Você está na página 1de 179

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UNB

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Curso de Mestrado 2002 / I o semestre
Linha de Pesquisa: Meios de Comunicação e Processos de Significação
Orientador: Professor Doutor Denilson Lopes

Visibilidade Gay, Cotidiano e Mídia:


Grupo Arco-íris - Consolidação de Uma Estratégia.
Um Estudo de Caso

Augusto José de Abreu Andrade


Brasília, abril 2002
Banca

Orientador

Professor Doutor Denilson Lopes Silva, UNB.

Membros

Professora Doutora Rita Segato, UNB

Professora Doutora Tânia Siqueira Montoro, UNB

Doutora em Sociologia Cristina Luci Câmara da Silva,


Coordenação Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde
3

Certa vez, quando eu ainda era adolescente, v í Pascoal Carlos Magno, o


teatrólogo, fazer esta dedicatória em público e ela nunca mais saiu de minha
memória.

A todos os homens que eu amei


4

Agradecimentos

A todos os amigos que ousaram abrir suas vidas possibilitando a


realização deste trabalho. Valeu!
_ * . . ,

Aos que fizeram e fazem o Grupo Arco-lris RJ uma realidade deliciosa.

Ao professor Denilson Lopes, meu orientador, meu reconhecimento


pela extrema paciência, tranqüilidade e respeito frente às minhas ansiedades,
inseguranças e certezas.

À Cristina Câmara com quem me reencontrei no meio desta jornada por


sua delicada e firme presença.

Ao meu namorado Marcelo e ao meu filho Leonardo de quem desviei


horas e mais horas de convivência e que acompanharam passo a passo a
construção deste trabalho, obrigado pela compreensão.

À professora Diva do Couto Gontijo Muniz que me acolheu tão


carinhosamente em seu seminário de História das Mulheres e que sempre
esteve disponível para compartilhar sua experiência, à professora Lavina
Ribeiro pelas suas criticas precisas e à professora Rita Segato pelas suas dicas
no trabalho de campo.

A todos aqueles que pacientemente leram os rascunhos desta dissertação


desde o pré-projeto até as considerações finais enriquecendo-a com
observações, sugestões, críticas e estímulos: Caê Rodrigues, Cláudio
Nascimento, Eufrásio Prates, Fátima Bruno, ítalo Cajueiro, Jimmy Green,
John McCarthy, Luiz Carlos Freitas, Luiz Melo, Márcio Koshaka e Marísia.

À Claudiene Santos, à Marcus Antônio de Assis Lima e à Luiz Cláudio


S. A. Gonçalves que gentilmente me disponibilizaram suas dissertações de
mestrado assim como a Veriano Terto por ter me facilitado o acesso ao acervo
da ABIA.

À Luiz Mott, Marisa Fernandes e sobretudo à Rosângela Castro que


contactados através de telefonemas, de forma esporádica, prestaram-me
informações preciosas.
5

Ao escritor, professor e amigo Mauro Cardin pelo auxílio inestimável


na revisão e aperfeiçoamento do texto, todo meu respeito.

Aos ativistas do GAI, Alexandre Augusto, Júlio, Márcio e Gustavo pela


sempre atenciosa ajuda na localização e obtenção dos documentos do grupo.

Aos colegas do Banco do Brasil que de diversas formas colaboraram:


Alexandre Rangel, Fadanelli, Isabel, Maria do Carmo, Patrícia Arruda, Paulo
Dini, Peconick e Robson.

Ao José Lucas, ao Lobão e especialmente, ao meu querido Reinaldo


Palmeira que me socorreram na parte gráfica da dissertação. Ao
imprescindível Carlos de Souza que entrou em cena todas às vezes que o
computador resolveu não funcionar. À Catherine a quem eu recorria nas
dúvidas dos textos em francês e ao John, responsável pelas traduções do
inglês.

À Luiz Carlos Martins e à Carlos Alberto Messeder, que, por meios


enviesados e sem conhecimento deste fato, despertaram em mim o interesse
por mais esta aventura: o mestrado.

Aos professores, colegas de curso e funcionários do Programa de Pós


Graduação em Comunicação daUNB, sobretudo à Regina sempre pronta a
ajudar e a facilitar nossa vida de estudante.

Inúmeras outras pessoas ao longo deste percurso contribuíram de forma


pontual porém não menos importante. A todas elas minha gratidão.

Por fim, agradeço àqueles que com suas idéias, seu trabalho ou com
suas vidas contribuíram e contribuem para a melhoria da qualidade de vida de
gays, lésbicas e de todos que sofrem discriminação por amarem pessoas do
mesmo sexo.
6

Resumo

Esta dissertação visa evidenciar a luta simbólica com a qual


participantes do Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual - RJ, GAI
(1993- ...) defrontaram-se, na construção de suas identidades gays e da
identidade do grupo. Parte de um ponto de vista no qual as homossexualidades
são tratadas como fatos históricos, socioculturais, discursivos e midiáticos.

Resulta das entrevistas realizadas com os indivíduos presentes na


primeira foto registrada de uma reunião do GAI e da minha própria
participação no grupo. Inicia-se com aspectos de nossas histórias de vida e
destaca nossas passagens pelo grupo.

A identidade do Grupo delineou-se num quadro marcado pelos


preconceitos e discriminações decorrentes da epidemia do HIV/AIDS, assim
como pela discussão pública em tomo da aprovação do Projeto de União Civil
entre Pessoas do Mesmo Sexo da ex-deputada federal Marta Suplicy.

A sua constituição social representou o estabelecimento de uma


estratégia urgente que se opusesse à "epidemia discursiva da AIDS", ou seja,
ao recrudescimento de discursos conservadores, de representações dos “gays”
associados a pecado, doença, desvio, ilegalidade, submissão e, sobretudo, à
morte.

A luta pela Visibilidade e criação de referenciais elaborados dos pontos


de vista dos “homossexuais”, principalmente através dos meios de
comunicação, que caracterizariam essa estratégia, passaram a ser entendidos
como fundamentais no reordenamento dos diversos discursos acerca das
“homossexualidades”, ou seja, nas relações por orientação sexual, relações de
poder. Entendiam que naquele momento a associação
homossexualidades/morte/AIDS visava solapar o seu direito a existir. A
tentativa seria a de assumir, num plano simbólico, um lugar de falar de igual
para igual com as heterossexualidades.
7

Abstract

This dissertation seeks to manifest the symbolic struggle of participants of the


Grupo Arco-íris de Conscientização Homossexual - RJ, GAI (1993- ...)
(Rainbow Group for Homosexual Consciousness - GAI) in the construction of
their gay identities and that of the group. Our point of view will treat
homosexualities as historical, socio-cultural, discursive, and .media facts.

It stems from interviews held with individuais present in the first photograph
of a GAI meeting and from my own participation in the group. It begins with
aspects of our life stories and highlights our passage through the group.

The identity of the group became delineated in an atmosphere of prejudice and


discrimination engendered by the HIV/AIDS epidemic as well as the public
discussion of the bill presented by ex-congresswoman Marta Suplicy for Civil
Union. Between Persons of the Same Sex

Its social constitution represented the establishment of an urgent strategy to


oppose the “epidemic AIDS discourse” - that is the intensification of
conservative discourse and representations associating “gays” with sin,
sickness, misbehavior, illegality, submission, and above ali, death.

The struggle for visibility and the creation of points of reference drawn up
from the point of view of the “homosexuais”, mostly in the mass media, which
would come to characterize this strategy, came to be seen as fundamental in
the reordering of several discourses about “homosexualities” - that is,
relations based on sexual orientation, relations of power. They understood
that at that moment, the association homosexuality-death-AIDS sought to
undermine their very right to existence. The attempt would be to take a
stance, on the symbolic plane, of speaking as equals with “heterosexualities”.
8

índice

1. 1 Apresentação..........................................................................................11

2. 1 Motivações...............................................................................................17

3. 1 Pesquisa...................................................................................................19
Foto 19
Entrevistados 22
Relatos 24
Nomes e Imagens 27
Material de Campo 29

4. 1 Introdução................................................................................................34

4.2 O Que Está Posto.....................................................................................35

4. 3 Alguns Dados..........................................................................................37

4. 4 Fragmentos de Memória, Sentimentos..................................................... 39

4. 5 Mito de Origem........................................................................................41
San Francisco 41
Gapa 42
Jornal Nós Por Exemplo 43
A AIDS Chega Perto 43
O Arco-Íris 44
Uma Visita 48

5. 1 Confrontos.............................................................................................. 49

5. 2 Histórias 49
Família 49
Escola 55
Histórias Brasileiras: Téo, John, Cláudio 57

5. 3 Ser Viado. 66
9

5. 4 Alternativas, Caminhos........................................................................... 72
MPB. O Espaço da Música 72
Código de Reconhecimento 73
O Dizer Não Era Possível 75
A Caminho da Cidade Grande 76
Acampamentos 77
Carnaval 77
Boates 78
Ecos de Fora 80
Jornal Lampião 81
Desalento 82

6. 1 Passagens pelo Grupo Arco-Íris............................................................. 84


Ninguém é Perfeito 86
Debate, Tô Fora 87
Os Negros 88
Identidades, Que Medo! 94
Uma Cara Para Fora, Visibilidade 99
Identidade Gay Ativista 108
ILGA, A Consolidação de Uma Estratégia 112
Dinheiro Faz o Mundo Girar 118
Violência 119
Boa Noite Cinde rela 123
Xô Coió 126
O Preço da Visibilidade 128
Saldo 130

7. 1 Considerações Finais............................................................................ 131


Identidades Gays/Identidade do Grupo 131
Trabalho Apaixonado 144
Visibilidade J45

8. 1 Bibliografia........................................................................................... 147

Anexos............................................................................................................152
10

“A Força Aérea me condecorou por matar dois homens no Vietnã


e me expulsou por amar um.”
Leonardo Matlovich, soldado da força aérea americana condecorado por sua
atuação na guerra do Vietnã e expulso da corporação em 1975 por
homossexualidade
11

1.1 Apresentação.

Sempre me incomodou a maneira como eu via retratadas as


homossexualidades, sobretudo na televisão e nos jornais.

“Mais um Boiola Assassinado”, foi mais ou menos dessa forma que vi,
no final dos anos 70, estampada na primeira página do jornal carioca “O Dia”
o bárbaro assassinato de um colega do Banco do Brasil com quem eu
convivia.

Não demora muito, nos anos 80, surge a AIDS: câncer gay, peste gay,
sangue bom, sangue ruim, e novamente outra cadeia de associações negativas
relacionadas às homo ssexualidades.

Lembro-me como me incomodava quando, ainda muito jovem, via o


travesti Rogéria dar depoimento na televisão: o despreparo, a quantidade de
preconceitos embutidos na sua fala e a exacerbada alegria, que para mim
traduzia infelicidade e sofrimento. Racionalmente, eu o admirava, entendia
seu pioneirismo, mas eu queria mais.

Nos anos 90, já como integrante do movimento brasileiro organizado de


gays, lésbicas e travestis, tento de todas as maneiras utilizar a nosso favor o
poder de fogo das TVs e dos jornais brasileiros, através da produção de fatos
de interesse da mídia relacionados à homossexualidade. Tentávamos forçar a
discussão do tema por acreditar que esse seria um caminho para trazer a
público outras informações e imagens alternativas ao que existia então, que
era muito negativo.

A partir dessas emoções e recorrentes encontros e desencontros com a


mídia, é que, quando surge a oportunidade de desenvolver um projeto de
mestrado na UNB, a primeira idéia que me veio à cabeça foi aprofundar
estudos sobre a Visibilidade Gay e os Meios de Comunicação de Massa. O
que eu queria era apreender como a mídia contribuía na formação de um
quadro social desfavorável a nós, “homossexuais”, e em que medida ela
também colaborava para atenuar esse ambiente hostil e qual era o seu papel na
formação das “identidades gays”.
12

Pré-projeto apresentado, pré-projeto aceito, estudos iniciados, créditos e


mais créditos; felizmente nenhum débito. Inicia-se o trabalho de campo.

No meu roteiro de entrevistas, constavam várias questões às quais eu só


recorria para confirmar se algum dos tópicos não havia sido abordado
espontaneamente no calor do “bate-papo”. Dentre elas, havia questões
relacionadas às representações dos “homossexuais” percebidas pelos
entrevistados. Por meio dessas perguntas, eu acreditava que fosse conseguir
um material rico sobre o papel dos meios de comunicação nas histórias de
cada um. Paralelamente, inicio um levantamento no Jornal do Brasil de tudo
referente às homossexualidades publicado entre 1993 e 1998.

Já nas primeiras entrevistas, começa a se insinuar um outro caminho.


Ao final delas, veio a confirmação. Embora todos citassem episódios e
personagens marcantes em suas trajetórias relacionados aos meios de
comunicação, outros fatores surgiram com muito mais força, como foi o caso,
por exemplo, da família. A importância, sobretudo da TV e dos jornais, pelo
menos no grupo selecionado, surgiu de maneira diferenciada, o que será
mostrado ao longo deste trabalho. Lembrei-me imediatamente de uma das*
falas de Téo: “A raiva de viado está em tudo e não está em lugar nenhum. E
quase um abstrato dominante.”

Percebi que teria de repensar a abordagem de meu trabalho. Deveria


retirar o foco dos meios de comunicação de massa e adotar uma estratégia
mais flexível, que me permitisse considerar os outros elementos. Isso me daria
mais maleabilidade para pensar a importância das representações1 acerca das
homossexualidades na construção das identidades gays e na construção da
identidade do grupo, onde quer que elas se manifestassem. Foi o que fiz.

1 Representações para Chartier (1990: 17,18) são “as matrizes dos discursos e de práticas diferenciadas... São
classificações, divisões, delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias
fundamentais de percepção e de apreciação do real. São percepções sociais... São estes esquemas intelectuais
incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se
inteligível e o espaço decifrado... As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as
foijam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os
utiliza.”
13

O meu objeto de estudo, ou talvez fosse melhor chamá-lo de ponto de


referência, é o Grupo Arco-íris de Conscientização Homossexual Rio de
Janeiro - GAI, do qual fui um dos fundadores (1993) e presidente ao longo de
cinco anos, e o discurso de seus freqüentadores no período de 1993, ano da
fundação do GAI, a 1998, ano em que uma nova diretoria toma posse no
grupo.

Minha intenção é contar uma história dos gays2 brasileiros, tendo como
base de observação a memória de alguns gays e lésbicas que passaram pelo
GAI no momento em que ele se iniciava, respeitando suas próprias
construções do passado e considerando que exercer o direito de construir a
própria memória é um ato de cidadania.

A proximidade com o objeto de estudo fez-me estar atento às


generalizações próprias dos discursos de contextualização nos textos sobre o
tema e seus perigos, e me alertaram para a necessidade de se evidenciar as
peculiaridades, as diferenças, as características próprias a cada situação. Daí
advém a importância deste estudo de caso. Num estudo de caso, as
particularidades não são removidas; apesar de ser possível detectar
características comuns ao grupo, os comportamentos desviantes da “média”
não ficam escondidos, são revelados.

O considerável grau de interação e integração com o grupo estudado me


permitiu uma abordagem para alémo das entrevistas, a qual eu poderia
.

classificar de observação participante , considerando que participei do GAI,


convivi com todas as pessoas das quais registrei narrativas, tive uma intensa
participação no grupo e grande identificação com seus objetivos e estou
presente na foto do grupo.

2 As categorias “homossexualidade”, “homossexual”, “gay” e “lésbica” serão usadas para referir-se,


respectivamente, ao conjunto de práticas e valores relacionados aos vínculos emocionais e sexuais
estabelecidos entre pessoas do mesmo sexo; àqueles que estabelecem, no imaginário ou no mundo real,
vínculos afetivos e sexuais com outros de seu próprio sexo; ao homem que se auto-identifica como
homossexual ou gay; e à mulher que se auto-identifica como homossexual ou lésbica
3 “Compreender um universo ‘como ele é’ não é julgá-lo ou compará-lo a um outro. Isso supõe, de
preferência, que seja observado do interior”.(Laville, Dionne, 1999: 153)
14

Por outro lado, o levantamento de histórias de vida, escolhido como


opção de abordagem, atendeu às expectativas, pois minha preocupação não era
com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o
aprofundamento da sua compreensão — no presente estudo, dos gays
brasileiros.

Os relatos colhidos foram e são úteis para ilustrar como esses indivíduos
retrataram suas experiências. São importantes para podermos entender as
outras pessoas e para ampliarmos o conhecimento sobre a realidade social
vivenciada pelos homossexuais. Mais do que contar uma história individual,
essas narrativas contam a história do grupo ao qual se pertence e podem servir
de estímulo a mudanças sociais.

A escolha desses indivíduos, a participação deles, balizou-se também na


possibilidade de envolvê-los como cúmplices, não como simples objetos de
pesquisa, mas como participantes ao longo de todo o processo.

Procurei, também, estar atento para que meu envolvimento com o


objeto não me impedisse de expor o que não me agradava ou fosse contra o
que acredito. Fui observador e participante de muitos fatos que foram
relatados.

Outro aspecto a destacar é que três categorias se impuseram como temas


centrais em todo o desenvolvimento da dissertação: “experiência”,
“identidade” e “visibilidade”.

A “experiência”4 se faz presente, já que tomei como base as histórias de


vida de quinze indivíduos, como cada um retrata os acontecimentos
socioculturais por si vivenciados. Cabe-me, por isso, ressaltar que procurei
problematizar o estudo da experiência, sua posição enquanto originária na
narrativa histórica. Procurei proceder à análise da produção desse
conhecimento. Não considero que a evidência da experiência tenha um
significado transparente. Os fatos da história não falam por si.

4 Sobre o assunto ver Scott (1999).


15

Trabalhei com a hipótese de uma “experiência” comum de homofobia


partilhada por diversos “sujeitos gays”, que congregaria aqueles “também
sujeitos gays”, presentes na foto originária da pesquisa, na constituição de um
grupo de defesa de seus desejos de expressão (nem sempre comuns, mas
rotulados como se fossem), evidenciando conflitos entre sistemas discursivos,
contradições dentro de cada um deles e múltiplos sentidos possíveis para os
conceitos. Aí incluída a questão de quem é o pesquisador, onde ele está
situado e definido em relação aos outros.

O segundo tema central que emergiu, a “identidade”, também é


utilizada como uma categoria histórica cujas manifestações variam temporal e
espacialmente. Ela foi tratada como fenômeno rei acionai.11No presente estudo
a “identidade gay” é pensada como um dispositivo político e discursivo.
Destaco que não considero que exista uma oposição natural entre
homossexualidade e heterossexualidade, mas uma construção histórica que
legitima relações desiguais e hierarquizadas nas relações por orientação
sexual. Procuro evidenciar no decorrer da narrativa que tanto o pesquisador
quantos os pesquisados, além de uma identidade relacionada à discriminação
por orientação sexual, estão identificados com outras: mulher, negro,
brasileiro, surdo etc.

l( Quanto à categoria “Visibilidade” ela é empregada neste trabalho a


partir da perspectiva dos grupos gays organizados, ou seja, é a estratégia de
tomar públicos padrões de comportamento e situações que não se enquadram
no padrão predominante em uma dada sociedade. E tomar corriqueiro,
cotidiano, público, comum, aceitável pelo hábito, pela recorrência aquilo que é
tido como “anormal”, fora da norma."

A questão de fundo na discussão sobre a “Visibilidade Gay” é que o


padrão hegemônico heteronormativo está posto, e é com ele que todos os
excluídos têm de dialogar. Na construção da identidade gay que tenta se impor
há um embate político. Um universo de dimensões, por meio das quais se
pode diferenciar a sexualidade de uma pessoa da de outra, está abarcado sob o
mesmo “guarda-chuva”. Que traços prioritários deveriam ser reunidos numa
identidade que se opusesse ao estabelecido? Quais indivíduos estariam
contemplados e quais continuariam excluídos?
16

Neste ponto, as três categorias convergem, conversam entre si. A


experiência está historicamente condicionada assim como as identidades que
emergem e as estratégias que se estabelecem. E bom chamar à atenção que a
identidade “heterossexual” também é um “guarda-chuva”.

Para finalizar esta apresentação, esclareço que optei por incluir a auto-
representação como argumento crítico e como representatividade política5,
inserindo-me nas reflexões a partir da primeira pessoa do singular. A
importância da crítica pessoal, no caso, reside no fato de revelar aquilo que
está subsumido no discurso masculino heteronormativo, que constitui para as
mulheres heterossexuais, gays, lésbicas etc. a omissão, a invisibilidade, o
silêncio. A crítica pessoal vai contra a linguagem da abstração e contra as
teorias masculinas heterossexuais que estabelecem uma universalidade no
discurso do conhecimento, que não considera as diversidades.

Minha vinculação direta ao objeto de estudo, o processo de


invisibilização e discrição a que estão submetidos os gays e lésbicas no Brasil,
as deficiências de produção de conhecimento voltada a um campo temático
ainda estigmatizado e alvo de discriminação, praticamente estabeleceu como
condição sine qua non minha inscrição na discussão também do ponto de vista
pessoal autobiográfico.

Em função do exposto, sempre que necessário, utilizei a primeira pessoa


do singular, assumindo uma identidade gay, como um indivíduo que tenta
compreender processos e relações, e a eles está sujeito; desse ponto de vista,
numa posicionalidade distinta da norma, neste estudo, atribuí importância a
quem fala.

Acredito também que, escrevendo uma narrativa de um ponto dc vista


“gay”, estaria não só dando poder aos “gays” mas contribuindo para melhor
compreensão do quadro social brasileiro.

5 Sobre o assunto ver Miller (1991: 02-15).


17

2.1 Motivações

Meu desejo primeiro é compartilhar meu olhar sobre os primeiros


momentos da constituição social do Grupo Arco-íris com um público maior.
Tento trazer os olhares de outros participantes que vivenciaram aqueles
momentos, estando atento a propostas alternativas de ler o passado.

Minha motivação para este trabalho parte da preocupação que tenho


com a melhoria da qualidade de vida de gays, lésbicas e de todos aqueles que
sofrem discriminação e exclusão por sua orientação sexual.

Creio que a criação de espaços de produção de sentido e subjetivação,


onde gays e lésbicas se tomem sujeitos da narrativa através de todos os meios,
inclusive trabalhos acadêmicos, forçaria um deslocamento de atitudes e
posturas para com as homossexualidades e os indivíduos aí inseridos, que são
a minha preocupação em primeira instância, além de ser um fator na
transformação do ambiente hostil a que estão submetidos.

l( Esse ambiente hostil se traduz na extrema dificuldade ou até mesmo na


impossibilidade da expressão de suas formas de amar. Na sociedade brasileira,
o processo de “invisibilização”6 ao qual ainda está submetido esse segmento
social facilita a difusão de imagens associadas a pecado, doença, desvio, crime
e submissão: imagens negativas que têm conseqüências danosas àqueles a
quem são atribuídas ou que se auto-atribuem essas identidades.'a

Acredito que a orientação sexual referencia uma bagagem peculiar na


construção da linguagem e da cultura, não determinada por diferenças
essenciais ou biológicas, mas por diferenças experimentadas no decorrer da
própria vida, a partir de certas conformações sociais e culturais, como por
... - «

exemplo, os confrontos com a homofobia , o que esse trabalho evidenciaria.

Um estudo sobre a importância da estratégia de Visibilidade para o


Grupo Arco-Íris partindo das vozes dos principais interessados, os gays e as
lésbicas, é um esforço para aprofundar a compreensão da relevância da
“Visibilidade Gay” para esse segmento social.

6 Sobre “processo de invisibilização” ver Bourdieu, Pierre (1998:45).


1 Homofobia = Ódio aos homossexuais. Sobre o tema ver Mott, Luiz (1997).
18

Este trabalho viria também itentar suprir lacunas de produção de


conhecimento na Área de Comunicação de um campo temático ainda
^ a

estigmatizado e alvo de discriminação. O grande desafio político da Area de


Comunicação, acredito, seria a possibilidade de contribuir para um diálogo
entre espaços de significação ainda excludentes e no estabelecimento de uma
interação, no sentido de ultrapassar as desigualdades nas relações por
orientação sexual até aqui presentes na sociedade brasileira.
A
Esses primeiros olhares lançados sobre a história do Grupo Arco-lris de
Conscientização Homossexual - RJ registrados nesta pesquisa pretendem
também ser uma colaboração na transformação do quadro de carência, quase
ausência, de trabalhos que forneçam subsídios para uma história do
movimento brasileiro organizado de g;ays.

Finalmente, a presente dissertação seria mais um passo na tentativa de


construção de uma sociedade mais justa, na qual as diversidades sejam
celebradas, e não excluídas.
19

3.1 Pesquisa

Foto

Uma das dificuldades encontradas logo de início foi a de como delinear


o que deveria ou não ser pesquisado. Que olhar eu deveria dirigir ao
objeto/grupo Arco-íris para começar a delineá-lo, compreendê-lo e tomá-lo
visível?

Em meio a muitas dúvidas, lembrei-me da primeira foto tirada na


terceira reunião do GAI, com aqueles que primeiro atenderam ao convite para
se pensar a formação de um grupo e que se transformariam na “alma” do
Arco-Íris nos primeiros anos. Poderia construir o estudo a partir dela.

Naquela foto, éramos todos simplesmente amigos, existia um clima de


descontração, todos sorriam. Olhando para ela, não se apreendia nenhum sinal
de posições hierarquizadas. Talvez fosse um bom retomo simbólico, um bom
ponto de partida para as entrevistas.

Quase todos ainda eram (são) meus amigos, pessoas às quais eu teria
fácil acesso. Dois deles continuavam ligados organicamente ao grupo; os
outros, embora não estivessem mais participando, acompanhavam à distância
as atividades do GAI, em função dos laços de amizade.

As razões emocionais pesaram, é evidente. Era uma chance de retomar


a meu grupo de amigos, de rememorarmos o que vivemos juntos, refletirmos,
nos emocionarmos. Enfim, o trabalho de campo se desenhava atrativo e
envolvente. E mais: a proximidade com meus amigos me permitiria ir mais
fundo, sair das generalizações, chegar mais próximo dos sentimentos e das
razões que moveram aqueles indivíduos.
20

Seria uma oportunidade de compreender como aqueles seres humanos


representaram fenômenos e acontecimentos socioculturais por meio de suas
experiências, e como passaram por eles. Uma maneira de recolocar o
indivíduo no contexto social e na história.

Para o grupo de gays e lésbicas que primeiro sonhou a formação do


GAI, que reivindicou sair de um processo opressor de invisibilização e passar
a falar por si próprio, partir de suas histórias de vida8 talvez fosse uma boa
estratégia.

Construí o estudo pela história de vida dessas pessoas que constaram da


primeira foto do Grupo Arco-íris de Conscientização Homossexual do Rio de
Janeiro - GAI. Comecei procurando todas que estavam na foto, explicando-
lhes o que era o meu projeto e propondo uma entrevista de aproximadamente
duas horas, na qual eu pediria que cada uma falasse de sua vida, tentando ter a
história da sexualidade de cada uma e sua participação no GAI como fio
condutor,

Das dezoito pessoas da foto, consegui entrevistar treze. Duas haviam


morrido e três não consegui localizar9. Entrevistei também mais duas que
entraram no grupo em 1994 e, por estarem num cenário social diferente, me
serviriam de contraponto e complemento a algumas narrativas: Cláudio
Nascimento, que é o atual (2000/2002) presidente do GAI e Rosângela
Castro10, uma das poucas mulheres que estiveram presentes em toda a
trajetória do grupo, ainda atuante.

8 “Para Franco Ferrarotti, por exemplo, cada vida pode ser vista como sendo, ao mesmo tempo, singular e
universal, expressão da história pessoal e social, representativa de seu tempo, seu lugar, seu grupo, síntese da
tensão entre a liberdade individual e o condicionamento dos contextos estruturais. Portanto, cada indivíduo é
uma síntese individualizada e ativa de uma sociedade, uma reapropriação singular do universo social e
histórico que o envolve.” (Goldenberg, 1998: 36,37)
9 Ver tabela (anexo 01) com dados sociográficos dos entrevistados.
50 Por ocasião da entrevista, Rosângela Castro era a vice-presidente do Arco-Íris.
22

Entrevistados

Tomei como referência o ano de 1993, em que a foto foi tirada, para
apresentar esquematicamente os dados sociográficos dos entrevistados, ou
seja, os dados dos presentes na foto que eu consegui entrevistar, mais os de
Cláudio e Rosângela.

São quinze pessoas ao todo:

• todos são “homossexuais”: gays ou lésbicas,


• quatorze são brasileiros e um norte-americano,
• dez são cariocas, dois maranhenses, um baiano, um mineiro, um
califomiano,
• o mais novo tinha vinte e dois e o mais velho quarenta e três anos. A idade
média era trinta e seis anos e a maior faixa estava situada entre trinta e
quarenta anos,
• quatorze moravam entre Tijuca, Centro e Zona Sul do Rio de Janeiro;
apenas um, em Bangu, subúrbio carioca,
• treze foram criados no Rio de Janeiro, dois em cidades do interior e um na
Califórnia, USA,
• treze eram homens, duas mulheres. Na expressão social, os homens
correspondiam aos papéis do gênero masculino e as mulheres ao do gênero
feminino,
• doze tinham curso superior, graduação, dois, segundo grau e um pós-
graduação,
• nove tinham relações estáveis, cinco não estavam se relacionando e um
estava começando um namoro,
• sete consideravam-se brancos, três negros e cinco mestiços.
23

Quando tiramos a foto, naquela terceira reunião, eu namorava Luiz


Carlos há dez anos. Ele tinha um irmão, Toni, que foi um dos fundadores do
GAPA RJ11, e atendeu a nosso convite. A idéia era discutir o que poderíamos
fazer frente à situação de crescente homofobia que se delineava com o
crescimento da AIDS.

Caê, Pedro, José Carlos e Sílvio eram amigos meus há muitos anos,
desde os tempos dos acampamentos decorrentes do movimento hippie. Os
quatro participaram, assim como Luiz e eu, de um grupo de dança afro-
brasileira, o “Ilê-Ofé”. Para aquela reunião, Pedro levou um amigo. Sílvio foi
com o namorado, e José Carlos, com o irmão. John, namorado de Caê, tinha
um amigo chamado Márcio, que foi com ele.

Lúcio trabalhava comigo no Banco do Brasil e namorava Téo. Os dois


chegaram juntos. Com Marcelo, eu havia tido um “affaire”. Ele levou dois
amigos. Paulo Camargo, já falecido, não me lembro como apareceu, e Amy
era (é) minha prima.

Logo descobrimos que havia um elemento misterioso, quero dizer que


havia mais um presente que não aparecia na foto, ou seja, alguém havia tirado
a foto. Depois de algumas ponderações: meu filho, máquina automática etc,
chegou-se a conclusão que teria sido Vítor, amigo nosso com quem, porém,
também não obtive sucesso na tentativa de contato.

Todos éramos gays (ou lésbica). Esse foi um dos laços mais fortes que
nos aproximaram.

11 GAPA RJ - Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS. Rio de Janeiro


24

Relatos

Essas histórias de vida e experiências pessoais possibilitaram


aproximar-me tanto quanto possível do provável no que tange a uma
pluralidade de valores e práticas alternativas, cuja existência contradiz as
construções hegemônicas de mundos sociais, como, por exemplo, a
naturalização da heterossexualidade monogâmica e os “clichets” associados às
homossexualidades.

O primeiro desafio, quando comecei a me organizar para as entrevistas,


foi como lidar com a minha própria participação na foto. Decidi dar a mim o
mesmo tratamento que aos outros, e ser submetido a uma entrevista nos
mesmos moldes que a deles.

Recorri a uma amiga socióloga inteirada do tema a que me propunha


desenvolver e pedi-lhe que me entrevistasse a partir do roteiro que serviu de
base para as outras entrevistas. Foi uma alternativa para que eu pudesse deixar
fluir minha história de vida, narrando-a a terceiro. Não me excluí e, ao mesmo
tempo, me impus um mínimo de distanciamento. Com meu relato gravado,
seria mais cômoda a análise, já que o depoimento havia se tomado um em
meio a quatorze outros.

A minha entrevista foi a primeira, o que serviu também de pré-teste. A


experiência contribuiu para o desenvolvimento da necessária empatia que as
outras entrevistas exigiriam.

No decorrer das entrevistas, minha posição de alguém de “dentro do


grupo”, mais do que isso, de uma pessoa próxima, em que se podia “confiar”
ou, até mesmo, em muitos casos, de amigo, permitiu-me uma posição sui
generis. A formalidade era quebrada tão logo o depoimento começava. O fato
de eu já conhecer dados da vida de cada um, de ter vivenciado momentos em
comum, ter namorado, praticado sexo e brigado com alguns participantes,
favorecia a interação no “bate-papo”. Perguntas mais íntimas puderam ser
feitas, algumas confidências foram reveladas e a posição politicamente correta
ativista de alguns participantes, ou seja, de só afirmar publicamente o que
fomentava uma imagem positiva de gays e lésbicas, pôde ser deixada de lado.
25

A percepção inicial de dupla identidade, ou talvez, minha posição


ambivalente de “insider/objeto” e “outsider/pesquisador”, embora me tivesse
sido útil como referência para reflexão, logo foi suplantada no trabalho de
io
campo por uma ênfase numa identidade múltipla e mutante . A princípio,
cheguei a pensar que iria simplesmente me comportar como um “insider” nas
entrevistas e posteriormente, na análise do material, assumir a postura de
pesquisador. Mas, isso foi um engano: o tempo todo transitei entre várias
identidades. Para Rosângela, eu era também um homem branco; para Cláudio,
branco e gay; para John, eu era brasileiro; para Amy, família; para Luiz, ex-
companheiro. Ficou-me bastante claro que as identidades se constituem “em
relação a...”

Minha participação na foto fazia-me profundamente comprometido com


meu objeto de estudo e evocava a questão da parcialidade. Mas, não acredito
ser possível ao pesquisador isolar-se de seus próprios valores O importante é
ter a consciência de que não trabalhamos apenas com propósitos científicos e
que sempre haverá outras motivações que nos movem. A diferença é o lugar
que atribuímos a essas motivações.
O contexto da pesquisa, a orientação teórica, o momento sócio-
histórico, minha subjetividade e a dos próprios pesquisados também
influenciariam os resultados. Creio, portanto, ser fundamental deixar claro
todos os passos da pesquisa, assim como evidenciar os resultados negativos e
as dificuldades para se chegar aos resultados, a fim de se evitar a parcialidade
ao máximo.

No início da entrevista, eu apresentava a foto aos entrevistados, da qual


a maior parte não se lembrava ou nem mesmo conhecia. Por alguns segundos,
eu deixava que eles voltassem no tempo e imergissem nas lembranças que ela
evocava.

Todos os depoimentos foram gravados. Utilizei também um caderno de


campo para registrar dados que, naquele momento, entendia ser relevantes,
além de um roteiro com perguntas previamente organizado, ao qual só eu
tinha acesso. A postura que a presença do gravador induzia era logo
ultrapassada pelo envolvimento e pelas emoções que o tema propunha. Ao
final, eu fazia uma série de perguntas objetivas, preenchendo um questionário
com os dados sociográficos dos entrevistados.

12 Uma boa referência sobre essa discussão pode ser encontrada em Reed-Danahay (1997).
26

Eu começava o bate-papo perguntando como cada um sentia, percebia o


fato de nós estarmos ali naquele momento fazendo aquela entrevista e
desenvolvendo um trabalho em conjunto e em seguida pedia para que me
falassem sobre suas vidas tomando como fio condutor a sexualidade.

Quase todas as perguntas que eu havia registrado previamente para me


servirem de roteiro iam espontaneamente sendo respondidas sem serem
formuladas. Só ao final é que eu fazia uma checagem no roteiro13 para ver se
algo não havia sido abordado e se seria pertinente voltar ao assunto.

Eu contava tirar partido de minha convivência de muitos anos com os


entrevistados no intuito de não obter respostas e informações protocolares, o
que realmente se deu, porém o que me surpreendeu foi a contrapartida desse
envolvimento. As emoções suscitadas nos enredavam da mesma forma. Para
eu conseguir manter o foco, meu esforço tinha de ser redobrado. Eu, ao
mesmo tempo, mergulhava no desenrolar de lembranças junto com os amigos,
viajava com eles e tinha de estar atento ao rumo das entrevistas. No dia em
que era necessário fazer duas entrevistas, o desgaste era muito grande.

Boa parte das vezes, os assuntos suscitados estavam silenciados,


esquecidos no passado: alegrias compartilhadas, primeiros amores, violências
familiares, discriminações sofridas, sentimentos de isolamento social, a AIDS
e as mortes dela decorrentes, namorados perdidos, golpes, constrangimentos e
agressões, que, algumas vezes, levaram a reações emocionais mais fortes, com
as quais tive de lidar. Algumas experiências registradas nesta dissertação
nunca haviam sido expostas antes.

13 Ver roteiro com perguntas (anexo 03)


27

Nomes e Imagens

Eu perguntava a todos se me autorizariam a utilizar o próprio nome e a


imagem da foto. Somente um rapaz, Márcio, e a única mulher, Amy (nomes
fictícios por eles escolhidos), não autorizaram.

Utilizei os nomes verdadeiros dos participantes da pesquisa e anexei ao


trabalho uma cópia da foto com a identificação de todos os que autorizaram.
Os dois que não permitiram, aqueles com os quais não consegui contato e os
que faleceram aparecem com os rostos escurecidos, não identificáveis.

Ao contrário do que, comumente, se pratica em trabalhos acadêmicos,


em que é mantida em sigilo a identidade dos personagens, num trabalho sobre
Visibilidade Gay é relevante a afirmação das identidades, como demonstração
de que idéias, sentimentos e alegrias têm corpo, orientação sexual, gênero,
sexo, nome e especificidades. Essa identificação é também um alerta para o
perigo de discursos neutros e universalizantes.

No meio homossexual, a “Visibilidade” adquire grande importância. Ao


contrário de outros grupos discriminados, como os negros, que não têm como
esconder a cor da pele, homossexuais podem ocultar todas as formas de
expressão espontânea de afetividade e sexualidade, e ter uma vida escondida e
dissimulada.

Contrariamente ao que imagina o senso comum, a maior parte de gays e


lésbicas são pessoas absolutamente comuns, sem traços marcantes. Por não
serem identificáveis, fazem-se facilmente "invisíveis". A prática do
ocultamento ou encobrimento da homossexualidade é muito comum em
situações de trabalho, na família e no relacionamento com os conhecidos. ~
28

A necessidade de adotar esse tipo de estratégia faz com que muitos


homossexuais não só ocultem as suas preferências sexuais, como também
simulem uma vida heterossexual, inventando namorados e noivas, o que acaba
sendo um fardo desagradável. Esse artifício, geralmente adotado para fugir de
vexames e perseguições, é tido por muitos como uma opressão,

Ainda hoje, é freqüente reações de extrema violência a práticas e


expressões públicas de afeto homossexual. Também em função disso, a
afirmação pública e sistemática de uma identidade homossexual possível, e
mesmo desejável do ponto de vista dos próprios gays e lésbicas, constitui-se
importante fato cultural e político.

Ao ser questionado se poderiam ser utilizados seu nome e sua imagem


na dissertação, Pedro responde com ênfase: “São oito anos de Arco-Íris, pode
usar o meu nome”. E, a fim de mostrar como as coisas mudaram, continua:
“Para eu pagar o primeiro pagamento14 com o nome escrito na boleta 'Grupo
de Conscientização Homossexual', eu chegava ao caixa do Banco de cabeça
baixa”. Pedro faz questão de afirmar a importância que o grupo representou
para ele no relacionamento (mais confortável) com sua orientação sexual.

14 Durante os primeiros anos, o GAI sobreviveu de doações espontâneas dos participantes de suas reuniões.
Os que contribuíam regularmente depositavam os valores diretamente no banco através de uma guia de
depósito pré-impressa, onde constavam o nome e a conta do grupo.
29

Material de Campo

Quando comecei a me defrontar com o material de campo e me propus a


analisá-lo, surgiram várias questões que não se encaixavam na minha proposta
de estudo. Selecionei duas que achei interessante expor antes da apresentação
formal dos resultados: a expectativa gerada pelo trabalho como referência para
o grupo e alguns aspectos relacionados aos dados sobre as mulheres.

“Eu faço parte dessa história” afirma Caê, já no início de sua entrevista.
Essa observação alertou-me para a direção que o trabalho iria tomar e a função
que ele passou a ter, a de colaborador fundamental na construção de um mito
de origem, um mito fundador do GAI. A despeito das várias trajetórias
individuais e das inúmeras significações atribuídas ao GAI, para alguns
entrevistados, este trabalho gerou uma expectativa de referencialidade à
história do Grupo. A frase de Caê transcendeu sua própria história e a do GAI.
A intuição dele apreendeu que sua trajetória pessoal refletia uma história
coletiva, mais ampla.

Quanto aos aspectos relacionados com as mulheres, na foto, um detalhe


saltava aos olhos: eram 17 homens e uma mulher. A proposta do grupo sempre
foi a de um grupo misto, porém a participação das mulheres, com suas
especificidades e espaços próprios de reflexão, só teve uma concretização
mais efetiva recentemente (1999), sob a liderança de Rosângela Castro.

A título de ilustração, sobre a participação pouco expressiva de


mulheres no GAI, destaquei dois depoimentos, um de Amy, e outro de
Rosângela, que ingressou no grupo em 1994.

Para melhor situar os relatos, após cada um, registrarei o nome de quem
fala, sua idade à época, a cidade e o ano ao qual eles se referenciam.
30

“Minha participação foi muito afetiva, social. Eu não tinha uma visão
do macro, uma visão política. Eu adorava ir ao Arco-Íris. Aprendi muita coisa.
Eu não via mulheres interessantes, inteligentes... As poucas que participavam
não me atraíam. Eu achava a parte feminina fraca e eu não tinha força para
lutar. Eu não acreditava que pudesse acontecer... O que me incomodava é que
eu percebia que eu não queria me expor. Não queria ter visibilidade pessoal.
Eu sabia que eu ia chegar até um determinado ponto e eu não teria coragem de
fazer uma passeata, de aparecer na frente. Eu achava extremamente
importante, é importantíssimo se expor, se assumir.” Amy, 38 anos, RJ
(1993).

“Era difícil”, resume Rosângela, 37anos, RJ (1994), referindo-se aos


primeiros tempos do grupo para as mulheres. “Culturalmente, nós mulheres,
não temos a prática de reunião. As mulheres se reuniam para falar de filho,
para falar de casa e para trocar receita... Os gays já sofrem todo um processo
de discriminação, mas eles são homens, então é uma discriminação diferente
porque eles têm o poder, eles têm o falo e a nossa sociedade é uma sociedade
extremamente fálica... Não tinha nenhum atrativo para as mulheres. Era uma
época em que a AIDS, a gente ainda perdia muitas pessoas por conta da AIDS
e tudo era muito focado para as questões de cidadania dos direitos dos
portadores do HIV. Era uma questão mais masculina.”

Dois indicadores surgem como pano de fundo para esses depoimentos e


evidenciam ambientes da conjuntura na qual o grupo se constituiu (e com os
quais ainda convive): a situação de maior vulnerabilidade da mulher na
sociedade brasileira e a AIDS, que se impõe, marcando uma nova etapa para o
movimento social dos gays.

Em 1993, no GAI, à exceção das lideranças, os participantes não


reconheciam a necessidade de problematizar a condição social das mulheres
como diferente da dos homens. O adversário comum era a norma, a norma
heterossexual. Não havia um espaço de discussão para assuntos das
“mulheres”. Até mesmo a identidade “lésbica” ou outra que fosse afeta às
mulheres estava subsumida na identidade gay.
31

Em 1993, ano da fundação do GAI, não havia no Rio de Janeiro


nenhum grupo específico de lésbicas. No Brasil, destacavam-se somente dois
grupos: a "Rede de Informação Lésbica Um Outro Olhar” e o “Coletivo de
Feministas Lésbicas”, ambos de São Paulo. Em quase todos os grupos mistos
existentes no país, a participação das mulheres também era pouco
significativa.15

Durante certo tempo, até 1996, V... outra participante muito ativa do
grupo afirmava, até mesmo para a imprensa, que era “gay”. Ela dizia que não
se sentia lésbica. O que contava era afirmar-se contrária ao padrão
heteronormativo. O GAI, na sua constituição social, era um grupo masculino.

Apesar das eventuais referências às lésbicas, restrinjo este trabalho ao


universo masculino, gay. Isso também, porque, durante o período de tempo
referente ao objeto deste estudo, uma das grandes preocupações era, e ainda é,
a AIDS, que catalisou as atenções, discussões e esforços para o mundo gay
masculino. No entanto, retomarei à participação e às dificuldades de
organização das mulheres sempre que a questão surgir nas falas.

Lendo a transcrição dos relatos das duas mulheres entrevistadas, outro


dado chamou-me a atenção: ambas haviam sofrido assédio sexual; Amy, pelo
psicólogo para o qual foi encaminhada quando os pais descobriram que era
“lésbica”, e Rosângela, pelo chefe, quando trabalhou no Instituto Butantã, em
São Paulo, que ameaçou revelar a todos a relação que ela mantinha com sua
namorada à época, se não “desse para ele”.

Em comparação, apenas uma das narrativas masculinas se reporta à


questão da violência sexual, mas sob um ponto de vista diferente e polêmico,
o da pedofilia.

15 Em 1996, realizou-se no Rio de Janeiro, o Primeiro Seminário Nacional de Lésbicas, organizado pelo
COLERJ-Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro, grupo fundado em 1994, que representou um marco no país
na luta política das lésbicas. Esse movimento organizado ainda sofre dificuldades maiores que as dos gays.
32

“Essa questão do abuso sexual em crianças quando é uma relação sexual


entre um adulto e uma criança tem que ser muito discutida, ainda porque a
gente, via de regra, cai na história da pedofilia: que pedofilia é crime, sempre
é o adulto que está forçando a criança, sempre o adulto é que está exercendo
sua influência e que a criança se retrai diante da violência, da força, do poder e
da cultura do adulto, e não é bem isso. No meu caso, eu forcei. Eu me lembro
dele envergonhado, eu forçando que eu queria pegar o pau dele, passar a mão
na perna dele até que eu consegui chupar o pau dele uma vez. Eu o seduzi...
Eu me lembro dele me rejeitando e eu não me senti rejeitado. Eu entendi que o
negócio estava perigoso... Eu tinha cinco ou seis anos e o rapaz vinte e cinco.”
Luiz, 5 anos, RJ (1963)

As afirmações de Luiz chamam a atenção para a não discussão sobre a


sexualidade da criança e a emoção social carregada de padrões preconcebidos
que envolvem o tema.

Apesar de, em vários momentos ao longo das entrevistas, os homens


terem narrado todo o tipo de situações de risco, perigo e exposição a
circunstâncias em que a violência sexual poderia se fazer presente, nenhuma
dessas situações culminou em constrangimento sexual, assédio ou estupro.
Pelo menos, os entrevistados não as interpretaram e/ou apresentaram através
desse filtro.

A reflexão que primeiro me veio é que, no discurso, o sujeito e o


sentido constituem-se ao mesmo tempo. Ou seja, na construção simbólica da
feminilidade, para o “sujeito mulher”, há condições de produção de sentido
que configuram e dão significação ao constrangimento e à violência sexual, o
que não ocorreria na construção simbólica da masculinidade, para o “sujeito
homem”. Para homens que são gays o “sujeito homem” precederia, falaria
mais alto que o “sujeito gay”16.

16 Estou me referindo a uma forma específica de violência sexual pradcada contra mulheres. Contra gays, a
denominação apropriada para descrever a forma característica de violência é a homofobia, que tem seus
próprios contornos
33

No entanto, nos dados estatísticos dos estudos sobre violência sexual


citados na nota número 17 constam informações de violência sexual de
homens contra outros homens, o que me levou a outras reflexões. Será que a
construção simbólica da masculinidade no Brasil não estaria inibindo antes a
divulgação das práticas de violência do que as próprias práticas? Ela não
estaria silenciando os violentados? Que homem, no Brasil, assumiria que foi
violentado por uma mulher, ou por outro homem?

No Gai, com regularidade, éramos convidados a participar de debates


ou darmos depoimentos sobre homossexualidade. Era comum surgir nos
questionamentos do público, por um lado, a correlação homossexualidade /
sexo agressivo entre dois homens, não concebendo espaço para o amor e, por
outro lado, a associação perigosa entre homossexualidade masculina e abuso
sexual a menores.

Nessas ocasiões, usávamos dados estatísticos do Ministério de Justiça


identificando a violência sexual contra crianças no Brasil como um ato
praticado, na sua maioria, do homem adulto contra mulheres menores de idade
e, boa parte das vezes, do próprio pai contra as filhas17.

Percebi então que nessa minha constante preocupação de desconstruir a


idéia de violência associada à relação amorosa e sexual entre dois homens,
meu lado “ativista” poderia estar se refletindo na análise da questão da
violência sexual existente no material de campo recolhido. Será que isso
estaria interferindo na minha percepção? O fato é que voltei aos relatos, às
fitas gravadas, para, com outros ouvidos, tentar perceber se era eu que não
estava querendo ouvir alguma coisa.

De todo modo, nos limites deste trabalho, após a checagem de todos os


entrevistados masculinos, não apreendi nenhum depoimento que citasse
violência sexual.

17 Quando tentava atualizar esses dados, entrei em vários sites de ONGs. Nos dois estudos com os quais
primeiro me defrontei: Abuso Sexual de Marlene Vaz e O Incesto, O Abuso Sexual Intrafamiliar de Cláudio
Cohen e Gisele Joana Gobbetti recolhidos no Sistema de Informação na Internet Sobre Violência Sexual
Contra Crianças e Adolescentes, os dados apontavam na mesma direção.
34

4.1 Introdução

Tratei a homossexualidade como um fato social e discursivo. A questão


da homossexualidade foi vista, acima de tudo, como cultural e política. O
enfoque prioritário não é o que explica sua existência, mas que relações se
estabelecem a partir daí. A idéia que me surgiu foi desenvolver um estudo de
caso sobre o Grupo Arco-Íris, considerando-o como uma unidade social, como
um fato social total, com o objedvo de compreendê-lo em seus próprios
termos.

Inicio mostrando a complementariedade/tensão entre o discurso de


contextualização, O Que Está Posto, no cenário internacional e no cenário
nacional. Sigo falando do Grupo Arco-Íris: alguns dados e sentimentos, e um
pouco de sua “história oficial”, que eu chamo Mito de Origem, ou seja. aquilo
que era narrado quando se perguntava como o grupo surgiu e por quê.

Quanto aos depoimentos, eu os divido em dois grandes blocos: o


primeiro, referente aos Confrontos de cada um com as representações acerca
das homossexualidades, e o segundo, sobre suas Passagens pelo Grupo Arco-
íris.

O primeiro bloco, Confrontos, subdivido-o em Histórias, Ser Viado e


Alternativas... Caminhos.

Em Histórias, tanto apresento como os entrevistados retratam suas


experiências com a família, que é o mais recorrente, quanto na escola, e trago
algumas outras situações. Em Ser Viado, evidencio com que categorias de
homossexualidades esses indivíduos se defrontaram em sua história de vida.
Já em Alternativas... Caminhos, mostro de que modo os entrevistados
relacionaram-se com as categorias com que conviveram.

O segundo bloco, Passagens pelo grupo Arco-Íris, é subdivido em


pequenos tópicos. Por meio dos depoimentos, procuro propor uma análise de
como a história de vida desses indivíduos gays, que se cruzaram na formação
de um grupo, em confronto com a norma heterossexual e com a epidemia
discursiva da AIDS, contribuíram para a construção de uma estratégia de
interferência nas representações hegemônicas acerca das homossexualidades,
a estratégia da Visibilidade.
35

4.2 O Que Está Posto

No início dos anos 70, homossexuais de várias partes do mundo


começaram a tomar públicas suas vidas, até então, secretas. Passaram de um
padrão histórico de homossexualidade para outro, criando uma nova maneira
de exercer sua afetividade e viver seus amores. Os homossexuais
envergonhados18 transformam-se nos orgulhosos gays e orgulhosas lésbicas,
utilizando a força dessas palavras como estratégia de afirmação de suas lutas
políticas.

As mulheres e os homossexuais passaram a discutir os processos de


dominação aos quais estavam submetidos e, pouco a pouco, redefiniram seu
espaço nas esferas pública e privada, propondo outra mentalidade, outras
perspectivas e comportamentos para as relações entre os sexos, sobretudo
denunciando discriminações e exclusões e exigindo igualdade de direitos.

O movimento feminista, questionando as injustiças sociais baseadas nas


diferenças sexuais, e o movimento gay, lutando pela Visibilidade, trouxeram à
tona uma nova reflexão sobre as identidades sexuais

Novos movimentos sociais surgem na década de 70 e partem para


resoluções de problemas específicos mais imediatos, optando por um caminho
de luta política alternativa fora dos partidos políticos, quer de esquerda quer
de direita, desenvolvendo outras formas de participação.

“A Homossexualidade saiu das sombras do domínio do não dito. Nestes últimos


anos, houve uma reformulação completa da imagem da homossexualidade"19.

Por outro lado, a despeito dessas transformações, o dia-a-dia dos


homossexuais brasileiros ainda reflete um ambiente extremamente hostil.

18 Refiro-me aqui a uma nova imagem pública que surge. Sem dúvida, antes dos anos 70, já existiam aqueles
que abertamente lutavam para mudar esse padrão histórico e não se envergonhavam disso.
19 Pollak (1985: 54)
36

Em março de 1993, dois meses antes da fundação do GAI, o jornal "Nós


Por Exemplo" estampava na primeira página20: “Caso Renildo: A Morte
Anunciada”, onde relatava o seqüestro e morte com requintes de crueldade do
vereador Renildo José dos Santos, do município de Coqueiro Seco, em
Alagoas. Ele havia confirmado numa rádio local que era bissexual e que seu
irmão, o prefeito, era homossexual.

O texto a seguir, extraído do seminário promovido pela Comissão de


Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em 21 de setembro de 1999, do
qual participaram várias lideranças do movimento brasileiro organizado de
gays, lésbicas e travestis, com o objetivo de encontrar alternativas para o
combate à crescente violência contra os homossexuais, ilustra a situação
brasileira nos anos 90.

"De acordo com a ABGLT -Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis, a


cada três dias, um homossexual é assassinado no País em decorrência de sua condição
sexual21. É crescente o número de crimes de tortura, agressão, ameaça e difamação,
principalmente nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, onde há um número
maior de violações22.

Os dados ainda são incompletos e parciais, tendo em vista que muitos crimes não
são sequer registrados. É que, freqüentemente, ao tentar registrar agressões nas
delegacias, homossexuais acabam sendo vítimas de mais discriminação e preconceito por
parte dos próprios policiais, passando de denunciantes a denunciados. As ocorrências são
então modificadas ou desestimuladas.

Os estudiosos demonstram em suas pesquisas que somos uma sociedade


homofóbica, ou seja, há uma especificidade na discriminação existente contra os
homossexuais. Neste contexto, o que motiva o crime ou o preconceito, muitas vezes, é a
rejeição pura e simples da pessoa em razão de sua orientação sexual. O homem que opta
por ser gay, travesti, transexual ou a mulher que opta por ser lésbica são vistos como
desequilibrados, desajustados, doentes que precisam ser excluídos do convívio social. Tudo
isso reforça uma cultura hermética e machista que desrespeita a pessoa humana e fere o
direito e a liberdade de exercer livremente sua sexualidade. ”

20 (1993 Ano II N°7: 4,5)


21 As anotações em negrito são de minha responsabilidade, assinalando uma questão comumente reivindicada
por militantes gays/lésbicas no Brasil: a utilização da expressão orientação sexual em lugar de condição
sexual ou opção sexual.
22 O Grupo Gay da Bahia cataloga, há quase vinte anos, todos os crimes praticados contra homossexuais com
características de homofobia (discriminação a homossexuais) publicados nos jornais. Considerando o
preconceito que ainda circunda o tema, pode-se perceber que os dados citados são apenas a ponta de um
iceberg, já que, na maior parte dos crimes, a homossexualidade da vítima é ocultada.
37

4. 3 Alguns Dados

O Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual - GAI foi fundado


em 21 de maio de 1993 na cidade do Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca. O
GAI ainda é, em 2002, um dos grupos mais ativos do Brasil.

Tudo começou com os encontros na sala da casa onde eu morava com


Luiz Carlos. Logo, em função do contínuo crescimento da quantidade de
participantes, o grupo passou a ter uma vida itinerante: havia reuniões em
locais diferentes a cada semana. Durante alguns meses, existiu na Ladeira da
Glória, acolhido pelo PIM Projeto Integrado de Marginalidade. Ainda no
primeiro ano, estabeleceu-se no Centro Cultural Laranjeiras. Depois, ao longo
de seus anos de existência, mudou-se para a Praça Cruz Vermelha, no Centro
do Rio de Janeiro, posteriormente, para a Praça São Salvador, em Laranjeiras,
e no momento (2002), tem sua sede na rua Mundo Novo, em Botafogo.

No ano de sua fundação, existiam no Rio de Janeiro outros grupos de


defesa de direitos dos homossexuais: o Grupo Atobá, no subúrbio carioca de
Magalhães Bastos, e a Astral - Associação de Travestis e Liberados. O Grupo
Triângulo Rosa já não existia como grupo, sua atuação restringia-se a seu
incansável líder João Antônio Mascarenhas e ao ativista Antônio Cláudio.

As reuniões de sextas-feiras, primeiras atividades regulares do GAI, e


que configuram sua principal marca, é um cotidiano mantido até hoje (2002):
elas se constituem na atividade agregadora do Grupo. Conforme os projetos
foram surgindo, outras reuniões foram se estabelecendo; isso. além das
reuniões administrativas, que sempre existiram.

Pouco a pouco, o grupo começa a tomar-se conhecido passando a ter


uma vida pública intensa, sobretudo, após tomar a frente da organização da
17a Conferência da Associação Internacional de Gays e Lésbicas - ILGA23,
realizada em 1995 no RJ, na qual o grupo conseguiu reunir mais de 2000
ativistas de todo o mundo, e que teve grande repercussão na mídia brasileira.

23 International Lesbian and Gay Association - ILGA. A Associação era em 1995, e ainda é, em 2002, a maior
entidade internacional de defesa dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros, com
centenas de grupos filiados em todo o mundo.
38

Logo no início das atividades, quando o grupo ainda se reunia na


Ladeira da Glória, o cantor e compositor Renato Russo, líder da banda de rock
Legião Urbana, passou a freqüentar eventualmente as reuniões do Arco-Íris, o
que contribuiu para o reconhecimento público do grupo e sua divulgação. O
fato atiçava a curiosidade para as atividades do GAI e contribuía para um
certo fascínio que o grupo despertava.
39

4. 4 Fragmentos de Memória, Sentimentos

Sexta-feira, por volta das 19h, um grupo de rapazes sobe a rua Prof.
Luiz Catanhede, no bairro carioca de Laranjeiras. No meio da ladeira,
encontram outro grupo ao redor de um orelhão. Seguem-se as brincadeiras,
abraços, beijos e gozações. Eles afluíam de todos os bairros da cidade para se
reunir no Centro Cultural. Sabiam que nas noites de sexta tinham garantido
alguns momentos de satisfação. Poderiam compartilhar experiências e estar
com pessoas com que, de alguma forma, se identificavam.

Na semana anterior, a sexta havia sido marcada pelo tema escolhido,


“A Dor e a Delícia de Ser o Que é”24, que deu "pano para manga", já que
havia mexido com a emoção de todos. Para esta sexta, o que iria ocorrer ainda
era um mistério. A surpresa fazia parte do jogo. A brincadeira, a emoção e a
surpresa contribuíam para a vontade de não perder os encontros.

Todos haviam tomado conhecimento da existência do Grupo Arco-Íris


através de amigos. A princípio, chegavam meio ressabiados: será que iriam
encontrar um bando de militantes chatos bradando palavras de ordem? Havia
também o temor de darem de cara com pessoas que se reuniam para reclamar
da vida ou, ainda, o receio de tratar-se simplesmente de mais um lugar, uma
desculpa, para pegação25.

Afirmava-se que, naquele espaço, o tesão era fundamental e que as


coisas sérias não precisam ser necessariamente sisudas.

O que fazia aquelas pessoas, todas as sextas-feiras, espontaneamente,


lotarem os encontros no Centro Cultural Laranjeiras26?

Cada um tinha seus próprios motivos, mas a sociabilidade descontraída


daquelas noites agradáveis, sem cobranças, era um forte atrativo.

24 Tema da terceira reunião do GAI.


25 Termo muito usado no Rio de Janeiro entre gays com um amplo sentido. Pode significar desde um simples
flerte até busca pelo sexo.
26
Em 02.07.1993, o GAI passa a reunir-se no Centro Cultural Laranjeiras.
40

Nada de lugares fechados, enfumaçados, escondidos e escuros, que


faziam parte das experiências afetivas de boa parte dos freqüentadores. Os
encontros eram a céu aberto no quintal onde havia um pequenino e charmoso
anfiteatro debaixo de um pé de carambola, que servia de proteção e compunha
o ambiente.

O grande trunfo daqueles que, no primeiro momento, deram vida ao


grupo, foi afastar o tédio e a sisudez a todo custo e jamais impor idéias. O
grupo deveria ser um canal de expressão. Mais importante era falar do que
ouvir. Ouvir seria conseqüência. Importante era ouvir a si próprio. Se possível,
aquele espaço serviria para que cada um criasse sua própria narrativa, sua
própria história, e o grupo forjasse sua identidade transpassado por esse feixe
de histórias.

Naqueles primeiros momentos, uma pergunta jamais era respondida:


qual a proposta do grupo? A resposta, a princípio, irritava - o grupo não tem
proposta definida, o que você sugere? Pouco a pouco, com a freqüência às
atividades, todos percebiam que a proposta era a criação coletiva de projetos
de trabalho a partir dos indivíduos que freqüentavam as reuniões.

Dança, canto, pintura, brincadeiras de roda, esquetes teatrais, dinâmicas


e oficinas de todo o tipo, o mote era a possibilidade de expressão; era o
exercício da expressão. Para um grupo de pessoas tolhidas exatamente na
possibilidade de expressão espontânea do afeto, os exercícios de expressão
eram descobertas. As brincadeiras eram coisa séria e desenferrujavam muita
gente.

Lá, era possível ter medo, falar do medo. Tentava-se não censurar
ninguém, procurava-se afastar o "politicamente correto". Era possível errar,
reconsiderar, mudar de idéia. Tentava-se transformar alguma coisa.
41

4. 5 Mito de Origem

San Francisco

O estopim para a fundação do Grupo Arco-Íris foi nossa viagem a San


Francisco. A primeira imagem com que me defrontei foram as bandeiras do
Arco-íris, dezenas, centenas em todos os locais: nas portas e janelas das casas,
em estabelecimentos bancários, lojas, bancas de revistas e açougues.

Quando completei dez anos de vida em comum com Luiz Carlos, meu
namorado, em 1993, empreendemos uma viagem a San Francisco, nos EUA
onde, pela primeira vez, tomamos contato com a comunidade gay em Castro27,
considerada a maior do planeta. Era como irmos a Meca. A cidade tinha uma
importância simbólica enorme para nós e queríamos conferir de perto tudo o
que se dizia com relação ao dia-a-dia dos gays.

A sensação de ver casais de homens andando de mãos dadas sem a


menor preocupação no meio da rua foi muito forte. Até hoje, tenho na
memória uma cena em que duas senhoras de muita idade passeavam,
abraçadas, trocando carícias, deixando claro, pela naturalidade, os sentimentos
que existiam entre elas. Padrões estavam quebrados, à minha frente.

Em meio àquele turbilhão de possibilidades, Luiz e eu ensaiamos


rapidamente entrar no clima. Para nossa surpresa, por mais que tentássemos
andar de mãos dadas, abraçados, expressarmos afeto em público, nada era
confortável e espontâneo. Foi um choque e um alerta. Sentimos na pele os
danos que a opressão nos causava. Constatamos, em nós mesmos, que afeto,
relacionamentos e amor também se aprendem e se constróem no exercício.

27 Bairro gay da cidade de San Francisco, na Califórnia, USA.


42

Gapa

Em 1986, dois amigos meus, Arthur e Toni, resolvem criar o Gapa -


Grupo de Apoio a Prevenção a AIDS - no RJ. Achei ótimo e me propus a
ajudar arrecadando o dinheiro para concretizarmos as idéias, o que foi feito.
Essa era a minha primeira experiência com ONGs.

O Gapa foi criado e logo já estava embrenhado na luta quixotesca dos


primeiros momentos do combate à AIDS. Apesar de reconhecer a importância
e a emergência de tudo o que se fazia no Gapa RJ, um ponto me incomodava:
os principais atingidos pela epidemia eram os gays, homossexuais masculinos,
e a discussão sobre a questão gay não acontecia.

vVNós todos intuíamos que não havia apenas uma epidemia grassando,
havia uma outra epidemia trabalhando em conjunto, tão danosa quanto aquela.
Era uma epidemia discursiva, um recrudescimento dos preconceitos e das
discriminações contra os gays. Os jornais acusavam: câncer gay, peste gay. Os
hospitais recusavam-se a aceitar internações e queimavam até mesmo os sofás
em que os gays haviam se sentado28. Os religiosos clamavam que a AIDS era
um castigo divino.

Essa outra epidemia, a discursiva, me inquietava e me interessava ainda


mais, porque atingia diretamente o nosso direito de existir, o reconhecimento
da nossa sexualidade, do nosso direito à vida.

Eu ficava incomodado ao ver amigos gays não conseguirem lidar com


esses discursos, e nada ser feito. Ninguém falava, mas, para mim, era evidente
o sofrimento que esse sentimento de culpa gerava. A associação,
homossexualidade - doença - culpa, efetivamente matava.0
O que fazer?

28 Episódio ocorrido no Hospital Pedro Ernesto Rio de Janeiro.


43

J o rn a l"Nós Por Exemplo"

Dois ános antes da fundação do GAI, em 1991, já circulava no Brasil,


em escala nacional, mas de forma precária, o jornal "Nós Por Exemplo"29. Ele
era distribuído por assinatura e vendido em algumas bancas de jornal
específicas, nas principais capitais do país. Seu objetivo era a prevenção à
AIDS, porém inovava, desenvolvendo um trabalho de prevenção junto ao
público gay associado à construção da sua cidadania então abalada pela
epidemia.

Naquele período, o jornal transformou-se no catalisador de atenções


para tudo que acontecia em termos gays no país: desde a organização de um
novo grupo em Roraima até a festa na boate tal, em São Paulo, além, é claro,
das informações sobre prevenção.

Em seu editorial de lançamento, ano 1 número 1, afirma:

“Para NÓS POR EXEMPLO é vital que o homossexual brasileiro seja respeitado.
E para que isto aconteça, a busca do conhecimento é indispensável. Refletir sobre a
própria condição é iniciar o processo de auto-estima que é o único caminho para se fazer
respeitar. ”

A publicação permitiu-me enxergar as várias ações relacionadas à


questão gay que “pipocavam” no Brasil: como funcionavam, qual sua
abrangência, suas estratégias, que discursos utilizavam. Enfim, serviu de
referência e possibilitou-me especular sobre as ações e a própria questão gay.

A A ID S chega perto.

Didi morreu. A notícia chegou como uma bomba. Eles, meu irmão e
Didi, namoraram durante oito anos. Ele era da família, mas aconteceu. Já era
esperado que isso acontecesse. Era evidente para todos o que estava
acontecendo. Ele virara um fiapo humano. O tempo todo, recusou-se a
procurar e a aceitar ajuda, nem mesmo aceitava que era AIDS. Por quê? Por
que “não lutou” pela vida?

Minha inquietação só apontava para uma resposta: ele era gay e tinha
medo.
29 Fundado em dezembro de 1991, é publicado até 1995.
44

O Arco-Íris

Em San Francisco, já havíamos decidido que, assim que chegássemos


ao Brasil, tentaríamos começar algo — não sabíamos bem o quê -—-, com a
intenção de trabalhar a melhoria da qualidade de vida de nós, gays e lésbicas.

Durante anos, Luiz e eu participamos de um grupo de dança30. Essa era


nossa experiência mais próxima, era nosso universo de amigos. Então
decidimos partir daí, dos amigos.

Convidamos todos à nossa casa. Relatamos nossa experiência em


Castro, falamos de nossas ansiedades. Queríamos fazer algo e não sabíamos
bem o quê. Intuíamos que o foco, a prioridade, deveria ser a melhoria da auto-
estima de todos nós.

Fizemos a primeira, a segunda, a terceira reunião, sempre às sextas-


feiras, sem nenhuma organização prévia. Era uma catárse coletiva para ver
onde aquilo iria dar. As pessoas falavam muito, falavam alto três, quatro horas
seguidas sem querer parar. Daí, surgiu o primeiro “insight”. O que todos
precisávamos era de poder nos expressar, de espaços, canais para
expressarmo-nos livremente.

A partir daquele momento, começamos a organizar as reuniões com


temas instigantes, para provocar a emoção geral e permitir, por meio de
dinâmicas, que todos se expressassem o mais possível. Mais importante do
que as idéias e o tema, era a possibilidade de expressão.

Logo, percebemos que a segunda grande carência era a de referencias


positivas, referências sobre relacionamentos gays, sobre a vida de gays e
lésbicas, sobre sucessos, realizações e alegrias. Ratificávamos a necessidade
de trabalharmos com a promoção da auto-estima.

Tristeza, desinformação e morte existiam de sobra. Até mesmo o


adjetivo positivo passou a significar portador do vírus HIV, o que era, na
época, um carimbo, um passaporte para a morte.

30 Grupo de Artes Ilê-Ofé - grupo de danças afro-brasileiras. Dos entrevistados presentes na foto que deu
origem à presente dissertação, seis participaram do grupo de danças: Caê, José Carlos, Luiz Carlos, Pedro,
Sílvio e eu.
45

Mais do que a desinformação que a sociedade abrangente tinha acerca


de nós, nossa desinformação sobre nós mesmos é que passou a nos preocupar.

Então, pouco a pouco, fomos criando projetos para o público interno,


que suprissem essas lacunas. O projeto “Vamos Nos Ver”, por exemplo,
apresentava vídeos relacionados com gays e lésbicas, em que, num primeiro
momento, só eram exibidos filmes favoráveis à expressão de gays e lésbicas.
Não se permitiam filmes nos quais homossexuais fossem retratados
negativamente. Com o tempo, depois de percebermos alguns indicadores da
melhoria da auto-estima do grupo, começamos a liberar, como contraponto,
alguns filmes em que a homofobia podia ser objeto de reflexão.

O exercício da afetividade também passou a ser considerado uma meta.


A partir da compreensão de que só se aprende a jogar futebol jogando, só se
aprende a beijar beijando, tentava-se possibilitar, fornecer instrumentos, tudo
que estivesse a nosso alcance para desinibir, "desenfemijar" os que tivessem
dificuldades.

Certa vez, promovemos o projeto “Vamos à Luta”, com o objetivo de


exercitar a agressividade e a sensibilidade por meio de aulas de jiu-jitsu e de
teatro. Entendíamos que a opressão embota os seres humanos, deixa marcas na
emoção e no corpo. Exercitávamos o contrário da opressão, a expressão.

Para nós, a linguagem verbal não era a única e nem sempre a mais
efetiva. Há bem pouco tempo, ainda trabalhávamos com arte, mais do que
isso, com dança, com o corpo e imagens.

A dança nos havia exercitado na arte de equilibrar a disciplina com a


liberdade, ou seja, de conseguir a liberdade de movimentos por meio da
disciplina. O mesmo fio sobre o qual um bailarino se equilibra entre a
disciplina e a liberdade poderia ser explorado entre nós, como o fio sobre o
qual nós nos equilibrássemos entre a opressão e a expressão.
46

A experiência anterior com prevenção a AIDS, no GAPA RJ, havia


alertado alguns participantes, como Toni, Luiz Carlos e eu, que o importante
seria focar a mudança de comportamento, a emoção. Por exemplo, cansamos
de ver que de nada adiantava passarmos as informações corretas sobre
prevenção e fornecer as ferramentas necessárias, camisinhas etc, para uma
mulher que, submissa ao marido, não se fazia respeitar.

Da mesma forma, para lutar pelo direito de existir, para se prevenir da


AIDS e para estar imune à epidemia discursiva, um gay deveria acreditar e
sentir que sua forma de amar era tão digna, legítima e possível quanto
qualquer outra. Todos, porém, sentiam na pele que os espaços tinham de ser
construídos.

A presença de Ronald causou impacto desde sua primeira participação


no grupo. Ele estava com AIDS e seu rosto, tomado por sarcomas31. Ele
participava das reuniões como se nada estivesse acontecendo consigo e fazia
questão de afirmar que o importante não era o tempo mas a qualidade da vida.
Ele queria usufruir cada minuto. Depois de algumas reuniões, ficou cego, sem
deixar de freqüentar os encontros. Meses depois, morreu.

Na quarta reunião do grupo surgiu a discussão: o que é


homossexualidade? A discussão foi importante para o público interno; era
uma possibilidade de falar livremente sobre algo que afligia a muitos.
Percebeu-se, porém, tratar-se de uma questão sem fim. Mais produtivo seria
partir do ponto de vista da cidadania, do direito. Para nós, frente à sociedade
abrangente, essa abordagem, a da cidadania, seria uma oportunidade de
discutirmos, nos legitimarmos, entrarmos num embate pelo lado afirmativo e
não pelo negativo, como sempre víamos acontecer - “não somos doentes, não
somos pecadores etc” - Chegou-se a um consenso de que o mais importante
era a consciência do fato de que qualquer um precisa ter o direito de exercer
sua orientação sexual livremente, independentemente do fato de ela ser inata,
ou de ser uma identidade construída.

Lentamente, algumas expressões foram sendo incorporadas ao dia-a-dia


das atividades do grupo que ali nascia: possibilidade de expressão, promoção
da auto-estima, criação de referências positivas, exercício da afetividade e,
mais tarde, identidade e Visibilidade.

31 Na época, uma das principais infecções oportunistas relacionadas à AIDS, que a tomava visível, deixando
manchas escuras por todo o corpo.
47

Em setembro de 1993, o GAI lança-se publicamente. Seu primeiro


texto, resultado do que vinha sendo gestado nas reuniões, é publicado no
jornal "Nós Por Exemplo"32:

“Arco-Íris é a possibilidade de você ser você mesmo, pensar diferente e, ainda


assim caminharmos juntos. Arco-Íris é a troca de idéias, informações, experiências
pessoais, emoções e carinho com outros seres humanos com interesses em comum.
Acreditamos que ao falarmos alto sobre o que sempre tivemos sufocado, guardado
e dissimulado, o nosso interesse homoerótico, nossa afetividade orientada para o mesmo
sexo, enfim, nossa liberdade de sentir, estamos construindo algo novo, a princípio dentro
de nós e entre nós e logo a seguir num universo maior de relações”.

32 (1993 Ano II, N° 10: 7)


48

Uma Visita

Assim que se consolidou a idéia da formação de um grupo, eu e Luiz


resolvemos conhecer João Antônio Mascarenhas , fundador do Grupo
Triângulo Rosa, conhecido grupo carioca, para trocarmos idéias e
experiências.

Tínhamos uma grande admiração por ele. Na assembléia constituinte de


1988, participara das audiências públicas, como representante do movimento
gay organizado. Sua atitude, além de pioneira, houvera sido resultado de
muito esforço, persistência e coragem.

Depois das formalidades, quando iniciamos a conversa, pudemos


perceber as diferenças de foco entre nossos pontos de vista. Enquanto ele
afirmava a importância de se interferir em todo o ordenamento jurídico que,
de algum modo, nos envolve, nós questionávamos se esse esforço valeria a
pena num país em que as leis não "pegam” e só valem para alguns.

O diálogo serviu para ratificar nossa intenção de trabalharmos com os


indivíduos e interferirmos na “cultura”, como dizíamos então, ou seja, nas
representações que os gays tinham na sociedade brasileira.

No entanto, uma frase desse homem que era uma referência para nós
acabou nos servindo de trilha: “A invisibilidade é o nosso maior problema.
Temos de aproveitar enquanto ainda somos um assunto exótico, para abrirmos
espaços de Visibilidade a nosso favor.”

33 Um dos precursores do movimento gay organizado no Brasil.


49

5.1 Confrontos

Durante a compilação dos dados, o que primeiro saltou aos olhos foram
as referências negativas que predominavam no senso comum, no discurso, e
que apareciam mais marcadamente quando os participantes referiam-se às
suas famílias. Busquei avaliar os processos de produção e circulação de
sentidos vinculados às narrativas.

Lembrei-me das reflexões da professora Eni Orlandi: “O dizer não é


propriedade particular. As palavras não são só nossas. Elas significam pela
história e pela língua ... Quando nascemos, os discursos já estão em processo e
nós é que entramos nesse processo.”34

5.2 Histórias

Família

Os depoimentos abaixo selecionados para a análise empírica foram


recolhidos porque, de uma forma ou de outra, tratam de reações familiares
frente a “evidências” de homossexualidades, ou seja, de confrontos com as
representações hegemônicas, quase todos lembranças dos anos 70 no Brasil, a
exceção do depoimento de John, que, na ocasião, estudava em Michigan,
USA, e o de Pedro, que se reporta a 1954.

Nos “bate-papos”, os temas fluíram livremente, de acordo com a


memória e a emoção de cada um. Nem todos os tópicos relevantes do meu
roteiro foram abordados por todos os entrevistados. O critério de seleção dos
textos considerados também respeitam essas limitações.

34 Análise do Discurso (1999: 32,35).


50

Ao final de cada depoimento, quando necessário, a título de referência,


escreverei o nome do entrevistado, sua idade à época e a cidade na qual a
narrativa está ambientada. Os anos que nos remetem para o período de tempo
narrado são aproximações estabelecidas conforme as variáveis disponíveis. A
memória dos colaboradores nem sempre era precisa.

De todos os participantes, o único brasileiro que narrou uma experiência


de compreensão da família com relação às evidências de homossexualidade
foi Sílvio. John, que é norte-americano e passou sua adolescência em seu país
de origem, também retrata sua experiência com a família como positiva,
porém, conforme será relatado mais adiante, bastou pisar em território
brasileiro para que a situação mudasse.

Os outros participantes ou relataram experiências muito difíceis e até


traumáticas ou tomaram-se invisíveis frente aos seus familiares no tocante a
tudo que remetesse à sexualidade, ou seja, criaram um mundo paralelo e
escondido.

A repressão às formas de expressão de qualquer coisa que pudesse ser


associada à homossexualidade, seja lá o que isso signifique, é recorrente em
todos os depoimentos. Recortei trechos de dois deles que falam diretamente de
repressão e expõem associações com aspectos dos papéis de gênero feminino
que também são postos como coisa ruim, a ser evitada: usar saia e higiene
pessoal. A preocupação apreendida aí é com a construção simbólica de um
tipo de masculinidade.

Pedro, referindo-se ao pai, narra o seguinte episódio, que ocorreu


quando ele tinha quatro anos, em 1954, no Rio de Janeiro. “Uma vez eu levei
um tapa na cara de meu pai porque brinquei com uma saia. Eu tinha menos de
cinco anos... Eu era reprimido na expressão sensível. Assistir um ballet, ver
um teatro. Qualquer coisa ligada à arte era coisa de viado.”

Neste outro trecho, Téo fala de hábitos de higiene, quando tinha 10


anos, no Maranhão, em 1973. “No colégio, nós aprendemos que devemos
escovar os dentes após as refeições e antes de dormir. Nas nossas casas, e não
era só na minha casa, achavam isso uma puta frescura e viadagem... Higiene
pessoal era coisa de mulher... Eu era proibido de ler. Leitura demais vai virar
viado.” Ele reportava-se também ao pai.
51

Outro dado que chamou a atenção é que a legitimação para a repressão


às evidências de homossexualidades poderia se dar de qualquer forma. Tudo
era válido. A transitividade entre vários discursos, muitas vezes aparentemente
antagônicos, servia ao mesmo fim.

Toni, aos 15 anos, foi surpreendido pela vizinha na escada do prédio


onde morava namorando um soldado. A vizinha esperou sua mãe chegar do
trabalho e contou-lhe. É ele quem relata: “Ela (sua mãe) tinha uma Nossa
Senhora da Conceição linda, que ela adorava. Ela quebrou e eu fiquei com
uma culpa danada... Ela tingiu todas as roupas dela de preto porque uma
vizinha me surpreendeu de esfregação com um soldado da aeronáutica... Aí
me levou para a igreja messiânica para me curar.” (1975).

A "esfregação" com um soldado da aeronáutica, fetiche de


masculinidade, é um dado simbolicamente marcante. Se o soldado cumpre o
papel viril, quem cumpriria o papel feminino, que era desprezível?

A transitividade entre variados discursos é um traço perceptível na


sociedade brasileira. O documentário “Santo Forte”, de Eduardo Coutinho, por
exemplo, mostra uma comunidade carioca na qual moradores tanto
freqüentam a Igreja Universal do Reino de Deus quanto cultos afro-
brasileiros. Pude, certa vez, assistir a um depoimento de Mãe Menininha do
Gantois, ex-líder religiosa de uma das três mais antigas casas de candomblé do
Brasil, no qual ela se dizia católica. Jorge Amado, também, ao ser interpelado
pelo fato de ser obá do Ilê Axé Opó Afonjá, outra antiga casa de candomblé,
afirma na TV: “Meu materialismo não me limita.”

O relato de Toni é um bom exemplo de que “a censura não é um fato


circunscrito à consciência daquele que fala mas um fato discursivo que se produz nos
limites das diferentes formações discursivas35 que estão em relação".36

35 Formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada - ou seja, a partir de uma
posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada - determina o que pode e deve ser dito. Orlandi (1999:
43)
36 Orlandi (1997: 78)
52

Nessa narrativa, identificam-se diferentes formações discursivas


hegemônicas se entrecruzando e convivendo. Todas, com um pano de fundo
em comum, a homofobia. A fala ressalta ainda a transitividade e o jogo
simbólico entre diferentes discursos. A mãe quebra a santa católica, algo
sagrado foi quebrado. Tinge as roupas de preto, algo morre e o luto se faz
presente. A cura para o filho doente existe e pode se dar através de um outro
credo religioso, a igreja messiânica. Os conceitos de pecado, doença e de
antinatural se insinuam.

Luiz Carlos, irmão de Toni, lembra-se de sua mãe alertando-o para


práticas sexuais que ele deveria evitar. “Eu tinha treze anos, eu me lembro
minha mãe falando que se um menino deixasse o outro menino fazer esse
primeiro de mulher dele, o bumbum desse primeiro crescia muito e ficava
igual a bumbum de mulher. Eu não entendi nada que ela falou.” RJ (1971).

Neste exemplo, evidencia-se uma preocupação direta com a


sexualidade, com OS papéis “No entanto, há um aspecto interessante a observar em
relação a esse mecanismo de censura. Como, no discurso, o sujeito e o sentido se
constituem ao mesmo tempo, ao se proceder desse modo se proíbe ao sujeito ocupar certos
'lugares', ou melhor, proíbem-se certas 'posições' do sujeito ” 37.

Vale destacar que, mesmo se a mãe de Toni e Luiz estivesse disposta a


assumir publicamente a homossexualidade dos filhos, ela teria de enfrentar as
implicações decorrentes de tal ato. Seria uma guerra com várias batalhas, em
que uma mãe, separada do marido, em 1975, num subúrbio carioca, teria de
encarar de peito aberto uma decisão de pesadas conseqüências.

Trinta anos depois, em conversa com Luiz, ela desabafou que seu maior
medo, naquela época, seria que os filhos vestissem roupa de mulher e fossem
se prostituir no meio de marginais. A associação era direta: viado, efeminação,
prostituição, marginalidade.

37 Orlandi (1997: 78)


53

Nos depoimentos de Rosângela sobre sua adolescência, a vigilância da


mãe é constante. Na fala seguinte aparece o olhar da mãe contribuindo na
formação de espaços de subjetividade da filha quando associa lesbianidade a
decrepitude. “Minha mãe me mostrava a capa do disco da Araci de Almeida
que era muito bonita, depois me mostrava a Araci de Almeida na TV no
Programa do Sílvio Santos e falava: "Olha como ela era e como você vai
ficar.” 18 anos, RJ (1975)

No processo de investigação, enquanto tentava observar as diferenças, a


dimensão social, implicações políticas e sentidos produzidos, o que perpassou
todos os textos, saltando regionalismos brasileiros e culturas como a norte-
americana (no caso de John), foi o processo de invisibilização que, para
Bourdieu, “toma a forma de uma negação de existência pública”. Todos os
depoimentos denotam ou diferentes formas de tentar silenciar ou apreensão
com relação ao confronto com representações das homossexualidades.

“A dominação, neste caso, [dos homossexuais] como em certas espécies de


racismo, toma a forma de uma negação de existência pública, visível. A opressão como
,,invisibilização,> traduz-se por uma recusa de existência, legítima, pública, isto é,
conhecida e reconhecida, notadamente pelo direito, e por uma estigmatização que não
aparece nunca de maneira clara quando o movimento reivindica a visibilidade. Nós os
chamamos explicitamente “à discrição” que eles são obrigados habitualmente a se
impor. >,38

Mesmo nos dois depoimentos abaixo, em que a aceitação da família é


explicitada, a apreensão aparece. Na fala do pai de Sílvio, surge na expressão
“que o mundo era muito difícil, que as pessoas não aceitavam”. Na fala de
John, está presente o temor daquilo que Christine Delphy39 caracteriza como
“chamada à discrição”. A discrição que seria “a dupla vida, a clandestinidade
em tempos de paz”. “Eu não temi por uma não-aceitação de mim, mas eu temi
por uma não-aceitação da homossexualidade em mim”.

38 “La domination, en ce cas, [des homosexuels] comme dans certaines espèces de racisme, prend la forme
d’un déni d’existence publique, visible. L’opression comme “invisibilisation” se traduit par un refus de
l’existence légitime, publique, c ’est-à-dire connue et reconnue, notamment par le droit, et par une
stigmatisation qui n’apparait jamais aussi clairement que lorsque le mouvement revendique la visibilité. On le
rappelle alors explicitement à la “discretion” ou à la dissimulation qu’il est ordinairement obligé de
s’imposer.” Bourdieu (1998:45
39 Apud Bourdieu (1998: 46).
54

“Em menino, dormindo com meu pai, eu brinquei com o falo dele. No
dia seguinte, ele me chamou para debaixo de uma árvore conversou comigo e
disse que aquilo era uma escolha, que o mundo era muito difícil, que as
pessoas não aceitavam, mais que eu soubesse o que eu realmente queria ser.
Não houve nenhuma recriminação... Meu pai me educou para ser um homem
não para ser um macho.” Sílvio, 9 anos, RJ (1967)

“Quando cheguei à conclusão que era gay, mesmo sem nunca ter
transado, achei que deveria assumir para a família. Não faria sentido participar
de movimentos públicos escondendo da família. Escrevi da Universidade uma
carta de quatro páginas para os meus pais na virada de 70 para 71. Três dias
depois, recebi um telefonema de meu pai que era super trancado. Aí, eu gelei,
puta que pariu! Ele me disse: 'Recebemos sua carta e só queremos que você
saiba que te amamos...' A expectativa era que fosse tudo bem, mas eu imaginei
que talvez tivesse um momento de perplexidade da parte deles. Eu não temi
por uma não-aceitação de mim, mas eu temi por uma não-aceitação da
homossexualidade em mim.” John, 20 anos, Michigan, USA (1971)

Em “meu pai me educou para ser um homem, não para ser um macho”,
e “queremos que você saiba que te amamos”, outras formações discursivas
abrem espaço, sob um olhar distinto, para a possibilidade de expressão de
sexualidades alternativas.
55

Escola

Nas entrevistas, embora haja referências à escola, elas são bem menos
freqüentes do que à família: quando citada, é retratada praticando regras que
freiam, em vez de favorecer a liberação da expressão. A escola surge como o
local onde os entrevistados começam a se perceber diferentes e no qual a
institucionalização do código da dissimulação ganha força.

Sílvio conta que foi no ginásio que ele descobriu que o fato de gostar de
outros homens seria uma “aberração”. Isso vai se dar quando ele se apaixona à
distância por Jorge. Para ele, era natural, mas percebeu algo diferente porque
só ele se interessava por homens. RJ 14 anos (1972)

Para Lúcio, foi na escola que começam os assuntos sobre sexo, com os
colegas. Ele começa a ter noção sobre algumas coisas “padronizadas”, porém
só se falava de menino com menina. Lúcio tenta então “fazer a sua própria
cabeça” para se interessar por mulheres, mas, segundo ele, era uma “forçação
de barra”, uma coisa de grupo. Foi um período em que ficou muito confuso,
entre os 13 e 14 anos. MG (1974)

A narrativa que mais me despertou para as relações que se estabelecem


entre homossexualidade—escola foi a de Rosângela. Aos doze anos, ela sai de
uma escola estadual e vai estudar num colégio de irmãs de caridade no Rio de
Janeiro, onde morava. Logo faz amizade com duas meninas que já eram
amigas entre si e fica muito próxima delas. A amizade crescente chama a
atenção das freiras, que, achando “aquilo” estranho, convocam seus pais. Eles
a repreendem: “Que mania é essa de ficar andando só com aquelas meninas!”
Da parte da escola, ela foi punida tendo de assistir à missa todos os dias, além
de ter de rezar 150 "Ave-Marias" e 150 "Salve Rainhas".

Rosângela, a princípio, nem entendia o que estava acontecendo, porém,


a partir daí, começa a prestar atenção: ela realmente gostava de meninas, isso
era uma coisa diferente e ela não tinha consciência disso.

Hoje, Rosângela acha que, para ela, a relação com as duas meninas
realmente era especial.
56

“Uma coisa que eu achei legal é que, naquele momento, eu não fiquei
com culpa. Se Maria não me curou é que aquilo não era pecado, então eu
podia continuar assim, só que não podiam saber.” Rosângela, RJ.

Vale notar que é no confronto com outros olhares, com o poder do


outro, que a consciência surge para Rosângela. Ao mesmo tempo em que ela
começa a se defrontar com esses desejos como possíveis, porque desenhados
na proibição do outro, ela os intemaliza e começa a formatar uma estratégia de
sobrevivência, tanto social, no código da dissimulação, quanto na formação de
um discurso interno legitimador: Maria deu aval para o seu comportamento.

As colegas dela não foram punidas. Rosângela atribui a discriminação


ao fato de ser afro-descendente, e de suas amigas, filhas de militar, em plena
ditadura. Era 1971.

Fora a constatação de que na escola não havia espaço para uma mulher
que ame outra mulher, o fato de a punição ter se abatido só sobre Rosângela,
por gostar de mulheres, por ser negra e por não ser filha de militar, nos remete
a uma pergunta: que papel cumpria essa escola (e tantas outras) na relação
com o diferente?
57

Histórias Brasileiras.

As três histórias a seguir foram selecionadas por evidenciarem temas


que posteriormente, nas referências às reuniões do Grupo Arco-íris, serão
recorrentes e estão interrelacionados: identidade, dissimulação e referências.

Téo Identidade

Téo nasceu em 1963, em Pinheiros, no interior do Maranhão. De família


de classe média, o pai era comerciante e a mãe dona de casa. Tinha nove
irmãos, sete só por parte do primeiro casamento do pai.

Em sua cidade, muito conservadora, dizia-se que menino se interessava


por matemática, física e química e viado por português, literatura e história.
Como Téo se interessava por literatura, sofria todo tipo de pressão. Qualquer
coisa que fosse objeto de seu interesse era classificada como “coisa de viado”.
A família chegava a ponto de proibi-lo de ler, o que o deixava perturbado e
sufocado interiormente.

Aos treze anos, já morando em Fortaleza com a família, entra para uma
escola de teatro ligada à Universidade Federal do Ceará, o que o deixa muito
feliz e surpreso, já que não entendia como o pai permitira. Mas pouco tempo
depois, conforme a novidade foi se espalhando, desenvolve-se um falatório na
vizinhança. Os vizinhos começam a falar que teatro é "coisa de viado" e que
ele iria acabar "virando viado" também. O comentário aumenta de tal forma
que o pai, incomodado, começa a cogitar de tirá-lo da escola.

Téo, não agüentando tanta pressão, fica profundamente irritado e toma


uma decisão extrema. Se o problema era "ser viado", ele o resolveria de uma
vez por todas. Em meio a uma discussão com o pai, vai para a porta da rua e
grita desesperadamente para os vizinhos, para a rua inteira: “Eu dou o cu e
chupo pau; eu dou o cu e chupo pau; eu dou o cu e chupo pau...”
58

Na escola, para os colegas que fazem piadas, repete o expediente:


levanta-se no meio da classe e grita bem alto a mesma frase, várias vezes. A
partir daí, passa a gritar não só em casa e na escola, mas também na rua e em
todos os lugares. Aos poucos, todos começam a deixá-lo em paz. E sozinho.

Isso durou um ano e meio, no qual ele assumiu um visual andrógino e


repetia a dose sempre que se sentia oprimido. O curioso é que, contrário ao
que afirmava, ele jamais tinha vivenciado nenhuma prática homossexual.

Levando em conta a freqüente afirmação de que toda identidade é


negociada, decidi destacar a história de Téo. Será que havia espaço para
negociação? Ou será que houve uma rendição? Ou seja, será que ele
simplesmente sucumbiu à visada externa?

Dois aspectos relacionados às identidades aparecem claros na narrativa.


O primeiro é a reafirmação de que toda identidade é relacionai. Ela se
estabelece por marcas simbólicas relacionadas a outras identidades: leitura é
"coisa de viado", homem não gosta de leitura. O segundo é o fato da
identidade demonstrar como as relações sociais obedecem a sistemas
classificatórios homem/mulher, incluído/excluído, viado/homem.

Woodward40 sugere que as identidades são produzidas pelos sistemas


simbólicos, o que ilustra a situação relatada.

“A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por


meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito. É por meio
dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e
àquilo que somos. Podemos inclusive sugerir que esses sistemas simbólicos tomam
possível aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tomar...Os discursos e os
sistemas de representação constróem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se
posicionar e a partir dos quais podem falar. ”

40 Woodward (2000: 17).


59

Eu le;ria a cobrança coletiva que sie estabelecia sobre Téo como sua
inadaptação- às representações disponíveis. Naquela comunidade
conservadora, o papel que lhe cabia era “"daquele que chupava pau e dava o
cu'”. Os interesses dele não se encaixavam na sua “aparência masculina”. Para
quie as ansiedades coletivas geradas por essa indefinição fossem suportáveis,
ele tinha díe se moldar: ou mudava de; interesses ou assumia o padrão
efeminado, o que ocorreu durante um amo e meio. Ele assumiu visual e
comportamento andróginos, além de começar a tentar “dar”, o que segundo
ele, foram experiências desastrosas naquele momento.

Algums anos mais tarde, Téo muda-se sozinho para o Rio de Janeiro
para tentar ai vida.
60

John — Dissimulação

John nasceu em Oakland Califónia, USA, em 1950. Sua mãe era


divorciada e casou-se novamente quando ele tinha cinco anos. Estudou numa
escola católica, onde a repressão à sexualidade era grande. Lá, sexo
significava pecado. Em sua cidade natal, vizinha a San Francisco, apesar de
sua formação rígida, eram comuns os comentários favoráveis sobre os direitos
dos homossexuais. Na época, os movimentos políticos pela defesa dos direitos
individuais fervilhavam.

John tinha um tio gay. Em casa, as referências paternas relacionadas ao


tio eram positivas e os comentários sempre simpáticos.

Quando decidiu assumir para si próprio seus desejos homossexuais,


antes de ter experimentado qualquer prática, decidiu declarar-se para os pais e
participar de movimentos organizados em defesa dos direitos dos
homossexuais. Teve o apoio dos pais e na universidade nunca sofreu
discriminação.

Em 1972, com 21 anos, John chega ao Brasil e vai morar no Rio de


Janeiro, no bairro do Cachambi, com uma família mineira. Ele veio a estudos,
(latino-americanos), e participava de uma espécie de intercâmbio.

Todo dia, John saía para estudar na PUC RJ, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. A noite, em casa de sua família brasileira, anotava
no diário como havia sido o dia e fazia outras observações.

Uma de suas irmãs brasileiras participara de um programa de


intercâmbio cultural, havia morado nos USA e dominava bem o inglês.

Todo dia, assim que John saía para estudar, a mãe da família, sem que
ele soubesse, revirava sua bagagem para encontrar seu diário, o qual pedia que
a filha lesse.

Havia mais duas norte-americanas na mesma casa, que, após algum


tempo, o alertaram sobre o que acontecia. John finge que nada ocorre e segue
a vida.
61

Um dia, por meio das duas, John fica sabendo que as pessoas da família
descobriram que ele sabia o que elas vinham fazendo. Ele chega em casa, às
dez horas da noite, e percebe o clima tenso. De repente, a “mãe” começa a
alterar a voz, a ficar nervosa e a gritar. Diz que ele não poderia mais morar
naquela casa, deveria pegar sua bagagem e deixar a casa imediatamente,
porque haviam descoberto que ele era “bicha”.

John se viu no olho da rua às dez da noite no IAPI41 do Cachambi por


ser “bicha”.

A experiência que nunca tivera com sua família, norte-americana, ele


experimentou no Rio de Janeiro no melhor estilo brasileiro.

Uma evidência surge na forma como John retrata essa experiência e


merece reflexão. Há um código de dissimulação que se estabelece no jogo
familiar: "Eu finjo que não faço e você finge que não sabe que eu faço." O
jogo só termina quando esse código subliminar for quebrado, ou seja, quando
a mãe descobre que o John sabe o que ela faz. Mais interessante é que a
violência explícita, a expulsão de casa, só vai se dar quando as regras se
quebram. Até então, desde que John mantivesse o jogo, ou que a mãe não
percebesse que tacitamente algo fora rompido, tudo continuaria como antes.

Que papel era exigido dele para que o jogo continuasse?

O papel que lhe cabia era o da discrição, exigia-se dele que fingisse, que
aceitasse uma forma de violência sutil, tácita, implícita. Ele tinha de se
enquadrar para não sofrer sanções. Havia um papel definido contra o qual não
podia se rebelar, mesmo que tacitamente. John não revelou que sabia o que
acontecia. Não revelou que sabia que a família sabia que era gay.

Esse código de dissimulação era uma característica constantemente


apontada pelos participantes das reuniões do GAI na relação entre filhos
homossexuais e seus pais, nas relações de trabalho, escola etc. Ele era
traduzido na seguinte formatação: "Eu finjo que não sou e você finge que não
sabe que eu sou."

41Nome que se dava a conjuntos de prédios, residências populares, construídas pelo extinto Instituto de
Assistência e Previdência dos Industriários - IAPI.
62

Simbolicamente, se os gays aceitassem a violência implícita, não se


sujeitariam à violência explícita. Muitas vezes, porém, esse pacto era/é
quebrado pela ansiedade gerada com a idéia de se ter filhos, amigos, colegas
gays e a violência explícita se dava de qualquer jeito.

Entendo esse código de dissimulação como parte de um processo maior


de invisibilização. A estratégia de Visibilidade assumida por várias
organizações de gays e lésbicas, associada a outros planos de ação, vem tentar
desmanchar a trama da dissimulação. Respaldados em lugares de fala mais
seguros, indivíduos e organizações gays rompem o silêncio, expondo-se o
mínimo possível, à violência explícita. Essas ações planejadas, por quebrarem
o código e não provocarem reações drásticas, servem de estímulo para que
outros sigam o mesmo exemplo.

A vinda de John dos Estados Unidos para o Brasil expõe duas


perspectivas distintas frente às relações por orientação sexual. John provém da
Califórnia, de um ambiente onde é apontado o início de um novo processo de
transformação nas relações por orientação sexual, os anos 60/70, considerados
anos de ruptura, dos movimentos pelos direitos civis. Aparecem claramente na
história de John como propiciadores de um ambiente facilitador para o
exercício de sua orientação sexual. Essas tendências gerais, no entanto, não
excluem os acontecimentos que ocorrem na mesma época em outro país. A
chegada de John ao Brasil, a mudança brusca de ambientes, chama a atenção
mais uma vez para a necessidade de estarmos não só analisando as estruturas
da história mas também para estarmos revelando os acontecimentos
cotidianos42.

42
Burke (1992: 333,334) propõe que “chegou o momento de se investigar a possibilidade de encontrar um
modo de escapar a este confronto entre narradores e analistas. Um bom começo poderia ser criticar ambos
os lados, por uma suposição falsa do que eles têm em comum, a suposição de que distinguir os
acontecimentos das estruturas seja uma questão fá c il... Devido a essa imprecisão de definição, deveríamos
fazer o que Mark Philips sugeriu e 'pensar nas variedades de modos de narrativa e de não-narrativa,
existentes ao longo de uma série contínua' ... Também não deveríamos nos esquecer de questionar a relação
entre acontecimento e estruturas ... [um segundo debate] não está preocupado com a questão de escrever ou
não escrever a narrativa, mas com o problema do tipo de narrativa a ser escrita. ”
63

Cláudio — Referências

Cláudio nasceu em Itabuna, Bahia, em 1971. De família muito pobre, a


mãe não sabia ler nem escrever e o pai era autodidata. Tinha 13 irmãos. A
família mudou-se para o Rio de Janeiro quando Cláudio tinha cinco anos.

No Rio, o pai abandona a família e volta para a Bahia. Com os irmãos e


a mãe, Cláudio passa por toda sorte de dificuldades na infância. Já um rapaz,
morando na Baixada Fluminense RJ, decide viver sua homossexualidade e
assumi-la perante a família: a história se repete, é expulso de casa. Com o
tempo, consegue arrumar um bom emprego, reestrutura a vida sozinho,
participa de movimentos políticos, depois, do movimento gay.

Ele mesmo conta o episódio a seguir, que ocorreu no apartamento em


que morava sozinho em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, quando tinha dezenove
anos. Sua casa era o ponto de encontro de seus amigos.

“Marcos, 16 anos, freqüentava minha casa. Um dia, ele dorme por lá e


no dia seguinte a mãe dele descobre meu endereço e aparece lá.

Ela fica chocada quando chega na minha casa e vê vários jovens todos
do sexo masculino: 'Que é que está havendo? O que está rolando nesta casa
cheia de homens?'

Eu fiquei super nervoso. Marcos vira e diz: 'Vamos acabar com essa
hipocrisia, eu sou viado, eu namoro ele, o namorado dele estava lá. Eu namoro
ele, eu gosto dele. Se a senhora quiser aceitar aceite, se não é problema seu.' E
aí a mulher senta no sofá, fica estática e começa aquela história toda: 'Onde foi
que eu errei?'

Eu tive que resgatar toda a minha história como referencial para ela,
explicar que eu nunca quis ser mulher, que eu sempre trabalhei em obra, que
ser homossexual não significava ser marginal, prostituto. Todo referencial que
ela tinha era esse. Ela colocava sempre nas falas dela naquele momento 'não
quero que meu filho seja um prostituto; não quero que meu filho apanhe das
pessoas, que seja um fraco, um frágil'.
64

Eu contei toda minha história para ela. 'Olha aqui meu quarto. Olha aqui
minha cozinha. Olha, tem chá, a senhora gosta de chá? No copo ou na xícara?'
Sabe, mostrar para ela que era uma casa comum como a casa de qualquer
outra pessoa. Levei até a área.'Olha aqui meu tanque, está cheio de roupa para
lavar. Eu tenho que lavar ainda toda a roupa. Olha a dispensa. Eu separo
materiais de higiene dos cereais.’

A mulher depois disso senta na sala e diz assim... Eu fiquei bobo!... Ela
pede desculpas a todo mundo, diz que ela ainda estava muito confusa, mas que
ela ficou muito impressionada com aquilo tudo.

Depois, semanas depois, eu freqüento a casa dela. Ela passa a freqüentar


a minha casa e dizer que estava muito segura, pois o filho dela havia
encontrado um grupo de amigos que tinha uma relação muito saudável. O
referencial dela de homossexualidade era o da marginalidade”.

O referencial dela e de boa parte da população brasileira, inclusive de


nós, gays e lésbicas, ainda é marcada pela desinformação decorrente também
da invisibilidade e pela construção histórica da identidade homossexual43, que
nos estigmatizaram como pecadores, doentes, desviados e ilegais.

No Brasil de hoje, 2002, encontramos várias denominações para o gay,


as quais, apesar de guardar algumas diferenças semânticas entre si, no senso
comum hegemônico, referem-se pejorativamente a um homem que quer ser
mulher. Por uma cadeia de preconceitos relativos à mulher, rotula-se o
homossexual masculino como um ser totalmente submisso e sem dignidade.

A homossexual feminina, a lésbica, quando é lembrada, é associada a


um estereótipo machista, um ser grosseiro e brutalizado.

Parker (1999:-217) alerta, no entanto, que diferentes sistemas de


significação mapeiam o espaço da homossexualidade masculina na cultura
contemporânea brasileira. A homossexualidade é menos constante e mais
fluida e flexível.

43 Sobre a construção histórica das identidades homossexuais pode-se recorrer a Almeida (1999).
65

“Desejo sexual, identidade sexual e comportamento sexual são todos formados e


moldados dentro de estruturas sociais, culturais e históricas variáveis. Precisamente por
esse motivo, eles podem ser, e com freqüência são, transformados não só de uma geração
para outra mas até mesmo na vida e nas experiências de cada pessoa

O autor acrescenta que no modelo brasileiro, a ênfase parece estar


colocada não meramente nas práticas sexuais em si mesmas, mas no
relacionamento entre essas práticas e os papéis sexuais - em particular, na
distinção entre a “atividade” masculina e a “passividade” feminina como
central para a organização da realidade sexual.

“Comer” e “dar” são expressões corriqueiras usadas na cultura popular


brasileira que demonstram a distinção entre atividade e passividade. Comer e
seus correlatos “foder”, “possuir” etc. implicariam uma dominação simbólica,
em contraposição a “dar”, que seria a submissão passiva. Essa estrutura
hierárquica tem sido utilizada para conceitualizar relações sexuais tanto entre
pessoas de sexos diferentes quanto entre pessoas do mesmo sexo.

Pouco a pouco, porém, com o processo de liberação gay iniciado a


partir dos anos 70 em várias partes do mundo, uma nova identidade
homossexual/gay começa a se afirmar, onde tanto a atividade quanto a
passividade sexual entre homens tomam-se sinônimos de homossexualidade, o
que dá impulso a um processo de transformação e oferta de outras referências.

O surgimento do HIV/AIDS, por seu turno, veio contribuir para uma


maior discussão pública das variadas formas como gays e lésbicas estruturam
seus relacionamentos afetivo-sexuais e ampliou as possibilidades de
representações acerca dos gays.
66

5. 3 Ser Viado

Os depoimentos já comentados trazem em si tentativas de silenciar,


reações, mesmo positivas, contra alguma coisa ou coisas chamadas de viado,
viadagem e homossexualidade. Relatam que as pessoas não as aceitam, e uma
delas fala em "cura". O que era ser homossexual? Por que era tão ruim ser
homossexual?

“Eu tinha medo de ser aquela bailarina do Campinho. Era uma coisa de
que não se podia falar”, Caê, 14 anos, RJ (1969), referindo-se a um vizinho
que se vestia de mulher no carnaval.

“Homossexual era pejorativo, era marginalizado, era agredido, era


ofendido, era negativo... Sempre a pintosa, aquele que tem o estereótipo
feminino. Minha mãe comprou uma enciclopédia sobre sexo e colocou lá.
Quando eu fui ver essa questão, eu vi anormalidade, doença. Durante quatro
anos da minha vida, eu me sentia doente, contaminoso.” Pedro, 12 anos, RJ
(1962)

“A informação que eu tinha era que viado era o verme do coco do


cavalo do bandido... A característica principal é que era escroto, escandaloso,
depósito de esperma, meio palhaço, meio ridículo. Era uma idéia de pobre de
dinheiro e de espírito... Eles eram totalmente excluídos, marginais.” Lúcio, 14
anos, MG (1968)

“Sentia muito medo porque as referências eram sempre muito negativas:


que as mulheres eram muito violentas, que metiam porrada, que eram pessoas
que estavam envolvidas com o diabo, que não prestavam. Que essas mulheres
eram doentes, não eram normais. Isso me dava um certo medo, mas também
uma curiosidade.” Rosângela, 15 anos, RJ (1972)

Um aspecto relevante que surge nessa narrativa é a transgressão na


curiosidade de Rosângela, querendo conhecer que experiências não
encontravam abrigo nas palavras.
67

“Eu li uma reportagem em preto e branco na revista “O Cruzeiro”


mostrando a homossexualidade sob uma luz negativa, sórdida, escondida.
Uma coisa ficou clara, isto eu não queria: o escuro, o escondido, o maldito.”
Márcio, 12 anos, RJ (1966)

‘Teínha [personagem popular da cidade do Téo] era o símbolo do


gay...um ser desprezível...um bufao, o Clodovil de hoje em dia...o bobo da
corte.” Téo, 17 anos, MA (1976).

Os textos acima trazem elementos que conduzem aos padrões


historicamente estabelecidos no Brasil de discursos contrários às relações
afetivo/sexuais entre pessoas do mesmo sexo: pecado (pessoas envolvidas
com o diabo, como na fala de Rosângela), doença (como descrito na
enciclopédia que a mãe de Pedro comprou), desvio (meio palhaço, meio
ridículo, como na informação que Lúcio tinha aos 14 anos) e ilegalidade
(eram marginais, também no relato de Lúcio).

Outros elementos aparecem:


a) não se poder falar, o escuro, o escondido. A idéia do proibido, do
interdito,
b) a bailarina do Campinho, o estereótipo feminino. Os preconceitos
contra a mulher sendo transpostos para o gay,
c) depósito de esperma. A idéia de objeto sexual para ser usado e
jogado fora, a sexualidade apartada de qualquer possibilidade de
afeto,
d) pobre (de espírito e de dinheiro). Mais uma vez as associações
discursivas intra-preconceitos. O pobre, assim como a mulher, não
tem dignidade
e) violentas. Aqui a violência e a agressividade são importadas dos
papéis de gênero masculino, da hierarquização sexual simbólica
entre passivo e ativo. O homem “tem de ser” violento, a mulher “tem
de ser” passiva. Uma mulher que gosta de outras “tem de ser”
violenta. Ainda sobre essa associação simbólica, Rosângela contou
que, certa vez, andava pela rua com uma amiga muito masculinizada,
quando, de repente, um senhor dirige-se para ela e diz: ‘Tão bonita,
pena que não usa Mistral.”44

44 Mistral era um desodorante cor de rosa “só para mulheres”.


68

Embora pouquíssimos brasileiros tenham conhecimento dos fatos


abaixo, todos somos afetados por um tipo de esquecimento que é da ordem do
inconsciente e advém da maneira pela qual somos afetados pela ideologia45.
Esse esquecimento nos dá a falsa sensação de sermos o ponto de origem
daquilo que dizemos quando, na verdade, estamos nos reapropriando de
sentidos que já existiam previamente.

No Brasil, a santa inquisição mandava para a fogueira os pecadores


“sodomitas” até 1830. Posteriormente, ao final do século XIX, em função do
estatuto de doença atribuído à homossexualidade, muitos homossexuais foram
mandados para manicômios e prisões para serem tratados. Esses são aspectos
da construção histórica do que hoje chamamos homofobia, ódio aos
homossexuais.

Novas olhadas sobre os depoimentos despertaram-me inúmeras


direções. Para tentar compreender um pouco mais porque era tão ruim gostar
de outra pessoa do mesmo sexo, decidi então me guiar pelo óbvio, que a
princípio era o mais difícil, a partir de reflexões sobre as perguntas abaixo,

• “Eu não queria ser o vilão, eu queria ser o mocinho... Então eu não tinha
uma referência positiva, então ser o quê?” Toni, 15 anos, RJ (1978)

• “O quanto a sexualidade é importante ou não dentro da identidade?”


Márcio, 47 anos, RJ (2001)

Nas duas perguntas, está contida a constatação de que a construção da


identidade não está só nas nossas mãos. É constituída também pela maneira
como as pessoas nos olham. Se uma pessoa me vê de uma certa maneira, isso
tem uma importância, se cem me vêem da mesma maneira, isso tem outro
peso, mas se um milhão de pessoas me vêem assim, aí, tudo muda de figura.

45 “Redefinindo, assim , a ideologia discursivamente, podemos dizer que não há discurso sem sujeito nem
sujeito sem ideologia. A ideologia, por sua vez, é interpretação de sentido em certa direção, direção
determinada pela relação da linguagem com a história em seus mecanismos imaginários ... Pela ideologia, se
naturaliza assim o que é produzido pela história.” Orlandi (1996: 31).
69

Para termos existência pública, nós somos mediados pela linguagem, por
operadores sociais, mediatizados pelos meios de comunicação. Essas
mediações, esses operadores, essas mídias se constituem através de outros
olhares. Então a nossa existência, a nossa identidade, a nossa identidade
pública estará sempre sendo negociada com outras forças que atuam
internamente e externamente a nós.

Se eu tenho de passar boa parte da vida dizendo que não sou uma pedra,
com certeza, da minha identidade vai constar o item "aquele que diz que não é
uma pedra". Então, posso afirmar que o olhar do outro também contribui na
construção de minha subjetividade, que a identidade é construída por diversas
forças sociais, por isso mesmo ela é histórica e negociada nas relações sociais,
porém deve-se observar que a sociedade não é um bloco monolítico, não é
uma coisa única.

“Eu achava horrível. Eu me lembro que tinha umas super masculinas,


quase homens e eu tinha até medo delas... Chamavam de mulher-homem.
Eram chamadas de mulher-macho. Eu tinha medo de ser ridicularizada,
rotulada, perseguida.” Amy, 13 anos, RJ (1968)

O relato da Amy é emblemático. “Eu tinha medo de ser ridicularizada,


rotulada, perseguida.” Ele expõe medo de forças maiores e “externas” que
fugiam ao controle dela. Expõe a constatação de uma impossibilidade de
reação naquela conjuntura específica. Se ela fosse carimbada com um rótulo
que não correspondia à sua auto-representação, além do conflito, ela seria
perseguida.

“Eu tinha verdadeiro pavor da época que eu fosse servir o exército. Eu


passei anos, até que completei 18 anos e que eu fui lá me apresentar, e durante
esse tempo todo eu tinha um pavor assim: eu tinha pesadelo, eu sonhava com
isso de que eu pudesse ficar excitado no dia de fazer o exame médico. O que
ia acontecer comigo? Eu iria ser expulso do exército sem nem ter entrado... Eu
passei anos, vivendo um temor sem o menor sentido. Por quê? Por nada, né,
com medo de ter uma revelação, de que o exército pudesse me revelar.” Toni,
18 anos, RJ (1978)
70

O medo de Toni de ser “revelado” no exército nos leva mais adiante. O


medo da fiisão das esferas privada e pública é pungente, pois nesse confronto
a imagem revelada, a foto revelada dele, não seria a imagem que ele via e
sentia. A visada “externa” poderia ser devastadora. O filtro da foto era o
exército, bastião de um tipo de “performance masculina” que, com certeza,
não dava conta da diversidade mas impunha-se a ela, causando sérias
conseqüências aos excluídos.

Chamou-me a atenção a força conformadora dessas identidades construídas


de um ponto de vista externo, o seu poder opressor e homogeneizador.
Lembrei-me então da proposta política das teorias “Queer”. Para essas teorias,
a identidade é composta de inúmeros aspectos, não sendo correto assumir que
as pessoas podem ser vistas coletivamente como que compartilhando
características comuns. Elas propõem ainda que os indivíduos
intencionalmente desafiem qualquer noção fixa de identidade, de maneiras
variadas e não previsíveis.

“A idéia de identidade como um curso livre, não conectada a uma essência,


ou seja, a atributos fixos empiricamente identificáveis em qualquer tempo e
lugar, dando à identidade um caráter de performance, é uma das idéias-chave
da queer theory.”46

No entanto, nos espaços de produção de sentido sugeridos, o que aparece


em todos os trechos são representações em que pessoas são vistas
coletivamente partilhando características negativas comuns, de uma maneira
“essencializada”. O lugar desses viados, homossexuais, mulheres-macho era o
interdito, a exclusão, o escondido, o de bobo da corte. Eles eram
contaminosos.

Nas falas de Lúcio e Amy destaca-se o medo do ridículo, aquilo que


provoca riso ou escárnio. Nesse momento, não havia, para esses personagens
espaços de produção de sentido que os legitimasse, mesmo que
eventualmente, como “mocinhos”.

46 Lima (2000: 34).


71

Em meio a sua entrevista, Silvio afirma que “nunca o igual é igual; é


parecido, mas é diferente”, alertando para o cuidado que temos de ter com as
especificidades daqueles que são vistos como iguais. Ele me remete a
Boaventura de Souza Santos, com quem caminho lado a lado quando afirma
que “as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a
diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os
descaracteriza”. (Apud Lima, 2000: 82)
72

5. 4 Alternativas, Caminhos

“Eu sou movido por alguma coisa que eu não sei o que é. Eu acho que é a
necessidade de ser feliz”
Pedro RJ 2001

Diferentes formas de dialogar com as representações negativas das


homossexualidades e reagir à opressão surgem nas narrativas dos
colaboradores. Destaquei algumas alternativas encontradas e descrevi alguns
caminhos seguidos.

MPB - O Espaço da Música

Nas entrevistas, uma manifestação cultural brasileira foi se fazendo


presente como espaço de conforto, de alento e até mesmo de esperança. Os
relatos mostram a música, embora de maneiras diferenciadas, como função de
coesão entre os entrevistados e os seus primeiros grupos de relacionamento
em suas adolescências. Mesmo sem consciência, havia uma intuição que os
unia através da música. A música se fazia presente nesses grupos como um
viés de quebra de comportamentos e paradigmas. Ela propiciou conforto. A
sexualidade e a música eram os traços de união.

“O modismo de toda uma parte da juventude brasileira era o movimento


hippie: sexo, drogas e MPB... Não havia suporte fora dos grupos [de amigos]:
nem na família, trabalho, religião. Eu acho que só na música... Os
representantes dessa música propunham quebra de comportamento... Eles
falavam de sexualidade, sobretudo o grupo Baiano. Eles falavam visualmente,
a partir do momento que Caetano entrava no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro de 'boa'.” Caê, 17 anos, RJ (1972)
73

Ele chama a atenção para a ruptura com relação aos valores


estabelecidos proposta no jogo de Caetano Veloso com os papéis de gênero ao
usar, ele um “homem”, um “boa”, peça da indumentária “feminina”. Por outro
lado, há uma evidência do deslocamento do sentido de cultura de uma tradição
elitista, representada pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ampliando-se
para outras produções de sentido na presença de Caetano, um cantor e
compositor popular com uma proposta transgressora para aquele momento.

Código de Reconhecimento

“Com a Tropicália, surgem Gal e Bethânia e o termo 'entendida'. Elas


passaram a ser ídolos, principalmente Bethânia. Todas as lésbicas decoravam
todos os textos que tinham de Bethânia. Isso facilita para nós porque a partir
daí, a gente começa a se identificar pelas pessoas que gostavam de Bethânia.
Era um código de reconhecimento” Rosângela, 18 anos, RJ (1975)

E curioso observar que Maria Bethânia e Caetano nunca assumiram


publicamente nenhuma relação com pessoas do mesmo sexo. A percepção se
dá nos subtextos, talvez uma característica do período da ditadura, em que as
coisas eram ditas por metáforas e/ou histórias de vida de indivíduos, nas quais
as expressões de afetividade tinham de ser silenciadas, eram interditas, e onde
os silêncios falavam alto. O que estava posto, de todo modo, era um jogo com
a ambigüidade.

O fato de "gostar de Bethânia" passar a ser um código de


reconhecimento aponta ao mesmo tempo para a criação e anterior ausência de
uma referência, mais do que isso, uma referência positiva, um ídolo com quem
pudessem se identificar.

O termo "entendida", explicitado por Rosângela, surge marcando uma


transição entre uma antiga hierarquização, que reproduzia “atividade” e
“passividade”, para uma nova categorização mais igualitária, em que ambos os
parceiros se consideravam igualmente merecedores de todo o respeito aos seus
direitos de cidadania, conforme MacRae (1990: 53,54)
74

Da mesma forma, os shows, sobretudo dos baianos, como cita Caê,


(como exemplo posso indicar os de Maria Bethânia no teatro da Praia,
Copacabana, Rio de Janeiro), representaram, nos anos 70, um espaço de
convivência, de maior permeabilidade nas relações de afetos e de
reconhecimento para lésbicas e gay s. Antes, durante e depois dos espetáculos,
dentro e fora do teatro, a afluência do público homossexual era muito
expressiva. Talvez a idéia do teatro como espaço de performances
transbordasse suas fronteiras físicas e possibilitasse o sentimento coletivo de
uma liberdade maior de escolha, em que as identidades de uma maneira mais
lúdica pudessem ser vivenciadas como múltiplas possibilidades (com relação
a...).Talvez a identidade vista como performances possíveis gerasse essa
atração.

Perlongher (1987: 151) em seu estudo sobre a prostituição masculina no


centro de São Paulo e, no caso, referindo-se à proliferação categorial
encontrada naquele universo afirma:
“Cabe ler o esquema transcrito como uma rede de sinais, por cuja trama transitam
os sujeitos, não enquanto identidades individualizadas, definidas, 'conscientes', mas como
sujeitos à deriva, na multiplicidade dos fluxos desejantes, na instantaneidade e acaso dos
encontros... No entanto, os pólos relacionais não são 'lugares vazios' - como num árido
esquema estruturalista - mas estão ocupados por sujeitos concretos. Os diversos pólos e
categorias funcionariam como pontos de 'reterritorialização' na fixação a um gênero ou a
uma postura determinada; fixação que manifestar-se-á na adscrição categorial e,
correlativamente, na aparência gestual e discursiva, indícios de um desempenho sexual
esperado ou proclamado ... Pode acontecer, ainda, que os sujeitos “ocupem”
sucessivamente diversos lugares do código, isto é, se desloquem mais ou menos
intermitentemente pelas várias casinhas classificatórias, mudando de classificação
conforme o local e situação....configura-se, assim, um complexo 'código-território'
(Deleuze), dado pelos códigos e suas superfícies de inscrição em zonas do corpo social..
Territorialidade entendida não apenas no espaço físico, ... mas no próprio espaço do
código. ”

Os shows dos baianos podem ser vistos também por esse filtro como
pólos relacionais, pontos de reterritorialização, com códigos próprios de
reconhecimento, porém prefiro chamar de reterritorialização relativa (como o
próprio autor o faz em outros momentos), já que são provisórios. São mantidas
as vinculações com os universos familiares, de origem ou da sociedade
abrangente.

Território, no estudo proposto, não pode ser visto apenas como


geográfico. A discussão deve abranger noções e visões de território.
75

O Dizer Não Era Possível...

“O Cazuza, ele não assumia, mas eu sabia que ele era homossexual. Ele
era bonito, inteligente, poeta. No meu referencial, o Milton (Nascimento) era
gay. 'Qualquer maneira de amor vale a pena'.” Cláudio RJ (1989)

Esse trecho do depoimento de Cláudio ratifica uma característica


apontada acima. Apesar de surgir como um espaço de conforto ("eles falavam
visualmente”), ninguém assumia, ou seja, ninguém falava. A despeito disso,
ele era bonito, inteligente e poeta, ou seja, ele era um “mocinho” e, melhor
ainda, havia indícios de que era homossexual. As referências se estabelecem
mesmo sobre objetos ambíguos.

Até hoje, 2002, poucos artistas da MPB, música popular brasileira,


ousaram, ou quiseram, falar abertamente de seus relacionamentos com pessoas
do mesmo sexo; entre eles podemos citar Ney Matogrosso, Angela Rô Rô e
Cássia Eller, porém somente um assumiu uma identidade gay para o grande
público: Renato Russo.

Da mesma forma, o cancioneiro popular brasileiro, que é riquíssimo,


conta talvez com meia dúzia de canções em que, de forma sutil e indireta,
estariam expressos sentimentos de afeto entre pessoas do mesmo sexo.

No entanto, "Não se pode deixar de mencionar a importância que tiveram para a


cultura brasileira como um todo as propostas de androginia presentes nos trabalhos de
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Dzi Croquettes, Secos e Molhados, Ney Matogrosso, além de
ídolos internacionais da juventude como Alice Cooper, David Bowie, Lou Reed, Mick
Jagger e outros ”4'.

“Aos 14/15 anos, virei fâ da Angela Rô Rô. Ela foi uma coisa bastante
subversiva. Cassia Eller é pinto perto dela. Eu comecei a freqüentar a casa
dela. Eu vi um mundo que não era o meu.” Marcelo, RJ (1980)

47 Pereira (1993: 128).


76

É curioso notar que apesar de Caê referir-se explicitamente à música e


Cláudio citar um trecho da letra de uma canção de Milton Nascimento
“Qualquer maneira de amor vale a pena”, os artistas, personagens que
quebram padrões falando visualmente, aparecem com mais destaque do que
suas músicas ou letras. Marcelo cita Angela Rô Rõ como mais subversiva do
que, até mesmo, seu trabalho artístico.

Os meios de comunicação, como canais de ampliação das possibilidades


de se obter informação, de transcender os espaços físicos próximos que nos
rodeiam, e que muitas vezes nos oprimem, fizeram-se presente nos textos
anteriores de forma positiva, quando levaram Caetano Veloso para o subúrbio
do Encantado, Rio de Janeiro, onde Caê morava; ou quando permitiram que
mulheres de diferentes localidades do país elegessem Maria Bethânia como
código de reconhecimento de mulheres que amavam outras mulheres.

A Caminho da Cidade Grande

Além do espaço simbólico de conforto identificado a partir de


referências à música popular brasileira e seus personagens, outra alternativa
encontrada pelos participantes foi a migração, a mudança de cidade, do
interior do Brasil para grandes centros.

“Vim para o Rio de Janeiro para me casar aos 20 anos. Eu já havia


passado no Banco do Brasil. Quando fui ao Sótão [boate gay carioca], e vi um
mundo de pessoas interessantes, bonitas beijando na boca e se abraçando,
percebi, no Rio de Janeiro não preciso me casar, não preciso de mulher” Lúcio
RJ (1974)

Verifica-se um processo de desterritorialização por parte da população


gay do interior do Brasil. Muitos saem de suas cidades para viver nos grandes
centros urbanos em busca de mais facilidade para vivenciar sua
sexualidade/afetividade. Esse processo nem sempre é consciente. Ele também
se dá, de forma distinta, com a quebra dos vínculos familiares e o
estabelecimento de outras redes de relações e/ou famílias eleitas por parte dos
gays brasileiros.48

48 Sobre o assunto ver Green, James. (2000: 251 a 328).


77

Acampamentos

Em outro momento, Caê, 18 anos, RJ (1972), nos fala dos


acampamentos (que, reflexos do movimento hippie, foram muito comuns e
intensos no Brasil dos anos 70) como espaços de conforto, pólos relacionais,
ou espaços de retenitorialização relativa. “Quando terminava a “ilusão de
liberdade” existente nos acampamentos, e cada um voltava ao seu mundinho,
pelo menos cada um sabia que em determinados lugares podia encontrar
pessoas iguais”.

Os acampamentos aos quais Caê se refere nos anos 70, no Brasil,


inscreviam-se dentro de uma ideologia hippie. Expressões como “Paz e
Amor” e “Amor Livre” eram correntes. Os acampamentos não representavam
simplesmente uma possibilidade de lazer. Ir acampar, antes de tudo,
simbolizava um ato de contestação cultural, de desprendimento dos padrões
sociais estabelecidos. Esses espaços permitiam uma maior aceitação de formas
alternativas de relacionamento. Além da característica de “códigos territórios”,
ou pólos relacionais, como delineou Perlongher, aconteciam em praias
desertas ou montanhas, territórios onde efetivamente os controles sociais eram
mais tênues.

Carnaval

“Havia um cara que subia no carro alegórico e se vestia de Carmem


Miranda. As pessoas aplaudiam quando ele passava. Era uma coisa positiva.”
José Carlos, 11 anos, RJ (1964)

A fala do José Carlos faz surgir outro componente ligado à mitologia


homossexual brasileira, o carnaval. O indivíduo podendo ser o que quisesse,
até mesmo Carmem Miranda aplaudida em momento de glória.

Os bailes de travestis, como o famoso Baile dos Enxutos, no Rio de


Janeiro, popularizaram e contribuíram para fixar as imagens
homossexual/travesti como representação hegemônica da homossexualidade
no Brasil. No entanto, a cobertura da imprensa a esses acontecimentos
possibilitou o conhecimento do público sobre alguns aspectos da subcultura
homossexual.
78

Os homossexuais, desde os anos 40, fazem parte das manifestações do


carnaval começando a freqüentar os bailes de carnaval nos teatros próximos à
Praça Tiradentes e tomando-se, poucos anos mais tarde, parte integrante da
festa.

“Para muitos homossexuais brasileiros, o carnaval, mais do que significar um ato


de inversão, propicia a oportunidade para uma intensificação de suas próprias
experiências como indivíduos que transgridem papéis de gênero e fronteiras sexuais
socialmente aceitáveis o ano inteiro. ” Green (2000: 335)

No decorrer dos anos 90, período de surgimento do Grupo Arco-Íris,


uma quantidade expressiva de pólos relacionais homossexuais faziam (e
fazem) do carnaval carioca uma referência no calendário gay internacional. Os
desfiles das escolas de samba congregam, muito antes dos quatro dias de
carnaval, uma população homossexual, que participa da confecção das
fantasias e adereços, da criação e execução dos carros alegóricos, dos enredos
e até mesmo da coordenação geral, os famosos carnavalescos, além, é claro,
da participação nos dias de desfile.

Outro fenômeno são as bandas de rua (Banda de Ipanema e Banda de


Carmem Miranda, por exemplo) que, pouco a pouco, tomaram-se eventos
marcadamente gays, constituindo-se também em atrações turísticas.

Os tradicionais bailes gays expandiram-se, assumiram muitas feições e


invadiram vários espaços: gafieiras, boates da zona sul do Rio de Janeiro,
clubes do subúrbio carioca e espaços nobres da cidade, através dos bailes de
“Gala Gay”.

Boates

Um ícone na representação coletiva do “mundo gay” são as boates. Esse


fenômeno parece transcender fronteiras. Em várias ocasiões, nas reuniões do
GAI, freqüentadores citavam experiências em boates gays em vários países:
índia, México, Rússia etc., surpresos com as similaridades encontradas nesses
espaços em diversos países. As coincidências iam das músicas executadas a
certos padrões de indumentária e comportamento
79

Nas entrevistas, todos responderam que já freqüentaram boates gays.


Elas fizeram parte de suas vidas, em algum momento, com maior ou menor
intensidade, o que confirma o padrão.

Caê, que as freqüentou assiduamente no ano de 1976, diz que a


experiência, a princípio, foi assustadora, porém, lá, ele se sentia parte de um
grupo: “De repente, as pessoas trepavam e nem sabiam o nome uma das
outras. Isso era assustador. Apesar de assustador, eu não estava sozinho.”

Toni, no mesmo tom de Caê, afirma que o que o incomodava era a


impessoalidade das casas noturnas. Luiz Carlos diz que as freqüentava, mas
achava chato. Para Marcelo, “o mundo gay representou uma espécie de
liberdade e uma espécie de decepção. Esse mundo gay talvez seja mais
homofóbico que o outro. Coloca-se mais uma gradação de valores”.

A despeito da importância que a boate representou na vida de todos os


entrevistados, há ressalvas a aspectos desses espaços, como, por exemplo, a
impessoalidade, a chatice, e os preconceitos dentro do próprio grupo.

Inversamente, nos dois relatos que se seguem, as boates assumem outra


dimensão. Lúcio, quando foi ao Sótão e viu um mundo de pessoas
interessantes, bonitas, beijando-se na boca e abraçando-se, percebeu que no
Rio de Janeiro “não precisava se casar, não precisava de mulher”. Para Sílvio,
não houve nenhum choque e acrescenta citações a outros espaços públicos de
encontros, de pegação, de encontro de parceiros para sexo furtivo. “Buraco da
Emilinha, Xoxota da Maísa49... Era uma atração... Era mais uma bagunça. Era
o sexo mesmo. Eu sou bastante voyeur. Eu nunca pensei em risco, em perigo
nada. Era mais a brincadeira.”

A característica mais marcante da boate é que, em seu interior, as


homossexualidades podiam ser explicitadas, ser faladas, vistas, tocadas. As
dificuldades do dia-a-dia em vivenciar os desejos homossexuais podiam,
momentaneamente, ser postos de lado. Os perigos da via pública, assim como
o medo de uma exposição eventual, que poderia ocorrer num “show dos
baianos”, eram minimizados ao máximo. Não havia também a limitação aos
dias de carnaval, nem a necessidade de um deslocamento para um
acampamento em um local distante. Ela funcionava alí, no mesmo local, todos
os dias.
49 Locais no centro do Rio de Janeiro de encontro noturno para exercício de práticas sexuais lurtivas.
Situavam-se em áreas internas de grandes prédios de escritório.
80

A contrapartida é que os donos dos estabelecimentos, tanto por


consciência da relevância desses espaços para esse público, quanto por
homofobia internalizada, muitas vezes, não ofereciam qualquer conforto e
ditavam regras em suas casas noturnas sem qualquer respeito aos
freqüentadores (o que hoje já mudou muito). A exploração comercial era
muito grande.

Nesses micro-mundos, que propiciavam a formação de um sentimento


de grupo, que permitiam a possibilidade de expressão, do exercício de outros
afetos, e onde esses indivíduos podiam sentir-se livres momentaneamente de
uma opressão maior, ocorria também o fenômeno, como citou Marcelo, da
reprodução de vários preconceitos e de uma grande hierarquização de valores.

Ecos de Fora

Os relatos a seguir falam de experiências vividas fora do Brasil.

“Em 1965, ocorre um grande evento noticiado na mídia. O chefe de


polícia mandou invadir, baixar o pau e prender muita gente num baile
organizado pelo SIR - Society for Individual Rights (uma sociedade de defesa
dos direitos dos homossexuais de San Francisco USA), que eles estavam
realizando para angariar fundos. Foi um escândalo. Um pastor negro, ativista
de uma igreja muito forte na época, veio em defesa deles. Um vereador negro
(atual prefeito) também veio em defesa.” John, São Francisco, CA.

John começa sua vida como ativista gay nos USA, e assume para a
família uma identidade gay, antes mesmo de ter iniciado sua vida sexual ativa.
Para ele, os direitos civis de qualquer grupo ou “minoria”, já eram valores
pelos quais se deveriam lutar e faziam parte de seu cotidiano e da cultura da
cidade em que viveu até os 18 anos, São Francisco, USA. Ele tinha referências
positivas com relação aos seus direitos e sabia que havia outras forças que
lutariam junto a ele caso fosse necessário. O seu caminho era o caminho da
própria luta pelo direito de ser o que quisesse ser.
81

“Na minha viagem de 10 anos de namoro, fui à Califórnia. Aquilo me


impressionou demais. O açougueiro era viado, o padeiro era gay, o marceneiro
era gay, todo mundo era gay. Todo mundo andando de mãos dadas. Aquilo foi
absolutamente novo para mim. Um mundo diferente, um mundo possível, um
mundo de sonho.” Luiz Carlos, 34 anos, RJ (1992)

O confronto com uma realidade de sonho “possível” em San Francisco


foi marcante para Luiz. A partir dessa experiência, ele começa a trabalhar para
tomar possível, no Rio de Janeiro, o Grupo Arco-Íris, do qual foi vice-
presidente por cinco anos.

Jornal Lampião

“O jornal Lampião50 foi importante para mim, eu comprava ele, lia todo
na ma e jogava ele fora porque não podia entrar com ele dentro de casa.” Luiz
Carlos, 20 anos, RJ (1978)

Luiz encontra referências no jornal gay "Lampião". Trazer para casa,


algo que fosse da ma, misturar esses domínios culturais institucionalizados,
misturar as esferas, não era possível. Era e ainda é comum que pais expulsem
de casa seus filhos ao descobrirem sua homossexualidade. A leitura do jornal,
no entanto, foi uma alternativa possível, pois abria um espaço simbólico, uma
janela.

DaMatta51, enfatiza a importância da casa e da ma no Brasil:

“Quando digo então que 'casa' e 'rua' são categorias sociológicas para os
brasileiros, estou afirmando que, entre nós, estas palavras não designam simplesmente
espaços geográficos ou coisas físicas comensuráveis, mas acima de tudo entidades morais,
esferas de ação social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais
institucionalizados, por causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações,
músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas ”

50 Jornal "Lampião da Esquina" (1980), fundado por onze intelectuais assumidamente homossexuais, em
plena ditadura militar - Primeira publicação distribuída nacionalmente e vendida em bancas de jornais,
voltada para o público homossexual. Nesse momento, estava em ebulição o primeiro grupo homossexual
brasileiro com finalidades políticas, o Somos (1978 - SP). MacRae, Edward (1990) analisa a trajetória do
grupo Somos SP, incluindo reflexões sobre a atuação desse jornal.
51 (1997: 15)
82

A experiência de ser jogado inesperadamente da vida de casa (esfera


privada) para a rua (esfera pública), que Luiz acabou sofrendo mais tarde, e
que permeia o imaginário dos gays, a estratégia da visibilidade pede que o
homossexual reviva - jogar-se à esfera pública.

Desalento

O último trecho dos depoimentos que apresento neste capítulo foi


escolhido porque não apresenta caminhos. Amy deixa claro que seu
desconforto ainda pesa. Ela não aponta nenhuma forma de dialogar com as
representações negativas das homossexualidades.

“Eu nunca tive alento nenhum. Eu sempre presenciei de uma forma


muito pesada, feia e opressora.” Amy RJ (2001)
83

“As pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a


diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a
igualdade os descaracteriza. ”

Boaventura de Souza Santos


84

_ *
6.1 Passagens pelo Grupo Arco-lris

“O grupo começou com um grupo de amigos. A rede de amigos que


levavam amigos foi se ampliando. A fixação num espaço físico foi importante,
pois permitiu um maior número de pessoas, mas que foi distanciando mais as
relações do núcleo original, apesar disso, o grupo continuou unido. A amizade
era um fator importante. No início, não havia uma proposta a ser atingida. As
reuniões eram pautadas em histórias de cada um. O importante era o acesso a
vivências diferentes.” Caê
“Desde o início, o Arco-lris foi bem diferente dos outros grupos, não
naquilo que a gente discutia, não em algumas práticas de discussão, mas o fato
de que o núcleo do grupo era de pessoas já conhecidas, não eram estranhas.”
John
"Fui ao Arco-Íris pela amizade e a curiosidade.” Sílvio
“Os fundadores, nós já éramos todos amigos desde o grupo de dança.
Era como se disséssemos: agora vamos parar de brincar e vamos falar sério.”
José Carlos
“O grupo permitia um espaço que não existia, de discussões, vivências
que não eram possíveis fora do grupo, nem mesmo num grupo de amigos...
Queria conhecer, poder refletir sobre a homossexualidade” Márcio
“O grupo dava às pessoas uma idéia de conjunto de segurança. Eu não
estou sozinho para segurar essa onda.” Lúcio.
“O GAI era um clube social, era uma irmandade... A impessoalidade
das casas noturnas me incomodava, o que não ocorria no Arco-Íris... Dar
espaço para que todo mundo pudesse falar, esse era o nosso objetivo
primeiro... As minhas opiniões, aceitas ou não, pelo menos, eram ouvidas. O
Arco-Íris era um lugar onde se discutiam coisas pertinentes... e que pudessem
tocar internamente cada um.” Toni
“Eu queria encontrar liberdade de expressão de afeto através da troca de
experiências entre os gays que freqüentavam o grupo. De alguma maneira, eu
intuía que essa troca

podia melhorar o mundo.” Luiz Carlos
“O Arco-lris é uma conseqüência da mudança interna. O GAI trabalha
pelo ser humano, pela questão da construção da auto-estima, do amor
próprio... Nós estamos todos no mesmo barco mas com remos diferentes.
Essas armas nós precisamos conhecer, conhecer como cada um trata com isso.
A

O Arco-lris se constrói pela construção das pessoas, do que as pessoas trazem


de experiências vividas e isso cria uma força de grupo muito grande e nos dá
coragem para lutar.” Pedro
85

✓ .

“O Arco-íris começou como todos os grandes processos que fazem a


história, ou seja, acontece na hora certa, no lugar certo. Estava acontecendo
naquela época uma mudança das pessoas com relação a gays e lésbicas.” Luiz
Carlos

Construí o quebra-cabeça, ou a colcha de retalhos, acima


intencionalmente. No GAI, não sei como surgiu, mas a idéia de não ter
proposta, de não registrar o grupo com atas, estatutos e CGC, a idéia de
esperar para ver para onde o movimento levaria o grupo, dava a sensação da
montagem de um quebra-cabeça ou da costura de uma colcha de retalhos que,
a cada dia, ia tomando uma nova feição.

Tudo começou a partir de um grupo de amigos. A amizade era a tônica


esperada nos primeiros momentos e foi um traço marcante, como assinalado
nos trechos transcritos. No entanto, o grupo caracterizava-se como um grupo
gay e nos temas eventualmente propostos para as reuniões, quando alguém
sugeria algo um pouco diferente, como por exemplo, Budismo, a grita era
geral. “Se eu quisesse discutir culinária, eu iria para outro grupo”, gritavam
alguns exaltados. A temática nos primeiros momentos girava em tomo das
experiências cotidianas, das histórias de vida de cada um.

A montagem desta dissertação repetiu o que ocorreu no GAI: ausência


de uma proposta inicial e a construção, pouco a pouco, do texto a partir das
questões resgatadas pelos participantes, suas construções do passado e a
perspectiva da mudança simbólica.

Parti das histórias de vida para chegar à problematização dos discursos e


estratégias forjados na convivência semanal, que passaram a fazer parte da
experiência coletiva desses indivíduos, na formação da identidade do grupo.
86

Ninguém é Perfeito

Evidentemente, no GAI, havia descontentamentos, havia competições,


preconceitos e tudo o mais que se pode chamar de humano. A primeira
dificuldade, já evidenciada, se deu no relacionamento com as mulheres, que
não conseguiam compartilhar do bem-estar relatado nas falas transcritas e não
compartilhavam do mesmo sentimento de pertencimento. Com isso, não se
fixavam por muito tempo.

A tentativa de manter os encontros sempre num “bom astral” nem


sempre era alcançada. Sempre que um participante novo surgia, todos ficavam
à espera do momento em que uma descarga emocional se impusesse, ou seja,
que, de repente, ele começasse a falar compulsivamente, misturando sem
nenhuma clareza jorros de sentimentos, idéias e questões. John chamava de
“síndrome do novo”: “não havia outro lugar onde as pessoas pudessem falar...
Como membro do grupo, eu via nisso uma vitória, as pessoas se sentiam à
vontade para vomitar aquilo."

Um embate sempre esteve presente nos encontros. O ambiente lúdico


que se formava com as reuniões possibilitava uma descontração que fazia com
que os preconceitos, medos e inexperiências brotassem. Para as lideranças do
grupo naquele momento, isso deveria ser estimulado: que os racismos,
homofobias, misoginias etc surgissem, exatamente, para serem trabalhados,
para tomarem-se conscientes. No entanto, nem sempre a dinâmica desse
processo era compreendida e aceita e aqueles mais “politicamente corretos”
perdiam a calma. Por exemplo, era comum que alguns participantes novos
responsabilizassem as “bichas pintosas” pela não-aceitação pública e pela
violência contra todos os gays, o que eventualmente provocava reação de um
participante mais antigo. Esses sentimentos e opiniões não eram reprimidos.
Pelo contrário, tentava-se criar um ambiente de liberdade, para que cada um
pudesse se expressar, se ouvir, ouvir a opinião do outro e, se possível,
amadurecer sua posição e perceber a maior complexidade que a violência anti-
gay trazia em si. Do ponto de vista das lideranças, a expressão espontânea de
quaisquer preconceitos eram os momentos mais propícios para a reflexão e
para a possível transformação. A repressão a essa espontaneidade era evitada
ao máximo.
87

✓ ■
A denominação Grupo Arco-íris de Conscientização Homossexual
surgiu nesse processo. Formou-se da necessidade de desnaturalizar idéias,
comportamentos e atitudes que foram sendo percebidos nas reuniões do grupo.
Acreditava-se que tomar conscientes alguns processos de significação era dar
uma referência para os freqüentadores e permitir-lhes uma escolha mais
embasada. Era dar-lhes ferramentas para perceber a possibilidade de mudança.

Debate, tô fora

Relendo o trabalho de MacRae (1990:131), onde ele propõe uma análise


da dinâmica interna do Grupo Somos São Paulo5", pude perceber um aspecto
interessante.

Na sua “pré-história” , o Grupo Somos constituiu-se por confrontos e


tentativas de associações com outros movimentos sociais - negro e feminista.
Foi marcado ainda por episódios envolvendo grupos da esquerda brasileira
como a Convergência Socialista. O autor assinala também debates ideológicos
como constantes no relacionamento intragrupo. O Somos nasce quando a
sociedade civil brasileira começa a ressurgir politicamente no momento em
que começava a se vislumbrar o final da ditadura militar.

No GAI, os embates ideológicos, as marcações de posições políticas, as


influências de grupos de esquerda ou de qualquer outro movimento social não
se faziam presentes. O único movimento com que o grupo dialogava era o
movimento de combate à AIDS e assim mesmo de forma muito tímida. Havia
uma grande preocupação de romper o elo homossexualidade - AIDS.

Caê, que se identificava como negro, afirmava sobre a união que existia
no grupo: “O que unia as pessoas era a mesma coisa que unia há vinte anos
atrás, a força, o estar junto, o saber que não estavam sozinhas. Essas pessoas
se sentiam sozinhas porque eram gays... O que unia aquelas pessoas era a
homossexualidade e a discriminação por ser homossexual... Todas as outras
questões: ser negro, pobre, rica, zona norte, zona sul eram colocadas na
mesma panela, ser homossexual.”
52
Em São Paulo, em maio de 1978, surge o Grupo Somos, primeiro grupo brasileiro organizado de defesa
dos direitos civis de homossexuais de que se tem registro. Com ligações eventuais com o movimento
feminista, movimento negro e partidos políticos, esse grupo desempenhou importante papel no debate da
questão homossexual no Brasil.
” MacRae (1990:96).
88

Talvez a emergência do confronto com a morte e com a concomitante


epidemia discursiva fizesse com que, nas reuniões do GAI, o foco, não
consciente, dos participantes estivesse no combate ao recrudescimento dos
discursos conservadores relacionados às homossexualidades, na
desconstrução desses discursos e na promoção da auto-estima dos
participantes atingidos pelos seus estilhaços.

Os Negros

Para tentar apreender um pouco mais outros olhares sobre a vida interna
do GAI, procurei os três entrevistados que se identificaram como negros, Caê,
Rosângela e Cláudio, e perguntei-lhes como percebiam, se é que percebiam, o
fato de serem negros participando de um grupo que priorizava a afirmação de
direitos de gays e lésbicas, nos seus primeiros momentos.

Para Caê, não se falava sobre isso, não era um assunto de primeira linha
por dois motivos: “dentro da cultura brasileira, nós não somos vistos como
negros. Socialmente, eu não sou visto como negro, eu passo por 'mulato claro’.
As pessoas não se preocupavam com essa questão porque não existiam negros
no Arco-íris. Negro no Brasil é uma questão de cor da pele. Por existir
preconceito no Brasil, as pessoas preferem ficar do lado claro. Por que haveria
discussões sobre negro se não existiam negros no Arco-Íris?”. O segundo
motivo alegado por Caê era que “naquele momento, a questão maior acima de
qualquer coisa era a questão sexual. A identidade sexual era o que importava.
A gente nunca se preocupou se tinha católico, se tinha judeu. Nós não
estávamos preocupados com aspectos políticos, se éramos do PDT ou do PT,
ou com questões estéticas, se éramos gordos ou magros ou ainda se éramos
pretos ou brancos. Todos os outros aspectos que compõem o indivíduo
ficavam em segundo plano”.

Rosângela, mais contundente, alega outros motivos para a não-


discussão da questão étnica. “A gente não discutia, nem era do interesse a
discussão. Os negros do grupo não se reconheciam como negros. A era
moreno, B era mulato, C outro nome qualquer. Como as pessoas não se
reconheciam, não era interesse discutir a questão racial. Não era uma coisa
boa se reconhecer como negro, era uma coisa ruim".
89

Ela segue: “Os afro-descendentes já eram de classe média ou


almejavam ser de classe média. Se eu tenho como denominar minha negritude
de outras formas, isso vai me estar abrindo mais portas. As pessoas que eram
afro-descendentes não se viam como tal ou isso era um problema para elas”.

Rosângela acrescenta que os pensamentos, as reflexões eram


fomentadas e centradas em Augusto, Luiz Carlos e em alguns participantes do
grupo, e que era muito cômodo para outros participantes não levantarem
outras questões. Esse não-questionamento seria algo maior que o grupo, seria
um dado da cultura brasileira.

Ela faz questão de assinalar que existiam freqüentadores do grupo que


tinham atitudes racistas e cita exemplos, como a frase que ouviu em uma
reunião: “As pessoas eram escandalosas parecendo neguinha de morro.” Nesse
trecho, ela identifica a não-consciência para três formas de discriminação
presentes, contra a mulher, contra os negros e contra o pobre.

Outro exemplo trazido foi o seguinte “O R... sempre se colocou como


um mulato. Pela ignorância dele, mesmo com nível superior, preferia ser
chamado de mulato, ser comparado a uma mula, animal infértil, do que ser
chamado de negro. E falta de conscientização, de conhecimento histórico. Ser
negro não é só a pele escura, tem a ver com a consciência de sua afro-
descendência.”

Outra faceta interessante da questão trazida por ela refere-se à


afirmação “Você tem como esconder que é lésbica, mas não que é negra.” Ela
inverte o olhar que freqüentemente os ativistas gays lançam sobre esse fato.
Para um ativista gay, o fato de um indivíduo poder esconder que é gay, de ser
possível viver na clandestinidade, na invisibilidade, gera problemas quase
insolúveis, pois os gays têm de estar eternamente brigando para provar que
existem, e de estar brigando pelo direito de vivenciar sua forma de expressão.
Rosângela ressalta que não poder esconder a cor da pele faz com que o
indivíduo negro tenha de conviver com o preconceito e a discriminação vinte
quatro horas por dia, o que é um fardo difícil de carregar. Eles não podem
fingir, eles estão expostos à discriminação cotidiana.
90

Por fim, ao ser perguntada se achava que era fundamental essa


discussão nos primeiros momentos do grupo, ela responde: “Eu acho que era
importante, como é importante a todo momento, porque eu me sentia
discriminada, uma discriminação sutil.”

Cláudio também inicia seu depoimento reconhecendo que, por mais que
houvesse diferenças dentro do grupo, havia uma união em tomo da questão da
luta contra a discriminação a gays e lésbicas. “É claro que o fato de pessoas
freqüentarem o grupo, elas não estavam imunes à expressão de outros
preconceitos. Eu não sentia diretamente um corte de raça ou social dentro do
grupo. Nunca vivenciei, ou percebi nenhuma situação que caracterizasse
intolerância. A liderança política do grupo sempre se preocupou em
estabelecer um espaço harmonioso e de interação.”

Ele continua: “O GAI nasce como um espaço de possibilidade de


expressão, mesmo errando, mesmo tendo preconceito. Eu sempre percebi que
as lideranças agiam intencionalmente, provocavam que as pessoas assumissem
seus preconceitos e a partir daí era um exercício que se tomava mais fácil para
tentar superá-los. Para mim, o entendimento deles [da liderança] era que não
adiantava o fingimento do politicamente correto. Essa situação não
possibilitava que as pessoas encarassem seus preconceitos de frente e os
transformassem. É claro que eu me sentia em alguns momentos na questão
negra e nordestina sem referenciais e em certos instantes me senti sozinho
mesmo.”

“Eu acredito que a filosofia do grupo foi confirmada já que hoje [2002]
a participação de negros, judeus, nordestinos, moradores da periferia
constituem-se em 60 por cento do público freqüentador do grupo, conforme
nossa última estatística interna. Isso mostra que, ao instigar, ao fazer as
pessoas se conscientizarem de seus preconceitos, nós estamos criando espaços
favoráveis para receber diferentes pessoas no grupo.”

“Eu fui militante do movimento negro e lá não havia nenhum espaço


para a temática da homossexualidade. Assim como nos grupos homossexuais
há uma dificuldade para a discussão da questão étnica, no movimento negro
havia uma dificuldade e até uma negação da discussão homossexual, por isso,
eu abandonei o movimento negro.”
91

“Como estratégia de grupo, o mais correto, eu acredito, foi atuar


quebrando paradigmas das imagens negativas de homossexuais. Naquele
momento, não podíamos nos fragmentar em várias táticas de luta.”

Cláudio encerra seu depoimento dizendo que “no GAI, eu me senti tão
bem acolhido que hoje eu sou o presidente do grupo”.

Na conversa com os três participantes, que são meus amigos até hoje, o
que primeiro me chamou a atenção, por mais óbvio pareça, é que ficou mais
claro que o grupo foi (e é) apenas mais um mediador social. O grupo não se
encerra em si. Por mais que trabalhássemos para demover certos preconceitos,
nossas possibilidades de atuação eram restritas, bem mais restritas do que
desejaríamos que fossem.

A estratégia de criar situações de laboratório nas reuniões para os


preconceitos serem expostos e trabalhados criava desconfortos e situações de
constrangimento, como mostra o depoimento de Rosângela. O fato de
priorizarmos, conscientemente, dentre todo o material que surgisse nas
dinâmicas de grupo, os relacionados à homofobia, deixava outras questões que
também afligiam alguns participantes de fora. Cabe assinalar, no entanto, que
esse risco era assumido.

Por fim, algumas considerações me vieram à cabeça quando revirava


esses três depoimentos. Embora eu estivesse tratando da questão “negra” com
os três, o que eu vislumbrei, ao posicionar os depoimentos em lados distintos,
foi o fato de dois entrevistados serem homens e de um ser mulher. Pareceu-me
que Caê e Cláudio, por serem homens, concordavam com a emergência e as
prioridades estabelecidas pelo GAI nos primeiros momentos, mesmo sendo
negros. Quero dizer que a epidemia da AIDS, com a decorrente epidemia
discursiva, ameaçava-os mais diretamente por serem homens, daí se
incomodarem menos com a não-discussão de outras questões. Rosângela, por
outro lado, por não se sentir tão ameaçada, não pactuava com aquelas
prioridades, sendo mais crítica em suas colocações. A pouca aderência das
mulheres ao grupo, naqueles primeiros momentos, parece confirmar essas
reflexões.
92

Nas reuniões, os debates eram evitados ao máximo. Estimulava-se cada


um a falar tudo que sentisse, não o que pensava, sobre determinado tema, sem
ser interrompido. Quando outro começava a falar, não se permitiam
interrupções. Havia um tempo máximo por pessoa. Ninguém era obrigado a
falar, porém os jogos propostos estimulavam outras possibilidades de
expressão. Era dito claramente pelos participantes mais antigos: “Não importa
se alguém é do PT, MR8 ou PFL, se é evangélico ou do candomblé. Aqui o
que importa é como cada um se sente com relação à sua homossexualidade.”

Como presidente do grupo, eu entendia que a única maneira de


estabelecer uma conversa comum, que incluísse todas aquelas pessoas
completamente diferentes, era por meio da emoção. O que nos unia não era o
fato de gostarmos de pessoas do mesmo sexo, mas a enorme dificuldade de
expressão dessa emoção, comum a todos.

Em vários textos54 em que os movimentos sociais feminista e


homossexual são citados, afirma-se que, a partir da década de setenta,
presencia-se em várias partes do mundo a experimentação de novas relações
entre a esfera “pública” e a esfera “privada”. Busca-se humanizar a vida
pública tentando fazê-la funcionar segundo normas e valores que normalmente
seriam atribuídos à vida privada. Procura-se valorizar o “privado” e
reivindica-se sua importância como assunto “político”, a ser tratado e pensado
no mesmo nível que os outros, mais gerais, que normalmente são considerados
mais relevantes.

Fry(1985: 117) escreve:


“A partir de uma visão da sociedade que enxerga o poder não apenas no Estado,
mas também na rua, no escritório, no hospital, dentro de casa e na cama. Esta politização
da vida cotidiana é seguramente um dos fenômenos mais interessantes dos últimos anos. ”

O surgimento de movimentos hippie, dos indígenas, negro, etc atesta as


afirmações acima. No entanto, no microcosmo representado pelo GAI, um dos
trabalhos mais difíceis era exatamente fazer os freqüentadores do grupo
valorizarem, perceberem suas questões individuais como dignas de
importância política. Era um trabalho árduo mostrar que valia a pena lutar
pelo direito de ter a expressão de sua sexualidade respeitada, não só em tese,
mas no cotidiano.

54 Fry (1985), Medrado (1997: 162, 163) por exemplo.


93

Cada sentimento tinha de ser construído: o de que valia a pena lutar pelo
direito de namorar em praça pública ou de que era legítimo andar de mãos
dadas na rua. Muitos se ressentiam por não serem tratados como casais em
várias circunstâncias, como dormir em cama de casal num hotel ou na hora de
juntar rendas para financiar um imóvel, por exemplo.

Apesar de, em 1993, estarmos numa conjuntura histórica distinta


delineada pela AIDS, a força da tradição de certos discursos da esquerda
brasileira de valorizar questões coletivas em detrimento dos direitos
individuais ainda pesava. Havia um descompasso entre os sentimentos que
brotavam nas reuniões e as formações discursivas disponíveis para
verbalização, para organização do pensamento, que legitimasse os anseios.

O surgimento da epidemia discursiva da AIDS veio atingir exatamente


o que havia de mais íntimo na esfera “privada”, ao aproximar a sexualidade da
morte. Ela começou a minar na base o que era uma força no movimento gay: a
humanização da vida pública, revertendo o sentido privado/público, jogando
sobre a vida privada de certos indivíduos a responsabilidade, a “culpa” de uma
epidemia que era (e é) uma ameaça pública.

Por outro lado, a presença da AIDS potencializou e tomou premente a


necessidade da luta por respeito aos direitos individuais. Para muitos, talvez
não houvesse futuro.

O Arco-Íris nunca se propôs a ser uma “ONG AIDS”, porém o


constante trabalho de combate à epidemia discursiva, a promoção da auto-
estima e o fato da AIDS não ser a questão central, atraía e deixava à vontade
muitos portadores do HIV. Toni foi o único entrevistado que falou de sua
sorologia positiva. “Em 94, o grupo tinha um ano, foi quando eu descobri
minha sorologia. O que mais me doía era a perda das pessoas: Carlinhos, Didi,
Paulinho. A AIDS foi entrando no grupo sem pedir licença. Era a reprodução
micro do que o mundo vivia. Eu não queria me expor, mas estar ligado em
termos de informação. Foi super-importante. Era um canal de acesso à
informação. Ali era o lugar que me mantinha informado.” 34 anos, RJ.
94

v .

As vezes, o tema da reunião das sextas-feiras poderia estar associado à


questão da AIDS. Luiz Carlos fala sobre uma delas e assume que sua
desinformação sobre prevenção à AIDS no início do grupo era muito grande e
que a participação no grupo o fez estar inteirado de tudo que hoje ele domina
em termos de prevenção. Os encontros o deixavam à vontade para se abrir e
perguntar qualquer coisa. “Uma das reuniões que surtiu efeito mais
contundente foi sob forma de palestra, em que o Sílvio de Oliveira55, jornalista
e ativista gay do Rio de Janeiro, afirmou que não haveria possibilidade de
contaminação pelo HIV através de contato do esperma com pele sã. Retirei
um peso de cima de mim.”

Identidades, Que medo!

MacRae (1990: 128,131) relata as reuniões dos subgrupos de


identificação do Grupo Somos, que atraíam o interesse da maior parte de seus
integrantes. Segundo ele:
“Sem seguir nenhum parâmetro rígido, essa reuniões consistiam basicamente de
relatos autobiográficos em que todos os participantes tinham a oportunidade de revelar
suas concepções a respeito da sexualidade em geral e da homossexualidade em
particular. ”

Para o autor, “existe uma tendência altamente homogeneizadora de se


procurar uma identidade compartilhada por todos os outros”.

No GAI, existia a formação, a criação de uma identificação grupai, que


acredito inevitável e que chamaria de “atitude ativista”. Essa atitude, creio ter
sido muito mais a criação de uma maneira, de uma estratégia de se posicionar,
de se fazer respeitar no mundo, naquele ambiente histórico distinto. Essa
atitude seria uma construção coletiva proveniente das várias alternativas
individuais de confrontos, de maneiras satisfatórias de lidar com um ambiente
adverso. Essa atitude grupai se daria a partir de um feixe de histórias
transpassando o grupo.

55 Sílvio de Oliveira era o editor do Jornal "Nós por Exemplo" e um dos dirigentes, junto com seu
companheiro à época, Paulo Longo, do Núcleo de Orientação em Saúde Social - NOSS, uma ONG AIDS.
95

Eu percebia também que ali estava sendo gestado um discurso comum a


todos, que servia de contraposição à epidemia discursiva. Esses dispositivos
discursivos eu os via, antes, como suportes emocionais e, num segundo
momento, como ferramentas políticas.

“Nós estamos todos no mesmo barco, mas com remos diferentes. Essas
armas nós precisamos conhecer, conhecer como cada um trata com isso. O
Arco-Íris se constrói pela construção das pessoas, do que as pessoas trazem de
experiências vividas.” Pedro.

O Arco-Íris fez parte do meu processo de entendimento de mim mesmo.


Lembro-me que, para mim, ser gay, era lutar pela possibilidade de ser gay,
que, num primeiro momento, era ter liberdade de expressão e de exercício de
afetividade e sexualidade, qualquer que fosse ela, desde que voltada para uma
pessoa do mesmo sexo biológico.

Existia, e ainda existe, um preconceito e uma discriminação muito


grandes na sociedade brasileira contra qualquer pessoa que se direcione
afetiva ou sexualmente para outra do mesmo sexo. Nesse universo, existem
várias maneiras de se denominar essas alternativas e muitas experiências sem
denominação, mas todas elas ainda são marcadas por um grande preconceito.
Então, ser gay, para mim, é estar dentro de uma dessas alternativas e estar
lutando constantemente pela possibilidade de viver os próprios desejos.

As várias identidades, gays ou não, freqüentadoras das reuniões do


Arco-íris nos primeiros tempos, construíam e agregavam uma atitude ativista,
que, no meu olhar projetado sobre o passado, seria o próprio processo de luta
ou a própria construção do espaço. No nosso caso, os universos público e
privado confundem-se.

Gostar de homens é um componente que faz parte de mim. Em função


do ambiente hostil, esse sentimento toma uma dimensão maior do que deveria,
considerando que, para que esse componente possa ocupar o lugar dele, tenho
de estar sempre lutando e, numa atitude política, sair do Augusto e ir tentar a
transformação de uma sociedade maior.

A atuação num grupo gay, que tem uma repercussão pública e um lugar
político gradativamente construído, fazia os freqüentadores problematizarem
seus relatos de experiência, pondo em questão suas identidades gays.
96

A formação de uma identidade homozeneizadora, temida por MacRae, é


bem mais visível e devastadora nos estigmas56 da sociedade brasileira, que
deixam suas marcas nos indivíduos, conforme mostra os relatos dos
entrevistados no capítulo Confrontos desta dissertação. Qualquer grupo que
tiver um estigma comum a transpor terá uma tarefa coletiva a cumprir e uma
identidade de grupo nesse processo.

Luiz Carlos, um dos fundadores, foca de outra maneira a questão das


identidades no grupo. “O que o GAI queria naquele momento era o clima de
afirmação política da identidade gay da cidade de San Francisco. Um jeito de
andar, um jeito de vestir, um jeito de mostrar ao mundo que existe o afeto e o
sexo entre pessoas do mesmo sexo. Acabar com a hipocrisia de que não
existe."

Ele observa: "A prioridade máxima era a construção da identidade gay.


A representação do gay sério vencedor era a idéia querida... O Arco-Íris fez eu
me aceitar como gay definitivamente, me sentindo constrangido de marchar,
mas marchando, passo a passo descobrindo todos os meus preconceitos
internalizados.”

A representação do gay sério era efetivamente uma das metas. No


surgimento do grupo, o que vinha a público do movimento organizado, pela
mídia, era a imagem de desorganização e incompetência. Certa vez, fui
convidado a participar de uma manifestação na porta de uma embaixada no
Rio de Janeiro, mas o grupo organizador do evento sequer se deu ao trabalho
de conferir o endereço da embaixada. O resultado é que a manifestação não
ocorreu, porque ninguém sabia onde ficava a representação estrangeira. No dia
seguinte, os repórteres que haviam comparecido tiveram um prato cheio para
fazer chacota e não se fizeram de rogado. O tiro saía pela culatra.

O filtro pelo qual nós éramos retratados na mídia era o do jocoso. Por
outro lado, não percebíamos no grupo que mais se destacava então no Rio de
Janeiro, o Grupo Atobá, o caminho que queria trilhar. Seus integrantes eram
muito ativos, mas para nós, na ocasião, era como se partissem para a ação sem
uma estratégia, um projeto maior que embasasse suas táticas de atuação. Tudo
isso fazia-nos querer romper esse circuito.

56 Sobre estigma ver Goffman (1982)


97

O sério , no depoimento de Luiz, não era sinônimo de sisudo, mas de


passível de ser levado a sério e o vencedor era o oposto da idéia de fragilidade,
de cidadão “sensível” de segunda categoria, acostumado a sofrer:
contrapunha-se à idéia de perdedor, daquele que perdia até a vida para a
AIDS.

Talvez a experiência anterior, de alguns dos fundadores, com projetos


de prevenção à AIDS tenha contribuído para uma otimização das energias, ou
seja, para uma utilização mais competente dos poucos recursos de que se
dispunha.

Embora nem sempre tão discutidos e conscientes, todos os projetos do


GAI tinham um objetivo maior, metas a serem atingidas, uma estratégia
comum e um público alvo definido.

Cláudio, que entrou no grupo no final de 1993, acrescenta que ele “não
concordava com a idéia de alguns pensadores, escritores que até hoje
defendem que não se podia fechar uma identidade, um conceito de
homossexualidade porque isso poderia aprisionar, criar padrões, excluir
outros, estabelecer discriminações e preconceitos. Era necessário, ao mesmo
tempo, ter um referencial porque a sociedade por muito tempo não tinha
informações, ou, quando tinha, era sempre de maneira estereotipada e jocosa.
Então, era necessário construir um referencial. Logicamente, esse referencial,
em dado momento, poderia ser excludente mas enquanto estratégia era
necessário..."

Ele continua: "A questão era responder à dinâmica social, a questões


objetivas. O grupo sempre se preocupou em incluir nas discussões internas e
externas as questões do estereótipo, do preconceito aos travestis, aos
transformistas, aos transexuais, isso desde 1993. Nós participávamos de
Encontros Nacionais de Travestis e de atos defendendo a vida dos travestis..."
98

Cláudio afirma ainda: "Nós trabalhávamos provocando sentimentos,


emoções de forma a que as pessoas refletissem sobre a sua vida privada, de
forma que as pessoas respondessem e reagissem às representações negativas,
àquela situação... As pessoas, às vezes, achavam que aquilo [o ambiente
hostil] era tão natural e normal que não tinham que perder tempo com aquilo.
O grupo trabalhava com a idéia do que cada um podia fazer, em primeiro
lugar, individualmente, o que cada um podia fazer na sua vida para mudar.
Depois, uma estratégia pública: escrever cartas, falar nas universidades,
sempre pela positiva, mostrando um outro lado, respeito a diversidade,
pluralidade humana, direitos humanos, cidadania. Nós abríamos um canal de
comunicação com a sociedade..."

Ele finaliza: "Para mim, ser gay representa tudo de positivo, de


liberdade, expressão da afetividade de maneira plena, atitude política, ousadia,
estratégia política, orgulho e identidade.”

John insere na discussão sobre identidade a questão da Visibilidade.


“Uma pessoa tende a discriminar ou a temer ou a ridicularizar muito mais
aquele que não conhece do que aquele que conhece. Uma maneira de
combater a ignorância é educar, e educação você só faz aparecendo ...
Homossexualidade não é uma coisa visível, não é uma característica física...
Visibilidade, no nosso caso, é fundamental porque não é óbvia... Quanto mais
visível se é, em toda a sua ampla gama de relações sociais, mais você está
garantindo um espaço de dignidade para o ser humano dentro da sua
sociedade... No GAI, a gente via uma identidade que permitia vários matizes."

Ele afirma: "Para ser visível é necessário uma identidade. A gente não
estava trabalhando por uma identidade de grupo, mas que cada pessoa pudesse
se sentir homossexual à sua maneira, da sua forma... O subtexto de identidade
para nós era esse, era a pessoa assumir a si mesma e fazer a sua representação
de sua identidade como sendo uma identidade homossexual.”
99

Uma Cara para Fora — Visibilidade

Havia uma preocupação constante dos freqüentadores que o grupo


tivesse uma atuação externa mais intensa. Embora todos concordassem com a
linha de atuação57, os relatos de violência e desrespeito estavam sempre
presentes às reuniões e demonstravam que as situações emergentes exigiam
respostas.

As atitudes de homofobia internalizada dos próprios freqüentadores,


principalmente dos recém-chegados, geravam um sentimento de trabalho sem
fim. Os participantes necessitavam perceber ecos do trabalho que
desenvolviam.

Apesar do constante trabalho interno de promoção de auto-estima, à


exceção dos dois líderes do grupo, Luiz Carlos e eu, poucos se dispunham a
(ou tinham coragem de) aparecer publicamente como membros de uma
organização gay, temendo represálias.

Eu percebia essa demanda por ocupação de espaços para além das


fronteiras do GAI como conseqüência do crescimento individual de certos
participantes e do grupo propriamente dito. Aqueles que conseguiam assumir
seus desejos homoeróticos para si próprios e internalizá-los como legítimos
queriam dar outros passos.

“Assumir-se” e “Visibilidade” eram sentidos como duas faces da


mesma moeda. Para Sílvio, a Visibilidade era inexorável. “No caso da
homossexualidade, a distinção, o limiar entre a esfera pública e a privada está
na Visibilidade... Eu não posso viver em plenitude me escondendo.”

Nesse instante de necessidade de dar conta das mudanças internas do


grupo, de novos anseios, de dar mais um passo, surge um convite para que
Luiz e eu participássemos de um programa de entrevistas na extinta TV
Manchete. O programa chamava-se “Debate Boca”, com a jornalista Solange
Bastos.

57 Trabalhar focando, prioritariamente, a comunidade gay fornecendo instrumentos para que todos atuassem
como multiplicadores de uma atitude mais positiva relacionada às homossexualidades.
100

Nós aceitamos. Em nossa estréia na TV, ficamos duas horas no ar, entre
vários “especialistas”, conversando sobre homossexualidade e sobre nossa
experiência como casal gay. A participação suplantou nossas expectativas. O
programa transcorreu de maneira serena, respeitosa e num nível bom de
aprofundamento de discussões.

A repercussão do programa no Arco-Íris foi proveitosa, sobretudo para


os participantes do grupo. Tudo que nós trabalhávamos internamente: o auto-
respeito, a necessidade de criar referências positivas, a quebra dos padrões
estabelecidos, pôde ser vivenciado. Face a uma conjunção de fatores, pudemos
mostrar aos membros do GAI que era possível desenvolver um trabalho para
além das fronteiras do GAI com seriedade.

Ao longo de toda a semana, recebemos dezenas de telefonemas e,


posteriormente, cartas parabenizando o grupo e nossa atuação na TV. Isso
deixou claro que essas aparições eram positivas e necessárias.

Um senhor de 50 anos, do interior do Pará, escreveu dizendo que, pela


primeira vez, teve notícia de um casal de homens que vivia uma relação
estável e tranqüila. Ele era casado com uma mulher e tinha filhos e nos
questionava se seria tarde demais para ele ser feliz.

Nossa Visibilidade foi ao encontro de várias expectativas. Além de


atrair novos freqüentadores, atendeu aos anseios do público interno. Para o
público gay externo, servimos como referência de uma experiência de
relacionamento pouco conhecida. Aparecíamos como um casal de homens que
se amava, vivia junto há dez anos e era feliz. Esses espaços na mídia poderiam
servir também em caso de denúncias de violações de direitos mais pungentes.

José Carlos fala desses momentos - “Algumas pessoas sabiam do meu


relacionamento com certas pessoas e essas pessoas começam a aparecer na
televisão... Os comentários nunca eram negativos, sempre legais. Eu ficava
orgulhoso para caralho porque as coisas começaram a ser mostradas de outra
forma. O que é que nós tínhamos de representativo sobre o homossexual?
Clodovil ou um Dener. Era péssimo. Eles eram simplesmente uma caricatura
para mostrar em programa cômico.”
101

Paralelamente ao início da exposição na mídia de algumas lideranças, e


para atender aos participantes que queriam que o grupo atuasse também fora
das reuniões de sextas-feiras, o Arco-Íris começa a organizar um calendário
anual de eventos públicos.

Duas atividades foram criadas, uma mostra de filmes, “Mostra Arco-Íris


de Filmes Gay-Lésbicos”, e um seminário de discussões, “Pensando a
Homossexualidade”. Tanto a mostra quanto o seminário ocorreram durante
três anos consecutivos.

O seminário, fora da sede do grupo, além do objetivo original, vinha


atender, internamente, àqueles participantes para os quais era importante
racionalizar certas questões.

A estratégia da Visibilidade, que já estava se consolidando, orientou a


organização dessas atividades anuais. Tão importante quanto o conteúdo dos
filmes que eram apresentados, era que a Mostra fosse anunciada no Jornal do
Brasil e que cartazes de divulgação fossem colados em todas as estações do
Metro carioca. O nome da Mostra era proposital para chamar a atenção.

As atividades eram o ponto de partida ou “a desculpa” para a


divulgação, para que se pudesse ocupar espaços na mídia, principalmente
jornais e TV, e se projetar não o evento em si mas uma imagem alternativa dos
gays e lésbicas que nós chamávamos de referências positivas.

O público alvo das atividades continuava a ser prioritariamente os gays


e as lésbicas. Com essas ações, no entanto, começava-se a ocupar espaços que
ultrapassavam esse público.

As mostras de filmes foram organizadas, em sua primeira e segunda


versões, em dois espaços simultâneos: no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro e no IBAC - Instituto Brasileiro de Artes Cênicas. A terceira versão se
deu na sede do Grupo. Os seminários aconteceram respectivamente no ISER -
Instituto Superior de Estudos da Religião, no Museu da Imagem e do Som, e o
último, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Pode-se notar pela escolha dos espaços de exibição uma preocupação


com a legitimação dessas atividades. Todos eram tradicionalmente associados
à cultura ou a uma imagem de cultura hegemônica, culta, ligada ao poder,
legitimada e não popular.
102

Por outro lado, eram os espaços possíveis, que a rede de relações do


grupo conseguia e eram passíveis de facilitar uma citação na mídia.

Na regularidade dos eventos estava embutida a vontade de agregar à


imagem pública de gays e lésbicas os componentes seriedade, competência e
conseqüência.

A partir da aparição inicial na TV, das mostras de filmes e seminários


públicos, nós nunca mais nos negamos a aparecer. Pelo contrário,
fomentávamos situações na qual pudéssemos furar um espaço na mídia. Como
as temidas represálias não vieram, nossa atitude serviu de impulso para que
outros membros do Arco-íris começassem a se mostrar nos espaços possíveis
a cada um.

Uma faceta da violência ficou transparente nessa experiência. A


violência e o medo que engessavam a nossa liberdade de expressão estavam
presentes, internalizados, mesmo quando a repressão não era explícita. Ficou
claro a todos, com um exemplo bem próximo, que algumas ações, algumas
atitudes, podiam não gerar represálias. Havia espaço para ação, bastava ousar.
Esses atos eram rasgos simbólicos.

Numa das tentativas de se colocar em votação na Câmara Federal o


então chamado “Projeto de União Civil entre Pessoas do Mesmo Sexo”, fomos
contatados pela produção do “Fantástico”58. Por coincidência, a repórter
responsável pela matéria era uma amiga de infância de Luiz Carlos.

A idéia era fazer uma votação interativa, ou seja, após a reportagem


seriam disponibilizados dois números telefônicos, um para os que eram
favoráveis e outro para os que eram contrários. A votação televisiva se daria
na véspera da votação no Congresso.

Já nos primeiros contatos, percebemos que toda a equipe responsável


pela reportagem, embora mantendo a “ética jornalística” e a discrição, era
totalmente favorável ao projeto e estava disposta a mostrar o “outro lado”, ou
seja, montar uma narrativa favorável a aprovação do projeto.

58Programa semanal exibido aos domingos pela rede Globo de televisão, de enorme audiência.
103

Nós não nos fizemos de rogado, embora “mantendo a discrição”,


trabalhamos em conjunto, para criar imagens, frases de efeito59, mostrar
situações que sensibilizassem o público televisivo. Na votação televisiva o
projeto foi aprovado por grande maioria.

A imagem digerível criada para a reportagem era do gay classe média,


que não correspondia aos estereótipos existentes, que se expressava bem e que
falava do ponto de vista do direito ao direito. As imagens foram tomadas
dentro das casas, mostrando situações descontraídas do dia-a-dia de casais
gays. Imagens que correspondiam ao “cidadão comum” na representação
hegemônica da sociedade brasileira.

Cabe ressaltar dois dados importantes. Em primeiro lugar, houve


coincidência entre o que o programa queria mostrar e a imagem que os
membros do GAI estavam adotando em suas aparições. Em segundo lugar,
nenhuma mulher apareceu no programa. Apesar de meu próprio empenho
ligando para todas os casais de lésbicas ativistas do Brasil, por diversos
motivos, nenhuma aceitou se expor.

Havia a preocupação de alguns participantes com a exposição dessa


imagem do “gay certinho”, mas como só o que aparecia usualmente na TV
eram predominantemente (quando não somente) figuras dignas do escárnio
coletivo, todos acabavam concordando sobre a pertinência da opção.

Alguns dias antes do Dia dos namorados, numa outra situação, recebo
na entrada do trabalho, um número do jornal “Bancário”, do Sindicato dos
Bancários do Rio de Janeiro. Ele anunciava uma seção especial de
classificados para o dia dos namorados, o “Classicarinho".

Imediatamente, veio-me a idéia de enviar uma declaração de amor para


Luiz Carlos, meu companheiro. Eu andava atento a todas as possibilidades de
furar espaços onde as “homossexualidades” ainda fossem assunto “delicado”.

A oportunidade era ímpar. O jornal tinha uma boa tiragem e era


distribuído gratuitamente na porta de quase todas as agências bancárias do Rio
de Janeiro. Ele tinha uma “cara sindical” de esquerda tradicional, o que me
instigou ainda mais.

59 “Nós pagamos nossos impostos, queremos nossos direitos” afirmava Luiz Carlos; seu rosto ocupando toda
a tela da TV.
104

Enviei minha mensagem para o jornal, com telefone, cópia de RG e


CPF, conforme solicitado. No dia seguinte, recebo um telefonema do editor do
jornal, que após dar mil voltas no assunto e meio sem graça, pergunta se
aceitaríamos dar uma entrevista.

A atitude de ousadia com a qual eu esperava furar mais um bloqueio


simbólico surtiu efeito. Tive minha declaração de amor a Luiz publicada no
jornal, na edição dedicada ao Dia dos Namorados.

Uma semana depois, no dia do “Orgulho Gay”60, em decorrência de


nossa iniciativa, a matéria principal do mesmo jornal tratava do dia
internacional do orgulho gay com destaque. Duas fotos bem grandes nossas
ilustravam a capa e contracapa do jornal.

A matéria suscitou todo tipo de reação, a favor e contra. Ficamos


satisfeitos, mais um espaço havia sido conquistado. Daí em diante,
conseguimos várias outras parcerias entre o Sindicato dos Bancários e o Arco-
íris.

O aumento crescente da Visibilidade cria a necessidade de se ter uma


“cara para fora”. Do convívio das várias identidades gays existentes no grupo,
agregadas da atitude ativista, eu diria que vai se formando uma “identidade
gay ativista” que o grupo tenta mostrar.

Os efeitos de auto-estima provocados nos participantes das reuniões


traduziam-se na força que muitos conseguiam para conversarem abertamente
com os familiares e amigos ou numa evidente melhoria da relação com suas
próprias sexualidades. Pedro afirma que o fato mais relevante para ele em
decorrência de sua participação no GAI foi a melhoria de sua relação com sua
família. O fato de freqüentar as reuniões e do nome dos amigos começarem a
surgir na mídia fez com que sua mãe começasse a conversar sobre o assunto.
Para ele, é fundamental o projeto existente hoje (2002) no GAI dirigido aos
familiares dos freqüentadores, reuniões onde participam conjuntamente os
gays e seus familiares.

60 Jomal “Bancário” ano LX - Terça-feira, 28 de junho de 1994 - n° 1465.


105

A despeito desse movimento, quando se tratava de aparecer sem


restrições nas TVs e Jornais, os que podiam e estavam dispostos a se expor
eram, em geral, John, Caê, Luiz Carlos, Cláudio e eu. Essa restrição foi um
dos fatores condicionantes no delineamento da imagem do grupo.

Os traços que marcaram essa imagem pública e foram incorporados ao


grupo podem ser percebidos nos depoimentos que se seguem, que nos dão
algumas pistas.

“Não fazia parte da estratégia do grupo utilizar-se do padrão feminino


do homossexual masculino... O grupo reagia às provocações existentes e
acabou tomando a cara dos que apareciam, ou seja, gênero masculino sem
afetações.” Caê

Cabe ressaltar que o grupo servia como um laboratório para os seus


próprios membros. Muitas reflexões relacionadas à sexualidade foram sendo
amadurecidas a partir da convivência, da troca de informações, reflexões em
conjunto, estudos e da participação de convidados. José Carlos se reporta a
uma participação de Mariana Freidrich, transexual paulista que fez uma
palestra no grupo seguida de um bate-papo sobre “Transexualidade”. “O que
mais me chocou é que o mundo dela não é o mundo homossexual e sim o
mundo heterossexual. É uma outra classificação que não é gay nem hetero, e
ela não gostava de dar. ” 41 anos, 1994, RJ

Luiz Carlos, que era um dos que mais tinha a imagem exposta por ser o
vice-presidente do grupo, acrescenta: “Eu tinha muito claro que o meu
comportamento correto era tido como certinho pela sociedade... Eu,
mostrando minha cara, meu comportamento, adicionando a informação de que
eu sou gay, eu podia então mostrar para as pessoas que elas estavam no
mínimo mal informadas sobre a homossexualidade, que qualidades de caráter
não têm a ver com orientação sexual..."

Ele segue: "O Arco-lris era uma idéia que foi tomando uma cara, que
lutava para construir uma imagem. Essa imagem era demolir a imagem de que
gay tinha de ser só sempre pintosa, pouco sério e, a exceção de algumas
poucas profissões associadas ao papel feminino, era mal sucedido
profissionalmente..."
106

Luiz Carlos conclui: "Como eu queria que as pessoas nos vissem?


Pessoas comuns em primeiro lugar, só que para sermos vistos como comuns,
primeiro elas tinham que admirar-nos como pessoas empreendedoras, corretas,
sérias, vencedoras, porque viado é sempre perdedor, é sempre pouco sério. Eu
sempre quis demolir isso.”

Marcelo, apesar de presente na foto, participou muito pouco do grupo e


só acompanhava seu desempenho através da mídia. Em sua narrativa, ele
levanta dúvidas sobre a eficácia da Visibilidade nos meios de comunicação de
massa e se questiona: será que a sociedade abrangente, ao ver esses
personagens na televisão, conseguia identificar um segmento social por trás
deles?

Para Márcio, que teve uma presença muito ativa no grupo em seus
primeiros momentos, mas que se afastou assim que o GAI começou a ter um
reconhecimento público, a Visibilidade através dos meios de comunicação,
embora válida, deveria ser entendida como uma estratégia complementar. “A
transformação acontece no cotidiano. Na medida que eles sabem que eu sou
homossexual e sou amigo deles, isso certamente tem um efeito maior que uma
ação externa... Mais transformadora teria sido a possibilidade de ter conhecido
um professor ou um amigo de meus pais que fosse homossexual e fosse uma
pessoa amiga positiva."

Ele observa: "A cara que o Arco-Íris apresentava era uma visão
diferente de homossexual, mas como se fossem os homossexuais dentro de um
mundo de heterossexuais. Também tinha o lado de mostrar para os próprios
homossexuais que não eram do Arco-íris o que eram os homossexuais. É
como se eu imaginasse que a grande transformação era dos homossexuais e
não do mundo heterossexual.”

Márcio, embora, reticente com relação à eficácia do que apreendia dos


movimentos intemos-do grupo relacionados à Visibilidade, intuiu exatamente
o que acabou se consolidando, ou seja, o GAI durante toda a sua atuação
priorizou os próprios gays como alvo de suas ações. De uma maneira geral, no
GAI, entendia-se que a transformação do ambiente hostil caberia aos próprios
atingidos pela epidemia discursiva. Por outro lado, as aparições de membros
do GAI na TV e jornais tinham um forte apelo motivador para os outros
participantes.
107

Lúcio freqüentou com o namorado Téo os encontros às sextas-feiras de


maneira não regular durante os dois primeiros anos. Ele polemiza ao ser
perguntado sobre as representações homossexuais na mídia. “A televisão
deveria parar de trabalhar o estereótipo homossexual, fazer a bicha caricata, a
bicha escrota. Isso aí todo mundo já sabe e está cansado disso... O que eles
querem é heterossexualizar a homossexualidade. Eles querem ativo e passivo.
Eles querem polaridades, eles querem opostos, não querem iguais... O meu
discurso sempre será inclusivo. Eu nunca seria contra um travesti, seria contra
a doença e o analfabetismo... Para mim, um homem que diz que é mulher, ele
não é homossexual, ele é heterossexual.”

Pedro que, hoje em dia (2002) é o responsável pela coordenação dos


encontros semanais das sextas-feiras, fala de um outro ponto de vista. Talvez,
por ser o entrevistado com mais idade, ele se reporta a uma época anterior a
existência do grupo, na qual era ainda mais marcante a correlação
homossexualidade/imagens caricatas. “Houve uma fase em que era necessário
aparecer de qualquer forma, mas depois nós sentimos que era necessário
aparecer tudo, não só a bichinha caricata, mas o policial, o mecânico, o
professor, o arquiteto...” Nas reuniões, eventualmente, a preocupação com a
produção de uma imagem pública que poderia ser homogeneizadora ocorria.
Pedro inversamente a essa crítica e à preocupação com a idéia de se enfatizar,
numa imagem pública, certos traços tidos como positivos, (ele) a partir de
outras experiências, outros referenciais, outra época em que só havia a
imagem da “bichinha caricata”, defende essa política e faz outra leitura,
associando a estratégia de busca de produção de “imagens positivas” à
diversidade.

Na medida em que as inserções nas diversas mídias aumentavam,


aqueles que mais apareciam, a despeito das diferenças individuais,
procuravam afirmar em seus discursos uma estratégia comum, construída nas
reuniões: ênfase no positivo, promoção da auto-estima, sempre incitando ao
respeito pelas diferenças individuais por meio da afirmação do que, hoje,
chamo de uma “identidade coletiva gay ativista”. A intenção era tentar
oferecer alguma alternativa para o que estava posto.

Pregava-se também a importância de assumir-se e tomar-se visível, mas


não a qualquer custo. Dizia-se que assumir a homossexualidade implicava
riscos, em alguns casos, até de vida e por isso as limitações de cada pessoa
deveriam ser respeitadas, porém que cada um procurasse pouco a pouco ir
ampliando seu espaço, na família, no trabalho ou onde fosse possível.
108

O padrão para o qual se queria apresentar uma alternativa e com o qual


se dialogava era o seguinte:

“Gay, (viado, bicha, baitola, qualira etc.) é o homem que quer ser mulher, por isso
é frágil, passivo na cama e em todos os outros aspectos da vida. Só pensa em sexo. É
incapaz de estabelecer uma relação afetiva, muito menos estável, e é um cidadão de
segunda categoria ”61

A lésbica, no padrão homofóbico hegemônico, nem sequer era


considerada.

Identidade Gay Ativista

A “identidade gay ativista” que o grupo assume como estratégia


consciente vem daí, da idéia de se expor predominantemente uma imagem de
gay do gênero masculino, bem sucedido, empreendedor, trabalhador, com
profissão comum (bancário, professor, desenhista), com bom nível de
instrução, com uma relação afetiva estável (se possível um casal) e um
cidadão preocupado com seus direitos e com o respeito a pluralidade das
identidades individuais, ou seja, tudo que era contrário ao padrão que se tinha
como hegemônico, exposto anteriormente como padrão heteronormativo
homofóbico.

Por que um casal? As representações de gays e lésbicas na sociedade


brasileira apontam para um indivíduo atomizado, falando mais claramente,
sem um parceiro ou parceira, um indivíduo só, reforçando a associação
homossexualidade/sexo, marcando a imagem de uma impossibilidade de
relação de amor e mais a impossibilidade de uma relação duradoura. Não
existem imagens de casais do mesmo sexo a recorrer. Mais curioso é que esse
dado, apesar de muito importante, é praticamente imperceptível, passa
despercebido. Não consegui nesta pesquisa identificar personagens públicos
de grande penetração na população que se identifiquem como parte de um
casal do mesmo sexo. As exceções ficam por conta da cantora e compositora
popular Cássia Eller [falecida ], que mais de uma vez apareceu em reportagens
com sua companheira Eugênia e de alguns ativistas gays e lésbicas62.

61 Andrade (1998: 18)


62 Ver anexo 04, Jornal do Brasil, Revista de Domingo, ano 21 —n° 1.048 - 2 de junho de 1996 , matéria em
que todos os ativistas aparecem como casais.
109

Outro dado interessante é que a imagem “certinha” que o grupo assume


deve ser relativizada, ou pelo menos problematizada. Mais de uma vez, em
várias entrevistas, tanto John e Caê, para jornais, quanto Luiz e eu, para a TV,
assumimos publicamente uma relação aberta, em que relações sexuais
eventuais com outros parceiros não eram vistas como infidelidade, como
problemas para a relação, ou mesmo como uma questão, o que efetivamente
não correspondia e não corresponde à representação hegemônica ideal de um
casal em nossa sociedade.

Essa identidade construída era uma ferramenta política e por isso


mesmo flexível e utilizada conforme o público e as conveniências do Arco-
íris. Nem sempre, porém, isso se dava conscientemente. Caê, certa vez, em
entrevista para a extinta TV Manchete sobre o golpe “Boa Noite Cinderela”
que sofrerá, fala tranqüilamente sobre “o paquera” eventual que lhe aplicou o
golpe e sobre seu companheiro John, que o acolheu após o doping. Como sua
preocupação era com o golpe, não se deu conta das outras informações que
suas declarações expunham.

A dificuldade do grupo sempre foi incluir as mulheres nesse projeto, na


estratégia da Visibilidade. Eu concordava com a proposta de análise de
Rosângela Castro, que via a AIDS dando o tom naquela conjuntura,
projetando o universo gay para o centro das discussões. Não deixávamos de
considerar, entretanto, a historicidade brasileira “machista” relacionada às
mulheres. Não é à toa, que se chama um homem de “mulherzinha” para
desqualificá-lo. Ser “viado” é ser “mulherzinha”, o que não é desejável.

A constatação da dificuldade acima não engessava o Arco-Íris. A


intenção era incluir mulheres no projeto, mas tinha-se a consciência da ilusão
que era pretender uma aderência de todos às suas ações.

Deve-se observar que a imagem que se instaurou era de um homem,


classe média, branco ou negro. Dos mais expostos, Caê e Cláudio eram
negros, John e eu brancos, e Luiz Carlos se autodenominava mestiço.

Associava-se à imagem do grupo gay, propositalmente, à “cultura


elitista”, à arte, à educação. Era consenso não entrar em discussões sobre “as
origens” ou “causas” da homossexualidade, principalmente na TV. Fugia-se
estrategicamente das discussões acadêmicas sobre Essencialismo ou
Construtivismo. Procurava-se nunca entrar em confronto com outros espaços
de produção de sentido, religiões ou crenças peculiares.
110

Fincava-se pé na questão do direito, do direito ao direito. Levava-se em


consideração que a transitividade entre vários discursos era uma característica
da sociedade brasileira. Havia gays católicos e de todos os credos, da mesma
forma havia gays de todos os partidos políticos e ideologias e queríamos todos
incluídos nas nossas considerações quando ocupávamos algum espaço na
mídia. O nosso corte era o da orientação sexual.

Reconhecíamos que havia uma pluralidade de centros de produção de


identidades, de posições do sujeito, mas lutávamos para produzir uma
identidade de grupo de um ponto de vista da orientação sexual,
necessariamente conversando com as representações negativas da
homossexualidade em tempos de AIDS e com os espaços possíveis de
produção de sentido da sociedade brasileira, carioca, do início dos anos
noventa. A idéia era oferecer uma alternativa a uma identidade fixa
essencializada que nos rotulava com um carimbo de morte.

Certa vez, Luiz Carlos e eu fomos entrevistados por Marília Gabriela.


No meio da entrevista, fomos surpreendidos pelas perguntas: quem cozinha e
quem lava a roupa? Sem pestanejar, respondemos: a empregada. Quem dirige
o carro? Luiz responde: cada um tem o seu. Esses detalhes eram pensados por
nós dentro de uma estratégia e comemorados pelos freqüentadores do grupo.

Internamente, nas reuniões, os diferentes desejos, práticas e fantasias


sexuais eram respeitados e estimulados. Ser ativo, passivo, feminino,
masculino ou o que fosse não era uma questão em si. Porém, para o público
externo, nas aparições, dissociava-se qualquer idéia de submissão da
homossexualidade. Tentava-se sempre projetar uma imagem de sucesso e
poder.

O público alvo dessas performances eram os homossexuais.

Os ✓indicadores das conseqüências de nossa estratégia eventualmente


surgiam. E Luiz, meu ex-companheiro, quem fala. “Durante algum tempo, a
gente era visto como paradigma do casal gay. As pessoas viam o grupo como
a extensão de um casal... Para você ter idéia de/ como essa coisa é séria, eu
ouvi há pouco tempo atrás um rapaz no Arco-íris falar que perdeu todas as
esperanças de encontrar alguém a partir do momento que nós nos separamos.”
111

E claro que as condições de produção de um novo discurso
transcendiam a nossa simples disposição de transformar. Em função disso,
nem tudo dava certo. Vez ou outra, alguma coisa acontecia. Certa vez, após
uma enorme entrevista para a TV Manchete, em off\ Luiz faz uma brincadeira
com o câmera, aponta para onde estava sentado e diz: “Bicha também tem
sofá.” A imagem e a frase acabaram sendo a chamada diária do programa.
112

ILGA, A Consolidação de Uma Estratégia

Em 1994, por ocasião do dia do orgulho gay, 28 de junho, havíamos


organizado uma Tarde de Convivência nos jardins do Museu de Arte
Moderna, do Rio de Janeiro. A idéia era criar algo diferente, mudar a imagem
das manifestações do movimento organizado, atrair um público maior e
melhorar a relação com a imprensa. A nossa avaliação do evento foi boa, mas,
com a imprensa, a despeito da melhoria de tratamento que vínhamos
percebendo, persistiam algumas matérias totalmente desrespeitosas.
Ficávamos muito chateados, porém não desanimávamos, por acreditarmos que
a persistência era parte fundamental de nosso trabalho.

O GAI estava com um ano e meio de existência e com a experiência da


Tarde de Convivência bem viva quando surge um fato novo. Foi Cláudio que
trouxe a notícia. Ele recebera um telefonema do Toni Reis, presidente do
Grupo Dignidade de Curitiba.

Toni estava em Nova Iorque participando de uma conferência


internacional da ILGA e queria saber se poderia confirmar a nossa
predisposição em organizar a conferência anual da organização, no Rio de
Janeiro, no ano seguinte, 1995. Foi um rebuliço geral no Arco-lris. De onde
surgira essa sugestão? A responsabilidade era enorme.

Tínhamos dois dias para decidir. Então, sentamos para pensar nos prós e
nos contras. Foi Adauto, namorado de Cláudio, que era membro do PIM -
Projeto Integrado de Marginalidade, que sugerira em 1993, em Viena, que a
conferência ocorresse no Rio de Janeiro. Por isso, Toni ligara para nós.

Era uma oportunidade ímpar de conseguirmos Visibilidade em nosso


projeto de intervenção nas representações acerca das homossexualidades. O
evento, com certeza, chamaria a atenção da mídia. A ILGA era um dos órgãos
consultivos da ONU, o que daria legitimidade e credibilidade ao
empreendimento. Poderíamos ocupar um lugar de fala privilegiado. Havia
ainda um outro fator: com a mídia internacional presente, nosso poder de fogo
seria maior. Dissemos sim.
113

A organização exigiria um esforço enorme, procuramos outros grupos e


constituímos uma comissão organizadora. Ela foi composta pelo Arco-Íris,
como coordenador executivo, o Atobá e o PIM, que tinha um bom trânsito nos
órgãos governamentais e organismos internacionais. Os demais grupos
comprometeram-se a apoiar quando preciso.

A primeira conseqüência da organização da conferência veio de sua


importância política para o movimento organizado no Rio de Janeiro e no
Brasil: os grupos cariocas uniram-se, tiveram de dialogar e trabalhar em
conjunto.

A responsabilidade e a tarefa de coordenar a organização da 17a


Conferência Internacional da ILGA,61 que ocorre em 1995, projetou o grupo
em escala nacional. Foi o evento, até aquele momento, de maiores proporções
do movimento organizado de gays, lésbicas e travestis no Brasil, estruturado
profissionalmente e com grande cobertura da mídia nacional.

O evento reuniu mais de 2000 representantes de gays, lésbicas,


bissexuais, travestis e transexuais de todos os recantos do Brasil e do mundo.
O cantor de rock Renato Russo e a deputada federal e psicanalista Marta
Suplicy foram os presidentes de honra.

“A ILGA foi um marco. Foi a coisa mais emocionante da minha vida.


Nesse momento, eu não tava aí para nada. Aquele evento tão sério. A ILGA
mostrou organização, fortalecimento de uma classe. De repente, ela existe. As
pessoas tiveram oportunidade de ver que nós tínhamos voz. Foi uma coisa
respeitosa. Foi um momento de aceitação da minha homossexualidade sem ter
medo. Para o grande público, serviu de Visibilidade para mostrar que nós não
temos medo de nada.” José Carlos

63 International Lesbian and Gay Association. Em 1995, era composta de mais de 400 grupos associados em
todo o planeta. A conferência ocorreu de 18 a 25 de junho no centro de convenções do Hotel Rio Palace, na
praia de Copacabana, Rio de Janeiro. Representantes do Governo Estadual, Municipal e do poder legislativo,
nas três esferas, estiveram presentes.
114

A decisão de levar a cabo a organização de uma conferência


internacional, que, naquele momento, ia muito além da capacidade
organizacional do grupo, teve dois motivos básicos: mostrar à sociedade a
capacidade de organização e articulação do movimento e a Visibilidade que o
evento daria aos gays e lésbicas.

A escolha do local da conferência, o centro de convenções do Hotel Rio


Palace, um dos mais luxuosos do Rio de Janeiro, assim como cada detalhe, foi
pensado de modo a dar conta dos objetivos, dissociando a imagem gay de
fragilidade e desorganização. O evento contou com tradução simultânea em
português/inglês/espanhol nas plenárias e intérpretes em todas as oficinas que
aconteceram. Na estrutura, nada faltou, da sala de imprensa, com todas as
facilidades para os repórteres garantirem a Visibilidade até o roteiro de lazer,
previamente organizado por agência de turismo especializada, além de serviço
médico e shows nos intervalos.

Houve exposições, lançamentos de livros, mostras de vídeo,


performances teatrais, coquetéis e até mesmo premiações paralelas a
instituições e personalidades que se destacaram na luta pelos direitos humanos
de gays, lésbicas e travestis. Após a conferência, eu soube que houve muitos
penetras no Centro de Convenções, que iam simplesmente para usufruir do
ambiente e da agitação, ver o que estava acontecendo e paquerar.

Do total, quase trezentos ativistas do Brasil e do exterior tiveram


participação garantida pela concessão de bolsas, que forneciam passagens
aéreas e de ônibus, hospedagens, ingresso gratuito ao evento e, em alguns
casos, até a alimentação.
• ^ . / # f
A posição assumida pelo Arco-íris foi sui generis. Após garantir toda a
infra-estrutura, que foi caríssima64, o grupo passou a direção política dos
trabalhos a um grupo de dirigentes da ELGA e praticamente não participou das
plenárias em que se davam as discussões políticas. Toda a preocupação dos
dirigentes do grupo, à frente de um corpo de mais de oitenta voluntários
ligados a todos os grupos cariocas ou independentes, dirigia-se para o
brilhantismo do espetáculo e sua projeção pública. Era uma performance
estrategicamente programada para mostrar poder.

64 O patrocínio veio de várias fontes: órgãos do governo federal e do governo estadual ligados a prevenção à
AIDS, entidades internacionais de gays e lésbicas, artistas como Renato Russo e outros que pediram para não
serem identificados, inscrições e pequenas doações. Foi fundamental o trabalho de mais de oitenta voluntários
de todos os grupos ativistas que contribuíram de toda forma para o sucesso da conferência.
115

Achávamos que a mídia, ou melhor, a sociedade brasileira, não estaria


interessada em moções de apoio ou repúdio ou em questões internas do
movimento organizado internacional.

A conferência em si, o estar-ocorrendo, era o grande acontecimento. Os


países representados, o número de participantes, o profissionalismo e
grandiosidade da organização, a ousadia, isso despertava a curiosidade. Mais
importante não era o que estava sendo dito ou discutido mas o que estava
sendo mostrado subliminarmente.

Luiz Carlos lembra das dificuldades por que passamos para resguardar o
sigilo dos participantes dos países onde a homossexualidade ainda era crime.
“A participação do representante do Paquistão, onde havia a pena de morte
para os homossexuais, exigiu uma complexa operação, desde o contato inicial
para que ele recebesse sua bolsa - passagens e hospedagem - até as
artimanhas para que a imprensa nacional não tivesse acesso a ele. Outra
novela ocorreu com os representantes do Chile e de Cuba, onde a
homossexualidade dava cadeia.”

A conferência terminou no dia 25 de junho de 1995 com uma marcha de


três mil pessoas pela praia de Copacabana. Pela primeira vez, no Brasil, uma
marcha de gays, lésbicas e travestis comemorando o orgulho gay teve
cobertura mais atenta da mídia.

Percebeu-se, durante a conferência, um deslocamento de atitudes e


posturas para com as homossexualidades e com relação aos indivíduos que
participaram. Nos jornais, do antigo espaço em tom de galhofa das páginas
policiais, houve um salto para as seções políticas, de economia e de opinião. O
jornal “O Globo”65 estampou na primeira página uma foto minha e de Luiz
Carlos como chamada para a matéria que anunciava o acontecimento.

Na TV, a conferência foi associada à luta pelos direitos civis de um


segmento da sociedade. O projeto da deputada Marta Suplicy foi lançado,
simbolicamente, na cerimônia de abertura da conferência com uma imensa
cobertura de todos os meios de comunicação.

65 Ver anexo 05 - Jornal O Globo, 11 de junho de 1995, Domingo.


116

A tentativa utilizar a imagem do cantor de Renato Russo, que daria


maior penetração e popularidade com o público jovem, foi muito restrita. No
dia da abertura, o cantor entrou em profunda crise depressiva e não participou
da programação.

Anteriormente, a AIDS já havia jogado a homossexualidade num es­


paço cotidiano nos meios de comunicação, forçando a discussão. O que acon­
teceu de marcante e novo na cobertura jornalística da conferência, foi o des­
colamento da discussão da homossexualidade do eixo pecado/doença/AIDS.
As matérias enfocavam direitos civis, comportamentos, mercado cor de rosa66
etc.

A estratégia de explorar uma “imagem de sucesso”, ou seja, assumir


uma “identidade de grupo gay ativista”, permitiu que, nesse projeto, o objetivo
do Grupo Arco-íris fosse atingido. Ele ocupou, temporariamente, num plano
simbólico, um lugar de fala de igual para igual, criando uma alternativa, um
contraponto, para a epidemia discursiva.

Um fato interessante pode ser destacado para demostrar que


simbolicamente algo diferente estava acontecendo. Todos os dias, eu era o
primeiro a chegar para organizar os detalhes que viabilizassem a conferência.
No terceiro dia, assim que cheguei ao Rio Palace, fui chamado pelo rapaz que
era o nosso interlocutor com a direção do hotel. “Augusto, esse casamento não
pode se realizar”, ele foi logo me dizendo. Como eu estava com muitas
preocupações na cabeça, não entendi nada.

No dia anterior, Raimundo Pereira, ativista do Atobá, havia anunciado


para a imprensa que uma cerimônia religiosa iria se realizar no hotel para
celebrar a união de nove casais de gays por um representante da Igreja da
Comunidade Metropolitana, igreja protestante cristã que aceitava a união entre
pessoas do mesmo sexo67.

Após uma conversa muito longa para eu entender qual era a


preocupação do hotel, já que ele concordara em abrigar uma conferência de
gays, lésbicas e travestis, o rapaz abriu o jogo: o arcebispo do Rio de Janeiro,
D. Eugênio Sales, havia ligado para o dono de hotel e pedira que não
permitisse a realização da cerimônia religiosa.

66 Expressão utilizada para referir-se a um mercado consumidor composto de gays e lésbicas a partir da
suposição de que esse público teria uma situação financeira privilegiada.
67 Ver anexo 06 Jornal do Brasil - Editoria Cidade - 24.06.1995.
117

A benção coletiva ocorreu sem transtornos.

Cláudio fala da emoção que permeou os dias da conferência. “O


sentimento geral dos participantes foi de solidariedade. Do Erik Barreto a Lola
Batalhão68, dos voluntários que surgiram pela primeira vez até o ativista mais
antigo, o sentimento era um só, solidariedade, solidariedade para que tudo
desse certo. Na abertura oficial do evento, eu me arrepio até hoje, quando me
lembro de você, de mestre de cerimônias, abrir o evento dizendo: “Nós
conseguimos”, e todo mundo começando a chorar. Foi lindo...”.

A ILGA representou para o Grupo Arco-Íris a consolidação de sua


estratégia de Visibilidade e simbolicamente um marco de uma nova postura na
relação do movimento brasileiro organizado de gays, lésbicas e travestis com
os meios de comunicação.

68 Erik Barreto, já falecido, foi um famoso transformista que se notabilizou imitando Carmem Miranda. Lola
Batalhão é um personagem conhecido no cenário carioca como drag queen, sobretudo no carnaval.
118

Dinheiro Faz o Mundo Girar

Nos primeiros anos, a manutenção da infra-estrutura do grupo era fruto


das contribuições voluntárias dos freqüentadores. Muitos dos membros
colaboradores pertenciam à classe média e tinham empregos públicos69.

Com o tempo, o modelo adotado pelo governo do presidente Fernando


Henrique Cardoso provoca uma retração no padrão salarial dos membros
colaboradores, o que vai provocar problemas de sustentabilidade no grupo.

Após a conferência da ILGA, o grupo mudará seu endereço e passará a


utilizar uma sede em parceria com outra instituição, o PIM - Projeto Integrado
de Marginalidade.

Vários grupos no Brasil vinham desenvolvendo projetos de prevenção à


AIDS junto a Coordenação Nacional de DST e AIDS do Ministério da Saúde.
Isso representava também uma alternativa para as dificuldades financeiras de
várias entidades. A mesma passagem aérea que levava um ativista gay a um
congresso sobre prevenção à AIDS permitia que, ao término do encontro,
outra reunião fosse realizada, agora específica do movimento organizado de
gays, lésbicas e travestis.

Já havia se consolidado na Coordenação Nacional de DST e AIDS a


idéia de que era necessário fortalecer a organização dos grupos mais
vulneráveis à epidemia. A promoção da auto-estima e a organização dessas
populações seriam mais um caminho para o combate ao HIV/AIDS.

O Arco-íris, que sempre tentara distanciar as duas questões,
homossexualidade e AIDS, acabou se utilizando desse mecanismo para
combater a “epidemia discursiva da AIDS”.

A própria conferência da ILGA obteve parte de seus recursos


financeiros dessa maneira. Garantimos o centro de convenções e a tradução
simultânea com parcerias junto aos órgãos responsáveis pelo combate à AIDS,
no plano federal e estadual respectivamente.

69 Ver tabela, anexo 01, com dados sociográficos dos entrevistados.


119

Violência

Numa das diversas vezes que, na montagem da dissertação, solicitei a


opinião de amigos sobre alguns caminhos a seguir, foi-me sugerido que eu
unificasse num item tudo que tratasse de violência. A idéia era que os leitores
não familiarizados com o tema pudessem ter uma melhor compreensão das
situações narradas.

Reli mais uma vez o trabalho, tentando perceber a viabilidade da


sugestão, mas uma constatação fez-me manter a estrutura com que vinha
trabalhando: a violência permeava todo o trabalho. Não havia como agrupar
algo que se espraiava por todo o texto, às vezes, como um grito silenciado,
considerando que as relações por orientação sexual são constituídas numa
relação de forças desiguais, com base em várias formas de violência. Uma
agravante é que muitas vezes, de tão presente e cotidiana, essa violência com
base na orientação sexual não é tida como tal por aqueles que a sofrem e não é
consciente pelos que a praticam.

Era recorrente nas reuniões do Grupo Arco-Íris que participantes


achassem “um abuso” que outros gays se beijassem em público, mesmo que
fosse, por exemplo, num cinema onde estivesse passando uma mostra de
filmes gay/lésbicos.

Na entrevista com o Caê, em determinado momento, ele me diz que


nunca sofreu nenhuma violência explícita, a não ser uma vez, quando era
adolescente e um grupo de rapazes apedrejou a ele e seus amigos enquanto
passavam. Eu, involuntariamente, retruquei: “E você acha pouco!”, ele
começou a rir, percebendo o jogo no qual suas palavras resvalaram.

Optei então por deixar que o tema da violência afluísse


espontaneamente ao longo do trabalho. Neste tópico específico, preferi
abordar a maneira pela qual, nas reuniões do GAI, a questão era conduzida.

Um tema que sempre merecia cuidados especiais nas reuniões de


sextas-feiras era a violência. A prioridade, no grupo, era revelar o lado
“positivo”, que era possível ser gay e ter uma vida tranqüila. Queríamos
evidenciar, buscando nas próprias experiências dos participantes, que uma
sexualidade alternativa não era impeditiva para a felicidade.
120

Como tratar então os relatos recorrentes dos freqüentadores sobre


violência?

A violência simbólica internalizada que carregávamos como sujeitados


a um discurso maior heteronormativo homofóbico nós já lidávamos.
Tentávamos construir coletivamente um discurso mais confortável para todos.

A dificuldade agora era enfrentar a violência social ostensiva que


chegava às vias de fato, legitimada por uma ideologia que nos via como
pecadores, doentes, desviados e ilegais, ou transpondo para uma expressão
mais popular como “sem-vergonhas”.

Um bom exemplo de uma das formas com que ela se manifestava no


Rio de Janeiro no início dos anos 90 ocorreu comigo e com Luiz Carlos.
Costumávamos passar pela “Via Ápia”, uma área de prostituição masculina no
Rio de Janeiro, nos finais de semana, para curtir o movimento. Era um local
perigoso, mas folclórico e divertido.

Certa vez, sem que percebêssemos, nosso carro foi cercado por policiais
de metralhadora, que nos levaram para um local totalmente ermo, querendo
nos chantagear. Diziam que, se não déssemos dinheiro, eles nos levariam para
a delegacia e estaríamos com nossa imagem estampada em todos os jornais do
dia seguinte.

Como não tínhamos medo de aparecer nos jornais como gays,


concordamos que nos levassem para a delegacia. A partir daí, a coisa mudou
de figura. Eles, com as armas em nossas cabeças, nos seqüestraram, nos
levaram para um caixa eletrônico, nos fizeram sacar e entregar o dinheiro para
eles. Ao final, nos -avisaram: se registrássemos alguma queixa, eles nos
matariam, porque tinham nossos endereços.

Novamente a pergunta, O que fazer?


121

John lembra que, às sextas-feiras, sempre que o tema era violência, um


determinado padrão se repetia: os participantes, a princípio, traziam
depoimentos em que os casos referiam-se a terceiras pessoas, após certo
tempo de reunião, alguém (em geral algum participante mais antigo ou da
direção do GAI) contava uma agressão sofrida por si próprio, logo depois,
outro tomava coragem e narrava uma situação que ele também havia sofrido,
mais um se abria e outro e outro, e assim por diante. Ao final da reunião, após
o rompimento dos silenciamentos, gerava-se um jorro de depoimentos. A triste
constatação era de que quase todos haviam sofrido algum tipo de violência e
que várias barreiras traduzidas por “vergonha” os impediam de falar sobre os
fatos e de denunciá-las.

Quando a extorsão que a polícia estava praticando na Via Ápia tomou-


se um tema de reunião, ficamos estarrecidos com o número de participantes
que havia sido vítima e que silenciara até então.

Não queríamos que as reuniões sobre violência fossem uma simples


catarse coletiva sem conseqüências, nem queríamos que elas transformassem
as atividades do GAI num balcão de delegacia. Elas eram importantes e
inevitáveis. Tínhamos de enfrentá-las.

Tratamos então de tentar identificar o que havia de comum nos relatos


sobre violência e alguns problemas foram se delineando.

Notamos que os golpes mais comuns baseavam-se na certeza da


impunidade, considerando que as vítimas nada fariam contra os agressores por
medo de terem sua homossexualidade exposta publicamente. Houve casos
narrados de vítimas que reencontraram seus agressores circulando livremente
pelas casas noturnas e não tiveram coragem de denunciá-los.

Quase todos que sofriam a violência não davam queixa à polícia e


muitas vezes escondiam até dos amigos. A violência não era visível, ou seja,
era como se não existisse.

70 O primeiro filme mudo a tratar do tema homossexualidade de que se tem notícia “Different From The
Others” de 1919, resgatado por ativistas gays alemães, trata do mesmo assunto, chantagem contra
homossexuais.
122

Nas delegacias, o despreparo e a ideologia contrária à


homossexualidade transformava as vítimas em réus. Certas queixas nem
mesmo eram acatadas. Nós não tínhamos apoio da polícia. Algumas vezes, ela
própria era a responsável pela violência.

Nosso desconhecimento era muito grande sobre nossos direitos. Não


havia nenhuma entidade que desse apoio jurídico e psicológico às vítimas da
homofobia. Nas reuniões das sextas-feiras, ficava muito claro o medo de lidar
com a violência e a corrupção da polícia.

Decidimos começar do nosso próprio medo, de nossas limitações.


Primeiro, tínhamos de publicizar a violência, dar Visibilidade a ela,
conscientizar todos de que ela existia.

Os projetos que foram criados iniciavam-se com as próprias vítimas que


nos procuravam e que, após freqüentarem algumas reuniões no grupo para
entenderem a dinâmica intema, tomavam-se ativistas de suas próprias causas.

O público alvo das campanhas, mais uma vez, seriam os gays.

Das campanhas desenvolvidas, duas tiveram destaque: “Boa Noite


Cinderela” e “Xô Coió”.
123

Boa Noite Cinderela

“Na fábula, a bruxa faz a bela cair no sono. Na vida real, esta história é assim:
você conhece o bonitão, ele joga charme, joga uma conversa fora e acaba jogando
sonífero na sua bebida. Conclusão: você acaba sendo roubado e às vezes, agredido. Esta
história, que não tem nada de fábula, vem se repetindo. Diversos casos de 'Doping', ou
'Boa Noite Cinderela' como vem sendo conhecido, continuam acontecendo, portanto ABRA
O OLHO. ”71

Assim começava o texto do panfleto que era distribuído nos locais de


freqüência gay no Rio de Janeiro. Nele, constavam algumas dicas para se
evitar o golpe, algumas frases para melhorar a auto-estima e o telefone do
grupo para ajuda.

A tentativa de alterar o ambiente hostil começava na construção do


próprio panfleto. O texto era do fulano, as ilustrações do sicrano. Beltrano
conseguia a gráfica de graça; outro, o papel. Alguns, que eram amigos dos
donos das boates gays, conseguiam apoio financeiro e parceria para
divulgação da campanha em suas casas noturnas.

O golpe, que no passado carioca era aplicado por prostitutas em seus


clientes, com o nome de “Marcha a Ré”, era denominado de várias maneiras
distintas na comunidade gay. Nas reuniões do GAI, foi escolhido um dentre os
já utilizados: “Boa Noite Cinderela”, para marcar uma nova identidade e ser
mais facilmente assimilado pela população gay.

A construção coletiva e gradual dava força e tempo para aqueles que


foram vítimas sentirem-se mais fortes e aptos a transformar emoções de medo
em ação.

Paralela à distribuição de panfletos de alerta, foi montada uma esquete


teatral humorística com atores freqüentadores do grupo. A esquete tinha
duração de dez minutos e com ela eram feitas intervenções onde fosse
necessário: boates, bares gays, outros grupos organizados, festas, etc.

Na linguagem teatral, respeitava-se a mesma estratégia de se trabalhar o


positivo, a auto-estima, de mostrar competência - os atores eram excelentes -
e fugir dos estereótipos.

71 Ver anexo 07.


124

Além da Visibilidade dada ao golpe na comunidade, procuramos a


imprensa, para, por meio dela, atingirmos os órgãos de segurança (onde na
ocasião não tínhamos entrada) e alertá-los para o problema. Várias vezes, os
jornais publicaram matérias sobre o golpe, solicitando a opinião e
demandando providências das autoridades policiais.

O trabalho anterior em intervenções de prevenção à AIDS e a


experiência com arte serviram de base para criação de uma campanha com
outra linguagem, pontual e mais efetiva.

Um amigo, advogado conhecido por defender os direitos dos


soropositivos no Rio de Janeiro, Dr Marcelo Turra, nos dava apoio jurídico.
Identificamos alguns delegados mais amigáveis a quem poderíamos recorrer
em caso de encaminharmos alguém que houvesse sofrido o golpe.

Com o tempo, algumas quadrilhas e indivíduos foram identificados e


presos por aplicarem o “Boa Noite Cinderela”.
✓ ■
No Arco-íris, o sentimento de que era possível interferir nas relações
sociais e a emoção de se quebrar a inércia permitiram, naqueles tempos de
epidemia discursiva da AIDS, que muitos amigos tivessem seu amor próprio
resgatado.

Caê, que como ele mesmo diz estava envolvido até a raiz do cabelo na
criação do projeto “Boa Noite Cinderela”, e depois foi vítima do golpe, nos dá
o seu depoimento sobre sua experiência em 1997. “A violência, ela sempre
permeou as discussões no Arco-Íris. Durante muito tempo, o GAI se
preocupou com a violência que surgia nos depoimentos, ou seja, a violência na
família. Naturalmente, pouco a pouco, quando as pessoas já tinham expurgado
essas questões, feito sua catarse íntima, quando as pessoas já estavam mais
fortes consigo mesmas, começaram a ver que aquilo era parte de uma
violência maior, era a ponta de um “iceberg”. Paralelamente, começam a
surgir, nos jornais e nos depoimentos nas reuniões, notícias sobre um golpe
que vinha sendo aplicado no meio gay. Por causa disso, a discussão tomou um
vulto muito grande e começamos a pensar estratégias para combater o
golpe..."
125

Caê continua: “Eu que estava envolvido até o fio de cabelo na criação
do projeto, eu fui vítima. Ser vítima foi muito cruel. Eu não tive
conseqüências físicas nem financeiras muito desastrosas. Talvez, pela
experiência no Arco-íris, de maneira inconsciente, eu não levei o cara para
minha casa, eu levei o cara para o hotel. Eu apaguei no hotel e só fui acordar
no dia seguinte na minha casa. Os funcionários do hotel devem ter me
encontrado após o horário, me levaram até um táxi e eu fui para casa. O
porteiro pagou o táxi. No caso, meu companheiro John, me contou que eu
cheguei meio-dia. Achou que eu estava completamente bêbado. Eu tirei a
roupa, deitei e apaguei... O agressor só levou o cartão de crédito e o pouco
dinheiro que eu tinha... No meu caso, a violência foi psicológica, de ser
enganado, ludibriado, um joguete. De repente, você se vê impotente. A
primeira coisa que eles tiram é a sua racionalidade. Fiquei muito triste.”

Logo após o ocorrido, a extinta TV Manchete procura o grupo para


fazer um programa sobre o golpe. Caê foi um dos entrevistados. Ao final da
entrevista, a repórter pergunta: “Esse golpe pode ser visto como uma lição?”
Ele explica enfaticamente: “Eu disse que não gostaria de ver aquilo como uma
questão de moral, que eu havia simplesmente sofrido uma violência social, um
aspecto específico contra um grupo da violência que nós vínhamos sofrendo
numa cidade violenta como o Rio de Janeiro. Lição dá idéia de castigo e
castigo não era o caso, que eu não tinha feito nada de errado. Nós tínhamos de
ter cuidado com esse tipo de colocação: dançar, beber, namorar outro homem
não tinha nada de errado. Pelo contrário, eu queria que todo mundo
continuasse se divertindo muito."

Caê chama a atenção para a principal dificuldade com que os


integrantes do Grupo Arco-íris de Conscientização Homossexual
defrontavam-se (e ainda se defrontam) no dia-a-dia de suas atividades: a
homofobia internalizada, a não aceitação da relação afetiva e sexual entre duas
pessoas do mesmo sexo, que se interpunha entre o olhar social e qualquer ato
de um “sujeito gay ou lésbica”. Para a sociedade abrangente, aí incluídos os
próprios gays e lésbicas, diferentes formas de violências (até mesmo a AIDS)
poderiam ser legitimadas, transformar-se em lições pelo único fato de que o
amor entre dois homens ou duas mulheres era “condenável”. Esse processo, na
maior parte das situações, não era consciente.
126

Ainda existem casos de “Doping” sendo aplicados nos dias de hoje


(2002), mas a era do silêncio terminou. Poucos são os que não conhecem na
comunidade de gays, de norte a sul do país, o golpe “Boa Noite Cinderela”.

Xô Coió

Coió é uma gíria gay que significa todo tipo de violência física, moral e
psicológica, discriminação, achaques ou extorsão, assaltos e “Boa Noite
Cinderela” por parte de civis e policiais, sofrido pela comunidade gay-lésbica.

Essa campanha foi desenvolvida em função de ataques e agressões a


gays por grupos de rapazes numa região de bares gays e de lésbicas que existia
no chamado “Baixo Gay”, no bairro carioca de Botafogo.

Numa sexta-feira, um rapaz nos procurou, revoltado, porque havia sido


vítima de agressão por um grupo de rapazes. Ele foi posto para fora de um
ônibus a pontapés e teve de sair correndo pelo meio da rua para se salvar.
Tudo ocorreu quando ele estava indo para casa após se divertir no “Baixo
Gay”. Ele queria de toda forma que nós do grupo tomássemos alguma
providência imediata.

Após algumas reuniões, em que o rapaz pôde descarregar suas emoções,


começamos a construir em conjunto uma tática de atuação pontual naquela
área, a partir dos próprios sentimentos dele.

Como no “Boa Noite Cinderela”, todas as etapas foram cumpridas: criar


uma identidade para a campanha72, conseguir fundos, conscientização dos
freqüentadores da área, parceria com os editores das publicações gays,
parcerias com os donos das casas noturnas, busca de espaços na imprensa,
visita ao delegado da jurisdição. O mais importante era a transposição da
fronteira indignação/ação por meio da motivação.

72 Ver anexo 08.


127

Nessa campanha, os donos das casas noturnas que compunham o


“Baixo Gay” posicionaram-se contra, temendo uma debandada dos
freqüentadores, e passaram a hostilizar os membros do Arco-Íris. Nós também
compartilhávamos dessa preocupação, por isso havíamos procurado parceiros
para agirmos em conjunto no enfrentamento do problema, procurando não
estigmatizar a área como lugar violento, sem mais uma vez associarmos a
imagem de gays à marginalidade. Por outro lado, não podíamos ficar de
braços cruzados vendo pessoas sendo espancadas, algumas barbaramente, por
medo de mais uma rotulação.

O delegado responsável pela região, procurado por nós, prometeu


aumentar a segurança, mas ficou só no discurso.

Descobrimos, através de denúncias anônimas, que os agressores eram


filhos de moradores da região que não queriam os gays por perto.

Partimos então para a única saída que ainda acreditávamos ser eficaz.
Focamos esforços na imprensa. Imediatamente, conseguimos meia página no
“Jornal do Brasil” contando em detalhes tudo que ocorria. De relatos de
vítimas das agressões até a indiferença do delegado (que acabou sendo
afastado) incluindo a postura dos donos das casas noturnas. No dia seguinte à
matéria, houve uma queda de aproximadamente cinqüenta por cento no
número de freqüentadores do “Baixo Gay”.

A mudança foi imediata. Os proprietários mesmo, sem conseguir


disfarçar a raiva que sentiam, começaram a nos procurar para estabelecermos
uma tática comum de atuação. Fomos melhor recebidos pelo novo delegado,
que aumentou o policiamento na região.

As vítimas começaram a denunciar as agressões ao GAI, o que permitiu


que ocorrências fossem registradas na delegacia. Com os boletins de
ocorrência em mãos, as autoridades não poderiam mais alegar que se tratavam
de casos isolados. Nós criamos uma comissão para acompanhar as vítimas à
delegacia e dar apoio psicológico e jurídico.

Algum tempo depois, o mesmo rapaz que nos procurara exigindo


providências urgentes e que veio a ser um dos artífices da campanha,
transformou sua experiência em dissertação de mestrado na Escola de
Comunicação da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro.
128

Assim como essa, várias outras campanhas foram construídas. Os


resultados obtidos em cada uma variaram conforme a situação. Porém, no
microcosmo representado pelo Grupo Arco-Íris, a constante movimentação
em busca de espaços de expressão e cidadania criava um ambiente diferente
do que aqueles indivíduos estavam acostumados a vivenciar no seu cotidiano.
Esse ambiente fortalecia a auto-estima, representando um forte elemento
agregador e transformador.

O Preço da Visibilidade

A experiência da Visibilidade por parte dos membros do Grupo Arco-


íris foi no mais das vezes positiva, sem traumas ostensivos, o que apontava
para espaços a serem ocupados. Situações delicadas, no entanto, ocorreram e
envolveram, sobretudo, aqueles que mais se expunham. Os casos selecionados
a seguir não eram uma constante, porém mostram as fronteiras nas quais
tangenciavam as ações estratégicas do grupo.

• Um ano após o sucesso da conferência da ILGA, os participantes do


grupo decidem organizar a Segunda Marcha pela Cidadania Plena de Gays,
Lésbicas e Travestis. A primeira havia acontecido no encerramento da
conferência, em 1995. No ideário do grupo, o mais importante era
aproveitar o evento para gerar Visibilidade.

Luiz,
A
meu ex- companheiro, estava encarregado de levar a bandeira do
Arco-íris, que era o orgulho de todos. Ela media cem metros de
comprimento por dez de largura. No dia do evento, poucas horas antes de
seu início, ao chegar à sede do grupo, na Praça São Salvador, o caseiro
Manoel o recebe desesperado. Ele havia recebido vários telefonemas nos
quais desconhecidos ameaçavam citando os nomes: se a marcha fosse
realizada Luiz, Augusto e Cláudio seriam mortos.

A marcha foi para as ruas.


Cláudio sai de um programa de TV no Rio de Janeiro em que havia
participado de um debate sobre homossexualidade. Ao final do debate, por
volta da meia noite, pega um ônibus e volta para a casa. Em determinado
momento, no meio do aterro do Flamengo, um rapaz olha para Cláudio e
diz: “Você não é aquele cara que estava agora na televisão falando dos
boiolas.” Ato contínuo, um grupo de rapazes levanta, começa a ofender
Cláudio e fazer todo tipo de ameaças, quase partindo para a violência
física. Uma passageira, desesperada, perde o controle e começa a chorar.
De repente, do fundo do ônibus, um senhor saca uma arma, aponta na
direção do grupo, ordena que o motorista pare e põe para fora os
agressores. Ele se volta para Cláudio e diz “Se você é mesmo quem eles
estavam dizendo, você está dando mole, num ônibus a essa hora”.

Sábado, de manhã, bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, eu saio de casa


para ir a um supermercado. No meio do trajeto, meu carro enguiça. Mexe
daqui, mexe dali, o problema era a bateria. Como não havia jeito, procurei
a loja mais próxima, onde pudesse comprar uma nova. Enquanto aguardava
o vendedor terminar outra venda para me atender, dei de cara com um
panfleto sobre um balcão que alertava os leitores para a chegada dos
anticristos. Qual não foi meu susto quando constatei que os anticristos
cujas fotos estavam estampadas no panfleto eram de três casais: eu próprio
com Luiz Carlos, Cláudio e Adauto e duas ativistas de São Paulo, Miriam
Martinho e Luíza Granado.

Segunda-feira, Luiz Carlos e eu estamos almoçando em casa. Ainda


estávamos sob o impacto das repercussões de nossa participação no
Fantástico no dia anterior. A campainha toca e Leonardo, nosso filho, entra
chorando muito. Ele estava muito triste. Depois de algum tempo,
conseguimos acalmá-lo. Ele desabafa: seus amigos de escola implicaram
com ele dizendo que seus pais eram viados.
130

Saldo

Ao serem perguntados sobre o que representou a passagem de cada um


pelo grupo Arco-íris, todos os entrevistados, incluindo as mulheres e aqueles
que não mais freqüentam suas reuniões, expuseram lembranças carinhosas
como se falassem antes de um grupo de amigos, do que de uma associação de
defesa de direitos.

A importância social e política do grupo vinha embutida nas citações às


suas próprias vidas, como no exemplo do Pedro. “O Arco-Íris me ajudou a me
reintegrar comigo mesmo, no exercício de mim mesmo”, ou como na resposta
de Sílvio: “A importância do Arco-Íris para mim está na conscientização
dessas questões [homossexuais], porque eu não pensava nisso. Não existe
cidadão sem consciência. A consciência do direito de ser feliz.”

Caê preferiu destacar o seu conforto atual com sua orientação sexual e a
fusão das esferas privada e pública traduzida na sua conquista de expressar
publicamente sua afetividade. “Após o Arco-Íris, eu não tenho nenhum
problema em falar na minha homossexualidade. É engraçado, eu estou há
pouquíssimo tempo na PUC e todo mundo já sabe que eu estou casado com o
John e que tenho um filho. Eu falei para essas pessoas? Como é isso? Eu nem
percebi.”

Luiz Carlos afirma que “o Arco-Íris é um grupo de conscientização


homossexual e heterossexual”, destacando a contribuição do grupo na
discussão mais ampla sobre as diversas possibilidades de sexualidade e
afastando a idéia de um grupo fechado sobre si mesmo.

“A gente ajudou a construir a idéia de que a homossexualidade é


diversificada, heterogênea.” Cláudio optou por fechar seu depoimento frisando
que as ações estratégicas dialogam com os ambientes sociais nas quais estão
inseridas. Ele refere-se às Políticas de Identidade que no seu entender deram
sua contribuição no GAI para a criação de imagens alternativas da
homossexualidade indo ao encontro do objetivo do grupo de intervir nas
representações hegemônicas acerca das homossexualidades.
131

7.1 Considerações Finais

Identidades Gays/ldentidade do Grupo

A intenção deste estudo foi evidenciar a luta simbólica, os confrontos


com os quais alguns participantes dos primeiros momentos de constituição do
Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual - RJ GAI defrontaram-se,
na construção de suas identidades gays e da identidade do grupo.

O que os depoimentos primeiro revelaram e que fizeram com que eu


reposicionasse o foco de minhas reflexões foi a dimensão e a importância da
família nas histórias dos entrevistados. Claro que eu sabia da força da
instituição familiar em nossa sociedade, porém, quando solicitei que cada um
me expusesse sua história, o que, na liberdade narrativa, cada um poderia
montar à vontade, a recorrência e a intensidade com que as situações
familiares se impuseram foram um sinal de alerta, um indicador da força dessa
instituição nas identidades gays dos entrevistados.

Na análise do material de campo, na leitura dos depoimentos, outro fato


chamou atenção. Os relatos apontavam situações de violência em sua quase
totalidade. Será que o meu olhar, de tão condicionado, só enxergava
violência? Ouvi, novamente, as fitas tentando perceber outros caminhos.
Apesar de ter apreendido outros dados nessa nova triagem, a constatação se
deu. As relações por orientação sexual, no grupo estudado, emergiram
constituídas com base em variadas formas de violência, tanto simbólicas
quanto ostensivas.

Por outro lado, algumas formas de violência não surgiram nos relatos,
como por exemplo, a violência doméstica entre os parceiros gays ou lésbicas.
Por que não? Algumas hipóteses foram levantadas: a primeira seria que,
talvez, as agressões praticadas entre parceiros do mesmo sexo não fossem
identificadas, pelos mesmos, como violência por orientação sexual. Será que
as histórias de vida de indivíduos marcados por incompreensões e agressões
vindas de fora, dos “outsiders”, dos não-gays, nos nublaria a visão para outras
formas de violência? Outra hipótese é que seria muito mais fácil lidar com
fatos distantes, relacionados à infância, por exemplo, do que com histórias
presentes ou pelo menos mais recentes.
132

Uma outra possibilidade refere-se ao método, aos procedimentos


empregados na condução das entrevistas. Em geral, havia dois momentos
principais nasAperguntas feitas aos entrevistados. O divisor era o ingresso no
Grupo Arco-íris. Será que esse fato os induziria a mudarem o rumo da
narrativa de uma esfera mais privada para a sua participação no GAI não mais
retomando a acontecimentos de sua vida pessoal recente? Posteriormente a
essas reflexões, retomei aos participantes perguntado-lhes diretamente sobre o
assunto. Nada de significativo surgiu dessas consultas sobre violência
doméstica.

Destaco também o processo de abertura para a homossociabilidade


apreendido nas manifestações culturais, sobretudo, na música popular
brasileira, seus representantes e seus eventos e que se concretizou em espaços
sociais, espaços de performances, de convivência, de romances, de sexo e de
sonho como um traço significativo, constitutivo das identidades do grupo
estudado.

Acho ainda relevante enfatizar que a carga emocional despertada nas


entrevistas é sinal das marcas deixadas pelos confrontos violentos com a não-
aceitação da relação afetiva e sexual entre dois homens ou duas mulheres.

Na formação da identidade do grupo, pode-se afirmar que a constituição


social do Grupo Arco-íris de Conscientização Homossexual representou a
consolidação de uma estratégia urgente de oposição à "epidemia discursiva da
AIDS”, ou seja, ao recrudescimento de discursos conservadores, de
representações dos “gays” associados a pecado, doença, ilegalidade,
submissão e, sobretudo, à morte. O GAI surge para aqueles indivíduos como
uma resposta urgente a um processo que se delineava castrador. Surge como
um espaço premente de criação, de produção de sentido, de legitimação de
experiências, de pacificação de espíritos, para tomar alguns dizeres possíveis.
133

Além de suas histórias individuais, em que os confrontos com


representações negativas estiveram presentes, para aquele grupo de amigos
que, em 1993, sentia-se, e estava sendo discriminado, por ter uma orientação
sexual dirigida a outra pessoa do mesmo sexo, a opressão simbólica vinha
aumentando, em função da AIDS, e tomava a forma de uma negação de
existência pública. As representações hegemônicas desfavoráveis, agregadas
do elemento “morte”, interferiam de uma maneira negativa na auto-estima e
na formação da identidade de todos e da identidade do grupo. Veio daí a
importância, a necessidade, da utilização da estratégia da Visibilidade, com a
quebra dos códigos de dissimulação. A construção de suas próprias narrativas,
narrativas alternativas ao que estava posto, passou a simbolizar um ato de
cidadania.

A estratégia de “Visibilidade Gay” através da afirmação pública de uma


“identidade coletiva gay ativista” conseguiu em determinados momentos
forçar um deslocamento do “agenda setting”73 para um campo de discussões
mais propício a pontos de vista do grupo, simbolicamente mais igualitário.
Esses resultados eram interpretados como indicadores da efetividade da
estratégia. O marco simbólico da conquista de resultados se daria na
repercussão, no tratamento dado pela mídia à organização da conferência
internacional da ILGA, em 1995.

Cabe aqui levantar algumas reflexões. O deslocamento do “agenda


setting”, ou a conquista de lugares de fala numa relação de poder mais
favorável nos meios de comunicação de massa seriam suficientes para
reordenar o quadro de representações relacionadas às homossexualidades?

73 “a hipótese do agenda-setting não defende que os mass media pretendam persuadir. Os mass media,
descrevendo e precisando a realidade exterior, apresentam ao público uma lista daquilo sobre o que é
necessário ter uma opinião e discutir...0 pressuposto fundamental do agenda-setting é que a compreensão que
as pessoas têm de grande parte da realidade social lhes é fornecida, por empréstimo, pelos mass media”.
(Shaw, 1979, 96,101). Apud Wolf, Mauro (1994: 130).
134

Os estudos sobre comunicação de massa indicam que a hegemonia


cultural não se realiza unidirecionalmente, de cima para baixo, entre
“dominadores” e “dominados”. Identifica-se a presença de outros
intervenientes, como amigos, o bairro, a família, a escola, o grupo de trabalho,
as igrejas, etc. Os relatos individuais, nesta dissertação, trouxeram à tona, por
exemplo, a criação de vínculos alternativos com a música. A mídia é somente
parte do processo que estabelece padrões culturais. Na experiência retratada
pelos participantes do Arco-Íris, no entanto, vale lembrar que, em sua
estratégia, o público alvo definido, prioritariamente, eram os gays. A forma
mais acessível e imediata de atingir esse público seria através das TVs, dos
jornais e do rádio. A tentativa era de oferecer referências alternativas a um
padrão hegemônico hostil.

O afluxo de novos participantes às reuniões, as manifestações de apoio


e a melhoria da auto-estima do público interno, relatados como reação a cada
ação de Visibilidade, apontam que esses atos surtiam efeito na direção
pretendida, embora fossem apenas parte de uma rede muito mais complexa de
padrões culturais.

A mídia teria um papel especial nesse processo? Por que focar a mídia
se as atitudes culturais relativas às variações sexuais são formadas por uma
grande variedade de influências?

Quando jovens gays e lésbicas começam a perceber que são de alguma


forma diferentes de seus colegas, a quem, ou a que, eles podem recorrer para
formar o seu senso de identidade sexual e auto-estima? Assim que verificam
que seus impulsos não se conformam ao padrão social prescrito, os jovens
gays e lésbicas se percebem sem uma referência para formar um senso de si.
Jovens de outros grupos também discriminados, negros, mulheres e judeus,
podem ao menos olhar para o lado e observar.

Como, em geral, no Brasil, não podem se valer da família, da escola,


religião ou de outra instituição social, o que foi indicado nos relatos dos
entrevistados, os meios de comunicação de massa passam a ser uma fonte
privilegiada de informação, porém, na maior parte das vezes, ainda nos
descrevem como vilões, vítimas, figuras cômicas, desprezíveis ou
simplesmente nos ignoram, excluindo-nos de tudo que é tido como
socialmente “normal”.
135

Todos sabemos que ninguém chama uma ambulância quando um


personagem na TV sofre um acidente, no entanto, há razões para
problematizarmos algumas questões relativas ao sedutor realismo do mundo
ficcional da mídia. Mesmo o mais sofisticado dentre nós encontra
componentes de seu “conhecimento” que deriva em parte, ou mesmo
totalmente de representações ficcionais. Poucos dentre nós já esteve num
presídio ou num tribunal, muito poucos vivenciaram um acidente de trem ou
estiveram num submarino, no entanto, todos nós possuímos imagens e
informações sobre esses lugares ou situações. Se examinarmos com cuidado,
perceberemos que são em parte ou totalmente advindas de representações
ficcionais da mídia, que influenciam em nossas decisões e opiniões.

Desse modo, no Brasil, muitos heterossexuais, se solicitados a descrever


um bar gay, provavelmente recorrerão a imagens originárias da televisão, de
personagens como “Vera Verão” e “Seu Piru”, ou a fitas de cinema, como “A
Gaiola das Loucas”.

Como tomar-se visível é muito doloroso e implica riscos, muitos gays e


lésbicas, no Brasil, vivem uma vida de dissimulação. A vivência cotidiana
desses indivíduos, no que tange à sexualidade, portanto, está distante da
experiência diária de grande parte do público ouvinte ou telespectador. Na
ausência de outras fontes de informação, é fácil para muitas pessoas aceitar
mesmo absurdas caricaturas sobre esse segmento social.

A invisibilidade sobre gays e lésbicas toma-nos especialmente


vulneráveis ao poder dos meios de comunicação de massa. Dessa forma, a
mídia pode ser vista como formadora de “verdades” e tendo um papel de
destaque nas estratégias de Visibilidade dos grupos organizados.

Baudrillard (1970: 150) afirma que “no caso da TV (...) ela não leva a
ver nem a compreender os acontecimentos na especificidade própria
(histórica, social e cultural), mas os expõe a todos indiferentemente segundo
idêntico código, que surge ao mesmo tempo como estrutura ideológica e como
estrutura técnica - isto é, no caso da TV, o código ideológico da cultura de
massas (...) e o modo de corte e de articulação do meio de comunicação
impõem determinado tipo de discursividade, que neutraliza o conteúdo
múltiplo e móvel das mensagens.”
136

Se Baudrillard está correto, seria então inútil todo o esforço de dar


Visibilidade aos grupos que não estão inscritos no padrão heteronormativo da
sociedade brasileira? Seria ineficaz a organização das marchas do orgulho
gay, como a de São Paulo/2000, que conseguiu juntar mais de cem mil
pessoas, com grande repercussão na mídia?

Os dados indicam outra direção. O projeto de “Parceria Civil Registrada


entre Pessoas do Mesmo Sexo” e, mais do que ele, a sua extraordinária
repercussão, trouxeram para a ordem do dia as discussões relacionadas às
relações homossexuais. A discussão foi posta nacionalmente. O efeito
mobilizador do tema com sua repercussão é um fato político utilizado,
inclusive por alguns políticos no Brasil, como fato eleitoral. Da mesma forma,
a repercussão da AIDS e as decorrentes discussões sobre os vários aspectos da
epidemia retiraram, no Brasil, a discussão da homossexualidade de debaixo do
tapete. Acredito sim que a história tem seu real afetado pelo simbólico, do
qual os meios de comunicação são parte.

Um outro olhar sobre a relevância da estratégia da Visibilidade vai na


direção das idéias de Canclini (1999:45) quando destaca que a cidadania já
não se constitui apenas em relação a movimentos sociais locais, mas também
em processos de comunicação de massa. A aproximação da cidadania, da
comunicação de massa e do consumo tem, entre outros fins, de reconhecer
novos cenários de constituição do público. A diversificação dos gostos seria
uma das bases estéticas que justificam a concepção democrática de cidadania.
As políticas culturais mais democráticas seriam as que levam em consideração
toda a variedade de demandas da população e não aquelas que chegam a um
maior número de pessoas.

Em sua trajetória, o Arco-Íris sempre respondeu à dinâmica social, ao


momento presente. Priorizava, conscientemente, o hoje, como elemento
mobilizador daquele segmento social, inclusive porque para muitos, talvez,
não houvesse amanhã. Internamente, fomentava a reflexão sobre a exclusão e
forçava sua inclusão nos mais variados espaços até então inóspitos. A imagem
era a de abrir clareiras, esclarecer.
137

Outros grupos 74, anteriormente, haviam dado sua contribuição nessa


trajetória de ampliação das possibilidades de representação dos homossexuais
na sociedade brasileira. No GAI, porém, a mobilização conseguida junto à
própria comunidade com a tática de promoção da auto-estima, permitiu que
sua contribuição fosse peculiar.

O que havia de sui generis na atuação desse grupo carioca?

A percepção de que era impossível, na questão gay, trabalhar a esfera


pública sem trabalhar a esfera privada suscitava práticas diferenciadas de
mobilização, de abordagens e de condução de trabalhos nesse segmento social.
Por outro lado, esse grupo inscreveu-se numa fase mais profissional do
movimento organizado brasileiro de gays, em que se identifica a utilização de
técnicas de administração e marketing transpostas, na minha avaliação, da
experiência em projetos de prevenção à AIDS e das facilidades originadas em
termos de recursos materiais e humanos que os financiamentos desses projetos
permitiam. Nessa fase, outros grupos podem ser incluídos, como o Dignidade
de Curitiba PR, por exemplo.

O GAI procurou outras formas de atuação, baseadas na promoção da


auto-estima de gays e lésbicas, diferentemente de outros grupos que atuavam
unicamente para o público externo e organizavam suas ações através de
discussões puramente racionais, em que não havia espaço para os sentimentos,
as emoções e o “politicamente incorreto”. A experiência prévia como um
grupo de dança, no qual a expressão era um exercício que não se dava pela
razão também transpassou a identidade do Arco-Íris.

O bom humor era um traço predominante. Até mesmo as atividades que


poderiam ser mais insípidas, como a confecção do estatuto, que só se deu após
um ano e meio de existência do grupo, deu-se em volta de uma piscina, em
meio a muitas brincadeiras.

74 Ver Câmara, Cristina: Triângulo Rosa: A Busca pela Cidadania dos Homossexuais. (1993).
138

Quando Pedro, em seu depoimento, diz que tinha vergonha de depositar


um cheque na conta do Grupo porque na guia de depósito constava o nome
“Grupo Arco-íris de Conscientização HomossexuaV\ isso revela a dimensão
das dificuldades desse grupo, eu arriscaria, desse segmento, em trabalhar pelos
seus direitos, direitos de pessoas que sofriam discriminações comuns em
decorrência de suas formas de amar identificadas com tudo que era negado e
silenciado na sociedade brasileira.

Nas reuniões das sextas-feiras, mesmo naquele espaço onde era possível
falar à vontade sobre os desejos de cada um, as dificuldades dos participantes
em falar de si, quando o assunto era afeto ou sexualidade, eram imensas. No
máximo, eles conseguiam referir-se a situações na terceira pessoa. O trabalho
interno dirigia-se para que os freqüentadores exercitassem a expressão de seus
desejos. “Eu gosto do fulano”, “Eu sinto atração por mulheres” etc. A
opressão, o não-exercício do desejos, nem mesmo da expressão oral dos
desejos, embotavam os indivíduos na formação da sua identidade do eu,
gerando situações esquizofrênicas. Essa preocupação era anterior à
preocupação de formação de uma identidade de grupo. Considere-se ainda o
fato de que um indivíduo que não sente como válida sua forma de amar jamais
lutaria por se fazer respeitar num plano individual ou lutaria por seus direitos
numa esfera pública.

A função principal do GAI era ser um canal de expressão para


indivíduos visando possibilitar que cada um convivesse mais
confortavelmente com seus desejos. O resto era decorrência. O que era
peculiar em sua atuação é que, apesar desse direcionamento para as questões
da esfera privada, e principalmente em função dele, o grupo conseguia uma
intensa mobilização para suas ações públicas. A preocupação com o indivíduo
tinha um grande efeito motivador.

Inquietante é que, ainda hoje (2002), no Brasil, a maior parte das


pessoas que se interessam afetiva e sexualmente por pessoas do mesmo sexo,
mesmo que eventualmente, não importando em que categoria são classificadas
ou se auto-classifiquem, ainda vive, no seu cotidiano, situações de
ocultamento, reproduzindo o código da dissimulação.
139

Concomitantemente ao trabalho de promoção da auto-estima e de


exercício de expressão do afeto, os participantes começavam a perceber que a
única coisa que havia em comum a todos era um tipo de discriminação com
contornos específicos, a homofobia. O “nós” e “os termos designativos”
entravam em cena, ou melhor, surgiam como “insights” a partir da percepção
de que a ampliação de espaços, simbólicos ou não, não se restringia a uma
mudança interior, embora ela fosse o primeiro passo. Embora não de maneira
tão clara e racional, a preocupação com o respeito às várias “identidades”
sempre se fazia presente nas vivências e dinâmicas internas.

O sentimento que pairava no relacionamento com o público externo


tinha dois momentos: nas relações interpessoais, o de que a mudança nas
atitudes individuais era um início de transformação, e como grupo, que para
agir na esfera pública era necessário trabalhar em conjunto. Discussões
acadêmicas sobre “Identidades” ou sobre “Política de Identidades” nunca
existiram no Arco-Íris no período de tempo referido.

De todo modo, como já dito, a estratégia da “Visibilidade Gay” por


meio da afirmação pública de uma “Identidade Coletiva Gay Ativista” é
claramente a utilização do que se convencionou chamar “Política de
Identidades”.

Sedgwick (1998:109) chama a atenção para as limitações dos conceitos


gay/lésbica, que clamariam pela exclusividade dessas identidades, excluindo
outras, e que ao mesmo tempo negariam a complexidade da sexualidade. Ela
propõe uma matriz aberta de possibilidades, um movimento “Queer”. Outro
autor, Halperin (1998:119) entende que, para Foucault, o objetivo de uma
crítica da identidade gay não seria desqualificá-la, nem se desfazer de todo
rótulo sexual, ou de propor uma espécie de suspensão vanguardista de toda
significação sexual e de toda categoria sexual. O objetivo dessa crítica seria
antes abrir o caminho à formação de novas multiplicidades de identidades
gays, multiplicidades que a insistência em uma identidade gay única, unívoca,
já estabelecida e definida impede.
140

Cláudio, em seu depoimento, posiciona o grupo e a mim nessa


discussão: “...era necessário construir um referencial. Logicamente, esse
referencial, em dado momento, poderia ser excludente mas enquanto
estratégia era necessário... A questão era responder a dinâmica social, a
questões objetivas” [e subjetivas, eu incluiria].

Trabalhava-se no GAI para romper o círculo perverso: eu finjo que não


sou75, com suas conseqüências castradoras, e você finge que não sabe que eu
sou, com a manutenção de todas as opressões simbólicas. Naquele momento, a
adoção tanto na esfera privada, quanto na esfera pública de outra estratégia
que não rompesse os silenciamentos era entendida pelos participantes como
reforçando e sendo inviabilizada pela força do código da dissimulação.

Eu acrescentaria um outro viés a esses comentários sobre “identidades”.


Em vários momentos, a idéia de se oferecer um referencial alternativo era
tratado como a mudança da imagem de um produto. Esse produto era o “gay”.
Quais os seus gostos? Qual o seu emprego? Ele é um vencedor em seus
projetos individuais? E como casal? Os conceitos que estavam por detrás
dessa imagem que se tentava montar seriam vida, empreendimento,
organização e poder. Cumpriam uma função específica: elevar a auto-estima.

Nas imagens públicas tentava-se aparecer sempre sorrindo, com os


corpos descontraídos e com roupas esportivas. Procurava-se afastar a imagem
de vítima e agregar os elementos alegria de viver e bom humor.

Aqui, quero resgatar duas interessantes observações que constam dos


depoimentos. Em determinado instante, Márcio diz: “Também tinha o lado de
mostrar para os próprios homossexuais que não eram do Arco-íris o que eram
os homossexuais. E como se eu imaginasse que a grande transformação era
dos homossexuais e não do mundo heterossexual.” Para mim, essa era a tática,
mudar a imagem do “produto gay” para o público gay. A transformação
requerida, naquele período, era a elevação da auto-estima desse segmento
social. A grande transformação era dos homossexuais, de suas atitudes diante
da vida.

75 Um homem que ama outros homens.


141

Marcelo, em meio à sua narrativa, se questiona: “Será que a sociedade


abrangente ao ver esses personagens na televisão conseguia identificar um
segmento social por trás deles?” Acredito que alguns sim, outros não, mas as
pessoas para as quais as ações de Visibilidade eram dirigidas, os gays, não
ficavam insensíveis aos apelos de serem vistas como “vencedores”.

Por outro lado, a utilização de uma foto como ponto de partida, ou como
delineamento do objeto a ser estudado, traz outros elementos à discussão das
identidades. Ela alerta para uma exigência cada vez maior da identidade
aproximar-se de uma aparência produzida por um olhar exterior, ou seja, uma
chamada a uma padronização, às referências externas. As máquinas
fotográficas e as câmeras não transcrevem simplesmente o vivido. Segundo
Featherstone76, elas mudam sua qualidade, transformam uma parte da vida
moderna numa enorme sala de espelhos. A vida se apresenta como uma
sucessão de imagens, de sinais eletrônicos de impressões registradas e
reproduzidas por meio da fotografia, dos filmes e da televisão.

Poderia então perguntar: e quando nesse processo um segmento social


não participa, ou participa muito pouco da produção social de suas próprias
imagens? Ao que esse segmento vai se adequar? Surgem então situações
esquizofrênicas: o gay que divide sua vida ao meio, socialmente
correspondendo à imagem solicitada e clandestinamente tentando entender e
viver seus próprios anseios. A posição adotada pelos integrantes do grupo
Arco-Íris nesse embate foi, na medida de suas forças, tentar começar a
“fotografar” e trabalhar na divulgação dessas imagens. Cada vez mais, no
decorrer desse processo, percebendo que cada foto só dava conta de um flash,
de um recorte parcial de um todo inapreensível.

76 Le Corps dans la Culture de Consomation Featherstone, Mike mimeo s/data.


142

Uma tensão que se manifestava no cotidiano do grupo, embora


praticamente não tenha surgido nos depoimentos, era a discussão sobre os
estereótipos. A tendência dos freqüentadores dos encontros era a de julgar a
imagem estereotipada a partir de uma normatividade prévia, dentro de uma
visão dicotômica. Era muito difícil pensarem no estereótipo como uma
simplificação por ser uma forma fixa de representação e não por ser uma falsa
representação de uma realidade padrão77. Isso se evidenciava, por exemplo, na
dificuldade de aceitação das “bichas pintosas”, ou dos “travestis”, por alguns
participantes. Devo assinalar que essa tendência é característica de toda a
sociedade, transcende o grupo, assim como a tendência de se pensar que um
segmento discriminado teria mais facilidade em lidar com a diversidade é
falsa.

Essa tensão suscitava da parte de outros participantes, um


contradiscurso. Eles afirmavam que nós deveríamos reescrever nossa história
a partir de nós mesmos, de nossas próprias emoções. O que nós deveríamos
estar atacando nos estereótipos seria a tentativa dos heterossexuais de nos
definir para nós próprios, indo contra o ideal da heterossexualidade, que é tida
como a norma do ser humano, e mais, ultrapassarmos, deixarmos de lado esse
padrão como necessário e natural.

A despeito dos fortes elementos motivadores que o grupo despertava, é


relevante ratificar que as mulheres nunca demonstraram aderência ao projeto
do grupo, não compartilhavam da mesma motivação com que os homens se
envolviam. Minhas reflexões, que não pretendem ser definitivas, assinalam
alguns indícios dessa não-adesão: em primeiro lugar, o momento sócio-
cultural de embate aos discursos conservadores relacionados à AIDS que era
uma questão mais masculina. Em segundo, o fato de a identidade lésbica ser
ainda embrionária, o que não propiciava priorizar questões próprias de
sexualidade lésbica no grupo, algumas mulheres identificavam-se como gays e
não como lésbicas e por fim, a situação da mulher em nossa sociedade que
demanda para elas um esforço redobrado para efetivação de qualquer ação.

77 Sobre a discussão ver Bhabha (1998: 106)


143

Nos depoimentos de Cláudio e de Rosângela emergem outras


dissonâncias. O método utilizado no grupo de provocar emoções para que os
participantes se expusessem, deixando transparecer seus preconceitos, gerava
alguns problemas. Como a prioridade era problematizar os elementos
referentes às relações por orientação sexual e a homofobia que surgissem, os
outros preconceitos que se manifestavam e se entrecruzavam (questões
étnicas, misoginia, discriminação aos pobres, discriminação estética etc) não
eram priorizados, nem suficientemente trabalhados, provocando sentimentos
de isolamento nos participantes que se identificassem com essas
discriminações.

Na construção desta dissertação, também chama a atenção uma


homogeneidade nos relatos, nas idéias e sentimentos, quando dirigidos ao
Grupo Arco-Íris. Fiquei, mais uma vez, preocupado com a possibilidade desta
evidência simplesmente significar minha dificuldade em enxergar
dissonâncias, dada a minha ligação afetiva com o objeto de estudo, o que não
descarto.

No entanto, ao discutir esse fato com alguns entrevistados, recebi a


contribuição inesperada de uma outra visão. Alexandre, membro do grupo
desde 1995, que já foi secretário e é o atual (2002) responsável técnico pelos
projetos, interveio no assunto. Para ele, esse dado era e é observável. No seu
início, o grupo refletia a homogeneidade de seus participantes, principalmente
os da direção, talvez, pelo GAI ter se originado de um grupo de amigos, que
vinha de uma experiência anterior como grupo, um grupo de dança. A
principal vantagem que ele percebia nessa homogeneidade era que o processo
de discussão e de decisão era mais rápido e tranqüilo.

Ele conclui que, hoje (2002), há um movimento de maior diversificação


tanto nos participantes, quanto nos dirigentes, o que seria reflexo da maior
projeção do grupo num contexto sócio-cultural diferente dos primeiros
momentos. Atualmente, o discurso contrário à discriminação é muito mais
disseminado, atingindo um público gay mais heterogêneo, que é atraído para o
GAI. Essa diversidade, apesar de produzir mais conflitos e lentidão nas
decisões, possibilita enxergar outras demandas, que possivelmente não seriam
contempladas num grupo mais homogêneo.
144

Trabalho Apaixonado

Um amigo, que teve a oportunidade de ler os rascunhos deste trabalho,


fez uma observação que me instigou a tecer alguns comentários.

“Seu trabalho está muito apaixonado!” Na hora, fiquei sem saber o que
falar e comecei a considerar por que meu trabalho seria apaixonado e a refletir
sobre importância de um trabalho apaixonado. Decidi, então, incluir os
comentários que se seguem.

Gays, lésbicas e todos os discriminados por sua orientação sexual no


Brasil não estão excluídos e marginalizados somente dos centros de decisão
política mas, até mesmo, das definições do que é ser “normal”, “saudável”,
“cidadão”, ou seja, as narrativas hegemônicas em geral nos colocam como
excluídos do direito a ter direitos. Todos aqueles que ameaçam a
exclusividade da norma heterossexual ainda são objeto de intolerância e
discriminação. No Brasil, homens e mulheres ainda são mortos, ou vivem pela
metade, por amarem pessoas do mesmo sexo.

A “Identidade Homossexual” assim como a “Identidade Gay” são


construções históricas que existem e nos subjetivam. Mais do que isso, temos
de conviver com as conseqüências de sermos atribuídos a essas categorias nas
práticas sociais concretas.

As questões que foram postas no presente trabalho não são


considerações abstratas de justiça social mas pertinentes à minha existência
diária e à habilidade que desenvolvo de construir minha própria identidade,
intimamente ligada à posição de poder dessa mesma identidade em um
momento histórico e um espaço social particular. Minha voz, claramente posta
como um “insider”, assume uma dimensão política mais explícita e evoca
mais diretamente minha emoção.

Apesar disso, desenvolvi esta dissertação, no Brasil dos anos


2000/2002, onde a discussão gay/lésbica foi “necessariamente” posta de
pontos de vista múltiplos/identidades múltiplas, considerando que os poucos
trabalhos existentes vêm sendo desenvolvidos em grande parte por autores,
que, se num primeiro momento poderiam ser chamados de “insiders”, têm de
negociar com os pontos de vista hegemônicos postos como “objetivos”,
“científicos” e “neutros”.
145

Eu, o pesquisador, inseri minha própria história, com seus fatos,


emoções e paixões na história do contexto social onde ela ocorre. Minha voz
de pesquisador foi importante para expor minha posicionalidade e os
contornos aos quais o presente trabalho esteve condicionado. A paixão foi
fundamental para eu conseguir delinear e compartilhar com um ^público maior
os primeiros momentos da constituição social do Grupo Arco-íris. Eu queria
aqueles seres humanos propositadamente perceptíveis em suas cores diversas,
já que, para eles, as esferas privada e pública tinham a mesma força,
confundiam-se. Nossas emoções, nossos amores eram e são fatos políticos.

Visibilidade

O principal registro que a AIDS e sua conseqüente epidemia discursiva


deixaram no grupo foi a consciência e a valorização do momento presente. A
presença concreta da finitude jogou aquelas pessoas para dentro da vida
presente, do hoje. As respostas tinham de ser imediatas. As reuniões de sextas-
feiras simbolizaram esse movimento. Elas tinham de valer por si, serem um
fim agradável em si mesmas naquele exato momento. Parafraseando
Ronsard78 , clamava-se a todos que “não esperassem o amanhã e colhessem
desde hoje as rosas da vida”. À passividade com que nos estigmatizavam,
contrapôs-se o ativismo. Descobriu-se que o "tesão" residia em construir a
própria história hoje, a cada instante. Isso era vida.

Nesse sentido, vivia-se um “renascimento” no GAI. Talvez, o começo


dos anos 90 no Brasil tenha significado o reinicio simbólico de um movimento
de expansão de espaços de sentido e subjetivação gay, bruscamente
interrompido pela AIDS, quando muitos ativistas gays de outros grupos
mudaram seu campo de batalha, priorizando a luta contra a epidemia e tantos
outros ativistas simplesmente morreram.

78 Pierre de Ronsard poeta francês nascido em 1524 “Vivez, si rnen croyez, n 'attendez à demain: Cueillez dès
aujourd'hui les roses de la v/e.” Quand Vous Serez Bien Vieille Sonnets pour Hèlène, II, XLUI Apud
Lagarde &Michard (1967: 145).
146

A Visibilidade no GAI foi antes uma extensão espontânea do


transbordamento da expansão interior de busca por espaços de vida
experimentados por esses indivíduos e depois uma estratégia racionalizada.

Essa estratégia, todavia, não era uma trajetória fácil para todos. Era e
ainda é comum no Brasil que pais expulsem de casa seus filhos ao descobrir
sua homossexualidade, jogando-os, da noite para o dia, da vida de casa para a
rua. Essa passagem abrupta da vida privada para a vida pública, que é
freqüentemente retratada como uma experiência negativa, a estratégia da
Visibilidade Gay pede que o homossexual reviva , só que agora como escolha
consciente.

Por fim, tomo emprestadas as palavras de Luiz Carlos: “O Arco-Íris


começou como todos os grandes processos que fazem a história, ou seja,
acontece na hora certa, no lugar certo. Estava acontecendo naquela época uma
mudança das pessoas com relação a gays e lésbicas.” e eu complementaria: o
Arco-Íris começou quando um grupo de pessoas, sensíveis aos
acontecimentos, ousou levar adiante seus desejos.
147

8.1. Bibliografia

1 - ADAM, Barry D, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André: The Global Emergence o f Gay
and Lesbian Politics, National Iomprints of a Worldwide Movement Philadelphia USA: Temple
University Press (1999)

2 - ALMEIDA, Luiz. Família no Brasil dos Anos 90: Um Estudo sobre a Construção Social da
Conjugalidade Homossexual. Tese de Doutorado do Departamento de Sociologia da Universidade de
Brasília (1999)

3 - ANDRADE, Augusto. Grupo Gay. Rio de Janeiro: Planeta Gay Books (1998)

4 - ARAÚJO, Inês Lacerda: Introdução à Filosofia da Ciência Curitiba: UFPR (1998)

5 - ARIES, Philippe. e BÉJIN, André. (ORGS). Sexualidades Ocidentais: Contribuições para a história
e para a sociologia da sexualidade. São Paulo: Brasiliense (1985)

6 - BARTHES, Roland. A Morte do Autor in o Rumor da Língua. Lisboa: Edições 70 (1987)

7 - BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70 (1970)

8 - BHABHA, Homi K.. O Local da Cultura.. Belo Horizonte: Editora UFMG (1998)

9 - BERUTTI, Eliane Borges. Queer Studies: Some Ideas And An Analysis. Rio de Janeiro: UERJ (1999)

10 - BOURDIEU, Fiene..Quelques questions sur la question gay e lesbienne in Eribon, Didier Les Études
Gay et Lesbiennes Paris Éditions du Centre Pompidou (1998)

11 - ................................... Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar (1997)

12 - .................................. Remarques Provisoires sur la Perception du Corps Actes de La Recherche em


Sciences Socialies n 14 avril 1977 ISSN0335-5322 diffusé par les Editions de Minuit

13 - .................................. A Ilusão Biográfica. In Usos e Abusos da História Oral Organizado por Marieta de
Moraes Ferreira e Janaína Amado. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora (1996)

14 - BURKE, Peter - Org. A Escrita da História Novas Perspectivas. São Paulo: Unesp (1992)

15 - CÂMARA, Cristina. Orientação Sexual. Rio de Janeiro: Planeta Gay Books, (1998)

1 6 -...................... Triângulo Rosa: A Busca pela Cidadania dos Homossexuais. Dissertação de


Mestrado do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, (1993)

17 - CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e Cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ (1996)

18- CARDOSO, Fernando Luiz Cardoso. O Que É Orientação Sexual: São Paulo: Coleção Primeiros Passos
Brasiliense, (1996)

19 - CARDOSO, Ciro Flamarion e MALERBA. Jurandir Orgs. Representações Contribuição a Um Debate


Transdisciplinar: Campinas: Editora Papirus (2000)

20 - CHARTIER, Roger. A História Cultural Entre Práticas e Representações: Rio de Janeiro: Editora
Bertrand Brasil, (1990)
148

21 - COSTA, Jurandir Freire. A Inocência e o Vicio: Estudos sobre o Homoerotismo. Rio de Janeiro
Relume Dumará, (1992)

22 - — ------------------------------A Face e o Verso: Estudos sobre o Homoerotismo II. São Paulo: Escuta,
(1995)

23 - DAMATTA, Roberto. A Casa & A Rua: Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil.:Rio de Janeiro:
Rocco (1997)

24 - D'EMILIO, John: Sexual Politcs, Sexual Communities, The Making o fa Homossexual Minority in the
United States, 1940-1970: Chicago and London: The University of Chicago Press (1983)

25 - DYER, Richard: Stereotyping in The Columbia Reader On Lesbians & Gay Men In Media Society, &
Politics. New York: Columbia University Press (1999)

26 - DUBY, Georges. A História Continua: Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor/Editora UFRJ (1993)

27 - ................ e LARDREAU, Guy. Diálogos Sobre a Nova História. Lisboa: D. Quixote (1989)

28 - ESCOSTEGUY, Ana Carolina: Estudos Culturais: uma introdução in Silva, Tomaz Tadeu (Org) O que
é , afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, (1999)

29 - FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modemismo. São Paulo: Studio Nobel (1995)

30 - FOUCAULT, Michel História da Sexualidade 1 - a vontade de saber. Rio de Janeiro:


Graal (1988)

31 - ....................................... Microfísica do Poder. Rio de Janeiro Graal (1979)

32 - ....................................... Qu'est-ce qu'un auteur? ( 1969) Dits et écrits 1954-1988 Bibliothèque des
Sciences Humaines: Paris Édition Gallimard (1988)

33 - FRASER, Nancy. “Rephinking The Public Sphere”. New York: Social Text, Vol.8/9 (1990)

34 - FRY, Peter e MACRAE, Edward. O que é Homossexualidade?. São Paulo: Coleção Primeiros Passos
Abril Cultural Brasiliense, (1985)

35 - GIL, Antonio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, (1998)

36 - GODOI, Arilda. Pesquisa Qualitativa: Tipos Fundamentais, Revista de Administração de Empresas.


v.35, n.3, p.20-29, Mai./Jun. (1995)

37 - GOFFMAN, Erving. Estigma - Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro:
Zahar, (1982) J

38 - .................................. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petropólis Vozes (1999)

39 - GONÇALVES, Luiz Cláudio Sisino de Aragão: Matou a Bicha e foi ao Cinema Rio de Janeiro:
Dissertação de Mestrado em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ (2000)

40 - GREEN, James N: Além do C arnaval-A Homossexualidade Masculina No Brasil do Século XX.


São Paulo: Ed. UNESP (2000)

4 1 - GROSS, Larry, WOODS, James: The Columbia Reader On Lesbians & Gay Men in Media,
Society, &Politcs New York: Columbia University Press (1999)
149

42 - HAROCHE, Claudine, COURTINE, Jean Jacques: O homem desfigurado - Semiologia e


Antropologia política de expressão e da fisionomia do século XVII ao século XIX. São Paulo: ANPUH
Editora Marco Zero Revista Brasileira de História - vol.7, n° 13 - setembro de 1986/fevereiro de 1987.

43 - HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modemidade. Rio de Janeiro: Zahar, (1998)

44—HALPERIN, David M. L ’Identité Gay aprés Foucault in Eribon Didier, Paris: Editions du Centre
Pompidou (1998)

45 - QEGER, Heinz. The Men with The Pink Triangle: The True Life and Death o f Homosexuais in The Nazi
Death Camps. Boston USA: Alysson Publications, Inc - translated by David Fembach, (1994)

46 - HEILBORN, Maria Luíza. A Costela de Adão Revisitada. In Estudos Feministas v l, nl, (1993)

47 - HOLLANDA, Heloísa Buarque. (ORG.) Pós-Modemismo e Política. Rio de Janeiro: Rocco, (1991)

4 g ------------------------------------------- (ORG.) Tendências e Impasses: O Feminismo como Crítica da


Cultura. Rio de Janeiro: Rocco, (1994)

49 - KATZ, Jonathan Ned. A Invenção da Heterossexualidade. Rio de Janeiro: Ediouro, (1996)

5 0 Gay American History: Lesbians and Gay Men in the USA. Ney York USA:
Avon Books. (1978)

51 - LAGARDE, André & MICHARD, Laurent; Collection Litteraire: XVI Siècle. Paris: Éditions Bordas
(1967)

52 - LIMA, Marcus Antônio Assis: O Estilo Sui Generis de Vida Gay: Identidade e Esfera Pública.
Belo Horizonte: Dissertação de Mestrado em Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (2000)

53 - LINS, Regina Navarro: A Cama na Varanda - Arejando Nossas Idéias a Respeito de Amor e Sexo Rio
de Janeiro:Rocco (2000)

54 - LE GOFF, Jacques. Historia e Memória. Campinas: Ed. Unicamp (1990)

55 - MACRAE, Edward: A Construção da Iguadade - Identidade Sexual e Política no Brasil da Abertura..


Campinas: Editora da Unicamp (1990)

56 - MATTELART, Armand e Michèle. História das Teorias da Comunicação. São Paulo: Edições Lovola
(1999)

57 - MEDRADO, Benedito: Discursos sobre o masculino: um panorama da masculinidade nos comerciais


de Tv in Lugar Comum: estudos de mídia, cultura e democracia. Rio de Janeiro: NEPCOM - Núcleo de
Estudos e Projetos em Comunicação / Pós - Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ. (Julho-
Novembro 1997).

58 - MILLER, Nancy. Getting Personal: Autobiography as Cultural Criticism in Getting Personal. New
York/London, Routledge (1991)

59 - MEIHY, José Carlos Sebe Bom: Manual de História Oral São Paulo: Edições Loyola (1996)

60 - MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Org.) Pesquisa Social - Teoria, método e criatividade. Petrópolis
RJ: Coleção Temas Sociais, Vozes, (1996)
150

61 - MOTT, Luiz. Escravidão, Homossexualidade e Demonologia. São Paulo: ícone, (1998)

62 -...................... Jiom ofobia. San Francisco: The International Gay And Lesbian Human Rights
Commission IGLHRC / Grupo Gay da Bahia (1997)

6 3 Lesbianismo no Brasil. Porto Alegre RS: Mercado Aberto. (1989)

6 4 O Sexo Proibido - Virgens, Gays e Escravos nas Garras da Inquisição. Campinas SP:
Papirus, (1998)

65 - MOTZAFI-HALLER, Pnina, Writing Birthright: On Native Anthropologists and the Politics of


Representation in Auto ÍEthnography: Rewriting the Selfand the Social Edited by Deborah E. Reed-
Danahay. Oxford/New York: BERG (1997)

66 - ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação: Autoria, Leitura e Efeitos do Trabalho Simbólico Petrópolis
RJ: Vozes, (1996)

67 - ............................................... Os Silêncios da Memória in Papel da Memória . Campinas: Ed. Pontes


(1999)

68 - ............................................... Análise do Discurso: Campinas: Ed. Pontes (1999)

69 - ............................................... A S Formas do Silência, No Movimento dos Sentidos: Campinas Editora da


Unicamp (1997)

70 - PARKER, Richard. Homossexualidade Masculina in Ribeiro, Marcos (Org) O Prazer e o Pensar. São
Paulo: Ed. Gente (1999)

7 1 - .............................. : Beneath the Equator - Cultures ofDesire, Male Homosexuality, and Emerging Gay
Communities in Brazil New York & London: Routledge (1999)

72 - PARKER, Richard MOTA, Murilo ALMEIDA, Vagner TERTO, Veriano RAXACH, Juan Carlos:
Práticas Sexuais e Mudança de Comportamento entre Homens que Fazem Sexo com Homens no Rio de
Janeiro 1990-1995 in Parker, Richard e Terto, Veriano Entre Homens Homossexualidade e AIDS no
Brasil Rio de Janeiro: ABIA (1998)

73 - PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O Direito de Curar: Homossexualidade e Medicina Legal no


Brasil dos Anos 30. In Pereira, Carlos Alberto Messeder, Herschmann, Micael M. (Org.) (1994) A
Invenção do Brasil Moderno. Rio de Janeiro: Rocco, (1994)

74 ------------------------------------------------ Em Busca do Brasil Contemporâneo: Homossexualidade e


Cidadania. Rio de janeiro: Notrya, (1993)

75 - PERLONGHER, Nestor. O Negócio do Michet. São Paulo: Brasiliense, (1987)

76 - ............................................ Territórios Marginais Papéis Avulsos 6 Rio de Janeiro Centro Interdisciplinar


de Estudos Contemporâneos - CIEC UFRJ (1989)

77 - PESA VENTO, Sandra Jatahy. Em Busca de Uma Outra História: Imaginando o Imaginário.
Representações São Paulo:Anpuh, Contexto, Revista Brasileira de História vol.15 n° 29, (1995)

78 - ....................................................Fronteiras da ficção com a Literatura in: História: Fronteiras . XX


Simpósio Nacional da ANPUH. São Paulo: Humanistas. FFLCH SP ANPUH, vol.02 (1999)

79 - POLLAK, Michael. A Homossexualidade Masculina ou: a felicidade do gueto? In Ariès, P Béji A


(orgs). Sexualidades Ocidentais São Paulo: Brasiliense (1985)
151

80 - REED-DANAHAY, Deborahh E., Auto/Ethnography: Rewriting the Selfand the Social Oxford/New
York: BERG (1997)

81 - SANTOS, Jair Ferreira. O Que é Pós-Modemo. São Paulo: Coleção Primeiros Passos Brasiliense,
(1980)

82 - SCOTT, Joan W. “Experiência” Tomando-se Visível in Falas de Gênero Teorias Análises Leituras
Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres (1999)

83 - SILVA, Hélio. Travesti: A Invenção do Feminino. Rio de Janeiro: Relume Dumará / Iser, (1993)

84 - SEDGWICK, Eve Kosofsky. Epistemology ofThe Closet: Berkeley: UCLA Press (1990)

85 - ....... .............................................Construire des Significations Queer in Eribon Didier Les Études Gay et
Lesbiennes Paris Éditions du Centre Pompidou (1998)

86 - SPENCER, Colin. Homossexualidade, Uma História. Rio de Janeiro: Record, (1996)

87 - TERTO, Veriano de Souza: Reinventando a Vida: Histórias sobre Homossexualidade e AIDS no Brasil
Rio de Janeiro: Tese de doutorado em Saúde Coletiva Instituto de Medicina Social da UERJ (1997)

88 - THOMPSON. E. P. A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros. Rio de Janeiro: Zahar (1981)

89 - TREVISAN, João Silvério. O Espetáculo do Desejo: Homossexualidade e Crise do Masculino


in Caldas, Dario (Org.) Homens. Rio de Janeiro: Senac, (1997)

9 0 Devassos no Paraíso. São Paulo: Max Limonad, (1986)

91 - TRTVINOS, Augusto N.S. Introdução à Pesquisa Qualitativa - A Pesquisa Qualitativa em Educação.


São Paulo: Atlas, (1995)

92 - WAYNE R. Dynes Edited by Encyclopedia of Homosexuality. New York and London: Garland
Publishing Incorporated Inc, (1990)

93 - WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso. Ensaios Sobre a Crítica da Cultura. São Paulo : Edunb (1994)

94 - WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa Portugal: Coleção Textos de Apoio, Editorial
Presença, (1994)

95 - WOODWARD, Kathryn: Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceituai in SELVA,


Tomaz Tadeu: Identidade e Diferença. Petropólis RJ: Editora Vozes (2000)

96 - VEYNE, Paul. Como se Escreve a História Lisboa: Edições 70 (1983)

97 - COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA DE DEPUTADOS. Direitos Humanos e


Cidadania Homossexual Brasília Centro de Documentação e Informação - Coordenação de Publicações
( 2000) ' ’
152

ANEXOS
ANEXO -
Anexo 01
Dados Sociográfícos dos Entrevistados
Nome Idade Onde Onde Sexo Gênero Raça Nível Educacional Emprego Estado Relação Filho Religião
Real Nasceu Morava Civil
Amy Não 38 RJ Copa RJ F F B Superior Ser. Ass. Social S N N N
Social
Augusto Sim 37 RJ Tijuca RJ M M B Superior História B. Brasil S s s N

Caê Sim 38 MA Vidigai M M N Superior Belas Ag. Design s s N Espírita


RJ Artes
Cláudio Sim 22 BA Copa RJ M M N 2o grau Sindicato s s N N

John Sim 42 CAUSA Vidigai M M B Superior Brasas s s N N


Est.Lat.Amer
Zé Carlos Sim 40 RJ B. Fát. M M B Superior História Cedae s s N N
RJ
Lúcio Sim ü P R í MG Glória RJ M í:; B Superior Comunic. B. Brasil s s N N

Luiz Sim 35 RJ Tijuca RJ M M M Superior História Light s s S N


Carlos
Marcelo Tijuca RJ M Superior Prof. s N N N
Port/Italiano
Márcio Não 39 RJ Gávea RJ M M B Superior Informática s s N N
Engenharia
Pedro RJ Vidigai M iy w M v.vB...- ■ Superior Belas N t f l i l l Umbanda
RJ ■ Artes
Rosângela Sim 36 RJ Sta Ter F F N Superior Biologia Pesq. s N N Candomblé
RJ Campo
Sílvio Sim S É lli BanguRJ M 1 &MM- m $ : Pós Lingüística Prof. s s N i i i i i i i

Téo Sim 30 MA Glória RJ M M M 2o grau Massote- s s N N


rapeuta
Toni Sim 33 RJ Lapa RJ M M M Superior Psicologia Orient. s N N N
Educa.
ANEXO - 02
Anexo 02
Dados Sociográficos dos Entrevistados
Mapeamento

Data e local da entrevista?

Nome?

Seu nome real pode aparecer na dissertação? Invente um se quiser.

Onde morava na época?

Idade na época (1993)?

Onde nasceu?

Onde foi educado/criado?

Sexo?

Gênero?

Raça? Ou como você se define desse ponto de vista?

Nível educacional na época (1993)?

Dominava algum idioma na ocasião? Quais? E hoje?


Anexo 02
Dados Sociográfícos dos Entrevistados
Mapeamento

Emprego na época?

Quanto ganhava na época?

Estado civil em 1993?

Mantinha alguma relação na época? (estável ou não) E como ele/a se identificava ( Gay
/Lésbica /Travesti/ Hetero/Transexual etc ou nada)________________________________

Tinha filhos naquele momento? Quantos? Naturais ou adotados? E hoje?

Eles sabiam da sua orientação sexual?

Religião á época? Praticante? E hoje?

Era filiado a algum partido político? E hoje?

Seguia algum tipo de filosofia, doutrina, crença ou similar em 1993? E hoje?


155

ANEXO - 03
Anexo 03

Perguntas / Guia / Roteiro

0 - Como você vê/sente/percebe o fato de nós estarmos aqui hoje fazendo esta entrevista,
desenvolvendo este trabalho?

1 - Pedir para que cada um fale de sua história do ponto de vista da sexualidade. Valorizar
a história de cada um.

2 - Qual a sua proximidade com o mundo gay?

3 - Porque você se aproxima do movimento gay?

4 - Por que você buscou o Grupo Arco-íris?

5 - Por que o nome?

6 - Que discussões havia no grupo? O que era prioritário?

7 - Como você se identificava e se identifica, (se é que você se identifica)?

8 - 0 que era ser homossexual, gay/ lésbica / travesti etc?.(para você e no grupo na época)

9 - 0 que era homossexualidade para você naquele momento? E no grupo?

10 - Você falava abertamente de sua orientação sexual? E hoje?

1 1 - Você tinha o sentimento/idéia de uma identidade coletiva? Qual?

12 —Além de uma preocupação com você, havia uma preocupação política mais geral?
Anexo 03

Perguntas / Guia / Roteiro

1 3 - 0 que era percebido como preconceito/ discriminação?

14 - Você já sofreu algum tipo de discriminação? E o Grupo?

15 - Qual a idéia de igualdade/justiça você trazia em si ( se é que existia essa


preocupação)?__________________________________________________

16 - Como atingir essa “justiça”/igualdade (se é que existia essa preocupação)?

17 - Existia um senso de que cada um tinha o-direito de exercer sua


sexualidade/afetividade?

18 - Que representações de “homossexuais” afetou você positivamente/ negativamente?

19 - Essas representações de “homossexuais” negativas/positivas eram uma preocupação?

20 - Existia o conceito de “Visibilidade” O que significava?

21 - Houve preocupação em interferir nas representações existentes. A partir de que canais?

22 - Como?

23 - E a questão da Aids como ficava no meio disso tudo? E suas representações?

OBS: Estar atento às cronologias.


ANEXO -
ANEXO -
Marcelo Carnaval

' ‘Gays’ pedirão


a legalização de
seus casamentos
Para discutir o preconceito e questões como
a sexualidade, homossexuais se reunirão no
Rio, de 18 a 25 deste mês, na 17a Conferência
Mundial de Gays e Lésbicas. Durante o evento,
seráo lançadas duas campanhas: uma pela le­
galização do casamento de homossexuais e ou­
tra pela criação de uma lei que proíba a discri­
minação de gays e lésbicas. Paginas 32 e 33
j .

FH quer voltar
a ter imagem de
social-democrata
Fernando Henrique Cardoso quer retomar
sua imagem social-democrata. O presidente se
considera injustiçado pelas críticas dos xiitas
da esquerda e do movimento sindical que ten­
tam vincular seu perfil ao dos liberais com os
quais está aliado no Governo. Ele não quer
mais ser comparado com a ex-primeira-minis-
(de boné) e Luiz, juntos há 12 anos: problemas com o síndico tra britânica Margaret Thatcher. Página 3
a* R»o Domingo. 11 de junho de 1995

Congresso de gays e lésbicas debaterá o preconceito e a questão dos relacionamentos homossexuais

Histórias de casamentos quase perfeitos criminação, trocar experiências


Marccio Carnaval
Campanha para
NIVIA C ARVA LH O e debater questões como sexuali­
dade e cidadania será realizada
no Rio, entre os próximos dias
mudar a legislação
O funcionário do Banco do
Brasil Augusto Andrade e o pro­ 18 e 25, a 17a Conferência Mun­ A mudança pela iei. Durante a
jetista da Light Luiz Carlos Frei­ dial de Gays e Lésbicas. No 17a C onferência M undial de
tas vivem juntos há 12 anos. Há evento, serão discutidos proble­ Gays e Lésbicas, que acontecerá
k.is, decidiram assumir publica- mas como o enfrentado pela es­ no Rio Palace, os grupos de defe­
;ji2 Ute a vida conjugal. Para sur- cultora Selket. sobrenome que sa dos direitos dos homossexuais
liresa dos dois, recebem muito adotou e assina suas obras. Ela lançarão duas campanhas: pela
tis apoio do que críticas. Nem já foi agredida por homens, den­ aprovação do projeto de lei que
^bij?yre foi assim. O sindico do tro de um ònibüs. porque estava legaliza a união civil entre ho­
acompanhada de uma namora­ mossexuais e pela criação de
(irÇdio onde moram Augusto e
Suiz Carlos, na Tijuca ;erta vez da. uma iei ordinária de direitos hu­
o\lnu os carteiros de entrega- Os congressistas não terão co­ manos que proíba, explicitamen­
mo lidar com estatísticas. Elas te, a discriminação por orienta­
•fem* ao casal a correspondência não sào seguras, embora os mili­
uVvlefoçada ao grupo Arco-Íris, ção sexual. O Rio tem um recor­
tantes costumem dizer que os es­ de indesejável: 32% do total de
de defesa dos direitos dos ho­ tudiosos calculam que 5% da po­ assassinatos de homossexuais
mossexuais. presidido por Au­ pulação brasileira é formada por ocorridos no país nos últimos 13
gusto. Os imóveis poderiam ficar homossexuais. Na sombra vivem anos aconteceram aqui.
í#yaIorizados se o endereço fos- todos os que nào fazem propa­
e P mesmo da sede de um grupo ganda de sua condição sexual, Promovida pela International
!. gays, alegou o síndico. Os sobretudo para a família e no Lesbian and Gay Association (li­
:imeaçaram recorrer à Jus- emprego. O presidente de uma ga). a conferência terá como pre­
j(jf. Até a inauguração da sede empresa especializada em recru­ sidentes de honra o cantor Rena­
■Jkç grupo continuaram receben- tamento diz que o setor de re­ to Russo e a deputada federal
J05Icartas. cursos humanos não costuma Marta Suplicy. A troca de ex­
Çorém. nem todas as histórias discriminar os gays. Desde que periências entre grupos gays de
lejHscriminação, velada ou não, eles sejam discretos. vários países é a tônica do en­
m- o mesmo final feliz. O segre- — Os gays afetados cu as lés­ contro internacional. Entre os
tv, e o preconceito ainda mar- bicas masculinizadas são apenas eventos programados estão a 1 *
a vida da maioria dos ho- a minoria visível — assegura Oiimpiaáa Gay. um festival de
rjssèxuais. Para discutir a dis­ Luiz Carlos. Augusto a esquerda) e Luiz Carlos, que há dois anos tornaram público seu relacionamento: mais^poio que criticas cinema e video e shows.

Uésbica assume sua condição Casal usa aliança e tem álbum de recordações
íiirandah Villas-Bòas, autora go, o outro filho, mora com o pai ü pauusia Adauto oeiarmmo que ele era homossexual. Nasci­ Aids. Com relação à homosse­ Marcelo Carnaval
■Wrap que será tema da confe­ no Rio Grande do Sul. Alves, -ie 30 anos. g o baiano do* numa família pobre e nume­ xualidade. minha mãe apenas
rência internacional de gays e — Como todas as pessoas, sou Ciándio Nascimento Silva, àe 24. rosa (tem 12 irmãos) e o único a comentou: Eu já desconfiava.
lé&oicas, não se importa de falar filha de pais heterossexuais — usam aliança, dividem despe­ ingressar numa faculdade, até Primeiro ativista gay a ganhar
subre a sua condição sexual. assim, ela costuma saciar a cu­ sas do apartamento em Copaca­ aquela data Cláudio era a refe­
riosidade em torno da imaginada rência positiva da casa humilde um prêmio internacional de di­
MÒs é impossível conversar com bana. discutem por ciúmes, se reitos humanos, no ano passado,
'ilã sem que temas como cidada­ influência que teria na. opção se­ reconciliam. Como toU \.sai. os em Nova Iguaçu. Seus parentes
xual dos filhos, os dois. heteros­ não foram à cerimônia de casa­ nos Estados Unidos, Adauto afir­
nia, ecologia, racismo, violência .iois têm também seu aiiyjn de ma não perceber se é discrimi­
2 'direitos'” humanos venham à sexuais. ;■•? •-•rdações: guardam as foio- mento:
nado por ser portador do HIV:
oaila: Advogada e produtora mu- Para Sarandah. as manifesta­ nas e cs recortes '.ie .■ornais — A família, que deveria com­
4iqaj. Sarandah, de 50 anos, di­ ções de preconceito enfrentadas preender o parente hom osse­ — Porém, quando discuto com
.... .. nubiicarãin o seu .asamen- alguém, a primeira coisa que me
vorciada de um jornalista há pelas lésbicas não ocorrem per f; ano oassado. r . altar xual, é sempre a primeira a ex­
:n£is de 20 anos. já foi diretora causa da condição sexvc:. mas cluí-lo — critica Cláudio! jogam na cara é isso.
.-ovisade ;:o Sincica.c dos já os cinco irmãos de A.dauto Militantes dos movimentos em
def Conselho Estadual dos Direi­ sim porque sào mulheres. Ela evidenciários, onde Cláudio
to? d? Mulher e atualmente diri- faz questão de dizer que, como sempre foram mais tolerantes defesa dos direitos de gays. eles
trabalha há cinco anos. Fosse com o menino que “desde pe­ dizem que querem ser “care­
gd o -Mulherarte, uma organiza­ odas as pessoas, os homosse­ uma uniào convencional, a his­
i s '>ão governamental xuais pagam impostos e devem queno gostava de brincar com tas".
toria poderia provocar arruihos bon ecas” . Para surpresa de — Queremos ter os mesmos
Já estive heterossexual ter os mesmos direitos: de encantamento.
*v:«ora estou homossexual — con- — Não posso ser discriminada Adauto, até mesmo um irmão, direitos dos heterossexuais. As
tu1; :’a. ao lado de Jecimar Go- porque sou lésbica. A sociedade n. a h: ..ória de .-.dauto e que é policial militar, apoiou a pessoas dizem que o casamento
•jiis, com quem vive há oito aindr não abriu cs olhos para Lit.udio. conta .ia por elc-s. traz a idéia dò casamento: é uma instituição falida, mas o
?»&-’- , ver que estamos em todos os se­ tona as manifestações de precon­ — Embora longe de casa desde que faliu foi o projeto de casa!
As duas moram na Barra da tores da economia, contribuindo ceito. Antes que "fosse ixpulso. os 19 anos, há dois anos revelei à reprodutor — afirma Adauto.
i duca em companhia da filha de com a força de trabalho, gerando minha família que era homosse­ pesquisador do Instituto de Es-
S d r r .n r ls n P.va do l)ip . recursos e consumindo. ss ■'.uan.iú :'nn*.i hr:u xual e nnr:ad"or do vírus da rudos da Reiisião. Adauto Alves e Cláudio Silva: casal
r
D om ingo, 11 de ju n h o de 1995 R io * 3 3

Preconceito é maior contra mulheres


Morena, alta, mais velha de cinco irmãos, ela transgressão das colegas era fu­ meio há dois grupos, o que Vir­ nascida no subúrbio, ela só não segundo ela, mudou um pouco
mar escondido no banheiro da gínia diz não entender: foi internada pela mãe — que sua relação com a família. Selkét
vaidosa, a dlgita- afirma que nem naquela época
foi discriminada pela família. escola, Virgínia participava do encontrara um bilhete da namo­ não apresenta mais a namorada
dora Virgínia Fi­ — Não é preconceito, mas não rada no bolso da calça jeans — como “uma amiga”. Mas mudou
gueiredo, de 36 Mas nem sempre o que se encon­ movimento estudantil. Depois, compreendo a incoerência de al­
tra é tolerância: passou pelo sindical, mas ulti­ porque a famflia era pobre. Sel­ muito mais seus planos:
a n o s , diz que gumas mulheres que imitam um ket tinha então 17 anos. Três
sempre foi mais mamente se dedica apenas ao
— Se fosse uma questão de op­ movimento de conscientização modelo que tanto criticam: se anos depois viajou para a Ingla­ — Vou voltar a morar fora do
paquerada por ção, ninguém escolheria ser ho­ de gays e lésbicas. A organiza­ vestem e se comportam como terra, em companhia da namora­ país, onde vive minha namora­
homens do que por mulheres. mossexual. Ninguém escolhe so­ homens. da, onde morou oito anos. De lá, da. Ela será submetida a uma
Mas ela prefere as mulheres, ção das mulheres, segundo ela,
frer. Mas a homossexualidade é não é fácil, pois elas sofrem mais A escultora Selket, de 38 anos, já separada, foi para a Alema­ inseminação artificial. Vamos'
desde a adolescência. Moradora uma tendência — afirma. casar e ter filhos, o que eu nun­
do Engenho de Dentro, subúrbio com o preconceito do que os não teve a mesma sorte que Vir­ nha e os Estados Unidos.
carioca, filha de um militar, e Numa época em que a maior gays. Além disso, no próprio gínia com a família. Também A independência econômica, ca havia desejado.

P O R Q U E A M A IO R IA PR EFER E
OTICASD
• VALIDADE 17/06 9»Ü£ÇO, PR E C lN H © s M O R O U ?
ACEITAMOS IODOS OS CARTÕES DECRÉDITO / COBRIMOS QUALQUER ORÇAMENTO /TUDO EM VEZES SEMJUROS E SEMFIADOR
O C U L O S PA RA PERTO F IB R A " L A S E R " ( A R M A Ç Õ E S D E F IB R A )
N O SEU G R A U , Q U A LQ U ER G R A U
BFFM O D . 2JfíD
REF. 80A6 ~~ ■—■■ - ^ —“
130 P E Ç A S MADE IN ITALY
--V. UOF
1 3 0 PEÇAS

REF 4 5 0 9
9 REF. 1 0 3

5,70 = 17,10
59,10
é17,10
viila
19,70 = 59,10
3 9 0 PEÇAS
6 vbta
Prscinho SO RS ‘.,70 á v is ta 3X RS &
A R M A Ç Õ E S L IN H A JO V E M L I N H A I N F A T IL V E D E R E C O L L E C T IO N
REF. C O LLEC E 2 6 0 PEÇAS METAL LEVE SUPER RESISTENTE A R M A Ç Õ E S F E M IN IN A S

Virgínia: ‘S e fosse questão de opção, ninguém escolheria ser hom ossexual’

SO RS pK.<»m*o. ~sO RS SO RS
Ç FESTIVAL P E M U L TIFO C A i Q V A R IL U X C O M F O R T
{ A ta c a d o * T R A N S I T I O N S 2 0 0 PEÇAS TEilYENDAS
L E N T E S V A R IL U X V 2 E S P A C E C R IS T A L LENTES FQTQSENSÍVE1S RESIN A
I SÓ NA RUA CAMEI7INO 101 À 107 ■. R E S IN A 1 5 0 PEÇAS (021)
EscsBw o
I PEGUE E L E V E
Mesa c/ 4 Cadeiras Dobrâveis Pinrura Epoxi Branca.
158

ANEXO - 06
A primeira união gay coletiva
Homossexuais
recebem bênção
no Rio Palace

Os argentinos Eduardo Vasques, 40 anos, e Rafael Freda, 47, estão


juntos há oito anos. O n t e m à tarde, no Hotel Rio Palace, em
Copacabana, eles r e c e b e r a m a bênção do pastor Rob e r t o Gonzales,
da Igreja da C o m u n i d a d e M e t r o p o l i t a n a de Buenos Aires. A s s i m como
os dois, outros oito casais r e c e b e r a m essa bênção, na p r i m e i r a
união c oletiva de h o m o s s e x u a i s da América Latina. A ato acon t e c e u
durante a 1 7 a C o n f e r ê n c i a Internacional da A s s o c i a ç ã o de Gays e
Lésbicas.
O reverendo Gonza l e s é o prim e i r o pastor autorizado por sua
igreja a realizar uniões desse tipo na América Latina. Durante o
culto não f a l t a r a m e x p r essões como ''vocês se c o m p r o m e t e m a
cuidar um do outro'' e, dos nubentes ' 'prometo viver junto a
ti''. Para o pastor, ac onte c i m e n t o s como esse são importa n t e s
para que os h o m o s s e x u a i s p o s s a m reafirmar o seu c o m p r omiss o de
amor.
As drag queens Lola Batalhão e Nádia Coquete, juntas há 14
anos, c o m e m o r a r a m a bênção. ''Foi um dos momentos mais felizes da
m i n h a vida'', disse Lola. Na noite de quinta-feira, ela fora
eleita a Rainha das Caric a t a s e Nádia, Rainha das Drag Queens.
' ' É m u i ta coisa boa junta'', completa Lola.
Boate _ Mas n e m tudo foi alegria. 0 fechamento da boate The
Bali, o templo gay de Copacabana, anunciado no dia anterior,
deixou desolada a c o m u nidade homossexual. A liminar que con c e d e u
a reintegração da p o s s e do imóvel a seu proprietário, o
empresário italiano Silvano Marino, fez com que se armasse uma
correria: um dos eventos p r o g r amados pela 1 7 a Co n f e r ê n c i a A n u a l
da Liga Internacional de Gays e Lésbicas (liga) que seria
realizado no local, teve que ser transferido às pressas para o
Rio Palace, uma das sedes do encontro. Houve protestos formais
dos dirigentes dos grupos de defesa homossexual Atobá e T r i â n g u l o
Rosa.
A surpresa p e l o fechamento da boate prejudicou os planos da
organi z ação da conferência, que preten d i a m fazer ali a cerimônia*
de entrega do Prêmio Felipa de Sousa. 0 nome da premiação é uma
h o m e n a g e m ao p r i m e i r o caso de lesbianismo no Brasil: Felipa foi
morta e torturada em 1591 pela Inquisição, por ter sido flagrada
na cama com outra mulher.
ANEXO - 07
A u g u sto e Luiz C a rlo s estão c a s a d o s há 12 a n o s. Dividem d o is apartam entos, d o is carros, um a linha telefônica,

Iguais...para sempre
Sonhos e m edos de quem aguarda a aprovação da lei sobre união civil de gays
CELENE G U E D E S aprovação, no Congresso, de um projeto de lei que permite

E
les começaram flertando, como qualquer casal. firmar contrato de união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Apaixonaram-se - o que também acontece com to­ Para tomar essa pressão ainda mais eficaz, um grupo de 24
do mundo, contanto que haja a tal química - , deci­ (tinha que ser!) ativistas esteve quarta-feira no Congresso
diram viver juntos seis meses depois e assim per­ distribuindo aos parlamentares cartilhas sobre o tema. Para
manecem até hoje. A diferença é que, há 12 anos, minimizar a polêmica, o projeto elimina o termo casamen­
quando tudo começou, não havia quem os decla­ to, mas dá amparo legal equiparável ao que é oferecido a
rasse marido e mulher. Naquela época, foi a vida mesma
casais hetero. Casais normais, como se costuma dizer.
quem, solenemente, declarou Augusto Andrade e Luiz Car­ Mas não há nada de anormal em bater na porta de Au­
los de Freitas marido... e marido. Se vão ser felizes para gusto e Luiz Carlos, na Tijuca. Quem atende é Leonardo, 15
sempre, quem sabe? Por enquanto, mesmo sustentando-uma anos, um menino tão interessado em meninas quanto a
união gay e, portanto, sem reconhecimento legal no Brasil, maioria dos colegas. “Oi! Sou o Luiz Carlos”, aproxima-se
os dois vão muito bem. Assim como vão bem Cláudio e em seguida o homem de 37 anos, óculos, voz grave, tom sé­
Adauto, John e Jorge Luís, Jane e Rosângela, Toni e David, rio. É o pai de Leonardo. Logo depois, Augusto se junta à
Luiza e Mirian, Luiz e Marcelo, Antônio Carlos e Márcio e conversa. Mais descontraído, 40 anos, grisalho, também de
muitos, muitos outros casais homossexuais. óculos, sereno. É igualmente pai de Leonardo. A adoção do
A impossibilidade de contestar que essas uniões existem menino - aos 8 anos - complementou a unidade familiar
—e que a partir delas se constrói patrimônio —pressiona a que estraçalha ditames sociais e apavora homofóbicos.

D O M IN G O 1 4
Verônica Peixoto

.uma c a sa de cam p o (acima), a resp onsab ilidade so bre um filho de 15 an o s e a co ordenação do grupo ga y Arco-Íris

Em 12 anos, Augusto, gerente de expediente do Banco ano com grupos de homossexuais até chegar à forma final.
do Brasil, e Luiz Carlos, técnico em edificações da Light, Nem por isso a proposta enfrenta menos oposição. A úl­
construíram juntos vida e patrimônio. Dividem cama, mesa, tima assembléia da Confederação Nacional dos Bispos do
responsabilidade sobre o filho e a liderança de um grupo Brasil, em abril, recomendou ao Congresso que rejeite o
gay. Bem como dois apartamentos, uma casa de campo, projeto. Há resistentes e favoráveis em qualquer partido. O
dois carros e telefone. Se um deles faltar, pelo menos meta­ assunto divide o PT e tem apoios surpreendentes, como o do
de que possui deve ir, por lei, para a família de origem. E conservador deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ),
nada garante que os outros 50% parem nas mãos do compa­ relator da comissão especial que deve começar a funcionar
nheiro. “Se for eu a faltar, Luiz Carlos talvez não tenha di­ nesta quarta-feira. A constitucionalidade do projeto promete
reito sequer à guarda de Leonardo”, conta Augusto, que a­ ser o ponto central das discussões. Pela Constituição, o
dotou o garoto dizendo-se
solteiro, ainda que a decisão
tenha sido do casal. O proje­ HÇÜig&llSS&B “A união civil é instrum ento ju ríd ic o p a r a que
p o ssa m se relacion ar com a sociedade como
to de união civil não fala em
adoção, mas certamente fa­ ca sa is”, dU M a rta Suplicy, autora do p rojeto
voreceria Luiz Carlos. E e­
vitaria dramas como o de Toni Reis e David Harrad, que vi­ Estado só reconhece como unidade familiar uniões heteros­
vem juntos há seis anos em Curitiba. Os dois quase se sepa­ sexuais estáveis. Professor da disciplina Aids e aspectos
raram porque o visto de David, que é inglês, estava venci­ jurídicos da Faculdade Cândido Mendes, Marcelo Turra diz
do. A mãe de Toni, viúva, 65 anos, chegou a dizer que se ca­ que o projeto dribla a inconstítucionalidade ao não tentar le­
saria com o genro para ajudar o filho. Não foi preciso. A galizar o casamento gay. “Apenas preserva direitos que vão
ONG Dignidade empregou David, garantindo-lhe o visto. surgir com a união” , diz. “É um assunto muito polêmico. A
A deputada federal Marta Suplicy (PT-SP) - autora do maior dificuldade para formar a comissão foi o excesso de
projeto - explica que a lei asseguraria aos casais homosse­ deputados querendo participar”, diz Roberto Jefferson, que
xuais direitos civis semelhantes aos estipulados a heterosse­ quer ver o projeto ir a plenário ainda este ano. Leis seme­
xuais. Mas seria preciso oficializar a união no papel, com lhantes vigoram em vários países (ver quadro na pág. 17).
um contrato. “É simplesmente um instrumento jurídico pa­ Por aqui, Augusto e Luiz Carlos estão otimistas. Mas se
ra que essas pessoas possam relacionar-se com a sociedade prepararam para o pior. Têm seguro de vida e testamentos
como casais”, explica Marta, que debateu o assunto por um prontos, privilegiando um ao outro. Cláudio Nascimento, de

D O M IN G O 15
25 anos, e Adauto Belarmino, 31, ainda não pensam tão lon­
ge. Casados em uma cerimônia religiosa no Rio, há dois
anos, optaram por estabelecer uma sociedade de fato, insti­
tuição jurídica que qualquer grupo de pessoas pode formar.
Um juiz mais conservador, porém, dificilmente considera a
sociedade válida para amparar uniões homossexuais. Cien­
tes disso, Cláudio e Adauto se previnem, repartindo o que
conquistam. “O carro fica no nome de um, o telefone no no­
me de outro e assim vai”, diz Cláudio.
Luiza Granado, 36, é Mirian Martinho, 41, vivem juntas
em São Paulo há sete anos e nunca se preocuparam com di­
visão de patrimônio. Sequer pensam em assinar o contrato
de união civil, caso o projeto seja aprovado. Preferem evitar
formalismos. Mas defendem o direito de qualquer casal gay
legalizar sua situação. “O projeto amplia os direitos civis
dos homossexuais”, diz Mirian, que coordena, com Luiza, a
Rede de Informação Um Outro Olhar, ONG que trabalha
com homossexualismo feminino e Aids. Já o cantor lírico
Raymundo Pereira, 35, não vê a hora de se casar com seu
noivo, o pastor americano Thomas Hanks, 61. “Assim que o
projeto for aprovado, vamos firmar contrato e fazer um bo-
chincho na Prefeitura do Rio”, promete Raymundo.
Enquanto isso, Augusto e Luiz Carlos, o casal da Tijuca,
vão tocando a vida a dois. Para lazer, sobra pouco tempo,
que os dois aproveitam na casa de campo em Sampaio Cor­
rêa, distrito de Saquarema. Ficam longe das badalações e
não freqüentam boates gays. Nada contra; só não gostam. O
isolamento ajuda a driblar uma das diferenças mais eviden­
tes entre casais gays e hetero: raramente um estranho pre­
sencia uma demonstração mais íntima de carinho. Um bei­
jo, um afago, uma carícia despretensiosa em público são lu­
xo que se vêem obrigados a dispensar.
Quando se deram conta desses limites, Augusto e Luiz
Carlos resolveram criar o Grupo Arco-Íris de Conscientiza­
ção Homossexual. Foi em 93, na volta de uma lua-de-mel M irian e Luiza não planejam a ssin a r o contrato de.
em que comemoraram 10 anos de casados. Estiveram em
São Francisco, a cidade do mundo em que, dizem, os ho­ assassinado a cada quatro dias no Brasil. Com base em re­
mossexuais menos temem a visibilidade e mais fazem valer cortes de jornais, o grupo enumerou, entre 1980 a 95,1.300
seus direitos. A bandeira do arco-íris, símbolo da luta ho­ crimes facilitados ou determinados pela orientação sexual.
mossexual, tremula na mesa do gerente de banco ou na por­ Das vítimas, 71% são homens gays, 23% são travestis e 6%
ta da casa do açougueiro. Casais do mesmo sexo circulam são lésbicas. “Na maioria dos crimes, há requintes de cruel­
de mãos dadas sem receio. “Foi um choque de cidadania. dade. Os assassinos mais comuns são policiais, michês e pa­
Nós dois, tão esclarecidos, tão intelectualizados, não conse­ rentes”, diz Mott, 50 anos, casado há 11 com o estudante de
guimos ficar à vontade nem lá”, lembram Augusto e Luiz História Marcelo Ferreira, 29. Uma pesquisa da Rede de In­
Carlos, que não tiveram coragem de demonstrar carinho em formação Um Outro Olhar também obteve números preocu­
público. Naquela mesma época, um amigo morreria com pantes: 80% das mulheres homossexuais foram agredidas
Aids, sem recorrer a ninguém com medo de ter sua homos­ com palavras ou fisicamente por causa da orientação sexual.
sexualidade revelada. Pouco
depois, numa reunião infor­ Leonardo, filho adotivo de Augusto e Luiz Carlos,
mal na casa de Luiz Carlos e
Augusto, nascia o Arco-Íris. I
j á fo i alvo de implicância dos colegas. Superou
Mais de 500 pessoas já tudo e hoje incentiva os pais a darem entrevistas
circularam pelas reuniões
do grupo. Toda sexta-feira à noite, de 30 a 40 homossexuais, Voltemos à Tijuca: Augusto e Luiz Carlos nunca se vi­
a maioria homens, reúnem-se para trocar idéias sobre dis­ ram em grandes apuros por causa do preconceito. A confu­
criminação, anonimato, família, sexo, paternidade, Aids e o são mais barulhenta foi com a vizinhança do prédio onde
que estiver “engasgado”. O preconceito funciona como fer­ moram. A mais dolorosa, envolveu Leonardo. “No início,
tilizante para as 63 ONGs dedicadas ao movimento gay no dávamos o nosso endereço para localização do Arco-íris. A í
Brasil. Uma das mais conhecidas é o Grupo Gay da Bahia começaram a reclamar, dizendo que o funcionamento de um
(GGB), que nasceu de um tabefe, em fins de 1979. Quem grupo gay desvalorizaria os imóveis”, lembra Augusto. O
conta é o antropólogo Luiz Mott, fundador do grupo e líder síndico chegou a apelar à Justiça, mas o processo não deu
da comissão que esteve em Brasília esta semana: “Estava em nada. De lá para cá, os vizinhos retomaram a cordialida­
com um namorado no Farol da Barra. Um machão percebeu de e esqueceram do assunto. Há um ano, Luiz Carlos e Au­
que éramos homossexuais e me deu um tapa na cara.” Re­ gusto também se calaram. “Resolvemos parar de dar entre­
voltado, reagiu criando o GGB. Mais tarde, uma pesquisa vistas porque implicaram com o Leonardo na escola e ele
do grupo revelaria que Mott teve sorte: um homossexual é não soube como reagir", diz o casal, que rompeu o silêncio
D O M IN G O 16
P o lêm ica LO V E FOREVER.

é m undial
Em artigo publicado
em fevereiro Je 94. no jor­
nal oficial do Vaticano, o
papa João Paulo II bateu o
martelo: “Promover as
tendências homossexuais
significa violar a ordem
estabelecida por Deus.”
Mas nem toda igreja pensa
desta forma. Emre os gru­
pos protestantes tradicio­
nais, algumas facções in­
cluem gays em seus qua­
dros ministeriais e até rea­
lizam cerimônias de casa­
mento semelhantes cs he­
terossexuais. Nehemias
Marien, 62 anos, pastor da
Igreja Presbiteriana Uni­
da Bethesda, em Copaca­
bana, abençoou, por ini­
ciativa pessoal, pelo me­
nos três casais nos últimos
quatro anos. "Quiseram
me linchar. Felizmente a
nossa inquisição i sem fo ­
gueiras", conta.
Já o ex-seminarista ca­ C O M O U M A PARKER.
tólico Eugênio Ibiapino
...união civil, m a s defendem o direito d o s gay s dos Santos, 32, diz já ter
abençoado 18 casais gays.
A cerimônia mais badala­
da foi a de Cláudio Nasci­
mento e Adorno belarmi-
no, em abril de 94, com di­ Uma PARKER INSÍGNIA é um
reito a grinalda e alianças. presente para sempre. No Dia dos
Alguns países acenam u Namorados, dê uma INSÍGNIA
casamento gay (Suécia,
para quem você ama. Beleza
Noruega. Dinamarca,
Hungria. Bélgica e Holan­ duradoura e desempenho perfeito
da), mas a questão ainda é fazem da INSÍGNIA um presente
polêmica. Apesar de ter muito especial. E, como todos os
permitido o ingresso dt
instrumentos de escrita PARKER,
gays nas forças armadas,
o presidente Bill Clinton a INSÍGNIA tem certificado de
disse recentemente que garantia e qualidade.
não vetará projeto dos re­
publicanos proibindo o ca­ PROCURE UM DOS REVENDEDORES
samento homossexual (ho­ ABAIXO E GANHE NA COMPRA UM
je . cerca de 30 cidades re­ PRESENTE EXCLUSIVO.
conhecem este tipo de RIO DE JANEIRO
união, inclusive Nova Ior­ • Caneta Continental - (021)262-1616
que e São Francisco). Na • Shok Presentes - (021)259-4496
França, um projeto de • Tabaco Rio Sul - (021)541-8189
união civil foi derrubado • Tutto Bello - (021)256-2189
em 92, mas, desde setem­ • Pak Presentes -(021)242-6874
bro de 95, seis cidades • Tabacaria Tijuca - (021)228-6944
• Tabaco & Cia - (021)352-2751
francesas permitem que
• Papel Picado - (021)262-6615
gays obtenham certidão de
John M eCarthy e Jorge Luiz: s ó sexo seguro concubinato.
pecuária, e Jane, 29, técnica em contabilidade, casadas há
um ano, discordam. “Não pensamos em maternidade para a­
gora por não termos condições financeiras. Mas, daqui a um
tempo, poderemos até engravidar juntas”, diz Rosângela.
Para Augusto e Luiz Carlos, pior do que encarar o pre­
conceito e as discussões de escola de Leonardo seria viver
se escondendo. Augusto nunca negou ser gay e jamais se re­
lacionou cora mulheres. “Meus pais fingem não saber. Mas
já vieram aqui e viram a cama de casal.” Luiz Carlos tentou
o caminho straight. “N a adolescência, namorava com meni­
nas e transava com homens”, lembra. Lá pelos 18 anos,
mantinha relacionamento com uma mulher, de.quem era
noivo, e com um rapaz. “Até ficar claro que eu não era bis-
sexual. M e relacionava com mulheres por homofobia.” Aca­
bou expulso de casa ao romper o noivado para assumir a ho­
mossexualidade. Foi acolhido por Roberto, o namorado.
Durante mais da metade desse tempo, Luiz Carlos não
voltou a ter contato com os pais, separados, nem com os
dois irmãos. Até o dia em que um amigo , também gay, pa­
ra um jantar. O amigo apareceria com o namorado: ningucm
menos que Antônio Carlos, um dos dois irmãos de Luiz
Carlos. ‘F o i uma choradeira. Coisa de novela mexicana",
lembra Luiz. Antônio Carlos, 35, assumiu sua homossexua­
lidade de maneira bem menos traumática. “Luiz Carlos me
abriu caminho. Ficamos muito amigos depois desse reen­
contro. Mas também não posso dizer que sou mais amiao
dele que de meu irmão heterossexual”, diz Antônio Carlos,
que terminou um casamento de sete anos e vive há um ano
e meio com um novo namorado, Márcio. Às vezes saem a
quatro com Luiz Antônio, o caçula, 33 anos, e sua mulher e
se pegam conversando assuntos de casal.
Depois do reencontro com o irmão, Luiz Carlos retomou
o contato com a família e hoje recebe visitas da mãe. Ela
ainda não entende, mas já tolera a situação. Até admira a es­
A da u to e Cláudio (de áculos) c asaram -se em cerim ônia tabilidade com que os dois vivem. Reações iniciais extre­
religiosa há dois an o s e dividem a s tarefas do m ésticas mas, como a dela, normalmente são motivadas pnr mal-en­
tendidos. “Meu maior problema era ficar imaginando você
para falar a Domingo depois que o próprio Leonardo os in­ rodando bolsinha, vestido de mulher na R uaR iachuclo'\ te­
centivou. Acanhado como quase todo adolescente, ele não ria confessado certa vez ao filho. "Mas eu nunca quis ser
quis dar entrevista nem se deixou fotografar, mas garantiu mulher. Meu maior sonho era encontrar alguém louco feito
aos pais que não se assusta com a implicância dos colegas. eu”, diz Luiz Carlos, que conheceu Augusto numa festa.
Leonardo não tem o que temer. Não é gay. Se fosse, te­ Nestes 12 anos, nem tudo foi romance. O ano da lua-de-
ria a seu lado leis orgânicas de 71 municípios, inclusive o mel em São Francisco também foi o da crise. Em meio h
Rio, e constituições de 19 estados, entre eles o Rio de Ja­ mesmice que todo casal sente após tanto tempo juntos, Au­
neiro, que proíbem a discriminação por orientação sexual. gusto se apaixonou por outro. “Era o que precisávamos pa­
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Sexualidade ra reestruturar o casamento”, diz Luiz Carlos. Os dois nun-
Humana, Nelson Vitiello, as
leis mudam por força de
descobertas científicas. “A “Para a medicina, hom ossexualidade não é
medicina não vê mais a ho­ doença. M udar isso é com o educar um canhoto
mossexualidade como do­ a s e r d e stro ”d iz o m édico N elson Vitiello
ença. Também não é sem-
vergonhice. É meramente
uma alteração do objeto de desejo sexual. Querer mudar is­ ca acreditaram no modelo de fidelidade absoluta, mas a
so é como querer educar o canhoto a se tom ar destro.” consciência veio aos poucos e mudou o comportamento em
Nelson diz que a homossexualidade é uma interação de relação à Aids. No início, até dispensavam o preservativo.
tendências hereditárias com condições ambientais. “Estu­ Depois, concordaram em usar se transassem com outra pes­
dos comprovaram que entre gêmeos idênticos a concordân­ soa. Agora, usam sempre. Nisso, se parecem com John Mc-
cia de homossexualidade é de 40% a 50%. Entre irmãos co­ Carthy, 45, diretor de curso de inglês, e Jorge Luiz Rodri­
muns, a média é a mesma da população: 6% dos homens e gues, 41, designer, juntos há 16 anos. “As pessoas acham
4% das mulheres. Entre gêmeos não idênticos a incidência que monogamia é vacina contra Aids. Não é”, alerta John.
é um pouquinho maior, mas não é significativa. A idéia de Passado o terremoto dos 10 anos, as maiores discordân-
que há cada vez mais gays no mundo e a de que filho de gay cias de Augusto e Luiz Carlos são sobre como lidar com o
se toma gay também são falsas.” A única dúvida de Nelson Leonardo. “Ficou claro que Luiz Carlos é a pessoa com
é se não faria falta à formação da criança a presença de fi­ quem quero dormir, pagar contas, lavar cuecas... Com ele,
guras diferenciadas. Rosângela, 39 anos, técnica em agro­ tenho um projeto de vida.” Parece justo. Mas será legal? ■

D O M IN G O 18
$ & #

Esta cartilha foi produzida pelo


Grupo Arco-Íris de Conscientização Homosseiual,
que reúne-se todas às 6a feiras às 20:30 hs.
na Rua Senador Corrêa n° 48,
Laranjeiras (Praça São Salvador) - Rio de janeiro.
*1* igr ffX «Ç* fft "Sjit
Af)OIO: g FO TO U TO

S IN D S P R E V GRAUS

Coió é uma gíria gay que significa: iodo tipo de violência fisica, © q u e f a z e r e m c a s o d e •vio áêgicia f í s i i
moral e psicológica, discriminação, achaques ou extorsão, assaltos 10 Ficar calado ou se esconder não ajuda em nada. Pelo contrário, grupos de fascistas,di
e “ Boa-noite Cinderela” por parte de civis e policiais, sofridos pela qüentes e bandidos contam exatamente com isso: que fiquemos com medo, não denur
comunidade gay-lésbica do Stio. mos para que continuem na impunidade.
Os casos de violência têm acontecido aqui, e não são poucos. Nós 2o Se a agressão causar ferimentos leves, entrar em contato imediato com um dos advogi
somos centenas de milhares de cidadãos, trabalhamos e pagamos do Arco-Íris. Caso não seja possível, ir até a Delegacia de Polícia mais próxima e fazs
impostos. Somos consumidores e um segmento importante desta Boletim de Ocorrência, narrando, detalhadamente, todos os fatos ocorridos, todos os
sociedade, temos nossos direitos e vamos fazer valer a nossa mentos sofridos e requerer uma guia para o Exame de Corpo de Delito.
força. 3o De posse da guia para o Exame de Corpo de Delito, ir, imediamente, ao Instituto Mé
N o s s o s D ir e á t o s Legal para o referido exame.
10 Homossexualidade não é crime. Segundo nossa Constituição Federal (Art. 4 o Se a agressão causar ferimentos mais sérios, procurar, imediatamente, um Pronto Socc
5o) somos todos iguais, sendo assim qualquer tipo de discriminação é cri­ para que possa ser atendimento, e solicitar contato com o Arco-Íris para que possa destaca
me. Na lei orgânica do município do Rio de Janeiro, consta um artigo (Art. S°, advogado para tomar as providências legais e jurídicas.
R Io) que proíbe a discriminação por orientação sexual. S° Em quaisquer dos casos, entrar em contato, o mais breve possível, com o Arco-lris, poi
2o Temos direito à livre expressão de afeto em público. dos advogados irá acompanhar todo o procedimento, idusive, se for o caso, a instauraçü
Inquérito Policial.
3o Temos o direito de ir e vir livremente (art 5, inciso X V daConstituição Federal).
Ô° O grupo Arco-lris é auxiliado por vários advogados que se colocam gratuitamente à disj
4o Qualquer reação ainda que, usando a força para se defender de agressão çáo para qualquer ação legal. Possuímos também uma comissão para:
física por parte de outros, é considerada pelo código penal, legítima defe­
• Acompanhar as pessoas às delegacias, dar apoio moral e encaminhá-las aos advogados.
sa (art. 25 do Código Penal Brasileiro).
• Catalogar os casos e enviar um dossiê à comissão de Direitos Humanos, entidades gays
IP ro sa a a çõ ss internacionais e imprensa.
10 O medo não resolve nada. Não vamos viver acuados andando pelos cantos ou deixar de • Se aconteceu algo a você, recentemente ou já há algum tempo e, apesar de na época
freqüentar os lugares de que gostamos. Vamos tentar andarem grupo, em lugares iluminados. não ter tomado providências, mas agora deseja fazê-lo, comunique-se conosco.
2o A prudência é importante. Se você está sozinho ou com poucas pessoas num local deserto
T e l c s tf © r s e s ú r ib e is
e avistar um grupo suspeito, imediatamente mude seu percurso ainda que tenha que
voltar atrás no seu caminho. Polícia: 190

3o Não reaja a qualquer tipo de provocação. Nossa atitude é pacífica e dentro da lei. Instituto Médico Ilegais Tel: 232-6964 / 252-5945 (Av. Mem de Sá, 152 - Lapa - R/c

4 o A cooperação, solidariedade e união são as nossas melhores armas. Se você avistar um dos Somissão I3CÔ<> C O I Ó ! do Grupo Arco-Íris
nossos sofrendo qualquer tipo de achaque ou agressão reaja, chame os ou tros, dê o alarme, vá • Adr - Central 546-1636 / código 5 3 13421
em seu socorro, ligue para a polícia. Isso é fundamental pois os agressores acham que • Cláudio - 293-5322
os homossexuais são fracos, covardes, medrosos, desunidos. • Pedro- 557-5901
A CADA QUATRO DIAS UM HOMOSSEXUAL É ASSASSINADO NO BRASIL.
A maioria são homossexuais masculinos (71 %), mortos dentro de suas próprias casas.
Não deixe que isso aconteça com você. Quando for agredido, procure a polícia. Faça
o Boletim de Ocorrência, peça exame de corpo delito e denuncie o caso aos grupos de
ativistas homossexuais.

Caso você seja vítima de violência e/ou abuso de poder por policiais inescrupulosos,
não se intimide, mas não reaja violentamente. Anote seu nome e o número da viatura
e vá a uma Delegacia Policial.

VIOLÊNCIA ANTI-GAY
Esta história tem que acabar.

INICIATIVA:
GRUPO ARCO-ÍRIS DE CONSCIENTIZAÇÃO HOMOSSEXUAL
Praça da Cruz Vermelha, 36 - Sobrado - Centro - RJ
Tel.: (021) 254 6546

APOIO;

The INCONTRUS
B ^ ll Q UIO SQ UE RAINBOW

PLUG COMUNICAÇÃO

AGRADECIMENTOS:
Grupo Gay da Bahia - GGB
Grupo Dialogay - Sergipe
" -B O A N O IT E
QNDERELA"
★ Não ostente jóias, roupas caras ou qualquer outro símbolo de status social junto a
^ /o c ê sobe que história é esso? um desconhecido. Ele pode se sentir humilhado e, isso pode, gerar conflitos.

Antes de levar alguém para transar, aceite todos os detalhes. Esclareça se ele quer
i / # S fábula, a bruxa faz a bela cair no transar por prazer ou por dinheiro. Se assim for, aceite o preço, o que vão fazer e
sono. Na vida real esta história é assim: você quanto tempo vão ficar juntos. Hido pra não dar margem a discussões no final.
conhece o bonitão, ele joga charme, joga uma
conversa fora e acaba jogando sonífero na sua NÃO SE SINTA IN FERIO R A N IN GUÉM . SER HOMOSSEXUAL
bebida. Conclusão: você acaba sendo
NÃO É CRIME.
roubado e às vezes, agredido.
Esta história, que hão tem nada de fábula, vem
se repetindo. Diversos casos de "Doping", ou
"Boa noite Cinderela" , como vem sendo A CONSTITUIÇÃO FEDERAL GARANTE A TODOS OS CIDADÃOS IGUALDADE
conhecido, continuam acontecendo,
DE DIREITOS E PROÍBE QUALQUER FORMA DE DISCRIMINAÇÃO. ALÉM DISSO,
portanto ABRA O OLHO:
NA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO CONSTA UM ARTIGO
Nunca beba líquidos
QUE PROÍBE A DISCRIMINAÇÃO POR ORIENTAÇÃO SEXUAL.
oferecidos pelo parceiro
i eventual, a bebida pode NÃO SE DEIXE INTIMIDAR POR CARA FEIA E NEM SE DEIXE LEVAR POR CARAS
'P conter soníferos. E nunca
descuide de seu copa BONITINHAS.

★ Evite ley/ar desconhecidos ou garotos de


programa para casa. Prefira programas em A BRUXA ESTÁ SOLTA ELA TEM MUITAS FACES. SAIBA SE PROTEGER,
hotéis, motéis e saunas. PARA SUAS HISTÓRIAS TEREM SEMPRE UM FINAL FELIZ
Se la/ar alguém para casa, não o
esconda do porteiro ou de vizinhos Eles
podem ajudá-lo na hora do periga
W YO U A R E A FOREIGNER
^ Pergunte sobre a vida da pessoa Be carejul around stnw gm . Appcamnces can be decemng! People have been
com quem pretende sair. Prefira pessoas putting drngs itvto drinks. Alwctys watch yourglass and be very carefid when
indicadas por amigos e certifique-se de que acccptinjj drinksjhm t straryers. Ifym decide to Ume a bar with somtoneym
são de confiança.
dorít know, try tojjet his/her reftrencesjhm someone a t the bar. Ifym suspect
anything or need help, dorit hesitate to contact the police.
160

ANEXO - 08
omissão

André Ar r u d a

Total de palavras: 13

Preconceito faz de gays alvo de agressões em


Botafogo
Grupo Arco-Íris
denuncia violência
e pede segurança

MARCELO MOREIRA

Uma gangue de rapazes jovens, classe média, com no ç õ e s de artes


marciais, está sendo investigada pela pol í c i a como susp e i t a de
ser a responsável pelo ataque a h o m o s sexuais f r e q ü e n t a d o r e s de
bares de p ú b l i c o gay, em Botafogo, na Zona Sul. Nas ú l timas
semanas, segundo denúncia do Grupo Arco- Í r i s de c o n s c i e n t i z a ç ã o
sexual, 15 hom o s s e x u a i s foram vítimas de agressões, sendo que
sete deles r e g i s t r a r a m queixa na delegacia.
O n t e m à tarde, duãs vítimas das agressões e s t i v e r a m na 1 0 a
Delegacia Policial, em Botafogo, acompanhados da a d v o g a d a E l i z e t e
R i b eiro e do p r e s i d e n t e do Grupo Arco-Íris, C l á u d i o Nascimento. O
funcio nário do depa r t a m e n t o de Recursos Humanos de uma e m p r e s a na
Zona Sul, G., 47 anos, e o garçom M., 24, fo r a m atacados a socos
e p o n t apés na Rua Voluntários da Pátria, na m a d r u g a d a do ú l t i m o
dia 29 de julho. Eles h a v i a m saído do bar Jum p i n g Jack, na Rua
Real G r a n d e z a e i r i a m p e g a r o ônibus.
S egundo G., os rapazes ves t i a m roupas pretas, a p a r e n t a v a m
entre 15 e 18 anos e t i n h a m os cabelos cortados a máquina. ''Eles
se a p r o x i m a r a m de m i m e ficaram fazendo provocações. Q u a n d o
notei, u m deles veio por trás de m i m e me atingiu c o m um pontapé,
fazendo gestos usados em posições de l u t a 11, contou G.
Outros dois homossexuais foram agredidos na confusão, quando
t e n t a v a m socorrer os amigos. 0 ator F., 26 anos e o est u d a n t e de
a rquitetura I., 28 anos foram perseguidos pela Rua V o l u n t á r i o s da
Pátria, mas e s c a p a r a m de ferimentos mais graves, porq u e e n t r a r a m
n u m táxi.
Segurança _ Em maio passado, outro caso de ag r e s s ã o foi
registrado na 1 0 aDP. O fotógrafo P., 32 anos, e o op e r a d o r de
t e l e m a rketing R., 23 anos, foram espancados tam b é m por u m grupo
de rapazes na Rua Real Grandeza, perto da sede da Co m p a n h i a
Furnas Centrais Elétricas. ''Os garotos nos o f e n d e r a m co m
palavras de bai x o calão e depois partiram para a a g r e s s ã o 11,
contou Cláudio Nascimento. Desde então, apesar do registro da
queixa, não houve nenhuma investigação, reclamou Cláudio. Ontem,
o delegado Jomar Sarkis, da 1 0 a DP, prometeu à advogada E l i s abet e
e mpenho na investigação para chegar aos agressores.
O complexo de bares em Botafogo, freqüentado a t u a l m e n t e por
gays e lésbicas já ficou popularmente conhecido como Baixo Gay.
Todos ficam nas ruas Visconde Silva e Real Grandeza. Os mais
conhecidos, segundo o p r e sidente do grupo Arco-Íris, são o Blade
Runner, Jumping Jack, Café Carioca, Visconde e Lockness.
A v i olência contra homossexuais no Brasil é m a i o r no Rio,
segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da A s s o c i a ç ã o
Brasileira de Gays Lésbicas e Travestis. Nos últimos 12 anos,
1.564 h o m o ssexuais foram assassinados, sendo 500 deles, no Rio de
Janeiro. Alguns h o m o ssexuais acham que a seqüência de agressõe s
pode ser uma forma de forçar os comerciantes a c o n t r a t a r
seguranças particulares. Júlio César de Oliveira, 26 anos
ve n d e d o r de sanduiche é u m dos que defendem esta vers ã o e acusa a
Policia M ili t a r de ser a responsável. ' 'A maioria dos
espancamentos são formas dos PMs forçarem a receber p r o p i n a s dos
c o m e r c i a n t e s ' '.

Total de palavras: 502

'Somos réus para a polícia'


Presidente da mais antiga entidade brasileira de defe s a dos
direitos dos homossexuais, o Grupo Gay da Bahia (GGB), o
an t r opólogo Luiz Mott, 51 anos, quer que os casos de a g r e s s ã o a
gays _ como os que v ê m ocorrendo no Baixo Botafogo, no Rio
p a s s e m para a alçada das Delegacias Especiais da Mulher, onde,
segundo ele, ''há menos discriminação''. A experiência já v e m
sendo adotada com sucesso em alguns estados. De acordo com Luís
Mott, a m a i oria dos homossexuais brasileiros ainda ' 'não saiu do
armário'' e teme represálias de policiais, em caso de denúncias.

Você também pode gostar