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Os Mais Pobres

e a Pandemia
Contos e Crônicas da rua
durante o Vírus.
Los Más Pobres
y La Pandemia
Cuentos y
Crónicas de la
calle durante
el Virus
Los Más Pobres
y La Pandemia
Cuentos y Crónicas de la calle
durante el Virus
Os Mais Pobres
e a Pandemia
Contos e
Crônicas da
rua durante
o Vírus.
Expediente
Livro/libro

Los Más Pobres


y La Pandemia
Cuentos y Crónicas de la calle
durante el Virus

Os Mais Pobres
e a Pandemia
Contos e Crônicas da rua
durante o Vírus.
PROJeTO GRáfico e Diagramação
Diseño gráfico y maquetación
Sergio Rossi

Revisão Português
Delise Montenegro

Revisión Español
Agustín Lucas

Traducción Paulo Escobar


La traducción está sujeta al uso del lenguaje
popular.

“Esta obra pode e DEVE ser copiada e difundida


para fins não-comerciais sem autorização
prévia do Autor”
Os Mais Pobres
sumário e a Pandemia
Contos e Crônicas da rua
durante o Vírus.

10 Prefácio - Carlos Henrique Ferreira


14 Apresentação
21 Pandemia Tratada Com Repressão.
25 Aquele Áudio.
29 Água em Tempos de Pandemia.
32 Barba, Tirou a Barba.
36 A Polícia na Pandemia
40 Distanciamento Social “Forçado”
44 Costurando Contra o Vírus.
49 Eles Olham.
53 O Primeiro Passo Foi dos Pobres.
56 Domésticas e a Pandemia.
60 “Normalidade”
64 A Maloca, Medidas Contra a Pandemia.
68 Os Presos.
73 Sentado à Beira do Córrego.
77 Progreso e Villa.
80 Vampeta
84 Teu Olhar Dilacerante.
90 Ele Encontra Deus do Lado de Baixo.
95 Tempos de Dores e Sem Abraços
sumArio Los Más Pobres
y La Pandemia
Cuentos y Crónicas de la calle
durante el Virus

100 Prefacio - Carlos Henrique Ferreira


104 Presentación
111 Pandemia tratada con represión
115 Aquel audio
119 Agua en tiempos de pandemia
122 Barba se sacó la barba
126 La policía y la pandemia
130 Distanciamiento social “forzado”
134 Costurando contra el virus
139 Ellos miran
143 El primer paso fue de los pobres
146 Las empleadas domésticas y la pandemia
150 “Normalidad”
154 Medidas contra la pandemia, la maloca*
158 Los presos
163 Sentado a la orilla del desagüe
167 Progreso y Villa
170 Vampeta
174 Tu mirada dilacerante
180 El encuentra Dios al lado de abajo
185 Tiempos de dolores y sin abrazos
Prefácio

Escrito por Carlos


Henrique Ferreira,
morador de rua do viaduto
Alcântara Machado, pai da
Lavínia e um dos lutadores
históricos da okupa
10 autônoma.
P
aulo significa muito na minha vida.
Aqui em São Paulo, é a pessoa mais
importante, fora a minha filha, uma
pessoa que aprendi muitas coisas. Uma
pessoa que tem uma história de vida
muito louca.
Algumas vezes já falei pra ele, que
dificilmente vai ter uma pessoa pra
acompanhar do lado, pois as pessoas não
conseguem entender a vida que ele leva.
Porque dificilmente vai conseguir olhar pra
essa pessoa em primeiro lugar, teu olhar
sempre vai estar na rua primeiro, é bem difícil
as pessoas entenderem ou suportarem isso,
pois tua vida é a população de rua.
Paulo é muito especial para mim, é meu
irmão.

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Sobre os moradores de rua durante a
pandemia, assim como na cadeia, estão
deixando os caras doentes para outros se
contaminarem, na rua é a mesma fita. Em
relação a crise na pandemia e as mortes dos
moradores de rua, o Estado está batendo
palma pra isso.
Porque vai diminuir a população de rua, vai
diminuir bastante, e mano, a população de rua
não tem para onde correr. Não tem casa, não
tem acesso a banheiro, não tem acesso a porra
nenhuma, como vai se prevenir?
O Estado já tocou o foda-se desde sempre,
mas agora os caras estão até felizes. Pois
acho que a vontade que eles tem de matar a
população de rua, agora não precisam mais
sujar as mãos, agora é o vírus que tá matando.

12
13
n ta ç ã o
Ap res e

14
B
om não esticar muito, algumas pessoas
sabem que sou chileno que saí na
ditadura do Pinochet e que, há vinte
anos, ando com o povo de rua (destes
vinte, oito anos na okupa autônoma
do povo de rua no Viaduto Alcântara
Machado-SP). A vida na terra continua
injusta e continuo pobre. Não enriqueci,
financeiramente, escrevendo os outros três
livros antes deste. Não lhes contarei que os
governos pensaram nos mais pobres, pois
estaria mentindo.
Além disso, como sempre digo, tenho uma
dívida com o povo de rua, que nunca me viu
como número, mas como gente. Eles estiveram
comigo nos momentos mais difíceis da minha
vida, em muitos alegres também.
Vivi com eles seus nascimentos e suas
mortes, me defenderam de um revólver
policial, ou puxaram uma carroça para dar
duas latas de leite para o meu filho, quando
contava moedas para comprar. Ou em

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momentos de tristeza, quando o mundo não
percebe, alguns deles se aproximam e me
dizem: Você tá bem? Precisa de algo? Eles me
conhecem, sabem me ler e são exemplos de
resistência em uma sociedade que insiste em
vê-los morrer.
As notícias do lado de baixo não costumam
ser alentadoras, em tempos de crise
costumam ser de menos esperanças. Escrevo
estas vinte histórias do lugar que há vinte
anos, me faz viver intensamente, de alegrias,
dores e muitas tristeza, ou seja, das ruas, das
malocas, debaixo de um viaduto pobre, numa
cidade rica.
Em tempos de pandemia e um
distanciamento ainda maior da sociedade em
relação aos mais pobres, escrevo algumas
crônicas de algumas coisas que vi e vivo com
elxs e ao lado delxs. Gostaria que tivéssemos
tido o privilégio de ficarmos em casa, mas
como ficar naquilo que não se tem, ou como
estar confortável quando mais isolados
ficaram os moradores de rua?

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Não creio que os que saírem vivos dessa
pandemia, saiam como uma sociedade melhor
ou mais justa, e nem mesmo acredito que os
que tem de sobra, estão sendo bonzinhos ou
solidários. O desafio é compartilhar de tudo
que se tem constantemente, não somente
aquilo que sobra, como praticar a tal justiça
social nos mínimos detalhes, na vida como um
todo.
Não enxergamos debaixo de um
viaduto melhoras para este mundo, e
nem humanidade debaixo deste sistema,
acreditamos que a tormenta está apenas
começando. E que faltarão viadutos para mais
gente pobre, sim viadutos, pois moradia é uma
utopia neste país.
São crônicas de como os mais pobres de
uma cidade rica e cruel, como é a estrutura
de São Paulo (acredito que em outras cidades
não seja muito diferente) se organizam
diante da pandemia. Como a vivem, como a
enxergam e como parte desta estrutura age
com eles durante a propagação de mais uma

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das muitas ameaças que já encaram todos os
dias de suas vidas.
Assim como os outros livros espero que este
seja lidos nas malocas, nas cadeias, nas favelas,
nas escolas e que se os ricos chegarem a lê-lo
não espero te emocionar, mas te incomodar e
te dizer que parte da miséria que rola nesta
cidade, tu também tem algo a ver com ela. Não
adianta fugir ou querer exterminar aquilo que
tu ajudou a criar.
Espero que seja lido ou que leiamos com
os moradores de rua, os anteriores chegaram
até eles. Muitos deles leram suas histórias e
se emocionaram, foram lidos nas cadeias e
favelas, até em escolas, onde muitos dos que
moram nas ruas foram excluídos, foram lidos.
Este quarto livro é online e grátis, que se
necessário for, daremos um jeito de imprimir ou
ler para aqueles que não possuem esses meios
(tu pode ajudar nisso também). E está escrito
em português e espanhol, na minha língua
natal, na que é falada na maioria da América
Latina, até como uma dívida que tenho com

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o restante desta terra que me orgulho de ter
nascido.
O primeiro com uma versão em espanhol,
depois espero ter a possibilidade de traduzir os
três anteriores também.
Dedico este livro a três pessoa:
A primeira, minha avó que preparava os
primeiros pães e cafés, com meus sete anos,
para que eu servisse àquele morador de rua
que pedia na porta da sua casa (o Horácio).
E a Thaina e o Vagão, moradores do viaduto
Alcântara que nos deixaram e levaram um
pedaço de nós, saibam que vocês fazem muita
falta nesta terra, em planeta de pessoas cruéis
os bons são tesouros.
Boa leitura e, mais do que gostar, espero que
os incomode.

“Sobreviventes de tantas pobrezas, que as crises estão


marcadas em nossos corpos.”

19
20
Pandemia
Tratada
Com
Repressão.

S
entada com seu cachimbo não percebe
o mundo passar, com dores e traumas
que só ela sabe como faz para carregar.
Sintomas de invisibilidade dos olhos
que fingem não a enxergar, pois a sua
miséria insiste em lhes questionar.

21
Buscando as cinzas do chão, que podem,
através de um trago, apagar um pouco da dor.
Não sabe de máscaras, tão somente percebe
uma sociedade que se distancia, mais e mais,
e se antes era motivo de suspeita, hoje é mais
isolada ainda.
Sentada no coração de São Paulo, vigiada
pela sociedade e reprimida pela polícia, está
a ser julgada e poucas vezes alcançada. A
solidariedade muitas vezes não a entende,
pois para muitos a ajuda deve vir para aqueles
que se comportam bem, de acordo com seus
padrões sociais.
Não há planos de saúde e nem de prevenção
para ela, pois o chamado vício é tratado como
caso de polícia. O que não faltou durante a
pandemia na Cracolândia foram as bombas, as
balas e a repressão, remédio aplicado em doses
pesadas, pelos menos, duas vezes por semana,
receitadas pelo prefeito e governador.
Para os que carregam o vício do crack
não houve nenhum tipo de plano durante
a pandemia, o governador que para muitos

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passou a ser um homem bom, mais uma vez,
usou da repressão. E assim foi tratada a
Cracolândia em tempos de maior isolamento e
dor.
Seja em tempos de pandemia ou tempos
ditos normais, o povo do crack não foi tratado
com saúde ou compreensão. Mas, ao invés
disso, continuaram lhe aplicando as mesmas
doses de tortura e dor.

23
24
Aquele
Áudio.

E
ntão, naquela noite recebo sua voz.
Que me pergunta sobre a dor dos que
podem morrer.
Sobre a vida daqueles que amo.
Se eu estou preparado para perdê-los.
Respondo que jamais estou
preparado.
Nunca soube encarar a morte dos que levo
dentro do meu peito.
Dos que levaram um pedaço de mim.

25
Daqueles que estão embaixo de um viaduto.
Posso renascer mil vezes e, ainda assim,
não saberei lidar.
A cada vida de um maloqueiro morto,
minha vida perde.
Fico mais triste e depressivo.
Maldigo o mundo e puteio a vida.
A pandemia do lado de baixo é mais
dolorosa.
Lá onde a solidariedade muitas vezes não
chega.
Onde, literalmente, se chora
silenciosamente.
Sem ser ouvido pelos que passam
Os leitos dos hospitais não os receberão.
E não serão testados e nem considerados.
Nem nas contagens serão enumerados.
E aqueles que muitas vezes são números.
Nem isso chegarão a ser

26
Amigo, não estou preparado para o que se
avizinha.
Pois sei, que em cada morte das vidas
daqueles sonho.
Que chamam de maloca.
Dentro das suas covas sempre enterraram
um pedaço de mim.

27
28
Água em
Tempos de
Pandemia.

C
om sua mochila nas costas ele anda, e
com seu rosto cansado ele olha. Olhos
de quem anda sem saber como anda, e
pisa com a ligeireza que só tem quem
tá cansado de apanhar.
A cidade com sua rotina de medo,
medo do dia a dia e agora o temor da chance
de morrer de outra forma. Ele, que já temeu
muitas vezes, continua seu caminhar, entre
uma avenida com carros de vidros fechados e
29
um aviso de “Fique em Casa”.
Pessoas de máscaras, com seu álcool nas
mãos, e ele com sua mochila gasta pelo tempo
e sua barba ameaçando branquear. Ele para,
coça a cabeça, olha a placa que diz para ele
ficar em casa, pensa e observa sem entender
aquelas palavras que parecem falar com ele.
O que será que pensou? O que será que
refletiu naquele momento? Será que viu uma
ironia ou uma piada de mau gosto? Será que
lembrou que neste país casa é uma utopia, um
privilégio e não um direito, ou o que será que é
casa para ele?
Ele senta naquela avenida, ao lado de uma
poça de água, pega um sabonete e lava as mãos.
Lava o rosto e molha os cabelos, escova seus
dentes e tenta, assim, se higienizar e se cuidar.
Pois nesta cidade não é só a casa que é um
privilégio, mas água para se prevenir e tentar
não pegar o vírus, também é um sacrifício pra
quem mora nas ruas. Uma poça de água foi o
único direito e o único meio que esta cidade lhe
cedeu em tempos de pandemia.
30
31
Barba,
Tirou a
Barba.
32
B
arba, de barba longa vários anos.
Nunca o vi sem seus cabelos longos.
E sua barba.
Foi questionado pelo seu visual.
Taxado de mendigo de forma
negativa.
Puxando sua carroça nesta cidade suja.
Barba, faz a limpeza separando o lixo.
E fazendo a reciclagem que os governos
não fazem.
Barba, com um sorriso te abraça.
Sabe pisar como poucos.
Difícil o ver envolvido em perrecos.
Barba, e seus cabelos longos.
Já encontrou muitas coisas nas suas
andanças.
E verdadeiros tesouros naquilo que é
chamado de lixo.

33
Um homem cheio de cachorros puxa uma
carroça.
Consigo reconhecer um dos cachorros.
Mas não reconheço aquele homem de
cabeça raspada.
De máscara no rosto e de rosto sem barba.
Quando o vejo, o estranho.

Sim é Barba, hoje sem barba e sem cabelos.


Que em nome dos cuidados em tempos de
vírus.
Decidiu se raspar.
Para assim procurar não pegar e não
contaminar.
Os seus irmãos de rua.
Essa foi a contribuição enorme de Barba.
Em nome do cuidado com os outros
maloqueiros.

34
E assim Barba ou ex-Barba.
Me deixou pensando naquela encruzilhada.
Enquanto puxava sua carroça.
E isso você não verá na TV.
Pois Barba não fez a barba para a mídia
ver.
Mas a fez, pensando nos seus amigos de
rua proteger.

35
n a
i a
íl c ia
Po dem
A n
P a
36
A
polícia não está de quarentena.
A polícia continua agindo.
Mascarados ou desmascarados,
eles reprimem.
Se aproveitam das ruas vazias
para torturar.
E continuam reprimindo os mesmos de
sempre.
Os mais pobres agora precisam ficar mais
espertos.
Pois para a polícia, não há epidemias que
evitem sua repressão.
Eles prendem nas ruas.
Eles jogam bombas nas favelas.
Eles têm a lei a seu favor.
E a lei é cega para suas maldades.
Em nome da ordem, a repressão não pode
parar.
A polícia não pode parar.

37
Ela precisa reprimir.
E em tempos de pandemias.
Causar mais dor é preciso.
Pois essa é sua missão.
E ela precisa ser cumprida.
Em tempos “normais”.
E em tempos de pandemias.
A polícia continua sendo polícia.

38
39
40
Dis
So ta
“F cia nci
or l am
ça
do e nt
” o
N
uma noite fria de pandemia, perto
da praça da República, pouca gente
passando e todos com medo de
todos. Naquela esquina, de repente
aparece ela, que com receios,
frio e acelerada, pede a quem
passa um shampoo, um condicionador e um
desodorante.
Os olhares desconfiados suspeitam
do pedido, o homem da farmácia não a
deixa entrar por conta da pandemia e do
preconceito. Talvez esteja há uns dias
tentando se limpar e, assim, evitar o contágio
dela e das suas amigas.
Há uma mistura de medo do contágio e
medo da aproximação de uma trans de rua,
bom, esse medo é mais antigo que a pandemia.
A soma do medo e preconceito faz com que
as pessoas desviem dela. E ao chegar em mim,
ela faz o pedido. Não são muitas as moedas
para comprar um shampoo, desodorante e
condicionador, mas vamos lá ver o preço e
acabamos comprando, só o condicionador foi

41
pedido do tipo que ela e suas amigas usam.
Ela me diz que quer ficar limpa e bonita
por conta do vírus, pois esse produto deixa os
cabelos delas mais macio. Aí dirão alguns:
“Mas ela não poderia ter pego outra marca,
pede e ainda exige?”
Assim como você que está lendo, ela
também tem suas preferências, gostam de
se sentirem lindas e limpas, ou seja, iguais a
você.
Ela se despediu e foi até a maloca próxima
a farmácia mostrar para suas amigas, que
moram naquele pedaço de rua. E elas felizes
comemoram o fato de poderem tomar seu
banho, se higienizar, e, assim como ela disse,
quem sabe, não se contaminarem.
Será que depois da pandemia as pessoas
que não aproximavam dela, se aproximarão?
Te digo que quem está na rua, já lida com
o distanciamento social forçado, antes de
qualquer vírus.

42
43
o ru .s
n d í
r a V
t u o
s r a
Co ont
C
44
.
S
uas pernas, de décadas, batendo num
pedal, seus dedos marcados pelas
agulhas e linhas. Desenhando as
roupas que outros irão usar, e muitas
vezes, sem roupas pra ela mesma.
Seus olhos cansados de ficar em
salas com pouca luz e com os sonhos intactos
como se fosse a primeira vez que fossem
sonhados. Com seu sorriso e gargalhadas que
quebram silêncios.
Sem auxílios de governo, sem planos de
saúde ou ajudas pensadas aos mais pobres.
Contando moedas pros seus aluguéis, sem
um espaço que seja dela, carregando dores e
marcas internas que somente ela conhece.
Às vezes, entre lágrimas, lembrando da sua
terra, às vezes, sentindo falta de sua velha, às
vezes, amassando pão. Massas que aprendeu
em tempos difíceis.
Quando soube que a anarquia era “nós por
nós mesmos”, essa mulher que nunca viu
esperança em governos me disse: “Então acho
que sou anarquista”.
45
Hoje preocupada, pensando se faltam
máscaras para os mais pobres, ela pega seus
tecidos, costura, pensando que eles não podem
morrer. Me liga e me pergunta se estão todos
bem, mesmo não conhecendo muitos desses
todos, e assim, com mais de quatro décadas
sentada costurando, continua sua batalha.
Quer saber se todos tem mais de uma
máscara, quer saber se as crianças estão
protegidas com máscaras, e assim, ela
costura para os filhos do viaduto. E todos os
dias pergunta querendo saber se todos estão
protegidos e diz que segue rezando para que o
vírus não passe pela maloca.

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47
48
Eles
Olham.

E
nquanto o mundo se resguarda, eles
observam.
Os programas de televisão e as
pessoas
Dizem para em casa ficar.
Neste meio apocalíptico, orientam
sobre os cuidados.
E nos falam acerca de evitar outras
pessoas.

As lojas fecham, os bares também.

49
E a cidade vai se esvaziando.
Tomados pelo medo.
Cada um tentando se salvar.
E eles olham.

Eles olham os que podem se resguardar.


Eles olham os que podem se cuidar.
Eles olham o privilegio daqueles que podem
Ficar em seus lares esperando o vírus
passar.

Os debaixo observam a TV e se questionam


o que fazer
Então observam a morte passar.
Pelas ruas procurando a quem contaminar.

E só podem olhar e esperar.


Se vão ou não passar.

50
Pois a quem não tem saúde e nem lar
Só resta o direito de olhar.
O vírus passar.

51
52
O Primeiro
Passo
Foi dos
Pobres.

O
s partidos seguiam em seu sono de
décadas e os Revolucionários de redes
sociais, tentando mudar o mundo a
partir de seus sofás. Na presidência
o psicopata bostejando todo tipo de
ódio, contra negros, pobres, gays,

53
lésbicas, índios e todos os grupos que ele
acredita merecerem o extermínio.
A pandemia assassinando os nossos a cada
dia e os números apontando à quase trinta mil
mortes. Os políticos com rabo entre as pernas
assinaram manifestos, procuraram juízes e
tentaram, pelas vias institucionais, resolver
os problemas. Crise que sempre açoita mais,
os mais pobres.
E o ovo da serpente, chocado durante
décadas, por diversos partidos e lados,
destilou seu veneno. Os seus filhotes nas ruas,
desfilando o ódio às diversidades e com a
retaguarda da polícia, marcharam a marcha
do fascismo.
Num domingo, 31 de maio, ruas foram
tomadas por torcedores organizados.
Pessoas pobres das periferias, entregadores
de comida, antifas e anarquistas, foram
ao encontro dos filhos do fascismo que
desfilavam pela avenida.
Quando o sol estava no seu esplendor, os
fachos foram expulsos e ao serem defendidos
54
pela polícia, a resistência se fez sentir. Sentir
do jeito mais bonito e esperançador. As
bombas e balas voavam e as linhas lutaram
durante horas sem retroceder.
E foi assim, na Avenida Paulista, numa
tarde de maio, que se mostrou de onde a
resistência, de maneira concreta, começou.
Não foram cartas ou teclados digitados, mas
veio de cima dos morros e de maneira real a
luta se fez visível.
Não foram burgueses, vanguardas,
partidos ou intelectuais. Foi o povão que deu o
primeiro passo pra Luta se concretizar.
Que no futuro essa história seja contada
como ela foi e de onde começou e sempre
começa a resistência, de baixo.

55
Dom
éstic
ea a s
Pan d e m i a .

56
C
horam as mortes de suas mães, que
tão massacradas foram em vida. Num
sistema de saúde que mal chega até
elas, diante de uma doença que lhes foi
importada e trazida por alguém que
pode ter o privilégio de ir e vir aonde
quiser, e a uma saúde de qualidade.
Se lamentar e olhar aos céus tentando
encontrar um Deus que lhe explique, o porquê
de tanto sofrimento numa vida somente. Vida,
que parece mais morte e inferno na terra.
Como ficar em casa, ao mesmo tempo lutar
para se proteger do vírus e impedir que a fome
atinja os seus amores? São mães obrigadas
a sair de casa todos os dias, para limparem a
casa daqueles que podem contaminá-las.
Por mais progressista que sejam
seus patrões, pagariam a elas para não
trabalharem?
Seus patrões não sabem lavar uma louça
ou fazer um arroz, pois sempre tiveram tudo
57
pronto. E assim transcorre a vida de milhares
de faxineiras e empregadas em tempos de
pandemia.
Correndo o risco de carregar em seus
corpos, marcados pelos anos, uma doença
desconhecida, quem sabe de uma viagem à um
país que jamais conhecerão.
E assim seguem os riscos daquelas que
ainda devem trabalhar, expostas aos perigos
dos lares que precisam limpar e das crianças
que não seus filhos e precisam cuidar. Para
poderem levar para casa o ganha pão, que
governo nenhum irá lhes dar.
Uma das primeiras lágrimas que chorei
ao saber da primeira morte confirmada no
Estado do Rio Janeiro, foi no dia 19 de março
de 2020. Uma empregada doméstica, que foi
contaminada pela sua patroa que chegava da
Itália já infectada.
Quantas mães negras, faxineiras,
domésticas pobres tiveram que sair para
trabalhar nas casas de seus patrões em
tempos de pandemia?
58
59
60
“N
or
ma
lid
ade

N
aquela tarde de pandemia,
enquanto poucas pessoas
assustadas passavam, um jato de
água limpava as calçadas de onde
todos pisavam.
Em tempos de rigor com a
limpeza, para impedir que o vírus, que mata
ricos também, se propague, eles estavam lá
procurando limpar e poupar a vida de muitos.
Cinco homens negros, sem luvas, alguns
com máscaras, limpavam a cidade que precisa
voltar a “normalidade”. Eles, sem parar,
limpavam, continuando a “normalidade”
deles, o que fazem todos os dias, ganhando o
mesmo e morando nas mesmas casas.
E assim continua a “normalidade” dentro
de uma sociedade que entra em quarentena e
cuidados maiores, dependendo a quem uma
doença ataca.
Assim continua a “normalidade” daqueles
cinco homens negros e pobres, que continuam
limpando as ruas para a cidade pisar, e hoje,
mais do que nunca, para aquele homem
61
branco que, esperando um táxi, não venha
adoecer.

62
63
A Maloca,
Medidas
Contra a
Pandemia.
64
D
ebaixo daquele viaduto pobre,
numa cidade rica, os maloqueiros
se reuniram e pensaram em como
diminuir o impacto do vírus que estava
espalhado pelas ruas e pelas vidas.
A apreensão nos rostos, os
olhares pensativos e alegria pela metade,
daqueles que sabem que em tempos da dita
normalidade não há hospitais disponíveis
para eles. Em tempos de crise, bem sabem
eles que continuarão sendo os últimos, e como
disse um maloqueiro:
“Entre nós e eles, sei que vão escolher eles”
Diante desta frase, mais que sabida, a
maloca se organizou, pensou naquilo que é
sempre sabido por todos eles. No famoso “Noiz
por Noiz”, que rola no viaduto.
Assim se levantaram e começaram a surgir
os equipamentos, a rua se mexeu e levantou
sua voz para protestar suas necessidades.
Para cobrar uma pequena parte da dívida
histórica e para gerar desconforto nos
confortáveis.
65
Costureiras pobres mandaram máscaras,
médicos se disponibilizaram, colchões foram
comprados, álcool em gel na entrada e saída
da okupa, higienização frequente. E assim,
se organizou pensando na vida, dividindo
o pouco que se tem, pensando na vida do
maloqueiro ao lado.
Debaixo de um viaduto, se pensou na vida
acima da economia, pois maloqueiro sabe
mais de partilhar, que de poupar. Preferem
amar no dia de hoje, sem saber o que será que
o Estado prepara para amanhã.
Lá entendemos e vimos que não há doença
democrática, pois no viaduto é sabido que os
pobres morrerão mais que os ricos. O contágio
pode ser democrático, mas o maior número de
mortos baterá no mesmo lugar de sempre.
À diferença do psicopata eleito, o
maloqueiro pensa nos seus como se fosse ele, e
pensa na vida diferentemente dos governos.
Com uma organização de dar inveja,
pensou em cada detalhe, os moradores de rua
são expertos em sobrevivência em tempos de
66
crises. Afinal vivem as crises na pele, desde
seus nascimentos até suas mortes. Dariam
uma aula com este tema, aos movimentos
sociais, aos governos e até para os ditos
experts neste assunto.
Assim se vive no Viaduto Alcântara a
pandemia, tentando sobreviver e pensando no
outro, compartilhando do pouco que se tem e
nos lançando uma pergunta:
Solidariedade é dar o que sobra em tempos
de comoção, ou compartilhar do que se tem
frequentemente?

67
Os Presos.

68
N
este país se enchem cadeias todos
os dias, na sua maioria são negros
e pobres, basta ser um dos dois
ou os dois juntos e já é motivo de
suspeita. O sistema e a polícia
reforçam seu racismo nas suas
abordagens e nos seus discursos.
Escrevi sobre a Tamires no primeiro livro
(O Vale e Seu Violino), aquela que foi criança
de rua e tocava seu violino, a que assinava
meu nome na escola para dizer que era minha
filha. Encontra-se presa na penitenciária
feminina de Santana, e não paro de pensar
nela e nos outros que moraram nas ruas e
estão encadeados.
Em tempos normais a cadeia costuma ser
cruel, neste que é o país com a terceira maior
população carcerária do mundo, em tempos
de pandemia ela pode se tornar pior. Imagino
o que será que a Tamires e tantos outros que
conheci estejam passando do lado de dentro,
no abandono social.

69
A saúde é privação para quem está preso
também, e assim como do lado de fora não
sabemos o número real de mortos pelo vírus,
do lado de dentro das celas nem imaginamos
quantos já morreram ou quantos estão
infectados.
Gente presa não gera comoção na maioria
das vezes, não merece solidariedade da
sociedade e nem questionamentos.
Há desespero do lado de dentro, há choro
e medo de muitos que já não podem mais ver
seus parentes e eles sabem que o contágio
numa cela pequena onde dormem 30 ou 50
será, e já é, fatal.
Não posso preparar um chá quente ou
dar um remédio se Tamires ficar mal, não
posso saber dela, não ouço sua voz há meses.
Imagino que ela está abandonada e sem poder
saber se viva ou morta ela sairá de lá.
A pena de morte não precisa ser legalizada,
pois ela nunca deixou de existir, quando se
jogam milhares de pessoas na cadeia para

70
matá-las aos poucos, podemos dizer que temos
a pena de morte mais cruel e mais lenta.
Aquela que te mata com torturas diárias e
procura, a todo custo, que não saia vivo.
Hoje os governos ligam menos ainda
para a população carcerária, na real, eles
esperam suas mortes. Nunca saberemos o
número real de mortos pelo vírus daqueles
que estão presos, não haverá comoção e nem
solidariedade em relação aqueles que estão
do lado de dentro. Pro Estado, eles merecem
a morte, e se o vírus os matarem, o poder
guardará silêncio, pois a morte deles terá a
justificativa social para acontecer.
Todos os dias milhares de presos escrevem
cartas aos seus familiares, cartas de amor ou
de despedida, pois muitos deles não sabem se
sairão vivos.
E eu da janela do meu quarto olhando pra
algum lugar, com impotência e raiva rezo por
eles.

71
72
Sentado à
Beira do
Córrego.

S
entado à beira de um córrego, com
seu corpo marcado pela vida, aquela
vida de pobreza e marcas aparentes.
Observo ele e não sei seu nome, nem
sua história, apenas o vejo, e ele me
olha com aquele olhar recheado de
dores e tristezas que só ele sabe carregar.
Os carros quase não passam, em tempos
de pandemia e medo, o medo daqueles que se

73
sentiram sempre seguros. Contrasta com o
medo daqueles que não conseguem dormir,
pelo medo de não acordar.
Sentado à beira de um córrego de máscara
e sem casa, ele olha a cidade vazia na
quarentena. Olha os prédios à sua frente e
vê as pessoas se afastarem umas das outras,
observa o álcool em gel nas mãos daqueles que
podem pagar pela sua proteção. Mas ele tenta
se proteger com a sua máscara suja e tenta,
assim, sobreviver mais uma vez.
O que é quarentena e resguardo para quem
não tem casa? O que são planos de saúde para
aqueles que a saúde jamais chega?
E ali estava ele, que precisa sobreviver às
ameaças sociais, ao preconceito, a fome, a
violência, e hoje, a pandemia.
Sentado à beira de um córrego, descalço e
sem camiseta, com sua maloca e sua máscara,
ele tenta se cuidar. A sobrevivência daqueles
que não tem casa e nem saúde só pode ser um
fato heróico, num país onde quarentena é um
privilégio que poucos podem pagar.
74
75
76
Progreso
e Villa.

A
bola parou, o apito ficou de lado, as
arquibancadas ficaram vazias. Não
se escutaram mais os cânticos e nem
os gritos de gols.
Na Teja e em Villa (em
Montevideo) algo falta, são bairros
incompletos sem a bola rolando, parte da
vida deixa de existir. Mas tem algo que nunca
faltou em tempos de pandemia, em tempos
de crise, em dias de se proteger da morte. A
solidariedade.
Seus torcedores saíram das arquibancadas
e parte de seus jogadores tiraram as

77
chuteiras. Colocaram as luvas, as máscaras
e pegaram as panelas, acenderam o fogo,
temperaram os legumes, as carnes ou o que
tivesse para colocar dentro.
Bairros pobres, de gente que trabalha
para sobreviver, que possuem histórias de
luta e glórias. No passado já mostraram sua
grandeza fora de campo,e nestes tempos, não
poderia ser diferente. Alimentar seu povo, sua
gente, seus torcedores, movimentar o bairro e
seus jogadores.
Para times ricos gastarem, as vezes, é mais
difícil e quando gastam, geralmente é pouco
comparado com seus ganhos. Para times mais
pobres, doar significa, muitas vezes, dividir
do pouco que se tem.
A movimentação nestes dois bairros em
prol de não deixarem ninguém para trás,
nem na fome e nem no vírus, é realmente um
gesto de vida e resistência. É pensar além da
bola, é pensar na vida daqueles que convivem
contigo, naqueles que cantam e sofrem numa

78
arquibancada ao teu lado, naqueles que são
mais que somente vizinhos.
As pessoas de Villa Espanhola, partem do
Obdulio, do pouco fazem muito, com a força de
sua história e abençoados por Bigote López e
Zurdo Zárate procuram resistir em tempos de
dores.
Na Teja ao lado do Paladino os Gaúchos,
demostram sua grandeza ao não deixar
ninguém dos seus na fome. De resistência,
dores e amores, com a benção de Canobbio,
Leonel Rocco e Próspero Silva preparam com
amor cada panela mexida, cada prato servido.
Estes bairros de gente que sobrevive com
um sorriso e com uma bola, não admitem
perderem, os seus, para a morte. E assim,
continua sendo escrita a história de dois
bairros, de dois times que enxergam a vida
além das quatro linhas e que realmente se
preocupam em não soltar a mão de ninguém.

79
80
Vampeta
V
ampeta, puxa sua carroça na
Pandemia.
Continua pegando seus ferros,
latas e papelões.
As ruas tentando ficar vazias,
E Vampeta revirando os lixos e
entulhos.

Já deve ter passado dos 60.


Com as solas gastas e pés quase no chão,
Não pode parar.
Se parar a fome chegará.
E com o ganha a pão ao barraco precisa
voltar.

De rosto sofrido enfeitado por um sorriso


constante,
Vampeta continua pisando o asfalto.

81
Puxando pesos e mais pesos,
Sobre suas costas.

Deveria estar parado,


Com seus mais de 60,
Se encaixa nos chamados grupos de risco.

Vampeta negro e pobre.


Continua sua trajetória,
Talvez puxe sua carroça até seu corpo
Não aguentar.

Vampeta não pode ficar em casa.


E se o vírus ou a morte o pegar,
Não será contabilizado.
E talvez sozinho,
Venha a ser enterrado.

82
Você pode até se comover ao ver Vampeta.
Mas o que fazer?
Pois se ele não puxar a sua carroça,
Se não continuar driblando o vírus nas
ruas da cidade,
O que Vampeta irá comer?

Vampeta enfrenta o vírus e a fome.


Sabendo que o privilégio de ficar em casa,
Não lhe foi concedido neste mundo.
Neste mundo de merda,
Que finge que não o enxerga.

83
Teu Olhar
Dilacerante.
84
T
e escrevo a ti que nestes dias me
olhastes e me hipnotizastes, nestes
tempos mais pesados e mais cruéis.
Mas quem sou eu para falar de
crueldade a você? Para te ensinar
algo de vida ou te dar palavras de
esperança?
Queria poder te prometer dias bonitos,
queria poder te dizer que um outro mundo
será possível. Te expressar uma sociedade
justa ou de amor, queria te dizer que sairemos
melhores de tudo isto, ou que este planeta não
permitirá teus pés descalços.
Naquele dia de afastamentos, de máscaras,
que muitas vezes, mascaram a hipocrisia,
debaixo dos seus tecidos, passavam sem
te perceber. Desprotegida e com tua cara
marcada e blusa suja de tantas terras e tantas
brincadeiras, fizeste o tempo parar.
E sinceramente, aqueles segundos foram
eternos, ao ponto de passar pela minha mente
aquela mistura de sentimentos acelerados e
dilacerantes, me despedaçando.

85
Parado naquele bairro, que de Luz só
tem o nome, você encostada naquelas
paredes marcadas por tanta história, que
são patrimônio e que infelizmente aos olhos
de muitos são mais importantes que você.
Aquelas paredes recebem os cuidados que
você merece, aqueles muros são protegidos
contra a possível ação dos que erroneamente
são chamados de vândalos, quando vândalos
são aqueles que te destinaram a essa
condição.
Tu não escolheste nada disso, tu não
mereces isso que te preparamos. Não consigo
te dar palavras de esperança, pois estaria
mentindo ou te prometendo algo que este
mundo não te dará.
Naquela tarde vazia, desta cidade cinza
tu me paralisastes com teu olhar e ela me
fez querer chorar, me fez querer desejar dias
melhores. Dias lindos para você na sua curta
vida.
Pequena amiga, que me olhaste com teus
olhos triste e um meio sorriso tímido, com

86
a tua camiseta surrada como única peça
e teus pés descalços. Este mundo será um
mundo pior depois de tudo isto, infelizmente
tu o sentirás mais que muitos, que em sua
condição confortável falam de crise, tu sabes o
que realmente é uma crise.
Tu que não tem sapatos, sentes de maneira
mais crua o chão que te lembra, cada dia, a
pobreza que alguns te destinam. Nada sabem
dos reais efeitos da crise esses economistas,
que vivem da análise da desgraça, que quem
sentirá é você.
Não consegui te dizer que o mundo será
um bom lugar para se morar, se tu nem lugar
para morar deves ter. infelizmente todas
as crianças não são iguais, tu não estás nas
salas de aula e nem nas online, a educação
moderna mais uma vez te deixou de fora, e
sem nenhum tipo de proteção ou garantia, a
pandemia para você será mais uma luta.
Perdão não conseguir te abraçar, pois me
quebraste os braços e a mente. E quando o
tempo voltou a andar e tu continuaste teu

87
caminho com teus pequenos pés, só consegui
olhar ao chão e desejar que tudo isto acabe,
que fossemos extintos.
Espero que deixem de existir os que
te destinam a essa condição, que eles não
deixem nem a maldita sombra e nem rastros
de suas vidas. E que um dia nos perdoes,
pois por covardia, individualismos, egoísmos
e estupidez não te construímos um mundo
melhor, onde os teus pés descalços não sejam
parte da normalidade e nem da paisagem.

88
89
Ele
Encontra
Deus do
Lado de
Baixo.
90
C
om suas sandálias e seu olhar marcado
por tantas lutas, dá passos rumo a
paróquia, pensativo e inconformado,
para em algumas malocas. O caminho
não pode ser reto na vida dos que
resistem, mas tem que ter curvas e, as
vezes, o chegar se torna mais longo.
Sempre negando que a casa do carpinteiro
pobre, seja morada de ricos, abrindo todas
as manhãs para aqueles que são sua vida, os
mais pobres. E é ali que ele encontra Deus, no
rosto dos mais sofridos, daqueles que nunca
foram invisíveis para ele.
Em tempos de pandemia, muitas igrejas
fecharam as portas e reclamaram de dízimos
não recebidos, do dinheiro que não entraria
em seus cofres. Mas na paróquia dele, as
portas se abriram mais do que nunca, todas
as manhãs o pão é repartido, a justiça é
incomodada e acolhe aqueles que os auxílios
de governos não atingem.

91
Moradores de rua, travestis, mulçumanos,
budistas, anarquistas, ateus, revoltados
e baderneiros, estão ali tomando o café,
partilhando a vida e maldizendo os governos
e governistas. Os “bons cidadãos” passam do
lado de fora e jogam pragas, mas o padre com
seu olhar e palavra precisa, tem sempre boas
respostas.
Antes do pão ele reza, por todos aqueles
que aos olhos sociais são inrezáveis, por
aqueles que para muitos são condenáveis. Mas
são estes que estão ali, todas as manhãs de
pandemia, partilhando a vida em tempos de
morte.
E assim segue a rotina do padre, que
procura Deus olhando para baixo, dessa
forma segue a vida daquele que desconforta
os confortáveis. Com os pés na terra, vive
criticando os que vivem nos céus.
Em tempos de pandemia e distanciamento
se fez mais próximo, e com seus muitos anos
de luta, preferiu não descansar. E assim
continua nos ensinando e dando o privilégio

92
de sua vida, de sua existência no meio da
resistência.
Nas malocas, viadutos, protestas e resistes,
somos companheiro do santo dos moradores
de rua e baderneiros o nosso Júlio, o Padre
Maloqueiro.

93
94
Tempos
de Dores
e Sem
Abraços

N
aquele sábado pela manhã, de um
dia ensolarado, onde as pessoas
se afastam mais ainda uma
das outras, ele estava com sua
máscara e seu chapéu. Se antes a
indiferença e a condição, a quem

95
foram submetidos, os matava, agora o toque e
o afeto podem ser mortais também.
Antes de sairmos do viaduto, ele nos olha e
nos diz:
“Sabem do que eu mais sinto falta? De um
abraço, da gente se abraçar. A gente não pode
mais se abraçar.”
No meio da pobreza, os afetos e toques são
riqueza. O abraço, o beijo, o poder sorrir e
sentir aqueles que passam ou que nos cercam.
Com seus cabelos brancos e seu olhar de
tantas situações gravadas, nos olha com
uma tristeza e com mais uma dor a ter que
carregar. A vida se torna mais pesada pra
quem vive nas ruas, se já convivem com
tantos afastamentos sociais, carregados de
preconceitos na vida, agora devem deixar de
se abraçar e receber afetos, dos quem ainda
lhes proporcionam um toque.
Então fui pensando que aquele amigo de
tantas lutas e de tantas ruas, precisa viver,
precisa estar inteiro. Ele precisa passar por

96
isso, precisamos nos abraçar de novo.
Há mais uma luta a ser travada, a
luta pelos afetos, as distâncias que já nos
separavam historicamente se tornam
mais dolorosas. O amor em tempos de
pandemia é algo que se torna mais difícil de
ser encontrado e ser expressado. Afetos à
distância não são a mesma coisa, sentir o
outro era o que o nosso amigo Lula (o que
segue pobre e mora na rua) manifestou em
sua fala, e nos seus olhos marejados e cheios
de lamentos.
Aquele maloqueiro velho de tantos amores
e dores, que só ele sabe carregar, que tantas
vezes nos abraçou, demostrou sofrimento por
não poder nos abraçar ao nos ver. Caminhei
pedindo a quem pudesse me ouvir, em algum
canto do universo, que preciso ter a chance de
abraçar meu amigo de novo.
O mais doloroso para Lula (o maloqueiro)
na pandemia é não podermos nos abraçar.

97
98
Los Más Pobres
y La Pandemia
Cuentos y Crónicas de la calle
durante el Virus
Os Mais Pobres
e a Pandemia
Contos e
Crônicas da
rua durante
o Vírus.

99
Prefacio

Escrito por Carlos


Henrique Ferreira,
habitante del viaducto
Alcántara Machado, padre
de Lavínia, y uno de los
luchadores históricos de la
100 okupa Autónoma.
P
aulo significa mucho en mi vida,
aquí en São Paulo es la persona más
importante más allá de mi hija, una
persona de la que aprendí muchas
cosas. Una persona que tiene una
historia de vida muy loca. Paulo es
muy especial para mí, es mi hermano.
Algunas veces ya le dije a él que
difícilmente va tener una persona para
acompañarlo al lado, pues las personas no
logran entender la vida que lleva. Porque
difícilmente va a lograr ver esa persona en
primer lugar, tu mirada siempre va estar con
la calle primero, es bien difícil las personas
entender o soportar eso, pues tu vida es con el
pueblo de la calle.
Este libro es sobre los habitantes de la calle
durante la pandemia, así como en la cárcel,
están dejando los tipos enfermos para que

101
otros se contaminen. En relación a la crisis en
la pandemia y la muerte de los que habitan en
las calles el Estado está aplaudiendo.
Porque va a disminuir el número de los que
habitan en las calles, va disminuir bastante y
hermano la población de la calle no tiene para
donde correr. No tiene casa, no tiene acceso
a baños, no tiene acceso a mierda ninguna
¿cómo se va a prevenir?
El Estado ya mandó a la mierda a los que
viven en las calles desde siempre, pero ahora
ellos están más felices. Pues creo en las ganas
que ellos tienen de matar a los que habitan
en las calles, y ahora no necesitan más
ensuciarse las manos, ahora es el virus que
está matando.

102
103
n ta c i ó n
Pre s e

104
A
lgunas personas saben que soy
chileno, que salí durante la dictadura
de Pinochet y que hace veinte años
ando con el pueblo de la calle (de
estos veinte, ocho años en la okupa
Autónoma del pueblo de la calle en
el Viaducto Alcântara Machado-SP). La vida
en la tierra continúa injusta y sigo pobre. No
enriquecí, financieramente, sí escribiendo los
otros tres libros antes de este. No les contaré
que los gobiernos pensaron en los más pobres,
pues estaría mintiendo.
Como siempre digo tengo una deuda con
el pueblo de la calle, que nunca me vio como
un número sino como gente, ellos estuvieron
conmigo en los momentos más difíciles de
mi vida, en muchos alegres también. Viví
con ellos sus nacimientos y sus muertes,
me defendieron de un revolver policial, o
empujaron un carretón para darle dos latas de
leche para mi hijo, cuando contaba monedas
105
para comprar. O en momentos de tristeza
cuando el mundo no percibe algunos de ellos
se aproximan y me dicen: ¿Tú estás bien?
¿Necesitas de algo? Ellos me conocen, me
saben leer y son ejemplos de resistencia en una
sociedad que insiste en verlos morir.
Las noticias del lado de abajo no suelen ser
alentadoras, en tiempos de crisis pueden ser de
menos esperanza. Escribo estas veinte historias
del lugar que hace veinte años me hace vivir
intensamente, de alegrías, dolores y muchas
tristezas, o sea, las calles, las malocas *, de
abajo de un viaducto pobre en una ciudad rica.
En tiempos de pandemia y un
distanciamiento todavía mayor de la sociedad
en relación a los más pobres, escribo notas de
lo que vi y vivo lado de ellos. Me gustaría de
que tuviéramos el privilegio de quedarnos en
casa, pero ¿cómo quedarse en aquello que no se
tiene? o ¿cómo estar confortables cuando más
aislados quedaron los que viven en la calle?
No creo que los que salgan vivos de esta
pandemia, salgan a una sociedad mejor o más

106
justa y tampoco creo que los que tienen de
sobra estén siendo buenitos o solidarios. El
desafío es cómo compartir todo lo que se tiene
constantemente y no solamente cuando sobra,
cómo practicar la tal justicia social en los
mínimos detalles, en la vida como un todo.
No vislumbramos debajo de un viaducto
mejoras para este mundo, ni humanidad en
este sistema, creemos que la tormenta esta
apenas empezando. Y que faltarán viaductos
para más gente pobre, sí viaductos, pues
habitación es una utopía en este país.
Este libro son crónicas, notas y poemas,
de cómo los más pobres de una ciudad rica
y cruel, de cómo es la estructura de São
Paulo (creo que en otras ciudades no es muy
diferente), de cómo se organizan frente a
la pandemia. Cómo la viven, cómo la ven y
cómo parte de esta estructura actúa con ellos
durante la propagación de más una de las
muchas amenazas que ya enfrentan todos los
días de sus vidas.
Así como en los otros libros espero que éste

107
sea leído en las malocas, en las cárceles, en
las favelas, en las escuelas y que si los ricos
lleguen a leerlo no espero emocionarte, espero
incomodarte y decirte tu también tienes algo
que ver con esta miseria que ocurre en esta
ciudad.
Espero que sea leído o que lo leamos con
los que viven en las calles, los anteriores
llegaron hasta ellos. Muchos de ellos leyeron
sus historias y se emocionaron, fueron leídos
en las cárceles y favelas, hasta en las escuelas,
donde muchos de los que viven en las calles
fueron excluidos, ahí también fueron leídos.
Este cuarto libro es online y gratis, si es
necesario encontraremos una manera para
imprimirlo o leerlo para aquellos que no
poseen estos medios (tu puedes ayudar en
esto también). Y está escrito en portugués y
español, mi lengua natal.
Le dedico éste libro a tres personas
en especial, la primera es mi abuela que
preparaba los panes y cafés, a mi siete años,
que yo le iría servir a aquel habitante de la

108
calle que pedía en la puerta de su casa (El
Horacio). Y a la Thaina y Vagão, habitantes
del viaducto Alcántara que nos dejaron y se
llevaron un pedazo de nosotros, sepan que
hacen mucha falta en esta tierra, en planeta de
personas crueles los buenos son tesoros.
Buena lectura y más que gustarles, espero
que los incomode.

*Malocas se le dice a las casuchas de los que viven


en las calles de São Paulo, pueden ser de madera, cartón,
platico o el material disponible.

“Sobrevivientes de tantas pobrezas, que las crisis


están marcadas en nuestros cuerpos”.

109
110
Pandemia
tratada
con
represión

S
entada con su pipa no percibe el
mundo pasar, con dolores y traumas
que solo ella sabe como lo hace para
cargar. Síntomas de invisibilidad de
los ojos que fingen no verla, pues su
miseria insiste en cuestionarlos.

111
Buscando cenizas del suelo que pueden a
través de un trago apagar un poco de su dolor.
No sabe de máscaras y solamente percibe
una sociedad que se distancia mas e mas, si
antes era motivo de sospecha, hoy será más
distanciada todavía.
Sentada en el corazón de São Paulo,
vigilada por la sociedad y reprimida por la
policía, está para ser juzgada pero pocas veces
alcanzada. La solidaridad muchas veces no
la entiende, pues para muchos la ayuda debe
venir para aquellos que se portan bien, de
acuerdo con los padrones sociales.
No hay planes de salud y ni de prevención
para ella, pues el llamado vicio es tratado
como caso de policía. Lo que no falto durante
la pandemia en la Cracolandia*, fueron las
bombas, las balas y la represión, remedio
aplicado en dosis pesadas por lo menos dos
veces por semana, recetadas por el alcalde y
gobernador.
Para los que cargan el vicio del crack
no hubo ningún tipo de plan durante la

112
pandemia, el gobernador que para muchos
paso a ser un hombre bueno, otra vez utilizo
la represión. Y así fue tratada la Cracolandia
en tiempos de distanciamiento y mayor dolor.
Sea en tiempos de pandemia o tiempos
dichos normales, el pueblo del crack no fue
tratado con la salud o comprensión. Pero
envés de eso siguieron aplicándoles las
mismas dosis de tortura y dolor.

*Cracolandia son algunas cuadras del barrio de la


Luz, en la ciudad de São Paulo, donde se reúnen centenas
de personas que usan crack (pasta base) durante
todos los días. Los pocos planes de salud y el exceso
de represión policial por parte de décadas de distintos
gobiernos, insisten en criminalizar y no de entender o
comprender la realidad o la historia de las personas que
hay se encuentran por décadas.

113
114
Aquel
audio

E
ntonces aquella noche recibo tu voz
que me pregunta sobre el dolor de
los que pueden morir
sobre la vida de aquellos que amo
si estoy preparado para perderlos.

Respondo que jamás estoy preparado.


Nunca supe encarar la muerte de los que
llevo adentro.
De los que se llevan un pedazo.
De aquellos que están debajo de un
viaducto.
115
Puedo renacer mil veces y no sabré cómo
reaccionar.
A cada vida de un habitante de la calle mi
vida se pierde.
Quedo más triste y depresivo.
Maldigo el mundo y puteo la vida.

La pandemia del lado de abajo es más


dolorosa.
Allá donde la solidaridad muchas veces no
llega.
Donde literalmente se llora
silenciosamente,
sin ser escuchado por los que pasan.

Las camas de los hospitales no los


recibirán.
Y no serán testeados, ni considerados,
ni en los conteos serán numerados,

116
ni eso llegarán a ser.

Amigo, no estoy preparado para lo que se


avecina.
Pues sé que en cada muerte de las vidas
de ese sueño que es aquel viaducto,
dentro de sus tumbas siempre se me va
un pedazo.

117
118
Agua en
tiempos
de
pandemia

C
on su mochila en la espalda el anda, y
con su rostro cansado el mira. Ojos de
quien anda sin saber cómo anda, y pisa
con la perspicacia que solo tiene quien
está cansado de ser golpeado.

119
La ciudad con su rutina de miedo,
miedo del día a día y ahora el temor por la
oportunidad de morir de otra manera. El que
ya temió muchas veces, sigue su caminar,
entre una avenida con autos de vidrios
cerrados y un aviso de “Quédate en casa”.
Las personas de máscaras, con su
alcohol en gel en sus manos, y el con su
mochila desgastada por el tiempo y su barba
amenazando blanquear. Se detiene y se
rasca la cabeza, mira la placa que dice para
que se quede en su casa, piensa y observa
sin entender aquellas palabras que parecen
hablar con él.
¿Qué será que pensó, que será que
reflexiono en aquel momento, será que vio
alguna ironía o un chiste de mal gusto? ¿Será
que recordó que en este país casa es una
utopía, un privilegio y no un derecho, o que
será que es casa para él?
El se sienta en aquella avenida, al lado de
una poza de agua, toma un jabón y se lava las
manos. Se lava el rostro y se moja el cabello,

120
se lava los dientes y intenta de esta manera
higienizarse y cuidarse.
En esta ciudad no es solo casa que es
un privilegio, pero agua para prevenirse
y intentar no contaminarse con el virus
también es un sacrificio para quien vive en las
calles. Una poza de agua fue el único derecho
y el único medio que esta ciudad le dio en
tiempos de pandemia.

121
Barba
se sacó
la barba

122
B
arba de barba larga muchos años
nunca lo vi sin sus cabellos.
Catalogado de mendigo
empujando su carreta en esta sucia
ciudad.
Barba hace la limpieza separando
la basura,
y haciendo el reciclaje que los gobiernos no
hacen.
Barba con su sonrisa te abraza.
Sabe pisar como pocos.
Es difícil verlo envuelto en peleas.
Barba y sus cabellos largos.
Encontró muchas cosas en sus andanzas
y verdaderos tesoros de la basura.

Un hombre lleno de perros empuja su


carreta.
Reconozco los perros.
123
Pero no reconozco aquel hombre con su
cabeza rapada.
De máscara en el rostro y de rostro sin
barba.
Sí, es Barba,
ya sin barba ni cabellos,
quien en nombre de los cuidados en
tiempos de virus
decidió raparse
para no contagiarse y no contagiar
a sus hermanos de la calle.

Barba o ex barba
me dejó pensando en aquel cruce
mientras empujaba su carreta.
Eso no lo verás en la TV,
Pues barba no se sacó la barba para los
medios,
lo hizo pensando a sus amigos de la calle.
124
125
a y
í
il c em i a
p o d
a
L pa n
la
126
L
a policía no está de cuarentena,
la policía sigue actuando,
enmascarados o sin mascaras,
reprimen.
Se aprovechan de las calles vacías
para torturar,
y siguen con los mismos de siempre.
Los mas pobres ahora necesitan estar más
agiles
pues para la policía no hay epidemias que
eviten la represión.
Ellos detienen en las calles.
Ellos tiran bombas en las favelas.
Ellos tienen la ley en su favor.
La ley es ciega.
En nombre del orden
la represión no para
la policía no para.
Y en tiempos de pandemia
127
causar más dolor es necesario
pues esta es su misión
y necesita ser cumplida.
En tiempos “normales”
y en tiempos de pandemia
la policía sigue siendo policía.

128
129
130
Dis
so ta
“f cia nci
or l am
za
do i e nt
” o
E
n una noche fría de pandemia,
cerca de la Plaza de la Republica
poca gente pasa y todos con miedo
de todos. En aquella esquina de
repente aparece ella, que, con sus
temores, frio y acelerada pide a quien
pasa un shampoo, un acondicionador y un
desodorante.
Las miradas desconfiadas sospechan de
su pedido, el hombre la farmacia no la deja
entrar por lo de la pandemia y por el prejuicio.
Talvez este hace unos días intentando
limpiarse y de esta manera evitar el contagio
de ella y sus amigas.
Hay un misto de miedo de contagiarse
y miedo de aproximarse de una trans de la
calle, bueno ese miedo es más antiguo que
esta pandemia.
La suma del miedo y prejuicio hace que las
personas se desvíen de ella. Y al llegar hasta
mí, ella me hace un pedido. No son muchas

131
las monedas, para comprar un shampoo,
desodorante y un acondicionador, pero vamos
allá a ver el precio y terminamos comprando,
solo el acondicionador fue pedido del tipo que
ella y sus amigas usan.
Ella me dice que quiere quedar limpia y
bonita por esto del virus, pues este producto
deja su cabello mas suave. Ahí algunos dirán:
“¿Pero ella no podría sacar de otra marca,
pide y todavía exige?”
Así como Ud. que está leyendo, ella también
tiene sus preferencias, les gusta sentirse
lindas y limpias, o sea, iguales a Uds.
Ella se despidió y fue hasta la
maloca*cerca de la farmacia y les muestra
a sus amigas que viven en aquel pedazo de
calle. Y ellas felices festejan el hecho de poder
bañarse, higienizarse y como me dijo, quien
sabe no contagiarse.
¿Será que después de la pandemia las
personas que no se aproximan de ella, lo
harán?

132
Te digo que quien está en la calle ya vive
con el distanciamiento social forzado de antes
de cualquier virus.

*Malocas se dicen a los espacios que las personas que


viven en las calles de São Paulo construyen, pueden ser
de cartón, pedazos de madera, plástico o lo que sea.

133
o ir u s
n d
a l v
u r e
s t r a
Co ont
c
134
s S
us piernas de hace décadas pegándole
al pedal, sus dedos marcados por las
agujas y el hilo. Dibujando las ropas
que otros irán a usar y muchas veces
sin mucha ropa para ella misma.
Sus ojos cansados de quedarse en
salas con poca luz y con sus sueños intactos
como si fuera la primera vez que los estuviera
soñando. Con su sonrisa y carcajadas que
muchas veces quebraron el silencio.
Sin tener los auxilios del gobierno y sin
planes de salud o ayudas pensadas para los
más pobres. Contando monedas para sus
alquileres y sin tener un espacio que sea de
ella, cargando dolores y marcas internas que
solamente ella conoce.
A veces entre lágrimas recordando su
tierra, a veces sintiendo falta de su vieja, a
veces amasando el pan. Masas que aprendió
en tiempos difíciles.
Cuando supo que la anarquía era el
nosotros por nosotros mismos, esa mujer que

135
nunca vio esperanza en gobiernos me dijo:
“Entonces creo que soy anarquista”.
Hoy preocupada, pensando si le faltan
mascaras a los más pobres que ella, toma
sus tejidos, costura pensando que ellos no
se pueden morir. Me llama y me pregunta
si todos están bien, mismo no conociendo a
muchos de esos todos, y así con más de cuatro
décadas sentada costurando, continua su
batalla.
Quiere saber todos los días si todos tienen
más de una máscara, quiere saber si los niños
tienen y así entonces ella costura para los
hijos del viaducto. Y todos los días pregunta
queriendo saber si todos están protegidos y
dice que sigue rezando para que el virus no
pase por la maloca.

136
137
138
Ellos
miran

M
ientras el mundo se resguarda
ellos observan
los programas de televisión y
las personas
dicen para quedarse en casa
en este medio apocalipsis
orientan sobre los cuidados
y nos dicen sobre evitar a las personas.

Las tiendas cierran, los bares también.


Y la ciudad se va quedando vacía.

139
Tomados por el miedo,
cada uno intenta salvarse
y ellos miran.

Ellos miran a los que se pueden resguardar.


Ellos miran a los que se pueden cuidar.
Ellos miran el privilegio de aquellos que
pueden
quedarse en sus lares esperando el virus
pasar.

Allá abajo observan la TV y se cuestionan.


Ven la muerte pasar
por las calles buscando.

Y solo pueden mirar y esperar,


si van o no a pasar,
pues a quien no tiene la salud, ni lar

140
solo resta el derecho de mirar
el virus pasar.

141
142
El primer
paso fue
de los
pobres

O
Los partidos seguían su sueño de
décadas y los revolucionarios de las
redes sociales intentando cambiar
el mundo desde sus sillones. En la
presidencia el psicópata bosteando
todos los tipos de odio, contra

143
negros, pobres, gays, lesbianas, indios y
todos los grupos que cree que merecen ser
exterminados.
La pandemia asesinando los nuestros a
cada día y los números apuntando a casi
treinta mil muertes. Los políticos con la cola
entre las piernas firman manifiestos, buscan
jueces e intentan por las vías institucionales
resolver los problemas; la crisis siempre azota
a los más pobres.
El huevo de la serpiente, incluido durante
décadas por diversos partidos y lados,
mostraba su veneno. Sus crías en las calles,
desfilando en el odio a las diversidades, con la
retaguardia policial, la marcha del fascismo.
En un domingo 31 de mayo las calles
fueron tomadas por hinchas organizados,
personas pobres de las periferias, deliverys,
antifascistas y anarquistas. Fueron al
encuentro de los hijos del fascismo que
desfilaban por la avenida.
Cuando el sol estaba en el medio, fueron
los fachos expulsos y al ser defendidos por
144
la policía la resistencia se hizo sentir. Sentir
de la manera más linda y esperanzadora,
las bombas y las balas volaban y las líneas
luchaban por horas sin retroceder.
Y fue así que en la avenida Paulista, en
una tarde de mayo, se mostró de donde la
resistencia de manera concreta empezó. No
fueron cartas o teclados digitados, venía de
arriba de los cerros. No fueron los burgueses,
las vanguardias, partidos o intelectuales.
Fue el pueblo que dio el primer paso para que
la luche se concrete. Que en el futuro esta
historia sea contada como ella fue, de abajo.

145
Las
em
ple
ada
dom
s
ést
yl ica
a s
pan d e m i a

146
L
loran las muertes de sus madres, que tan
masacradas fueron en la vida. En una
salud que mal llega hasta ellas, frente a
una enfermedad importada, traída por
alguien con el privilegio de ir y venir
adonde quiera. Se lamentan y miran
los cielos intentando encontrar un Dios que
les explique, el porqué de tanto sufrimiento
solamente en una vida. Vida que parece más
muerte e infierno en la tierra.
¿Como quedarse en casa, al mismo tiempo
luchar para protegerse del virus e impedir
que el hambre atinja sus amores? Son madres
obligadas a salir de casa a cada día, para
poder limpiar la casa de aquellos que pueden
contaminarlas.
¿Pues por más progresistas que sean sus
patrones, les pagarían para que no trabajen?
Sus patrones no saben lavar una loza
o hacer un arroz, pues siempre tuvieron
todo listo. Y así transcurre la vida de miles
de señoras de la limpieza y empleadas en
tiempos de pandemia. Corriendo el riesgo de
147
cargar en sus cuerpos marcados por los años,
una enfermedad desconocida, traída de un
viaje a un país que jamás conocerán.
Y así sigue el riesgo, expuestas a los
peligros de los lares que necesitan limpiar y
de los niños que no son sus hijos y necesitan
cuidar. Para poder llevar a sus casas el pan,
que ningún gobierno les dará.
Una de las primeras lágrimas que lloré al
saber de la primera muerte confirmada en el
Estado de Rio de Janeiro, un 19 de marzo de
2020, fue una empleada doméstica que fue
contaminada por su patrona que llegaba de
Italia infectada.
¿Cuántas madres negras, señoras de la
limpieza, empleadas pobres tuvieron que
salir para trabajar en casa de sus patrones en
tiempos de pandemia?

148
149
150
“N
or
ma
lid
ad”
E
n aquella tarde de pandemia, mientras
unas pocas personas asustadas
pasaban, un chorro de agua limpiaba la
vereda donde todos pisaban.
En tiempos rigurosos con la
limpieza, para impedir que el virus
que mata ricos también se propague, ellos
estaban allí buscando limpiar y salvar la vida
de muchos.
Cinco hombres negros, sin guantes y con
algunas máscaras limpiaban la ciudad que
necesita volver a la “normalidad”. Ellos sin
parar limpiaban continuando la “normalidad”
de ellos, lo que hacen todos los días, ganando
lo mismo y viviendo en las mismas casas.
Y así sigue la “normalidad” dentro de una
sociedad que entra en cuarentena y cuidados
mayores, dependiendo a quien la enfermedad
ataca.
Así sigue la “normalidad” de aquellos cinco
hombres negros y pobres, que continúan
limpiando las calles para que la ciudad pise,
y hoy más que nunca para que aquel hombre
151
blanco esperando aquel taxi no se venga a
enfermar.

152
153
Medidas
contra la
pandemia,
la maloca *

154
D
ebajo de aquel viaducto pobre en
una ciudad rica, los maloqueiros**
se reunieron y pensaron en como
intentar minimizar el impacto del
virus que se estaba alastrando por las
calles y por las vidas.
La aprensión en los rostros, las miradas
pensativas y la alegría por la mitad de
aquellos que saben que en tiempos de dicha
normalidad no poseen hospitales. En tiempos
de crisis, bien saben ellos que seguirán siendo
los últimos, y como dijo un maloqueiro:
“Entre nosotros y ellos, se que van elegir a
ellos”.
Frente a esta frase, mas que sabida la
maloca se organizó, se pensó en aquello que es
sabido por todos ellos. El famoso nosotros por
nosotros que pasa en el viaducto.
Así se levantaron y empezaron a surgir
los equipamientos, la calle se movió y alzó su
voz para protestar. Para cobrar una pequeña
parte de la deuda histórica y para generar
incomodidad en los acomodados.
155
Costureras pobres mandaron máscaras,
médicos se dispusieron, colchones fueron
comprados, alcohol en gel en la entrada y
salida de la okupa, higienización frecuente.
Y así se organizó pensando en la vida,
dividiendo de lo poco que se tiene, pensando
en la vida del maloqueiro de al lado.
Debajo de un viaducto se pensó en la
vida por encima de la economía, pues los
maloqueiros saben mas de compartir que de
ahorrar. Prefieren amar en el día de hoy, sin
saber que será lo que el Estado les prepara
para mañana.
Allí entendimos que no hay enfermedad
democrática, pues en el viaducto es sabido
que los pobres morirán más que los ricos.
El contagio puede ser democrático, pero el
mayor numero de muertos tocará en el mismo
lugar siempre.
Diferente del psicópata electo, el
maloqueiro piensa en los suyos como si fuera
él mismo, y piensa en la vida diferente de los
gobiernos.

156
Se pensó en cada detalle, los que viven en
las calles son expertos en sobrevivencia en
tiempos de crisis. Viven las crisis en la piel,
desde sus nacimientos hasta sus muertes.
Darian clases de este tema, a los movimientos
sociales, a los gobiernos y hasta para dichos
expertos en el asunto.
Así se vive la pandemia en el viaducto
Alcántara, intentando salir vivos y pensando
en el otro, compartiendo de lo poco que se
tiene y lanzándonos la pregunta:
¿Solidaridad es dar de lo que sobra en
tiempos de conmoción, o compartir de lo que
se tiene frecuentemente?
*Malocas se dicen a los espacios que las personas que
viven en las calles de São Paulo construyen, pueden ser
de cartón, pedazos de madera, plástico o lo que sea.

**así son llamados en São Paulo las personas de la


calle que viven en las malocas, en las favelas también se
utiliza el termo. Hasta como un estilo de vida de quien
vive en esta condición social y de una cultura propria
de ser y vivir (cultura necesaria para sobrevivir al día a
día)
157
Los presos

158
E
n este país se llenan las cárceles
todos los días, en su mayoría son
negros y pobres, basta ser uno de los
dos o los dos juntos para ser motivo
de sospecha. El sistema y la policía
refuerzan su racismo en los abordajes
y los discursos.
Escribí sobre la Tamires en el primer libro
(El valle y su violín), aquella que fue niña
de la calle y tocaba su violín, que firmaba mi
nombre en la escuela para decir que era mi
hija. Se encuentra presa en la cárcel femenina
de Santana, y no paro de pensar en ella y
en los otros que vivían en las calles y están
encarcelados.
En tiempos normales la cárcel suele ser
cruel. En este país con la tercera mayor
población carcelaria del mundo, en tiempos
de pandemia puede ser peor. Me imagino que
será que la Tamires y tantos otros que conocí,
que estén pasando allá dentro, en el abandono
social.

159
La salud es privación para quien está
preso también, y así como del lado de afuera
no sabemos el número real de muertos por
el virus, del lado de adentro de las celdas ni
imaginamos cuantos ya murieron o cuantos
están infectados.
La gente presa no genera conmoción,
no merece solidaridad de la sociedad y
ni cuestionamientos. Hay desespero allá
dentro, hay llanto y miedo de muchos que ya
no pueden ver sus parientes, y ellos saben
que el contagio en una celda pequeña donde
duermen 30 o 50 es fatal.
No le puedo preparar un té caliente o darle
un remedio a Tamires, no puedo saber de ella,
no escucho su voz hace meses. Imagino que
está abandonada y sin saber si viva o muerta
saldrá de allá.
La pena de muerte no necesita ser
legalizada, porque nunca dejó de existir,
cuando se tiran millares de personas en las
cárceles para matarlas de a poco, podemos
decir que tenemos la pena de muerte más

160
cruel y más lenta. Aquella que te mata con
torturas diarias y busca a todo costo que no
salgas vivo.
Los gobiernos tienen cada vez menos en
cuenta a la población carcelaria, en realidad
esperan sus muertes. Nunca sabremos
el número real de muertos por el virus
de aquellos que están presos, no habrá
conmoción y ni solidaridad en relación a los
que están de lado de adentro. Para el Estado
merecen la muerte, y si el virus los mata el
poder guardará silencio, pues la muerte de
ellos tendrá justificativa social para ocurrir.
Todos los días millares de presos le
escriben cartas a sus familiares, cartas de
amor o de despedida. Y yo desde la ventana
de mi cuarto mirando para algún lugar, con
impotencia o rabia rezo por ellos.

161
162
Sentado
a la
orilla del
desagüe

S
entado a la orilla de un desagüe, miro
ese cuerpo marcado por la vida. Esa
vida de pobreza y marcas. No sé su
nombre, ni su historia, apenas lo
miro, y él me mira con esa mirada
llena de dolores y tristezas que solo él
sabe cargar.
163
Los autos casi no pasan en tiempos de
pandemia y miedo, el miedo de aquellos que
se sentirán siempre seguros. Contrasta con
el miedo de aquellos que no consiguen dormir
con miedo de no despertar.
Sentado a la orilla del desagüe de
máscara y sin casa, mira la ciudad vacía en
cuarentena. Mira los edificios en su frente y
ve las personas distanciándose unas de otras,
observa el alcohol en gel en las manos de
aquellos que pueden pagar por su protección.
Él intenta protegerse con su máscara sucia y
así sobrevivir una vez más.
¿Qué es cuarentena y resguardo para los
que no tienen casa? ¿Qué son planes de salud
para aquellos que la salud jamás les llega?
Y allí estaba él, que necesita sobrevivir
las amenazas sociales, al prejuicio, al
hambre, a la violencia y a la pandemia.
Sentado a la orilla del desagüe, descalzo y sin
camiseta, con su maloca*y su máscara. La
sobrevivencia de aquellos que no tienen casa y
ni salud sólo puede ser un acto heroico, en un

164
país donde la cuarentena es un privilegio que
pocos pueden pagar.

*malocas es el nombre dado en São Paulo a las


casuchas de cartón, platico o el materia que sea posible
de los que viven el las calles.

165
166
Progreso
y Villa

L
a pelota paró y el silbato quedó a un
lado. Las tribunas quedaron vacías.
No se escuchan más los cantos ni los
gritos de gol. En la Teja y en la Villa,
en Montevideo, algo falta, son barrios
incompletos sin la pelota rodando,
parte de la vida deja de existir. Pero hay algo
que nunca faltó en tiempos de pandemia, en
tiempos de crisis, en días de protegerse de la
muerte: la solidaridad.
Los hinchas salieron de las tribunas y los
jugadores se sacaron los zapatos de fútbol.
Se colocaron los guantes, las máscaras, y
tomaron las ollas, prendieron el fuego y
167
condimentaron los legumbres, las carnes o lo
que hubiera para poner adentro.
Barrios pobres de gente que trabaja para
sobrevivir, que poseen historias de luchas
y glorias. En el pasado demostraron su
grandeza afuera de las canchas y en estos
tiempos no podía ser diferente. Alimentar su
pueblo, su gente, sus hinchas, mover el barrio.
Para equipos ricos gastar a veces es más
difícil y cuando dan, es poco, comparado a lo
que ganan. Para equipos pobres dar es dividir
lo poco que se tiene. El movimiento en estos
barrios es no dejar nadie hacia atrás, ni en
el hambre, es un gesto de vida y resistencia.
Es pensar más allá de la pelota, es pensar en
la vida de aquellos que conviven contigo, en
aquellos que cantan y que sufren a tu lado
en la tribuna, en aquellos que son más que
solamente vecinos.
Las personas de Villa Española, parten del
Obdulio Varela, su estadio, de su cantina en
el barrio, de lo poco que tienen hacen mucho,
con la fuerza de su historia y benditos por

168
Bigote López y Zurdo Zárate, buscan resistir
en tiempos de dolores.
En la Teja al lado del Paladino, los gauchos
demuestran su grandeza al no dejar nadie de
los suyos al hambre. De resistencia, dolores y
amores, con la bendición de Canobbio, Leonel
Rocco y Próspero Silva, preparan con amor
cada olla revuelta, cada plato servido.
En estos barrios de gente que sobrevive
con una sonrisa y una pelota, no admiten
perder con la muerte de los suyos. Y así sigue
siendo escrita la historia de dos barrios, de
dos equipos que ven la vida más allá de las
cuatro líneas y que realmente se preocupan
en no soltarle la mano a nadie.

169
170
Vampeta
V
ampeta empuja su carretón en la
pandemia
sigue recogiendo sus fierros, latas
y cartones.
Las calles intentan quedar vacías
y Vampeta sigue buscando entre la
basura y los escombros.

Ya debe haber pasado de los 60.


Con las suelas gastadas y los pies casi en el
suelo.
No puede parar.
Si para el hambre llegará.

De rostro sufrido adornado


por una sonrisa constante
Vampeta sigue pisando el pavimento
empujando pesos y más pesos
sobre sus espaldas.
171
Debería estar parado,
con sus más de 60
Pero Vampeta negro y pobre
sigue su trayectoria
y tal vez empuje su carretón
hasta que su cuerpo ya no aguante.

Vampeta no puede quedarse en casa,


y si el virus o la muerte lo atrapan,
no será contado,
y tal vez solo,
venga a ser enterrado.

Usted puede conmocionarse al ver a


Vampeta
¿Más que hacer?
Pues si no empuja su carretón

172
y si no sigue gambeteando el virus y la
ciudad
¿Que Vampeta irá a comer?

Vampeta enfrenta el virus y el hambre,


sabiendo que el privilegio de quedarse en
casa
no le fue concedido en este mundo.
En este mundo de mierda
que finge que no lo ve.

173
Tu mirada
dilacerante
174
T
e escribo a tí que en este día me
miraste y me hipnotizaste, en estos
tiempos mas pesados y más crueles
¿Pero quien soy yo para hablarte de
crueldad a ti? ¿Para enseñarte algo de
vida o darte palabras de esperanza?
Quisiera poder prometerte días bonitos,
quisiera poder decirte que el otro mundo es
posible. Expresarte una sociedad justa o de
amor, quisiera poder decirte que saldremos
mejor de todo esto, o que este planeta no
permitirá tus pies descalzos.
En aquel día de distanciamiento, de
mascaras que muchas veces mascaran la
hipocresía, debajo de sus tejidos, pasaban
sin percibirte. Desprotegida y con tu cara
marcada y tu blusa sucia de tanta tierra y de
tanto jugar, hiciste parar el tiempo.
Aquellos segundos fueron eternos, al
punto de pasar por mi mente esa mistura
de sentimientos acelerados y dilacerantes
despedazándome. Parado en aquel barrio, que
de luz sólo tiene el nombre, tu apoyada en

175
aquellas paredes marcadas por tanta historia,
que son patrimonio y que infelizmente a los
ojos de muchos son más importantes que tú.
Aquellas paredes reciben los cuidados que tú
mereces, aquellas murallas son protegidas
contra la posible acción de los que son
equivocadamente llamados vándalos, cuando
vándalos son los que te destinaron a esa
condición.
Tú no elegiste nada de esto. No consigo
darte palabras de esperanza, pues estaría
mintiéndote o prometiéndote algo que esté
mundo no te dará.
En aquella tarde vacía, de esta ciudad gris,
me paralizaste con tu mirada. Esa mirada me
hizo querer llorar, me hizo querer desear días
mejores. Días lindos para ti y para tu corta
vida.
Pequeña amiga, que me miraste con tus
ojos tristes y una media sonrisa tímida, con
tu camiseta gastada como vestimenta única y
tus pies descalzos. Este mundo será un mundo
peor después de todo esto, infelizmente tu lo

176
sentirás más que muchos, que en su condición
confortable hablan de crisis, tu sabes lo que
realmente es una crisis.
Tú que no tienes zapatos, sientes de
manera más cruda el suelo que te recuerda a
cada día la pobreza que algunos te destinaron.
Nada saben de los reales efectos de la crisis
esos economistas, que viven de análisis de la
desgracia, que quien la sentirá eres tú.
No logré decirte que el mundo será un
buen lugar para vivir, si tu ni lugar para vivir
debes tener. Infelizmente no todos los niños
son iguales, tú no estás en las salas de clase
y ni en las online, la educación moderna más
una vez te dejo afuera, y sin ningún tipo de
protección o garantía, la pandemia para ti
será más que una lucha.
Perdón por no lograr abrazarte, pues me
quebraste los brazos y la mente. Y cuando el
tiempo volvió a andar y tú seguiste el camino
con tus pequeños pies, solo logré mirar al
suelo y desear que todo esto se acabe, que
fuéramos extintos.

177
Espero que dejen de existir los que te
destinan a esa condición, que ellos no dejen ni
la maldita sombra y ni rastros de sus vidas. Y
que un día nos perdones, pues por cobardía,
individualismos, egoísmos y estupidez no te
construimos un mundo mejor, donde tus pies
descalzos no sean parte de la normalidad o del
paisaje.

178
179
El
encuentra
Dios al
lado de
abajo
180
C
on sus sandalias y su mirada marcada
por tantas luchas, da pasos rumbo a su
parroquia, pensativo y inconformado
para en algunas malocas*. El camino
no puede ser recto en la vida de los que
resisten, pero tiene que tener curvas y
a veces el llegar se torna más largo.
Siempre se niega a que la casa del
carpintero pobre, sea morada para los ricos,
abriéndola todas las mañanas para aquellos
que son su vida, los más pobres. Y es allí
que el encuentra Dios, en el rostro de los
más sufridos, de aquellos que nunca fueron
invisibles para el.
En tiempos de pandemia, muchas iglesias
cerraron las puertas y reclamaron de diezmos
no recibidos, del dinero que no entraría en sus
cofres. Pero en la parroquia del, las puertas se
abrieron más que nunca, todas las mañanas el
pan es repartido, la justicia es incomodada y
acoge aquellos que los auxilios del gobierno no
atingen.
Habitantes de la calle, travestis,

181
musulmanes, budistas, anarquistas, ateos,
rebeldes y alborotadores, están allí tomando
café, compartiendo la vida y maldiciendo
los gobiernos o gobiernistas. Los “buenos
ciudadanos” pasan por el lado de afuera y
lo maldicen, pero el padre con su mirada
y palabra precisa tiene siempre buenas
respuestas.
Antes del pan el reza, por todos aquellos
que a los ojos sociales son irezables, por
aquellos que para muchos son condenables.
Pero son estos que están allí, todas las
mañanas de pandemia, compartiendo la vida
en tiempos de muerte.
Y así sigue la rutina del padre que busca
Dios mirando para abajo, de esta forma
sigue la vida de aquel que desconforta los
confortables. Con los pies en la tierra vive
criticando los que viven en los cielos.
En tiempos de pandemia y distanciamiento
se hizo más prójimo, y con sus muchos años
de lucha prefirió no descansar. Y así sigue
enseñándonos y dándonos el privilegio de

182
su vida, de sus existencia en medio a la
resistencia.
En las malocas*, viaductos, protestas y
resistencias somos compañero del Santo de
los habitantes de la calle y alborotadores, es
nuestro Julio el padre maloqueiro*.

*Malocas se le dice a las casuchas de los que viven


en las calles de São Paulo, pueden ser de madera, cartón,
platico o el material disponible.
*maloqueiro nombre dado a los que viven en las
calles y habitan las malocas.

183
184
Tiempos
de dolores
y sin
abrazos

E
n aquel sábado por la mañana, de un
día en soleado, donde las personas se
distancian más unas de las otras, él
estaba con su máscara y su sombrero.
Si antes la indiferencia y la condición
a la que fueron sometidos los mataba,

185
ahora el toque y el afecto pueden ser mortales
también.
Antes de partir del viaducto, nos mira y
nos dice: “¿saben de lo que más siento falta?
De un abrazo, de que la gente se abrace. La
gente no puede más abrazarse”. En medio de
la pobreza, los afectos y toques son riqueza.
El abrazo, el beso, el poder sonreír y sentir
aquellos que pasan o que nos cercan.
Con su cabello blanco y su mirada de tantas
situaciones, nos mira con dolor. La vida se
hace más pesada para quien vive en las calles,
si ya conviven con tantos distanciamientos
sociales cargados de prejuicios, ahora deben
dejar de abrazarse.
Entonces me fui pensando que aquel amigo
de tantas luchas y de tantas calles, necesita
vivir, necesita estar entero. Necesitamos
abrazarnos de nuevo.
Hay más de una lucha a ser luchada, la
lucha por los afectos, las distancias que ya
nos separaban históricamente se tornan más

186
dolorosas. El amor en tiempos de pandemia
es más difícil de encontrar y ser expresado,
afectos a la distancia no son la misma cosa,
sentir al otro era lo que nuestro amigo Lula (el
que sigue pobre y vive en la calle) manifestó
en su hablar, y en sus ojos llorosos llenos de
lamento.
Aquel maloqueiro viejo de tantos amores y
dolores, que solo él sabe cargarlos, que tantas
veces nos abrazó, demostró sufrimiento
por no poder abrazarnos al vernos. Caminé
pidiendo a quien pudiera oírme en algún
lugar del universo, que necesito tener la
oportunidad de abrazar a mi amigo de nuevo.
Lo más doloroso para Lula (el maloqueiro) en
la pandemia es el no poder abrazarnos.

187

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