Você está na página 1de 12

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

São Bernardo de Claraval

Docente: Prof. Doutor Luís U. Afonso

ICONOGRAFIA
Helena Godinho
Tânia Silva
Sandra Onofre
Anita Frade

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 1


Iconografia
Considerações gerais

Consiste o presente trabalho numa investigação iconográfica baseada numa análise


concisa de representações de atributos, signos e símbolos referentes a São Bernardo.
O trabalho desenvolve – se no âmbito da cadeira de Iconografia, visa uma abordagem
claramente iconográfica ao nível da representação do referido Santo.
A consistência desta investigação assenta em componentes de levantamento descritivo
na percepção da representação simbólica.

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 2


Iconografia
Introdução

São Bernardo nasce em 1090, no castelo de Fontaine, perto de Dijon.


A sua família distingue – se no seio da nobreza, pois o seu pai, de seu nome Tecelino,
era conselheiro do Duque de Borgonha e um determinado militar ao serviço de Deus. A
sua mãe, Aleta, descendia de uma família importante da sociedade da época, a família
de Montbard.
Ingressa em 1096, nos estudos, sob a alçada dos cónegos de Saint – Vorles. Mais tarde,
em 1113, depois de uma falhada carreira em letras, decide um passo fundamental que
mudaria o rumo da sua vida, a entrada em Cister, acompanhado de familiares nesta nova
etapa.
É nesta fase que se destaca a forte personalidade de Bernardo, realça a importância da
palavra como instância de Deus. Neste contexto claramente religioso interpreta a
estética como o ouvido e a voz de Deus, a palavra suprema que o monge tem a
obrigação de ouvir.
As suas ideias são definidas sobre os fundamentos dados pelo inglês Stº Estêvão
Harding, o terceiro abade de Cister, que visam sobretudo na fidelidade à Regra,
simplicidade, pobreza e principalmente a caridade.
É desta forma realçada o importante prestígio de São Bernardo, denotando a sua forte
influência na Ordem e na Igreja. Consistia esta influência na consolidação da Ordem
Cisterciense e consequentemente a Reforma da Igreja.
De certa forma a ordem cisterciense baseava – se na simplicidade, na realização do
trabalho manual, suficiente para o próprio sustento. Rejeitava o sistema social da época,
assumia a ideia de igualdade.
Mais tarde, em 1115, funda a Abadia de Claraval, sendo assim o primeiro abade, e
durante muitos anos continua a fundar diversos mosteiros ao longo de toda a Europa.
Com morte do Papa Honório I em 1130, São Bernardo apoia Inocêncio II, que acaba por
se tornar o novo papa. Com este apoio, estabeleceu as suas influências nos mais altos
pontífices. Assim sendo, em 1147, ganha o apoio do Papa Eugénio III e a autorização
do rei Luís VII para ficar responsável pela pregação na Segunda Cruzada.
Apesar da sua critica face aos autoritarismos da Cúria Romana, demonstrando isso no
seu tratado «Consideratione», uma meditação sobre esta autoridade soberba, não põe

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 3


Iconografia
em causa os poderes do Sumo Pontífice, acarretando assim uma forte influência como já
foi referido anteriormente.
Esta posição face à Cúria Romana possibilitou também uma forte simpatia por parte dos
teólogos protestantes, nomeadamente Lutero.
Outro aspecto relevante a destacar é o facto de São Bernardo surgir associado à
independência de Portugal. Isto é, foi graças à sua influência junto do Papa que este
veio a reconhecer Portugal como território autónomo face a Castela e Leão, bem como
de Afonso Henriques como seu legítimo soberano.
São Bernardo é reconhecido também pelas suas inúmeras obras que se difundiram
conquistando novos leitores, entre eles, os Jesuítas.
É assim, um exemplo de multifacetadas obras de cariz material e espiritual. Os seus
diversos escritos deixaram um legado espiritual que apresentaram uma renovação, que
segundo José Mattoso, na obra Religião e Cultura da Idade Média portuguesa
constituiu “um traço de ligação entre a espiritualidade patrística e as tendências
afectivas dos franciscanos”. A sua passagem foi marcada por diversas influências
dentro e fora da Igreja devido aos seus milagres e à concepção da sua personalidade.
É de salientar a sua marca na arquitectura monástica da época, mostrando que a beleza
em todo o seu domínio, está na simplicidade, ou seja, na inexistência de qualquer tipo
de ornamento. A sua marca está também presente na arte do livro e na iluminura.
Em 1163 em Claraval o seu culto é introduzido e onze anos mais tarde é canonizado
pelo Papa Alexandre II, tornando – se então um santo.

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 4


Iconografia
São Bernardo de Claraval

São Bernardo é um santo caracterizado por diversas visões de Cristo e sobretudo da


Virgem, por quem salienta uma forte devoção.
Como ele, sua mãe teria sido dotada de visões/ presságios. Uma destas visões apareceu
em sonhos, no período correspondente a gravidez de Bernardo, que consistia no facto de
que em seu ventre carregava não um ser humano mas um cão completamente branco,
dai este ser um dos seus atributos. Intrigada com o sonho que tivera dirige-se a um
padre contando-lhe o sucedido, em resposta, o padre disse-lhe “profeticamente” que
seria mãe de um padroeiro servidor de Deus.
Desta forma, houve inúmeros episódios que marcaram a sua vida influenciando o seu
percurso como devoto de Deus. Um desses episódios aconteceu ainda no período da sua
infância quando esperava para assistir a uma missa solene. Durante o tempo de espera,
teve um súbito desejo de saber a hora exacta daquele momento. Este desejo ficou em
seu pensamento durante algum tempo até surgir à sua frente Jesus como recém-nascido.
São Bernardo ficou convencido, ao longo de toda a sua vida, que aquela visão de Jesus
Cristo lhe tinha dado o conhecimento da hora exacta do nascimento deste.
Outro momento marcante da sua persistência da Fé em Deus, diz respeito a um episódio
em que uma mulher desnuda, enviada pelo próprio Diabo, entra no seu leito, na
tentativa de o seduzir e conduzir ao pecado carnal. Porém, São Bernardo consegue
resistir mostrando-se filho de Deus no caminho para a virtude.
Por último, São Bernardo ao sentir-se fraco e padecido devido a uma forte queda, tem
uma visão onde se encontra no tribunal divino sendo julgado e acusado de pecados pelo
Diabo que apresentou testemunhos falsos e injustos.
Assim sendo, todos estes acontecimentos remetem-nos para a devida interpretação do
Santo em questão, formando um testemunho como cristão e devoto de Deus. As alusões
aos demónios persistem em toda a sua caminhada e é desta forma que assume como
atributo um demónio encadeado numa roda de carroça, significando o combate e a
rejeição aos espíritos malignos e sedentos de pecado.
Devido à sua personalidade harmoniosa e humilde, é reconhecido também como “o
mestre doce como o mel”, Doutor Melífluo (fig.1), e é neste contexto que aparecem

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 5


Iconografia
representações iconográficas de abelhas e colmeias (fig. 2), formando, desta forma,
outro dos seus atributos e tornando-se, assim, o santo dos Apicultores.
Nestas representações iconográficas, não existindo nenhum retrato fidedigno do santo,
este foi muitas vezes representado através das descrições de fontes deixadas pelos seus
biógrafos.
Segundo Alano de Auxerre o autor da Vita secunda “tinha uma pele muito delicada, que
se tingia de ligeiro rubor nas faces. O cabelo era louro, quase branco, e a barba, um
tanto ruiva, estava, no fim da sua vida, salpicada de fios brancos. Era de estatura meã,
mais para o alto do que para o baixo.”
Este santo inspirou diversos artistas, entre eles, Goya, Giotto, Vieira Lusitano e Tiépolo.
É ainda representado com as vestes de abade cisterciense com hábito branco e
escapulário negro, sendo esta a indumentária da Ordem que seguiu.
A simplicidade do seu percurso em busca da salvação da alma, considerando o amor e o
sacrifício como fonte do verdadeiro conhecimento, é transparecida pela negação à
dignidade episcopal, a nível iconográfico, este acto é representado pela mitra por terra
– cobertura de cabeça que tem origem nos chapéus gregos – outro dos seus atributos.
Como havíamos referido anteriormente, São Bernardo apresenta uma fervente devoção
à Virgem, tendo visões da mesma, tal como outros santos mas, ao contrário deles, tem
uma aparição designada de Milagre da Lactação (fig.3), onde humedece seus lábios com
as gotas de leite, vindas do seio da Virgem. Esta cena desenrola-se na Igreja de Saint
Vorles à Châtillon – sur – Seine, quando este privava com uma imagem da Virgem
amamentando uma criança.
Este episódio envolve uma forte simbologia cristã que nos remete à carga litúrgica da
“sabedoria e do poder supremo”. Esta é, também, considerada uma metáfora da
eloquência do santo e muitas vezes interpretada como um milagre de alimentar São
Bernardo que se encontrava fraco e debilitado.
Iconograficamente, inspirou diversos artistas, tornando-se o tema mais frequentemente
representado.
Para alem de fundador do Mosteiro de Claraval e seguidor da palavra de Deus, foi
também um importante fazedor de obras da sua época. Tais como as suas cartas, a obra
Vida de S. Malaquias de Armagh e o tratado Sobre o Amor de Deus. Sendo o sermão
Cântico dos Cânticos a sua obra mais famosa e emblemática. Utilizou a bíblia como
fonte nas suas obras e pregações de maneira a alcançar o “coração do fiéis” e converter
aqueles que não acreditavam na fé divina.

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 6


Iconografia
Pela variedade dos seus feitos, foi incluído no conjunto dos doutores da Igreja pelo Papa
Pio VIII no ano de 1830. Face a este reconhecimento, tem como outro atributo um Livro
(fig.4), “atributo dos evangelistas, dos doutores da igreja e dos santos diáconos”.
Foi ainda representado iconograficamente um dos aspectos relevantes da sua existência
alusiva à visão de “Cristo desprendendo-se da cruz” (fig.5), um momento em que este,
descendo da Cruz, abraça o santo varão que se encontrava desolado rezando perante a
imagem de Jesus. Esta visão é interpretada como uma manifestação milagrosa e divina
despojada de qualquer intenção negativa.
No seguimento das suas pregações e na tentativa de converter as almas, destaca-se o
momento em que tenta transformar as crenças do Duque de Aquitânia que, por sua vez,
se encontrava excomungado, através de uma hóstia, muitas vezes ilustrada sobre uma
patena, isto é, sobre o cálice onde é servida a hóstia.
Com a mesma importância são representados, na iconografia de São Bernardo, os
Instrumentos da Paixão (fig.6, 7 e 8)) que cerra junto ao peito, sendo eles a escada, a
cruz, a lança, a coroa de espinhos, o saco de “trinta dinheiros”, o chicote de “três
caudas”, o martelo, a espada, INRI (inscrito na Cruz demonstrando as virtudes), o
cálice, o alicate, a esponja, os dados, a túnica, a lâmpada, o Lenço Santo Rosto de
Cristo, a coluna da Flagelação e o galo.
Em suma, são estes atributos que caracterizam São Bernardo, que se impõem nas suas
representações iconográficas, que demonstram a sua vida, que funcionam como
“espelho” do seu percurso em busca da Fé e que salientam as marcas da sua
personalidade e da sua crença e força religiosa.

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 7


Iconografia
Anexos

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 8


Iconografia
Fig. 1 – São Bernardo, Lactação Fig.2 – São Bernardo com os
de São Bernardo, F. Morellon la Instrumentos da Paixão
Cave aculp.1723

Fig. 3 – São Bernardo, Milagre da Fig.4 – São Bernardo,


Lactação, Alonso Cano, 1656 - 1660 representado com o Livro, um
dos seus atributos

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 9


Iconografia
Fig. 5 – São Bernardo, “Cristo Fig. 6 – São Bernardo, Venetiis: Apvd Ivntas,
Desprendendo-se da Cruz 1640

Fig. 7 – São Bernardo, Fr. Tomás de Fig. 8 – São Bernardo, Lisboa:


Aquino – 1735 – obra de arte original: Francisco Manuel
Iluminura sobre pregaminho

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 10


Iconografia
Conclusão

Para finalizar, basta mencionar a ideia da grandeza, amplitude de acção e consequências


positivas do santo em questão.
Tendo como fundamentos essenciais a fidelidade à regra, simplicidade, pobreza, busca
para o caminho da salvação, e sobretudo caridade, este santo mostra ser um bondoso
milagreiro, sempre pronto a ajudar.
São Bernardo foi fonte de inspiração para muitos artistas medievais e da renascença,
seus atributos são inúmeros, suas representações originais, carregadas de significado,
que mesmo um observador moderno não fica indiferente. Um mero olhar para estas
representações emociona-nos, torna-nos solidários para com a sua causa, tão nobre e tão
pura em sentimentos.
Para além dos atributos, alguns que só lhe pertencem e outros que partilha com outras
imagens de santos, os mais destacados são os instrumentos da Paixão, que em
variadíssimas imagens este santo carrega contra si, fatigado, mas determinado na sua
missão. Estes artistas, tanto portugueses como oriundos de outros países, representaram-
no mostrando que ele mesmo lutou contra os pecados da humanidade, saboreou a
penitência, a amargura da vida, o labor, tanto físico como metafísico, tal como Jesus
Cristo o fez. Mas mesmo assim, São Bernardo nunca se Lhe quis comparar por ser
demasiado humilde para isso. Um dos atributos que pertencem a este santo, apesar de
ser um atributo comum a outros santos, a aparição da Virgem Maria, com São Bernardo
o momento é bastante singular – o milagre da lactação.
Em suma, São Bernardo deixou um importante legado espiritual na religião católica, na
concepção de vida dos cristãos e, sobretudo, no mundo da arte, graças a isso a sua
doutrina não foi esquecida.

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 11


Iconografia
Bibliografia

• CARR – GOMM, Sarah, A Linguagem Secreta da Arte, Editorial Estampa


• CLEMENS, Jockle, Encyclopedia of Saints, London Alpine Fine Arts
Collection, Ltd, 1995
• COULSON, John, Dictionnaire Historique des Sants, Paris Société d´Edition
de Dictionaries et Encyclopédies, 1964
• GIORGI, Rosa, Les Saints, Editions Hazan, Paris
• LEROUX, Gérard, São Bernardo: 1090-1990, Catálogo bibliográfico e
iconográfico, Biblioteca Nacional Lisboa, 1991
• RÉAU, Louis, Iconographie de L´art Chrétien III, Presses Universitaires de
France, Paris, 1958
• SICERI, António M., Atlas Histórico dos Santos, Edição Inapa, Lisboa, 2006
• TAVARES, Jorge, Dicionário de Santos, Lello & Irmão, Porto, 1990
• VORAGINE, Jacques, La Legende Dorée, Gallimard, 2004

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL 12


Iconografia

Você também pode gostar