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APLICAÇÃO DE FERRAMENTA BIM NO LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO


DA ANTIGA ESTAÇÃO DE TREM DE BEZERROS – PE
DIRETRIZES DE PRESERVAÇÃO ATRAVÉS DE APORTE COMPUTACIONAL

Júlia Grasiella Lima e Silva1


Murilo Timóteo de Oliveira2
Pier Paolo Bertuzzi Pizzolato3
Samara Laurentino Silva4
Thainá Ferreira da Cunha5

Resumo: Os novos softwares digitais têm sido amplamente utilizados na construção civil, entretanto, é
ainda pouco aproveitado na área de restauração é ainda pouco explorado. Porém, existe um grande
potencial de uso dessas ferramentas na área, sendo associadas ao estudo arquitetônico/tipológico e na
manutenção de patrimônios históricos. Por esse motivo, a problemática da pesquisa consiste em
demonstrar as contribuições do uso de novas ferramentas gráficas para a representação de edifícios
históricos, tendo como objetivo discorrer sobre a utilização de ferramentas computacionais para o
registro arquitetônico de patrimônios culturais. Como objeto de estudo, utilizou-se a antiga estação de
trem em Bezerros - PE, visando sua documentação para futuras intervenções e restauro. Foram
realizados levantamentos arquitetônicos do edifício histórico e digitalizados no software REVIT
Autodesk, ferramenta BIM (Building Information Modeling) que possibilita a compatibilidade de novos
projetos, informações e propicia melhor interação virtual entre as plataformas digitais e
acompanhamento da manutenção (ou degradação) do edifício.
.

Palavras-chave: Patrimônio cultural, levantamento arquitetônico, software BIM, documentação;

Abstract: The new digital software has been widely used in civil construction, however, it is still little
availed in the area of rehabilitation and is still little explored. However, there is a great potential for
using these tools in the area, being associated with the architectural / typological study and in the
maintenance of historical heritage. For this reason, the research problem consists in demonstrating the
contributions of the use of new graphic tools for the representation of historic buildings, aiming to
discuss the use of computational tools for the architectural registration of cultural heritage. As an object
of study, the old train station in Bezerros - PE was used, aiming at its documentation for future
interventions and restoration. Architectural surveys of the historic building were carried out and
digitized in the REVIT Autodesk software, a BIM (Building Information Modeling) tool that enables the
compatibility of new designs, information and provides better virtual interaction between the digital
platforms and monitoring of the building's maintenance (or degradation).

Keywords: Cultural heritage, architectural survey, BIM software, documentation.

1
Graduada em Arquiteta e Urbanista pelo UNIFAVIP WYDEN (2019); ex-aluna; julia.grasiella@hotmail.com;
juliagprojetos@gmail.com
2
Graduando em Arquitetura e Urbanismo; aluno do UNIFAVIP; email: murilot18@hotmail.com
3
Doutor em Habitat pela USP (2014). Coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo no UNIFAVIP WYDEN;
email: pier.pizzolato@unifavip.edu.br
4
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo; aluna do UNIFAVIP WYDEN; email sam.lauren42@hotmail.com
5
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo; aluna do UNIFAVIP; email thaina_ferreira@hotmail.com
1

1. INTRODUÇÃO

A inovação trazida para as atividades de preservação e intervenção em edifícios


históricos através do uso da ferramenta BIM (Building Information Modeling) torna-se cada
vez mais indispensável na catalogação e na manutenção do bem edificado. A aplicação da
tecnologia BIM permite fixar para memória futura o seu sistema construtivo original, registrar
intervenções e adaptações, além de divulgar o patrimônio junto de um público mais vasto.
O uso do BIM, através do REVIT, é ainda pouco utilizado, mas a pesquisa averiguou
documentação de vanguarda para obter um produto atual para a preservação do patrimônio
histórico ferroviário em Bezerros-PE. Com isso, o presente artigo tem como objetivo principal
identificar e aplicar novas ferramentas computacionais de modelagem digital de construções e
interoperabilidade6 no processo de preservação e levantamento dos edifícios históricos. Como
objetivos específicos da pesquisa, tem-se: levantar bibliografia específica sobre os processos
ligados à criação de modelos virtuais com base na plataforma BIM; sistematizar o levantamento
de dados sobre a estação de trem de Bezerros; realizar a construção do modelo utilizando o
software REVIT;
Para a realização das atividades propostas, foi feita uma revisão literária para
fundamentar as ações adotadas na pesquisa. Entre os teóricos estudados, destacam-se KÜHL,
FREIRE e FONSECA e paralelamente as visitas foram realizadas e a produção do material
digital. A organização do artigo se dá da seguinte forma: inicia-se com a descrição da
metodologia utilizada e logo após os resultados da pesquisa com um resumo dos fatos ocorridos
durante o levantamento, digitalização no Revit e seus respectivos pontos positivos e negativos
atendendo ao problema da pesquisa. Posteriormente, é discutido do histórico da Estação da
Cultura em seguida é feito um breve histórico de como se deu o processo de preservação dos
patrimônios culturais através da revisão de literatura.

2. METODOLOGIA

O delineamento da pesquisa deu-se por meio de um grupo de Iniciação Científica com


foco em patrimônio histórico. Inicialmente os participantes se envolveram na pesquisa teórica

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A palavra interoperabilidade significa que o software permite que vários profissionais alimentem o
modelo (simultaneamente, ou não) com informações e o arquivo resultante absorve essas informações
em tempo real.
2

para adquirir um arcabouço teórico para fundamentar as técnicas utilizadas na atividade prática,
posteriormente foram realizadas as visitas ao local de estudo para diagnóstico da edificação e
levantamento arquitetônico.
Para realizar o registro das informações é necessário que se tenha o completo
conhecimento da construção através de uma metodologia de levantamento e aquisição de dados
que favoreça a obtenção precisa e realista do espaço como mostra Groetelaars (2015). Isso
permitirá armazená-los de forma que possam servir como auxílio no caso de futuras
intervenções, restauros, preservação da memória do objeto ou em acontecimentos imprevisíveis
como acidentes, degradação decorrido pelo tempo, desastres naturais ou qualquer meio que
venha a danificar sua estrutura física e que servirá como instrumento de monitoramento e
fiscalização.
De acordo com Groetelaars e Amorim (2011) a documentação passa por cinco etapas,
planejamento, aquisição, processamento e gerenciamento de dados e controle e documentação
dos processos. Portanto, na presente pesquisa o planejamento objetiva a realização de um
levantamento arquitetônico e a documentação da estação ferroviária de Bezerros-PE, fazendo
uso da plataforma BIM (Building Information Modeling – Modelagem de Informações da
Construção) Autodesk Revit 2018 versão estudante, que possibilitou a obtenção de um modelo
3D vinculado com os dados obtidos ao longo da pesquisa, a fim de servir de base para
intervenções futuras. Sua contribuição na área do patrimônio é fundamental para uma
documentação sistemática de edificações de grande importância cultural, assim tal registro fica
acessível para futuros projetos de manutenção e/ou restauro, como também pode ser utilizado
juntamente com outras tecnologias para a reprodução e interação de pessoas.
A aquisição de dados foi obtida por meio de medições in loco, pesquisas sobre o
histórico do local e impactos socioculturais. Tendo em vista a limitação tecnológica e
informacional, o processamento foi feito com o máximo de levantamentos métricos obtidos
para a confecção de plantas baixas, fachadas, cortes e detalhes, estruturando as informações
para que o potencial do Revit fosse amplamente aproveitado.
Para a modelagem da estação foi preciso fazer o levantamento arquitetônico (relevo
arquitetônico) da área e das principais características que compõem a edificação. Foram
observados os elementos arquitetônicos da antiga estação, tipos de fechamentos das aberturas
(portas e janelas) e materiais construtivos empregados na época de sua edificação. Através de
desenhos e croquis, foram registradas as medições dos ambientes, os níveis dos pisos, as alturas
3

do “pé-direto”7 a partir de ferramentas para medição como trenas de fita métrica, a laser e nível
de bolha.
As fotografias registradas na visita, também ajudaram na rapidez do processo de
modelagem, pois houve detalhes que não foram visualizados no levantamento e,
consequentemente, geraram dúvidas que poderiam ser empecilhos na continuidade do trabalho.
Além da modelagem (figura 01) para o estudo do patrimônio edificado em questão,
estudou-se referências e embasamentos teóricos que discorrem sobre as novas tecnologias e
seus demais recursos que intermediam a disseminação de informação e perpetuação da
memória, como por exemplo: realidade virtual e impressão 3D.

Figura 1: Modelagem 3D da Estação Ferroviária de Bezerros

Fonte: Autores (2020)

3. RESULTADOS

3.2. LEVANTAMENTO E DIGITALIZAÇÃO NO REVIT

A primeira reunião do grupo aconteceu no dia vinte e três de agosto de dois mil e
dezenove, onde abordamos o objeto de estudo e as metas a serem atingidas. No dia dezesseis
de outubro de dois mil e dezenove, aconteceu a primeira visita in loco, onde foi feito o
levantamento de níveis a partir do método da mangueira d’água, como também as medidas da
fachada da edificação com trenas métricas, croquis foram confeccionados de onde se partiu o

7
Pé-direito: termo técnico para designar a altura referente ao piso e a base do forro (ou laje).
4

levantamento e transferência dos dados para plataforma Autodesk Revit, nesta visita pudemos
perceber a técnica construtiva e os materiais utilizados, como também as marcas do tempo
deixadas na construção que contavam a história não só da estação, como também da cidade
(figuras 02 e 03). Posteriormente foram feitas novas visitas para a conclusão do levantamento
arquitetônico.

Figura 2: Levantamento Arquitetônico Figura 03: Levantamento Arquitetônico 8

Fonte: Autores (2019) Fonte: Autores (2019)

Durante a modelagem 3D (figuras 04 e 05) simultânea elaboração das plantas: de


coberta; do pavimento térreo e superior; dos cortes; e das fachadas, algumas dificuldades foram
encontradas. Com relação ao processo de concepção da obra no Revit estão ligados a falta de
domínio sobre a plataforma e a princípio ao modo de se pensar quando se trabalha com uma
plataforma BIM. No Revit, diferente de outras plataformas mais usuais, trabalha-se com
elementos, portanto, a obra sempre é pensada como um todo, ou seja, as vistas 2D e 3D sempre
estão interligadas. Por isso, se faz necessário uma grande captura de informações na hora do
levantamento, fato que poderia ser melhor explorado na posse de ferramentas mais avançadas
como UAV, MultiStations9, para a geração de uma nuvem de pontos para sua digitalização. O
levantamento foi feito a partir de trenas e nível d’água, que não permitem grande precisão de
informações, que um projeto em um patrimônio histórico necessita. Outra dificuldade
encontrada foi gerar ângulos mais precisos, pois o software tende sempre a arredondar medidas,
mais um obstáculo para que o modelo ficasse fiel ao original.
Das facilidades que a plataforma apresenta, estão: a facilidade para gerar o volume
simultaneamente; a possibilidade de compatibilização dos ajustes em todos os elementos do

8
Todos os participantes autorizam a publicação das imagens
9
Estações totais com scanning.
5

projeto; como também a parametrização de elementos. Também é atribuído como vantagem, o


fato de pensar o processo de projeto de forma diferente do usual, ao pensar o todo da construção
é possível perceber erros com maior facilidade e assim corrigi-los.

Figura 4: Esquematização e Modelagem 3D da Estação Ferroviária de Bezerros

Fonte: Mapa Google Earth modificado pelos autores (2020)

Figura 5: Modelagem 3D e Comparação da Estação Ferroviária de Bezerros

Fonte: Autores (2020)

Fonte: Autores (2020)


6

4 DISCUSSÃO

4.1. HISTÓRICO DA ESTAÇÃO DA CULTURA

A antiga estação ferroviária de Bezerros-PE (Figura 06), inaugurada em 1895, fazia


parte da Linha Tronco Centro da rede ferroviária pernambucana. O conjunto edificado conta
com uma lanchonete ao lado estação com banheiros anexados; cisterna; casa de “troller”10 (que
atualmente é uma residência); uma ponte de ferro; placas de sinalização e trilhos.

Figura 06: Foto Estação Ferroviária em 2006

Fonte: IPHAN (2009)

Na década de 1890, Bezerros tinha uma relevante produção cafeeira e algodoeira;


contando com mais de vinte engenhos para produção de rapadura e, mais de trinta olarias. Após
a instalação da ferrovia, o comércio expandiu devido a facilitação do transporte de produtos e
posteriormente, o transporte de passageiros.
Por esse motivo, a estação ferroviária foi implantada próximo ao Rio Ipojuca para
facilitar o transporte do que era produzido no município (figura 07). SILVA (2019) apud
WANDERLEY (1996) afirma:

Wanderley (1996) relata que o trem passava em Bezerros quatro vezes por dia e
registra em seu livro “Ontem e Hoje. No País dos Papangus”, as relações sociais na
estação ferroviária, entre elas: à espera dos parentes; as paqueras; os pequenos
mercadores vendendo seus doces; os taxistas aguardando os passageiros, entre outras.
Ele também explica que era através do trem que os bezerrenses tinham acesso aos
jornais importantes como a Folha da Manhã e o Diário de Pernambuco.

10
Troller: pequeno veículo usado pelos trabalhadores do sistema ferroviário que faziam a manutenção
da via permanentemente.
7

Figura 07: Localização da Estação Ferroviária - Planta de Situação antiga

Fonte: Acervo do IPHAN (PE)

Atualmente conhecida como a Estação da Cultura (figura 08), a edificação funciona


como Centro Cultural que abriga dois museus no térreo e a sede da Secretaria de Turismo no
primeiro pavimento. O primeiro museu expõe elementos que representam a cultura
carnavalesca do local, como fantasias de “Papangus”11, maquetes e elementos decorativos. O
segundo museu tem como título: Maria Dulce Gomes da Silva, no qual exibe diversos artefatos,
e são verdadeiros documentos históricos que contam um pouco sobre a história da cidade. Neste
museu também são expostos artefatos que faziam parte do sistema ferroviário, incluindo o
banco onde os passageiros esperarem o trem, placas, instrumentos que serviam para a
manutenção, entre outros. Ainda no térreo, há uma sala de vídeo com cadeiras da antiga estação.
O local é útil para mostrar aos visitantes material audiovisual sobre a história citadina e da
estação.

Figura 08: Estação Ferroviária atualmente

Fonte: Autores (2019)

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A “Folia dos Papangus” teve início no ano de 1881, em que pessoas se mascaravam no carnaval, de forma
simplória, e visitavam as casas vizinhas comendo angu. Dentre os foliões, participavam pessoas importantes da
sociedade bezerrense e também as simples. A partir dos anos 1950, o carnaval já tomava conta das ruas Cel. José
Pessoa, Rua da Matriz e Praça Duque de Caxias, dando moldes ao que conhecemos hoje (MAIOR, 2010).
8

A edificação está inscrita na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário do Iphan (2015)


e faz parte da Zona Especial de Interesse Cultural (ZEIC) do Plano Diretor de Bezerros (2013).
É perceptível que a ocupação da estação com esses diversos usos trouxe benefícios para a
edificação, pois a mesma encontra-se em bom estado devido ao zelo das pessoas que mantém
o local em funcionamento.

Enquanto exemplos positivos destacam-se no Estado, a revitalização e restauração da


Estação de Bezerros, que em parceria com a RFFSA, Prefeitura e o IPHAN, foi
instalado um centro cultural e o Museu da Cidade de Bezerros, muito bem estruturado
e com manutenção satisfatória... (IPHAN, 2009, v. 01, p. 39)

Mas, a realidade anos atrás era outra, após a desativação da linha Tronco Centro da rede
ferroviária de Pernambuco a edificação ficou desativada, até que na década de 1990 recebeu a
primeira intervenção para comportar uma biblioteca municipal e o museu dos artefatos.
Contudo, foi só em 2006 que recebeu mais uma intervenção para receber a Secretaria de
Turismo, não funcionando mais como biblioteca, pois a mesma, foi transferida para outro local.
Em 2019 a estação recebeu manutenção com uma nova pintura. Os esforços são grandes
para manter a estação em pleno funcionamento e isso acontece pelo reconhecimento da
importância que o edifício exerce na cidade. Porém, ainda se percebe a necessidade da difusão
da educação patrimonial e um melhor aprofundamento sobre a preservação dos patrimônios
históricos.

4.2 O PROCESSO DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO

Com o desenvolvimento dos conceitos de memorização das ações realizadas pelo


homem, entre artefatos, costumes, documentos e edificações, a preservação do patrimônio
histórico passou por muitos processos e discussões ao longo do tempo, tanto no âmbito nacional
como internacional, pois este assunto envolve uma grande complexidade de atuação e decisões.
A medida que se compreende a necessidade de conservar estes feitos, há um apego a
historicidade do estético e monumental, porém a preservação vai além do histórico, deve ser de
caráter cultural social coletivo, importante para a memória de um povo, carregando um conjunto
de significados e experiências vivenciadas por gerações passadas.
Os primeiros pensamentos sobre a preservação se difundiram no período renascentista,
no qual teve seu surgimento na Itália após os achados arqueológicos das Antiguidades
Clássicas, houve um interesse em se estudar a arquitetura antecessora e, consequentemente,
ressurgiram vários ideais estéticos e artísticos destas civilizações. A necessidade de preservar
9

começou a partir do apego ao simbólico e de contemplação, tendo em vista a preocupação do


“permanecer”, mas neste período as intervenções não aconteciam de forma sistemática, como
cita Kühl (1998):

Apesar de construções do passado serem objeto de admiração e estudo, continuaram,


assim como durante a Idade Média, a servir de fonte de materiais de construção para
novos edifícios. Estes materiais estavam já prontos para o emprego e, muitas vezes,
ornamentados, sendo seu uso, permitido e, até mesmo, favorecido. (KÜHL, 1998,
p.181)

De acordo com Kühl (1998) os edifícios sofreram modificações devido aos novos
costumes, interesses sociais e estilos da época, ou também por alguma necessidade de
manutenção. Estas mudanças socioculturais resultaram na modificação de elementos e do
espaço, ocasionando o acréscimo ou a diminuição destes, perdendo seus usos originais e outros
sendo adaptados aos novos, desta forma, as edificações iam se descaracterizando da sua
concepção projetual.
Estas práticas começaram a ser contestadas por arquitetos, arqueólogos e estudiosos,
pois as construções greco-romanas já tinham sua importância no âmbito da pesquisa mundial.
Com o passar dos anos, na Itália do século XVIII, alguns pesquisadores realizaram restaurações
do que tinha se perdido e se modificado com o tempo, fazendo surgir as primeiras teorias de
conservação e restauração para os monumentos. Kühl (1988) cita o exemplo da restauração do
Arco de Tito e do Coliseu por Stern e Valadier referenciando as técnicas utilizadas nestes
monumentos com a preocupação de não ocorrer uma falsificação do preexistente.
Dentre estas teorias sobre a preservação dos monumentos, destacam-se a de Viollet-Le-
Duc12 com a ideologia de que as edificações deveriam ser restauradas conforme a sua época. E
a de seu antagonista John Ruskin13, que disseminava a ideia de conservação integral das
edificações. Mesmo com a perda da originalidade parcial ou total de alguns monumentos, com
certeza estas práticas desenvolvidas na época permitiram a evolução e o pensamento sobre o

12
Foi um arquiteto francês que ficou responsável pela restauração de vários monumentos na França, entre eles a
Catedral de Notre-Dame de Paris e Carcassone, ambos em 1844. As suas práticas ficaram conhecidas como
“restauração estilística”, pois Le-Duc restaurava as edificações buscando criar um modelo idealizado na “pureza”
de seus estilos. Sua atuação ocasionou a perda de elementos originais dos monumentos que trabalhou,
posteriormente considerado como uma “violência” as obras históricas, afirmado por Kühl (1998, p. 189).
13
Escritor e crítico de arte nascido na Inglaterra, pronunciou-se como um conservador das edificações históricas
aplicando seus ideais na sua obra publicada em 1849, a The Seven Lamps of Architecture. Considerava que o
edifício fazia parte de seu tempo, que qualquer intervenção a este seria considerada uma infração à época do
mesmo. “Ruskin preconizava, portanto, uma atitude passiva, de não atuação, mesmo que isso significasse a perda
do edifício.” (KÜHL, 1998, p. 191)
10

verdadeiro sentido do por que preservar e, contribuiu para discussões sobre a constituição do
patrimônio histórico e as formas de preservação um pouco mais tarde por outros teóricos da
área.
Além das edificações o tecido urbano também sofria com as modificações causadas pela
evolução das cidades, principalmente na intensificação do período industrial. A morfologia
urbana tradicional também fazia parte da contextualização e significado do edifício. Como
descreve Kühl (1998):

É importante relembrar que a restauração surgiu, como disciplina voltada para a


preservação de edifícios e sua transmissão para o futuro, no séc. XIX. Foi resultado,
entre outros fatores, do aparecimento de uma nova sociedade industrial, que foi
responsável pela rígida transformação do ambiente construído de então, com a
destruição de numerosas edificações. (KÜHL, 1998, p.220)

Muitas discussões foram intensificadas a partir de congressos de influência


internacional inclusive com a problematização da modificação das cidades. Um desse eventos
recebeu o título de Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM) e tinha como
objetivo debater os novos direcionamentos dos diversos domínios e atuações da arquitetura. E,
posteriormente a publicação da primeira carta de preservação do patrimônio.
Na escala mundial, o patrimônio foi tratado desde seu princípio como aspecto de
materialidade do monumento, ao longo de discussões em congressos internacionais de
arquitetura e técnicos de monumentos históricos, foram estabelecidas cartas que destacavam a
importância de preservar os materiais. Após a criação da primeira carta de Atenas em 1933,
outras foram feitas a partir do desenvolvimento do verdadeiro sentido a que se quer preservar,
entre elas destaca-se a de Veneza, de 1964, que expõe: “A conservação dos monumentos é
sempre favorecida por sua destinação a uma função útil à sociedade”. A preocupação em
conservar a caracterização do edifício pelo contexto social e histórico que este está inserido e
não somente pela estética edificada. Deste modo, a carta ressalta a importância das formas de
restauro, conservação e documentação da identidade cultural.
Fonseca (1997) explica que o Brasil foi um país tardio no seu desenvolvimento pela
colonização portuguesa, a ideia de preservar teve suas primeiras aparições no final do século
XIX com pré-projetos de governadores de alguns estados do país, como em Pernambuco e
Minas Gerais. Porém, as primeiras medidas a serem adotadas para preservação do patrimônio
brasileiro, teve seu desenvolvimento no início do século seguinte, a partir da perda de artefatos
dos museus nacionais, pela retirada destes do país através da denominação de pertencimento
civilizatório das elites. Através destes acontecimentos foram adotadas políticas para a
11

preservação da cultura nacional. Com a publicação da Constituição de 1934, o Brasil tinha pela
primeira vez um registro jurídico sobre a preservação do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional: “Compete concorrentemente à União e aos Estados: Inciso III - proteger as belezas
naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de
arte”. (BRASIL. Constituição, art. 10, 1934)
Posteriormente, foi decretado em 1937, no Governo de Getúlio Vargas, o decreto-lei n°
25 que instituiu a criação do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, o SPHAN, definindo
que:
O conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil,
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
(Decreto-lei n° 25, Art. 1, 1937)

Com o intuito de aplicar um projeto de conservação aos bens de cunho erudito e popular,
Mário de Andrade, nomeado e responsável pelo o SPHAN, queria desenvolver a documentação
e certificação de bens nacionais. Foi criada então a Inspetoria de Monumentos Nacionais, o
IMN, como expansão do Museu Histórico Nacional. Porém, a preocupação irreversível da perda
de artefatos coloniais desenvolveu o arquivamento de bens relacionados ao período
denominado de “pedra e cal”, sendo mais valorizados pela arquitetura elitista voltada ao
tombamento de imóveis e, deixando de lado a preservação de outros achados da cultura popular
nacional. Até o final da década de 1970 o SPHAN, nesse período já denominado de Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), começou a repensar as formas de
tombamento dos bens, que até aquele momento era focado no material e monumental.
Posteriormente foram adotadas medidas de preservação para outros bens tanto materiais como
imateriais que faziam parte da vivência e dos costumes populares brasileiros.
Atualmente a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), órgão regulador do patrimônio mundial, defende a preservação e regula de forma
mundial medidas de ações sobre o patrimônio, sendo aplicado conforme tradição e costumes de
cada nação. Com o desenvolvimento desta percepção sobre o cultural e não mais o material,
entende-se como patrimônio cultural tudo aquilo que fez parte e que tem identidade de um povo,
considerando monumentos, achados arqueológicos e etnológicos, costumes, rituais, entre
outros. A preservação existe para a alimentação do conhecimento de um ser, para consciência
dos feitos humanos conforme aquisição do conhecimento, considerando o patrimônio material
e imaterial parte da história popular.
12

Como mencionado no capítulo anterior, o patrimônio ferroviário fez parte deste


processo de tombamento pelo IPHAN e tem forte significado à população das cidades em que
a linha abrange. O patrimônio ferroviário das cidades possui potencialmente diversos valores
como por exemplo: “O valor histórico, o valor arquitetônico, o valor arqueológico, valor
paisagístico, valor de uso e valor de raridade. ” (FREIRE et al., 2012). A respeito do legado da
industrialização, incluindo seus aspectos sociais e de memória de lugar para população são de
grande valor como afirma Kühl (2008).
Com esta contextualização sobre a preservação do patrimônio histórico cultural,
percebe-se que a sua importância vai muito além de sua permanência física e estética como
tratado e discutido ao longo do tempo, sendo necessário uma busca de equilíbrio entre a
consolidação do patrimônio e suas formas de preservação. As ideias colocadas por Le-Duc e
Ruskin, geram discussões até a atualidade e a indagação do porquê é necessária esta
preservação. A sociedade precisa ter a continuidade de seus patrimônios para vivenciar e reviver
as raízes de uma geração que se passou, sendo a identidade de um povo.
Com este propósito, a presente pesquisa evidencia a importância documental e as formas
de registros adotadas a partir das ferramentas disponíveis na atualidade e a sua aplicação na
tecnologia para a consolidação do patrimônio histórico, ressaltando isto através da
documentação em BIM à antiga Estação Ferroviária de Bezerros-PE, de modo a preservar as
memórias afetivas da sociedade sobre o patrimônio ferroviário e permitindo o acesso a possíveis
intervenções que venham a ser feitas para a sua conservação, contribuindo para a renovação do
conhecimento e possibilitando a sua interação no decorrer do tempo a futuras gerações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de preservação de edifícios passou por grandes mudanças e percalços


durante toda e a história da humanidade. Preservar uma edificação, vai além do material, está
relacionado a resgatar momentos do passado da sociedade na qual ele estava inserido.
Momentos estes que influenciaram na malha urbana das cidades atuais e no seu modo de viver.
Com o tempo e a evolução das técnicas de preservação e restauração está ficando cada vez mais
fácil de visualizar as edificações desde o momento de sua concepção, como no período de
execução, manutenção e possível restauro. Assim, nos encontramos em um século privilegiado,
devido a gama de técnicas já bem desenvolvidas por meio da tecnologia disponível, que permite
a perpetuação de edificações que outrora seriam perdidas com o passar do tempo.
13

O desenvolvimento da presente pesquisa buscou explorar os recursos digitais


disponíveis para o aprofundamento no campo da preservação e conseguiu atingir o objetivo de
aplicar o que foi aprendido com a antiga estação de trem de Bezerros-PE. Foi feito o
levantamento da edificação e a sua modelagem no software Revit. A bibliografia utilizada foi
fundamental para o embasamento teórico e para a orientação das decisões que precisaram ser
tomadas ao longo do estudo. Como resultado, foi possível dar a cidade de Bezerros-PE esse
material de grande relevância para futuras intervenções na Estação da Cultura.

REFERÊNCIAS

BEZERROS. Lei Complementar nº. 15 de 19 de dezembro de 2007. Alterado pela Lei


complementar n° 037 de 02 de Julho de 2013, já inserida no texto: Institui o Plano Diretor de
desenvolvimento integrado do município dos Bezerros, definindo normas para o planejamento,
desenvolvimento sustentável e ordenamento urbano e dá outras providências. Bezerros:
Prefeitura do Município de Bezerros, 2013

BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 16


de julho de 1934. Brasília, DF. 1934. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm> Acesso em 30 Maio
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BRASIL. Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Artigo 1°. Brasília: Congresso Nacional.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm> Acesso em:
30 Maio 2020.

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de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997.

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GROETELAARS, Natalie Johanna. Criação de modelos BIM a partir de "nuvens de


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