ponto em causa, isto é, a trajectória é uma
semi-recta com origem no ponto onde se pretende calcular o limite.
Sendo a = (a1 , a2 , a3 ) ∈ R3 e ~v = (v1 , v2 , v3 ) ∈ R3 \ {0}, a recta de R3 que passa por a
e tem a direcção de ~v é
{a + t~v : t ∈ R} = {(a1 + tv1 , a2 + tv2 , a3 + tv3 ) : t ∈ R} .
A semi-recta com origem em a e que tem a direcção e o sentido de ~v é
{a + t~v : t ∈ R+ +
0 } = {(a1 + tv1 , a2 + tv2 , a3 + tv3 ) : t ∈ R0 } .

Estes conceitos generalizam-se facilmente para Rn . Sendo a ∈ Rn e ~v ∈ Rn \ {0}, a semi-


-recta de Rn com origem em a e que tem a direcção e o sentido de ~v é o subconjunto de
Rn ,
S = {a + t~v : t ∈ R+
0 }.

Sejam f : D ⊆ Rn −→ R , a ∈ Rn , ~v ∈ Rn \ {0} e S a semi-recta de Rn com


x 7−→ f (x)
origem em a e que tem a direcção e o sentido de ~v . Suponha-se que a é um ponto de
acumulação de S ∩ D. O limite direccional de f no ponto a segundo ~v é, caso exista, o
limite de f quando x tende para a segundo S ∩ D.
Observe-se que uma vez que a semi-recta S é independente da norma do vector ~v , o
limite direccional de f no ponto a segundo ~v coincide, caso exista, com limite direccional
de f no ponto a segundo qualquer vector da forma α~v , para α ∈ R+ .
Isto é, para o limite direccional de f no ponto a segundo ~v apenas interessam a direcção
e o sentido de ~v . É por isso usual falar-se no limite direccional de f no ponto a segundo
a direcção e o sentido de ~v e calcular-se o referido limite usando o versor de ~v , isto é, o
vector de norma 1 que tem a direcção e o sentido de ~v .
Prova-se facilmente que o limite direccional de f no ponto a segundo ~v existe se e só se
existe o limite (de uma função real de uma variável real)
lim f (a + t~v ) ,
t → 0+
a + t~v ∈ D

e que nesse caso os dois limites coincidem.


Os limites laterais de funções reais de uma variável real são limites direccionais.
Da proposição 1.2.2 conclui-se que se existe o limite de f no ponto a então existem e
são iguais todos os limites direccionais de f em a (para vectores ~v ∈ Rn \ {0} tais que a é
ponto de acumulação de S ∩ D, sendo S a semi-recta com origem em a e que tem a direcção
e o sentido de ~v ) e o seu valor comum coincide com o limite de f no ponto a.
No caso n = 1, isto é, no caso de funções reais de uma variável real o resultado recı́proco
é verdadeiro: se existem (isto é, se existem e são números reais) ambos os limites laterais
de f no ponto a e são iguais, então existe o limite de f no ponto a e é igual aos limites
laterais.
Para n > 1 o recı́proco é falso. Podem existir todos os limites direccionais no ponto e
serem iguais sem que exista o limite da função no ponto, como se pode comprovar através
do exemplo seguinte.
16 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Exemplo 1.2.7 Considere-se a função


n o
2 1 2
f : (x, y) ∈ R : y 6= − 3 2 x
√ −→ R
x2 y 2
.
(x, y) 7−→ x6 +2y 3

Seja ~v = (v1 , v2 ) ∈ R2 \ {(0, 0)}. Para a = (0, 0),

(tv1 )2 (tv2 )2
lim+ f (a + t~v ) = lim+
t→0 t→0 (tv1 )6 + 2(tv2 )3

tv 2 v 2
= lim+ 3 6 1 2 3
t→0 t v1 + 2v2
= 0.

Existem todos os limites direccionais de f no ponto (0, 0) e são todos iguais a zero. No
entanto não existe o limite de f no ponto (0, 0). De facto, se se calcular o limite de f
quando (x, y) tende para (0, 0) segundo a parábola de equação y = x2 obtém-se

x2 y 2 x6 1
lim 6 3
= lim 6 6
= 6= 0 ,
(x, y) → (0, 0) x + 2y x→0 x + 2x 3
y = x2

concluindo-se da proposição 1.2.2 que não existe o limite de f no ponto (0, 0).

Nas três proposições seguintes serão enunciadas algumas propriedades dos limites.

Proposição 1.2.4 Sejam α um número real, D um subconjunto não vazio de R n , a um


ponto de acumulação de D e f a função constante

f : D −→ R
.
x 7−→ α

Então existe o limite de f no ponto a e é igual a α.

Demonstração: Seja ε > 0 qualquer. Para (qualquer!) δ > 0, se x é um ponto de D tal


que 0 < kx − ak < δ, então

|f (x) − α| = |α − α| = 0 < ε .

Proposição 1.2.5 Sejam D um subconjunto não vazio de Rn e i ∈ {1, 2, . . . , n}. Consi-


dere-se a função
Pi : D −→ R
.
x = (x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ xi
Se a = (a1 , a2 , . . . , an ) é um ponto de acumulação de D, então existe o limite de Pi no
ponto a e é igual a ai .
Cristina Caldeira 17

Demonstração: Seja ε > 0 qualquer.


v
uX
p u n
|Pi (x) − ai | = |xi − ai | = (xi − ai ) ≤ t (xj − aj )2 = kx − ak .
2

j=1

Sendo δ = ε, para x ∈ D tal que 0 < kx − ak < δ tem-se então |Pi (x) − ai | < ε.

Sejam f e g duas funções reais de n variáveis reais de domı́nios Df e Dg , respectivamente.


Seja ainda α um número real.
A soma de f e g é a função

f + g : Df ∩ Dg −→ R
x 7−→ f (x) + g(x) .

O produto de α pela função f é a função

α f : Df −→ R
x 7−→ α f (x) .

O produto de f e g é a função

f g : Df ∩ Dg −→ R
x 7−→ f (x) g(x) .

O quociente de f e g é a função
f
: {x ∈ Df ∩ Dg : g(x) 6= 0} −→ R
g
f (x)
x 7−→ .
g(x)

Proposição 1.2.6 Nas condições anteriores, seja a um ponto de acumulação de D f e


de Dg . Suponha-se que existem os limites de f e g no ponto a e que a é um ponto de
f
acumulação dos domı́nios de f + g, f g e . Então:
g
1. Existe o limite de f + g no ponto a e lim (f + g)(x) = lim f (x) + lim g(x);
x→a x→a x→a

2. Existe o limite de α f no ponto a e lim (α f )(x) = α lim f (x);


x→a x→a

3. Existe o limite de f g no ponto a e lim (f g)(x) = lim f (x) lim g(x);


x→a x→a x→a

f
4. Se lim g(x) 6= 0, existe o limite de no ponto a e
x→a g
  lim f (x)
f
lim (x) = x→a .
x→a g lim g(x)
x→a

Demonstração: Sejam L1 = lim f (x) e L2 = lim g(x).


x→a x→a
18 Textos de Apoio de Análise Matemática III

1. Considere-se ε > 0, qualquer. Existem δ1 , δ2 ∈ R+ tais que


ε
(0 < kx − ak < δ1 ∧ x ∈ Df ) =⇒ |f (x) − L1 | <
2
e
ε
(0 < kx − ak < δ2 ∧ x ∈ Dg ) =⇒ |g(x) − L2 | < .
2
Seja δ = min{δ1 , δ2 }. Para x ∈ Df ∩ Dg tal que 0 < kx − ak < δ tem-se
ε ε
|(f +g)(x)−(L1 +L2 )| = |(f (x)−L1 )+(g(x)−L2 )| ≤ |(f (x)−L1 )|+|(g(x)−L2 )| < + = ε .
2 2

2. Considere-se ε > 0, qualquer.


Se α = 0, |α f (x)| = 0 e portanto para um qualquer δ > 0,

(0 < kx − ak < δ ∧ x ∈ Df ) =⇒ |α f (x)| = 0 < ε ,

concluindo-se que lim (α f )(x) = 0 = α lim f (x).


x→a x→a
ε
Suponha-se que α 6= 0. Uma vez que > 0, existe δ > 0 tal que
|α|
ε
(0 < kx − ak < δ ∧ x ∈ Df ) =⇒ |f (x) − L1 | <
|α|
=⇒ |α f (x) − αL1 | < ε .

Tendo em conta que o domı́nio de α f é Df , conclui-se que lim (α f )(x) = αL1 .


x→a

3. Considere-se ε > 0, qualquer. Existem δ1 , δ2 ∈ R+ tais que



(0 < kx − ak < δ1 ∧ x ∈ Df ) =⇒ |f (x) − L1 | < ε

e

(0 < kx − ak < δ2 ∧ x ∈ Dg ) =⇒ |g(x) − L2 | < ε.
Seja δ = min{δ1 , δ2 }.
Para x ∈ Df ∩ Dg tal que 0 < kx − ak < δ tem-se
√ √
|(f (x) − L1 )(g(x) − L2 ) − 0| = |(f (x) − L1 )||(g(x) − L2 )| < ε ε = ε.

Assim,
lim [(f (x) − L1 )(g(x) − L2 )] = 0 .
x→a

Tem-se ainda que

f (x) g(x) − L1 L2 = (f (x) − L1 )(g(x) − L2 ) + L2 (f (x) − L1 ) + L1 (g(x) − L2 ) .

Por outro lado, da parte 1 desta proposição e da proposição 1.2.4 obtém-se

lim (f (x) − L1 ) = lim [f (x) + (−L1 )] = lim f (x) + lim (−L1 ) = L1 − L1 = 0 .


x→a x→a x→a x→a
Cristina Caldeira 19

Analogamente
lim (g(x) − L2 ) = 0 .
x→a

Usando estas 3 igualdades e as partes 1 e 2 desta proposição obtém-se

lim (f (x)g(x) − L1 L2 ) =
x→a

= lim [(f (x) − L1 )(g(x) − L2 ) + L2 (f (x) − L1 ) + L1 (g(x) − L2 )]


x→a
= lim [(f (x) − L1 )(g(x) − L2 )] + lim L2 (f (x) − L1 ) + lim L1 (g(x) − L2 )
x→a x→a x→a
= 0 + L2 × 0 + L1 × 0
= 0.

Ou seja, e uma vez que o domı́nio da função f g − L1 L2 é Df ∩ Dg ,


∀ε > 0 ∃δ > 0 :
(0 < kx − ak < δ ∧ x ∈ Df ∩ Dg ) ⇒ |(f (x)g(x) − L1 L2 ) − 0| < ε
⇒ |f (x)g(x) − L1 L2 | < ε .
Mas isto significa precisamente que
lim f (x)g(x) = L1 L2 .
x→a

4. Atendendo à parte 3 desta proposição basta provar que


1 1
lim = .
x→a g(x) L2
Seja ε > 0, qualquer. Uma vez que |L2 | > 0, existe δ1 > 0 tal que
1
(0 < kx − ak < δ1 ∧ x ∈ Dg ) =⇒ |g(x) − L2 | < |L2 | .
2
Usando a desigualdade (1.3) com n = 1 obtém-se
|α − β| ≥ | |α| − |β| | ≥ |α| − |β| , ∀α, β ∈ R .

Assim,
|g(x) − L2 | = |L2 − g(x)| ≥ |L2 | − |g(x)| , ∀x ∈ Dg
e portanto
1
(0 < kx − ak < δ1 ∧ x ∈ Dg ) =⇒ |g(x)| > |L2 | .
2
Por outro lado existe também δ2 > 0 tal que
1
(0 < kx − ak < δ2 ∧ x ∈ Dg ) =⇒ |g(x) − L2 | < |L2 |2 ε .
2
Sendo δ = min{δ1 , δ2 }, para x ∈ Dg tal que 0 < kx − ak < δ,
1
1
1 |L2 − g(x)| 2
|L2 |2 ε

g(x) L2 = < 1 = ε.
|L2 ||g(x)| 2
|L2 |2
20 Textos de Apoio de Análise Matemática III

1.2.4 Exercı́cios
1. Prove, usando a definição, que lim f (x, y) = L, sendo
(x,y)→a

(a) f (x, y) = 2x + 3y, a = (1, 3) e L = 11;


(b) f (x, y) = xy, a = (0, 0) e L = 0;
x4 y 4
(c) f (x, y) = , a = (0, 0) e L = 0;
x4 + 1
x3 y 2
(d) f (x, y) = 2 , a = (0, 0) e L = 0.
x + y2
2. Calcule (se existir)

x2
(a) lim ;
(x,y)→(1,2) x2 + y 2
 
sin x 2
(b) lim √ ln + (yz) 3 ;
(x,y,z)→(π/2,1/ 2,1/2) 2
2xy
(c) lim ;
(x,y)→(1,−1) (x + y)2
x4 − 4y 4
(d) lim ;
(x,y)→(0,0) 2x2 + 4y 2
xy − 2x − y + 2
(e) lim .
(x,y)→(1,3) (x − 1)(y 2 − 4y + 4)
3. Usando trajectórias convenientes tire conclusões sobre a existência dos seguintes lim-
ites
x2 xy(x2 − y 2 )
(a) lim ; (b) lim ;
(x,y)→(0,0) x2 + y 2 (x,y)→(0,0) x4 + y 4

2xy − 2y xy(x − y)
(c) lim ; (d) lim ;
(x,y)→(1,0) (x − 1)2 + y 2 (x,y)→(0,0) x2 + y 4

xy 4 (x − 1)yz
(e) lim ; (f) lim .
(x,y)→(0,0) x3 + y 6 (x,y,z)→(1,0,0) (x − 1)3 + y 3 + z 3
4. Demonstre a proposição 1.2.2.

5. Demonstre a proposição 1.2.3.

6. Sejam f, g : D ⊆ Rn → R e a ∈ D 0 . Suponha-se que |f (x)| ≤ |g(x)| para todo o


x ∈ (V \ {a}) ∩ D, onde V é uma vizinhança de a, e que lim g(x) = 0. Prove que
x→a
lim f (x) = 0.
x→a

7. Sejam f, g : D ⊆ Rn → R e a ∈ D 0 . Suponha-se que existe uma vizinhança V de a tal


que g é limitada em (V \ {a}) ∩ D e que lim f (x) = 0. Prove que lim f (x)g(x) = 0.
x→a x→a
Cristina Caldeira 21

8. Mostre que
2 1 2 3x2 y
(a) lim (x + 2y ) sin = 0; (b) lim = 0;
(x,y)→(0,0) xy (x,y)→(0,0) x2 + 2y 2

x2 + xy − y 2 3x2 sin y
(c) lim p = 0; (d) lim = 0.
(x,y)→(0,0) x2 + y 2 (x,y)→(0,0) x2 + 2y 2

9. Determine o domı́nio das seguintes funções e estude a existência de limite nos pontos
a indicados.

x2
(a) f (x, y) = em a = (0, 0);
x2 + y 2

x2 y 2
(b) f (x, y) = em a = (0, 0);
x2 + y 2



 2xy
 se (x, y) 6= (0, 0)
x2 + y2
(c) f (x, y) = em a = (0, 0) ;


 0 se (x, y) = (0, 0)

x2 − y 2
(d) f (x, y) = em a = (−1, 1);
x+y

 2

 x − y2
 se x 6= −y
(e) f (x, y) = x+y em a = (−1, 1) ;



0 se x = −y

x2 − 2xy + y 2
(f) f (x, y) = em a = (−1, 1);
x2 y − y 3

x2 y 2
(g) f (x, y) = em a = (0, 0);
x2 y 2 + (y − x)2

 xy

 x2 + y 2 se (x, y) 6= (0, 0)
(h) f (x, y) = em a = (0, 0) ;


1 se (x, y) = (0, 0)
22 Textos de Apoio de Análise Matemática III

x2 yz
(i) f (x, y, z) = em a = (0, 0, 0);
x8 + y 4 + z 2


 x se x = y
(j) f (x, y) = em a = (1, 1) ;

x2 se x 6= y

x |y|
(k) f (x, y) = em a = (0, 0);
|x| + |y|


 |y| |y|
 2 e − x2 se x 6= 0
(l) f (x, y) = x em a = (0, 0) .


0 se x = 0

1.2.5 Continuidade
Sejam f : D ⊆ Rn → R uma função real de n variáveis reais e a ∈ D. Se a é um ponto de
acumulação de D, diz-se que f é contı́nua em a se existe o limite de f em a e esse limite é
igual a f (a).
Se a é um ponto isolado de D, por definição, f é contı́nua em a.
Verifica-se facilmente que:
Proposição 1.2.7 A função f é contı́nua em a ∈ D se e só se

∀ε > 0 ∃δ > 0 : (kx − ak < δ ∧ x ∈ D) ⇒ |f (x) − f (a)| < ε .

O domı́nio de continuidade de f é o subconjunto de D constituı́do pelos pontos nos


quais f é contı́nua.
Usando a proposição 1.2.6 prova-se facilmente o resultado seguinte:
Proposição 1.2.8 Sejam f e g duas funções reais de n variáveis reais de domı́nios D f
e Dg , respectivamente. Suponha-se que f e g são contı́nuas em a ∈ Df ∩ Dg . Então as
f
funções f + g e f g são contı́nuas em a. Se g(a) 6= 0 também a função é contı́nua em a.
g
Suponham-se dadas n funções reais de uma variável real,

fi : D i ⊆ R → R , i = 1, 2, . . . , n .

Usando estas n funções define-se uma função real de n variáveis reais de domı́nio

D = D1 × D2 × · · · × Dn = {(x1 , x2 , . . . , xn ) : xi ∈ Di , i = 1, 2, . . . , n} ,

do seguinte modo:
f : D ⊆ Rn −→ R
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ f1 (x1 )f2 (x2 ) · · · fn (xn ) .
Cristina Caldeira 23

Proposição 1.2.9 Suponha-se que, para i = 1, 2, . . . , n, fi é contı́nua em ai ∈ Di . Então


f é contı́nua em a = (a1 , a2 , . . . , an ).
Demonstração: Vai fazer-se a demonstração apenas para n = 2. Para x1 ∈ D1 e x2 ∈ D2 ,
| f (x1 , x2 ) − f (a1 , a2 ) | = | f1 (x1 )f2 (x2 ) − f1 (a1 )f2 (a2 ) |
= | (f1 (x1 ) − f1 (a1 ))f2 (x2 ) + f1 (a1 )(f2 (x2 ) − f2 (a2 )) |
≤ | f1 (x1 ) − f1 (a1 ) | | f2 (x2 ) | + | f1 (a1 ) | | f2 (x2 ) − f2 (a2 ) | .
Usando (1.3) obtém-se
| f2 (x2 ) | ≤ | f2 (x2 ) − f2 (a2 ) | + | f2 (a2 ) |
e portanto
| f (x1 , x2 ) − f (a1 , a2 ) | ≤ | f1 (x1 ) − f1 (a1 ) | | f2 (x2 ) − f2 (a2 ) |
+ | f2 (a2 ) | | f1 (x1 ) − f1 (a1 ) |
+ | f1 (a1 ) | | f2 (x2 ) − f2 (a2 ) | . (1.9)
Considere-se ε > 0, qualquer. Seja ε1 > 0 tal que
 
ε
ε1 < min 1, .
| f2 (a2 ) | + | f1 (a1 ) | + 1
ε
Sendo ε1 < 1 então ε21 < ε1 . Por outro lado, de ε1 < resulta
| f2 (a2 ) | + | f1 (a1 ) | + 1
que ε1 (| f2 (a2 ) | + | f1 (a1 ) |) + ε1 < ε.
Assim,
ε1 (| f2 (a2 ) | + | f1 (a1 ) |) + ε21 < ε . (1.10)
Uma vez que f1 é contı́nua em a1 e f2 é contı́nua em a2 , existem δ1 , δ2 ∈ R+ tais que
(|x1 − a1 | < δ1 ∧ x1 ∈ D1 ) ⇒ |f1 (x1 ) − f1 (a1 )| < ε
e
(|x2 − a2 | < δ2 ∧ x2 ∈ D2 ) ⇒ |f2 (x2 ) − f2 (a2 )| < ε .
Seja δ = min{δ1 , δ2 }. Para (x1 , x2 ) ∈ D1 × D2 ,
p
k(x1 , x2 ) − (a1 , a2 )k < δ ⇐⇒ (x − a1 )2 + (x2 − a2 )2 < δ
 1
|x1 − a1 | < δ
=⇒
|x2 − a2 | < δ

|f1 (x1 ) − f1 (a1 )| < ε1
=⇒
|f2 (x2 ) − f2 (a2 )| < ε1

=⇒ |f (x1 , x2 ) − f (a1 , a2 )| < ε1 (| f2 (a2 ) | + | f1 (a1 ) |) + ε21


(1.9)

=⇒ |f (x1 , x2 ) − f (a1 , a2 )| < ε .


(1.10)
24 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Exemplo 1.2.8 Usando a proposição anterior conclui-se facilmente que a função definida
por
x sin x cos z
f (x, y, z) =
ey
é contı́nua em R3 .

Casos importantes de funções contı́nuas no seu domı́nio são as funções polinomiais, isto
é, as funções f : D ⊆ Rn → R em que f (x1 , . . . , xn ) é uma soma finita de parcelas do tipo
α xk11 xk22 · · · xknn com α ∈ R e ki ∈ N0 , para i = 1, . . . , n.
Também as funções racionais (funções que são o quociente de duas funções polinomiais)
são contı́nuas no seu domı́nio.

Exemplo 1.2.9 A função definida por

xy − x2
f (x, y) =
x2 − y 2
é uma função racional e portanto é contı́nua no seu domı́nio, que é

{(x, y) ∈ R2 : x 6= y e x 6= −y} .

Tem-se ainda o resultado:

Proposição 1.2.10 Sejam f : A ⊆ Rn → R e g : B ⊆ R → R duas funções com f (A) ⊆ B


e seja a um ponto de A tal que f é contı́nua em a. Suponha-se ainda que g é contı́nua em
f (a). Então a função g ◦ f é contı́nua em a.

Demonstração: Seja ε > 0, qualquer. Sendo g contı́nua em f (a), existe δ1 > 0 tal que

(|y − f (a)| < δ1 ∧ y ∈ B) =⇒ |g(y) − g(f (a))| < ε .

Por outro lado, sendo f contı́nua em a, existe δ > 0 tal que

(kx − ak < δ ∧ x ∈ A) =⇒ |f (x) − f (a)| < δ1 .

Então,

(kx − ak < δ ∧ x ∈ D) =⇒ (|f (x) − f (a)| < δ1 ∧ f (x) ∈ B)


=⇒ |g(f (x)) − g(f (a))| < ε
=⇒ |(g ◦ f )(x) − (g ◦ f )(a)| < ε .

Exemplo 1.2.10 A função f definida por

x2 + y 2
f (x, y) = 4
x + y4
Cristina Caldeira 25

é uma função racional e portanto é contı́nua no seu domı́nio que é R2 \{(0, 0)}. Além disso,
f (x, y) > 0 para todo o (x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)}. Pode então considerar-se a função definida
por  2 
x + y2
g(x, y) = ln
x4 + y 4
e a proposição anterior permite-nos concluir que g é contı́nua em R2 \ {(0, 0)}.

Da proposição 1.2.10 e atendendo a que a função módulo é contı́nua em R obtém-se:

Corolário 1.2.1 Seja f : D ⊆ Rn → R uma função contı́nua em a ∈ D. Então a função


|f | é contı́nua em a.

Exemplo 1.2.11 Deste corolário e do exemplo 1.2.9 conclui-se que o domı́nio de con-
tinuidade da função
xy − x2

f (x, y) = 2
x − y2

{(x, y) ∈ R2 : x 6= y e x 6= −y} .

1.2.6 Exercı́cios
1. Sejam f : A ⊆ Rn → R e g : B ⊆ R → R duas funções com f (A) ⊆ B e seja a
um ponto de acumulação de A. Suponha-se que lim f (x) = b, em que b é um ponto
x→a
de acumulação de B, e que lim g(y) = L. Prove que lim (g ◦ f ) (x) = L, se uma das
y→b x→a
condições seguintes for verificada:

(a) ∃r > 0 : (0 < kx − ak < r ∧ x ∈ A) ⇒ f (x) 6= b;


(b) g é contı́nua em b.

2. Calcule os limites indicados, depois de escrever cada uma das funções como com-
posição de duas:
ln(1 − x2 − y 2 )
(a) lim ;
(x,y)→(0,0) x2 + y 2
x2 + y 2
(b) lim p ;
(x,y)→(0,0) x2 + y 2 + 1 − 1
sin(xy)
(c) lim .
(x,y)→(2,0) xy
3. Determine o domı́nio de continuidade das funções definidas por:
 2
 x + y 2 se x2 + y 2 ≤ 1
(a) f (x, y) = ;

0 se x2 + y 2 > 1
26 Textos de Apoio de Análise Matemática III


 3x2 y
 se (x, y) 6= (0, 0)
(b) f (x, y) = x2 + y 2 ;



0 se (x, y) = (0, 0)

(c) As funções dos exercı́cios 9 (c), (d), (e), (f), (g), (j) e (l) da secção 1.2.4;
 y
 e x se x 6= 0
(d) f (x, y) = ;

2y se x = 0



 1 + x2 se y = 0



(e) f (x, y) = 1 + y2 se x = 0 ;





0 se x 6= 0 e y 6= 0



 xy 2
 se x < y 2
(f) f (x, y) = x2 + y 4 ;



0 se x ≥ y 2


 x+y se xy = 0
(g) f (x, y) = .

0 se xy 6= 0

4. Demonstre a proposição 1.2.7.

1.2.7 Derivação parcial


Seja f : D ⊆ R2 −→ R uma função real de duas variáveis reais e (x0 , y0 ) ∈ D.
(x, y) 7−→ f (x, y)
Fixando y = y0 define-se uma função real de uma variável real,
g : {x ∈ R : (x, y0 ) ∈ D} −→ R
.
x 7−→ f (x, y0 )
Se a função g for derivável no ponto x0 , à derivada de g em x0 , g 0 (x0 ), chama-se derivada
parcial de f em ordem a x no ponto (x0 , y0 ) e representa-se por
∂f
(x0 , y0 ) ou fx (x0 , y0 ) .
∂x
Tem-se então que
∂f g(x0 + h) − g(x0 ) f (x0 + h, y0 ) − f (x0 , y0 )
(x0 , y0 ) = lim = lim , (1.11)
∂x h→0 h h→0 h
Cristina Caldeira 27

desde que o limite exista.

Exemplo 1.2.12 Se f é a função definida em R2 por f (x, y) = x2 sin(xy) e y0 = π a função


g tem domı́nio R e é definida por g(x) = x2 sin(xπ). Assim g 0 (x) = 2x sin(xπ)+x2 π cos(xπ),
para todo o x ∈ R e portanto
∂f
(x0 , π) = 2x0 sin(x0 π) + x20 π cos(x0 π) , ∀x0 ∈ R .
∂x
Suponha-se que existe a derivada parcial de f em ordem a x no ponto (x0 , y0 ) e veja-se
qual o seu significado geométrico.
Designe-se por S a porção de superfı́cie

{(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ D e z = f (x, y)} .

Considere-se o ponto de S, P0 = (x0 , y0 , f (x0 , y0 )).


Intersectando a superfı́cie S com o plano (paralelo a XOZ) de equação y = y0 obtém-
se uma curva, C1 , contida no plano y = y0 e de equação z = f (x, y0 ) = g(x). Então
∂f
(x0 , y0 ) = g 0 (x0 ) é o declive da recta r1 , contida no plano y = y0 e que é tangente à
∂x
curva C1 no ponto P0 . Ou seja, é a tangente da medida do ângulo que a recta r1 faz com
o semi-eixo ȮX.

Fig. 1.2.6

De modo análogo, a derivada parcial de f em ordem a y no ponto (x0 , y0 ) é definida


como sendo o limite, caso exista,

f (x0 , y0 + h) − f (x0 , y0 )
lim .
h→0 h
Esta derivada parcial representa-se por
∂f
(x0 , y0 ) ou fy (x0 , y0 ) . (1.12)
∂y
28 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Intersectando a superfı́cie S, de equação z = f (x, y), com o plano (paralelo a YOZ) de


equação x = x0 obtém-se uma curva, C2 , contida no plano x = x0 e de equação z = f (x0 , y).
∂f
Então (x0 , y0 ) é o declive da recta r2 , contida no plano x = x0 e que é tangente à curva
∂y
C2 no ponto P0 = (x0 , y0 ).
Como calcular as derivadas parciais de f em (x0 , y0 )? Regra geral, se numa vizinhança
do ponto (x0 , y0 ) a função f é dada por uma única expressão, para calcular a derivada
parcial de f em ordem a x considera-se y constante na expressão de definição de f e
deriva-se em ordem a x, fazendo em seguida x = x0 e y = y0 . De modo análogo, para
calcular a derivada parcial de f em ordem a y considera-se x constante na expressão de
definição de f e deriva-se em ordem a y, fazendo em seguida x = x0 e y = y0 .
Exemplo 1.2.13 Seja f (x, y) = 2xy + y 2 cos(−2x + y). Então
fx (0, π) = (2y + 2y 2 sin(−2x + y))|x=0,y=π = 2π + 2π 2 sin(π) = 2π
e
fy (0, π) = (2x − y 2 sin(−2x + y) + 2y cos(−2x + y))|x=0,y=π = 2π cos(π) = −2π .
No caso de, em qualquer vizinhança de (x0 , y0 ), a função f ser dada por mais do que uma
expressão de definição, as derivadas parciais fx (x0 , y0 ) e fy (x0 , y0 ) obteem-se calculando os
limites (1.11) e (1.12), respectivamente.
Exemplo 1.2.14 Considere-se a função
f : R2 −→ R

xy se y 6= x
(x, y) 7−→ .
x3 se y = x

∂f f (1 + h, 1) − f (1, 1)
(1, 1) = lim
∂x h→0 h
f (1 + h, 1) − f (1, 1)
= lim
h→0 h
h 6= 0
(1 + h)1 − 13
= lim
h→0 h
h
= lim
h→0 h
= 1.
Por outro lado,
f (2 + h, 2) − f (2, 2) (2 + h)2 − 8
lim = lim
h→0 h h→0 h
−4 + 2h
= lim
h→0 h
e este limite não existe, concluindo-se que não existe a derivada parcial de f em ordem a
x em (2, 2).
Cristina Caldeira 29

Fazendo variar o ponto (x0 , y0 ) definem-se duas novas funções reais de duas variáveis
reais a que se chama derivadas parciais de 1a ordem de f :

• função derivada parcial de 1a ordem de f em ordem a x, definida por

∂f f (x + h, y) − f (x, y)
(x, y) = fx (x, y) = lim ;
∂x h→0 h

• função derivada parcial de 1a ordem de f em ordem a y, definida por

∂f f (x, y + h) − f (x, y)
(x, y) = fy (x, y) lim .
∂y h→0 h

Cada uma destas funções só está definida nos pontos (x, y) do domı́nio de f onde existe
o limite considerado.
∂f ∂f
Sendo e funções reais de 2 variáveis reais podem considerar-se as suas derivadas
∂x ∂y
parciais . Obtêm-se assim as derivadas parciais de 2a ordem de f :

 
∂2f ∂ ∂f
2
= também representada por (fx )x = fx2 ;
∂x ∂x ∂x

 
∂2f ∂ ∂f
= também representada por (fx )y = fxy ;
∂y∂x ∂y ∂x

 
∂2f ∂ ∂f
= também representada por (fy )x = fyx ;
∂x∂y ∂x ∂y

 
∂2f ∂ ∂f
2
= também representada por (fy )y = fy2 .
∂y ∂y ∂y

A partir das derivadas parciais de 2a ordem de f obtêm-se as derivadas parciais de 3a


30 Textos de Apoio de Análise Matemática III

ordem de f e assim sucessivamente:


   3
   ∂ f

 
 
 ···
  ∂ 2 f  ∂x
3

 


 


 
 ∂x2 

 
 
 ∂3f

 
  ···

 
 ∂y∂x2

 


 ∂f 


 
 ∂x  
 ∂3f

  
 ···
 





 ∂ 2 f  ∂x∂y∂x

 


 
 ∂y∂x  

 
 
 ∂3f

 
  ···

 
 ∂y 2 ∂x

 
f .

  

   ∂3f

 
 
 ···

  
 ∂ 2 f  ∂x ∂y
 2

 


 


 
 ∂x∂y 

 
 
 ∂3f

 
 
 ···

 
 ∂y∂x∂y

 ∂f

 
 ∂y 
 


 
 
 ∂3f

 
 
 ···

 
 ∂ 2 f  ∂x∂y
2

 


 


 
 ∂y 2  ∂3f

 
 

  ···
∂y 3

Para k inteiro positivo há 2k derivadas parciais de ordem k. Conforme se verá, em


certas condições, algumas identificam-se.
A noção de derivação parcial vista para funções reais de 2 variáveis reais generaliza-se
facilmente para funçẽs reais de n variáveis reais.
Considere-se a função
f : D ⊆ Rn −→ R
.
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ f (x1 , x2 , . . . , xn )
Para i = 1, 2, . . . , n, a função derivada parcial de f em ordem a xi é a função fxi ou
∂f
definida por
∂xi
∂f f (x1 , x2 , . . . , xi−1 , xi + h, xi+1 , . . . , xn ) − f (x1 , x2 , . . . , xn )
(x1 , x2 , . . . , xn ) = lim ,
∂xi h→0 h
desde que o limite exista.
Sejam f : D ⊆ Rn → R, S ⊆ D e r um número inteiro não negativo. Diz-se que f é de
classe C r em S e escreve-se f ∈ C r (S) se f admite derivadas parciais contı́nuas até à ordem
r em todos os pontos de S. Se S coincide com o domı́nio D de f diz-se simplesmente que
f é de classe C r . Dizer que f é de classe C 0 em S significa que f é contı́nua em S.
Cristina Caldeira 31

1.2.8 Teorema de Schwarz


O Teorema de Schwarz dá condições suficientes para que a existência de uma das chamadas
derivadas rectangulares (fxy e fyx ) num dado ponto garanta que a outra derivada rectan-
gular existe e que ambas coincidem.

Teorema 1.2.1 (Teorema de Schwarz)


Sejam f uma função real de 2 variáveis reais de domı́nio D e (x0 , y0 ) um ponto interior
de D. Suponha-se que as funções fx , fy e fxy existem numa bola aberta, B, contida em D
e centrada em (x0 , y0 ). Suponha-se ainda que fxy é contı́nua em (x0 , y0 ). Então existe a
derivada fyx em (x0 , y0 ) e
fyx (x0 , y0 ) = fxy (x0 , y0 ) .

Demonstração: Pretende provar-se que existe o

fy (x0 + h, y0 ) − fy (x0 , y0 )
lim (1.13)
h→0 h
e que é igual a fxy (x0 , y0 ).
Seja h 6= 0 suficientemente pequeno, em módulo, (isto é, h suficientemente próximo de
zero) para que (x0 + h, y0 ) ∈ B. Então

fy (x0 + h, y0 ) − fy (x0 , y0 ) =

f (x0 + h, y0 + k) − f (x0 + h, y0 ) f (x0 , y0 + k) − f (x0 , y0 )


= lim − lim
k→0 k k→0 k
1
= lim [f (x0 + h, y0 + k) − f (x0 + h, y0 ) − f (x0 , y0 + k) + f (x0 , y0 )] .
k→0 k

Seja k 6= 0 suficientemente pequeno, em módulo, para que (x0 + h, y0 + k), (x0 , y0 + k) ∈


B.
Sem perda de generalidade suponha-se que h > 0 e considere-se a função real de uma
variável real
ϕk : [x0 , x0 + h] −→ R
.
x 7−→ f (x, y0 + k) − f (x, y0 )
(Se h < 0 basta considerar ϕk definida em [x0 + h, x0 ]).
Então

f (x0 + h, y0 + k) − f (x0 + h, y0 ) − f (x0 , y0 + k) + f (x0 , y0 ) = ϕk (x0 + h) − ϕk (x0 ) . (1.14)

Com o objectivo de aplicar o teorema do valor médio a ϕk vai provar-se que ϕk é


derivável em ]x0 , x0 + h[ e contı́nua em [x0 , x0 + h].
Seja x1 ∈]x0 , x0 + h[, qualquer.

ϕk (x1 + `) − ϕk (x1 ) f (x1 + `, y0 + k) − f (x1 + `, y0 ) − f (x1 , y0 + k) + f (x1 , y0 )


lim = lim .
`→0 ` `→0 `
32 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Uma vez que x1 ∈]x0 , x0 + h[ verifica-se facilmente que (x1 , y0 + k), (x1 , y0 ) ∈ B. Então,
por hipótese existem os limites
f (x1 + `, y0 + k) − f (x1 , y0 + k) f (x1 + `, y0 ) − f (x1 , y0 )
lim e lim ,
`→0 ` `→0 `
e são iguais, respectivamente, a fx (x1 , y0 + k) e fx (x1 , y0 ).
Assim,
ϕk (x1 + `) − ϕk (x1 )
lim = fx (x1 , y0 + k) − fx (x1 , y0 )
`→0 `
e portanto ϕk é derivável em ]x0 , x0 + h[. Então é também contı́nua em ]x0 , x0 + h[.
Analogamente
ϕk (x0 + `) − ϕk (x0 )
lim+ = fx (x0 , y0 + k) − fx (x0 , y0 ) .
`→0 `
Então
 
ϕk (x0 + `) − ϕk (x0 )
lim ([ϕk (x0 + `) − ϕk (x0 )] = lim+ `
`→0+ `→0 `
= 0 × [fx (x0 , y0 + k) − fx (x0 , y0 )] = 0 ,
concluindo-se que
lim ϕk (x0 + `) = ϕk (x0 ) .
`→0+
Assim ϕk é contı́nua em x0 . Do modo semelhante prova-se que é contı́nua em x0 + h.
O teorema do valor médio garante a existência de c ∈]x0 , x0 + h[ tal que
ϕk (x0 + h) − ϕk (x0 ) = h ϕk 0 (c) .
Mas sendo c um elemento do intervalo ]x0 , x0 + h[, existe t ∈]0, 1[ tal que c = x0 + th.
Então
ϕk (x0 + h) − ϕk (x0 ) = h [fx (x0 + th, y0 + k) − fx (x0 + th, y0 )] .
Provou-se assim que, para h tal que (x0 + h, y0 ) ∈ B, existe t ∈]0, 1[ tal que
h [fx (x0 + th, y0 + k) − fx (x0 + th, y0 )]
fy (x0 + h, y0 ) − fy (x0 , y0 ) = lim
k→0 k
fx (x0 + th, y0 + k) − fx (x0 + th, y0 )
= h lim
k→0 k
= hfxy (x0 + th, y0 ) .
Assim, o limite (1.13) é igual a
lim fxy (x0 + th, y0 ) ,
h→0

que por sua vez é igual a fxy (x0 , y0 ), porque fxy é contı́nua em (x0 , y0 ).

Corolário 1.2.2 Sejam f uma função real de 2 variáveis reais de domı́nio D e (x 0 , y0 ) um


ponto interior de D. Suponha-se que f é de classe C 2 numa vizinhança de (x0 , y0 ). Então
fyx (x0 , y0 ) = fxy (x0 , y0 ) .
Cristina Caldeira 33

1.2.9 Exercı́cios
1. Usando a definição de derivada parcial, determine

(a) fx (0, 0) e fy (1, 2), sendo f (x, y) = x2 y;


(b) fx (1, 1) e fy (0, 0), sendo

x se x < y
f (x, y) = .
y se x ≥ y

2. Mostre que a função f definida por


 2xy
x2 +y 4
se (x, y) 6= (0, 0)
f (x, y) =
0 se (x, y) = (0, 0)

possui derivadas parciais em (0, 0), embora seja descontı́nua nesse ponto.

3. Calcule as derivadas parciais de 1a ordem das funções seguintes:


3
(a) f (x, y) = e2xy ;

(b) f (x, y, z) = ln(ex + z y ) ;

(c) f (x, y, z) = ex sin y + cos(z − 3y) ;

(d) f (x, y) = (cotg x)tg y ;


s
x2 − y 2
(e) f (x, y) = arcsin ;
x2 + y 2

(f) f (x, y, z) = cos(y x2 + z 2 );

 x3 y
se (x, y) 6= (0, 0)
(g) f (x, y) = x6 + y 2 ;

0 se (x, y) = (0, 0)
( xy
se x + y 6= 0
(h) f (x, y) = x+y .
x se x + y = 0

4. Calcule as derivadas parciais de 2a ordem das funções seguintes:

(a) f (x, y) = ln(x + y) + ln(x − y) ;


(b) f (x, y, z) = sin(xyz) ;
(c) f (x, y, z) = x2 eyz + y ln z .
34 Textos de Apoio de Análise Matemática III

5. Prove que, sendo f (x, y) = − ln(x3 + y 3 ) se tem fxy = fx fy .


Nota: A igualdade acima nem sempre é verdadeira.

6. Uma função f (x, y) diz-se harmónica se verificar a equação seguinte, dita equação de
Laplace,
∂2f ∂2f
+ =0.
∂x2 ∂y 2
Prove que as seguintes funções são harmónicas:
y
(a) f (x, y) = arctg ( x ) ;
p
(b) f (x, y) = ln( x2 + y 2 ) .

7. Sejam u(x, y) e v(x, y) duas funções com derivadas de 2a ordem contı́nuas. Prove
que, se 
ux (x, y) = vy (x, y)
,
uy (x, y) = −vx (x, y)
então u é uma função harmónica.
2 2
8. Sendo w(x, y) = cos(x − y) + ln(x + y) prove que ∂ w2 − ∂ w2 = 0 .
∂x ∂y
9. Calcule todas as derivadas de 3a ordem da função definida por z(x, y) = ln(x2 + y 2 ) .

10. Utilizando o Teorema de Schwarz, mostre que não existe nenhuma função f : R 2 → R
∂f ∂f
tal que = xy 2 + 1 e = y2 .
∂x ∂y

 xy 2
se x 6= −y
11. Considere a função f : R2 → R definida por f (x, y) = x+y .

0 se x = −y
Calcule fy (x, 0), fx (0, y) e mostre que fxy (0, 0) 6= fyx (0, 0).

1.2.10 Funções diferenciáveis e diferencial de uma função


A noção de diferenciabilidade está ligada aos chamados problemas de aproximação linear.
Se uma função f : D ⊆ R −→ R é diferenciável em x0 , ponto interior de D,
x 7−→ f (x)
então numa vizinhança suficientemente pequena de x0 , a função cujo gráfico é a recta
tangente ao gráfico de f no ponto (x0 , f (x0 )) dá uma boa aproximação para f .
Se uma função real de 2 variáveis reais, f , é diferenciável em (x0 , y0 ), ponto interior do
domı́nio de f , então numa vizinhança suficientemente pequena de (x0 , y0 ) pode substituir-se
f por uma função cujo gráfico é um plano, com um erro pequeno.
Veja-se então qual a definição de função diferenciável num ponto para funções reais de
2 variáveis reais. Considere-se a função

f : D ⊆ R2 −→ R
(x, y) 7−→ f (x, y)
Cristina Caldeira 35

e seja z = f (x, y) (diz-se que x e y são as variáveis independentes e z é a variável depen-


dente).
Seja (x0 , y0 ) um ponto interior de D.
Considerem-se acréscimos ∆x e ∆y (∆x, ∆y ∈ R) das variáveis independentes x e y tais
que (x0 + ∆x, y0 + ∆y) ∈ D. Seja ∆z o acréscimo correspondente da variável dependente
z, isto é,
∆z = f (x0 + ∆x, y0 + ∆y) − f (x0 , y0 ) .
Observe-se que ∆z é função de ∆x e de ∆y.

P0 = (x0 , y0 , f (x0 , y0 )) P1 = (x0 + ∆x, y0 + ∆y, f (x0 + ∆x, y0 + ∆y))

Fig. 1.2.7

Diz-se que f é diferenciável em (x0 , y0 ) se existem as derivadas parciais de 1a ordem


de f em (x0 , y0 ) e se existe uma bola aberta centrada em (x0 , y0 ) e contida em D, B, tal
que, para quaisquer ∆x e ∆y números reais tais que (x0 + ∆x, y0 + ∆y) ∈ B, se tem

∆z = ∆xfx (x0 , y0 ) + ∆yfy (x0 , y0 ) + ∆x ε1 (∆x, ∆y) + ∆y ε2 (∆x, ∆y) , (1.15)

onde ε1 e ε2 são funções de ∆x e ∆y tais que

lim ε1 (∆x, ∆y) = lim ε2 (∆x, ∆y) = 0 .


(∆x,∆y)→(0,0) (∆x,∆y)→(0,0)

Se S ⊆ int(D) e f é diferenciável em todo o ponto de S, diz-se que f é diferenciável


em S.
Resulta da definição que se f é diferenciável em (x0 , y0 ) então existem as derivadas
parciais de primeira ordem de f em (x0 , y0 ). Contudo, como se verá (exemplo 1.2.16), a
existência das derivadas parciais de primeira ordem de f em (x0 , y0 ) não é suficiente para
garantir a diferenciabilidade de f em (x0 , y0 ). Esta é uma diferença importante em relação
às funções reais de uma variável real, para as quais a existência de derivada no ponto
garante a diferenciabilidade nesse ponto.
Usar a definição para saber se uma dada função de 2 variáveis é diferenciável num ponto
pode ser bastante complicado. Frequentemente usar-se-à o resultado seguinte.
36 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Proposição 1.2.11 Sejam f : D ⊆ R2 → R e (x0 , y0 ) um ponto interior de D. Suponha-


se que f admite derivadas parciais de 1a ordem em todos os pontos de uma bola aberta
centrada em (x0 , y0 ) e contida em D. Suponha-se ainda que pelo menos uma das derivadas
parciais fx ou fy é contı́nua em (x0 , y0 ). Então f é diferenciável em (x0 , y0 ).

Demonstração: Sem perda de generalidade suponha-se que fx é contı́nua em (x0 , y0 ).


Seja B uma bola aberta contida em D tal que f admite derivadas parciais de 1a ordem em
todos os pontos de B. Sejam ∆x, ∆y ∈ R tais que (x0 + ∆x, y0 + ∆y) ∈ B.

∆z = f (x0 + ∆x, y0 + ∆y) − f (x0 , y0 )


= [f (x0 + ∆x, y0 + ∆y) − f (x0 , y0 + ∆y)] +
[f (x0 , y0 + ∆y) − f (x0 , y0 )] . (1.16)

Sem perda de generalidade suponha-se que ∆x ≥ 0 e considere-se a função real de uma


variável real
ϕ : [x0 , x0 + ∆x] −→ R
.
x 7−→ f (x, y0 + ∆y)
(Se ∆x < 0 basta considerar ϕ definida em [x0 + ∆x, x0 ]).
Prova-se que ϕ é derivável em ]x0 , x0 + ∆x[ e contı́nua em [x0 , x0 + ∆x] e portanto o
teorema do valor médio garante a existência de c ∈]x0 , x0 + ∆x[ tal que

ϕ(x0 + ∆x) − ϕ(x0 ) = ∆x ϕ0 (c) .

Assim, para ∆x, ∆y tais que (x0 + ∆x, y0 + ∆y) ∈ B existe c ∈]x0 , x0 + ∆x[ (se ∆x ≥ 0),
ou c ∈]x0 + ∆x, x0 [ (se ∆x < 0) tal que

f (x0 + ∆x, y0 + ∆y) − f (x0 , y0 + ∆y) = ∆x fx (c, y0 + ∆y) . (1.17)

Observe-se que c depende de ∆x e de ∆y.


Considere-se a função ε2 definida por
 f (x0 ,y0 +∆y)−f (x0 ,y0 )
∆y
− fy (x0 , y0 ) se ∆y 6= 0
ε2 (∆x, ∆y) =
0 se ∆y = 0 .
Verifica-se facilmente que lim ε2 (∆x, ∆y) = 0. Por outro lado, de (1.16) e (1.17)
(∆x,∆y)→(0,0)
obtém-se
∆z = ∆x fx (c, y0 + ∆y) + ∆y ε2 (∆x, ∆y) + ∆y fy (x0 , y0 ) . (1.18)
Considere-se a função ε1 definida por

ε1 (∆x, ∆y) = fx (c, y0 + ∆y) − fx (x0 , y0 ) .


Uma vez que c ∈]x0 , x0 + ∆x[ ou c ∈]x0 + ∆x, x0 [, o ponto (c, y0 + ∆y) aproxima-se de
(x0 , y0 ) quando (∆x, ∆y) → (0, 0). Por outro lado, fx é contı́nua em (x0 , y0 ), logo

lim fx (c, y0 + ∆y) = fx (x0 , y0 )


(∆x,∆y)→(0,0)
Cristina Caldeira 37

e portanto
lim ε1 (∆x, ∆y) = 0 .
(∆x,∆y)→(0,0)

De (1.16) e (1.18) obtém-se finalmente que

∆z = ∆xfx (x0 , y0 ) + ∆yfy (x0 , y0 ) + ∆x ε1 (∆x, ∆y) + ∆y ε2 (∆x, ∆y) ,

e portanto f é diferenciável em (x0 , y0 ).

Corolário 1.2.3 Sejam f : D ⊆ R2 → R e S ⊆ D um conjunto aberto. Se f é de classe


C 1 em S então f é diferenciável em S.

Os recı́procos dos dois resultados anteriores são falsos. Pode acontecer que f seja
diferenciável em (x0 , y0 ) sem que nenhuma das derivadas parciais fx e fy seja contı́nua em
(x0 , y0 ). É o que se passa com a função do exemplo seguinte no ponto (0, 0).

Exemplo 1.2.15 Considere-se a função

f : R2 −→ R
 2 
1
 x sin x 
 se x 6= 0
(x, y) 7−→ y 2 sin y1 se x = 0 e y 6= 0


0 se x = y = 0.

Calculem-se as derivadas parciais de 1a ordem de f .


Seja (x, y) ∈ R2 .
Se x 6= 0,    
1 1
fx (x, y) = 2x sin − cos .
x x
Para x = 0 e y 6= 0,
  
1 1
f (0 + h, y) − f (0, y) h2 sin yh
− y 2 sin
lim = lim
h→0 h h→0
  h  
1 1 2 1
= lim h sin − y sin
h→0 h h y

e este limite é zero se y é da forma 1/(kπ), com k ∈ Z \ {0}, e não existe nos restantes
casos.
Se x = y = 0,

f (0 + h, 0) − f (0, 0) h2 sin h1 − 0
lim = lim
h→0 h h→0
h 
1
= lim h sin
h→0 h
= 0,
38 Textos de Apoio de Análise Matemática III

concluindo-se que fx (0, 0) = 0.


Resumindo, o domı́nio de fx é

{(x, y) ∈ R2 : x 6= 0} ∪ {(x, y) ∈ R2 : x = 0 e y = 1/(kπ) , k ∈ Z \ {0}} ∪ {(0, 0)}

e   
1 1
 2x sin x
− cos x
se x 6= 0
fx (x, y) = 0 se x = 0 e y = 1/(kπ) , k ∈ Z \ {0}

0 se (x, y) = (0, 0) .
De modo análogo conclui-se que o domı́nio de fy é R2 e
(    
2y sin y1 − cos y1 se x = 0 e y 6= 0
fy (x, y) =
0 nos restantes casos .

Verifica-se facilmente que não existe o limite de fx em (0, 0) segundo {(x, y) ∈ R2 : x 6=


0} e portanto fx não é contı́nua em (0, 0).
Também não existe o limite de fy em (0, 0) segundo {(x, y) ∈ R2 : x = 0} e portanto
fy não é contı́nua em (0, 0).
Contudo, como se prova seguidamente, f é diferenciável em (0, 0).
Designe-se por B a bola aberta de centro (0, 0) e raio δ > 0. Sejam ∆x, ∆y ∈ R tais
que (∆x, ∆y) ∈ B.

 2 1

 (∆x) sin ∆x 
 se ∆x 6= 0
1
f (0 + ∆x, 0 + ∆y) − f (0, 0) = f (∆x, ∆y) = (∆y)2 sin ∆y se ∆x = 0 e ∆y 6= 0 .


0 se ∆x = ∆y = 0

Assim, sendo ε1 e ε2 definidas por


 1

(∆x) sin ∆x
se ∆x 6= 0
ε1 (∆x, ∆y) =
0 se ∆x = 0
e (  
1
(∆y) sin ∆y
se ∆x = 0 e ∆y 6= 0
ε2 (∆x, ∆y) = ,
0 nos restantes casos
tem-se

f (∆x, ∆y) = ∆x × 0 + ∆y × 0 + ∆x × ε1 (∆x, ∆y) + ∆y × ε2 (∆x, ∆y)


= ∆xfx (0, 0) + ∆yfy (0, 0) + ∆x × ε1 (∆x, ∆y) + ∆y × ε2 (∆x, ∆y) .

Uma vez que

lim ε1 (∆x, ∆y) = lim ε2 (∆x, ∆y) = 0 ,


(∆x,∆y)→(0,0) (∆x,∆y)→(0,0)

conclui-se que f é diferenciável em (0, 0).


Cristina Caldeira 39

Proposição 1.2.12 Sejam f : D ⊆ R2 → R e (x0 , y0 ) um ponto interior de D. Se f é


diferenciável em (x0 , y0 ) então f é contı́nua em (x0 , y0 ).

Demonstração: Sendo (x0 , y0 ) um ponto interior de D então (x0 , y0 ) é um ponto de


acumulação de D. Da definição de função diferenciável conclui-se que

lim [f (x0 + ∆x, y0 + ∆y) − f (x0 , y0 )] = 0


(∆x,∆y)→(0,0)

e portanto
lim f (x0 + ∆x, y0 + ∆y) = f (x0 , y0 ) .
(∆x,∆y)→(0,0)

A proposição anterior é particularmente útil quando se pretende mostrar que uma


dada função não é diferenciável num ponto. É o que se fará no exemplo seguinte, que serve
ainda para apresentar uma função que, embora admitindo derivadas parciais de 1a ordem
em (0, 0) não é diferenciável nesse ponto.
Exemplo 1.2.16 Considere-se a função real de 2 variáveis reais definida por

0 se x = 0 ou y = 0
f (x, y) =
1 se x 6= 0 e y 6= 0 .

A função f admite derivadas parciais de 1a ordem em (0, 0):


f (0 + h, 0) − f (0, 0) 0
fx (0, 0) = lim = lim = 0 ,
h→0 h h→0 h
f (0, 0 + h) − f (0, 0) 0
fy (0, 0) = lim = lim = 0 .
h→0 h h→0 h
No entanto,

lim f (x, y) = 0 e lim f (x, y) = 1 ,


(x, y) → (0, 0) (x, y) → (0, 0)
x=0 x=y

concluindo-se que f não é contı́nua em (0, 0) e portanto da proposição 1.2.12 resulta que
f não é diferenciável em (0, 0).

Seja f uma função diferenciável em (x0 , y0 ). Seja B uma bola aberta centrada em
(x0 , y0 ) para a qual se verifica (1.15).
Considere-se z = f (x, y) e designem-se os acréscimos das variáveis independentes por
dx e dy. O diferencial total em (x0 , y0 ) da variável dependente, z (ou da função f ), é

dz(x0 , y0 ) = fx (x0 , y0 ) dx + fy (x0 , y0 ) dy . (1.19)

Também se usa a notação df (x0 , y0 ). Posteriormente veremos qual o significado geométrico


de dz(x0 , y0 ).
40 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Observação 1.2.3 O diferencial total dz(x0 , y0 ) depende do ponto (x0 , y0 ) e também de


(dx, dy), por isso, por vezes, diz-se que o número real dado por (1.19) é o diferencial da
variável dependente z no ponto (x0 , y0 ), relativo ao vector ~u = (dx, dy) e representa-se por
(dz)~u (x0 , y0 ).
Para dx e dy tais que (x0 + dx, y0 + dy) ∈ B, sendo ∆z = f (x0 + dx, y0 + dy) − f (x0 , y0 ),
tem-se
∆z − dz = dx ε1 (dx, dy) + dy ε2 (dx, dy) .
Então (ε1 e ε2 tendem para 0 quando (dx, dy) tende para (0, 0)) o diferencial total dz(x 0 , y0 )
dá uma boa aproximação para o acréscimo ∆z, desde que dx e dy sejam suficientemente
pequenos. Assim a noção de diferencial total pode ser usada em problemas de aproximação.
Exemplo 1.2.17 Calcular um valor aproximado para e−0,002 + ln(1, 001), usando diferen-
ciais. Considere-se a função f : R × R+ → R definida por f (x, y) = ex + ln y. As
derivadas parciais de primeira ordem de f são fx (x, y) = ex e fy (x, y) = 1/y. Então f é
de classe C 1 em R × R+ e portanto é diferenciável em R × R+ . Considerem-se z = f (x, y),
(x0 , y0 ) = (0, 1), dx = −0, 002 e dy = 0, 001.
∆z = f (−0, 002, 1, 001) − f (0, 1) = f (−0, 002, 1, 001) − 1 .
Por outro lado,
1
∆z ≈ df (0, 1) = e0 dx + dy = dx + dy = −0, 001 .
1
Então
e−0,002 + ln(1, 001) = f (−0, 002, 1, 001) = ∆z + 1 ≈ 1 − 0, 001 = 0, 999 .

As definições de diferenciabilidade e de diferencial total para funções reais de n > 2


variáveis reais são a extensão natural das vistas para o caso n = 2.
Seja f : D ⊆ Rn −→ R uma função real de n variáveis reais
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ f (x1 , x2 , . . . , xn )
e considere-se uma variável dependente u = f (x1 , x2 , . . . , xn ). Seja x0 = (x01 , x02 , . . . , x0n ) um
ponto interior de D. Se, para i = 1, 2, . . . , n, ∆xi for o acréscimo da variável independente
xi , então o acréscimo correspondente da variável dependente é
∆u = f (x01 + ∆x1 , x02 + ∆x2 , . . . , x0n + ∆xn ) − f (x01 , x02 , . . . , x0n ) .
Diz-se que f é diferenciável em x0 se f admite derivadas parciais de 1a ordem em x0
e existe uma bola aberta B centrada em x0 e contida em D tal que, para (x01 + ∆x1 , x02 +
∆x2 , . . . , x0n + ∆xn ) ∈ B o acréscimo ∆u se pode escrever na forma
X n  
∂f 0
∆u = (x ) + εi (∆x1 , ∆x2 , . . . , ∆xn ) ∆xi ,
i=1
∂xi

com ε1 , ε2 , . . . , εn funções de (∆x1 , ∆x2 , . . . , ∆xn ) que têm por limite zero quando
(∆x1 , ∆x2 , . . . , ∆xn ) tende para (0, 0, . . . , 0).
Tal como para funções reais de 2 variáveis reais são válidos os resultados:
Cristina Caldeira 41

Proposição 1.2.13 Sejam f : D ⊆ Rn → R e x0 um ponto interior de D. Suponha-se que


f admite derivadas parciais de 1a ordem em todos os pontos de uma bola aberta centrada
em x0 e contida em D. Suponha-se ainda que pelo menos n − 1 das derivadas parciais 1 a
ordem de f são contı́nuas em x0 . Então f é diferenciável em x0 .

Corolário 1.2.4 Sejam f : D ⊆ Rn → R e S ⊆ D um conjunto aberto. Se f é de classe


C 1 em S então f é diferenciável em S.

Proposição 1.2.14 Sejam f : D ⊆ Rn → R e x0 um ponto interior de D. Se f é


diferenciável em x0 então f é contı́nua em x0 .

Se f é diferenciável em x0 o diferencial total de u = f (x1 , x2 , . . . , xn ) em x0 é

Xn
0 ∂f 0
du(x ) = (x ) dxi .
i=1
∂xi

1.2.11 Exercı́cios
1. Usando a definição, verifique se são diferenciáveis as seguintes funções nos pontos
dados:

(a) f (x, y, z) = x y z , em todo o seu domı́nio;



x2 + y 2 se x 6= 0
(b) f (x, y) = no ponto P = (0, 0) ;
y4 se x = 0

0 se x 6= y 2
(c) f (x, y) = no ponto P = (1, 1) .
y−1 se x = y 2

2. Usando condições necessárias ou suficientes para a diferenciabilidade de uma função


num dado ponto, averigúe se são diferenciáveis as seguintes funções nos pontos dados:
2 2
(a) f (x, y) = ex + y , no ponto (2, 1) ;

(b) f (x, y, z) = x2 eyz + y ln z , no ponto (1, 2, 1) ;


 sin(xy − y)
 se (x, y) 6= (1, 0)
(x − 1)2 + y 2
(c) f (x, y) = no ponto (1, 0) ;


2 se (x, y) = (1, 0)

(d) f (x, y, z) = cos(y x2 + z 2 ) , no ponto (0, 1, 0) .

3. Determine, caso exista, o diferencial total das funções seguintes nos pontos indicados:

(a) f (x, y) = ln(x2 + y 2 ) + x tg y , no ponto (0, π4 );


42 Textos de Apoio de Análise Matemática III

(b) f (x, y, z) = x2 eyz + y ln z , no ponto (2, 0, 1);


(c) f (x, y) = arcsin x 3 y
y + x e , no ponto (1, 2);
(d) f (x, y) = ln(x2 + y 2 ) + x cotg y , no ponto (0, π4 );
xy 3
(e) f (x, y) = , no ponto (0, 0);
x + y6 4

(f) f (x, y, z) = xα y β z γ , no ponto (1, 1, 1) e sendo α, β, γ constantes.

4. Usando diferenciais, calcule o valor aproximado das seguintes funções nos pontos
dados:

(a) f (x, y) = cos(x2 + y) , no ponto (0.1, 3.14);


p
(b) g(x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 , no ponto (2.001, 0.003, −0.001);
(c) h(x, y) = x3 y 2 , no ponto (1.02, 0.97).

5. Calcule um valor aproximado para (3.05)2 × (2.01)3 × (1.006)6 .

6. Uma caixa sem tampa vai ser construı́da com madeira de 0.5cm de espessura. O
comprimento interno deve ter 70cm, a largura interna 40cm e a altura interna 35cm.
Use o conceito de diferencial para calcular a quantidade aproximada de madeira que
será utilizada na construção da caixa.

7. Qual é, aproximadamente, o acréscimo sofrido pelo volume de um cilindro quando


o raio da sua base, sendo inicialmente de 30cm, é aumentado em 5cm e a altura,
inicialmente de 1.2m, é reduzida em 5cm.

1.2.12 Derivação de funções compostas


Suponha-se que se tem uma função real nas n variáveis reais x1 , x2 , . . . , xn , f (x1 , x2 , . . . , xn ).
Pode acontecer que as variáveis x1 , x2 , . . . , xn dependam de outras variáveis, digamos
t1 , t2 , . . . , tr . Define-se a função composta

h(t1 , t2 , . . . , tr ) = f (x1 (t1 , t2 , . . . , tr ), x2 (t1 , t2 , . . . , tr ), . . . , xn (t1 , t2 , . . . , tr )) .

Pode colocar-se o problema de calcular as derivadas parciais de h. O caso mais simples é


o que se obtem quando r = 1, isto é, quando x1 , x2 , . . . , xn são funções de uma só variável,
t.

Proposição 1.2.15 (Regra da cadeia)


Sejam f (x1 , x2 , . . . , xn ) uma função real de n variáveis reais e x1 (t), x2 (t), . . . , xn (t) funções
de uma mesma variável real t, diferenciáveis em t0 (i.e., x1 (t), x2 (t), . . . , xn (t) têm derivada
em t0 ). Suponha-se ainda que f é diferenciável em x0 = (x1 (t0 ), x2 (t0 ), . . . , xn (t0 )).
Então a função real de uma variável real, g(t) = f (x1 (t), x2 (t), . . . , xn (t)) é diferenciável
em t0 e
Xn
dg ∂f 0 dxi
(t0 ) = (x ) (t0 ) .
dt i=1
∂xi dt
Cristina Caldeira 43

Demonstração:
Faremos a demonstração apenas para n = 2. Pretende calcular-se

g(t0 + h) − g(t0 )
lim .
h→0 h
Considerem-se as funções de h, ∆x1 = x1 (t0 + h) − x1 (t0 ) e ∆x2 = x2 (t0 + h) − x2 (t0 ), e
designem-se x1 (t0 ) por x01 e x2 (t0 ) por x02 .
Então

g(t0 + h) − g(t0 ) = f (x1 (t0 + h), x2 (t0 + h)) − f (x1 (t0 ), x2 (t0 ))
= f (x1 (t0 ) + ∆x1 , x2 (t0 ) + ∆x2 ) − f (x1 (t0 ), x2 (t0 ))
= f (x01 + ∆x1 , x02 + ∆x2 ) − f (x01 , x02 ) .

A função f é diferenciável em x0 = (x01 , x02 ) logo existe uma bola aberta B centrada em x0
tal que para (x01 + ∆x1 , x02 + ∆x2 ) ∈ B,

∂f 0 ∂f 0
f (x01 + ∆x1 , x02 + ∆x2 ) − f (x01 , x02 ) = ∆x1 (x ) + ∆x2 (x ) +
∂x1 ∂x2
∆x1 ε1 (∆x1 , ∆x2 ) + ∆x2 ε2 (∆x1 , ∆x2 ) ,

onde ε1 e ε2 tendem para 0 quando (∆x1 , ∆x2 ) tende para (0, 0).
Como h → 0 pode escolher-se h suficientemente pequeno de modo a que (x01 + ∆x1 , x02 +
∆x2 ) pertença a B. Observe-se que isto é possı́vel porque as funções x1 (t) e x2 (t) são
contı́nuas em t0 logo

lim ∆xi = lim [xi (t0 + h) − xi (t0 )] = 0 , i = 1, 2 .


h→0 h→0

Assim,

∂f 0 ∂f 0
g(t0 + h) − g(t0 ) = ∆x1 (x ) + ∆x2 (x ) +
∂x1 ∂x2
∆x1 ε1 (∆x1 , ∆x2 ) + ∆x2 ε2 (∆x1 , ∆x2 ) .

Definam-se as funções

εi (∆x1 , ∆x2 ) se (∆x1 , ∆x2 ) 6= (0, 0)
ηi (∆x1 , ∆x2 ) = , i = 1, 2 .
0 se (∆x1 , ∆x2 ) = (0, 0)

As funções η1 e η2 são contı́nuas em (0, 0) e


 
g(t0 + h) − g(t0 ) ∆x1 ∂f 0
= (x ) + η1 (∆x1 , ∆x2 ) +
h h ∂x1
 
∆x2 ∂f 0
(x ) + η2 (∆x1 , ∆x2 ) .
h ∂x2
44 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Quando h → 0, (∆x1 , ∆x2 ) → (0, 0) logo limh→0 ηi = 0, para i = 1, 2. Por outro lado,
∆xi xi (t0 + h) − xi (t0 ) dxi
lim = lim = (t0 ) , i = 1, 2 .
h→0 h h→0 h dt
Então
g(t0 + h) − g(t0 ) ∂f 0 dx1 ∂f 0 dx2
lim = (x ) (t0 ) + (x ) (t0 ) .
h→0 h ∂x1 dt ∂x2 dt

Exemplo 1.2.18 Suponha-se que f (x1 , x2 ) = x21 x2 + ex2 , x1 (t) = sin t e x2 (t) = cos t. A
função composta é dada por g(t) = f (sin t, cos t). Usando a regra da cadeia obtém-se:
∂f d ∂f d
g 0 (t) = (sin t, cos t) (sin t) + (sin t, cos t) (cos t)
∂x1 dt ∂x2 dt
2 cos t

= (2 sin t cos t) cos t + sin t + e (− sin t) .
Se r > 1, tem-se o resultado:
Proposição 1.2.16 (Regra da cadeia)
Seja f (x1 , x2 , . . . , xn ) uma função real nas n variáveis reais x1 , x2 , . . . , xn . Suponha-se que
existem as derivadas parciais de 1a ordem das funções
x1 = x1 (t1 , t2 , . . . , tr ), x2 = x2 (t1 , t2 , . . . , tr ) . . . , xn = xn (t1 , t2 , . . . , tr ) ,
no ponto t0 = (t01 , t02 , . . . , t0r ). Suponha-se ainda que f é diferenciável em
x0 = (x1 (t01 , t02 , . . . , t0r ), x2 (t01 , t02 , . . . , t0r ), . . . , xn (t01 , t02 , . . . , t0r )) .
Então existem as derivadas parciais de 1a ordem da função
h(t1 , t2 , . . . , tr ) = f (x1 (t1 , t2 , . . . , tr ), x2 (t1 , t2 , . . . , tr ), . . . , xn (t1 , t2 , . . . , tr ))
em t0 e são dadas por
X ∂f n
∂h 0 ∂xi 0
(t ) = (x0 ) (t ) .
∂tj i=1
∂xi ∂tj

Observação 1.2.4 Nas condições da proposição anterior, se f é diferenciável em x 0 e cada


xi é diferenciável em t0 , então a função composta, h, é diferenciável em t0 .
u
Exemplo 1.2.19 Seja z = x2 ln y, com x = v
e y = 3u − 2v. Então
∂z ∂z ∂x ∂z ∂y
(3, 4) = (x(3, 4), y(3, 4)) (3, 4) + (x(3, 4), y(3, 4)) (3, 4)
∂u ∂x ∂u ∂y ∂u
∂z 3 ∂x ∂z 3 ∂y
= ( , 1) (3, 4) + ( , 1) (3, 4)
∂x 4 ∂u ∂y 4 ∂u
 2
1 x
= [2x ln y] × + 3 ×3
x = 34 4 y x= 4
y=1 y=1
27
= .
16
Cristina Caldeira 45

∂z ∂z 3 ∂x ∂z 3 ∂y
(3, 4) = ( , 1) (3, 4) + ( , 1) (3, 4)
∂v ∂x 4 ∂v ∂y 4 ∂v
 2
−3 x
= [2x ln y] × + 3 × (−2)
x = 34 16 y x= 4
y=1 y=1
9
= − .
8

1.2.13 Exercı́cios

x = √ 3t2
1. Calcule du sendo u = ln (sin x
y) e .
dt y = 1 + t2

∂u ∂u 2 xy 2 x = s2 t
2. Calcule e sendo u = x e + y sin(xy) e .
∂s ∂t y = s et

3. Calcule dz sendo z = f (x2 + y 2 , x + y) e x = φ(y).


dy
y z
4. Sendo u = x3 F ( x , x ) , prove que x ux + y uy + z uz = 3u.

y2 1 + ln y) , prove que y z + x2 z = y 2 .
5. Sendo z = 2 + φ( x y x
 
1
6. Considere a função h definida por h(x, y) = f , onde f é uma função
x2 + y 2
real de variável real diferenciável. Se g(u, v) = h(x(u, v), y(u, v)) e x(u, v) = u cos v,
y(u, v) = u sin v,
∂g
(a) verifique que (u, v) = 0;
∂v
∂g
(b) calcule (1, 0), sabendo que f 0 (1) = 2.
∂u
7. A função f (u, v, w) é diferenciável e as suas derivadas satisfazem
fu (α, α, β) = fv (α, α, β) = αβ
fw (α, α, β) = α2 − β 2 .

Calcule o valor das derivadas parciais da função g(x, y) = f (x2 − y, 3x − 3y 2 , 2x), no


ponto (2, 1).

8. Sendo z = x φ(x + y) + ψ(x + y) , prove que zx2 − 2zxy + zy2 = 0.

9. Sejam f e g funções de uma variável que admitem derivadas de 1a e 2a ordens. Sendo


c ∈ Z+ , prove que a função u(x, t) = f (x + c t) + g(x − c t) verifica a seguinte equação
(dita equação de propagação):
∂2u 2
2∂ u
= c .
∂t2 ∂x2
10. 1.Sendo φ(x), ψ(x, y) e η(x, y, z), funções com derivadas contı́nuas de todas as ordens,
calcule F 00 (θ) nos seguintes casos:
46 Textos de Apoio de Análise Matemática III

(a) F (θ) = ψ(cos θ, θ 3 );


(b) F (θ) = η(φ(θ), sin θ, θ);
(c) F (θ) = φ(η(θ, θ, θ) + ψ(θ, θ)).

2.Determine as derivadas parciais de 2a ordem das funções f (u, v) nos seguintes casos:

(a) f (u, v) = ψ(u cos v, u sin v);


(b) f (u, v) = ψ(ψ(u, v), ψ(v, u));
(c) f (u, v) = φ(φ(uv)).

11. Seja w(x, y, z) = f (y − z, z − x, x − y) com f função real admitindo derivadas parciais


contı́nuas de todas as ordens.
∂w ∂w ∂w
(a) Mostre que + + = 0.
∂x ∂y ∂z
∂2w ∂2w
(b) Calcule e .
∂y∂x ∂x∂z
12. Seja g : R2 → R+ uma função de classe C 3 . Sendo F (x, y) = ln g(2x, y 2 ),

(a) Calcule as derivadas parciais de 1a¯ ordem de F em função das derivadas parciais
de g;
(b) Sabendo que g e as suas derivadas satisfazem as seguintes relações
g(0, β) = 2β
∂2F
guv (0, β) = gu (0, β)gv (0, β) = β, mostre que (0, 1) = 1.
∂y∂x

1.2.14 Derivadas direccionais


Sejam
f : D ⊆ Rn −→ R
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ f (x1 , x2 , . . . , xn )
uma função real de n variáveis reais, x0 = (x01 , x02 , . . . , x0n ) um ponto de D e ~v = (v1 , v2 , . . . , vn ) ∈
Rn .
A derivada direccional de f no ponto x0 segundo o vector ~v é

f (x01 + hv1 , x02 + hv2 , . . . , x0n + hvn ) − f (x01 , x02 , . . . , x0n )


D~v f (x01 , x02 , . . . , x0n ) = lim ,
h→0 h
desde que o limite exista.

Observação 1.2.5 Sendo

i

ebi = (0, . . . , 0, 1 , 0, . . . , 0) , i = 1, 2, . . . , n
Cristina Caldeira 47

(usa-se o sı́mbolo b em vez de ~ para enfatizar que se trata de um vector unitário, isto é,
um vector com norma 1) tem-se

f (x01 , . . . , x0i−1 , x0i + h, x0i+1 , . . . , x0n ) − f (x01 , x02 , . . . , x0n )


Deb f (x01 , x02 , . . . , x0n ) = lim
i h→0 h
∂f 0
= (x ) ,
∂xi

caso esta derivada parcial exista.

Veja-se qual a interpretação geométrica da derivada direccional num ponto (x0 , y0 ),


segundo um vector unitário, no caso de uma função real de 2 variáveis reais

f : D ⊆ R2 −→ R
(x, y) 7−→ f (x, y)

que seja diferenciável em (x0 , y0 ).


Sejam u b = (u1 , u2 ) um vector unitário, S a superfı́cie de equação z = f (x, y), P0 =
(x0 , y0 , f (x0 , y0 )) e π o plano perpendicular ao plano XOY que contém P0 e é paralelo a u b.
O plano π intersecta a superfı́cie S segundo uma curva C. Designe-se por r a recta do
plano π que é tangente a C em P0 .

Fig. 1.2.8

Considerem-se os pontos Ph = (x0 + hu1 , y0 + hu2 , f (x0 + hu1 , y0 + hu2 )) e Qh =


(x0 + hu1 , y0 + hu2 , f (x0 , y0 )). Designe-se por αh o ângulo formado pelos segmentos de
recta Ph P0 e Qh P0 .
Suponha-se que h < 0. No plano π tem-se a situação representada na figura seguinte.
48 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Fig. 1.2.9

−−−→
f (x0 + hu1 , y0 + hu2 ) − f (x0 , y0 ) k P h Qh k
lim = lim− .
h→0− h h→0 h
−−−→
b tem norma 1 e h < 0, h = −khb
Uma vez que u uk = −kP0 Qh k e portanto
−−−→ −−−→
k P h Qh k k P h Qh k
lim
h→0− h
= lim− −−−→ = − h→0
h→0 −kP0 Qh k
lim− tg αh .

Quando h tende para 0, Ph aproxima-se de P0 e a amplitude do ângulo αh aproxima-se de


π − θ. Então
−−−→
k P h Qh k
lim = −tg (π − θ) = tg θ . (1.20)
h→0− h
Suponha-se agora que h > 0. No plano π tem-se a situação representada na figura
seguinte.

Fig. 1.2.10
Cristina Caldeira 49

−−−→
f (x0 + hu1 , y0 + hu2 ) − f (x0 , y0 ) −kPh Qh k
lim = lim+ .
h→0+ h h→0 h
−−−→
Neste caso h = khbuk = kP0 Qh k e portanto
−−−→ −−−→
−kPh Qh k −kPh Qh k
lim = lim+ −−−→ = − lim+ tg αh .
h→0+ h h→0 k P 0 Qh k h→0

Quando h tende para 0, Ph aproxima-se de P0 e a amplitude do ângulo αh aproxima-se de


π − θ. Então
−−−→
−kPh Qh k
lim = −tg (π − θ) = tg θ . (1.21)
h→0+ h
De (1.20) e (1.21) conclui-se que Du b f (x0 , y0 ) = tg θ, i.e., Du
b f (x0 , y0 ) coincide com o
declive da recta r.
Note-se que esta interpretação geométrica é válida apenas se o vector tiver norma 1.
Assim, Du b f (x0 , y0 ) dá-nos informação acerca da variação da cota de um observador
que, caminhando sobre a superfı́cie de equação z = f (x, y), passe pelo ponto P0 =
(x0 , y0 , f (x0 , y0 )) deslocando-se segundo a direcção e o sentido de u b.

Se a função
f : D ⊆ Rn −→ R
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ f (x1 , x2 , . . . , xn )
admite todas as derivadas parciais de 1a ordem em x0 = (x01 , x02 , . . . , x0n ) ∈ D, define-se o
vector gradiente de f em x0 ,
 
0 ∂f 0 ∂f 0 ∂f 0
∇f (x ) = (x ), (x ), . . . , (x ) .
∂x1 ∂x2 ∂xn
Este vector pode também ser designado por grad f (x0 ).
No caso da função ser diferenciável em x0 , ponto interior de D, as derivadas direccionais
de f em x0 podem ser calculadas facilmente usando a proposição seguinte.

Proposição 1.2.17 Se f é diferenciável em x0 ∈ int(D) então para todo o vector ~v =


(v1 , v2 , . . . , vn ) ∈ Rn existe a derivada direccional de f em x0 segundo ~v e é dada por


D~v f (x0 ) = ∇f (x0 ), ~v
X n
∂f 0
= (x ) vi .
i=1
∂xi

Demonstração: Considere-se a função real de uma variável real definida num intervalo
aberto centrado em 0 por

g(h) = f (x01 + hv1 , x02 + hv2 , . . . , x0n + hvn ) .

A função f é diferenciável em x0 e cada uma das funções

xi : h 7→ x0i + hvi , i = 1, 2, . . . , n
50 Textos de Apoio de Análise Matemática III

é diferenciável em 0. Então (regra da cadeia) g é diferenciável em 0 e


Xn Xn
0 ∂f 0 dxi ∂f 0
g (0) = (x ) (0) = (x ) vi .
i=1
∂x i dh i=1
∂x i

Por outro lado, a derivada direccional de f em x0 segundo ~v é o limite, caso exista,

f (x01 + hv1 , x02 + hv2 , . . . , x0n + hvn ) − f (x01 , x02 , . . . , x0n ) g(h) − g(0)
lim = lim = g 0 (0) .
h→0 h h→0 h
Assim, existe a derivada direccional de f em x0 segundo ~v e
Xn
0 0 ∂f 0
D~v f (x ) = g (0) = (x ) vi .
i=1
∂xi

Proposição 1.2.18 Suponha-se que f é diferenciável em x0 ∈ int(D). O valor máximo da


derivada direccional de f em x0 segundo um vector unitário ub é k∇f (x0 )k, e esse máximo
é atingido quando
0 ∇f (x0 )
b = vers ∇f (x ) =
u .
k∇f (x0 )k

Demonstração: Usando a proposição 1.2.17 obtém-se


0

0

Dub f (x ) = ∇f (x ), u
b
= k∇f (x0 )k kb uk cos θ
= k∇f (x0 )k cos θ ,

onde θ designa o ângulo entre ∇f (x0 ) e ub. Uma vez que −1 ≤ cos θ ≤ 1, o máximo é
k∇f (x )k e é atingido quando cos θ = 1, ou seja, quando θ = 0 e portanto ∇f (x0 ) e u
0
b têm
a mesma direcção e o mesmo sentido.

Podem definir-se derivadas direccionais de ordem superior à primeira. Vejamos como


isto é feito para funções reais de 2 variáveis reais.
Considere-se a função f : D ⊆ R2 −→ R e suponha-se que D é aberto e que
(x, y) 7−→ f (x, y)
f é diferenciável em D.
Seja ~v ∈ R2 . De acordo com a proposição 1.2.17, para todo o (x, y) ∈ D, existe
D~v f (x, y). Tem-se assim uma nova função de (x, y). A derivada direccional (caso exista)
desta nova função em (x, y) segundo ~v é a segunda derivada direccional de f em (x, y)
segundo ~v , 
D~v2 f (x, y) = D~v D~v f (x, y) .
Para m ≥ 2,  
m m−1
D~v f (x, y) = D~v D f (x, y) .
~v
Cristina Caldeira 51

Proposição 1.2.19 Se U ⊆ D é aberto e f é de classe C m em U então, para todo o


(x, y) ∈ U e todo o ~v = (v1 , v2 ) ∈ R2 existe Dm f (x, y) e
~v
Xm  
m m ∂mf
D~v f (x, y) = v1m−k v2k m−k k (x, y) .
k ∂x ∂y
k=0

1.2.15 Exercı́cios
1. Usando a definição , calcule as derivadas direccionais das funções seguintes nos pontos
P0 dados e segundo o vector ~v indicado.

(a) f (x, y) = x2 − xy em P0 = (0, 1) e ~v = 3ı̂ + 4̂ ;


(b) f (x, y, z) = xyz 2 em P0 = (0, 1, 0) e ~v = 2ı̂ + ̂ + k̂ .

2. Sejam f (x, y) = sin(xy) e g(t) = sin((π + √t2 )( 21 + √t2 )) .

(a) Calcule g 0 (0) ;


(b) Utilize o resultado da alı́nea anterior para calcular pela definição Dv̂ f (π, 21 )
̂
sendo ~v = √ı̂2 + √2 .

3. Calcule Dv̂ f (P0 ), sendo:

̂
(a) f (x, y) = ex tg y + 2x2 y ; P0 = (0, π √ı̂
4 ) ; ~v = − 2 + 2 .

(b) f (x, y, z) = 3x2 y + 2yz ; P0 = (−1, 0, 4) ; ~v = √ı̂2 − √k̂2 .

(c) f (x, y, z) = x2 z + y exz ; P0 = (1, −2, 3) ; ~v = ı̂ − 2̂ + 3k̂ .

(d) f (x, y) = x2 − xy − 2y 2 ; P0 = (1, 2) ; ~v é um vector que faz um ângulo de 60O


com OX .

2 x + y se x < y
4. Seja f : R → R a função dada por f (x, y) = .
2y se x ≥ y

2̂
(a) Calcule Dv̂ f (0, 0) , onde ~v = − √ı̂ + √ .
5 5

(b) Prove que f não é diferenciável em (0, 0).

5. Seja f : R2 → R uma função tal que fx (0, 0) = fy (0, 0) = 0 . Sabendo que, para um
dado vector unitário û do plano, Dû f (0, 0) = 3, prove que f não é diferenciável em
(0, 0).

6. Determine os vectores ~v , não nulos, para os quais existe D~v f (P0 ), sendo
52 Textos de Apoio de Análise Matemática III
p
(a) f (x, y) = x2 + y 2 , P0 = (0, 0);
p
(b) f (x, y) = |xy| , P0 = (0, 0);
 2
xy se y ≥ 0
(c) f (x, y) = , P0 = (0, 0).
x3 se y < 0
7. Seja f : R2 → R definida por f (x, y) = x2 + y 2 cos x . Indique todos os vectores
unitários v̂ onde a derivada direccional atinge os seguintes valores:

(a) valor máximo de Dv̂ f (0, π) ;


(b) valor mı́nimo de Dv̂ f (0, π) ;
(c) Dv̂ f (0, π) = 0 .
(d) Resolva as alı́neas anteriores para o ponto P = (π, 2π).
(e) Mostre que as direcções onde a derivada direccional se anula são ortogonais às
direcções onde ela atinge os valores extremos.

8. Num mapa topográfico de uma região montanhosa, faça coincidir a Rosa dos Ventos
com o referencial ortonormado usual XOY , por forma a que o semi-eixo positivo OY
tenha a “direcção Norte”. A altitude em cada ponto (x, y) representado no mapa é
dada, em metros, pela função h(x, y) = 3000 − 2x2 − y 2 . Suponha que um alpinista
se encontra no ponto (30,-20), sobre a curva de nı́vel de valor 800 da função h.

(a) Se o alpinista se mover na direcção sudoeste, estará a subir ou a descer?


(b) Em que direcção deverá o alpinista mover-se por forma a
(b.1) ascender mais rapidamente;
(b.2) percorrer um caminho plano.
9. Seja f : R2 → R a função dada por
 3
 xy
 se y 6= 0
f (x, y) = .


0 se y = 0
(a) Mostre que f admite todas as derivadas parciais de 1a¯ ordem em (0, 0).
(b) Prove que f admite derivada direccional segundo qualquer vector ~v do plano,
sendo
Dv̂ f (0, 0) = h∇f (0, 0), v̂i .
(c) Mostre que f não é diferenciável em (0, 0), justificando a sua resposta.

10. Seja f : R2 → R definida por


 3
 x + y3
 2 se (x, y) 6= (0, 0
x + y2
f (x, y) = .


0 se (x, y) = (0, 0)
Mostre que
Cristina Caldeira 53

(a) f é contı́nua em (0, 0);


(b) f possui derivada em (0, 0) segundo qualquer vector;
(c) f não é diferenciável em (0, 0).

1.3 Funções vectoriais


1.3.1 Limites, continuidade e matriz Jacobiana
Uma função vectorial em n variáveis reais é uma função de domı́nio contido em Rn e que
toma valores em Rm , com m > 1, f : D ⊆ Rn → Rm .

Exemplo 1.3.1
f : R2 \ {(0, 0)} −→ R
3

x 3y 2
(x, y) 7−→ , ,x − y
x2 + y 2 x2 + y 2
é uma função vectorial de 2 variáveis reais.

Considere-se uma função


f : D ⊆ Rn −→ Rm
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ f (x1 , x2 , . . . , xn )

e por k · kn e k · km designem-se, respectivamente, a norma em Rn e em Rm .


Seja a = (a1 , a2 , . . . , an ) um ponto de acumulação de D. Diz-se que b = (b1 , b2 , . . . , bm ) ∈
m
R é o limite de f quando x = (x1 , x2 , . . . , xn ) tende para a e escreve-se

lim f (x) = b ou lim f (x1 , x2 , . . . , xn ) = (b1 , b2 , . . . , bm ) ,


x→a (x1 ,x2 ,...,xn )→(a1 ,a2 ,...,an )

se
∀ε > 0 ∃δ > 0 : (0 < kx − akn < δ ∧ x ∈ D) ⇒ kf (x) − bkm < ε . (1.22)
Se a ∈ D é um ponto de acumulação de D, diz-se que fé contı́nua em a se existe o
limite de f quando x tende para a e este limite é igual a f (a). Se a é um ponto isolado de
D, por definição, f é contı́nua em a.
Na prática o cálculo de limites e o estudo da continuidade de uma função f : D ⊆
R → Rm reduz-se ao cálculo de limites e ao estudo da continuidade de m funções reais de n
n

variáveis reais, as ditas funções componentes. Para (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ D, f (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈


Rm , logo

f (x1 , x2 , . . . , xn ) = (f1 (x1 , x2 , . . . , xn ), f2 (x1 , x2 , . . . , xn ), . . . , fm (x1 , x2 , . . . , xn )) .


| {z } | {z } | {z }
∈R ∈R ∈R

As m funções reais de n variáveis reais


fi : D ⊆ Rn −→ R
, i = 1, 2, . . . , m
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ fi (x1 , x2 , . . . , xn )
54 Textos de Apoio de Análise Matemática III

são as chamadas funções componentes de f .


No caso da função do exemplo anterior as funções componentes são

f1 : R2 \ {(0, 0)} −→ R f2 : R2 \ {(0, 0)} −→ R


x , 3y 2
(x, y) 7−→ 2 (x, y) 7−→
x + y2 x2 + y 2

f3 : R2 \ {(0, 0)} −→ R
e .
(x, y) 7−→ x − y

Proposição 1.3.1 Sejam

f : D ⊆ Rn −→ Rm
,
x 7−→ f (x) = (f1 (x), f2 (x), . . . , fm (x))

a um ponto de acumulação de D e b = (b1 , b2 , . . . , bm ) ∈ Rm . Então


 
lim f (x) = b ⇔ lim fi (x) = bi , i = 1, 2, . . . , m .
x→a x→a

Demonstração: Suponha-se que

lim f (x) = b . (1.23)


x→a

Fixe-se i ∈ {1, 2, . . . , m}. Seja ε > 0, qualquer. De (1.23) conclui-se que existe δ > 0 tal
que
(0 < kx − akn < δ ∧ x ∈ D) ⇒ kf (x) − bkm < ε .
Mas
v
uX
u m
kf (x) − bkm = t (fj (x) − bj )2
j=1

≥ |fi (x) − bi |

e portanto
(0 < kx − akn < δ ∧ x ∈ D) ⇒ |fi (x) − bi | < ε ,
concluindo-se que
lim fi (x) = bi .
x→a

Reciprocamente suponha-se que

lim fi (x) = bi , , i = 1, 2, . . . , m . (1.24)


x→a

Seja ε > 0, qualquer. ε/ m ∈ R+ e portanto, para i = 1, 2, . . . , m, existe δi > 0 tal que
ε
(0 < kx − akn < δi ∧ x ∈ D) ⇒ |fi (x) − bi | < √ .
m
Cristina Caldeira 55

Seja δ = min{δ1 , δ2 , . . . , δm }.

(0 < kx − akn < δ ∧ x ∈ D) ⇒ (0 < kx − akn < δi ∧ x ∈ D) , i = 1, . . . , m


ε
⇒ |fi (x) − bi | < √ , i = 1, . . . , m
m
ε2
⇒ (fi (x) − bi )2 < , i = 1, . . . , m
m
Xm
⇒ (fi (x) − bi )2 < ε2
i=1
⇒ kf (x) − bkm < ε .

Deste resultado conclui-se facilmente que:

Proposição 1.3.2 Sejam


f : D ⊆ Rn −→ Rm
x 7−→ (f1 (x), f2 (x), . . . , fm (x))
e a ∈ D. Então f é contı́nua em a se e só se fi é contı́nua em a, i = 1, 2, . . . , m.

Diz-se que uma função f : D ⊆ Rn −→ Rm é de classe C k num conjunto aberto S ⊆ D


se as funções componentes de f são de classe C k em S.
Sejam f : Df ⊆ Rn −→ Rm e g : Dg ⊆ Rn −→ Rm duas funções vectoriais. Seja ainda
α um número real.
A soma de f e g é a função
f + g : Df ∩ Dg ⊆ Rn −→ Rm
x 7−→ f (x) + g(x) .
O produto de α pela função f é a função
α f : Df ⊆ Rn −→ Rm
x 7−→ α f (x) .

Para funções vectoriais são válidos resultados análogos aos das proposições 1.2.6 (partes
1. e 2.), 1.2.8 (para a soma de funções) e 1.2.10:

Proposição 1.3.3 Nas condições anteriores, seja a um ponto de acumulação de D f e


de Dg . Suponha-se que existem os limites de f e g no ponto a e que a é um ponto de
acumulação do domı́nio de f + g. Então:

1. Existe o limite de f + g no ponto a e lim (f + g)(x) = lim f (x) + lim g(x);


x→a x→a x→a

2. Existe o limite de α f no ponto a e lim (α f )(x) = α lim f (x);


x→a x→a

Proposição 1.3.4 Nas condições anteriores, se f e g são contı́nuas em a ∈ D f ∩ Dg ,


então a função f + g é contı́nua em a.
56 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Proposição 1.3.5 Sejam f : A ⊆ Rn → Rm e g : B ⊆ Rm → Rk duas funções com


f (A) ⊆ B e seja a um ponto de A tal que f é contı́nua em a. Suponha-se ainda que g é
contı́nua em f (a). Então a função g ◦ f é contı́nua em a.

Sejam f : D ⊆ Rn −→ Rm , a = (a1 , a2 , . . . , an ) um ponto de D e ~u = (u1 , u2 , . . . , un ) ∈


Rn . Chama-se derivada direccional de f em a segundo ~u ao limite, se existir,
f (a + h~u) − f (a) f (a1 + hu1 , . . . , an + hun ) − f (a1 , . . . , an )
lim = lim .
h→0 h h→0 h
Este limite, se existir, é um vector de Rm e representa-se por D~u f (a).
Suponha-se que f tem componentes f1 , f2 , . . . , fm todas diferenciáveis em a (diz-se que
f é diferenciável em a). Então existe D~u f (a) e a i-ésima componente de D~u f (a) é

fi (a1 + hu1 , . . . , an + hun ) − fi (a1 , . . . , an )


lim = D~u fi (a)
h→0 h
= h∇fi (a), ~ui
∂fi ∂fi
= (a) u1 + · · · + (a) un .
∂x1 ∂xn
Isto é válido para i = 1, 2, . . . , m. Pode então escrever-se
 
 ∂f1 ∂f1 ∂f1 
 (a) (a) · · · (a)
 ∂x1 ∂x2 ∂xn 
 
   
 
 ∂f2 ∂f2 ∂f2  u1
 (a) (a) · · · (a)   
 ∂x1 ∂x2 ∂xn   u2 
D~u f (a) = 


  .. . (1.25)
   . 
 .. .. ... .. 
 . . .  un
 
 
 ∂fm ∂fm ∂fm 
 (a) (a) · · · (a) 
 ∂x1 ∂x2 ∂xn 

∂fi
À matriz m × n, presente na igualdade (1.25), que na linha i, coluna j tem (a),
∂xj
chama-se matriz Jacobiana de f no ponto a e representa-se por Jf (a). Se m = 1, Jf (a) =
∇f (a)t .

Exemplo 1.3.2 Considere-se a função

f : R2 −→ R2
.
(x, y) 7−→ (x2 y, cos(xy))

As funções componentes de f são

f1 : R2 −→ R f2 : R2 −→ R
e .
(x, y) 7−→ x2 y (x, y) 7−→ cos(xy)
Cristina Caldeira 57

Assim, para todo o (x, y) ∈ R2 ,


 
2xy x2
Jf (x, y) = .
−y sin(xy) −x sin(xy)

Uma vez que f1 e f2 são de classe C 1 em R2 , são diferenciáveis em R2 e portanto, para


todo o vector ~u = (u1 , u2 ) ∈ R2 e todo o (x, y) ∈ R2 ,
    
2xy x2 u1 2xyu1 + x2 u2
D~u f (x, y) = = .
−y sin(xy) −x sin(xy) u2 −y sin(xy)u1 − x sin(xy)u2

Assim, por exemplo, se ~u = (2, 1),


  
π 2π + 1
D~u f 1, = .
2 −π − 1

Vejamos agora como se processa a derivação da composição de funções vectoriais. Sejam

f : A ⊆ Rn −→ Rm
x = (x1 , . . . , xn ) 7−→ (f1 (x), f2 (x), . . . , fm (x))

g : B ⊆ Rm −→ Rk
y = (y1 , . . . , ym ) 7−→ (g1 (y), g2 (y), . . . , gk (y))
duas funções vectoriais tais que f (A) ⊆ B. Pode considerar-se a função composta

g ◦ f : A ⊆ Rn −→ Rk
.
x 7−→ g(f (x)) = (g1 (f (x)), g2 (f (x)), . . . , gk (f (x)))

Proposição 1.3.6 Nas condições anteriores, se f1 , f2 , . . . , fm têm derivadas parciais de


1a ordem em a ∈ A e g1 , g2 , . . . , gk são diferenciáveis em f (a), então

Jg◦f (a) = Jg (f (a)) Jf (a) .

Demonstração: Seja h = g ◦ f . As funções componentes de h são

hi : A ⊆ Rn −→ R
, i = 1, 2, . . . , k .
x 7−→ gi (f (x)) = (gi ◦ f )(x)

Usando a regra da cadeia obtém-se

X ∂gi m
∂hi ∂f`
(a) = (f (a)) (a) , i = 1, 2, . . . , k, j = 1, 2, . . . , n .
∂xj `=1
∂y` ∂xj

Mas isto significa precisamente que Jg◦f (a) = Jg (f (a)) Jf (a).


58 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Exemplo 1.3.3 Sejam f : R3 → R2 e g : R2 → R2 duas funções vectoriais definidas por

f (u, v, w) = (u + 2v 2 + 3w3 , 2v − u2 ) e g(x, y) = ex+2y ı̂ + sin(y + 2x)̂ .

Calcule-se Jg◦f (1, −1, 1), usando a proposição anterior.


Para (x, y) ∈ R2 e (u, v, w) ∈ R3 , quaisquer
   
1 4v 9w2 ex+2y 2ex+2y
Jf (u, v, w) = e Jg (x, y) = .
−2u 2 0 2 cos(y + 2x) cos(y + 2x)

Uma vez que f e g são diferenciáveis nos respectivos domı́nios, da proposição anterior
obtém-se

Jg◦f (1, −1, 1) = Jg (f (1, −1, 1)) Jf (1, −1, 1)


= Jg (6, −3) Jf (1, −1, 1)
  
1 2 1 −4 9
=
2 cos 9 cos 9 −2 2 0
 
−3 0 9
= .
0 −6 cos 9 18 cos 9

1.3.2 Exercı́cios
1. Considere o campo de vectores definido por
 p 
2 2 1 3x2 y 2 2
f (x, y) = (x + 2y ) sin , 2 + 1, x + y .
xy x + 2y 2

Mostre que lim f (x, y) = (0, 1, 0).


(x,y)→(0,0)

2. Calcule as matrizes Jacobianas das seguintes funções:

(a) f (x, y) = (x2 + y 2 , sin x) , (x, y) ∈ R2 ;


(b) g(x, y, z) = (x2 + y 2 , sin x) , (x, y, z) ∈ R3 ;
(c) h(t) = cos t ı̂ + sin t ̂ , t ∈ [0, 2π];
(d) ϕ(u, v, w) = eu (cos v sin wı̂ + sin v sin w̂ + cos w k̂) , (u, v, w) ∈ R3 .

3. Seja ~u = 3ı̂ − 5̂. Determine D~u g(π, −2, 1) e D~u ϕ(0, π4 , π4 ) sendo g e ϕ as funções
definidas no exercı́cio anterior.

4. Considere a função vectorial

f : R2 −→ R3
.
(x, y) 7−→ (x + y 2 , xy, ey )

Para P0 = (1, 0) e ~u = ı̂ − ̂ calcule Jf (P0 ) e Du


bf (P0 ).
Cristina Caldeira 59

5. Considere as funções f : R2 → R e g : R2 → R2 definidas por f (x, y) = sin(x2 − y 2 )


e g(x, y) = (x + y, x − y). Calcule as matrizes Jacobianas de f , g e f ◦ g no ponto
(x, y).

6. Calcule a matriz Jacobiana de g ◦ f no ponto (x, y, z), sendo:

f : R3 −→ R2 e g : R2 −→ R3
(x, y, z) 7−→ (x + y 2 , xy 2 z) (s, t) 7−→ (s2 + t, st, et ) .

1.3.3 Curvas no espaço. Recta tangente a uma curva no espaço,


plano tangente e recta normal a uma superfı́cie
Suponha-se que se tem uma função vectorial

~r : [a, b] ⊆ R −→ R3
t 7−→ ~r(t) = (r1 (t), r2 (t), r3 (t))
= r1 (t)ı̂ + r2 (t)̂ + r3 (t)k̂ ,

contı́nua em [a, b]. Considere-se fixado em R3 um referencial ortonormado OXY Z. Quando


t varia de a para b, a extremidade do vector ~r(t) (aplicado na origem) descreve uma curva
no espaço, C.

Fig. 1.3.1

As equações 
 x = r1 (t)
y = r2 (t) , t ∈ [a, b]

z = r3 (t)
dizem-se equações paramétricas de C.
−→
O ponto A da curva C tal que OA = ~r(a) é o ponto inicial da curva e o ponto B tal
−−→
OB = ~r(b) é o ponto final. Para simplificar a linguagem muitas vezes confundiremos o
−→
ponto P da curva tal que OP = ~r(t) com o vector ~r(t) aplicado na origem e do qual P é
a extremidade. Assim, abreviadamente diz-se que ~r(a) é o ponto inicial e ~r(b) é o ponto
final. A multiplicidade de um ponto P da curva C é o cardinal do conjunto
−→
{t ∈ [a, b] : ~r(t) = OP } .
60 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Ao longo deste curso uma curva no espaço não será vista meramente como um conjunto
de pontos. Uma curva tem um sentido, um ponto inicial, um ponto final, e cada ponto da
curva tem uma multiplicidade.
Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 1.3.4 Considere-se a curva de equações paramétricas



 x = t cos(2t)
y = t sin(2t) , t ∈ [0, 2π] .

z=t

O ponto inicial é (0, 0, 0), o ponto final é (2π, 0, 2π) e todos os pontos têm multiplicidade
1.

Fig. 1.3.2

Exemplo 1.3.5 Seja C a curva de equações paramétricas



 x = cos t
y = sin t , t ∈ [0, 2π] .

z=0

O ponto inicial e o ponto final coincidem com (1, 0, 0). Todos os pontos de C têm
multiplicidade 1, com excepção do ponto (1, 0, 0) que tem multiplicidade 2. As equações

 x = cos(2t)
y = sin(2t) , t ∈ [0, π]

z=0

são também equações paramétricas de C.


A curva de equações paramétricas

 x = cos t
y = sin t , t ∈ [0, 4π]

z=0

não é C, porque neste caso todos os pontos têm multiplicidade 2, com excepção do ponto
(1, 0, 0) que tem multiplicidade 3.
Cristina Caldeira 61

Também a curva de equações paramétricas



 x = sin t
y = cos t , t ∈ [0, 2π]

z=0

não é C, porque esta curva tem ponto inicial (0, 1, 0) e o ponto inicial de C é (1, 0, 0).

Considere-se uma função vectorial

~r : [a, b] ⊆ R −→ R3
t 7−→ ~r(t) = (r1 (t), r2 (t), r3 (t))

e suponha-se que as funções componentes de ~r, r1 , r2 e r3 , são diferenciáveis em t0 ∈]a, b[.


A matriz Jacobiana de ~r em t0 é o vector
 
dr1
(t0 )
 dt 
 
 
 dr2 
J~r (t0 ) = 
 dt (t 0 ) 

 
 
 dr 
3
(t0 )
 dt 
r1 (t0 + h) − r1 (t0 ) r2 (t0 + h) − r2 (t0 ) r3 (t0 + h) − r3 (t0 )
= lim , lim , lim
h→0 h h→0 h h→0 h
1
= lim [(r1 (t0 + h), r2 (t0 + h), r3 (t0 + h)) − (r1 (t0 ), r2 (t0 ), r3 (t0 ))]
h→0 h
~r(t0 + h) − ~r(t0 )
= lim .
h→0 h
d~r
Assim, esta matriz Jacobiana costuma ser representada por ~r 0 (t0 ) ou (t0 ).
0
dt
Vejamos qual o significado geométrico de ~r (t0 ). Seja C a curva de equações paramétricas
(x, y, z) = ~r(t), t ∈ [a, b]. Considere-se h 6= 0. Sejam P0 e Q os pontos de C tais que
−−→ −→
OP0 = ~r(t0 ) e OQ = ~r(t0 + h).

Fig. 1.3.3
62 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Considere-se ainda o vector


~r(t0 + h) − ~r(t0 )
~rh = .
h
Se h > 0, ~rh tem a direcção e o sentido de ~r(t0 + h) − ~r(t0 ). Se h < 0, ~rh tem a direcção
−→
de ~r(t0 + h) − ~r(t0 ) mas o sentido contrário. Fazendo h tender para zero o vector OQ
−−→
“aproxima-se”de OP0 e ~rh “aproxima-se”de um vector paralelo à recta tangente a C em
P0 . Assim, desde que seja não nulo, o vector ~r 0 (t0 ) é paralelo à recta tangente a C no
ponto P0 . Então, se ~r 0 (t0 ) 6= 0, uma equação da recta tangente a C no ponto P0 é
(x, y, z) = P0 + λ ~r 0 (t0 ) , λ ∈ R. (1.26)
Exemplo 1.3.6 Seja C a curva no espaço com equações paramétricas

 x=t
y = t2 , 0 ≤ t ≤ 1 .

z = 2t
Escreva-se uma equação da recta tangente a C no ponto P0 = (1/2, 1/4, 1). Seja ~r(t) =
(t, t2 , 2t). Então P0 = ~r(1/2) e uma equação da recta tangente a C em P0 é
(x, y, z) = P0 + λ~r 0 (1/2) , λ∈R
= (1/2, 1/4, 1) + λ(1, 1, 2) , λ ∈ R.
Usando o conhecimento de como determinar uma equação da recta tangente, num
ponto, a uma curva no espaço vamos ver como determinar uma equação do plano tangente,
num ponto, a uma superfı́cie de nı́vel de uma função real de 3 variáveis reais.
Considere-se então uma função real de 3 variáveis reais,
f : D ⊆ R3 −→ R
,
(x, y, z) 7−→ f (x, y, z)
de classe C 1 . Sejam k pertencente ao contradomı́nio de f , S a superfı́cie de nı́vel de f de
valor k (isto é, S = {(x, y, z) ∈ D : f (x, y, z) = k}) e P0 = (x0 , y0 , z0 ) um ponto de S.
O plano tangente a S em P0 é o plano (caso exista) que contém P0 e é paralelo a todas
as rectas que sejam tangentes, em P0 , a curvas do espaço que estejam contidas em S e que
passem em P0 .

Fig. 1.3.4
Cristina Caldeira 63

Seja então C uma curva do espaço que está contida na superfı́cie S e que contem P0 .
Seja
~r : [a, b] ⊆ R −→ R3
t 7−→ ~r(t) = (r1 (t), r2 (t), r3 (t))
−−→
uma função vectorial que parametriza C e suponha-se que ~r(t0 ) = OP0 (t0 ∈ [a, b]), que
~r(t) é diferenciável em t0 e que ~r 0 (t0 ) 6= 0. Uma vez que a curva C está contida na superfı́cie
S tem-se
f (r1 (t), r2 (t), r3 (t)) = k , ∀t ∈ [a, b] .
Derivando ambos os membros em ordem a t em t0 (regra da cadeia) obtém-se

∂f dr1 ∂f dr2 ∂f dr3


(x0 , y0 , z0 ) (t0 ) + (x0 , y0 , z0 ) (t0 ) + (x0 , y0 , z0 ) (t0 ) = 0 ,
∂x dt ∂y dt ∂z dt
ou seja,  
d~r
∇f (P0 ), (t0 ) = 0.
dt
Verificou-se assim que o vector gradiente de f em P0 é ortogonal à recta tangente a C em P0 .
Isto acontece para toda a curva contida em S e que passe em P0 . Então, se ∇f (P0 ) 6= ~0, a
superfı́cie S admite plano tangente em P0 e esse plano tangente é perpendicular a ∇f (P0 ).
Assim, se ∇f (P0 ) 6= ~0, uma equação do plano tangente a S em P0 é

h(x − x0 , y − y0 , z − z0 ), ∇f (P0 )i = 0 . (1.27)

Se ∇f (P0 ) 6= ~0, a recta normal a S em P0 é a recta que passa em P0 e é paralela a


∇f (P0 ). Uma sua equação vectorial é

(x, y, z) = P0 + λ∇f (P0 ) , λ ∈ R.

Exemplo 1.3.7 Considerem-se a superfı́cie de R3 de equação z = x2 + y 2 − 2 e o ponto


de S, P0 = (0, 0, −2). Determinemos equações paramétricas para a recta normal a S em
P0 e uma equação cartesiana do plano tangente a S em P0 .
Considere-se a função real de 3 variáveis reais de domı́nio R3 e cuja expressão analı́tica
é f (x, y, z) = x2 + y 2 − z. S é a superfı́cie de nı́vel de f de valor 2. O vector gradiente de
f em (x, y, z) é ∇f (x, y, z) = (2x, 2y, −1), logo ∇f (P0 ) = (0, 0, −1). Então as equações

 x=0
y=0 , λ∈R

z = −2 − λ

são equações paramétricas da recta normal a S em P0 , concluindo-se que essa recta coincide
com o eixo dos ZZ.
Uma equção cartesiana do plano tangente a S em P0 é

h(x − 0, y − 0, z + 2), (0, 0, −1)i = 0 ⇔ z = −2 .


64 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Estamos agora na posse dos conhecimentos necessários para obter uma interpretação
geométrica do diferencial total de uma função real de 2 variáveis reais.
Seja f (x, y) uma função real de 2 variáveis reais de domı́nio D e diferenciável em
(x0 , y0 ) ∈ int(D). Considere-se uma variável dependente z = f (x, y) e designem-se por dx
e dy os acréscimos das variáveis independentes x e y. Recorde-se que o diferencial total
em (x0 , y0 ) da variável dependente z é dz = fx (x0 , y0 ) dx + fy (x0 , y0 ) dy.
Considere-se a porção de superfı́cie

S = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ D e z = f (x, y)} .

S é a superfı́cie de nı́vel de valor 0 de uma função cuja expressão analı́tica é g(x, y, z) =


−z + f (x, y). Seja ainda z0 = f (x0 , y0 ) e considere-se o ponto de S, P0 = (x0 , y0 , z0 ). O
gradiente de g em P0 é

∇g(P0 ) = (fx (x0 , y0 ), fy (x0 , y0 ), −1) 6= (0, 0, 0)

e portanto a equação

(x − x0 )fx (x0 , y0 ) + (y − y0 )fy (x0 , y0 ) − z + z0 = 0 (1.28)

é uma equação cartesiana do plano tangente a S em P0 . Considere-se o ponto P1 =


(x1 , y1 , z1 ), em que

x1 = x0 + dx ;
y1 = y0 + dy ;
z1 = z0 + fx (x0 , y0 ) dx + fy (x0 , y0 ) dy = z0 + dz .

Verifica-se facilmente que P1 satisfaz a equação (1.28) e portanto é um ponto do plano


tangente a S em P0 . Além disso dz = z1 − z0 , isto é, o diferencial total dz é igual à
diferença entre a cota do ponto do plano tangente a S em P0 cuja projecção sobre XOY
é (x0 + dx, y0 + dy, 0) e a cota de P0 .

Fig. 1.3.5
Cristina Caldeira 65

Suponha-se que considerávamos a aproximação f (x0 + dx, y0 + dy) ≈ z1 . O módulo do


erro cometido é

|f (x0 + dx, y0 + dy) − z1 | = |(f (x0 + dx, y0 + dy) − f (x0 , y0 )) + (f (x0 , y0 ) − z1 )|


= |∆z + z0 − z1 |
= |∆z − dz| .

Sendo f diferenciável em (x0 , y0 ), (∆z − dz) → 0 quando (dx, dy) → (0, 0) e assim para
(x0 + dx, y0 + dy) suficientemente próximo de (x0 , y0 ) esta aproximação é boa. Assim, se f
é diferenciável em (x0 , y0 ), numa vizinhança de (x0 , y0 ) pode aproximar-se a superfı́cie S
(i.e. o gráfico de f ) pelo plano tangente a S em P0 = (x0 , y0 , f (x0 , y0 )).

1.3.4 Exercı́cios
1. Determine uma equação da recta tangente à curva C com equações paramétricas
dadas, no ponto P0 indicado.

 x = cos t
(a) C : y = 2 sin t , t ∈ [0, 2π]; P0 = (−1, 0, π);

z=t

 x = t2
(b) C : y=2 , t ∈ [0, 2]; P0 = (1, 2, −1).

z = −t3
2. Determine a equação do plano tangente às seguintes superfı́cies nos pontos indicados:

(a) z = x2 + y 2 no ponto P0 = (1, −2, 5);


(b) (x − 1)2 + (y − 2)2 + z 2 = 3 no ponto P0 = (0, 1, −1);
2 y2 2
(c) x16 + 9 − z8 = 0 no ponto P0 = (4, 3, 4);
(d) x2 + y 2 + z 2 = 2rz no ponto P0 = (r cos θ, r sin θ, r) com r > 0;

(e) z 2 = x2 + y 2 no ponto P0 = (1, 1, 2);
(f) x2 + y 2 = 25 no ponto P0 = (3, 4, 2).

3. Mostre que, para a, b, c ∈ R \ {0}, as superfı́cies de equação


 2
x2 y 2 z2 2 2 b2 + c 2 b2 2 
+ = e x +y + z− = b + c2
a2 b2 c2 c c 2

são tangentes nos pontos (0, ±b, c).

4. Seja f uma função diferenciável e S a superfı́cie de equação z = y f ( x


y ).
(a) Determine uma equação do plano tangente a S num ponto (x0 , y0 , z0 ) ∈ S.
(b) Mostre que todos os planos tangentes a S passam em (0, 0, 0).
66 Textos de Apoio de Análise Matemática III

5. Prove que toda a recta normal a uma esfera passa no seu centro.

6. Determine os pontos do parabolóide z = 4x2 + 9y 2 onde a normal à superfı́cie é


paralela à recta que passa por P (−2, 4, 3) e Q(5, −1, 2).

7. Prove que o plano tangente à superfı́cie z = x2 − y 2 no ponto P = (a, b, c) é intersec-


tado pelo eixo dos zz no ponto (0, 0, −c).

8. Considere a superfı́cie S definida por

x2 + y 2 − z 2 − 2x = 0 .

Determine os pontos de S nos quais o plano tangente a S é paralelo a um dos planos


coordenados.

1.3.5 Teorema da função inversa


Considere-se uma função f : D ⊆ Rn → Rn , onde D é aberto e f é de classe C 1 em
D. Suponha-se que se quer saber em que condições a função f é invertı́vel, isto é, em
que condições é que existe uma função g tal que g ◦ f e f ◦ g coincidem com a aplicação
identidade de Rn . Para n = 1 é válido o resultado:

Teorema 1.3.1 Sejam f uma função real de uma variável real de classe C 1 e ]a, b[ um
intervalo real tal que
f 0 (x) 6= 0 , ∀x ∈]a, b[ .
Então f é uma bijecção de ]a, b[ sobre um intervalo ]α, β[ e portanto é invertı́vel em ]a, b[.
Isto é, existe uma função g :]α, β[→]a, b[ tal que

(g ◦ f )(x) = x , ∀x ∈]a, b[
(f ◦ g)(y) = y , ∀y ∈]α, β[ .

(A função g nestas condições diz-se a função inversa de f em ]a, b[). Mais, g é de classe
C 1 em ]α, β[ e
1
g 0 (f (x)) = 0 , ∀x ∈]a, b[ .
f (x)

Para n ≥ 2 tem-se o resultado seguinte, que não demonstraremos.

Teorema 1.3.2 (Teorema da função inversa)


Seja f : D ⊆ Rn → Rn , de classe C 1 em D e a ∈ int(D) tal que det Jf (a) 6= 0. Então
existem dois conjuntos abertos, A ⊆ D e B ⊆ f (D) tais que

(i) a ∈ A e f (a) ∈ B;

(ii) A função f|A : A −→ B é bijectiva e portanto invertı́vel;


x 7−→ f (x)
Cristina Caldeira 67

(iii) A função inversa de f|A , f|−1


A
, é de classe C 1 em B;

(iv) ∀x ∈ A, Jf −1 (f (x)) = Jf (x)−1 .


|A

Observe-se que este resultado apenas garante a invertibilidade local (invertibilidade


numa vizinhança do ponto a) da função. Para n ≥ 2 o facto de se verificar

det Jf (x) 6= 0 , ∀x ∈ B(a, δ)

não garante que a função f seja invertı́vel em B(a, δ), como se comprova através do exemplo
seguinte.

Exemplo 1.3.8 Considere-se a função

f : R2 −→ R2
.
(x, y) 7−→ (ex cos y, ex sin y)

Considere-se a bola aberta B((0, 2π), 2π). Para (x, y) ∈ R2 ,


x
e cos y −ex sin y
det Jf (x, y) = x = e2x 6= 0 .
e sin y ex cos y

Assim,
det Jf (x, y) 6= 0 , ∀(x, y) ∈ B((0, 2π), 2π) .
No entanto f (0, π/2) = (0, 1) = f (0, 5π/2) e portanto f não é invertı́vel em B((0, 2π), 2π),
porque não é injectiva em B((0, 2π), 2π).

Relativamente ao teorema da função inversa tem-se ainda que se f é de classe C k em


D também f|−1
A
é de classe C k em B.
Para terminar vejamos um exemplo de aplicação do teorema da função inversa.

Exemplo 1.3.9 Consideremos a função

f : R2 −→ R2
.
(x, y) 7−→ (exy , 2x − 2y)

Esta função é de classe C 1 em R2 . Para (x, y) ∈ R2 ,


xy
ye xexy

det Jf (x, y) = = (−2x − 2y)exy .
2 −2

Por exemplo, det Jf (0, 1) = −2 6= 0 e aplicando o teorema da função inversa conclui-se que
f é invertı́vel numa vizinhança de (0, 1). Designando por g a função que é a inversa de f
nessa vizinhança de (0, 1), tem-se ainda que
 −1  
−1 1 0 1 0
Jg (1, −2) = Jg (f (0, 1)) = Jf (0, 1) = = .
2 −2 1 −1/2
68 Textos de Apoio de Análise Matemática III

1.3.6 Exercı́cios
1. Mostre que a função vectorial definida por f (x, y, z) = (x2 − y 2 , xy, ez ) é invertı́vel
numa vizinhança de qualquer ponto (x0 , y0 , z0 ) ∈ R3 tal que x20 +y02 6= 0 e determine a
matriz Jacobiana, no ponto (1, 0, 1), da função g que é a inversa de f numa vizinhança
de (1, 0, 0).

2. Determine os pontos P0 para os quais o teorema da função inversa garante a inver-


tibilidade, numa vizinhança de P0 , das seguintes funções:

(a) f (x, y) = (x2 + y 2 , sin x) , (x, y) ∈ R2 ;


(b) ϕ(u, v, w) = eu (cos v sin wı̂ + sin v sin w̂ + cos w k̂) , (u, v, w) ∈ R3 ;
(c) h(x, y) = (x2 + 2xy, 2x + 2y) , (x, y) ∈ R2 .

1.4 Funções reais de várias variáveis reais (parte 2)


1.4.1 Teorema da função implı́cita
A equação x + y − 1 = 0 é a equação de uma recta de R2 . Pode ser resolvida em ordem a y
obtendo-se y = 1 − x. Tem-se assim uma função f : R −→ R tal que x + f (x) −
x 7−→ 1 − x
1 = 0, para todo o x ∈ R, isto é, tal que todos os pontos da forma (x, f (x)) pertencem à
recta de equação x + y − 1 = 0.
Isto nem sempre é possı́vel. Por exemplo, a equação x2 +y 2 +1 = 0 não tem soluções reais
e portanto não existe uma função real de uma variável, f , verificando x2 + f (x)2 + 1 = 0.
Seja F uma função real de 2 variáveis reais. Diz-se que a equação F (x, y) = 0 define
implicitamente y como função de x numa vizinhança de (x0 , y0 ) se existem pelo menos
um intervalo real aberto I, contendo x0 , e exactamente uma função f : I ⊆ R → R tal que
f (x0 ) = y0
e F (x, f (x)) = 0 , ∀x ∈ I .
Exemplo 1.4.1 Seja F (x, y) = x2 + y 2 − 1. Considere-se a função
f1 : ] − 1, 1[ −→ R√ .
x 7−→ 1 − x2
Para todo o x ∈]−1, 1[, F (x, f1 (x)) = 0 e portanto a equação x2 +y 2 −1 = 0 define
p implici-
tamente y como função de x em qualquer vizinhança de um ponto da forma (x0 , 1 − x20 ),
com x0 ∈] − 1, 1[. Note-se que se se considerar a função
f2 : ] − 1, 1[ −→ R √
x 7−→ − 1 − x2
tem-se também F (x, f2 (x)) = 0, para todo o x ∈]−1, 1[, e portanto a equação x2 +y 2 −1 = 0
define p
implicitamente y como função de x em qualquer vizinhança de um ponto da forma
(x0 , − 1 − x20 ), com x0 ∈] − 1, 1[.
Cristina Caldeira 69

Vejamos agora que a mesma equação não define implicitamente y como função de x em
qualquer vizinhança de (1, 0). Suponha-se que existem I intervalo real aberto contendo 1 e
f : I → R tais que f (1) = 0 e x2 + f (x)2 − 1 = 0, para todo o x ∈ I. Sendo I um intervalo
aberto e 1 um elemento de I, existe 0 < δ < 2 tal que 1 + δ ∈ I. Assim,

(1 + δ)2 + f (1 + δ)2 − 1 = 0 ⇔ 1 + 2δ + δ 2 + f (1 + δ)2 − 1 = 0


⇔ f (1 + δ)2 = −δ 2 − 2δ < 0 ,

chegando-se assim a uma contradição.

Teorema 1.4.1 (Teorema da função implı́cita)


Sejam
F : D ⊆ R2 −→ R
(x, y) 7−→ F (x, y)
uma função e (x0 , y0 ) ∈ int(D) tal que F (x0 , y0 ) = 0. Suponha-se que existe uma bola
aberta, B, contida em D e centrada em (x0 , y0 ) tal que F ∈ C 1 (B) e que Fy (x0 , y0 ) 6= 0.
Então existe um intervalo aberto de R contendo x0 , I, e existe uma única função f : I → R
verificando

(i)
f ∈ C 1 (I) ;
f (x0 ) = y0 ;
F (x, f (x)) = 0 , ∀x ∈ I .

(ii) Para x1 ∈ I tal que Fy (x1 , f (x1 )) 6= 0 tem-se

df Fx (x1 , f (x1 ))
(x1 ) = − .
dx Fy (x1 , f (x1 ))

Demonstração: Comecemos por demonstrar (i). Considere-se a função vectorial

g : D ⊆ R2 −→ R2
.
(x, y) 7−→ (x, F (x, y))

Esta função é de classe C 1 em B e



1 0
det Jg (x0 , y0 ) = = Fy (x0 , y0 ) 6= 0 .

Fx (x0 , y0 ) Fy (x0 , y0 )
O teorema da função inversa garante que existem dois conjuntos abertos, A1 ⊆ B,
A2 ⊆ g(B) e uma única função h : A2 → A1 tais que (x0 , y0 ) ∈ A1 , g(x0 , y0 ) ∈ A2 ,
h ∈ C 1 (A2 ),
(h ◦ g)(x, y) = (x, y) , ∀(x, y) ∈ A1 (1.29)
e
(g ◦ h)(u, v) = (u, v) , ∀(u, v) ∈ A2 . (1.30)
70 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Designem-se por h1 e h2 as componentes de h. De (1.30) obtém-se que, para qualquer


(u, v) ∈ A2 ,

(u, v) = (g ◦ h)(u, v) = g(h1 (u, v), h2 (u, v)) = (h1 (u, v), F (h1 (u, v), h2 (u, v)))

e portanto 
h1 (u, v) = u
.
F (h1 (u, v), h2 (u, v)) = v
Provou-se assim que
F (u, h2 (u, v)) = v , ∀(u, v) ∈ A2 . (1.31)
Atendendo à definição de g obtém-se que g(x0 , y0 ) = (x0 , F (x0 , y0 )) = (x0 , 0). Por outro
lado g(x0 , y0 ) ∈ A2 e este conjunto é aberto. Assim, existe δ > 0 tal que B((x0 , 0), δ) ⊆ A2 .
Seja I =]x0 − δ, x0 + δ[ e considere-se a função

f : I → R
.
x 7→ h2 (x, 0)

Sendo h de classe C 1 em A2 também f é de classe C 1 em I. Além disso,

f (x0 ) = h2 (x0 , 0) = (h2 ◦ g)(x0 , y0 ) = y0


(1.29)
e
F (x, f (x)) = F (x, h2 (x, 0)) = 0, ∀x ∈ I .
(1.31)
A unicidade de f resulta da unicidade de h.
Demonstre-se agora a parte (ii) do teorema.
Seja x1 ∈ I. O ponto (x1 , 0) é um ponto de B((x0 , 0), δ) logo (x1 , 0) ∈ A2 e

(x1 , f (x1 )) = (x1 , h2 (x1 , 0)) = h(x1 , 0) ∈ A1 ⊆ B .

Uma vez que F é de classe C 1 em B pode concluir-se que F é diferenciável em (x1 , f (x1 )).
Por outro lado f é de classe C 1 em I e portanto é diferenciável em x1 . Pode então aplicar-se
a regra da cadeia para derivar ambos os membros da igualdade F (x, f (x)) = 0 em ordem
a x no ponto x1 , obtendo-se
dx df
Fx (x1 , f (x1 )) (x1 ) + Fy (x1 , f (x1 )) (x1 ) = 0 .
dx dx
Assim, se Fy (x1 , f (x1 )) 6= 0, obtém-se

df Fx (x1 , f (x1 ))
(x1 ) = − .
dx Fy (x1 , f (x1 ))

Pode provar-se que se F é de classe C k em B então f é de classe C k em I.


As definições e o resultado anterior generalizam-se para equações em n ≥ 3 incógnitas.
Cristina Caldeira 71

Sejam então n um inteiro superior ou igual a 3 e


F : D 1 ⊆ Rn −→ R
(x1 , . . . , xn−1 , y) 7−→ F (x1 , . . . , xn−1 , y)
uma função. Diz-se que a equação F (x1 , . . . , xn−1 , y) = 0 define implicitamente y como
função das variáveis x1 , . . . , xn−1 , numa vizinhança do ponto (a1 , . . . , an−1 , y0 ), se existem
um aberto de Rn−1 contendo (a1 , . . . , an−1 ), D2 , e exactamente uma função
f : D2 ⊆ Rn−1 −→ R
(x1 , . . . , xn−1 ) 7−→ f (x1 , . . . , xn−1 )
tal que
f (a1 , . . . , an−1 ) = y0
e F (x1 , . . . , xn−1 , f (x1 , . . . , xn−1 )) = 0 , ∀(x1 , . . . , xn−1 ) ∈ D2 .
Teorema 1.4.2 (Teorema da função implı́cita)
Sejam
F : D ⊆ Rn −→ R
(x1 , . . . , xn−1 , y) 7−→ F (x1 , . . . , xn−1 , y)
uma função e (a1 , . . . , an−1 , y0 ) ∈ int(D) tal que F (a1 , . . . , an−1 , y0 ) = 0. Suponha-se que
existe uma bola aberta, B, contida em D e centrada em (a1 , . . . , an−1 , y0 ) tal que F ∈ C k (B)
e que Fy (a1 , . . . , an−1 , y0 ) 6= 0. Então existe uma bola aberta de B 0 ⊆ Rn−1 centrada em
(a1 , . . . , an−1 ) e existe uma única função f : B 0 → R verificando
(i)
f ∈ C k (B 0 ) ;
f (a1 , . . . , an−1 ) = y0 ;
F (x1 , . . . , xn−1 , f (x1 , . . . , xn−1 )) = 0 , ∀(x1 , . . . , xn−1 ) ∈ B 0 .
(ii) Para (x1 , . . . , xn−1 ) ∈ B 0 tal que Fy (x1 , . . . , xn−1 , f (x1 , . . . , xn−1 )) 6= 0 tem-se

Fxi (x1 , . . . , xn−1 , f (x1 , . . . , xn−1 ))


fxi (x1 , . . . , xn−1 ) = − , i = 1, 2, . . . , n − 1 .
Fy (x1 , . . . , xn−1 , f (x1 , . . . , xn−1 ))
Exemplo 1.4.2 Considere-se a equação x2 + y 2 + z 2 − 1 = 0. Vamos mostrar que esta
equação
√ define
√ implicitamente z√como função√de x e y numa vizinhança do ponto P0 =
(0, 2/2, 2/2) e calcular zx (0, 2/2) e zy (0, 2/2).
A função definida por F (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 − 1 em R3 é uma função polinomial logo
é de classe C 1 . Tem-se ainda que F (P0 ) = 0 + 1/2 + 1/2 − 1 = 0 e
√ √ √
Fz (0, 2/2, 2/2) = [2z](0,√2/2,√2/2) = 2 6= 0 .
Assim o teorema é aplicável concluindo-se que a equação dada define implicitamente z
como função de x e y numa vizinhança do ponto P0 e que
√ √
√ Fx (0, 2/2, 2/2) [2x](0,√2/2,√2/2)
zx (0, 2/2) = − √ √ =− √ =0
Fz (0, 2/2, 2/2) 2
e √ √
√ Fy (0, 2/2, 2/2) [2y](0,√2/2,√2/2)
zy (0, 2/2) = − √ √ =− √ = −1 .
Fz (0, 2/2, 2/2) 2
72 Textos de Apoio de Análise Matemática III

1.4.2 Exercı́cios
1. Mostre que a equação x2 + y 2 − z 2 − xy = 0 define z como função implı́cita de x e y
numa vizinhança do ponto (1, 1, 1) e calcule ∂z (1, 1) e ∂z (1, 1) .
∂x ∂y
y z
2. Suponha que a equação f ( x , x ) = 0 define z como função implı́cita de x e y nas
condições do teorema da função implı́cita. Mostre que então x ∂z + y ∂z = z .
∂x ∂y

3. Seja H(x, y) = sin(3x − y). Calcule d H nos pontos em que as equações


dt
 3
x + 2y = 2t3
x − y 2 = t2 + 3t

definem implicitamente, nas condições do teorema, funções x(t) e y(t).

4. Para que pontos (x0 , y0 ) (e nas respectivas vizinhanças), define a expressão


y 2 − 2xy = 1:

(a) y como função implı́cita de x ;


(b) x como função implı́cita de y .

5. Seja f (θ) uma função com derivada contı́nua, para todo o θ ∈ R, e tal que f (1) = e+2.
2
(a) Prove que a equação z2 + exy = f ( x
y ) define z como função implı́cita de x e y
numa vizinhança do ponto (1, 1, −2).
 
∂z ∂z
(b) Prove que x +y = e.
∂x ∂y (1,1)

6. Seja f : R2 → R uma função com derivadas parciais contı́nuas em R2 e tal que



 f (1, 2) = f (2, 1) = 0
fx (1, 2) = 1 .

fy (2, 1) = 2

(a) Prove que a equação (z +f (x, y))(z +f (y, x)) = 1 define z como função implı́cita
de x e y numa vizinhança do ponto (1, 2, 1).
(b) Calcule zx (1, 2) .

7. Determine uma relação do tipo F (x, y, z) = 0 que defina z como função implı́cita de
x e y, com domı́nio R2 , e satisfazendo

4x3 y
 ∂z = 2

∂x 3z + 1
.


z(1, y) = y

8. Considere a equação x − z + (y + z)2 − 6 = 0.


Cristina Caldeira 73

(a) Mostre que a equação dada define z como função implı́cita de x e y numa
vizinhança do ponto (3, −3, 1).
2
(b) Calcule ∂z (3, −3) , ∂z (3, −3) e ∂ z (3, −3).
∂x ∂y ∂x∂y
9. Sejam f , g e h funções diferenciáveis. Sabendo que a relação f [g(xy, zx)] = 0 define
implicitamente z = h(x, y), prove que

∂z ∂z
x −y = −z .
∂x ∂y

10. Considere a equação


log(xyz) + ex + 2y − ez = 0 .

(a) Prove que numa vizinhança de (1, 1/2, 2/e) esta equação define x como função
implı́cita de y e z.
   
∂x 1 2 ∂2x 1 2
(b) Calcule , e , .
∂y 2 e ∂z∂y 2 e

1.4.3 Fórmula de Taylor para funções reais de 2 variáveis reais


De seguida enunciamos e demonstramos o teorema de Taylor (para funções reais de 2
variáveis reais) que será usado na demonstração do resultado fundamental da subsecção
seguinte.

Teorema 1.4.3 (Teorema de Taylor)


Seja f : D ⊆ R2 → R uma função de classe C m+1 numa bola aberta, B, contida em D
e centrada em (x0 , y0 ) ∈ D. Seja ~u = (u1 , u2 ) um vector de R2 tal que (x0 , y0 ) + ~u =
(x0 + u1 , y0 + u2 ) ∈ B. Então

1 2 1 m
f (x0 + u1 , y0 + u2 ) = f (x0 , y0 ) + D~u f (x0 , y0 ) + D~u f (x0 , y0 ) + · · · + D f (x0 , y0 )
2! m! ~u
1
+ Dm+1 f (x0 + θu1 , y0 + θu2 ) , com θ ∈]0, 1[ . (1.32)
(m + 1)! ~u

Demonstração: Suponha-se que ~u 6= ~0 e designe-se por r o raio da bola aberta B. Para


t ∈ R a distância de (x0 + tu1 , y0 + tu2 ) a (x0 , y0 ) é k(tu1 , tu2 )k = |t| k~uk. Assim,

(x0 + tu1 , y0 + tu2 ) ∈ B ⇔ |t| k~uk < r


 
r r
⇔ t∈ − , .
k~uk k~uk

Pode pois definir-se uma função real de uma variável real por

ϕ : I −→ R
t 7−→ f (x0 + tu1 , y0 + tu2 ) ,
74 Textos de Apoio de Análise Matemática III
 
r r
sendo I = − , .
k~uk k~uk
Para t ∈ I, usando a regra da cadeia, obtém-se

d d
ϕ0 (t) = fx (x0 + tu1 , y0 + tu2 ) (x0 + tu1 ) + fy (x0 + tu1 , y0 + tu2 ) (y0 + tu2 )
dt dt
= fx (x0 + tu1 , y0 + tu2 )u1 + fy (x0 + tu1 , y0 + tu2 )u2
= h∇f (x0 + tu1 , y0 + tu2 ), ~ui
= D~u f (x0 + tu1 , y0 + tu2 ) .

Por indução em k e atendendo a que f é de classe C m+1 em B prova-se facilmente que

ϕ(k) (t) = D~u


k
f (x0 + tu1 , y0 + tu2 ) , k = 1, 2, . . . , m + 1 , t∈I

e que ϕ é de classe C m+1 em I. Uma vez que (x0 + u1 , y0 + u2 ) ∈ B, k~uk = d((x0 , y0 ), (x0 +
u1 , y0 + u2 )) < r. Então 1 ∈ I. Obviamente também 0 ∈ I. A fórmula de MacLaurin para
a função ϕ permite obter

1 (2) 1 (m) 1
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ0 (0) + ϕ (0) + · · · + ϕ (0) + ϕ(m+1) (θ) ,
2! m! (m + 1)!

com θ ∈]0, 1[.


Mas esta igualdade é precisamente (1.32).

Observação 1.4.1 A fórmula (1.32) costuma ser designada por fórmula de Taylor de
ordem m de f em torno de (x0 , y0 ).
À soma
1 2 1 m
f (x0 , y0 ) + D~u f (x0 , y0 ) + D~u f (x0 , y0 ) + · · · + D f (x0 , y0 )
2! m! ~u
chama-se expansão de Taylor de ordem m de f em torno de (x0 , y0 ), e a

1
Dm+1 f (x0 + θu1 , y0 + θu2 )
(m + 1)! ~u

chama-se resto de ordem m + 1 da fórmula de Taylor no ponto (x0 , y0 ).

Iremos ver em seguida que o resto de ordem m + 1 da fórmula de Taylor no ponto


(x0 , y0 ) pode ser escrito de outro modo. Para tal precisaremos do lema seguinte.

Lema 1.4.1 Seja f uma função de classe C p num aberto de R2 , D. Para (x0 , y0 ) ∈ D,
λ ∈ R, ~v = (v1 , v2 ) ∈ R2 e k = 1, 2, . . . , p tem-se

k k k
Dλ~v f (x0 , y0 ) = λ D~v f (x0 , y0 ) .
Cristina Caldeira 75

Demonstração: Usando a proposição 1.2.19 tem-se que


 
k
Pk k ∂k f
D f (x0 , y0 ) = (λv1 )k−i (λv2 )i ∂xk−i (x0 , y0 )
λ~v i=0
i  1 ∂xi2
P k ∂k f
= λk ki=0 v1k−i v2i ∂xk−i (x0 , y0 )
i 1 ∂xi2

= λk Dk f (x0 , y0 ) .
~v
Por uma questão de simplificar a notação representaremos, no que se segue, o versor
de um vector ~v 6= ~0 por vb. Isto é,
1
vb = ~v .
k~v k

Observação 1.4.2 O resto da fórmula de Taylor pode ser escrito de outra forma. Para
f , (x0 , y0 ) e ~u = (u1 , u2 ) ∈ R2 \ {~0} nas condições do teorema de Taylor defina-se

α(~u) = D m+1 f (x0 + θ(~u)u1 , y0 + θ(~u)u2 ) − Dm+1 f (x0 , y0 ) ,


ub u
b
onde θ(~u) ∈]0, 1[ é o número cuja existência é garantida pelo teorema de Taylor. Usando
a proposição 1.2.19 obtém-se

X
m+1
m+1

um+1−k uk2

∂ m+1 f
1
α(u1 , u2 ) = (x0 + θ(u1 , u2 )u1 , y0 + θ(u1 , u2 )u2 )
k (u21 + u22 )
m+1
2 ∂xm+1−k ∂y k
k=0

∂ m+1 f
− m+1−k k (x0 , y0 ) .
∂x ∂y

Para cada k,
" #2
um+1−k
1 uk2
m+1 ≤1
(u21 + u22 ) 2

e portanto a função
um+1−k
1 uk2
(u1 , u2 ) 7→ m+1
(u21 + u22 ) 2

é limitada.
Por outro lado, sendo f de classe C m+1 numa vizinhança de (x0 , y0 ) e θ(u1 , u2 ) ∈]0, 1[,
 
∂ m+1 f ∂ m+1 f
lim (x0 + θ(u1 , u2 )u1 , y0 + θ(u1 , u2 )u2 ) − m+1−k k (x0 , y0 ) = 0 .
(u1 ,u2 )→(0,0) ∂xm+1−k ∂y k ∂x ∂y

Então
lim α(~u) = 0 .
u→~0
~

Assim o resto da fórmula de Taylor toma a forma


76 Textos de Apoio de Análise Matemática III

1 k~ukm+1 m+1
Dm+1 f (x0 + θ(~u)u1 , y0 + θ(~u)u2 ) = D f (x0 + θ(~u)u1 , y0 + θ(~u)u2 )
(m + 1)! ~u (m + 1)! u b
k~ukm+1 h m+1 i
= D f (x0 , y0 ) + α(~u) ,
(m + 1)! u
b

onde lim~u→~0 α(~u) = 0.

Observação 1.4.3 Para funções reais de n > 2 variáveis reais definem-se as derivadas
direccionais de ordem superior à primeira da mesma maneira que para funções reais de 2
variáveis e é também válido o teorema de Taylor.

Exemplo 1.4.3 Vamos escrever a expansão de Taylor de ordem 2 da função f (x, y) =


sin(xy), em torno do ponto (1, π).
A função f é de classe C 3 em R2 . Sejam ~u = (u1 , u2 ) e (x, y) ∈ R2 . Usando a proposição
1.2.19 obtém-se

D~u f (1, π) = fx (1, π)u1 + fy (1, π)u2


= π cos(π)u1 + 1 cos(π)u2
= −πu1 − u2
e
2
D~u f (1, π) = fx2 (1, π)u21 + 2fxy (1, π)u1 u2 + fy2 (1, π)u22
= −π 2 sin(π)u21 + 2(cos(π) − sin(π))u1 u2 − sin(π)u22
= −2u1 u2 .

Assim, a expansão de Taylor de ordem 2 da função f , em torno do ponto (1, π) é


1 2
f (1, π) + D~u f (1, π) + D f (1, π) = −πu1 − u2 − u1 u2 .
2! ~u

1.4.4 Extremos. Extremos condicionados


Considere-se uma função real de n ≥ 2 variáveis reais,

f : D ⊆ Rn −→ R
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ f (x1 , x2 , . . . , xn )

e seja a = (a1 , a2 , . . . , an ) um ponto de D.


Diz-se que f tem em a um mı́nimo local se existe uma bola aberta B centrada em a tal
que
∀x = (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ D ∩ B , f (x) ≥ f (a) .
Diz-se que f tem em a um máximo local se existe uma bola aberta B centrada em a tal
que
∀x = (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ D ∩ B , f (x) ≤ f (a) .
Cristina Caldeira 77

Se f tem em a um mı́nimo ou máximo local, diz-se que f (a) é um extremo local de f


e que a é um ponto extremante para f .
A função f tem em a um mı́nimo absoluto se

∀x ∈ D , f (x) ≥ f (a) .

A função f tem em a um máximo absoluto se

∀x ∈ D , f (x) ≤ f (a) .

Teorema 1.4.4 (Teorema de Weierstrass)


Se D é um subconjunto de Rn fechado e limitado e f é uma função contı́nua em D então
f tem em D um mı́nimo absoluto e um máximo absoluto.

Veremos primeiro como determinar os pontos extremantes (caso existam) que pertencem
ao interior do domı́nio da função. As condições necessárias para a existência de um extremo
local num ponto interior do domı́nio, dadas na proposição seguinte, são conhecidas como
condições de 1a ordem ou de estacionaridade.

Proposição 1.4.1 Se a função f tem em a ∈ int(D) um extremo local e se existem as


derivadas parciais de 1a ordem de f em a, então elas são todas iguais a zero.

Demonstração: Suponha-se que f tem em a = (a1 , a2 , . . . , an ) um mı́nimo local. Existe


δ > 0 tal que B(a, δ) ⊆ D e

∀x ∈ B(a, δ) , f (x) ≥ f (a) .

Fixe-se i ∈ {1, 2, . . . , n} qualquer e considere-se a função real de uma variável real


gi : ]ai − δ, ai + δ[ −→ R
xi 7−→ f (a1 , . . . , ai−1 , xi , ai+1 , . . . , an ) .
Para todo o xi ∈]ai − δ, ai + δ[,

gi (xi ) = f (a1 , . . . , ai−1 , xi , ai+1 , . . . , an ) ≥ f (a1 , . . . , an ) = gi (ai ) .


| {z }
∈B(a,δ)

Isto é, gi tem em ai um mı́nimo local. Uma vez que


∂f
gi0 (ai ) = (a) ,
∂xi
conclui-se que esta derivada parcial é zero.

Um ponto a do domı́nio de f diz-se um ponto crı́tico (ou ponto estacionário) de f se


existem e são nulas todas as derivadas parciais de 1a ordem de f em a. Da proposição
anterior resulta então que se a é um ponto extremante de f , pertencente ao interior do
domı́nio de f , e se existem todas as derivadas parciais de 1a ordem de f em a então a é
um ponto crı́tico de f . Como se verá no exemplo seguinte o recı́proco é falso, isto é, um
ponto crı́tico nem sempre é um ponto extremante.
78 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Exemplo 1.4.4 Vejamos que o ponto (0, 0) é um ponto crı́tico da função f (x, y) = x 3 −2y 3 ,
definida em R2 , mas não é um ponto extremante.
   
fx (0, 0) = 3x2 (0,0) = 0 e fy (0, 0) = −6y 2 (0,0) = 0 ,

e portanto (0, 0) é um ponto crı́tico de f .


Seja δ > 0 qualquer e designe-se por B a bola aberta centrada em (0, 0) de raio δ. Seja
y1 ∈]0, δ[. Então −y1 ∈] − δ, 0[ e (0, y1 ), (0, −y1 ) ∈ B. Ora

f (0, y1 ) = −2y13 < 0 = f (0, 0) e f (0, −y1 ) = 2y13 > 0 = f (0, 0)

e portanto toda a bola aberta centrada em (0, 0) contém pontos onde f assume valores
estritamente inferiores a f (0, 0) e contém pontos onde f assume valores estritamente su-
periores a f (0, 0).

Z
z=x 3-2y 3

O
Y
X

Fig. 1.4.1

Como saber se um dado ponto crı́tico é um ponto extremante? Claro que se pode tentar
fazer o estudo directo da natureza do ponto, como no exemplo anterior, mas, regra geral,
esse estudo não é simples.
Observe-se que se a é um ponto crı́tico situado no interior do domı́nio da função e se
esta for diferenciável em a, para qualquer vector ~v ∈ Rn ,
D E
D~v f (a) = h∇f (a), ~v i = ~0, ~v = 0 .

Isto é, todas as derivadas direccionais de 1a ordem de f no ponto a são nulas.


Para estudar a natureza de um ponto crı́tico a, situado no interior do domı́nio de f , o
procedimento usual é determinar a ordem da primeira derivada direccional de f no ponto
a que não se anula identicamente, isto é, determinar o menor inteiro positivo m tal que
Dm f (a) 6= 0, para algum ~v ∈ Rn . Pelo visto anteriormente, sendo a um ponto crı́tico de
~v
f forçosamente este m é estritamente superior a 1. Aplica-se depois o teorema seguinte
(condições de ordem superior à 1a ).
Cristina Caldeira 79

Teorema 1.4.5 Sejam f : D ⊆ Rn → R, a ∈ int(D) um ponto crı́tico de f e m > 1 a


ordem da primeira derivada direccional de f em a que não se anula identicamente (isto
é existe w ~ ∈ Rn tal que D m f (a) 6= 0 e D p f (a) = 0 para todo o ~v ∈ Rn e todo o p ∈
w
~ ~v
{1, . . . , m − 1}). Suponha-se que f é de classe C m numa vizinhança de a. Então:

(a) Se m é ı́mpar o ponto a não é extremante para f ;

(b) Se m é par e D m f (a) > 0 para todo o ~v ∈ Rn \ {~0} então f tem um mı́nimo local em
~v
a;

(c) Se m é par e D m f (a) < 0 para todo o ~v ∈ Rn \ {~0} então f tem um máximo local em
~v
a;

(d) Se m é par e existem ~u, ~v ∈ Rn tais que D m f (a) < 0 e D m f (a) > 0 então a não é
~v ~u
extremante para f ;

(e) Se m é par, D m f (a) ≥ 0 para todo o ~v ∈ Rn (ou Dm f (a) ≤ 0 para todo o ~v ∈ Rn ) e


~v ~v
existem direcções singulares (isto é, existe ~u ∈ Rn \ {~0} tal que D m f (a) = 0), três
~u
situações podem ocorrer:

(e1) Ao longo de alguma direcção singular (direcção de um vector ~u ∈ R n tal que


Dm f (a) = 0) a primeira derivada direccional que não se anula tem ordem ı́mpar.
~u
Então a não é um ponto extremante de f ;
(e2) Ao longo de alguma direcção singular a primeira derivada direccional que não
se anula tem ordem par mas é de sinal contrário ao de D m f (a), para ~v não
~v
definindo uma direcção singular. Neste caso a não é extremante;
(e3) Ao longo de todas as direcções singulares as primeiras derivadas direccionais
que não se anulam são de ordem par e têm o mesmo sinal que D m f (a), para ~v
~v
não definindo uma direcção singular. Neste caso nada se pode concluir.

Faremos a demonstração apenas para n = 2. Para tal precisaremos do lema seguinte.

Lema 1.4.2 Sejam n = 2 e f , a = (a1 , a2 ) e m nas condições do teorema. Seja ainda


B = B(a, r) uma vizinhança de a onde f é de classe C m . Se ~v = (v1 , v2 ) ∈ R2 \{~0} é tal que
Dm f (a1 , a2 ) 6= 0, então existe δ > 0 (dependente de ~v ) tal que, para todo o λ verificando 0 <
~v
λ < δ, o ponto (a1 +λv1 , a2 +λv2 ) pertence a B e a diferença f (a1 +λv1 , a2 +λv2 )−f (a1 , a2 )
tem o sinal de Dvbf (a1 , a2 ).

Demonstração: Considere-se ~v = (v1 , v2 ) ∈ R2 \ {~0} tal que D m f (a1 , a2 ) 6= 0. Seja


~v
λ ∈ R+ tal que λ < k~vr k . Então (a1 + λv1 , a2 + λv2 ) ∈ B e da fórmula de Taylor de ordem
m − 1 de f em torno de a obtém-se
80 Textos de Apoio de Análise Matemática III

m−1
X 1 k
f (a1 + λv1 , a2 + λv2 ) − f (a1 , a2 ) = D f (a1 , a2 ) +
k=0
k! λ~v
1 m
D f (a1 + θλv1 , a2 + θλv2 )
m! λ~v
λm k~v km m
= Dvb f (a1 + θλv1 , a2 + θλv2 ) , (1.33)
m!
com θ ∈]0, 1[ .

Sendo f de classe C m em B, a função D m f : (x1 , x2 ) 7→ Dm f (x1 , x2 ) é contı́nua em B e


vb vb
portanto
m m
Dvb f (a1 + θλv1 , a2 + θλv2 ) → Dvb f (a1 , a2 )
quando λ → 0.
m
Seja 0 < ε < D f (a1 , a2 ) . Da definição de limite conclui-se que existe δ > 0 tal que
vb
δ < k~vr k e

m m
0 < λ < δ ⇒ Dvb f (a1 + θλv1 , a2 + θλv2 ) − Dvb f (a1 , a2 ) < ε
m m m
⇒ Dvb f (a1 , a2 ) − ε < Dvb f (a1 + θλv1 , a2 + θλv2 ) < Dvb f (a1 , a2 ) + ε .

Então para 0 < λ < δ, D m f (a1 + θλv1 , a2 + θλv2 ) tem o sinal de D m f (a1 , a2 ) e portanto
vb vb
de (1.33) conclui-se que o mesmo acontece com f (a1 + θλv1 , a2 + θλv2 ) − f (a1 , a2 ).

Demonstração do teorema: Seja B = B(a, r) uma vizinhança de a = (a1 , a2 ) onde f é


de classe C m .
Demonstração da parte (a):
Seja B 0 uma qualquer bola aberta centrada em a e designe-se por r 0 o seu raio. Suponha-
se que r0 < r. Considere-se ~u = (u1 , u2 ) ∈ R2 \ {~0} tal que D m f (a1 , a2 ) 6= 0. Sem perda de
~u
generalidade suponha-se que D m f (a1 , a2 ) > 0. Então (m é ı́mpar) do lema 1.4.1 conclui-se
~u
que
m m m m
D−~u f (a1 , a2 ) = (−1) D~u f (a1 , a2 ) = −D~u f (a1 , a2 ) < 0 .
Designe-se por δ1 o número real positivo cuja existência é garantida pelo lema 1.4.2
0
aplicado ao vector ~u. Seja λ1 ∈ R+ tal que λ1 < min{δ1 , k~ruk }.
O ponto (b1 , b2 ) = (a1 + λ1 u1 , a2 + λ1 u2 ) é um ponto de B 0 e f (b1 , b2 ) − f (a1 , a2 ) tem o
sinal de Dm f (a1 , a2 ), isto é, f (b1 , b2 ) − f (a1 , a2 ) > 0.
~u
Considere-se agora o número real positivo, δ2 , cuja existência é garantida pelo lema
0
1.4.2 aplicado ao vector −~u e seja λ2 ∈ R+ tal que λ2 < min{δ2 , k~ruk }. O ponto (c1 , c2 ) =
(a1 − λ2 u1 , a2 − λ2 u2 ) é um ponto de B 0 e f (c1 , c2 ) − f (a1 , a2 ) tem o sinal de D m f (a1 , a2 ),
−~u
isto é, f (c1 , c2 ) − f (a1 , a2 ) < 0.
Provou-se assim que em qualquer bola aberta centrada em (a1 , a2 ) existem pontos
(b1 , b2 ) e (c1 , c2 ) verificando f (c1 , c2 ) < f (a1 , a2 ) < f (b1 , b2 ). Então (a1 , a2 ) não é extre-
mante.
Demonstração das partes (b) e (c):
Cristina Caldeira 81

Da proposição 1.2.19 conclui-se que, para todo o k ∈ N, a função


R2 \ {~0} −→ R
~v = (v1 , v2 ) 7−→ Dk f (a1 , a2 )
vb
k
é o quociente de uma função polinomial pela função (v12 + v22 ) 2 e portanto é contı́nua.
Então a função
R2 \ {~0} −→ R
m
~v = (v1 , v2 ) 7−→ D f (a1 , a2 )
vb
é também contı́nua e o teorema de Weierstrass garante que tem um mı́nimo absoluto no
conjunto fechado e limitado

{~v = (v1 , v2 ) ∈ R2 : v12 + v22 = 1} .

Seja µ esse mı́nimo. Existe um vector u b de norma 1 tal que



m m 2 ~
µ = Dub f (a1 , a2 ) ≤ Dvb f (a1 , a2 ) , ∀~v ∈ R \ {0} . (1.34)

Seja (x1 , x2 ) ∈ B \ {(a1 , a2 )} e considere-se ~v = (x1 − a1 , x2 − a2 ) ∈ R2 . Tem-se


0 < k~v k < r e portanto usando a fórmula de Taylor de ordem m − 1 (observação 1.4.2)
obtém-se

f (x1 , x2 ) − f (a1 , a2 ) = f (a1 + v1 , a2 + v2 ) − f (a1 , a2 )


k~v km h m i
= Dvb f (a1 , a2 ) + α(~v ) , (1.35)
m!
onde lim α(~v ) = 0 .
~v →~0

Então (definição de limite) existe δ3 > 0 tal que

0 < k~v k < δ3 ⇒ |α(~v )| < µ


⇒ −µ < α(~v ) < µ
m m m
⇒ −µ + Dvb f (a1 , a2 ) < Dvb f (a1 , a2 ) + α(~v ) < µ + Dvb f (a1 , a2 )
⇒ m m
Dvb f (a1 , a2 ) + α(~v ) tem o mesmo sinal que Dvb f (a1 , a2 )
(1.34)
⇒ m
f (x1 , x2 ) − f (a1 , a2 ) tem o mesmo sinal que Dvb f (a1 , a2 ) .
(1.35)
Assim, no caso da alı́nea (b), para todo o (x1 , x2 ) ∈ B((a1 , a2 ), δ3 ), tem-se f (x1 , x2 ) ≥
f (a1 , a2 ) e f tem um mı́nimo local em (a1 , a2 ).
No caso da alı́nea (c) tem-se f (x1 , x2 ) ≤ f (a1 , a2 ) para todo o (x1 , x2 ) ∈ B((a1 , a2 ), δ3 )
e f tem um máximo local em (a1 , a2 ).
Demonstração da parte (d):
Sejam ~u = (u1 , u2 ), ~v = (v1 , v2 ) ∈ R2 tais que D m f (a1 , a2 ) < 0 e Dm f (a1 , a2 ) > 0.
~v ~u
Então (lema 1.4.2) existem δ1 , δ2 ∈ R+ tais que

0 < λ < δ1 ⇒ f (a1 + λv1 , a2 + λv2 ) > f (a1 , a2 )


82 Textos de Apoio de Análise Matemática III

e
0 < λ < δ2 ⇒ f (a1 + λu1 , a2 + λu2 ) < f (a1 , a2 ) .
Seja B((a1 , a2 ), r0 ) uma qualquer bola aberta centrada em (a1 , a2 ) e considerem-se
 0   0 
0 r 0 r
δ1 = min , δ1 , δ2 = min , δ2 , 0 < λ1 < δ10 , e 0 < λ2 < δ20 .
k~v k k~uk

Os pontos definidos por b = (a1 + λ1 v1 , a2 + λ1 v2 ) e c = (a1 + λ2 u1 , a2 + λ2 u2 ) são pontos


de B((a1 , a2 ), r0 ) e f (c) < f (a) < f (b), concluindo-se que a não é extremante.
Demonstração da parte (e):
Suponha-se que D m f (a1 , a2 ) ≥ 0 para todo o ~v ∈ R2 e que a direcção de ~u ∈ R2 \ {~0}
~v
é uma direcção singular, isto é, D m f (a1 , a2 ) = 0. Seja k > m o menor inteiro tal que
~u
Dk f (a1 , a2 ) 6= 0. Aplicando o lema 1.4.2 a ~u conclui-se que, para λ ∈ R+ suficientemente
~u
pequeno, f (a1 + λu1 , a2 + λu2 ) − f (a1 , a2 ) tem o sinal de D k f (a1 , a2 ).
u
b
(e1): Se k é ı́mpar, por um processo análogo ao usado em (a) conclui-se que (a1 , a2 )
não é extremante.
~ ∈ R2 tal que D m f (a1 , a2 ) > 0.
(e2): Neste caso D k f (a1 , a2 ) < 0 e, por hipótese, existe w
~u w~
Tal como em (d) conclui-se que (a1 , a2 ) não é extremante.

Vejamos dois exemplos.

Exemplo 1.4.5 Determinemos os extremos locais de

f (x, y) = x2 − 7xy 2 + 10y 4 .

A função f é polinomial logo admite derivadas parciais de qualquer ordem contı́nuas em


R2 . Os pontos crı́ticos são os pontos que satisfazem
  
2x − 7y 2 = 0 x = 72 y 2 x=0
⇔ ⇔ .
−14xy + 40y 3 = 0 −9y 3 = 0 y=0

As derivadas parciais de f de segunda ordem são fx2 = 2, fxy = fyx = −14y e fy2 =
−14x + 120y 2 .
Assim, da proposição 1.2.19 conclui-se que, para ~v = (v1 , v2 ),

D~v2 f (0, 0) = fx2 (0, 0)v12 + 2fxy (0, 0)v1 v2 + fy2 (0, 0)v22 = 2v12 .

Então m = 2 e D 2 f (0, 0) > 0 se v1 6= 0, D2 f (0, 0) = 0 se v1 = 0. Isto é, a direcção de


~v ~v
eb2 é singular.
Novamente da proposição 1.2.19 obtém-se que, para ~v = (0, v2 ),

D~v3 f (0, 0) = fx3 (0, 0) × 0 + 3fx2 y (0, 0) × 0 + 3fxy2 (0, 0) × 0 + fy3 (0, 0) × v23 = 0

e
D~v4 f (0, 0) = fy4 (0, 0)v24 = 240v24 > 0 .
Cristina Caldeira 83

Está-se no caso (e3) e nada se pode concluir. Terá de se estudar directamente a natureza
do ponto.
Observe-se que f (x, y) = (x − 5y 2 )(x − 2y 2 ).
x − 5y 2 = 0 e x − 2y 2 = 0 são as equações de 2 parábolas de vértice na origem e que só
se intersectam precisamente na origem.

Fig. 1.4.2
Assim, em qualquer vizinhança de (0, 0) existe um ponto, P1 = (x1 , y1 ), situado entre as
2 parábolas, isto é, tal que 2y12 < x1 < 5y12 . E f (x1 , y1 ) = (x1 −5y12 )(x1 −2y12 ) < 0 = f (0, 0).
Em qualquer vizinhança de (0, 0) existe também um ponto, P2 = (x2 , 0), com x2 6= 0.
E f (x2 , 0) = x22 > 0.
Conclui-se assim que (0, 0) não é extremante e que f não tem extremos locais.
Exemplo 1.4.6 Consideremos a função f (x, y, z) = xy+x2 +y 2 +z 2 . As derivadas parciais
de 1a ordem de f são fx = y + 2x, fy = x + 2y e fz = 2z, concluindo-se facilmente que
(0, 0, 0) é o único ponto crı́tico de f .
Neste exemplo temos uma função de 3 variáveis e portanto já não se pode usar a
proposição 1.2.19 para calcular as derivadas direccionais de ordem superior à primeira.
Seja ~v = (v1 , v2 , v3 ) ∈ R3 \ {~0} e considere-se a função
g(x, y, z) = D~v f (x, y, z) = h∇f (x, y, z), ~v i = (y + 2x)v1 + (x + 2y)v2 + 2zv3 .
∇g(x, y, z) = (2v1 + v2 , v1 + 2v2 , 2v3 ) e portanto
D2 f (0, 0, 0) = D~v g(0, 0, 0) = h∇g(0, 0, 0), ~v i = 2v12 + v1 v2 + 2v22 + v1 v2 + 2v32
~v
= v12 + v22 + 2v32 + (v1 + v2 )2 > 0 .
f tem em (0, 0, 0) um mı́nimo local e esse mı́nimo é f (0, 0, 0) = 0.
Para funções de 2 variáveis e no caso de ser também m = 2 pode-se usar uma versão
simplificada do teorema anterior.
Sejam f : D ⊆ R2 −→ R, (x0 , y0 ) ∈ int(D) e f de classe C 2 numa vizinhança de (x0 , y0 ).
A matriz Hessiana de f em (x0 , y0 ) é a matriz
 2 
∂ f ∂2f
 ∂x2 (x0 , y0 ) ∂x∂y (x0 , y0 ) 
 
H(x0 , y0 ) = 
 2
.

 ∂ f 2
∂ f 
(x0 , y0 ) (x 0 , y 0 )
∂y∂x ∂y 2
84 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Uma vez que se está nas condições do teorema de Schwarz a matriz H(x0 , y0 ) é simétrica,
isto é, coincide com a sua transposta.
O Hessiano de f em (x0 , y0 ) é o determinante da matriz Hessiana,

∆(x0 , y0 ) = det H(x0 , y0 ) .

Proposição 1.4.2 Sejam f : D ⊆ R2 −→ R, (x0 , y0 ) ∈ int(D) um ponto crı́tico de f ,


sendo f de classe C 2 numa vizinhança de (x0 , y0 ).

∂2f
(1) Se ∆(x0 , y0 ) > 0 e (x0 , y0 ) > 0 então f tem em (x0 , y0 ) um mı́nimo local;
∂x2
∂2f
(2) Se ∆(x0 , y0 ) > 0 e (x0 , y0 ) < 0 então f tem em (x0 , y0 ) um máximo local;
∂x2
(3) Se ∆(x0 , y0 ) < 0 então (x0 , y0 ) não é ponto extremante para f .

Demonstração:
Partes (1) e (2):
Para λ ∈ R considere-se o vector ~u = (λ, 1) = λı̂ + ̂.

X2  
2 2 ∂2f
D~u f (x0 , y0 ) = λ2−k 1k 2−k k (x0 , y0 )
k ∂x ∂y
k=0
∂2f 2 ∂2f ∂2f
= (x ,
0 0y )λ + 2λ (x ,
0 0y ) + (x0 , y0 ) . (1.36)
∂x2 ∂x∂y ∂y 2

O discriminante desta forma quadrática em λ é


 2
∂2f ∂2f ∂2f
∆=4 (x0 , y0 ) −4 (x ,
0 0y ) (x0 , y0 ) = −4∆(x0 , y0 ) < 0 .
∂x∂y ∂x2 ∂y 2
2
Então, para todo o λ ∈ R, Dλı̂ + ̂ f (x0 , y0 ) é diferente de zero e tem o sinal de
∂2f
(x0 , y0 ).
∂x2
Será que isto se passa para qualquer vector?
Seja ~v = (v1 , v2 ) ∈ R2 \ {~0}, qualquer.
 
v1
Se v2 6= 0, ~v = v2~u, sendo ~u = v2
,1 . Aplicando lema 1.4.1 obtém-se

D~v2 f (x0 , y0 ) = v22 D~u


2
f (x0 , y0 )

∂2f
e portanto D 2 f (x0 , y0 ) é diferente de zero e tem o sinal de (x0 , y0 ).
~v ∂x2
Se v2 = 0 terá de ser v1 6= 0 e também (proposição 1.2.19)

∂2f
D~v2 f (x0 , y0 ) = v12 2 (x0 , y0 ) .
∂x
Cristina Caldeira 85

Está-se então em condições de aplicar o teorema anterior (parte (b) ou parte (c))
∂2f
concluindo-se que (x0 , y0 ) é um ponto minimizante de f se (x0 , y0 ) > 0 e que (x0 , y0 ) é
∂x2
2
∂ f
um ponto maximizante de f se (x0 , y0 ) < 0.
∂x2
Parte (3):
Tal como em (1) e (2), para λ ∈ R,

2 ∂2f 2 ∂2f ∂2f


Dλı̂ + ̂ f (x0 , y0 ) = (x 0 , y 0 )λ + 2λ (x 0 , y 0 ) + (x0 , y0 ) ,
∂x2 ∂x∂y ∂y 2
mas neste caso o discriminante desta forma quadrática é −4∆(x0 , y0 ) > 0.
∂2f
Suponha-se que (x0 , y0 ) 6= 0.
∂x2
Existem λ1 , λ2 ∈ R com λ1 < λ2 tais que
2 2
Dλ f (x0 , y0 ) = Dλ f (x0 , y0 ) = 0 ,
1 ı̂ + ̂ 2 ı̂ + ̂

2 ∂2f
Dλı̂ + ̂ f (x0 , y0 ) tem o sinal de (x0 , y0 ) para λ ∈] − ∞, λ1 [∪]λ2 , +∞[
∂x2
e
2 ∂2f
Dλı̂ + ̂ f (x0 , y0 ) tem o sinal de − ∂x2
(x0 , y0 ) , para λ ∈]λ1 , λ2 [ .
Do teorema anterior conclui-se que (x0 , y0 ) não é extremante.
∂2f ∂2f
No caso de se ter (x 0 , y 0 ) = 0 e (x0 , y0 ) 6= 0 considerando vectores da forma
∂x2 ∂y 2
ı̂ + λ̂ chega-se à mesma conclusão.
∂2f ∂2f ∂2f
Se (x 0 , y 0 ) = (x 0 , y 0 ) = 0, por hipótese terá de ser (x0 , y0 ) 6= 0.
∂x2 ∂y 2 ∂x∂y
2 ∂2f 2
Se λ > 0, Dλı̂ + ̂ f (x ,
0 0y ) tem o sinal de (x0 , y0 ) e D−λı̂ − ̂ f (x0 , y0 ) tem o sinal
∂x∂y
contrário, concluindo-se também que (x0 , y0 ) não é ponto extremante.

Exemplo 1.4.7 Determinemos os extremos locais da função definida em R2 por f (x, y) =


xye−x−y . As derivadas parciais de 1a ordem de f são fx = y(−x + 1)e−x−y e fy = x(1 −
y)e−x−y . Os pontos crı́ticos de f são os pontos (0, 0) e (1, 1). A função f é de classe C 2 em
R2 logo pode aplicar-se a proposição anterior. As derivadas parciais de 2a ordem de f são
fx2 = y(x − 2)e−x−y , fy2 = x(y − 2)e−x−y e fxy = fyx = (xy − y − x + 1)e−x−y . Assim

fx2 (0, 0) fyx (0, 0) 0 1
∆(0, 0) = = = −1 < 0
fxy (0, 0) fy2 (0, 0) 1 0

e portanto (0, 0) não é um ponto extremante. De



fx2 (1, 1) fyx (1, 1) −e−2 0
∆(1, 1) = = = e−4 > 0
fxy (1, 1) fy2 (1, 1) 0 −e−2

e uma vez que fx2 (1, 1) < 0, conclui-se que (1, 1) é um ponto maximizante de f . Assim f
atinge um máximo local no ponto (1, 1) e esse máximo é f (1, 1) = e−2 .
86 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Suponha-se que queremos determinar os pontos extremantes da função

f : D = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 1} −→ R
.
(x, y) 7−→ 2x2 − 2y 2

Já sabemos como determinar os extremos locais que, eventualmente, f tenha no interior
de D. Falta ver como podemos averiguar da existência de extremos na fronteira de D que
é a curva de equação x2 + y 2 = 1.
Isto é um problema de extremos condicionados ou extremos ligados - determinação de
possı́veis pontos extremantes de uma função sujeitos a equações de ligação - que iremos
procurar resolver usando o método dos multiplicadores de Lagrange.
Suponha-se que se tem uma função

f : D ⊆ R2 −→ R
,
(x, y) 7−→ f (x, y)

diferenciável no seu domı́nio, e que pretendemos determinar os possı́veis pontos extremantes


de f que pertencem ao conjunto

C = {(x, y) ∈ R2 : g(x, y) = 0} ,

onde g é uma função de classe C 1 num aberto de R2 contendo C e C ⊆ D. Seja (x0 , y0 ) ∈ C


um ponto extremante de f . Suponha-se que é um ponto maximizante. Isto é, existe uma
bola aberta, B, centrada em (x0 , y0 ) tal que

∀(x, y) ∈ B ∩ D, f (x, y) ≤ f (x0 , y0 ) .

Suponha-se ainda que ∇g(x0 , y0 ) 6= 0. Sem perda de generalidade suponha-se que


gy (x0 , y0 ) 6= 0. Estamos em condições de aplicar o teorema da função implı́cita à equação
g(x, y) = 0 numa vizinhança de (x0 , y0 ).
Então existem um intervalo real aberto contendo x0 , I, e uma função ϕ : I → R, de
classe C 1 em I tal que ϕ(x0 ) = y0 e

g(x, ϕ(x)) = 0 , ∀x ∈ I . (1.37)

Derivando ambos os membros de (1.37) em ordem a x em x0 obtém-se

gx (x0 , y0 ) + gy (x0 , y0 )ϕ0 (x0 ) = 0 ,

ou seja,
h∇g(x0 , y0 ), (1, ϕ0 (x0 ))i = 0 . (1.38)
Seja r o raio da bola aberta B. A função vectorial

I −→ R2
x 7−→ (x, ϕ(x))
Cristina Caldeira 87

é contı́nua em x0 porque as suas componentes são contı́nuas em x0 . Então existe δ > 0 tal
que

|x − x0 | < δ ⇒ k(x, ϕ(x)) − (x0 , ϕ(x0 ))k < r


⇒ k(x, ϕ(x)) − (x0 , y0 )k < r
⇒ (x, ϕ(x)) ∈ B .

Por outro lado, de (1.37) conclui-se que

(x, ϕ(x)) ∈ C ⊆ D , ∀x ∈ I .

Então existe I 0 ⊆ I, intervalo aberto centrado em x0 e tal que

(x, ϕ(x)) ∈ B ∩ D , ∀x ∈ I 0 .

Considere-se a função composta

h : I 0 −→ R
.
x 7−→ f (x, ϕ(x))

Para todo o x ∈ I 0 ,
h(x) = f (x, ϕ(x)) ≤ f (x0 , y0 ) = h(x0 )
e portanto h tem um extremo em x0 . Uma vez que h é derivável em x0 (regra da cadeia)
terá de ser h0 (x0 ) = 0. Isto é,

0 = h0 (x0 )
= fx (x0 , y0 ) + fy (x0 , y0 )ϕ0 (x0 )
= h∇f (x0 , y0 ), (1, ϕ0 (x0 ))i . (1.39)

De (1.38) e (1.39) conclui-se que os vectores de R2 , ∇f (x0 , y0 ) e ∇g(x0 , y0 ) são ambos


perpendiculares ao vector não nulo (1, ϕ0 (x0 )). Então estes 2 vectores têm de ser paralelos.
Assim, se (x0 , y0 ) é um ponto extremante de f que pertence a C, existe λ ∈ R (multiplicador
de Lagrange) tal que ∇f (x0 , y0 ) = λ∇g(x0 , y0 ). Esta condição é necessária para que (x0 , y0 )
seja um ponto extremante de f mas não é suficiente.
O método dos multiplicadores de Lagrange para determinar os pontos extremantes de
f em C consiste em determinar todos os pontos (x, y) verificando

∇f (x, y) = λ∇g(x, y)
∃λ ∈ R :
g(x, y) = 0

e em estudar directamente a natureza de cada um deles.

Exemplo 1.4.8 Determinemos os extremos da função f definida por f (x, y) = x + y na


elipse de equação
y2
(x − 1)2 + = 1.
4
88 Textos de Apoio de Análise Matemática III
2
Seja g(x, y) = (x − 1)2 + y4 − 1.
 
∇f (x, y) = λ∇g(x, y) (1, 1) = λ(2x − 2, y2 )
∃λ ∈ R : ⇔ ∃λ ∈ R : 2 y2
g(x, y) = 0 (x − 1) + =1
  y 4
 1 = λ(2x − 2)  2 = (2x − 2)
⇔ ∃λ ∈ R : 1 = λ y2 ⇔ ∃λ ∈ R : y
= 1
 2 y2  2 2 λ
( (x −(1) + 4 = 1 5x − 10x + 4 = 0
√ √
x = 5+√5 5 x = 5−5 √5
⇔ ∨ .
y = 4 55 y = −4 55
Assim os possı́veis pontos extremantes de f , definida na elipse dada, são
√ √ ! √ √ !
5+ 5 5 5− 5 5
P0 = ,4 e P1 = , −4 .
5 5 5 5
√ √
f (P0 ) = 1 + 5 e f (P1 ) = 1 − 5. A função f é contı́nua e a elipse é um subconjunto
√ de
2
R fechado e limitado.
√ Aplicando o teorema de Weierstrass conclui-se que 1 + 5 é o valor
máximo e 1 − 5 é o valor mı́nimo atingidos por f na elipse dada.

Exemplo 1.4.9 Voltemos ao exemplo inicial e determinemos os extremos da função


f : D = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 1} −→ R
.
(x, y) 7−→ 2x2 − 2y 2
Comecemos por determinar os possı́veis pontos extremantes situados no interior de D. As
derivadas parciais de 1a ordem de f são fx = 4x e fy = −4y. Assim f só tem um ponto
crı́tico no interior de D, que é (0, 0). Uma vez que f é polinomial é de classe C 2 e podemos
usar as condições de 2a ordem.

4 0
∆(0, 0) = = −16 < 0 ,
0 −4
concluindo-se que (0, 0) não é um ponto extremante.
O cı́rculo D é um subconjunto de R2 fechado e limitado e a função f é contı́nua. De
acordo com o teorema de Weierstrass f tem uma máximo absoluto e um mı́nimo absoluto
que terão de ser atingidos na fronteira de D, uma vez que já verificámos que no interior de
D não há pontos extremantes. Usando o método dos multiplicadores de Lagrange obtém-se
 
∇f (x, y) = λ∇g(x, y) (4x, −4y) = λ(2x, 2y)
∃λ ∈ R : ⇔ ∃λ ∈ R : 2 2
g(x, y) = 0 x +y =1
 x(4 − 2λ) = 0
⇔ ∃λ ∈ R : y(−4 − 2λ) = 0
 2 2
  +y =1 
x 
x=0 x=0 x=1 x = −1
⇔ ∨ ∨ ∨
y=1 y = −1 y=0 y = 0.
Uma vez que f (1, 0) = f (−1, 0) = 2 e f (0, 1) = f (0, −1) = −2, conclui-se que o máximo
absoluto de f (no cı́rculo D) é 2, sendo atingido nos pontos (1, 0) e (−1, 0), e que o mı́nimo
absoluto de f é −2, sendo atingido nos pontos (0, 1) e (0, −1).
Cristina Caldeira 89

Exemplo 1.4.10 Considere-se a função


f : D = {(x, y) ∈ R2 : y ≥ x} −→ R
.
(x, y) 7−→ x2 + xy
O vector gradiente de f no ponto (x, y) é ∇f (x, y) = (2x + y, x) e portanto f não tem
pontos crı́ticos no interior do seu domı́nio que é
{(x, y) ∈ R2 : y > x} .
Usando o método dos multiplicadores de Lagrange para determinar os possı́veis extremos
de f na fronteira de D, isto é, na recta de equação y = x obtém-se (com g(x, y) = x − y)
 
∇f (x, y) = λ∇g(x, y) (2x + y, x) = λ(1, −1)
∃λ ∈ R : ⇔ ∃λ ∈ R :
g(x, y) = 0 y=x
 2x + y = λ
⇔ ∃λ ∈ R : x = −λ

 =x
y
 3x = λ
⇔ ∃λ ∈ R : x = −λ

 y =x
x=0
⇔ .
y=0
Neste caso o domı́nio de f não é limitado logo não se pode aplicar o teorema de Weierstrass.
Temos de estudar directamente a natureza do ponto. Seja B uma qualquer bola aberta
centrada em (0, 0) e designe-se por r o seu raio. Verifica-se facilmente que
 r   r r
− ,0 , − , ∈ B ∩D.
2 3 2
Além disso  r  r2
f − ,0 = > 0 = f (0, 0)
2 4
e  r r r2
f − , = − < 0 = f (0, 0) ,
3 2 18
concluindo-se que f não tem extremos.
Vejamos agora como tratar o caso geral de determinar os extremos (se existirem) de
uma função real de n variáveis reais sujeitos a m equações de ligação.
Seja
f : D ⊆ Rn −→ R
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7−→ f (x1 , x2 , . . . , xn )
uma função diferenciável no seu domı́nio. Suponha-se que se pretendem determinar os
possı́veis pontos extremantes de f sujeitos às m < n equações de ligação


 g1 (x1 , x2 , . . . , xn ) = 0

 g2 (x1 , x2 , . . . , xn ) = 0
.. , (1.40)

 .

 g (x , x , . . . , x ) = 0
m 1 2 n
90 Textos de Apoio de Análise Matemática III

onde g1 , g2 , . . . , gm são funções de classe C 1 .


Para determinar os pontos extremantes de f , (x1 , x2 , . . . , xn ), sujeitos às m < n
equações de ligação dadas em (1.40), e para os quais os m vectores de Rn ,

∇g1 (x1 , x2 , . . . , xn ), . . . , ∇gm (x1 , x2 , . . . , xn ) ,

são linearmente independentes, faz-se o seguinte:

(1) Determinam-se os pontos (x1 , x2 , . . . , xn ) para os quais existem escalares λ1 , λ2 , . . . , λm


(multiplicadores de Lagrange) verificando
 P
∇f (x1 , x2 , . . . , xn ) = m i=1 λi ∇gi (x1 , x2 , . . . , xn ) . (1.41)
gi (x1 , x2 , . . . , xn ) = 0 , i = 1, 2, . . . , m

(2) Estuda-se a natureza de cada um dos pontos obtidos em (1).

Exemplo 1.4.11 Determinemos os extremos de f (x, y, z) = x2 − y 2 − z 2 na circunferência


 2
x + y2 + z2 = 1
.
x+y+z =0

Observe-se que os vectores gradiente das funções que definem as equações de ligação são
(2x, 2y, 2z) e (1, 1, 1) sendo portanto linearmente independentes quando calculados em
qualquer ponto da circunferência dada.

 
 2(λ1 − 1)x = −λ2


 (2x, −2y, −2z) = λ1 (2x, 2y, 2z) + λ2 (1, 1, 1)  2(λ1 + 1)y = −λ2
x+y+z =0 ⇔ 2(λ1 + 1)z = −λ2 .
 2 

x + y2 + z2 = 1 
 x +y+z =0
 2
x + y2 + z2 = 1

Se λ1 = 1, das 4 primeiras equações obtém-se λ2 = 0 e x = y = z = 0, o que contradiz a


última equação. Se λ1 = −1 obtém-se
  
 λ2 = 0  λ2 = 0  λ2 = 0

 
 x=0 
 x=0
x=0 √ √
⇔ 2 ∨ 2 .

 y + z = 0 
 y = 2 
 y = − 2
 2  √  √
y + z2 = 1 z = − 22 z = 22

Se λ1 6= 1 e λ1 6= −1 obtém-se
 −λ2
 

 x = 2(λ1 −1)

 x = 2(λ−λ 2
1 −1)  x = 3λ4 2

 
 


 y = −λ 2 

−λ2
y = 2(λ1 +1) 
 y = −3λ 2
2(λ1 +1) 8
−λ2 −λ2 −3λ2
z = 2(λ1 +1) ⇔ z = 2(λ1 +1) ⇔ z= 8

 
 


 x + y + z = 0 
 λ2 (−3λ1 + 1) = 0 
 λ1 = 13
 2
 
 
2
x +y +z =1 2
x2 + y 2 + z 2 = 1 x2 + y 2 + z 2 = 1
Cristina Caldeira 91
 √  √
 6  6
 x =  x = −

 3 √ 
 √ 3

 y = − √66 
 y = √66
⇔ z = − 66 ∨  z = 66 .

 1  1

 λ1 = 3√ 
 λ1 = 3 √

 4 6


λ2 = 9 λ2 = − 4 9 6

Assim os possı́veis pontos extremantes de f na circunferência dada são

√ √ ! √ √ ! √ √ √ !
2 2 2 2 6 6 6
P1 = 0, − , , P2 = 0, ,− , P3 = ,− ,−
2 2 2 2 3 6 6

√ √ √ !
6 6 6
e P4 = − , , . Uma vez que f (P1 ) = f (P2 ) = −1 e f (P3 ) = f (P4 ) = 13 , conclui-
3 6 6
se, por aplicação do teorema de Weierstrass, que os valores extremos de f na circunferência
dada são −1 e 13 .

1.4.5 Exercı́cios
1. Determine os extremos das seguintes funções:

(a) f (x, y) = x y ex−y ;

(b) f (x, y) = sin x cos y;

(c) f (x, y) = (y 2 − x)2 ;

(d) f (x, y) = (x2 + y 2 − 1)2 ;

(e) f (x, y, z) = 4 − x2 ;

(f) f (x, y) = x2 + xy + y 2 + x − y + 1;

(g) f (x, y, z) = 2x2 + y 2 + 4z 2 ;

(h) f (x, y, z) = xy + yz + xz + 14 (x2 + y 2 + z 2 );

(i) f (x, y, z) = x3 − y 3 + z 3 ;

(j) f (x, y) = x2 − 2xy 2 + y 4 − y 5 ;

(k) f (x, y) = (x − y)2 − x4 − y 4 ;


 p
 x2 + y 2 se y ≥ 0
(l) f (x, y) = .

|x| se y < 0
92 Textos de Apoio de Análise Matemática III

2. Seja F (x, y, z) = g(x2 + y 2 + z 2 ) onde g é uma função de classe C 1 com derivada não
nula em R.

(a) Supondo que g(1) = 0, verifique que a equação F (x, y, z) = 0 define, nas
condições do Teorema da Função Implı́cita, uma função x = h(y, z), numa
vizinhança do ponto (1, 0, 0).
(b) Averigue se (0, 0) é um ponto extremante de h.

3. Determine os extremos da função z = f (x, y) definida implicitamente pela equação


z 2 − z(x2 + y 2 ) = 1 e tais que

(a) f (0, 0) = 1;
(b) f (0, 0) = −1.
2
4. Considere a seguinte equação , ez + x2 + y 2 − z2 = 1.

(a) Mostre que a equação acima define z como função implı́cita de x e y.


(b) Seja z = h(x, y) a função implı́cita da alı́nea anterior. Faça o estudo completo
dos extremos locais de h(x, y).

2
Nota: A equação ez − z2 − 1 = 0 tem uma única solução real, que é z = 0.

5. Considere a função real F definida em R3 por

F (x, y, z) = 2x2 + 2y 2 + z 2 − 8xy − 2z .

(a) Mostre que a equação F (x, y, z) = −7 define, nas condições do Teorema da


Função Implı́cita, uma função y = h(x, z), numa vizinhança do ponto (2, 1, 1).
(b) Mostre que (2, 1) é um ponto crı́tico de h e classifique-o.

6. Utilizando, se possı́vel, o método dos Multiplicadores de Lagrange, determine os ex-


tremos locais das seguintes funções sujeitas às condições de ligação indicadas:

(a) f (x, y) = x2 − 2x + y 2 + 2y − 1; x2 − 4x + y 2 = −2;

(b) f (x, y, z) = x − 2y + 2z; x2 + y 2 + z 2 = 1;

(c) f (x, y) = 2x2 + xy − y 2 + y; 2x + 3y = 1;

(d) f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 ; x − y + z = 1;

2 2 x+y+z = 1
(e) f (x, y, z) = z − x − y ;
x2 + y 2 = 4.
Cristina Caldeira 93

7. De entre todos os paralelipı́pedos rectângulos em que a soma das medidas das arestas
é 12cm, qual é o que tem maior volume?

8. Determine o ponto do plano de equação x + y + 2z = 1 que está mais perto do ponto


M = (1, 2, 3).

9. Determine os extremos absolutos da função definida por f (x, y) = x3 + y 3 sobre o


conjunto D = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1}.

10. Uma dada empresa produz um certo artigo em 3 fábricas. Em cada uma delas
produzem-se x, y e z milhões de unidades do artigo, com despesa anual dada por
L(x, y, z) = 2(x2 + y 2 + z) + 500. No próximo ano comercial, a empresa vai produzir,
no total, quatro milhões de unidades de artigo. Sabendo que duas das fábricas
devem ter uma produção que satisfaça a restrição adicional x2 + y 2 = 2 (em milhões
de unidades), determine as quantidades x, y e z que cada fábrica deve produzir de
modo a minimizar a despesa anual.

11. Determine os extremos das funções :

(a) f (x, y) = x3 com domı́nio D = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 1};


(b) f (x, y, z) = x − 2y + 2z com domı́nio D = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 ≤ 1}.
94 Textos de Apoio de Análise Matemática III
Capı́tulo 2

Equações diferenciais lineares

2.1 Definições
A resolução de muitos problemas em engenharia e ciências fı́sicas envolve a determinação
de uma ou mais funções satisfazendo uma equação contendo uma ou mais derivadas das
funções a determinar.
Uma equação contendo derivadas de uma ou mais variáveis dependentes em relação a
uma ou mais variáveis independentes diz-se uma equação diferencial.
Se uma equação diferencial contém apenas derivadas de uma ou mais variáveis de-
pendentes em relação a uma única variável independente diz-se uma equação diferencial
ordinária.
Uma equação diferencial envolvendo derivadas parciais de uma ou mais variáveis depen-
dentes em relação a duas ou mais variáveis independentes diz-se uma equação diferencial
de derivadas parciais.
A ordem de uma equação diferencial é a ordem da derivada de maior ordem presente
na equação.

Exemplo 2.1.1 As equações


dy
= 3y + 4
dx
 2
dx dy
+ = 3t2 + 1
dt dt
dy
x2 − xy + 4 = 0
dx
d3 y dy
y 3 +y+ =1
dx dx
d4 y d2 y
− 4 +y =0
dx4 dx2
são equações diferenciais ordinárias de ordens 1,1,1,3 e 4, respectivamente.
As equações
∂u ∂v
+y =u
∂x ∂y

95
96 Textos de Apoio de Análise Matemática III

∂2u ∂2u
=
∂x2 ∂t2
∂4u ∂2u
− =u
∂x4 ∂y 2
são equações diferenciais de derivadas parciais com ordens 1,2 e 4, respectivamente.

Consideraremos apenas equações diferenciais ordinárias com uma única variável depen-
dente. Uma equação diferencial ordinária de ordem n na variável dependente y e variável
independente x é muitas vezes representada por

F (x, y, y 0 , . . . , y (n) ) = 0 , (2.1)

onde F é uma função real em n + 2 variáveis reais, e está subentendido que a derivada de
ordem n, y (n) , aparece efectivamente em (2.1).

Exemplo 2.1.2 A equação


y sin(y 0 ) = x
é uma equação diferencial ordinária de primeira ordem.

Seja I um intervalo real. (I pode ser de uma das formas, [a, b], ]a, b[, [a, b[, [a, +∞[,
] − ∞, +∞[, etc.)
Uma solução da equação diferencial (2.1) no intervalo I é uma função real de variável
real, f , definida e derivável, pelo menos até à ordem n, em I e que satisfaz a equação, isto
é,
F (x, f (x), f 0 (x), . . . , f (n) (x)) = 0 , ∀x ∈ I .
2
Exemplo 2.1.3 Verifica-se facilmente que toda a função da forma y = 1 + Cex , com
C ∈ R é uma solução da equação diferencial y 0 − 2xy + 2x = 0, em R.

A equação diferencial do exemplo anterior possui uma infinidade de soluções. Mas


também pode acontecer que uma equação diferencial não tenha solução ou tenha uma
única solução.

Exemplo 2.1.4 A equação diferencial (y 0 )4 + 1 = 0 não possui soluções reais enquanto a


equação (y 0 )2 + y 2 = 0 possui apenas a solução y = 0.

Um problema de valores iniciais ou problema de Cauchy é um problema cuja resolução


consiste em determinar soluções de uma equação diferencial satisfazendo condições dadas
num ponto fixo do intervalo em que se considera a equação.
É um problema do tipo


 F (x, y, y 0 , . . . , y (n) ) = 0



 y(x0 ) = A0
y 0 (x0 ) = A1 , x∈I,

 ..

 .

 y (n−1) (x ) = A
0 n−1
Cristina Caldeira 97

onde x0 ∈ I está fixo e A0 , A1 , . . . , An−1 ∈ R são constantes.


Uma equação diferencial ordinária diz-se linear se pode ser escrita na forma

dn y dn−1 y dy
an (x) n
+ a n−1 (x) n−1
+ · · · + a1 (x) + a0 (x)y = g(x) , x∈I,
dx dx dx
e será destas equações que nos iremos ocupar.

2.2 Exercı́cios
1. Nas alı́neas seguintes averigue se y é ou não solução da equação diferencial dada:
2 3
(a) y = 3x + + 4, y 000 + y 00 = 0;
x x
2 3
(b) y = C1 x + + C2 , y 000 + y 00 = 0, (C1 , C2 ∈ R);
x x
(c) y = C1 e + C2 e2x ,
x
y − 3y 0 + 2y = 0, (C1 , C2 ∈ R);
00

(d) y = ex (C1 cos x + C2 sin x), y 00 − 2y 0 + 2y = 0, (C1 , C2 ∈ R).

2. Determine m de tal modo que:


00 0
(a) y = emx seja solução da equação y + 10y + 25y = 0;
00 0
(b) y = xm seja solução da equação x2 y + 6xy + 4y = 0.

3. Em cada alı́nea determine uma equação diferencial da qual a famı́lia de funções dada
seja solução.

(a) y = C1 x + 2 , C1 ∈ R;
(b) y = C1 e3x + C2 e−4x , C1 , C2 ∈ R;
(c) y = C1 sin(λt) + C2 cos(λt) , C1 , C2 ∈ R (λ é uma constante a não eliminar).

4. Verifique que y = Cx + C 2 é uma famı́lia de soluções da equação diferencial y =


0 0
xy + (y )2 .
Determine k por forma a que y = kx2 seja solução da equação diferencial dada.

5. Sabendo que, em R, y = C1 ex +C2 e−x é uma famı́lia de soluções da equação diferencial


00
y − y = 0, determine a solução que satisfaz as condições iniciais:

y(0) = 0
0
y (0) = 1.

6. Determine a solução do problema de valores iniciais


y 000 = 4x2 + 3, y(0) = 0, y 0 (0) = 2 e y 00 (0) = 1.
98 Textos de Apoio de Análise Matemática III

2.3 Equações diferenciais lineares de primeira ordem


Uma equação diferencial linear de primeira ordem é da forma

a1 (x) y 0 + a0 (x) y = g(x) , x∈I. (2.2)

Suporemos que a0 , a1 e g são funções contı́nuas em I e que a1 (x) 6= 0, para todo o x ∈ I.


Assim (2.2) pode ser escrita na forma (dita forma canónica)

y 0 + P (x) y = Q(x) , x∈I, (2.3)


a0 (x) g(x)
onde P (x) = e Q(x) = . As funções P e Q são também contı́nuas em I. Mul-
a1 (x) a1 (x)
tiplicando ambos os membros de (2.3) por
R
P (x) dx
e (factor integrante)

obtém-se
R R R
y0 e P (x) dx
+ P (x) y e P (x) dx = Q(x) e P (x) dx
d  R P (x) dx  R
⇐⇒ ye = Q(x) e P (x) dx .
dx
Então existe C ∈ R tal que
R
Z R
P (x) dx P (x) dx
ye = Q(x) e dx + C ,

ou seja, Z 
R R
− P (x) dx P (x) dx
y= e Q(x) e dx + C .

Veremos mais tarde que todas as soluções de (2.3) são desta forma.

Exemplo 2.3.1 Na secção seguinte veremos que o problema de valor inicial


 0
y + 2xy = x
, x∈R
y(0) = 1

só tem uma solução. Determinemo-la.


R
A equação y 0 + 2xy = x está na forma canónica. Assim, um seu factor integrante é
2x dx 2
e = ex .
2 2 2 d  x2  2
ex y 0 + 2xex y = xex ⇔ e y = xex
dx Z
2 2
⇔ ∃C ∈ R : ex y = ex x dx + C
2 1 2
⇔ ∃C ∈ R : ex y = ex + C
2
1 2
⇔ ∃C ∈ R : y = + Ce−x .
2
Cristina Caldeira 99

1 1
y(0) = 1 ⇔+C =1⇔C = .
2 2
Assim a solução do problema de valor inicial dado é a função definida em R por
1 1 2
y(x) = + e−x .
2 2

Vejamos agora algumas aplicações das equações diferenciais lineares de primeira ordem.
Um problema de valor inicial do tipo
(
dx
=kx
dt , t∈I,
x(t0 ) = x0
onde k é uma constante de proporcionalidade, aparece em muitos problemas práticos
chamados problemas de crescimento ou de decrescimento. Em Biologia verifica-se que
a taxa de crescimento de certas populações de bactérias é proporcional ao número de
bactérias presentes em cada instante. Em Fı́sica a resolução de um problema de valor ini-
cial do tipo do anterior permite calcular a quantidade que sobra, de uma dada substância
radioactiva que se está a desintegrar, ao fim de um determinado tempo, a partir do conhec-
imento da meia-vida dessa substância, isto é, o tempo que demora a reduzir-se a metade
qualquer quantidade dessa substância. Vejamos um exemplo.

Exemplo 2.3.2 O isótopo radioactivo rádio-226 tem uma meia-vida de 1620 anos. De
uma massa de 100mg de rádio-226 que quantidade resta ao fim de 50 anos?
Seja x(t) a massa (medida em mg) de rádio-226 existente no instante t (tempo medido
dx
em anos). Por hipótese x(0) = 100. A velocidade de desintegração é . Tem-se assim
dt
que
dx
− kx(t) = 0 .
dt
R
−k dt
Um factor integrante desta equação é e = e−kt . Obtém-se assim
dx dx
− kx(t) = 0 ⇔ e−kt − ke−kt x(t) = 0
dt dt
d 
⇔ x(t)e−kt = 0
dt
⇔ ∃C ∈ R : x(t) = Cekt .

De x(0) = 100 obtém-se que C = 100. Assim, x(t) = 100ekt . Por outro lado, sendo a
meia-vida deste isótopo 1620 anos, deve ter-se x(1620) = 50. Isto é,
ln 2
100e1620k = 50 ⇔ 1620k = ln(1/2) ⇔ k = − .
1620
Assim
ln 2
x(t) = 100e− 1620 t , t ≥ 0.
ln 2
Ao fim de 50 anos restam x(50) = 100e− 1620 50 ≈ 97, 88 miligramas.
100 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Outra aplicação das equações diferenciais lineares de primeira ordem é a resolução de


problemas de arrefecimento de corpos. A lei de Newton do arrefecimento de corpos diz
que a taxa de variação da temperatura T de um corpo em arrefecimento é proporcional à
diferença entre a temperatura do corpo e a temperatura, t0 , do meio ambiente, desde que
esta possa ser considerada constante. Tem-se assim que

dT
= k(T − t0 ) ,
dt

sendo k a constante de proporcionalidade.

Exemplo 2.3.3 Um bolo sai do forno à temperatura de 180◦ C. Três minutos mais tarde
a sua temperatura é de 120◦ C. Quanto tempo demorará o bolo a arrefecer numa sala cuja
temperatura se mantem constante e igual a 25◦ C?
Pretendemos resolver o problema de valor inicial
(
dT
= k(T − 25)
dt , t ≥ 0,
T (0) = 180

onde k deve ser tal que T (3) = 120, e determinar emR seguida t tal que T (t) = 25.
Um factor integrante da equação considerada é e −k dt = e−kt .

dT dT
− kT = −25k ⇔ e−kt − kT e−kt = −25ke−kt
dt dt
d 
⇔ T e−kt = −25ke−kt
dt
⇔ ∃C ∈ R : T e−kt = 25e−kt + C
⇔ ∃C ∈ R : T (t) = 25 + Cekt .

T (0) = 180 ⇔ 25 + C = 180 ⇔ C = 155 .

Assim, para t ≥ 0, T (t) = 25 + 155ekt .


 
3k 95
T (3) = 120 ⇔ 155e + 25 = 120 ⇔ 3k = ln ⇔ k ≈ −0, 16318 .
155

Então T (t) = 25 + 155e−0,16318t , para t ≥ 0. É claro que a equação T (t) = 25 é


impossı́vel, pelo que, de acordo com este modelo, o bolo nunca ficará a 25◦ C. Contudo se
resolvermos T (t) = 25, 1 obtemos

155e−0,16318t = 0, 1 ⇔ −0, 16318t = ln(1/1550) ⇔ t ≈ 45, 02 .

Ao fim de 45 minutos o bolo estará aproximadamente à temperatura ambiente.


Cristina Caldeira 101

2.4 Exercı́cios
1. Integre as equações diferenciais lineares de primeira ordem
3y
(a) y 0 − = x , x ∈]0, +∞[;
x
y
(b) y 0 = , y ∈]0, +∞[;
2y ln y + y − x
(c) y 0 tg x = y , x ∈]0, π/2[;
(d) x2 y 0 + y = 1 , x ∈] − ∞, 0[.

2. Uma equação de Bernoulli é uma equação da forma

dy
+ P (x) y = f (x) y n , (2.4)
dx
onde n é um número real. Se n = 0 ou n = 1 esta equação é linear. Mostre que, para
n 6∈ {0, 1} e y 6= 0, fazendo a mudança de variável w = y 1−n em (2.4) se obtem uma
equação diferencial linear de primeira ordem.

3. Integre as equações de Bernoulli


dy y
(a) + = −xy 2 , x ∈]0, +∞[;
dx x
(b) y 0 = 2xy + xy 3 , x ∈ R.

4. Determine a solução dos seguintes problemas de valores iniciais:


y
(a) y 0 + = x, y(1) = 0;
x
(b) yy 0 + x = 0, y(0) = 1;
e
(c) x2 u0 + x(x + 2)u = ex , u(1) = .
2
5. Sejam a, b : R → R funções contı́nuas e seja y uma função derivável em R e tal que

y 0 (x) ≤ a(x)y(x) + b(x) , ∀x ∈ R .

Fixando x0 ∈ R, seja z a solução do problema de Cauchy


 0
z = a(x)z + b(x)
, x ∈ R.
z(x0 ) = y(x0 )

Mostre que y(x) ≤ z(x), para todo o x ≥ x0 .

6. O número inicial de bactérias numa cultura é 600 e aumenta para 1800 em duas horas.
Supondo que a taxa de variação do número de bactérias é directamente proporcional
ao número de bactérias presente determine o número de bactérias ao fim de 4 horas.
102 Textos de Apoio de Análise Matemática III

7. O isótopo radioactivo rádio-226 desintegra-se a uma taxa proporcional à quantidade


de rádio-226 presente em cada instante, sendo o tempo medido em anos e a constante
de proporcionalidade
ln 2
k=− .
1620
Determine a meia-vida deste isótopo radioactivo, isto é, o número de anos que qual-
quer massa de rádio-226 demora a reduzir-se a metade.

8. Uma gota de água colocada numa superfı́cie plana assume uma forma semi-esférica
e evapora-se de modo tal que o seu raio diminui a uma taxa proporcional à área da
sua superfı́cie em contacto com o ar . Suponha que o raio dessa gota semi-esférica é
inicialmente de 3mm e que passado meia-hora é de 2mm. Determine uma expressão
para o raio da gota em qualquer instante.

9. Um objecto metálico à temperatura de 100◦ C é mergulhado em água. Ao fim de


cinco minutos a temperatura do objecto desceu para 60◦ C. Determine o instante em
que a temperatura do objecto é de 31◦ C, sabendo que a água é mantida a 30◦ C.

10. A meia-vida do rádio (isto é, o tempo que qualquer massa de rádio leva por desinte-
gração a reduzir-se a metade) é de 1590 anos. Sabendo que a velocidade de desinte-
gração é proporcional à massa existente em cada instante, determine a percentagem
de massa que se desintegra ao fim de 100 anos.

11. Um ponto de massa m descreve uma recta sob acção de uma força F = v, onde
v representa a velocidade do ponto. Tomando a posição inicial como origem do
referencial e supondo que v(0) = 1ms−1 , determine a posição do ponto em cada
instante.

2.5 Equações diferenciais lineares de ordem n


2.5.1 Classificação e teorema da existência e unicidade
Sejam n um inteiro positivo e I um intervalo real. Uma equação diferencial linear de ordem
n, em I, é uma equação que pode ser escrita na forma
dn y dn−1 y dy
an (x) n
+ a n−1 (x) n−1
+ · · · + a1 (x) + a0 (x)y = g(x) , x∈I, (2.5)
dx dx dx
onde a0 , a1 , . . . , an e g são funções apenas da variável independente x, definidas em I, e an
não é a função nula em I, isto é, existe x0 ∈ I tal que an (x0 ) 6= 0.
As funções a0 , a1 , . . . , an dizem-se os coeficientes e a função g diz-se o termo indepen-
dente da equação diferencial (2.5).
Se g(x) = 0, para todo o x ∈ I, a equação (2.5) diz-se homogénea. Caso contrário, isto
é, se g não é a função nula em I, (2.5) diz-se completa.
Se an não se anula em I, isto é, se an (x) 6= 0 para todo o x ∈ I, a equação linear (2.5)
diz-se normal.
Cristina Caldeira 103

Geralmente consideraremos apenas equações normais.


Suporemos ainda que as funções a0 , a1 , . . . , an e g são contı́nuas em I. Uma vez que an
não se anula em I a equação (2.5) é equivalente à equação

dn y an−1 (x) dn−1 y a1 (x) dy a0 (x) g(x)


n
+ n−1
+ ··· + + y= , x∈I. (2.6)
dx an (x) dx an (x) dx an (x) an (x)

Diz-se que (2.6) é a forma canónica de (2.5).


Veremos de seguida, sem demonstração, um resultado que, em certas condições, esta-
belece a existência e unicidade de solução para um problema de valores iniciais associado
a uma equação diferencial linear normal.

Teorema 2.5.1 (Teorema da existência e unicidade)


Sejam a0 , a1 , . . . , an e g funções reais de uma variável real contı́nuas no intervalo real I e
suponha-se que an não se anula em I, isto é, an (x) 6= 0, para todo o x ∈ I. Considerem-se
ainda x0 ∈ I e A0 , A1 , . . . , An−1 ∈ R. A equação diferencial

dn y dn−1 y dy
an (x) n
+ a n−1 (x) n−1
+ · · · + a1 (x) + a0 (x)y = g(x) , x∈I,
dx dx dx
sujeita às condições iniciais 

 y(x0 ) = A0

 y 0 (x0 ) = A1
.. ,

 .

 y (n−1) (x ) = A
0 n−1

tem uma e uma só solução em I.

Observação 2.5.1 No teorema anterior é essencial impôr que an não se anula em I. Con-
sideremos o problema de valor inicial
 0
xy + y = 0
, x ∈ R.
y(0) = 1

Suponha-se que este problema tem pelo menos uma solução, f . Assim,

d
xf 0 (x) + f (x) = 0 ⇔ (xf (x)) = 0
dx
⇔ ∃C ∈ R : xf (x) = C .

Atendendo a que f (0) = 1 obtém-se C = 0. Então xf (x) = 0, para todo o x ∈ R. Assim


terá de ser 
0 se x = 6 0
f (x) = .
1 se x = 0
Chegou-se assim a uma contradição porque esta função não tem derivada em 0.
104 Textos de Apoio de Análise Matemática III

2.5.2 Sistemas fundamentais de soluções para equações diferen-


ciais lineares homogéneas
Seja I um intervalo real aberto (I pode ser de qualquer uma das formas ]a, b[, ]a, +∞[,
] − ∞, b[ ou ] − ∞, +∞[).
O conjunto das funções reais de uma variável real definidas e contı́nuas em I, C 0 (I), é
um espaço vectorial real para as operações usuais de adição de funções e multiplicação de
uma função por um número real. O vector nulo deste espaço é a função nula definida no
intervalo I, isto é,
I → R
.
x 7→ 0
Verifica-se facilmente que, sendo k um inteiro positivo, o conjunto C k (I), das funções que
são continuamente deriváveis, pelo menos, até à ordem k em I é um subespaço vectorial
de C 0 (I).
Recorde-se de Álgebra Linear que um conjunto (ou sistema) {f1 , f2 , . . . , fn } de funções
pertencentes a C 0 (I) é linearmente dependente (diremos que é linearmente dependente
em I para realçar qual o intervalo em que estamos a trabalhar) se pelo menos uma
das funções for combinação linear das restantes, isto é, se existirem i ∈ {1, 2, . . . , n} e
C1 , . . . , Ci−1 , Ci+1 , . . . , Cn ∈ R tais que

fi (x) = C1 f1 (x) + · · · + Ci−1 fi−1 (x) + Ci+1 fi+1 (x) + · · · + Cn fn (x) , ∀x ∈ I .

Caso contrário, isto é, se nenhuma das funções do sistema for combinação linear das
restantes, o sistema de funções diz-se linearmente independente em I.
Tem-se ainda o seguinte resultado de Álgebra Linear.

Proposição 2.5.1 Um sistema de funções reais definidas e contı́nuas em I, {f 1 , f2 , . . . , fn }


é linearmente dependente em I se e só se existem C1 , C2 , . . . , Cn ∈ R, não todos nulos tais
que
C1 f1 (x) + C2 f2 (x) + · · · + Cn fn (x) = 0 , ∀x ∈ I .

Resulta desta proposição que o sistema {f1 , f2 , . . . , fn } é linearmente independente em


I se e só se as únicas constantes reais C1 , C2 , . . . , Cn , verificando

C1 f1 (x) + C2 f2 (x) + · · · + Cn fn (x) = 0 , ∀x ∈ I ,

são C1 = C2 = · · · = Cn = 0.
Sejam f1 , f2 , . . . , fn funções reais de uma variável real deriváveis, pelo menos, até à
ordem n − 1 no intervalo I. O Wronskiano das funções f1 , f2 , . . . , fn é a função real de
uma variável real definida em I por

f1 (x) f (x) · · · f (x)
2 n
f10 (x) 0
f2 (x) ··· fn (x)
0

W (f1 , f2 , . . . , fn )(x) = .. .. ... .. , x∈I.
. . .
(n−1) (n−1) (n−1)

f1 (x) f2 (x) · · · fn (x)
Cristina Caldeira 105

Seguidamente estabelece-se uma condição suficiente para que n funções, deriváveis pelo
menos até à ordem n − 1 no intervalo I, sejam linearmente independentes em I.

Proposição 2.5.2 Sejam f1 , f2 , . . . , fn funções reais de uma variável real deriváveis, pelo
menos, até à ordem n − 1 no intervalo I. Se existe x0 ∈ I tal que W (f1 , f2 , . . . , fn )(x0 ) 6= 0
então o sistema de funções {f1 , f2 , . . . , fn } é linearmente independente em I.

Demonstração Suponha-se que {f1 , f2 , . . . , fn } é linearmente dependente em I. Então


existem C1 , C2 , . . . , Cn ∈ R, não todos nulos, tais que

C1 f1 (x) + C2 f2 (x) + · · · + Cn fn (x) = 0 , ∀x ∈ I .

Derivando esta igualdade n − 1 vezes obtém-se




 C1 f10 (x) + C2 f20 (x) + · · · + Cn fn0 (x) = 0
..
. , ∀x ∈ I .

 (n−1) (n−1) (n−1)
C 1 f1 (x) + C2 f2 (x) + · · · + Cn fn (x) = 0
Para x = x0 tem-se então que
    
f1 (x0 ) f2 (x0 ) ··· fn (x0 ) C1 0
 f10 (x0 ) f 0
2 (x0 ) ··· fn0 (x0 )  C2   0 
    
 .. .. ... ..  .. = .. . (2.7)
 . . .  .   . 
(n−1) (n−1) (n−1)
f1 (x0 ) f2 (x0 ) · · · fn (x0 ) Cn 0

Designe-se por A a matriz n × n presente em (2.7). Uma vez que pelo menos uma das cons-
tantes C1 , C2 , . . . , Cn é não nula, de (2.7) conclui-se que o sistema de equações algébricas
lineares, homogéneo, e cuja matriz dos coeficientes é A tem uma solução não nula sendo
portanto indeterminado. Assim a matriz A é singular e o seu determinamte é nulo. Mas
det A = W (f1 , f2 , . . . , fn )(x0 ), chegando-se a uma contradição. Então {f1 , f2 , . . . , fn } é
linearmente independente em I.
Desta proposição obtém-se facilmente ainda que
Corolário 2.5.1 Sejam f1 , f2 , . . . , fn funções reais de uma variável real deriváveis, pelo
menos, até à ordem n − 1 no intervalo I. Se o sistema de funções {f1 , f2 , . . . , fn } é
linearmente dependente em I então

W (f1 , f2 , . . . , fn )(x) = 0 , ∀x ∈ I .

Exemplo 2.5.1 Consideremos as funções f1 (x) = 1, f2 (x) = x2 e f3 (x) = x3 , definidas


em R. Para todo o x real,

1 x2 x3

W (f1 , f2 , f3 )(x) = 0 2x 3x2 = 6x2 .

0 2 6x

Por exemplo, W (f1 , f2 , f3 )(1) = 6 6= 0 e portanto as funções dadas são linearmente inde-
pendentes em R.
106 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Consideremos a equação diferencial linear homogénea de ordem n

dn y dn−1 y dy
an (x) + a n−1 (x) + · · · + a 1 (x) + a0 (x)y = 0 , x∈I, (2.8)
dxn dxn−1 dx
onde a0 , a1 , . . . , an são funções contı́nuas em I e an (x) 6= 0 para todo o x ∈ I.
Seja y uma solução, em I, desta equação. Sendo y derivável, pelo menos, até à ordem
n, tem-se que y ∈ C n−1 (I). Por outro lado, para todo o x ∈ I,
n−1
X ai (x) di y
dn y
(x) = − (x) ,
dxn i=0
an (x) dxi

concluindo-se que também y (n) é contı́nua em I e portanto y ∈ C n (I).


Assim o conjunto das soluções, em I, de (2.8) está contido em C n (I).
Sendo a0 , a1 , . . . , an funções contı́nuas em I, para qualquer função y ∈ C n (I), a função

dn y dn−1 y dy
an (x) n
+ a n−1 (x) n−1
+ · · · + a1 (x) + a0 (x)y
dx dx dx
é contı́nua em I. Pode então definir-se a aplicação

T : C n (I) → C 0 (I)
.
y 7→ an (x)y (n) + an−1 (x)y (n−1) + · · · + a1 (x)y 0 + a0 (x)y

Para quaisquer y1 , y2 ∈ C n (I) e qualquer α ∈ R,


n
X di
T (y1 + y2 ) = ai (x) i (y1 + y2 )
i=0
dx
Xn  i 
d y1 d i y2
= ai (x) i
+
i=0
dx dxi
n
X n
d i y1 X d i y2
= ai (x) i + ai (x) i
i=0
dx i=0
dx
= T (y1 ) + T (y2 )

e
n
X di
T (αy1 ) = ai (x) i (αy1 )
i=0
dx
n
X d i y1
= ai (x)α
i=0
dxi
= αT (y1 ) ,

ou seja, a aplicação T é linear. Por outro lado a equação (2.8) pode ser escrita na forma
T (y) = 0, ou seja, o conjunto das soluções, em I, de (2.8) é o espaço nulo (ou núcleo) da
transformação linear T . Então o conjunto das soluções, em I, de (2.8) é um subespaço
Cristina Caldeira 107

vectorial de C n (I). Veremos posteriormente que este subespaço tem dimensão n. O conhe-
cimento de uma base deste subespaço permitirá obter todas as soluções, em I, de (2.8),
como combinações lineares dos elementos dessa base. Antes de mostrarmos esse resultado
vejamos uma definição.
Um sistema fundamental de soluções, em I, da equação (2.8) é um qualquer sistema
de n soluções, em I, de (2.8) e que sejam linearmente independentes em I.
Na proposição seguinte estabelece-se uma condição necessária e suficiente para que n
soluções de (2.8) constituam um sistema fundamental de soluções de (2.8).

Proposição 2.5.3 Sejam y1 , y2 , . . . , yn soluções, em I, da equação diferencial linear ho-


mogénea de ordem n, (2.8). Então {y1 , y2 , . . . , yn } é um sistema fundamental de soluções,
em I, de (2.8) se e só se

W (y1 , y2 , . . . , yn )(x) 6= 0 , ∀x ∈ I .

Demonstração Seja {y1 , y2 , . . . , yn } é um sistema fundamental de soluções, em I, de (2.8)


e suponha-se que existe x0 ∈ I tal que W (y1 , y2 , . . . , yn )(x0 ) = 0.
Então o determinante da matriz dos coeficientes do sistema homogéneo de n equações
algébricas lineares nas incógnitas C1 , C2 , . . . , Cn ,
    
y1 (x0 ) y2 (x0 ) ··· yn (x0 ) C1 0
 y10 (x0 ) 0
y2 (x0 ) ··· 0   
yn (x0 )   C2   0  
 
 .. .. ... ..   ..  =  ..  , (2.9)
 . . .  .   . 
(n−1) (n−1) (n−1)
y1 (x0 ) y2 (x0 ) · · · yn (x0 ) Cn 0
é zero e portanto este sistema tem soluções não nulas.
Seja (C1∗ , C2∗ , . . . , Cn∗ ) 6= (0, 0, . . . , 0) uma solução de (2.9) e considere-se a função y
definida em I por

y(x) = C1∗ y1 (x) + C2∗ y2 (x) + · · · + Cn∗ yn (x) , x∈I.

Sendo y uma combinação linear de soluções, em I, de (2.8) também y é uma solução, em I,


de (2.8) (porque já vimos que o conjunto das soluções, em I, de (2.8) é um espaço vectorial
real).
Além disso, da equação i + 1 do sistema (2.9) obtém-se que
(i) (i)
y (i) (x0 ) = C1∗ y1 (x0 ) + C2∗ y2 (x0 ) + · · · + Cn∗ yn(i) (x0 ) = 0 ,

para i = 0, 1, . . . , n − 1. Então y é solução do problema de valores iniciais



 an (x)y (n) + an−1 (x)y (n−1) + · · · + a1 (x)y 0 + a0 (x)y = 0
(Pj ) , x∈I.
 (i)
y (x0 ) = 0 , i = 0, 1, . . . , n − 1
Também a função nula em I é solução deste problema. Pelo teorema da existência e
unicidade terá de ser y(x) = 0, para todo o x ∈ I. Isto é

C1∗ y1 (x) + C2∗ y2 (x) + · · · + Cn∗ yn (x) = 0 , x∈I,


108 Textos de Apoio de Análise Matemática III

com C1∗ , C2∗ , . . . , Cn∗ não todos nulos. Isto contradiz a independência linear de y1 , y2 , . . . , yn .
Então
W (y1 , y2 , . . . , yn )(x) 6= 0 , ∀x ∈ I .

Reciprocamente, se

W (y1 , y2 , . . . , yn )(x) 6= 0 , ∀x ∈ I ,

a proposição 2.5.2 garante que y1 , y2 , . . . , yn são linearmente independentes. Uma vez que,
por hipótese, y1 , y2 , . . . , yn são n soluções, em I, de (2.8), conclui-se que {y1 , y2 , . . . , yn } é
um sistema fundamental de soluções de (2.8).

Corolário 2.5.2 Se y1 , y2 , . . . , yn são n soluções, em I, da equação diferencial linear ho-


mogénea de ordem n, (2.8), então

W (y1 , y2 , . . . , yn )(x) = 0 , ∀x ∈ I

ou
W (y1 , y2 , . . . , yn )(x) 6= 0 , ∀x ∈ I .

Teorema 2.5.2 (Teorema fundamental)

(i) Toda a equação diferencial linear homogénea normal admite um sistema fundamental
de soluções;

(ii) Se {y1 , y2 , . . . , yn } é um sistema fundamental de soluções, em I, de (2.8) então


{y1 , y2 , . . . , yn } é uma base do espaço vectorial das soluções, em I, de (2.8).

Demonstração

(i) Seja x0 ∈ I, fixo. Para j = 0, 1, 2, . . . , n − 1 considere-se o problema de Cauchy



 an (x)y (n) + an−1 (x)y (n−1) + · · · + a1 (x)y 0 + a0 (x)y = 0
(Pj ) , x∈I,

y (i) (x0 ) = δi,j , i = 0, 1, . . . , n − 1

onde δi,j designa o sı́mbolo de Kronecker, isto é,



1 se i = j
δi,j = .
0 se i 6= j

Pelo teorema da existência e unicidade o problema (Pj ) tem uma e uma só solução.
Designemo-la por yj+1 , para j = 0, 1, . . . , n − 1. As funções y1 , y2 , . . . , yn são n
Cristina Caldeira 109

soluções, em I, de (2.8). Resta provar que são linearmente independentes. Calculemos


o seu Wronskiano em x0 .

y1 (x0 ) y (x ) · · · y (x )
2 0 n 0
y10 (x0 ) 0
y2 (x0 ) ··· yn (x0 )
0

W (y1 , y2 , . . . , yn )(x0 ) = .. .. ... ..
. . .
(n−1) (n−1) (n−1)

y1 (x0 ) y2 (x0 ) · · · yn (x0 )

1 0 ··· 0

0 1 ··· 0

= .. .. . . ..
. . . .

0 0 ··· 1

= 1 6= 0 .
Da proposição 2.5.2 conclui-se que y1 , y2 , . . . , yn são linearmente independentes em I.
Está assim provado que {y1 , y2 , . . . , yn } é um sistema fundamental de soluções, em I,
de (2.8).

(ii) Designe-se por S o conjunto das soluções, em I, de (2.8). Como já se viu S é um
subespaço vectorial de C n (I), sendo então ele próprio um espaço vectorial real.
Seja {y1 , y2 , . . . , yn } um sistema fundamental de soluções, em I, de (2.8). Por definição
de sistema fundamental de soluções y1 , y2 , . . . , yn ∈ S e {y1 , y2 , . . . , yn } é linearmente
independente em I. Assim, para mostrar que {y1 , y2 , . . . , yn } é uma base de S, basta
mostrar que {y1 , y2 , . . . , yn } é um conjunto gerador de S, isto é, que toda a solução, em
I, de (2.8) se escreve como combinação linear (de coeficientes reais) de y1 , y2 , . . . , yn .
Seja então z uma qualquer solução, em I, de (2.8). Fixe-se x0 ∈ I e sejam
b1 = z(x0 ) , b2 = z 0 (x0 ) , . . . , bn = z (n−1) (x0 ) .
Considere-se o sistema de n equações algébricas lineares nas n incógnitas C1 , C2 , . . . , Cn
    
y1 (x0 ) y2 (x0 ) ··· yn (x0 ) C1 b1
 y10 (x0 ) y20 (x0 ) ··· yn0 (x0 )     
   C 2   b2 
 .. .. ... .
..   .  =  . .
 . .   ..   .. 
(n−1) (n−1) (n−1)
y1 (x0 ) y2 (x0 ) · · · yn (x0 ) Cn bn
O determinante da matriz dos coeficientes deste sistema é W (y1 , y2 , . . . , yn )(x0 ) 6= 0
(proposição 2.5.3). Então o sistema é possı́vel e determinado. Seja (C1∗ , C2∗ , . . . , Cn∗ )
a sua solução e considere-se a função, G, definida em I por
G(x) = C1∗ y1 (x) + C2∗ y2 (x) + · · · + Cn∗ yn (x) , x∈I.
Verifica-se facilmente que G é solução do problema de valores iniciais

 an (x)y (n) + an−1 (x)y (n−1) + · · · + a1 (x)y 0 + a0 (x)y = 0
, x∈I.
 (i)
y (x0 ) = bi+1 , i = 0, 1, . . . , n − 1
110 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Mas também z é solução deste problema de valores iniciais. Pelo teorema da exis-
tência e unicidade, z = G e portanto z é combinação linear de y1 , y2 , . . . , yn .

De acordo com a parte (ii) deste teorema se, {y1 , y2 , . . . , yn } é um sistema fundamental
de soluções, em I, de (2.8) então o conjunto das soluções, em I, de (2.8) é

S = {C1 y1 + C2 y2 + · · · + Cn yn : C1 , C2 , . . . , Cn ∈ R} .

Assim, à famı́lia de funções

yH = C1 y1 + C2 y2 + · · · + Cn yn , com C1 , C2 , . . . , Cn ∈ R constantes arbitrárias

chama-se solução geral ou integral geral, em I, da equação diferencial linear homogénea


(2.8).
Uma solução particular, em I, de (2.8) é uma qualquer função que seja solução, em
I, da equação e portanto pode ser obtida do integral geral por atribuição de valores reais
concretos às constantes C1 , C2 , . . . , Cn .
Consideremos agora a equação diferencial linear completa de ordem n,

dn y dn−1 y dy
an (x) n
+ a n−1 (x) n−1
+ · · · + a1 (x) + a0 (x)y = g(x) , x∈I, (2.10)
dx dx dx
onde a0 , a1 , . . . , an e g são funções contı́nuas em I e an (x) 6= 0 para todo o x ∈ I.
A equação homogénea associada a (2.10) é a equação diferencial linear homogénea

dn y dn−1 y dy
an (x) n
+ a n−1 (x) n−1
+ · · · + a1 (x) + a0 (x)y = 0 , x∈I. (2.11)
dx dx dx
Proposição 2.5.4 Sejam yp uma solução particular, em I, de (2.10) e {y1 , y2 , . . . , yn }
um sistema fundamental de soluções, em I, da equação homogénea que lhe está associada,
(2.11). Então o conjunto das soluções de (2.10) é

{yp + C1 y1 + C2 y2 + · · · + Cn yn : C1 , C2 , . . . , Cn ∈ R} .

Demonstração Considere-se a aplicação linear

T : C n (I) → C 0 (I)
.
y 7→ an (x)y (n) + an−1 (x)y (n−1) + · · · + a1 (x)y 0 + a0 (x)y

Verifica-se facilmente que o conjunto das soluções de (2.10) é

SC = {y ∈ C n (I) : T (y) = g} .

Seja y ∈ SC . Uma vez que yp ∈ SC tem-se T (y − yp ) = T (y) − T (yp ) = g − g = 0.


Então y − yp é uma solução de (2.11) e portanto é combinação linear de y1 , y2 , . . . , yn , ou
seja, existem C1 , C2 , . . . , Cn ∈ R tais que

y = y p + C 1 y1 + C 2 y2 + · · · + C n yn .
Cristina Caldeira 111

Reciprocamente suponha-se que


y ∈ {yp + C1 y1 + C2 y2 + · · · + Cn yn : C1 , C2 , . . . , Cn ∈ R} .
Então y − yp é combinação linear de y1 , y2 , . . . , yn e portanto é solução de (2.11), ou seja
T (y − yp ) = 0 ⇔ T (y) − T (yp ) = 0
⇔ T (y) = T (yp )
⇔ T (y) = g
⇔ y ∈ SC .
Provou-se assim que o conjunto das soluções de (2.10) é
{yp + C1 y1 + C2 y2 + · · · + Cn yn : C1 , C2 , . . . , Cn ∈ R} .

Sejam yp uma solução particular, em I, de (2.10) e yH = C1 y1 + C2 y2 + · · · + Cn yn


(C1 , C2 , . . . , Cn ∈ R) a solução geral, em I, da equação homogénea que lhe está associada,
(2.11). À famı́lia de funções yC = yp + yH chama-se solução geral ou integral geral, em I,
da equação diferencial linear completa (2.10).
Observação 2.5.2 Estamos agora em condições de provar (conforme foi afirmado na
secção 2.3) que todas as soluções da equação diferencial linear de primeira ordem
y 0 + P (x) y = Q(x) , x∈I, (2.12)
são da forma Z 
R R
− P (x) dx P (x) dx
y=e Q(x) e dx + C ,

para algum C ∈ R. De acordo com a proposição 2.5.4 basta mostrar que


R
Z R
− P (x) dx
yp = e Q(x) e P (x) dx dx

é uma solução particular de (2.12) e que


R
y1 = e − P (x) dx

é solução de
y 0 + P (x)y = 0 , x∈I.
Observe-se que y1 é linearmente independente porque y1 não é a função nula em I. Efectue-
mos os cálculos
R
Z R R R
0 − P (x) dx
yp + P (x)yp = −P (x) e Q(x) e P (x) dx dx + e− P (x) dx Q(x) e P (x) dx
R
Z R
− P (x) dx
+P (x) e Q(x) e P (x) dx
= Q(x) .

R R
y10 + P (x)y1 = −P (x) e− P (x) dx
+ P (x) e− P (x) dx

= 0.
112 Textos de Apoio de Análise Matemática III

2.5.3 Exercı́cios
1. Estude quanto à independência linear os seguintes conjuntos de funções, nos conjun-
tos indicados :

(a) f1 (x) = x, f2 (x) = x + 1, em R;


(b) f1 (x) = x, f2 (x) = |x|, em R;
(c) f1 (x) = x, f2 (x) = |x|, em R+ ;
(d) f1 (x) = 0, f2 (x) = x, f3 (x) = ex , em R;
(e) f1 (x) = sin x, f2 (x) = cos x, f3 (x) = 1, em R;
(f) f1 (x) = sin2 x, f2 (x) = cos2 x, f3 (x) = 1, em R;
2
(g) f1 (x) = cos 2x, f2 (x) = 1, f3 (x) = cos x, em R;
x −x 4x
(h) f1 (x) = e , f2 (x) = e , f3 (x) = e , em R.

2. Considerando f1 (x) = 2 e f2 (x) = ex , repare que f1 (0) − 2f2 (0) = 0. Pode garantir
que f1 e f2 são linearmente dependentes em qualquer intervalo contendo x = 0 ?

3. Averigúe se as funções ex e e2x constituem um sistema fundamental de soluções para


as seguintes equações diferenciais:

(a) y 00 − 3y 0 + 2y = 0;
(b) y 000 − 4y 00 + 5y 0 − 2y = 0.

4. Averigúe se as funções seguintes constituem um sistema fundamental de soluções


para a equação diferencial y 000 = 0:

(a) {1, x + 1, x2 };
(b) {x2 , x2 + 1, (x2 + 1)2 };
(c) {x + 1, (x + 1)2 };
(d) {1, x − 1, (x + 2)2 };
(e) {x, 2x}.

5. Em algumas das alı́neas seguintes as funções apresentadas contituem sistemas fun-


damentais de soluções para determinadas equações diferenciais homogéneas normais
em certos intervalos. Em cada caso, determine essas equações diferenciais e os cor-
respondentes intervalos.

(a) {2, x − 4, x2 }; (b) {x3 , x4 };

(c) {ex , e3x , e5x }; (d) {x − 1, sin x, cos x};

(e) {1, x, sin x, cos x}; (f) {2, x + 2, x − 4};

(g) {ex , sinh x, cosh x}; (h) {x2 , x − 12 , (x − 1)2 }.


Cristina Caldeira 113

2.5.4 Método de abaixamento de ordem ou método de D’Alembert


O método de D’Alembert permite determinar o integral geral de uma equação diferencial
linear de ordem n a partir do conhecimento de n − 1 soluções linearmente independentes
da equação diferencial homogénea associada.
Vejamos primeiro o caso n = 2. Considere-se a equação
d2 y dy
a2 (x) 2 + a1 (x) + a0 (x)y = g(x) , ∀x ∈ I , (2.13)
dx dx
onde a0 , a1 , a2 e g são funções contı́nuas em I e a2 (x) 6= 0, para todo o x ∈ I.
Seja y1 uma solução lineramente independente da equação homogénea associada a
(2.13), isto é,
d 2 y1 dy1
a2 (x) 2 + a1 (x) + a0 (x)y1 = 0 , ∀x ∈ I , (2.14)
dx dx
e suponha-se que y1 (x) 6= 0 para todo o x ∈ I.
Em (2.13) faça-se a mudança de variável y = y1 u. Tem-se
dy dy1 du
= u + y1
dx dx dx
d2 y d 2 y1 dy1 du d2 u
= u+2 + y1 2 .
dx2 dx2 dx dx dx
Substituindo em (2.13) obtém-se
 2   
d y1 dy1 du d2 u dy1 du
a2 (x) u+2 + y1 2 + a1 (x) u + y1 + a0 (x)y1 u = g(x) , x ∈ I
dx2 dx dx dx dx dx
 
d2 u dy1 du
⇔ a2 (x)y1 2 + a1 (x)y1 + 2a2 (x)
dx dx dx
 2

d y1 dy1
+ a2 (x) 2 + a1 (x) + a0 (x)y1 u = g(x) , x ∈ I . (2.15)
dx dx
Recorrendo a (2.14) conclui-se que o coeficiente de u em (2.15) é zero. Fazendo a
du
mudança de variável w = em (2.15) obtém-se a equação linear de primeira ordem
dx
 
dw dy1
a2 (x)y1 + a1 (x)y1 + 2a2 (x) w = g(x) , x ∈ I , (2.16)
dx dx
que sabemos resolver.
Seja
wc = w p + C 1 w1 , C1 ∈ R (2.17)
o integral geral de (2.16), onde wp é uma solução particular de (2.16) e w1 é uma solução
particular não nula da equação homogénea associada a (2.16).
Integrando (2.17) membro a membro obtém-se

u = u p + C 1 u1 + C 2 , C1 , C2 ∈ R , (2.18)
114 Textos de Apoio de Análise Matemática III

onde up é uma primitiva de wp , e u1 é uma primitiva de w1 .


Vejamos agora que

y C = y 1 up + C 1 y 1 u1 + C 2 y 1 , C1 , C2 ∈ R ,

é o integral geral da equação (2.13). Obviamente y1 up é uma solução de (2.13) e z1 = y1 u1


é uma solução da equação homogénea associada a (2.13). Resta então provar que y1 e z1
são linearmente independentes em I. Calcule-se o seu Wronskiano. Para todo o x ∈ I,

y1 (x) z1 (x)
W (y1 , z1 )(x) = 0
y1 (x) z10 (x)

y1 (x) y1 (x)u1 (x)

= 0
y1 (x) y10 (x)u1 (x) + y1 (x)u01 (x)
= y1 (x)y10 (x)u1 (x) + (y1 (x))2 u01 (x) − y10 (x)y1 (x)u1 (x)
= (y1 (x))2 u01 (x)
= (y1 (x))2 w1 (x) .

Uma vez que y1 não se anula em I e w1 não é a função nula em I, conclui-se que existe
x0 ∈ I tal que W (y1 , z1 )(x0 ) 6= 0 e portanto y1 e z1 são linearmente independentes em I.
Vejamos um exemplo.

Exemplo 2.5.2 Determinemos o integral geral de

(x − 1)y 00 − xy 0 + y = −1 , x ∈]1, +∞[ ,

sabendo que y1 = ex é solução da equação homogénea associada. Faça-se a mudança de


variável y = ex u.

y 0 = ex u + ex u0 = ex (u + u0 )
y 00 = ex (u + u0 ) + ex (u0 + u00 ) = ex (u00 + 2u0 + u)

Substituindo na equação dada obtém-se

(x − 1)ex (u00 + 2u0 + u) − xex (u + u0 ) + ex u = −1


⇔ (x − 1)ex u00 + (x − 2)ex u0 = −1
x−2 0 e−x
⇔ u00 + u =− .
x−1 x−1
Fazendo a mudança de variável u0 = w obtém-se uma equação diferencial linear de primeira
ordem,
x−2 −e−x
w0 + w=− ,
x−1 x−1
equação esta que admite
R R ex
= e ( x−1 +1) dx = e− ln(x−1)+x =
x−2 −1
dx
e x−1
x−1
Cristina Caldeira 115

como factor integrante. Assim,

ex ex (x − 2) ex e−x
w0 + w = −
x−1 (x − 1)2 (x − 1)2
 x 
d e −1
⇔ w =
dx x − 1 (x − 1)2
x
e 1
⇔ w= + C1 , C1 ∈ R
x−1 x−1
⇔ w = e−x + C1 (x − 1)e−x , C1 ∈ R
Z Z
⇔ −x
u = e dx + C1 (x − 1)e−x dx + C2 , C1 , C2 ∈ R

⇔ u = −e−x − C1 xe−x + C2 , C1 , C2 ∈ R .

Assim
y = y1 u = ex u = −1 − C1 x + C2 ex .
Podemos então dizer que o integral geral da equação dada é

y = −1 + C1 x + C2 ex , C1 , C2 ∈ R .

Vejamos agora o caso geral.

Teorema 2.5.3 Considere-se uma equação diferencial linear completa de ordem n ≥ 2,

an (x)y (n) + an−1 (x)y (n−1) + · · · + a1 (x)y 0 + a0 (x)y = g(x) , x∈I, (2.19)

onde a0 , a1 , . . . , an e g são funções contı́nuas em I e an (x) 6= 0, para todo o x ∈ I. A partir


de n − 1 soluções, em I, da equação homogénea associada a (2.19) que sejam linearmente
independentes em I e tais que, pelo menos, uma delas não se anula em I, é possı́vel obter
o integral geral de (2.19) nalgum intervalo contido em I.

Demonstração A demonstração é feita por indução em n. O caso n = 2 já foi tratado.


Suponha-se que n ≥ 3 e que o resultado é válido para equações de ordem n − 1 (hipótese
de indução). Seja {y1 , y2 , . . . , yn−1 } um conjunto linearmente independente constituı́do por
n − 1 soluções, em I, da equação homogénea associada a (2.19) e suponha-se que y1 (x) 6= 0,
para todo o x ∈ I. Considere-se a aplicação linear

T : C n (I) → C 0 (I)
.
y 7→ an (x)y (n) + an−1 (x)y (n−1) + · · · + a1 (x)y 0 + a0 (x)y

Então
T (yj ) = 0 , j = 0, 1 . . . , n − 1 (2.20)
e (2.19) pode ser escrita na forma T (y) = g(x) , x ∈ I.
Faça-se a mudança de variável y = y1 u.

T (y) = g(x) ⇔ T (y1 u) = g(x) .


116 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Para calcular T (y1 u) precisamos de calcular as n primeiras derivadas de y1 u.

d
(y1 u) = y10 u + y1 u0
dx
d2
(y1 u) = y100 u + 2y10 u0 + y1 u00
dx2
d3 (3)
3
(y1 u) = y1 u + 3y100 u0 + 3y10 u00 + y1 u(3) .
dx
Por indução em k prova-se que, para todo o k ∈ N,

X k  
dk k dk−i y1 di u
(y 1 u) = . (2.21)
dxk i dxk−i dxi
i=0

Assim,
n
X dk
T (y1 u) = ak (x)
k
(y1 u)
k=0
dx
Xn X k  
k dk−i y1 di u
= ak (x) k−i
i dx dxi
k=0 i=0
n
" n   #
X X k k−i
d y1 d i u
= ak (x) k−i .
i dx dxi
i=0 k=i

Para i = 0, 1, . . . , n considere-se
n 
X 
k dk−i y1
bi (x) = ak (x) k−i ∈ C 0 (I) .
i dx
k=i

Tem-se que
bn (x) = an (x)y1 (x) 6= 0 , ∀x ∈ I
e que
n 
X 
k d k y1
b0 (x) = ak (x) k = T (y1 ) = 0 .
0 dx
k=0

Assim
T (y1 u) = bn (x)u(n) + bn−1 (x)u(n−1) + · · · + b1 (x)u0 (x) ∈ C 0 (I) .
Pode pois considerar-se a aplicação linear

T1 : C n (I) → C 0 (I)
.
u 7→ T (y1 u) = bn (x)u(n) + bn−1 (x)u(n−1) + · · · + b1 (x)u0 (x)

Então
T (y) = g(x) ⇔ T (y1 u) = g(x) ⇔ T1 (u) = g(x) .
Cristina Caldeira 117

Defina-se a aplicação linear


T2 : C n−1 (I) → C 0 (I)
.
w 7→ bn (x)w(n−1) + bn−1 (x)w(n−2) + · · · + b1 (x)w
Então
T (y) = g(x) ⇔ T1 (u) = g(x) ⇔ T2 (u0 ) = g(x) .
A equação
T2 (w) = g(x) (2.22)
é uma equação diferencial linear, normal de ordem n − 1. Considerem-se as n − 2 funções
 
d yk
wk = , k = 2, . . . , n − 1 .
dx y1
Para k = 2, . . . , n − 1,
      
d yk yk yk
T2 (wk ) = T2 = T1 =T y1 = T (yk ) = 0 .
dx y1 y1 y1
Vejamos agora que w2 , . . . , wn−1 são linearmente independentes em I. Sejam α2 , . . . , αn−1 ∈
R tais que
α2 w2 (x) + α3 w3 (x) · · · + αn−1 wn−1 (x) = 0 , ∀x ∈ I .
Isto é,
n−1
X  
d yk
αk (x) = 0 , ∀x ∈ I
dx y1
k=2
n−1
!
d X yk
⇔ αk (x) = 0 , ∀x ∈ I
dx k=2 y1
n−1
X yk
⇔ ∃C ∈ R : αk (x) = C , ∀x ∈ I
k=2
y1
⇔ Cy1 (x) − α2 y2 (x) − · · · − αn−1 yn−1 (x) = 0 , ∀x ∈ I .
Mas y1 , y2 , . . . , yn−1 são linearmente independentes em I e portanto desta última igualdade
obtém-se
C = α2 = · · · = αn−1 = 0 .
Assim também w2 , . . . , wn−1 são linearmente independentes em I. Então w2 não é a função
nula em I. Seja I 0 um subintervalo de I no qual w2 não se anula. Podemos aplicar a hipótese
de indução a (2.22) no intervalo I 0 . Suponhamos que
n
X
w(x) = wp (x) + Ck wk (x) , C2 , . . . , Cn ∈ R (2.23)
k=2

é o integral geral de (2.22) em I 0 . Isto é, wp é uma solução particular de (2.22) em I 0 e


w2 , . . . , wn são n − 1 soluções, em I 0 , linearmente independentes, da equação homogénea
associada a (2.22). Integrando membro a membro a igualdade (2.23) obtém-se
n
X
u(x) = up (x) + Ck uk (x) + C1 , C1 , C2 , . . . , C n ∈ R , (2.24)
k=2
118 Textos de Apoio de Análise Matemática III

onde up é uma primitiva de wp e uk é uma primitiva de wk , para k = 2, . . . , n. Multiplicando


ambos os membros de (2.24) por y1 obtém-se
n
X
y(x) = y1 up (x) + C1 y1 + Ck y1 uk (x) , C 1 , C2 , . . . , C n ∈ R . (2.25)
k=2

Vejamos que (2.25) é o integral geral de (2.19) em I 0 .

T (y1 up ) = T1 (up ) = T2 (u0p ) = T2 (wp ) = g(x)

e portanto y1 up é uma solução particular de (2.19). Por hipótese y1 é solução da equação


homogénea associada a (2.19). Para k = 2, . . . , n

T (y1 uk ) = T1 (uk ) = T2 (u0k ) = T2 (wk ) = 0

e assim também y1 u2 , . . . , y1 un são soluções da equação homogénea associada a (2.19).


Resta provar que y1 , y1 u2 , . . . , y1 un são linearmente independentes em I 0 . Sejam α1 , α2 , . . . , αn ∈
R tais que

α1 y1 (x) + α2 y1 (x)u2 (x) + · · · + αn y1 (x)un (x) = 0 , ∀x ∈ I 0 . (2.26)

Então (e porque y1 não se anula em I)

y1 (x)[α1 + α2 u2 (x) + · · · + αn un (x)] = 0 , ∀x ∈ I 0


⇔ α1 + α2 u2 (x) + · · · + αn un (x) = 0 , ∀x ∈ I 0
⇒ α2 u02 (x) + · · · + αn u0n (x) = 0 , ∀x ∈ I 0
⇒ α2 w2 (x) + · · · + αn wn (x) = 0 , ∀x ∈ I 0
⇒ α2 = · · · = α n = 0 .

Substituindo α2 , . . . , αn por 0 em (2.26) conclui-se que também α1 = 0.


A demonstração do teorema ilustra o algoritmo a usar para baixar a ordem de uma
equação até se chegar a uma equação se ordem 1. Vejamos um exemplo para n = 3.

Exemplo 2.5.3 Vamos resolver a equação

x3 y 000 + x2 y 00 − 6xy 0 + 6y = 0 , x ∈]0, +∞[ ,

sabendo que y1 = x e y2 = 1/x2 são duas soluções particulares da equação dada. Faça-se
a mudança de variável y = xu. Então y 0 = u + xu0 , y 00 = 2u0 + xu00 e y 000 = 3u00 + xu000 ,
obtendo-se

3x3 u00 + x4 u000 + 2x2 u0 + x3 u00 − 6xu − 6x2 u0 + 6xu = 0


⇔ x4 u000 + 4x3 u00 − 4x2 u0 = 0 . (2.27)
y2
Sendo y1 e y2 soluções da equação dada e y = y1 u, a função u1 = = x−3 é solução de
y1
(2.27). Em (2.27) faça-se u0 = w. Obtém-se a equação

x4 w00 + 4x3 w0 − 4x2 w = 0 , (2.28)


Cristina Caldeira 119

da qual w1 = u01 = −3x−4 é solução. Baixe-se novamente a ordem fazendo w = w1 z =


−3x−4 z em (2.28). Tem-se w 0 = 12x−5 z − 3x−4 z 0 e w00 = −60x−6 z + 24x−5 z 0 − 3x−4 z 00 .
Então de (2.28) obtém-se

−60x−2 z + 24x−1 z 0 − 3z 00 + 48x−2 z − 12x−1 z 0 + 12x−2 z = 0


12
⇔ −3z 00 + z 0 = 0 . (2.29)
x
Fazendo z 0 = v em (2.29) obtém-se a equação de primeira ordem,
12 4
−3v 0 + v = 0 ⇔ v0 − v = 0 .
x x
R
1
Esta segunda equação admite e− 4/x dx
como factor integrante. Assim
=
x4
 
1 0 4 d 1
v − 5v = 0 ⇔ v = 0 ⇔ ∃C1 ∈ R : v = C1 x4 .
x4 x dx x4
Então Z
x5
z= v dx = C1 + C2 , C1 , C2 ∈ R ,
5

w = −3x−4 z
−3 3C2
= C1 x − 4 , C 1 , C 2 ∈ R
5 x
1
= D1 x + D 2 4 , D1 , D2 ∈ R
x
e de u0 = w obtém-se
1
u = E 1 x2 + E 2 + E3 , E1 , E2 , E3 ∈ R .
x3
Assim
1
y = xu = E1 x3 + E2 + E3 x , E1 , E2 , E3 ∈ R
x2
é o integral geral da equação dada.

2.5.5 Exercı́cios
1. Utilizando o método do abaixamento de ordem (método de d’Alembert), encontre
os integrais gerais das seguintes equações diferenciais, sabendo que as equações ho-
mogéneas associadas admitem os integrais particulares, yi , indicados.

(a) x y 00 − y 0 = 0;
(b) x y 00 − y 0 = x2 ex ;
x
(c) x y 00 + 2 y 0 − x y = −ex , com y1 = ex ;
(d) x3 y 000 − 6x2 y 00 + 15x y 0 − 15 y = 0, com y1 = x e y 2 = x3 ;
120 Textos de Apoio de Análise Matemática III

(e) x3 y 000 − x2 y 00 + 2x y 0 − 2 y = 0, com y1 = x;


(f) 6x2 y 00 − 9x y 0 + 6 y = x, com y 1 = x2 ;
(g) x y 000 − y 00 + x y 0 − y = 0, com y1 = sin x e y2 = cos x;
(h) cos2 x y 00 − 2 y = 0, com y1 = tg x;
(i) (1 + x2 ) y 00 + 2x y 0 − 2 y = 4x2 + 2, com y1 = x.

2.5.6 Equações diferenciais lineares homogéneas de coeficientes


constantes
Seja I um intervalo real. Para cada n ∈ N0 designe-se por D n a aplicação linear de C n (I)
em C 0 (I) que a cada função y ∈ C n (I) faz corresponder a sua derivada de ordem n, isto
é, Dn y = y (n) . Um polinómio diferencial ou operador diferencial linear com coeficientes
constantes é uma qualquer aplicação linear, T , de C n (I) em C 0 (I) tal que, para todo o
y ∈ C n (I),

T (y) = an y (n) + an−1 y (n−1) + · · · + a1 y 0 + a0 y


= an Dn y + an−1 Dn−1 y + · · · + a1 Dy + a0 y ,

onde a0 , a1 , . . . , an são constantes reais. Costuma escrever-se

T = P (D) = an Dn + an−1 Dn−1 + · · · + a1 D + a0 .

Uma equação diferencial linear homogénea de ordem n e coeficientes constantes é uma


equação da forma

dn y dn−1 y dy
an n
+ a n−1 n−1
+ · · · + a1 + a0 y = 0 , x∈I, (2.30)
dx dx dx
onde a0 , a1 , . . . , an são constantes reais e an 6= 0.
Assim a equação (2.30) pode ser escrita na forma

P (D)y = 0 , x∈I,

sendo P (D) o operador diferencial linear de coeficientes constantes

an Dn + an−1 Dn−1 + · · · + a1 D + a0 .

Então o conjunto das soluções de (2.30) é o núcleo de P (D). Assim, com o objectivo
de resolver equações diferenciais lineares homogéneas de coeficientes constantes, iremos
estudar algo sobre operadores diferenciais lineares de coeficientes constantes.
Sejam
T1 = P (D) = an Dn + an−1 Dn−1 + · · · + a1 D + a0
e
T2 = Q(D) = bm Dm + bm−1 Dm−1 + · · · + b1 D + b0
Cristina Caldeira 121

dois operadores diferenciais lineares com coeficientes constantes. Considerando estas duas
aplicações lineares definidas em C m+n (I) podemos definir a sua soma e a sua composição
da forma usual, isto é, para todo o y ∈ C m+n (I),

(T1 + T2 ) (y) = T1 (y) + T2 (y)


(T1 ◦ T2 ) (y) = T1 (T2 (y)) .

Efectuando alguns cálculos verifica-se que, para todo o y ∈ C m+n (I),

(T1 + T2 ) (y) = (P (D) + Q(D)) (y) (2.31)


(T1 ◦ T2 ) (y) = (P (D) × Q(D)) (y) , (2.32)

onde o sinal + no segundo membro de (2.31) representa a adição de polinómios e o sinal


× no segundo membro de (2.32) representa a multiplicação de polinómios.
Usando (2.31), (2.32) e as propriedades das operações com polinómios prova-se facil-
mente a proposição seguinte.

Proposição 2.5.5 Sejam T1 , T2 e T3 operadores diferenciais lineares com coeficientes con-


stantes que suporemos definidos num espaço C k (I) com k suficientemente grande para que
todas as operações de composição indicadas sejam possı́veis. Então
1. T1 + T2 = T2 + T1 ;

2. T1 + (T2 + T3 ) = (T1 + T2 ) + T3 ;

3. T1 ◦ T2 = T2 ◦ T1 ;

4. T1 ◦ (T2 ◦ T3 ) = (T1 ◦ T2 ) ◦ T3 ;

5. T1 ◦ (T2 + T3 ) = T1 ◦ T2 + T1 ◦ T3 .

Considere-se o polinómio diferencial

P (D) = an Dn + an−1 Dn−1 + · · · + a1 D + a0 ,

onde an 6= 0.
Associado a este polinómio diferencial podemos considerar o polinómio, de coeficientes
em R e grau n na indeterminada λ,

P (λ) = an λn + an−1 λn−1 + · · · + a1 λ + a0 .

Este polinómio tem exactamente n raı́zes em C e as raı́zes complexas aparecem aos pares,
uma vez que, se z ∈ C \ R é uma raı́z de P (λ) então também o conjugado de z, z, é raı́z
de P (λ). Sejam λ1 , . . . , λt as raı́zes reais de P (λ) e suponha-se que λj tem multiplicidade
rj ∈ N, para j = 1, 2, . . . , t. Sejam α1 ± iβ1 , α2 ± iβ2 , . . . , αs ± iβs os pares de raı́zes
complexas conjugadas de P (λ). Para ` = 1, . . . , s seja m` a multiplicidade do par α` ± iβ` .
(Está-se a supôr que n = r1 + · · · + rt + 2m1 + · · · + 2ms ). Uma vez que

[λ − (α` + iβ` )][λ − (α` − iβ` )] = (λ − α` )2 + β`2 ,


122 Textos de Apoio de Análise Matemática III

conclui-se que o polinómio P (λ) se factoriza na forma


 m  ms
P (λ) = an (λ − λ1 )r1 · · · (λ − λt )rt (λ − α1 )2 + β12 1 · · · (λ − αs )2 + βs2 .

De (2.32) conclui-se então que o polinómio diferencial P (D) se factoriza na forma


 m  ms
P (D) = an (D − λ1 )r1 ◦ · · · ◦ (D − λt )rt ◦ (D − α1 )2 + β12 1 ◦ · · · ◦ (D − αs )2 + βs2 .
(2.33)
Usualmente numa igualdade deste tipo omitem-se os sinais ◦.

Lema 2.5.1 Sejam T1 , T2 , . . . , Tm operadores diferenciais lineares de coeficientes constantes


definidos em C k (I), com k suficientemente grande para que também o produto (composição)

T = T 1 T2 · · · T m

possa ser considerado definido em C k (I). Então, para j = 1, 2, . . . , m, o núcleo de Tj está


contido no núcleo do produto T .

Demonstração Considere-se j ∈ {1, 2, . . . , m}. Seja y pertencente ao núcleo de T j , isto


é, Tj (y) = 0. Pretendemos provar que T (y) = 0. Fazendo uso da proposição 2.5.5 (parte
3) temos

T (y) = (T1 T2 · · · Tm ) (y)


= (T1 T2 · · · Tj−1 Tj+1 · · · Tm Tj ) (y)
= (T1 T2 · · · Tj−1 Tj+1 · · · Tm ) (Tj (y))
= (T1 T2 · · · Tj−1 Tj+1 · · · Tm ) (0)
= 0.

Consideremos então a equação diferencial linear homogénea de coeficientes constantes


(2.30). O polinómio de grau n, na indeterminada λ e coeficientes reais,

P (λ) = an λn + an−1 λn−1 + · · · + a1 λ + a0

diz-se o polinómio caracterı́stico de (2.30) e

P (D) = an Dn + an−1 Dn−1 + · · · + a1 D + a0

diz-se o polinómio diferencial caracterı́stico de (2.30). A equação (2.30) pode ser escrita
na forma
P (D)y = 0 , x ∈ I .
Se conseguirmos determinar as n raı́zes (em C) de P (λ) obtemos uma factorização de
P (D) do tipo de (2.33), com λ1 , . . . , λt , α1 , . . . , αs , β1 , . . . , βs reais. Assim, do lema 2.5.1
conclui-se que, obtendo funções pertencentes ao núcleo de cada um dos operadores

(D − λj )rj , j = 1, 2, . . . , t ;
 m
(D − α` )2 + β`2 ` , ` = 1, 2, . . . , s ,
Cristina Caldeira 123

obteremos, pelo menos, algumas soluções de (2.30).


Começaremos primeiro por determinar o núcleo de um operador da forma D − a, com
a número real. Isto é equivalente a resolver a equação diferencial linear homogénea de
coeficientes constantes e ordem 1,
dy
− ay = 0 , x ∈ I . (2.34)
dx
Multiplicando pelo factor integrante
e−ax
obtém-se
d 
ye−ax = 0
dx
e portanto a solução geral de (2.34) é
yH = C eax , C ∈ R.
Portanto o núcleo de D − a, com a real, é
{C eax : C ∈ R} .
Vejamos agora o que se passa com o núcleo de (D −a)2 . Isto é, pretendemos determinar
as soluções da equação diferencial
(D2 − 2aD + a2 )y = 0 ⇔ y 00 − 2ay 0 + a2 y = 0 .
Do lema 2.5.1 e do visto anteriormente sabemos que eax é uma solução desta equação
diferencial. Usemos o método de D’Alembert e façamos a mudança de variável y = eax u.
Tem-se y 0 = eax (u0 + au) e y 00 = eax (u00 + 2au0 + a2 u). Então
y 00 − 2ay 0 + a2 y = 0 ⇔ eax u00 + eax (2a − 2a)u0 + eax (a2 − 2a2 + a2 )u = 0
⇔ eax u00 = 0
⇔ u00 = 0
⇔ u = C 1 + C2 x , C1 , C2 ∈ R .
Assim o integral geral de y 00 − 2ay 0 + a2 y = 0 é
yH = C1 eax + C2 xeax , C1 , C2 ∈ R .
Então xeax é outra solução de y 00 −2ay 0 +a2 y = 0 e portanto pertence ao núcleo de (D −a)2 .
Isto sugere-nos que, para r ∈ N, xr−1 eax pertence ao núcleo de (D − a)r , o que provare-
mos por indução em r. Já vimos que isto é verdade para r = 1 e r = 2. Suponha-se que
r ≥ 3 e que xr−2 eax pertence ao núcleo de (D − a)r−1 , isto é, (D − a)r−1 (xr−2 eax ) = 0 .
Então
 
(D − a)r xr−1 eax = (D − a)r−1 (D − a) xr−1 eax

= (D − a)r−1 (r − 1)xr−2 eax + axr−1 eax − axr−1 eax

= (D − a)r−1 (r − 1)xr−2 eax

= (r − 1)(D − a)r−1 xr−2 eax
= (r − 1) × 0
= 0.
124 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Temos assim (lema 2.5.1) que as funções

eax , xeax , . . . , xr−1 eax

pertencem ao núcleo de (D−a)r , isto é são soluções da equação diferencial linear homogénea
de ordem r, (D − a)r y = 0. Vejamos que são linearmente independentes, em qualquer
intervalo real, I. Sejam C0 , C1 , . . . , Cr−1 ∈ R.
r−1
X r−1
X
j ax ax
Cj x e = 0, ∀x ∈ I ⇔ e C j xj = 0 , ∀x ∈ I
j=0 j=0
r−1
X
⇔ C j xj = 0 , ∀x ∈ I . (2.35)
j=0

Para x0 ∈ I o Wronskiano de 1, x, . . . , xr−1 em x0 é



1 x 0 x2 · · · x r−1
0 0
0 1 2x0 · · · (r − 1)x0 r−2

0 0 2 · · · (r − 1)(r − 2)x r−3
0 = 0! 1! 2! · · · (r − 1)! 6= 0 .
.. .. .. . .
. . . . ···

0 0 0 ··· (r − 1)!

Então as funções 1, x, . . . , xr−1 são linearmente independentes em I (observe-se que isto


é válido para qualquer inteiro positivo r e qualquer intervalo real I) e portanto de (2.35)
obtém-se que
C0 = C1 = · · · = Cr−1 = 0 .
Assim também as funções
eax , xeax , . . . , xr−1 eax
são linearmente independente em I e pelo visto anteriormente constituem um sistema
fundamental de soluções da equação diferencial linear homogénea de ordem r

(D − a)r y = 0 , x∈I,

para qualquer intervalo real I.


Vejamos agora o que se passa com o núcleo de um operador da forma (D − a)2 + b2 ,
com a, b ∈ R. Pretendemos resolver a equação diferencial

(D2 − 2aD + a2 + b2 )y = 0 ⇔ y 00 − 2ay 0 + (a2 + b2 )y = 0 .

Para o caso b = 0 já vimos que {eax , xeax } é um sistema fundamental de soluções da
equação anterior. Se a = 0 e b = 1 temos a equção y 00 + y = 0. Verifica-se facilmente
que sin x e cos x são soluções desta equação. Se a = 0 e b é qualquer não nulo obtém-se a
equação
y 00 (x) + b2 y(x) = 0 . (2.36)
Cristina Caldeira 125

Nesta equação faça-se a mudança de variável independente definida por t = bx. Usando a
regra de derivação da função composta obtém-se
dy dy dt
=
dx dt dx
dy
= b
dt
e
 
d2 y d dy
=
dx2 dx dt
d2 y dt
= b 2
dt dx
d2 y
= b2 2 .
dt
Substituindo em (2.36) tem-se que
d2 y d2 y
b2 (t) + b 2
y(t) = 0 ⇔ (t) + y(t) = 0 .
dt2 dt2
As funções cos t e sin t são soluções desta equação. Assim as funções cos(bx) e sin(bx) são
soluções de (2.36).
Consideremos agora o caso geral de a, b quaisquer em R com b 6= 0. No caso b = 0
vimos que a equação (D − a)2 y = 0 admitia como soluções as funções eax e xeax . Por
analogia averiguemos se
y 00 − 2ay 0 + (a2 + b2 )y = 0 (2.37)
tem soluções da forma y(x) = u(x)emx , com m número real. Derivando em ordem a x
obtém-se

y 0 = u0 emx + muemx = emx (u0 + mu)


y 00 = emx (u00 + 2mu0 + m2 u) .

Substitundo em (2.37) vem

emx (u00 + 2mu0 + m2 u − 2au0 − 2amu + a2 u + b2 u) = 0


⇔ u00 + (2m − 2a)u0 + (m2 − 2am + a2 + b2 )u = 0 . (2.38)

Se considerarmos m = a a equação (2.38) fica consideravelmente mais simples, a saber


u00 + b2 u = 0. Já vimos que cos(bx) e sin(bx) são soluções desta equação. Então as funções
y1 = eax cos(bx) e y2 = eax sin(bx) são soluções de (2.37). Vejamos que são linearmente
independentes. Para todo o x ∈ R,

e ax
cos(bx) e ax
sin(bx)
W (y1 , y2 )(x) = ax
e (a cos(bx) − b sin(bx)) e (a sin(bx) + b cos(bx))
ax

= e2ax (a cos(bx) sin(bx) + b cos2 (bx) − a cos(bx) sin(bx) + b sin2 (bx))


= be2ax 6= 0 .
126 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Assim, para a, b reais, com b 6= 0, o conjunto {eax cos(bx), eax sin(bx)} constitui um sistema
fundamental de soluções para a equação diferencial linear de ordem 2,

[(D − a)2 + b2 ]y = 0 , x∈I, (2.39)

qualquer que seja o intervalo real I.


Pode também dizer-se que eax cos(bx) e eax sin(bx) pertencem ao núcleo de (D −a)2 +b2 .
Da mesma maneira que foi feito para o caso de (D − a)r pode provar-se que, para r ∈ N,
as 2r funções

eax cos(bx), xeax cos(bx), . . . , xr−1 eax cos(bx) ,


eax sin(bx), xeax sin(bx), . . . , xr−1 eax sin(bx)

pertencem ao núcleo de [(D − a)2 + b2 ]r . Veremos, posteriormente, que estas 2r funções são
linearmente independentes, em qualquer intervalo real I, constituindo então um sistema
fundamental de soluções da equção (2.39), em qualquer intervalo real I.
Tendo como objectivo demonstrar o teorema principal desta subsecção vamos primeiro
enunciar e demonstrar alguns lemas.
Sendo P (λ) um polinómio de coeficientes reais representa-se por P (k) (λ) a sua derivada
de ordem k, em relação a λ. Por P (k) (D) representa-se o operador diferencial linear de
coeficientes constantes associado a P (k) (λ).
Exemplo 2.5.4 Se P (λ) = 3λ5 + λ3 − λ2 + 2,

P (1) (λ) = 15λ4 + 3λ2 − 2λ

e
P (2) (λ) = 60λ3 + 6λ − 2 .
Assim, neste caso, P (2) (D) = 60D 3 + 6D − 2.

Lema 2.5.2 Seja P (λ) um polinómio de coeficientes reais e de grau n. Sendo f uma
função real de variável real, derivável pelo menos até à ordem n, e a ∈ R,
Xn
1 (k)
P (D) (eax f (x)) = eax P (a)Dk f (x) .
k=0
k!

Demonstração Suponha-se que

P (λ) = an λn + an−1 λn−1 + · · · + a1 λ + a0 .

Usando a igualdade (2.21) para o cálculo de D j (eax f (x)) obtém-se


n
X
P (D) (eax f (x)) = aj Dj (eax f (x))
j=0
n j  
X X j
= aj Dj−k eax Dk f (x)
k
j=0 k=0
Cristina Caldeira 127

j
n X
X  
j
= aj aj−k eax Dk f (x)
k
j=0 k=0
n n   !
X X j
= eax aj aj−k Dk f (x)
k
k=0 j=k
n n
!
X X 1
ax
= e aj j(j − 1) · · · (j − k + 1)aj−k Dk f (x)
k=0 j=k
k!
Xn
1 (k)
= eax P (a) Dk f (x) .
k=0
k!

Lema 2.5.3 Seja P (λ) um polinómio de coeficientes reais na indeterminada λ e de grau


n. Seja q(x) um polinómio, em x, de coeficientes reais, não nulo e de grau inferior ou
igual a n − 1. Para a ∈ R,
P (D) (eax q(x)) = 0 ⇒ P (a) = 0 .
Demonstração Suponha-se que
n
X
P (λ) = ak λ k
k=0
e que
n−1
X
q(x) = c j xj .
j=0

Dn q(x) = 0 e, para k = 0, 1, . . . , n − 1,
n−1
X
Dk q(x) = cj j(j − 1) · · · (j − k + 1)xj−k
j=k
n−1
X  
j
= cj k! xj−k
k
j=k
n−k−1
X  
k+`
= k! ck+` x` .
k
`=0

Usando o lema 2.5.2 obtém-se


n−1
X
ax 1 (k) ax
P (D) (e q(x)) = e P (a)Dk q(x)
k=0
k!
n−1
X 
n−k−1
X 
ax (k) k+`
= e P (a) ck+` x`
k
k=0 `=0
n−1
X X n−`−1  !
k+`
= eax P (k) (a)ck+` x` .
k
`=0 k=0
128 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Para ` = 0, 1, . . . , n − 1 seja
n−`−1
X   n−1
X  
(k) k+` j
b` = P (a)ck+` = cj P (j−`) (a) .
k j−l
k=0 j=`

Já vimos que {1, 2, . . . , xn−1 } é linearmente independente sobre qualquer intervalo real e
portanto, se P (D) (eax q(x)) = 0, terá de ser b` = 0, para ` = 0, 1, . . . , n − 1. Uma vez que
q não é o polinómio nulo existe r ∈ {0, 1, . . . , n − 1} tal que cr 6= 0 e cr+1 = · · · = cn−1 = 0.
Assim,
n−1
X    
j (j−r) r
0 = br = cj P (a) = cr P (a) ,
j−r 0
j=r

o que implica que P (a) = 0.

Lema 2.5.4 Sejam P (λ) um polinómio de coeficientes reais e de grau n e f uma função
real de variável real, derivável pelo menos até à ordem n. Então, para j = 0, 1, . . . , n − 1,
j  
j
 X j
P (D) x f (x) = xj−` P (`) (D)f (x) .
`
`=0

Demonstração Suponha-se que


n
X
P (λ) = ak λ k .
k=0

Usando (2.21) obtém-se


n
X
j
 
P (D) x f (x) = ak Dk xj f (x)
k=0
Xn
Xk  
k
= ak D` xj Dk−` f (x)
`
k=0 `=0
Xn Xn  
` j k
= Dx ak Dk−` f (x)
`
`=0 k=`
Xj n
X  
j−` k
= j(j − 1) · · · (j − ` + 1)x ak Dk−` f (x)
`
`=0 k=`
X
j
j
 n
X 
k

= xj−` `! ak Dk−` f (x)
` `
`=0 k=`
!
X
j
j
 n
X
= xj−` ak k(k − 1) · · · (k − ` + 1)D k−` f (x)
`
`=0 k=`
X
j
j

= xj−` P (`) (D)f (x) .
`
`=0
Cristina Caldeira 129

Lema 2.5.5 Seja P (λ) um polinómio de coeficientes reais e de grau n. Sejam q1 (x) e
q2 (x) dois polinómios de coeficientes reais, não ambos nulos, e de grau r inferior ou igual
a n − 1. Então, para a, b ∈ R, com b 6= 0,

P (D) [q1 (x)eax cos(bx) + q2 (x)eax cos(bx)] = 0 ⇒ P (a + ib) = 0 .

Demonstração Suponha-se que


n
X
P (λ) = ak λ k ,
k=0

r
X r
X
j
q1 (x) = cj x e que q2 (x) = d j xj .
j=0 j=0

Começaremos por provar o resultado para polinómios constantes, q1 = c0 e q2 = d0 ,


com c0 6= 0 ou d0 6= 0.
Vamos aplicar o lema 2.5.2 considerando f (x) = c0 cos(bx) + d0 sin(bx). Para isso
precisamos de calcular as derivadas de f . Por indução em k prova-se que

k (−1)k/2 bk f (x) se k é par
D f (x) = (k−1)/2 k−1 0
(−1) b f (x) se k é ı́mpar .

Então
 
n
X
 1 
P (D) (eax f (x)) = eax  (−1)k/2 bk P (k) (a) f (x)
k=0
k!
k par
 
n
X
 1 
+eax  (−1)(k−1)/2 bk−1 P (k) (a) f 0 (x) .
k=1
k!
k ı́mpar

Sejam
Xn
1
A= (−1)k/2 bk P (k) (a)
k=0
k!
k par
e n
X 1
B= (−1)(k−1)/2 bk−1 P (k) (a) .
k=1
k!
k ı́mpar

Assim
P (D) (eax f (x)) = 0 ⇔ Af (x) + Bf 0 (x) = 0 .
Suponha-se que B 6= 0. Temos então que
A
f 0 (x) + f (x) = 0 .
B
130 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Integrando esta equação linear de primeira ordem obtém-se


f (x) = Ee−(A/B)x , com E ∈ R .
Então
c0 cos(bx) + d0 sin(bx ) − Ee−(A/B)x = 0 ,
com c0 6= 0 ou d0 6= 0, o que é absurdo porque

e−(A/B)x cos(bx) sin bx


A −(A/B)x
W (e−(A/B)x , cos(bx), sin(bx))(x) = − B e −b sin bx b cos(bx)


2
A2 e−(A/B)x −b2 cos(bx) −b2 sin bx
B
 
−(A/B)x 2 A2
= e b b + 2 6= 0 .
B
Assim terá de ser B = 0 obtendo-se
Af (x) = 0 ⇔ Ac0 cos(bx) + Ad0 sin(bx) = 0 ⇔ A = 0 ,
porque cos(bx), sin(bx) são linearmente independentes e c0 6= 0 ou d0 6= 0.
Por outro lado,
n n j  
X X X j
j
P (a + ib) = aj (a + ib) = aj aj−k ik bk .
k
j=0 j=0 k=0

Atendendo a que 
k (−1)k/2 se k é par
i =
i (−1)(k−1)/2 se k é ı́mpar
obtém-se
j 
n X 
X j
P (a + ib) = aj aj−k bk (−1)k/2
k
j=0 k=0
k par
n
X j
X  
j
+i aj aj−k bk (−1)(k−1)/2
k
j=0 k=1
k ı́mpar
Xn Xn
1 k k/2
= b (−1) aj j(j − 1) · · · (j − k + 1) aj−k
k=0
k! j=k
k par
Xn Xn
1 k
+i b (−1)(k−1)/2 aj j(j − 1) · · · (j − k + 1) aj−k
k=1
k! j=k
k ı́mpar
Xn Xn
1 k k/2 (k) 1 k−1
= b (−1) P (a) + i b b (−1)(k−1)/2 P (k) (a)
k=0
k! k=1
k!
k par k ı́mpar
= A + ibB
= 0.
Cristina Caldeira 131

Demonstremos agora o caso geral.

P (D) [q1 (x)eax cos(bx) + q2 (x)eax cos(bx)] =


r
X   
= cj P (D) xj eax cos(bx) + dj P (D) xj eax sin(bx) .
j=0

Usando o lema 2.5.4 obtém-se

P (D) [q1 (x)eax cos(bx) + q2 (x)eax cos(bx)] =


r X j  
X j  
= xj−` cj P (`) (D) (eax cos(bx)) + dj P (`) (D) (eax sin(bx))
`
j=0 `=0
r X j  
X j  
= xk cj P (j−k) (D) (eax cos(bx)) + dj P (j−k) (D) (eax sin(bx))
k
j=0 k=0
r
( r   )
X X j  
= cj P (j−k) (D) (eax cos(bx)) + dj P (j−k) (D) (eax sin(bx)) xk .
k
k=0 j=k

Assim, se P (D) [q1 (x)eax cos(bx) + q2 (x)eax cos(bx)] = 0, terá de ser


Xr  
j  
cj P (j−k) (D) (eax cos(bx)) + dj P (j−k) (D) (eax sin(bx)) = 0 , k = 0, 1, . . . , r .
k
j=k
(2.40)
Uma vez que q1 e q2 não são ambos nulos existe s ∈ {0, 1, . . . , r} tal que cs+1 = cs+2 =
· · · = cr = ds+1 = ds+2 = · · · = dr = 0 e cs 6= 0 ou ds 6= 0. Fazendo k = s em (2.40)
obtém-se
r 
X 
j  
cj P (j−s) (D) (eax cos(bx)) + dj P (j−s) (D) (eax sin(bx)) = 0
s
j=s
 
s  
⇔ cs P (0) (D) (eax cos(bx)) + ds P (0) (D) (eax sin(bx)) = 0
s
⇔ P (D) [cs eax cos(bx) + ds eax sin(bx)] = 0 .
Atendendo a que cs 6= 0 ou ds 6= 0 e usando o já provado para polinómios constantes
conclui-se que P (a + ib) = 0.
Teorema 2.5.4 Considere-se a equação diferencial linear homogénea de ordem n com co-
eficientes constantes,
an y (n) + an−1 y (n−1) + · · · + a1 y 0 + a0 y = 0 , x∈I, (2.41)
com an 6= 0. Suponha-se que as n raı́zes do polinómio caracterı́stico associado a (2.41) são
λ1 , λ2 , . . . , λt ∈ R , com multiplicidades r1 , r2 , . . . , rt ∈ N , respectivamente ;
α1 ± iβ1 , . . . αs ± iβs ∈ C \ R , com multiplicidades m1 , . . . , ms ∈ N , respectivamente .
132 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Então o conjunto constituı́do pelas funções

eλj x , xeλj x , . . . , xrj −1 eλj x , j = 1, . . . , t ,


eα` x cos(β` x), xeα` x cos(β` x), . . . , xm` −1 eα` x cos(β` x) , ` = 1, . . . , s
α` x α` x m` −1 α` x
e e sin(β` x), xe sin(β` x), . . . , x e sin(β` x) , ` = 1, . . . , s , (2.42)

é um sistema fundamental de soluções de (2.41), qualquer que seja o intervalo real I.

Demonstração Uma vez que o polinómio caracterı́stico de (2.41) é de grau n tem exac-
tamente n raı́zes em C Assim,

r1 + r2 + · · · + rt + 2m1 + · · · + 2ms = n .

Vamos supôr que n ≥ 2rk , para k = 1, 2, . . . , t e que n ≥ 2mh , para h = 1, 2, . . . , s.


As funções dadas em (2.42) são, pelo visto anteriormente, n soluções de (2.41). Basta
então provar que são linearmente independentes. Suponha-se que
t rX
X j −1 s m
X X h −1 s m
X X h −1
` λj x ` αh x
cj,` x e + dh,` x e cos(βh x) + fh,` x` eαh x sin(βh x) = 0 (2.43)
j=1 `=0 h=1 `=0 h=1 `=0

t rX
X j −1 s
X
` λj x
⇔ cj,` x e + [q1,h (x)eαh x cos(βh x) + q2,h (x)eαh x sin(βh x)] = 0 , (2.44)
j=1 `=0 h=1

onde
m
X h −1

q1,h (x) = dh,` x`


`=0
e
m
X h −1

q2,h (x) = fh,` x` .


`=0

A equação (2.41) pode ser escrita na forma P (D)y = 0, onde


 m   ms
P (D) = an (D − λ1 )r1 · · · (D − λt )rt (D − α1 )2 + β12 1 · · · (D − αs )2 + βs2

Para k = 1, 2, . . . , t seja
P (D)
Qk (D) = .
(D − λk )rk
De (2.44) conclui-se que
t rX
X j −1 s
 X
cj,` Qk (D) x` eλj x + Qk (D) [q1,h (x)eαh x cos(βh x) + q2,h (x)eαh x sin(βh x)] = 0 .
j=1 `=0 h=1
(2.45)
Usando o lema 2.5.1 e o já visto anteriormente obtém-se que, para j = 1, . . . , t com
j 6= k, e ` = 0, 1, . . . rj − 1,
 P (D) rj 
Qk (D) x` eλj x = rk rj (D − λj ) x` e λ j x = 0 .
(D − λk ) (D − λj )
Cristina Caldeira 133

Analogamente, para h = 1, 2, . . . , s e ` = 0, 1, . . . , mh − 1,

Qk (D) x` eαh x cos(βh x) =
P (D)  2 
2 mh ` αh x

= rk  2 2
 m h
(D − α h ) + βh x e cos(β h x) = 0
(D − λk ) (D − αh ) + βh
e também 
Qk (D) x` eαh x sin(βh x) = 0 .
Assim, de (2.45) e usando o lema 2.5.3 (é aplicável porque o grau de Qk (λ) é n−rk > rk −1),
obtém-se
rX
k −1

ck,` Qk (D) x` eλk x = 0
`=0
rX
!
k −1
λk x `
⇔ Qk (D) e ck,` x =0
`=0
rX
k −1

⇒ Qk (λk ) = 0 ∨ ck,` x` .
`=0

Ora obviamente Qk (λk ) 6= 0 e portanto


rX
k −1

ck,` x` ⇒ ck,` = 0 , ` = 0, 1, . . . , rk − 1 .
`=0

Como isto é válido para todo o k = 1, . . . , t já mostrámos que todos os coeficientes do
primeiro somatório de (2.43) são nulos.
Para k = 1, 2, . . . , s seja
P (D)
Rk (D) =   mk .
(D − αk )2 + βk2
Para h = 1, 2, . . . , s, com h 6= k, e ` = 0, 1, . . . , mh − 1,
Rk (D) x` eαh x cos(βh x) =
P (D)  2 
2 mh ` αh x

 2  m k
 2  m h
(D − α h ) + βh x e cos(β h x) = 0
(D − αk ) + βk2 (D − αh ) + βh2
e também 
Rk (D) x` eαh x cos(βh x) = 0 .
Assim, de (2.45) e usando o lema 2.5.5 (é aplicável porque o grau de Rk (λ) é n − mk >
mk − 1), obtém-se
Rk (D) [q1,k (x)eαk x cos(βk x) + q2,k (x)eαk x sin(βk x)] = 0
⇒ Rk (αk + iβk ) = 0 ∨ q1,k = q2,k = 0 .
Obviamente Rk (αk + iβk ) 6= 0, concluindo-se que q1,k = q2,k = 0 e portanto também todos
os coeficientes do segundo e terceiro somatórios de (2.43) são nulos.
Está assim provado que as funções de (2.42) são linearmente independentes.
134 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Exemplo 2.5.5 Determinemos o integral geral da equação

y (6) − 2y (5) + 3y (4) − 4y (3) + 3y (2) − 2y 0 + y = 0 , x ∈ R.

O polinómio caracterı́stico desta equação é

P (λ) = λ6 − 2λ5 + 3λ4 − 4λ3 + 3λ2 − 2λ + 1 .

Verifica-se facilmente que P (1) = 0. Usando a regra de Ruffini para dividir P (λ) por (λ−1)
obtém-se

1 -2 3 -4 3 -2 1
1 1 -1 2 -2 1 -1
1 -1 2 -2 1 -1 0 .
1 1 0 2 0 1
1 0 2 0 1 0

Assim

P (λ) = (λ − 1)2 (λ4 + 2λ2 + 1) = (λ − 1)2 (λ2 + 1)2 = (λ − 1)2 (λ − i)2 (λ + i)2

e portanto as raı́zes de P (λ) são 1, i e −i, todas com multiplicidade 2. De acordo com o
teorema 2.5.4,
{ex , xex , cos x, x cos x, sin x, x sin x}
é um sistema fundamental de soluções da equação dada e portanto

yH = C1 ex + C2 xex + C3 cos x + C4 x cos x + C5 sin x + C6 x sin x , C 1 , C2 , . . . , C 6 ∈ R

é o seu integral geral.

2.5.7 Exercı́cios
1. Determine o integral geral das seguintes equações diferenciais lineares de coeficientes
constantes e, nos casos indicados, determine o integral particular que verifica as
condições iniciais dadas.

00 0 y(0) = 0
(a) y − y − 2y = 0 ; .
y 0 (0) = 3

 y(0) = 1
000 00 0
(b) y − 6y + 12y − 8y = 0 ; y 0 (0) = 0 .
 00
y (0) = −3

3 2 x(0) = 1
(c) d x3 − 2 d x2 − 3 dx = 0 ; .
dt dt dt x0 (0) = 6 = x00 (0)

2 y(0) = 0
(d) ((D − 1) + 1)y = 0 ; π .
y 0 ( π2 ) = c 2
Cristina Caldeira 135

(e) y (4) + y (2) = 0.


(f) y (4) = y.
(g) (D 3 − 4D2 + 4D)y = 0.
(h) y (4) + 18y 00 + 81y = 0.
(i) y (n+2) + y (n) = 0.
(j) y (n+1) + y (n) = 0.
(k) y (n+2) = y (n) .
(l) ((D + 1)2 + 4)2 y = 0.

2. Determine uma equação diferencial linear, homogénea e de coeficientes constantes


que admite a seguinte solução particular:

(a) y = 4e2x + 3e−x ;


(b) y = 7 + 2x + 5e3x ;
(c) y = 2x + 5xe3x ;
(d) y = 4 + 2x2 − e−3x ;
(e) y = 4e−x sin 2x;
(f) y = 6xe2x sin 3x;
(g) y = 6 + 3xex cos x;
(h) y = x2 − 5 sin 3x;
3
(i) y = 4
sin x − 14 sin 3x;
(j) y = xe−x sin 2x − 3e−x cos 2x.

3. Utilizando o método do abaixamento de ordem (método de d’Alembert), encontre os


integrais gerais das seguintes equações diferenciais.

(a) y 00 + y = sec x;
(b) y 00 − 4 y 0 + 4 y = e−x .

4. Determine o integral geral da equação diferencial

y 00 + y = cos x

sabendo que x sin


2
x é um integral particular dessa mesma equação .
136 Textos de Apoio de Análise Matemática III

2.5.8 Método do polinómio anulador


O método do polinómio anulador é um método que permite determinar uma solução par-
ticular de determinados tipos de equações diferenciais lineares, de coeficientes constantes
e completas.
Sejam P (D) um polinómio diferencial e y uma função real de variável real. Diz-se que
P (D) é um polinómio anulador para y, ou que P (D) anula y se P (D)y = 0.

Exemplo 2.5.6 Usando indução em n prova-se facilmente que o polinómio diferencial D n


(com n ∈ N) é um polinómio anulador para as n funções 1, x, . . . , xn−1 . Daqui resulta
ainda que, quaisquer que sejam c0 , c1 , . . . , cn−1 ∈ R,
n−1
 X
Dn c0 + c1 x + · · · + cn−1 xn−1 = ck Dn (xk ) = 0 ,
k=0

isto é, para n ∈ N, D n é um polinómio anulador para qualquer função polinomial com grau
inferior ou igual a n − 1.

Como se verá, a proposição seguinte é consideravelmente útil para obter polinómios


anuladores.

Proposição 2.5.6 Sejam P (D) e Q(D) dois polinómios diferenciais tais que P (D) anula
a função y1 e Q(D) anula a função y2 . Então o produto (composição) P (D)Q(D) anula
y1 + y 2 .

Demonstração Usando a propsição 2.5.5, parte 3, obtém-se

P (D)Q(D)(y1 + y2 ) = P (D)Q(D)y1 + P (D)Q(D)y2


= Q(D)[P (D)y1 ] + P (D)[Q(D)y2 ]
= Q(D)0 + P (D)0
= 0.

Exemplo 2.5.7 Vimos anteriormente xex é solução da equação (D − 1)2 y = 0. Mas


isto significa precisamente que (D − 1)2 é um polinómio anulador para xex . Do exemplo
anterior sabemos que D 4 anula x3 − x2 . Usando a proposição anterior podemos dizer que
D4 (D − 1)2 = D6 − 2D5 + D4 anula xex + x3 − x2 .

Na proposição seguinte estão resumidos alguns resultados que foram obtidos anterior-
mente.

Proposição 2.5.7

1. Para n ∈ N, o operador diferencial D n anula cada uma das funções

1, x, . . . , xn−1 ;
Cristina Caldeira 137

2. Para n ∈ N e a ∈ R o operador diferencial (D − a)n anula cada uma das funções


eax , x eax , . . . , xn−1 eax ;

3. Para n ∈ N e α, β ∈ R o operador diferencial [(D − α)2 + β 2 ]n anula cada uma das


funções
eαx cos(βx), x eαx cos(βx), . . . , xn−1 eαx cos(βx) ;
eαx sin(βx), x eαx sin(βx), . . . , xn−1 eαx sin(βx) .

Vejamos então em que consiste o método do polinómio anulador.


Considere-se a equação diferencial linear de coeficientes constantes e completa
an y (n) + an−1 y (n−1) + · · · + a1 y + a0 = g(x) , x∈I, (2.46)
onde an 6= 0. O polinómio diferencial caracterı́stico de (2.46) é
P (D) = an Dn + an−1 Dn−1 + · · · + a1 D + a0
e (2.46) pode ser escrita na forma
P (D)y = g(x) , x∈I.
Suponha-se que g(x) é de uma das formas
• g(x) é um polinómio em x;

• g(x) = xk eax , com k ∈ N0 e a ∈ R;

• g(x) = xk eαx cos(βx), com k ∈ N0 e α, β ∈ R;

• g(x) = xk eαx sin(βx), com k ∈ N0 e α, β ∈ R;

• g(x) é uma combinação linear de funções de uma das formas anteriores.


Usando as duas proposições anteriores é possı́vel determinar um polinómio anulador para
g(x), que designaremos por Q(D).
Seja yp uma solução particular de (2.46).
P (D)yp = g(x) , x ∈ I ⇒ Q(D)P (D)yp = Q(D)g(x) , x∈I
⇒ Q(D)P (D)yp = 0 , x∈I.
Assim, se yp é uma solução particular de (2.46) então yp é uma solução particular da
equação diferencial linear homogénea de coeficientes constantes
Q(D)P (D)y = 0 , x∈I. (2.47)
Mas o resultado recı́proco é falso. Nem toda a solução de (2.47) é solução de (2.46).
Suponha-se que {ŷ1 , ŷ2 , . . . , ŷk } é um sistema fundamental de soluções da equação au-
xiliar (2.47). Então yp é combinação linear de ŷ1 , ŷ2 , . . . , ŷk . O passo seguinte do método
do polinómio anulador consiste em procurar constantes Ĉ1 , Ĉ2 , . . . , Ĉk ∈ R tais que
 
P (D) Ĉ1 ŷ1 + Ĉ2 ŷ2 + · · · + Ĉk ŷk = g(x) , x ∈ I .
138 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Exemplo 2.5.8 Determinemos o integral geral de

3y 00 − 9y 0 + 6y = 3e2x + 1 , x ∈ R. (2.48)

Atendendo à proposição 2.5.4, conclui-se que o integral geral desta equação é a soma de
uma sua qualquer solução particular com o integral geral da equação homogénea associada,

3y 00 − 9y 0 + 6y = 0 , x ∈ R.

Comecemos por determinar o integral geral da equação homogénea associada a (2.48).


O seu polinómio caracterı́stico é P (λ) = 3λ2 − 9λ + 6. Usando a fórmula resolvente para
equações do segundo grau obtém-se

9 ± 81 − 72
P (λ) = 0 ⇔ λ =
6
⇔ λ = 2 ∨ λ = 1.

Assim P (λ) = 3(λ − 1)(λ − 2) e o integral geral da equação homogénea associada a (2.48)

yH = C1 ex + C2 e2x , C1 , C2 ∈ R .
Determinemos agora uma solução particular, yp , de (2.48) usando o método do polinómio
anulador.
O polinómio diferencial Q1 (D) = D − 2 anula 3e2x e Q2 (D) = D anula 1. Então
(proposição 2.5.6) o polinómio diferencial Q(D) = D(D − 2) anula 3e2x + 1.
Seja P (D) = 3(D − 1)(D − 2).

P (D)yp = 3e2x + 1 ⇒ Q(D)P (D)yp = 0


⇒ 3D(D − 1)(D − 2)2 yp = 0 .

A equação homogénea auxiliar que temos de resolver é

3D(D − 1)(D − 2)2 y = 0 , x ∈ R.

O conjunto 
1, ex , e2x , xe2x
é um sistema fundamental de soluções desta equação homogénea. Assim, existem
Ĉ1 , Ĉ2 , Ĉ3 , Ĉ4 ∈ R tais que

yp = Ĉ1 + Ĉ2 ex + Ĉ3 e2x + Ĉ4 xe2x .

 
P (D) Ĉ1 + Ĉ2 ex + Ĉ3 e2x + Ĉ4 xe2x = 3e2x + 1
   
⇔ P (D) Ĉ2 ex + Ĉ3 e2x + P (D) Ĉ1 + Ĉ4 x e2x = 3e2x + 1
 
⇔ 0 + 3(D − 1)(D − 2) Ĉ1 + Ĉ4 xe2x = 3e2x + 1
 
⇔ (3D2 − 9D + 6) Ĉ1 + Ĉ4 xe2x = 3e2x + 1 . (2.49)
Cristina Caldeira 139

Uma vez que



D xe2x = e2x + 2xe2x
= e2x (1 + 2x)

e
 
D2 xe2x = D e2x (1 + 2x)
= 2e2x (1 + 2x) + 2e2x
= 4e2x (1 + x) ,

de (2.49) obtém-se

6Ĉ1 + 12Ĉ4 e2x (1 + x) − 9Ĉ4 e2x (1 + 2x) + 6Ĉ4 xe2x = 3e2x + 1


⇔ 6Ĉ1 + 3Ĉ4 e2x = 3e2x + 1
⇔ (6Ĉ1 − 1)1 + (3Ĉ4 − 3)e2x = 0 .

Uma vez que 1, e2x são linearmente independentes em R terá de ser


 
6Ĉ1 − 1 = 0 Ĉ1 = 1/6
⇔ .
3Ĉ4 − 3 = 0 Ĉ4 = 1

Observe-se que Ĉ2 e Ĉ3 podem ser quaisquer. Para simplificar faça-se Ĉ2 = Ĉ3 = 0. Então
obtém-se a solução particular de (2.48),
1
yp = + xe2x
6
e o integral geral de (2.48) é
1
yC = + xe2x + C1 ex + C2 e2x , C1 , C2 ∈ R .
6

2.5.9 Exercı́cios
1. Usando o método do polinómio anulador, integre as seguintes equações diferenciais
lineares completas de coeficientes constantes.

(a) y 00 − 9 y = e3x ;
(b) y 000 − 4 y 00 + 5 y 0 − 2 y = 2x + 3;
(c) y 00 − y 0 − 6 y = e3x sin 2x;
(d) y 00 + 4 y = sin2 2x;
(e) y 000 − y 0 = 3(2 − x2 );
(f) y 00 − y = 3e2x cos x;
(g) y 00 + y = xex + 2e−x .
140 Textos de Apoio de Análise Matemática III

2. Determine a solução geral da equação y 000 + 4 y 0 = cos x .


2
Sabendo que ex é uma solução particular da equação y 000 + 4 y 0 = f (x), determine:

(a) o integral geral de y 000 + 4 y 0 = 2 f (x) − 3 cos x;

(b) a função f (x).

2.5.10 Exemplo de aplicação das equações diferenciais lineares


de ordem dois e coeficientes constantes
Movimento harmónico simples

Suponha-se que uma mola flexı́vel está pendurada verticalmente num suporte rı́gido e que
na extermidade livre da mola se pendura uma massa m. Esta massa vai provocar um
movimento vibratório da mola até ser atingida uma posição de equilı́brio. Designe-se por
L o alongamento da mola na posição de equilı́brio, isto é, L é o comprimento da mola na
posição de equilı́brio menos o comprimento original da mola.

m
Mola sem Posição de
massa de equilı́brio

Fig. 2.5.1

Para construir um referencial relativamente ao qual será descrito o movimento da massa


supomos que a massa está concentrada num ponto material e consideramos um eixo vertical,
OX, em que O coincide com o ponto material na posição de equilı́brio e o semi-eixo positivo
ȮX aponta para baixo. Assim, consideramos deslocamentos positivos os efectuados para
baixo da posição de equilı́brio e negativos os feitos para cima da posição de equilı́brio. Seja
x(t) a posição do ponto material no instante t, referenciada no eixo OX.
Cristina Caldeira 141

x(t)<0
m x(t)=0
O O
m x(t)>0

X X
Posição de Massa numa
de equilı́brio posição com x(t) > 0

Fig. 2.5.2

O alongamento da mola no instante t é o comprimento da mola no instante t menos


o comprimento original da mola. Facilmente se verifica que o alongamento da mola no
instante t é x(t) + L, tanto se x(t) ≥ 0 como se x(t) < 0. Este alongamento é positivo ou
negativo consoante a mola está esticada ou encolhida. De acordo com a lei de Hooke, no
instante t, a mola exerce na massa uma força, F~ (t), que tem a direcção vertical (direcção
coincidente com a direcção do alongamento), sentido contrário ao do alongamento e cuja
norma é, em cada instante, proporcional ao alongamento sofrido pela mola nesse instante.
Isto é, F~ (t) = −k(x(t) + L) ı̂, onde a constante de proporcionalidade, k > 0, é designada
por constante da mola e ı̂ representa o vector de norma um com a direcção e o sentido do
semi-eixo ȮX.
A posição de equilı́brio é atingida quando a força exercida pela mola e o peso P~ = mg ı̂,
(onde g = 9.8 ms−2 é a aceleração da gravidade) se anulam, isto é, quando F~ (t) = −P~ .


F(t)
m

P
Posição de equilı́brio

Fig. 2.5.3
142 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Uma vez que, na posição de equilı́brio, se tem x(t) = 0, a condição de equilı́brio é mg = kL.
Assim, conhecendo o alongamento da mola na posição de equilı́brio, L, e a massa, m, pode
obter-se a constante da mola, k.
Suponha-se agora que a massa é deslocada verticalmente a partir da posição de equilı́brio
e depois libertada com velocidade inicial v0 . Seja x0 = x(0) a posição ocupada pela massa
(ponto material) no instante inicial (instante em que é libertada). Assim x 0 > 0 ou x0 < 0
consoante a massa é libertada de uma posição abaixo ou acima da posição de equilı́brio.
Pela lei de Newton a força total a actuar na massa no instante t é mx00 (t) ı̂. Supondo
que se trata de um movimento livre, por exemplo no vácuo, as forças que actuam na massa
no instante t são a força exercida pela mola, F~ (t) = −k(x(t) + L) ı̂, e o peso, P~ = mg ı̂.
Deve assim ter-se que mx00 (t) = −k(x(t)+L)+mg. Da condição de equilı́brio, kL = mg,
resulta que mx00 (t) + kx(t) = 0. Obtém-se assim a equação diferencial linear de ordem 2 e
coeficientes constantes,
k
x00 (t) + x(t) = 0 , t > 0 .
m
Então a solução do problema de valor inicial
 00 k
 x (t) + m x(t) = 0 , t > 0
x(0) = x0 (2.50)
 0
x (0) = v0
descreve completamente
p o movimento vibratório da massa.
Seja ω = k/m e resolva-se o problema anterior. A equação diferencial assume a forma
x00 (t) + ω 2 x(t) = 0 ⇔ (D 2 + ω 2 )x(t) = 0 .
Assim, o seu integral geral é
x(t) = C1 cos(ωt) + C2 sin(ωt) , C 1 , C2 ∈ R .
Considerando as condições de valor inicial obtém-se C1 = x0 e C2 = v0 /ω e portanto a
solução do problema de valor inicial (2.50) é
v0
x(t) = x0 cos(ωt) + sin(ωt) , t > 0 . (2.51)
ω
Observe-se que esta função é periódica de perı́odo 2π/ω. A T = 2π ω
chama-se o perı́odo
do movimento e a ω (medido em radianos por unidade de tempo) chama-se a frequência
circular do movimento. A amplitude do movimento é o afastamento máximo da massa,
em relação à posição de equilı́brio, atingido durante o movimento.
Se quisermos calcular a amplitude do movimento temos de obter os extremos de x(t).
É por isso por vezes vantajoso dar outra forma à solução x(t). Suponha-se que v0 6= 0.
Procuremos A e φ tais que x(t) = A sin(ωt + φ). Então
v0
x0 cos(ωt) + sin(ωt) = A sin(ωt + φ)
ω
v0
⇔ x0 cos(ωt) + sin(ωt) = A sin(ωt) cos φ + A cos(ωt) sin φ
 ω
A sin φ = x0
⇔ .
A cos φ = vω0
Cristina Caldeira 143

Assim
x0 ω v02
tg φ = e A2 = x20 + ,
v0 ω2
concluindo-se que  
x0 ω i π πh
φ = arctg ∈ − ,
v0 2 2
e  r

 v2
 x20 + 0 se v0 > 0
A= r ω2 .
 2
 − x20 + v0

se v0 < 0
ω2
A amplitude do movimento é
r
v02
|A| = x20 + .
ω2
Exemplo 2.5.9 Uma massa pesando 5 N provoca um alongamento de 5 cm numa mola.
Suponha-se que a massa é deslocada 5 cm na direcção positiva e libertada com uma veloci-
dade inicial, para cima, de 0, 3 m/s. Determinemos a posição da massa em cada instante,
o perı́odo e a amplitude do movimento.
Comecemos por usar a condição de equilı́brio para determinar a constante da mola. O
peso da massa é 5 N e o alongamento da mola é L = 0, 05 m. Assim 0, 05k = 5 e portanto
k = 100 N/m. Por outro lado, a massa é m = 5/9, 8 Kg. Designe-se por x(t) o afastamento
da massa à posição de equilı́brio no instante t.

5 00
x (t) + 100x(t) = 0 ⇔ x00 (t) + 196x(t) = 0 ⇔ (D 2 + 142 )x(t) = 0 .
9, 8
Então existem C1 , C2 ∈ R tais que

x(t) = C1 cos(14t) + C2 sin(14t) .

Da condição inicial x(0) = 0, 05 conclui-se que C1 = 0, 05. Por outro lado,

x0 (t) = −14C1 sin(14t) + 14C2 cos(14t)

e de x0 (0) = −0, 3 obtém-se que C2 = −3/140.


Assim o afastamento da massa à posição de equilı́brio no instante t (em segundos), é
dado (em metros) por
3
x(t) = 0, 05 cos(14t) − sin(14t) .
140
O perı́odo do movimento é T = 2π 14
= π7 segundos.
Calculemos agora a amplitude do movimento.
3
A sin(14t + φ) = 0, 05 cos(14t) − sin(14t)
140
3
⇔ A sin φ cos(14t) + A cos φ sin(14t) = 0, 05 cos(14t) − sin(14t)
140
144 Textos de Apoio de Análise Matemática III

A sin φ = 0, 05
⇔ 3
A cos φ = − 140
9
⇒ A2 = (0, 05)2 + .
1402
A amplitude do movimento é
r
9
|A| = (0, 05)2 + ≈ 0, 0543983 m .
1402
O movimento harmónico simples é algo irrealı́stico pois, de acordo com a solução en-
contrada, uma vez a massa posta em movimento ela nunca mais parará.

Movimento harmónico amortecido


Neste caso é assumido que há forças amortecedoras, como por exemplo a resistência do
meio em que se desloca a massa. Supondo que a força amortecedora total é proporcional
à velocidade instantânea da massa obtém-se a equação

mx00 (t) = −βx0 (t) − kx(t) , t > 0,

onde β > 0 é a constante de amortecimento. Ou seja,

mx00 (t) + βx0 (t) + kx(t) = 0 , t > 0. (2.52)


O polinómio caracterı́stico desta equação é mλ2 + βλ + k, cujas raı́zes são
p p
−β + β 2 − 4km −β − β 2 − 4km
λ1 = e λ2 = .
2m 2m
Assim há três tipos possı́veis de soluções, consoante β 2 −4km seja positivo, nulo ou negativo.
Se β 2 − 4km > 0 as raı́zes λ1 e λ2 são reais e distintas e a solução é da forma

x(t) = C1 eλ1 t + C2 eλ2 t , C1 , C2 ∈ R .

Se β 2 − 4km = 0 tem-se λ1 = λ2 ∈ R e a solução é da forma

x(t) = C1 eλ1 t + C2 teλ1 t , C1 , C2 ∈ R .

Se β 2 − 4km < 0 as raı́zes λ1 e λ2 são complexas conjugadas e a solução é da forma


p ! p !
4km − β 2 4km − β 2
x(t) = C1 e−β/(2m)t cos t + C2 e−β/(2m)t sin t , C1 , C2 ∈ R .
2m 2m

Exemplo 2.5.10 Uma massa com um peso de 2 N provoca um alongamento de 0, 2 m


numa mola. A massa é deslocada a partir da posição de equilı́brio com uma velocidade
inicial, no sentido negativo, de 0, 5 m/s. Supondo que actua na massa uma força de amor-
tecimento numericamente igual a dez vezes a velocidade instantânea da massa, determinar
o afastamento da massa em relação à posição de equilı́brio, em cada instante.
Cristina Caldeira 145

Pretendemos resolver o problema de valor inicial



 mx00 (t) + 10x0 (t) + kx(t) = 0 , t>0
x(0) = 0 , (2.53)
 0
x (0) = −0, 5

onde k é a constante da mola e m a massa. Usando a lei de Hooke, 0, 2k = 2 logo


k = 10 N m−1 . Por outro lado, m = 2/9, 8 = 1/4, 9 Kg. Tem-se então a equação

1 00
x (t) + 10x0 (t) + 10x(t) = 0 ⇔ x00 (t) + 49x0 (t) + 49x(t) = 0 .
4, 9

O polinómio caracterı́stico desta equação é λ2 +49λ+49 e as suas raı́zes são −24, 5±10, 5 5,
isto é, aproximadamente −1, 021 e −47, 98. Assim

x(t) = C1 e−1,021t + C2 e−47,98t , C1 , C2 , ∈ R .

Usando as condições de valor inicial obtém-se que C1 + C2 = x(0) = 0 e −1, 021C1 −


47, 98C2 = x0 (0) = −0, 5. Então C1 ≈ −0, 011 e C2 ≈ 0, 011.

Movimento harmónico forçado


Neste caso além de existir, eventualmente, amortecimento há uma força externa, vertical,
a actuar no sistema “mola-massa”.
Suponha-se que o valor numérico dessa força é, em cada instante f (t) (f (t) > 0 ou
f (t) < 0 consoante a força externa aponta para baixo ou para cima). Assim, o problema
de valor inicial cuja solução descreve o movimento vibratório da massa é do tipo

 mx00 (t) + βx0 (t) + kx(t) = f (t) , t > 0
x(0) = x0 ,
 0
x (0) = v0

onde β = 0 se não houver amortecimento e β > 0 se houver amortecimento.

2.5.11 Exercı́cios
1. Uma massa de 2 Kg provoca um alongamento de 10 cm numa mola. Suponha-se que
a massa é puxada para baixo mais 5 cm e depois libertada, com velocidade inicial
nula. Supondo que não há resistência do ar determine a posição da massa em cada
instante t, o perı́odo e a amplitude do movimento.

2. Uma massa de 100 g provoca um alongamento de 5 cm numa mola. A massa é posta


em movimento a partir da sua posição de equilı́brio com uma velocidade inicial, no
sentido positivo, de 10 cm/s. Desprezando a resistência do ar determine a posição
da massa em cada instante t. Em que instantes é que a massa passa pela sua posição
de equilı́brio?
146 Textos de Apoio de Análise Matemática III

3. Uma massa pesando 3 N provoca um alongamento de 6 cm numa mola. Suponha-se


que a massa é empurrada para cima numa distância de 1 cm e é então colocada em
movimento com uma velocidade inicial, no sentido positivo, de 1 m/s. Desprezando
a resistência do ar determine o perı́odo e a amplitude do movimento.

4. O movimento de um certo sistema mola-massa é governado pela equação


5
x00 (t) + x0 (t) + x(t) = 0 , t > 0,
2
onde t está medido em segundos e x em metros. Supondo que x(0) = 0 e x0 (0) =

3/2, determine a posição da massa em qualquer instante t. Determine ainda qual
o instante em que a massa, após ser colocada em movimento, volta a passar pela sua
posição de equilı́brio, pela primeira vez.

5. Uma massa de 4 Kg está presa a uma mola cuja constante vale 2 N/m. O meio
onde o sistema está colocado oferece uma resistência ao movimento da massa que
é numericamente igual a quatro vezes a velocidade instantânea da massa. Suponha
que a massa é libertada do seu ponto de equilı́brio com uma velocidade inicial, no
sentido positivo, de 2 m/s.

(a) Determine a posição da massa em cada instante.


(b) Em que instante a massa atinge a posição mais afastada da sua posição equilı́brio
e qual é a sua posição nesse instante?
(c) Supondo desprezáveis vibrações de amplitude inferior a 0, 1 mm, quanto tempo
demora a massa a imobilizar-se?

6. Uma massa pesando 2 N provoca um alongamento de 4 cm numa mola. Suponha-se


que a massa é deslocada 5 cm no sentido positivo e libertada sem velocidade inicial.
Suponha-se ainda que o sistema se move num meio que oferece uma resistência ao
movimento da massa que é numericamente igual a 3 vezes a velocidade instantânea
da massa e que uma força externa, vertical e apontando para baixo, de 2 sin t N actua
na massa. Formule o problema de valor inicial cuja solução descreve o movimento da
massa.

2.5.12 Equações de Euler


Uma equação diferencial de Euler é uma equação diferencial linear da forma
n n−1
ndy n−1 d y dy
x n
+ an−1 x n−1
+ · · · + a1 x + a0 y = g(x) , x∈I, (2.54)
dx dx dx
onde a0 , a1 , . . . , an−1 são constantes reais, g é uma função contı́nua em I e I ⊆]0, +∞[ ou
I ⊆] − ∞, 0[.
Uma equação de Euler pode ser transformada numa equação diferencial linear de coe-
ficientes constantes efectuando uma mudança da variável independente adequada.
Cristina Caldeira 147

Se I ⊆]0, +∞[ faz-se a mudança de variável x = et . Se I ⊆] − ∞, 0[ faz-se a mudança


de variável x = −et .
Suponha-se que I ⊆]0, +∞[ e faça-se a mudança de variável x = et ⇔ t = ln x em
(2.54).
Precisamos de saber como são as derivadas de y em ordem a x em função das derivadas
de y em ordem a t. Usando a regra da cadeia obtém-se

dy dy dt dy 1
= =
dx dt dx dt x
e
 
d2 y d dy 1
=
dx2 dx dt x
   
d dy 1 dy −1
= +
dx dt x dt x2
 
d dy dt 1 dy 1
= −
dt dt dx x dt x2
2
dy 1 dy 1
= 2 2
− .
dt x dt x2
Destas igualdades conclui-se então que

dy dy
x =
dx dt
e
2
2d
y d2 y dy
x = 2 − .
dx2 dt dt

Lema 2.5.6 Para k ∈ N, existem números reais bk,i , i = 1, . . . , k − 1 tais que

k−1
kdy dk y X
k
di y
x = k + bk,i i .
dxk dt i=1
dt

Demonstração A demonstração é feita por indução em k. Para k = 1 já vimos que o


resultado é verdadeiro. Suponha-se que k ≥ 1 e que

k−1
kdy k
dk y X di y
x = + b k,i ,
dxk dtk i=1
dti

com bk,i ∈ R, i = 1, . . . , k − 1. Então

k−1
dk y 1 dk y X 1 di y
= + b k,i k
dxk xk dtk i=1
x dti
148 Textos de Apoio de Análise Matemática III

e portanto
  k−1
X  
dk+1 y d 1 dk y d 1 di y
= + bk,i
dxk+1 dx xk dtk i=1
dx xk dti
k−1  
−kx k−1
d y 1 dk+1 y dt X
k
−kxk−1 di y 1 di+1 y dt
= + k k+1 + bk,i + k i+1
x2k dtk x dt dx i=1 x2k dti x dt dx
k−1  
−k dk y 1 dk+1 y 1 X −k di y 1 di+1 y 1
= k+1 k + k k+1 + bk,i + .
x dt x dt x i=1 xk+1 dti xk dti+1 x
Assim
k−1 k−1
k+1 dk+1 y dk y dk+1 y X di y X di+1 y
x = −k + + (−k)b k,i + b k,i
dxk+1 dtk dtk+1 i=1
dti i=1
dti+1
k−1 k
dk y dk+1 y X di y X di y
= −k k + k+1 + (−k)bk,i i + bk,i−1 i
dt dt i=1
dt i=2
dt
k−1
dk+1 y dk y X di y dy
= k+1
− k k
+ (−kb k,i + b k,i−1 ) i
− kbk,1
dt dt i=2
dt dt
k
dk+1 y X di y
= + b k+1,i ,
dtk+1 i=1
dt i

onde 
 −kbk,1 se i=1
bk+1,i = bk,i−1 − kbk,i se 2≤i≤k−1 , i = 1, . . . , k .

−k se i=k
Para i = 1, . . . , k, bk+1,i ∈ R, ficando assim provado o lema.

Usemos este lema para fazer a mudança de variável x = et ⇔ t = ln x em (2.54).

n−1
ndn y X k
k d y
x + a k x + a0 y = g(x)
dxn k=1 dxk
n−1 n−1 k−1
!
dn y X di y X dk y X di y
⇔ + b n,i + ak + b k,i + a0 y = g(et )
dtn i=1
dt i
k=1
dtk i=1
dti
n−1 n−1 n−1 k−1
dn y X di y X dk y X X di y
⇔ n
+ b n,i i
+ a k k
+ a k b k,i i
+ a0 y = g(et )
dt i=1
dt k=1
dt k=1 i=1
dt
n−1 n−2 n−1
!
dn y X di y X X di y
⇔ + (b n,i + a i ) + a k b k,i + a0 y = g(et )
dtn i=1
dt i
i=1 k=i+1
dt i

n−2 n−1
!
dn y dn−1 y X X di y
⇔ + (b n,n−1 + a n−1 ) + b n,i + a i + a b
k k,i
dtn dtn−1 i=1 k=i+1
dti
+ a0 y = g(et ) ,
Cristina Caldeira 149

e esta última equação é uma equação diferencial linear de coeficientes constantes.


Vejamos um exemplo.

Exemplo 2.5.11 Determinemos o integral geral da equação diferencial


3 2
3d y 2d y dy
x 3
+ 2x 2
+ x − y = ln(x2 ) , x > 0. (2.55)
dx dx dx
Faça-se a mudança de variável x = et ⇔ t = ln x em (2.55).
Já vimos que
dy dy dt dy 1
= =
dx dt dx dt x
e
d2 y d2 y 1 dy 1
2
= 2 2
− .
dx dt x dt x2
Então
 
d3 y d d2 y 1 dy 1
= −
dx3 dx dt2 x2 dt x2
   
d3 y dt 1 d2 y −2 d2 y dt 1 dy −2
= + 2 − 2 −
dt3 dx x2 dt x3 dt dx x2 dt x3
d3 y 1 d2 y 1 dy 1
= 3 3
− 3 2 3
+2 .
dt x dt x dt x3
Destas igualdades conclui-se então que
dy dy
x = ,
dx dt
d2 y d2 y dy
x2 = −
dx2 dt2 dt
e
d3 y d3 y d2 y dy
x3 = − 3 + 2 .
dx3 dt3 dt2 dt
Substituindo na equação (2.55) obtém-se

d3 y d2 y dy
− 2 + − y = 2t , t ∈ R. (2.56)
dt3 dt dt
A equação (2.56) é uma equação diferencial linear de coeficientes constantes. O polinómio
caracterı́stico da equação homogénea associada é

P (λ) = λ3 − λ2 + λ − 1 = (λ − 1)(λ2 + 1) = (λ − 1)(λ − i)(λ + i) .

Assim o conjunto {et , cos t, sin t} é um sistema fundamental de soluções da equação ho-
mogénea associada a (2.56). Determinemos uma solução particular de (2.56), yp (t), usando
o método do polinómio anulador.
O polinómio Q(D) = D 2 anula 2t.
150 Textos de Apoio de Análise Matemática III

P (D)yp = 2t
⇒ Q(D)P (D)yp = Q(D)2t
⇒ D2 (D − 1)(D 2 + 1)yp = 0 .

Então existem Ĉ1 , Ĉ2 , Ĉ3 , Ĉ4 , Ĉ5 ∈ R tais que

yp = Ĉ1 + Ĉ2 t + Ĉ3 et + Ĉ4 cos t + Ĉ5 sin t .

P (D)yp = 2t
⇔ (D − 1)(D 2 + 1)(Ĉ1 + Ĉ2 t + Ĉ3 et + Ĉ4 cos t + Ĉ5 sin t) = 2t
⇔ (D − 1)(D 2 + 1)(Ĉ3 et + Ĉ4 cos t + Ĉ5 sin t) + (D − 1)(D 2 + 1)(Ĉ1 + Ĉ2 t) = 2t
⇔ 0 + (D − 1)(Ĉ1 + Ĉ2 t) = 2t
⇔ Ĉ2 − Ĉ1 − Ĉ2 t = 2t
⇔ (Ĉ2 − Ĉ1 )1 + (−Ĉ2 − 2)t = 0 .

Uma vez que 1, t são linearmente independentes conclui-se que


 
Ĉ2 − Ĉ1 = 0 Ĉ1 = −2
⇔ .
−Ĉ2 − 2 = 0 Ĉ2 = −2

As constantes Ĉ3 , Ĉ4 e Ĉ5 podem ser quaisquer por isso podemos fazê-las iguais a zero,
obtendo-se yp (t) = −2 − 2t. Assim o integral geral de (2.56) é

y(t) = −2 − 2t + C1 et + C2 cos t + C3 sin t , C 1 , C2 , C3 ∈ R

e portanto o integral geral de (2.55) é

y(x) = −2 − 2 ln x + C1 x + C2 cos(ln x) + C3 sin(ln x) , x > 0, C 1 , C2 , C3 ∈ R .

2.5.13 Exercı́cios
1. Determine a solução geral das seguintes equações de Euler:

(a) x3 y 000 + x2 y 00 − 2x y 0 + 2y = x3 , x > 0;


(b) x3 y 000 − x2 y 00 + 2x y 0 − 2y = 0 , x > 0;
1
(c) x2 y 00 − 4x y 0 + 6y = , x < 0.
x
Cristina Caldeira 151

2.5.14 Método de Lagrange


Considere-se uma equação diferencial linear completa na forma canónica,

y (n) + an−1 (x)y (n−1) + · · · + a1 (x)y 0 + a0 (x)y = g(x) , x∈I, (2.57)

onde I é um intervalo real e a0 , a1 , . . . , an−1 e g são funções contı́nuas em I. O método de La-


grange ou método de variação das constantes arbitrárias permite determinar uma solução
particular de (2.57) a partir do conhecimento de um sistema fundamental de soluções da
equação homogénea que lhe está associada ,

y (n) + an−1 (x)y (n−1) + · · · + a1 (x)y 0 + a0 (x)y = 0 , x∈I. (2.58)

Tem-se o resultado

Proposição 2.5.8 Seja {y1 , y2 , . . . , yn } um sistema fundamental de soluções de (2.58).


Sejam c1 (x), c2 (x), . . . , cn (x) funções deriváveis em I e verificando
 0

 c1 (x)y1 (x) + c02 (x)y2 (x) + · · · + c0n (x)yn (x) = 0
 c0 (x)y 0 (x) + c0 (x)y 0 (x) + · · · + c0 (x)y 0 (x) = 0


 1 1 2 2 n n
..
. , ∀x ∈ I . (2.59)

 (n−2) (n−2) (n−2)


0
c (x)y1 0
(x) + c2 (x)y2 0
(x) + · · · + cn (x)yn (x) = 0

 01 (n−1) (n−1) (n−1)
0 0
c1 (x)y1 (x) + c2 (x)y2 (x) + · · · + cn (x)yn (x) = g(x)
Então a função yp definida por

yp (x) = c1 (x)y1 (x) + c2 (x)y2 (x) + · · · + cn (x)yn (x) , ∀x ∈ I

é uma solução, em I, de (2.57).

Demonstração Para mostrar que yp é solução de (2.57) temos de calcular as suas derivadas
até à ordem n.

n
!
d X
yp0 (x) = ci (x)yi (x)
dx i=1
n
X n
X
= c0i (x)yi (x) + ci (x)yi0 (x) .
i=1 i=1

Usando a primeira equação do sistema (2.59) conclui-se que o primeiro somatório da última
igualdade é zero e portanto
n
X
0
yp (x) = ci (x)yi0 (x) .
i=1

Por indução em k vamos mostrar que, para k = 1, . . . , n − 1,


n
X (k)
yp(k) (x) = ci (x)yi (x) .
i=1
152 Textos de Apoio de Análise Matemática III

Para k = 1 já está verificado. Suponha-se que 1 ≤ k ≤ n − 2 e que


n
X (k)
yp(k) (x) = ci (x)yi (x) .
i=1

Então
n
!
d X (k)
yp(k+1) (x) = ci (x)yi (x)
dx i=1
n
X n
X
(k) (k+1)
= c0i (x)yi (x) + ci (x)yi (x) .
i=1 i=1

Da equação k + 1 do sistema (2.59) conclui-se que o primeiro somatório da última


igualdade é zero e portanto
n
X (k+1)
yp(k+1) (x) = ci (x)yi (x) .
i=1

Calculemos agora a derivada de ordem n de yp .


n
!
d X (n−1)
yp(n) (x) = ci (x)yi (x)
dx i=1
n
X n
X
(n−1) (n)
= c0i (x)yi (x) + ci (x)yi (x) .
i=1 i=1

Da última equação do sistema (2.59) verifica-se que o primeiro somatório da última igual-
dade é igual a g(x), para todo o x ∈ I e portanto
n
X (n)
yp(n) (x) = g(x) + ci (x)yi (x) .
i=1

Assim
n−1 n n−1 n
!
X X (n)
X X (k)
yp(n) (x) + ak (x)yp(k) (x) = g(x) + ci (x)yi (x) + ak (x) ci (x)yi (x)
k=0 i=1 k=0 i=1
n
" n−1
#
X (n)
X (k)
= g(x) + ci (x) yi (x) + ak (x)yi (x) .
i=1 k=0

Uma vez que y1 , y2 , . . . , yn são soluções de (2.58), para i = 1, 2, . . . , n,


n−1
X
(n) (k)
yi (x) + ak (x)yi (x) = 0 ,
k=0

obtendo-se
n−1
X
yp(n) (x) + ak (x)yp(k) (x) = g(x) .
k=0
Cristina Caldeira 153

O método de Lagrange consiste então em resolver o sistema (2.59), para todo o x ∈ I.


Observe-se que, para cada x ∈ I, fixo, (2.59) é um sistema de n equações nas n incógnitas
c01 (x), . . . , c0n (x). O determinante da matriz dos coeficientes é W (y1 , . . . , yn )(x) 6= 0 e
portanto este sistema é possı́vel e determinado.
Após resolver-se (2.59), para todo o x ∈ I, obtêm-se as funções c01 (x), . . . , c0n (x). A fim
de calcular yp é ainda necessário primitivar estas n funções para se obter c1 (x), . . . , cn (x).
Exemplo 2.5.12 Determinemos a solução geral da equação diferencial
e2x i πh
00 0
y − 4y + 5y = , x ∈ 0, . (2.60)
cos x 2
O polinómio caracterı́stico da equação homogénea associada a (2.60) é λ2 − 4λ + 5 e
tem por raı́zes 2 ± i. Assim as funções y1 = e2x cos x e y2 = e2x sin x constituem um sistema
fundamental de soluções da equação homogénea associada a (2.60).
Não podemos usar o método do polinómio anulador para determinar uma solução par-
e2x
ticular de (2.60), uma vez que não conhecemos um polinómio diferencial que anule .
cos x
Usemos o método de Lagrange. Para tal precisamos de calcular as derivadas de y1 e y2 .
y10 (x) = 2e2x cos x − e2x sin x = e2x (2 cos x − sin x) .

y20 (x) = 2e2x sin x + e2x cos x = e2x (2 sin x + cos x) .


Para cada x ∈] − π/2, π/2[ temos de resolver o sistema

 c01 (x)e2x cos x + c02 (x)e2x sin x = 0
e2x .
 c01 (x)e2x (2 cos x − sin x) + c02 (x)e2x (2 sin x + cos x) =
cos x
Na forma matricial temos o sistema
   
e2x cos x e2x sin x  0  0
  c10 (x) =  e2x  .
c2 (x)
e2x (2 cos x − sin x) e2x (2 sin x + cos x) cos x
Usando a Regra de Cramer obtém-se

0 e2x sin x


2x
e 2x

e (2 sin x + cos x)
c01 (x) = cos x
e 2x
cos x e2x sin x


2x
e (2 cos x − sin x) e (2 sin x + cos x)
2x

−e4x tg x
=
e4x cos x(2 sin x + cos x) − e4x sin x(2 cos x − sin x)
−tg x
=
2 sin x cos x + cos2 x − 2 cos x sin x + sin2 x
= −tg x
154 Textos de Apoio de Análise Matemática III

e
e2x cos x 0



2x e2x
e (2 cos x − cos x) e4x
c02 (x) = cos x = = 1.
e4x e4x
Assim Z
c1 (x) = −tg x dx = ln(cos x) + K1 , K1 ∈ R
e
c2 (x) = x + K2 , K2 ∈ R .
Como se procura apenas uma solução particular pode-se escolher K1 = K2 = 0.
A função definida em ] − π/2, π/2[ por

yp (x) = ln(cos x)e2x cos x + xe2x sin x

é uma solução particular de (2.60). Então o integral geral de (2.60) em ] − π/2, π/2[ é

yC = ln(cos x)e2x cos x + xe2x sin x + C1 e2x cos x + C2 e2x sin x , C 1 , C2 ∈ R .

2.5.15 Exercı́cios
1. Utilizando o método da variação das constantes arbitrárias (método de Lagrange), en-
contre os integrais gerais das seguintes equações diferenciais, sabendo que as equações
homogéneas associadas admitem os integrais particulares, yi , indicados.

(a) y 000 − y 0 = 3(2 − x2 );


(b) y 00 − 9 y 0 = e3x ;
(c) x y 00 + y 0 = x2 , com y1 = log x;
(d) y 000 − y 00 − 4 y 0 + 4 y = x2 ;
(e) y 000 − y 00 + 2 y = x + ex ;
(f) 6x2 y 00 − 9x y 0 + 6 y = x, com y 1 = x2 ;
(g) x2 y 00 + x y 0 − y = 2x, com y1 = x e 1;
y2 = x
(h) ex (x − 1) y 00 − xex y 0 + ex y = e2x (x − 1)2 , com y1 = x e y2 = ex .

2. Determine:

(a) Para x > e, funções a0 (x), a1 (x) e f (x) de tal modo que 1 , 1 + x e 1 + log x
sejam integrais particulares de

y 00 + a0 (x) y 0 + a1 (x) y = f (x) ;

(b) O integral geral da equação diferencial obtida na alı́nea anterior, justificando


convenientemente.
Cristina Caldeira 155

3. Sabendo que a equação diferencial

x2 y 00 + x y 0 − y = 8x3
1 , determine o seu integral geral.
admite como soluções particulares x3 e x3 + x

4. Considere a seguinte equação diferencial


2
x x y

0 1 y 0 = (x2 + x − 1) ex . (∗)

1 0 y 00

1
(a) Mostre que ex e ex + são duas soluções particulares de (∗);
x
1
(b) Conclua, a partir da alı́nea anterior, e justificando, que é uma solução partic-
x
ular da equação diferencial homogénea associada a (∗);
 
1
(c) Mostre que x, é um sistema fundamental de soluções para a equação ho-
x
mogénea associada a (∗);
(d) Indique a solução geral de (∗).

5. Considere a equação diferencial

d2 y dy
(1 − x2 ) 2
−x = 0, x ∈]0, 1[ .
dx dx
(a) Classifique-a;
(b) Mude a variável independente de x para t através da relação x = cos t e resolva
a equação obtida. Escreva a solução geral da equação dada.
(c) Resolva a equação dada por outro processo.
156 Textos de Apoio de Análise Matemática III
Bibliografia

[1] Agudo F. R. D., Análise Real - vol. I, Escolar Editora, 1989.

[2] Boyce W. E. and DiPrima R. C., Elementary Differential Equations and Boundary
Value Problems, J. Wiley and Sons, Inc., 1992.

[3] Breda A. A. e Costa, J. N., Cálculo com funções de várias variáveis, McGraw-Hill,
1996.

[4] Marsden J. E., Elementary Classical Analysis, W. H. Freeman, 1974.

[5] Piskounov N., Cálculo Diferencial e Integral - vols. I e II, Lopes da Silva Editora,
1982.

[6] Sowokowski E., Cálculo com Geometria Analı́tica - vol.2, McGraw-Hill, 1979.

[7] Zill D. G., A First Course in Differential Equations with Applications, 4th Edition,
PWS-Kent Publishing Company, 1989.

157

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