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CLÍCIA ALEXIA

GUIA PRÁTICO
(MAS NÃO
DEFINITIVO)
ANÁLISE FUNCIONAL
NA PRÁTICA CLÍNICA

2023
EM QUE CONSISTE A
ANÁLISE FUNCIONAL?
A Análise Funcional consiste em uma ferramenta utilizada para se
compreender a função dos comportamentos apresentados pelos
clientes e assim elaborar as intervenções necessárias, busca-se
identificar as causalidades do comportamento a partir das relações
funcionais que são estabelecidas entre o indivíduo e o ambiente.
Conforme Filho, Ponce e Almeida (2009), o ambiente na teoria
skinneriana representa as dimensões físicas e sociais (internas e
externas) que se encontram em relação constante.
De acordo com Moreira e Medeiros (2007) a todo tempo,
controlamos o comportamento alheio e somos controlados, a
análise vai buscar entender como funciona essa relação. Controlar
um comportamento não significa obrigar o indivíduo a fazer algo,
sem que o mesmo queira, mas sim conseguir fazer com que sua
ocorrência se torne mais ou menos provável. Desse modo, com a
análise funcional identifica-se o comportamento procurando
entender em que circunstâncias o mesmo ocorre, quais são as
ações, pensamentos, sentimentos do indivíduo e possíveis formas
de intervenção.
As informações que o terapeuta pode obter sobre os antecedentes
e as consequências produzem uma análise funcional molecular.
Entretanto, um comportamento individual pode ser membro de uma
classe de respostas mais ampla, ou seja, comportamentos que
compartilham da mesma função com topografias diferentes. Essa
possibilidade torna necessário buscar identificar classes de
comportamentos mais abrangentes e compor uma unidade de
análise e tratamento bastante ampla, isto é, molar (MEYER, et al.
2015).

EXISTE UM PASSO A
PASSO?
Segundo Meyer, et al. (2015), construir uma tabela de tríplices
contingências pode ajudar o terapeuta a se sentir em melhor
condição de prever e controlar o comportamento do cliente e o seu
próprio. Os autores exemplificam com uma tabela composta de três
colunas: antecedentes, respostas e consequências e consideram
que um procedimento possível para selecionar os comportamentos
que irão compor a coluna de respostas, é o terapeuta elencar
respostas moleculares (específicas) que fazem parte da queixa do
cliente ou que foram identificadas como produzindo consequências
aversivas. Em caso de semelhanças entre os antecedentes e
consequências dessas diversas respostas, o terapeuta poderá
identificar uma classe de respostas molar (ampla).
Como ressaltado por Borges, et al. (2012), para que o terapeuta
comportamental compreenda os comportamentos-alvo de seu
cliente e possa realizar as intervenções necessárias é preciso
previamente concluir a avaliação inicial, ao analisar funcionalmente
as relações entre o cliente e seu ambiente, como se constituíram e o
que as mantém. “A intervenção só deve ocorrer quando se conhecer
sobre qual(is) pedaço(s) da contingência será necessário intervir –
operação motivadora, estimulo discriminativo, classe de respostas,
reforçador, etc. – ou seja, quando o clínico souber qual é o
“problema” e o que ocorre” (BORGES, et al. 2012, p. 108).

RELATO DE CASO
CLÍNICO
Virgínia (nome fictício), sexo feminino, 47 anos; separada há três
anos; mãe de quatro filhos, dois homens e duas mulheres entre 20 e
26 anos (com quem residia); funcionária pública. Na primeira
sessão de terapia Virgínia descreveu: - “Então às vezes eu quero
sair de casa e não consigo sair de casa. Todo dia de manhã é difícil
sair de casa, já fico enjoada logo de manhã, que acho que é meu
medo, assim é a minha luta, mas consigo sair de casa.”
No decorrer das sessões, foi possível identificar que estas e outras
queixas da cliente eram condizentes com o diagnóstico de
Transtorno de Pânico com Agorafobia: (a) ataques de pânico
(sudorese, taquicardia, tremores, náusea, formigamento das mãos)
em locais públicos e transportes coletivos, que passaram a ser
evitados; (b) preocupação acerca de sofrer outros ataques; (c)
medo de sair de casa, acompanhado de ânsia de vômito; (d)
dificuldade de ingestão de alimentos e medicações devido à náusea
constante.
. Os procedimentos para obtenção de dados e elucidação da queixa,
constituindo uma análise funcional do caso foram realizados
conforme descrição de Brandão, Pezzato e Oshiro (2010).
Em suma envolveram: 1) levantamento de hipóteses iniciais a partir
do corpo teórico-conceitual da Análise do Comportamento, 2)
obtenção de dados a partir do relato referente a contingências
presentes na vida cotidiana da cliente, 3) investigação da história
de vida da cliente e 4) observação direta dos compor[1]tamentos
da cliente em sessão.

Como pode ser observado na tabela 1, os dados levantados pelos


procedimentos 1, 2 e 3 permitiram identificar as contingências
presentes na vida cotidiana de Virgínia responsáveis pelo
estabelecimento e manutenção da queixa. Tais contingências
envolviam, em especial, a emissão de respostas operantes de fuga
ou esquiva de situações aversivas – situações que eliciavam
respondentes de ansiedade ou situações que demandavam emissão
de respostas de enfrentamento, como resolução de problemas,
desenvolvimento de repertório comportamental e exposição social.

Tabela 1: Análise Funcional das contingências cotidianas presentes no caso de Virgínia,


conforme processo diagnóstico descrito em Brandão, et al. (2010).

Tabela 2: Comportamentos-problema clinicamente relevantes (CCRs1) observados


durante as sessões de atendimento e seus correspondentes fora das sessões.

Tabela 3: Comportamentos clinicamente relevantes de melhora (CCRs2) observados


durante as sessões de atendimento e seus correspondentes fora das sessões.

A observação direta da interação da cliente com as terapeutas (4)


contribuiu para a identificação e ilustração do padrão
comportamental de fuga e esquiva do enfrentamento de situações-
problema nas sessões de terapia. A demanda estabelecida pelas
terapeutas no decorrer das sessões mostrou-se aversiva à cliente,
ocasionando a emissão de respostas como: faltas, descrição de
sintomas diante de perguntas relacionadas à resolução de
problemas, recusa em fazer tarefas de observação e descrição de
contingências, solicitação de soluções mágicas que não
envolvessem esforço (ex:“varinha mágica”), evitar falar sobre si e
entrar em contato com sentimentos (ex: rir ao descrever o divórcio
ou a morte dos pais).

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, A.S.; PEZZATO, F.A. & OSHIRO, C.K.B. (2010).


Transtornos de Pânico com Agorafobia: contribuições da Análise
Funcional para o processo diagnóstico. Em: Marcos Ro[1]berto
Garcia; Paulo Abreu; Eduardo Cillo; Pedro Faleiros; Patrícia Piazon
Queiroz. (org..). Sobre Comportamento e Cognição: Análise
experimental do comportamento, cultura, questões conceituais e
filosóficas. 1ª. Edição, pp.140- 146, Santo André: ESETec Editores
Associados.

VIOTTO FILHO, I. A. Tuim; PONCE, R. de F., & ALMEIDA, S. H. V. de.


(2009). As compreensões do humano para Skinner, Piaget, Vygotski
e Wallon: pequena introdução às teorias e suas implicações na
escola. Psicologia da Educação, (29), p. 27-55.

COSTA, S. E. G. de C.; MARINHO, M. L. (2002). Um modelo de


apresentação de análise funcionais do comportamento. Estudos de
Psicologia (Campinas), 19(3), 43-54. Disponível em:
<https://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2002000300005>.

NENO, S. (2003). Análise funcional: definição e aplicação na terapia


analítico-comportamental. Rev. bras. ter. comport. cogn. p. 151-
165. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1517-55452003000200006&lng=pt.>.

MEYER, S. B., et al. Análise Funcional do Comportamento. In:


Terapia analítico-comportamental: relato de casos e de análises.
São Paulo: Paradigma Centro de Ciências e Tecnologia do
Comportamento, 2015, p. 145-163.
REFERÊNCIAS

MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, C. A. A Análise funcional: aplicação dos


conceitos. In: Princípios Básicos de Análise do Comportamento.
Porto Alegre: Artmed, 2007. Cap.9, p. 146-164.

LEONARD, J. L.; BORGES, N. B.; CASSAS, F. A. Avaliação funcional


como ferramenta norteadora da prática clinica. In: BORGES,
Nicodemos Batista; CASSAS, Fernando Albregard. Clínica analítico-
comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre:
Artmed, 2012. Cap. 10, p. 105-109.

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