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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA

JESIANE CALDERARO COSTA VALE

DA ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR AO IESP:


A FORMAÇÃO DE OFICIAIS DA POLÍCIA MILITAR DO PARÁ (1988 A 2014)

BELÉM-PARÁ
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA

JESIANE CALDERARO COSTA VALE

DA ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR AO IESP:


A FORMAÇÃO DE OFICIAIS DA POLÍCIA MILITAR DO PARÁ (1988 A 2014)

Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em História Social da Amazônia, do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará, como
requisito para obtenção do título de Doutora em História.
Orientador: Prof. Dr. William Gaia Farias.
Linha de Pesquisa: Etnicidade e Territorialidades: usos e
representações.

BELÉM-PARÁ
2018
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Pará
Gerada automaticamente pelo módulo Ficat, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
___________________________________________________________
V149a Vale, Jesiane Calderaro Costa.
Da Academia de Polícia Militar ao IESP: : A formação de oficiais da Polícia Militar do
Pará (1988 a 2014) / Jesiane Calderaro Costa Vale. — 2018.
369 f. : il. color.

Orientador(a): Prof. Dr. William Gaia Farias


Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2018.

1. Formação. 2. Polícia Militar. 3. Oficialidade. 4. Pará.. I. Título.

CDD 355.03358115
________________________________________________________________
JESIANE CALDERARO COSTA VALE

DA ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR AO IESP:


A FORMAÇÃO DE OFICIAIS DA POLÍCIA MILITAR DO PARÁ (1988 A 2014)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em História Social da Amazônia, do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará, como
requisito para obtenção do título de Doutora em História.

Aprovada em ___/___/ ____.

Banca Examinadora

________________________________________________________
Prof. Dr. William Gaia Farias - Orientador
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)

________________________________________________________
Prof. Dr. Renato Luis de Couto Neto e Lemos - Examinador Externo
Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ

________________________________________________________
Profa. Dra. Joana D‟arc do Carmo Lima – Examinadora Externa
Faculdade Ciência e Conhecimento - Pará

________________________________________________________
Profa. Dra. Maria de Nazaré Sarges - Examinadora
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)

________________________________________________________
Profa. Dra. Franciane Gama Lacerda - Examinadora
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)

________________________________________________________
Profa. Dra. Magda Maria de Oliveira Ricci - Examinadora
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)
Dedico esta tese aqueles policiais militares,
homens e mulheres que, inconformados com as
―velhas, abusivas e arbitrárias práticas‖ de um outro
tempo, trabalham incansavelmente no tempo presente,
―reinventando‖ o seu fazer profissional comunitário,
cujo resultado seja a valorização do seu papel,
com credibilidade e merecida admiração da sociedade.
AGRADECIMENTOS

Então, finalmente chegou o momento da florada ...

Uma parte da minha trajetória no doutorado foi sofrida, trôpega, desértica, solitária ....
Mas chegou o bom tempo ... Por isso, sem pestanejar, quero agradecer primeiramente a Deus,
porque ―todos os dias Ele me cerca com sua fidelidade‖ e posso testemunhar que ―Nele
vivemos, nos movemos e existimos‖.

Depois, agradecer aos que se juntaram a mim na caminhada, compartilhando minhas


alegrias e dores e me ajudando, para eu pudesse enxergar as ‗flores‘ e sentir seu ‗aroma‘.

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. William Gaia Farias, pela acolhida tão
oportuna à minha temática, quando de modo entusiástico deu outro sentido à minha
investigação, ao me estender a mão, e me recebendo aos ―quarenta e cinco, do segundo
tempo‖, redirecionando, orientando e me inspirando com inquietações sempre tão pertinentes,
fruto dos seus abundantes conhecimentos na temática – ao mestre e ‗comandante‘ Gaia, a
minha imensa gratidão e carinho.

À querida professora doutora Maria de Nazaré Sarges (afetuosamente Naná) por sua
sabedoria, generosidade, fineza e contínuo encorajamento acadêmico a mim destinado, nas
suas disciplinas e em outros momentos, inclusive com empréstimos de seus livros e indicação
de outros, para consubstanciar a minha escrita;

À querida professora, doutora Franciane Lacerda, pelas relevantes recomendações,


amáveis críticas, delicadeza e zelo com o texto do meu doutoramento e, em especial, quando
da qualificação e da defesa da tese.

Ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, coordenadores e


docentes do PPHIST/UFPA pela dedicação, responsabilidade e compromisso na qualificação
com excelência dos discentes e à querida Lilian Lopes – secretária no PPHIST, por sua boa
vontade em meu auxílio e seus inúmeros préstimos.

Às queridas colegas de turma no doutorado, Sueny Diana Souza, Barbara Palha,


Tatiane Sales, Sidiana Macedo, Márcia Nunes, Patrícia Cavalcante, Angélica Meira, pelo
companheirismo, boas conversas, amizade, intercâmbio de ideias e aprendizado.
Aos integrantes do Grupo de pesquisa Militares, Poder e Sociedade na
Amazônia/UFPA: Sueny, Pablo Nunes, Raimundo Nonato Silva, Admarino Júnior, Alan
Christian, Tiago Ferreira, Daniella Moura, Adriane Prazeres, Diego Filgueiras, Alexandre
Anderson, Lucas Cardoso, Roseane Pinto e Helder Lima, pelo companheirismo e constante
diálogos. À Sueny, especialmente, que por sua doçura e presença, foi se tornando uma
‗amiguinha‘ muito querida.

Também, com muito carinho, quero agradecer à Polícia Militar do Pará, comandantes,
pares e comandados, inclusive aqueles que por mais de duas décadas, ora colegas de ‗missão‘,
ora como meus alunos, ou como meus pacientes, foram meus incontáveis ‗colaboradores‘, e
que, nesta tese, juntaram-se a mim no ‗pelotão‘ que, direta ou indiretamente, ‗marcharam‘
comigo, mesmo sob a cortina do quase anonimato, promoveram algum auxílio às minhas
reflexões.

Aos meus amigos e ‗antigos‘ chefes Cel QOPM Dilson Soares Barbosa Júnior e Cel.
QCOPM Neyla Regina Bahia Vieira da Silva, pela solidariedade, compreensão e auxílio
quando eu necessitava ausentar-me do serviço.

Aos comandantes da Academia de Polícia Militar do Pará, no período da coleta de dados,


o então Tenente Coronel Luiz Carlos Rayol e, depois ao Tenente Coronel Marcelo Simonetti, que
estando à frente da unidade de ensino investigada, autorizaram o meu acesso como pesquisadora.

Minha gratidão mais sincera ao Cel. QOPM R/R Francisco Ribeiro Machado – decano
da instituição PMPA e ao Cel. QOPM R/R João Paulo Vieira da Silva – primeiro comandante
da APM Cel. Fontoura, ambos, por terem me recebido calorosamente, em suas residências,
para as muitas horas de entrevistas; e a todos os demais sujeitos/participantes, meus
interlocutores nesta pesquisa, que dispuseram tão generosamente do seu tempo, às minhas
―curiosidades‖, reportando-se às lembranças diversas, regadas de sorrisos, curiosidades,
saudades e algumas frustrações.

Aos queridos e queridas Raquel Mendes França, Manoel Cordeiro, Margareth


Cordovil, Walber Volgrand, Antonio Carlos Pessoa de Lima, Osmar Santos, Valdene Santos,
Neuza Carvalho, Itamar Gaudêncio, Danielson Monteiro, Wesley Lasmar Calderaro, Patrick
Bahia Vieira, Vera Lúcia Neves, Gilcilene Brabo Mendes, Helen Souza e Ana Carolina
Leopoldino, Fernanda Michelli Gomes e Juscelino Cruz, todos meus colaboradores na coleta
de documentos e de informações.
À amiga jornalista Djanara Introvini, pelas incontáveis horas de trabalho, registros de
dados e fotografias in loco; ao jovem historiador Jean Raphael Costa, pela cooperação com as
fontes de jornais, e ainda aos queridos oficiais da PM, João Paulo Vieira da Silva, Ruth Léa
Guimarães, Marco Antonio Rocha, Heyder Calderaro, Dilson de Melo Junior, Paulo Maurício
Rosa, Maurea Leite, Heyder Nascimento, Heider da Silva Martins, Maxwell Matos e Edimar
Macedo, pela cessão de fotografias dos seus acervos pessoais e Júlio Idelfonso Ferreira pelo
auxilio com as letras de canções.

Ao amigo e irmão de farda Dario Lucas Ângelo, da Polícia Militar de Pernambuco,


pela inspiração poética do cordel que me foi presenteado, com mote em sete silabas: “Quando
eu entrei na farda, tantos sonhos em minha mente”, cuja a centralidade são as memorias das
ideações e desafios reais experimentados na condição de cadete.

Aos meus amáveis colaboradores com os resumos nos idiomas: Rebekah Câmara,
Roberto de Oliveira (carinhosamente Bob) e João Viktor Santos;

À querida Iraneide Silva, pela revisão zelosa do vernáculo e das normas técnicas do
texto final da tese.

Às queridas amigas professoras Rita Cabral França, Nicelma Brito, Rosangela


Barbosa, Simone de Freitas Souza, Raquel Amorim, e ao querido amigo prof. Ival Rabêlo Jr.
por um tempo saudoso que compartilhamos juntos do Núcleo GERA.

E, intencionalmente por último, entretanto de notória importância em afeto, quero do


profundo da alma, agradecer a todos da minha amada e grande família: Ao ‗meu bem‘- Pedro
Paulo e ao meu filhão Heitor, pela compreensão e paciência quando do meu ‗quase total
confinamento social‘ no meu gabinete de estudo, absorvida pelos livros e papeis, na companhia
do computador; e aos demais amados meus: ao papai (Antonio), à mamãe (Miracy), meus
irmãos, cunhadas, sobrinhos, tios e primos; amigos e amigas, pelas orações, carinho,
encorajamento e torcida pelo meu melhor desempenho... A todos que torceram e oraram por
mim, indistintamente, minha sincera gratidão.
RESUMO

A presente tese investiga de que maneira se constituiu a formação de oficiais da Polícia Militar
do Pará, no período de 1988 a 2014. Analisa-se que essa formação profissional inicialmente
realizada com os oficiais da reserva do Exército brasileiro, sob o paradigma e cultura militares,
regida por regulamentos disciplinares, doutrinas, elementos simbólicos, patronos, heróis,
cerimônias específicas, na incorporação do ethos guerreiro e do espírito militar, foi
redimensionada, no pós-1988, em virtude do processo da redemocratização. Posteriormente,
apresentou-se com a perspectiva de amalgamar conteúdos militares aos de polícia comunitária e
cidadã, focados na interdisciplinaridade, transversalidade, e na integração das três principais
unidades de ensino do Sistema de Segurança Pública: Academia de Polícia Militar, Academia
de Polícia Civil e Academia de Bombeiro Militar, devido a criação do Instituto de Ensino de
Segurança do Pará (IESP). Para analisar o percurso decorrido, optou-se metodologicamente por
duas vertentes: a História do Tempo Presente e a História Oral, na perspectiva de 36 sujeitos
que consentiram realizar suas narrativas sobre o que viram e vivenciaram como cadetes,
instrutores ou comandantes, na Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura, dentro do
recorte temporal investigado. As questões pertinentes ao mundo social desses sujeitos são
interpretadas à luz das acepções teóricas de Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Erving Goffman,
Eric Hobsbawm, Celso Castro, Piero Leirner, William Gaia Farias, José Murilo de Carvalho,
dentre outros, realizando o cruzamento das fontes orais (entrevistas) e fontes impressas (jornais,
portarias, decretos, boletins gerais, etc.). Como resultado da tessitura analítica da pesquisa,
constatou-se que a formação policial militar sofreu modificações estruturais significativas,
advindas da Secretaria Nacional de Segurança Pública, por meio da Matriz Curricular Nacional,
e que na primeira década do século XXI, sofreu novas modificações na sua concepção
pedagógica, com o propósito de alcançar a chancela de Instituição de Ensino Superior,
distanciando-se um pouco mais da cultura preponderantemente militar.

Palavras-Chave: Formação. Polícia Militar. Oficialidade. Pará.


RESUMEN

La presente tesis investiga de qué manera, se constituyó la formación de oficiales de la Policía


Militar del Pará, en el período de 1988 a 2014. Se analiza que esa formación profesional
inicialmente realizada con los oficiales de la reserva del Ejército brasileño, bajo el paradigma
y cultura que se ha convertido en una de las más antiguas de la historia de la humanidad en el
siglo XXI. En los últimos años se ha presentado con la perspectiva de amalgamar contenidos
militares a los de policía comunitaria y ciudadana, enfocados en la interdisciplinariedad,
transversalidad, y en la integración de las tres principales unidades de enseñanza del Sistema
de Seguridad Pública: Academia de Policía Militar, Academia de Policía Civil y Academia de
Bombero Militar, por la creación del Instituto de Enseñanza de Seguridad de Pará - IESP.
Para analizar el recorrido transcurrido, se optó metodológicamente por dos vertientes: La
Historia del Tiempo Presente y la Historia Oral, en la perspectiva de 36 sujetos que
accedieron a realizar sus narrativas, sobre lo que vieron y vivenciaron, como cadetes,
instructores o comandantes, en la Academia de Policía Militar Coronel Fontoura, dentro del
recorte temporal investigado. Las cuestiones pertinentes al mundo social de estos sujetos, se
interpretan a la luz de las acepciones teóricas de Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Erving
Goffman, Eric Hobsbawm, Celso Castro, Piero Leirner, William Gaia Farias, José Murilo de
Carvalho, entre otros, realizando el cruce de las fuentes orales (entrevistas) y fuentes impresas
(periódicos, decretos, boletines generales, etc.). Como resultado de la tesis analítica de la
investigación, se constató que la formación policial militar, recibió modificaciones
estructurales significativas, provenientes de la Secretaría Nacional de Seguridad Pública, por
medio de la Matriz Curricular Nacional, y que en la primera década del siglo XXI, sufrió
nuevas modificaciones en la " su concepción pedagógica, con el propósito de alcanzar la
chancela de Institución de Enseñanza Superior, distanciándose un poco más de la cultura
preponderantemente militar.

Palabras-chave: Formación. Policía Militar. Oficiales. Pará.


RESUMÉ

La présente thèse envisage rechercher de quelle manière et comment se constitue la formation


des officiers de la Police Militaire du Pará dans la periode de 1988 à 2014. Elle a aussi
l‘intention d‘analyser dans quelle mesure la formation professionnelle, celle initiale, réalisée
auprès les officiers retraités de l‘armée brésilienne, sous l‘axe de la culture militaire, sous
forme de règlements disciplinaires, avec des doctrines et des élements symboliques, des
sponseurs, des héros, des cérimonies spécifiques, dans l‘incorporation du ethos de guerre et de
l‘esprit militaire, a été revue depuis 1988 en raison de la redémocratisation. Ultérieurement
elle a été présentée sur la perspective de saisir les contenus militaires auprès de la police
communautaire et citoyenne attachés à l‘interdiciplinarité, transversalité et dans l‘intégration
de trois principaux unités d‘enseignement du Système de Sécurité Publique: l‘Academie de
Police Militaire, l‘Academie de Police Civile et l‘Academie des Pompiers Militaire, à travers
la création de l‘Institut d‘Enseignement de Serurité du Pará – IESP. Pour analyser tout ce
parcour nous avons adopter une metodologie axée sur deux points: L‘Histoire du Temps
Présent et L‘Histoire Oral dans la perspective de 36 sujets qui ont voulu réaliser ses narratives
sur ce qu‘ils ont vu et sur ce qu‘ils ont vécu, à la fois comme sous-officiers, comme
instructeurs ou commandants, dans l‘Academie de Police Militaire Officier Fontoura, dans la
ligne d‘investigation proposée par cette étude. Les questions relatives à l‘univers social de ces
sujets sont interprétés selon les théories de Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Erving Goffman,
Eric Hobsbawm, Celso Castro, Piero Leirner, William Gaia Farias, José Murilo de Carvalho,
parmi d‘autres en faisant un croisement des sources oraux (interviews) et da la presse en
générale (journaux, décrets, ordonnances en générales, etc.) L‘ensemble des résultats analyser
de la recherche démontre que la formation du policier militaire a subi des modifications
structuralles significatives proposées par le Sécretariat National de Sécurité Publique à travers
la Base Curriculaire Nationale et qui a éprouvé, dans la prémière décenie du XXI siècle, des
nouvelles modifications dans sa conception pedagoguique, avec le but d‘atteindre la
reconnaissance de l‘Institution d‘Enseignement Supérieure, ce qui a provoqué, un peu plus,
l‘éloignement de ce qu‘on appelle de culture strictement militaire.

Mots-clés: Formation. Police Militaire. Officiers. Pará.


ABSTRACT

The present thesis investigates how the formation of Military Police Officers of Pará was
conducted in the period between the years of 1988 to 2014. It analyzes how the professional
formation was initially carried out with reserve officers of the Brazilian Army, under a
militaristic culture and paradigm. The guidelines of this paradigm upheld disciplinary
regulations, doctrines, symbolic elements, patrons, heroes and specific cerimonial in the
incorporation of the warrior ethos and military spirit that were dimensioned anew in the post
1988, process of redemocratization. A latter perspective presented itself amalgamating
military with community citizen contents that focused on the interdisciplinarity,
transversality, and the integration of the three main educational units of the Public Security
System: Military Police Academy, Civil Police Academy and Military Firefighters Academy
via the creation of the IESP - Instituto de Ensino de Segurança do Pará ( Security Training
Institute of Pará). To analyze the path that was taken in this process, the options versed on
two methodological realms: The History of Present Time and The Oral History, in the
perspective of 35 subjects that consented submitting their narratives, about what they saw and
experienced, within the time range in study, as cadets, instructors or commanders, of the
―Coronel Fontoura‖ Military Police Academy. The elements that relate to the social
environment of these subjects, are interpreted in the light of the theories of Pierre Bourdieu,
Michel Foucault, Erving Goffman, Eric Hobsbawm, Celso Castro, Piero Leirner, William
Gaia Farias, José Murilo de Carvalho, amongst others, crossing the oral sources (interview
fragments) and printed sources (newspapers, ordinances, decrees, newsletters, etc.) As a result
of the analytical process of this research, it was found that the formation of the military
police, received significant structural changes, arising from the National Department of Public
Security, through the National Curricular Norm, that in the first decade of the XXIst century,
underwent new changes in its pedagogical elaboration, with the purpose of obtaining the
approval of Superior Education Institutes, thus distancing itself a little more from a
predominantly military culture.

Keywords: Formation, Military Police, Officership, Pará.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Organograma do efetivo de postos (patentes) .................................................... 48


Figura 2 - Organograma do efetivo de praças especiais e praças por graduações ............... 49
Figura 3 - Matéria ―Admissão de oficias R-2‖, na Coluna Notícias da PM ........................ 70
Figura 4 – Coronel Vieira- Primeiro Comandante da APM. ...................................110
Figuras 5- 6- Primeira equipe de Oficiais da Academia Coronel Fontoura ...................... 112
Figura 7 - Busto do Coronel Antonio Sérgio Dias Vieira da Fontoura – Patrono da PMPA ........ 115
Figura 8 – ‗Mausoléu dos Heróis‘ -Túmulo do Coronel Fontoura ................................... 116
Figura 9 - Emblema da APM Cel. Fontoura ...................................................................... 133
Figura 10 - Estandarte da APM Cel. Fontoura .................................................................. 134
Figura 11 - Missa em ação de graças do 1º CIFO, na Basílica de Nazaré ........................ 156
Figura 12 - Formandos desfilam depois de receberem as espadas .................................... 158
Figura 13 - O governador passa em revista a turma de formandos ................................... 158
Figura 14 - A Academia de Polícia Militar ―Coronel Fontoura‖
entregou espadas a 59 oficiais ................................................................................. 159
Figura 15 - Segunda turma do CIFO da Academia Coronel Fontoura .............................. 162
Figuras 16-18 - Cerimônia do ―Teto de aço‖, no casamento de Marco e Glacy Rocha .......... 169
Figura 19 - Posse de Hilton Benigno e reunião dos aspirantes de 1991 ............................ 172
Figura 20 - Desfile do pelotão de cadetes, onde Léa está inserida na segunda coluna ..... 193
Figura 21 - Padrão adotado para os tipos de cabelo das policiais femininas .................... 199
Figura 22 - Pelotão de cadetes trajando ―bichoforme‖ ...................................................... 218
Figura 23 - Pelotão de cadetes trajando ―bichofino‖ ......................................................... 219
Figura 24 - Pelotão de Cadetes de uniforme azul ferrete na APM Cel. Fontoura ............. 224
Figura 25-26 - Solenidade do espadim da turma de Cadetes da APM Coronel Fontoura ...... 227
Figuras 27-29 - Solenidade de formatura – devolução do espadim .................................. 235
Figura 30 - Turma de formandos da APM Coronel Fontoura ............................................ 236
Figura 31 - Disciplinas do 1º ano mais frequentes no universo de 15 turmas ................... 270
Figura 32 - Disciplinas do 2º ano mais frequentes no universo de 15 turmas ................... 271
Figura 33 - Disciplinas do 3º ano mais frequentes no universo de 15 turmas ................... 271
Figuras 34 - 35 - Treinamento com ‗ordem unida‘ no pátio do IESP ............................... 281
Figura 36 - Instrução de Defesa Pessoal para os cadetes .................................................. 282
Figuras 37-38 - Estágio Operacional de Selva .................................................................. 286
Figuras 39-40 - Atividade ―falsa baiana‖ e transporte de ferido na mata.......................... 288
Figuras 41-44 - Treinamento Físico Militar dos cadetes ................................................... 294
Figuras 45-46 - Premiação de cadetes em atividades desportivas ..................................... 297
Figura 47 - Pelotão de cadetes no TFM entoando canções ............................................... 300
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Quantitativo de oficiais admitidos na PM pelo CPOR/NPOR ........................... 69

Tabela 2 - Curso de Oficiais em Unidades Coirmãs ........................................................... 74

Tabela 3 - Efetivo da Diretoria de Ensino ......................................................................... 105

Tabela 4 - Estrutura organizacional da APM Cel. Fontoura ............................................. 109

Tabela 5 - Quantitativo da Primeira Turma do CIFO - 1991/1992 ................................... 121

Tabela 6 - Quantitativo da segunda turma CIFO - 1992/1993 .......................................... 163

Tabela 7 - Quantitativo da primeira turma regular CFO - 1992/1994 ............................... 205

Tabela 8 - Ingresso de cadetes masculinos no CFO da APM Cel. Fontoura ..................... 207
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Disciplinas ministradas para as turmas do 1º e 2º CIFO ................................. 143

Quadro 2 - Ordem de classificação da Primeira Turma do CIFO ..................................... 154

Quadro 3 - Ordem de classificação da segunda turma de CIFO ....................................... 165

Quadro 4 - Nomes das turmas dos cursos da APM Cel. Fontoura (CIFO e CFO) ........... 200

Quadro 5 - Procedimentos diários com os respectivos horários ........................................ 210

Quadro 6 - classificação dos primeiros colocados na turma pioneira do CFO.................. 237

Quadro 7 - Disciplinas nas áreas temáticas recomendadas pela


Matriz Curricular Nacional. ............................................................................. 262

Quadro 8 - Relação de Material Individual e Coletivo para os Alunos oficiais ................ 287
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AFA Academia da Força Aérea


AMAN Academia Militar das Agulhas Negras.
APM Academia de Polícia Militar
APMMG Academia de Polícia Militar de Minas Gerais
APMPA Academia de Polícia Militar do Pará
BANPARÁ Banco do Estado do Pará
BC Batalhão de Caçadores

BIS Batalhão de Infantaria de Selva


BM Bombeiro Militar
BPCHOQ Batalhão de Polícia de Choque
BPE Batalhão de Polícia de Eventos
BPM Batalhão de Polícia Militar
BPTRAN Batalhão de Policiamento de Trânsito
CAO Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais
CAP Capitão/capitã
CBM Corpo de Bombeiros Militar
CEE Conselho Estadual de Educação
CFAP Centro de Formação de Aperfeiçoamento de Praças
CEL Coronel
CENTUR Fundação Cultural do Estado do Pará
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CEPS Centro de Processos Seletivos
CESO Centro Social
CFO Curso de Formação de Oficiais
CIABA Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar
CIAGA Centro de Instrução Almirante Graça Aranha
CIEPAS Companhia Independente de Policiamento Assistencial
CIFO Curso Intensivo de Formação de Oficiais
CIOP Centro Integrado de Operações
CIPOE Companhia Independente de Policiamento Escolar
CIRP Companhia Independente de Rádio Patrulha
CITEL Centro de Informática e Telecomunicações
CMTE Comandante
COPM Clube de Oficiais da Polícia Militar
COPOM Centro de Operações da Polícia Militar
CPE Comando de Policiamento Especializado
CPOR Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
CPR Comando de Policiamento Regional
CSP Curso Superior de Polícia
CSPBM Curso Superior de Polícia e Bombeiros Militar
DAG Diretório Acadêmico Guararapes
DAL Diretoria de Apoio Logístico
DEI Diretoria de Ensino e Instrução
DGO Departamento Geral Operacional
DP Diretoria de Pessoal
EB Exército Brasileiro
EFOMM Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EOPAS Estágio Operacional de Selva
EPCAR Escola Preparatória de Cadetes do Ar
EsPCEx Escola Preparatória de Cadetes do Exército
EsSA Escola de Sargentos das Armas
FAB Força Aérea Brasileira
FADESP Fundação Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa
GLO Garantia da Lei e da Ordem
HEMOPA Centro de Hemoterapia e Hematologia do Pará
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDESP Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará
IES Instituição de Ensino Superior
IESP Instituto de Ensino de Segurança do Pará
IGPM Inspetoria Geral de Polícias Militares
IME Instituto Militar de Engenharia
IMO Internacional Maritime Organization
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica
ITERPA Instituto de Terras do Estado do Pará
JAPBM-BR Jogos Acadêmicos da Polícia e Bombeiros Militares do Brasil
JISG Junta de Inspeção de Saúde da Guarnição
LC Licença Cassada
LDBEN Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LOB Lei de Organização Básica
MCN Matriz Curricular Nacional
NPOR Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva
ODIDTE Operações de Defesa Interna e Defesa Territorial
PATAM Patrulhamento Tático Metropolitano
PC Plano de Curso
PC Polícia Civil
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PIN Plano de Integração Nacional
PM Polícia Militar (instituição)
pm policial militar (servidor)
PMAM Polícia Militar do Amazonas
PMMG Polícia Militar de Minas Gerais
PMPA Polícia Militar do Pará
PMESP Polícia Militar do Estado de São Paulo
PNSP Plano Nacional de Segurança Pública
PPM Pista de Pentatlo Militar
PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
PTC Pista de Treinamento em Circuito
PUC-MG Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
QCO Quadro Complementar de Oficiais
QO Quadro de Oficiais
QOS Quadro de Oficiais da Saúde
R2 Oficial da reserva das Forças Armadas
RCONT Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e
Cerimonial Militar das Forças Armadas
RDPM Regulamento Disciplinar da Polícia Militar
RENAESP Rede Nacional de Especialização em Segurança Pública
RISG Regulamento Interno e dos Serviços Gerais
ROTAM Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas
RUPM Regulamento de Uniforme da Polícia Militar
SD Soldado
SEAD Secretaria de Estado de Administração do Pará
SEGUP Secretaria de Estado de Segurança Pública
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública
SEPLANSEG Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública
SIGPOL Sistema Integrado de Gestão Policial
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus
STJ Superior Tribunal de Justiça
TAF Teste de Aptidão Física
TEN Tenente
TEN CEL Tenente Coronel
TFM Treinamento Físico Militar
UEPA Universidade Estadual do Pará
UFPA Universidade Federal do Pará
UNAMA Universidade da Amazônia
UNESPA União de Ensino Superior do Pará
ZFM Zona Franca de Manaus
ZPOL Zona de Policiamento
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 22
CAPÍTULO 1 - “PASSANDO EM REVISTA” AS LEGISLAÇÕES ......................... 42
1.1 QUEM ERAM OS PRIMEIROS POLICIAIS MILITARES? ...................................... 59
1.2 ―ORDINÁRIO, MARCHE‖ – DEIXANDO O EXÉRCITO, EM DIREÇÃO
À POLÍCIA MILITAR........................................................................................................... 64
1.3 ―ANOTA AÍ, ALUNO‖! - O INGRESSO NAS COIRMÃS ....................................... 72
1.4 O JOVEM CIVIL E A ESCOLHA PELA CARREIRA POLICIAL MILITAR .......... 79
1.5 A DINÂMICA NOS QUARTÉIS E SUAS PRIMEIRAS INTERFACES
NA FAMILIA ...................................................................................................................................... 83
1.5.1 A “Semana Zero”: adaptação e solidariedade ....................................................... 87
1.5.2 O trote na Academia, um rito de iniciação ............................................................. 95
CAPÍTULO 2 - “EM CONTINÊNCIA AO TERRENO”: A AMAZÔNIA
COMO CENÁRIO FORMADOR DOS OFICIAIS ....................................................... 98
2.1 SURGIU O ―BERÇO DE COMANDANTES E LÍDERES‖ ...................................... 104
2.1.1 O Lócus e o Patrono da APM ................................................................................ 105
2.2 AS DUAS PRIMEIRAS TURMAS DO CURSO INTENSIVO DE
FORMAÇÃO DE OFICIAIS .............................................................................................. 118
2.2.1 A Primeira Turma do CIFO .................................................................................. 118
2.2.2 A Segunda Turma do CIFO .................................................................................. 123
2.2.3 Forjando uma Identidade Institucional: o grito de guerra, o emblema,
o estandarte e a canção da APM ......................................................................... 131
2.3 COMPORTAMENTO ESCOLAR, INSTRUÇÕES E INSTRUTORES ................... 137
2.4 AS PRIMEIRAS FORMATURAS DE OFICIAIS DA FONTOURA ....................... 152
CAPÍTULO 3 - “A-TEN-ÇÃO CUR-SO, SEN-TIDO” - A FORMAÇÃO
DE OFICIAIS DAS TURMAS REGULARES ............................................................. 173
3.1 AS PRIMEIRAS MULHERES POLICIAIS MILITARES NO PARÁ ...................... 179
3.2 PADRONIZAÇÃO MASCULINA PARA AS MULHERES: CABELOS, UNHAS,
FARDAMENTO ETC. ...................................................................................................... 195
3.3 O QUANTITATIVO DE CADETES FEMININO X MASCULINO ........................ 200
3.4 VIDA FIELMENTE ADMINISTRADA ................................................................. 210
3.5 TRAJES, UNIFORMES E APRESENTAÇÃO PESSOAL DO CADETE ................ 215
3.5.1 o primeiro traje do cadete ...................................................................................... 216
3.5.2 O uniforme de gala do cadete ................................................................................ 222
3.6 O ESPADIM: A ‗IDENTIDADE‘ DO ALUNO OFICIAL ..................................... 225
3.7 DISCIPLINA NOS DESFILES MILITARES ............................................................ 228
3.8 SOLENIDADE DE FORMATURA ........................................................................ 233
CAPITULO 4 - A “MARCHA” DA ACADEMIA DE FONTOURA PARA O IESP238
4.1 O CENÁRIO SOCIAL BRASILEIRO E A POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO DAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO DE SEGURANÇA PÚBLICA NO PARÁ ...................... 239
4.1.1 A Formação individualizada das Unidades de Ensino e a Formação Integrada:
Uma Possibilidade? ......................................................................................................... 253
4.2 A FORMAÇÃO DA OFICIALIDADE: ARTICULAÇÕES E
ALINHAMENTO COM A MCN ....................................................................................................237
4.3 ANÁLISE DAS DISCIPLINAS PROMOVIDAS NO IESP ...................................... 272
4.4. ESTÁGIO DE OPERAÇÕES EM AMBIENTE DE SELVA – EOPAS.................. 283
4.5 TREINAMENTO FÍSICO-MILITAR, CALISTENIA E CANÇÕES ........................ 290
4.6 HINOS E OUTRAS CANÇÕES DE TREINAMENTO POLICIAL MILITAR ........ 299
4.7 PERCEPÇÕES DOS SUJEITOS ACERCA DA INTEGRAÇÃO ............................. 305
4.7.1 Percepções acerca da Matriz Curricular.............................................................. 310
CONSIDERAÇÕES FINAIS - “FORA DE FORMA‖................................................ 312
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 316
APÊNDICES .................................................................................................................... 346
APÊNDICE A: OFÍCIO AO CEL. PM AILTON SILVA DIAS ...................................... 347
APÊNDICE B1: OFÍCIO AO TEN. CEL. LUIZ CARLOS
RAYOL DE OLIVEIRA ....................................................................... 348
APÊNDICE B2: OFÍCIO AO TEN. CEL. MARCELO CHUVA SIMONETTI.................... 349
APÊNDICE C: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.............. 350
APÊNDICE D: ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ........................ 351
APÊNDICE E: DADOS BIOGRÁFICOS DOS ENTREVISTADOS .............................. 352
APÊNDICE F: MAPA DE DISCIPLINAS APM/IESP ................................................... 360
22

INTRODUÇÃO

[...] mudar-se a maneira de ver, para modificar o horizonte daquilo


que se conhece e para tentar distanciar-se um pouco.
Michel Foucault,19841

Realizar uma pesquisa na instituição a qual pertenço configura-se como um duplo


desafio: primeiramente, empreende um exercício que representa, parafraseando Michel
Foucault, a ‗tentativa de distanciar-me um pouco‘ e, segundo, ‗a necessidade de
estranhamento‘. Distanciamento da minha condição de policial militar, que me faz conviver
com modelos e valores institucionais incorporados, com práticas tidas por naturalizadas nesse
campo2 social hierarquizado e, por conseguinte, a necessidade de ‗estranhar‘ tudo aquilo que me
foi repassado e inculcado, deixando de ver as ‗coisas‘ de forma tão habitual para que eu pudesse
finalizar a produção desta tese, analisando as questões produzidas dentro e fora deste campo.

Ainda como parte do duplo desafio, e para ser diligente no trato dos dados coletados,
sobretudo porque os personagens – interlocutores nesta pesquisa – estão vivos e porque esta
pesquisadora já estava inserida na instituição, pelo menos sob dois aspectos: vivenciando a
formação policial militar propriamente dita, que se deu em 1994, desde então, participando na
condição instrutora de várias turmas, tanto no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de
Praças (CFAP)3, na Academia da Polícia Militar Coronel Fontoura (APM) quanto no Instituto
de Ensino de Segurança do Pará (IESP), criado posteriormente. Em vista disso, havendo
significativas inquietações quanto à área de ensino, do ingresso e da formação profissional
policial militar.

Neste sentido, propus por objeto de investigação desta pesquisa ―a formação do oficial
policial militar no estado do Pará, no período 1988 a 2014‖, neste recorte histórico leva-se em
conta o início do marco temporal (1988), que evoca diversas questões políticas, entre estas a

1
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
2
A noção conceitual de Campo, extraída da obra de Pierre Bourdieu (2010), é fundamental nesta pesquisa.
Fundamenta-se como o espaço social dinâmico, onde as interações se estabelecem, nas relações de poder, de
classes, nas hierarquias, disputas e jogos relacionais, que se distingue por regras e leis, nas disposições
incorporadas (habitus), obedecidas pelos agentes nas diferentes posições ocupadas no Campo.
3
O Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças Coronel PM Carlos Alberto Moreira é a unidade escolar
mais antiga da PMPA, cujo objetivo é a formação e aperfeiçoamento de praças no Pará.
23

promulgação da Constituição Federal de 1988, denominada nos seus primórdios pelo


presidente da Constituinte Deputado Ulisses Guimarães, de ‗constituição cidadã‘4, logo após
o processo de redemocratização5 do país, tendo havido o declínio regime de governo militar,
desde então, os militares foram perdendo a força política, na relação com a sociedade civil; e,
finalizando, o período investigativo (2014), ano em que o Instituto de Ensino de Segurança
Pública do Estado (IESP), que abriga a Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura, iniciou
seu processo de credenciamento junto ao Conselho Estadual de Educação (CEE), visando
transformar-se em uma Instituição de Ensino Superior (IES), demarcando outro momento
para a formação acadêmica dos oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar.

A escolha deste objeto de pesquisa se justifica por entender sua relevância para a
historiografia local e, para o campo da história militar. Justifica-se ainda pela escassez de
trabalhos acadêmicos sobre a ‗formação da oficialidade policial‘ na região norte,
especialmente na perspectiva do stricto sensu.

Constata-se que pesquisas sobre ‗Polícia‘, se tornam escassas, pois se apresentam


como temáticas de pouco interesse, como afirma a historiadora Andrea Schactae, a ―Polícia é
pouco estudada, por haver da parte dos acadêmicos, tendência a eleger outros objetos de
6
estudos‖ e que segundo os historiadores Marcos Bretas e André Rosemberg, se mostram
―bastante recentes na historiografia‖7.

No Pará, há estudos interessantes sobre a corporação policial paraense no período final


da monarquia e primórdios do regime republicano, realizados de modo singular pelo
historiador William Gaia Farias, frutos de suas pesquisas, como na obra ―A construção da
República no Pará (1886-1897)‖8.

Outros estudos e investigações sobre a temática, seguem tomando volume


investigativo renovado, através dos integrantes do grupo de pesquisa ―Militares, Poder e

4
OLIVEN, Rubem George et al. (Org.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Aderaldo &
Rothschild: ANPOCS, 2018.p.14.
5
A redemocratização do Brasil provocou intensas transformações nas instituições públicas, em particular nas
organizações policiais, principalmente pela redefinição da missão que passaram a desempenhar, diante de um
Estado Democrático de Direito. In: PMPA: Diretriz Geral de Emprego Operacional da Polícia Militar do
Pará. DGO/PMPA. Nº 001/2014. Ver: D‘ARAÚJO, Maria Celina. Redemocratização e mudança social no
Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2014; PINSKY, Jaime (Org.). O Brasil no contexto: 1987-2017. São Paulo:
Contexto, 2017.
6
SCHACTAE, Andrea Mazurok. A ordem e a margem: comportamento disciplinar para a polícia feminina no
Paraná (1977-2000). Revista Tempo. v. 21, n. 37, 2015.
7
BRETAS, Marcos L.; ROSEMBERG, André. A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas. Topoi,
v. 14, p. 163, 2013.
8
FARIAS, William Gaia. A Construção da Republica no Pará (1886-1897). Belém: Açaí, 2016.
24

Sociedade na Amazônia‖9 cujo objetivo revela-se em investigar os processos de recrutamento e


formação de militares oficiais e praças das Forças Armadas e Auxiliares, dos civis a serviço do
Estado (delegados, escrivães e investigadores), bem como as experiências sociais no cotidiano
desses sujeitos.

Neste sentido, pareceu-me pertinente investigar, dentro do recorte temporal proposto,


‗a formação‘, o desenvolvimento do ensino policial militar, mais especificamente na
Academia da Polícia Militar Coronel Fontoura (APM), criada dois anos depois da
promulgação da Constituição de 1988, analisando as práticas que apontavam ser peculiares ao
regime considerado ditatorial, e como se manifestavam as rupturas e permanências de tal
regime ao longo das últimas décadas do século XX, na referida unidade de formação dos
oficiais10.

A relevância do percurso investigativo consiste em se analisar, a partir das


experiências vivenciadas pelos sujeitos na condição de cadetes (alunos oficiais) e/ou de
instrutores11, o contexto histórico de transição democrática, diante das práticas existentes na
unidade de ensino policial militar, frente às exigências e inovações oriundas daquela nova
ordem constitucional no país.

Ora, no período anterior à promulgação da Carta Magna de 1988, os governos do


regime militar influenciavam os diversos setores da sociedade e, como parte da organização
militar, provavelmente a formação policial militar não estava imune às transformações
históricas, sociais, políticas e culturais vivenciadas pela população.

Para tanto, nesta investigação, elegi as seguintes questões norteadoras: Como era a
admissão na instituição policial militar no período investigado? Quais motivações levavam o
ingresso de jovens à carreira policial militar? Como se dava o processo de formação de
oficiais no pós-regime militar? Havia formação diferenciada entre homens e mulheres? Quais
disciplinas cursavam? Quem eram os formadores? Quais mudanças curriculares ocorreram? E
quais as repercussões foram observadas na formação ao longo das décadas investigadas?

9
O grupo de pesquisa ―Militares, Poder e Sociedade na Amazônia‖ surgiu em 2013, vinculado ao CNPq, com as
linhas de pesquisa: ―Militares e política na Amazônia‖ e ―Recrutamento, formação, experiências sociais e
relações de poder‖, sendo coordenado pelo professor Dr. William Gaia Farias e integrado por estudantes de
graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Pará.
10
Oficiais e Praças são denominações hierárquicas de duas categorias profissionais dos policiais militares.
Oficiais são as patentes mais altas, que em carreira ascendente denominam-se: tenentes, capitães, majores,
tenentes-coronéis e coronéis; e Praças são patentes mais baixas, que em carreira ascendente denominam-se:
soldados, cabos, sargentos e subtenentes.
11
No âmbito das escolas militares convencionou-se atribuir o termo ―instrutor‖ ao docente militar e ―professor‖
ao docente civil (não militar), e ambos são reconhecidos como formadores.
25

A tese que sustento é de que a formação policial militar, inicialmente alicerçada sob o
paradigma e cultura militar12 do Exército brasileiro, regida por normas disciplinares e doutrinas13
peculiares; no culto a elementos simbólicos14; cerimônias e festividades15 específicas; patronos e
heróis16; na incorporação do ethos17 guerreiro; e do espírito militar, passou a ser considerada,
como ‗anacrônica‘ para a formação policial militar no pós-1988 e, por essa razão, foi obrigada a
um redirecionamento no contexto da redemocratização, para atender à perspectiva de uma atuação
policial ‗cidadã‘, havendo mudanças estruturais significativas balizadas pela Matriz Curricular
Nacional, dessa vez, não mais advindas do Exército brasileiro, e sim da Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP)18, a qual, anos depois, na primeira década do século XXI, sofreu
novas alterações na sua concepção pedagógica, com o propósito de adequar-se para alcançar a
chancela de Instituição de Ensino Superior (IES), distanciando-se um pouco mais da cultura
predominantemente militar.

Para a execução da pesquisa, optei por duas vertentes metodológicas: a primeira sendo a
História do Tempo Presente e a segunda, a História Oral. Convém esclarecer que a opção pela
História do Tempo Presente (HTP) surge por ser o recorte temporal investigado de 1988 a 2014,
período esse que se encaixa no que Marcos Napolitano19 compreende sobre a HTP: ―é ela que se
dedica ao período simultâneo e posterior a 1945‖. Além da proximidade que revela esse período,
para adoção da HTP, soma-se o fato de todos os entrevistados estarem vivos e suas memórias
dinâmicas e recentes interagindo com o tempo desta pesquisadora.

Igualmente, a opção pela História Oral, baseia-se nas narrativas, nas tessituras das
falas e memórias, nos sentidos, significados que esses sujeitos atribuem às suas trajetórias na

12
A noção trazida pela palavra ‗militar‘, conforme analisa Adriana Souza (2012), nos remete quase que
naturalmente à ideia de um profissional em cuja formação tenha incorporado um conjunto de valores e
atitudes fundamentado por uma forte disciplina, com identidade corporativa, preparo e habilidades técnicas
específicas, aprendidos durante anos. SOUZA, Adriana Barreto de. A defesa militar da Amazônia: entre
História e Memória. In: CASTRO, Celso. Exército e nação: estudos sobre a história do exército brasileiro.
Rio de Janeiro: FGV, 2012. p.179.
13
Regulamento Interno de Serviços Gerais (RISG); Código de Ética e Disciplina.
14
Bandeira Nacional, Hino Nacional, Armas Nacionais.
15
Dia da Pátria, Dia da Bandeira, Dia do Soldado.
16
Duque de Caxias, Tiradentes.
17
‗Ethos‟ segundo Clifford Geertz, são os aspectos morais, e estéticos de uma dada cultura, que se manifestam
como elementos valorativos, enquanto os aspectos cognitivos existenciais, são designados como ‗visão de
mundo‘. GEERTZ, Clifford. ―Ethos‖, Visão de Mundo e Análise de Símbolos Sagrados. In: GEERTZ,
Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. p. 93-94.
18
A SENASP foi criada pelo Decreto nº 2.315, de 4 de setembro de 1997, em decorrência da reformulação da
antiga Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública (SEPLANSEG).
19
NAPOLITANO, Marcos. Pensando a Estranha História Sem Fim. In: KARNAL, Leandro. (Org.). História
na sala de aula: conceitos, práticas e respostas. São Paulo: Contexto, 2004. p.168.
26

carreira policial militar, nas reminiscências das situações vivenciadas ou em qualquer outro
aspecto que pudesse ser revelado por meio de suas entrevistas.
Nota-se que o trabalho com História Oral se beneficia de ferramentas dos diversos
campos das ciências humanas: Antropologia, Psicologia, História, Literatura, Sociologia,
constituindo-se em uma metodologia interdisciplinar, e que, para o campo da História,
mostra-se de modo relevante, de acordo com Verena Alberti20, por se tratar de ―[...]uma
metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o estudo da história contemporânea,
surgida em meados do século XX‖.

Por conta disso, as fontes orais me são preciosas nesta investigação, elas não surgem
como para o preenchimento de lacunas, todavia como a captura de uma memória social, da
categoria profissional policial militar e revela por meio de sua experiência, informações que
fundamentam o objeto investigativo de minha análise.

Destaco que, na História Oral, um fato vivido pelo entrevistado não pode ser transmitido
se não for narrado, por isso, a narrativa é um de seus principais alicerces. Quando ―o entrevistado
21
conta sua experiência, ele transforma o que foi vivenciado em linguagem‖ ao discorrer sua
narrativa selecionando e organizando os acontecimentos, dando a eles um sentido. Isso se
processa por meio da conversa, da interação entre o entrevistador e o entrevistado.

Na História Oral, a entrevista consiste num valioso método de pesquisa e, segundo


Alistair Thomson, é imprescindível para a história do século XX.

Ela permite acesso à experiência não documentada – inclusive às vidas de líderes


que ainda não escreveram suas autobiografias – e, mais importante, às "histórias
ocultas‖ [...] permitem explorar aspectos da experiência histórica que raramente são
registrados, tais como relações pessoais, vida doméstica [...]. Elas oferecem uma rica
evidência sobre os verdadeiros significados subjetivos, ou pessoais, de eventos
passados [...] capacidade de questionar seus informantes, de fazer perguntas que
podem não ter sido imaginadas no passado e de evocar reminiscências e
entendimentos anteriormente silenciados ou ignorados.22

Neste sentido, e em certa medida, a narrativa oral aproxima-se da escuta psicológica,


que é uma das atividades que realizo como psicóloga há alguns anos. Digo em certa medida
porque, enquanto psicóloga, busco efetuar a escuta fundamentada no sigilo, na

20
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes históricas.
São Paulo: Contexto, 2014. p.155-156.
21
ALBERTI, Ibid., p.170-171.
22
THOMSON, Alistair. Aos cinquenta anos: uma perspectiva internacional de História Oral. In: ALBERTI,
V.; FERNANDES, T. M.; FERREIRA, M. M. (Orgs.). História Oral: desafios para o século XXI. (online).
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000. p. 51.
27

confidencialidade. No entanto, visando alcançar o objetivo desta pesquisa utilizando-me da


história oral, busquei a interpretação do conteúdo da narrativa não para confidenciar, mas para
poder revelá-lo e difundi-lo na escrita da tese.

Salvaguardadas as diferenças, ainda assim a história oral aproxima-se da escuta


psicológica, visto que as reminiscências vêm como narrativas e fazem parte de uma elaboração
psíquica, resgatando as lembranças de vivências que estavam afundadas no esquecimento.

[...] Partes da vida que parecem ter afundado no esquecimento reaparecem, enquanto
por outro lado, outras afundam por serem menos importantes. O presente conduz o
passado como se este fosse membro de uma orquestra. Ele precisa desses tons
somente, e de nenhum outro. Assim, o passado parece às vezes longo; às vezes soa, às
vezes cala. Só influenciam no presente aquelas partes do passado que tenham a
capacidade de esclarecê-lo ou obscurecê-lo23.

Com essa compreensão, as recordações dão possibilidade ao sujeito, de que aquilo que
parecia estar afundado, reapareça paulatinamente, à medida em que o sujeito, desenvolve a
sua narrativa. Assim, por meio da fala, se revela a permissão para o encontro com o passado, e
progressivamente as lembranças vão sendo acessadas.

Destaco que, falar do passado, apoiado por uma atenção interpretativa e analítica das
ciências Psis24, torna-se catártico25, embora não deixe de ser uma prova de paciência para o
analista e uma tarefa árdua para o sujeito da análise, ao fazer vir à tona, algo que estava,
conforme a Teoria Psicanalítica de Sigmund Freud26 ―encobridoramente‖ guardado, e que de
alguma forma, convinha ser exteriorizado e revelado ou, simplesmente, relembrado e contado.

Recordar, rememorar, relembrar, favorece o processo da narrativa; e esta, por sua vez,
associada ao trabalho da linguagem, produz a elaboração psíquica, que evoca o
entrelaçamento dos tempos dentro de nós (sujeitos), dando um sentido às nossas identidades:

O processo de recordar é uma das principais formas de nos identificarmos quando


narramos uma história [...] identificamos o que éramos no passado, quem pensamos
que somos no presente, e o que gostaríamos de ser. As histórias que relembramos não
são representações exatas do nosso passado, mas trazem aspectos desse passado e os
moldam para que se ajustem às nossas identidades e aspirações atuais. Assim,

23
SVEVO, Ítalo. Consciência de Zeno. In: ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e
transformações da memória cultural. Campinas: Unicamp, 2011. p. 21.
24
Psicanálise, Psicologia de base analítica ou Psicodinâmica e Psiquiatria.
25
―Catarse‖, segundo o Dicionário Psicanalítico, é o termo que provém do grego ―kátharsis‖, utilizado para
designar o estado de libertação psíquica que o ser humano vivencia quando consegue superar algum trauma,
baseando-se na rememorização da cena e de fatos passados que estejam ligados a desconfortos ou incômodos
emocionais. In: LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 60.
26
FREUD, Sigmund. Recordar, Repetir e Elaborar (Novas Recomendações sobre a técnica da Psicanalise II).
[1914]. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980. v. XII.
p.191-203.
28

podemos dizer que nossa identidade molda nossas reminiscências; quem acreditamos
que somos no momento e o que queremos que afetem o que julgamos ter sido.
Reminiscências são passados importantes que compomos para dar um sentido
satisfatório à nossa vida, à medida que o tempo passa, e para que exista maior
consonância entre identidades passadas e presentes.27

Por essa afirmação de Thomson, compreendemos o quão relevante tornam-se as


recordações, como um bilhete de acesso ao transporte para o passado que habita em nossa
memória. Lá, em algum vagão desse transporte, promovemos o encontro conosco mesmo,
―nos identificamos com quem éramos no passado, analisamos brevemente quem pensamos
que somos no presente, e projetamos sobre a pessoa que gostaríamos de ser‖28.

Mas, segundo a afirmação de Thomson, as lembranças não são representações exatas


do passado e sofrem alterações. Essa afirmativa é corroborada por Michael Hall29, quando
adverte que a história oral ―não é a experiência vivida em estado puro‖; que muito
provavelmente o envolvimento emocional promove alterações na memória, favorecendo as
lembranças de algumas experiências com precisão e o esquecimento de outras; e que,
portanto, não convêm correr os riscos da inocência quanto ao que se ouve.

Observa-se que em uma narrativa é possível que as lembranças emanem de modo


entrecortadas, com lacunas; podem ter sido até inconscientemente selecionadas pelo narrador
para dar um desfecho mais condizente com o que se deseja informar; ou mesmo de uma
história que se revela sendo bem-sucedida ou próspera.

Assim, diante da advertência de Alistair Thomson e Michael Hall sobre a falibilidade


ou distorções da memória, vislumbrei como estratégia realizar entrevistas com mais de um
sujeito das mesmas turmas, dirimindo possíveis lacunas das narrativas de um e de outro, sobre
aquilo que viveram coletivamente, agregando percepções, sentidos e significados ao que foi
vivido e, concomitantemente, fui realizando o cruzamento das fontes.

Porém, antes de realizar as entrevistas, procurei estar atenta às orientações de Verena


Alberti, quanto à definição de critérios, concernentes ao tipo de pessoa a ser entrevistada:

A narrativa dos entrevistados e sua visão sobre o tema estudado devem ser
importantes para os propósitos da pesquisa. Além disso, é preciso [...] que haja
entrevistados em condições de prestar seu depoimento. [...] definir que tipo de
pessoa será entrevistada, quantos serão entrevistados [...]. Essas escolhas serão

27
THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as memórias.
Revista Projeto História, São Paulo, n.15, p. 51-84, 1997.
28
THOMSON, 1997, p. 57.
29
HALL, Michael Mcdonald. História Oral: os riscos da inocência. In: O Direito à Memória. São Paulo:
Departamento do Patrimônio Histórico, 1992. p. 157.
29

condicionadas pelos objetivos da pesquisa: „quem entrevistar?‘ Depende de ‗o que


quero saber?‘ [...]. Para selecioná-los é necessário um conhecimento prévio do
universo estudado; é preciso conhecer o papel dos que participaram ou participam
do tema investigado, saber quais seriam os mais representativos e quais são
reconhecidos pelo grupo [...] 30 (grifos nosso)

Desta feita, seguindo as recomendações de Verena Alberti, fiz uma listagem com nomes
das pessoas que seriam meus prováveis entrevistados, com uma biografia sucinta de cada um,
que justificasse a minha escolha, de acordo com os objetivos da tese. Em seguida, fui à procura
dos sujeitos cujos nomes constavam na referida listagem, oficiais da ativa31, da reserva e
reformados32, visando obter em suas narrativas as informações e experiências no que tange a
participação da formação, ora como cadetes, ora como instrutores ou como gestores no
período investigado, para que fossem meus interlocutores.

Os critérios de inclusão que adotei nesta pesquisa eram: que o sujeito informante,
deveria conceder a entrevista espontaneamente, que tivesse participado da formação na
unidade de ensino durante o recorte temporal proposto nesta investigação e estivesse disposto
a narrar suas memórias e lembranças do que vivenciou no seu processo de formação e, no
caso dos instrutores ou comandantes, do modo como a promoveram.

Vale esclarecer que minha listagem inicial de prováveis entrevistados, teve que ser
revista e refeita várias vezes e, por vários motivos. Dentre os principais, pelo fato de que
alguns sujeitos não mostraram interesse em participar da pesquisa. Houve oficiais que a
princípio aceitaram participar e solicitaram o acesso ao roteiro de entrevista previamente, mas
depois que o providenciei, não obtive retorno quanto à possibilidade de agendar a entrevista.
A meu ver a recusa33, isso se configurou critério de exclusão do próprio sujeito, à pesquisa.

Desta forma, os recortes das entrevistas aqui apresentados, são daqueles interlocutores
que se disponibilizaram espontaneamente a revelar suas experiências para a produção desta
tese. Por meio da História Oral, a partir do seu ingresso na Polícia Militar do Pará, algumas

30
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes históricas.
São Paulo: Contexto, 2014. p. 172.
31
O termo ―ativa‖ refere-se àquele policial militar que está em pleno gozo das atividades profissionais.
32
O termo “Reserva‖, no âmbito militar, refere-se àquele policial militar que está aposentado, mas se encontra
em condições físicas e na faixa etária compatível, caso haja alguma eventual e imperiosa convocação, poderá
retornar ao exercício profissional. Por sua vez, os ―Reformados”, diferentemente dos que estão na Reserva,
são aqueles afastados definitivamente, seja por motivo de doença ou por idade muito avançada, ficam
impossibilitados de convocação.
33
A ―recusa‖ de sujeitos em concederem entrevista, apresenta-se como natural em âmbito de pesquisa, uma vez
que a participação não se faz compulsória, deve ser espontânea e consentida pelo sujeito. Entretanto
compreendi, no caso de alguns, que o motivo da recusa, fosse o receio de supostas repercussões que tais
informações pudessem trazer-lhes, principalmente em âmbito profissional-institucional.
30

dessas pessoas até então ocultadas, com suas ―histórias vistas de baixo‖34, puderam ter voz no
texto, relatando as lembranças, opiniões, sentidos e significados do processo de formação
vivenciado.

Quanto aos procedimentos para realização das entrevistas, atendendo aos critérios da
―Ética em pesquisa com seres humanos‖35, apresentei o rol das perguntas aos pretensos
participantes, após a aceitação dos mesmos, confirmada mediante a assinatura do Termo de
Consentimento Livre Esclarecido-TCLE36 (Apêndice C), passei então a entrevistá-los.

As entrevistas ocorreram predominantemente de modo individual, gravadas, escritas


ou digitadas, entretanto, houve entrevistas que foram realizadas com duplas de interlocutores.
Também, por questão de viabilidade, as realizei em locais e horários combinados com os
sujeitos: em suas residências, no horto municipal de Belém, em cafeterias da cidade, ou
mesmo nos quarteis onde alguns dos sujeitos, encontravam-se exercendo suas atividades.

No roteiro de entrevista semiestruturada (Apêndice D), as perguntas perpassavam por


questões sobre a origem do informante, a seleção, o ingresso, o cotidiano da unidade de ensino, o
processo de formação propriamente dito, a motivação para seguir a carreira militar, as
experiências na Academia, as aulas, as disciplinas ministradas, a relação com os colegas, com os
instrutores, os elogios, as punições e a sua percepção, enquanto sujeito, de como
vivenciou/experimentou esses momentos.

Por se tratar de uma pesquisa de cunho qualitativo, os elementos descritivos nas narrativas
foram priorizados e cruzados aos dados quantitativos, relacionados ao número de aulas, carga
horária das disciplinas e outros indicadores numéricos que são apresentados nesta tese, em
gráficos, quadros e tabelas, como elementos igualmente importantes para análise. De posse das
narrativas, cumpri as seguintes etapas: primeiramente, fiz a transcrição das respostas e digitação
das gravações das entrevistas individuais ou em duplas; em seguida, fiz a leitura das transcrições
para obter uma compreensão global dessas narrativas, depois destaquei as palavras, expressões ou
frases que se repetiam nas entrevistas de todos os sujeitos; busquei identificar aquilo que unia

34
O termo a ―história vista de baixo‖ é baseado nas ideias de Christopher Hill e de historiadores com Edward
Thompson e Natalie Zemon Davis. Compreende-se que a história oficial, recorrentemente, traz a perspectiva de ser
contada por pessoas da elite, ou seja, influentes. Entretanto, na concepção da história vista de baixo, a experiência
pode ser apresentada por pessoas comuns, geralmente ignoradas ou silenciadas pela história oficial.
35
KOTTOW, M. História da ética em pesquisa com seres humanos. In: Ética em Pesquisa: temas globais.
Brasília: Letras Livres/Universidade de Brasília, 2008.
36
O Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) consiste na declaração do sujeito, ao assinar o termo
concordando em participar voluntariamente da pesquisa. A pesquisa em qualquer área do conhecimento
envolvendo seres humanos deverá ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem. Ver: HOSSNE,
W. S. Consentimento: livre e esclarecido. Cadernos de Ética em Pesquisa, Brasília, n.10, p.3, jul. 2002.
31

diferentes assuntos, e como conexões temáticas me possibilitavam encontrar o fio condutor em


cada narrativa. Por fim, agrupei os fragmentos mais ilustrativos, como categorias discursivas,
interpretando os significados e os sentidos latentes, que os próprios sujeitos deram às suas
histórias, e das documentações da instituição PMPA, procurei construir um sentido histórico, para
levar as ideias centrais ao texto e compor a tessitura da tese.

Entrevistei, no total, 36 sujeitos (04 mulheres e 32 homens), cujo os dados biográficos


se encontram sucintamente ao final da tese. (Apêndice E). Por ser o objeto investigativo desta
pesquisa, a ‗formação de oficiais‘, os interlocutores teriam que ser do círculo de oficiais e
corresponder aos seguintes critérios: Participantes da formação em uma Academia Policial
Militar, dentro do recorte temporal investigado, em diferentes contextos e funções, fosse como
cadetes, instrutores ou gestores – nos cursos de formação, de aperfeiçoamento, de nível superior
de Polícia ou mesmo na gestão.

A maior amostragem de entrevistados recaiu na patente de oficiais superiores (coronéis


e tenentes-coronéis), dentre os quais, alguns contabilizam, em média, de 25 a 30 anos de
serviço, portanto, conhecem como opera a vivência profissional em vários níveis. Além desses,
a amostra compôs-se ainda de oficiais intermediários37 e subalternos, que são os de formações
atinentes aos últimos anos do recorte temporal.

O historiador Alistair Thomsom, ao assegurar que não há uma "maneira certa" de


entrevistar, destaca alguns conselhos práticos para entrevistadores da história oral, aos quais
busquei atentar: ―a importância da preparação; a necessidade de estabelecer rapport e
intimidade, de ouvir e de fazer perguntas abertas, de refrear os impulsos de interromper; a
importância de permitir pausas e silêncios, de fugir dos jargões, de evitar ser inquisitivo e de
minimizar a presença do gravador‖38.
Pensando nisso, nos momentos que antecederam as entrevistas, realizei o rapport39,
criando um clima de confiança necessário para a entrevista, expondo aos entrevistados os
objetivos da pesquisa e qual seria o tratamento disponibilizado aos dados coletados na
pesquisa de campo; formulava as perguntas, pausava, gravava, escrevia, e assim fomos
desenvolvendo nossa interlocução.

37
Nas Polícias Militares, os oficiais superiores, em carreira ascendente, são: Majores, Tenentes-Coronéis e
Coronéis; os oficiais intermediários são Capitães; e os oficiais subalternos são: 2º Tenentes e 1º Tenentes.
38
THOMSON, Alistair. Aos cinquenta anos: uma perspectiva internacional de História Oral. In: ALBERTI, V.;
FERNANDES, T. M.; FERREIRA, M. M. (Orgs.). História Oral: desafios para o século XXI. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2000. p. 48. [online].
39
Rapport é um conceito originário da Psicologia, que remete à técnica de criar uma ligação de empatia com outra
pessoa. O termo vem do francês rapporter, cujo significado remete à sincronização. A técnica objetiva gerar
confiança no processo de comunicação, para que a pessoa fique mais aberta e receptiva a trocar informações.
32

O fato de eu fazer parte desse universo40 não me deixou imune às dificuldades da


investigação no campo, entretanto, avalio que contribuiu, em certa medida, para o andamento
da pesquisa, porque segundo Roger Chartier41, o ―historiador do tempo presente é
contemporâneo de seu objeto e, portanto, partilha com aqueles cuja história ele narra, as
mesmas categorias essenciais, as mesmas referências fundamentais‖42. Além disso, essa
proximidade existente entre pesquisador e pesquisado, ao invés de ser algo inconveniente,
pode lhe permitir um melhor entendimento do universo ou da realidade pesquisada.

Nas entrevistas, estabeleço o cruzamento das fontes para a tessitura da análise,


atentando ao cuidado apontado por Michael Hall43, em não utilizar o depoimento oral como
uma fonte suficiente em si, para não correr o risco de ver somente o que os informantes viram
e obter relatos inocentes, distorcidos ou mesmo exagerados quanto aos acontecimentos.

Além de fontes orais, utilizo as fotografias disponibilizadas pelos interlocutores, cedidas


do seu próprio acervo, para que eu pudesse me aproximar do significado dos fatos, explicitando o
―registro de objetos, de fatos, da aparência dos cenários, como vestígios de um passado [...]
caracterizados por tempos muito bem demarcados: o de sua gênese e o de sua duração‖44.

As entrevistas e a análise documental possibilitaram-me a compreensão do processo sócio


histórico vivenciado pelos participantes da pesquisa, constatando-se que inúmeras questões
relacionadas ao percurso decorrente do Curso Intensivo de Formação de Oficiais e após a
transição para o Curso Regular de Formação, não se encontravam escritas, necessitando de uma
investigação acurada e uma escuta sensível junto àqueles que participaram desse processo.

O trabalho de análise transcorreu no sentido de perceber os desdobramentos do ‗dito‘


nas entrevistas ou expresso nos documentos, mas também de reparar nas lacunas, do ‗não
dito‘, as incongruências, as incorporações45 e as repercussões produzidas na formação dessa
oficialidade, no recorte temporal proposto.

40
Reporto-me ao fato de ser oficial da PMPA há mais de duas décadas, tendo realizado desde a minha
admissão como especialista em 1994, o curso de adaptação de oficial, galgado os postos de oficial subalterno,
intermediário e superior, além de ter participado da formação de algumas turmas de oficiais.
41
CHARTIER, Roger. A visão do historiador modernista. In: FERRREIRA, M; AMADO, J. (Orgs.). Usos &
Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
42
CHARTIER, Ibid., p. 216.
43
HALL, Michael McDonald. História Oral: os riscos da inocência. In: O direito à memória, patrimônio
histórico e cidadania. São Paulo: Departamento do Patrimônio Histórico, 1992.
44
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia: Ateliê Editorial, 2007. p. 131.
45
Nas questões atinentes às incorporações e às reproduções, minha análise fundamentou-se na acepção
proposta por Bourdieu (2010) na qual enfatiza que o indivíduo/agente é produto de uma aprendizagem social,
à medida que a internaliza; entretanto, também a reproduz, em larga medida, como um sujeito construtor de
práticas sociais, pela imposição de uma cultura dominante. BOURDIEU, Pierre O Poder Simbólico.
Tradução Fernando Thomaz. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
33

Para analisar as questões pertinentes ao mundo social desses participantes, optei por
fundamentar a análise nas formulações teóricas sobre campo e habitus de Pierre Bourdieu
(2010, 2012, 2014); nas acepções sobre disciplina e poder de Michel Foucault (2012a, 2012b)46;
docilização dos corpos e instituições totais, em Erving Goffman (1988, 2007, 2013);
socialização militar (incorporação, modo de agir/pensar/atuar dos militares e/ou policiais
militares), em Celso Castro (2002, 2004, 2014); Piero Leirner (1997); William Gaia Farias
(2013a, 2013b, 2014, 2016); Marcos Bretas (1998, 2013) e José Murilo de Carvalho (2017).

Para o início da pesquisa de campo no âmbito da corporação policial militar, solicitei


autorização ao Ajudante Geral da Polícia Militar do Pará, por meio de ofício (Apêndice A),
para o meu acesso ao setor de arquivo, onde se encontram os boletins gerais47 e demais
documentações relevantes na composição da memória institucional. Posteriormente, solicitei
autorização através de ofício aos comandantes da Academia de Polícia Militar Coronel
Fontoura (Apêndices B1 e B2)48, a qual acataram e permitiram o meu acesso à sala de
protocolo geral e arquivo da PMPA e, no caso da APM, aos livros memoriais: livro de
registro de instrução49; livro do oficial de dia50; livro de acompanhamento dos cadetes51; livro
de parte do aluno-oficial-de-dia52; boletins internos; folhas de alterações53, entre outros.

46
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 25. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2012a; FOUCAULT, Michel.
Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012b.
47
O Boletim Geral é uma documentação oficial das corporações militares, onde são registrados diariamente todos
os atos administrativos do alto comando e da dinâmica institucional. O Boletim Geral é chamado de forma
coloquial pela abreviatura ‗BG‘. Na PMPA, o formato dos BGs segue uma padronização proveniente do
Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG) do Exército brasileiro, o qual preconiza que os boletins
sejam divididos em quatro partes: a 1ª parte - Serviço Diário; a 2ª parte - Instrução; a 3ª parte - Assuntos Gerais
e Administrativos; e a 4ª parte - Justiça e disciplina. Sobre a formatação de Boletins, ver: Regulamento Interno e
dos Serviços Gerais (RISG). Ministério do Exército; Estado Maior do Exército. Brasília-DF. 2003.
48
A solicitação foi encaminhada a dois comandantes da APM. Primeiramente ao Ten. Coronel Luiz C.Rayol, quando
iniciei as coletas documentais (Apêndice B1 – autorização de inserção na APM); e depois que deixou o comando,
enviei ofício ao seu substituto, Ten Coronel Simonetti (Apêndice B2 - autorização de permanência na coleta).
49
Constam informações sobre as disciplinas ministradas, docentes (instrutores e professores), carga horária/tempo
de aula, assuntos abordados no dia, alterações de alunos (faltas, dispensas médicas, liberações etc.)
50
São os registros diários feitos pelo oficial de dia, desde o recebimento do serviço, e demais informações
sobre alterações pertinentes à Unidade, tais como: a guarnição empregada no dia; instalações físicas da
Academia (situação do rancho, água, esgoto e energia); alunos que ficaram de pernoite, de faxina, detidos ou
presos; deslocamentos de viaturas; itinerário do ônibus e outras ocorrências com cadetes etc. O livro de
registros do oficial de dia é analisado diariamente pelo subcomandante da Unidade, dando o seu visto ou para
providências, caso sejam necessárias.
51
São registros sobre o acompanhamento dos alunos na Unidade Acadêmica. Cada cadete tem sua página específica,
onde são informadas as alterações em sua rotina diária: desempenho escolar, enquadramento, elogios, punições e
classificação. Os dados registrados podem compor os boletins internos ou o seu histórico acadêmico.
52
Constam as informações registradas pelo respectivo aluno de dia quando em serviço. Os registros são
similares aos do oficial de dia, entretanto, mais amiúde, dentro da esfera de atribuições do cadete, tais como:
material e carga dos alojamentos; chaves das salas de aula; controle do ar condicionado; alterações dentro do
alojamento etc. Este livro é apresentado diariamente ao comandante do Corpo de Alunos, para dar o seu visto
e para as providências necessárias, junto ao subcomandante da unidade.
34

A maior parte das fontes documentais foi obtida na Academia Cel Fontoura. No acervo
da APM havia uma farta documentação, entretanto, em péssimo estado de conservação, devido
à falta de condições de guarda e manutenção de documentos, mesmo se tratando de período tão
recente (a partir da década de 1990). Os livros de registros e diversos documentos,
encontravam-se empilhados aleatoriamente, alguns em avançado estado de deterioração, porém,
conseguimos fotografar e posteriormente digitalizar. Minha percepção primeira, ao constatar o
estado deteriorado dos documentos e dos demais registros, foi a de que não era cultivada
institucionalmente a possibilidade de preservação da sua história.

Esta questão remete à análise de Marcos Bretas e André Rosemberg sobre a


ausência de uma política sistemática nos arquivos policiais e das dificuldades que
geralmente são enormes, pela precariedade dos arquivos e de seus recursos: ―Por outro
lado, as polícias atribuem imenso valor à informação e com isso produzem uma
quantidade significativa de documentos [...] Isso faz com que existam enormes arquivos,
quase sempre malcuidados e desorganizados‖. 54

Para ampliar meu decurso da pesquisa, realizei minhas incursões à Biblioteca Pública do
Estado do Pará Arthur Vianna, no CENTUR, de modo mais frequente aos setores de
Microfilmagem, de Obras Raras e de Periódicos, em busca de fontes referenciais sobre a
formação policial no recorte temporal proposto, para subsidiar a produção da tese. Nessa
biblioteca, tive acesso aos três jornais de maior circulação à época: ―A Província do Pará‖55,
―Diário do Pará‖ e ―O Liberal‖56, e agreguei a esses três, o ―Jornal Pessoal‖, de tiragem
limitada, produzido pelo jornalista Lucio Flavio Pinto57.

53
As Folhas de Alterações são documentos administrativos referentes ao histórico do aluno policial militar, na
unidade escolar.
54
BRETAS, Marcos L.; ROSEMBERG, André. A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas.
Topoi, v. 14, p. 162-173, 2013.
55
O jornal ―A Província do Pará‖ foi fundado por Joaquim José de Assis, em 25 de março de 1,876, tendo
circulação diária por 125 anos. Durante o ciclo da borracha, pertenceu ao então intendente de Belém, Antônio
Lemos. Em 1947, integrou o grupo dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Em 1997, foi vendido para
o grupo paraense da editora CEJUP e, em 2001, suas atividades foram encerradas oficialmente (CRUZ, Ernesto.
Ruas de Belém. Belém: Conselho Estadual de Cultura do Estado do Pará, 1970. p. 43).
56
Os jornais ―Diário do Pará‖ e ―O Liberal‖ continuam em circulação diária. Ambos de propriedade de duas
famílias de empresários: O Diário do Pará, impresso em Belém desde 1982, do Grupo Rede Brasil
Amazônia de Comunicação; e o Jornal O Liberal desde 1946, das Organizações Romulo Maiorana.
57
O ―Jornal Pessoal‖ – autodenominado de agenda amazônica, é um jornal artesanal, escrito exclusivamente por
uma única pessoa, ininterruptamente ao longo de 31 anos – o jornalista Lucio Flavio Pinto. Considerado
como uma imprensa isenta e alternativa, trata-se de um dos jornais mais premiados nacional e
internacionalmente devido a sua credibilidade jornalística, tendo aparecido com destaque, em matérias no
New York Times, Los Angeles Times, Washington Post, Guardian, Le Monde, Corriere della Sera, La
Republica, dentre outros. Ver: PINTO, Lúcio Flavio. ―Jornal Pessoal: Presente‖. Jornal Pessoal. Ano XXXI.
Nº 656. Junho de 2018. 2ª quinzena.p.5.
35

Os jornais em uma pesquisa historiográfica, se constituem fontes de informações


essenciais sobre a cotidiano local e regional. Assim, meu interesse pelos jornais devia-se à
previsão de que eu obteria informações para a análise sobre o cotidiano da Academia da
Polícia Militar.

Destaco que as organizações militares, por mais fechadas que pareçam, detêm
paralelamente uma feição pública que as obriga a revelar-se à população, nesse sentido o
acesso mostra-se facilitado, e tais organizações se valem dos jornais, como meios disponíveis
para divulgar mensagens à essa mesma população.

No caso em questão, os jornais me permitiram acompanhar como se davam as relações


sociais e políticas, as sociabilidades, o elo existente entre a instituição policial militar e o
Estado, os personagens envolvidos, sinalizando as intencionalidades e apoiamentos na situação
investigada, traduzindo com exatidão, aquilo que afirma Verônica Costa58 ‗por meio da
imprensa, é possível compreender e contextualizar os impactos do jornalismo na sociedade‘.

Ademais, observa-se que os jornais, via de regra, veiculam notícias e reportagens


retratando a ideologia do grupo ao qual representam; são instrumentos de função política
de um grupo sobre o outro, e apresentam-se com conteúdo diversificado: reportagens,
crônicas, seções especializadas como as que são dedicadas ao público feminino; à vida
social e cultural, crítica literária, esportes, lazer, assuntos policiais, etc. Nesse sentido,
tornam-se também fontes para se investigar a instituição policial militar, visto que, como
assinala Eric Hobsbawm, em A era dos extremos: ―à medida que o historiador do século
XX se aproxima do presente, fica cada vez mais dependente‖ 59 desse tipo de fonte.

Em meio ao vasto acervo de periódicos da Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur


Vianna/CENTUR, há uma infinidade de artigos que apresentavam notadamente ideologias e
particularidades sobre a Polícia Militar do Pará.

No jornal ―Diário do Pará‖, deparei-me com a coluna ―Notícias da Polícia Militar‖,


publicada durante muitos anos, sempre aos domingos, por seu único articulista Theodorico
Rodrigues, o qual serviu como praça na PMPA60 e chegou até a graduação policial militar de
subtenente. Por ser membro da corporação, Theodorico obtinha informações privilegiadas e

58
COSTA, Veronica Soares da. A história da Tribuna de Petrópolis em suas edições comemorativas. Estudos de
Imprensa no Brasil: Anais do I seminário de Pós-graduandos em História da UFF. Fórum Capistrano de
Abreu. 2012. p.216 -230.
59
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.9.
60
Por sua habilidade e trânsito com a imprensa, Theodorico Rodrigues ficou lotado na 5ª seção do Estado
Maior Geral da PM, onde executava atividades equivalentes às de um assessor de imprensa.
36

difundia o fluxo de informações de dentro da instituição, para vários setores da sociedade e a


população em geral, inclusive desenvolvia outras funções, além de policial militar e articulista
dominical no supramencionado jornal, dedicava-se à ocupação de árbitro de futebol61 e
também se destacava como comentarista de jogos futebolísticos em programas de rádio.

A coluna do Theodorico Rodrigues integrava o jornal ‗Diário do Pará‘ 62, no caderno


B, página 7, ladeada de outras colunas, que versavam sobre assuntos do judiciário,
geralmente escritas por magistrados do estado do Pará. Em sua coluna, Theodorico discorria
sobre os mais diversos temas relacionados à Polícia Militar: solenidades, datas
comemorativas, inspeções nos quartéis, concursos, operações policiais, relações com os
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, salários, torneios esportivos etc. Os assuntos
revelavam não somente as notícias intramuros e peculiaridades dos quartéis, ao mesmo
tempo, descortinavam o que pareceriam trivialidades aos de fora da caserna 63: casamentos
de policiais, aniversários, promoções na carreira, o que, de certa forma, conferia-lhe o status
de coluna social, atribuindo prestígio aos integrantes da corporação, posicionando-os como
parte da elite paraense, aproximando-os da sociedade civil.

No período histórico (1980/1990), quando a ‗coluna do Theodorico‘ era publicada,


coincide com os anos da chamada ‗redemocratização‘, anos de turbilhão político, que
culminaram com a derrubada da ditadura civil-militar, a efetivação da lei de anistia, eleições
para governador, etc. episódios aos quais Sidney Chalhoub atribui que ―a crença no futuro
era uma experiência coletiva‖ 64.

Pressuponho, então, que o cotidiano pós-período da ditadura civil-militar, as


vivências, a trajetória dos integrantes da farda na região amazônica, as relações sociais que
advinham da caserna e alcançavam o ambiente não militar, pareceriam relevantes para
serem abordadas nos jornais. Ademais, naquele período a notoriedade atribuída pelo
articulista em sua coluna à corporação como ―Briosa‖, ―nobre instituição‖, ―imaculada‖,
denotava idealizações, admiração e supervalorização da corporação.

61
Ver: GAUDÊNCIO, Itamar Rogerio Pereira. “Football suburbano e festivais esportivos‖: lazer e
sociabilidades nos clubes de subúrbio em Belém do Pará (1920-1952). 2016. Tese (Doutorado em História
Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Belém,
2016.
62
Nas décadas em que Theodorico era articulista, o jornal Diário do Pará reproduzia colunas publicadas
simultaneamente na ―Folha de São Paulo‖ e no ―Jornal do Brasil‖ e pelas agencias EBN, Sport Press, UPI e
Reuter. Ver Jornal Diário do Pará, 25/11/1990, p. A6.
63
Caserna, do francês „caserne‟, que significa alojamento dos soldados, ou ambiente dos quarteis militares.
64
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle
époque. Prefácio da 2ª edição. Campinas: UNICAMP, 2012.
37

Para entender as concepções que envolveram aquele cenário político, convém


situar o Pará do início dos anos 1970 e 1980, uma unidade da federação que no aspecto
geográfico vivenciava o isolamento e significativas dificuldades econômicas e sociais,
com 70% do seu território controlado pelo governo federal, sob a responsabilidade das
Forças Armadas65.

A historiografia revela que, nesse período do século XX no Brasil, o discurso


governamental era de apoio aos mais carentes e a tônica era povoar a Amazônia a todo
custo, integrando-a ao restante do país e, para tal, o governo valia-se estrategicamente dos
militares, empenhando-os nesse intento. Assim, os militares, principalmente do Exército
brasileiro, eram designados para a defesa dos limites territoriais, essencialmente na
Segurança Nacional 66, passaram a desenvolver atividades socioassistenciais nas localidades
mais pobres ou pouco desenvolvidas, onde se envolviam em questões relacionadas à
educação, como uma via de defesa das fronteiras ideológicas ou do risco revolucionário,
conforme análises de Rodrigo Sá Motta67 e José Willington Germano68.

Rodrigo Sá Motta relembra que a hegemonia militar era tão intensa e diversificada
para defesa do país, que até na criação de projetos educacionais via-se a marca do militarismo,
por exemplo, na ‗Operação Rondon‘, cujo projeto teve seu nome em homenagem ao Marechal
do Exército Cândido Rondon, figura mítica das Forças Armadas. Tal projeto atuou em
diversas áreas, e na Região Norte abrangeu os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e
Pará. Segundo Motta: ―Com o aumento do número de pessoas envolvidas nas operações,
tornou-se necessário usar barcos da Marinha, e muitos aviões da Força Aérea Brasileira.‖69 ´

Com as mudanças ocorridas ou iniciadas no âmbito regional, a crescente relevância


que a Amazônia revelava ao mundo, assim como o aumento populacional, deu a
incumbência ao Exército Brasileiro – responsável pela defesa territorial e das fronteiras

65
PETIT, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no Pará, pós-1964. Belém:
Paka-Tatu, 2003.
66
O conceito de segurança nacional foi adotado no Brasil durante o período da ditadura civil-militar (1964-1985),
em que eram priorizadas a defesa do Estado e a ordem política e social. Este processo iniciou com a tomada do
poder pelas Forças Armadas e pela instauração de um regime de governo no qual o presidente detinha plenos
poderes. O período caracterizou-se por supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e
repressão a qualquer manifestação contrária ao regime. A ditadura representou uma brusca e violenta ruptura do
princípio no qual todo o poder emana do povo, e em seu nome é exercido. (FÓRUM Brasileiro de Segurança
Pública. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 3, n. 5, ago./set., p. 103, 2009. Ver ainda: ALVES, Maria
Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.
67
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização
autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
68
GERMANO, José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 2011.
69
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Ibid., p. 93.
38

nacionais – de manter a presença militar na região amazônica para a garantia da soberania


nacional e, por sua vez, as Polícias Militares dos estados, previstas na Constituição Federal
como forças auxiliares do Exército, foram incumbidas de missão correlata: atuar na
preservação da ordem pública 70.

Entretanto, o modelo econômico desenvolvido pelo regime militar, para a Amazônia ou


para o Brasil, já apresentava limitações, sinais de enfraquecimento, com sintomas que afetavam
a população, pelos baixos salários, aumento da dívida externa, inflação galopante. Mesmo
assim, o governo militar ainda buscou manter a expansão econômica e os grandes projetos no
país, tais como a construção da hidrelétrica de Itaipu.71, 72.

Paralelamente à presença do Exército na Amazônia, intensificava-se a necessidade da


atuação de militares na segurança pública, no policiamento nas vias urbanas, no combate aos
crimes nas zonas rurais, na fiscalização da expansão dos garimpos, sendo requisitada a
participação de outras instituições, dentre estas, a Polícia Militar do Pará, que desde a época
do Império, tinha a sua finalidade e missão bem delimitada, inclusive na Amazônia73.

Valendo-se da ideia de expansão da segurança pública no estado frente às demandas


crescentes, a Polícia Militar do Pará providenciou a criação de sua Academia, para viabilizar a
ensino/formação dos seus quadros no próprio estado. As articulações para a criação dessa
academia foram apresentadas primeiramente pela Inspetoria Geral das Policias Militares
(IGPM), órgão do Exército brasileiro, em um encontro dos comandantes gerais das Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros Militares da Amazônia, sediado em Brasília-DF, nos dias 08 e
09 de novembro de 1990, com a presença dos comandantes gerais da Policias Militares e dos
Corpos de Bombeiros Militares dos estados da federação, integrantes da região Amazônica:

70
GERMANO, José Willington. Idem.
71
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização
autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
72
GERMANO, José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 2011.
73
FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Territórios e Fronteiras,
v. 6, p. 207-234, 2013a.
39

[...] Reuniram-se os comandantes gerais das Polícias Militares do Estado, e


representantes: Cel. PM Raimundo Nonato Barbosa Lima (Pará), Cel PM Romeu
Pimenta de Medeiros Filho (Amazonas), Cel PM Sérgio Henrique Zimmermann
(Rondônia), Cel PM Joaquim Rocha Junior (Acre) , Ten Cel PM Derley Luiz Vieira
Borges, (Roraima) e Cel BM Raimundo Nonato Costa (Pará) e Maj PM Francisco
das Chagas Gomes (representante do Cmt Geral do Amapá)74

Nesse Encontro, a IGPM recomendou a elaboração de um estudo para


‗regionalização‘ da formação de oficial PM e BM, por considerar que da forma como
vinha sendo realizada a formação em Academias de Polícia das regiões Sul, Sudeste e
Nordeste, ―além de prejudicar a unidade de doutrina, nem sempre atendia os interesses e
as peculiaridades da Amazônia‖. 75

Assim, os comandantes gerais presentes no ‗I Encontro de Comandantes Gerais das


Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares‟ deliberaram sobre a necessidade de
garantir prioritariamente a formação de oficiais na academia que seria localizada no Pará, a
qual deveria ser denominada de „Academia da Polícia Militar da Amazônia‟, destinando
vagas para as instituições signatárias – coirmãs da região amazônica, para os cursos de
formação, aperfeiçoamento e especialização policial militar.

No texto infra mencionado, apresento parte da ‗carta de intenções‘ dos referidos


comandantes gerais, onde constata-se notória preocupação de que, a regionalização proposta para
a criação da Academia, não provocasse, ―de maneira nenhuma ‗isolacionismo regional‘, mas sim
a busca de experiências compatíveis com as situações da região:

Considerando a indiscutível conveniência de se desenvolver a doutrina operacional


PM/BM que atende especificamente aos aspectos regionais, firma-se o seguinte
elenco de integrações:
1) Despertar na comunidade policial-militar/bombeiro militar da Amazônia, a
necessidade da união de esforços objetivando a definição de procedimentos
operacionais, intercâmbios técnico-profissionais e a mútua cooperação nos seus
campos de atuação, de forma compatível com as exigências e peculiaridades
Amazônicas;
2) Garantir, prioritariamente, a formação de Oficiais PM em Academia regional, que
será localizada no Estado do Pará e denominada Academia de Polícia Militar da
Amazônia (APM – Amazônia);

74
Jornal Diário do Pará, sobre o ―I Encontro de Comandantes Gerais das Policias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares‖ Diário do Pará, Caderno B, em 23 dez.1990, p. 7.
75
Idem. Matéria publicada no Jornal Diário do Pará, Caderno B, em 23 dez.1990, p. 7.
40

3) Que estudos subseqüentes virão a ser realizados para formação específica de


Oficiais Bombeiros Militares em Escola de Formação também de caráter regional;
4) Garantir entre as co-irmãs signatárias, quando em funcionamento nestas, a
destinação de vagas em cursos de formação, aperfeiçoamento e especialização de
praças, e quando houver, nos cursos de especialização e aperfeiçoamento de
Oficiais, assim como a justa indenização dos custos daí decorrentes;
5) Buscar, em conjunto ou isoladamente, o apoio financeiro do Governo Federal e
dos respectivos Governos Estaduais, para a consecução dos objetivos pretendidos;
6) Estabelecer a obrigatoriedade da divulgação diária entre as co-irmãs signatárias,
das informações PM/BM julgadas úteis e necessárias aos interesses mútuos e ou de
segurança pública da Região;
7) Difundir entre as co-irmãs signatárias, toda a legislação correlata particular
visando a uniformidade de procedimentos e idênticos benefícios coletivos;
8) Fazer entender que a regionalização pretendida, não implicará, de nenhuma
forma, em isolacionismo regional, devendo ser estimulada a busca de experiências
e a freqüência a cursos, encontros, seminários e congressos, promovidos pelas
Forças Armadas, outras coirmãs extras-regionais ou estrangeiras, e instituições civis
que representam interesses afins; [...]76(grifos nosso)

Assim, na perspectiva de compreender a organização, o processo de criação da


Academia Policial Militar, as demandas advindas da formação do oficialato na região
amazônica, a percepção e participação dos sujeitos dessa formação, suas experiências e
trajetórias, foi que fizeram surgir o objeto de investigação desta tese.

Para alcançar o objetivo pretendido, a tese foi organizada em quatro capítulos: no


primeiro capítulo, analiso inicialmente as legislações, priorizando o enfoque atribuído nas
Constituições brasileiras ao longo dos anos, à atuação das Polícias Militares no Brasil; por
conseguinte, analiso através de documentos, periódicos e das narrativas dos entrevistados, o
ingresso dos primeiros policiais militares originários do Exército brasileiro e das turmas de
oficiais advindos do segmento civil formados nas Academias das Polícias Militares nomeadas
de coirmãs; e como se dava a formação de oficiais nos demais estados brasileiros.

No segundo capítulo apresento a criação da Diretoria de Ensino da PMPA e da


Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura (APM); os primórdios da sua atuação, as
articulações para admissão de candidatos da extensa Amazônia Legal, na composição das
turmas pioneiras do Curso Intensivo de Oficiais oriundos do Exército brasileiro, a dinâmica,
a escolha de instrutores, e o funcionamento em geral, da unidade escola, analiso
detidamente as experiências dos sujeitos, oficiais R2, e as ações formativas da mencionada
Academia na forja dos mesmos para o emprego em segurança pública.

76
Trecho da Carta de Intenções dos Comandantes Gerais das Policias Militares e Corpos de Bombeiros Militares
publicada no Jornal Diário do Pará, Caderno B, em 23 dez.1990, p. 7.
41

No terceiro capitulo discorro sobre as turmas regulares do Curso de Formação de


Oficiais da Academia Coronel Fontoura, com duração de três anos. Analiso metodologia
adotada para a formação de oficiais ―nascidos‖ na Polícia Militar no Pará; o cotidiano da
unidade escolar, os regulamentos, a disciplina, os desafios da formação, levando-se em
conta a consolidação do Estado Democrático de Direito77, a quebra de paradigmas
vivenciada pelas instituições de formação policial militar, com a admissão das mulheres nesse
universo tradicionalmente masculino; as vivências, as trajetórias, as aproximações e
distanciamentos nas práticas dos sujeitos.

E finalmente, no quarto capítulo apresento o surgimento do Instituto de Ensino de


Segurança Pública, analiso as transformações havidas na APM Cel Fontoura, em
decorrência de sua mudança para as instalações do IESP; o desafio da integração entre as
escolas de formação da Segurança Pública; a implementação da Matriz Curricular
Nacional, os desafios e alinhamentos educacionais da transversalidade e
interdisciplinaridade das disciplinas, seguindo as diretrizes da Secretaria Nacional de
Segurança Pública - SENASP; cujo objetivo influenciou diretamente nas diretrizes
conceituais, processuais e normativas da Academia de Polícia Militar, e o processo de
distanciamento da formação recebida inicialmente do Exército brasileiro e que na primeira
década do século XXI, sofreu novas modificações na sua concepção pedagógica, com o
propósito de alcançar a chancela de Instituição de Ensino Superior.

77
Nesta tese, adoto a definição defendida pelo prof. Evaldo Vieira, na qual o ‗Estado Democrático de Direito‘,
efetivamente exercido, sustenta-se nos princípios: da lei, da divisão dos poderes, da legalidade da
administração e a garantia dos direitos e liberdades fundamentais. VIEIRA, Evaldo. Democracia e política
Social. São Paulo: Cortez. 1992.
42

CAPÍTULO 1

“PASSANDO EM REVISTA78” AS LEGISLAÇÕES

Meus camaradas!
Vivemos uma nova Constituição, a Lei maior que dita o ordenamento jurídico do
Estado. Nós a saudamos como instrumento capaz de proporcionar aos brasileiros as
condições desejadas de paz, justiça e prosperidade. Sabemos que a constituição não
é um remédio milagroso, para todos os males políticos, sociais e econômicos, mas
sendo o pensamento vivo da Nação, traz a solução dos graves problemas nacionais.
Para nós a Constituição trouxe significativas novidades. Hoje temos qualificação
profissional que não tínhamos. Somos “servidores públicos militares estaduais”,
enquadrados no mesmo artigo que define os militares das Forças Armadas.
Juntamente com os demais brasileiros fomos aquinhoados com o 13º salário,
remuneração de férias acrescidas de 1/3, além de não perdermos o vínculo com o
Exército brasileiro. Continuamos sendo Força Auxiliar e Reserva o que garante
à Polícia Militar quanto a manipulações indevidas.
No campo operacional, nossa atuação sofreu limitações de grande monta que
somente a prática poderá dizer se foi positiva ou negativa. Não nos cabe discutir a
norma, cabe-nos cumpri-la.
A partir de agora, o mandamento constitucional só autoriza prisões em
flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente. Assim procederemos fielmente, sem ressentimentos ou má vontade,
norteado pelo espírito do legislador que visa proteger um dos bens mais preciosos
do indivíduo: a sua liberdade. Haveremos de nos adaptar a esse e a todos os
dispositivos constitucionais, como é nossa obrigação, como integrantes da
instituição e como cidadãos brasileiros.
Esse contexto, sugere uma reflexão acurada da problemática da corporação e de seu
público alvo onde muitas dúvidas e dificuldades só serão superadas pelo exercício
correto da nossa missão, em qualquer circunstância, voltada para o operacional,
embasada na tradição, na disciplina e na hierarquia.
Confio e acredito no enquadramento da oficialidade, graduados e soldados, na
tarefa ingente de transpor obstáculos rumo à preservação da ordem pública, sem
frustrarmos as nossas esperanças e as esperanças da comunidade e cumprindo com
eficiência e dedicação os nossos deveres para que possamos exigir os nossos
direitos. Assim é a democracia. (grifos nosso)79

Havia decorrido um mês da promulgação e vigência da Constituição Federal de 1988,


quando o então comandante-geral da Polícia Militar do Pará (PMPA),80 coronel Ailton
Carvalho Guimarães81, reuniu parte de sua tropa e explicou aos policiais militares o novo
ordenamento jurídico estabelecido na Carta Magna com referência à segurança pública.

78
“Passar em revista”, no âmbito militar, é o ato de examinar, inspecionar, passar uma segunda vista no
‗objeto‘ a ser verificado. Disponível em:<https://www.dicio.com.br/revista/>. Acesso em: 15 jan., 2017.
79
Este discurso consiste no primeiro pronunciamento realizado pelo comandante-geral à época, Cel. Ailton
Guimarães, publicado no jornal Diário do Pará, em 6 nov., 1988, na coluna ‗Notícias da Polícia Militar‘.
80
A sigla PMPA significa Polícia Militar do Pará. Quando utilizo a sigla "PM", refiro-me à Instituição; ao citar
o termo "pms", refiro-me aos policiais militares (integrantes da PM).
81
O coronel Ailton Guimarães exerceu o cargo de Comandante-Geral da Polícia Militar do Pará no período de
20 de março de 1987 a 28 de agosto de 1989.
43

A recém-promulgada Constituição de 1988, e denominada de ‗Constituição cidadã‘,


pelo então presidente da Constituinte Deputado Ulisses Guimarães, trazia a perspectiva da
implantação de um novo modelo de segurança pública, fundado nos princípios de cidadania,
liberdade, legalidade, integridade, isonomia, respeito aos direitos fundamentais e à dignidade
da pessoa humana, alguns dos quais haviam sido violados sistematicamente durante o período
da ditadura civil-militar.

Decorridas duas décadas de vigência da ditadura civil-militar, as críticas sobre o papel


das Polícias Militares eram severas, segundo Sérgio Adorno, por serem herdeiras do regime
autoritário82 e pela participação como instrumentos de manutenção do regime militar.

No contexto da Assembleia Nacional Constituinte, a discussão sobre as atribuições das


Polícias Militares foi intensificada. Com o fim da ditadura, o modelo de Segurança Pública
baseado na repressão havia perdido o sentido como medida de segurança. Dentre outras mudanças
instituídas, o controle direto do Exército sobre as Polícias Militares foi extinto, transferindo-se
para os governos estaduais; as questões da defesa nacional, que normalmente se confundiam com
segurança pública, foram diferenciadas passando a segurança pública à atribuição das Polícias
Militares e a defesa nacional de competência das Forças Armadas.

Embora a Constituição de 1988 apresentasse avanços no tocante à segurança pública,


Nobrega Junior analisa que esta Constituição se estabeleceu com certa ambiguidade, contendo
tanto ―artigos liberais quanto com forte inclinação à ingerência militar‖83. Todavia, o ponto
mais controverso sobre Segurança Pública na Constituição de 1988, apontado por vários
estudiosos (Rolim84, Nobrega Junior85, Cerqueira86, Zaverucha87, Pinheiro88), refere-se à
manutenção das Polícias Militares no âmbito do dispositivo sob o título V: ―Da Defesa do
Estado e das Instituições Democráticas‖, no qual também estavam inseridos o Estado de Sítio
e as Forças Armadas.

82
ADORNO, Sergio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. Tempo Social, São Paulo,
v.11, n.2. p.134, out.,1999.
83
NOBREGA JÚNIOR, José Maria. A militarização da segurança pública: um entrave para a democracia
brasileira. Revista Sociologia Política, Curitiba, v.18, n.35, 2010. p. 120.
84
ROLIM, Marcos. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2006,
85
NOBREGA JUNIOR, Op. cit., 2010.
86
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da segurança pública: a Operação Rio. Discursos
Sediosos – Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, ano 1, n.1, 1996.
87
ZAVERUCHA, Jorge. Poder militar: entre o autoritarismo e a democracia. São Paulo em Perspectiva, São
Paulo, v.15, n. 4, p. 67-83, 2001.
88
PINHEIRO, Paulo Sergio. Autoritarismo e transição. Revista USP, São Paulo, v. 9, p.45-53, mar/maio, 1991.
44

Ressalta-se que, diferindo da Constituição Federal anterior, foi excluído o controle do


Exército brasileiro sobre as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros. A despeito disso,
tais instituições foram mantidas como forças auxiliares89 e reservas90 do Exército, cujos
integrantes permaneceram denominados de ‗militares‘, tal como nas Forças Armadas91.

Assim, a Segurança Pública foi instituída na Constituição de 1988, em seu Capítulo


III, Artigo 144, ―como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos‖92, sendo
atribuída especificamente à Polícia Militar a atividade de polícia ostensiva para a preservação
da ordem pública.

Por todas essas características da nova ‗Carta Magna‘, o discurso do comandante da


corporação, transcrito na abertura deste Capítulo, trazia um direcionamento, com ênfase ao
cumprimento das normas e a necessidade de obediência à nova Constituição, como sendo ―o
pensamento vivo da nação e a solução para os graves problemas nacionais‖.

No entanto, apesar do reconhecimento formal desses direitos, a atmosfera ditatorial ainda


dominava, sendo uma prerrogativa do então comandante-geral advertir a sua tropa da necessidade
de acatar a legislação que entrara em vigor, e que fossem abolidas as ‗velhas práticas‘93, símbolos
de uma cultura autoritária de repressão, que se considerava ter ficado para trás.

Todavia, aprofundando a análise sobre a presença dos elementos da segurança pública


na Constituição Federal de 1988, Cerqueira94 chega à conclusão de que os dispositivos
autoritários foram mantidos e aperfeiçoados na nova Carta Magna, e adverte que tinham sido
misturadas questões de segurança externa com as de segurança pública, ao permitir a criação
da figura de uma ‗quase intervenção‘ das forças Armadas, sem o controle do legislativo,
tornando a militarização da segurança constitucionalmente válido.

89
“Forças auxiliares‖ pressupõem as que prestam auxílio mútuo, que assistem, que ajudam independentemente
de um prévio processo de mobilização ou ação convocatória.
90
No sentido etimológico, ―reserva” significa aquilo que se guarda ou reserva para uso futuro em situações ou
circunstâncias imprevistas. No sentido utilitário, reserva pode ser entendida como força viva, atuante,
contando com organização e preparo semelhantes que podem ser utilizados para o emprego conjunto,
integrado à força principal.
91
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado feral, 1988. Art.42.
92
BRASIL, Idem.
93
Sobre as ‗velhas práticas‘: violência, tortura, corrupção, repressão e criminalização, ver: DONNICI, Virgílio.
Polícia, Guardiã da sociedade ou parceira do crime? Um estudo de criminologia. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1990; RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e
discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. (Coleção Segurança
e Cidadania).
94
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da segurança pública: a Operação Rio. Discursos
sediosos – Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, ano 1, n.1, 1996. p. 155.
45

De algumas expressões do discurso do comandante-geral da PM à época, coronel


Ailton Guimarães, pode-se depreender parte de suas preocupações: primeiro, o comandante
sob a ótica de diagnóstico a definição do policial militar, como um ‗servidor público militar
estadual‘, que passava a adquirir direitos, tal como os demais brasileiros; segundo, a questão
do vínculo e subordinação ao Exército brasileiro, em que reafirmava o seu território no âmbito
institucional, no decurso de outros momentos e de outras Constituições da República do
Brasil, como as de 1934, 1937, 1946 e 1967.

Notadamente, compreende-se que tais Constituições estabeleciam a subordinação das


Polícias Militares como forças auxiliares do Exército brasileiro, o que indica uma perduração
do modelo de polícia atrelado à defesa do Estado, à perspectiva de segurança nacional. E na
promulgação da Carta Magna de 1988, foi novamente ratificada a incumbência das PMs da
segurança interna e a manutenção da ordem nos estados, nos territórios e no Distrito Federal.

Segundo Valente95, o Brasil sempre contou com as forças de segurança pública


militarizadas, concebidas como instrumento para a proteção do estado e das classes
dominantes e, desde o início da República, as Forças Públicas foram consideradas como
‗pequenos exércitos estaduais‘, empregadas em poucas missões, como na vigilância de
estações de tratamento de água, em torres de transmissão de energia etc., ficando
predominantemente ociosas e aquarteladas. Entretanto, durante o regime militar houve uma
intensificação da militarização e o papel da polícia foi alterado96.

Nessa alteração do papel institucional, Cerqueira97 refere que foi adotada a concepção
de um novo modelo para as Polícias de segurança, que se caracterizava pela vinculação aos
preceitos de guerra, o qual ―consiste na implantação de uma ideologia militar para a polícia‖.

Cerqueira compreende a militarização como um processo de adoção de métodos,


conceitos, doutrina, modelos, procedimentos e emprego de pessoal militar em atividades de
natureza policial, ―dando uma feição militar às questões de segurança pública‖98. Neste
sentido, o papel institucional das PMs poderia ser analisado como ideologicamente e
operacionalmente militarizado.

95
VALENTE, Julia Leite. „Polícia Militar‟ é um oximoro: a militarização da Segurança Pública no Brasil.
Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília, v. 10, p.207, 2012.
96
VALENTE, Ibid., p.208.
97
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da segurança pública: a Operação Rio. Discursos
sediosos – Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro, ano 1, n.1, p. 142, 1996.
98
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Questões preliminares para a discussão de uma proposta de
diretrizes constitucionais sobre a segurança pública. Revista brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.
22, p. 1, abr./jun. p.140, 1998.
46

Em momentos notórios da história, a organização e o uso das Polícias Militares


reproduziram o modelo de batalhões de infantaria do Exército brasileiro, e realizaram
treinamento militar, instruções e o manuseio de armamentos, dentro dos quartéis, como se
fossem o próprio Exército, por exemplo, por ocasião do Estado Novo99.

Segundo José Murilo de Carvalho100 a Era Vargas que vai de 1930 a 1945, teve como
uma de suas relevantes características, a mudança radical nas relações com as Forças
Armadas, muito especialmente com o Exército, período no qual, Getúlio Vargas encorajou a
transformação dos militares para atuar em âmbito da política. No Estado Novo (1937-1945),
ainda com Getúlio Vargas se misturavam os estilos ditatoriais do mundo nazista e do mundo
comunista, período visto como pleno em ambiguidades e conflitos.

Na política do Estado Novo, segundo José Murilo de Carvalho101, dava-se ênfase à


defesa interna e externa. Entretanto, como justificativa para o exercício do autoritarismo,
apresentava-se um projeto de desenvolvimento nacional, sob a liderança do Estado, com o
apoio das Forças Armadas.

Assim, por força das legislações que regem a estrutura hierárquica e disciplinar das Forças
Armadas, e que fomentam a ideologia militar a ser engendrada nas Polícias Militares, segundo
Marcos Rolim102, foi possível assegurar a formação militar das Policias Militares no Brasil.

Mas afinal, o que é Polícia? O que faz a Polícia? Como se constitui a formação de seus
profissionais? Na concepção de David Bayley103, o termo ‗polícia‘ pode ser definido a partir
do emprego de três elementos: ―o uso da força física; a atuação interna e a autorização
coletiva‖. Para Bayley, a conjugação desses três elementos permite que o termo ‗polícia‘
refira-se a um grupo de pessoas autorizadas a regular as relações interpessoais dentro de seu
próprio grupo, pela aplicação de força física.

99
Devido à suposta ameaça comunista, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, inaugurou o período
ditatorial de seu governo conhecido como Estado Novo: prendeu seus opositores, determinou o fechamento
do Congresso Nacional, das Câmaras dos legislativos estaduais e municipais, suspendeu a realização das
eleições presidenciais, extinguiu os partidos políticos, revogou a Constituição de 1934, outorgou uma nova
Carta e determinou violenta censura à imprensa. Ver, COELHO, Edmundo Campos. Em busca de Identidade:
o Exército e a política na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2000.
100
CARVALHO, José Murilo. Vargas e militares: aprendiz de feiticeiro. In: CARVALHO, José Murilo. O
pecado original da República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro:
Bazar do Tempo, 2017. p.156.
101
CARVALHO, ibid., p.173.
102
ROLIM, Marcos. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.30.
103
BAYLEY, David H. Padrões de policiamento: uma análise comparativa internacional. São Paulo:
EDUSP, 2006. p. 20.
47

Com base na definição de Bayley, pode-se considerar que no processo histórico-


sociológico da evolução das sociedades, na convivência social, a questão da ordem tomou a
dimensão de bem coletivo, e o policiamento tornou-se praticamente uma necessidade
universal104.

Pensando na coletividade, Dominique Monjardet 105 considera que a Polícia é uma


instituição ―criada pela autoridade política para promover, realizar ou salvaguardar
interesses coletivos‖, e que, para esse tipo de atuação com tarefas especializadas são
mobilizados profissionais regidos uma por cultura própria, por princípios de identidade e de
identificação internos.

Em seu discurso, o cel. Ailton Guimarães, que havia sido oficial do Exército e era
o comandante da PM, enfatizava a necessidade de observância aos pilares institucionais da
‗hierarquia e disciplina‘, herdados e tal qual apregoados nas Forças Armadas, encorajava
sua tropa policial: ―Confio e acredito no enquadramento da oficialidade, graduados e
soldados‖, ratificando, assim, o seu desejo de assegurar firmemente o enquadramento de
sua tropa, com demonstração de obediência, fosse da parte de oficiais 106 ou de praças, para
garantir o cumprimento dos deveres estabelecidos na nova Constituição.

Nota-se que a organização do Exército vem balizando a estrutura e funcionamento


hierárquico da corporação policial militar ao longo de sua existência. No Exército, há uma
rígida divisão hierárquica no tocante ao seu efetivo, pela distribuição em dois círculos:
Praças e oficiais.

Os Oficiais pertencem ao círculo mais elevado e exercem atividades de comando,


chefia ou direção dos órgãos administrativos, de média ou alta complexidade e de médias ou
de grandes frações de tropa de atuação em atividades operacionais, tem patentes.

Os Praças são servidores militares estaduais de nível médio, que atuam na execução
das atividades administrativas e operacionais, podendo exercer atividades de chefia e
comando em unidades administrativas de menor complexidade ou em pequenas tropas. Os
praças ostentam graduações (patentes) porém mais baixas, que em carreira ascendente são

104
BAYLEY, David H. Padrões de policiamento: uma análise comparativa internacional. São Paulo:
EDUSP, 2006. p. 20.
105
MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia: Sociologia da Força Pública. São Paulo: EDUSP, 2012. p.16.
106
Oficiais e praças são denominações hierárquicas do círculo profissional militar. Oficiais detêm patentes mais
altas designadas em carreira ascendente: tenentes, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis. Ver,
NUMMER. Fernanda Valli. “Ser brigadiano” ou trabalhar na Brigada: estilos de vida entre soldados da
Brigada Militar. 2010. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2010. p. 24.
48

soldados, cabos, sargentos e subtenentes. 107 Há ainda os cadetes e os aspirantes, que são
considerados praças especiais 108.

Quanto à divisão hierárquica nas corporações policiais militares, foi adotado o mesmo
modelo organizacional do Exército, com exceção do posto de general, que não consta nas
Polícias Militares do Brasil, como pode ser observado nos Organogramas (Figuras 1 e 2).

Figura 1 - Organograma do efetivo de postos (patentes).

Coronel

Tenente-Coronel
OFICIAIS

Major
(postos)

Capitão

1º Tenente

2º Tenente

Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base na LOB109 da PMPA.

107
NUMMER, Op. cit., p. 24.
108
Cadetes e aspirantes são considerados como praças especiais pelo Estatuto da Polícia Militar. O Cadete é o aluno
policial militar matriculado no curso de formação de Oficiais da APM, submetido aos ensinamentos morais e
técnico-especializados ministrados diariamente por professores civis e instrutores militares, coordenados pelo
Comandante e pela Divisão de Ensino da Academia. O Aspirante a oficial é o posto temporário de seis meses a um
ano, alcançado logo após o encerramento do Curso de Formação de Oficial (CFO).
109
Lei de Organização Básica da PMPA.
49

Figura 2 - Organograma do efetivo de praças especiais e praças por graduações.

ESPECIAIS
PRAÇAS
Aspirante a Oficial

Cadetes/
Alunos do CFO

Subtenente

1º Sargento
(graduações)
PRAÇAS

2º Sargento

3º Sargento

Cabo

Soldado
.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base na LOB da PMPA.

Do Exército brasileiro, a Polícia Militar adotou não somente o modelo de


organização para o seu efetivo de pessoal, embora tenha atribuições totalmente distintas,
mas também o modelo da estrutura organizacional militar. Como no Exército, a PM segue a
divisão hierárquica de batalhões, companhias, regimentos e destacamentos. Segundo
Jaqueline Muniz110, tais modelos contribuíram para a consolidação da ‗cultura militarista‘
quando foram aplicados à Polícia.

110
MUNIZ, Jaqueline. Ser policial é sobretudo uma razão de ser: cultura e cotidiano da Polícia Militar do
Estado do Rio de Janeiro. 199. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. p.119.
50

Para além do organograma e da estrutura organizacional, também foram adotados os


pilares institucionais peculiares à dinâmica militar: a hierarquia e a disciplina. A propósito,
uma das primeiras instruções que se faz na caserna, seja para o civil ou para o militar, é sobre
hierarquia e disciplina – como elementos basilares – sendo comum ouvir a expressão ―manda
quem pode e obedece quem tem juízo‖, entendendo-se de modo claro, para observância de
quem tem atribuições para comandar e de quem deve obedecer.

O antropólogo Piero Leirner111, em incursão no universo militar, quando de sua


pesquisa, percebeu a dimensão atribuída a esses pilares nas organizações militares, ao obter a
correspondência de um oficial superior, com o seguinte ensinamento: hierarquia e disciplina
são como irmãs siamesas ―certamente uma, não vive sem a outra, mas creio que a hierarquia é
o instrumento para se operacionalizar o que é o mais importante, que é a disciplina [...] a
hierarquia é um meio e a disciplina é o fim‖.

Nota-se que a hierarquia na carreira militar, longe de ser apenas um princípio legal, é a
base pela a qual se exteriorizam cotidianamente os sinais de respeito, honras, continências,
ordens para com o outro. Torna-se o princípio regulador em um âmbito coletivo
imprescindível no contexto da caserna.

A disciplina no ambiente militar, por sua vez, é um elemento imbricado na


hierarquia; e possibilita a caracterização do militar disciplinado: ―o formalismo, a rigidez
corporal, o uniforme impecável, barba sempre feita, o corte do cabelo, o tom da fala, o
trato respeitoso etc.‖112, expressando para a maioria da população uma autoimagem do que
é ser militar, nas relações cotidianas do ambiente da caserna e fora dela, como se percebe
por exemplo, na entrevista de aluno oficial Silveira:

Havia revista do uniforme diariamente, tínhamos que estar impecáveis: fivelas,


coturnos, fardamento, cabelo, barba [...] também havia vistoria dos quartos, camas,
armários, banheiros de cada pelotão [...] (SILVEIRA, cadete, 1988).

A disciplina em ambiente militar, significa, sobretudo, o controle coletivo de alguns


indivíduos, sobre outros indivíduos. É a ferramenta pela qual um militar demonstra o
acatamento às regras, sua obediência, seu enquadramento e a coesão. É pelo espírito de

111
LEIRNER, Piero de Camargo. Meia-volta volver: um estudo antropológico sobre a hierarquia militar. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 1997.p.102
112
LEIRNER, Ibid., p.102.
51

‗disciplina‘ que a vontade coletiva se sobrepõe à individual113 e torna possível a execução da


missão. É pelo espírito de disciplina, vinculada à hierarquia, que os militares se mostram
capazes de servir, de obedecer e seguir o comandamento hierarquicamente, do mais antigo114
ao mais moderno.

Piero Leirner, analisa que a hierarquia cultivada nas instituições militares talvez
descenda da forma de organização da sociedade feudal, na qual a obediência mostrava-se
atrelada à noção de honra. Para o autor: ―esses traços feudais, [...] diluídos na história,
contribuem para que, na leitura que os militares fazem da sua própria corporação, permaneça
um certo ‗conteúdo original‘ podendo a hierarquia, por isso ser tomada como um princípio de
sua constituição‖115.

Muito embora as concepções analisadas por Leirner estejam associadas ao Exército


brasileiro, as Polícias Militares – instituições presentes em todo o território nacional – ―como
força auxiliar e reserva do Exército‖116, têm por obrigação o enquadramento nos mesmos
princípios: hierarquia e disciplina, por serem organizadas com base nas características
herdadas da filosofia militar do Exército.

Na historiografia, há registro de várias formas e situações de entrelaçamento entre o


Exército e a instituição policial militar ao longo da sua existência. Farias117, descreve, por
exemplo, que no século XIX, Lauro Sodré, oficial do Exército, formado pela Escola Militar da
Praia Vermelha, ao assumir o governo do estado do Pará em 1897, aproveitou a autonomia
republicana e investiu na reestruturação da força pública em seus princípios, funções e imagens,
reorganizando-a no ―afã de transformar a polícia em um Exército do estado do Pará‖118.

Ora, além de Lauro Sodré, outros comandantes da corporação imprimiam


mudanças institucionais influenciados pelo Exército, do qual eram originários. Dados do
acervo119 da instituição revelam que no período de 1895 120 a Força Pública até 1983, a

113
LEIRNER, Piero de Camargo. Meia-volta volver: um estudo antropológico sobre a hierarquia militar. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 1997. p.105.
114
Nas organizações militares, quanto mais elevado o posto ou patente do oficial, maior é o alcance de sua
liderança ou comandamento, advindo do reconhecimento de sua antiguidade; quanto mais baixo é o posto,
mais modernidade e maior subordinação aos demais militares.
115
LEIRNER, Ibid., 1997, p.60.
116
Constituição Federal de 1988, Art.144.
117
FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Territórios e Fronteiras,
v. 6, p. 207-234, 2013a.
118
FARIAS, Ibid., p. 221.
119
Almanaque dos Oficiais da PMPA, Diretoria de Pessoal, 1988.
52

PMPA121 foi comandada predominantemente por oficiais que traziam patentes do Exército
brasileiro122 – de infantaria, artilharia ou cavalaria 123. Este fato poderia ser considerado
como uma modalidade de intervenção direta do Exército na organização e na dinâmica da
instituição policial militar.

E, para além da estrutura organizacional de comandamento, Farias124 registra a


existência de interações entre os militares por ocasião do estabelecimento da República no
Pará, quando integrantes do Exército, da Marinha, do Corpo de Polícia participaram juntos de
manifestações para aclamar o novo regime. Porém, o autor esclarece que as relações entre os
integrantes das corporações e os militares nem sempre eram amistosas, pois havia divergência
de interesses político-partidários. Na verdade, o que se via era que alguns militares do Corpo
de Polícia travavam uma luta ferrenha contra o governo, mas ao mesmo tempo mostravam-se
atentos às resoluções dos conflitos políticos, porque dependiam do governador e dos políticos
para as nomeações, promoções, condecorações etc.

Desde os seus primórdios, a instituição policial militar por ser de caráter público
estadual, esteve sujeita às intervenções dos poderes executivo e legislativo do estado.
Dependendo de quem estiver no poder executivo, a corporação sofre as interferências e
influências em sua dinâmica institucional, para a remuneração, a movimentação de seus
integrantes, a ascensão na carreira e outras demandas correlatas.

Segundo Farias (2011), na década de 1920, o Pará passava por graves crises
financeiras e políticas, que afetavam drasticamente a sociedade, tal como a falta de recursos
prejudicava as diversas áreas da administração do estado: Segurança Pública, Saúde Pública,
Educação, no Poder Judiciário, a insatisfação era coletiva e o estado tornava-se inoperante.125

120
Quando o comandante-geral da Força era o Tenente-Coronel de Infantaria do Exército José Sotero de Menezes.
121
Desde sua origem, a Polícia Militar recebeu muitas denominações: Guarda Militar de Polícia (1822-1831);
Corpo de Municipais Permanentes (1831-1836); Corpo de Polícia (1836-1847); Corpo Provincial de
Caçadores de Polícia (1847-1865); Corpo Paraense de Voluntários da Pátria (1865-1867); Corpo de Polícia
Paraense (1867-1885) Corpo Militar de Polícia (1885-1894); Regimento Militar do Estado (1894-1905);
Brigada Militar do Estado (1905 -1930). Ver: MORAES REGO, Orlando L.M. Retrospectiva histórica da
Polícia Militar do Estado do Pará. 1822-1930. Belém: Falangola, 1981; FARIAS, William Gaia. Do Corpo
Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições materiais e conteúdos simbólicos dos
anos finais do Império a Guerra de Canudos. Territórios e Fronteiras, v. 6, p. 207-234, 2013a.
122
Exceto a gestão do Tenente-Coronel Maravalho Narciso Belo, que era capitão da Força Aérea Brasileira, e
comandou a instituição de agosto de 1956 a dezembro de 1957.
123
No Exército Brasileiro, os oficiais são divididos por Quadros-Armas. As Armas dividem-se em dois grupos: as
Armas-Base (Infantaria e Cavalaria) e as Armas de Apoio ao Combate (Artilharia, Engenharia e Comunicações).
124
FARIAS, William Gaia. A Construção da Republica no Pará (1886-1897). Belém: Açaí, 2016. p.210.
125
FARIAS, William Gaia. Militares e civis forjando o “Tenentismo” no Pará. Anais do XXVI Simpósio
Nacional de História. São Paulo: ANPUH, julho. 2011.
53

No período de 1920 a 1930, a tropa policial paraense envidou esforços para combater
os militares do Exército, que se declaravam tenentistas. Mesmo com motivações diferentes,
civis e militares se aliançaram e se envolveram no movimento tenentista126. Com a vitória do
movimento e a nomeação de Joaquim de Magalhães Cardoso Barata como Interventor Federal
do Estado do Pará, em 22 de novembro de 1930, foi extinta a Força Pública Estadual 127, sendo
substituída em suas funções pela Guarda Civil e ―os oficiais graduados com mais de dez anos
de bons serviços, aproveitados em comissões civis‖, inclusive para receber ―todo o
armamento e munição da extinta Força Pública Estadual‖, que encontrava-se no quartel do
Batalhão de Caçadores, atual 2º Batalhão de Infantaria de Selva do Exército brasileiro128.

Em sua entrevista concedida à pesquisadora, o coronel Francisco Machado129 relata o


que se comentava no quartel acerca da extinção da Força Pública Estadual:
O Barata extinguiu a Polícia Militar, porque em 1924 ele era tenente do Exército
servindo em Óbidos, e lá foi preso pela Polícia Militar. E em 1930, com raiva, ele
extinguiu a PM. No Decreto dizia que era por falta de finalidade. Então a polícia
para ele não tinha finalidade nenhuma, era um peso morto. Quando foi em 1935, ele
criou a Companhia Mista de Estabelecimento, que era para abrigar aqueles oficiais e
praças Baratistas que guardavam os prédios estaduais. (Cel. Francisco Machado,
entrevista realizada em 20/11/2014).

Em 1935130, a Força Pública foi novamente reorganizada e, dessa vez, recebeu a


denominação de Polícia Militar do Estado do Pará e foi instalada no prédio situado na avenida
Alcindo Cacela esquina com rua Conceição, que depois tornou-se rua Fernando Guilhon131, no
bairro da Cremação, em Belém. Em 1967, passou denominar-se apenas Polícia Militar do Pará.

126
O Tenentismo foi um movimento político e militar liderado por tenentes e capitães durante o período da
Primeira República, no qual esses jovens oficiais brasileiros lutavam contra o poder das oligarquias, sobretudo
no interior do Brasil, onde as desigualdades sociais eram notórias. Segundo as historiadoras Lilia Schwarcz e
Heloisa Starling, (2015), em se tratando de questões sociais, os tenentistas defendiam ―a reforma do ensino
público, a obrigatoriedade do ensino primário e a moralização da política‖, e ―denunciavam também as
miseráveis condições de vida e a exploração dos setores mais pobres‖. Eram considerados como liberais no
tocante aos temas sociais e autoritários no que se referia à política. Ver, SCHWARCZ, Lilia Moritz e
STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p.348.
127
Através do Decreto nº 14, de 22 de novembro de 1930, a Força Pública foi extinta com a alegação de que
faltava finalidade prática para a sua existência. MACHADO, Francisco Ribeiro (Org.). Manual do Policial
Militar. Belém: Diretoria de Ensino e Instrução da PMPA, 1992. p. 75.
128
MORAES REGO, Orlando L.M. Retrospectiva histórica da Polícia Militar do Estado do Pará. 1822-1930.
Belém: Falângola, 1981. p.169-170.
129
O coronel Francisco Ribeiro Machado, decano na PMPA, ingressou na instituição em 1953, como Soldado, galgou
graduações e postos, chegando a exercer o cargo de Comandante-Geral da Polícia Militar do Pará, de 21/04/1983 a
20/03/1987. Chefiou a Casa Militar por oito anos, o maior tempo registrado na história da Casa Militar, nos
governos de Aloísio Chaves (1975-1978), Clóvis Moraes Rêgo (1978-1979) e Alacid Nunes (1979-1983).
130
Pelo Decreto nº 1.497, de 4 de fevereiro de 1935, foi restabelecida a Força Pública do Estado, que havia sido
extinta pelo Decreto nº 14, de 22/11/1930.
131
O prédio foi utilizado como quartel de diversas unidades da PMPA durante décadas: do Esquadrão de Cavalaria;
do Patrulhamento Tático Metropolitano (PATAM); do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTRAN); posteriormente
tornou-se base do Batalhão de Polícia de Choque/Comando de Missões Especiais (CME/PMPA).
54

Em 1936, nas unidades da federação, o termo ‗Polícia Militar‘ passou a fazer parte da
cena jurídica e social estaduais, com função e estrutura militar132; e as Polícias Militares
passaram a ser novamente legitimadas como força auxiliar do Exército Brasileiro, em
decorrência da Lei nº 192/1936133, assinada pelo Presidente da República Getúlio Vargas.

Assim, a Lei 192 demarcava as características das Polícias Militares, e no seu Art. 1º
estabelecia que as Polícias Militares seriam reorganizadas pelos Estados e pela União, na
conformidade da Lei, e seriam consideradas reservas do Exército134:

Art. 1º - As Polícias militares serão reorganizadas pelos estados e pela União na


conformidade desta lei, e são consideradas reservas do Exército nos termos do
Art.167 da Constituição Federal.
Art. 3º - As Polícias militares formadas por alistamento voluntário de brasileiros
natos, serão constituídas de serviços de Corpos, das armas de infantaria e cavalaria,
semelhantes aos do Exército [...]
Art. 5º - Os postos das Polícias Militares terão as mesmas denominações e
hierarquias dos do Exército, até coronel, inclusive.
Art. 6º - Os comandos das Polícias Militares serão atribuídos em comissão a oficiais
superiores e capitães do serviço do Exército ou a oficiais superiores das próprias
corporações, uns e outros possuidores de curso da Escola de Armas do Exército ou
da própria corporação.
§1º - O oficial do Exército que for nomeado para comandar a Polícia Militar será
comissionado no posto mais elevado da mesma força, sempre que sua patente for
inferior a este posto.135

Posteriormente, na Constituição de 1946, no seu Art. 183, as Polícias Militares


receberam a atribuição de forças auxiliares e reservas do Exército brasileiro, com a
incumbência de realizar a missão de segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados,
Territórios e Distrito Federal, era por assim firmar, a definição da competência das polícias
militares. Como força auxiliar do Exército, caso fosse necessário as polícias militares se
submeteriam a atender a convocação do governo federal, em detrimento das suas atribuições
estaduais de policiamento.

Em 1964, com a instauração do regime civil-militar, o vínculo do Exército com as


Polícias Militares tornou-se mais estreito que as competências acabavam por se entrelaçar,
havendo total movimentação por parte do Exército nas unidades policias militares, inclusive
porque os comandantes das PMs geralmente eram oficiais do Exército brasileiro.

132
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. –
Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2012.
133
BRASIL, Lei Federal nº 192, de 17 de janeiro de 1936.
134
MELO, José Messias Gomes de. (Org.). Vade Mecum do Policial Militar do Pará. São Paulo: Nelpa, 2013.
135
BRASIL, Lei Federal nº 192 de 17 de janeiro de 1936. Ver: MELO, Ibid., p.15.
55

A partir de 1964, com a reformulação da Doutrina de Segurança Interna Territorial


promovida pelo Exército brasileiro, foi criada a Inspetoria Geral das Policias Militares
(IGPM)136, a qual centralizava seu comando a partir de Brasília e supervisionava diretamente
as Polícias Militares estaduais. Segundo Valente137, a criação da IGPM constituiu-se, na
prática, uma ―inegável subordinação das Polícias Militares ao Exército, uma vez que era
ameaça à União, a existência de pequenos exércitos estaduais‖.

A Inspetoria Geral das Policias Militares, por ser uma unidade organicamente
integrada ao Estado Maior do Exército brasileiro, detinha amplas competências no
estabelecimento de diretrizes e normas, orientação, fiscalização, instrução e controle da
organização do efetivo e do material; ou seja, a integralidade da atuação, do enquadramento
de pessoal, da dinâmica institucional da PM em todas as esferas, cabendo à IGPM a
fiscalização, a regulação do aprendizado e das instruções.138

No final da década de 1960, a Constituição de 1967, promulgada durante o regime


civil-militar, atribuiu como competência das Polícias o policiamento ostensivo fardado e
reiterou a condição das Policias Militares como subordinadas ao Exército para a manutenção
de ordem e, por meio do ato complementar de 1968, responsável pela consolidação da
ditadura, ―permitiu que a Polícia Militar continuasse a ser utilizada nos serviços de
informação e contrainformação‖139, sendo também ―usadas para todas as atitudes repressivas
e antidemocráticas impostas pelo governo‖140 naquele período.

Em 1969, foi instituído o Decreto-Lei nº 667/69, o qual restabeleceu as PMs e


reafirmou a missão institucional na garantia da ordem pública, determinando, de forma cabal,
que o policiamento ostensivo era uma atribuição exclusiva das policias militares.

Posteriormente, em 1970, foi aprovado o Regulamento para as Polícias Militares e


Corpos de Bombeiros Militares – ‗R 200‘, o qual conceituava o policiamento ostensivo como
sendo a ―ação policial, exclusiva das Policias Militares, em cujo emprego, o homem ou a
fração de tropa engajados, seriam identificados de relance, pela farda, pelo equipamento, ou

136
RAMALHO, Jaime. Farda & Cor: mobilidade nas patentes e racismo na Polícia Militar da Bahia. 2008.
Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
137
VALENTE, Julia Leite. „Polícia Militar‘ é um oximoro: a militarização da Segurança Pública no Brasil.
Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília, v. 10, p. 208, 2012.
138
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012.
139
MINAYO, Maria Cecília de Souza et al (coord.) Missão Prevenir e Proteger: Condições de vida, trabalho e
saúde dos policiais militares do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008.
140
VALENTE, Julia Leite. ‗Polícia Militar‘ é um oximoro: a militarização da Segurança Pública no Brasil.
Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília, v. 10, 2012.p.208.
56

pela viatura‖, para a manutenção da ordem pública. Destaca-se que, fosse pela existência de
vínculo ou pela subordinação, as ações atribuídas às Policias Militares eram assimiladas com
base nos manuais de treinamento militar do Exército brasileiro141.

Como atribuições da Polícia Militar, os serviços de policiamento ostensivo fardado142


podiam ser executados em diversas modalidades: patrulhamento, escolta, diligência em zonas
rurais; atuando em dupla ou trio, grupamento, pelotão, companhia ou esquadrão, batalhão ou
regimento, conforme o tipo de trabalho: rodoviário, trânsito, geral, ambiental, comunitário e
outros, nos quais os meios de locomoção poderiam ser ―a pé, motorizado, montado a cavalo,
em embarcações, em bicicletas, em aeronaves, etc.‖143

No Pará, além das modalidades de policiamento citadas, foram incluídos serviços de


policiamento em recintos destinados à prática de esportes, como estádios de futebol, nos
logradouros e outros locais em que houver grandes aglomerações públicas como as procissões
religiosas, além do policiamento por via aérea e do policiamento nos campos alagadiços,
como no Marajó, realizado pelo policial militar montado em búfalos144, sendo uma
peculiaridade do policiamento na Amazônia:

[...] Quem já viu com seus próprios olhos a Amazônia alagada pelos rios na época
das chuvas, quando tudo parece ter estacionado no primeiro dia da criação, quando
―as águas não tinham sido separadas da terra firme‖, pode ter uma ideia das suas
condições dramáticas que os campos se tornam[...] 145

141
VALENTE, Julia Leite. ‗Polícia Militar‘ é um oximoro: a militarização da Segurança Pública no Brasil.
Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília, v. 10, 2012, p.208.
142
Decreto Federal nº 66.862/1970, Artigo 2º.
143
MACHADO, Francisco Ribeiro. Manual do Policial Militar. 2. ed. Belém: Imprensa Oficial do Estado do
Pará, 1992. p.294-296. Obra adotada através da Portaria nº 003/1989-PM/3, transcrita no Boletim Geral da
PMPA nº 172, de 18 set., 1989, como fonte orientadora, básica dos Cursos de Formação de Soldado PM,
extensiva a todos os Cursos que funcionarem nos estabelecimentos de ensino da PMPA.
144
Os terrenos acidentados e alagadiços da cidade de Soure, na Ilha de Marajó, distante 87 km da capital Belém,
exigiram que a Polícia Militar adotasse uma modalidade ímpar de policiamento no combate à criminalidade na
região, que é o ‗policiamento montado em búfalos‘. A Polícia Militar inspirou-se nos hábitos da própria
população de Soure, que costumeiramente faz uso de búfalos para diversas atividades, assim a Polícia Militar
passou a empregá-los na operacionalidade do município, além das motos e dos cavalos. É notório que no
deslocamento com búfalos se chega aonde cavalos, motos e alguns carros não chegam, pela força e vigor desses
animais, que são comparados a veículos com tração nas quatro rodas, considerados bichos "4x4". Acredita-se
que os búfalos são mais fortes e mais resistentes que os cavalos. Além disso, o Marajó detém um dos maiores
rebanhos de búfalo do país, o que favorece a atuação policial nas áreas alagadiças, pois os búfalos estão bem
adaptados à região. Os búfalos têm um perfil extremamente selvagem, mas os policiais militares da Unidade de
Soure conseguiram domá-los. Ver: STOCHERO, Tahiane. G1-GLOBO. PM do Pará usa búfalos para
policiamento na Ilha do Marajó. Disponivel em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/07/pm-do-para-usa-
bufalos-para-policiamento-na-ilha-do-marajo.html> Acesso em: 15 abr., 2017.
145
KRÄUTLER, Eurico. Sangue nas pedras. (Coleção Perspectivas).São Paulo: Paulinas, 1979, p.7.
57

Como se pode depreender sobre o policiamento, as singularidades da região


Amazônica impõem a expansão dos serviços prestados à sociedade, exigindo a presença dos
integrantes da corporação nas ruas, nos colégios, nas imediações dos bancos, nos estádios, nas
rodovias, na guarda dos presídios, em escoltas, diligências, nas grandes concentrações de
pessoas, nas greves, em calamidades etc. Em todos os casos, a presença da Polícia tem a
finalidade de garantir a ordem pública, assim como a possibilidade de qualquer pessoa que
circulasse pelas ruas, a pé ou em algum meio de transporte, poderia ser abordada e revistada
numa ação policial rotineira146.

Devido ao envolvimento nas duas décadas de vigência da ditadura civil-militar,


período em que o modelo adotado na formação policial era de guerra e o criminoso era o
inimigo a ser eliminado, as Polícias Militares passaram a ser consideradas como
instrumentos de opressão social.

A partir da redemocratização do país e da promulgação da Constituição de 1988, a


Polícia Militar foi convocada a buscar a sua própria identidade, a rever suas práticas junto
à sociedade e a se desvincular da lógica opressora, incorporada ao longo das décadas,
resultante do entrelaçamento com o regime militar. Aquele momento exigiria o abandono
de práticas arraigadas em sua história, sobretudo no período ditatorial, o que conduziria a
instituição policial militar a um novo modus operandi, tanto na atuação quanto na
formação de pessoal.

Pinheiro147 afirma que o Estado não poderia mais atuar diretamente com ações
violentas e arbitrárias como no período do regime autoritário, entretanto, ainda se constatava a
prática ilegal de violência exercida por seus agentes. Todavia, os policiais militares mudaram
bem pouco seu modus operandi após a redemocratização. Permaneceram sendo considerados
como parte do aparato repressivo, perseguindo dissidentes políticos, reprimindo, violando
direitos, praticando tortura, prisões arbitrárias e mortes, sob a alegação de ―autos de
resistência.‖148

146
RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.16. (Coleção Segurança e Cidadania).
147
PINHEIRO, Paulo Sergio. Direitos Humanos no Ano que Passou: Avanços e Continuidades. In: Os Direitos
Humanos no Brasil. Universidade de São Paulo, Núcleo de Estudos da Violência e Comissão Teotônio
Vilela, São Paulo, NEV/CTV, 1995.
148
Auto de resistência foi criado na ditadura, a fim de justificar as prisões em flagrante efetuadas por policiais,
como também justificar a ocorrência de alguns homicídios.
58

A atuação da Polícia Militar, sob uma perspectiva marxista, segundo Marcos Bretas e
André Rosemberg149, ―fazia parte do arsenal repressivo agindo sob as ordens de um Estado ou
de uma burguesia opressora‖150, e que desde 1960, embora tenha se passado meio século da
conjuntura conflituosa da ditadura civil-militar, de arbitrariedade e de desrespeito aos direitos,
permanece visível, o forte estigma sobre a imagem policial.

A quebra desse estigma e a possibilidade de uma atuação não opressora, parecia ser
uma das motivações assinaladas no discurso do coronel Ailton Guimarães, comandante-geral
da PM à época, ao analisar a necessidade de mudanças na atuação das Polícias Militares, haja
vista a promulgação da nova Carta Magna:

[...] a partir de agora, o mandamento constitucional só autoriza prisões em flagrante


ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Assim
procederemos fielmente, sem ressentimentos ou má vontade, norteado pelo espírito
do legislador que visa proteger um dos bens mais preciosos do indivíduo: a sua
liberdade. Haveremos de nos adaptar a esse e a todos os dispositivos
constitucionais, como é nossa obrigação, como integrantes da instituição e como
cidadãos brasileiros.151 (grifos nossos).

Ora, as mudanças estabelecidas pela ‗Constituição de 1988‘ buscavam inaugurar um


novo olhar sobre o indivíduo e sobre a sociedade: referia-se ao exercício pleno da cidadania; a
garantia da respeitabilidade, da integralidade dos direitos e deveres; na melhoria da relação
estabelecida entre o cidadão e o Estado, pela qual se poderia conferir aos indivíduos uma série
de direitos – civis, políticos e sociais, garantidos e respeitados por meio das leis 152; a
cidadania como um status concedido àqueles que eram membros integrais de uma
comunidade153 e que deviam assegurar tratamento igualitário no que diz respeito aos direitos e
obrigações pertinentes a esse status.

Nas diretrizes da Carta Magna, muito embora houvesse a perspectiva de mudanças na


atuação policial, na realidade, sabia-se o quanto seria desafiador implantar um novo modelo
institucional. A Constituição de 1988 se tornaria a bússola para apontar o caminho, todavia,
como referido pelo então comandante, coronel Guimarães em seu discurso, ela não era em si
um ―remédio milagroso‖.

149
BRETAS, Marcos L.; ROSEMBERG, André. A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas. TOPOI,
v. 14, p. 162-173, 2013.
150
BRETAS; ROSEMBERG, Ibid., p.163
151
Ibid. jornal o Diário do Pará de 06/11/1988. (Trecho do discurso do comandante-geral).
152
VIEIRA, Liszt. Notas sobre o conceito de cidadania. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais,
São Paulo, n.51, p. 35-47, jan.-jun. 2001.
153
MARSHALL, Thomas H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 64.
59

Cabe-me atentar nesse sentido, para as análises de Thomas Holloway154, para quem, a
concepção, é de que, a Força policial como a conhecemos, é um artefato do Estado moderno
que data de fins do século XVIII e início do século XIX, e parte do século XIX e XX, os
homens que a compunham, não necessariamente evidenciavam o perfil para o desenvolvimento
da profissão. Quem eram então esses homens que se tornaram policiais?

1.1 QUEM ERAM OS PRIMEIROS POLICIAIS MILITARES?

[...] Homens simples desta terra, chamados pela vocação de servir à coletividade e
ao bem comum, representaram ao longo das gerações o ideal pelo qual muitos
viveram e muitos morreram. Formaram as tropas de segunda linha, das ordenanças e
as milícias, os nossos mais remotos ancestrais, integrados pelos colonos, pelos
vaqueiros, pelos pescadores, pelos agricultores, que se adestravam nos fins de
semanas e nas épocas das entressafras, quando trocavam o arado, o laço, a tarrafa, o
pilão e o aconchego de suas famílias pelo fuzil e pelas maneabilidades da instrução
de guerra. Eles foram as sentinelas dos que seguiam as terras recém-abertas e
abriram clareiras para surgir as primeiras povoações. Ao sol escaldante das grandes
estiagens ou nas duras invernias, fustigados pelas chuvas e pelo vento, escreveram
uma página impecável nos primórdios na história do Pará.155

A compreensão de Francisco Machado acerca dos policiais, na transição do século


XIX e início do século XX, tal como apresentada na epígrafe, denota um ranço da origem dos
homens que compunham a instituição, visto que, se por um lado eram homens incultos e sem
perfil apropriado, por outro, não havia a seleção adequada, logo, a admissão de interessados
aos cargos públicos tinha um caráter eminentemente subjetivo, possibilitando as mais diversas
formas de ingresso e de admissão de pessoas não qualificadas para as atividades e funções
institucionais.

Thomas Holloway156 por sua vez, analisa a atuação histórica da Polícia no Rio de
Janeiro, e assegura que não diferia das demais, servindo como instrumento de repressão
institucionalizado e conservantista, exibindo uniformes, cassetetes e espadas no emprego como
força armada, tornando sua coerção efetiva,157 cujo rigor e ineficiência motivavam a população

154
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1997. p.43.
155
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.340-341.
156
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1997. p.262.
157
HOLLOWAY, Thomas H Idem.
60

a ter aversão ao trabalho policial. Somente décadas mais tarde, os interessados passaram a ser
selecionados para as Polícias Militares.

A possibilidade do acesso via concurso para as funções e cargos públicos, segundo


estudos de Luciana Aglantzakis,158 deu-se somente pela Constituição de 1934, que ficou
estabelecida como a primeira Constituição do Brasil a dispor sobre tal instituto.

Dessa forma, ao longo dos anos, por tradição, o ingresso na Polícia Militar do Pará,
segundo Mascarenhas159, dava-se em âmbito de indicação de políticos, autoridades, figurões
da alta sociedade ou por escolhas individualizadas, sem que houvesse critérios claros para tal
admissão, inclusive pela candidatura voluntária daqueles que se auto-identificavam ou se
auto-percebiam, como tendo aptidão e interesse em seguir a carreira militar.

Em se tratando de se auto-perceber com aptidão para a carreira militar, em sua


entrevista, o coronel Francisco Machado, decano na corporação de Fontoura, com sua
memória prodigiosamente detalhista, relata que desde jovem se percebia com característica à
vida militar:

Eu havia servido como sargento temporário do 25º Batalhão de Caçadores do


Exército em Teresina no Piauí, e quando dei baixa em 1953, fui para São Luís, para
casa de uns parentes, [...] de lá, vim para Belém [...] carregava apenas minha mala,
que era nova, mas de papelão e que não podia pegar chuva que se desfazia, (risos)
fui para capitania dos portos. Comprei passagem de 3ª classe no navio Lloyd
Brasileiro160
[...] vim quase não tinha dinheiro, de São Luís para Belém, viajei com 30 cruzeiros
na época. Viajei 36 horas e cheguei aqui em 28 de fevereiro de 1953. Vim esperando
ganhar alguns cruzeiros em Belém, mas meu objetivo não era esse, queria seguir
viagem, porque eu pretendia mesmo era ir para São Paulo161.

Entretanto, relata Francisco Machado que, por não ter familiares no Pará, resolveu
visitar uns antigos amigos do quartel do Exército de Teresina que à época se encontravam
servindo em Belém:

158
AGLANTZAKIS, Luciana Costa. Breves conceitos sobre o instituto do Concurso Público no Direito
Brasileiro. Disponível em:< http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em: 4 maio, 2015.
159
MASCARENHAS, Jairo Mafra. Concurso na Polícia Militar do Pará: um levantamento sobre o exame
toxicológico admissional. 2012. Monografia (Especialização em Gestão Estratégica e Defesa Social) –
Coordenadoria de Ensino Superior do Instituto de Ensino de Segurança Pública, Belém, 2012. p.25
160
A Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro foi a maior e mais tradicional armadora brasileira. Foi fundada
em 1890, durante o governo do marechal Hermes da Fonseca. Na segunda década do século XX, a companhia
já era a maior do país. Em 1939, tinha uma frota de 122 navios, que dava ao Brasil a liderança do setor marítimo
na América do Sul. A empresa foi extinta em outubro de 1997, durante o governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso, devido a questões judiciais que redundaram em falência e no arresto de navios.
161
Entrevista com Francisco Ribeiro Machado, concedida à autora, gravada em 20/11/2014.
61

Eu não tinha para onde ir. Sabia que tinha companheiros do Exército que estavam
aqui, mas não sabia onde estavam. Quando desembarcou todo o pessoal do navio,
ali na escadinha do cais, eu chamei um carregador e pedi a ele que me levar no
quartel da Polícia Militar mais próximo. Ele me pediu 20 cruzeiros, eu disse que só
tinha 10 cruzeiros, como todo mundo já tinha saído, e ele viu que não iria mais ter
clientes, ele aceitou. Ele pôs a mala no ombro e eu fui atrás dele. Ali ele me levou na
avenida Gaspar Viana, esquina com a avenida Assis de Vasconcelos, no Quartel do
Comando Geral, que também era Cia de Guardas e Contingente do Comando Geral,
três unidades no mesmo prédio. Chegando no quartel, me levaram ao oficial de dia -
era o 1º tenente graduado Odomar José da Silva Romeiro[...] Lá encontrei
companheiros meus. 162

Relata Francisco Machado que estando por ali, nas instalações do comando geral da
PM, com os seus antigos companheiros de farda do Exército, foi ficando. Fazia refeições no
refeitório do quartel, ―encostado‖ aos seus amigos praças, ao passo que também saía pelo
comércio, às proximidades do quartel, em busca de emprego:

[...] eu fiquei lá uns dias e meus amigos me convidaram pra ir morar com eles [...]
eu fui morar num quartinho muito apertado na rua dos Tamoios, perto da Estrada
Nova. Eu não tinha ninguém. Eles saiam para o serviço, e eu ficava. E, na hora do
almoço ia para o quartel almoçar com eles.
[... ] Fiquei por lá e saía no comércio. Fiz inclusive teste para balconista para as lojas
Rianil, que hoje não existem mais. Fiz o teste e fiquei aguardando o resultado, mas
nunca fui chamado.

Entretanto, ao ser visto, frequentemente naquele quartel, devido sua forma


―enquadrada e disciplinada‖ de portar-se, foi sendo observado pelos oficiais e graduados, e
assim, recebeu o convite do coronel Arthur de Sousa Vieira163 para tornar-se policial militar
em Belém.

[...] Eu não conseguia emprego, não tinha mais dinheiro, e eu não queria ficar às
custas dos meus companheiros. Acabou que todos eles passaram a me aconselhar a
ir trabalhar na polícia.
Foi então que o Coronel Arthur de Sousa Vieira, que era um coronel graduado, chefe
do estado maior na Polícia Militar, me chamou. Eu ia passando e ele me chamou,
sabia até meu nome: ‗Machado‘. Ele ouvia todos me chamando ali no quartel geral,
ele me chamou e me mandou sentar ao lado dele. Eu tinha largado a farda, mas tinha
ímpeto de militar. Fiquei acanhado de me sentar ao lado do coronel.
Daí ele me perguntou o que eu fazia ali. Eu disse que estava procurando emprego,
que tinha terminado o serviço militar em Teresina e estava aqui a procura de
emprego. Ele me perguntou se eu não queria ir para polícia. Eu falei que tinha
pouco tempo que eu havia deixado a farda, então queria experimentar viver o mundo

162
Fragmentos da entrevista com Francisco Ribeiro Machado, concedida à autora, gravada em 20/11/2014.
163
Refere-se ao Coronel graduado, que à época era chefe do Estado Maior Geral na Polícia Militar do Pará.
62

civil. Mas o Coronel insistiu, elogiou meu enquadramento, e parece que percebendo
que eu tinha realmente jeito de militar, me encorajou a pensar melhor sobre o meu
futuro e me fez o convite pra eu ser policial militar.
Ele falou que era para eu pensar e no dia seguinte voltar para dar uma resposta. Aí
aceitei o convite do Coronel.164

Machado afirma que uniu a sua auto-percepção referente à sua postura de militar, ao
incentivo dos seus amigos – já policiais militares em Belém – somado à sua experiência de
Exército brasileiro, e findou aceitando o convite do referido oficial superior, para ser também
policial. Como a sua resposta ao convite foi afirmativa, logo no dia seguinte, quase sem
exigência e critérios burocráticos, foi declarado policial militar:

[...] Naquele tempo para entrar na Polícia bastava ter atestado de boa conduta
fornecido pela Polícia civil, fui lá na delegacia buscar meu atestado 165 que antes
chamava de folha corrida, assim eu fiz, tudo na delegacia, ali no início da Santo
Antônio. [...] eu tinha boa conduta, tinha recém-saído do 25º Batalhão de Caçadores
de Teresina, e tudo isso me ajudava. [...] Só sei que aproximadamente 24 horas
depois, eu já estava ingressando na Polícia Militar do Pará. Era 20 de abril de
1953.166

O relato do Francisco Machado sobre sua admissão na PMPA, exemplifica a


simplicidade com a qual ele e outros indivíduos adentravam as fileiras da Corporação. Essa
simplicidade ensejava cobrir a insuficiência do efetivo policial que acompanhava a instituição
desde muito tempo e estava sempre aquém no número de policiais para atender as demandas.
Segundo Machado:

Era um tempo em que a PM tinha carência de pessoal, não só de oficiais, como


também de graduados, de sargento [...], a gente ganhava pouco, por isso, algumas
coisas eram permitidas, por exemplo, a gente trabalhava só um expediente, e ainda
era possível continuar os estudos.167

Nota-se pela narrativa de Machado, que o efetivo da Polícia Militar, era muito
incipiente para atender a tamanhas demandas regionais. De fato, para se ter compreensão da
escassez de recursos humanos, a Lei nº 3099, de 13 de novembro de 1964, publicada no
Diário Oficial do Estado, nº 20.466168, fixava o efetivo da Polícia Militar do Pará em 998

164
Idem. Fragmentos da entrevista com Francisco R. Machado.
165
Destaco que nas décadas subsequentes à referida pelo entrevistado F. Machado, quando os concursos
começaram a ser efetivados, os certames tornaram-se criteriosos, passando a requerer do candidato, uma vasta
documentação comprobatória sobre os antecedentes criminais, em âmbito estadual, federal e de Justiça Militar,
bem como atestado de honorabilidade e investigação social.
166
Idem, entrevista com Francisco R. Machado.
167
Idem, entrevista com Francisco R. Machado.
168
O Diário Oficial do Estado nº 20.466, teve sua publicação reproduzida no Boletim Geral da PMPA, nº 001, de
04 Jan 1965, segunda-feira, p. 01.
63

homens, sendo distribuídos em 929 praças e 69 oficiais. O oficialato nessa década,


correspondia a apenas 7% do efetivo total da corporação.

Em sua narrativa, Francisco Machado descreve que na década de 1950, tanto em


âmbito de recursos humanos, quanto de equipamentos de trabalho, a instituição encontrava-se
em dificuldades, e do esforço que seus integrantes e a própria corporação empreendiam para a
atuação:

Em maio houve uma greve de motoristas aqui em Belém e como o efetivo da PM era
pequeno, fomos todos convocados e empenhados para prestar policiamento na
cidade, porque eles estavam fazendo greve por melhores salários e aqueles que
tentassem furar a greve, os ônibus seriam apedrejados. Então o que fizeram, cada
ônibus era colocado um policial.
E agora veja só, a precariedade de equipamento da PM naquela época, os revolveres
eram poucos, só entregavam para os oficiais, então ao invés de a gente ter um
revolver, a gente tirava serviço sentado no primeiro banco com um fuzil F.O 169 e
aquilo a gente ficava para cima e para baixo no carro, para não deixar ninguém fazer
nada e a greve durou 30 dias. Mas tiveram várias greves no Pará que a Polícia teve
que intervir.170

A escassez de policiais militares para o pronto emprego, era recorrente ao longo das
décadas. Por exemplo, em 1939, o interventor federal no estado do Pará, José Gama Malcher,
constatou que a maioria dos oficiais existentes na PM, estava envelhecendo e
compulsoriamente seguiriam para a reserva (aposentadoria). Compreendeu então, que se fazia
necessária a renovação do quadro de oficiais, tendo em vista que os sargentos existentes na
Força Policial somente teriam acesso aos postos superiores, de modo equivalente ao Exército
brasileiro, caso possuíssem qualificação compatível com o cargo. Assim, optou por encontrar
uma solução.

Então, Gama Malcher baixou o Decreto-lei nº 3.257, por meio do qual foi instituído o
Curso de Formação de Oficiais171. Tem-se daí, em 1939, no comando do coronel Cesar
Romulo da Silveira Júnior,172 pelo mencionado Decreto, de 24 de abril de 1939, o registro da
implantação do Curso de Formação de Oficiais, com duração de dois anos173.

169
F.O. é a abreviatura de ―Fuzil Ordinário‖: nome genérico que se dá ao fuzil Mauser 1908 KAR e seus
sucessores. <https://saladearmas-oficial.blogspot.com.br/2017/01/termos-tecnicos-sobre-armas-de-fogo.html>
170
Idem. Fragmentos da entrevista com Francisco R. Machado.
171
Decreto-Lei nº 3.257, de 24 de abril de 1939. Instituído o Curso de Formação de Oficiais.
172
Capitão de Infantaria do Exército, que foi comissionado e nomeado a comandante geral da PMPA, em 09 de
janeiro de 1939 e exonerado em 14 de janeiro de 1942.
173
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. –
Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2012. p. 210.
64

O referido Curso de Formação funcionou normalmente até a II Guerra Mundial,


quando os oficiais da PM passaram a realizar a respectiva formação no recém-criado Centro
de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) do Exército Brasileiro174.
Destarte, encontro, nas documentações da instituição PMPA e nos jornais pesquisados,
que durante as décadas de 1960, 1970 e parte da década de 1980, a formação do oficialato
policial militar era realizada pelo Exército brasileiro, geralmente no CPOR e tempos depois
nos Núcleos de Preparação dos Oficiais da Reserva (NPOR).
Destaco que a formação dos oficiais pms no CPOR, transcorria sob o arcabouço
teórico-prático direcionado ao militarismo e significativamente distinto do conteúdo
específico da área de segurança pública, na qual doravante passariam a atuar.

1.2 ―ORDINÁRIO, MARCHE‖ 175 – DEIXANDO O EXÉRCITO, EM DIREÇÃO À


POLÍCIA MILITAR

Muito embora as instituições públicas de forma geral – civis e militares – realizassem


processo seletivo para a admissão de pessoal em seus quadros, somente pela Constituição
Federal de 1988176 que se tornou válida a exigência do concurso público por meio de provas
ou de provas e títulos para o ingresso nos cargos e nos empregos públicos.

Mary Del Priore177, ao analisar as formas de seleção para a carreira militar herdadas do
período colonial, esclarece que historicamente, os que tinham acesso eram os jovens, bem
relacionados ou oriundos da classe alta. Devido ao status familiar, esses jovens podiam
ocupar postos elevados, inclusive sem terem preparação prévia ou tempo de serviço. Ao
contrário da situação dos jovens pobres, que ao serem selecionados permaneciam na condição
de praças até darem baixa ou morrerem. E, ainda, por ocuparem os cargos mais baixos na
hierarquia, eram vistos como indignos e remunerados com soldos baixíssimos.

Posteriormente houve mudanças e, na segunda metade do século XIX, a


profissionalização do Exército possibilitou a ascensão dos jovens de origem humilde.

174
Jornal Diário do Pará, ―Curso de formação de oficiais na PM.‖ Caderno Polícia, 29/05/1988. p.07.
175
Trata-se de uma forma padronizada de comandamento militar. Ao ouvir a voz de comando: ―Ordinário Marche‖,
o militar, o pelotão ou a tropa iniciam a execução do movimento, realizando o seu deslocamento. Manual de
Ordem Unida – C22-5 do Exército brasileiro. 3. ed. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2000. p. 2-11.
176
Constituição da República Federativa do Brasil, art. 37, Inciso I e II.
177
DEL PRIORE, Mary, VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010.
65

Nos séculos XIX e XX, por não haver mais influência dos títulos da monarquia nem
das sociedades feudais e de suas elites agrárias, o ingresso para a carreira militar do
Exército passou a ser realizado mediante diversas variáveis, tais como influências
familiares, solicitações de políticos, condições sociais e o grau de escolaridade.

No caso específico dos concursos para a admissão na Polícia Militar, Mascarenhas178


analisa que antes da Constituição de 1988 possivelmente não houvesse rigor na seleção, e que:

[...] tenham sido aprovados candidatos que foram ―escolhidos‖ em função de algum
critério desigual, que pode ter sido pelo grau de parentesco, favorecimentos, por
interferência política, e assim por diante. Não eram necessariamente os melhores
candidatos, nos moldes de uma seleção criteriosamente rigorosa. O cenário à época,
predestinava algumas admissões [...]. É óbvio, no entanto, que simultaneamente
foram admitidos aqueles candidatos inquestionavelmente aprovados, competentes e
que se valeram de seus próprios potenciais, sem métodos escusos de aprovação 179.

As mudanças das normas para ingresso nas Forças Armadas ocorridas ao longo dos
anos, provavelmente influenciaram as formas de admissão nas Polícias Militares, que
passaram a ser reconhecidas pelas diversas Constituições como forças auxiliares e reservas do
Exército. Assim, constata-se que a partir de 1980, a admissão para o oficialato da PMPA se
dava basicamente de duas formas.

A primeira, pelo ingresso de candidatos que tinham sido militares temporários nas Forças
Armadas, sobretudo no Exército brasileiro, mas que, diante da impossibilidade do seu
engajamento, de seguir carreira, ingressavam na reserva não remunerada e se candidatavam a
ingressar na carreira policial militar, sendo integrados na PMPA como oficiais, quase sem
nenhuma burocracia.

E a segunda, pelo ingresso de jovens candidatos civis que objetivavam seguir carreira
de oficial militar, começando desde o início propriamente, nos primeiros passos da formação,
na própria PM. Neste caso, como ainda não havia Academia de Polícia Militar, no Pará, os
candidatos civis eram destinados às academias das outras unidades federativas do Brasil, onde
eram realizados os Cursos de Formação de Oficiais.

No caso dos candidatos oriundos da reserva das Forças Armadas, também


denominados de R2180, constata-se no acervo documental da corporação181 conforme registrei

178
MASCARENHAS, Jairo Mafra. Concurso na Polícia Militar do Pará: um levantamento sobre o exame
toxicológico admissional. Monografia (Especialização em Gestão Estratégica e Defesa Social) Curso
Superior de Polícia e Bombeiro Militar, Instituto de Ensino de Segurança Pública, Belém, 2012..
179
MASCARENHAS, Ibid., p. 26.
180
Oficial R2 – Era a designação dada ao militar da reserva das Forças Armadas que havia prestado o serviço
militar temporário e obrigatório, previsto no Decreto-Lei 1.187/39.
181
Almanaques de Oficiais – Diretoria de Pessoal da PMPA, 1988 e 2000.
66

acima, que em meados da década de 1960 e durante as décadas de 1970/1980, era frequente a
admissão de candidatos oriundos do CPOR ou NPOR.

Nota-se que os candidatos que vinham do exército, serviam quase sempre pela
compulsoriedade, peculiares ao serviço militar obrigatório, ao chegarem à idade de 18 anos,
no qual ―todo brasileiro é obrigado ao serviço militar para a defesa nacional, na forma das leis
federais e respectivos regulamentos‖.182

Segundo José Murilo de Carvalho, a obrigatoriedade do serviço militar era para todos
os homens no Brasil, logo, excetuava-se as mulheres, e foi efetivada mediante à reforma do
então presidente Getúlio Vargas, com a justificativa de que o serviço obrigatório era
fundamental para ―dar ao Exército, a capacidade de influenciar setores da população até então
impermeáveis, como a classe média e a classe alta e para a formação de reservas‖:183

Lei nº 4.375/1964 – LEI DO SERVIÇO MILITAR – Da natureza e obrigatoriedade


e duração do serviço militar.
Art.1º O Serviço Militar consiste no exercício de atividades especificas
desempenhadas nas forças armadas: Exército, Marinha e Aeronáutica e
compreenderá na mobilização, todos os encargos relacionados com a defesa
nacional.
Art. 2º Todos os brasileiros são obrigados ao serviço militar, na forma da
presente lei e sua regulamentação.
[...]
§ 2º As mulheres ficam isentas do Serviço Militar em tempo de paz[...]‖
Art. 4º Os brasileiros nas condições previstas nesta lei, prestarão o serviço militar
incorporados em Organizações da ativa das Forças Armadas ou matriculados em
Órgãos de Formação de Reserva.
Parágrafo Único: O serviço prestado nas Policias Militares, Corpos de Bombeiros
e outras corporações encarregadas da segurança pública, será considerado de
interesse militar [...]184(grifos nossos)

Além da obrigatoriedade do serviço militar, Getúlio Vargas instituiu também a


reativação dos ‗Tiros de Guerra‘, uma organização militar cuja finalidade, além de
complementar o treinamento obrigatório para os jovens que atingissem a maioridade, era
também de treinar civis, o que se desdobrou em um novo Exército, como afirma José Murilo
de Carvalho:

182
Decreto-Lei 1.187/39
183
CARVALHO, José Murilo. Vargas e militares: Aprendiz de feiticeiro. In: CARVALHO, José Murilo. O
pecado original da República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro:
Bazar do tempo, 2017. p.164.
184
Legislação Federal - Lei nº 4.375 de 17 de agosto de 1964 – Lei do Serviço Militar – Da natureza e
obrigatoriedade e duração do serviço militar.
67

O velho Exército em que os soldados provinham todos do proletariado urbano e rural e


eram todos profissionais, foi transformado em uma nova organização em que o
contingente, agora recrutado em todas as classes, ou quase todas, era renovado
anualmente, devolvendo-se à sociedade indivíduos não só treinados militarmente,
mas também imbuídos de valores militares, tradicionalmente alheios à cultura
brasileira tanto popular quanto de elite, indivíduos disciplinados no corpo e na
mente.185 (grifos nossos)

Com essa reforma na organização do Exército foi possível realizar o treinamento


de oficiais nos CPOR e NPOR, onde os membros das classes média e alta, antes
inalcançados pelo serviço militar obrigatório, passaram, a integrar compulsoriamente
essas instituições.

Segundo José Murilo de Carvalho, outrora, somente a Marinha do Brasil atraía os


jovens de classe alta, mas posteriormente, o Exército também passou a contar com esse
efetivo por meio do serviço militar obrigatório: ―pode-se dizer que, pela primeira vez no
Brasil, jovens de classe alta foram forçados ao serviço militar de maneira sistemática‖ 186

Tendo em vista o grande quantitativo de jovens que seriam dispensados após o


serviço militar obrigatório e ficariam na reserva não remunerada, vislumbrou-se o
aproveitamento desse contingente de jovens com experiência no militarismo, mediante o
ingresso nas Polícias Militares187.

Assim, a prerrogativa para admissão desses oficiais nas Polícias Militares foi instituída
pelo Decreto Federal nº 667/1969188, o qual estabelecia que desde então as instituições
policiais militares estaduais estariam autorizadas pelo presidente da República a receber os
oficiais R2 em seus respectivos quadros.

Tal admissão foi bem recebida nas unidades da Polícia Militar do estado devido à
insuficiência de oficiais para atender as demandas crescentes da instituição e a prestação de
serviços à população, somando-se ao fato de que à época ainda não havia Academia de Polícia
no Pará, e também porque o número de vagas disponibilizadas pelas Polícias Militares nas
unidades da federação era irrisório e não supria a vacância de oficiais existente na PMPA.

185
CARVALHO, José Murilo. Idem.
186
CARVALHO, José Murilo. Vargas e militares: Aprendiz de feiticeiro. In: CARVALHO, José Murilo. O
pecado original da República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro:
Bazar do tempo, 2017. p.164.
187
MACHADO, F.R. Entrevista concedida à pesquisadora, gravada em 20/11/2014.
188
Decreto Federal nº 667, de 2 de julho de 1969, que tinha como objetivo consolidar a subordinação das
Polícias Militares como forças auxiliares do Exército.
68

A limitação da oferta de vagas frequentemente acarretava um déficit no ingresso de


oficiais subalternos189, o que fazia crescer gradativamente a vacância de oficiais. Além disso, a
formação de oficiais em outras academias190 onerava consideravelmente a folha de pagamento
do Estado que, por sua vez, arcava com as despesas da formação dos oficiais do Pará, que
estavam formando em outras unidades da federação.

Assim, a nota transcrita a seguir nos dá a compreensão do quantitativo irrisório de vagas


ofertadas nas demais unidades da federação para a formação de oficiais do Pará. Por exemplo,
no calendário anual de cursos de formação, aperfeiçoamento e de nível superior que estavam
programados pela PMPA, para o ano de 1989, continha as seguintes informações:191

AS NORMAS ESTABELECIDAS PELA INSPETORIA GERAL DAS


POLÍCIAS MILITARES,

O Comando Geral da Força Estadual mandou divulgar para todos os segmentos da


corporação, os cursos abaixo especificados que serão realizados em outras Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros, no ano de 1989:
[...]
Curso de Formação de Oficiais – Masculino (PM):
Início jul.-1989. Vagas 02 Polícia Militar de Minas Gerais.
Início mar.-1989. Vagas 02 Polícia Militar de Pernambuco.
Início fev. - 1989. Vagas 02 Polícia Militar de São Paulo.

Como se pode constatar na referida nota, apenas seis vagas estavam sendo
disponibilizadas para o estado do Pará, naquele ano de 1989: 02 para o curso de formação de
oficiais na PM de Minas Gerais, 02 para a PM de São Paulo e 02 para o curso Pernambuco.
Essa quantidade de vagas era insuficiente, diante das demandas do estado e, por outro lado,
após o ingresso os alunos, ainda passariam três anos em formação, cujo tempo de espera
somente agravava a insuficiência de oficiais e imputava à corporação policial a necessidade
de aceitar o ingresso de oficiais provenientes do CPOR e do NPOR do Exército Brasileiro.192

Destaca-se que como a formação do oficialato no Exército brasileiro era anual, e nem
todos eram efetivados pelas Forças Armadas, vários oficiais após os cursos pelo
CPOR/NPOR, retornavam à vida civil. Todavia, existiam em meio a esses, aqueles que se
identificavam com o tipo de organização militar, e que almejavam seguir carreira militar, e

189
Oficiais subalternos são os segundos e os primeiros tenentes, que realizam diuturnamente o policiamento
ostensivo nas ruas, juntamente com os praças. São os principais auxiliares do comandante da unidade para
disciplina, instrução, educação e administração da tropa, visto que ficam diretamente junto aos praças. Outras
competências dos oficiais subalternos são apresentadas no Regulamento Interno e dos Serviços Gerais
(RISG). Brasília-DF: Ministério do Exército, 2003. p. 43.
190
Informações obtidas em entrevista com o coronel João Paulo Vieira da Silva.
191
Publicado no Jornal Diário do Pará, de 16 de outubro de 1988. p. 7.
192
Dados coletados na entrevista com João Paulo Vieira da Silva.
69

que ficavam frustrados, devido à impossibilidade da sua efetivação e engajamento no


Exército.

Traz-se à baila então, o Decreto Federal nº 667/1969 que possibilitava aos oficiais da
reserva do Exército, que fossem admitidos como candidatos à Polícia Militar estadual, mesmo
que fossem formados com arcabouço teórico-prático eminentemente militar e distinto da
atuação de segurança pública. Assim, alguns daqueles que eram dispensados do Exército, e
queriam seguir carreira militar de oficiais, vislumbravam tal oportunidade com vistas à
admissão como oficial da Corporação, como se pode constatar nos trechos das narrativas de
dois interlocutores abaixo:

[...] A questão da remuneração foi uma das coisas que me motivou a permanecer na
carreira militar. Antes do EB, minha experiência era com trabalho de meio salário,
minha família era humilde, eu queria poder ajudar um pouco mais minha mãe, e o
que comecei a receber do EB era muito bom à época, mas lá não pude continuar,
então, vim para PM. No primeiro momento, passei a receber bem menos, porém
pensava vou seguir carreira e isso vai melhorar [...]. Foi bom ter encarado, porque
isso de fato aconteceu. (Rocha, Aspirante a Oficial, 1991).

[...] Ingressei no Exército em 1989, no NPOR (2º Batalhão de Infantaria de Selva),


no serviço obrigatório. Eu gostava do Exército, entrei por influência de um tio. Saí
de lá aspirante, porque não tinha como seguir carreira militar. Foi aí que surgiu a
possibilidade de eu ser da PM (Figueira, Aspirante a Oficial, 1991).

A partir da década de 1950 até 1980, o ingresso de oficiais R2 na corporação policial


militar era uma variável frequente, sendo possível constatar através da análise da documentação
do acervo da Diretoria de Pessoal da Instituição, o quantitativo de militares provenientes do
Exército admitidos na Corporação durante esse período, conforme os dados da Tabela 1.

Tabela 1 - Quantitativo de oficiais admitidos na PM pelo CPOR/NPOR.


DÉCADAS CPOR NPOR
1950 02 -
1960 23 -
1970 07 19
1980 - 36
Total 32 58
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base nos
registros da Diretoria de Pessoal da PMPA.

Com base nos dados da Tabela 1, observa-se que durante as décadas de 1950 e 1960 a
maioria dos candidatos admitidos na PMPA era proveniente do CPOR; e que nas décadas de 1970
70

e 1980, foi predominante o ingresso de candidatos via NPOR. Entretanto, na década de 1980 , não
foram identificados, no acervo da PMPA, registros da entrada de candidatos oriundos do CPOR.

Ainda nas documentações analisadas193 observa-se que, nas quatro décadas


(50,60,70,80), foram admitidos por serem oriundos do CPOR e NPOR, o quantitativo de 90
oficiais R2, e identificamos nos registros, que a última turma de oficiais R2 admitida na
PMPA, sem realizar o curso de Formação de Oficiais, em Academia de Polícia Militar
propriamente dita, ingressou no ano de 1987194.

A referida turma era composta de 35 oficiais de infantaria, provenientes


exclusivamente do Exército, de diferentes anos de formação, entretanto, ao ingressarem na
PMPA, formaram uma turma compacta de oficiais R2, sendo todos os componentes,
admitidos na mesma data (figura 3):195

Figura 3 - Matéria ―Admissão de oficias R-2‖, na Coluna Notícias da PM..

Fonte: Jornal Diário do Pará, 11/10/1987. Caderno de Polícia, p. 7.

193
Almanaque dos Oficiais da Polícia Militar do Pará. Diretoria de Pessoal, Polícia Militar do Pará, 1988.
194
Diário Oficial do Estado. Nº 26.028 de 23 de julho de 1987.
195
Jornal Diário do Pará, de 11/10/1987. Caderno de Polícia, p. 07.
71

Constata-se no mencionado recorte do Jornal ‗Diário do Pará‘, de 11/10/1987, a


referência ao Diário Oficial do Estado, nº 26.028 de 23 de julho de 1987, o qual registra
nominalmente, os 35 oficiais de infantaria do EB, admitidos por concurso público na
instituição PMPA.

No caso especifico da turma de oficiais da figura 3, e em outras turmas de oficiais R2,


encontra-se a referência à realização de concurso público. Entretanto, em parte dos registros
atinentes ao ingresso de outros oficiais R2, também se encontra a admissão realizada apenas
por intermédio de uma seleção concisa, na qual, o candidato apresentava uma espécie de
―carta de recomendação‖ do seu comandante imediato no Exército brasileiro, atestando qual
teria sido o seu desempenho naquela unidade militar.

Destaco que os oficias R-2, ao serem admitidos na Corporação, ingressavam


predominantemente na condição de ‗Aspirantes a Oficial‘196. Posteriormente participavam do
―curso de adaptação sobre técnicas de atuação policial militar‖, com duração de três meses,
que em geral era realizado nas dependências do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de
Praças -CFAP, em outeiro197.

O curso de adaptação focava-se especificamente na preparação para a atuação


policial, visto que os oficiais realizavam a formação militar durante um ano de curso do
NPOR ou do CPOR e contabilizavam mais um ano de aspirantado. Portanto, tinham
conhecimento e experiência quanto à condição militar, porém faltava-lhes a formação em
segurança pública a qual exigiria desenvoltura técnica e operacional para a atuação nas
missões policiais. Após o período probatório de seis meses os antigos oficiais R2, já então

196
Em situação de formação nos cursos regulares, quando o cadete conclui com aproveitamento o último ano
letivo do Curso de Formação de Oficiais, é declarado Aspirante-a-Oficial. No caso dos militares R2, ou seja,
provenientes do CPOR/NPOR do Exército brasileiro, foi lhes concedida a prerrogativa na forma do Decreto
667, aplicando-se uma condição diferenciada, em virtude do tempo e dos conhecimentos que adquiriram no
exercício das funções do Exército, não sendo esses considerados cadetes.
197
O Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças coronel PM Carlos Alberto Moreira é a unidade escolar
mais antiga da PMPA. Foi criado oficialmente em 1973, pelo coronel Douglas Farias de Souza, então
Comandante-Geral da PMPA, por meio do Boletim Geral nº. 035, de 17 de dezembro de 1973. O Centro foi
instalado inicialmente, em 15 de abril de 1974, no quartel do antigo Batalhão de Destacamento, atual
Comando de Missões Especiais (CME). Em 12 de julho de 1976, mudou-se para o antigo prédio do Colégio
Agrícola Manoel Barata, na Ilha de Caratateua, em Outeiro, distante 18 km do centro de Belém, ligada ao
distrito de Icoaraci pela baía do Guajará. Em 17/05/1982, por meio de Decreto Governamental nº. 2.242, do
Governador Alacid Nunes, publicado no Diário Oficial do Estado, nº 24.757, de 19/05/1982, a unidade de
ensino recebeu o nome do coronel Carlos Alberto Moreira, por ter sido um dos seus idealizadores. Era
Oficial de Infantaria do Exército brasileiro, que havia falecido no exercício do cargo de Comandante-Geral,
tendo se empenhado para melhoria do ensino e formação policial. O CFAP permaneceu em Outeiro até 28
de junho de 2008, quando mudou para as instalações do antigo complexo do comando geral da PMPA,
localizado na Av. Dr. Freitas, com a Av. Almirante Barroso, em Belém-PA.
72

oficiais pms, eram promovidos ao posto de 2º Tenentes e designados, para a função fim, nas
unidades operacionais

1.3 ANOTA AÍ, ALUNO!198 - O INGRESSO NAS COIRMÃS

A segunda forma de ingresso na PM, como já referido, destinava-se ao ingresso de


candidatos inteiramente civis, para os quais eram ofertadas vagas nos cursos de Formação de
Oficiais nos outros estados da federação, visto que ainda não havia Academia de Polícia Militar
no Pará.

O Pará não era o único estado que não contava com Academia para a formação da sua
oficialidade. Naquela época, somente alguns estados dispunham de Academia de Polícia Militar já
consolidada.

A mais antiga Academia estabelecida no país, foi a Academia de Polícia Militar do Barro
Branco, em São Paulo, criada em 1910; seguindo-se a Academia de Polícia Militar Coronel Hélio
Moro Mariante, no Rio Grande do Sul, em 1916; Academia de Polícia Militar Dom João VI, no
Rio de Janeiro, em 1920; Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, em 1934; Academia de
Polícia Militar da Bahia, em 1972; Academia de Polícia Militar de Paudalho, em Pernambuco, em
1974; Academia de Polícia Militar General Edgard Facó, no Ceará, em 1977; Academia de
Polícia Militar de Goiás em 1985; Academia de Polícia Militar do Distrito Federal, em 1988199.
Daí em diante, outras academias foram criadas gradativamente no país, dentre as quais, a APM
Coronel Fontoura, em 1990, a qual abordaremos no próximo capítulo.

O percurso dos candidatos civis interessados no CFO diferia significativamente dos


oficiais R2, por exemplo: o tempo dedicado ao curso, a carga horária, a forma de tratamento,
o tempo para promoção, etc. Além disso, os oficiais R2 ingressavam na instituição já como
aspirantes a oficiais, enquanto que os alunos civis recém-admitidos na escola de formação
eram denominados ‗cadetes‘, e seriam promovidos a ‗aspirantes‘ somente depois de
completados três anos de realização Curso de Formação.

198
“Anota aí aluno” é uma frase no imperativo, muito usada pelos instrutores das academias militares,
especialmente para os cadetes do 1º ano, que são exigidos rigorosamente durante o período de formação. Pelo
desconhecimento do mundo castrense e para evitar erros, distorções ou mesmo punições, os alunos anotam
tudo que é dito pelos oficiais, professores e instrutores.
199
MOREIRA, Carlos Augusto Furtado. 25 anos do Curso de Formação de Oficiais do Maranhão. Disponível em:
<http://celqopmfurtado.blogspot.com.br/2018/03/25-anos-do-curso-de-formacao-de-oficiais.html.> Acesso em: 6
abr., 2017.
73

O termo ―cadete‖ tradicionalmente é utilizado para designar os alunos oficiais que estão
realizando curso nas academias militares. Segundo Celso Castro200, o termo é uma apropriação do
título usado durante o Império e nos primeiros anos da República brasileira até 1897, como
designação dos alunos oficiais da Academia Militar das Agulhas Negras do Exército (AMAN).

A denominação ‗cadete‘ tornou a ser reutilizada, pois estava em desuso há mais de duas
décadas201, desde quando José Pessoa, sobrinho do então presidente Epitácio Pessoa (1919-
1922)202, foi nomeado comandante da Escola Militar do Realengo, objetivou atribuir ao cadete o
status ao nível de um membro da elite social: ―[...] com isso, ao mesmo tempo dava-se um ar
aristocrático à condição de aspirante a oficial do Exército. Retomava-se um elemento do passado
e como reprodução da ideia de que ser cadete era parte de uma elite social‖203.

Nas Polícias Militares, a decisão de ser cadete nem sempre aponta para o status
vivenciado pelo cadete da AMAN, permeado do simbolismo aristocrático. Entretanto, o curso
do CFO pode suscitar ao cadete, para além do status, a busca de um emprego, de estabilidade,
uma profissão. Em alguns casos, trata-se de dar continuidade ao conhecimento adquirido no
âmbito familiar, como herança de familiares que são militares.
Os cursos de formação de oficiais das PMs no Brasil, são reconhecidos como em nível de
3º grau, e são realizados em Academias Militares geralmente com duração de três anos. A
formação é denominada de ―instrução‖, ―treinamento‖ ou ―adestramento‖, sendo específica para
atuação da área da segurança pública.204

A instrução é a atividade desenvolvida com a finalidade de manter e desenvolver o


preparo individual do policial militar e para adestrar as unidades operacionais para o
cumprimento de suas missões específicas. A instrução é um instrumento de
interação, aglutinação, coesão e revitalização da Corporação.205

Durante décadas de 1960, 1970, 1980 até meados da década de 1990, inúmeros jovens
optaram pela carreira de policial militar no Pará. O candidato civil que se interessava pelo
oficialato realizava o processo seletivo na capital e, caso fosse aprovado, era designado para o
curso de formação na Academia da Polícia Militar, denominada de coirmã, nos estados das
regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, em conformidade com a Inspetoria Geral das

200
CASTRO, Celso. A invenção do Exército brasileiro. Série Descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2002. p. 45.
201
CASTRO, Idem.
202
CASTRO, Ibid., p. 38.
203
CASTRO, Ibid., p. 45.
204
Informações coletadas em entrevista com o coronel Osmar Vieira da Costa Junior, cadete em 1988.
205
DIAS, Gilberto. A gestão da produção de segurança pública e a formação do oficial policial militar: o caso
da Polícia Militar de Santa Catarina. 2002. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002. p. 187.
74

Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (IGPM) do Exército Brasileiro, que


passou a coordenar e liberar vagas nas APMs de qualquer unidade da federação (Tabela 2).

Tabela 2 - Curso de Formação de Oficiais em Unidades Coirmãs.

CFO 1960 1970 1980 1990


PE 01 13 17 09
CE – 15 04 13
BA 02 23 07 03
RJ 02 18 07 02
MG – 04 31 –
SP – – 02 –
GO – 08 02 02
DF – 03 07 –
SC 01 14 – –
RS – – 01 –
Sub-Total 06 98 78 29
Total 211
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base
nos registros da Diretoria de Pessoal da PMPA.

Com base nos dados quantitativos das décadas de 1960 a 1990, tem-se o total de 211
candidatos aprovados e que ingressaram nas unidades escolares coirmãs. Os dados podem ser
quantificados da seguinte forma: na década de 1960, apenas seis candidatos foram designados
para realizar o CFO em outra unidade da federação; na década 1970, ingressaram 98 jovens do
sexo masculino; e na década de 1980, ingressaram 78 candidatos.

Tornou-se notório o grande interesse dos jovens candidatos à carreira de policial militar.
Por conseguinte, houve a necessidade de intervenção da Inspetoria Geral das Policias Militares
para a liberação de vagas nas instituições coirmãs.

Assim, a definição de qual a Academia, dentre as unidades federativas, o cadete iria


cursar, na maioria das vezes não era uma decisão do próprio candidato. A deliberação da
localidade ficava a cargo da IGPM, que autorizava a distribuição de vagas conforme a
solicitação das corporações ou por critérios próprios.
75

É interessante destacar, a relevante progressão do número de aprovados entre as


décadas de 1960 e 1970, o qual ascendeu quantitativamente de seis, para 98 selecionados. Na
década de 1980, a aprovação no vestibular PM foi também expressiva, alcançando o número
de 78 candidatos aprovados para as unidades coirmãs.

No final dos anos 1980, a divulgação do concurso ocorria logo após a abertura do edital,
através da publicação nos jornais de grande circulação no estado e por meio de cartazes afixados
nos murais do Comando Geral206 da PMPA e nas demais unidades da corporação. Por exemplo,
no Jornal Diário do Pará207 encontramos uma matéria com as seguintes informações:

‗VESTIBULAR AO CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS PM no CESEP‘208


Encerram-se no último dia 31 de outubro de 1986 as inscrições ao concurso para
admissão ao quadro de oficias PM e BM da nossa briosa Força Estadual, o chamado
‗Vestibular da Milícia‘, feita no Centro de Estudos Superiores do Pará (CESEP),
conforme convênio entre esse conceituado Centro e a Polícia Militar do Pará. [...]
A concorrência de candidatos ultrapassou a expectativa [...] 584 se inscreveram para
o concurso. As provas serão iniciadas no período de 14 de dezembro/86 [...] 29
vagas para os futuros oficiais policiais militares e 01 para oficial bombeiro militar, a
proporção é bastante acentuada numa faixa de 29 candidatos disputando 01 vaga de
oficial PM e 34 para 01 de oficial bombeiro. [...] A Polícia Militar do Pará estará de
braços abertos para recebê-los [...] Será o maior vestibular já realizado pelos que
almejam ingressar na Milícia de Fontoura.209.

Para inscrever-se no concurso, o candidato dirigia-se à seção de mobilização210 da


diretoria de pessoal do Comando Geral da PM, onde fazia o preenchimento da ficha de

206
O QCG- Quartel do Comando Geral da PMPA, ficou durante muitos anos instalado em um limitado espaço
físico, na avenida Almirante Barroso nº 649, esquina com a Travessa do Chaco, no bairro do marco, em
frente a FUNTELPA, em Belém. A partir do ano de 2003, visando a ampliação e melhor adequação do QCG,
o então comandante geral, coronel João Paulo Vieira da Silva realizou inúmeras articulações com vistas a
aquisição de nova sede para a PMPA, conseguindo ampla área de 18.548 m², onde havia funcionado o Parque
de Material Aeronáutico de Belém-PAMA, e que se encontrava desativado. Tratava-se de uma edificação em
estilo neoclássico, que fora projetado na forma da aeronave 14 BIS, em homenagem a Alberto Santos
Dumont, patrono da Força Aérea Brasileira. Foram realizadas grandiosas reformas no antigo Parque e, em
2006, foram entregues as novas instalações do ―Complexo da Policia Militar do Pará‖, na Av. Dr Freitas
esquina com a Av. Almirante Barroso, onde era possível abrigar além da sede do QCG, outras unidades PMs:
Batalhão de Policiamento Tático- BPOT, Companhia Independente de Policiamento com Cães – CIPC;
Companhia Independente de Operações Especiais - CIOE; Centro de Inativos e Pensionistas-CIP; Centro de
Suprimento e Manutenção – CSM; Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças-CFAP; Unidade
Sanitária (Médicos e Odontólogos); Centro Integrado de Psicologia e Assistência Social-CIPAS, Batalhão de
Polícia de Eventos –BPE, etc. Ocorre entretanto, que em 2014, a equipe do então governador Simão Jatene,
realizou novamente a transferência do QCG. Dessa vez, para a Rodovia Augusto Montenegro, no Km 09,
distrito de Icoaraci, onde anteriormente funcionava o Palácios dos Despachos e Casa Militar da Governadoria
- numa espécie de troca, de um espaço pelo outro.
207
Jornal Diário do Pará, de 5/11/1986, Coluna Notícias da PM, p. 7.
208
Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará.
209
Jornal Diário do Pará, em 5 nov. 1986, Coluna Notícias da PM. p. 7.
210
As seções encarregadas na formação eram da ―mobilização‖ – vinculada à Diretoria de Pessoal; e a 3ª Seção
do Estado Maior Geral – responsável diretamente pela área de ―planejamento, ensino/instrução‖. Ainda não
havia a Diretoria de Ensino e Instrução, a qual foi criada somente em 1990.
76

inscrição e também efetuava o pagamento da taxa no valor de Cz$ 2.000,00 (dois mil
cruzados)211 na tesouraria do próprio quartel.

O candidato interessado precisava atender alguns requisitos: ser brasileiro nato,


solteiro, ter idade mínima de 18 anos e máxima de 25 anos; e estar munido da seguinte
documentação: certidão de nascimento, título de eleitor, documento comprobatório da
situação militar (para o caso dos homens) e o diploma de conclusão do 2º grau212.

Além dos documentos de identificação de praxe nas seleções, era obrigatório que o
candidato à carreira policial militar apresentasse o ―atestado de honorabilidade‖ 213, que
deveria ser assinado por dois oficiais da PM ou militares das Forças Armadas, atestando à
Corporação os predicados de bons antecedentes e idoneidade moral do candidato.

Em 1987, ano seguinte ao ―Vestibular realizado pelo CESEP‖214, matéria


jornalística mencionada, encontrei um outro recorte do Jornal Diário do Pará 215, na coluna
Notícias da PM foi divulgada uma nota sobre a “matrícula de alunos à oficial da PM‖,
indicando as Academias Coirmãs que iriam ser o futuro destino dos aprovados, entre as
quais a Brigada do Rio Grande do Sul e a Academia do Distrito Federal.

Os recortes dos periódicos registravam que os concursos da PM tornaram-se tão


concorrência elevada ao nível de terceiro grau semelhantes aos vestibulares, nos quais o
candidato era submetido à prova intelectual contendo português, redação, matemática e
conhecimentos gerais, tendo sido realizada por instituições como Universidade do Estado
do Pará (UEPA), Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará (CESEP) e,
posteriormente, pela União de Ensino Superior do Pará (UNESPA)216, conforme o
convênio firmado pela Polícia Militar e essas instituições. Além da prova, havia mais três

211
Em junho de 1994, no governo do presidente Itamar Franco, o então ministro da fazenda, sociólogo Fernando
Henrique Cardoso, com o propósito de estabilização da economia, viabilizou a conversão da unidade
monetária de ‗Cruzados‘ para a unidade Real de Valor-URV, que posteriormente tornou-se ‗Real‘.
212
Em 1971, houve uma reforma do ensino, que pela Lei nº 5692/71, ficou estabelecido: o 1º grau sendo uma
junção do primário com o ginásio; e o colegial redefinido como o 2º grau.
213
‗Atestado de honorabilidade‘– tratava-se de um documento firmado por um oficial da PM ou das Forças
Armadas na ativa, ou ainda por autoridade judicial da localidade em que reside, com firma reconhecida em
cartório, atestando que o candidato era uma pessoa honrada.
214
Vestibular ao Curso de Formação de Oficiais PM no CESEP‘
215
Jornal Diário do Pará, de 02/03/1987, Coluna Notícias da PM, p. 8.
216
A fusão do CESEP com as Faculdades Integradas Colégio Moderno (FICOM) em 1987 deu origem à
UNESPA, que em 1993 converteu-se na atual Universidade da Amazônia (UNAMA).
77

etapas seletivas realizadas na própria instituição: avaliação de saúde217, teste de aptidão


física218 e avaliação psicotécnica 219, todas de caráter eliminatório.220

A exigência da Corporação quanto ao rigor nessas etapas seletivas (exame de


saúde, teste de aptidão física- TAF e exame psicotécnico) para admissão dos candidatos
ao CFO fundamenta-se na justificativa de possibilitar a detecção de doenças pré-existentes
dos candidatos, haja vista que a profissão de policial militar é descrita em diversos
estudos221 como uma das categorias de servidor público submetidas a uma carga de alto
risco e morbimortalidade, por acidentes e violência, quando comparadas a outras
profissões. Isso significa dizer que a profissão policial militar é causadora de
adoecimentos, daí a importância dos exames admissionais visando salvaguardar tanto o
candidato, quanto à instituição de doenças pré-existentes. Destaca-se que essas etapas
seletivas são peculiares a todas as instituições militares.

Ao chegar aos anos 1990, reportando-me à Tabela 2, acerca do ‗Curso de Oficiais


em Unidades Coirmãs‘, observa-se o declínio do interesse institucional no envio de
candidatos a outras APMs, devido elevados custos, como também uma menor motivação
do candidato paraense, em realizar o curso fora do estado. Por conta das variáveis:
motivação dos candidatos, interesse institucional e total custeio das diárias/cursos nas
coirmãs de outras regiões, foi promovido em 1990, o “I Encontro dos Comandantes
Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares da Amazônia‖222 realizado
na cidade de Manaus, onde foi deliberada a instalação da Academia de Polícia Militar da
Amazônia, para o ano seguinte, com sede no Pará. Assim, a decisão da Corporação PMPA

217
Composta de avaliação médica, com bateria de exames laboratoriais e também de avaliação odontológica;
218
O Teste de Aptidão Física (TAF) engloba a realização de corrida, abdominais, apoios e barras, com
especificidades adequadas para homens e mulheres;
219
Execução de avaliação psicológica, composta de uma bateria de testes psicológicos, dinâmica de grupo e
entrevista individual com psicólogos, para análise do perfil psicológico do candidato, quanto à sua adequação
à profissão policial militar;
220
MASCARENHAS, Jairo Mafra. Concurso na Polícia Militar do Pará: um levantamento sobre o exame
toxicológico admissional. 2012. Monografia (Especialização em Gestão Estratégica e Defesa Social) – Curso
Superior de Polícia e Bombeiro Militar, Instituto de Ensino de Segurança Pública, Belém, 2012.
221
SOUZA, Edinilza Ramos; MINAYO, Maria Cecília de Souza. Policial, risco como profissão:
morbimortalidade vinculada ao trabalho. Ciência e Saúde Coletiva, v. 10, n. 4, p. 917-928, 2005; Ver
ainda outras produções cientificas sobre a profissão policial militar do Centro Latino Americano de
Estudos sobre Violência e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ), dentre as quais:
MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilza Ramos. Missão investigar: entre o ideal e a
realidade de ser policial. Rio de Janeiro: Garamond, 2003; MINAYO, Maria Cecília de Souza et al.
(Coord.). Missão Previnir e Proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008.
222
Na seção introdutória desta tese, foi possível apresentar algumas das deliberações realizadas no ―I Encontro
dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares da Amazônia‖
78

na redução do envio de candidatos para outras unidades federativas, concorreu para a


criação de sua própria Academia.

Àquela época, como um dos fatores para a decisão do candidato ao ingressar na


carreira militar era que, no ato da inscrição deveria assinalar no requerimento a sua opção
pelo quadro que se propunha a atuar operacionalmente: se no quadro da Polícia Militar ou no
Corpo de Bombeiros Militar, visto que até a década de 1990223 a Polícia Militar do Pará e o
Corpo de Bombeiros Militar (CBM) compunham uma única instituição224, e seus integrantes
recebiam a formação conjuntamente, ou seja, o curso era realizado na modalidade integrada,
com a denominação PM/BM, porém por haver especificidades nas formas de atuação,
(policial militar e bombeiro militar) as disciplinas específicas de cada profissão eram
ministradas em turmas separadas.

A formação desses cadetes nas unidades coirmãs era significativamente diferenciada,


porque uma unidade acadêmica da federação, recebia cadetes de vários estados, o que deixava
o internato eclético culturalmente, e os cadetes se reconheciam como ‗irmãos de farda‖ em
todos os cantos da nação brasileira.

A propósito, sobre isso, em sua entrevista, Leonardo Gibson relembra que quando
cadete, realizou seu curso de CFO, no estado de Minas Gerais. Sua turma era composta de
cento e trinta cadetes, e por conta disso, fez laços de amizade, que com certeza não seriam
favorecidos, caso sua formação tivesse ocorrida em âmbito do estado do Pará:

Na APM de Minas Gerais, nós éramos 130 cadetes do 1º ano, de vários lugares do
Brasil: Alagoas, Piauí, Sergipe, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul, Espírito Santo, e nós do Pará, sete cadetes: Campos, Julimar, Pinheiro,
Bacellar, F Gibson - meu primo, e eu.

Nós fizemos muitos amigos, mesmo os de pelotões diferentes [...] porque a vida na
academia, a rotina do internato, a realização de tudo quanto era atividade em
conjunto, nos dava essa aproximação, a ponto de considerarmos que temos irmãos
de farda por todo esse Brasil. (Leonardo, Cadete - 1988).

223
Por meio do Decreto nº 6781, de 19 de abril de 1990, o então governador Hélio Gueiros determinou a
desvinculação entre o Corpo de Bombeiros e a PM; logo depois, no dia 21/04/1990 foi realizada a cerimônia
de desincorporação.
224
Como uma única instituição, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros tiveram um único comando, com
atividades não definidas e até superpostas. Em julho de 1974, o Decreto nº 4.521/74 estabeleceu duas
naturezas para a atividade-fim de ambas as instituições e criou os quadros específicos de Oficias e Praças e
de Bombeiros. Em 1992, o Corpo de Bombeiros Militar do Pará, já emancipado da PM, criou a sua própria
escola de oficiai s- EFO, denominada de ―Escola de Formação de Oficiais Intendente Antônio Lemos‖. Ver:
MENEZES, José Pantoja. O Corpo de Bombeiros Militar do Pará. 2. ed. Belém, 2007. p. 116; 131.
79

Os cadetes paraenses, eram enviados a realizar sua formação em regime de internato,


nas unidades coirmãs de diferentes regiões do país – Sul, Sudeste e Nordeste, na perspectiva
de que a posteriori ao curso, voltariam a atuar na região norte, mais precisamente, no Pará.

1.4 O JOVEM CIVIL E A ESCOLHA PELA CARREIRA POLICIAL MILITAR

Quando eu era criança, contigo eu já sonhava;


Eu sempre idealizava, e quem busca sempre alcança;
Não perdi a esperança, de tornar-me um combatente;
Ser da linha de frente, dessa heroica vanguarda,
quando eu entrei na farda, tantos sonhos em minha
mente225.

A escolha da profissão comumente está permeada de infinitos significados. A ideia de


que o indivíduo escolhe sua profissão a partir de suas condições sociais, habilidades, aptidões,
interesses, dons (vocação), nem sempre existiu. Isso se difundiu quando se instaurou a
sociedade de produção capitalista. Antes, o indivíduo tinha a sua ocupação determinada pelos
laços de sangue e sua ocupação vinha de berço226.

A sociedade em sua ideologia, atribui ao jovem, e não mais propriamente aos laços de
sangue ou à sua família propriamente, a responsabilidade, no que concerne à escolha profissional.
Ocorre, entretanto, que são muitas as variáveis que influenciam o jovem, em sua decisão, quanto a
carreira profissional. Bock analisa a interação de pelo menos 04 fatores, que se combinam para a
escolha profissional: ―as características da profissão; o mercado de trabalho; importância social e
remuneração e as habilidades necessárias ao desempenho da profissão.‖ 227.

Nesta tese, os sujeitos, por meio de suas narrativas, rememoram inúmeros elementos que
se tornam peculiares à vida do cadete e do oficial, quando optaram por seguir a carreira policial
militar. São recordações permeadas de memória afetiva, pelo que viveram e experimentaram
desde o período da formação: o ingresso, a motivação, a escolha, a internalização de códigos,
naturalização do aprendizado, ascensão na carreira, a remuneração, o ‗prestígio/status‘,
conjugalidade, família, dificuldades enfrentadas, solidariedade, abdicações e outros elementos que
produziram e produzem sentidos e significados às suas histórias.

Uma das primeiras abdicações vivenciadas pelos candidatos das coirmãs ocorria logo
após o seu ingresso, que indo para o internato fora do estado e ao mesmo tempo cursando
nível superior, dada a incompatibilidade na realização de dois cursos, ambos de cunho

225
Poema cordel ―Farda e Sonhos‖, de Dario Lucas Ângelo, oficial da Polícia Militar de Pernambuco.
226
BOCK, Ana Maria Bahia et al. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008.
227
Idem, BOCK, Ana Maria Bahia et al. P.312- 317.
80

presencial (Curso de Formação de Oficial e o curso universitário), precisavam trancar a


matrícula da faculdade:228

[...] quando surgiu a oportunidade, eu não pensei duas vezes em fazer o concurso da
PM, e era minha última possibilidade devido à idade, que já estava expirando. Eu
cursava faculdade de Engenharia Civil na UNAMA, tranquei o curso e fui embora
para o Pernambuco. Quando concluí a Academia que voltei para o Pará, retornei e
concluí o curso. (Silveira, Cadete,1988).

Naquela ocasião, tinha trancado o curso de jornalismo na Universidade Federal do


Pará, para ir cursar CFO na Academia de Barro Branco– SP. Lá, eu era
―laranjeira‖229. Na verdade, na ―Barro Branco‖ porque em regime de internato sendo
aluno de outros estados ou não, todo mundo optava em residir na Academia. (Costa
Júnior, Cadete, 1988).230

Em fevereiro de 1992, com 22 anos, ingressei na Polícia Militar do Pará. Naquela


época eu cursava Engenharia Química na UFPA, quando surgiu a oportunidade de
fazer concurso pra PM. Fiquei desejoso de dar continuidade ao meu curso, mas a
oportunidade de ter sido aprovado em um concurso com estabilidade falou mais alto,
aí não tive dúvida e tranquei meu curso, na UFPA. (Costa Vale, Cadete, 1992).

O assunto referente à opção pela carreira policial militar levou-lhes a relembrar muitas
controvérsias sentidas e vividas, ora experimentando a aceitação social, status, prestígio e o
orgulho dos pais, ora vivenciando o peso da pressão, do descontentamento e até mesmo,
rejeição por seguir a profissão.

Meu pai era bancário e minha mãe professora, aprovaram a ideia do concurso,
porque garantia estabilidade. Naquela época, parecia um bom salário. (Osmar
Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991).

[...] eu escondi da minha mãe que estava ingressando na PM. Ela somente soube
quando eu recebi o fardamento. Ela não queria, achava a profissão perigosa. (Rocha,
Aspirante a Oficial, 1991).

No início a minha mãe foi totalmente contra, pois eu havia passado em um concurso
na UFPA, de assistente em administração e cursava Engenharia Civil, mas depois se
acostumou com a ideia. (Dílson, Aspirante a Oficial, 1991).

Minha família perguntava se eu tinha certeza, que era aquilo mesmo que queria,
porque eles achavam perigoso. (Mafra, Aspirante a Oficial, 1991).

Minha família não ficou satisfeita com minha entrada na PM, aceitaram o NPOR no
Exército, entretanto, foram contrários à PM. (Figueira, Aspirante a Oficial, 1991).

228
Roberto Silveira cursava Engenharia Civil na UNAMA; Osmar Costa Júnior, cursava Jornalismo na UFPA; e
Pedro Costa Vale cursava Engenharia Química, também na UFPA.
229
O termo ‗laranjeira‘ ou ‗estrangeiro‘ refere-se ao aluno oficial que fica em regime de internato, passando a
residir naquela unidade de ensino, por ser de outra cidade ou região e ficará na localidade por um período.
230
Costa Junior, Cadete em 1988, formou-se na Academia de Paudalho, em Pernambuco. Como cadete, participou
ativamente do diretório acadêmico na Academia. Como oficial, foi instrutor e multiplicador da filosofia de Polícia
Comunitária e da disciplina de Direitos Humanos; e foi também Comandante do Centro de Formação de Praças e
da Academia da Polícia Militar Cel. Fontoura. Atualmente é coronel da reserva remunerada.
81

A questão do descontentamento e da rejeição vivenciada por aqueles jovens (sujeitos)


aparece em seus relatos de modo mais evidente, do que a percepção de aprovação, o que
analisei como decorrência de um estigma social-institucional. O conceito de estigma231 é
tratado por Goffman como uma classificação negativa realizada pela sociedade ou por parte
dela, em que o sujeito se torna menos aceito ou desejado, a quem se destinam várias formas
de manifestação, tais como atitudes de discriminação, de exclusão ou de imagem denegrida,
deteriorada.

Por algumas décadas, a rejeição à carreira policial militar, deveu-se ao seu entrelaçamento
com o período da ditadura civil-militar, à truculência, torturas e outros crimes praticados ou
relacionados ao envolvimento de militares, que promoveu uma imagem institucional denegrida e
maculada. Isso é manifestado vividamente, na opinião de alguns autores, dentre estes Virgílio
Donnici232 e Thomas Holloway233, os quais analisam que as Polícias criaram uma cultura
corporativa de violência contra a população, matando, desrespeitando direitos e garantias
individuais, encastelando-se em si mesmas.

Posteriormente, além dos resquícios do regime civil-militar, o despreparo e ações


inadequadas cometidas por policiais, acabavam por reverberar nos servidores, produzindo
rejeição quanto a atuação profissional, e consequentemente quanto à escolha pela carreira.

Minha mãe ficou temerosa no início por ter conhecimento do perigo que a atividade
tem e por ler notícias em jornais onde em alguns casos, mostrava-se a truculência de
alguns policiais. Depois, com o tempo ela foi tomando conhecimento de como era a
preparação e formação de um policial e se sentiu segura e feliz em ter um filho na
Polícia Militar. (Lima e Silva, Cadete, 1989).

Segundo Mesquita Neto,234 com o aumento da criminalidade e da violência, sobretudo do


tráfico de drogas e armas, bem como do crime organizado, durante as duas décadas do regime
autoritário, as Forças Armadas e as Polícias intensificaram o emprego de técnicas e práticas na
repressão da delinquência juvenil e ao crime, para a garantia da lei e da ordem -GLO. Tais
práticas repercutiram como ações belicosas e continuaram a provocar repulsa da sociedade.

231
Sobre estigma ler: GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada.
Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4 ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1988.
232
DONNICI, Virgílio. Polícia, Guardiã da sociedade ou parceira do crime? Um estudo de criminologia. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1990.
233
HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro. Repressão e Resistência numa cidade do século XIX. Rio
de Janeiro: FGV, 1997.
234
MESQUITA NETO, Paulo. Segurança, Justiça e Direitos Humanos no Brasil. In: LIMA, R. S.; PAULA, L. (Orgs.).
Segurança Pública e violência: o Estado está cumprindo com seu papel? São Paulo: Contexto, 2008. p. 53-64.
82

Assim, a repulsa quanto à carreira policial militar, nem sempre estava distante do
candidato, eventualmente os próprios familiares, mostravam-se inculcados com os estigmas
sociais, às vezes não viam com bons olhos tal decisão. A desaprovação familiar talvez estivesse
ligada, como já dissemos, ao papel desempenhado pela Polícia Militar sob o paradigma militarista
de tortura, violência e repressão como resquícios da ditadura, no qual as desordens públicas eram
tratadas com táticas de combate e os manifestantes eram vistos como inimigos que deveriam ser
neutralizados.

Para alguns dos sujeitos da pesquisa, a decisão pela carreira policial militar consistiu
em um desafio primeiramente junto aos seus familiares, nem sempre obtendo aprovação,
pelos mais variados motivos. Não obstante à rejeição social, esses candidatos viam na carreira
policial militar a possibilidade de terem uma profissão com estabilidade e com possibilidade
de carreira, de ascensão, e isso os levava adiante:

Meu pai quando soube que eu tinha passado na APM e que eu iria pra Pernambuco
seguir carreira militar, ficou muito contrariado. Ficou mais ou menos, uns seis meses
sem falar comigo. Eu entendia ele, é porque na verdade, ele tinha outros sonhos pra
mim. Ele havia montado uma gráfica e uma papelaria e me colocou como sócio dele.
[...] Mas tempos depois, meu pai, foi percebendo minha desenvoltura na farda, e a
ascensão da carreira, e como as portas que me foram abertas para tantas coisas, aí
ele amoleceu, e me falou que reconhecia ter sido a decisão mais acertada que tomei.
Ele morreu há pouco tempo e viu quase todo o meu percurso na Polícia Militar.
(Silveira, Cadete 1988).

Ao ingressar na carreira militar, tanto pela estabilidade quanto pela ascensão como
um servidor admitido via concurso público, eu sentia motivação para a escolha e
exercício da profissão. (Leonardo Gibson, cadete 1988)

Quando fiz a prova, vi como uma oportunidade de ser aprovado em um concurso


com estabilidade e isso, falou mais alto. Era uma grande mudança na minha vida.
Para minha surpresa, fui enviado pra cursar o CFO na Academia de Paudalho, na
Zona da Mata pernambucana. Fiquei muito satisfeito. Eu, oriundo de Muaná, no
Marajó, fui cursar a Academia em Pernambuco. Nunca imaginei. (Costa Vale,
Cadete, 1992).

Neste sentido, não se pode ignorar que tais fatores motivavam235 e estimulavam os
indivíduos a vincular-se à carreira militar, mesmo que não tivessem apoio de outras pessoas
ou condições adversas:

Fiz o concurso da PM porque, como todo jovem queria ter uma profissão, uma
melhoria salarial e queria também estabilidade, sabia que isso seria possível através de
concurso público. Eram 220 candidatos para 10 vagas. Eu fui o 4º colocado, e então eu
escolhi ficar como laranjeira na APM de Barro Branco em São Paulo. [...] Localizada
na Serra do Mar, [...] num frio intenso de 5º centígrados. (Costa Júnior, cadete, 1988).

235
SAMPAIO, Jáder dos Reis. O Maslow desconhecido: uma revisão de seus principais trabalhos sobre
motivação. Revista de Administração da USP. São Paulo, v. 44, n.1, p 5-16, jan./fev./mar. 2009.
83

Eu sonhava o melhor pra mim, queria estabilidade profissional e queria poder dar
uma condição melhor para minha mãe. [...] Nessa época minha maior dificuldade era
financeira porque eu não tinha dinheiro para sobreviver, morava de favor na casa de
parentes, não tinha nem rede para dormir. Com meu primeiro salário eu comprei
uma cama de solteiro. Ao lembrar disso me emociono, e agradeço a Deus por todas
as etapas vencidas, porque até aqui tem me ajudado o Senhor. (Léa, Cadete, 1988).

1.5 DINÂMICA NOS QUARTÉIS E SUAS PRIMIEIRAS INTERFACES NA FAMILIA

Entre os candidatos que concorriam à carreira policial militar, havia aqueles que
provinham de famílias, cujo vínculo militar já estava estabelecido, antes mesmo de terem
nascido236. Esses candidatos, por serem de famílias formadas por militares, desde cedo realizavam
naturalmente, a entrada gradual nos quartéis, à medida que participavam de solenidades,
treinamentos, festividades, confraternizações etc. Assim, em função da sua própria dinâmica
familiar, acompanhavam pouco a pouco, também a dinâmica do quartel, sendo também
influenciados por ela:

Na minha família meu tio já era oficial superior do Exército, ele fez IME 237. Esse tio
me influenciou no meu ingresso. Ele tinha um estilo padrão militar por excelência:
estudioso, firme, determinado, líder. (Calderaro, Aspirante a Oficial, 1991).

Eu tinha um tio que era sargento do Exército, e ele de certa forma me influenciou a
seguir carreira militar. (Figueira, Aspirante a Oficial, 1991).

Decidi seguir carreira militar porque achava um trabalho digno. Meu tio era da
Marinha e meu sogro da Polícia Militar. Com certeza eles me inspiraram. O
exemplo deles serviu de influência positiva pra mim. (Silveira, Cadete,1988).

Sobre a entrada gradual desde cedo nos quartéis, Emílio, Aspirante em 1991, em sua
narrativa traz à memória momentos vividos na sua infância e juventude junto ao seu pai, que
era militar do Exército, na época que morava em Santa Rita do Sapucaí238, ao lado do quartel
de Tiro de Guerra239:

236
Aos filhos de militares recrutados para realizarem cursos militares no Exército, Celso Castro aponta uma
tendência de recrutamento endógeno, sendo sua ocorrência analisada a partir de 1970. CASTRO, Celso. O
espírito militar: um antropólogo na caserna. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.142.
237
Instituto Militar de Engenharia, que tem como missão formar, graduar e pós-graduar engenheiros militares e
civis para atender as demandas do Exército brasileiro. Localiza-se na praia vermelha, no bairro da Urca, no
Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ime.eb.mil.br/pt/> Acesso em: 16 jul., 2017.
238
Município localizado no sul de Minas Gerais, distante cerca de 430 km de Belo Horizonte. Disponível em:
<http://www.pmsrs.mg.gov.br/Home/> Acesso em: 16 jul., 2017.
239
Uma organização militar cuja finalidade era tanto de complementar o treinamento militar obrigatório para os jovens
que atingiam à maioridade quanto de treinar civis. Ver: CARVALHO, José Murilo. O pecado original da
República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2017.
84

[...] meu pai era sargento do Exército e trabalhou durante muitos anos no interior de
Minas Gerais, onde eu nasci. Ele trabalhava no ―Tiro de Guerra‖, um mini quartel
que faz no interior do Estado, a missão de formação dos recrutas do serviço militar
obrigatório. Em Santa Rita do Sapucaí eu morava ao lado do Tiro de Guerra. Então
acordava de manhã ouvindo os comandos da ―ordem unida‖ na quadra que ficava
atrás. Eu participava de muitas atividades. Desmontava fuzil, participava de marcha
junto com eles, isso me acompanhou boa parte da minha infância e adolescência. Foi
quando viemos para Belém e ele foi trabalhar no 2º BIS. Aí eu tinha um contato,
mas não era algo mais tão próximo, como era antes. (Emílio, Aspirante, 1991).

As lembranças de Emílio denotam que a inserção da família, especialmente dos filhos


pequenos como participantes da dinâmica castrense, mostrava-se de certa forma uma prática
corriqueira, o que lhes proporcionava desde tenra idade o aprendizado e ambientação acerca
da caserna. Igualmente, o cadete Edimar relembra do seu convívio na dinâmica do quartel
acompanhando o seu pai, também policial militar, em algumas atividades:

Tive influência de meu pai que era policial militar, ele começou como soldado e
chegou até subtenente. Desde cedo me levava ao quartel onde ele trabalhava. Eu
gostava de ir para o quartel, gostava de participar das comemorações do dia das
crianças, da programação de natal e eu achava bom, que ganhávamos bons presentes
no quartel (risos). (Edimar, Cadete, 1999).

Para Silva240, a participação espontânea dos familiares no quartel, se dá porque a


família do militar geralmente se torna uma extensão do quartel, onde os integrantes são
considerados como uma grande família. Assim, o universo castrense, com suas sociabilidades,
o seu estilo e a dinâmica dos eventos sociais produzem, em certa medida, a naturalização do
quartel no âmbito familiar:

Meu pai era suboficial da Marinha, mas quando eu ingressei na farda, meu pai já era
falecido. Faleceu repentinamente de infarto. [...] Decidi seguir a carreira militar
porque via com bons olhos. Eu tinha tios e primos já militares da Marinha e dois
irmãos meus já cursavam Academia da Polícia Militar em Pernambuco. Por conta
disso, os ritos militares me eram familiares, e isso me encorajava a seguir os
mesmos passos. (Leonardo, Cadete, 1988).

Em sua narrativa, Leonardo evidencia a motivação para o seu ingresso na APM sob
uma perspectiva familiar: pai, tio, primos e irmãos já vivenciavam a experiência na caserna,
embora fossem instituições militares distintas. A oportunidade de ingressar na carreira,
mesmo para aqueles que já conhecem um pouco do ambiente, no caso dos filhos de militares,
exige necessariamente a assimilação do mundo militar e o abandono o mundo civil. O Cadete,
além de aprender com os mais velhos infindáveis de conhecimentos sobre o cotidiano e a
dinâmica dos quartéis aprendidos, irá passar pela transformação de civil em militar, o que
muitas vezes é uma espécie de choque cultural:

240
SILVA, Cristina Rodrigues. Famílias Militares: explorando a casa e a caserna no Exército brasileiro. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, set/dez, 2013. p. 867.
85

Algumas coisas eu estranhava, achava exagero, como, por exemplo, uma situação que eu
presenciei quando eu estava na academia, um Cadete que foi excluído somente por causa
de uma segunda via de documentação, que ele foi solicitar o recibado, e não convinha
fazer isso [...] pensei né, a exclusão dele foi um exagero. Mas havia uma lógica naquelas
normas, e eles reforçavam que era para a manutenção de disciplina. Exigiam de nós
habilidades e compromisso, para todo e qualquer tipo de situação que quando oficiais
poderíamos passar. (Leonardo, Cadete, 1988).

Desde o ingresso na Academia, pelo fato de ser um curso que exige dedicação
exclusiva, torna-se inquestionável a ruptura com o mundo civil, mesmo para aqueles que se
aproximavam do mundo militar pelo parentesco com militares; assim como a necessidade de
se fazer surgir, pela forja, a identidade policial militar.

Barros apud Silva241, na sua tese de doutorado em Ciência Política, evidencia que os
padrões de relacionamento entre militares do Exército brasileiro apontam uma presença
significativa de filhos de militares seguindo a mesma carreira que o pai. Esta pesquisa242
ajuda-nos a compreender que filhos que seguem a carreira dos pais militares não era um fato
que ocorria somente no âmbito do Exército, pois há exemplos correlatos no âmbito da Polícia
Militar, tendo como referência a narrativa do nosso entrevistado Leonardo Gibson, que era
filho de militar da Aeronáutica, sobrinho e irmão de policiais militares. Além do seu caso,
Leonardo nos relata que entre os seus nove colegas de turma do Pará, seis eram filhos,
sobrinhos ou irmãos de oficiais da polícia militar.

De modo coletivo e individual, os cadetes são convocados ao ―processo de construção da


identidade social do militar‖243, a exercitar atitudes, valores que se configurem como espírito
militar: disciplina, respeito, lealdade, coragem, abnegação, ética, justiça, verdade, discrição,
honestidade, compromisso, empatia e fé na missão policial. Tais valores são estimulados não só
para uma padronização de condutas, mas, sobretudo, para formar a identidade policial militar.

Assim, o cadete precisava encontrar forças para tangenciar as circunstâncias e as


dificuldades e avançar no processo de socialização na cultura militar. Todo o esforço,
ocupações e atividades realizadas no cotidiano da Academia tinham o caráter distinto e
próprio, cuja finalidade proposta seria a de transformar um civil em um militar.‖244

241
SILVA, Cristina Rodrigues. Famílias Militares: explorando a casa e a caserna no Exército brasileiro. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, set/dez, 2013. p. 867.
242
SILVA, Idem.
243
CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.15.
244
CONSUL, Júlio Cezar Dal Paz. Brigada militar: identifique-se: a Polícia Militar revelando sua identidade. Tese
(Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. p. 174.
86

As atividades realizadas diariamente pelos cadetes e equipe de instrutores cumpriam


rigorosamente os horários. A sequência de atividades programadas era proveniente de cima, com
regras explícitas e formais, planejadas para atender aos objetivos da formação, não havendo
abertura para mudanças, negociação ou reivindicação. As atitudes do cadete eram observadas
frequentemente na fiscalização, no controle de frequência de aulas, nas autorizações de saída do
recinto, que deveria ser concedida por uma autoridade do âmbito escolar, na continência prestada
ao passar pela sentinela, por meio de condutas, linguagens, ações, respeito aos superiores, a
incorporação de conceitos e de condutas militares nas relações sociais,245 dentre outras.

Nós tínhamos uma rotina rigorosa. Para tudo na Academia havia normas, regras até para
arrumação da nossa própria cama. Eu optei em morar na APM – era chamado de
―estrangeiro‖.
Nossas camas eram padronizadas, havia atrás da porta do apartamento a descrição de
como deveríamos arrumá-la. Cada dia da semana nós tínhamos que fazer a dobradura do
lençol conforme a descrição expressa por dia da semana. E tinha que ser padrão, porque
havia fiscalização repentina, de surpresa. Como era internato, nós éramos obedientes
àquela disciplina. A limpeza dos apartamentos era feita por uma empresa contratada,
mas era nossa obrigação a arrumação da cama... nós como cadetes precisávamos fazer a
manutenção. (Leonardo, Cadete, 1988).

Ao tratar da rotina na Academia, Leonardo discorre sobre inúmeras dificuldades


encontradas e obrigações que não considerava relevantes para a prática policial militar, como
a arrumação da cama, no entanto, submetia-se a cumpri-las em virtude das normativas da
unidade de ensino, configurando parte da docilização exigida no âmbito militar.

As recordações de Leonardo ao descrever-se na condição de ―estrangeiro‖ denota,


sobretudo, o seu estranhamento à cultura recém-aprendida. O fato de estranhar algumas
normas, por exemplo, arrumação das camas, aos poucos foi sendo modificado, à medida que
assimilava: disciplina, hierarquia, precisão, rapidez, vigor físico etc. Concomitantemente ao
estranhamento, constata-se o seu esforço na busca de adaptação a uma série de ritos peculiares
àquela unidade escolar: formaturas, exercícios físicos, inspeções etc.

O processo de socialização profissional do cadete durante o internato exige


condicionamento, consolidação do conhecimento de atitudes, comportamentos e outros
valores, tornando-se tão arraigados que, no caso de Leonardo, mesmo já decorridos quase 30
anos que concluiu a Academia em Minas Gerais, afirma que ainda se lembra como se faz as
dobraduras dos lençóis. Embora não seja obrigado a realizar essas tarefas, adquiriu o hábito

245
VALE, Jesiane C.C.; MOREIRA, Ana Cleide Guedes. Sofrimento e Vitimização policial: uma experiência em
debate. Congresso Norte e Nordeste da Psicologia, 4. 2009. Anais... Disponível em: <http:
//www.conpsi6.ufba.br>.2009.
87

de, ao levantar-se, deixar sua cama arrumada e o cobertor dobrado, como faz até hoje devido
ao condicionamento intensivo na Academia.

1.5.1 A “Semana Zero”: adaptação e solidariedade

Para o cadete no CFO, os primeiros dias são considerados ―semana zero‖, período
quando são programadas várias atividades pela Divisão de Ensino246 e o Corpo de Alunos247
da Academia, visado à adaptação, o ajustamento inicial do aluno ou até mesmo a sua
desistência. É nesse período que se revela a força de vontade para a permanência ou não na
carreira policial.

Durante ―semana zero‖ as atividades são intensas, e não permitem que o Cadete tenha
tempo livre, a não ser para o enquadramento militar. A rotina começa geralmente às 06h30 da
manhã e transcorre geralmente até 21h. São treinamentos contínuos de ordem unida, marchas
coletivas, treinamento físico-militar, ensaios de canções, assimilação de códigos, doutrinas e
ensinamentos, inculcação de normas e regras, formas de tratamento aos seus superiores, pares e
subordinados, conhecimento dos pavilhões da Academia, apresentação pessoal, corte de cabelo,
confecção da identidade, decisão e adoção do ‗nome de guerra‘, aprendizado para o uso do seu
fardamento, enfim, aquilo que seria vivenciado durante os três anos do CFO, é como se fosse
sintetizado naquele período de adaptação, que surte o efeito de ‗peneira‘ para o Cadete.

Celso Castro (2004) afirma que no período de adaptação há uma ―transição brusca e
intensa‖ na qual as pessoas que ―não possuem vocação ou força de vontade suficiente para o
ingresso na carreira militar‖248 findam desistindo, por isso constitui-se em uma peneira. Costa
Junior, um dos sujeitos da pesquisa, explica como se deu o seu período inicial de adaptação:

A rotina Acadêmica era intensa até as refeições eram feitas com uma prévia na
‗marcialidade‘, isto é, com ordem unida. Entrávamos em forma toda a escola –
cadetes do terceiro, segundo e primeiro ano. Ao comando do aluno de dia
(geralmente era um do terceiro ano) nós marchávamos (todos os pelotões) exatos 25
passos em ordinário e depois ficávamos na posição de descansar automaticamente.

246
A Divisão de Ensino é o órgão responsável por fornecer ao Comandante da APM os elementos necessários para as
suas decisões na área pedagógica e para assegurar e execução, o planejamento, a coordenação, o controle, a
pesquisa, a avaliação de ensino, a organização dos cursos e estágios, e a análise dos resultados
247
A seção do Corpo de Alunos tem a responsabilidade junto ao comandante da APM, de zelar pela pontualidade
e assiduidade dos cadetes, manter a turma de alunos coesa e homogênea, incumbindo-se da preparação moral,
disciplinar e material da tropa, como também de solicitar punições e elogios, conceder dispensa do serviço.
Comandar os cadetes nas formaturas, desfiles e exercícios nos termos. Manter o comandante da Academia
atualizado quanto ao desempenho dos alunos nas atividades escolares.
248
CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 19.
88

Em seguida, cada coluna dos pelotões avançava em direção ao refeitório. Isso era o
ritual diário do café, almoço e jantar. (Costa Júnior, Cadete, 1988).

Erving Goffman249 analisa que o novato ao chegar à ‗instituição total‘, traz uma
cultura aparentemente derivada de seu mundo familiar, onde são aceitos um conjunto de
atividades sem discussão, sem contestação, até o momento de sua admissão.

Após o seu ingresso, o novato se depara com diversas regras, prescrições, restrições,
decisões, programações e ritos de enquadramento que modelam o recém-admitido a uma
prática de controle e total obediência às normas vigentes no estabelecimento, para as quais
encontra algumas dificuldades, como se no seu íntimo se sentisse perturbado por participar
automaticamente. Alguns cadetes, por mais que desejem seguir carreira, sentem dificuldades
nesse enquadramento, oferecendo resistência ao aprendizado e ao cumprimento das regras
vigentes na instituição total.

O termo ‗instituição total‘, designado por Goffman, é atribuído a um local de


residência e trabalho, onde indivíduos em situação semelhante ficam separados da
coletividade mais ampla por um período predeterminado, pois no seu cotidiano vivem sob
uma rotina fechada e formalmente administrada. Goffman inclui em sua lista de
estabelecimentos, os quartéis e as academias militares como exemplo de instituições
totais250. Assim, a descrição da vida do Cadete em uma academia militar denota que a
exigência da assimilação e do enquadramento nem sempre são fáceis.

Pelas sucessivas dificuldades no que se referiam à docilização e ao aprendizado, em


alguns casos, pode-se atribuir a um nível de tensão existente entre o mundo doméstico
(interno) do cadete e o mundo institucional, também analisado por Goffman como resistência
peculiar às instituições totais.251

O termo ‗instituição total‘, utilizado por Goffman, também foi utilizado por José
Murilo de Carvalho, Jacques van Doorn e Alexandre Barros como forma de classificação das
academias militares.

249
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectivas, 2007. p. 23.
250
GOFFMAN, Ibid.. p.17.
251
GOFFMAN, Ibid., p. 22.
89

Entretanto, ao analisarmos o conceito de ‗socialização militar‘, dentro das Forças


Armadas e auxiliares como ―instituições totais‖, encontramos nas análises de Celso Castro252
um diferente ponto de vista sobre a questão.

O mencionado autor considera que seria mais adequado o uso da expressão


―instituição totalizante‖ e não ―instituição total‖, por analisar que nos quarteis, e muito
especialmente nas academias militares, é perceptível a flexibilização, abertura, trânsito, etc,
entre a ―equipe dirigente e os internados‖, diferindo do rígido controle que há no contexto das
―instituições totais‖- analisadas por E. Goffman, e porque nesses estabelecimentos:
manicômios, prisões e conventos, a participação dos ‗internados‘ é mantida de modo
compulsório, contrariamente da academia militar onde somente permanecem, aqueles que
desejarem ficar.

De fato, analisando por esse prisma, sou levada a concordar com Celso Castro que
existem notórias aberturas em âmbito militar que nos permitem analisar as academias
interpretando-as como instituições totalizantes.

Entretanto, me convém contraditar que ―totalizante‖ também não é um termo que se


aplica tão bem, pelo menos no primeiro período da formação, tempo no qual a socialização
militar segue a prescrição de vigilância, controle disciplinar e comportamental,
fundamentados no rigor, em todos os âmbitos da vida do cadete, cuja as regras, restrições,
decisões, programações, exigem a obediência e enquadramento para além da academia: seja
na aparência, higiene, comunicação e no tratamento interpessoal, nos horários de descanso,
uso do nome, no horário das refeições, folgas, passeios, locais de diversão, aulas e notas,
serviços, relações comerciais, dividas, moradia, etc. Enfim, tudo passa pelo monitoramento e
vigilância de seus comandantes e oficiais, dirigentes da academia.

Por essa razão, em um dado momento, quando as resistências e dificuldades se


agigantam, entre o mundo interno do cadete e o mundo institucional, o cadete pode inclinar-se
ao pedido de desligamento do curso, ou mesmo ser desligado por seus comandantes, pela
inadequação ao perfil do aluno oficial militar. Quanto isso se dá, a exclusão acabava sendo de
conhecimento público e serve para ensinar pedagogicamente a outros cadetes sobre a
necessidade de enquadramento, de incorporação das normas e de docilização.

252
CASTRO, Celso e LEIRNER, Piero Camargo. (Orgs.). Antropologia dos Militares: Reflexões sobre
pesquisas de campo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
90

O simples fato de ter sido admitido na corporação legitima as ações da instituição


no trato para com o cadete, para forjar o seu espírito militar. A incorporação do espírito
militar ultrapassa o conteúdo dos manuais e livros, estendendo-se através da interação
com os demais militares nos diversos postos e graduações, pois é no cotidiano com outros
militares que o indivíduo em formação aprende a ser militar, isso porque a cultura
organizacional revela-se uma ferramenta que captura os sujeitos, produzindo o
aprendizado por meio da identificação, do sentimento de pertença, da uniformização e , por
fim, forjando uma nova identidade253.

Para Goffman, o processo de admissão em uma instituição total leva a muitos


outros processos, inclusive à perda da identidade, e à ‗mortificação do eu civil‘,254
caracterizado pelo autor como a perda da concepção de si mesmo, pois, quando é admitido
na academia deixa algumas das disposições adquiridas no ambiente doméstico e ―é
imediatamente despido do apoio dado por tais disposições‖ 255, fato verificado, por
exemplo, na troca do ―nome civil‖ para a adoção do ―nome de guerra‖.

A mudança do nome civil para o ―nome de guerra‖, sem dúvida nenhuma merece
destaque na vida do cadete e ao longo da carreira militar.

Ao ser admitido na corporação, o sujeito traz seu nome de batismo, que o identifica no
seio familiar ou doméstico. Trata-se do nome que foi escolhido geralmente, por seus pais e,
aquele nome, passa então a fazer parte da existência do sujeito, às vezes ainda estando em
formação na vida intrauterina, já o chamam pelo nome escolhido. O nome torna-se como um
construto de sua identidade.

Antonio Ciampa (1984), ao discorrer sobre o nome como parte da identidade do


sujeito, afirma: ―[...] o primeiro grupo social do qual fazemos parte é a família, exatamente
que nos dá nosso nome. Nosso primeiro nome (prenome) nos diferencia de nossos familiares,
enquanto o último (sobrenome) nos iguala a eles.‖ 256

253
Sobre identidade militar, ver: CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
254
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectivas, 2007. p. 25.
255
GOFFMAN, Ibid., p.24.
256
CIAMPA, Antonio da Costa. Identidade. In: LANE, Silvia T. M.; CODO, Wanderley. (Orgs.). Psicologia
social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 58-75.
91

Corso & Corso257 discorrendo sobre a relação que o sujeito constrói com o próprio
nome, assinala que:

[...] é assim que fazem os pais quando escolhem o nome dos seus filhos. Alguém o
chama assim porque assim decidiram; mesmo que sigam alguma tradição de família
ou escolham um nome da moda, eles sempre terão tido razões para escolher uma e
não qualquer outra palavra para designar seu filho. (CORSO, 2006, p. 196).

Entretanto, na Academia - unidade escolar militar, o cadete, via de regra, nem sempre
obterá a manutenção do seu nome de batismo, como aquele a ser escolhido para a carreira
profissional. Então, ele se submete a um ―novo batismo‖, no qual lhe é atribuído outro nome
denominado ―nome de guerra‖, que nem sempre é o seu prenome, e que costumeiramente vai
recair em algum dos sobrenomes.

Os nomes de guerra são convenções das instituições militares. Para a escolha e definição
de qual seja o nome, busca-se atentar também para a antiguidade ou ordem de classificação
hierárquica, do primeiro ao último aluno classificado.

A escolha geralmente se faz como uma prerrogativa dos oficiais da Unidade Escolar,
evitando repetições de nomes entre os cadetes. A repetição de sobrenomes, muitas vezes vai
exigir que se junte o ‗prenome + sobrenome‘, ou dois sobrenomes, sempre evitando a conflito de
nomes entre os cadetes, ao mesmo tempo que se firma a hierarquia de um pelo outro. Aquele que
é aluno mais antigo cujo sobrenome se repete com outro, teria a prerrogativa da oportunidade em
auxiliar os oficiais da unidade escola, na escolha de seu sobrenome.

A escolha dos nossos nomes ocorre geralmente nos primeiros dias de admissão, logo
depois que a gente se apresenta na academia. Nenhum cadete sai escolhendo que
nome quer usar. A gente pode até escolher, sugerir o sobrenome de nossa família,
mas, isso cabe aos oficiais do Corpo de Alunos, porque eles vão verificar de modo
que não haja repetição. O nosso nome ter que ser único. (Costa Vale, Cadete, 1992).

O ‗novo‘ batismo parece ser uma imposição para o cadete. Uma identidade que lhe foi
objetivamente atribuída por alguém, que não é, e nem foi um de seus familiares. Entretanto, com
o decorrer dos anos, na academia e posteriormente na vida profissional, o nome de guerra passa a
ser a sua identidade subjetivamente apropriada, que distingue o policial de tantos outros na
Corporação. A adaptação ao nome de guerra torna-se imprescindível, como um elemento de

257
CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mario. A relação das coisas e das pessoas com seus nomes. In: Fadas
no divã: psicanálise nas histórias infantis. São Paulo: Artmed, 2006. p. 196.
92

autorreconhecimento, ao qual o policial militar se apega, se identifica e se apropria de modo


singular, peculiar, num conjunto de outros sujeitos.258

Como se observa nas narrativas abaixo:

Na APM de São Paulo, o meu nome de guerra era Osmar. Mas quando eu voltei para
Belém, não pude permanecer como Osmar, porque já havia outros oficiais mais
antigos, com o mesmo nome ―Osmar‖. Então pensando no meu nome todo: Osmar
Vieira da Costa Junior, sugeri ‗Vieira‘, mas já tinha um outro mais antigo, com o
nome de ―Vieira‖. Então, tive que adotar outro ‗nome de guerra‘. Optei por ser
―Costa Junior‖. (Costa Junior, Cadete 1988).

Meu nome de batismo é Pedro Paulo, quando fui para o CFO em Paudalho
Pernambuco, já havia um outro com o mesmo nome. Então escolheram pra mim, um
dos meus sobrenomes ―Vale‖. Nos dois primeiros dias do curso mais ou menos.
Ocorre, que quando me chamavam parecia que não era comigo (risos), eu
estranhava. Mas na primeira semana, a gente já tem que ter assimilado, e pronto.
Segui como ―Vale‖ e me adaptei a ele, durante os três anos do curso. Ao retornar
para Belém, já como aspirante Vale, o meu primeiro comandante, entendeu que era
um nome muito curto, de pouca expressão de identidade, foi aí então que eu adotei
meus dois sobrenomes: ―Costa Vale‖ (Costa Vale, Cadete, 1992).

Assim, tanto a apropriação do nome de guerra quanto outros dispositivos exigidos no


ambiente acadêmico exemplificam a sua adaptação e docilização no aprendizado da cultura
militar, no caso das PMs, uma cultura herdada do Exército brasileiro, cuja função pedagógica
objetiva também o acatamento da obediência à hierarquia e à disciplina militares.

Além do nome de guerra, outro aspecto que corrobora substancialmente com a


docilização no processo de admissão é o internato. Em regime de internato os cadetes
vivenciavam maior condicionamento, o que lhes proporcionava mais intensamente a transposição
da vida civil para a vida militar. O internato causava um relativo isolamento, o universo do cadete
se resumia aos seus colegas de Academia, onde ficavam 24 horas por dia juntos, realizando
atividades coletivamente, sempre com as mesmas pessoas. A ideia de redução do círculo de
amigos mostra-se eficiente, na lógica de Academia Militar, como operadora do espírito de corpo,
coesão e camaradagem, sempre requerida na carreira do policial militar.

Todavia, não é somente o internato que leva à aproximação e à coesão, mas também a
própria vivência do cotidiano na Academia faz surgir a camaradagem e o companheirismo
entre os cadetes. Às vezes essa camaradagem no período da Academia acompanha o policial
militar durante toda a sua carreira profissional. Do seu intenso relacionamento com aqueles
colegas de turma durante os três anos da formação, quando vivenciaram adversidades, a
cumplicidade, a solidariedade, a proximidade que se perpetua por toda a vida profissional do

258
Idem.
93

policial militar, gerando um sentimento coletivo que lhes favorecia no controle da tensão
existente entre os mundos interno e institucional.

No primeiro ano da Academia, para facilitar a adaptação, o companheirismo e até


mesmo evitar o isolamento e a desistência, é comum a manifestação por escolha, de um
elemento denominado de ‗canga‘. Cada cadete primeiro ano, tem o seu canga, que se
configura como uma espécie de ‗sombra‘ um do outro – aonde um for, o outro cadete vai
junto.

Minha ―canga‘ - companheira no CFO de todas as horas, foi a cadete Rafaely. Nossa
amizade na academia se tornou muito forte, tão forte mesmo que, nossa amizade
continua até hoje, mesmo anos depois da nossa formação. Ela se tornou parte da
minha família, inclusive ela é minha comadre, eu a escolhi para ser madrinha do
meu filho. (Verena, Cadete, 2008).

Ser canga traduz-se em lealdade, companhia para todas as horas. Tem a finalidade de
fomentar sobretudo, a conscientização de que na vida profissional vindoura, o policial militar
deve trabalhar sempre ladeado de seus companheiros ou em equipe, que não convém o
individualismo no desenvolvimento de suas missões, e que se faz necessário ter parceiros.

O trabalho acompanhado de um colega, se torna uma recomendação de suma


importância que precisa ser fielmente obedecida pelo policial no desempenho profissional,
para que a atuação seja minimamente exitosa. Até mesmo quando a atividade for apenas o
policiamento preventivo a pé, em cujo o emprego seja a menor representação do serviço
policial militar, que é a fração, sempre estejam dois policiais.

Além de ser estimulado a companhia do canga e do trabalho em equipe, no período da


academia, as amizades também se manifestam sobremaneira. A exigência do cotidiano e as
dificuldades encontradas tendem a favorecer os vínculos de amizade e solidariedade. Os cadetes
vão se acumpliciando e se solidarizando de diversas formas, seja no empréstimo de objetos ou
acessórios do uniforme, como luvas, gorro, cinto-cadarço, seja na divisão do lanche ou refeição,
no auxílio dos exercícios do treinamento físico ou na preparação das atividades escolares,
inclusive no encorajamento quando surgia o incômodo desejo de desistir.
94

Em se tratando de solidariedade e camaradagem no período de formação do oficialato,


Costa Vale, cadete em 1992, na Academia do Paudalho259 em Pernambuco, relata um episódio
que vivenciou quando estava em regime de internato e teve o auxílio de seus colegas:

Eu era cadete do terceiro ano do CFO, e um dia à noite senti forte dor abdominal do
lado direito, me contorcia de dor, sem imaginar o que poderia ser. Não aguentando
mais, pedi ajuda aos meus colegas de alojamento. De pronto, providenciaram um
jeito de me transportar até o hospital da cidade em Paudalho. A Academia é situada
na BR 408, no KM 78, naquela época era meio isolada, distante de tudo, e não havia
por perto estrutura hospitalar para realizar exames de imagem. Então me levaram ao
posto de saúde, onde me fizeram um analgésico e me mandaram de volta para
Academia. Chegando na Academia, não demorou muito, a dor aumentou e ficou
insuportável. Dessa vez, meus colegas e o oficial de serviço me conduziram para o
Hospital Militar na capital, em Recife. Lá chegando fui imediatamente
diagnosticado com apendicite supurada260. Como minha situação era crítica, fui
levado para o bloco cirúrgico. Fiz a cirurgia, tive sérias complicações e fiquei
internado por sete dias. Naqueles momentos, contei com a solidariedade dos meus
colegas, irmãos de farda, que se revezavam como meus acompanhantes do hospital,
porque minha família estava toda no Pará. (Costa Vale, cadete, 1992),

O relato do cadete sobre o seu paroxismo, ilustra a importância primordial dos


relacionamentos entre os colegas no internato, e enfatiza o papel desses amigos, nas
demonstrações de solidariedade, frente às situações adversas durante o período do CFO.

Para Sidney Chalhoub, os laços de solidariedade e ajuda entre os homens podem ser
fundamentais como estratégias de sobrevivência261. Foi o caso notoriamente vivenciado pelo
então cadete Costa Vale, quando estava afastado de sua família, residindo distante de sua
cidade, numa outra região do país, em pleno curso de formação, do qual não poderia – por
regulamento, se ausentar. Enquanto esteve hospitalizado, pôde contar com a solidariedade dos
seus colegas, que além da companhia no hospital também lhe repassavam o material estudado
em sala de aula. Esse companheirismo e solidariedade, para além do espaço do internato, foi um
fator muito positivo para a sua permanência no curso de formação.

Essa camaradagem forjada no período de formação, além de se perpetuar, estende-se


para as suas famílias, tanto a família de origem biológica quanto a família constituída depois

259
O nome da cidade de Paudalho, em Pernambuco, origina-se de uma árvore secular que exalava um aroma
similar ao do alho, situada na margem direita do Rio Capibaribe, no local antes chamado Itaíba, hoje se
encontra a ponte de Itaíba, no centro da cidade. A ocupação organizada das terras iniciou com um
aldeamento indígena promovido pelos padres franciscanos: Aldeia de Miritiba [...], onde nasceu o índio Poti,
batizado por Felipe Camarão, herói da luta contra a ocupação holandesa. Posteriormente a região cresceu
pelo impulso do cultivo da cana-de-açúcar e vários engenhos estabeleceram-se na região. [...] O povoado de
Paudalho surgiu no entorno do engenho Paudalho.
260
Apendicite supurada é o rompimento do apêndice inflamado, o que aumenta muito os riscos de complicações
que podem inclusive levar à morte.
261
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle
époque. Prefácio da 2ª edição. Campinas: UNICAMP, 2012. p. 185.
95

do período de formação, e assim se dá novamente o ciclo dos vínculos da família como


extensão do quartel.

1.5.2 O trote na Academia, um rito de iniciação

Dentre os vários ritos existentes no ambiente acadêmico que simbolizam a cultura


hierárquica na instituição, dos veteranos sobre os mais modernos, destaca-se a ocorrência dos
trotes que os cadetes recém-chegados vivenciam no processo de adaptação ou de sua
‗domesticação‘.

Quando nós chegamos na Academia, os antigões fizeram conosco uma espécie de


trote, nos mandaram fazer a limpeza de todo o espaço da APM, foi muita capinação.
(Figueira, Aspirante a Oficial, 1991).

Antonio Zuim analisa que, por meio dos trotes, os veteranos têm a missão de domesticar
seus novatos, fazendo-lhes compreender os passos a serem seguidos. Analogamente, o autor
considera que o ―trote, alude ao passo que o cavalo aprende a fazer; uma espécie de andar
intermediário situado entre o galope e o seu passo habitual‖262, que não seria possível que o cavalo
trotasse se não fosse domesticado. Zuim explica que não é por acaso que os trotes dão o sentido
de domesticação; e que, etimologicamente, a palavra ―trote‖ é identificada em vários idiomas, tais
como o espanhol ‗trote‘; o italiano ‗trotto‘; o francês ‗trot‘; e o alemão ‗trotten‘.

Segundo Tommasino263, no caso dos calouros ou novatos de modo geral, os trotes


constituem-se como um ritual de passagem, também considerado como de iniciação, que
marca a transição de um status social para outro, delimitando responsabilidades, deveres,
direitos, apresentando para o coletivo que aquele sujeito social está preparado para viver uma
nova situação. Para Segalen264, a ocorrência dos trotes normalmente incide em um percurso
de provas, que procura testar a resistência física e psicológica do novato, configurando-se
como uma espécie de sondagem sobre até onde o sujeito pode suportar.
No entanto, o trote nem sempre é restrito aos novatos, sendo realizado igualmente para
os sujeitos que mudam de fase, no caso de um ano escolar para o outro. A ocorrência do trote

262
ZUIN, Antônio Álvaro Soares. O trote universitário como violência espetacular. Educação e Realidade, v. 36,
p. 587-604, 2011. p. 590.
263
TOMMASINO, Kimiye; JEOLÁS, Leila Sollberger. O trote como um ritual de passagem: o universal e o
particular. Revista Mediações, Londrina, v. 5, n. 2, p. 29-49, jul/dez., 2000.
264
SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro: FGV, 2002.
96

nas academias das Polícias Militares, em grande parte depende da inventividade dos
veteranos, inclusive pode ser apenas por sugação ou tarefas ―sem propósitos‖:

Na APM Cel. Fontoura eu estranhei o trote, era mais ‗sugação‘, ‗torração‘. A


maioria das vezes, o trote era sem sentido, só para fazer pressão no cadete, pra ver se
a gente desistia. (Formigosa, Cadete, 1999).

Celso Castro265, em ―O espírito militar‖, menciona que há uma distinção, não muito
clara, entre trote e brincadeira; e que, em certa medida, na Academia os dois termos são
usados indistintamente; mas que ―em geral o trote é considerado ‗mais pesado‘, humilhante,
dramático e desintegrador, enquanto a brincadeira seria ‗mais leve‘, cômica ou inofensiva e
integradora‖. A ideia referida por Castro, que não ser tão clara a distinção entre trote e
―brincadeira‖, pode ser vista na narrativa do nosso interlocutor Salim:

Um fato descabido que eu vivi na Academia, foi quando um certo oficial, querendo
testar a nossa turma, inventou uma brincadeira absurda, uma espécie de trote, foi
chamando um por um dos cadetes para comer um punhado de farinha baguda 266 com
muita pimenta, mas era muita pimenta mesmo. Aquele bocado de farinha passava de
mão em mão. Só porque eu não quis comer, esse certo oficial mandou me colocar de
pernoite. Passei meses de pernoite na Academia, tanto é que quando voltei para
dormir em casa, estranhei minha cama. (Salim, Cadete, 1992).

O relato de Salim evidencia a ocorrência de um trote experimentado no coletivo da


turma de cadetes, caracterizado ao meu ver, como humilhante, sem propósito pedagógico, no
entanto, a atitude de reprovação do então cadete Salim, para com o trote daquele oficial, lhe
rendeu um período significativo de punição individual, ‗passando o então cadete a pernoitar
na academia por meses‘.

Nas Academias de Polícia, os trotes eram os mais variados possíveis, às vezes eram
coletivos e outras individuais, mas em geral eram aplicados com algum objetivo, que poderia
ser, a união do grupo, a superação de alguma dificuldade ou de um obstáculo em conjunto,
resistência ao frio ou a fadiga, despertar companheirismo, tais como: corrida ao redor do
terreno da academia; banho fardado na piscina durante a madrugada; prestar continência ao
poste de luz elétrica; chorar pela morte da formiga; execução de faxina, lavagem de
banheiros, troca rápida de uniformes etc. como vemos nas recordações do interlocutor:

[...] era estabelecido naquele dia que os cadetes estivessem fardados por exemplo, de
uniforme de educação física (short, camisa, tênis e meia) e que deveriam trocar

265
CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 30.
266
Farinha ―baguda‖ é o termo usado na região norte do país, para caracterizar a farinha feita de mandioca, para
a qual se preserva técnicas tradicionais e rudimentares de preparo, para mantê-la crocante e de caroços graúdos.
97

rapidamente, para o uniforme de instrução. Pronto! Aí começava a correria. Os


oficiais nos davam três minutos apenas, para a troca de uniforme. Então corríamos
para o alojamento, no andar de cima, tirávamos o uniforme de educação física e
colocávamos o outro, com camisa de meia por dentro, gandola com botões, calça
comprida, meias, coturno, cinto, gorro, enfim, tudo tinha que ser feito rápido, e tinha
que ser, da melhor forma. O uniforme não poderia estar em desacordo, caso
estivesse o aluno tinha sua ―licença cassada‖. A justificativa era a agilidade, a
observância às regras do uso do uniforme e o cuidado com a nossa apresentação.
(Costa Vale, cadete, 1992).

Posteriormente, o entrevistado Rayol, que chegou a ser comandante da Academia


Fontoura, ao analisar esse tipo de trote que exigia rapidez dos cadetes na retirada e na
colocação de uniformes, afirma que há um sentido coerente, a ser extraído nesse tipo de trote
/tarefa, para a prática profissional vindoura:

[...] por que o cadete tem que trocar seu uniforme de educação física em três
minutos? Seria por sacanagem? [...]. Não, com certeza não. É porque quando a gente
vai atender uma ocorrência, o cidadão tem que ser atendido no menor tempo
resposta possível. E às vezes, nesse menor tempo, podemos salvar a vida de outras
pessoas. É por isso que tem que ser rápido. Então, se estamos na viatura, e o CIOP
nos passa uma ocorrência, se o cadete obteve essa resposta- reflexo na academia, ele
há de tentar chegar o mais rápido possível para a ocorrência. Algum cidadão ao ver a
viatura com a sirene ligada, correndo em velocidade, cortando sinal, talvez se
pergunte: ―para que isso?‖ É aí que consiste em a diferença. A pronta resposta da
qual aquele policial está imbuído para chegar no menor tempo possível, pode salvar
uma vida. (Rayol, cadete, 1992-1994).

Cabe esclarecer, que não eram permitidos pela instituição, que nos trotes houvesse
crueldade, flagelações, picadas, choques, ―porres‖, afogamentos ou outras violências físicas.
Entretanto, por instituírem ‗não permissão‘ como regra, não quer dizer que houvesse garantia
de que a regra fosse plenamente cumprida, havendo entre os interlocutores desta pesquisa,
uma ou outra narrativa que aponta para exageros nos trotes.

Celso Castro, analisa baseando-se em sua pesquisa na AMAN, que, embora proibidos,
os trotes tradicionalmente são realizados nas academias, muitas vezes com o conhecimento de
oficiais, mas ―de maneira geral, tais oficiais não procuram combatê-los, mas apenas regulá-
los, evitando exageros‖267. Muito embora os trotes sejam tradicionais nas unidades de
formação em todo o Brasil, nas academias das Polícias Militares, a partir do ano 2000 foram
ressignificados os trotes de sugação ou com tarefas ―sem propósitos‖, sendo substituídos por
outros tipos de trotes: o ―tipo humanitário‖, tais como doação de sangue, gincana de alimentos
não perecíveis para doação a organizações não governamentais; e o tipo ecológico, que inclua
o plantio e o cuidado de árvores, sob a responsabilidade de cada cadete.

267
CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 30.
98

CAPÍTULO 2

268
“EM CONTINÊNCIA AO TERRENO” : A AMAZÔNIA
COMO CENÁRIO FORMADOR DOS OFICIAIS

[...] como dói a história da ocupação da Amazônia! No início do século, quando tudo
eram sonhos e possibilidades, Euclides da Cunha classificou esse mundão sem
porteira de águas e florestas como sendo a última página do Gênesis, que o criador
divino delegou à escrita dos homens. A última página é um garrancho só.
Lúcio Flávio Pinto269

Para entender as concepções que envolveram o cenário geopolítico regional que


fomentasse a formação do oficial policial militar, situo o Pará do início da década de 1950,
quando a Amazônia voltou a interessar ao mundo como fornecedora de borracha para os
aliados na Segunda Guerra Mundial.

Historicamente, a Amazônia tem sido percebida como repositório de biodiversidade. A


construção discursiva da Amazônia como área de imensas possibilidades econômicas
representadas por seus recursos naturais é uma tônica constante na história e historiografia da
região270, seja expressa nas crônicas, na legislação, nos planos de ocupação e de exploração. E
essa tem sido a visão ao longo de diversos contextos271.

Foi no contexto amazônida, que se deu a criação da SPVEA272, justamente para


viabilizar economicamente uma região que era considerada atrasada, dominada pela maior
floresta tropical do mundo, pouquíssimo povoada (menos de um habitante por quilômetro

268
Continência é uma saudação militar, uma das maneiras de manifestar respeito e apreço aos superiores, pares,
subordinados e símbolos, como a bandeira nacional. E, no caso em tela, sinal de respeito ao solo amazônico,
destino dos oficiais formados pela Unidade de Ensino investigada.
269
PINTO, Lúcio Flavio. As terras amazônicas e a ação dos governos. Jornal Pessoal, Belém, 1º out., 2013.
270
A pesquisa bibliográfica efetuada nesta pesquisa revelou que a problemática do desenvolvimento na Amazônia é
tema recorrente na produção científica, sobretudo no campo da Sociologia, da Ciência Política e da Economia.
271
BATISTA, Iane Maria da Silva. A natureza nos planos de desenvolvimento da Amazônia (1955-1985). 2016.
Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal do Pará, Belém, 2016. p. 25.
272
Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em 1966 foi transformada na
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), autarquia criada com a finalidade de
promover o desenvolvimento da região amazônica, gerando incentivos fiscais e financeiros, atraindo
investidores privados, nacionais e internacionais para a região.
99

quadrado), distante dos centros mais dinâmicos do mercado nacional, de difícil acesso, com
uma bacia hidrográfica que acumula 8% da água doce disponível no globo273.

O Pará, como uma unidade da federação, vivenciava em certo sentido geográfico, o


isolamento e significativas dificuldades econômicas e sociais, além de manter 70% do seu
território, controlado pelo governo federal, sob a responsabilidade das forças armadas274.

Nos anos de 1960, alimentou-se a ideia de que a Amazônia era um território vazio a
ser ocupado. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 1960, a
população da Região Norte era predominantemente rural e habitava em pequenos povoados e
vilarejos situados nas margens dos rios, enquanto a população urbana representava somente
37% em relação à população total. Além disso, nas décadas de 1950 e 1960 a região era
composta por dois estados: Amazonas e Pará; e quatro territórios federais: Roraima, Acre,
Amapá e Rondônia, que posteriormente tornaram-se também estados da região275.

Para fazer jus a sua ocupação, disseminou-se o slogan ―terra sem homem, para homem
sem terra‖; assim, o governo incentivou o deslocamento de milhares de indivíduos e seus
familiares para povoarem a região amazônica – uns para serem donos de terras, outros para
trabalhar na terra como ‗mão de obra‘ barata e outros como posseiros276

José Willington Germano (2011) esclarece que nas décadas de 1960/1970, ―a prioridade
do Estado brasileiro era a de construir o ‗Brasil-potência‘, projeto acalentado por setores das
Forças Armadas desde os anos 30‖.277 Quando o general Emílio Médici278 assumiu a presidência
do Brasil, houve a realização de grandes obras, como a rodovia Transamazônica, a ponte Rio-
Niterói etc., e da Segurança Nacional; por sua vez, no governo do general Ernesto Geisel, houve o
desenvolvimento de grandes projetos econômicos, como Itaipu e a ferrovia do aço.

Paralelamente, em seus discursos, o governo também incentivava os empresários do Sul e


Sudeste do país a concretizar seus empreendimentos agropecuários de criação de gado na

273
PINTO, Lúcio Flávio. Consciência tratada a choque. Jornal Pessoal, Belém, Ano XXXI, n. 6570. 1º jul.
2018. p.12.
274
PETIT, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no Pará, pós-1964. Belém:
Paka-Tatu, 2003.
275
LOUREIRO, Violeta Refkalesfsky. Amazônia: História e análise de problemas do período da Borracha aos
dias atuais. Estudos Amazônicos. 2 ed. Belém: Distribel, 2002.
276
PETIT, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no Pará, pós-1964. Belém:
Paka-Tatu, 2003.
277
GERMANO, José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 2011, p. 267.
278
Emílio Garrastazu Médici, General Militar, mediante o afastamento do Presidente Costa e Silva, o seu nome
foi indicado pelo Alto Comando do Exército à sucessão presidencial, através de eleição indireta. Exerceu o
cargo de presidente da República de 30 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974.
100

Amazônia, viabilizados por meio da implantação do projeto de colonização de terras, objetivando


a ampliação da produção agropecuária e a prosperidade econômica e social da região279.

Por outro lado, alinhando-se à retórica oficial de espaços vazios, os mapas


fornecidos aos interessados em investir na Amazônia omitiam a presença de populações
antigas, tais como os indígenas, que tão pouco eram citados na cartografia, que serviu de
instrumento estratégico no processo de ocupação, tendo indicação as melhores áreas para o
trabalho em fazendas280.

Dessa forma, a colonização agrícola da Amazônia foi ampliada pelos governos do regime
militar, cuja estratégia de fomento centrou-se no aporte da política de incentivos fiscais, os quais
subsidiavam a instalação do campesinato a partir da construção da rodovia Transamazônica,
abrindo espaço para a migração espontânea de agricultores familiares descapitalizados.281

Em meados da década de 1970, sob a presidência de Emilio Garrastazu Médici, o


governo militar brasileiro trabalhava no Plano de Integração Nacional (PIN). Foram
estabelecidos os grandes projetos para desenvolvimento e integração da Amazônia, sendo
iniciadas as construções das rodovias Brasília-Acre, Santarém-Cuiabá e Pará-Maranhão,
previstas no PIN. Com isso, a história da Amazônia começou a sofrer uma série de mudanças,
inclusive pela industrialização.282 Assim, a Amazônia sendo uma área continental era alvo da
implantação desses grandes projetos desenvolvimentistas.

Ainda fazia parte do discurso oficial do governo militar o propósito de levar o progresso
para a Amazônia, de ocupá-la e povoar as fronteiras com a finalidade de gerar desenvolvimento
para que a região saísse da situação de atraso em relação ao restante do país283.

João Tertuliano Lins 284 discorre sobre o ingresso do Brasil no processo de


industrialização, apontando que tal processo desencadeou fenômenos na Amazônia que
repercutiram ao longo das décadas seguintes (1970/1980). A abertura das referidas rodovias
e dos grandes projetos incentivados pela Superintendência de Desenvolvimento da

279
D‘ARAÚJO, Maria Celina. Amazônia e desenvolvimento à luz das políticas governamentais: a experiência
dos anos 50. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, ano 7, n. 19, jun., 1992.
280
BATISTA, Iane Maria da Silva. A natureza nos planos de desenvolvimento da Amazônia (1955-1985). 2016.
Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.
281
SABLAYROLLES, Philippe; ROCHA, Carla Giovana Souza (Orgs.). Desenvolvimento Sustentável da
Agricultura Familiar na Transamazônica. Belém: UFPA; LAET; AFATRA, 2003.
282
CASTRO, Edna (Org.). Sociedade, território e conflitos: BR 163 em questão. Belém: NAEA, 2008.
283
D‘ARAÚJO, Maria Celina. Amazônia e desenvolvimento à luz das políticas governamentais: a experiência
dos anos 50. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, ano 7, n. 19, jun., 1992.
284
LINS, João Tertuliano. Reflexões sobre a navegação fluvial na Amazônia. In: Embarcações, homens e rios
na Amazônia. Belém: EDUFPA, 1992. p. 73-83.
101

Amazônia (SUDAM)285 e da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA286


provocaram profundos reflexos tanto no cenário socioeconômico quanto na ocupação da
região amazônica e, consequentemente, produziu alterações no modo de vida e de trabalho
na região.287

Com o fim da ditadura civil-militar, teve início um processo de redemocratização do


288
Brasil . O cenário político apresentava-se diante de uma elevada dívida externa, alto índice
de inflação e baixo poder de compra do trabalhador brasileiro. Objetivando a restruturação do
sistema político e a retomada do desenvolvimento econômico e social, mediante os ventos de
liberdade democrática, nos anos de 1987 e 1988 a Assembleia Nacional Constituinte dedicou-
se à elaboração da nova Carta Magna, que surgiu em meio à grande mobilização da sociedade,
visando ampliar a garantia dos direitos sociais, estabelecendo a igualdade de todos os
cidadãos perante a lei, a condenação de práticas discriminatórias, permitindo o direito de voto
aos analfabetos, dentre outros avanços.289

Por conseguinte, a Amazônia configurou-se como um cenário efervescente para as


ações desenvolvimentistas, abrangendo inúmeras demandas relacionadas às populações
regionais: ribeirinhos, seringueiros, pescadores, garimpeiros; danos do desmatamento, da
biodiversidade, da qualidade de vida, dos recursos naturais, da poluição da rede fluvial pelo
uso de mercúrio na exploração dos garimpos, da incidência de doenças endêmicas, etnocídio
contra povos indígenas290, urbanização desordenada, enfim, eram muitos os desafios.

Nesse cenário plural da Amazônia em meio às mudanças políticas, sociais e


econômicas em 1990, procederam-se as articulações entre os comandantes gerais das Polícias

285
Autarquia criada em 1966, com a finalidade de promover o desenvolvimento da região amazônica, pela
geração de incentivos fiscais e financeiros atraindo investidores privados, nacionais e internacionais.
286
Autarquia criada em 1967 para administrar a Zona Franca de Manaus (ZFM), com a prerrogativa de criar um
modelo de desenvolvimento regional.
287
LINS, João Tertuliano. Reflexões sobre a navegação fluvial na Amazônia. In: Embarcações, homens e rios na
Amazônia. Belém: EDUFPA, 1992. p. 73-83..
288
PAIVA, Angela Randolpho. Movimentos sociais e teoria crítica: notas sobre a redemocratização brasileira.
In: D‘ARAÚJO, Maria Celina. (Org.). Redemocratização e mudança social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV,
2014. p. 117-144.
289
Sobre as transformações ocorridas no Brasil, ver: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o regime
militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014; GERMANO, José
Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 2011.
289
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil.1988.
290
Diagnóstico da Comissão Coordenadora Regional de Pesquisa na Amazônia. Plano de Ciência e Tecnologia
para a Amazônia: 1990/1991. Belém, 1990. In: FURTADO, Lourdes Gonçalves. (Org.). Amazônia:
Desenvolvimento, Sociodiversidade e Qualidade de Vida. Belém: UFPA; NUMA, 1997.
102

Militares, dos Corpos de Bombeiros Militares e representantes dos estados da Amazônia para
o nascimento da Academia de Polícia Militar, como registrado na nota publicada no jornal:

I ENCONTRO DOS COMANDANTES GERAIS DAS POLÍCIAS MILITARES E


CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES DA AMAZÔNIA291

[...] considerando que as orientações emanadas do Encontro de Comandantes gerais


de Polícia Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, organizado pela
Inspetoria Geral das Polícias Militares e realizado nos dias 08 e 09 de novembro de
1990, em Brasília (DF), recomendaram a elaboração de estudos para regionalização
da formação de Oficiais PM/BM;

Considerando que a formação de Oficiais PM/BM, na forma atualmente empregada,


além de prejudicar a unidade de doutrina, nem sempre atende aos interesses da
Região Amazônica; e,

Considerando a indiscutível conveniência de se desenvolver a doutrina operacional


PM/BM que atende especificamente aos aspectos regionais, resolveram firmar o
seguinte [...]

2) Garantir, prioritariamente, a formação de Oficiais PM em Academia Regional,


que será localizada no Estado do Pará e denominada Academia de Polícia Militar da
Amazônia (APM Amazônia) [...]

Como a Polícia Militar do Pará tinha oficiais formados em Academias de instituições


coirmãs e seu quadro de oficiais estava deficitário para atender às demandas do estado, visto
que as vagas disponibilizadas pelas academias de outros estados da federação eram ínfimas, o
alto escalão da Corporação reuniu-se com o então governador Hélio da Mota Gueiros para
deliberação quanto à necessidade de criação da Academia para a formação de oficiais no
próprio estado292.

Decorridos alguns dias das tratativas advindas do citado Encontro de Comandantes


Gerais, foi publicado o primeiro edital de seleção para o curso de formação de oficial,
conforme o acordo firmado junto à Inspetoria Geral das PMs, tendo o objetivo de cobrir a
deficiência existente no quantitativo de oficiais na região amazônica. Posteriormente, foram
divulgadas informações sobre como se daria a ‗nova‘ formação de oficiais da PMPA:

Combate ao crime sem ferir as leis e os cidadãos”. O aparelhamento da Polícia


é uma das metas principais para a área de Segurança. Através da Academia de
Polícia, os policiais vão receber todo o treinamento adequado, antes de serem
colocados a serviço da população. O policial que é na verdade um profissional da
segurança, tem que saber como abordar as questões sob todas as formas, inclusive

291
Jornal ―Diário do Pará, sobre o I Encontro de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros militar. Jornal ―Diário do Pará, em 23/12/1990. Caderno B, p. 7.
292
Informações coletadas na entrevista com o Coronel Joao Paulo Vieira da Silva, o primeiro comandante da
APM e ex-Comandante-Geral da PMPA.
103

como se dirigir às pessoas. A população vai ver no policial preparado um


representante seu. Ele tem que merecer a confiança da comunidade, já que está a
serviço dela. Como é um funcionário pago pelo governo, através dos impostos que
o povo paga, o policial vai ser preparado para agir contra a violência, contra o
marginal, contra o delinquente. Além do preparo profissional, a Polícia será
aparelhada [...] com instrumentos que permitam um melhor resultado, com mais
viaturas para o serviço. Com uma Polícia mais equipada e um maior efetivo, vai
ser possível a presença de mais policiais em todos os bairros de Belém e no
interior do Estado293.

Destarte, um dos desafios impostos àquela unidade acadêmica recém-criada era de que
seus alunos, e futuros oficiais, fossem muito bem preparados e obtivessem conhecimentos da
diversidade natural, humana e cultural peculiares àquele contexto e, sobretudo, que fossem
despertados para as intervenções necessárias à Amazônia ou, como refere Heraldo Maués, das
várias ‗Amazônias‘:

[...] não existe uma só Amazônia, mas várias – uma Amazônia continental, ou
Pan-Amazônia, que repartimos com nossos vizinhos das Guianas (e do
Suriname), da Venezuela, da Colômbia, do Equador, do Peru e da Bolívia; e as
várias Amazônias nacionais, incluindo a brasileira. Por outro lado, também,
dentro do conceito de Amazônia Brasileira, temos de fato duas Amazônias –
uma dentro da outra – isto é a Amazônia considerada como Região Norte,
incluída no complexo mais vasto denominado de Amazônia Legal, que foi
adredemente criada pela política governamental que estabeleceu a
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). E, finalmente,
as várias Amazônias dentro da Amazônia: seus grandes rios, lagos, planícies,
planaltos, montanhas, florestas, cerrados e campos naturais. 294

E, já naquele primeiro edital, a Academia de Polícia Militar abriu as portas para os


candidatos das instituições coirmãs dos estados da Amazônia Legal295 a qual corresponde a
61% do território brasileiro, e engloba a totalidade dos estados do Acre, Amapá, Amazonas,
Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Estado do Maranhão, além de
Mato Grosso do Sul e Piauí, que possuem confluências de desenvolvimento no mesmo
âmbito. O objetivo era priorizar a regionalização da formação de Oficiais, de modo a atender
aos interesses da própria região Amazônica.

293
Jornal Diário do Pará. nº. 02636 (4), de 24 nov. 1990, p. A6.
294
MAUÉS, Raimundo Heraldo. Amazônias: regional identity and national integration. Ciência e Cultura, v. 43,
p.26-31, 1991. p. 26.
295
A Amazônia Legal, instituída em 1953 pela Lei n.º 1.806, tem uma área em torno de 5.217.423 km². Ver: O
que é Amazônia legal? Disponível em: <http://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28783-o-que-e-a-
amazonia-legal/ e http://www.amazonianarede.com.br>Acesso em: 18 nov., 2017.
104

2.1 SURGIU O ―BERÇO DE COMANDANTES E LÍDERES‖

Academia de Fontoura tu és berço,


Onde nascem valorosos Oficiais,
Que a PM com orgulho servirão,
Mantendo suas tradições e ideais296

A partir de sua criação, a Academia da Polícia Militar Coronel Fontoura tornou-se


um referencial de formação de oficias para a Amazônia, com sede única no Pará, na qual
doravante seriam realizadas as formações de todos oficiais policiais militares do estado.
No ato inaugural foi-lhe conferido o slogan: ―Berço de comandantes e líderes‖, pelo seu
primeiro comandante, coronel João Paulo Vieira da Silva 297.

Para dar efetividade ao ensino policial militar, pelo Decreto nº 6.784, havia sido criada a
Diretoria de Ensino da PMPA,298 sendo vinculada em sua estrutura a Academia de Polícia Militar
‗Coronel Fontoura‘ (APM). Como o efetivo de policiais militares era exíguo, fez-se necessário
criar uma estratégia para dispor de servidores que atuassem nas duas unidades recém-instaladas,
sem que houvesse prejuízo às demais unidades operacionais. A estratégia adotada consistiu em
integrar o efetivo de militares remanescente299 do Corpo de Bombeiros Militar, conforme vê-se
exarado no mencionado decreto, em seu artigo 3º:.

Art. 3º - A Diretoria de Ensino e a Academia de Polícia Militar utilizarão para


seu funcionamento os efetivos remanescentes da desvinculação do Corpo de
Bombeiros da Polícia Militar.
Art. 4º - As atribuições, estruturas organizacionais e quadros efetivos da Diretoria de
Ensino e da Academia de Polícia Militar são discriminados abaixo neste Decreto,
dele fazendo parte integrante.
Art. 5º - O comando geral da Polícia Militar, adotará as medidas necessárias para a
imediata implantação da Diretoria de Ensino e da Academia [...] (grifos nosso)

Relembro que até a década de 1990, a Polícia Militar do Pará e o Corpo de Bombeiros
Militar integravam uma única instituição, entretanto, em 19 de abril de 1990, por meio do
Decreto nº 6.781, o governador Hélio Gueiros determinou a emancipação dos bombeiros da
Polícia Militar. Dessa desvinculação, os recursos humanos remanescentes, passariam a
compor ambas as unidades recém-criadas (Diretoria de Ensino e a Academia), e tornaria
possível o funcionamento das mesmas.

296
Estribilho do hino da APM Coronel Fontoura.
297
Dados obtidos na entrevista com o coronel João Paulo Vieira da Silva.
298
Decreto nº 6.784, publicado no Diário Oficial do Estado, em de 24 de abril de 1990, p.30-31, pelo qual o
governador Hélio Gueiros criou a Diretoria de Ensino da PMPA e a Academia de Polícia Militar ‗Coronel
Fontoura‘, assim como estabeleceu o quadro organizacional e os postos e graduações das respectivas Unidades.
299
Decreto nº 6.784, Op cit.
105

Assim foi formatado o quadro efetivo da Diretoria de Ensino, com a responsabilidade


de gestão da área de ensino e instrução da corporação, bem como a supervisão, coordenação,
fiscalização, controle e execução das atividades ensino, instrução e pesquisa relacionadas à
formação, aperfeiçoamento e especialização (Tabela 3).

Tabela 3 - Efetivo da Diretoria de Ensino.

POSTOS GRADUAÇÕES
ESTRUTURA

TEM CEL

SUB TEN
1ºTEN

1ºSGT

2ºSGT

3ºSGT
MAJ
CEL

CAP

CB
FUNÇÕES

Diretor 1 1
Chefia
Subdiretor 1 1
Seção Chefe 1 1
técnica D/1 Auxiliares 1 2 2
Seção Chefe (1)
técnica D/2 Auxiliares 2 2 1
Seção Chefe 1 1
técnica D/3 Auxiliares 1 2 1
Seção Chefe (1) 1
técnica D/4 Auxiliares 2 1 2
Academia 1 2 2 7 1 02 13 9 21
Soma 1 2 4 2 4 19 16 29
Fonte: Decreto nº 6.784/1990, Diário Oficial do Estado do Pará, de 24/04/1990.

2.1.1 O Lócus e o Patrono da APM

Para sediar a recém-criada unidade de ensino foi destinado um prédio de três andares,
situado no quilometro 08, da rodovia BR-316300, em Ananindeua (PA). As instalações do
prédio atendiam apenas em parte as necessidades da Academia, sem condições adequadas
para ambientação, com pouca ventilação e iluminação, segundo relatos de Osmar Nascimento,
Figueira e Dílson Júnior:

300
A rodovia Belém-Brasília ou BR-316 é a via de entrada e saída da capital paraense, e interliga a Região
Metropolitana: Ananindeua, Marituba e Benevides, Santa Isabel do Pará e Castanhal com outras cidades e estados
do Brasil.
106

Fazendo uma comparação grosseira, naquela época, o prédio não tinha estrutura para
ser uma academia, havia muito improviso no espaço físico e na distribuição das
atividades. Tínhamos como referência o Exército, no EB tudo era muito organizado,
padronizado. Mas ao mesmo tempo entendi, não podíamos ignorar que estávamos
inaugurando a APM. Muitas vezes, esse é um dos ônus do pioneirismo (Osmar
Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991).

No momento em que entramos a APM não tinha estrutura adequada e nem corpo
docente próprio. Quando falo de falta de estrutura, lembro que inclusive não
havia biblioteca, não havia como realizar pesquisa, não havia espaço para o
esporte, nós fizemos a quadra esportiva, os alunos se empenharam e arr umamos
o campo de futebol, que apelidávamos de ‗douradão‘, porque aquilo era um
desejo do nosso instrutor de educação física, Tenente Dourado. (Figueira,
Aspirante a Oficial, 1991).

Na minha turma eram instruções de manhã e tarde. A estrutura da Academia era


acanhada, não havia rancho/refeitório, então éramos liberados para almoçar fora.
Voltávamos para as aulas da tarde, e depois das18h30 éramos liberados novamente.
(Dílson Júnior, Aspirante a Oficial, 1992).

Os relatos acima traduzem uma importante divergência em caráter inicial, entre o que
seria a instalação da Academia, de modo idealizado nos documentos, como ―berço de
comandantes e líderes‖ da Amazônia Legal, versus as limitações reais que a estrutura física da
APM apresentava. Por conta da divergência, entre o idealizado e o realizado na APM, foi
providenciado a reforma do prédio. Algumas das melhorias no espaço físico tiveram o
envolvimento e a participação efetiva dos primeiros alunos oficiais, como vê-se nas
narrativas:

Então, nós incorporamos em fevereiro de 1991 e passamos uns três meses mais
ou menos tendo instruções no antigo Batalhão de Trânsito, enquanto a
Fontourinha, na BR ficava pronta, porque estava passando por uma reforma. [...]
a notícia que nós tínhamos era de que lá no prédio, funcionava um centro de
treinamento de alguma coisa do Estado. Aí lá tinha só o primeiro pavilhão
praticamente, e eles fizeram duas salas de aula atrás, sanitários, uma quadra, um
pátio de formatura na frente. Com isso nós chegamos lá, nós carregamos os
móveis para dentro da Academia [...] não tinha água, a estrutura era muito
precária, era bem complicado. Enfim, fomos desbravando mesmo; até faxina nós
fizemos. (Emilio, Aspirante a Oficial, 1991).
Quando chegamos na APM ainda havia muita coisa por ser feita, fomos empenhados
na melhoria das instalações do prédio, todos nós ajudamos em alguma coisa.
Arrumamos o campo de futebol que chamávamos de ‗Douradão‘ [...] lembro que a
grama foi toda doada pela Embrapa301, que um dos nossos colegas conseguiu por lá‖
(Marinho, Aspirante a Oficial, 1992).

301
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), é uma instituição pública de pesquisa
vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil. Tem como objetivo o
desenvolvimento de tecnologias, conhecimentos e informações técnico -científicas voltadas para
a agricultura e a pecuária.
107

A reforma do prédio da APM302 foi gradativamente sendo realizada e às novas


instalações foram agregadas: salas de aulas, consultório médico, pátio para as solenidades
militares, estacionamento e campo de futebol.

A Fontourinha tinha uma estrutura precária. O alojamento era somente para a guarnição
de serviço e para os que estavam punidos com pernoite. As salas de aulas eram
acanhadas, o chão era com umas lajotas velhas, ar condicionado não muito bom [...], o
pátio onde entrávamos em forma era de chão batido. [...]. Nos dias de educação física, na
hora do banho, era um desespero, porque não havia condições para receberem tantos
pelotões de cadetes. Minha turma era somente de homens. Acho que pela dificuldade
com vestiário e banheiros eles optaram por uma turma exclusivamente masculina. Mas,
contudo, nossa turma estava adquirindo uma identidade própria de policial militar,
em meio às dificuldades, diferente do que aconteceu com outras turmas que vieram
depois de nós, parece que ficou faltando algo, parece que se perderam. (Formigosa,
Cadete, 1999).

Ouvindo as rememorações dos primeiros cadetes e integrantes da APM Cel Fontoura,


quando ocuparam aquele espaço, observo em suas narrativas, a evocação de afetos variados, a
começar pelo modo como normalmente, os alunos daquela época, hoje oficiais superiores, se
reportavam a APM de então, pelo diminutivo de ‗Fontourinha‘; bem como um lugar de
sonhos realizados, de adversidades, desafios, enfrentamentos, de superação e de
pertencimento, como é possível depreender da narrativa do cadete Formigosa: ―nossa turma
estava adquirindo uma identidade própria de policial militar, em meio às dificuldades.‖

Analiso que a APM Cel Fontoura passou a ser chamada de ―Fontourinha‖, porque no
final de 1999, a Academia mudou-se do prédio na BR 316 em Ananindeua, para as
dependências do Instituto de Ensino de Segurança Pública - IESP303 em Marituba. As novas
instalações da APM passaram a estar incorporadas, a um complexo com 60.800 m² de área
total, com 29.300 m² de área construída, compondo de salas de aula para ensino superior e
pós-graduação lato sensu, auditório multimídia com 150 lugares, biblioteca, stand de tiro,
alojamentos, quadra polivalente, campo de futebol, piscina olímpica e duas torres de
treinamento para operações de resgate e salvamento, sendo uma com elevador, câmara de
fumaça, poço para treinamento de resgate e tanque em aço para treinamento de combate a
incêndio.

302
Era um prédio de 3 andares, na BR 316, km 08, onde na atualidade se localiza a Escola Estadual Raimundo Vera
Cruz, no município de Ananindeua-PA.
303
Nas dependências do Instituto de Ensino de Segurança Pública –IESP em Marituba, a área construída, está
dividida em pavilhões acadêmicos e administrativos, para uso da Academia de Polícia Civil, da Academia da
Policia Militar, da Academia do Corpo de Bombeiros, e todos os demais espaços que comportam as
diversificadas demandas do ensino-aprendizado-treinamento em Segurança Pública.
108

Por toda essa dimensão do espaço físico, a primeira Academia Cel Fontoura, passou a
ser considerada de porte pequeno, frente a nova estrutura que o IESP apresentava e,
provavelmente por isso, começou a ser chamada de ‗Fontourinha‘, como uma referência ao
um prédio menor dos seus primórdios, e como distinção do tempo presente.

O ambiente da Academia, desde as proximidades do muro, logo se avistava, como é


peculiar nas organizações militares, os elementos da cultura militar, em sua estrutura
hierarquizada: primeiramente o corpo da guarda304, o sentinela305 de prontidão306,
uniformizado e armado de fuzil. Já na chegada, da guarita, se identificava o envolvimento
daqueles elementos, e de como em pouco tempo, deveriam ser assimilados ou pelo menos
entendidos, pelos que por ali transitavam; as representações, os sinais de respeito, os
símbolos307, as canções, os toques de corneta etc.

Depois da guarita, ao adentrar no terreno da APM Cel Fontoura, avistava-se um amplo


pátio, onde se desenvolviam as paradas semanais308, os treinos e desfiles militares em que
participavam a banda de música ou os corneteiros, oficiais e praças por ordem de graduação
ou antiguidade, e os que iriam entrar de serviço, todos uniformizados, portando equipamentos
e armamentos adequados aos respectivos serviços. Toda aquela dinâmica da cultura militar,
manifestava o quanto pulsava a vida na caserna.

304
Na Academia, como nos demais quartéis, o “Corpo da Guarda” é a instalação onde permanecem os policiais
militares que fazem a segurança do aquartelamento. Os policiais são designados para realizar essa atividade,
cumprindo uma escala de serviço. Segundo Regulamento Interno de Serviços Gerais (RISG), ―a guarda do
quartel é normalmente comandada por um 2º ou 3º Sargento e constituída de cabos e soldados necessários ao
serviço de sentinelas‖. Todo o pessoal da guarda deve manter-se corretamente uniformizado, equipado e
armado durante o serviço, pronto para entrar rapidamente em forma e atender a qualquer eventualidade.
Sobre ―Guarda do Quartel‖, ver: Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG). Brasília-DF: Ministério
do Exército; Estado Maior do Exército, 2003. p. 68.
305
Sentinela é o policial militar que fica na condição de vigia, na entrada principal do quartel. O sentinela é, por
todos os títulos, respeitável e inviolável, sendo, por lei, punido com severidade quem atentar contra a sua
autoridade; por isso e pela responsabilidade que lhe incumbe, o soldado investido de tão nobre função portar-
se-á com zelo, serenidade e energia, próprios à autoridade que lhe foi atribuída. Estar alerta e vigilante, em
condições de bem cumprir a sua missão. Sobre ―Sentinela‖, ver: Regulamento Interno e dos Serviços Gerais
(RISG). Brasília-DF: Ministério do Exército; Estado Maior do Exército, 2003. p.72.
306
Prontidão é a atitude esperada do militar, que demonstra a sua aptidão para atender a qualquer eventualidade.
307
Na unidade de formação policial militar São comuns as honras, as continências e os sinais de respeito
prestados aos símbolos, como as bandeiras do Brasil e do Pará, o Hino, o Escudo D‘Armas do estado, e às
autoridades civis e militares. Estão previstos no Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e
Cerimonial Militar das Forças Armadas.
308
A Parada semanal é uma formatura com a finalidade de manter a coesão e o contato entre todos os oficiais e
as praças da unidade militar; e para dar oportunidade ao comandante de verificar as condições de sua tropa. É
organizada no pátio da unidade, onde os pelotões ficam perfilados da direita para a esquerda; então o
comandante realiza preleção aos demais oficiais à tropa, quando são repassadas instruções ou informações
atinentes aos serviços, escalas ou aulas.
109

Porquanto, preparou-se a estrutura organizacional da APM, tornando composta de


praças e oficiais, perfazendo o total de 56 integrantes(Tabela 4):

Tabela 4 - Estrutura organizacional da APM Cel. Fontoura.

ESTRUTURA POSTOS GRADUAÇÕES

1ºTEN

1ºSGT

2ºSGT

3ºSGT
MAJ

TEN
TEN
CEL

CEL

CAP

SUB

CB
FUNÇÕES
Cmt 1 1
Comando

Sub Cmt 1 1
Aj Sec 1 1 1 1
Of Rel Pub (1) 1
Of Infº (1) 1 2
Chefe 1
Divisão de
ensino

Sec Tec 1 1 1 1 1
SOE 1 1 1
Sm Aux (1) 1 1
Chefe (1) 1 1
Administrativa

Tesoureiro 1 1 1 1
Divisão

Almoxarife 1 1 1
Aprovision (1) 1 2
Sec Pessoal 1 1 1 1
Sv Gerais (1) 1 1 6
Cmt (1) 1 1 2
Corpo de
alunos

Grp Of Al
Grp Al Op 2 1 2 2
Soma 1 2 7 1 2 13 9 21
Fonte: Diário Oficial do Estado do Pará, 24/04/1990.

A composição da estrutura organizacional da APM como pode ser observada na


Tabela 4, é de Comando (Comandante e Subcomandante), Divisão de Ensino309, Seção de

309
Sobre Divisão de Ensino da APMPA, ver: Regulamento da Academia de Polícia Militar do Estado do Pará Cel
Fontoura; Aditamento ao Boletim Geral da PMPA nº 181, de 22/09/1999.
110

Meios Auxiliares, Secretaria Técnica, Seção de Orientação Educacional, Divisão


Administrativa (Secretaria, Tesouraria, Aprovisionamento) e Corpo de Alunos310.

Como primeiro comandante da Unidade acadêmica, foi designado o então tenente-


coronel João Paulo Vieira da Silva311, que ingressou na PM como oficial R2 do Exército
brasileiro, em 1972. Formado em engenharia civil pela Universidade Federal do Pará, havia
retornado do Chile onde concluiu o Curso Superior de Polícia 312 no Instituto de Ciências
Policiais de Carabineiros do Chile, com ênfase em técnica e administração de ensino, que
equivalia ao mestrado em educação no Brasil, e tinha defendido sua dissertação intitulada: ‗la
otimizacion del esfuerzo de legalidad para maximizar la seguridad de transito em Brasil‘.
Logo que regressou ao Pará, recebeu a incumbência de implantar a Academia, da qual foi o
primeiro comandante313.

Figura 4- Coronel Vieira - Primeiro comandante da Academia Coronel Fontoura

Fonte: Acervo pessoal de Joao Paulo Vieira da Silva (1991).

310
Sobre Corpo de Aluno da APMPA, ver: Regulamento da Academia de Polícia Militar do Estado do Pará Cel
Fontoura; Aditamento ao Boletim Geral da PMPA nº 181, de 22/09/1999.
311
Quando da implantação da Academia Cel Fontoura, João Paulo Vieira da Silva estava no posto de tenente
coronel, mas no segundo ano, foi promovido ao posto de coronel.
312
O Curso Superior de Polícia é realizado por oficiais superiores, predominantemente por tenentes-coronéis,
como pré-requisito ao posto de coronel (o mais alto posto das corporações PMs).
313
Dados coletados em entrevista com o coronel Joao Paulo Vieira da Silva.
111

Não obstante à distância territorial entre o Brasil e o Chile, o intercâmbio firmado com
o Chile se deu em virtude da forte tradição militar observada naquele país, que favoreceu a
aproximação pelo fato de que ambos vivenciavam o governo de regime militar. Destaca-se
que o Chile foi presidido pelo general Augusto Pinochet durante dezessete anos de ditadura
militar, do período de 1973 a 1990; em parte desse período e o Brasil também vivenciou a
ditadura civil-militar. Entretanto, quando Vieira da Silva retornou ao Brasil, a Constituição de
1988 já estava em vigor, o país encontrava-se em processo de Redemocratização.

Formei uma boa equipe, e arregaçamos as mangas. Começamos do zero.


Fizemos visita técnica em várias Academias do Brasil: do Barro Branco em São
Paulo, na Academia do Rio de Janeiro, Paraná Santa Catarina, Bahia, Ceará,
Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, buscando modelos das grades
curriculares, dos conteúdos programáticos, da carga horária, sobre a dinâmica de
internato e externato, as legislações sobre o ensino de nível superior, e tudo mais
que entendíamos ser necessário. Obtivemos inúmeras documentações e isso nos
serviu, é logico que aproveitamos muita das informações, mas somente
colocamos em prática aquilo que analisamos e vimos que era compatível com a
nossa realidade amazônida. (Coronel Vieira – 1º comandante da APM Cel.
Fontoura).314

Para a composição do quadro de pessoal, foram designados praças e oficiais dos


quadros de combatentes, de saúde e de administração da PM, e nos postos de 1º Tenente,
Capitão, Major e Tenente Coronel do efetivo de militares remanescentes do Corpo de
Bombeiros Militar.
Os integrantes da primeira equipe da Academia ‗Coronel Fontoura‘, foram
selecionados entre os oficiais que tinham especialização em técnica de ensino ou cursos
correlatos na área de educação. Naquele momento, tais especializações eram realizadas no
‗Centro de Estudos de Pessoal‘ no Rio de Janeiro ou na Universidade da Força Aérea
(UNIFA), ou nas Polícias Militares de São Paulo. São listados a seguir, com seus respectivos
cargos e funções,315 identificados da esquerda para direita, por seus nomes completos316
(Figuras 5-6):

314
Trechos da entrevista realizada com o coronel João Paulo Vieira da Silva, o primeiro comandante da APM
Cel. Fontoura.
315
Dados obtidos com o entrevistado Osmar Vieira da Costa Junior, integrante da primeira equipe.
316
Optei por sublinhar os ‗nomes de guerra‘ de todos os oficiais, em virtude da repetição existente de alguns
prenomes e sobrenomes.
112

 Tenente Ivan Dias - Tesoureiro aprovisionador - Quadro de Administração;


 Capitão Edvaldo Cunha Sarmanho - Comandante do Corpo de Cadetes
 Capitão Eliel Nina - médico, Chefe da Formação Sanitária - Quadro de Saúde
 Capitão Edvaldo Pascoal do Carmo - Auxiliar do Corpo de Alunos
 Capitão Ismaelino Vieira - Ajudante Secretário
 Major Roberval Rocha Matos - Sub comandante da APM,
 Tenente Coronel João Paulo Vieira da Silva - Comandante da APM
 Major Adenilson Fernandes Rodrigues - Chefe da Divisão Administrativa
 Capitão Benedito de Moraes Costa - Chefe da Seção de avaliação
 Capitão Severino Fantim - Chefe da Seção técnica de ensino;
 Capitão José Maria de Oliveira - Chefe da Divisão de Ensino
 Tenente Antonio Augusto Dourado - Comandante do pelotão de cadetes (Alfa)
 Tenente Osmar Vieira da Costa Junior - Comandante do pelotão de cadetes
(Bravo)

Figuras 5-6 - Primeira equipe de Oficiais da Academia Coronel Fontoura.

Fonte: Acervo pessoal de Joao Paulo Vieira da Silva (1991).


113

A Academia de Polícia Militar recebeu a denominação de ‗coronel Fontoura‘, como uma


homenagem a Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura317, o nome mais ilustre da Corporação e
patrono da instituição policial militar paraense. Fontoura318 foi considerado o Patrono da Polícia
Militar do Pará pelos serviços prestados por ocasião da Guerra de Canudos.

No decorrer dos séculos XIX e XX, segundo o historiador William Gaia Farias319, ―a
Polícia passou por uma série de situações difíceis‖, entretanto, a participação da corporação
na Guerra320 ou revolta de Canudos321 a fez vincular sua própria história institucional ao nome
do tenente-coronel Fontoura, em torno de quem se realiza verdadeira mobilização simbólica,
qualificando-o como herói institucional:
Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de
referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes
para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos [...] Herói que se preze, tem de ter de
algum modo, a cara da nação. Tem de responder a alguma necessidade ou aspiração
coletiva, refletir algum tipo de personalidade ou de comportamento que corresponda
a um modelo coletivamente valorizado.322

317
Coronel Antonio Sérgio Dias Vieira da Fontoura nasceu no Pará, em 17 agosto de 1864. Ingressou na
carreira militar por ato do governador estadual, em 1890. Como capitão, comandou a 3 a Companhia do
então Corpo Provisório de Linha. Em dezembro de 1893 foi graduado ao posto de major, sendo efetivado
em janeiro de 1894. Por decreto do presidente da República, de 9 de outubro de 1894, em atenção aos
relevantes serviços prestados à República durante a revolta da armada de 1893, foram-lhe concedidas as
honras do posto de major do Exército. Promovido a tenente-coronel em 23 de setembro de 1895, foi
designado para comandar o 2º Corpo de Infantaria do Regimento Militar do Estado, nesse posto seguiu
para Canudos, onde se distinguiu no comando da brigada militar paraense durante o combate de 25 de
setembro de 1897. Foi agraciado com a medalha de bravura alusiva a esse combate, oferecida pela colônia
paraense radicada na Bahia, de acordo com a Ordem do Dia n º 87, de 14 de março de 1898, do Comando
Geral do Regimento Militar. Em 9 de outubro de 1900 foi promovido ao posto de coronel, em seguida
passou a comandar o Regimento Militar do Estado, durante o governo do Dr. Augusto Mo ntenegro. Nesse
comando, revelou-se rígido, disciplinador, tendo dado à milícia estadual modelar e eficiente organização.
Ver: MORAES REGO, Orlando Luciano Martins. Retrospectiva histórica da Polícia Militar do Estado do
Pará. 1822-1930. Belém: Falangola, 1981. p.142.
318
Decreto nº 3.574, de 25 de setembro de 1940. Fontoura - Patrono da Polícia Militar do Pará.
319
FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Revista Territórios e
Fronteiras, Cuiabá, v. 6, n.1, jan-jun, 2013a. p.230.
320
O termo ―Revolta de Canudos‖ é utilizado por Mary Del Priore (2010) e ―Guerra de Canudos‖ adotado por
Farias (2013) e Francisco Machado (2012), podendo variar conforme o autor.
321
Em 1893, em uma velha fazenda no interior baiano, Antônio Conselheiro criou uma comunidade
denominada de Belo Monte, aonde chegou a reunir 25 mil seguidores. Naquele mesmo ano de criação
da comunidade de Canudos, deu-se início aos conflitos entre Antônio Conselheiro e os poderes
republicanos. Conselheiro foi acusado de conspiração e de ser braço armado dos monarquistas no sertão.
A comunidade de Belo Monte passou a sofrer perseguição e após várias incursões e campanhas milit ares
foi finalmente derrotada em 1897 pela força policial comandada por Antonio Sergio Dias Vieira da
Fontoura. DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Planeta
do Brasil, 2010, p. 225-226.
322
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil. 2ª ed. São
Paulo: Companhia das Letras. 2017.
114

Segundo Gaia Farias 323, a participação da tropa paraense na guerra do sertão, foi
sempre muito explorada pela instituição policial militar, marcada por acontecimentos que
tiveram destaque nas memórias de oficiais participantes no palco das operações, abrindo
um campo para o surgimento de elementos simbólicos que alimentam uma ‗tradição
inventada‘, atribuindo à corporação a imagem de um passado glorioso.

Por ―tradição inventada‖ entende-se um conjunto de práticas, normalmente


reguladas por regras, tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual
ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da
repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao
passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um
passado histórico apropriado.324

Assim, o nome de Fontoura é reverenciado pela sua atuação, como patrono da


corporação militar, em todas as comemorações da PM, na semana alusiva ao dia 25 de
setembro - ―dia da Polícia Militar do Pará‖ e na exaltação de seus feitos heroicos, descritos na
canção da PMPA:

―O teu nome está gravado na história,


E ligado ao de um bravo e grande herói,
Que em Canudos cobriu-se de mil glórias,
Salve Fontoura o precursor da vitória‖325 (grifos nosso)

Para refletir o tipo de personalidade e comportamento do seu patrono - Fontoura,


como um modelo coletivamente valorizado, o coronel Francisco Machado, decano na
corporação, o descreve em seu livro: ―ele fora o símbolo da disciplina militar do Regimento e
da garantia da população paraense: Porte marcial, atitudes firmes, império de si mesmo de
ardente civismo‖326, era de ―impecável aparência com que se trajava, bem como de espírito
sempre alegre, sorridente e jovial [...]possuidor de um ‗papo‘ imperdível,‖327 sendo do
conhecimento de poucos, que na intimidade, tocava cavaquinho.
De fato, como a promoção da figura de herói não se faz no vazio social, o culto à
memória de Fontoura se revela com um simbolismo muito forte na corporação, tanto que ao
entrar no Comando Geral da instituição328, visualiza-se a placa com os dizeres ― Bem-vindo à
Corporação de Fontoura‖.

323
Sobre a atuação da corporação, ver: FARIAS, Op. cit., p. 231.
324
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1984. p. 9.
325
Terceira estrofe da Canção da Policia Militar do Pará. Letra de José Resende Filho e Música do Capitão
Musico Manuel Berlarmino da Costa.
326
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.164.
327
Idem MACHADO, p.166.
328
Refiro ao Quartel do Comando Geral no Complexo da Policia Militar do Pará, na Av. Dr. Freitas esquina com
a Av. Almirante Barroso, onde anteriormente havia sido a sede do Parque de Material Aeronáutico de Belém
115

Logo em seguida, ao se adentrar um pouco mais, no principal pavilhão que dá acesso


as escadarias para o gabinete do Comandante-Geral, imediatamente o visitante visualiza em
destaque, um suntuoso pedestal sobre o qual está colocado o busto ‗dourado‘ de Fontoura
(Figura 7).

Figura 7 - Busto do Coronel Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura – Patrono da PMPA.

Fonte: Fotografia de Djanara Introvini,


captada no comando geral da Polícia Militar do Pará.

Símbolo de disciplina militar e civismo, Fontoura era um oficial que exercia sua
liderança, infundindo confiança, respeito, veneração dentre os componentes de sua tropa, e
pronunciava profunda análise sobre a sociedade civil, pares e subordinados:

Oficiais não são servos, praças não são lacaios, todos são amigos e companheiros,
na exatidão dos deveres militares; civis são compatriotas a serviço da grandeza da
Pátria.329

Assim, quando o comandante Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura, faleceu aos ―60
anos de idade, vitimado de aneurisma da aorta, mal que há longo tempo o afligia‖330, em 24
de fevereiro de 1923, o Boletim Geral da Polícia Militar do Pará, publicou no dia seguinte, o
elogioso registro a seu respeito, enaltecendo seu desempenho e seus feitos:

–PAMA. Uma edificação de estilo neoclássico, concebida na forma da aeronave 14 BIS, em homenagem a
Alberto Santos Dumont, patrono da Força Aérea Brasileira, adquirido para a PMPA no comando do Coronel
João Paulo Vieira da Silva. Informações com mais detalhes, registrei no 1º capitulo desta tese.
329
Idem. MACHADO, Francisco Ribeiro. p.164.
330
Registro fúnebre- Jornal A Folha do Norte, 27 de fevereiro de 1923.
116

Excedeu-se pelas suas altas qualidades de soldado à caveira comum aos que seguem
a carreira das armas. Entrando nela jovem, prestou-lhe notáveis serviços e dela só se
afastou quando a doença tolheu sua ação. Em Canudos à frente da nossa Polícia
Militar, demonstrou, em rasgos de indômita bravura e notável desprendimento, que
não tinha perecido com Gurjão em Itororó331 o valor guerreiro dos filhos do Pará, e
conclui dando-o como exemplo à milícia paraense‖.332

Em razão do simbolismo em torno à memória de Fontoura, seus restos mortais encontram-


se no ‗Mausoléu dos heróis‘333, na alameda nobre do cemitério de Santa Isabel, onde se observa
as colunas com os brasões da PMPA esculpidos nas pedras, na lápide e na coluna central do
túmulo, reafirmando para a Corporação, pelo culto à sua memória, o valor do seu heroísmo
(Figura 8).

Figura 8 - ‗Mausoléu dos heróis‘ - Túmulo do Coronel Fontoura – Cemitério Santa Isabel

Fonte: Cemitério Santa Isabel, Belém-PA- Site da PMPA334.

331
General Hilário Maximiano Antunes Gurjão, foi um militar paraense, herói da batalha pela ponte de Itororó,
na Guerra do Paraguai, homenageado pela Lei Estadual nº 615, de 2 de setembro de 1870, com o monumento
localizado no Centro Comercial de Belém. Disponível em: http://www.forumlandi.ufpa.br/biblioteca-
digital/foto/monumento-ao-general-gurjao. Acesso em: 21 jan, 2018.
332
Idem. MACHADO. p.164.
333
O Mausoléu por se tratar de uma sepultura suntuosa, onde os mortos dos séculos passados, eram sepultados,
traduz-se segundo o pesquisador e arqueólogo do Museu Emílio Goeldi – Fernando Marques, como uma
forma de ―indicar diferenças sociais‖. O tamanho da construção dos mausoléus era uma forma de
demonstração de quem era provido de posses, em relação às sepulturas dos demais, por exemplo, a dos
escravos. www.museugoeldi.br.
334
PM realiza homenagem póstuma ao patrono Coronel Fontoura. Disponível em: http://www.pm.pa.gov.br/
index.php/artigos-menu/153-pm-realiza-homenagem-postuma-ao-patrono-coronel-fontoura.html. Acesso em: 18
dez., 2017.
117

O Tumulo de Fontoura no ‗Mausoléu dos heróis‘, em minha análise, está inserido, na


categoria descrita por Pierre Nora, no seu clássico texto ‗Entre memória e história – a
problemática dos lugares‘335 como um ‗lugar de memória‘, no qual o passado torna-se evocado.

De acordo com Pierre Nora, para subsistir os ‗lugares de memória‘ é preciso criar
arquivos, organizar celebrações, manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar
atas‖336, assim, as lembranças tornam-se preservadas, uma vez que não há memória espontânea, e
que tais operações não são naturais.

É desta forma que, a memória de Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura, em seu
túmulo, torna-se parte da ritualização que se processa em um espaço físico, um ―lugar de
memória‖, numa espécie de âncora, na formação; um tipo de memória coletiva e institucional, que
possibilita ao indivíduo juntar-se, por intermédio do processo de identificação.

Para dar permanente destaque ao nome de Fontoura, corroborando não somente


com a ‗tradição inventada‘, no que tange à memória de 25 de setembro, data celebrada
como o dia da conquista da tropa paraense na luta contra os sertanejos, a Polícia Militar
do Pará presta homenagem junto ao tumulo do seu patrono e à data da efeméride, como
um ―lugar de memória‖, realizando diversos eventos comemorativos anualmente, no mês
de setembro, com duração geralmente de duas semanas, aberta ao público e com entrada
franca, incluindo: Exposição nos shoppings da Região Metropolitana de Belém, corrida de
rua, passeio ciclístico, prova hípica, cerimônia de homenagem no túmulo de Fontoura 337,
concessão da medalha Coronel Fontoura 338, torneio de tiro, apresentação da banda
sinfônica militar, entre outros eventos que culminam com promoções de praças e oficiais e
o apoteótico desfile militar de 25 de setembro. Todas as celebrações realizadas nesse

335
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP.
n° 10, 1993.
336
Idem. NORA, Pierre.
337
A cerimônia de homenagem póstuma ao patrono da Corporação, ocorre tradicionalmente junto ao seu
túmulo no Cemitério Santa Izabel, no bairro do Guamá em Belém-Pa, na semana alusiva as comemorações
de aniversário da PMPA no mês de setembro e relembra a vitória na Guerra de Canudos, quando o Coronel
Fontoura comandou as tropas da Corporação. Na homenagem, em reverência à memória de Fontoura –
como um ‗lugar de memória‘ e dos demais policiais que morreram no cumprimento do dever, se fazem
presentes, policiais militares de diversas unidades e representantes das Forças Armadas. PMPA. ‗PM
realiza homenagem póstuma ao patrono Coronel Fontoura‟. Disponível
em:http://www.pm.pa.gov.br/index.php/artigos-menu/153-pm-realiza-homenagem-postuma-ao-patrono-
coronel-fontoura.html> Acesso em: 30 out 2017.
338
A medalha da ‗Ordem do mérito Policial militar Coronel Fontoura‘ é concedida aos policiais militares,
instituições civis e militares, cidadãos nacionais ou estrangeiros que tenham prestado notáveis serviços ao
estado do Pará, à Polícia militar e ao país, ou seja, que se hajam distinguido no desempenho de suas missões.
Decreto nº 986, de 17 de setembro de 1980.
118

período pela instituição militar, remetem ao nome e dão ênfase honrosa, ao heroísmo de
Fontoura.

O historiador William Gaia Farias, ao analisar o funcionamento das instituições militares,


considera que os elementos simbólicos como heróis, honrarias, prêmios e datas, constituem-se
como ‗guias das tropas‘, fortalecendo o espirito de corpo, fomentando sentimentos de pertença, de
identidade como elementos de convergência que sustentam os brios das unidades militares e, por
conseguinte, da corporação339.

Neste sentido, ao esquadrinhar amiúde esses vários elementos que foram reunidos
pela corporação policial militar do Pará, ao longo do tempo, em torno da pessoa do
coronel Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura e que o constituíram como patrono
institucional, compreendo que isso se estabelece como mais uma forma de cultivar as
tradições no âmbito da corporação e de promover um tipo de memória coletiva e
institucional.

Igualmente, preservando a memória coletiva e institucional, a Polícia Militar do Pará,


efetivou a instalação da Academia de Policia Militar, por intermédio do Curso Intensivo
de Formação de Oficiais, unidade escolar essa, para a qual foi lhe atribuído também o
nome do Patrono institucional -Coronel Fontoura.

2.2 AS DUAS PRIMEIRAS TURMAS DO CURSO


INTENSIVO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS

2.2.1 A Primeira Turma do CIFO

Embora a Academia ‗Coronel Fontoura‘ tenha sido criada em 20 de abril de 1990, a


implantação efetiva da unidade de ensino ocorreu somente no ano seguinte, quando iniciou
o primeiro Curso Intensivo de Formação de Oficiais (CIFO) na PMPA, em fevereiro de
1991. Foram admitidos naquela primeira turma exclusivamente oficiais do sexo masculino,
e todos provenientes do Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva ou do Centro de

339
FARIAS William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Revista Territórios e
Fronteiras. Cuiabá, v. 06, n.1, jan-jun, 2013a. p.232
119

Preparação de Oficiais da Reserva do Exército brasileiro, aprovados e classificados no


concurso público promovido pela PMPA. 340

Historicamente, de 1950 até o final da década de 1980, outros oficiais já haviam


ingressado na PMPA favorecidos pelo Decreto Federal nº 667/1969, como abordado no
primeiro capítulo. Entretanto, nem sempre os candidatos anteriores eram submetidos à
seleção, alguns portavam apenas um documento com indicação de seu antigo comandante
imediato ou uma declaração do Exército para a sua admissão na PM, além de não realizar o
curso de formação, e sim, apenas os cursos de ‗adaptação‘ no Centro de Formação e
Aperfeiçoamento de Praças, em Outeiro, cujo o objetivo era o de assimilar o conteúdo da
operacionalidade policial militar.

A partir da criação da APM surgiu a pretensão de considerarem-na como a


“Universidade de Segurança Pública da Amazônia” 341 porque a unidade de ensino fora
criada com a finalidade de agregar as unidades federativas que compunham a Amazônia
legal, e seus alunos – futuros oficiais – estariam sendo convocados a atuar na grande área do
planeta, substancialmente plural, chamada Amazônia, cobiçada pelo capital estrangeiro.

Posto isso, necessariamente foram propaladas mudanças: a formação da oficialidade


seria em nível de 3º grau; as disciplinas teriam carga horária equivalente aos outros cursos
de graduação, os professores seriam titulados e os candidatos deveriam ser submetidos a uma
seleção semelhante ao exame do vestibular. Destaco que, a característica essencial daquela
―universidade‖ era eminentemente, a formação de policiais militares.

Por ser composta exclusivamente de oficiais R2, a turma obteve a prerrogativa de


receber tratamento diferenciado: os alunos estariam em condição sui generis, pois não
seriam considerados propriamente ‗cadetes‘ 342, devido ao posto de oficial da reserva
originário das Forças Armadas; realizariam o curso para fins de estágio probatório 343, e
seriam reconhecidos como ‗aspirantes a oficial‘. Pesava-lhes o fato de já terem vivenciado
no Exército, não somente a condição de aluno, como também alcançado promoções,
postos e funções de oficiais.

340
PMPA. Boletim Geral nº 037, de 26 de fevereiro de 1991
341
O slogan da APM Coronel Fontoura como “Universidade de Segurança Pública da Amazônia‖ foi publicado
em letras garrafais, como título de um artigo da jornalista civil Sandra Marina Martins, publicado no Jornal
da Polícia Militar do Pará, 25/09/1992, p.5, em seu Caderno Especial “Segurança e Dinamismo”.
342
O termo cadete já foi explorado no capítulo 1.
343
PMPA. Boletim Geral nº 037, de 26 de fevereiro de 1991. Ingresso de aspirantes a oficial para fins de estágio
probatório, baseado no Diário Oficial do Estado nº 26.831, de 25.10.1990
120

Destarte, pelo Decreto nº 071/91344 ficou estabelecido que aqueles oficiais R2 seriam
admitidos no Quadro de oficiais policiais militares da PMPA, como aspirantes a oficial345, e
também que quando concluíssem o estágio seriam promovidos imediatamente, ao posto de 2º
Tenente do Quadro de Oficiais Policiais Militares combatentes.

Entretanto, Emilio que cursou o 1º CIFO, esclarece que embora o Decreto nº 071 não
permitisse que retrocedessem à condição de aluno, percebia que eram tratados como cadetes:

[...] a minha turma de oficiais R2 teve entrada na PM de modo diferente. Tivemos


que nos adaptar às Constituições Federal e Estadual, que estabeleciam que era
obrigatória a realização de concurso público para a entrada no oficialato. [...]
Havia uma pequena quantidade de oficiais nessa época na PM, então, o nosso
curso foi a forma legal que a instituição encontrou de ter uma formação rápida,
feita aqui no Pará, o que de certa forma deu um alívio nessa questão do ‗claro‘ 346
existente na instituição. [...] Mas, nós somos considerados ‗híbridos‘: eramos
oficiais vindos do EB, entramos como aspirantes e fizemos o curso na condição de
cadete. Como se fossemos 3 em 1. (risos). (Emílio, Aspirante a Oficial, 1991).

Percebe-se que como aqueles aspirantes a oficiais já não eram mais neófitos,
inexperientes no tocante à vida militar, o curso de formação foi planejado de modo
diferenciado para aquela primeira turma, tendo inclusive a duração de apenas dezoito
meses347, em regime intensivo, cujo o objetivo seria o aprendizado técnico e tático da
operacionalidade policial militar.

E, alguns conteúdos das disciplinas e práticas que costumeiramente eram executadas


nos cursos regulares de outras Academias no Brasil, dado a exiguidade do tempo, foram
suprimidos na APM Fontoura. Assim, o curso reuniu o conhecimento de infantaria do
Exército brasileiro, diversos conteúdos sobre a atividade militar de combate em terra; as
relações interpessoais, tendo sido adicionadas à grade curricular da Academia Cel. Fontoura
disciplinas que agregavam conteúdo operacional policial militar e as disciplinas de cunho
jurídico, social e humanístico, com carga horária ajustada, vislumbrando formatá-lo em curso
de nível superior.

344
PMPA. Decreto nº 071/91, em seus Art. 1º e Art. 2º. de 21 de fevereiro de 1991.
345
Em situação regular, somente quando o cadete conclui com aproveitamento, o último ano letivo do curso do
CFO, que passa a ser declarado Aspirante-a-oficial. No caso da turma pioneira de R2, a condição sui generis
adotada proporcionou-lhes diferença não somente no tratamento como alunos, como também na promoção
imediata concedida ao posto de 2º Tenente. Uma das condições para as promoções é o interstício – período
mínimo de serviço, em cada posto (posição). No caso em questão, devido aos conhecimentos e a experiência
na função do Exercício, a obrigatoriedade do interstício foi negligenciada.
346
O termo ‗claro‘ refere-se ao caso de insuficiência de oficiais à época ou seja, havia um claro de vagas a serem
ocupadas por oficiais.
347
O primeiro CIFO transcorreu de16 de janeiro de 1991 a 26 de junho de 1992.
121

Destaco que no Exército brasileiro há uma gama de especializações desempenhadas


por seus integrantes, abrangendo os mais diversos campos de atuação e atividades que, na
maioria dos casos, são essas especializações que definem as suas carreiras.

A divisão dessas especializações no Exército é definida pela ―arma‖, pelo ―quadro‖ ou


serviço que o militar pertence. As Armas referem-se ao militar combatente que desenvolve a
atividade-fim da profissão, dividindo-se em dois grupos: Armas-Base, que são ‗Infantaria e
Cavalaria‘; e Armas de Apoio ao Combate, denominadas de ‗Artilharia, Engenharia e
Comunicações‘.

A Infantaria define o combatente a pé, aquele que pode deslocar-se por qualquer
tipo de região e que conquista, ocupa e mantém o terreno, em operações ofensivas e
defensivas; pela variedade de missões o infante também tem suas especializações,
tais como: de selva, blindado, de montanha, paraquedista, Polícia do Exército e
muitas outras [...] e a Cavalaria, proporciona segurança às demais formações em
combate por seus próprios meios; seja blindada ou mecanizada mantém nos seus
atuais veículos as capacidades das tradicionais formações hipomóveis (a cavalo)348.

Esses antigos alunos R2 no Exército e aspirantes a oficial no CIFO/PMPA tinham


incorporados os ritos e doutrinas daquela instituição. Estavam habituados ao uso do uniforme,
a obedecer e a comandar ordenamentos, ao tratamento militar e a seguir os princípios
basilares das instituições militares: ‗hierarquia‘ e ‗disciplina‘, em razão disso, tiveram seus
conhecimentos revalidados no âmbito da PMPA.

No primeiro Curso Intensivo de Formação de Oficiais (CIFO), ingressaram 60 alunos


exclusivamente do sexo masculino, sendo 40 do estado do Pará, 15 do Amazonas e 05 do
Piauí, divididos em dois pelotões denominados Alfa e Bravo (Tabela 5). Cada pelotão
composto de trinta alunos, sendo seus respectivos comandantes os tenentes Dourado e Costa
Junior349.

Tabela 5 - Quantitativo da Primeira Turma do CIFO - 1991/1992.

Estados 1º CIFO
Pará 40
Amazonas 15
Piauí 05
Total 60

Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base


nos registros da divisão de ensino da APM.

348
Exército Brasileiro. Armas, quadros e serviços. Disponível em: <http://www.eb.mil.br/armas-quadros-e-
servicos> Acesso em: 25 abr., 2017.
349
Dados obtidos com o entrevistado Osmar Vieira da Costa Junior, integrante da primeira equipe técnica da APM.
122

Esses 60 candidatos a oficiais tinham vivenciado as mais diferentes experiências,


ainda na condição de oficiais R2, em distintas localidades no Pará, no Brasil ou no exterior.
Uns haviam deixado o Exército como aspirantes, outros na condição de 2º Tenentes e outros
já chegando ao posto de 1º Tenente. Essa diversidade de experiências, lhes possibilitava uma
compreensão também diversificada em âmbito militar ou sobre a vida na caserna, como relata
Osmar Nascimento:

A Polícia Militar entra na minha vida em 1990, quando eu servia no Quartel General
da 8ª Região Militar, na Companhia de Comando e Serviço da região, e o chefe do
Estado Maior, coronel Duailibe me chamou para falar sobre meu futuro, eu já era 1º
Tenente no Exército, e me disse que a Polícia Militar iria promover um concurso para
a primeira turma de oficial da Academia Coronel Fontoura. O coronel Duailibe me
incentivou a não desperdiçar a oportunidade, ele percebia em mim o perfil como
militar, e ele era uma das pessoas que me inspiravam pelo seu caráter, inteligência e
visão estratégica. Aceitei os seus conselhos, me inscrevi no concurso, inclusive foi o
próprio coronel Duailibe que assinou meu atestado de honorabilidade. Fui aprovado, e
no ano seguinte trocava o verde oliva do Exército, pelo azul petróleo da PM, sem
mesmo entender ao certo a diferença de um militar das Forças Armadas de um oficial
da segurança pública. (Osmar Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991).

Outro sujeito entrevistado nesta tese, é Walter Cruz, um dos quinze alunos R2
oriundos do Amazonas que se formou naquela primeira turma do CIFO. Embora o
interlocutor resida em Manaus(AM), consegui entrevistá-lo, por ocasião de sua vinda ao
Pará, participar de uma solenidade350, com a finalidade de ser condecorado com a medalha
coronel Fontoura351por relevantes serviços prestados.

Walter Cruz rememorou a sua admissão em 1991, na primeira turma do curso


intensivo de formação ao oficialato. Mencionou que por ser do estado do Amazonas não teve
dificuldades para adaptar-se no Pará, principalmente pela similaridade climática, como
também não sentiu dificuldades na caserna, porque trazia a experiência de quem havia servido
ao Exército brasileiro, tendo lá chegado ao posto de Segundo Tenente:

Entrei na carreira militar em 1987, pelo Exército do Amazonas, lá cheguei até o


posto 2º Tenente. Ao sair de lá, tive a oportunidade em 1991, de ingressar na
‗Coronel Fontoura‘. Nós éramos 15 oficiais do estado do Amazonas, fazendo o
curso intensivo no Pará. [...] Na minha família não havia nenhum militar. Minha

350
A solenidade que o coronel Walter Cruz foi homenageado transcorreu no dia 25 de setembro de 2017 pela
manhã, e realizei a entrevista à noite, como havíamos agendado.
351
Conforme o Decreto n° 986, de 17 de setembro de 1980, a Medalha da Ordem do Mérito Policial militar Cel.
Fontoura é concedida pelo Governador do Estado aos policiais militares que tenham prestado notáveis
serviços ao Estado do Pará, em outras Polícias Militares e ao País, ou que tenha se destacado no desempenho
de missões de caráter policial militar ou de segurança. Geralmente tal condecoração é realizada por ocasião
do aniversário da Polícia Militar do Pará, em 25 de setembro.
123

mãe era funcionária pública e meu pai tinha nível superior. Eles esperavam que eu
seguisse carreira militar. (Walter Cruz, Aspirante a Oficial, 1991)

[...] Na APM, não senti dificuldade de adaptação, a formação no Exército me ajudou


muito. Na verdade, percebi já no EB que eu tinha facilidade com a vida militar, essa
foi uma das razões que me fez dar continuidade à carreira. Eu gostei da experiência.
[...] e passado esses anos todos, olho pra trás, quantas conquistas, me encontro no
último posto da carreira e já tendo chegado como subcomandante-geral no
Amazonas, isso só me confirma que deu tudo certo. (Walter Cruz, Aspirante a
Oficial, 1991)

As recordações do amazonense Walter Cruz remetem ao tempo de sua permanência


na Academia do Pará. Relembra que inicialmente, logo que chegou, ainda não tinha onde
morar, então utilizou um alojamento de oficiais, no anexo do Batalhão de Trânsito352 em
Belém, mas depois de ter se ambientado, percebeu a necessidade de mudar de local, optou
por mudar-se para um hotel. Contudo, relembra que no dia a dia com os colegas de turma
estabeleceu amizades que compreende serem sinceras que, inclusive, mesmo havendo
decorrido quase três décadas, continuam mantendo os contatos, perdurando a amizade, o
que o fez voltar ao Pará, outras vezes, como também pode receber alguns desses amigos no
seu estado de origem. Isso lhes favoreceu na continuidade do relacionamento da turma.

2.2.2 A Segunda Turma do CIFO

Em 1992, quando a primeira turma ainda estava realizando o CIFO, houve um novo
concurso para a Academia Coronel Fontoura, ocasião em que se deu a entrada da segunda e
terceira turmas.

A segunda turma também era exclusivamente masculina, composta de oficiais da reserva


não remunerada, oriundos dos estados do Amazonas, Acre, Roraima, Maranhão e Pará. Tal como
no primeiro curso foi programada uma formação intensiva para a segunda turma, repetindo-se a
mesma duração: de dezoito meses.

A grande diferença dessa turma, para a primeira, deve-se de modo ímpar ao que ainda
não havia acontecido, com a abertura de vagas para candidatos, oriundos da oficialidade da
‗Marinha Mercante‘, e conjuntamente para oficiais R2 do Exército. Os oficiais provenientes

352
O Batalhão de Polícia de Transito – BPTRAN era localizado na Av. Alcindo Cacela esquina com a Trav.
Fernando Guilhon, no bairro da Cremação.
124

da Marinha Mercante eram reconhecidos na forma da legislação, por meio da Carta-Patente353


como oficiais no posto de segundo tenente da reserva não remunerada da Marinha do Brasil.
A Carta-Patente era, portanto, o documento que lhes dava a prerrogativa de se candidatarem
ao 2º Curso Intensivo de Formação de Oficiais da PMPA.

Na seleção da segunda turma do CIFO, foram admitidos o total de 69 aspirantes a


oficiais e, desse quantitativo, 14 oficiais eram oriundos da Marinha Mercante. Realizei
entrevista com três deles: Dagoberto Duarte, Romualdo Marinho e Ronaldo Seabra.

Nossa turma do 2ª CIFO era grande e também era mista, porque foi permitido
oficiais reservistas tanto do Exército, quanto da Marinha. Quando um de nós da
Marinha Mercante, soube do edital, falou para o outro, e pra o outro, resultado foi
que um monte de nós concorreu. Tivemos essa possibilidade por causa da formação
no curso no CIABA. Nós recebíamos a ―carta patente‖ de reserva não remunerada
da Marinha do Brasil e com isso podíamos realizar o concurso. Nós éramos um
grupo grande da Marinha Mercante, mas foram aprovados apenas quatorze. No
concurso da PM, a minha classificação foi de 3º lugar. (Duarte, Aspirante a Oficial,
1992).

No Brasil, a Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (EFOMM) é


desenvolvida por meio de dois únicos centros de formação de oficiais mercantes: O Centro de
Instrução Almirante Graça Aranha (CIAGA)354, no Rio de Janeiro; e o Centro de Instrução
Almirante Braz de Aguiar (CIABA)355, no Pará, ambos são administrados pela Marinha do

353 Na linguagem militar, trata-se de um documento individual, para cada oficial das Forças Armadas, no qual são
definidos a sua situação hierárquica e o corpo ou quadro a que pertence, a fim de fazer prova dos direitos e
deveres assegurados por lei ao possuidor. https://www.jusbrasil.com.br/topicos/295529/carta-patente.
354
A Escola de Marinha Mercante do Lloyd Brasileiro, foi criada em 1939 pelo Decreto-Lei nº 1766, de 10 de
novembro de 1939, localiza-se no Rio de Janeiro, no centro da cidade, funcionava em um dos andares das
instalações do Lloyd Brasileiro e tinha como extensão de suas dependências, o Navio-Escola ―Alegrete‖, um
cargueiro em tráfego normal, adaptado com salas de aula, cujo primeiro diretor foi o Almirante Graça Aranha,
que em 1971 emprestou seu nome ao Centro de Instrução Almirante Graça Aranha. O CIAGA é considerado
como a Universidade do Mar, que foi reestruturado pelo Decreto nº 68.042, 12 de janeiro de 1971,
transformando-se em um dos mais modernos centros de Ensino Profissional Marítimo do mundo, com apoio da
Organização Marítima Internacional. Recebe todas as categorias de tripulação, com propósitos mercantes para
realizar ensino técnico profissional e complementar, tendo capacidade para receber 600 alunos em regime de
internato. Disponível https://www.marinha.mil.br/ciaga/ Acesso em: 13 dez 2017.
355
A história do Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar (CIABA), passa de cem anos. Remonta ao Curso
de Maquinista e ao Curso de Náutica, criados em 1892, pelo então presidente Marechal Floriano Peixoto. A
primeira sede do Centro foi instalada em uma sala do prédio da antiga Inspetoria do Arsenal de Marinha,
onde outrora havia o Convento de São Boaventura, dos Religiosos da Conceição do Beira de Minhos, e
atualmente encontra-se o Comando do 4º Distrito Naval. Em 1907, surgiu a Escola de Marinha Mercante do
Pará (EMMPA), onde foram implantados novos cursos: Comissários e de Radiotelegrafistas, Fluviários,
Pilotos, Maquinistas. Em 16 de janeiro de 1973, pelo Decreto nº 71.718, a EMMPA foi transformada no
Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar, por sugestão do historiador paraense Augusto Meira Filho. O
nome do Centro é uma homenagem ao "Almirante Braz Dias de Aguiar", que participou de atividades
hidrográficas no Rio Amazonas e ao longo do litoral brasileiro, instalou e determinou as coordenadas
geográficas de estações termo-pluviométricas e por sua atuação destacada nas atividades hidrográficas.
Disponível em: https://www.marinha.mil.br/ciaba/historico. Acesso em: 13 dez., 2017.
125

Brasil e auxiliados financeiramente pela Internacional Maritime Organization (IMO), órgão


vinculado à Organização das Nações Unidas.

Após a conclusão do curso na EFOMM, os formandos são declarados Bacharéis em


Ciências Náuticas e saem na condição de 2º oficial de náutica. Pontuam ainda os cursos de
aperfeiçoamento realizados e a comprovação do período embarcado na Caderneta de
Inscrição e Registro. Assim, podem ascender na carreira profissional até quatro categorias
(postos): iniciando como 2º oficial, ascende ao posto de 1º oficial, seguido ao posto de
‗Capitão de Cabotagem e alcança o último posto de ‗Capitão de Longo Curso‘, a maior
autoridade no navio. O oficial de máquinas pode ascender na carreira, mas lhe era
possibilitado apenas até três categorias: 2º oficial, 1º oficial e o último posto de ‗oficial
superior de máquinas‘356.

Naquela época, para os alunos oficiais que cursavam ‗náutica‘ na EFOMM, o curso
tinha a duração de três anos de atividades escolares e dois semestres de estágio embarcado em
navios das Companhias de Navegação; para os alunos oficiais de ‗máquinas‘ o curso também
tinha a duração de três anos escolares, mas apenas um semestre de estágio embarcado.

Nas décadas anteriores a 1990, o trabalho do oficial mercante era prioritariamente em


escritórios das grandes empresas de navegação, a maioria localizada no Rio de Janeiro.
Naquela época havia grandes empresas de navegação no mercado, inclusive estatais, como o
caso da centenária ‗Lloyd Brasileiro357, com dezenas de navios358; a Frota Nacional de
Petroleiros (FRONAPE), com 60 embarcações; a Docenave (Vale do Rio Doce), com 15
navios e outras frotas de natureza privada.

Os alunos oficiais mercantes do CIABA/Pará, enquanto aguardam o estágio de praticagem


no Rio de Janeiro, geralmente ficavam hospedados nos alojamentos do CIAGA, porque o
chamamento para o embarque era em conformidade com o desempenho no período da escola de
formação, assim como a liberação do estágio de praticagem seguia a ordem de classificação geral
do mais antigo ao mais recente; até mesmo os oficiais já formados que aguardavam contratos de

356
Dados obtidos na entrevista com Danielson da Silva Monteiro, Capitão de Longo Curso da Marinha Mercante.
357
A Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro era uma empresa estatal de navegação, fundada em 19 de
fevereiro de 1894, pela incorporação ou encampação de diversas empresas de navegação. A empresa passou a
ter seu patrimônio leiloado e levado a arresto pelo presidente Fernando Collor de Melo, em 1990, e foi extinta
em outubro de 1997, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, com o Plano Nacional de
Desestatização, devido à crescente dívida que redundou em apreensão judicial de seus navios. SANTOS, Sílvio
dos. A Navegação no Brasil de 1960 até a extinção o Lloyd Brasileiro em 1997. Disponível em:
https://portogente.com.br/colunistas/silvio-dos-santos/87462-navegacao-no-brasil-de-1960-ate-a-extincao-do-
lloyd-brasileiro. Acesso em: 21 jan. 2018.
358
A história da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, revela que a estatal se tornou a maior companhia de
navegação do Brasil, tendo operado mais de 350 navios, é apresentada no livro de ROSSINI, José Carlos.
‗Bandeiras nos Oceanos: a história da centenária armadora‟. (1890-1997).
126

emprego, ocasionalmente lhes permitiam que se hospedassem no CIAGA, como refere Ronaldo
Seabra em sua entrevista:

[...] eu mesmo fiquei muito tempo hospedado nas instalações do CIAGA no Rio de
Janeiro, e como eu, tinham outros, esperando por oportunidade, e não aparecia nada.
O mercado estava fraco para novos contratos. (Seabra, Aspirante a Oficial, 1992).

O aprendizado para o exercício profissional de oficiais do CIABA era vasto, incluindo


gestão náutica, praticagem, farolagem, balizamento, sinalizações costeiras, cálculos da posição do
navio, carta náutica, carregamento/descarregamento, atracação/desatracação, etc.; no caso do
oficial de máquinas, encarregado dos motores, caldeiras, sistema elétrico, bombas, tanques de
água, dos fluidos de consumo permanente nos navios: óleo combustível, óleo lubrificante, entre
outros tantos serviços, esse aprendizado diferia significativamente do que passariam a assimilar
para a atuação na PMPA, cuja operacionalidade, em geral, era terrestre e urbana.
Entretanto, mesmo que a formação anterior fosse distinta quanto ao conteúdo
operacional marítimo, segundo as suas narrativas, os entrevistados não estranharam a
ambientação da caserna, visto que na EFOMM, os ritos, doutrinação e legislação eram
semelhantes aos das Escolas do Exército, os quais, por sua vez, também eram aplicados na
Academia Coronel Fontoura, como se depreende no trecho da entrevista do oficial mercante
Duarte:

Não encontrei dificuldades. As instruções eram muito parecidas. A diferença básica


eram as disciplinas específicas, voltadas à atuação policial militar, por exemplo:
técnica policial e abordagem tática policial militar. A parte das disciplinas militares
era semelhante, inclusive as cobranças com a apresentação pessoal. No nosso caso
do fardamento da Marinha para a PM, a diferença foi somente a cor. [...] porque lá,
éramos cobrados dos mesmos cuidados: sapato engraxado, fivela, uniforme limpo e
bem passado, com vincos etc. A nossa apresentação na Marinha tinha que ser
impecável, e na APM, também. (Duarte, Aspirante a Oficial, 1992).

Entretanto, embora os oficiais da Marinha não tivessem dificuldades de adaptação, não


se poderia subestimar que havia desafios significativos a serem vivenciados por aquelas
turmas de oficiais R2 do Exército e da Marinha. Um dos fatores era a diferença da
remuneração salarial, tanto pelos valores mais baixos, quanto pela demora no pagamento:

Na APM ficamos sem remuneração por vários meses. Eu não senti o impacto
financeiro porque tinha dinheiro depositado, mas para alguns colegas, que inclusive
já haviam constituído família, foi um grande desafio se sustentar naquele período.
Até que finalmente foi gerado nosso contracheque na folha de pagamento do estado.
Mas o valor era bem menor do que estávamos acostumados a receber. (Marinho,
Aspirante a Oficial, 1992).
127

Na época que entrei na APM, o salário do CIFO era muito menor do que o que
eu recebia no Exército. Em números absolutos, o meu último salário no Exército
foi 123.000 (cento e vinte e três mil cruzeiros) à época. E o meu primeiro salário
na Polícia Militar como aspirante na condição de cadete foi 27.000 (vinte e sete
mil cruzeiros) 359 e alguma coisa. Era apenas a fração do meu antigo salário.
Mas, mesmo assim, o que a gente queria ao vir para PM, era a oportunidade de
poder seguir carreira, era ter estabilidade, isso também nos atraía [...] vários
dos que fizeram academia na minha época, tinham terminado o tempo do
Exército e já estavam trabalhando como civis, mas era aquele trabalho aqui e ali,
algo não seguro, que não havia muita perspectiva, então, surgiu a oportunidade
da PM [...] pra gente a carreira militar já não era mais estranha, a gente já tin ha
participado anteriormente, aí, todo mundo meteu a cara porque já tinha um
pouco de experiência [...] o que nos atraiu não foi nem tanto pelo salário, foi a
questão da estabilidade. (Emilio, Aspirante a Oficial, 1991).(grifos nosso)

Na Marinha Mercante, esses oficiais exerciam diversas atividades, e aprenderam sobre


gestão, comandamento, fiscalização, liderança nas guarnições, aprovisionamento, dinâmica
organizacional, burocrática, cuidado com os subordinados, e os princípios da hierarquia e
disciplina, de modo análogo pelo ambiente militar, vivenciaram isso na PM, cuja diferença
fundamental consistia no fato de ser marítimo, conforme a narrativa do oficial Marinho:

Na Marinha eu era gestor de provisão de bordo, tinha 33 homens sob minha


responsabilidade, eu tinha que ter zelo para manter o navio abastecido durante o
período total da viagem, e ainda com previsão de alguma reserva de gêneros, para
além dos dias programados da viagem, para caso acontecesse algum contratempo em
alto mar, não podíamos ficar sem suprimento de rancho ou de água a bordo. Nós
abastecíamos em terra, de todos os gêneros possíveis, variados tipos de carnes,
bebidas e todos os outros gêneros alimentícios que faríamos uso no mar. Às vezes
estragava, frutas e verduras não tem longa duração, mas não poderia era faltar.
(Marinho, Aspirante a Oficial, 1992).

Os três oficiais oriundos da Marinha Mercante entrevistados nesta tese: Duarte,


Marinho e Seabra, demonstram em suas narrativas satisfação no que falavam sobre a
vinculação com a Marinha Mercante. Referiram que do ponto de vista profissional,
identificavam-se com a dinâmica do serviço e da significativa rentabilidade financeira que
aquela Organização proporcionava, além de terem a oportunidade de conhecer diversos países
e receber um bom salário, em dólar:

359
Em janeiro de 1991, o valor do salário mínimo foi reajustado de 8.836,82 cruzeiros, para 12.325,60 cruzeiros.
Matematicamente significa que Emilio recebia no Exército o equivalente a 10 salários mínimos, enquanto na
APM ele passou a receber um pouco mais de dois salários. O reajuste do salário mínimo foi igual à variação
do Índice da Cesta Básica (ICB) em novembro e dezembro, de 39,48%, em 1990. O governo divulgou o
Maior Valor de Referência (MVR), que passaria de 1.579,01 para 1.885,18 cruzeiros, em janeiro [...].
Extraído do Jornal Diário do Pará, em 29 nov. 1990, p. A7.
128

Como oficial de náutica, fazíamos muitas viagens internacionais, viajamos pela Europa,
Canadá, Caribe, Venezuela, Colômbia, etc. (Seabra, Aspirante a Oficial, 1992).

Eu viajei também por vários países, fiquei por exemplo, durante 07 meses no
Canadá, passei 01 ano inteiro embarcado. (Marinho, Aspirante a Oficial, 1992).

Eu gostava da EFOMM/CIABA, era uma preparação profissional exigente, de alto


nível. (Duarte, Aspirante a Oficial, 1992).

Todavia, pelo estilo de vida marítima, embarcados continuamente, às vezes passavam


mais da metade do ano navegando, distantes do convívio familiar, privados de outros atrativos
próprios da juventude, situação que lhes trazia recorrentemente descontentamento e
desmotivação e lhes demoveu da ideia de permanecerem mercantes:

Na Marinha, era muito rentável financeiramente. O que eu recebia de salário, eu


deixava depositado em conta bancária. Embarcado, eu não tinha com o que gastar, e
era tão robusta a minha poupança, que poderia comprar um automóvel à vista. Mas
mesmo ganhando muito bem, ―dei baixa‖ da Marinha. Desisti quando analisei
algumas questões como de ficar muito tempo embarcado, distante da família a vida
toda, como eu via acontecer com alguns amigos meus, que ficavam por um ano sem
acompanhar o crescimento dos filhos, distante da esposa, relacionamento
matrimonial enfraquecia, era somente por telefone... eu pensava: não, isso não é pra
mim. (Marinho, aspirante a oficial 1992).

Eu Gostava da Marinha... a gente ganhava bem; financeiramente compensava.


Acho que nos pagavam bem, para compensar as outras situações (risos) [...]. O
navio era confortável, tínhamos piscina e academia, e quando o navio fundeava
em Abrolhos360 a gente até pescava. Mas eu tinha uma séria dificuldade [...] era
a de ter que ficar afastado de tudo, principalmente das ‗meninas‘ (risos) [...] pra
mim isso era terrível, era muito sacrifício. Pra se ter uma ideia, nós ficávamos
nove meses embarcados, e três meses de férias [...] quando a gente tava
embarcado, tinha a sensação de perder a vida, a juventude. (Seabra,
Aspirante a Oficial, 1992).(grifos nosso)

Nos trechos das narrativas de Seabra e Marinho361, nota-se uma relação conflituosa
que se estabeleceu diante da incompatibilidade de conciliar a profissão com outros aspectos
igualmente importantes da vida. Vivenciavam, assim, uma relação ambivalente. Essa situação
era vivenciada por ambos os informantes, pela sensação de frustração, pelo tempo gasto
embarcados, investindo na atividade profissional.

360
O navio ancorava e ficava fundeado no arquipélago de Abrolhos, a cerca de 70 km da costa da Bahia, formado por
cinco ilhas vulcânicas. Descoberto em 1503 pelo italiano Américo Vespúcio, o referido arquipélago foi assim
nomeado em referência aos sinais de alerta dos navegantes portugueses no século 16: "Quando te aproximares de
terra, abre os olhos". (https://www.feriasbrasil.com.br/ba/caravelas/parquenacionalmarinhodosabrolhos-det.cfm)
361
Por questão de viabilidade, foi possível realizar a entrevista de Romualdo Marinho em conjunto com a do
Ronaldo Seabra, ambos colegas da Marinha Mercante e colegas de turma, no 2º CIFO. Durante a entrevista,
algumas das respostas de um oficial, foram complementadas pelo outro, o que tornou as rememorações
bastante enriquecidas em detalhes, do que vivenciaram juntos.
129

Marinho, em sua narrativa, reporta-se ao prejuízo em relação aos seus vínculos


familiares, devido a sua profissão, sobretudo pela impossibilidade de usufruir no cotidiano
da companhia dos seus entes queridos, por não acompanhar momentos importantes da
vida em família. Já Seabra, o outro informante, expressa a sua queixa no sentido das
privações vivenciadas quando embarcado, da monotonia e do desprazer que aquilo lhe
causava, além do prejuízo em relação às diversões e à vida boêmia que não podia
aproveitar.

Analiso que as características da personalidade dos oficiais entrevistados


influenciavam consideravelmente o modo como percebiam aquele contexto, mas também
pesava desfavoravelmente o fato de que o ingresso da maioria desses oficiais na carreira
mercante estava-se preponderantemente numa faixa etária muito jovem, entre 18 e 21
anos, na efervescente transição da adolescência para a idade adulta, em que as
descobertas, os encantamentos, as percepções diferem das experiências quando se chega a
uma idade mais madura.

Pelas características da personalidade do Seabra362, sua narrativa transcorreu de modo


diferente dos demais, muito espontâneo, na contação de diversos ‗causos‘ experimentados à
época da formação, com expressões recheadas de humor e comicidade, afirmando-me que
viveu tantas histórias que: ―aí, cabe um livro, um best seller‖, referindo-se às suas diversas
experiências e ‗aprontações‘: de namoricos, ‗farras‘, desafios no Rio de Janeiro enquanto
estava à espera de emprego, na hospedagem do CIAGA e a decisão em parar de navegar.

Seabra acrescenta que depois de deixar a Marinha Mercante, contabilizou o dinheiro


que havia poupado durante todo o tempo como oficial de náutica e pôde inclusive abrir uma
loja de materiais de construção, em sociedade com seu pai e com um de seus irmãos, até
candidatar-se ao concurso para o 2º curso intensivo de oficiais da PM.

A conduta humorística demonstrada por Seabra, como metodologia de sua narrativa,


pode ser interpretada à luz da Psicanalise de Sigmund Freud 363, como uma forma
inconsciente, porém saudável, efetiva, de se lidar com o mal-estar, nesse caso, causado pelo
assunto ou pelas reminiscências:

362
Durante a narrativa, Seabra comportou-se de modo despojado e sempre bem-humorado. O próprio
entrevistado se auto-definiu como brincalhão, pouco disciplinado, esclarecendo que no período de sua
formação apresentava comportamento considerado ‗rebarbado‘, e porque levava tudo na esportiva, na
molecagem, às vezes acaba sendo punido.
363
FREUD, Sigmund. O humor [1927]. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1980. v. XXI. p.190.
130

[...] o humor tem algo de liberador a seu respeito, mas possui também qualquer coisa
de grandeza e elevação [...] O ego se recusa a ser afligido pelas provocações da
realidade, a permitir que seja compelido a sofrer. Insiste em que não pode ser
afetado pelos traumas do mundo externo; demonstra, na verdade, que esses traumas
para ele não passam de ocasiões [...] Isso não me preocupa [...] o mundo não vai
acabar por causa disso. (FREUD, 1927, p.190).

Em referência à decisão tomada por Duarte, Marinho, Seabra, de deixarem a


carreira na Marinha Mercante, foi então efetivada à medida que souberam da possibilidade
de aproveitar seus conhecimentos militares obtidos na EFOMM, realizando o concurso
público, destinado aos oficiais da reserva das Forças Armadas. Afora isso, Seabra
esclarece:

Naquela época a coisa tava feia, a navegação no Brasil estava em crise, o


Fernando Collor tinha conseguido fechar empresas fortes com a Lloyd Brasileiro,
e aquelas que estavam resistindo, quase não estavam contratando ninguém [...]. De
modo que todos que faziam a Navegação Mercante sentiam a crise. (Seabra,
Aspirante a Oficial, 1992).

A crise mencionada pelo entrevistado Seabra refere-se ao início do governo do presidente


Fernando Collor, em 1990, quando houve uma crise na área da navegação brasileira, afetando
significativamente a Marinha Mercante Brasileira e as principais frotas estatais: Lloyd brasileiro
(centenária), Frota Nacional de Petroleiros (FRONAPE) e Docenave (Vale do Rio Doce).

Em março de 1990, o governo Collor perpetrou o bloqueio das contas bancárias do


Lloyd Brasileiro que, na véspera, tinha recebido quase cinco milhões de dólares
resultantes do pagamento de fretes no exterior. Por conta do valor, não havia
recursos para pagar as contas da empresa e os salários dos funcionários. O Lloyd
Brasileiro tinha à época 20 navios. Em dezembro de 1990, toda a frota no exterior
encontrava-se arrestada e, em 1991, Collor baixou uma Medida Provisória
liquidando com o Lloyd. A fase de liquidação do Lloyd trouxe demissões e
desempregos a uma centena de funcionários364

Como consequência do arrocho produzido pelo governo Collor, as empresas de


navegação de cabotagem que cobriam a costa do Brasil de Norte a Sul, chegando até os postos
da Argentina e Venezuela, foram extintas, sendo poucas as empresas que resistiram e raras as
que continuaram a atuar em navegação cabotagem ou navegação de longo curso. A
FRONAPE, por exemplo, reduziu sua frota de navios e mudou de nome para TRANSPETRO,
e a frota do Lloyd Brasileiro, que era a maior potência de navegação no Brasil, praticamente

364
SANTOS, Sílvio dos. A Navegação no Brasil de 1960 até a extinção o Lloyd Brasileiro em 1997. Disponível em
https://portogente.com.br/colunistas/silvio-dos-santos/87462-navegacao-no-brasil-de-1960-ate-a-extincao-do-
lloyd-brasileiro. Acesso em: 21 jan. 2018.
131

faliu365. As dificuldades que afetaram a navegação brasileira repercutiram nas escolas de


formação mercante e no surgimento de empregos, prejudicando os alunos oficiais de
máquinas e náutica que buscavam contratos de serviço366.

A partir de 1992, os cursos da EFOMM sofreram alterações curriculares para adequação


às exigências do MEC. Antes disso, os dois Centros – CIABA e CIAGA – formavam oficiais para
atuar como: Oficiais de Máquinas, Oficiais de Náuticas e Oficiais de Radiocomunicação.
Todavia, para atender as recomendações do MEC, o curso de Radiocomunicação foi extinto e os
demais cursos tiveram acréscimo de disciplinas, passando a ter duração de quatro anos367.

Ao longo dos anos de existência da APM/PA, o aproveitamento de oficiais mercantes


foi possível somente nessa segunda turma do Curso Intensivo de Formação de Oficiais, não
havendo registros antes e nem depois.

2.2.3 Forjando uma Identidade Institucional: o grito de guerra,


o emblema, o estandarte e a canção da APM

Estando a APM Coronel Fontoura sediada na região amazônica, a palavra ―Amazônia‖


foi naturalmente apropriada para o ‗grito de guerra‘ dos alunos oficiais da Academia.

Os gritos de guerra, segundo Carla Passos368, são brados usados no preparo e


manutenção do ‗espírito de militar‘ e conferem um sentimento de pertença aos grupamentos
com valores e propósitos institucionais em comum. Nesse caso, conferia também ao pelotão de
alunos oficiais da APM, analogamente ―soldados da Amazônia‖, que bradassem em alto e bom
som a plenos pulmões, cada sílaba da palavra: A-ma-zô-ni-a.

Segundo Naves369, convêm esclarecer que os gritos de guerra são diferentes das
―canções de marcha‖ ou das ―corridas‖ quando o pelotão sai cantando pelas ruas, durante as
atividades de treinamento físico militar. Naves assegura que são dois gêneros inteiramente
diferentes, em pontos cruciais, que funcionalmente, as canções possuem uma linha melódica e

365
Dados obtidos na entrevista com o Danielson da Silva Monteiro - Capitão de Longo Curso da Marinha Mercante.
366
Idem.
367
Idem.
368
PASSOS, Carla Christina. Formação nas escolas militares de ensino superior: sujeito militar flexionado no
feminino e no masculino. IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesas.
Florianópolis, 2016. Disponível em: <www.enabed2016.abedef.org>. Acesso em: 18 nov. 2017.
369
Ver: NAVES, Marcelo João. Um estudo dos gritos de guerra militares sob a ótica da Linguística Sistêmico-
Funcional. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2011.
132

objetivam tornar a atividade descontraída com o intuito de que o desgaste, da corrida ou de


uma marcha seja superado, ao passo que os gritos de guerra, por serem expressões gritadas,
não possuem linha melódica, ao contrário, exigem do militar a apresentação de um semblante
grave, manifestando a ideia do que próprio nome revela, ―o espírito de alguém preparado para
enfrentar a guerra‖370.

Por outro lado, o uso do termo Amazônia, para além do grito de guerra, revelava um
sentido de identidade coletiva, antes implícito, afinal, todos os aspirantes a oficial, no caso
dos pelotões do curso intensivo ou os cadetes que seriam formados nas turmas regulares
vindouras, como originários da região amazônica, deveriam estar imbuídos do sentimento de
pertença, sobretudo no propósito da atuação compromissada com a região, revelando assim
um sentimento de identidade, de afeto, de pertencimento, de coesão desde a formação.

Osmar Nascimento, aspirante de 1991, nascido no estado de Goiás, descreve com intensa
emoção, o sentimento sobre a Amazônia quando ainda muito jovem, veio acompanhando seus
pais para a região:

Eu era apenas um garoto [...] cortando a rodovia Transamazônica, tive a oportunidade


de ser apresentado a esse gigante mundo encantador da Amazônia. Uma estrada longa
e mal-acabada [...] seus rios eram enormes, maior que qualquer oceano que eu podia
imaginar, onde as canoas e os barquinhos pareciam de papel ao desaparecer no
horizonte dos rios. A floresta era algo assustador, com sua imensidão de árvores nos
cercavam de todos os lados, mas uma árvore me chamava atenção, era a mais alta e
imponente de todas. Mais tarde descobri que era a castanheira do Pará. E o povo? Meu
Deus, quanta diversidade! Encontramos gente do Sul – usando bombacha e tomando
chimarrão [...]. Encontramos também muitos nordestinos, carregados no sotaque
característicos, embora suas faces demonstrassem o castigo do sol, não lhes faltava
bom humor para nos contar histórias da floresta [...]. Eu estava descobrindo o mundo
mágico [...] muitas vezes citado como celeiro do mundo, mas tratado como
almoxarifado do universo. (Osmar Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991).

As reminiscências que Osmar Nascimento descreve em sua narrativa, expressam um


pouco da sua perplexidade diante da imensidão de terras da floresta amazônica que
visualizava sendo cortadas pela Rodovia Transamazônica e as características peculiares da
população, das gentes que ali se encontravam provenientes das mais diferentes localidades.

Tal como Osmar, nem todos os alunos da APM Cel Fontoura eram amazônidas, nem
todos eram nativos da região Norte. E nesse sentido, para suportar as adversidades e encarar os
desafios apresentados ao oficialato, se fazia imperioso entender aquele cenário, ter a real

370
Idem: NAVES, Marcelo João. 2011.p.9
133

compreensão do trabalho, no modo de pensar, sentir, atuar e também ter a identidade amazônida
engendrada em si.

Com essa proposta, o conceito de ‗Amazônia‘ tornou-se a identidade simbólica a ser


impressa em toda a atuação policial. A compreensão sobre a ‗Amazônia‘ deveria estar e ser
presente no cotidiano da Unidade de ensino, nas suas variadas formas de manifestação, por
exemplo, bordado em separado e fixado acima do emblema371 da APM, para que ficasse em
destaque na manga do fardamento.

Tratava-se de uma marca institucional, uma identidade visual. Desse modo, todos os
policiais que compunham o corpo docente e discente da Academia eram imediatamente
identificados pelo distintivo ‗Amazônia‘ (Figura 9).

Figura 9 - Emblema da APM Cel. Fontoura.

Fonte: Coletânea de Legislação Estadual da PMPA.

371
O emblema da APM Cel. Fontoura foi criado com as seguintes características: a espada prateada, símbolo do
oficialato PM, em posição central, disposta na vertical com punho para baixo, tendo se sobreposto um
conjunto constituído de um Livro prateado, aberto nos dois sentidos, representando o ensino policial-militar;
ao centro uma Esfera Armilar em azul, significando o conhecimento global programático na Atribuição
Formadora do Oficial PM, e sobre esta um par de Pistolas Bucaneras douradas, representando o Universo da
Atividade Policial-Militar. No alto, acima da espada, tem-se a Estrela Alfa da Espiga, identificando o estado
do Pará, em cuja área jurisdicional o Oficial PM cumpre a missão de zelar pela segurança e bem-estar da
sociedade. Dispostos lateralmente com pecíolos voltados para baixo da altura do punho da espada até a
Estrela Alfa da Espiga, na cor verde, encontram-se dois ramos de castanheira (riqueza vegetal do Pará), e
abaixo da espada há uma faixa vermelha com as inscrições PMPA, sigla da Polícia Militar do Pará e
Academia Cel. Fontoura, completando o distintivo circunscrito duplamente em verde e amarelo,
significativos das florestas e do outro, riquezas da Amazônia. DANTAS, Romeu Teixeira. (Org.). Coletânea
de legislação da PMPA. Belém: CEJUP, 1997. v. 2, p. 260-261.
134

O referido emblema, além de estar representado no fardamento, encontra-se também


afixado no centro do Estandarte372 da APM, uma flâmula em tecido dividida em três partes
iguais, nas cores vermelho, azul e branco, constituindo-se como símbolo da Unidade de
ensino, que em solenidades cívico-militares pode ser apresentado isoladamente como forma
de representação da Unidade acadêmica ou ser incorporado à tropa.
O Estandarte da Unidade de Ensino Superior Policial Militar é apresentado em
formato emoldurado, com uma franja na cor amarela, tendo uma roseta ornada com florão no
ângulo principal do mastro, de onde se estende uma faixa com duas pontas nas cores azul e
vermelha, com a inscrição em letras maiúsculas na cor branca ‗Academia de Polícia Militar‘,
com destaque ao dia 21 abril de 1990, data de criação da Unidade (Figura 10).373

Figura 10 - Estandarte da APM Cel. Fontoura.

Fonte: Coletânea de Legislação estadual PMPA.

372
Portaria n° 017, de 8 de fevereiro de 1991. DANTAS, Romeu Teixeira. (Org.) Coletânea de legislação da
PMPA. Belém: CEJUP, 1997. v. 2, p. 262.
373
Idem.
135

Igualmente ao Emblema e ao Estandarte da APM, foi composta a Canção da APM, um


dos símbolos alusivos à identidade institucional. Portanto, tratava-se outro modo de se
propagar e fortalecer a identidade da unidade de ensino, desta feita, sob a forma de
composição musical, mas sobretudo um mecanismo de reforço sobre a identidade do cadete.

Assim, o coronel Vieira, primeiro comandante da APM e um dos compositores da


Canção da APM, menciona que a letra da canção fora composta a quatro mãos. Ele próprio
começou a compô-la, posteriormente convidou o então capitão Severino Fantim, chefe da
Seção Técnica de Ensino, para auxiliá-lo, e ambos passaram vários dias refinando a letra da
composição, buscando termos condizentes aos ideais da APM.

Então, perguntei ao coronel Vieira: Qual seria a mensagem que os senhores


desejavam expressar por intermédio dessa canção? De pronto veio a resposta: ―ah, nós
queríamos encontrar expressões cujos significados revelassem ―tradição, ideais, prontidão,
serviço, compromisso, paz social‘‖, ou seja, por suas afirmações, intencionavam firmar uma
identidade institucional, bem como, uma identidade do aluno oficial.

Em sua narrativa, Vieira, esclarece ainda que, a canção da APM foi construída em três
estrofes e um estribilho, sendo que cada uma das estrofes, vê-se a tradução daquilo que em
sua essência gostariam de revelar, por exemplo: Na primeira estrofe, o enfoque está na
‗finalidade‘ principal da APM, que é a de formar guardiães para a defesa da sociedade seja no
lado da Amazônia oriental ou ocidental; a segunda estrofe, trata da forja do cadete e do
Corpo de Alunos em sua nobre missão de manter vivo o ensino, por meio do exemplo; na
terceira, revela a ‗prontidão‘ que deve ter o militar para o serviço, sem escolher local ou a
situação e primando pela ‗paz social‘, como um dos objetivos permanentes, previsto na
Constituição Federal, naquilo que concerne à Segurança Pública e no caso do estribilho, a
ênfase está no reconhecimento da Academia Cel Fontoura, como o lugar de nascedouro de
valorosos líderes e oficiais.

Nas rememorações de Vieira, a canção, precisaria ter palavras-chave que acionariam


conceitos precisos para expressar a formação do espírito militar, a partir do nascimento do
oficialato, como também para representar as mudanças ocorridas no comportamento e outras
adjetivações que pudessem caracterizar o oficial amazônida em suas lides374.

374
Fragmentos da entrevista realizada com o coronel João Paulo Vieira da Silva, o primeiro comandante da APM
Cel. Fontoura.
136

CANÇÃO DA APM ―CEL. FONTOURA‖375

Letra: Cel. PM João Paulo Vieira da Silva e


Cap PM Severino Fantin

Música: 2° Ten. PM Mus. Juscelino Pires Monteiro e


2° Ten. PM Mus. Aurino Quirino Gonçalves – ‗Pinduca‘

Na Amazônia surgiste vibrante


No Pará realidade presente
A formar guardiões da sociedade
Na permanente defesa de sua gente

ESTRIBILHO
Academia de Fontoura tu és berço
Onde nascem valorosos Oficiais,
Que a PM com orgulho servirão
Mantendo suas tradições e ideais

II
Cadete herdeiro de nobre missão
Segue firme o seu destino de glórias
Desta escola, o ensino e exemplos
Guarda sempre vivos na memória

III
Ao Chamado atendemos sempre prontos
Não importa situação ou local
Nosso lema é oferecer segurança
Somos sentinelas da paz social

Após a composição e refinamento da letra, os autores Coronel Vieira e Capitão Fantin,


compreenderam que a canção precisava ter uma melodia apropriada e os arranjos musicais
caracterizando uma canção militar, para tal convidaram então dois oficiais músicos:376 O
tenente Juscelino Monteiro, que era o regente da Banda de Música da PMPA e o seu auxiliar,
tenente Aurino Quirino, mais conhecido pelo seu nome artístico de ―Pinduca‖377.

375
Publicado no Aditamento ao Boletim Geral nº 218, de 22 de novembro de 2000, p.24.
376
Dados coletados na entrevista com o coronel João Paulo Vieira da Silva.
377
O Ten.Aurino Quirino é uma figura muito conhecida artisticamente no Pará, pelo seu codnome ‗Pinduca – o
Rei do Carimbó‘. Poucos têm conhecimento de que ele é um oficial da reserva da Polícia Militar. Nasceu em
Igarapé-Miri, interior do Pará, oriundo de uma família de músicos, passou a integrar bandas musicais da
cidade, seguindo o exemplo de seu pai e irmãos. Iniciou sua carreira aos 14 anos como pandeirista e aos18
anos formou sua própria banda e adotando na carreira artística, o nome de Pinduca. Alistou-se no Exército
137

Já na primeira turma do CIFO, a canção foi sucessivamente ensaiada e cantada


oficialmente no dia da solenidade de formatura. A partir de então, segue com sua designação
de ‗identidade melódica‘ da Academia Cel, Fontoura, sendo cantada desde as primeiras
turmas e em todas as outras subsequentes.

Destaca-se que, sendo uma organização militar, fomentou-se por meio desses seus
símbolos: o grito de guerra, o emblema, o estandarte e a canção, maior reconhecimento ao
―Berço de Comandantes e Líderes‖.

2.3 COMPORTAMENTO ESCOLAR, INSTRUÇÕES E INSTRUTORES

A ideia de que o curso de formação de oficiais fosse reconhecido como curso de


nível superior, fazia com que o comando da APM e a divisão de ensino buscassem a
adequação do conteúdo programático, evitando prender-se exclusivamente às disciplinas
acadêmicas militares. Naquela conjuntura, o paradigma que havia sido seguido durante
anos nos cursos de formação do oficialato mostrava-se em declínio, frente às mudanças do
novo regime e a instauração do Estado Democrático de Direito, postulado pela
Constituição de 1988.

Objetivando assegurar a execução do ensino com qualidade na APM, o então


comandante geral, coronel Cleto José Bastos da Fonseca, resolveu baixar a portaria nº
035/93378, a qual determinava em ser art. 1º ―As aulas a serem ministradas na APM, tem
prioridade sobre os demais serviços‖. Com isso, o comandante geral, garantiu o
reconhecimento da importância da formação e a liberação dos instrutores militares.

Com a reforma do Estado, o cenário da segurança pública naquele contexto demandava


outro modelo de atuação policial, e a ressignificação do papel profissional do policial militar.
Emergiram percepções da realidade social que impetravam o enfoque nos Direitos Humanos, na
participação comunitária, na inclusão de demandas diversas para a segurança pública e, por
conseguinte, para o enfrentamento da violência e da criminalidade crescentes.

brasileiro e depois seguiu carreira na Polícia Militar do Pará até chegar a Tenente da Banda de Música da
PM. Ver: MORAES, Patrich de Pailler Ferreira. O Feitiço caboclo de Dona Onete: um olhar
etnomusicológico sobre a trajetória do carimbó chamegado, de Igarapé-Miri a Belém. 2014. Dissertação
(Mestrado em Artes) – Instituto de Ciências das Artes, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014;
Ver mais em: Pinduca Carimbó - Blog dos fãs. História. Disponível em:
<http://www.pinducacarimbo.com.br/historia/> Acesso em: 16 set. ,2017.
378
DANTAS, Romeu Teixeira. Coletânea de Legislação da PMPA - pesquisa e organização. Belém: CEJUP,
1997. p. 327.
138

Para a formação do oficialato que surgia àquela época, vislumbrou-se uma formatação
híbrida, em cuja grade curricular havia possibilidade em associar disciplinas acadêmicas
amalgamadas no ensino humanístico, jurídico, econômico-social, estatístico e,
concomitantemente, os conhecimentos da instância militar.

O Curso de formação de oficiais conferia ao concluinte o título de ‗graduado em


379
Ciências de Defesa Social‘ ‘ e apresentava disciplinas comuns a outros cursos ministrados
em faculdades civis e com carga horária equivalente.

Nota-se que a inserção ou ajuste de carga horária das disciplinas era um fator
relevante, porém, isso não bastaria para atender às especificidades da formação profissional
policial militar, visto ser bastante diferenciada das demais. Para entendê-la, faz-se necessário
considerar inclusive o contexto de uma academia policial militar, cujas características do
ensino-aprendizagem, em geral, diferem dos métodos de ensino adotados nas faculdades
públicas e/ou civis.

Demerval Saviani380, em análise sobre as tendências pedagógicas desenvolvidas na


educação brasileira: pedagogia tradicional, pedagogia tecnicista, nova pedagogia e as diversas
técnicas de ensino381, avalia que essas diferentes tendências e concepções teóricas são inter-
relacionadas no trabalho docente, na relação ensino-aprendizagem e coexistem nos diversos
contextos educacionais e nas práticas pedagógicas escolares.

No espaço acadêmico policial militar, entretanto, observa-se normalmente a adoção de


abordagens metodológicas tradicionais e tecnicistas, não havendo abertura para inovações ou
grandes alterações no que se refere às metodologias desse ensino.

E, quais são essas práticas ou abordagens metodológicas aplicadas no âmbito da


academia policial militar?

A prática do ensino reconhecida como de metodologia tradicional, segundo Saviani382,


é aquela centrada na figura do professor, o qual é visto como o centro do processo de ensino,
destacando-se como detentor do conhecimento e domínio do conteúdo, sendo sua autoridade

379
A graduação em Ciências de Defesa Social é a qualificação obrigatória para o profissional de Segurança Pública.
380
SAVIANI, Demerval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES, Durmeval T. (Coord.).
Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. p.19-47.
381
Aula expositiva, estudo de texto dirigido, método indutivo-dedutivo, prática dialógica, ensino socializado,
discussão e debates, oficinas e laboratórios escolares. CARVALHO, Irene Mello. O processo didático. 3. ed.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1984.
382
SAVIANI, Demerval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES, Durmeval T. (Coord.).
Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. p.19-47.
139

inquestionável sobre o assunto. Além disso, como prática de ensino há predominância da aula
expositiva verbal, cabendo ao aluno a conduta de receptor mental desse conhecimento e, no
caso da formação policial, o instrutor tem a responsabilidade para com a assimilação do
conhecimento pelo cadete, a incorporação do comportamento ensinado e a sua posterior
reprodução.383

No que se refere à abordagem tecnicista, segundo Saviani384, está fundamentada nos


―princípios da racionalidade, eficiência e produtividade‖. Nessa concepção, ―as técnicas de
ensino são analisadas sob a ótica do enfoque sistêmico, valorizando-se atividades que
promovem o parcelamento do trabalho pedagógico, como a instrução programada‖ 385. O
método tecnicista recebe críticas contumazes, visto que tende a valorizar a técnica em
detrimento do humanismo.

Pode-se observar ainda que na formação policial militar a prática de ensino procede-se
de forma rígida, que requer, da parte do instrutor, o controle e a regulação do aprendizado e,
da parte do aluno, a aquisição do modelamento. Em vista disso, observa-se que as
metodologias tradicional e tecnicista se vinculam aos princípios da teoria psicológica
behaviorista ou comportamental, quanto à introdução do construto de adoção da modelagem e
do condicionamento como forma de interferir no comportamento do instrutor-aluno.

O Behaviorismo desenvolveu a análise do comportamento operante, dedicando-se


ao estudo das interações entre o indivíduo e o ambiente, entre as suas ações (respostas) e
as estimulações (ambiente). Na maioria das interações com o ambiente, surgem
consequências denominadas de reforçadoras, punidoras ou aversivas 386. Esses conceitos da
teoria comportamental estão presentes na relação ensino-aprendizagem nas escolas
militares, bem como os outros processos denominados de extinção do comportamento e
punição.

Por essa razão, nas escolas militares geralmente o aprendizado está fundamentado e é
aplicado com base nos conceitos da teoria behaviorista como método de forja, de
adestramento, elogios (reforço positivo) e de punição (negativo). É no ambiente da academia
que se espera que o cadete e futuro oficial adquira a modelagem do seu comportamento,

383
MIZUKAMI, Maria da Graça N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. p. 30.
384
SAVIANI. Demerval. Escola e democracia: teorias da educação. São Paulo: Cortez, 1986. p.15.
385
LOPES, Antonia Osima. Aula expositiva: superando o tradicional. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro
(Org.). Técnicas de ensino: por que não? Campinas: Papirus, 1993. p. 37.
386
BOCK, Ana Maria Bahia et al. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008.
140

aprenda a condicionar-se dentro das normas sociais, das regras e da vigilância, como expressa
Duarte:

Na condição de aluno, pra que a gente não fosse anotado, a gente precisava estar
atento a tudo, qualquer descuido podíamos sofrer uma advertência. O aluno tem que
ser atento, vigilante, é assim; se ele vier a reincidir no erro pode pegar um ‗pernoite‘,
se aparecerem outras anotações, o cadete pode ter a ‗licença cassada‘. E pra quem
está com muita vontade de ir pra casa, a licença cassada era muito frustrante.
(Duarte, Aspirante a Oficial, 1992).

O condicionamento e a modelagem dos comportamentos sociais do cadete são


observados nas diversas manifestações cotidianas: apresentação pessoal, formas de
cumprimento, de trajar-se, de deslocar-se, ao entrar ou ao sair do recinto, no pelotão, na
responsabilidade com seus objetos etc. De modo prático, para reforçar os comportamentos
escolares adequados do cadete, são utilizados reforçadores positivos, ‗elogios‘.

Recebi vários elogios; me lembro agora de pelo menos três: um foi pelo
desempenho como nadador; outro por ter feito doação de sangue e outro por ter
socorrido um cidadão em um acidente automobilístico na estrada de Recife à
Paudalho. (Silveira, Cadete, 1988).

Os „elogios‟ conferem acréscimos de pontos positivos ao cadete, na nota de


comportamento escolar, que são registradas em suas respectivas folhas disciplinares, como se
pode depreender da legislação que regulamenta o comportamento escolar, no item 15 do
Regime, Artigos 163 e 164:

Art.163. O aluno terá grau oito no início de cada mês letivo, do qual serão deduzidos
ou acrescidos os pontos correspondentes, a cada anotação negativa ou elogio, sendo-
lhe auferida uma média mensal, que representará seu comportamento escolar.

Art.164. O comportamento escolar será considerado como matéria curricular,


influenciando no cômputo da média final do curso.

§ 1º no curso de formação de oficiais, a nota para aprovação anual será calculada


pela média aritmética das notas aferidas nos meses letivos, a qual não poderá ser
387
inferior a seis.

E, para eliminar comportamentos inadequados dos cadetes, de modo geral, é


utilizado o método da „punição‟, que se mostra eficiente em relação à perda de pontos no
quesito comportamento escolar. As punições podem decorrer de anotações escolares ou
transgressões disciplinares, ambas acarretam perda de pontos na nota do aluno. As
anotações escolares, embora incorram em perda de pontos e outras perdas, como folgas ou

387
Extraído da legislação que regulamenta o procedimento para avaliação da matéria curricular. Publicado no
aditamento ao BG nº 188, de 4 de outubro de 2017. p. 58.
141

ficar no pernoite388 ou ter a licença cassada 389, estas são de menor gravidade.
Diferentemente, portanto, das transgressões disciplinares, cujas punições podem redundar
em repreensão (menos 1 ponto), detenção (dois pontos) e prisão (4 pontos), inclusive gerar
procedimento administrativo disciplinar. 390

Fui punido duas vezes. A primeira vez foi porque entrei em forma, atrasado no Pelotão
e outra vez minha turma toda não quis delatar um colega, consequentemente, fomos
todos punidos. Uma punição em massa. O pelotão todinho ficou junto, de licença
cassada, no final de semana. (Silveira, Cadete, 1988).

Me lembro de ter recebido duas punições. Uma por estar rindo na sala de aula e
outra por ter esquecido a bola de vôlei dos oficiais da academia no meu carro.
(Dilson Barbosa, Aspirante a Oficial, 1991).

Kirsch e Mizukami391 compreendem que nas instituições de ensino militares, o uso dos
reforçadores arbitrários é muito mais frequente que nas demais unidades de ensino, como
também que tais reforçadores estão presentes nas notas, recompensas, punições, elogios, entre
outros, como estratégia de ensino-aprendizagem, tanto individualmente quanto na turma. A
ideia é de que a possibilidade de punição ao aluno em formação configura-se, por si só, de
forma frequente, uma estratégia pedagógica para consolidar o aprendizado do cadete, para
auxiliá-lo no seu condicionamento militar e na aquisição do habitus392.

Entretanto, Kirsch e Mizukami advertem que na unidade de ensino militar, a instrução


pode ser realizada a contento e até empregada em conjunto com os reforçadores, ―mas isso não
é a garantia para a educação dos cadetes. Isso significa que, na formação do cadete, futuro
oficial e provável instrutor de ensino, somente o conhecimento de algo não equivale a
considerá-lo educado e instruído, mas sim quando há apropriação do conhecimento‖393

Nesse caso, para se consolidar o ensino durante o período da academia, a instrução


policial militar reveste-se de todos os recursos: conhecimentos, habilidades, treinamentos,
controle, nas diversas modalidades escolares. Geralmente se realiza de modo rígido, com
pouca flexibilidade e reflexão, visando à manutenção da cultura militar herdada do

388
Pernoite – o aluno deixa de ser liberado após as aulas e pernoita na academia.
389
Licença cassada – fica suspensa a folga do aluno aos finais de semana.
390
Extraído da legislação que regulamenta o procedimento para avaliação da matéria curricular. Publicado no
aditamento ao BG nº 188, de 4 de outubro de 2017. p. 60.
391
KIRSCH, Deise Becker; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Concepções acerca dos processos de ensinar e de
aprender em uma academia militar. Revista Eletrônica de Educação, v.8, n.3, p.182-195, 2014.
392
Habitus, como práticas ou dispositivos socialmente constituídos e incorporados, noção conceitual formulada
por Pierre Bourdieu. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Thomaz. 14. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
393
KIRSCH, Deise Becker; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Concepções acerca dos processos de ensinar e de
aprender em uma academia militar. Revista Eletrônica de Educação, v.8, n.3, p.182-195, 2014. p. 186.
142

Exército brasileiro, a qual vai se reproduzindo por meio da obediência à hierarquia e à


disciplina, com sua notória função pedagógica, determinando aos seus integrantes a
obrigação do enquadramento:

Não encontrei dificuldades no enquadramento militar, nós éramos todos procedentes


das Forças Armadas e tínhamos respeito às normas hierárquicas, ao funcionamento
do quartel, mas percebíamos que faltava identidade para a instituição, talvez porque
éramos a primeira turma, faltava padronização, tinha muito improviso, muitas
lacunas [...] embora as documentações e legislações que adotávamos era o
RISG394/RDPM395, mas pareciam letras mortas, só serviam para punição (Figueira,
Aspirante a Oficial, 1991).

Assim, a grade curricular das duas turmas do CIFO foi estruturada segundo os níveis de
escolaridade, dividindo-se em ensino fundamental, ensino profissional e ensino complementar,

No bloco das disciplinas do Ensino Fundamental, a maioria estava em consonância


com ensino humanístico, jurídico, econômico-social, estatístico, observando-se as
peculiaridades regionais, quais fossem: Metodologia Científica, Economia, Direito, Psicologia,
Comunicação e Expressão, Estudos dos Problemas Amazônicos etc. No bloco do Ensino
Profissional as disciplinas tinham conteúdo voltado especificamente à operacionalidade na
Segurança Pública (Armamento e Tiro, Técnica Policial Militar I, II, III, Ordem Unida etc.). No
bloco do Ensino Complementar as disciplinas estavam voltadas aos conhecimentos que seriam
adquiridos para atuação policial militar, em que o oficial poderia ingressar a qualquer momento:
Educação Musical, Inglês, Etiqueta Social etc. conforme apresentado no Quadro 1.

394
O Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG) é um documento indispensável ao conhecimento de
todo militar. É o que rege todo o trâmite interno em uma organização militar, desde as atribuições das seções
de Estado-Maior ao funcionamento dos serviços de escala (http://bibliotecamilitar.com.br/regulamento-
interno-e-dos-servicos-gerais-risg/).
395
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar.
143

Quadro 1 - Disciplinas ministradas para as turmas do 1º e 2º CIFO.

ENSINO FUNDAMENTAL
DISCIPLINAS CH DISCIPLINAS CH
Comunicação Comunitária 40 Economia Política 30
Comunicação e Expressão 60 Estatística 60
Criminalística 60 Estudos dos Problemas Amazônicos 60
Criminologia 30 Informática 30
Didática 60 Introdução ao Estudo do Direito 60
Direito Administrativo 70 Medicina Legal 45
Direito Civil 70 Metodologia Científica 60
Direito Constitucional 60 Psicologia Social 30
Direito Penal 120 Sociologia 30
Direito Processual Penal 120 Teoria Geral da Administração 30
ENSINO PROFISSIONAL
DISCIPLINAS CH DISCIPLINAS CH
Administração Polícia Militar 90 Leg. sobre Direitos da Criança e Adolescente 20
Arm., Tiro e Equipamento PM 180 Noções de Bombeiro Militar 20
Chefia e Liderança 20 Noções de Hig. E Pronto Socorro 30
Comunicações PM 30 Op. de Defesa Int. e Def. Territorial 90
Correspondência Militar 30 Ordem Unida 160
Defesa Civil 20 Organização/Legislação PM 120
Defesa Pessoal 60 Polícia Comparada 20
Deontologia Pol. Militar 20 Segurança de Inst. Físicas e Dignitários 30
Educação Física e Desportos 300 Segurança Nacional 20
História da Polícia Militar 20 Técnica Pol Militar (I, II, III) 360
Informações 30 Trabalho de Comando 60
ENSINO COMPLEMENTAR
DISCIPLINAS CH DISCIPLINAS CH
Educação Musical 20 Instrução Geral 20
Etiqueta Social 20 Oratória 20
Inglês 20 Pesquisa Operacional 20
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da divisão de ensino da APM.
144

Nota-se pela grade curricular, que a APM Coronel Fontoura se constituiu, desde a sua
origem, no propósito de promover a formação do oficial seguindo um modelo híbrido de
ensino. Analiso o referido hibridismo, associando-o em três aspectos:

O primeiro aspecto, em virtude da pretensão de ser uma unidade de ensino superior


para a formação para o policial militar, para a qualificação profissional agregando
conhecimentos técnico-científicos ao exercício de sua função, em um processo mais humano e
cidadão. O segundo, por seguir o modelo de formação policial militar de acordo com a
padronização de outros estados do Brasil, onde se buscava aliar o trinômio:
formação/trabalho/estudo396 com a realização de diversas atividades militares. O terceiro, pela
grande influência do Exército brasileiro, mantendo o seu conteúdo espelhado nas legislações
específicas daquela instituição397, assim como os fundamentos398, os instrumentais e a
incorporação de valores da hierarquia, disciplina, dever, honra, serviço etc.

As características do modelo hibrido de formação para a atividade policial militar


associam, na análise de Robert Reiner 399, a ideia da profissão como vocação e de serviço
―como uma verdadeira missão a ser cumprida, com um imperativo moral, e não apenas
como um trabalho qualquer‖.

A influência espelhada no Exército brasileiro devia-se, em parte, ao fato de que os


instrutores militares da APM, tinham sido igualmente formados no âmbito militar, no próprio
Exército:

A influência das Forças Armadas se deu primeiramente na duração do curso, pois em


Academias de Polícias Militares de outros estados da federação variava de três a quatro
anos, mas o nosso curso teve a duração de 18 meses [...] essa diminuição da duração do
curso se deu em função da experiência vivenciada nas Forças Armadas em relação a
comando e liderança, bem como da vivência com a organização e administração militar,
tanto que vários manuais e regulamentos do Exército Brasileiro são utilizados
subsidiariamente pela Polícia Militar. (Mafra, Aspirante a Oficial, 1992).

Quando entramos na APM vi muita diferença da formação do Exército. No Exército


tudo era bem planejado e organizado, as operações da Garantia da Lei e da Ordem -
GLO. Já na PM não – faltavam técnica, comandamento e planejamento. Várias
coisas eram no improviso, vi fragilidade técnica na corporação. Inclusive foram

396
Estatuto das Polícias Militares, Código de Ética, Deontologia.
397
Regulamento de Continências, honras, sinais de respeito e cerimonial militar das Forças Armadas (RCONT)
e Regulamento Interno e dos Serviços Gerais do Exército (RISG).
398
Aprendizado sobre continências, posturas, marchas, honrarias peculiares à vida militar.
399
REINER, Robert. A cultura policial. In: A Política da Polícia. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2004. p.137.
(Coleção Polícia e Sociedade).
145

esses obstáculos que me motivaram e me motivam até hoje a não parar de estudar 400,
(Rocha, Aspirante a Oficial, 1991).

Algumas de nossas solenidades eram tipicamente herdadas das Forças Armadas,


principalmente do Exército. Embora eu tivesse vindo do mundo civil, eu percebia
que nós seguíamos tanto o RCONT401 como o RISG402 para a maioria das atividades
e solenidades (Salim, Cadete, 1992).

O Exército é uma instituição militar cuja cultura organizacional influenciava o cotidiano


dos alunos em formação e fora dela, pela valorização da hierarquia, na assimilação dos sentidos e
significados da disciplina, na obediência à doutrina e à dinâmica dos quartéis (horários,
fardamento, ritos, honrarias, tratamento, proibições, prontidão etc.), como relembra Duarte:

Nossos instrutores eram bem preparados. Muito do que aprendíamos eram extraídos
integralmente dos manuais do Exército. Como qualquer curso militar, tinha muita
exigência, muita cobrança. Eu acho necessário haver cobrança, organização, mas não
gostava da humilhação, do constrangimento. As cobranças e pressões mantêm a gente
sempre atento, isso na formação é fundamental, o ensinamento que lhe é cobrado,
vigilância, atenção, vai ser necessário lá na frente para que o policial possa desenvolver
seu serviço. Por exemplo, no policiamento de rua é imprescindível estar bem atento, se
não ele pode ter um desfecho inesperado. (Duarte, Aspirante a Oficial, 1992).

Como uma unidade escolar militar, a APM buscava manter a cultura militar, com
normas, transmissão de conhecimentos e práticas, e com incorporação de condutas e
comportamentos regidos por legislações e códigos militares. As aulas das disciplinas nem
sempre eram ministradas regularmente de segunda a sexta-feira, visto que estavam
entremeadas por atividades policiais militares, do tipo: inspeção, treinamentos para
solenidades, preparação para jogos acadêmicos, ‗paradões‘, reuniões, designação para alguma
missão ou participação em eventos externos à Academia.403

Ademais, a APM buscava fazer jus à implementação e desenvolvimento dos cursos de


nível superior e, por isso, a Academia mantinha disciplinas com a mesma carga horária
ministrada pelas faculdades e o corpo docente e técnico com professores civis de reconhecido
saber acadêmico, bem como instrutores militares especializados:

400
É graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará, mestre em Defesa Social e Mediação de
Conflitos pela Universidade Federal do Pará; Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia pela Escola
Superior de Guerra; Especialista em Gestão Governamental (FGV/SP); em Educação e Problemas Regionais
(UFPA); em Segurança Pública (UCAM/RJ) e Gestão em Segurança Pública e Defesa Social (UFPA).
401
Regulamento de Continências, honras, sinais de respeito e cerimonial militar das Forças Armadas (RCONT).
402
Regulamento Interno e dos Serviços Gerais do Exército (RISG).
403
Cito a título de ilustração, a aula/evento ocorrido em 18 de outubro de 1993, por ocasião da visita do
Desembargador Álvaro Lazzarini, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que veio a Belém para aula inaugural
do Curso Superior de Polícia no CENTUR, e as turmas de formação da APM Cel. Fontoura foram destacadas
para a composição do público assistente. O Desembargador Lazzarini, à época, também era professor da
Academia de Polícia Militar do Barro Branco e da Escola Paulista da Magistratura.
146

Tínhamos instrutores militares muito bons, mas os docentes civis eram muito
competentes também em suas áreas; me lembro deles até hoje: Dr. Edilson Dantas –
presidente da OAB à época; Dr. Zeno Veloso, jurista famoso; Dr. Edmundo
Oliveira, que se tornou conhecidíssimo em Direito Internacional, enfim foram quase
dois anos de curso e tivemos grandes aprendizados. Acredito que por mais que
alguém não gostasse de alguma disciplina ou que achasse desnecessária, com certeza
depois do curso, percebeu seu valor. (Osmar Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991).

Eram professores civis e militares. Os instrutores militares eram muito experientes e


os professores civis eram de notório saber – tivemos por exemplo, o Dr. Edson
Franco, que foi reitor da UNAMA, ele nos ministrava a disciplina de oratória;
alguns eram professores também da UFPA, [...] inclusive o prof. Maués, um dos
professores civis, que elogiou publicamente o nosso desempenho, dizendo que pela
dedicação e desenvoltura que mostrávamos no entendimento do direito,
colocávamos alguns alunos dele da Universidade, ‗no chinelo‘. Tínhamos várias
disciplinas de direito: direito penal, direito processual, direito penal militar etc.
(Dilson Junior, Aspirante a Oficial, 1992).

Nossas instruções foram voltadas muito mais para a questão do direito e as


disciplinas policiais, porque o restante, a gente já trazia do EB. O curso foi
condensado de três anos de formação, para mais ou menos um ano e seis meses. Era
uma carga horária diária intensa, de manhã, de tarde e às vezes entrava-se pela noite
para vencer essa carga horária [...] mas mesmo assim, não se deixou de dar maior
ênfase nas disciplinas policiais militares. (Emílio, Aspirante a Oficial, 1991).

Cabe-me ressaltar que naquele contexto das duas primeiras turmas da APM Cel.
Fontoura, cujo alunado era exclusivamente masculino, foi permitida a inclusão de
mulheres apenas na condição de professoras de algumas disciplinas, tais como: Inglês,
Sociologia, Psicologia Social e Etiqueta Social. Nota-se que não havia mulheres como
ministrantes das disciplinas de cunho específico policial militar.

De fato, com o processo de redemocratização e promulgação da Constituição de 1988,


as Forças Armadas e Auxiliares foram pressionadas a adequar-se à sociedade civil brasileira,
possibilitando a inserção da presença feminina nos quartéis, entretanto, no Pará, a participação
ainda era muito acanhada. Havia uma companhia de mulheres praças (Soldados, Cabos e
Sargentos) e meia dúzia de mulheres oficiais enviadas para a realização de cursos em outras
unidades da federação, sobre as quais, tratarei mais adiante, no terceiro capítulo.

Um aspecto observado nos relatos dos entrevistados, e que merece destaque, foi que
enquanto descreviam os seus professores homens, espontaneamente como competentes e de
‗notório saber‘ e se lembravam de alguns de seus nomes com certa facilidade404 como pode

404
Nos livros de instrução dos arquivos da APM, encontrei registros dos seguintes professores civis: Dr. Zeno
Veloso, Dr. Edilson Dantas, Dr. Edmundo Oliveira, das disciplinas de Direito, Dr. Edson Franco, de Oratória,
Homerval, da disciplina de Sociologia; Edilson, de Educação Musical; Juvenal de Araújo, de Medicina Legal;
Fernando, de Defesa Pessoal; Edson Cortez, de Informática; Alberto, de Estatística; Rayol, de Direito Penal;
Hevaldo Monteiro, de Direito Administrativo; Orlando, de Metodologia Científica, Walter, de Estudos dos
Problemas Brasileiros.
147

ser constatado nos fragmentos das entrevistas acima, ocorreu de forma diferente sobre as
professoras mulheres, das quais não foi referida nenhuma qualificação acerca das suas
participações, nem houve a citação de seus nomes próprios requerendo maior investigação de
minha parte, nos arquivos e documentações. Provavelmente, não as tivessem esquecido, mas a
cultura militar, predominantemente de dominação masculina, àquela época, mais ainda,
invisibilizava a figura feminina, ainda que na condição de participante do processo de
instrucão.

A partir do cruzamento das entrevistas, com os registros nos livros e documentações


de instruções da APM, identifiquei os nomes das professoras civis Raquel Maciel, de
Comunicação e Expressão; Verônica Bastos, de Introdução ao Estudo do Direito; Rosa
Watrin, de Psicologia Social; Elisa Bessa, de Direito Constitucional; Vera Martins, de Serviço
Social e de Rosilene Souza, de Direito Civil.

Em referência ao rol das disciplinas estudadas: Sociologia, Deontologia, Estudo dos


Problemas Brasileiros, Direito Penal e Processual, Psicologia, Medicina Legal, Oratória,
Etiqueta Social, Estatística, e outras, os entrevistados relembraram a conduta dos professores
e instrutores como eficazes no ensinamento, e das disciplinas como de proveito e utilidade
segundo as demandas apresentadas para aquele momento:

Todas as disciplinas tinham algum ensinamento para nossa prática, até aquelas
disciplinas que pareciam que nada tinha a ver, por exemplo: etiqueta social, nos
ajudavam na hora em que éramos convocados para bailes de debutantes no Hilton
Hotel405 no Círculo Militar406, no Bancrévea407, – precisávamos saber nos portar
adequadamente conforme os ambientes sociais. A APM era o cartão postal, nós
éramos a vitrine, o marketing da PM, então, a disciplina de etiqueta social era
necessária. [...] Além disso, recebíamos visita de Brigadeiros da Aeronáutica, de
generais do EB, generais da IGPM e oficiais de outras PMs etc. (Dilson Junior,
Aspirante a Oficial, 1992).

A utilidade das disciplinas para a atuação policial refletia a importância da


interdisciplinaridade na profissionalização do policial. Contudo, entre as disciplinas
relacionadas, cabe-me destacar a de ‗etiqueta social‘, referida na narrativa de Dilson Júnior,
cujo conteúdo trazia inúmeras informações sobre a conduta, comportamento social e alguns

405
Na década de 1980/90, o Belém Hilton Hotel foi o primeiro cinco estrelas do Pará, lugar onde se
desenvolviam glamorosos eventos sociais da sociedade belenense, localizado na Av. Presidente Vargas,
estava ladeado pelo centenário Cinema Olympia, e de fronte do Theatro da Paz e da Praça da República. Na
atualidade, o referido hotel foi transformado no Hotel Princesa Louçã.
406
O Círculo Militar, tratava-se do clube onde se reuniam os oficiais militares superiores do Exército, dividia-
se em sede social na cidade velha, junto ao Forte do Castelo, atual Complexo Feliz Lusitânia e sua sede
campestre – localizada na BR 316.
407
Bancrévea era nas décadas de 1980/90, um grandioso Clube de Desportos e recreação dos funcionários do
Banco da Amazônia - BASA.
148

dos costumes apresentado pelos cadetes e que se achavam em desacordo com as


circunstâncias e com os diferentes ambientes que passariam a frequentar, inclusive porque,
como referiu Dilson Júnior em sua entrevista, acima: ―precisávamos saber nos portar
adequadamente [...] erámos a vitrine, o marketing da PM‖.

A disciplina ―etiqueta social‖ 408, ministrada aos cadetes, guardava certa preocupação
com a elegância, boas maneiras de tratar as pessoas, polidez, cordialidade, hábitos de correção
que há muito deixariam de ser privilégio das elites ou das ‗pessoas ditas da sociedade‘, e se
impunham a todas as classes.

Martha Calderaro, assegura em seu livro ―Etiqueta e boas maneiras: um guia completo
para viver com tranquilidade reuniões sociais de todos os tipos‖:

Um número crescente de personagens da política, da administração, das finanças,


dos negócios e das profissões liberais ocupa posições que os obrigam a preocupar-se
com a Etiqueta. Preocupar-se equivale a procurar aprender as normas, o que é, ao
mesmo tempo, uma prova de superioridade de espírito e de confiança na própria
capacidade de adquirir novos conhecimentos (ou hábitos) e colocá-los em prática.
[...] Em qualquer degrau da escala social em que se encontre um homem ou uma
mulher, eles têm por obrigação, iniciar-se no conhecimento de regras razoáveis
baseadas no respeito pela dignidade do próximo, e não em preconceitos
ultrapassados409.

Isso me faz relembrar a abordagem de Norbert Elias410 em sua obra ‗O Processo


Civilizador‘411, no que tange ao modelo dos costumes diante do progresso, ao analisar a
difusão dos ‗modos à mesa‘, no momento das refeições, da individualização das louças e dos
talheres e da higienização.

Norbert Elias, em seus estudos, traz relevantes contribuições ao campo da história, na


abordagem de temáticas voltadas ao cotidiano, às atitudes em relação ao corpo, às
mentalidades, aos costumes, e apresenta uma nova visão do poder, agindo sobre o corpo e
influenciando as questões de vestuário, cerimoniais e os modos de comer.

Muito embora a conduta dos alunos oficiais da Academia não se pautasse em


modelos de costumes medievais, como os descritos por Norbert Elias, percebe-se que a
introdução da disciplina ‗etiqueta social‘, salvaguardada a diferença de época, pelo seu

408
A disciplina „etiqueta social‟ era ministrada pelo Capitão Edvaldo Pascoal, todavia, algumas aulas eram
ministradas junto com uma professora civil francesa, no salão do Hilton Hotel – badalado hotel cinco estrelas
instalado na Av. Presidente Vargas, no centro comercial de Belém, atual Hotel Princesa Louçã.
409
CALDERARO, Martha. Etiqueta e boas maneiras: um guia completo para viver com tranquilidade reuniões
sociais de todos os tipos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1983. p.4.
410
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1993.
411
Idem.
149

conteúdo suscitava a necessidade de progressos ao cadete quanto à adoção de modos mais


refinados no trato, nas boas maneiras, na conduta em bailes e outras solenidades, mas,
sobretudo, nas relações cotidianas em sociedade.

As instruções nas academias militares, em suas diversas formas, de modo geral, são
concebidas para seguir o ideário de disciplina militar, para corrigir posturas, formar novos
hábitos e condutas, com treinamentos frequentes até que tivessem incorporado novos hábitos
e dirimidas as resistências e conflitos. A finalidade nessas instruções, são que os instruendos
estejam em consonância com a modelagem e o condicionamento coletivo, e o pelotão seja
considerado homogeneizado, como analisa Michel Foucault, onde as atividades disciplinares
sejam sustentadas por:

[...] injunções, cuja eficiência repousa na brevidade e na clareza; a ordem não tem
que ser explicada, nem mesmo formulada, é necessário e suficiente que provoque o
comportamento desejado [...] o que importa não é compreender a injunção, mas
perceber o sinal, reagir logo a ele, de acordo com um código mais ou menos
artificial estabelecido previamente. Colocar os corpos num pequeno mundo de sinais
a cada um dos quais está ligada uma resposta obrigatória e só uma: técnica de
treinamento.412

No tocante à parte prática das disciplinas e/ou estágios, tanto para as primeiras
turmas do CIFO, quanto para os cadetes paraenses que estavam cursando em outras
unidades da federação, as atividades práticas eram realizados aos finais de semana, antes do
recesso escolar, dentro das unidades policiais militares ou no policiamento ostensivo de rua .
Tais práticas eram realizadas com a supervisão de oficiais mais antigos, consolidando o
aprendizado do aluno oficial, à medida que o aproximava da sua real atuação profissional,
como relatam Emílio, Marinho e Silveira em suas narrativas a seguir:

Nosso estágio era ao longo das disciplinas, por exemplo, aos finais de semana de serviço,
em estádio de futebol, no policiamento de rua, no COPOM. Os estágios eram divididos
em turmas, então estagiávamos nas unidades de policiamento ostensivo, naquela época
era Rádio Patrulha, fomos para o PATAN, Regimento de Cavalaria, Batalhão de
Choque, Batalhão de Trânsito, enfim... em tudo quanto era unidade. Depois de certo
período do curso em diante nós tínhamos aulas práticas em quase todos os finais de
semanas, consideradas como estágios, com uma carga horária específica, já nas unidades
e assim por diante. (Emílio, Aspirante a Oficial, 1º CIFO - 1991).

Eu estagiei na Companhia da Radiopatrulha, lá tive bom desempenho, inclusive


recebi até um elogio por ter salvo um colega, quando aconteceu um assalto na
avenida Nazaré, próximo ao Museu. (Marinho, Aspirante a Oficial, 2º CIFO -1992).

412
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.160.
150

Fomos lotados para estágio no CFAP para exercer o comandamento junto aos
praças, e isso foi muito bom para treinarmos a liderança, a autoridade sobre nós
investida, serviu como um termômetro para as atividades das ruas. Considero que a
experiência no Pará, foi muito rica, porque eu vinha do CFO em Paudalho, era outro
estado, então precisávamos do treinamento prático no Pará. Depois fui para o 1º
BPM como oficial de dia rondante. quem nos acionava para qualquer ocorrência era
o COPOM 413. (Silveira, Cadete da APM em Pernambuco, 1988).

Um fato curioso depreendido das narrativas de Emílio e Silveira foi que ambos
mencionaram o COPOM, uma unidade policial militar existente à época, na qual
estagiaram, que os acionava para a atuação de policiamento. Tratava-se do Centro de
Operações Policiais Militares (COPOM), uma unidade exclusiva da Polícia Militar que dava
acesso à população, por meio de ligações telefônicas, para o registro de ocorrências
policiais, pelo número 190. Uma questão interessante para se rememorar é o fato de que as
ocorrências policiais direcionadas na atualidade ao número 190, eram, desde a segunda
metade do século XIX, realizadas ao número 90, antigo fone de emergência da PM, porque
naquela época, os telefones – domésticos ou comerciais tinham apenas dois ou três dígitos.

Segundo a historiadora Marcia Nunes414, em sua tese ‗Rumo ao Boulevard da


República: entre a cidade imperial e a metrópole republicana‘, no anúncio do jornal Diário de
Notícias, publicado no dia 8 de maio de 1888, era possível identificar uma lista de 191
assinantes da Empreza de Telephones no Pará que utilizavam telefones de dois ou três dígitos
em estabelecimentos comerciais, repartições públicas e moradias. Dentre os assinantes da
Empreza de Telephones na Província do Grão-Pará, constava o ―Corpo de Polícia‖415, que
àquela época localizava-se à Rua da Indústria, próximo à Inspetoria da Alfandega, nas

413
O Centro de Operações Policiais Militares (COPOM), em 1998, pelo Decreto nº 2.9.59 de 16/06/1998,
tornou-se o Centro Integrado de Operações (CIOP), órgão de acionamento do Sistema Estadual de
Segurança Pública e Defesa Social, subordinado à Secretaria Adjunta de Gestão Operacional, pertencente
à SEGUP. O objetivo do CIOP é mediar a comunicação entre o cidadão e os órgãos do Sistema de
Segurança Pública por meio do call center 190, possibilitando o registro de ocorrências de urgência e
emergência na área de Segurança Pública, durante 24 horas, permitindo o despacho oportuno de
guarnições, com auxílio tecnológico de vídeo monitoramento, cujo objetivo é de promover atendimento
ágil e estratégico na Região Metropolitana de Belém. Adaptado do ‗Informativo Institucional Oficial do
CIOP-2017‘.
414
NUNES, Marcia Cristina Ribeiro Gonçalves. Rumo ao Boulevard da Republica: entre a cidade imperial e a
metrópole republicana. 2017. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do
Pará, Belém, 2017. p.141.
415
Segundo FARIAS (2013), ‗Corpo de Polícia‘ foi uma das denominações recebidas pela Policia Militar do
Pará. Em 1886, devido a necessidade de adequação da Força Pública para atuar na capital e interior, o
governo reorganizou o policiamento e por isso fundiu a Guarda Urbana (que atuava só na capital) com o
Corpo de Polícia (que atuava na capital e no interior da Província). Dessa junção, resultou no Corpo Militar
de Polícia. Ver: FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações,
condições materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Revista
Territórios e Fronteiras. Cuiabá, vol. 06, n.1, jan-jun. 2013a.p. 222.
151

adjacências da Rua do Imperador.416 No século XX, o Corpo de Polícia, após ter recebido
outras denominações417, passou a ser denominado de Polícia Militar e as ocorrências
endereçadas anteriormente ao número de telefone 90- do COPOM, foram direcionadas ao
190, que a partir de 1998 , tornou-se CIOP (Centro Integrado de Operações)418 até o presente.

Dos oficiais formados naquele momento, entrevistados nesta pesquisa, unanimemente


consideraram que a formação recebida foi a contento, embora também reconheçam que
houvesse algumas lacunas nos conteúdos e ensinamentos para o alcance das demandas dos
tempos atuais:

Para aquela época, nossa formação foi adequada e nos capacitou para desenvolver as
atividades como policial militar. A sociedade tinha um outro comportamento e não
tínhamos as tecnologias de hoje, entendo que me foi proporcionada uma formação
adequada e sem deficiências. Mas era um outro momento que vivia a sociedade,
hoje a sociedade é outra. (Lima e Silva, Cadete, 1989).

Nossa formação foi adequada para a nossa atuação. Acho que não haveria
disciplinas a serem retiradas da grade curricular, todas atendiam alguma finalidade.
Talvez pudessem ser acrescentadas, por exemplo: Polícia Comunitária, Direitos
Humanos que naquela época não eram tão comuns, mas que já se vislumbrava que
seria uma necessidade social e conhecimento de maior peso. (Formigosa, Cadete,
1999).

Parecia em certa medida que algumas instruções eram de uma instituição amadora,
quase irresponsável tecnicamente na execução de tarefas. [...] vi muita diferença da
formação do Exército. No Exército tudo era bem planejado e organizado [...]
Entretanto, nós havíamos aprendido muito no Exército, entendíamos o que era
responsabilidade, o que era servir a população, e isso fez superarmos todas as
adversidades e deficiências. (Rocha, Aspirante a Oficial, 1991).

[...] foram várias deficiências, entretanto, a nossa experiência anterior no Exército,


diminuiu ou mesmo, amenizou essas deficiências, tanto é certo que, correspondemos
com a expectativa da corporação, pois os comentários dos comandantes das
unidades onde os oficiais recém-formados foram alocados, foram sempre positivos.
(Mafra, Aspirante a Oficial, 1991).

416
Jornal Diário de Notícias de 05/05/1888, p.4 apud NUNES, Marcia Cristina Ribeiro Gonçalves. Rumo ao
Boulevard da Republica: entre a cidade imperial e a metrópole republicana. Tese de Doutorado em História Social
da Amazônia. Programa de Pós-graduação em História. Universidade Federal do Pará, Belém- PA, 2017.p.142.
417
Corpo de Polícia(1818), Guarda Militar de Polícia(1822), Corpo de Municipais Permanentes(1831), Batalhão
de Caçadores(1835), Corpo de Polícia (1835), Corpo Policial(1840), Corpo Provincial de Caçadores de
Polícia(1847) Corpo Paraense de Voluntários da Pátria (1865), Corpo de Polícia Paraense(1867), Corpo de
Policial Permanente(1875), Corpo de Polícia (1876), Corpo Militar de Polícia (1885), Corpo Provisório de
Linha (1889), Corpo Militar de Polícia (1890),Corpo de Infantaria (1891), Regimento Militar do
Estado(1895), Brigada Militar do Estado(1905), Força Pública do Estado(1922), Companhia de
Estabelecimento(1932), Polícia Militar do Estado do Pará (1935) e Polícia Militar do Pará(1967).
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.279-280.
418
O CIOP foi instituído em Belém pelo Decreto Estadual nº 2.959, de 29 de maio de1998, sendo pioneiro no
Brasil em realizar a atuação integrada das instituições da Segurança Pública. Adaptado do ‗Informativo
Institucional Oficial do CIOP-2017‘
152

2.4 AS PRIMEIRAS FORMATURAS DE OFICIAIS DA FONTOURA

“Quem rememora, tece uma


relação afetiva com o passado
com tendência a mitifica-lo”
Grossi e Ferreira (2001)419

Decorridos os dezoito meses do curso, foi definida a data de 26 de junho de 1992, para
a formatura da primeira turma do Curso Intensivo de Formação de Oficiais. A turma foi
denominada de “Bicentenário de Tiradentes‖, em alusão ao mártir da Inconfidência Mineira,
que é o patrono das Polícias Civis e Militares. O ―clima, a atmosfera daquele momento era
realmente de festa‖, segundo descreve Heyder Calderaro:

[...] Eu pensava. Puxa, finalmente chegou junho de 1992. Era o momento da nossa
formatura. A solenidade foi pela parte da manhã. Foi quando tivemos a primeira
grande solenidade no pátio da ‗Fontourinha‘. E estavam presentes meus
familiares, amigos, muitas autoridades civis e militares. Nosso pelotão tinha 59
aspirantes a oficiais, estávamos muito bem uniformizados: túnicas bem passadas e
sapatos bem lustrados, um entusiasmo só. Foi uma alegria também para nossos
pais, um sinal visível de orgulho. (Calderaro, Aspirante a Oficial, 1991).

A forma entusiasmada pela qual Heyder Calderaro faz sua narrativa, denota uma relação
afetiva e de alegria produzidas pelas suas lembranças. Se, da parte dos pais, como o entrevistado
se reporta, havia ―um sinal visível de orgulho‖, por sua vez, a instituição Policial Militar
também apresentava orgulhosamente à sociedade paraense, a sua primeira turma de oficiais da
Academia Coronel Fontoura, à qual designavam de ‗Universidade de Segurança Pública da
Amazônia‘.

A solenidade militar começou às 09h00 com a chegada do governador, que passou em


revista a guarda de honra, composta pelo corpo de cadetes da Academia. Eram 59 concluintes
dos 60 aspirantes que ingressaram, pois um dos alunos do Pará havia pedido o seu
desligamento logo no início do CIFO.

A turma ―Bicentenário Tiradentes‖ teve como paraninfo o então governador420 do


estado Jader Barbalho, e como madrinha a primeira dama à época, Elcione Barbalho. Além do
comandante da PM do Pará, coronel Cleto José Bastos da Fonseca, compareceram à

419
GROSSI, Yonni de Souza; FERREIRA, Amauri Carlos. A razão narrativa: significado e memória. Revista
História Oral, v.4, 2001.
420
O governador do estado é o comandante e chefe da Força Pública estadual, por isso, nas solenidades policiais
militares, cabe-lhe elevada posição de destaque.
153

solenidade o comandante do PM do Amazonas, Amílcar da Silva Ferreira, e da PM do Piauí,


Manoel Paes Silva, para recepcionar os novos oficiais daquelas coirmãs. ―Foi um evento
muito bonito‖, relembrou João Paulo Vieira da Silva421:

[...] Era a nossa primeira turma de formandos. Palanque armado, pelotão de


novos oficiais, familiares, instrutores, muitas autoridades do estado, um dia
realmente pra ficar na memória; inclusive estava presente o Inspetor Geral das
Polícias Militares do Brasil - General de Brigada Luiz Góes Nogueira Filho,
que veio especialmente para prestigiar o evento, e isso nos orgulhava, porque
naquela época era a IGPM é que dava o aval para o funcionamento dos cursos
das Academias. A presença do general na formatura, sinalizava pra gente
positivamente. 422

A conclusão daquele curso era resultado da junção de muitos esforços, planejamentos


e investimentos durante algum tempo. Alguns ex-comandantes da PMPA, como o coronel
Francisco Machado423 e o coronel Raimundo Nonato424, demonstraram o objetivo de
implantá-lo425, porém, havia sido uma conquista da gestão do coronel Cleto Fonseca.

Por maior relevância que houvesse a graduação recebida, naquele ato solene de
formatura, em seu discurso, o comandante geral, coronel Cleto da Fonseca426 preferiu alertá-
los sobre a profissão abraçada, atribuindo-lhe a ideia sacrificial, de sacerdócio:

Saibam que a carreira de vocês é um sacerdócio e quem entra deve saber dos
riscos. Não esperem reconhecimento dos outros e sim de si mesmos‘ 427‘

Como é comum na conclusão de cursos militares, no momento da formatura, os três


concluintes que alcançaram melhor desempenho durante o curso, tornam-se reconhecidos com
distinção, no caso da turma do CIFO/1992, os três primeiros colocados foram: Sandoval
Bittencourt Neto, Domingos Sávio e Jean Marcel. A classificação da turma concluinte
obedecia a seguinte ordem (Quadro 2).

421
O primeiro comandante da APM, anfitrião na solenidade.
422
Fragmento da entrevista com o Cel. João Paulo Vieira da Silva, primeiro comandante da APM Cel. Fontoura.
423
O coronel Francisco Machado foi comandante geral no período de 1983 a 1987.
424
O coronel Raimundo Nonato foi comandante geral no período de 1989 a 1991.
425
Informações coletadas no discurso do governador Jader Barbalho, publicado no Jornal ‗Diário do Pará‘, de
27/06/1992. Caderno A. p-11.
426
O coronel ficou no comando geral da PMPA no período de 16 de março de 1991 a 30 de dezembro de 1994.
427
Fragmento extraído do discurso do coronel Cleto José Bastos da Fonseca, proferido para os formandos do 1º
CIFO, no dia 26 de junho de 1992, no pátio da Academia Coronel Fontoura.
154

Quadro 2 - Ordem de classificação da Primeira Turma do CIFO.

COLOCAÇÃO NOME DO ALUNO CONCLUINTE ORIGEM


1º Sandoval Bittencourt de Oliveira Pará
2º Domingos Sávio de Souza Amazonas
3º Jean Marcel da Costa Salim Pará
4º Daniel Menezes Barros Pará
5º Arthur Rodrigues de Moraes Pará
6º Osmar da Silva Nascimento Pará
7º Hilton Celso Benigno de Souza Pará
8º Rubenlúcio Silva da Silva Pará
9º Heyder Calderaro Martins Pará
10º Antonio Cláudio Moraes Puty Pará
11º Audo Albuquerque da Costa Amazonas
12º José Sebastião Valente Monteiro Júnior Pará
13º Mário Antônio Muniz Marques Pará
14º Fernando Augusto Dopazo Noura Pará
15º Márcio Fernando Santos de Barros Pará
16º Jairo Mafra Mascarenhas Pará
17º Josenário Boracho de Figueiredo Amazonas
18º Heldson Tomaso Pereira de Lima Pará
19º Paulo Sérgio Santana Garcia Pará
20º Marco Antonio Rocha dos Remédios Pará
21º Pedro Paulo Amorim Barata Pará
22º Ruy Celso Lobato dos Santos Pará
23º José Vicente Braga da Silva Pará
24º Walter Rodrigues da Cruz Júnior Amazonas
25º Temístocles Paulo da Silva Pará
COLOCAÇÃO NOME DO ALUNO CONCLUINTE ORIGEM
26º Cristiano Gomes de Paula Piauí
27º Josué Cesário Sá Júnior Piauí
28º Jorge Antonio Marques dos Reis Piauí
29º Waldomiro Seraphico de A. Carvalho Neto Pará
30º Marcus Roberto Alves Miranda Pará
31º Luiz Gonzaga da Silva Junior Amazonas
32º Antonio Lima Cruz Pará
33º Mauro Alves Pinheiro Pará
34º Hylton Loris Soares Figueira Pará
155

COLOCAÇÃO NOME DO ALUNO CONCLUINTE ORIGEM


35º Dilson Barbosa Soares Júnior Pará
36º Hélio Lisboa da Silva Pará
37º Elder Ribeiro da Silva Pará
38º Ronaldo Negreiros da Silva Amazonas
39º Manoel Ferreira de Almeida Neto Pará
40º Ronaldo Cesar Gomes da Silva Amazonas
41º José Sardinha de Oliveira Júnior Pará
42º Rubens de Sá Soares Amazonas
43º João Thadeu Alves Miranda Pará
44º Clayton Frota Gomes Piauí
45º Luiz Augusto Barile de Carvalho Pará
46º Igor Abrahão Abdon Pará
47º George Alexandre Fonseca Feitosa Amazonas
48º Carlos Emilio de Sousa Ferreira Pará
49º Franclides Corrêa Ribeiro Amazonas
50º Julio Alberto Simonetti Barbosa Amazonas
51º Geraldo Bruno Costa de Andrade Pará
52º Adriano Cesar Severo de Almeida Piauí
53º Luis Cleber Acácio Barbosa Pará
54º Marcelo Evaristo do Carmo Pereira Pará
55º Wellington Pereira da Silva Amazonas
56º Cláudio Márcio da Costa Guerra Pará
57º Harrisson Morais de Souza Amazonas
58º Rivaldo da Costa Barbosa Amazonas
59º Peter Schmidt Amazonas
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base nos registros da divisão de ensino da APM.

A cerimônia militar transcorreu no pátio da Academia, onde houve o hasteamento de


bandeiras, com discurso do chefe de estado e do paraninfo, o juramento da turma de
oficiais, desfile militar e a premiação do primeiro colocado. Desdobrou-se ainda em baile
das espadas e na cerimônia religiosa em ações de graça, celebrada na Basílica de Nazaré,
como se pode visualizar na fotografia (Figura 11), os formandos uniformizados de túnica
azul petróleo, cada um portando suas espadas, (instrumento característico do oficialato) para
receberem a tradicional ‗benção das espadas‘- rito peculiar aos cursos de oficiais.
156

Figura 11 - Missa em ação de graças do 1ºCIFO, na Basílica de Nazaré.

Fonte: Acervo pessoal de Joao Paulo Vieira da Silva (1991).

A formatura daquele primeiro CIFO ocupou destaque nas páginas dos três jornais428 de
maior circulação do estado: ‗Diário do Pará‘, ‗A Província do Pará‘ e ‗O Liberal‘, com os
respectivos títulos: ―Academia da PM forma a primeira turma de oficiais da Amazônia‖;
―Academia de Polícia forma 1ª turma‖ e ―Academia da PM formou seus primeiros oficiais‖,
como podemos ver nos fragmentos dos Jornais a seguir:

429
Academia da PM formou seus primeiros oficiais
Os 59 integrantes da turma ―Bicentenário de Tiradentes‖, do primeiro curso
intensivo de formação de oficiais da Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura,
participaram ontem de manhã da solenidade de formatura. [...] A cerimônia ocorreu
na sede da Academia de Polícia Militar, na rodovia BR-316. O comandante-geral da
Polícia Militar do Pará, Cleto José Bastos da Fonseca, ressaltou na ordem-do-dia
―que a Polícia Militar do Pará ultrapassa o marco histórico da fundação da primeira
academia de formação de oficiais, gerando para si, Amazonas e Piauí, oficiais com
formação policial-militar ambientada, dirigida e vivenciada para resolução dos
problemas da segurança pública‖.

428
Discorri de forma sucinta, sobre a história desses três jornais paraenses, em ‗nota de rodapé‘ na Introdução desta
tese.
429
Jornal O Liberal, 27 de junho de 1992, Caderno Cidades, p. 7.
157

430
Academia de Polícia forma 1ª turma
A formatura da primeira turma da Academia de Polícia Militar ―Cel. Fontoura‖
aconteceu ontem de manhã, com a presença do governador Jader Barbalho, que foi
escolhido como paraninfo, e sua esposa, Elcione, como madrinha. A cerimônia foi
realizada na própria academia, localizada no município de Ananindeua, e durou
cerca de uma hora e meia.
A turma, denominada ―Bicentenário de Tiradentes‖, tem 59 formandos, sendo que
39 do Pará, 15 do Amazonas e 5 do Piauí. O curso iniciou no dia 16 de janeiro do
ano passado e terminou ontem. Durante esse período houve aula de Ciências
Jurídicas, técnicas de fazer da polícia, fundamentos das Ciências Sociais e outros.
Os três policiais que se destacaram – 2º Ten. Bittencourt (1º lugar), Aspirante PM
Sávio (2º lugar) e Ten. Marcel (3º lugar) – receberam medalhas na cerimônia. O
coronel Vieira, comandante da academia, disse que o curso pretende qualificar o
preparo dos futuros comandantes e líderes – a geração de oficiais que vai dirigir a
Polícia Militar no ano de 2000.
431
Academia da PM forma a primeira turma de oficiais da Amazônia
A primeira turma de oficiais da Polícia Militar da Amazônia, pertencente à
Academia Coronel Fontoura, em Ananindeua, formou-se ontem com 39 integrantes
do Pará, 15 do Amazonas e 5 do Piauí. A turma Bicentenário de Tiradentes teve
como paraninfo o governador Jader Barbalho e madrinha, a primeira dama, Elcione
Barbalho. A solenidade militar começou às 9:00 horas com a chegada do
governador, que passou em revista a guarda de honra, composta pelo corpo de
cadetes da academia. Estavam presentes à cerimônia, o vice-governador, Carlos
Santos; o comandante da PM, coronel Cleto Fonseca; o secretário da SEGUP,
Alcides Alcântara; o secretário da SAGRI, Paulo Koury; o comandante geral do
órgão responsável pelas polícias militares, general Luiz Góes Ferreira Filho; o
jornalista Walter Guimarães representando o superintendente do Diário do Pará,
Laércio Barbalho; os comandantes das PMs do Amazonas e Piauí, Amílcar da Silva
Ferreira e Manoel Paes Silva, respectivamente e o comandante da academia, coronel
João Paulo Vieira. [...] Os comandantes da PM local e o da academia discursaram e
logo em seguida foram entregues as placas de honra ao mérito aos primeiros
colocados dos três estados [...] O primeiro colocado da turma, oficial Bittencourt,
recebeu a condecoração ao mérito, medalha general Ferreira Coelho por dedicação
aos estudos, uma rosa heráldica das mãos do governador.

É interessante analisar que nos registros jornalísticos sobre a formatura do CIFO


divulgados nos referidos jornais, as matérias guardavam visível semelhança de conteúdo,
noticiando o fato, sem o costumeiro choque de ideias e informações.

O historiador José Honório Rodrigues, ao analisar o jornal como uma das ―principais
fontes de informação histórica‖ adverte que ―nem sempre a independência e exatidão
dominam o conteúdo‖ e que, por vezes, os artigos caracterizam-se por uma ―mistura do
tendencioso, do certo e do falso‖432

Mesmo se considerarmos que a imprensa de modo geral se mantém vinculada aos


diversos interesses políticos, frequentemente existentes nas pautas das redações de jornais, no
caso em questão, parece-nos que o relato do evento e a narrativa sobre os personagens, foram
realizados mantendo uma certa harmonia redacional, sem modificar ou produzir outro sentido

430
Jornal A Província do Pará, 27 de junho de 1992, Caderno 1B.
431
Jornal Diário do Pará, 27 de junho de 1992, Caderno A, p.11.
432
RODRIGUES, José Honório. Teoria da História do Brasil: introdução metodológica. 3 ed. Ver. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1968. p.198.
158

à situação. Além do aparente consenso observado na cobertura jornalística do evento, havia


também fotografias dos pelotões e do desfile militar nos jornais, em ângulos diferentes,
quebrando um pouco do conteúdo de um texto maciço, tornando as reportagens sobre a
formatura mais interessantes, como se pode observar nas Figuras 12, 13 e 14.

Figura 12 - Formandos desfilam depois de receberem suas espadas.

Fonte: Jornal O Liberal, 27 de junho de 1992.

Figura 13 - O governador passa em revista a turma de formandos.

Fonte: Jornal A Província do Pará, 27 de junho de 1992.


159

Figura 14 - A Academia de Polícia Militar ―Coronel Fontoura‖ entregou espadas a 59 oficiais.

Fonte: Diário do Pará, dia 27 de junho de 1992.

Observa-se que as fotografias, figuras, ilustrações e caricaturas, quando publicadas em


jornais, possibilitam atrair a atenção do leitor, bem como auxiliá-lo na compreensão do assunto
discorrido. Por conta disso é que Herman Lima433 assegura que a ilustração ―trouxe para o
jornalismo uma nota leve, espirituosa e atraente ao quebrar a monotonia das grandes folhas, onde
a matéria impressa se estendia. ‖

Tania de Lucca434 considera que graças aos avanços da indústria gráfica, o tratamento
sistemático dado às imagens, ganhou importância no mundo dos impressos: as charges,
fotografias, propagandas, mesmo que de menor predominância, em face do que é escrito.

Pierre Ansart435, esclarece que a empresa jornalística visa primordialmente, o lucro, e


que por isso, o jornal precisa inventar formulações médias, e convenientes para atrair leitores
das diversas categorias, interesses, partidos, etc. Nessa perspectiva, o jornal busca se permitir
passar uma visão aparentemente ―anti-ideológica‖ abrindo suas páginas para diferentes
tendências políticas, encobrindo o caráter propriamente de ―empresa‖, ao mesmo tempo
apresentando a ideia de ―neutralidade jornalística‖

No caso dos jornais paraenses em tela, nota-se haver entre os mesmos, visível disputa
nas relações de forças existentes, o que os torna passiveis de crítica devido a esses distintos
posicionamentos, inclusive político-partidários, algumas vezes eivados de inverdades.

433
LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993, v.1. p.141.
434
LUCCA, Tania Regina de. Impressos periódicos e escrita da História: algumas observações. In: Estudos de
Imprensa no Brasil: I Seminário de Pós-graduandos em História da UFF. p.12-15
435
ANSART, Pierre. Ideologias, Conflitos e Poder. Tradução: Aurea Weissenberg. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978.p.86
160

Tania de Lucca, analisa ainda que as relações havidas entre ―imprensa e poder‖, são
frequentemente objeto de reflexão em diferentes conjunturas, e de que se torna notória uma
certa disputa, entre veículos de comunicação, motivada pela questão do poder.

Porém, nesse caso específico da solenidade de formatura do Curso Intensivo de


Formação de Oficiais da PMPA, a imprensa escrita – especificamente os três jornais de maior
circulação à época no estado - ‗Diário do Pará‘, ‗A Província do Pará‘ e ‗O Liberal‘,
denotaram na abordagem do evento na academia policial militar, harmonia nas informações
ao leitor.

Em se tratando da solenidade de formatura de Cursos militares, um elemento cuja a


constatação se mostra muito relevante, é direcionado ao que tange as notas e conceitos
granjeados, no período do curso de formação policial militar. A somatória das notas e
conceitos, em geral, é o que define a classificação final dos formandos, por isso, as notas são
extremamente valorizadas, e no momento cerimonial da formatura, são realizadas as
condecorações dos três que se mais destacaram. Posteriormente, ainda com base na referida
lista classificatória, se determina as unidades e localidades onde os formandos serão lotados.

Assim, cada centésimo ou milésimo de pontos que conduzem às tais notas e aos
conceitos, são geradores de competição acirrada, que nem sempre redundam em resultado
positivo entre os cadetes, por vezes, torna-se uma concorrência nada saudável que redunda em
certa animosidade que vai se arrastando durante toda a carreira policial militar, gerando
descontentamento, sensação de injustiça para alguns, incidindo inclusive na interposição de
recursos ao comando da Academia e em outras instâncias acadêmicas e/ou judiciais.436

No caso da primeira turma do CIFO, após a formatura, os novos segundo tenentes


foram designados para as lotações que tinham anteriormente escolhido, conforme a ordem de
classificação final do curso. Mafra, que havia sido o 16° colocado em sua turma de 59
integrantes, faz a seguinte descrição, sobre a classificação de sua turma:

436
Um exemplo de interposição de recursos administrativos e judiciais na APM Coronel Fontoura, deu-se alguns
anos depois, com a Turma de aspirantes a oficiais de 1998. Eram 91 concluintes, na solenidade de formatura
que se deu em 11 de dezembro de 1998. Alguns desses concluintes, demandaram, tanto por vias
administrativas, quanto por meio do Ministério Público Estadual, a ‗nulidade da classificação final‟ do CFO
–Turma Aspirantes 1998, publicada no Boletim Geral nº 232/1998. Por conta disso, em 2005, houve a
determinação judicial para a criação de uma comissão integrada, que deveria ser formada de dois professores
civis dos quadros da UNIMESTRE - Cooperativa de professores que prestava serviços para a PMPA; dois
oficiais superiores da Diretoria de Ensino e Instrução da PMPA; um pedagogo dos quadros da Secretaria
Estadual de Educação, cuja finalidade era a de elaborar ‗nova Classificação Final‘, tomando como critério
unicamente as notas obtidas nos três primeiros anos do Curso de Formação de Oficiais. Assim, tornou-se
invalidada a classificação imediata ao CFO, procedendo-se 07 anos depois, já em 2005, o reexame dos
históricos escolares individuais dos cadetes por cada ano letivo, o que possibilitou de fato, a confecção de
uma ―nova classificação da Turma de Aspirantes 1998‖. Fato publicado no Boletim Geral nº 245 de 30 de
dezembro de 2005 p.3- 6.
161

Aos terminarmos, nos foi dada a oportunidade de escolhermos três opções de


unidades, que poderiam ser, ou na capital ou no interior do estado, e a prioridade
de escolha se dava pelo resultado da classificação final do curso, em que os
melhores classificados tinham prioridade na escolha, observando a disponibilidade
de vaga na unidade pretendida. Foi um critério justo, pois foi fundamentado no
mérito da cada um. (Mafra, Aspirante a Oficial, 1991).

Embora o entrevistado Mafra tenha analisado como critério justo de lotação, o então
aspirante Figueira, como 34° colocado, apresentou diferente opinião:

Ao concluir o CIFO fui lotado na Companhia Independente de Rádio Patrulha


(CIRP)437. Não fui eu que escolhi. As primeiras classificações o concluinte até
escolhia, depois, ao que me pareceu, era uma decisão combinada entre a Diretoria de
Ensino e o comandante-geral, de acordo com o entendimento deles sobre a
necessidade das unidades. Daí foram lotando a gente. (Figueira, Aspirante a Oficial,
1991).

A Companhia Independente de Rádio Patrulha onde o oficial Figueira foi


primeiramente lotado, era uma unidade policial militar de elevado destaque operacional.
Surgiu mediante a necessidade de agilizar a comunicação entre população e Polícia Militar. A
população acionava a central de Polícia por meio do telefone 190438, que repassava via rádio a
ocorrência para as viaturas de plantão, cujos policiais rondantes tomavam as providências
necessárias.
No ano seguinte à criação da APM Fontoura, ocorreu a conclusão do segundo Curso
Intensivo de Formação de Oficiais – 2º CIFO.(Figura 15). Nesse caso, a formatura
correspondeu aos ritos solenes semelhantes aos da primeira turma, antecedida de missa em
ação de graças celebrada na Basílica de Nazaré, seguida de cerimônia militar ocorrida em 3 de
dezembro de 1993, no pátio da Academia Cel. Fontoura, com guarda de honra, presença de
autoridades governamentais, desfile e juramento dos concluintes e a premiação ao primeiro
colocado da turma, pelo governador do estado à época, Jader Barbalho. À noite, seguiu-se o
baile no salão nobre da sede social da Assembleia Paraense, na avenida Presidente Vargas, em
Belém.

437
A Companhia Independente de Rádio Patrulha – CIRP. Posteriormente, nos anos de 1999/2000, a Companhia
foi extinta, em Belém. (http://museudigitaldapmpa.blogspot.com.br/2016/11/distintivo-da-companhia-de-
radio.html)
438
190 era o fone do Centro de Operações Policiais Militares (COPOM), exclusivo da PM. O COPOM no ano de
1998, tornou-se o Centro Integrado de Operações (CIOP), pelo Decreto nº 2.9.59 de 16/06/1998, órgão de
acionamento do Sistema Estadual de Segurança Pública e Defesa Social, subordinado à Secretaria Adjunta de
Gestão Operacional, pertencente à SEGUP. O objetivo do CIOP é mediar a comunicação entre o cidadão e os
órgãos do Sistema de Segurança Pública por meio do call center 190, possibilitando o registro de ocorrências
de urgência e emergência na área de Segurança Pública, durante 24 horas, permitindo o despacho oportuno
de guarnições, com auxílio tecnológico de vídeo monitoramento, cujo objetivo é de promover atendimento
ágil e estratégico na Região Metropolitana de Belém. Adaptado do ‗Informativo Institucional Oficial do
CIOP-2017‘.
162

Figura 15 - Segunda turma do CIFO da Academia Coronel Fontoura.

Fonte: Acervo pessoal de José Dilson de Melo Junior (1993).

Na fotografia acima, vê-se à frente o grupamento de aspirantes a oficial, uniformizados


em traje de gala, túnica azul petróleo, fazendo o registro fotográfico em pose tradicional, para a
composição do convite de formatura e ao fundo, observa-se o prédio da antiga academia Coronel
Fontoura, onde se visualizava na parte superior (testeira do prédio) os dizeres em letras garrafais:
―ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR CEL FONTOURA, BERÇO DE COMANDANTES E
LÍDERES‖.

Registra-se que a turma de concluintes do 2º CIFO, trazia como personalidade


homenageada a figura do Coronel PM José Sotero de Meneses439, o qual participara na guerra
de Canudos, comandando 640 homens, juntamente com o coronel Fontoura:

Figura de destaque do Exército Nacional, onde serviu 52 anos e foi veterano na


Guerra do Paraguai, cuja campanha fez do princípio ao fim, sendo condecorado pelo
seu próprio país, pela Argentina e pelo Uruguai nossos aliados de então. Pelos
grandes serviços de guerra prestados [...] pelo comando brilhante que aqui exerceu

439
José Sotero de Meneses, tenente-coronel de Infantaria do Exército, foi comandante da Polícia Militar do Pará
no período de 07 de fevereiro de 1895 a 09 de outubro de 1900, quando a instituição era denominada de
Regimento Militar do Pará, antecedendo Antonio Sérgio Dias Vieira da Fontoura. MORAES REGO, Orlando
Luciano Martins. Retrospectiva histórica da Polícia Militar do Estado do Pará. 1822-1930. Belém:
Falângola, 1981. p. 118-123.
163

no 1º governo do eminente Dr Lauro Sodré e pela bravura, destemor e competência


[...] sob o governo do ilustre Dr Paes de Carvalho. 440

Segundo o historiador William Gaia Farias, o coronel PM José Sotero de Meneses


havia sido designado para comandar a Brigada Militar do Pará, tendo sido punido e exonerado
no final da Monarquia, todavia, renomeado no início da Republica441 e de quem se exaltava na
corporação, o feito de haver combatido:

[...] Somando seiscentos e quarenta homens, embarcou em Belém no dia 05 de


agosto de 1897, no navio ‗Pernambuco‘, do Lloyd brasileiro, sob o comando do
coronel do Exército José Sotero de Meneses, e que após 11 dias de viagem, a tropa
paraense, no dia 16, desembarcava em Salvador, capital baiana [...] no dia 25 de
setembro, às cinco horas da manhã, Sotero e Fontoura, chamados ao Forte 7 de
Setembro, receberam ordens de acudir a investida grave de jagunços ao posto do
Pico [...] Sotero de Meneses, ferido gravemente, passa o comando à Fontoura,
dizendo-lhe „salve o nome do Pará‟‖442(grifo nosso)

Na turma então que solenemente homenageia a memória do Coronel Sotero de


Meneses, concluíram 67 novos oficiais, os quais representavam cinco estados da Amazônia
Legal: 01 formando do Acre, 20 formandos do Amazonas, 04 de Roraima, 02 oriundos do
Maranhão e 40 concluintes do Pará (Tabela 6).

Tabela 6 - Quantitativo da segunda turma do CIFO - 1992/1993.


ESTADOS 2 CIFO
Pará 40
Amazonas 20
Roraima 04
Maranhão 02
Acre 01
Total 67
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base
nos registros da Divisão de Ensino da APM.

Por tradição, para ser definida a classificação do concluinte nos cursos militares, sejam
de formação ou de especialização, é estimulada a competição, que nem sempre é salutar para
alguns alunos, como referido anteriormente.

440
Boletim Geral nº 394 de 7 de março de 1921. apud. MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da
Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.173.
441
FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Revista Territórios e
Fronteiras, Cuiabá, v. 6, n.1, jan-jun., 2013a. p. 230.
442
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.222-224.
164

O desempenho individual do cadete é contabilizado minuciosamente, definindo assim, a


sua classificação, antiguidade hierárquica e futuras promoções na carreira. Nos cursos de
formação, como resultado dessa competição, o desempenho acaba tornando-se público, no
momento que é designado como parte da solenidade de formatura, um momento para a
premiação. A referida premiação recai sobre os três alunos que mais se destacaram nos
estudos. No caso da segunda turma do CIFO, os alunos destaques foram Dilson de Melo
Júnior, Abelardo Rufino e Dagoberto Duarte.

Nessas cerimônias de formatura dos cursos militares, um ponto relevante é o


momento em que se dá evidência ao aluno que mais se sobressaiu no curso, alcançando o
primeiro lugar na ordem de classificação geral. No Pará, ao formando que conquistou o
primeiro lugar, em nível de oficialato, lhe é concedida a medalha General Ferreira
Coelho.443

A medalha general ‗Ferreira Coelho‘ é outorgada mediante ato do governador do


estado, em cuja insígnia constará de uma rosa heráldica, prometida ao aluno como
reconhecimento por sua dedicação aos estudos, confirmado pela obtenção de melhor
desempenho escolar, seja no curso de Formação de Oficiais, como também no curso de
Aperfeiçoamento de Oficiais e no curso Superior de Polícia.

Francisco Machado me esclarece em sua entrevista, o porquê a medalha de


desempenho nos estudos, ser denominada de general Ferreira Coelho444, referindo que
―Ferreira Coelho em 1935, quando Capitão de Infantaria do Exército foi comissionado
comandante geral da PMPA, e foi com ele que posteriormente começou o que nós chamamos
de maior evolução do ensino policial militar‖. Em virtude de sua importante participação nos
melhoramentos do ensino na Corporação, a medalha recebe o seu nome, desta feita,
considerando já o último posto alcançado pelo oficial, que foi o de general.

Assim, terminado os dois Cursos Intensivos de Formação de Oficiais pode-se


relembrar que, o resultado classificatório de primeiro colocado e recebedor da medalha
Ferreira Coelho deu-se na primeira turma de 1992, ao aspirante a oficial Sandoval
‗Bittencourt‘ Neto, e na segunda turma-1993, pairou sobre o aspirante a oficial José ‗Dilson‘
Melo de Souza ‗Júnior‘, ambos do Pará. Segue a lista de classificação do 2º CIFO (Quadro 3).

443
Conforme o Decreto nº 1.585, de 20 de maio de 1981, a medalha general ‗Ferreira Coelho‘ é destinada a
estimular a aplicação e o interesse nos estudos policiais militares, premiando os que se hajam distinguido nos
cursos fundamentais para o acesso hierárquico ao longo da carreira. DANTAS, Romeu Teixeira. Coletânea
de Legislação da PMPA - pesquisa e organização. Belém: CEJUP, 1997. p. 121.
444
José Manuel Ferreira Coelho foi comandante da PMPA no período de 04/05/1935 a 14/12/1938; e Secretário
de Segurança Pública do Pará em 1964, no governo de Jarbas Passarinho. PINTO, Lucio Flavio. Jornal
Pessoal, Belém, Ano XXXI, n. 656. jun. de 2018. p.8.
165

Quadro 3 - Ordem de classificação da segunda turma de CIFO.

COLOCAÇÃO NOME DO ALUNO CONCLUINTE ORIGEM


1º José Dilson Melo de Souza Júnior Pará
2º Abelardo Rufino Barges Júnior Pará
3º Dagoberto Gomes Duarte Júnior Pará
4º Ulysses Freitas Ferreira de Araújo Acre
5º Roberto Coracy Santos da Silva Pará
6º Emanoel Queiroz Leão Braga Pará
7º José Guedes dos Santos Neto Amazonas
8º Maurício da Cruz Castro Pará
9º Rui Guilherme Lacerda de Matos Pará
10º Camilo José Sarno Brochado Pará
11º Janderson Monteiro Rodrigues Viana Pará
12º Cleaci Gertrudes de Andrade Amazonas
13º André Luís de Almeida Cunha Pará
14º José Djalma Ferreira Júnior Pará
15º Luis Carlos da Silva Leitão Pará
16º Marco Antonio Rosa e Silva Pará
17º Almério Moraes Pereira Júnior Pará
18º Edvaldo Santos Souza Pará
19º Ronaldo Jorge Alves de Freitas Amazonas
20º Flávio Correa Diniz Amazonas
21º Alfredo de Souza Verdelho Neto Pará
22º Robson Wilson dos Santos Pará
23º Claudenir dos Santos Barbosa Amazonas
24º Willams Antônio Damasceno Chagas Pará
25º José Cláudio Nonato da Silva Amazonas
26º Roberto Rodrigues dos Santos Pará
27º Rosenildo Modesto Lima Pará
28º Everton Souza Cruz Amazonas
29º Alonso Ramos da Silva Amazonas
30º Romualdo Marinho Soares Pará
31º Miguel Mouzinho Marinho Amazonas
32º Paulo Ronaldo dos Santos Amazonas
33º Hildeberto de Barros Santos Amazonas
34º Nilson Soares Cardoso Júnior Amazonas
35º Werner Rohde Amazonas
166

(cont.)

COLOCAÇÃO NOME DO ALUNO CONCLUINTE ORIGEM


36º Raimundo Nilton de Souza Roraima
37º Thalles Costa Belo Pará
38º Edir da Silva Oliveira Pará
39º Paulo Cezar de Lima Machado Pará
40º Cláudio Roberto Guimarães Matias Pará
41º Heriberto da Silva Correa Amazonas
42º Renato de Holanda Bessa Roraima
43º Paulo Damião da Silva Brito Pará
44º Hudson Ricardo dos Santos Pará
45º Maurilio Claudino Pinto Maranhão
46º José Guilherme Bentes Capeloni Pará
47º Walmir Félix Lima Roraima
48º José Ângelo dos Santos Figueiredo Pará
49º Erick Fleming Roque Barreto Pará
50º Francisco Mota Bernardes Pará
51º Jorge Bernardo Júnior Maranhão
52º Otávio Queiroz de O. Cabral Júnior Amazonas
53º Rui de Souza Barbosa Júnior Amazonas
54º José Pedro Franca Fonseca Amazonas
55º Antônio Rodrigues Cavalcante Pará
56º Ronaldo Carlos Souza Seabra Pará
57º Marcelo Ronald Botelho de Souza Pará
58º Paulo Cezar Gomes de Carvalho Pará
59º Osvaldo da Silva Nogueira Roraima
60º José Thiers Carneiro Júnior Pará
61º Cezar Luis Vieira Pará
62º Neil Duarte de Souza Pará
63º Ruy Borborema Chermont Pará
64º Roberto Oliveira de Araújo Amazonas
65º José Carlos Lopes de Souza Amazonas
66º Mário Jorge Zagalo Monteiro Pará
67º Ronilton de Jesus Cavalcante Amazonas
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base
nos registros da Divisão de Ensino da APM.
167

Ao rememorar sua solenidade de formatura e sua condecoração de primeiro colocado,


José Dilson Melo de Souza Junior, relembra com afeto, a relevância que o evento produziu
para si mesmo em sua carreira, mas, sobretudo, o quanto aquele momento tornou-se
significativo para um de seus familiares, para o seu avô materno, o coronel Artur Correa da
Silva:

O dia da nossa formatura foi um dia muito marcante pra mim, porque meu avô –
coronel Artur445, ainda estava vivo, ele estava presente ali no palanque das
autoridades e eu no pátio, concluindo o CIFO, em primeiro lugar (o número 1, da
minha turma). Eu vi a emoção do meu avô durante toda a solenidade. Acho que
passava um filme na mente dele, em me ver, como o seu neto mais velho, seguindo
os seus passos na carreira militar. (Dilson Junior, Aspirante Oficial, 1992).

Dilson Junior relembra que não foram poucas as dificuldades vivenciadas por ocasião
do seu ingresso na Polícia Militar. Inicialmente, refere ter percebido que causou frustração à
sua mãe, que não concordava que seu filho seguisse a carreira policial, alegando que ―não
tinha se esforçado, pagando o Colégio Nazaré (Marista)446 ‖, para que ele decidisse ser
policial.

Entretanto, a trajetória de Dílson Júnior e suas conquistas, lhe indicaram estar no


caminho certo. Prossegue sua narrativa, recordando os dias de sonhos e realizações que
vivera, dando ênfase no relato de sua premiação:

Foi um marco pra minha vida. Veja só, eu recebi minha espada e a medalha Ferreira
Coelho com uma Rosa Heráldica, das mãos do próprio governador – a época era o
Jader Barbalho. Nossa [...] e eu era tão jovem. (Dilson Junior, Aspirante a Oficial,
1992).

As rememorações de Dílson Júnior sobre a sua formatura e premiação registram, em si


mesmo, o que para ele havia sido o diferencial ao longo de sua carreira, como a motivação
apontando-lhe que deveria continuar dedicando-se aos estudos. Assim, nos demais cursos que
realizou durante a carreira profissional, buscou dedicar-se novamente, para alcançar o
primeiro lugar. Dílson Júnior discorre sobre isso em sua narrativa, com orgulho do seu êxito:

445
O avô do entrevistado Dilson Junior era o coronel Artur Correa da Silva, que ingressou na PMPA em 1942
como soldado, tendo se destacado por seu bom desempenho nos estudos como sargento, teve a prerrogativa
de em 1947 ser admitido no Curso de Formação de Oficiais pelo CPOR; e na PMPA, galgou todos os postos
dentro da corporação. Desempenhou diversas funções: foi Delegado de Cametá, nomeado Delegado de
Almerim; chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública; Secretário de Administração, e chegou até o
posto de Coronel e, em 1979, seguiu para a reserva remunerada. Fonte: Registros Memoriais do Coronel
Artur Correa da Silva, cedido por José Dilson Melo de Souza Junior.
446
O Colégio Marista em Belém, é tradicionalmente compreendido como uma escola elitizada, com excelência
de ensino, cujas mensalidades eram de valor elevado, à época.
168

Depois, ao longo da carreira policial militar tive muito bom desempenho nos outros
dois cursos [...], fui o primeiro lugar no CFO, mas também fui primeiro lugar no
CAO e o primeiro lugar no CSP447.
A minha medalha General Ferreira Coelho, não tem só uma, tem três Rosas
Heráldicas, o que chamamos de Tríplice Coroa. Pouquíssimas pessoas conseguem
esse feito (Dílson Júnior, Aspirante a Oficial, 1992).

Por tradição, e valorizando o desempenho dos formandos, os primeiros colocados no


―curso de formação‖ podem escolher a localidade ou unidade operacional em que desejam
servir. Essa escolha é uma prerrogativa que lhes é atribuída pela ordem de classificação
obtida, diferente dos últimos colocados, aos quais não é dada a possibilidade de escolha:

Os primeiros colocados poderiam escolher qual a unidade iria trabalhar. Eu escolhi


ir para o 5º BPM - Castanhal, mas ignoraram, consideraram que os quatro primeiros
colocados iriam permanecer na APM para dar suporte na formação dos demais
cadetes, aí, tive que ficar (Dilson Junior, Aspirante a Oficial, 1992).

Embora por tradição, os formandos possam escolher onde desejam trabalhar, por vezes
ocorre o seu descumprimento, cuja decisão sobre a lotação do formando acaba sendo definida
por critérios subjetivos, alheios à vontade e ao conhecimento do concluinte:

Fomos chamados ao comando geral para a designação de qual o local trabalharíamos


a partir da nossa classificação. Eu fui lotado em Tucuruí, no 13º BPM. Lá fiquei por
algum tempo, e fiquei empenhado por um período na operacionalidade, ou seja, no
policiamento ostensivo, nas rondas em viaturas, e algum tempo depois, fui
designado para trabalhar com a formação dos soldados que estavam ingressando.
(Costa Vale, Cadete, 1992).

De modo geral, observou-se nas narrativas dos oficiais provenientes das Forças
Armadas, uma discreta insatisfação por uma ou outra situação vivida durante a formação.
Talvez pelo fato de terem vivenciado anteriormente o ambiente da caserna, com as pressões,
cobranças, desafios, foram unânimes ao afirmar que não tiveram dificuldades no percurso
acadêmico da formação na APM, ilustrando-se tais narrativas na fala de Leão Braga:

Não tive dificuldades de adaptação, porque já conhecia como se dava a formação


militar. Não tínhamos internato, nossas instruções eram diariamente, com carga
horária de 12 horas. Eram mescladas em teoria e prática. Quando ingressei na PM,
eu pensava comigo ―estou realizando o meu sonho‖. Pensava assim porque no EB,
eu não poderia seguir carreira, só poderia ser oficial temporário e para, de fato,
realizar o meu sonho de carreira militar, estava disposto a superar todos os
obstáculos e na PM tive essa possibilidade. (Leão Braga, Aspirante a Oficial, 1992).

A adaptação desses oficiais da reserva do Exército e da Marinha pode ser


compreendida sob a perspectiva analítica de Michel Foucault (2012), na qual se admite que o

447
José Dílson Melo de Souza Júnior refere que obteve a medalha Ferreira Coelho com três Rosas Heráldicas,
por ter logrado êxito intelectual, destacando-se nos três cursos de acesso de acesso hierárquico na carreira
policial militar: Curso de Formação de Oficial, Curso de Aperfeiçoamento de Oficial e Curso Superior de
Polícia.
169

indivíduo já ―disciplinado, estaria apto a começar a atender automaticamente os sinais, a


obedecer ao que quer que lhe seja ordenado; sua obediência é pronta [...]: a aparência de
indocilidade, o menor atraso, seria um crime‖448

No período de formação, esses oficiais experimentaram o pioneirismo, conquistas e


vivências de uma Academia amadora, da falta de espaço físico adequado, de ajuste curricular
e de docentes, tendo diferentes formas de aprendizado.

2.5 EXPERIÊNCIAS DE OUTRA ORDEM, COMO OFICIAIS

Tendo decorrido o tempo de dezoito meses em semi-internato no 1º CIFO, alguns


estabeleceram vínculos significativos: afetivos, de solidariedade, de cumplicidade, suscitados
principalmente pelos momentos adversos e momentos de celebração inesquecíveis. Sobre um
desses momentos marcantes, o entrevistado Marco Antonio Rocha dos Remédios trouxe à
memória, a narrativa de seu casamento, para o qual foram convidados seus colegas do 1º
CIPO, oficiais e instrutores.

A cerimonia matrimonial com Glacy, deu-se no dia 26 de dezembro de 1992, meses


depois de Rocha, ter sido declarado 2º Tenente, no pátio da ‗Fontourinha‘. A celebração
religiosa ocorrida na Basílica de Nazaré, foi entremeada pelos rituais militares, caracterizando
o vínculo, a adaptação e a valorização do simbolismo castrense no âmbito familiar. Marco
Antonio e Glacy Rocha casaram-se sob o ritual militar denominado de ‗Teto de aço‘, a que
tem direito, apenas os oficiais (Figuras 16, 17 e 18).

Figuras 16-18 - Cerimônia do ―Teto de aço‖, no casamento de Marco e Glacy Rocha.

448
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012b.p.160.
170

Fonte: Arquivo pessoal de Marco Antonio Rocha dos Remédios (1992).

Isso porque, a cerimonia do ‗Teto de aço‘ é uma prerrogativa somente de militares, e


de oficiais, pelo fato de o ‗teto‘ ser feito com espadas, instrumento de uso exclusivo dos
oficiais. O noivo, além de militar, precisa ser oficial, estando no mínimo na condição de
tenente. A mulher oficial militar, geralmente não opta por essa modalidade de cerimônia, uma
vez que ela teria que abdicar do tradicional vestido de noiva, para casar-se
fardada/uniformizada. Mas há mulheres militares que preferiram casarem-se fardadas.

A cerimônia do ‗Teto de aço‘ ocorre com os oficiais convidados, uniformizados a


rigor, para aquela finalidade, formando duas alas no corredor central da igreja. Os oficiais
se colocam perfilados do posto mais antigo, para o mais moderno, e na ‗voz de comando‘ do
mais antigo, os oficiais levantam e cruzam suas espadas acima de suas cabeças, para que os
noivos passem por baixo da cobertura de lâminas de aço protegidos simbolicamente pela
amizade dos convidados presentes, pela energia e aparato militar. As espadas com lâminas,
confeccionadas em aço, produzem um tilintar agudo, lembrando levemente a sonoridade dos
sinos de igreja.

Na cerimônia de casamento Glacy e Rocha, reafirmando a tradição militar, tanto o


noivo, como os pajens estavam igualmente uniformizados a rigor, de túnica e calça cinzas,
gravatas tipo borboletas, e os oficiais convidados que formavam o teto de aço para os
noivos, estavam uniformizados de túnica branca e calça cinza, diferenciando-os do
uniforme do noivo. O teto de aço foi realizado pelos seus colegas da turma do 1º CIFO e
por outros oficiais da PMPA.
171

Os vínculos de amizade firmados desde o período da Academia, por vezes


perduram e acompanham os indivíduos durante toda a carreira, ao trabalharem juntos ou
realizarem outros cursos, dentre outras atividades. Na carreira militar, frequentemente os
relacionamentos continuam, os vínculos se estendem aos familiares, sendo comum se
ouvir que ―na PM se é uma grande família‖.

Passados 26 anos desde que houve o ajuntamento dos primeiros integrantes do


primeiro curso intensivo de formação de oficiais (1991-1992), quase todos os oficiais
daquela a turma, prosseguiram na carreira, tendo chegado ao último posto da oficialidade
na PMPA, o que lhes permite na atualidade, estar na condição de coronéis, comandantes
ou gestores institucionais. Alguns desses, tendo desenvolvido suas funções, findaram o
tempo de serviço policial militar, e já se encontram na reserva remunerada.

Entretanto, durante o percurso investigativo desta tese, pude documentar um momento


singular, quanto houve um ‗novo ajuntamento‘ de uma parte dos integrantes da turma do
primeiro CIFO, desta vez, foi em uma solenidade de passagem de comando, por ocasião da
ascensão do coronel Hilton Benigno ao cargo de comandante-geral - função de maior
relevância, na gestão da corporação. Hilton Benigno marca a chegada do primeiro oficial, da
primeira turma formada na APM Coronel Fontoura, à condição de gestor geral da instituição.
Muito provavelmente pela representatividade do cargo assumido, o momento solene contou
com a presença de um número significativo de seus colegas de turma, que compareceram
para prestigiar o evento, inclusive aqueles que residem em outros municípios ou fora do
Pará ou que já se encontram na reserva remunerada.

A passagem de comando e de sua ascensão de Hilton Benigno, ocorrida no dia 22


de maio de 2017, transcorreu em frente ao Palácio dos Despachos do Governo, antigo
quartel do Comando Geral da PM 449, no bairro do marco, em Belém. Seguindo a tradição,
estavam presentes nos palanques, diversas autoridades governamentais e municipais,
oficiais das Forças Armadas, da PMPA e do Corpo de Bombeiros Militar, delegados da
Polícia Civil, etc.. Após o encerramento da solenidade, no momento das congratulações o
coronel Hilton Celso Benigno, já empossado, desceu do palanque para confraternizar-se com seus
colegas do 1º CIFO (1991) e de seu primeiro comandante na APM Cel Vieira. (Figura 19)

449
Conforme discorri no capítulo 1º desta tese, 2006, no comando do coronel João Paulo Vieira da Silva, o
antigo Parque de Material Aeronáutico de Belém-PAMA, passou por grandiosas reformas, tornando-se
Quartel do Comando Geral e Complexo da Policia Militar do Pará, mas que em 2014, passou a ser Palácios
dos Despachos e Casa Militar da Governadoria.
172

No registro fotográfico (Figura 19), encontra-se ao centro, o novo comandante-geral


empossado; à sua direita, trajando paletó marrom, camisa branca e gravata vermelha, o
primeiro comandante da APM - coronel João Paulo Vieira da Silva, ladeado pelos aspirantes
oficiais do 1º CIFO, atuais coronéis, presentes no evento, da ponta esquerda para direita:
Waldomiro Seraphico, Heldson Tomaso, Mauro Pinheiro, Marco Antonio Rocha dos
Remédios, Osmar Nascimento, Fernando Noura, João Paulo Vieira da Silva, Walter Cruz
(PMAM)450, Hilton Benigno, Sebastião Monteiro Junior, Heyder Calderaro Martins, Paulo
Sérgio Garcia, Pedro Paulo Amorim Barata, Dílson Barbosa e Hélio Silva.

Figura 19 - Posse de Hilton Benigno e reunião dos Aspirantes a Oficial de 1991.

Fonte: Arquivo pessoal de Heyder Calderaro Martins (2017)

Para além do momento solene, a fotografia corrobora com o vim registrando ao longo
desta tese, por meio da narrativa dos diversos sujeitos, uma amizade duradoura entre colegas
de turma e companheiros de profissão. Esse discurso pode ser analisado sob a ótica de Michel
Foucault, que se mostra articulado na interação entre os indivíduos, por meio de linguagens
verbais e não verbais, no dito e não dito, vinculados ao contexto sociocultural, histórico e
demarcados pela relação de poder.451

450
Coronel Walter Cruz, oficial integrante da Policia Militar do Amazonas, um dos entrevistados nesta pesquisa,
marcou sua vinda a Belém, com o objetivo de prestigiar a solenidade de posse de seu colega de turma e novo
comandante-geral.
451
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
173

CAPÍTULO 3

“A-TEN-ÇÃO CUR-SO, SEN-TIDO”452


A FORMAÇÃO DE OFICIAIS DAS TURMAS REGULARES

Quando eu era criança; contigo eu já sonhava; eu sempre idealizava


E quem busca sempre alcança; não perdi a esperança; de tornar-me um combatente
Ser da linha de frente; dessa heroica vanguarda; quando eu entrei na farda...
tantos sonhos em minha mente.
Houve uma grande mudança; até de comportamento; agora a todo momento estou
sujeito a cobrança; de paisano, só lembranças; agora tenho patente; devo estar
sempre presente; Frente, flanco ou retaguarda; quando eu entrei na farda...tantos
sonhos em minha mente.
Troquei papel e caneta; da vida de estudante; pra me tornar um amante; do fuzil e da
bereta; Eita, profissão porreta! Criticada injustamente; mas a população decente;
depende da sua guarda; quando eu entrei na farda...tantos sonhos em minha mente.
Representar o Estado; na sua árdua missão; é bem mais que devoção; É sentir se
consagrado, seja ele ‗camuflado‘, ou outra cor diferente, black, azul, reluzente, verde
oliva ou parda, quando eu entrei na farda...Tantos sonhos em minha mente.453

O cordel em epígrafe expressa as idealizações de um jovem cadete, rememorando a


sua admissão na carreira policial militar. Sonhos, expectativas e esperanças são comumente
manifestados e compartilhados no dia a dia dos cadetes, que chegam ainda tão moços para
cursar o período da academia.

Alguns chegam cheios de esperança com a possibilidade de ter uma profissão, outros
temerosos quanto ao desafio que lhes aguarda, e uns se mostram encantados pela idealização
do que seja a carreira policial militar. Há aqueles que buscam um emprego com estabilidade,
há outros que se deslumbram com a perspectiva de serem agentes da ordem, de terem
‗autoridade‘ sobre os demais.

452
―A-ten-ção cur-so, sen-tido!‖ Trata-se de uma convocação padronizada, dirigida aos integrantes da turma ou
ao pelotão para a apresentação formal a um superior. A voz de comando é efetuada pelo comandante em alto
e bom som, para que todos ouçam e se posicionem atentamente. Na execução do comandamento, as palavras
são enunciadas com certo alongamento das sílabas, por isso estão grafadas em silabas separadas, para dar a
ideia dessa entonação alongada. Tal apresentação está embasada no Regulamento de Continências, Honras,
Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas, conjugada com o Manual de Ordem Unida –
C22-5 do Exército brasileiro. 3. ed. Brasília-DF, Ministério da Defesa, 2000. p 1-11.
453
Cordel com mote em sete silabas: ―Quando eu entrei na farda, tantos sonhos em minha mente”, de autoria de
Dario Lucas Ângelo, da Polícia Militar de Pernambuco, relembrando as idealizações e os desafios reais
vividos pelo cadete.
174

O certo é que, muito além das expectativas que o recém-chegado cultivava ao adentrar
a unidade escola policial militar, havia a possibilidade de experimentar inúmeros
aprendizados, mudanças comportamentais, cobranças, críticas e serviços diários que se
revelam como múltiplos desafios advindos da profissão escolhida.

Isso ocorre, porque a vida do aluno em uma unidade acadêmica onde vigora o ethos
militar tende a ser regrada por uma estrutura interna militar que define explicitamente quem
comanda e quem obedece, entre os seus diferentes níveis, conforme as bases doutrinárias
originadas do modelo de educação militar ou do próprio Exército.

No Pará, depois das duas primeiras turmas do CIFO, de 1991 e de 1992, compostas
exclusivamente de oficiais da reserva das Forças Armadas, as turmas subsequentes, embora
algumas fossem contemporâneas, apresentaram mudanças na execução de suas formações. Digo
454
contemporâneas, porque à mesma época, quando a turma pioneira do CFO, de regime regular,
ingressou na APM Cel. Fontoura, as turmas do primeiro e do segundo CIFO ainda estavam em
pleno desenvolvimento do curso. A turma mais recente tinha equivalência de terceira turma da
APM Fontoura, entretanto, foi considerada pioneira, devido à característica se ser o primeiro
curso com duração de três anos. Além disso, os seus alunos seriam, de fato e de direito,
denominados de ―cadetes‖, diferindo das duas primeiras turmas de oficiais R2, considerados
‗aspirantes‘.

A primeira turma formada no curso com duração de três anos na APM ―Cel.
Fontoura‖ foi a minha turma, o CFO 1992. A turma mais antiga era formada por
oficiais oriundos do NPOR, das Forças Armadas. Então, minha turma seria a
primeira de CFO regular, e com preparação policial completa e estrita. (Ana
Christina, Cadete, 1992-1994)455.

Por essa razão, naquele momento coexistiam no espaço físico da Academia coronel
Fontoura três turmas diferenciadas em sua dinâmica: a primeira turma do CIFO, composta
somente de oficiais da reserva do Exército, considerada hierarquicamente como a mais antiga;
a segunda turma, de natureza mista, composta de oficiais da reserva do EB e da Marinha do
Brasil, como a segunda mais antiga; e a terceira turma, formada por cadetes provenientes da
esfera civil, que passou a ser considerada como a mais moderna.

454
A turma do Curso de Formação de Oficiais de 1992/1994 não era considerada a ‗primeira‘, mas ficou
reconhecida como ‗pioneira‘, pela sua característica de ser a primeira turma do curso regular de formação da
oficialidade, com duração de três anos.
455
Fragmentos da narrativa de Ana Christina Calliari, Cadete, da 1ª turma regular de CFO, no período de 1992-
1994.
175

Notava-se imediatamente a diferença desse concurso em vários aspectos, inclusive no


processo seletivo para o curso regular da APM Cel. Fontoura. Muito embora os candidatos à
turma pioneira tivessem realizado a seleção em conjunto com os candidatos do 2º CIFO, o
Edital desse concurso tornou-se aberto à população em geral, eliminando a exclusividade aos
oficiais R2; permitiu a participação de praças da PMPA no concurso 456; continuou com
disponibilidade aos demais estados da Amazônia Legal, além de permitir o ingresso de
mulheres. Era um concurso de oficiais de natureza mista (homens e mulheres) com elevado
rigor desenvolvido em quatro etapas.457

Entretanto, a propaganda sobre esse concurso nos jornais da cidade, segundo o relato
do participante Rayol, ―era motivadora‖, e trazia como ‗chamada‘ principal: “Seja tenente da
Polícia Militar”. A esse convite, muitos jovens que estavam sem emprego, que tinham
concluído o 2º grau (atual ensino médio) ou que faziam faculdade foram atraídos para a APM,
―sem entender ao certo do que se tratava a carreira policial militar‖458.

Naquele concurso, foram aprovados 96 cadetes, procedentes dos estados do Pará,


Amazonas, Amapá, Maranhão, em regime de semi-internato. Rayol afirma que tinha poucas
informações sobre como se desenvolveria a vida acadêmica na APM, e percebia que o
desconhecimento sobre o Curso de Formação de Oficiais, era comum entre os seus colegas:

Para o candidato civil, a ideia era que bastava chegar na PM e ser tenente. Depois,
quando já estávamos aprovados, nos foi explicado que não era só entrar e ser tenente.
Que, primeiramente, a gente iria fazer a academia de três anos, depois de formados, é
que iriamos fazer um estágio probatório, e quase quatro anos depois, da nossa entrada
é que seríamos tenentes. (risos) [...] Mas para quem estava desempregado e querendo
ser militar, aquela parecia ser uma chamada ideal, mas com uma formação muito
demorada (risos). (Rayol, Cadete, 1992-1994).

Rayol desenvolve sua narrativa de modo bastante fluente, e suas memórias


ocasionalmente entremeadas de risos, possibilitam a compreensão e interpretação do seu
percurso vivido na APM, sob três momentos: quando cadete da turma pioneira da
―Fontourinha‖; depois na condição de instrutor de Treinamento Físico Militar na própria
Academia e, anos mais tarde, no papel de comandante da unidade de ensino, quando ocorreu a
formação da última turma investigada no recorte temporal desta tese.

456
O concurso aberto à oficialidade, despertou o interesse entre os praças da Corporação, especialmente os que
tinham nível superior, como os casos de Mariney – bacharel em Direito, e de Rosilene – graduada em
Educação Física, entre outros, que viram naquele certame, a possibilidade de ascensão na carreira policial
militar.
457
As quatro etapas do concurso eram todas eliminatórias e correspondiam ao exame intelectual, exame de saúde
(médico/odontológico), teste de aptidão física e avaliação psicotécnica.
458
Fragmentos da narrativa de Luiz Carlos Rayol, Cadete, da 1ª turma regular de CFO, no período de 1992-1994.
176

Rayol relembra que somente depois da sua aprovação, estando entre os 96 admitidos,
deu-se conta de que ainda havia um longo percurso correspondente ao período de formação, e
que tinha sido um grande equívoco acreditar no imediatismo de tornar-se tenente na PMPA.

Além da questão do período de tempo a ser superada, outros desafios se interpunham


aos cadetes recém-chegados, dentre os quais, a determinação de que auxiliassem na
construção de salas e na ampliação de parte das instalações físicas da APM, atividade que
jamais fora pensada por aqueles novos integrantes do curso:

[...] Foi um começo muito difícil, porque tivemos que ajudar a organizar tudo. A
APM não tinha muita estrutura para receber tanta gente. Tinha um pavilhão do
comando e um pavilhão do corpo de alunos, com quatro salas que já eram
ocupadas pelas turmas do intensivo, que chegaram antes de nós. Então, nós
tivemos que construir nossa própria sala de aula... bater cimento, colocar tijolo,
desmatar uma área verde que havia atrás da APM etc. [...]. (Rayol, Cadete, 1992-
1994).

Rayol relata que os cadetes foram chamados a executar vários tipos de serviços:

[...] tínhamos que fazer faxina, lavar banheiros, [...] pelas dificuldades que
encontramos, no início, muita gente desistiu da Academia, quem vinha do mundo
civil, sentiu muito impacto com aquele ritmo, não queriam passar por aquilo‖. [...].
(Rayol, Cadete, 1992-1994).

Diante daquela exigência, ―de fazer faxina, lavar banheiros‖, alguns dos cadetes, já
graduados na universidade, apresentavam descontentamento quanto a terem participado de um
concurso profissional, para repentinamente terem que ―passar por aquilo‖. Rayol percebia a
insatisfação e frustração de seus colegas, quanto a terem que realizar alguns daqueles
serviços, razão pela qual alguns desistiam e justificavam seus pedidos de desligamento do
CFO.

Era coerente que os cadetes recém-chegados entendessem a determinação como um


agravo, posto que o concurso de oficiais se tratava de nível superior, inclusive os aprovados
eram submetidos a quatro etapas de seleção, à graduação do oficialato, todas de caráter
eliminatório e classificatório e, inusitadamente, eram designados a realizar atividades de
operários, consideradas como não previstas e incompatíveis para aquele curso.

Além da surpresa pelo período de três anos de formação e dos serviços de


construção para a ampliação da unidade de ensino, outros equívocos, quando a admissão,
foram sendo revelados. Uma outra parte da turma de cadetes, que era composta por
universitários, e que tinham sido informados de que a carga horária ofertada no Curso de
Formação de Oficiais, não os impediria a continuidade dos estudos na faculdade, percebeu
177

no entanto, que a realidade não era bem assim. A carga horária aplicada à APM exigia
dedicação quase que exclusiva. Muito embora a Academia não fosse realizada em regime
de internato, a sua dinâmica organizacional sinalizava aos ingressantes a
incompatibilidade entre o horário dedicado à Academia e o tempo disponibilizado ao
curso universitário:

Eu era civil, e a PM era meu primeiro emprego. Eu tinha passado à época em três
faculdades: Ciências da Computação, cursava Matemática na UEPA e
Processamento de Dados no CESUPA. E fiquei empolgado com a possibilidade de
conciliar a carreira militar com alguma daquelas faculdades. Eu realizaria meu
sonho. Foi acreditando nisso que optei em cursar o CFO no Pará e não quis tentar
CFO em nenhuma academia coirmã, porque fora do estado seria automaticamente
em regime de internato. Mas para a surpresa de todos nós, mesmo não sendo
internato, não dava pra conciliar faculdade e CFO. (Rayol, Cadete, 1992-1994).

Além dos recém-admitidos terem percebido a impossibilidade de conciliação da


APM com a faculdade, em decorrência da rotina policial militar, desde as 06h e às vezes
se estendendo até 21h00, também foram confrontados com outras as adversidades e,
paulatinamente, alguns integrantes da turma findaram solicitando o seu desligamento do
curso:

Naquela primeira turma do curso regular, só ficou quem realmente precisava e quem
estava querendo muito ser militar. [...] Depois foi melhorando, enquanto as salas
estavam sendo construídas, nós assistíamos aulas no rancho, fazíamos ordem unida
na quadra etc.. Depois, quando tudo se normalizou, começamos a ter aula dentro da
nossa sala. (Rayol, Cadete, 1992-1994).

Todavia, Rayol avalia que tais desafios e adversidades vivenciados por aquela turma
foram positivos, e que em nada denegriu o caráter de suas formações, pelo contrário, analisa que
contribuiu, com parte da forja, da turma pioneira, tornando-os mais determinados e fortes,
analisando em sua narrativa: ―Findou que isso nos ajudou a perceber que éramos uma turma
muito forte‖

É válido destacar, que naquele momento manifestava-se significativa incongruência,


entre a propaganda do concurso para a formação ao oficialato, como de nível superior, e ao
mesmo tempo, demonstrava-se notória inadequação e improvisação da estrutura física daquela
unidade de ensino para o recebimento de tais alunos.

Aquele modus operandi impingido aos novos alunos oficiais, oriundos do mundo civil
assemelhava-se ao ocorrido um ano antes, com os integrantes das duas primeiras turmas
provenientes do Exército. E, tanto para os novatos civis, quanto para aqueles experientes na
caserna, destaca-se a busca pela identificação masculina com o tipo de atividade, pareciam
178

esperar revelar-se, o homem, em sua capacidade de ação, força e objetividade vinculadas aos
atributos masculinos, de virilidade, que são esperadas no imaginário do militar.

Rayol e outros sujeitos relatam que os cadetes foram empregados em outras atividades
congêneres, por exemplo, capinação, limpeza do terreno, preparação do campo de futebol e,
por mais extenuante que fossem os serviços, Rayol denota em sua narrativa, o sentimento de
orgulho na realização da empreitada:

[...] nós fomos desmatar toda a área lá atrás da Fontourinha, que era cheia de
árvores. Os bombeiros cortaram todas as árvores com motosserra e nós tivemos
que carregar todos esses troncos cortados. Depois, tivemos que tirar as raízes
que permaneceram, jogar terra preta em toda a área, tratar da terra, plantar
grama uma por uma, foi que formamos nosso campo e ficou uma maravilha.
Depois, sentíamos orgulho em olhar para ele, todo verdinho e jogar bola. E
também cuidávamos. Isolávamos, trocávamos a grama e sempre tratávamos
aquilo ali como patrimônio nosso, de orgulho, algo bem feito, que a gente via
que todo mundo sentia prazer em jogar no campo porque era bem tratado.
(Rayol, Cadete, 1992-1994).

De fato, as tarefas braçais não estavam previstas no rol das disciplinas de formação,
entretanto, o desempenho dos cadetes naquelas atividades pareciam cumprir parte, a
docilização anunciada por Erving Goffman e Michel Foucault, necessária à caserna e, por
outra, ―a função de nomear o mundo subjetivo do homem, fazendo-o por meio de uma
tentativa de eliminar o que nele há de duvidoso, impreciso e disforme‖, para a carreira policial
militar.459

Relembro-me que também o entrevistado Leonardo Gibson, no primeiro capítulo desta


tese, relata as dificuldades encontradas em sua formação na Academia de Minas Gerais, na
realização de ‗obrigações‘, percebidas como não relevantes diretamente à atuação policial
militar, entretanto, que se submeteu a elas, em virtude das normativas daquela unidade de
ensino. Assim, analiso que tanto no Pará quanto em outro estado, essas tarefas são
introduzidas como modelagem do comportamento, uma aprendizagem comportamental que
contribui para a docilização exigida em âmbito militar.

A força física exigida na limpeza do terreno cheio de árvores, na preparação da


quadra, na construção das salas de aulas, estava sobreposta à evidência do padrão de
masculinidade esperado, reforçando a imagem que socialmente deveria se encontrar em um

459
MATOS, Maria Izilda S. de. Cabelo, barba e bigode: masculinidades, corpos e subjetividades. Locus: Revista
de História, Juiz de Fora, v.17, n. 2. 2011. p.132.
179

homem, fortalecendo as representações de que ―os homens deveriam se mostrar sempre


fortes, racionais e capazes‖.460

Todavia, as mudanças sociais se interpunham, o mundo globalizado passou a sofrer


significativas transformações e o campo militar, cuja a profissão era sexualizada e ancorada
no masculino, obrigatoriamente precisou se flexibilizar. Surgiu assim a inserção das alunas
oficiais mulheres. Como isso se deu? Que desafios se apresentavam a elas na Corporação?
Diferia o tratamento dado aos homens?

3.1 AS PRIMEIRAS MULHERES POLICIAIS MILITARES NO PARÁ


Saíram de casa, ganharam a rua e a vida. Hoje trabalham, sustentam a família, vêm e
vão, cuidam da alma e do corpo, ganham e gastam, amam e odeiam. Quebraram
tabus e tradições. Não é pouco para quem há cinquenta anos só tinha um objetivo na
vida: casar e ter filhos[...]461
Na turma pioneira da APM de 1992, considerada uma turma mista, deu-se a abertura
de inserção de mulheres para realização do Curso de Formação de Oficiais no Pará. Aquela
seria, de fato, a primeira turma de alunas oficiais a ser formada no estado, em um curso
regular com duração de três anos.

A seleção não era brincadeira. Nós mulheres, precisávamos passar em todos os


exames. Uma disputa pesada. O primeiro era o exame intelectual, onde a gente
deveria obter nota superior, para alcançar a classificação entre uma das 10 vagas
ofertadas para oficial do sexo feminino; depois ainda tínhamos os exames médico, o
teste físico e posteriormente o exame psicotécnico. (Ana Christina, Cadete, 1992-
1994)462.

Nota-se no relato de Ana Christina, que a disponibilidade de vagas para a admissão de


mulheres era exígua, com o oferecimento de apenas 10 vagas, e que se tratava de um concurso
exigente, tanto quanto inusitado, mas que demonstrava nesse grau de exigência, certa
equidade entre os concorrentes, homens e mulheres, cuja a aprovação haveria de ser nas
quatro etapas.

Embora fosse a primeira realização de CFO com a admissão de cadetes do sexo


feminino, a Polícia Militar do Pará já contava com a presença de mulheres integrantes do seu
efetivo desde 1982.

460
MATOS, Idem..
461
DEL PRIORE, Mary. Conversas e histórias de mulher. 1.ed. – São Paulo: Planeta, 2013.p.5.
462
Fragmentos da narrativa de Ana Christina Calliari, Cadete, da 1ª turma regular de CFO, no período de 1992-
1994.
180

No ingresso dessas primeiras mulheres da década de 1980, são identificados elementos


relevantes nos registros jornalísticos, naquele contexto sócio histórico, analisados por esta
pesquisadora, em outras de suas produções463 que se mostram interessantes na linha do tempo,
como elementos de permanências e de rupturas da formação policial militar feminina.

As jovens candidatas naquele momento, respondiam há alguns critérios de seleção


dentre os quais, destaco: a idade compreendida entre 18 a 25 anos, altura mínima de 1,60, que
fossem solteiras, não poderiam estar grávidas, e que se submetessem a um teste de
datilografia em máquina manual.

Então, em 1982, deu-se o ingresso do primeiro grupo de mulheres na instituição,


denominada de ―Pelotão Feminino‖464. As aprovadas, formaram um pelotão composto de
modo sui generis, com 57 integrantes, sendo três alunas oficiais que tinham diploma de
formação de nível superior; quatro alunas Sargentos, de nível médio - o antigo 2º grau; e 50
alunas soldados, com escolaridade de nível fundamental - o antigo 1º grau, e não havia
graduação de Cabos. Todas elas ingressaram no mesmo ajuntamento policial militar feminino,
porém, o critério de classificação que as diferenciava hierarquicamente como soldados,
sargentos e oficiais era tão somente a questão da escolaridade.465

Refiro-me que era um pelotão composto de modo sui generis, porque em regra geral,
as formações militares, pelas suas especificidades, desenvolvem seus cursos, treinamentos e
capacitações, em salas de aulas e turmas separadas de acordo com as graduações de soldados,
cabos, sargentos, etc.

No caso em questão, as soldados e as sargentos ingressaram formando um único


pelotão, no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, em Outeiro. Ao final do curso,
deu-se uma nova classificação, na qual a divisão hierárquica se estabeleceu de forma bastante
peculiar: como não havia cabo feminino, as dez melhores classificadas na avaliação geral do

463
VALE, Jesiane Calderaro Costa. Memórias em pedaços: algumas reflexões sobre a carreira profissional e
dominação. In: II Simpósio de História em Estudos Amazônicos, 2015. Belém. Anais do II Simpósio de
História em Estudos Amazônicos. UFPA. Belém. 2015;
VALE, Jesiane Calderaro Costa. “Vestindo a farda”: O que dizem os jornais sobre a admissão da mulher na
Polícia Militar do Pará nas décadas de 1980 e 1990. 2ª Semana Nacional de Arquivos: História, Memória,
Patrimônio e Arquivos em Bragança-Pará. Sessão de Fontes Cartoriais, Paroquiais e Periódicas: Sujeitos na
História.2018.
464
A admissão de mulheres policiais foi instituída por meio do Decreto Estadual nº 2.030/1981, pelo então
governador Alacid da Silva Nunes, em 15/12/1981. Entretanto, ingresso de policiais do pelotão feminino
ocorreu somente em 1º de fevereiro de 1982.
465
Sobre a primeira turma de mulheres policiais militares, Ver: LEITE, Maurea Mendes. Origens sociais e
trajetórias profissionais das primeiras mulheres policiais pertencentes ao círculo de oficiais da Policia
Militar do Pará. Dissertação (Mestrado em Defesa Social e Mediação de Conflitos) – Universidade federal
do Pará, Belém, 2013. p.56.
181

curso, pelo desempenho destacado na formação, obtiveram as primeiras colocações e foram


imediatamente promovidas à graduação de ‗cabo‘.

No tocante às três oficiais alunas:466 Izanete Carvalho de Lima, Filomena de Almeida


Buarque e Ellen Margareth Rocha, selecionadas por terem diploma de graduação
universitário467, foram designadas à Academia da Polícia Militar do Barro Branco, em São
Paulo, para realização de um estágio equivalente ao Curso de Adaptação a Oficial Policial
Militar, com duração de três meses, e após seus retornos, puderam assumir as atividades
correspondentes a oficial feminino. Assim, estava montado o primeiro pelotão feminino da
PMPA, composto de tenentes, sargentos, cabos e soldados.

Naquele ano de 1982, o pelotão de mulheres policiais era coordenado pelo coronel
Roberto Pessoa Campos e pelo aspirante a oficial Clementino Ruffeil Rodrigues. Entretanto,
foram convidadas como instrutoras duas oficiais da Polícia Militar de São Paulo468, as
tenentes Neuza e Vera, às quais serviam de referência sobre os serviços e ofício da mulher
policial, visto que naquela época não havia oficiais femininos no Pará469.

Ainda em 1982, com o objetivo de normatizar a conduta da mulher policial na instituição,


houve a publicação de decretos, diretrizes e regulamentos sobre os procedimentos relativos às
integrantes do pelotão feminino de Polícia.

Tais normatizações regulavam o seu comportamento em público, com regras claras,


prescritas pormenorizadamente, abrangendo vários aspectos do cotidiano da policial, quer fosse
dentro e fora do quartel, toda a sorte de proibições, como por exemplo, sobre os trajes e
vestimentas da mulher policial, a arrumação dos cabelos, maquiagens, uso de joias, relações de
amizades, relacionamentos amorosos, questões financeiras, vícios etc.470

466
Esclareço que embora pareçam iguais, há significativa diferença entre as nomenclaturas ―alunas oficiais‖ e
―oficiais alunas‖. São considerados ―alunos oficiais‖ ou cadetes, os que realizam o Curso de Formação de
Oficial de modo integral na instituição; e ―oficiais alunos‖ são aqueles que ingressam já com titulação de
nível superior externa à instituição, e necessitam apenas realizar o Curso de Adaptação ao Oficialato,
denominado de CADO.
467
No caso em questão, Izanete Carvalho era graduada em Serviço Social; e a Filomena Buarque e Ellen
Margareth eram ambas graduadas em Direito. Anos mais tarde, a tenente Filomena Buarque solicitou seu
desligamento da Corporação, para exercer o cargo de Juíza de Direito no Pará; e a tenente Ellen Margareth
tornou-se comandante da Guarda Municipal de Belém. Izanete entretanto, prosseguiu sua trajetória na
PMPA, chegando ao posto de Tenente-Coronel (penúltimo na carreira), momento no qual entrou para a
reserva. Ver: LEITE, Maurea Mendes. Op. cit., p. 57.
468
Destaco que em 1955, iniciou-se pelo estado de São Paulo, a criação do primeiro ‗grupamento feminino‘ do
Brasil e da América Latina quando foi implantado no âmbito da Guarda Civil de São Paulo, o ―Corpo de
Policiamento Especial Feminino‖, através do Decreto nº 24.548, de 12/05/1955, pelo então governador Jânio
Quadros. Experiência essa que foi replicada em outros estados brasileiros, com o auxílio do estado pioneiro,
depois que houve a regulamentação do Exército.
469
Boletim Geral n.º 020, de 29 de janeiro de 2016. p. 2.
470
PARÁ. Decreto nº 2.030, de 15 de dezembro de 1981. Criação do Pelotão de Polícia Feminino no Pará.
182

Em 1984, o pelotão feminino foi transformado em Companhia de Polícia Feminina por


meio do Decreto nº 3.181/1984, estabelecendo a missão, atribuições, estrutura, tipo de
atividades e empregabilidade das mulheres policiais. Concomitantemente, no mencionado
Decreto foi apresentada a relação de direitos e deveres, e as diversas transgressões471
disciplinares que poderia lhes redundar em punições, uma vez que eram escalonadas nas
graduações leve, média e grave:472

473
CAPITULO VI - DOS DIREITOS E DEVERES

[...] Art. 14 – Constituem, ainda, transgressões disciplinares para as policiais


militares femininas, além do disposto neste regulamento.
2 - Manter relacionamento íntimo não recomendável ou socialmente reprovável,
com superiores, pares ou subordinados (GRAVE);
3 - Frequentar, uniformizada, café, bares ou estabelecimentos similares, salvo se estiver
em missão ou serviço (MÉDIA);
4 - Frequentar, uniformizada, cinemas, teatros, casas de diversões, salvo se estiver
em missão ou serviço (MÉDIA);
5 - Manter relacionamento de amizade com pessoas de reputação duvidosa
(GRAVE);
6 - Usar, quando uniformizadas, penteados exagerados, perucas, maquilagens
excessivas, unhas longas ou com verniz de cor extravagante (LEVE);
7 - Invocar circunstâncias de matrimônio ou encargos de família para eximir-se de
obrigações funcionais (MÉDIA);
8 - Usar joias ou adereços que prejudiquem a apresentação pessoal da policial militar
feminina quando uniformizada (LEVE);
9 - Demonstrar intimidade com outrem, mediante atos e gestos comprometedores,
estando uniformizada (LEVE);
10 - Usar gírias, expressões ou gestos incompatíveis com a conduta policial feminina
(MÉDIA);
11 - Transitar em público conduzindo objetos estranhos ao serviço, estando uniformiza
(LEVE);
12 - Passear ou transitar em companhias de pessoas de sexo masculino estando
fardada (MÉDIA);
13 - Fumar em público estando fardada (LEVE).(grifos nossos)

471
Transgressão disciplinar é qualquer violação dos princípios da ética, dos deveres e obrigações policiais-
militares na sua manifestação elementar e simples e qualquer omissão ou ação contrária aos preceitos
estatuídos em leis, regulamentos, normas ou disposições, desde que não constituam crime. Ver: MACHADO,
Francisco Ribeiro (Org.). Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM) – Decreto nº 2.479, de 15 de
outubro de 1982 – Manual do Policial Militar. Belém: PMPA/Diretoria de Ensino e Instrução, 1992. p. 212.
472
DANTAS, Romeu Teixeira. (Org.). Diretriz do Comando Geral nº 02/1982 – Procedimentos relativos às
integrantes do pelotão de Polícia feminino. Coletânea de Legislação Estadual. Belém: CEJUP, 1997. p. 129-130.
473
Decreto nº 3.181/1984, de 24 de janeiro de 1984 – Regulamento da Companhia de Polícia Feminina da PMPA.
183

Tal Decreto tratava-se da principal legislação em âmbito da organização militar,


adotado para exercer a padronização das mulheres policiais militares, no que se referia à
disciplinarização e ao controle, e versava categoricamente, manifestando uma tentativa de
modificar ou regrar a mulher policial, naquelas condutas consideradas tipicamente femininas,
ou que envolviam os signos usuais da feminilidade, tais como maquiagens, arrumação dos
cabelos, joias e vestimentas.

Ainda, no referido decreto, constava em seu Artigo 19, advertências explicitas à


Companhia de Polícia Feminina, no tocante a que a unidade policial, não deveria ―ser
entendida como uma organização de mulheres masculinizadas, ou um movimento feminista
de libertação‖ mas que, sobretudo, a referida Unidade deveria ―procurar manter e estimular a
feminilidade de suas integrantes‖474.

Essas recomendações explícitas sobre a compreensão do que seria a Unidade policial


e, em especial, a advertência para não se tornar ―um movimento feminista‖, eram motivadas
pela efervescente mobilização do movimento feminista para que as mulheres exercessem
papéis, funções e profissões antes realizados primordialmente por homens, e ―lutavam cada
vez mais, para entrar em novas carreiras e para se afirmarem em ambientes anteriormente
destinados aos homens‖.475

No que tange à responsabilidade da própria corporação, quanto à ―manutenção da


feminilidade de suas integrantes‖ , compreendo à luz das análises de Pierre Bourdieu, em a
‗dominação masculina‘, que tal fato, constitui as mulheres como objetos simbólicos, e se
afirma através do olhar dos outros, sinalizando a dependência simbólica:

Delas se espera que sejam ‗femininas‘, isto é, sorridentes, simpáticas, atenciosas,


submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas. E a pretensa ‗feminilidade‘
muitas vezes não é mais que uma forma de aquiescência em relação às expectativas
masculinas, reais ou supostas, principalmente em termos de engrandecimento do ego.476

Ressalto que em muitos países, a admissão de mulheres nas organizações policiais


militares era efetuada no sentido de prover as lacunas deixadas no efetivo, por ocasião das
guerras477. No Brasil, o primeiro estado que instituiu a admissão de mulheres na carreira policial

474
Decreto nº 3.181/1984, de 24 de janeiro de 1984 – Regulamento da Companhia de Polícia Feminina da PMPA
475
LAVER, James. A roupa e a moda; uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 271.
476
BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p. 82.
477
Destaco o pioneirismo de São Paulo, em 1955, com a criação do ―Corpo de Policiamento Especial Feminino‖,
pelo então governador Jânio Quadros, No entanto, a base legal para incorporação de mulheres nas
instituições policiais militares e a sua regulamentação, se deu a posteriori, por meio da portaria do Estado
Maior do Exército – EME de 16 de junho de 1977, autorizando que fossem criados em todo o território
brasileiro, organizações de Polícia Feminina. In: SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda.
184

foi São Paulo.478 Nas demais Polícias Militares a incorporação das mulheres ocorreu nas
décadas seguintes.

O processo sócio-histórico de inserção da mulher no mundo do trabalho e também na


atividade policial militar são analisados por uma gama de autores, dentre os quais destaco: Prá479;
Soares480; Stearns481, Soares e Musumeci482; Toledo483, Schactae484, Moreira485.

A historiadora Maria Izilda Matos chama atenção de que ―mesmo sob o contexto
desfavorável do autoritarismo dos governos militares (1964-84), as mulheres ‗entraram em
cena‘ e se tornaram visíveis ocupando espaços sociais e políticos‖486; se nos diversos
contextos, descobriram-se como sujeitos ativos, de modo que as imagens de passividade,
confinamento do lar, ociosidade, deram lugar à múltiplas estratégias e resistências criadas
pelas mulheres para o enfrentamento no cotidiano, inclusive em âmbito dos quartéis.

Destaco ainda, no supracitado Decreto nº 3.181/1984, em seu Artigo 20, uma visível
incongruência: Se por um lado, o regulamento advertia que a Companhia Policial feminina
era uma organização na qual as diferenças biopsicológicas seriam respeitadas, entretanto, na
prática incongruente, ―seriam exigidos os mesmos padrões de desempenho profissional
atribuídos ao policial militar do sexo masculino‖.487

Ora, se seriam respeitadas as diferenças biopsicológicas, como então seriam exigidos


padrões semelhantes aos do homem? Por essa e outras contradições, pode-se analisar que a
admissão das mulheres policiais produzia certo estranhamento dentro da Corporação, à

Mulheres policiais: presença feminina na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005. p.28.
478
MOURÃO, Barbara Musumeci. Diálogos sobre Mulheres Policiais. In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO,
Samira. (Orgs.) Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. 1. ed. São Paulo- SP:
Alameda, 2015. p.217
479
PRÁ, Jussara Reis O feminismo como teoria e como pratica. In: STREY, M. (Org.). Mulher: estudos de
gênero. São Leopoldo: Unisinos, 1997.
480
SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia
Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
481
STEARNS, Peter N. História das Relações de gênero. São Paulo: Contexto, 2007.
482
. SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Policia e Gênero: participação e perfil das políciais
femininas nas PMS brasileiras. Revista gênero. Niterói, v.5, n.1, 2004.
483
TOLEDO, Cecília. Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide: Psicologia e Sociedade. São Paulo:
Sundermann, 2003.
484
SCHACTAE, Andrea Mazurok. Farda e Batom, Arma e Saia: a construção da Policia Militar Feminina no
Paraná (1977-2000). Tese de Doutorado. Curso de Pós-graduação em História UFPR.2011.
485
MOREIRA, Rosemeri. ―Entre o escudo de Minerva e o manto de Penélope”: a inclusão de mulheres na
Policia Militar do Estado do Paraná (1975-1981. Dissertação (Mestrado em História). Universidade de
Maringá, 2007.
486
MATOS, Maria Izilda Santos de. História das mulheres e das relações de gênero: campo historiográfico
trajetória e perspectivas. Mandrágora, v.19. n. 19, 2013. p. 6.
487
Decreto nº 3.181/84, de 24 de janeiro de 1984. Regulamento da Companhia de Polícia Feminina da PMPA. p. 135.
185

medida que se adotava o modelo do gênero masculino – androcêntrico, como forma de


gerenciar o padrão feminino de atividades, quer fossem de policiamento, quer fossem do
modus operandi comportamental para as mulheres488.

Desse estranhamento também se pode depreender que naquele lócus estavam


arraigadas práticas reconhecidamente patriarcais, autoritárias e machistas, e que, pelo fato de
se constituir socialmente receptivo à inserção feminina, sofreu relevante ruptura quanto à
tradição de exclusividade masculina, pois, com a chegada das mulheres possibilitou a quebra
da hegemonia masculina, observada na narrativa de Léa:

Como aluna soldado, lembro que o tratamento era o pior possível, já que estávamos
adentrando num quartel, onde só existiam homens... machismo de todos os lados.
Uma turma de 45 mulheres, era muita pressão sobre nós. Algumas, infelizmente,
ficaram pelo caminho, sem concluírem o curso; restaram na minha turma 37 alunas. Eu
venci. [...] Depois, como aluna oficial em Minas Gerais, nós éramos quatro turmas mista
com 40 cadetes cada. Em cada turma tinha três mulheres. Éramos somente 12 mulheres
naquele universo de 148 homens. E não deixávamos por menos, com muita garra e
determinação demarcávamos nosso lugar. (Léa, Aspirante a Oficial, 1988) (grifo nosso).

Em sua narrativa, Ruth Léa que havia sido soldado e depois já na Instituição, foi subindo
os degraus da carreira, chegando ao último posto de coronel, discorre sobre vários de seus
desafios e sacrifícios na condição de aluna. Primeiramente como aluna soldado, realizou seu curso
de Formação, na época era na ilha de Outeiro, a 18 km do centro de Belém, ligada ao distrito de
Icoaraci pela baía do Guajará. Naquela década, ainda não havia ponte sobre o rio Maguary, razão
pela qual as alunas levantavam-se de madrugada para se deslocar de barco até o Centro de
Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), como Léa relata:

O CFAP foi o primeiro contato com a caserna. Não foi fácil, funcionava em
Outeiro, tínhamos que atravessar de barquinho pelo rio Maguari, tudo muito
difícil, chuva e sol. Eu acordava às 04h da madrugada, para fazer uma farofa e
levar, porque a alimentação lá no CFAP era muito ruim; pegava o ônibus as 04h50
para encontrar o pelotão na Praça do Operário, de onde o ônibus saía às 06h, nos
levando até à margem do rio Maguari. No CFAP entrávamos em forma às
07h30. Muitos achavam que éramos frágeis, que não íamos aguentar. Esse
período que ficou marcado em minha trajetória, me fez dar valor a tudo. (Léa,
Aspirante a Oficial, 1988) (grifo nosso).

Léa relata ainda outros enfrentamentos que se submeteu, por almejar seu crescimento
profissional. Relembra que ao iniciar a carreira policial militar encontrou muitos obstáculos,
preconceitos, inclusive em meio à sua própria família:

488
VALE, Jesiane Calderaro Costa. Memórias em (da) Formação: Voltando ao CFAP, onde tudo começou.
Trabalho apresentado nos Anais do I Seminário Militares, Poder e Sociedade na Amazônia: Interlocução
militares, política e imprensa periódica. UFPA,2017.
186

Nasci em Soure, meus pais eram pessoas humildes, mas sempre priorizaram a
educação, mesmo sem condições financeiras. Eu estudava em escola pública, e
ao concluir o segundo grau, fui obrigada a deixar minha terra e ir para a capital -
Belém, em busca de algo melhor, já que Soure não possuía Universidade. Eu
sonhava com o melhor, queria estabilidade profissional e queria poder dar uma
condição melhor para minha mãe, que quando eu nasci, ficou viúva. Nessa
época, minha maior dificuldade era financeira, eu não tinha dinheiro para
sobreviver, morava de favor na casa de parentes, não tinha nem rede para
dormir. [...] Sair da minha cidade na década de 80, como eu saí de Soure, sem
recursos, era necessário [...] encontrei uma diferença muito grande. Lá só tinha
um único meio de transporte que era o navio da ENASA, que fazia viagem de 7
em 7 dias, só aos sábados. Em Belém, a diferença foi tremenda, foi estúpida, eu
senti muito.
Analiso que a inserção de policias do sexo feminino em espaço social cujo poder
era evidentemente delegado aos homens e pelos homens, trazia sobre essas mulheres
expectativas de um ethos comportamental significativamente diferenciado e, ao mesmo,
tempo as práticas semelhantes às do policial masculino, mas não somente isso – a sua
história como mulher, o seu fazer profissional, o seu fardamento, a escolha de seu nome,
eram elementos ditados pela dominação masculina489; e o fazer feminino recorrentemente
colocado à prova.

[...]Pra minha mãe, foi difícil aceitar a ideia de sua filha caçula sair da ‗barra de sua
saia‘ e entrar para uma atividade entendida como "masculina", que era a de policial
militar. Na concepção de minha mãe, ser policial não era profissão para "mulher".
Ela tinha me criado e educado para que eu fosse uma ‗professora primária‘ e dona de
casa. (Léa, Aspirante a Oficial, 1988).

O mundo dos quartéis, segundo Jaqueline Muniz490, era idealizado como ―terra de
machos‖ e a atuação policial militar nas ruas, estava registrada sob o signo da bravura, da
frieza e do heroísmo, ―um tipo de realidade que não se deixa comover pelas virtudes culturais
atribuídas ao signo feminino‖. Nesse espaço, as cobranças estariam sempre a flor da pele, no
sentido de que se a mulher quisesse ser reconhecida como uma profissional qualificada,
precisaria conviver e superar as adversidades que se interpunham de modo sutil e velado,
porque como analisa Andréa Schactae, as atividades que eram destinadas às policiais
mulheres, eram ―construções discursivas, autenticamente definidoras de identidade de
gênero‘491.

489
BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
490
MUNIZ, Jacqueline. Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser. Cultura e cotidiano da polícia militar do
Estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. p. 244.
491
SCHACTAE, Andrea Mazurok. A arma e a saia: Definindo a atividade da policial feminina e reconstituindo
diferenças de gênero.O publicoe o privado. Nº 28. Julho/dezembro. 2016.p.93.
187

Por essa visão estereotipada e conservadora, em que o fazer feminino era sempre posto
à prova, disseminava-se a ideia de que a mulher seria inadequada para as tarefas de
policiamento, estabelecendo para ela serviços burocráticos ou de outros tipos internos, que
não os da atividade de rua propriamente, e desenvolvido para um público considerado
diferenciado, no que se referia a atenção do policial masculino: ―menores492 delinquentes ou
abandonados, senhoras gestantes, parturientes, pessoas idosas, indigentes, e do sexo feminino
em geral‖493

Destarte, as primeiras atividades para o emprego da policial feminina, não se destinava


ao enfrentamento de crime, pelo contrário, apontavam para a assistência junto a crianças e
adolescentes, mulheres e idosos; policiamento em terminais rodoviários, portos e aeroportos;
nas revistas de mulheres detentas e serviços internos de secretaria, telefonia, arquivo e
recepção. Essa relação das atividades previstas para as mulheres policiais, via de regra, era
associada à natureza feminina, reafirmando estereótipos de gênero e a vocação
assistencialista, como se pode constatar na matéria jornalística abaixo:

Por falar em Polícia Feminina, esta tradicional subunidade da Força Estadual, [...]
que viabilizou a participação da mulher nos quadros da PMPA, vai completar seis
anos de profícua existência, sobretudo na área especifica de suas atividades
profissionais, que tem por finalidade precípua, o trabalho com menores
delinquentes ou abandonados, mulheres envolvidas em ilícitos penais, anciões,
além de certo tipo de relação com determinado público, onde a mulher é evidência,
dada a sua qualidade e preparo técnico profissional para tal 494.(grifos nossos)

Mediante à carreira altamente hierarquizada, pela ausência de um debate sobre


questões de gênero nos quartéis, a competitividade via dominação masculina no âmbito
interno dos quartéis direcionou a mulher para as funções administrativas/função meio ou
dentro dos ranchos (cozinha), dando guarida à lógica da figura da mulher como gentil,
atenciosa, afetiva, sensível ou de doméstica, dona de casa e sexo frágil:

Enfim, as próprias mudanças da condição feminina obedecem sempre a lógica do


modelo tradicional entre o masculino e o feminino. Os homens continuam a dominar o

492
O termo ―menor delinquente‖ ou ―menor abandonado‖ ainda era utilizado no regulamento, posteriormente, com
o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1992, foi considerado pejorativo e de uso inadequado
pela sociedade brasileira, passando a criança e o adolescente a serem considerados como ―sujeitos de direitos‖ e,
caso pratiquem algum ato infracional, sejam tratados como ―sujeitos em conflito com a lei‖ ou por ―autor de ato
infracional‖.
493
Regulamento da Companhia de Polícia Militar Feminina (RCPMF), assinado pelo então comandante geral da
PMPA, coronel Artagnan Barbosa de Amorim Sobrinho, com cópia entregue a cada uma integrante do
―Pelotão Feminino‖, em 25/03/1982. p. 2. (Cópia cedida pela Tenente Neuza Carvalho, integrante do
primeiro pelotão da PMPA, hoje na reserva).
494
Jornal Diário do Pará, de 17 jan. 1988, p. B-7.
188

espaço público e a área de poder (sobre a produção), ao passo que as mulheres ficam
destinadas (predominantemente) ao espaço privado (doméstico, lugar de reprodução).495

A princípio, na corporação seguia-se a divisão tradicional do trabalho, na qual as


mulheres se situavam no prolongamento das funções domésticas, como ensino, cuidados,
serviços, e não podiam exercer autoridade sobre o homem, portanto, sendo subordinadas e
auxiliares, e designadas ao âmbito interno, burocrático ou ao cuidado do público específico.

Máurea Leite, em sua dissertação de mestrado sobre ‗as trajetórias das primeiras
mulheres policiais no estado do Pará‘, analisa a existência de preconceitos vivenciados pelas
policiais de sua pesquisa, devido à sua condição de mulher, à medida que as relegavam à
função administrativa. Segundo a pesquisadora, para essas policiais ―[...] estar na área
administrativa era estar na obscuridade, mesmo quando se exercia função de comando,
almoxarife, chefe da Reserva de Armamento, aprovisionadora [...] áreas imprescindíveis na
execução do policiamento.‖496 Neste sentido, Máurea analisa o preconceito, por considerar
que nessa instituição se atribuía maior valor simbólico profissional a quem dedicava a sua
atuação no campo operacional, na execução da atividade-fim.

Por outro lado, compreendo as dificuldades vivenciadas pelos policiais militares


(masculinos), no trato com as diversificadas demandas sociais, que envolviam crianças,
mulheres, idosos, grávidas, etc., público para o qual, esses oficiais combatentes, não se
reconheciam devidamente habilitados, uma vez que a principal atuação policial militar
fundamentava-se, preponderantemente, em uma atividade repressiva, ao passo que à policial
feminino, era voltado à assistência e à proteção Ressalto, contudo, quando se trata do tema
assistência ou cuidado497, muito em voga nas políticas públicas da assistência, historicamente
nos remete à questão do gênero feminino, como naturalmente inerente ao habitus feminino498.

O modelo de execução dos cuidados se configurou tradicionalmente como da mulher,


razão que influenciou sua maior permanência no espaço domiciliar, sem reconhecimento nem

495
BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p.112.
496
LEITE, Máurea Mendes. Origens sociais e trajetórias profissionais das primeiras mulheres policiais
pertencentes ao círculo de oficiais da Polícia Militar do Pará. Dissertação (Mestrado em Defesa Social e
Mediação de Conflitos) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2013. p. 48-49.
497
A questão do Cuidado ou a emergência do Care – palavra de origem inglesa que designa cuidado, que se
consagrou ao tornar-se uma ocupação ou atividade profissional, que passou a ser remunerada, diferenciando-
se do trabalho doméstico, que é gratuito. HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya. Cuidado e cuidadoras: o
trabalho de care no Brasil, França e Japão. Revista de Sociologia e Antropologia, v.1, n.1, 2011. p.156.
498
O conceito de Habitus revela a força da estrutura social presente nas ações individuais e a tendência do
sujeito em reproduzi-las, por terem se tornado práticas sociais incorporadas. BOURDIEU, Pierre. O Poder
Simbólico. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
189

valorização do serviço doméstico. À medida que as mulheres foram entrando no mercado de


trabalho mais intensamente, somando-se às reivindicações dos movimentos feministas, pós-
década de 1960, a concepção sobre o papel e atribuições femininas foram questionados e
repensados quanto à distribuição dos cuidados realizados por elas. Mais tarde, com o
surgimento do care, os cuidados deixam de ser entendidos como uma profissão naturalmente
feminina.

O discurso social mais amplo sobre a mulher como ‗sexo frágil‘, ‗delicada‘ e
‗sensível‘, alcançava a mulher policial militar, e estava tão fortemente arraigado na cultura
organizacional que, no ano em que a Polícia Feminina completava dez anos de fundação,
depois de centenas de atuações policiais, o articulista da coluna ‗Notícias da Polícia Militar ‘,
que escrevia em nome da 5ª seção do Estado Maior da corporação, enalteceu as atividades
desenvolvidas pela unidade policial, ainda sob a mesma lente conservadora, acerca da
delicadeza feminina, destacando a presença ―graciosa e altiva” das policiais, ―as jovens
milicianas ou Panteras”,499 ―a graça e a beleza da policial militar feminina”, conduta que
agradava a sociedade paraense. Segue-se a nota jornalística:

POLÍCIA FEMININA COMEMORA 10 ANOS DE CRIAÇÃO

A Polícia Feminina surgiu no Comando do Coronel EB/QEMA Artagnan de


Amorim Sobrinho, que na época era o Comandante Geral da Força. Sua missão
específica e operacional é fazer o policiamento nos terminais rodoviários,
aeroportos, PM-Boxes, área comercial, dentro das normas estabelecidas pelo
Comando de Policiamento da Capital, protegendo, orientando e informando a
população e, em especial as pessoas do sexo feminino, menores e anciões,
colaborando ainda nos demais órgãos que constituem a Polícia Militar, na
manutenção da ordem pública, defesa interna, defesa civil e territorial, com total
aceitação da nossa sociedade, que cada dia que passa mais exige a presença
graciosa e altiva das policiais femininas 500. (grifo nosso)
[...] Sem dúvida que esse acontecimento da criação da Polícia Militar Feminina,
movimentou todos os segmentos da sociedade paraense, um caso inédito em nossa
querida Belém. Pois a mulher paraense quebrava um tabu de 162 anos desde a
implantação da Força Estadual, ela passava a repartir com os homens, os direitos, as
responsabilidades, os deveres, os sucessos, o cumprimento rigoroso das normas
regulamentares, tudo isso, na expectativa de um trabalho árduo e gigantesco em
função do bem-estar da comunidade paraense, hoje as jovens milicianas ou
„‟Panteras‟‟ como lhes chamavam os órgãos de comunicação da cidade a quando da
instalação, estão cobrindo ao lado dos seus colegas homens todos os quadrantes do
território paraense. Atualmente, a Polícia Militar tem segmentos femininos nas cidades
de Santarém (3º BPM), Marabá (4º BPM), Castanhal (5º BPM) e nossa tradicional
Companhia de Polícia Feminina, sediada em nossa capital, que, em tempo integral,

499
O codinome ―Panteras‖ intitulava um antigo seriado da televisão nas décadas de 1979/80, no qual três belas
investigadoras se formaram com honras na academia de polícia e passaram a integrar a Agência de Detetives
Townsend. As panteras mostram-se corajosas e destemidas no combate dos diversificados crimes e se
destacam pelo visual feminino impecável.
500
Jornal Diário do Pará, de 26 de janeiro de 1992, p. B-7.
190

estão aí, no policiamento ostensivo, levando a graça e a beleza da polícia-militar


feminina na área metropolitana de Belém, bem como no interior do Estado501.

Ainda nesse campo, a ideia era de que a presença feminina poderia possibilitar maior
cuidado policial com o ser humano, mais disciplina, menos corrupção, mais sensibilidade,
simpatia e capacidade de escuta. Novamente atributos que reafirmavam estereótipos e
definiam o território doméstico para a mulher policial militar.

Celina D‘Araújo502 refere que a relação da mulher com a vida militar esteve por muito
tempo associada a seu papel de esposa, e que, com a emergência de um conjunto de novos
direitos, ―a partir de 1980, entre eles, o de a mulher poder escolher profissões
tradicionalmente tidas como masculinas, abriram-se as portas da caserna para as mulheres‖

Durante vários séculos, o sujeito da história foi representado pela categoria ‗homem‘,
e a mulher estava caracterizada pela invisibilidade. Segundo Rachel Soihet e Joana Pedro 503,
isso ocorria porque ―acreditava-se que ao falar dos homens, as mulheres estariam sendo
igualmente comtempladas, o que não correspondia à realidade.‖

Posteriormente, como reflexo das revisões e mudanças ocorridas na historiografia,


algumas temáticas antes tangenciadas, como: loucos, operários, escravos, mulheres etc.,
passaram a ser inseridas e abordadas, como discorre Michelle Perrot 504, em seus escritos ‗Os
excluídos da história‟, na França do século XIX.

No século XX, o crescimento populacional massivo, sem precedentes na história


mundial, gerou implicações enormes na vida de homens e mulheres505. O conhecimento dos
padrões de gênero, de outras sociedades outrora distantes, com aumento do comércio e o
fluxo de viagens, o acesso e a influência das novas mídias, como o cinema e a televisão,
introduziram novos elementos relacionados aos papéis masculino e feminino, buscando
modificar as desigualdades e tentando subverter as estruturas do patriarcado506.

Essa situação produzia uma notória contradição: Para o público interno, a inserção de
mulheres na instituição PM era ‗estranha‘, desconfortável e desafiadora, contudo, para o público
externo, a Corporação exibia, fazia questão de apresentar o pelotão feminino como uma grande

501
Idem.
502
D‘ARAUJO, Maria Celina. Mulheres, homossexuais e Forças Armadas. In: CASTRO, Celso et al. Nova
história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 442.
503
SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações
de gênero. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 54, 2007. p. 284.
504
PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.
505
STEARNS, Peter N. História das Relações de Gênero. São Paulo: Contexto, 2007. p. 186.
506
STEARNS, Ibid., p.188.
191

conquista e modernização institucional. A imagem social do pelotão feminino, acabava por


repercutir de modo favorável em vários locais, e a população era convencida positivamente,
daquele feito. Razão pela qual, Soares e Musumeci 507 analisam que, aparentemente, a presença
das mulheres policiais objetivava positivar a imagem pública da Instituição, fortemente associada
à ditadura.

Observa-se que a ‗permissão‘ para a entrada de mulheres nas PMs brasileiras data
do período da ditadura militar e se ―associa à necessidade de cobrir certos campos de
atuação em que o policiamento masculino (fundamentalmente repressivo) estaria
encontrando ‗acentuadas dificuldades‘. Entretanto, a efetiva incorporação das
PMFems, na absoluta maioria dos estados, ocorre sobretudo a partir do início dos
anos 1980, já no contexto da abertura política e, em vários casos, após a
redemocratização do país – o que parece acrescentar-lhes outros objetivos, como o
de modernizar as PMs e ‘humanizar’ sua imagem social, fortemente marcada pelo
envolvimento anterior com a ditadura. 508 (grifos nosso).

Sobre a inclusão de mulheres nas instituições militares, a partir do início dos anos
1980, a historiadora Rosemeri Moreira509 analisa a Policia Militar no Paraná, como sendo a
segunda corporação no contexto da abertura política, e assegura:

[...] oficializado através da produção legal, um discurso que redireciona o sujeito


feminino tradicionalmente excluído do militarismo, da capacidade para a violência
institucionalizada e da ação na esfera pública [...] em um estado militarizado e
perpassado por pressões de grupos de grupos heteredoxos ao campo político, e que
inicia a construção material e simbólica da categoria mulher policial militar.
Mulheres inclusas na corporação no momento da denominada ‗distensão militar‘ em
que o executivo federal precisa conter os grupos de pressão da sociedade civil para
controlar e direcionar a abertura política; desmantelar os mecanismos repressores;
controlar seus antigos ocupantes e, ainda restituir/mantes a imagem protetora das
instituições disciplinares, agora questionadas publicamente por diversos segmentos
sociais.

Após a consolidação da Companhia Feminina, e devido às diversificadas demandas


que surgiram, abriram-se novas oportunidades à ampliação na liderança da mulher policial
militar.

Então, em 1988 retornaram ao Pará outras três mulheres como aspirantes a oficiais,
que tinham sido enviadas à Academia de Polícia coirmã de Minas Gerais para realizar o CFO:
Maria do Carmo Silva de Souza, Telma Susy Moreira da Costa e Ruth Léa Costa Guimarães.
Sobre estas, o Jornal Diário do Pará divulgava a seguinte informação:

507
SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia
Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.16.
508
SOARES, & MUSUMECI. Idem. 2005, p.29.
509
MOREIRA, Rosemeri. Polícia Militar: a presença e a ausência do viril. Fazendo Gênero – Corpo, Violência
e Poder. Simpósio Temático. Florianópolis, 2008.
192

―PRIMEIRAS ASPIRANTES A OFICIAL PM FEMININAS‖


[...] O Coronel Ailton Carvalho Guimarães, dentro da delegação de poderes que lhe
faculta a Lei Estadual nº 5.251/85, assinou portarias declarando Aspirantes a Oficial
PM [...] que concluíram com aproveitamento o Curso de Formação de Oficiais, na
Academia de Minas Gerais, pelo critério de merecimento: Maria do Carmo Silva de
Souza (1ª), Telma Susy Moreira da Costa e Ruth Léa Costa Guimarães. As jovens
oficiais, as primeiras em toda a secular história da briosa Polícia Militar do Pará,
concluíram com invulgar brilhantismo, o curso, em uma das mais conceituadas
Academias de Polícia Militar do Brasil, como é o caso de Minas Gerais [...] deverão, a
partir do dia 30, estar prontas para o expediente na Companhia de Polícia Feminina.510

Para exercer a condição de comandamento e ampliar o território de atuação, era


necessário que as mulheres oficiais estivessem preparadas em condições profissionais
equivalentes aos homens, e a Academia dava essa possibilidade, devido às instruções, ao
treinamento, à disciplina requerida, e tudo mais na rotina acadêmica, tendo por finalidade a
preparação da liderança, da futura comandante, como explica Ruth Léa:

Na Academia, tínhamos uma rotina bem pesada: acordávamos às 06h, entrávamos em


forma às 06h45 e às 07h55 tínhamos que estar em sala de aula para a apresentação da
turma ao instrutor. Às 11h55, de novo em forma, para adentrar ao rancho. Depois do
almoço, novamente às 13h50, tínhamos que estar em sala, prontas para as aulas da
tarde. Aos sábados tínhamos atividades até às 12h00, além dos serviços internos da
academia, como escalas de plantão de alojamento, biblioteca e serviço de guarda da
Academia. Nosso curso, em sistema de internato, nos disciplinava sobre todos os
aspectos do que iríamos enfrentar, além do que, tínhamos horário para tudo: desde
acordar, estudar, até dormir. (Léa, Aspirante a Oficial, 1988).

Na APM de Minas Gerais, Léa refere ter se deparado com outros desafios. Na
fotografia abaixo (Figura 20), a entrevistada recorda-se de sua aproximação ao grupo de
oficiais masculino, que lhe foi favorecida em decorrência da sua altura. Na imagem, Léa
encontra-se em destaque, na segunda posição da segunda coluna do pelotão em desfile. Por ter
1,84m de altura, estatura pouco comum às mulheres, posicionava-se logo à frente dos pelotões
e dispunha-se à execução da marcialidade de forma equivalente aos homens.

510
Jornal Diário do Pará, ―Notícias da PM‖ de 30 de outubro de 1988, B-7.
193

Figura 20 - Desfile do pelotão de cadetes, onde Léa está inserida na segunda coluna.

Fonte: Acervo pessoal da então Cadete Léa, 1989.

Com a chegada das três novas oficiais Maria do Carmo, Susy e Léa, no Pará, a proposta
era promover modificações, no tocante aos tipos de serviços e superar as dificuldades na condição
desigual em que a policial se encontrava, a despeito de ser uma Instituição cujo lócus estava
demarcado, em suas ambiguidades, pela lógica de subordinação da mulher, com impossibilidade
de realizar funções de comando sob a justificativa da ‗falta‘ de força física ou da sua
―fragilidade‖, visando ratificar a presença da mulher policial militar em suas competências.

As oficiais, desde então, foram se destacando em tarefas que eram eminentemente


masculinas, realizando importantes diálogos e enfrentamentos com outros oficiais sobre as
proibições e repressões vivenciadas por outras policiais, o que possibilitou análises e
promoveu transformações na estrutura interna da Corporação, que através de seus códigos e
normatizações, invadia todos os aspectos da vida da pessoa, inclusive questões da sua
intimidade511, determinando a escolha das amizades, relacionamentos matrimoniais, horários
e locais de passeios etc.

511
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa encontram-se vários atributos e sentidos sobre a intimidade,
relacionados ao âmago da pessoa, o que se passa nos recônditos da mente, do espírito, e que tratam de
assuntos extremamente pessoais, confidenciais, particulares ou secretos.
194

Alguns atos normativos e transgressões previstas no regulamento da Companhia


Feminina512, conferidos às policiais femininas, eram reconhecidamente autoritários e
machistas para o momento, por exemplo: Se a policial militar desejasse contrair
matrimonio, teria que solicitar autorização ao comandante-geral, com antecedência de
sessenta dias do evento, para apreciação superior; a policial não poderia optar por viver em
regime de amasiamento, porque se configurava uma transgressão disciplinar, bem como era
proibido manter relacionamento íntimo não recomendável ou socialmente reprovável com
superiores, pares ou subordinados; caso a policial insistisse no relacionamento, uma das
partes envolvidas deveria pedir desligamento das fileiras da instituição; Se a policial militar
feminina solteira engravidasse, deveria solicitar seu licenciamento da corporação, se não o
fizesse, seria excluída ex-officio.

Na vigência do Regulamento da Companhia Feminina, o relacionamento no


ambiente de trabalho policial militar estava permeado de rigidez, censura, conflitos,
incongruências e violência simbólica.

SOBRE MATRIMONIO513
Art. 14 - Deixar de solicitar, com a devida antecedência, autorização para contrair
matrimônio (GRAVE);
Art. 15 - A policial militar que contrair matrimônio, antes de completado o período
de dois (02) anos de conclusão de curso de formação será excluída da Corporação;
PARÁGRAFO ÚNICO – O pedido de autorização para contrair matrimônio deverá
ser apresentado ao Comandante da Companhia de Polícia Feminina com a
antecedência mínima de sessenta (60) das do evento, a fim de ser encaminhada à
superior consideração do Comandante Geral da PMPA;
Art. 16 - Não será permitido o casamento de policiais militares femininas com
policiais militares e militares masculinos de Forças, sendo estes de círculos militares
diferentes.
PARÁGRAFO ÚNICO – Só será permitido o matrimônio previsto neste artigo, com
o licenciamento de uma das partes das fileiras de sua Corporação.

SOBRE GRAVIDEZ
Art. 17 – Serão concedidos à policial militar gestante, a partir do oitavo (8º) mês de
gravidez, mediante inspeção de saúde e laudo da JIGS, três meses de licença.
PARÁGRAFO ÚNICO – A licença deverá ser concedida às policiais militares
femininas que sejam casadas, sendo que a policial feminina solteira ao engravidar,
solicitará seu licenciamento das fileiras da PM; se não o fizer será excluída ex-officio.

512
Decreto nº 3.181/84, de 24 de janeiro de 1984. Regulamento da Companhia de Polícia Feminina da PMPA, p.134.
513
Idem.
195

Observa-se que a busca em humanizar e melhorar a imagem social da Polícia para o


público externo defrontava-se, contraditoriamente, ao tratamento desumano e desrespeitoso de seu
contingente interno, à medida que questões tão complexas permeavam os quartéis. Desta feita,
algumas policiais femininas queixavam-se, muito sigilosamente, por haver assédio moral e
sexual514 de seus superiores; outras deram vazão ao relacionamento amoroso que desejavam,
independente de seus círculos distintos (oficiais e praças) e pediram demissão; as que eram
homossexuais515 e sofriam retaliação, também pediram demissão e outras continuaram na
instituição. Em geral, as policiais femininas que, notadamente, buscavam se firmar como
profissionais de/na farda, romperam o silêncio, questionaram as transgressões, apontaram
incongruências e passaram a lutar, à sua maneira, não somente para consolidar a presença de
mulheres praças e oficiais, mas, sobretudo, para obter reconhecimento dos seus direitos,
garantidos na Constituição Federal de 1988. Assim, foi possível a introdução de outra dinâmica
nas relações interpessoais, intra e intercírculos, no âmbito da caserna.

3.2 PADRONIZAÇÃO MASCULINA PARA AS MULHERES: CABELOS, UNHAS,


FARDAMENTO ETC.

Nos anos 1970, período precedente à entrada da mulher na Polícia Militar, o uniforme
seguia uma tendência geométrica, a qual foi analisada por James Laver516 que naquele cenário
social, em geral: ―não importava que estilos entraram ou saíram da moda, as roupas femininas
para o trabalho [...] apresentavam cortes deliberadamente masculinos, ao longo de toda a década
de 70 e início da de 80: uma tentativa, na verdade de ficarem no mesmo nível dos homens‖.

A partir da década de 1980, o trânsito de ideias entre homens e mulheres tornou-se


frequente, refletindo em diversos campos, inclusive na moda e no trabalho. As roupas
masculinas refletiam tendências evidentes na moda feminina e as roupas das mulheres foram

514
O termo ‗assédio‘ era anteriormente entendido como perseguição. Entretanto, sua incidência e repercussões
sempre estiveram presentes nas relações sociais, afetando a saúde física e mental do trabalhador, nos
diferentes ambientes laborais. Sobre as várias definições de assédio moral, ver: LIMA, Joana D‘arc do
Carmo. Da antiga perseguição ao assédio moral: o percurso da violência subjetiva nas organizações. Tese
(Doutorado em Sociologia e Antropologia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.
515
O debate sobre a questão da homossexualidade na instituição policial militar passou a ocorrer somente após a
criação do Grupo de Combate à Homofobia, pela SEGUP, dentre as articulações do Programa ―Brasil sem
Homofobia‖, lançado em 2004 pelo Ministério da Saúde, visando o combate à violência e discriminação
contra GLTB e à promoção da cidadania homossexual. Ao longo dos anos mostrou-se um tema repleto de
conotações negativas, do ponto de vista moral, religioso e social. Sobre a temática nas Forças Armadas, há
estudos realizados por: D‘ARAUJO, Maria Celina. Mulheres, homossexuais e Forças Armadas. In:
CASTRO, Celso et al. Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
516
LAVER, James. A roupa e a moda; uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.271.
196

adotando elementos das roupas masculinas, por exemplo, jaqueta de aviador, camisa
masculina, inspiradas nas fardas do Exército517.

O uniforme da policial feminina, nessa época, era composto de saia-calça, camisa, blusa
de meia, meia-calça e sapato. A saia-calça trazia a imitação de uma ―prega macho‖, bem
profunda, na adaptação da calça masculina; comprida e recatada, na altura abaixo dos joelhos.
Confeccionada em tecido sintético, cor azul petróleo, estilo trapézio, em tecido fácil de cuidar, e
praticamente dispensava o uso do ferro de passar. A camisa feminina, por sua vez, em tecido
misto de algodão no tom azul-claro, necessitava ser engomada ou bem passada a ferro. Era
abotoada na frente, com gola levemente arredondada nas pontas, diferindo da camisa dos policiais
masculinos, de gola reta e pontas em ‗V‘. O sapato era exclusivamente preto, de salto baixo518.

O uniforme completo seguia uma tendência da moda, com estilo e detalhes modestos.
Laver analisa que naquele momento, a ênfase da moda era de que as vestimentas fossem
estilisticamente práticas, inclusive até na escolha dos tecidos das roupas, quer para homens ou
para mulheres: ―[...] a ênfase da moda, era a praticidade dos modelos. A escolha dos tecidos
originou-se nessa vida competitiva, que deixava pouquíssimo tempo fosse ele, para combinar
roupas, ou para cuidar delas‖.519 Nesse sentido, o fardamento policial militar deveria ter um
aspecto perfeitamente bem cuidado, em que a policial militar precisava ter boa apresentação e, ao
mesmo tempo, não gastasse muito com isso e pudesse acompanhar o ritmo competitivo do
cotidiano.

Havia fiscalização masculina em todos os aspectos da apresentação pessoal feminina,


sobre o padrão do uniforme, a proibição do uso de maquiagem, o comprimento das unhas, as
cores neutras dos esmaltes e o uso bastante restrito de joias, sendo permitidos somente a
aliança, relógio discreto e anel de formatura.

Outra categoria de análise em relação à mulher na instituição policial militar refere-se


ao cabelo. Nas corporações militares, os cabelos são considerados um item na composição da

517
LAVER, James. Idem.p.271
518
As primeiras mulheres policiais, tiveram seus sapatos confeccionados especialmente sob medida para elas,
pelo sr. Bessa, um renomado sapateiro à época, que mantinha sua sapataria artesanal, situada na avenida Nazaré,
nº 1013, no bairro de Nazaré, área central da capital Belém. Depois, seguiu-se a aquisição de sapatos, com as
lojas de artigos militares, espalhadas pelo estado.
519
LAVER, Ibid., p.272.
197

identidade520 militar, tanto para o homem quanto para a mulher, embora não faça parte do
uniforme. Para os homens, havia um padrão de corte a ser adotado pelos alunos:

Os alunos (masculino) usarão seus cabelos cortados à máquina nº 01 na parte lateral,


e máquina nº 02, na parte superior. Na nuca, o cabelo deverá ser acabado em linha
reta, com ‗pé‘ de cabelo feito. As costeletas poderão ter o comprimento até a altura
correspondente à metade do pavilhão auricular. [...] É vedado o uso de barba e
bigode aos alunos. As unhas devem estar cortadas, curtas e limpas. 521

Nas unidades escolares, geralmente há um policial que exerce a função de barbeiro,


ficando de prontidão diariamente para fazer a manutenção do corte padrão descrito para os
alunos. Cabe ao cadete comparecer à barbearia, pelo menos de 10 em 10 dias, para renovar o
corte, sendo registrado tudo no ‗cartão de cabelo‘ do aluno.

A existência da barbearia na Academia, além de facilitar a vida do cadete, sinaliza a


relevância atribuída à apresentação pessoal, limpeza, higiene, mas, sobretudo, para o
cumprimento do regulamento, tornando os cadetes (coletivamente) mais ‗homogêneos‘,
idênticos, nivelados, desde o corte do cabelo. É o que explica Rayol:

Por que quando o aluno chega, ele corta logo o cabelo? É para tirar toda a vaidade.
Ninguém é melhor do que ninguém, ali todo mundo é igual. Ali precisa surgir uma
equipe, ser trabalhada uma equipe, mais homogênea possível. O corte do cabelo
ajuda na ‗desconstrução do eu‘; a deixar seu apego ao mundo civil. (Rayol, Cadete,
1992/1994; d depois Comandante da APM).

Para as mulheres, a questão dos cabelos é um capítulo à parte. Quando se instituiu o


primeiro pelotão feminino, havia a exigência de que as mulheres fizessem o modelo do corte
bem curto, ―tipo joãozinho‖ – masculinizado. A Portaria nº 002/1987, que dispunha sobre o
penteado e corte para as policiais militares femininas, no seu Artigo 5º, ficava explicito:
―Durante o período de formação, as policiais militares femininas, adotarão apenas o cabelo
curto.‖522. Assim, quando as mulheres foram admitidas na corporação, imediatamente tiveram
que se enquadrar ao regulamento, independente da opinião, do descontentamento, do tamanho

520
Embora o conceito de ‗identidade‘ seja polissêmico, e tenha se tornado objeto de estudo de inúmeras
disciplinas, aqui compartilho das reflexões de Medeiros, cuja definição indica: ―o caráter do que permanece
idêntico ou igual a si mesmo, no tempo‖. Essa definição favorece a análise da interligação de dois princípios:
a permanência e a semelhança, que sugerem dimensões distintas, mas ao mesmo tempo me auxiliam na
compreensão entre as identidades individuais e coletivas. MEDEIROS, Joao Luiz. A identidade em questão:
notas acerca de uma abordagem complexa. In: DUARTE, Maria Beatriz Balena; MEDEIROS, Joao Luiz.
(Orgs.). Mosaico de Identidades. Curitiba: Juruá, 2004.
521
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188, de 4 de outubro de 2017. Manual do aluno oficial policial
militar. p. 68.
522
DANTAS, Romeu Teixeira. (Org.). Diretriz do Comando Geral nº 02/1982 - Procedimentos relativos às integrantes
do pelotão de Polícia feminino. Coletânea de Legislação Estadual. Belém: CEJUP, 1997. p.129-130; p.137-139.
198

ou do estilo de cabelo (crespo, liso, ondulado), todas deveriam mantê-los rente ao pescoço ou
à gola do uniforme. Logo, não era permitido rabo de cavalo ou coque.

Léa recorda-se das exigências estabelecidas sobre o uso dos cabelos para as mulheres,
quando retornou ao Pará, após o período de sua formação na academia em Minas Gerais.
Relembra que vivenciou um forte impacto, ao comparar com a PMMG onde se formara,
observou que lá não havia tal rigorismo. Desta feita, como já era oficial, resolveu apresentar
suas argumentações, junto com suas colegas, em solidariedade às demais policiais.

Quando chegamos à PMPA, eu, Susy e Maria do Carmo, da APM de Minas Gerais,
já como Aspirantes a Oficial, o efetivo feminino do Pará, obrigatoriamente usava
cabelos curtos, no mesmo estilo dos homens. Como tínhamos o regulamento da
PMMG, por modelo, e lá já era permitido que as mulheres usassem os cabelos
presos, feito coque, com redinha, fomos até a Comissão de Justiça da PMPA,
argumentamos, e os convencemos quanto à necessidade de reverem essa norma.
Eles nos ouviram e nos atenderam. Isso para nós foi uma grande conquista. (Léa,
Aspirante a Oficial, 1988).

Quando Léa relembra a ‗vitória‘ referente à argumentação acerca da mudança na


padronização dos cabelos do pelotão feminino, ao qual era obrigatório usar cabelos curtos no
mesmo estilo dos homens, vê-se aí uma ―pequena‖ rendição masculina, o que representou
para aquelas mulheres, segundo Léa, uma ―grande‖ conquista. Houve assim, a abertura para
outras mudanças e a possibilidade de desconstrução do modelo masculino na corporação. Na
reflexão de Léa:

Acredito que muitas das minhas colegas, aquelas primeiras policiais viveram um
período traumático, ao terem que assumir um padrão de cabelo que discordavam, e
que às vezes nem combinava com o seu próprio tipo de cabelo e tinham que se
submeter. (Léa, Aspirante a Oficial, 1988).

Diferentemente das três primeiras oficiais a quem nos reportamos: Izanete, Ellen
Margareth e Filomena Buarque523, as três oficiais: Maria do Carmo, Susy e Léa, ao serem
admitidas, seguiram suas trajetórias na instituição ingressando diretamente no quadro de
combatentes, e cursaram três anos de Academia Policial Militar com o propósito que tal curso as
legitimava, à condição de comando, sem restrição, podendo chegar ao último posto da
corporação.

523
Anos mais tarde, após pedido de demissão da Corporação, a tenente Filomena Buarque tornou-se juíza de
direito no Pará e a tenente Ellen Margareth tornou-se comandante da Guarda Municipal de Belém. Izanete
realizou sua trajetória na PMPA, onde foi comandante da Companhia de Polícia Feminina, tendo entrado
para a reserva no posto de Tenente-Coronel (penúltimo na carreira policial militar).
199

A partir das articulações dessas três oficiais: Léa, Suzi e Maria do Carmo, por volta
dos anos 1990, passou a ser permitido o uso do cabelo solto, para as policiais que usavam
tamanho curto, até o lóbulo da orelha ou da gola do uniforme, e do cabelo médio, arrumado
com penteado em coque, como exemplificado na Figura 21.524

Figura 21 - Padrão adotado para os tipos de cabelo das policiais femininas.

Fone: Manual do Aluno Oficial Policial Militar.

Retomando o curso de Formação de Oficial da Academia Coronel Fontoura, desde o


ingresso das primeiras cadetes (mulheres) já não havia a obrigatoriedade do corte de cabelo tipo
―joãozinho‖, bastava prendê-los firmemente em coque, que segundo a recomendação do manual
do aluno, devia ―ser fixado por elásticos, grampos ou presilhas e redinha para cabelos, mantendo a
tonalidade da cor do cabelo e a discrição‖525. Porém, ainda havia o rigor na inspeção e controle
sobre os adereços, maquiagem, unhas etc., cobranças peculiares às unidades de ensino militares:

Às 07h30 era o horário de entrar em forma, por pelotão, para ser submetido à inspeção
de fardamento, higiene e apresentação pessoal etc. Nesse momento, a farda deveria
estar passada e engomada, o vinco tinha que estar ―cortando‖, o coturno e sapatos
brilhando, a fivela do cinto cadarço deveria brilhar como ouro, eu guardava até um
trapinho no bolso, para dar aquele brilho final, antes de entrar em forma [...]. Tudo
bem arrumado, os cabelos presos, em coque, alto, médio, ou baixo, conforme o
volume de cabelo; as unhas curtas e bem cuidadas, de preferência esmaltadas com
cores claras. Maquiagem era exigida, e deveria ser discreta [...], eu adorava batom
vermelho, mas nunca fui anotada por isso (Ana Christina, Cadete, 1992) (grifo nosso).

Eu não tinha noção do que era ser oficial da PM, a ideia da vida militar, eu via
apenas em meu pai, que era praça. Eu achava que era uma formação muito rígida,
usávamos coque bem armados, não poderíamos ter adereços exagerados e
muitas outras cobranças. (Denise, Cadete, 1994/98) (grifo nosso).

524
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188, de 4 de outubro de 2017. Manual do Aluno Oficial Policial Militar.
525
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188/2017. Manual do Aluno Oficial Policial Militar. p. 69.
200

A partir da turma pioneira do curso regular da Academia Coronel Fontoura, em 1992,


não houve mais solicitação de vagas para realização de CFO em instituições de outros estados
brasileiros. Todavia, a ‗Fontoura‘ optou por continuar oferecendo vagas aos demais estados
da Amazônia Legal, conforme a sua proposição inicial, sendo reconhecida como Universidade
da Segurança Pública da Amazônia.

Dentro do recorte temporal investigado nesta tese, há registros de dezessete turmas de


Formação de Oficiais, desde a criação da APM Cel. Fontoura, no período de 1991 a 2015,
tendo as duas primeiras realizado o curso intensivo – CIFO, com duração de um ano e seis
meses, e 15 turmas do CFO em período regular, com duração de três anos. Embora o ano de
2015 exceda o recorte temporal da pesquisa(2014), encontra-se aqui mencionado pelo fato de
que a 17ª turma do CFO foi iniciada em 2012 e concluída em 2015 (Quadro 4).

Quadro 4 - Nomes das turmas dos cursos da APM Cel. Fontoura (CIFO e CFO)

Turmas Nomes Período Nº Alunos


1ºCIFO Bi-Centenário Tiradentes 1991/1992 60
2ºCIFO Cel. PM José Sotero de Menezes 1992/1993 67
1ºCFO Cel. PM Antônio S. D. Vieira da Fontoura 1992/94 50
(3ª Turma) A Pioneira da Amazônia
4ª Inconfidência Mineira 1993/95 37
5ª Cabanagem 1994/96 83
6ª Desemb. Orlando Dias de Oliveira 1996/98 91
7ª General Ferreira Coelho 1997/99 49
8ª Cel. PM Magela 1998/00 58
9ª Cel. PM Calandrini 1999/01 69
10ª Cel. PM Raimundo Daniel Nogueira Lima 2000/02 59
11ª Prof. Ivanildo Ferreira Alves 2001/03 51
12ª Cel. PM Edson Nestor Ferreira da Silva 2002/05 57
13ª Cel. PM Osmar V. Costa Júnior 2006/08 93
14ª Major PM Marcelo A. Ferreira Oliveira526 2008/10 67
15ª Ten. Cel. PM Mário Muniz Marques Filho 2010/13 40
16ª Cel. PM Carlos Emílio de S. Ferreira 2011/14 44
17ª Gustavo Henrique Cardoso Baía (in memoriam) 2012/15 30
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base nos registros da Divisão de Ensino da APM.

526
A 14ª turma do CFO escolheu homenagear o nome do capitão Marcelo Augusto Ferreira de Oliveira in
memoriam. No momento em que a referida turma estava ingressando na Academia, o oficial homenageado
foi morto em serviço em ocorrência de assalto bancário em 15/02/2008, quando comandava a 13ª Companhia
Independente de Polícia Militar de Uruará, município localizado no sudeste paraense. PMPA. Boletim Geral
Nº 215 de 18 novembro 2008. Consultoria Jurídica da PMPA - Decisão administrativa Nº 013/08 –
CONJUR. P.09.
201

Como se pode verificar no Quadro 4, cada turma do curso de Formação de Oficial da


APM Cel. Fontoura recebe uma denominação, geralmente em alusão a personalidades
militares, vultos ou fatos históricos, por exemplo: Inconfidência Mineira, Cabanagem, etc.,
ou em homenagem a personalidades que tiveram relevância para os referidos cursos. Todavia,
constatamos uma excepcionalidade na turma de 2012/2015527 cujo os alunos eram oriundos de
Macapá e o nome da turma, não dizia respeito a personalidades militares, vultos, nem a fatos
históricos. Ressalto que nem sempre os concursos foram realizados sequencialmente todos os
anos, por exemplo, não houve realização de certames no período de 2003 a 2005, nem nos
anos de 2007 e 2009, fato considerado por Rayol como um prejuízo significativo para a
formação de oficiais.

Quando não há concursos, de modo sequenciado, há prejuízo doutrinário, de


comandamento. Existiram turmas que entraram na APM, passaram os três anos do
curso, saíram e não houve realização de concurso. Isso é um erro muito grave,
porque essa turma não tinha ninguém para cobrar deles, só os oficiais. Ou seja,
aquela cobrança contínua de que ao sair um oficial e entrar um aluno do terceiro ano
cobrando dos mais modernos, eles não tiveram. Então eles ficaram bastante à
vontade. No segundo ano não tinha ninguém para cobrar e no terceiro ano, muito
menos. Cada ano tem um sentido para o treinamento de liderança e obediência. No
primeiro ano é importantíssimo para ele aprender a obedecer. O terceiro ano para ele
aprender a comandar, a liderar. É necessário o cadete aprender a obedecer; é um pré-
requisito: para liderar, primeiro tem que aprender a obedecer. (Rayol, ex-
comandante da APM).

O trecho da narrativa de Rayol retrata a importância do ‗treino de liderança‘ pelo


aluno oficial, para o posterior comandamento. Em sua narrativa, mostra claramente que deve
haver uma dosagem esperada de liderança para cada ano do aluno de Academia. A cada etapa
são dadas atribuições ao cadete, que corresponde ao primeiro ano, segundo e terceiro. E isso o
faz treinar a capacidade de obedecer, de comandar seus pares e subordinados. É o que também
assegura o coronel Costa Júnior:

No CFO, acho extremamente necessária a regularidade dos concursos, ano após ano,
precisa haver alguma turma nova entrando. Na falta da regularidade, faz-se a perda
dos treinos de liderança, da medição da autoridade, tão necessária à formação do
futuro oficial. (Costa Junior, ex-comandante da APM).

527
Trata-se de uma exceção referente ao nome da turma, em homenagem a uma criança: ―Gustavo Henrique
Cardoso Baia‖, filho do cadete da Polícia Militar do Amapá, Fábio Roni Vilhena Baía e de Marliane da Silva
Cardoso Baía. A escolha do nome constituiu-se de modo ―excepcional‖, devido à criança ter falecido
precocemente, aos quatro anos, vítima de doença pulmonar, no estado do Paraná, no período em que seu pai
realizava o Curso de Formação de Oficiais. Dada à forte comoção pelo falecimento da criança, os cadetes da 17ª
turma da APM Cel. Fontoura, composta exclusivamente de cadetes do Amapá, pelo regime de convênio com a
PMPA, resolveu homenageá-lo, em solidariedade à família pela perda do filho, emprestando o seu nome para
homenagear a turma.
202

As observações de Rayol e Costa Junior apontam para a relevância da regularidade


dos concursos, como sendo mais um recurso acadêmico-pedagógico para o exercício e
aprimoramento da autoridade que será conferida ao futuro oficial policial militar.
Compreende-se que no intervalo entre o primeiro, o segundo e o terceiro ano são esperados,
respectivamente, um bom nível de obediência e de liderança.

Na formação, todas as atividades ou desempenho têm sentido. Da minha época de


cadete, eu me lembro bem (risos), a rotina acadêmica era intensa, até nossas
refeições eram feitas com uma prévia na „marcialidade‟, isto é, com ordem unida.
Entrávamos em forma toda a escola. Ao comando do aluno de dia (geralmente era
um do terceiro ano) nós marchávamos (todos os pelotões), exatos 25 passos em
ordinário e depois ficávamos na posição de descansar automaticamente. Em
seguida, cada coluna dos pelotões avançava em direção ao refeitório, por ordem
hierárquica – primeiro entravam os cadetes do terceiro, depois do segundo e, por
último, do primeiro ano. Isso era o ritual diário do café, almoço e jantar. O que isso
nos ensina: liderança, comandamento, organização, disciplina, planejamento,
hierarquia, ordem, enfim [...]. (Costa Júnior, Cadete, 1988; grifos nossos).

Ressalta-se que na academia, o aluno oficial obterá conhecimentos acerca deste


assunto pelas disciplinas ‗Chefia e Liderança‘ ou ‗Relações Interpessoais‘. Entretanto, as
observações de Costa Júnior e Rayol, dois oficiais ex-comandantes da APM, vão além das
análises ‗conteudistas‘ das referidas disciplinas mencionadas, advertindo para a necessidade
de obtenção da experiência enquanto liderança. Isso vem ao encontro da carência do aluno
oficial, que ao chegar na Academia, em geral, ainda é muito jovem, imaturo, inexperiente e,
passados apenas três anos, receberá o título que lhe permite ter autoridade para comandar os
praças, homens e mulheres, alguns bastante maduros e experientes. É o oficial quem os
comanda e dirige na atuação diante de diversas situações sociais e, muitas vezes, adversas.
Por isso, é primordial a dosimetria adequada para o exercício da autoridade.

A regularidade necessária dos concursos públicos para a Polícia Militar, mencionada


pelos entrevistados Costa Junior e Rayol, é pautada pela programação da Secretaria de
Administração do Estado (SEAD), órgão responsável pelo recrutamento, seleção e admissão
do servidor público estadual. Trata-se de um concurso de custo elevado aos cofres públicos,
por toda a logística exigida para a sua execução, em cinco etapas da seleção: Prova de
Conhecimentos, Avaliação de Saúde (médico/odontológico), Teste de Avaliação Física,
Avaliação Psicológica e Investigação de Antecedentes Pessoais.

Segundo João Paulo Vieira, ex-comandante da PMPA, a interrupção dos concursos


para o oficialato nos anos supracitados deveu-se à questão orçamentária do estado, cuja Lei de
203

Responsabilidade Fiscal impunha restrição no tocante à admissão e pagamento salarial de


novos servidores528

3.3 O QUANTITATIVO DE CADETES FEMININO X MASCULINO

Na turma pioneira de 1992, inaugurou-se o efetivo de oficiais feminino formado na


APM do Pará. A partir de então, nos editais dos concursos estaduais da PMPA
subsequentes, a abertura de vagas para mulheres esteve sempre limitada a 10% do total de
vagas ofertadas, obedecendo o princípio da conveniência ou do interesse público.

Entretanto, no período de 1998 a 2000, embora tenha havido certames para


realização do CFO, e sido admitidos 306 cadetes, não há registro do ingresso de cadetes
mulheres, ou seja, as vagas ofertadas foram exclusivamente para cadetes masculinos.

Quando a instituição foi motivada a se explicar sobre o número restrito de vagas


destinado a candidatas do sexo feminino, a Diretoria de Pessoal da PMPA esclareceu:

Cabe à Administração Pública Policial Militar, estipular os critérios para a admissão


em concurso público sempre atenta aos princípios constitucionais da
impessoalidade, legalidade, igualdade [...] ante as características que se reveste a
carreira policial militar, tendo em vista as atribuições peculiares que lhes são
inerentes, ficando claro que no âmbito das atribuições precípuas das Polícias
Militares, seja no atendimento de Defesa da Pátria, seja no atendimento da
Segurança Pública, principalmente no desempenho da atividade fim da corporação, a
demanda por profissionais do sexo masculino se torna mais evidente, se comparada
com profissionais do sexo feminino529

Assim observo que a restrição quanto ao número de vagas para as candidatas oficiais
mulheres, tem sido justificada pela PMPA como de interesse social-institucional,
fundamentando-se naquilo que se refere às exigências da atividade-fim – no tipo de serviço
(operacional) prestado pela instituição, para o qual, a demanda maior tem sido da mão de obra
masculina, sendo que a atuação feminina nem sempre é integralmente empregada. Observa-se
que as justificativas estão relacionadas às especificidades naturais e a questões singulares à
situação da mulher, condição física, treinamentos intensivos, riscos, vocação maternal,

528
O entrevistado João Paulo Vieira da Silva, coronel PM, foi comandante da PMPA no período de 1º de janeiro
de 2003 a 28 de dezembro de 2006.
529
Ato de motivação para justificar a distinção do número de vagas entre homens e mulheres no concurso
público de admissão do CFSD/CFO, assinado pelo diretor de Pessoal à época, coronel Raimundo de Brito e
Silva Filho, em resposta à comissão organizadora do certame (2008).
204

separação da família (mesmo que temporária), exposição ao perigo etc. A isso, a instituição
atribui coerência para delimitar o número de vagas530.

Entretanto, existem insatisfações e discordâncias no que se refere ao número ínfimo de


vagas ofertadas.

George Braga531 por exemplo, em seu artigo ―Machismo jurídico: a violação do


princípio constitucional da igualdade ocasionada pela diferença na oferta de vagas para
homens e mulheres nos quadros da Polícia Militar do estado do Pará‖, aponta a pesquisa
realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, em 23 Polícias Militares das
Unidades da Federação, na qual constatou enorme disparidade entre o número de policiais
homens e de policiais mulheres, não havendo justificativa quanto à restrição.

Em seu artigo, Braga, questionam o porquê não são dadas as mesmas oportunidades de
ingresso para mulheres tanto pra homens, na carreira policial militar.

O referido autor analisa que essa restrição de vagas representa uma violação à
Constituição Federal, em seu Artigo 5º, inciso 1º, quanto ao princípio constitucional da
igualdade, que coloca homens e mulheres como sujeitos iguais, em direitos e obrigações,
como também viola os princípios jurídicos administrativos da proporcionalidade e da
razoabilidade.

No que concerne ao ingresso de candidatas mulheres das outras unidades federativas


da Amazônia, na Academia Coronel Fontoura, obtêm-se as seguintes informações:

No período de 1992 a 2012, os estados do Acre, Maranhão, Mato Grosso do Sul e


Rondônia não disponibilizaram vagas para a formação de cadetes mulheres, em
contrapartida, o estado do Amapá enviou 18 cadetes para comporem o seu efetivo feminino.

Segue-se o quantitativo referente ao ingresso de cadetes mulheres no Curso de


Formação de Oficiais da APM Cel. Fontoura, no período investigado (Tabela 7).

530
Obtive esta explicação de modo informal, numa reunião de um grupo de oficiais superiores na sede da
Secretaria de Estado de Administração (SEAD), em março de 2016, quando fui designada pela Portaria
0514/2015-SEAD, publicada no Diário Oficial do Estado nº 32.977, de 23 de setembro de 2015, como
membro da Comissão Supervisora dos Concursos Públicos para o preenchimento de cargos de oficiais dos
Quadros de Saúde e Complementar, de oficiais combatentes e de formação de praças da PMPA.
531
BRAGA, George Luiz de Lima. Machismo jurídico: a violação do princípio constitucional da igualdade
ocasionada pela diferença na oferta de vagas para homens e mulheres nos quadros da Policia Militar do estado
do Pará. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo de Conhecimento, Ano 2, n. 1. p.777-790, jul, 2017.
205

Tabela 7 - Ingresso de cadetes mulheres no CFO da APM Cel. Fontoura.


Ano AC AP AM MA MS PA PI RO
1992 – – – – – 10 – –
1993 – 02 – – – 03 – –
1994 – – 01 – – 07 – –
1996 – – – – – 20 – –
1997 – – – – – 02 – –
1998 – – – – – – – –
1999 – – – – – – – –
2000 – – – – – – – –
2001 – – – – – 05 – –
2002 – – – – – 11 05 –
2006 – 07 – – – 04 – –
2008 – – – – – 16 – –
2010 – – – – – 09 – –
2011 – 05 – – – 02 – –
2012 – 04 – – – – – –
Total – 18 01 – – 89 05 –
Fonte: Elaborado pela autora, com base nos registros da divisão de ensino da APM.

Dentre as 89 cadetes mulheres que ingressaram no Curso regular de Formação de Oficiais


da APM Cel. Fontoura, as cadetes Ana Christina (1992/94), Denise (1994/98) e Verena
(2008/2010) se dispuseram a participar desta pesquisa. Elas realizaram o CFO em turmas de anos
diferentes e relataram suas vivências e desafios na formação de oficial.

Convém esclarecer que mesmo estando, aparentemente, em condições análogas de


formação, não se pode supor uma homogeneidade, pois a cada período de Curso, vão se
interpondo novas peculiaridades acadêmicas-institucionais, que repercutem, diferenciando o
período de formação.

Quando entrei na APM nós éramos muito exigidas. A compreensão que tenho é que
podíamos dar o nosso melhor, e fazer o melhor trabalho, e tirar as melhores notas, mas
mesmo assim, acho que duvidavam do nosso potencial, estavam sempre nos colocando a
prova. Suponho que isso era só pelo fato de sermos mulheres. Precisávamos sempre
provar que daríamos conta, que éramos competentes o suficiente para estarmos em meio
aos homens. (Verena, Cadete, 2008/10).

Às narrativas das três ex-cadetes da APM Fontoura: Ana Christina, Denise e Verena
resolvi incorporar parte dos relatos ex-comandante Rayol, quando rememora o desempenho de
cadetes mulheres de sua própria turma e de outras alunas das turmas em que ministrou a disciplina
de Treinamento Físico Militar, manifestando admiração, quanto ao desempenho das cadetes e por
apresentarem experiências exitosas no âmbito da APM Fontoura:
206

[...] Realmente as mulheres da minha turma, eram muito exigidas. No caso da Marley,
a Mariney e a Rosilene, que já vinham da vida militar, elas não cediam às dificuldades,
aceitavam as regras e, ao mesmo tempo, lutavam contra o que fosse necessário, por
exemplo, elas não aceitavam discriminação com elas próprias, mas sofriam sim
discriminação por serem mulheres... Só que elas foram ocupando o espaço,
conseguiram até o banheiro, reservado só pra elas. Foram somando suas
características de mulher e através disso foram conquistando o seu espaço. Mas acho
que as meninas, que vinham do mundo civil sentiram um pouco mais. Por exemplo,
tinha a (fulana)532, até pela própria voz que era a mais fina, penso que ela sentiu mais
dificuldade, quando a gente tinha que dar voz de comando. Mas ela se superou,
tornou-se uma excelente profissional, comandou Companhia de Polícia, inclusive
concluiu o seu tempo na farda, e já foi até para a reserva. (Rayol, Cadete, 1992/94 e
ex-comandante da APM).

Na opinião de Rayol, as oficiais, chegaram dispostas a vencer os obstáculos, e estavam


cientes de que protagonizavam um relevante processo de mudança social, de quebra de
paradigmas, o qual também repercutiria em alterações no âmbito da instituição, para
exemplificação, relembra o desempenho da Cadete Ana Christina (sujeito nesta pesquisa) que foi
sua contemporânea de turma:

Eu ressalto que todas as dificuldades que as mulheres da minha turma tiveram, elas
superaram, tanto no mundo acadêmico, quanto no estágio de selva, porque muita
gente da minha turma que dizia que elas não iam aguentar foram os primeiros que
não aguentaram, e elas se superaram. Por exemplo, para brincar com companheiro
que desmaiou e estava passando mal, Ana Christina pegou o fuzil e a mochila do
que estava encarnando nela e falou: ―Bora. Bora comigo‖. Elas se superaram
mesmo. Foram muito fortes. (Rayol, Cadete, 1992/94 e ex-comandante da APM).

No período de curso que equivaleria à 3ª turma da Academia Cel. Fontoura (1992/1994),


tornou-se a primeira turma do Curso Regular de Formação de Oficiais, a partir da qual foi
permitido o ingresso de cadetes mulheres, uma vez que as turmas anteriores do 1º e 2º CIFO
eram exclusivamente masculinas. Naquela ocasião, ingressaram 96 cadetes na turma do CFO,
cuja formação era mista, com cadetes do sexo masculino e feminino. Mas, segundo o relato de
Rayol, houve desistência de 46 cadetes, por diversos motivos. Ao final do curso, restaram 50
concluintes, sendo estes dos estados do Pará, Amazonas, Amapá, Maranhão e, desse
quantitativo, 10 cadetes mulheres tornaram-se aspirantes, sendo todas do Pará.

No tocante ao quantitativo de cadetes masculinos que ingressaram na APM Cel. Fontoura


no período investigado, como se poderia prever, por ser o estado sede da unidade, o maior
quantitativo recaiu aos integrantes do Pará, no total de 636 cadetes, seguido pelo Amapá com 108
cadetes e pelo estado do Amazonas com 45. Os estados do Amazonas e do Piauí participaram
desde as primeiras turmas do CIFO em 1991, enviando cadetes para a formação na APM

532
Muito embora em sua narrativa, o entrevistado Rayol, mencione o nome da oficial a quem exemplificava a
situação de superação, achei por bem, ocultar seu nome na entrevista, para evitar possíveis constrangimentos.
207

Fontoura. (Tabela 8). Posteriormente, tanto a Polícia Militar do Amazonas quanto a do Piauí
passaram a formar seus próprios quadros de pessoal, à medida que criaram suas Academias. No
estado do Amazonas, a escola de oficiais passou a se chamar Academia de Polícia Militar Neper
da Silveira Alencar, e teve sua primeira turma com ingresso no ano de 2003, e o estado do Piauí
que inicialmente teve sua academia com sede na cidade de Parnaíba, denominada de Academia da
Polícia Militar do Piauí, posteriormente tornou-se Centro de Educação Profissional da PMPI.

Tabela 8 - Ingresso de cadetes masculinos no CFO da APM Cel. Fontoura.


Ano AC AP AM MA MS PA PI RO
1991/1992 – – 15 – – 40 05 –
1992/1993 01 – 20 02 – 40 – 04
1992 – 05 03 03 – 29 – –
1993 – 07 01 – – 20 04 –
1994 05 07 05 – 05 50 03 –
1996 04 – – – – 67 – –
1997 – – – – – 47 – 02
1998 01 – 01 – – 56 – –
1999 – 04 – – – 57 08 –
2000 – – – – – 52 – 07
2001 – – – – – 44 – 02
2002 – – – – – 39 02 –
2006 – 26 – – – 56 – –
2008 – – – – – 51 – –
2010 – – – – – 31 – –
2011 – 33 – – – 04 – –
2012 – 26 – – – – – –
Total 11 108 45 05 05 636 22 13
Fonte: Elaborado pela autora, com base nos registros da divisão de ensino da APM.

Depurando como se deu a regularidade dos concursos, constata-se que no período de


2008 a 2010, houve seleção de duas turmas, com procedência dos cadetes unicamente do
estado do Pará, perfazendo um total de 107 alunos em formação, sendo 82 homens e 25
mulheres.

A turma de 2011/2014 foi diferenciada em virtude da PM do Amapá ter firmado


convênio com a PMPA para a execução de um CFO com 38 cadetes oriundos daquele estado,
sendo 33 homens e 05 mulheres. Dessa turma predominantemente amapaense, integraram 06
cadetes do estado do Pará que estavam com pendencias acadêmicas da turma anterior, sendo
208

04 homens e 02 mulheres. Na turma seguinte, que corresponde ao período de 2012/2015,


novamente em convênio entre a PM do Amapá e a PMPA, foi formada outra turma do CFO,
composta exclusivamente por cadetes do Amapá.

Para a turma de primeiros cadetes provenientes do mundo civil, os oficiais da APM Cel.
Fontoura adotaram a dinâmica de se aplicar o adestramento intensivo da turma pioneira, com os
rituais e doutrinamentos praticados nas outras academias, por meio da inculcação de instruções
e disciplinas, a incorporação dos valores, códigos, normas, punições, práticas, atitudes e
comportamentos característicos dos militares, cujas primeiras turmas do CIFO, mais antigas na
APM e já adestradas, auxiliavam os instrutores na moldagem dos novos cadetes.

A nossa inspeção era feita por cadetes mais antigos, nessa época existia na academia as
turmas do CIFO (Curso Intensivo de Formação de Oficiais), [...] recordo que eles eram
convocados do NPOR ou CPOR, e faziam um curso de ‗adaptação‘ de poucos meses,
para se tornarem segundos-tenentes. Eu recordo que havia um grande conflito entre os
integrantes do CIFO e a minha turma, visto que a mentalidade daqueles oficiais era de
formação nas Forças Armadas, [...] e o resultado disso, era normalmente uma
perseguição salutar, para a formação do caráter e do brio policial e, consequentemente,
muitos pernoites, muitas licenças cassadas etc. (Ana Christina, Cadete, 1992/94).

Do trecho da narrativa de Ana Christina, se depreende algumas de suas pontuações


quanto ao descompasso da formação dos oficiais oriundos da caserna e dos novos cadetes, o
que a entrevistada denomina de ‗grande conflito‘ e de ‗perseguição‘, embora posteriormente a
própria oficial, qualifique de ‗salutar‘, para a aquisição do enquadramento militar.

Rayol também reconhece que desde a sua turma de cadetes em 1992, no decorrer das
turmas que foi instrutor de TFM, e até o momento que assumiu o comando da unidade acadêmica,
sempre houve muitas expectativas e um certo descrédito sobre o seu desempenho da aluna oficial
(mulher). A despeito disso, não via sentido na motivação daquele descrédito, porque as cadetes
sempre conseguiam desempenhar adequadamente as atividades, e algumas inclusive superavam-
se mais que os cadetes masculinos. Cita o caso da Cadete Ana Christina (sujeito nesta pesquisa) e
faz o relato sobre uma de suas alunas:

Quando eu estava na Academia, tive oportunidade de comandar a turma de cadetes


do Amapá, [...] Fizemos EOPAS533, treinamento na vasta área da Pirelli, atrás do
Batalhão da Polícia Rodoviária na alça viária. E o primeiro lugar foi conquistado
por uma mulher. Ela foi resistente em todas as provas, prova do sono, da fome, da
sobrevivência, do frio de ficar na chuva, no sol e, principalmente, no raciocínio
intelectual e lógico de combate quando são submetidos a essas situações, essa cadete
foi formidável. Foi eleita pela equipe de instrutores como a melhor combatente de
selva e ela foi premiada por isso. E olha que naquela turma de cadetes existiam uns
que eram atletas, maratonistas, e quando chegaram lá pelo terceiro dia, já estavam

533
Estagio Operacional de Selva.
209

totalmente fadigados, porque não se prepararam para aquela situação. (Rayol,


instrutor de TFM e ex-comandante da APM; grifos nossos).

Na dinâmica da Academia de Polícia Militar, todos os aspectos do cotidiano são


pensados para ser executados seguindo a padronização de normas e condutas, visando
desenraizar quaisquer hábitos desleixados que porventura o novato manifeste, seja no
cuidado com o uniforme, na apresentação pessoal, no corte do cabelo e da barba,
arrumação do armário, da cama, da mochila, o horário de dormir e de acordar, seja na
entrada no rancho (refeitório), na forma do cumprimento, enfim, na adoção de novos
hábitos, no condicionamento e na obediência de inúmeros aspectos da vida acadêmica-
profissional.

Em vista disso, as academias militares, como instituições de ensino, que


analogamente, exercem uma forma rigorosa de controle sobre os indivíduos que delas fazem
parte, padronizando suas atividades diárias e em tempo integral, achei por bem analisá-la nos
primeiro e segundo anos, como assemelhadas às ‗instituições totais‘, conforme esclareci no
final do capitulo primeiro.534

Entretanto, considerando que parte do segundo ano, para o terceiro da APM, torna-se
diminuído o grau de controle exercido sobre os cadetes, passo a denominar a APM como
―instituição totalizante‖ e não ―instituição total‖.

Para alcançar o enquadramento militar dos alunos oficiais, bem como a aproximação
da homogeneidade coletiva, criaram-se normas que regulam todos os aspectos do cotidiano na
Academia Cel. Fontoura. Tais normas são apresentadas no Manual do Aluno Oficial535,
versando sobre: atividades docentes, atividades discentes, deveres e direitos dos alunos,
atribuições do chefe de turma, conduta dos alunos durante as aulas, avaliação do ensino-
aprendizagem, rigorosa probidade na execução das avaliações, sanções disciplinares quanto
aos meios fraudulentos de avaliação, frequência e pontualidade, exclusão do curso,
reprovação, disciplina, hierarquia, punições disciplinares, uso do uniforme, uso da lavanderia
e da barbearia, atendimento médico e odontológico na Unidade de Formação Sanitária da
APM, recomendações sobre a higiene pessoal (banho diário, higiene bucal, unhas, cabelos,

534
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007.
535
PMPA. Portaria nº 027/2000 - Ato do Diretor de Ensino e Instrução (DEI).
210

uniforme limpo e passado), uso do refeitório, exigências da revista/inspeções, serviços


externos, relação de 94 transgressões escolares e disposições gerais.536

Em geral, a rotina intensa nas Academias, descrita no manual do aluno, tem o


detalhamento de todas as atividades e os horários destinados às suas execuções sob o controle da
equipe de oficiais, no período de sua formação, o cadete leva uma vida formalmente administrada.

3.4 VIDA FIELMENTE ADMINISTRADA

Os quartéis ou instituições militares de ensino, segundo Goffman, produzem no aluno,


537
desde o seu ingresso, ―uma vida fechada e formalmente administrada‖ , que de modo
genérico, é como se constitui o período de formação. O simples fato de ter sido admitido na
corporação legitima as ações da instituição no trato com esse aluno, para forjar nele o ‗espirito
militar‘. Assim, a cada passo do processo de adaptação espera-se a incorporação de uma série
de condutas, atitudes e práticas, pelas quais o aluno denota vivenciar a representação de ser
policial militar 24 horas por dia. Os procedimentos diários538 são apresentados no Quadro 5.

Quadro 5 - Procedimentos diários com os respectivos horários.

Horários Atividades
05h30 Toque de alvorada, higiene pessoal, limpeza e arrumação do alojamento
07h00 Início do expediente, passagem de serviço
07h30 Instruções em sala de aula
13h00 Almoço - Horário livre,
15h00 2º expediente instruções em sala de aula
19h00 Jantar - Horário livre dentro da academia/ horário de estudo
21h00 Revista de recolher539
22h00 Silêncio
Fonte: PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188, de 4 out. 2017.
Manual do Aluno Oficial Policial Militar. p. 61-63.

536
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 218, de 22 de novembro de 2000. Manual do Aluno Oficial Policial
Militar. p. 1-25.
537
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 11.
538
. PMPA. Ibid. p. 61-63.
539
Em razão dos cursos da PMPA serem realizados em regime de dedicação exclusiva e tempo integral, o
código de ética e disciplina da corporação prevê que a regra seja que todos os alunos passem por uma revista
de recolher ao término das atividades diárias, antes do pernoite obrigatório na unidade de ensino, havendo,
contudo, exceções nas quais os alunos são dispensados da referida inspeção. Aditamento ao Boletim Geral
nº 188, de 4 de outubro de 2017. Manual do Aluno Oficial Policial Militar. p. 63.
211

Por esse rol de atividades descritas, nota-se que o uso do tempo dos cadetes, bem
como os espaços em que transitam na Academia passam a ser previamente estabelecidos,
previsíveis e totalmente administrados, ora pela equipe de oficiais do corpo de alunos, ora
pelo chefe de turma, ora pelos demais cadetes entre si. Na concepção de Goffman:

[...] todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários, pois


uma atividade leva, em tempo predeterminado, à seguinte, e toda a sequência de
atividades é imposta de cima, por um sistema de regras formais explícitas [...] as
várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente
540
planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição.

Desta feita, o condicionamento requerido na formação policial militar possibilita que


os alunos, por serem exigidos disciplinarmente e sobre todos os aspectos, tornem-se
submissos e docilizados, uma vez que a disciplina aumenta as possibilidades da aptidão e
prontidão para a obediência, e como se pode depreender das análises de Foucault, ―a
disciplina fabrica corpos submissos e exercitados, corpos ‗dóceis‘‖.541

O objetivo principal é que, sendo a Academia o ―berço onde nasce a doutrina


comportamental para a corporação, deve servir de modelo em todos os seus segmentos
atitudinais, constituindo, por conseguinte, uma ‗escola de exemplos de boas condutas‘‖.542

Analisando sob a perspectiva de Foucault, a disciplina tem como característica


metodológica, permitir o controle minucioso das operações do corpo, de impor uma relação
de docilidade-utilidade, e de realizar a sujeição do indivíduo, por meio de ―uma política das
coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos,
de seus gestos, de seus comportamentos‖543 O treinamento dentro da academia, sobre todos os
aspectos, é programado de modo a promover docilidade-utilidade, por exemplo:

[...] quando fui comandante da academia, eu tentava que eles assimilassem em todo
tempo. Por que tenho que trocar meu uniforme de educação física em três minutos,
por sacanagem? Não! É porque quando a gente vai atender uma ocorrência, o
cidadão tem que ser atendido no menor tempo possível. E as vezes nesse menor
tempo, a gente pode salvar a vida de outras pessoas. Por isso que tem que ser rápido,
ter prontidão. Então se estou na viatura, e o CIOP me passa uma ocorrência, com
esse reflexo da academia, eu tento chegar o mais rápido possível. Muitos cidadãos
veem a viatura com a sirene ligada, correndo, cortando sinal e se pergunta: ―para que
isso?‖. Mas aquele policial está imbuído para chegar no menor tempo possível, o
tempo-resposta pode salvar vidas. As vezes é uma pessoa que está atirando na outra,
é uma briga de marido e mulher, de vizinhos, que pode evoluir para algo mais grave.
(Rayol, ex-comandante da APM).

540
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007. p.18.
541
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.133.
542
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188 de 04 de out. de 2017. Manual do aluno oficial policial militar. p.56.
543
FOUCAULT, Michel. Ibid., p.133.
212

Essas normas e condutas no período acadêmico, são estabelecidas como parte


indissociável da socialização profissional do cadete, e tem a finalidade de produzir, o
abandono da conduta ‗paisana‘, a qual, por meio da disciplina e da forja, faz emergir, o futuro
oficial policial militar. Ressalta-se que a conduta paisana que o cadete traz consigo, não deva
mais acompanhá-lo, deva ser abandonada, uma vez que segundo Celso Castro, ela é vista de
modo pejorativo, na visão de mundo dos militares544.

Para Celso Castro, há distinção notória acerca dos civis e dos militares. A mensagem
transmitida em âmbito da caserna, é de que os militares não são apenas diferentes dos civis,
como são também melhores. De acordo com essa visão, os paisanos em geral, são
preguiçosos, indisciplinados, e ocupados com seus próprios interesses, e que em
contrapartida, os militares seriam em geral disciplinados, ativos, respeitosos e preocupados
com a Pátria545.

Na Academia, o processo de adaptação e ajustamento, se constitui muitas vezes, como


desafio aos novos ingressantes. A esse processo Celso Castro denomina de ‗socialização
profissional546‘ no qual, se efetua uma transição, com a possibilidade de incorporação de
novos e de outros hábitos que fariam do aluno, um militar.

Nesse processo de socialização, dado aos incontáveis aspectos a serem assimilados, o


aluno proveniente do mundo civil, por vezes, vivencia resistências, sofre impactos do
aprendizado, pois o conteúdo a ser inculcado, exige mudança de mundo, uma espécie de
dissolução da identidade civil anterior, e a busca pela aquisição de uma ‗nova‘ identidade547, e
isso nem sempre é algo pacífico internamente, traduzindo-se em certas dificuldades:

―No início tive algumas dificuldades. Eu não tinha experiência militar. Naquela
época eu cursava o 3º ano de Engenharia Civil na UFPA, e trabalhava na divisão de
engenharia do Banpará. Dentro da Academia, não aceitava algumas coisas que eu
considerava arbitrárias. Tudo o que eu ouvia, eu filtrava. Passava pelo meu senso
crítico. Eu percebia a necessidade de assimilar rápido os regulamentos, as normas e
os sinais de respeito, mas tinha muitas críticas sobre as imposições. Eu não entendia
porque não podia questionar as ordens do superior. Cheguei a discordar das
condutas de alguns oficiais que não aceitavam contestação. Às vezes, a minha
ponderação tinha fundamento, mas eles não acatavam, apenas queriam ser
obedecidos‖. (Salim, cadete 1992).

544
CASTRO, Celso. Comemorando a “Revolução” de 1964: a memória histórica dos militares brasileiros. In:
FONTES, Edilza Joana Oliveira e BEZERRA NETO, José Maia. (Orgs.). Diálogos entre história, literatura
& Memória. Belém: Paka-Tatu, 2007. p.417.
545
CASTRO, Celso. Ibid., p.409-441
546
Para Celso Castro, o processo denominado de ―socialização profissional‖ se constrói no cotidiano das
unidades de ensino. CASTRO, Celso. O espírito militar: Um antropólogo na caserna. 2 ed. Rio de Janeiro-
RJ: Jorge Zahar, 2004.p.15.
547
CASTRO, Celso. Idem.
213

As observações do entrevistado Salim, apontam para a noção de conflito que


frequentemente emerge nos cadetes, diante das cobranças de ajustamento que lhes são
inicialmente endereçadas, algumas cobranças, se revelam como desnecessárias, outras sem
sentido. Mesmo discordando de alguma situação, provocada pelos instrutores, os cadetes, são
levados ao silenciamento, portanto, fica claro ao cadete, a caracterização da submissão e da
obediência, a que será submetido e que passará a fazer parte do seu cotidiano.

Na escola militar, dependendo do que seja a discordância do aluno, para com o


instrutor ou concernente a algum ato do comandante, pode ser considerado como uma
‗ponderação‘, uma espécie de ‗rebeldia‘, ou seja, conduta negativa no quesito comportamento
escolar, que poderá lhe redundar, em menos pontos em suas folhas de alterações acadêmicas.
Assim, o aluno precisa estar devidamente consubstanciado sobre o que enseja discordar, para
não incorrer em insubordinação.

O processo de ajustamento ou de docilização, inicia-se deste o primeiro momento de


sua admissão, quando os cadetes são inseridos no espaço acadêmico, e são divididos em
turmas ou pelotões, também reconhecidos como agrupamentos militares. Os pelotões
geralmente são identificados alfabeticamente Alfa - A, Bravo - B, Charlie- C e Delta –D e
cada cadete será tratado por seu nome de guerra548, conforme discorri no primeiro capítulo
desta tese.

Na sala de aula, o aluno terá seu assento previamente estabelecido pelo número de sua
classificação, nisso já vai sendo apresentado a ordem de antiguidade e por conseguinte de
modernidade entre os alunos. As cadeiras da sala de aula, são arrumadas de modo a se
entender que na primeira cadeira da fileira do lado direito da sala, está o cadete 01, após ele o
02, e assim sucessivamente e que o ultimo aluno, na cadeira da fileira a esquerda da sala, é o
mais moderno.

Diariamente um cadete é escalado para exercer o comando em sala de aula, o qual é


denominado de ‗chefe de turma‘, e coloquialmente de ‗xerife‘. Esse, se torna responsável pela
administração da turma junto ao Corpo de Alunos, à Divisão de Ensino ou mesmo ao
Instrutor. A cada professor/instrutor que adentra à sala de aula, o xerife, usando de voz de

548
Os nomes de guerra são convenções das organizações militares, e a escolha geralmente se faz como uma
prerrogativa dos oficiais da Unidade Escolar, evitando repetições de nomes, entre os cadetes. Na escolha do
nome de guerra, procura-se atentar também para a antiguidade ou ordem de classificação hierárquica, do
primeiro ao último colocado, e ao mesmo tempo, evitar as repetições dos nomes, por exemplo: J. Silva, M.
Silva, Tião Silva.
214

execução549, convoca o pelotão a colocar-se em pé, e apresenta-lhe550 a turma, para dar início
às instruções daquela matéria acadêmica e repassa-lhe as informações no tocante as alterações
ocorridas em sala de aula: faltas de alunos, se há alguém doente, dispensado, cumprindo
missão externa, se foi ao banheiro, etc.551

O cadete ao ser escalado como o xerife do dia, tem precedência funcional para com
seus demais colegas de turma, e de modo individualizado, um a um dos alunos, durante os
três anos da Academia, tem a oportunidade de exercer temporariamente, e algumas vezes, a
chefia do seu pelotão, tudo se torna parte da formação do futuro oficial e líder:

[...] as lições básicas de ordem unida, passam pela execução. Primeiro mês você só
iria executar, ‗sentido‘, ‗descansar‘, ‗ordinário marche‘, ‗cobrir‘. Depois vem a parte
de adaptação, e depois treino da voz de comando. Como ele vai comandar, como
falar. Por isso que cada dia tem um que é escalado para ser o xerife, ou aprender voz
de comando, para liderar a turma, porque o próprio nome da academia é ―Berço de
comandantes e lideres‖. Aprendíamos desde a falar de um tema que eles escolhiam,
por exemplo, falar dois minutos sobre o ‗nada‘. Aí você tinha que falar. Sorte que eu
tive aulas na faculdade de física sobre o nada e sabia falar, (risos) mas mesmo se
você não tinha noção, você tinha que falar, criar, (risos) ou seja, o policial militar
tem que saber improvisar, tem que aprender falar com o público, sobre o que
aparecer. De repente, os assuntos escolhidos não tinham a exigência serem muito
elaborados, era mesmo para quebrar a timidez, o gelo, para que a pessoa aprendesse
a lidar com vários assuntos e diferentes pessoas, para aprender a dialogar com o
público que futuramente ele viria a trabalhar. (Rayol, ex-comandante da APM)

A função ocupada de xerife de dia, lhe proporcionará experiência na condição de


comandante, à medida de suas atribuições, tais como: nos atos de zelar pela ordem e
disciplina da turma, de conduzi-la em todas as circunstancias do dia, de providenciar os
materiais necessários para a execução das instruções, de responder administrativamente pelo
desenvolvimento do pelotão, e, de treinar sua liderança, dentro da cadeia de comandamento,
frente aos seus pares, subordinados e superiores na Academia.

549
‗Voz de execução‘ é a forma pela qual o líder ou o comandante de uma fração de tropa, ou o xerife de dia,
exprime verbalmente, de modo firme, claro e audível, o momento exato em que uma ação, ou o movimento
deve começar ou cessar.
550
Para a apresentação da turma, o procedimento do xerife, segue uma padronização peculiar, prevista no
manual do aluno policial militar, e é executada em alto e bom som, sendo dividido no mínimo em três
momentos. O primeiro, quando o xerife se dirige à turma convocando a ficar em pé, dizendo: ‗Atenção
turma‘. (Os alunos imediatamente se levantam e tomam posição de sentido. Segundo momento, o xerife
dirige-se ao instrutor/professor para a apresentação propriamente dita, dizendo por exemplo: ―Aluno, número
30, J. Pereira, do CFO 1º ano, xerife do pelotão Delta, apresento a turma, pronta para a instrução, com ou
sem alteração‖; em seguida, no terceiro momento, o instrutor pode dispensar outras formalidades, e
comandar ‗descansar‘ ou ‗turma a vontade‘. A partir desse momento, a turma é entregue à condução do
instrutor, para dar início a ministração da aula. Tal apresentação é baseada no Regulamento de Continências,
Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas.
551
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188 de 04 de out. de 2017. Manual do aluno oficial policial
militar.p.38-79.
215

3.5 TRAJES, UNIFORMES E APRESENTAÇÃO PESSOAL DO CADETE

O uniforme se constitui como um dos principais elementos para a identificação do


policial militar, e seu uso correto é reconhecido como fator primordial na boa apresentação
individual, bem como, na coletiva. Nesse sentido, uma das primeiras responsabilidades do
cadete, é para com o conhecimento dos regulamentos. Existem diversos tipos de
regulamentos, um dos mais relevantes no seu cotidiano, é o Regulamento de Uniformes da
Polícia Militar- RUPM.552

O RUPM estabelece a padronização dos diversos tipos de uniformes, como devem ser
usados pelos policiais militares, o detalhamento das peças que os compõem, não permitindo
inovações ou invenções, quanto aos detalhes estilísticos dos fardamentos. O RUPM descreve
cada um dos elementos a ser utilizado na composição geral do uniforme: capacete, quepe,
gorro; camisa (tipo de gola ou de colarinho); camiseta, blusa; gravata; meias; luvas; sapatos,
coturnos553, botas, tênis; túnica ou gandola. Discorre ainda sobre as peças complementares,
como, agasalhos, capa impermeável, galocha para os serviços em dias de chuva; e a posição
para a colocação de medalhas, insígnias ou brevês554 no uniforme.

Alguns fardamentos são de uso diário, empregados no policiamento ostensivo e


podem ser diferentes de acordo com a unidade de trabalho, por exemplo: rajado urbano (cor
cinza) se for no Batalhão de policiamento de Choque; rajado selva (verde) se for no
Batalhão ambiental; Uniforme branco, para o quadro da saúde; uniforme 5A (de instrução),
o uniforme 4D (passeio) para uso em âmbito administrativo; os do tipo desportivos, como o
de educação física, que difere em alguns detalhes para alunos, praças e oficiais, e para as
mulheres; e aqueles usados especificamente em solenidades e cerimônias, que são em geral
do tipo túnica (paletó/blazer).

Dentre os diversos tipos de uniformes e ocasiões de uso, existem alguns que são para
os oficiais e outros, exclusivos para alunos oficiais, é o que passaremos a discorrer:

552
PMPA. Regulamento dos Uniformes da Polícia Militar do Pará. Decreto nº 9.521 de 08 de março de 1976.
553
Na Academia, para facilitar a rotina acadêmica do aluno, existe um espaço denominado de engraxataria, onde
o aluno pode utilizar para fazer a manutenção de seus sapatos e coturnos.
554
Brevês são espécies de condecorações ou distinções conferidas aos profissionais de Segurança Pública
quando aprovados em cursos, geralmente são afixados no uniforme, como forma de reconhecimento de seu
aprimoramento técnico, tático e/ou intelectual.
216

3.5.1 o primeiro traje do cadete

A partir de sua apresentação inicial, o cadete recém-chegado à Academia, recebe a


recomendação de assumir o seu primeiro traje, o qual geralmente é usado por um período
aproximado de seis meses, com variação de tempo, para menos ou para mais, todavia sempre
é usado antes da aquisição do uniforme propriamente.

O manual do aluno oficial, denomina o referido traje de ―uniforme do período básico‖


esclarecendo que:

Durante as primeiras semanas os alunos deverão estar uniformemente vestidos,


porém sem os fardamentos oficiais da corporação. A composição dos trajes está
discriminada no item enxoval deste manual. O cuidado e o asseio com o uniforme e
a apresentação pessoal, são índices seguros de presteza e boa conduta, devendo o
aluno demonstrar esmero na sua compostura.555

Ainda no mencionado manual é apresentado uma vasta lista do enxoval do aluno556


onde são recomendados diversificados materiais que serão utilizados nas atividades
acadêmicas ou na rotina escolar. O enxoval, é justificado como necessário para êxito no curso
e o próprio cadete deverá providenciá-lo. Nele estão incluídos além das peças do traje básico,
o uniforme de educação física militar, uniforme de instrução, itens como roupas de cama e
banho, kit manutenção de uniforme e limpeza de armamento557, kit escrevente558, kit
higiene559, kit primeiros socorros560, materiais individuais561 e de uso coletivos.

A confirmação de que houve a aquisição dos componentes do enxoval, por parte do


aluno, está sujeita à inspeção dos oficiais, e fazem parte do seu processo admissional. A
aceitação das exigências da instituição, e o acatamento à programação que foi estabelecida,
são uma demonstração de sua aptidão para a vida castrense.

Sobre isso Goffman analisa que, nas instituições fechadas, são comuns a exigência
especifica de itens para os recém-admitidos, que ―o indivíduo precisa de um ‗estojo de

555
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188 de 04 de out. de 2017. Manual do aluno oficial policial militar. p.65
556
Idem, Manual do aluno oficial policial militar.p.65-67
557
Os itens desse Kit são: agulha, linha, graxa preta, escova para sapato, escova de dente (velha), óleo
desengripante e lubrificante, panos, escovas e cordel limpeza calibre 7,62.
558
Bloco de anotações pequeno, caneta esferográfica, lápis, borracha, fichário médio, resma de papel A4 e pendrive.
559
Creme dental, escova de dente, fio dental, sabonetes, espuma e aparelho de barbear, papel higiênico,
repelente, pomada para assaduras, talco antisséptico, desodorante e cortador de unhas.
560
Esparadrapo, antisséptico, curativo adesivo, gases, ataduras, analgésico, digestivo e anti-inflamatório.
561
Garrafa d‘agua, conjunto talher, bolsa padrão APM, pasta padrão APM, lanterna, canivete, óculos de
proteção, apito preto de qualidade e protetor auricular.
217

identidade‘, para o controle de sua aparência pessoal‖ e que não somente são cobrados de
obediência as regras, como também são programados para atender a rotina do estabelecimento,
vivenciando o enquadramento ou uma espécie de ―conformação‖ ou de ―programação‖.562

Muito embora o manual apresente o uniforme inicial, com a denominação de ‗uniforme de


instrução‘ e de ‗traje período básico‘, os referidos trajes são tradicionalmente apelidados pelos
cadetes, ao longo das décadas, respectivamente, como ―bichoforme‖ ou ―bichofino‖.

O neologismo observado nos termos ‗bichoforme‘ e ‗bichofino‘, suponho que derivam


da expressão ―bicho‖ que é o apelido empregado para designar o aluno novato, recém-
chegado ou do primeiro ano563 nas escolas de formação militar no Brasil.

No uso do bichoforme ou o bichofino, o aluno entende que precisa ser


padronizado. Tirar todas as ‗vaidades‘. Ele precisa ser adestrado, ensinado, é
uma transição do mundo civil para o mundo militar. Cria-se uma pequena regra
de padronização, para tempos depois, o aluno ter padronização do verdadeiro
uniforme. Com o bichoforme ele vai entender que precisa se padronizar, e que
no futuro não muito distante, ele vai precisar usar blusa igual, sapato igual, calça
igual, para que ele ande bem fardado e represente a instituição, e passe uma
imagem boa, com zelo, com profissionalismo, com trato. (Rayol, Cadete,
1992/94; ex-comandante da APM).

Celso Castro, ao analisar a Academia Militar das Agulhas Negras, esclarece que
existem denominações, no cotidiano da academia, usadas pelos próprios cadetes e, por vezes,
pelos oficiais, que são por natureza, informais. Tais denominações, contribuem para que se
manifeste a distinção hierárquica entre os alunos mais antigos, e os mais modernos.
Compreende-se a expressão ‗bicho‘ ou ‗peixe‘564 tratar-se de uma delas, para designar quem é o
novato, dentro do curso de formação ou o recém-admitido, em uma instituição total.

O ―bichoforme‖ então, consiste no traje do ‗bicho‘. É considerado como unifo rme


de instrução, é composto de uma blusa branca de algodão, de gola redonda e mangas
curtas, com o brasão da corporação, bordado do lado esquerdo do peito, e do nome de
guerra do cadete, bordado do lado direito, de calça jeans azul escura, cinto cadarço d o
uniforme 5º A (verde, com fivela padrão) gorro 5º A da APM e de tênis totalmente preto.

562
GOFFMAN, Erving Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007. p.26.
563
CASTRO, Celso. O espírito militar: Um antropólogo na caserna. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.30.
564
Em O espírito militar, Celso Castro, descreve que na AMAN, o novato é denominado de ―bicho‖ e como parte
dos trotes que recebem os tais novatos, eles realizam serviços que em nossa cultura são tradicionalmente
considerados inferiores, como: fazer faxina, passar o uniforme, engraxar coturnos, limpar a fivela do cinto, etc.
CASTRO, 2004. p.31. Já Erving Goffman, em Manicômios, prisões e conventos, observa que o recém-
admitido nas ‗instituições totais‘, passa a ser chamado de ―peixe‖ – o que segundo o autor, lhe coloca, da
mesma forma, em uma posição rebaixada nesse grupo. GOFFMAN, Erving Op. cit.,. p.27.
218

No caso da Academia Cel Fontoura, o aluno, ao ser aprovado no concurso, tão logo
seja convocado para dar início ao curso, é orientado a providenciar o seu enxoval, e
comparecer desde o primeiro dia, vestido com o referido traje, o qual não é considerado como
uniforme oficial propriamente, mas é o traje adotado por tradição nas escolas policiais
militares no Brasil, quer para os praças, quer para os alunos oficiais. Como esclarece Figueira:

O bichoforme é o uniforme peculiar ao aluno novato da formação. Mesmo que não


seja uma farda propriamente, o aluno precisa ter boa apresentação. Quando somos
chamados à inclusão, a gente já recebe a informação de como deve se apresentar,
desde o primeiro dia, na apresentação, a gente já comparece trajando o bichoforme‖.
(Figueira, Aspirante a Oficial, 1991).

A compreensão que se tem, é de que na admissão do aluno, a assimilação das normas e


regras precisa ser rápida, a ruptura com a vida civil precisa ser efetivada em um tempo
relativamente curto, e o uso do bichoforme e bichofino favorecem a ‗desconstrução do eu‘ e
ao mesmo tempo a ideia de uniformização coletiva, mais rapidamente, até que posteriormente,
lhes seja liberado o uso dos uniformes.

Na fotografia a seguir (Figura 22), vê-se o pelotão de cadetes em forma, trajados de


bichoforme, no pátio da Academia. Os cadetes estão posicionados em colunas565, os mais altos,
colocados na vanguarda do pelotão; os alunos medianos, distribuídos ao meio; e os mais baixos,
na retaguarda. Nota-se que há um oficial uniformizado, na parte de trás do pelotão e outro oficial
transitando entre as colunas do pelotão de alunos, executando as ‗boas vindas‘ da Unidade escola.

Figura 22 - Pelotão de cadetes trajando ―bichoforme‖.

Fonte: Arquivo pessoal de Maxwell Matos.

565
‗Coluna‘ é o dispositivo de uma tropa, cujos elementos (homens, frações ou viaturas) estão uns atrás dos
outros seguidamente, guardando entre si uma distância regulamentar.
219

Goffman esclarece que nos processos de admissão, as ‗boas vindas‘ são desenvolvidas
como forma de iniciação à obediência, onde a equipe dirigente da instituição, deixa clara a
situação do novato566. Na fotografia em tela, observa-se a presença de dois instrutores
militares, que ao dar as boas-vindas ao pelotão, procura estabelecer o rito de passagem, do
mundo civil, ao mundo acadêmico militar, esclarecendo a situação do cadete, no tocante as
normas e regras, a serem observadas e obedecidas desde sua chegada à Academia.

Por sua vez, o ―bichofino‖, é o traje período básico propriamente, tem característica de
ser mais social que o de instrução. É composto de terno preto e gravata simples (masculino) e
blazer preto e gravata borboleta (feminino); blusa branca de algodão, de gola redonda, usada
por baixo da camisa de tecido tipo social, de manga curta e longa, também na cor branca,
calça social preta lisa, sem detalhes, cinto social preto, sapato preto de cadarço engraxável
(masculino) e sapato de salto mediano (feminino)567.

Enquanto o bichoforme é usado na maioria das missões internas da academia, o bichofino


é usado nas atividades externas à academia. O uso de paletó/blazer, camisa manga longa e gravata
destina-se aos eventos institucionais ou interinstitucionais de caráter mais formal, e o traje
aliviado, apenas com camisa manga curta aos deslocamentos em geral, até que sejam liberados os
uniformes. Na fotografia a seguir (Figura 23), observa-se o pelotão de cadetes, devidamente
trajando o bichofino, aguardando o momento da saída do ônibus, para alguma missão.

Figura 23 - Pelotão de cadetes trajando ―bichofino‖

Fonte: Acervo pessoal do Maxwell Matos

566
GOFFMAN, Erving Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007. p.26.
567
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188, de 4 out. de 2017. Manual do aluno oficial policial militar. p.66.
220

O uso do bichoforme e bichofino trata-se de um pré-requisito, para o uniforme oficial,


a posteriori. Fazer uso do fardamento institucional padrão, implica para o policial militar, em
elevado grau de responsabilidade, além de configurar para a população em geral, que aquele
agente, está pronto a atuação profissional. No caso do cadete, pesa-lhe o fato de não estar
pronto, de ainda estar em período de preparação.

Ao analisar as entrevistas e documentações, foi possível perceber que há justificativas


plausíveis, no contexto da Academia, quanto à definição do tempo destinado ao recebimento
do uniforme. Compreende-se que os primeiros meses da Academia são de intensos desafios
para o cadete recém-chegado, no que tange à incorporação e assimilação de uma infinidade de
condutas, valores policiais militares, códigos, símbolos, cobranças, pressão psicológica etc.
Considera-se que a inculcação desses preceitos e ajustamento ao ambiente policial militar é
decorrente de uma construção processual, razão pela qual se conclui que o recém-chegado
ainda não estaria apto à tamanha responsabilidade e desenvoltura, inclusive para ostentar o
uniforme, pelo grau de exigência que advém do fardamento.

Analiso ainda os desdobramentos que, a meu ver, estão fundamentados ou de certo


modo relacionados a uma lógica econômica, para que o aluno não invista imediatamente
recursos financeiros na aquisição dos uniformes que precisará utilizar na carreira policial
militar. Os custos para aquisição conjunta de vários uniformes são elevados, tanto nas
finanças pessoais quanto aos cofres do estado, o qual custeia para cada integrante, seja em
nível de aluno praça ou de aluno oficial, um valor designado de auxílio-fardamento.

Tal lógica proporciona que a turma faça uso do bichoforme ou bichofino até que os
cadetes estejam adaptados à condição de alunos oficiais e seguros quanto à decisão de
permanência na Academia policial militar. Caso fosse de outra forma, se o aluno tivesse
adquirido todos os fardamentos oficiais a partir do seu ingresso, estaria sujeito a gastar um
montante financeiro que, em situação de desistência, esses gastos seriam desperdiçados.

Além disso, o período anterior ao uso e gastos com uniforme, diante de tantos
cobranças, desafios e adestramento seria o momento para o cadete passar pela ‗peneira‘568
analisando a sua adequação ou não à carreira policial militar, se ele próprio tem a expectativa
de desenvolver o perfil profissional, para seguir vinculado ou não na profissão. Caso não se
identifique, solicitará por meio de requerimento, o seu desligamento da instituição.

568
Expressão utilizada por Celso Castro, para designar a permanência ou desistência dos cadetes no período de
adaptação, no tocante à vocação ou força de vontade para a carreira militar. CASTRO, Celso. O espírito
militar: Um antropólogo na caserna. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.19.
221

O pedido de desligamento do aluno, não é incomum nas escolas de formação, e é um


direito conferido ao aluno policial militar, uma vez que a disponibilidade ao serviço policial,
não tem a obrigatoriedade, como no caso no Exército brasileiro. O pedido de desligamento ou
de desistência no período de formação, é visto como fazendo parte da dinâmica institucional e
da vida daquele que está incorporado, entretanto, é compreendido de modo diferente, no caso
quando o cadete conclui o período acadêmico, se forma e chega a posto de aspirante, e após a
formatura, resolve pedir demissão, nesse caso, ele é considerado como devedor ao estado por
abandonar a carreira que lhe foi investida e precisará indenizar o Estado pelos investimentos
despendidos para a sua formação, conforme a Lei nº 6.626569:

Art.35. Durante o Curso de formação ou de Adaptação, os policiais poderão solicitar


desligamento, independente de indenização ao erário, [...]
Art. 36. Após a conclusão do Curso de formação ou de Adaptação, o policial militar
poderá requerer sua exclusão da Corporação:
I- Sem indenização aos cofres públicos quando contar mais de cinco anos de
formado;
II-Com indenização das despesas relativas à sua preparação e formação quando
contar com menos de cinco anos de formado.

§ 2º- o cálculo das indenizações a que se refere o inciso II [...] será efetuado pela
organização policial militar encarregada das finanças da Polícia.

Além do amadurecimento e da adaptação do cadete quanto à carreira militar, o uso


correto dos uniformes exigirá cuidado, limpeza e zelo, se constituindo como um fator
primordial à boa apresentação coletiva e individual. Para salvaguardar que os cadetes estejam
cuidando adequadamente do uniforme, costumeiramente e de modo não avisado, são realizadas
inspeções pelos oficiais da Divisão de ensino ou do Corpo de Alunos. As inspeções primam por
reforçar que o zelo e cuidado com os uniformes, são atitudes que demonstram respeito e amor à
farda que se dispuseram ostentar quanto optaram pela carreira policial militar.

Havia revista do uniforme diariamente, tínhamos que estar impecáveis [...] fivelas,
coturnos, fardamento, cabelo, barba [...] nada em desalinho. (Silveira, Cadete, 1988).

Quanto ao nosso fardamento [...] éramos cobrados dos mesmos cuidados: sapato
engraxado, fivela lustrada, uniforme limpo e bem passado, fardamento com vincos,
etc. (Duarte, Aspirante a Oficial, 1992).

Vivíamos muito sob a influência das Forças Armadas. Nas disciplinas, no trato, nas
honrarias, nas datas cívicas, hinos, regulamentos, desfile, revistas, tudo [...] Inclusive
tínhamos revista do uniforme e do alojamento diariamente. (Edimar, Cadete, 1999).

569
A Lei nº 6.626, de 3 de fevereiro de 2004, dispõe sobre o ingresso na Polícia Militar no Pará. Artigos 35 e 36.
222

Outro cuidado que o cadete deve ter é de não sobrepor nenhum elemento ou mesmo
adereço (cordões, crucifixos, etc.) sobre o seu uniforme, como também deve atentar para usá-lo,
tal qual é descrito no RUPM, porque não lhe é permitido nenhuma adulteração. E no que se refere
às peças de metal, existentes no uniforme, cabe ao aluno oficial, a responsabilidade de realizar a
limpeza e dar o devido polimento à cada uma das peças, bem como aos seus calçados e coturnos.

O momento em que o cadete deixa de usar o bichoforme e o bichofino geralmente


manifesta grande satisfação e decorre de celebração conjugada, pelo recebimento do espadim,
somado ao uso do traje de gala:

Quando nós deixamos de usar o ―bichoforme‖ e passamos a usar o uniforme pela


primeira vez, eu tinha um sentimento muito gostoso [...] fiquei muito feliz com a
minha conquista. (Salim, Cadete, 1992).

Nossa primeira solenidade de fato, foi o baile de espadim, já no pátio do IESP,


primeira vez usando a farda azul ferrete. Éramos dois cadetes em casa, eu e meu
irmão Ricardo, a família toda compareceu. Ainda estávamos sem receber o salário,
mas nossos pais bancaram, até sair nosso pagamento, e tivemos inclusive o baile do
espadim que foi no T1.570 (Santos, Cadete, 1999).

Deixar de usar o ‗traje período básico‘ e o ‗bichoforme‘ consagra a mudança a partir


da qual, o cadete passa a fazer uso de fato dos uniformes padronizados e oficiais, os quais
serão empregados em consonância com as diversas ocasiões: uniforme de instrução 5ºA571,
uniforme de educação física, agasalhos, uniforme de passeio 4º D (administrativo), e o
uniforme de gala. Este é de uso exclusivo e característico do cadete.

3.5.2 O uniforme de gala do cadete

O uniforme de gala do cadete na APM Cel. Fontoura recebe o apelido de ‗azulão ou azul
ferrete‘. Segundo João Paulo Vieira572 – idealizador do referido uniforme, este foi pensado com
uma conjugação de elementos, dos uniformes de outras Academias de Polícias, principalmente do
uniforme de alunos oficiais da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).

570
―T1‖ é a sede social do Clube de Oficiais da Aeronáutica de Belém, cedido à Polícia Militar para a realização
do baile do espadim, dessa turma de cadetes.
571
Uniforme de instrução é composto de calça, gandola e camisa de meia por baixo da gandola, coturnos, gorro
e cinto de equipamentos, conforme o Regulamento de Uniformes da Polícia Militar.
572
Dados informados por João Paulo Vieira da Silva, o primeiro comandante da APM, em entrevista à pesquisadora.
223

Desta feita, o uniforme do cadete da APM Coronel Fontoura expressa o seu estilo
próprio, todavia, em alguns detalhes nos remete à ideia da realeza, analisadas por Castro573 no
uniforme da AMAN.

Segundo Castro, os elementos adotados no uniforme do cadete da Academia Militar


das Agulhas Negras passaram a vigorar em 30 de abril de 1931, e foram retirados de
uniformes militares do Império, principalmente da campanha de 1852 contra Rosas574, com a
colocação de barretina, cordões com palmatórias e borlas, emblema simbólico para a
cobertura e charlateiras de palmas. 575

Celso Castro descreve que os uniformes dos cadetes da AMAN foram modificados por
José Pessoa, que os considerava ―pouco distintos dos uniformes dos soldados‖ e
―simbolicamente inexpressivos‖.576 Então, José Pessoa solicitou ao autor do álbum dos
uniformes do Exército, o artista plástico José Walsht Rodrigues que criasse um novo uniforme
aos cadetes e recomendou que a mudança não fosse uma simples combinação de peças, que
embora respeitando o caráter contemporâneo dos uniformes, restabelecesse ―os liames
históricos do Cadete da Escola Militar‖577.

No Pará, o uniforme de gala do cadete é apelidado de ‗azulão‘, em virtude da cor azul


forte, vibrante. O azulão é diferente de todos os outros uniformes da PMPA e, por suas
características, destaca-se nas solenidades militares. É de uso exclusivo dos alunos da Academia
Coronel Fontoura e do oficial que está no comando do pelotão de cadetes. Como se pode observar
na imagem a seguir (Figura 24), tal uniforme é cheio de detalhes, composto de: ‗barretina em
fibra, na cor azul, com detalhes dourados e penachos vermelhos, platinas nos ombros, contendo a
insígnia de cadete, polaina e luvas brancas, túnica azul ferrete com botões dourados, calça
comprida azul ferrete, com friso vertical, na cor vermelha, meias, sapatos e cadarços pretos, blusa
branca de algodão; espadim Fontoura, exclusivo para cadetes e o talim (suporte do espadim).

573
CASTRO, Celso. Exército e nação: estudos sobre a história do exército brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2012.
p.123.
574
A Guerra do Prata (1851-1852), ou Guerra contra Oribe e Rosas, foi uma disputa ocorrida no século XIX entre o
Império brasileiro, a Confederação da Argentina e a República Oriental do Uruguai pela hegemonia na região do
Rio do Prata. Fez parte de uma série de confrontos por terras e poder que ocorreram desde o período colonial. O
episódio consolidou a influência do Império brasileiro na América do Sul e contribuiu para a permanência da
monarquia no país. Disponível em: http://www.historiabrasileira.com/brasil-imperio/guerra-do-prata. Acesso em:
10 nov. 2017.
575
CASTRO, Celso. Ibid., p. 43.
576
CASTRO, Celso. Exército e nação: estudos sobre a história do exército brasileiro. Rio de Janeiro-RJ: Editora
FGV, 2012. p.123
577
CASTRO, Celso. A invenção do Exército brasileiro. Série Descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro-RJ: Jorge
Zahar Ed, 2002. p.43.
224

Figura 24 - Pelotão de Cadetes de uniforme azul ferrete na APM Coronel Fontoura.

Fonte: Acervo pessoal de Heider da Silva Martins.

Curiosamente, o uniforme de gala na cor azul ferrete, faz lembrar a descrição feita por
Gaia Farias578 sobre os primeiros uniformes do Exército na República, adotado pelo
regimento paraense para dar feições ainda mais militares à Força policial, guardando
semelhança com as organizações militares.579

O uniforme de gala do cadete é cheio de detalhes e requer além de saber colocar, de


estar sempre em excelentes condições. Luva, polaina, barretina, cinto com espadim,
túnica com botões, camisa branca para debaixo da túnica, calça comprida, meias,
sapato social. A exigência era de que cada um desses elementos estivesse limpo e
bem apresentável. O cinto do espadim e o próprio espadim precisam estar brilhantes,
inclusive o talim. (Costa Vale, Cadete, 1992).

Em sua entrevista, João Paulo Vieira da Silva, descreve que seu objetivo com a criação
do uniforme do cadete era fundamentar a representação da tradição e do espírito militar. Para
tal feito, buscou inspiração em vários uniformes de outras academias consolidadas, dentre as
quais, a principal teria sido a AMAN, cuja cor predominante do uniforme era o azul turquesa.

Ao fazer isso, o referido comandante tirou proveito de parte do simbolismo existente e


cultuado no passado histórico da AMAN, principalmente a partir das modificações realizadas

578
FARIAS, William Gaia. Policia Militar Paraense: Insubordinação, indisciplina e processo de fortalecimento
(1886-1897). Revista História e Perspectivas, Uberlândia v.49, p. 103-104, jul./dez.2013b.
579
FARIAS, Ibid., p.131.
225

por José Pessoa, e possibilitou pela combinação de vários elementos, que a APM Cel
Fontoura, fosse inserida e usufruísse com rapidez de um forte simbolismo e de um passado
tradicional, no momento em que a própria academia tinha acabado de ser criada. A isso, Eric
Hobsbawm e Terence Ranger vão denominar de ‗tradição inventada‘.580

Depois do fardamento diferenciado, o espadim é outro elemento de extrema relevância


que ao ser agregado ao uniforme do cadete, completa o seu simbolismo.

3.6 O ESPADIM: A ‗IDENTIDADE‘ DO ALUNO OFICIAL

Nunca mais deixei de pensar comigo, que o nosso espadim


é sempre maior do que a espada de Napoleão.
Memórias póstumas de Brás Cubas
Machado de Assis

Categoricamente, o Espadim é defendido como um elemento de grande valor na


formação, revelado inclusive na literatura nas ‗memorias de Brás Cubas‘. Segundo Celso
Castro, vários são os elementos de uma cerimônia militar que sugerem a herança de um
passado imemorial, o espadim é um desses elementos, sendo de uso exclusivo do cadete.

O espadim tornou-se uma arma mais conhecida ao ser usada na cerimônia do casamento
de Nicolau II, filho do Czar Alexandre III, com a princesa Alix, neta da rainha Vitória da
Inglaterra. O uso do espadim era comum entre os jovens aristocratas europeus da época, filhos de
nobres vindos das Escolas Militares, tendo sido difundido nas demais escolas581:

Nossa solenidade do espadim foi um dia bem marcante. Pela simbologia do espadim –
foi lido pelo cerimonialista que o espadim simbolizava a arma dos príncipes. Além
disso, era a primeira vez que estávamos usando o uniforme azul ferrete, que é
especifico do cadete. E nossas famílias estavam ali reunidas, tudo ficou muito bonito.
(Formigosa, Cadete, 1999);

O espadim é o símbolo dos alunos do Curso de Formação de Oficiais nas Academias


das Polícias Militares no Brasil. É o elemento mais importante nesse simbolismo do cadete
em sua vida militar, e representa a dedicação à farda, o idealismo e o destemor, traduzindo -

580
HOBSBAWM, Eric. RANGER, Terence (org). A invenção das tradições. 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago,
1984.p.9-23.
581
Manual do aluno oficial da APM Coronel Fontoura. Aditamento ao Boletim Geral. nº 218 de 22.nov.2000.
226

se por honra militar582, sendo o espadim a própria identidade do aluno oficial, representa a
dignidade do policial militar, condicionando-o a manter as tradições e o idealismo
profissional da corporação.

A inserção do espadim na AMAN foi promovida por José Pessoa ao uniforme do


cadete, o que segundo Castro tornou-se um elemento essencialmente inventado para
produzir a ideia de tradição. Castro registra que a inclusão do espadim, para José Pessoa,
tinha a finalidade de cultuar Caxias como ―o maior general sul-americano‖, ―o pilar que
sustentou o Império‖583. Com isso, José Pessoa ―lançava âncora num passado remoto,
atribuindo estabilidade à instituição que deveria ser, vista como a ‗ossatura da
nacionalidade.‘‖584

Os cadetes da AMAN, ao receberem o espadim como a ―cópia em miniatura da espada


585
de Caxias, patrono do Exército‖ , pronunciam-se com o seguinte juramento: ―Recebo o
sabre de Caxias, como o próprio símbolo da honra militar‖.

Tivemos solenidade do espadim durante o curso. Para mim que havia servido o
Exército brasileiro, e não tinha podido seguir carreira, era a realização de um sonho,
embora não fosse o Espadim de Duque de Caxias, mas era o Espadim de Fontoura,
também uma grande conquista. (Ênio, Cadete, 2008),

Enquanto para AMAN o espadim é homenagem a Caxias, na APM do Pará o decreto


nº 1.240, cria o Espadim com o propósito de reverenciar a memória do Cel. PM Antônio
Sérgio Dias Vieira da Fontoura, herói de canudos e patrono da Polícia Militar do Pará, como
exemplo na vida do futuro oficial PM. Tal Decreto afirma que o Espadim ―Cel. Fontoura‖
é símbolo da honra e dignidade do cadete da PMPA e o condiciona a manter as tradições e o
idealismo profissional da corporação. É constituído pela união harmônica do aço, do ouro e
do marfim, trazendo em sua lâmina a inscrição em latim "Pro-lege Vigilanda‖, que significa
―pela vigilância da lei‖.586

A entrega do espadim ao cadete, ainda no 1º ano do CFO, ocorre em solenidade


militar, com pompas e circunstâncias, com a presença de familiares e convidados, realização
de desfiles, etc. Para o aluno oficial, o espadim torna-se um complemento de seu uniforme, e

582
Espadim‘ é uma espada em escala reduzida. Seu uso é comum aos cadetes em academias militares, alunos dos
cursos de formação de oficiais. Por ser originária da rapieira, tem lâmina reta e não é cortante, ou seja, não tem fio.
583
CASTRO, Celso. Exército e nação: estudos sobre a história do exército brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2012.
p.123.
584
Celso. A invenção do Exército brasileiro. Série Descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p.9.
585
CASTRO, Ibid., p.48.
586
PARÁ, Decreto nº 1.240, de 27 de novembro de 1992, cria o Espadim Cel, Fontoura.
227

no decorrer dos três anos do curso, deve conduzi-lo com responsabilidade, orgulho e
galhardia, exprimindo sentimento de patriotismo, até a sua conclusão, quando obterá sua
promoção a aspirante a oficial e substituirá o espadim, pela espada de oficial.

A solenidade do espadim marca a vida do aluno oficial. Durante os três anos


carregamos o espadim, é como se ele fizesse parte de nós, mas vislumbramos um dia
devolvê-lo. De certa forma, o espadim é como se representasse a promessa que o
cadete vai deixar de ser aluno, e vai receber lá na frente a espada. (Costa Vale,
Cadete, 1992).

Nas fotografias abaixo (Figuras 25 e 26), visualiza-se os pelotões de cadetes, da turma


pioneira de 1992, em solenidade, no pátio da antiga Academia Coronel Fontoura
(Fontourinha) A turma encontra-se uniformizada, perfilada, manifestando a agregação de dois
elementos da cultura militar que representam a vida do cadete: o uniforme azul ferrete e o
espadim, reafirmando a ideia de tradição.

Fotografias 25-26 - Solenidade de espadim da Turma Pioneira do CFO (1992-1994).

Fonte: Acervo pessoal de Paulo Mauricio Rosa.


228

Pelos diversos elementos simbólicos ostentados no uniforme do cadete, pelo significado


agregado a ele e pelo o seu uso obrigatório em todas as turmas desde a criação da Academia, dá
a impressão que é um uniforme tradicional, tão antigo quanto à bicentenária Polícia Militar do
Pará. Entretanto, não há tão longeva existência. Trata-se de uma invenção que nasceu junto com
a unidade de ensino, nos anos 1990, fazendo-nos relembrar da tradição inventada.

3.7 DISCIPLINA NOS DESFILES MILITARES

No âmbito da Academia Policial Militar, a questão da ‗tradição inventada‘ é tão


convincente, que as pessoas que assistem aos desfiles, quer sejam familiares, convidados, ou
mesmo, os próprios policiais militares, chegam a acreditar que esses rituais e símbolos, são
bem mais antigos e tradicionais do que de fato o são, na realidade. É isso que acaba por
caracterizar o processo de invenção de tradições, quando os elementos estabelecem a
continuidade de um passado histórico considerado apropriado. 587

Os Desfiles Militares são atividades que exigem muito treino, um investimento de


tempo exaustivo, todavia os cadetes são doutrinados para entenderem não como desperdício,
mas sim como a utilização positiva do tempo, na busca de homogeneidade, da uniformização
do pelotão, seja de homem ou de mulher, onde os passos se apresentem com harmonia e
unanimidade na cadência.

O cadete em uma equipe ou em um pelotão, ele não pode pensar em si, ele tem que
pensar na equipe, por isso são divididos em pelotões, dando essa proximidade. Aí é
estimulada a concorrência entre os pelotões, de pelotão para o outro, quem é melhor,
quem faz uma canção melhor, quem faz a ordem unida melhor, quem marcha melhor
nos desfiles. Essa concorrência é sadia, é uma motivação para que eles procurem
melhorar, se superar sempre (Rayol, ex-comandante da APM).

Foucault esclarece qual seja o modo de proceder a disciplina no ato do desfile, com
precisão de gestos e movimentos, como uma maneira de ajustar os corpos dos soldados,
controlando por meio da homogeneidade da tropa, refere o autor: acostume-os ―a marchar por
fila ou em batalhão, a marchar na cadência do tambor. E para isso, começar com o pé direito,
a fim de que toda a tropa esteja levantando o mesmo pé, ao mesmo tempo‖588

587
HOBSBAWM, Eric. RANGER, Terence (Org). A invenção das tradições. 2. ed.. Rio de Janeiro: Imago, 1984. p.9.
588
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.129.
229

No treino dos desfiles, o corpo é trabalhado com em um adestramento, sobre o qual


Foucault perscruta, entendendo que no centro do adestramento ―reina a noção de ‗docilidade‘,
que une ao corpo analisável, o corpo manipulável589.

[...] O desfile militar cria um sentido de unidade, sendo seu ponto crítico a dramatização
da ideia de corporação nos gestos, vestes e verbalizações, que são sempre idênticos. No
dia da Pátria, assim, ficam separados autoridades e povo e, dentre as autoridades, aquelas
que detém e controlam o maior ou menor parcela de poder.590

Analiso que os desfiles militares são uma prática das organizações militares, que dão a
ideia de continuidade do passado, uma ‗tradição inventada‘. Revela-se como um cerimonial
relacionado a um evento histórico especifico e antigo.

Sobre isso, no Brasil, o evento histórico anualmente lembrado no qual desfilam as


mencionadas organizações militares, é o Dia da Pátria ou Dia da Independência. Comemorado
oficialmente no dia 7 de setembro, fazendo parte da denominada Semana da Pátria591, sendo
um dos momentos cívicos militares tradicionalmente cultivados.

Participávamos de tudo quanto era solenidade, até nas formaturas dos colegas
cadetes do segundo ano e do terceiro ano. Quando a gente vinha pra Belém, nós– os
cadetes paraenses, que estávamos nas Academias de outros estados, fazíamos
pelotão mistos para os desfiles, por exemplo, no dia 7 de setembro. Era muito bonito
e empolgante. E eu, devido a minha altura e porte físico, era muitas vezes o ‗testa‘
nas formaturas e nos desfiles. (Silveira, Cadete, 1988).

Participei de muitas solenidades. Nós éramos escalados para tudo. E pela minha
altura, eu era sempre guarda símbolo da APM, era o ―testa‖ 592 nos desfiles‖. (Dilson
Junior, Aspirante a Oficial, 1992).

As lembranças de Silveira e de Dílson Júnior são relatadas com certo tom de emoção,
empolgação e vaidade. Talvez porque para o cadete, o desfile militar em vias públicas, fora do
ambiente da Academia, traduz-se como recompensa do esforço aos muitos dias de exaustivos
treinos, porque geralmente os desfiles rendem aplausos do grande público, sem contar que
podem também render elogios, favorecendo ao cadete com acréscimos de alguns pontos em
sua nota de comportamento escolar.

589
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.118.
590
MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997. p.57
591
A Semana da Pátria é constituída pelas comemorações realizadas durante o Dia da Pátria e em dias
anteriores, as quais compreendem uma série de solenidades, inclusive palestras relativas ao fato histórico da
proclamação da independência política e ao desenvolvimento do Brasil. Dia da Pátria Regulamento Interno
de Serviços Gerais. Art. 345. Exército brasileiro, 2003. p. 100.
592
Testa é o primeiro elemento ou indivíduo na formação por coluna.
230

E, no caso dos cadetes de maior estatura, por serem posicionados à frente, são os que
‗puxam‘ o pelotão ou que levam as bandeiras, que ficam em destaque como porta-símbolo da
unidade escolar. Essas posições de maior evidência lhes enchem de orgulho.

Roberto Da Matta593 analisa que o desfile militar é, por tradição, um ritual que acontece
no período diurno, sendo realizado em espaços bem demarcados, cujo ponto central é a parada
militar. Para o evento, é preparada uma avenida por onde devem passar os participantes do ritual,
em que o povo deve ficar como assistente, e geralmente é construído um palanque alto como local
de destaque destinado às autoridades municipais, estaduais e federais.

Desse modo, há uma nítida separação entre o povo, as autoridades (que assistem ao
desfile, mas para as quais o desfile é realizado) e os militares que desfilam. Realmente, o
ponto focal do desfile do Dia da Pátria é a passagem pelo local sacralizado, onde se
presta continência às mais altas autoridades constituídas. O povo faz o papel de
assistente, e, junto com os soldados, prestigia o ato de solidariedade e de respeito às
autoridades e aos símbolos nacionais (a bandeira e as armas da República), por meio do
sinal paradigmático da continência. A forma assumida desse gesto é uma parada militar,
termo que, em português, vem do verbo parar e que tem alto conteúdo simbólico.594

A organização do rito histórico, como parte da tradição inventada, cabe aos poderes
constituídos e legitimada por meio de decreto e instrumentos legais em que reforça a ideia que as
Forças Armadas são corporações perpétuas e legitimamente representativas do poder nacional.

Aos desfiles comparecem inicialmente os órgãos que compõem as Forças Armadas


por ordem de antiguidade: primeiro, entra na avenida a Marinha do Brasil, seguida do
Exército brasileiro e em terceiro a Aeronáutica. Depois, entram para o desfile as Forças
Auxiliares: a Polícia Militar, em seguida o Corpo de Bombeiros Militar. Nessa rigorosa
ordem, as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e as Forças Auxiliares (Polícia
Militar e Corpo de Bombeiros Militar), escalam seus efetivos para o desfile ou parada militar:

[...] De fato, o desfile militar (e desfilar é andar em fila) aponta simbolicamente para
um congelamento ou uma ―parada‖ da estrutura social, e não poderia ser de outro
modo. Isso porque as corporações desfilam seguindo uma rigorosa ordem interna
(com os oficiais na frente, acompanhando a bandeira da corporação e da bandeira
nacional) e uma rigorosa ordem de desfile. A cerimônia segue, pois, atualizando
em todos os níveis as distinções hierárquicas, estando organizada numa cadeia de
comandos que vai das autoridades civis e militares, isoladas no palanque (as
autoridades que recebem, com a bandeira, as saudações ou continência), para as
tropas que desfilam (ordenada segundo sua hierarquia interna), até o povo que
participa da solenidade como assistente595.

593
DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio
de Janeiro: Rocco, 1997.
594
DA MATTA, Roberto. Ibid., p. 57.
595
DA MATTA, Idem.
231

No Pará, desde a década de 1960 os desfiles militares ocorrem predominantemente na


Avenida Presidente Vargas, antiga Avenida 15 de agosto, que recebia essa denominação
como homenagem à data comemorativa da adesão do Pará à Independência do Brasil, todavia,
houve a mudança de seu nome para Av. Presidente Vargas.

A Avenida Presidente Vargas destacou-se como uma importante via pública da


cidade596. Nos anos 9140, tornou-se o principal corredor econômico do centro comercial, por
onde transcorria a vida social da cidade, permitindo o acesso ao porto, às Estradas de Nazareth e
do Utinga, que, por sua vez, davam acesso à estação da Estrada de Ferro Belém-Bragança.
Nessa avenida estavam instalados os principais ―hotéis, bares, cafés, restaurantes, escritórios de
grandes companhias de navegação e algumas casas comerciais mais requintadas‖.597

A ‗Presidente Vargas‘ por sua localização, faz limite com os bairros de Batista
Campos, Nazaré, Campina e Reduto, bairros esses que em um curto espaço de tempo,
adquiriram destaque por sua característica de modernidade e em virtude de sua ocupação
pelos segmentos de maior poder aquisitivo da sociedade.598

Na referida avenida encontra-se ainda a Praça da República, com seu monumento de


20 metros de altura em mármore carrara e bronze, compondo um conjunto escultórico erguido
sobre quatro degraus, um pedestal de quatro faces e uma coluna dórica, e no alto da coluna
está sua figura principal, a Marianne com as insígnias revolucionárias da sua identidade,
representando a República e, ao lado, têm-se o Teatro Waldemar Henrique e a Escola de Arte
da Universidade Federal do Pará599.
O entorno da praça, por si só, revela desde a década de 1950, sua atratividade para a
boemia e diversão, descrita por Dias Junior em sua tese de doutoramento sobre a boemia em
Belém, porque no mesmo espaço encontrava-se o complexo formado pelo Grande Hotel, o
Cinema Olympia, o Teatro da Paz e o bar do Parque; lugares se caracterizaram como pontos
de encontros entre pessoas que iam ao centro da cidade desfrutar os atrativos culturais
oferecidos por estes estabelecimentos.600

596
CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. 2. ed. Belém: CEJUP, 1992. P.84
597
PENTEADO, Antônio Rocha. Belém do Pará - Primeiros Estudos. Estudo de Geografia Urbana. Belém:
Edufpa, 1968. p.181.
598
ANDRADE, Rubens de; TÂNGAR, Vera Regina. A Praça da República e seus aspectos morfológicos no
desenho da paisagem de Belém. Paisagem Ambiente ensaios, São Paulo, n. 16, p. 43-68, 2002.
599
CRUZ, Ibid., p.119.
600
DIAS JUNIOR, José do Espírito Santo. Entre Cabarés e Gafieiras: um estudo das representações boemias
em Belém (1950 a 1980). Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo. 2013, p. 71.
232

Por sua importância como via pública, na representatividade como espaço social de
destaque no cenário urbano da cidade, a Avenida Presidente Vargas tradicionalmente tem sido
reservada para os eventos solenes cívico-militares, onde comparecem pessoas de todas as
classes sociais, e os participantes são remetidos à especificidade da história do Brasil. 601

Como de praxe, no Dia da Independência, após sucessivos treinamentos as turmas de


cadetes, como participantes da parada militar anual, compareciam devidamente fardadas. Em
meio aos arquivos das primeiras turmas da Academia Coronel Fontoura, encontrei nos registros
do livro de acompanhamento dos alunos, referências elogiosas destinadas à turma de Aspirantes a
Oficial, como resultado alcançado por seu desempenho no desfile militar ocorrido na Av.
Presidente Vargas em 07/09/1992. Entre tais referências selecionei o elogio a toda turma, recebido
por um dos sujeitos da pesquisa, o Aspirante Dílson Júnior, descrito da seguinte forma:

Fica elogiado pelo comandante da APM, por ter demonstrado garbo, vibração,
marcialidade, excelente apresentação individual e galhardia durante o desfile militar
do dia 07/set/1992, consagrado à Independência do Brasil, arrancando aplausos
calorosos do público assistente que lotava a Av. Presidente Vargas, e mais do que
isso, provocou inúmeros e dignificantes elogios das autoridades civis e militares
presentes. É com muito orgulho e felicidade, que elogio o referido cadete, fazendo
votos que em qualquer evento em que a APM Cel Fontoura tenha que ser
representada, seja feita da mesma significativa forma. 602

Como referimos antes, os elogios servem também como reforçadores na carreira policial
militar, fundamentado na Psicologia behaviorista-comportamental e, nesses casos, reforçadores
positivos, como garantem Kirsch e Mizukami, pois fortalecem o comportamento apreciado,
considerando-o adequado, motivando publicamente para que o aluno continue na carreira militar,
e sirva de modelo a outros. O elogio destinado ao aluno oficial configura-se como uma estratégia
de ensino-aprendizagem, dentro e fora da Academia, que é atribuído pelo comandante ou instrutor
para reforçar a conduta do aluno/policial, no sentido de se manter disciplinado e comprometido
com seus estudos, elevando o nome da instituição, servindo de inspiração aos demais.

No tocante a apresentação de desfiles na Av. Presidente Vargas, posteriormente, a


partir das últimas décadas do final do século XX, outras instituições educacionais foram se
incorporando ao desfile militar, formando pelotões devidamente uniformizados e com
evoluções e bandas musicais, mesclando-se à parada militar. Além das datas cívicas, os
desfiles militares também compõem outros momentos, como, por exemplo, o dia da formatura
solene do Cadete a Aspirante a Oficial.

601
DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6. ed. Rio
de Janeiro: Rocco, 1997. p.55.
602
Livro de acompanhamento dos alunos do Curso Intensivo de Oficiais. Corpo de Cadetes/Aspirantes, 1992. p.7.
233

3.8 SOLENIDADE DE FORMATURA

Cada um deve procurar a profissão que sua vocação lhe


pede e depois aplicar-se a ela tenazmente, se quiser triunfar.
Benjamin Franklin

A Formatura é sempre um marco na vida de um aluno, que aponta para a carreira


profissional. Fecha-se um ciclo e inicia-se outro. No caso do cadete, não poderia ser
diferente. A formatura representa o nascimento do futuro oficial, pois ele ainda não recebeu
a patente de oficial e sim de ‗aspirante a oficial‘. A solenidade, portanto, configura-se como
uma mudança da condição de cadete para o status de aspirante a oficial. É a passagem de
um estado a outro.

Destarte, as solenidades de formatura policiais militares, além de seguirem rituais


semelhantes aos das Forças Armadas, com recebimento da espada, juramento do cadete,
desfile militares, segundo Erving Goffman 603, consistem em atender funções sociais latentes
ou evidentes, para manifestar a evolução dos agentes, em suas trajetórias sociais e, neste
sentido, a formatura traz no seu bojo uma serie de simbolismos institucionais, cuja a
centralidade é a nova vida do aspirante a oficial, sendo entregue à sociedade e aos seus
familiares, como um líder.

Quando o dia da cerimônia de formatura se aproxima, e estão faltando apenas 100


dias para a conclusão do Curso de Formação de Oficiais, é realizada uma prévia da
solenidade na academia, alusiva aos ―100 dias‖ restantes. A partir deste momento, o ritmo
do aluno oficial começa a ser modificado. Devido à aproximação do título do aspirantado, o
ambiente da academia torna-se mais frenético e a turma de concluintes afixa na parede da
sala, em um lugar de fácil visualização, o banner denominado de ―aspirantômetro‖, como
uma espécie de calendário, em que diariamente vai sendo subtraído os dias de cadete e se
aproximando o momento tão almejado, da mudança da estrela de cadete, para dar lugar à
estrela do ‗aspirante a oficial‘, no dia de sua formatura.

Ao ser estabelecido esse dia, o Corpo de Alunos da Academia, permite que o cadete
usufrua de algumas prerrogativas, repassando-lhe atribuições de maior confiança e são
evitadas algumas cobranças, por considerarem que a ‗forja‘ e o adestramento já estão quase

603
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva,2007.
234

concluídos. Mas, alguns cadetes mostram estar fadigados das várias cobranças, e que já estão
ansiosos para que o curso finalize.

Quando chegou o dia da formatura minha família estava toda reunida, meu pai,
minha mãe e minha irmã. Eu já desejava me formar e sair da academia. (Denise,
Cadete, 1994).

Nossa solenidade de formatura ocorreu no pátio de formaturas do CFAP, no antigo


comando geral da Dr. Freitas. Foi um momento muito lindo. Receber a espada foi
uma alegria, e também um alívio. Vinha na minha mente, quantas coisas eu tinha
passado pra chegar até ali. Era muito bom concluir aquela fase, para finalmente
poder exercer a profissão foi bastante emocionante. (Verena, Cadete, 2008).

Nossa solenidade das espadas, no término do curso também foi muito significativa –
existiam solenidades aonde as espadas eram emprestadas, e havia uma encarnação
dos oficiais da AMAN, de carreira, sobre essa espada devolvida, como se fosse só
uma brincadeira, porque o formando a recebia em um dia, e no dia seguinte devolvia
[...] então levei isso a ferro e fogo, quando chegou minha vez na APM, eu comprei
logo minha espada, porque aquele era o nosso símbolo legitimo do oficialato, eu
queria ter a minha espada, não ia dar margem pra que fosse considerado uma
brincadeira. (Formigosa, Cadete, 1999).

Mas quando chegou o final do CFO, embora eu tivesse me saído muito bem, na
classificação geral do curso, eu já tinha ansiedade que acabasse logo, já queria ser
aspirante. (Salim, Cadete, 1992).

No dia da solenidade propriamente, as autoridades convidadas encontram-se no


palanque, e no entorno, os familiares, de onde todos vislumbram a entrada do grupamento de
formandos. Primeiramente, os formandos um a um, por coluna, realizam solenemente a
devolução do espadim – um dos símbolos mais identitários do cadete, símbolo esse que os
acompanhou durante a trajetória dos três anos, na condição de aluno oficial. No ato da
devolução do espadim é como se o cadete, simbolicamente se despisse de sua ‗identidade‘; se
desidentificasse de sua condição de aluno, para receber a nova identidade que surge, dando
lugar ao oficial.

Por meio do rito da passagem efetiva, para o novo círculo de aspirante a oficial, a
turma de cadetes, distribuída em pelotões, entra no pátio desfilando, realiza várias evoluções
peculiares aos desfiles militares, até que se desfaçam os pelotões e os cadetes se tornem
enfileirados numa única coluna, e cada um em seu tempo, solenemente, vai devolvendo o
espadim (Figuras 27 a 29).
235

Figura 27-29 - Solenidade de formatura – devolução do espadim.

Fonte: Acervo pessoal de Heider da Silva Martins.

Destaca-se que quando há regularmente concursos do CFO, como parte de um ritual


acadêmico movido pela hierarquia, os formandos (terceiro-anistas) despedem-se da vida de
cadetes, deixando os espadins em uma mesa, e os alunos do segundo ano se posicionam para
recebê-los. Ainda como parte do simbolismo, o formando que se destacou como primeiro
colocado do terceiro ano do CFO faz a passagem do estandarte histórico da Academia de
Polícia Militar ―Cel. Fontoura‖ ao aluno oficial PM, também primeiro colocado do segundo
ano do Curso de Formação de Oficiais, manifestando assim, a entrega da condição de cadete
mais antigo, e sua substituição ao que passará a receber a antiguidade.

Em seguida no pátio de formatura, solenemente o cerimonialista militar, realiza a


leitura da ata de conclusão e a portaria com a classificação dos formandos, momento em que o
primeiro colocado assume posição de destaque em frente ao palanque para ser agraciado com
a espada, recebendo-a em separado, das mãos de sua madrinha e da maior autoridade presente
na referida solenidade. Posteriormente, segue-se o pronunciamento da mencionada
autoridade, que por vezes é o governador do estado, outras o Secretário de Segurança Pública
ou um Ministro, como ocorreu na formatura de Leonardo:

Nossa formatura foi muito bonita. Estavam presentes minha mãe e meu tio. Me
lembro até quem presidia a solenidade, foi o Ministro da Justiça da época, Jarbas
Passarinho604 e por ele ser paraense, fez uma citação no seu discurso dizendo ―aos
cadetes meus conterrâneos. [...] Éramos naquela ocasião sete formandos do Pará que
estávamos cursando academia em Minas Gerais: o Roberto Campos, o Julimar,
Pinheiro, Bacelar, F. Gibson - meu primo, e eu. (Leonardo, Cadete, 1988).

604
Jarbas Passarinho, general do Exército; foi governador do Pará, por três vezes Senador da Republica, três
vezes ministro do Estado, e na ocasião da citada solenidade era Ministro da Justiça.
236

Já tendo sido declarado aspirante a oficial605, o primeiro classificado volta ao seu lugar
de origem no pelotão. E em ato contínuo, o cerimonialista convida a todos os padrinhos,
madrinhas e familiares a realizar a entrega das espadas aos demais concluintes do Curso de
Formação de Oficiais.

Ressalto que a espada – símbolo do oficialato – embora não seja ostentada no fardamento
diário e nem nas atividades rotineiras, traz gravada em sua lâmina, uma importante mensagem, a
ser memorizada pelo oficial, a qual expressa o real propósito do serviço policial militar: “Pro-lege
vigilanda” ou seja ―para serem vigilantes da Lei‖ (Figura 30).

Figura 30 - Turma de formandos da APM Coronel Fontoura.

Fonte: Acervo pessoal de Heider da Silva Martins.

605
O aspirante a oficial exerce as funções inerentes aos oficiais subalternos, com atribuições e deveres
semelhantes, respeitando-se as restrições, os regulamentos e instruções específicas previstas em leis. As
competências dos aspirantes a oficial e dos oficiais subalternos são descritas no Regulamento Interno e dos
Serviços Gerais (RISG). Brasília-DF: Ministério do Exército, 2003. p.44.
237

Seguida ao recebimento da espada e o congraçamento dos familiares, os aspirantes


proferem, diante do pavilhão nacional, com voz uníssona, o seguinte compromisso:

COMPROMISSO - JURAMENTO DOS ASPIRANTES A OFICIAL.

Ao ser declarado Aspirante a Oficial da Polícia Militar do meu Estado, assumo o


compromisso de cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver
subordinado e dedicar-me inteiramente ao serviço Policial Militar, à preservação
da ordem pública e a segurança da comunidade, mesmo com o sacrifício da
própria vida.

Nesse momento solene, também são identificados os três concluintes que mais se
destacaram nos estudos, e desses, o primeiro colocado, para o recebimento da medalha
Ferreira Coelho. Finalizando este capítulo, apresento a classificação dos três primeiros
colocados da turma de 1992/94 (Quadro 6), que por sua representatividade para a corporação,
recebeu o codinome de “A pioneira da Amazônia” a partir da qual se iniciou o curso de
formação de oficial em caráter regular.

Quadro 6 - classificação dos primeiros colocados na turma pioneira do CFO.

COLOCAÇÃO NOME DO ALUNO CONCLUINTE606 ORIGEM

1º Reginaldo Brito de Miranda607 Amapá

2º Mariney Santos Almeida Pará

3º Simão Salim Júnior Pará

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da Divisão de Ensino da APM.

Após a solenidade militar de conclusão do Curso de Formação, as Academias


Militares procedem as demais cerimônias de formatura, como o fazem os concluintes dos
cursos de graduação civil, incluindo-se celebrações religiosas (missa de ação de graças e/ou
culto ecumênico) e baile de formatura.

606
A formatura da turma ―Pioneira da Amazônia‖ foi realizada em 12 de dezembro de 1994.
607
Nessa 1ª turma regular de CFO, equivalente a 3ª turma formada na Academia de Fontoura, o 1º colocado foi
o aspirante a oficial Reginaldo Brito de Miranda, do estado do Amapá, o qual, por sua classificação, deveria
receber a medalha Ferreira Coelho, destinada ao primeiro colocado por dedicação aos estudos. Nesse caso,
por se tratar de um aluno ―estrangeiro‖ – policial militar de uma coirmã, a medalha foi designada à 2ª
colocada, aspirante a oficial Mariney Santos Almeida, por ser do estado do Pará. Anos mais tarde, com o
falecimento da referida oficial, a antiguidade da turma de aspirante 1994, foi atribuída ao oficial Simão Salim
Júnior, um dos nossos interlocutores desta pesquisa.
238

CAPÍTULO 4

A “MARCHA” DA ACADEMIA DE FONTOURA PARA O IESP

[...] Ninguém pode prescindir do passado. Mas olhar para trás exige entender os fatos
pretéritos como oportunidade de preservar a memória e evoluir as ideias.
[...] Não nos prendemos no passado, voltamo-nos para o futuro – afinal, cada vez que
entramos no rio histórico do tempo, outras são as águas que tocamos. E, assim, em que
pese o fato de sermos vencedores, não desmerecemos os vencidos. [...] Quando
erguemos monumentos, só o fazemos para pensar profundamente a História, nunca para
menosprezar oponentes ou para atiçar discórdia. Sabemos que edificar o amanhã
significa semear terras férteis, jamais despertar fantasmas. É isso que nos mantem acima
das ideologias, das desavenças e dos ressentimentos.608

Em setembro de 1999, quando o Instituto de Ensino de Segurança do Pará (IESP), foi


inaugurado com a proposta de congregar no mesmo ambiente as unidades de ensino do
Sistema de Segurança Pública, sua criação foi considerada inusitada para o País, e estava
estabelecida em um programa de governo como política de integração.

No âmbito do governo federal, estava o presidente Fernando Henrique Cardoso, e


no estadual, o governador Almir Gabriel, ambos social-democratas. Quando da
implantação do IESP, Almir exercia o segundo mandato de governador, mas vinha
trabalhando desde sua primeira gestão em algumas frentes, com a ideia vigorosamente
defendida de integração entre as instituições de Segurança Pública, para redução das
desigualdades, cujo lema amplamente divulgado era ―o de levar em conta um ponto que
considero básico para a social democracia: enquanto não posso fazer a igualdade de todos,
eu reduzo a diferença‖609

Inicialmente, a ‗política de integração‘ fomentada apresentou-se como solução às


problemáticas da Segurança Pública, perante as duas, ou mesmo, três alternativas, que se
ventilavam no Brasil, que seriam de ‗unificação‘ das Polícias, de ‗extinção‘ de uma delas ou

608
CASTRO, Celso. Comemorando a ―Revolução‖ de 1964: a memória histórica dos militares brasileiros. In:
FONTES, Edilza Joana de Oliveira e BEZERRA NETO, José Maia. (Orgs.) Diálogos entre história,
literatura &memoria. Belém. Paka-Tatu, 2007. p.409 -441.
609
Trecho do pronunciamento do governador Almir Gabriel, gravado em Belém, dia 23/4/1999. In: OLIVEIRA,
Alfredo. Almir Gabriel: trajetória e pensamento. Belém: Delta, 2002. p.455.
239

de ‗desmilitarização‘ para o caso da Polícia Militar610. Qual fosse a solução admitida, havia
sobre ela, o depositário de incontáveis desafios.

Entretanto, o significado de maior relevância na política de integração pautava-se,


sobretudo, no objetivo de fomentar a conscientização coletiva de complementaridade
necessária entre as instituições do Sistema de Segurança Pública, encerrando a histórica
dualidade ou rivalidade operacional, existente entre os agentes das duas Polícias.611

4.1 O CENÁRIO SOCIAL BRASILEIRO E A POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO DAS


INSTITUIÇÕES DE ENSINO DE SEGURANÇA PÚBLICA NO PARÁ

Os dilemas na Segurança Pública, disseminavam-se por todo o território brasileiro. Desde


o final da década de 1980 e ao longo de 1990, o avanço da redemocratização e o fortalecimento
da sociedade civil organizada, exerciam pressão quanto à necessidade de uma reforma
institucional na Segurança Pública e tal reforma englobava o amplo cenário da nação brasileira.

Sergio Adorno, analisa o início de tal reforma, a partir da política de segurança pública
implementada nos dois períodos do governo de Fernando Henrique Cardoso. No primeiro
período (1995-1998), sua proposta de governo se intitulava ―mãos à obra‖, e estabelecia
iniciativas de gestão, cujo impactos objetivavam alcançar o campo dos direitos humanos.

As iniciativas em termos de políticas sociais de FHC, segundo Adorno, deveriam


englobar cinco metas: emprego, educação, saúde, agricultura e segurança. Entretanto, as ações
para que produzissem efetivos resultados, deveriam impactar precisamente o contexto social,
que se encontrava submerso na insegurança, no descrédito das instituições públicas, nos
números crescentes de homicídios, assaltos, sequestros, tráfico de drogas, e outras ocorrências
que caracterizavam sobremaneira a violação sistemática de direitos humanos.612

Conforme Adorno, no levantamento diagnóstico realizado naquele contexto, foram


identificados vários outros problemas que diziam respeito diretamente à atuação dos agentes
de Segurança Pública: quadros humanos mal preparados, métodos de investigação policial

610
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. O futuro de uma ilusão: o sonho de uma nova polícia. Textos
Fundamentais de Polícia. Coleção Polícia Amanhã. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia; Freitas
Bastos Editora, 2001.
611
PARÁ. Secretaria de Segurança Pública. Integração: uma opção para a Segurança Pública, setembro, 1999.
612
ADORNO, Sergio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. Tempo Social: Revista de
Sociologia da USP, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 129-153, out. 1999.
240

ultrapassados, registros de ocorrências engavetados, inquéritos atrasados, insuficiência do


policiamento ostensivo, escassez de efetivos, de equipamentos e distorções salariais. O
referido diagnóstico também analisou a área judicial e identificou envelhecimento do código
penal, morosidade da justiça, congestionamento dos tribunais, déficit nos quadros de juízes e
promotores, superpopulação de presos, inclusive com a existência de detentos irregulares, o
que favorecia a superlotação das cadeias etc.613

Frente aos resultados da análise diagnóstica, o programa de gestão de Fernando


Henrique Cardoso teve por objetivo a ―retomada do controle da criminalidade mediante
rigoroso cumprimento da lei‖614:

[...] um programa que insistia em lei e ordem [...] reafirmando o respeito aos princípios
constitucionais, [...] o fortalecimento das agências próprias do Sistema de Segurança e
Justiça, dispensando o recurso às Forças Armadas somente em caso extremo [...] um
trabalho a ser desenvolvido sem concessões à truculência, mas com firmeza.615

Todavia, não obstante a esse objetivo, durante o mencionado período ―o clima de


616
medo e insegurança generalizado‖ não conseguia ser estancado. Vivenciava-se um tempo
de crise, que afetava a qualidade de vida da população, sobretudo para aqueles segmentos de
baixa renda, pauperizados, e afetava também a capacidade do Estado na aplicação de leis e na
garantia de segurança dessa população. Destaco que, nacional e internacionalmente, ainda
ressoava o episódio de Carandiru617 sobre a atuação macabra da Polícia Militar de São Paulo;
no Rio de Janeiro, a ocorrência de outros episódios, descritos por Elizabeth Leeds:

[...] foi uma época em que segmentos corruptos da polícia, conhecidos como grupos
de extermínio, compostos principalmente por membros da PM (embora não
exclusivamente), ‗eliminavam‘ indivíduos e grupos de forma rotineira, incluindo
massacres que ganharam fama internacional, como o dos meninos em situação de
rua em frente à Igreja da Candelária e a morte de 21 pessoas inocentes na favela
Vigário Geral no Rio de Janeiro, em 1993.618

613
ADORNO, Sergio. Políticas Públicas de Segurança e Justiça Penal. Cadernos Adenauer, IX, n. 4.
Segurança Pública. Rio de Janeiro, 2008. p.15.
614
ADORNO, S. Idem.
615
ADORNO, Sergio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. Tempo Social: Revista de
Sociologia da USP. São Paulo, v. 11,º 2. out. 1999. p. 130.
616
ADORNO, S. Ibid, 1999. p.131.
617
O episódio que ficou conhecido como ‗massacre do Carandiru‘ ocorreu em 2 de outubro de 1992, na Casa de
Detenção de São Paulo, após a intervenção do Batalhão de Choque da Polícia Militar daquele estado, para
conter uma rebelião entre os presidiários, que redundou na morte de 111 detentos.
618
LEEDS, Elizabeth. Agentes de mudança em instituições resistentes: Nazareth Cerqueira e o desafio da
Reforma da Segurança no Brasil. In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO, Samira. (Orgs.) Polícia e
Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. 1. ed. São Paulo- SP: Alameda, 2015. p.23 .
241

E no Pará, o caso de Eldorado de Carajás, 619 cuja a atuação policial militar paraense
foi considerada tenebrosa, mas que, todavia, conforme relato do próprio secretário de
Segurança Pública do Pará - Paulo Sette Câmara, não deveria ter tido tal desfecho:

[...] Até aquele fatídico episódio a gestão da segurança pública no Pará estava indo
muito bem. Atendendo às diretrizes do governador, conforme o programa de
governo, mudamos radicalmente a atuação da área de segurança para lidar com os
conflitos fundiários e as questões sociais em geral. Em todos os procedimentos
ligados a questões fundiárias, o ITERPA620 e o INCRA621 foram instados a buscar
alternativas para os invasores622. Paralelamente eram realizados contatos com
lideranças em busca de saídas negociadas para evitar confrontos. [...] Ao mesmo
tempo, a secretaria buscava transparência das operações para que a sociedade
pudesse avaliar o desempenho do sistema de segurança pública- a imprensa, em
todos os episódios, teve a mais ampla liberdade de cobertura.
A partir do esvaziamento de Serra Pelada e do enorme fluxo de migrantes do
Nordeste, em especial do Maranhão, pela ferrovia Vale do Rio Doce, para a região
de Carajás, foi criado um clima propicio para tensões sociais623. Já no início daquela
década surgiram os primeiros conflitos no ―Cinturão Verde‖ da Vale e em 1994, os
sem-terra já haviam ocupado por mais de seis meses a regional do Incra de Marabá.
[...] foram feitas inúmeras reuniões administrativas para resolver ou contornar as
crises. [...] Em um dos deslocamentos os manifestantes do MST armados ficaram
frente a frente com a tropa do Exército que se movimentava no sentido oposto.
Ambos cederam espaço e não houve incidentes.
Em dezembro (1995) novamente a mesma rodovia (rodovia PA 275) foi bloqueada e
mais uma vez foi liberada com a intermediação da PM.
Já em março de 1996, houve uma tentativa de invasão da fazenda Macaxeira. A ação
foi obstada pela negociação de um prazo para a solução do impasse, realizada com a
participação da Polícia Militar que levou equipe médica e alimentação para os
invasores. [...] Em seguida, os sem-terra iniciaram a marcha para Marabá com
alternadas interdições da rodovia PA-275, passando por Eldorado de Carajás sem
registros de incidentes e sempre acompanhados pela PM. No dia 16, já confirmado
o encontro dos líderes com o superintendente regional do Incra, no escritório de
Marabá, o MST no início da tarde, inexplicavelmente promoveu a interdição da PA-

619
Episódio ocorrido no dia 17 de abril de 1996, no Km 96 da rodovia estadual PA-150, em operação policial
que resultou na morte de 19 trabalhadores rurais sem-terra, e cerca de 70 feridos, quando da desapropriação
da Fazenda Macaxeira, nas imediações do município de Eldorado do Carajás, no Pará. Ressalto que ainda em
1994, esse município era conhecido como um dos municípios mais violentos do Estado, em virtude de
intensos conflitos agrários que já se estendiam naquela época, para mais de uma década. Ver: COSTA,
Luciana Miranda. Discurso e Conflito: Dez anos de disputa pela terra em Eldorado do Carajás. Belém:
UFPA/NAEA, 1999 ; BARRETO JUNIOR, Jésus Trindade. ―Não foi fácil quebrar barreiras‖: entrevista com
Paulo Sette Câmara. Relato sobre Eldorado do Carajás. In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO, Samira.
(Orgs.). Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. 1. ed. São Paulo: Alameda, 2015.
p.92-97
620
Instituto de Terras do Estado do Pará – autarquia estadual, responsável pela execução da política agrária
621
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária é uma autarquia federal da administração pública
brasileira
622
As expressões ―invasores‖, ―grileiros‖, ―posseiros‖, são geralmente utilizadas por agentes públicos para
designar a ―pessoa que entra na terra de outrem‖. Entretanto, em geral, o trabalhador rural não se reconhece
como invasor, se autodeclara como ―ocupante‖ de terra improdutiva.
623
Os conflitos agrários e fundiários no município paraense de Eldorado de Carajás, são analisados
pormenorizadamente pela pesquisadora Luciana Miranda Costa, em seu livro, Discurso e Conflito: Dez anos
de disputa pela terra em Eldorado do Carajás. Belém: UFPA/NAEA, 1999, a qual analisa a partir das
relações políticas e sociais dos agentes envolvidos nos conflitos, na qual as forças no campo político foram se
alterando, em virtude do surgimento de novos personagens (sindicatos, trabalhadores rurais, fazendeiros,
madeireiras).
242

150, no trecho denominado ―Curva do S‖ distante cerca de 12 quilômetros de


Eldorado de Carajás.
[...] Foi um dia normal e em nenhum momento passou pela minha cabeça a
probabilidade de um confronto violento. Somente à tarde, por volta das 17h40, fui
surpreendido por um telefonema [...] informando que um incidente ocorrera no
desenrolar da operação, com cinco policiais feridos [...] Foi só à noite [...] que tomei
conhecimento da extensão da tragédia.
[...] Isto posto, só nos resta lamentar o episódio que denegriu o esforço que ao longo
desses 14 meses – buscando mudar comportamentos e rever procedimentos do
aparelho policial, cumprindo sua diretriz de discutir segurança pública com a
sociedade civil à procura de um caminho novo [...] essa tragédia tenha se dado
exatamente em nossa área.624

Por conta desse cenário adverso, a concepção de reforma nas instituições de segurança
pública que mobilizava o governo paraense, perpassava fundamentalmente pela política de
integração. Entretanto, pela complexidade e peculiaridades da segurança pública, o governo
requisitou a necessária a participação da sociedade civil organizada.

Como política do governo, a integração no Pará foi sendo paulatinamente


implementada, por meio de diversas ações. A primeira delas foi a criação do Conselho
Estadual de Segurança Pública (CONSEP),625 órgão superior de deliberação colegiada do
Sistema de Segurança Pública do Estado do Pará, à época, composto por quatro
representantes da sociedade civil organizada: Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDH), Centro de Defesa da Criança e
Adolescente, Centro de Defesa do Negro e pelos dirigentes das instituições vinculadas:
Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar e Departamento de Trânsito,
presidido pelo secretário de Segurança Pública, que na ocasião, Paulo Sette Câmara, e por
uma ouvidora626 independente - Rosa Marga Rothe: 627

No princípio foi muito difícil. As desconfianças recíprocas. Mas com um discurso


propositivo, insistindo no diálogo, advertindo que eles descobririam nos debates ser
possível encontrar convergências e que o resultado seria melhor para a sociedade,

624
Trecho da entrevista de Paulo Sette Câmara. Relato sobre Eldorado dos Carajás. In: LIMA, Renato Sergio
de; BUENO, Samira. (Orgs.). Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. 1. ed. São
Paulo: Alameda, 2015. p.92-96
625
CONSEP, criado em 2 de fevereiro de 1996.
626
A Ouvidoria passou a existir, de fato, em junho de 1997, como o órgão de controle externo, de proposição ao
Sistema de Segurança, e se constituiu num importante instrumento para a reconquista da confiança da
população nas instituições de Segurança Pública, à medida que o cidadão, no exercício de seus direitos e
deveres, era estimulado a denunciar as violações perpetradas pelos agentes da segurança pública.
627
Rosa Marga Rothe – Antropóloga e pastora luterana, foi a primeira ouvidora do Sistema de Segurança Pública
do Pará, também foi uma das fundadoras da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, tendo se
destacado na defesa dos direitos humanos, principalmente durante a época da ditadura militar no país.
243

aos poucos o clima foi amainando. E foi assim que conseguimos desenvolver o
processo de integração operacional até o limite que a legislação permitia. 628

Posteriormente, em 1998, dividindo a Região Metropolitana de Belém em Zonas de


policiamento629 para funcionar no mesmo espaço físico das Delegacias Seccionais de Polícia
Civil, desenvolvendo o trabalho de forma integrada com a Polícia Militar, seguida na
transformação do COPOM-190 em CIOp (apresentado no segundo capítulo desta tese) e,
depois, com a criação do IESP, em 1999.

Foi a partir dos debates, transformados em resoluções que surgiram os avanços:


boletim integrado, zonas de policiamento, Centro Integrado de Operações, IESP,
Corregedorias integradas e por aí vai. Colocávamos as resoluções em prática e
depois vinham os decretos e leis consolidando o Sistema de Segurança Pública do
Pará [...] Os dirigentes dos órgãos vinculados ao Conselho, acompanhavam as
reuniões e aos poucos as resistências internas foram sendo reduzidas. E mais
importante, a sensação de que havia um direcionamento, um caminho de
‗integração‘ operacional, em busca de resultados positivos. E assim fomos levando o
processo [...] não foi fácil quebrar barreiras.630

Segundo Oliveira Neto631, pela ―pretensão de integrar os órgãos do Sistema de


Segurança Pública do Estado, incluindo a sociedade civil no processo‖, a adoção de tal
política, passou a ser defendida em âmbito nacional, pelo antropólogo Luís Eduardo Soares,
Secretário Nacional de Segurança Pública à época, como modelo ideal a ser aplicado em todo
o Brasil, à medida que tinha como finalidade ―ofertar segurança pública de modo igualitário e
universal a toda sociedade‖632, e havia sido exaltada em um dos pronunciamentos do

628
BARRETO JUNIOR, Jésus Trindade. ―Não foi fácil quebrar barreiras‖: entrevista com Paulo Sette Câmara.
In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO, Samira. (Orgs.). Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e
esperanças. 1. ed. São Paulo: Alameda, 2015. p. 87.
629
As Zonas de Policiamento (ZPOLs) foram criadas ano final de 1998, pela Portaria nº 104, de 17 de dezembro
de 1998, como uma nova estratégia de policiamento ostensivo para a Região Metropolitana de Belém,
recebendo a atribuição de fazer a cobertura geográfica compatível com o de uma companhia da Polícia
Militar. BG nº 242, de 24 de dezembro de 1999.
630
BARRETO JUNIOR, Jésus Trindade. ―Não foi fácil quebrar barreiras‖: entrevista com Paulo Sette Câmara.
In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO, Samira. (Orgs.). Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e
esperanças. 1. ed. São Paulo: Alameda, 2015. p.87.
631
OLIVEIRA NETO, Sandoval Bittencourt de. Vinho Velho em Odres Novos: uma análise da experiência de
integração da Segurança Pública no Pará (1995-2004). Dissertação (Mestrado em Sociologia e
Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
632
OLIVEIRA NETO, Ibid,, 2004. p.7.
244

mencionado secretário, numa reunião do Conselho Regional de Segurança Pública do Meio


Norte (COMEN)633, realizada em Belém.

Corroborando com a visão de integração, o Secretário Executivo de Segurança Pública


do Pará, Ivanildo Alves, manifestou-se com a seguinte declaração:

Nos últimos anos o governo do Pará investiu em projetos pioneiros no País, no que
se refere à segurança pública. O principal deles foi a integração de alguns setores.
Vamos continuar esse espírito de integração entre todas as instituições que
constituem a Segurança Pública. A integração não deve se restringir apenas às
atividades operacionais, mas também nas atividades de formação. O Trabalho deve
ser desenvolvido em conjunto especialmente pelas Polícia Militar , Policia Civil e
Corpo de Bombeiros. Esses segmentos devem agir de forma integrada nas operações
que envolvem a segurança dos paraenses. 634 (grifos nosso)

Do discurso de Ivanildo Alves, depreendia-se que a política de integração era inusitada


no país, e por ser a direção adotada, o governo iria continuar investindo, sem retroceder.
Todavia, não seriam poucos os esforços da parte do executivo estadual, porque o maior
obstáculo parecia ser o corporativismo desde sempre enraizado nessas instituições.

As polícias civil e militar apresentavam dificuldades na relação funcional e


interpessoal. Ambas encontram-se irmanadas na Constituição Federal de 1988, e na
Constituição do Estado do Pará promulgada em 1989, com funções específicas, sendo os
serviços de uma, complementares ao da outra. A Polícia Civil como instituição permanente,
auxiliar da justiça criminal, recebia a incumbência das funções de polícia judiciária, e a PM,
como força auxiliar e reserva do Exército, as atribuições de polícia ostensiva, para a
preservação da ordem pública e na segurança interna do estado 635. Entretanto, quando se
pensava em atuação conjunta, em atividades complementares, manifestavam-se frequentes
reclamações e incômodos, uma instituição desejando sobrepujar ou se sobrepor à outra.

633
O COMEN órgão componente do Sistema de Segurança Pública, cujo objetivo é integrar as estratégias
estatais de segurança pública na Região Norte. Foi criado pela iniciativa do Ex-Ministro de Estado da Justiça,
Nelson Jobim. Sua atuação introduziu na Segurança Pública, uma nova forma de combate à criminalidade
interestadual, através da integração das forças policiais da União e dos Estados, na persecução dos mesmos
ideais e objetivos. São integrantes do COMEN, os Estados que integram a Região do Meio Norte brasileiro:
Amapá, Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins. O COMEN é fruto de um pacto federativo criado pela Resolução
Intergovernamental Nº 01, de 15 de janeiro de 1997, cuja missão é o efetivo compromisso de combate à
criminalidade ―além fronteiras‖.
634
Pronunciamento do Secretário Executivo de Segurança Pública do Pará, Ivanildo Alves, registrado no
informativo oficial do Clube dos Oficiais da PMPA: ―COPM em Revista‖, 2000. p. 29.
635
Constituição do Estado do Pará, 05 de out.1989. Editora CEJUP. Art.193 – 198. p.84.
245

Da parte da Polícia Militar, as exigências eram a construção de quarteis, melhoria salarial,


aumento do efetivo policial; da Policia Civil, a construção de novas delegacias, e ambas
demandavam aquisição de viaturas, melhoramentos para as escolas formação, aparelhamento, etc.
Cada uma das instituições havia estabelecido sua prioridade, seu calendário de ações e a cobrança
pela disponibilidade de recursos para o atendimento de suas demandas personalizadas. Essa forma
institucional particularizada não parecia ser o foco do então governador, que queria ações
convergentes, reduzindo a pulverização de recursos públicos para melhor atendimento à
população. Havia ainda, além das dificuldades nas relações interpessoais, queixas sobre o
despreparo de policiais, sendo questionadas as suas formações.

Paralelamente, ao quadro social exposto, foi sendo constituído o movimento de defesa


dos direitos humanos em diferentes partes do país, especificamente em cidades como Rio de
Janeiro e São Paulo. Os movimentos sociais, personalidades públicas, organizações de classes
profissionais, tais como a Ordem dos Advogados do Brasil, outras organizações não
governamentais especialmente de defesa dos direitos humanos, motivadas pelo processo de
redemocratização, juntaram-se em variadas denúncias e exigiram providências no tocante à
violência policial, impunidade, abusos de poder e violências nas prisões.

Posteriormente, como resultado em âmbito internacional, das recomendações da


Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena na Áustria, debatidas em 1993, na qual
os países presentes deveriam elaborar programas de governo que integrassem promoção e
proteção dos direitos humanos, o presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou em 7 de
setembro de 1995, a preparação do Programa Nacional de Direitos Humanos, tendo sido o
primeiro da América Latina e o terceiro no mundo, sucedendo Filipinas e Austrália.

Diante das recomendações estabelecidas, foram realizadas consultas públicas e


mobilizações nas cidades de Belém, Recife, Natal, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, e
no ano seguinte – em maio de 1996, quando finalmente o Programa Nacional de Direitos
Humanos estava para ser lançado, a conjuntura social no Pará estava bastante fragilizada e
perturbada, em virtude da ocorrência do fatídico episódio de Eldorado dos Carajás.

Desta feita, repercutia a necessidade de modificações na esfera da segurança pública,


tanto no âmbito federal quanto estadual, porque os problemas ocorridos não estavam restritos
à região Norte, muito embora o estado seguisse enfrentando relevantes problemas locais.

A política de integração surgiu para as instituições de segurança pública como um


instrumento de mudança, fundamentado em diretrizes e ações direcionadas ao alcance da paz
246

social, como parte das modificações requeridas para o melhoramento na atuação dos agentes,
sobretudo com a finalidade de fortalecer o compromisso das instituições de segurança pública
paraense, com suas missões constitucionais específicas.

E, no caso da integração para a área de formação-ensino dos agentes, surgiu como uma
iniciativa que justificava de criação do IESP, e consubstanciava o abandono do modelo tradicional
desagregador e repressivo de policiamento do Estado, possibilitando que a população paraense fosse
legitimamente a principal destinatária dos serviços prestados por seus agentes estaduais:

A reformulação da área de segurança do estado começou com a criação do Sistema de


Segurança Pública para coordenar todas as ações das Polícias Civil e Militar, Corpo de
Bombeiros e Departamento de Transito. [...] tendo em mente que mudar a realidade da
segurança pública era um trabalho de base, o governo do Pará, criou o IESP, fazendo
nascer um novo modelo de profissional da segurança, investindo na sua formação,
passando pela atualização, qualificação e especialização, o que resulta num modelo mais
eficiente e eficaz de profissionais de segurança do cidadão.636

Para Oliveira Neto, a grande viabilidade da integração, consistia em dispensar


complexas e morosas alterações legislativas, à medida que preservava ―a integridade das
instituições, suas tradições e personalidades, oferecendo resultados mais rápidos para a
sociedade e mais vantagens na relação custo-benefício para o Estado‖.637

Na esfera nacional, o campo dos direitos humanos ganhou significativa visibilidade,


passando adotar iniciativas que alcançavam os direitos das mulheres, dos negros, das crianças,
dos idosos, dos índios, dos portadores de deficiência, do trabalho infantil, seguindo uma lista
extensa de medidas a serem efetivadas a curto, médio e longo prazos638.

Mas, segundo Adorno, foi no campo dos direitos humanos associado à segurança
pública que as iniciativas governamentais ganharam maior notoriedade, bem como maior
aceitabilidade por parte da população e da classe política, porque parte das inúmeras medidas
adotadas, manifestavam a parceria do estado com a sociedade civil639.

Para Mesquita Neto, os direitos humanos passaram a influenciar as políticas


governamentais na área da segurança pública, quando governo e sociedade deram passos no

636
Informativo oficial do IESP Pará - Sistema de Segurança Pública do Estado do Pará.
637
OLIVEIRA NETO, Sandoval Bittencourt de. Vinho Velho em Odres Novos: uma análise da experiência de
integração da Segurança Pública no Pará (1995-2004). Dissertação (Mestrado em Sociologia e
Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. p.7.
638
BRASIL, Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH/Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República. Brasília: SEDH/PR, 2010. p.274-288.
639
ADORNO, Sergio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. Tempo Social: Revista de
Sociologia da USP. São Paulo-SP, v. 11 nº 2. out. 1999. p.145.
247

sentido de incorporar as normas e princípios de proteção dos direitos humanos, às práticas de


controle e prevenção do crime no país.640

Foram tomadas iniciativas, por exemplo, na promulgação de um conjunto de leis que


foram sancionadas, consubstanciando o Programa Nacional dos Direitos Humanos, como a Lei
n° 9.299/96, que transferia da Justiça Militar para a Justiça Comum, a competência para
julgamento de policiais militares acusados de crimes dolosos contra a vida; a Lei n° 9.455/97,
que tipificava o crime de tortura e estabelecia penas severas; a Lei n° 9.437/97, que tornava
crime o porte ilegal de armas641; a aprovação do projeto de Lei que conferia à Justiça Federal a
competência quanto ao julgamento de crimes contra os direitos humanos, e outras medidas.642.

Em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso criou, no âmbito do Ministério da


Justiça, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), originalmente criada como
SEPLANSEG643, cujas competências e atribuições seriam de implementação da política
nacional de Segurança Pública.

Por meio da SENASP buscou-se a implementação da cooperação entre instituições


de Segurança Pública, a qualificação profissional e o desenvolvimento de planos
estaduais de Segurança Pública, dentre outras ações as quais parceria com a cruz
vermelha para fortalecer e implementação dos direitos humanos nas 27 unidades da
federação como uma filosofia de formação baseada na relação interdisciplinar e
transversal, levando em consideração os problemas que surgem no país são
complexos e dinâmicos.644

Adorno analisa que quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o seu
primeiro mandato (2003-2006), também investiu em lei e ordem, pouco alterando os
propósitos da política de segurança, assumindo medidas não muito distintas do governo de
seu antecessor - Fernando Henrique. Todavia, o autor analisa que Lula procurou superar o que
lhe parecia em descompasso no governo de Fernando Henrique, que se revelava com elevada
capacidade propositiva, entretanto, com baixa capacidade de execução645.

Lula, diferentemente do seu antecessor, propôs-se a atuar em duas frentes: a primeira, no


sentido de exercer função efetiva na coordenação da Política Nacional de Segurança, imprimindo

640
MESQUITA NETO, Paulo de. Segurança, Justiça e Direitos Humanos no Brasil. In: LIMA, R.S; PAULA, L.
(Orgs.). Segurança Pública e Violência: O Estado está cumprindo seu papel? São Paulo: Contexto, 2008. p.59.
641
Pela Lei n° 9.437/97 foi igualmente criado o Sistema Nacional de Armas - SINARM.
642
ADORNO, Sergio. Idem. 1999. p.144.
643
Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública.
644
PASSOS, Sônia da Costa. Políticas Públicas educacionais a dinâmica entre o ideal e o real: um estudo
sociológico sobre o reflexo da Formação de Oficiais da PMPA no cotidiano operacional, no período de 1998
a 2014. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. p. 44.
645
ADORNO, Sérgio. Políticas Públicas de Segurança e Justiça Penal. Cadernos Adenauer IX, n.4. Segurança
Pública. Rio de Janeiro, 2008. p.16.
248

novos termos às relações entre o governo federal e governos estaduais, frequentemente


conflitivas. Estabeleceu, por meio de convênios, a troca de financiamento e recursos federais para
os governos estaduais que, em contrapartida, se comprometeriam em adotar diretrizes nacionais
para as políticas de segurança pública. Na segunda frente, sobre a garantia de maior presença da
sociedade civil organizada nos conselhos encarregados da gestão de políticas setoriais646.

Já na continuidade do seu segundo mandato (2007-2010), Lula procurou aprofundar


iniciativas mais localizadas, dentre estas, o combate ao crime organizado, operações de
lavagem de dinheiro e a modernização da Policia Federal, disponibilizando maior
profissionalização do aparato policial e o combate à corrupção policial. Estimulou ações, sob
a responsabilidade da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, ligada diretamente ao
gabinete da presidência da República, para a erradicação da tortura, a promoção de direitos
aos grupos vulneráveis à violência, especialmente mulheres, negros e homossexuais, bem
como para a proteção de testemunhas.647
No segundo mandato de Lula, relembro que a SENASP, ajudou a muito alunos, dos
cursos de formação de oficiais e de praças, pela Rede de Ensino à distância:
Nosso concurso do CFO foi um vestibular, é tanto que quem o realizou foi a
FADESP648. Aquela época, nossa remuneração como aluno oficial era muito baixa,
recebíamos de bolsa formação do Estado apenas R$407,19. Nós éramos 100 cadetes,
formávamos três pelotões, mas diante das dificuldades, das pressões, salário baixo, e
quando chegou ao final de três anos, já éramos apenas 67 concluintes. Desses a
maioria pediu desligamento, outros foram desligados [...] só ficou, quem tinha muita
vontade e determinação para permanecer no curso. Então a SENASP apareceu para
nos dar uma ajuda (risos) oferecia cursos de EAD (ensino a distância) e quem
fizesse uma única matéria, recebia uma bolsa de 400 reais, durante 12 meses. Todos
os alunos se dispunham, porque aquilo era uma forma de remuneração legitima, e
ainda agregava mais conhecimento à nossa formação. Os cursos oferecidos eram
muito bons. (Maxwel Matos - cadete 2008-2010)

A prioridade dada ao capital humano, o investimento em valorização profissional e em


educação, era um dos desafios impostos pelo cenário crescente de práticas abusivas por parte
de integrantes das corporações, que contribuía para justificar uma imagem degradada das

646
ADORNO, Idem.
647
ADORNO, Idem.
648
Fundação Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa, é uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos,
que tem como objetivo apoiar o desenvolvimento científico, social e tecnológico da Amazônia. Atua como
gerenciadora de recursos nas mais variadas áreas do conhecimento. Criada em 1977 para dar suporte às
atividades da Universidade Federal do Pará (UFPA), é, hoje, é um dos grandes agentes estratégicos da região
Norte, para o desenvolvimento institucional e para a prestação de serviços técnicos especializados, como a
execução de concursos públicos. (http://www.portalfadesp.org.br/)
249

instituições de segurança pública, ao mesmo tempo que crescia a desconfiança e o descrédito


nos profissionais da área649.

Paralelamente a essas medidas, Lula também criou o Programa Nacional de


Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), sob a responsabilidade da SENASP, cuja
maior relevância residia na valorização dos profissionais de segurança pública.

No governo Lula, o ―projeto Segurança Pública para o Brasil‖ estabeleceu no


cenário das políticas de segurança um debate programático em torno do papel da
União, em face da condução de uma política nacional nesta área. [...] foi sob a
presidência de Lula já no seu segundo mandato que se instituiu o Programa Nacional
de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) 650

O PRONASCI, desde a sua sigla já anunciava a ênfase à cidadania do agente da


segurança pública, indo ao encontro do que se revelava estabelecido na Constituição de 1988,
quando foi inaugurado um novo olhar sobre o individual e sobre o coletivo, garantindo a cada
um, o desenvolvimento do exercício pleno de sua cidadania, com respeitabilidade,
integralidade dos direitos-deveres e igualdade de acesso a bens e serviços.

Dentro do PRONASCI, como meta do Programa de valorização do profissional de


segurança pública, foi criado também, o „Projeto de Qualidade de Vida‟ que contava com a
participação de profissionais de saúde, de gestão e de comunicação social das instituições de
segurança pública, com o foco de estudar estratégias e fomentar ações visando a implantação
de políticas para a promoção da saúde e de cidadania de profissionais de segurança pública,
no enfrentamento da sobrecarga física e emocional e das pressões da sociedade por eficiência
que vivenciavam. Nesse programa, esta pesquisadora foi indicada como representante do
Pará, no grupo de trabalho para a elaboração de Instrução Normativa651.

O PRONASCI foi fruto do aprendizado e do debate intenso sobre as ações e


crises na segurança pública, destinando-se a prevenção, controle e repressão da
criminalidade, tendo como proposta a atuação nas raízes socioculturais da
violência e da criminalidade, além da articulação das ações de segurança com
politicas sociais por meio da integração da União com estados e municípios. A
proposta traz em patamares iguais, agentes de segurança pública, gestores,

649
Dados de 2002 da SENASP, revelavam que menos de 20% da população brasileira reconhecia que a polícia
fazia um bom trabalho.1ª Conferência Nacional de Segurança Pública. Brasília-DF. Ministério da Justiça.
Brasília, 2009. p.27.
650
FROTA, Francisco Horácio da Silva et al. PROTEJO e Mulheres da Paz: experiência de ação preventiva na
Segurança Pública. In: LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro et al. (Org.) Pensando a Segurança Pública:
Avaliações, diagnósticos e análises de ações, programas e projetos em segurança pública. Brasília-DF:
Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça. Brasília, 2014. p.151-186.
651
Em julho de 2009, estivemos reunidos em Brasília-DF, um representante de cada estado brasileiro, das
instituições Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Federal e Secretaria de Estado
de Direitos Humanos, para a elaboração do documento e, consubstanciar as Diretrizes do Projeto Qualidade
de Vida, sob a Coordenação do DEPAID/SENASP/MJ. BRASIL. Projeto Qualidade de Vida Valorizando o
profissional de Segurança Pública. Instrução Normativa, 2009.
250

militantes dos direitos humanos e a universidade, causando uma sadia


aproximação e quebrando paradigmas preconceituosos e conservadores. O
distanciamento de tais segmentos já não se sustentava em face da gritante e
urgente necessidade de uma formulação e aplicação de uma política comum para
diminuir os elevados índices de violência e criminalidade. 652

A ênfase à questão da cidadania tornava-se muito oportuna para os agentes de


segurança pública, muito especialmente ao policial militar, à medida que mobilizava a
realização de rupturas dos resíduos advindos e mantidos da ditadura, que incontáveis vezes e,
compulsoriamente fazia o policial militar, negligenciar sua condição de cidadão, em
detrimento do fato de ser ―servidor‖653

Relembro que o Plano Nacional de Segurança Pública do Brasil, criado em 2001,


portanto, antes do PRONASCI, já preceituava, como parte do processo democrático a
constituição de uma polícia cidadã, que no desenvolvimento de sua atividade, deveria
considerar a pessoa humana como centro e finalidade de sua atuação. Entretanto, nessa
premissa o escopo de cidadania parecia ser destinado à sociedade enquanto receptora da
intervenção policial, distanciando-se da compreensão de que os policiais faziam também parte
dessa mesma sociedade, desse mesmo universo cidadão.

Neste sentido, ajuda-me a apropriação analítica de Liszt Vieira654 sobre a cidadania, na


perspectiva de que cidadania está na relação estabelecida entre o cidadão e o Estado, pela qual
são conferidos aos indivíduos uma série de direitos – civis, políticos e sociais, garantidos e
respeitados por meio das leis e, neste sentido, a acepção da cidadania é para todos, inclusive
para o operador da segurança pública, porque o status de cidadão que lhe é conferido, é
simplesmente por fazer parte integrante de uma comunidade, com direitos e obrigações. 655

Outra iniciativa do governo Lula no tocante à Segurança Pública, foi a implementação da


Rede Nacional de Estudos em Segurança Pública (RENAESP),656 cuja iniciativa consistia em

652
FROTA, Francisco Horácio da Silva et al. PROTEJO e Mulheres da Paz: experiência de ação preventiva na
Segurança Pública. In: LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro et al. (Org.) Pensando a Segurança Pública:
Avaliações, diagnósticos e análises de ações, programas e projetos em segurança pública. Brasília-DF:
Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça. Brasília, 2014. p.154.
653
Vocábulo usado com o sentido reducionista do termo, para designar que o policial militar não deveria ter crítica,
não deveria ter vontade, nem ter direitos, apenas ‗servia para servir‘, para cumprir ordens e obrigações.
654
VIEIRA, Liszt. Notas sobre o conceito de cidadania. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências
Sociais, São Paulo, n.51, p. 35-47, jan.-jun. 2001.
655
MARSHALL, Thomas H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p.64.
656
A RENAESP teve seu início em 2005, com o lançamento do primeiro edital de credenciamento para IES de
todo o Brasil, quer fossem elas públicas ou privadas. O 1º edital que se configurou no projeto piloto, foi
realizado pela Universidade Federal da Bahia, a qual preparou a primeira turma de pós-graduação em
Segurança Pública, pautada na Matriz Curricular Nacional para a formação de profissionais de Segurança
Pública, com investimentos do governo federal.
251

possibilitar a realização de cursos de especialização latu sensu em segurança pública, para o


aperfeiçoamento de profissionais da área. Tais Cursos sendo coordenados e financiados pela
SENASP/Ministério da Justiça e realizados por Instituições de Ensino Superior.657

Os efeitos dos cursos RENAESP sobre as instituições de segurança pública, nos


estados, foram pesquisados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, como parte do
projeto Pensando a Segurança Pública da SENASP/MJ e revelam que a Rede tem elevado
nível de aceitação entre os egressos dos cursos e instituições de ensino superior, pelo
importante papel que desempenha na formação e capacitação policial, bem como na
integração de diferentes corporações658.

Tais resultados nos possibilitam a compreensão da enorme conquista revelada por essa
iniciativa do governo federal, pelo fato de congregar no mesmo espaço acadêmico de uma
IES, alunos de diferentes instituições que integram a segurança pública, de diferentes postos
ou graus hierárquicos, de diferentes visões, em torno de um debate argumentativo sobre
temáticas a que estão implicados, como servidores da área de segurança pública.
Possivelmente, a aproximação desses diferentes atores, sociedade civil, academia,
profissionais da segurança pública, promoveu a quebra de paradigmas entre eles, possibilitou
a superação de estereótipos, troca de conhecimentos, além de fomentar o desenvolvimento de
uma melhor formação, capacitação e consequentemente atuação na área.

Antes da implantação da RENAESP, segundo Remédios659, o IESP já havia avançado


com uma proposta de ‗formação mais reflexiva e sistêmica‘, com a promoção de cursos aos
oficiais e delegados que tinham alcançado o nível de gestão, e realizariam o Curso de
Aperfeiçoamento de Oficial ou o Curso Superior de Polícia, respectivamente denominados de
especialização de Segurança Pública e Defesa Social e especialização em Gestão Estratégica
Segurança Pública e Defesa Social, dando vigor à filosofia de integração do Sistema Estadual
de Segurança Pública:

657
PINTO, Naylane Mendonça et al. Cursos de pós-graduação em Segurança Pública e a construção da
RENAESP como Política Pública: considerações sobre seus efeitos a partir de diferentes olhares. In: LIMA,
Cristiane do Socorro Loureiro et al. (Org.). Pensando a Segurança Pública: avaliações, diagnósticos e
análises de ações, programas e projetos em Segurança Pública. Brasília-DF: Secretaria Nacional de
Segurança Pública/Ministério da Justiça. 2014. p.225-259.
658
LIMA, Renato Sergio et al. Avaliação de resultados da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança
Pública – RENAESP. In: LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro. Op cit., p.187-223.
659
REMÉDIOS, Marco Antonio Rocha dos. A formação policial militar em contextos multiculturais:
contribuição da Segurança Pública para a defesa, segurança e desenvolvimentos nacionais. Monografia
(urso de Altos Estudos de Políticas e Estratégias) – Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 2016.
252

Em 2001, após consolidar parceria mediante convênio com a Universidade Federal


do Pará passou a realizar cursos de pós-graduação, nas especializações de Segurança
Pública e Defesa Social e Gestão Estratégica Segurança Pública e Defesa Social.
Com essas experiências pedagógicas, houve avanços qualitativos na formação dos
servidores, pois as duas especializações formam turmas constituídas pelos servidores
dos diferentes órgãos e instituições que compõem o Sistema de Segurança Pública
do Estado do Pará, além de envolver participantes da sociedade civil na construção
do conhecimento técnico-profissional desse seguimento público estatal.660

Por suas articulações do IESP era reconhecido como um órgão potencialmente, inovador.
Foi concebido e estruturado inicialmente aos moldes de um núcleo universitário, com autonomia
disciplinar, didática, e científica, com o intuito de realizar a formação e qualificação dos
servidores, responsáveis legais pelas atividades de segurança e proteção dos cidadãos, porém, com
subordinação administrativo-financeira da Secretaria Executiva de Segurança Pública do
Estado.661

No período do recorte temporal adotado nesta tese, chegamos às políticas públicas


implantadas pelo governo de Dilma Rousseff (2011-2014). As ações governamentais
instituídas por Dilma Rousseff para a Segurança Pública tomaram certo vigor com o
lançamento, em 2012, do ‗Programa Brasil Mais Seguro‘662. Depois as ações tornaram-se
voltadas muito mais a área Prisional, com iniciativa de prestar apoio aos estados para a
ampliação e construção de penitenciárias.

Dilma Rousseff deu continuidade a alguns programas iniciados Lula, dentre eles o
PRONASCI, o qual tinha ―como marca fundamental o enfrentamento da criminalidade, da
violência, da sensação de insegurança, numa junção de políticas de segurança com ações
sociais‖, além do combate ao tráfico de drogas nas fronteiras.663 Todavia a Rede de Ensino a
Distância sofreu poucos investimentos.

Em 2014, ano que encerra o recorte temporal desta investigação, em que o Governo
Federal664 avaliou a pasta da educação pública no Brasil, e estabeleceu metas para alavancar a
qualidade do ensino público, lançando o programa ―Brasil: Pátria educadora‖, enquanto isso,
o Governo Estadual paraense de Simão Jatene, estabelecia também o programa ―Pacto pela

660
REMÉDIOS, M. R., Ibid. 2016. p. 28.
661
REMÉDIOS, M. R., Idem.
662
Na ocasião, esta pesquisadora foi designada por meio do Diário Oficial nº 32165 de 25/05/2012 como
membro do Comitê de Gestão Integrada de Atenção à Saúde dos Servidores de Segurança Pública e Defesa
Social no Pará - COGESSP.
663
BRASIL, 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública. A consolidação de um novo paradigma: um
processo e muitos atores. Texto Base. 2009.p.13.
664
Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2015/01/dilma-toma-posse-e-anuncia-lema-do-novogoverno-
201cbrasil-patria-educadora201d. Acesso em: 4 mar.2018.
253

Educação‖. O pacto pela educação objetivava ―promover a melhoria da qualidade da


educação no Pará e, assim, tornar o estado uma referência nacional na transformação da
qualidade do ensino público‖. 665

Se, por um lado, havia preocupação de ambos os governos (Federal e Estadual


paraense) com a questão da educação pública, não se poderia dizer o mesmo referente à
formação profissional do servidor de Segurança pública, cuja impressão foi a de que não se
avançou muito nessa questão, tanto a partir dos olhares dos governos que se sucederam em
âmbito estadual, como também federal.

Entretanto, Emilio estando Diretor do IESP em 2014, relembra que um passo muito
importante foi realizado na perspectiva de integração e de aprimoramento na formação dos
operadores da Segurança Pública, com a iniciativa havida do Conselho Estadual de Educação
no Pará para que o Instituto fosse transformado em IES:
[...] então, no segundo semestre de 2014, nós alcançamos as metas estabelecidas,
cumprimos todos os requisitos que a LDB exigia, foi formada a comissão, que veio,
avaliou, deu o parecer favorável no sentido do nosso credenciamento, e o Conselho
aquiesceu dando ao IESP a condição de IES. Foi chancelado e credenciado três
cursos. O Curso de Formação do Bombeiro com Bacharelado em Gerenciamento em
Riscos Coletivos; o bacharelado de 3 anos que era o Segurança Pública e um curso
de 1 ano que seria o tecnólogo, que daria possibilidade dos profissionais que não
tivesse curso superior de cursando um ano ter a graduação Tecnólogo em Segurança
Pública. (Coronel Emilio – Ex- Diretor do IESP)

Posteriormente, como parte do ajuste de conduta estabelecido no parecer do


credenciamento, a Coordenadoria de Ensino Superior do IESP, passou a realizar alguns
ajustes, viabilizando de modo amplo e transparente o cadastro seletivo do corpo docente e a
organizar as áreas de concentração e Linhas de pesquisa junto ao CNPq/CAPES.

4.1.1 A Formação individualizada das Unidades de Ensino e a Formação Integrada:


Uma Possibilidade?

Nos anos que antecederam a implantação do IESP, as formações das instituições


Policia Civil, Bombeiros Militar e Polícia Militar eram realizadas institucionalmente, de
modo particularizado e aparentemente seguiam suas trajetórias de modo a atender suas
próprias necessidades.

665
Disponível em: http://pactopelaeducacao.pa.gov.br/. Acesso em: 4 mar.2018
254

A Academia da Policia Civil (ACADEPOL)666, naquele momento, estava localizada na


BR-316, Km-3, em prédio próprio. Tinha iniciado seus trabalhos como unidade de ensino, em
1979, com as suas primeiras turmas de formação profissional. As aulas eram ministradas no
horário da noite, em salas cedidas pelo Instituto de Educação do Estado do Pará (IEEP), uma
escola de preparação de professores fundada em 1871, no bairro da Campina em Belém, e que
desde sua criação havia sido referência para a formação de professores em nível médio. Depois,
na primeira metade da década de 1980, a ACADEPOL foi instalada em prédio alugado na Tv.
Quintino Bocaiúva, nº 1662, até que em 15 de março de 1988, adquiriu prédio próprio na
Rodovia BR-316, onde ficou de 1988 a setembro de 1999, quando mudou para as instalações do
IESP. O prédio da antiga ACADEPOL foi posteriormente reformado e tornou-se o Hospital
Metropolitano de Urgência e Emergência do Estado.

O Corpo de Bombeiros Militar, por sua vez, formava seus oficiais combatentes na
Escola Formação de Oficiais, desde que fora criada em 16 de março de 1992, através do
Decreto nº 696, pelo então governador Jader Barbalho, como parte vinculada do Centro de
Formação, Aperfeiçoamento e Especialização (CFAE). Tal como a APM, a EFO surgiu da
necessidade de atender à demanda de preparar seu profissional bombeiro militar, porque
dependiam das pouquíssimas vagas liberadas pelas Academias dos Corpos de Bombeiros do
Rio de Janeiro e do Distrito Federal. Quando a EFO foi implantada, tornou-se a terceira
Escola de Oficiais Bombeiros combatentes do Brasil, já que os Bombeiros de São Paulo
permaneceram integrantes da Polícia Militar e, em 1994, formou sua primeira turma com 38
aspirantes a oficial, sendo 24 do Pará, quatro do Maranhão, quatro do Amazonas, quatro do
Mato Grosso do Sul e dois do Acre667. Em 1999, a EFO foi transferida da antiga sede na
Cidade Nova VI, passando a integrar o IESP.

E a Academia da Polícia Militar Coronel Fontoura, como discorremos no segundo


capítulo desta tese, em 1990, adaptou, construiu e ampliou sua sede, em seu imóvel próprio,
também na Rodovia BR-316, Km-8.

Então, se cada uma das instituições de ensino da Segurança Pública, tinha a sua escola
de formação, por que houve a criação do IESP? A que ele seria destinado? Qual o propósito?

666
A ACADEPOL atua na formação, capacitação e especialização do quadro de pessoal da Polícia Civil, instruindo
técnica e operacionalmente os futuros policiais civis. Disponível em: http://www.policiacivil.pa.gov.br/
content/acadepol. e http://acadepolpa.blogspot.com/ Acessos: 25 de janeiro de 2018.
667
MENEZES, José Pantoja. O Corpo de Bombeiros Militar do Pará. 2. ed. Belém: [s.n.], 2007.p.194-195.
255

O propósito do governo estadual na criação IESP era ampliar a abrangência da


política de integração que já havia sido implementada em âmbito da operacionalidade, e dessa
vez esperava alcançar o âmbito da formação/ensino.

A preocupação do executivo estadual com a área da Segurança Pública era


frequentemente pautada nos discursos oficiais, nas documentações governamentais, e em seus
pronunciamentos nos programas de rádio:

A questão da segurança pública é uma das mais graves e sérias do Brasil atual, o que
se passa em razão do enorme crescimento das cidades, especialmente das capitais.
Inquestionavelmente, é um problema muito sério e grave. É fundamental que a
sociedade tenha compreensão da necessidade de sua participação para acompanhar,
sugerir, fiscalizar, ver como o aparato da segurança pública do Estado realmente
caminha no sentido do nosso desenvolvimento. Tenho clareza de que é importante a
gente ter estrada, ter energia, criar emprego, gerar renda, melhorar as condições
daquilo que a gente chama de desenvolvimento econômico-social. Mas sei que não
adianta fazer tudo isso se a sociedade estiver vivendo sempre dentro do temor,
dentro da insegurança.668

Nesses momentos, manifestava seu intento em aproximar os agentes da Segurança


Pública, desde o período da formação, para que desenvolvessem os trabalhos
conjuntamente, que usassem inclusive os mesmos locais e postos de serviços, de modo a
otimizar o emprego dos recursos públicos, ao mesmo tempo que diminuía as querelas entre
os integrantes das instituições policiais, aumentava a eficácia da segurança e aproximava os
agentes, dos demais cidadãos. Assim dizia o então governador Almir Gabriel:

Eu não estou interessado em fazer milhares de obras. Eu estou interessado em servir ao


povo, atender às suas necessidades [...] eu não recebi um estado em ordem. Recebi o
estado desorganizado, um estado com dívidas, com compromissos a pagar e com contas
bloqueadas. Hoje fazemos inaugurações que são absolutamente indispensáveis à
população. O que nós estamos fazendo em todo o estado do Pará é priorizar, por
exemplo, a área da segurança pública, equipando, fortalecendo as relações, é priorizar
áreas que são consideradas importantes pela própria população. [...] todo o gesto tem
sido no sentido de fazer com que o povo ame, goste, aprove a ação da
Polícia.669(grifo nosso).

Em seus pronunciamentos, Almir Gabriel buscava formas de aproximar a população


de sua política de integração, quando a instigava a valorizar os agentes e as instituições de
segurança pública, e se por acaso, a tragédia de Eldorado de Carajás fosse lembrada, de modo
a denegrir a atuação da Polícia Militar , aquela se tornava mais uma oportunidade para que se
pronunciasse em defesa da instituição:

668
Fragmento extraído de um pronunciamento gravado em programa de rádio. Belém 24/05/2000. In:
OLIVEIRA, Alfredo. Almir Gabriel: trajetória e pensamento. Belém: Delta, 2002. p. 466.
669
Pronunciamento gravado em Ananindeua em 15/3/1997. In: OLIVEIRA, Ibid., p.448.
256

Quero deixar claro aqui para vocês, como tantas outras vezes tenho feito, as pessoas
querem relembrar o que aconteceu em Eldorado, querem achar que a Polícia Militar
se representa pelo que aconteceu em Eldorado, eu lhes reafirmo que a minha Polícia
Militar não é a de Eldorado. A minha Polícia é essa que tem trabalhado, aceito
desafios, que em mais de 400 oportunidades agiu de maneira séria, agiu de maneira
firme e não houve nenhum incidente. Assim foi lá em Americano, na rebelião.
Assim foi também, na rebelião de Santarém. Então, essa Polícia Militar merece o
respeito do governador, merece o respeito de toda a população do nosso
Estado.670 (grifo nosso).

Em 1999, o Instituto de Ensino de Segurança do Pará (IESP)671 foi inaugurado e


estava destinado a funcionar como um Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão para oficiais
bombeiros, policiais civis e policiais militares‖.672 O cenário social, quando de sua
inauguração, ainda era bastante desfavorável e encontrava muita resistência, embora já
houvesse ocorrido transformações, quando comparado aos anos anteriores.

Embora o Instituto tenha sido inaugurado em 15 de setembro de 1999, passando a


ocupar as amplas instalações, onde anteriormente havia sido o Centro de Treinamento e
Recursos Humanos da Secretaria de Estado de Educação (CTRH) da Secretaria de Estado de
Educação do Pará, foi criado oficialmente, somente dois meses depois de sua inauguração, em
17 de novembro de 1999, pela Lei nº 6.257.

Àquela altura, as instalações do IESP eram divulgadas como uma forma de


encorajamento aos integrantes do Sistema, acenando para uma política não somente de
integração, mas também de valorização e de maior aparelhamento das unidades para a
formação e capacitação técnica. Sobre o IESP divulgava-se:

[...] foi criado em Marituba, um complexo com 60.800 m² de área total, com
29.300 m² de área construída, dividida em pavilhão administrativo da Policia
Civil, Militar, Corpo de Bombeiros, salas de aula, para ensino superior e pós-
graduação lato sensu, auditório multimídia com 150 lugares, biblioteca, stand de
tiro, alojamentos, quadra polivalente, campo de futebol, piscina olímpica e duas
torres de treinamento para operações de resgate e salvamento, sendo uma com

670
Pronunciamento gravado em Ananindeua. 15/3/1997. In: OLIVEIRA, Alfredo. Almir Gabriel: trajetória e
pensamento. Belém: Delta, 2002.p. 449.
671
O modelo do IESP no Pará, como instituto integrado de segurança pública, foi replicado em outros estados
brasileiros, e em março de 2009, portanto dez anos depois de sua criação, ocorreu o I Encontro Pedagógico
das Academias e Institutos de Ensino de Segurança Pública, na cidade de Manaus-AM, cujo o objetivo foi o
encontro dos órgãos de ensino dos profissionais de segurança pública, e a apresentação de suas experiências
pedagógicas exitosas, como unidades de ensino integradas. Estavam presentes representantes das Academias
de Policia Civil, das academias de Bombeiros, de Policias Militares e gestores dos IESPs.
672
OLIVEIRA, Ibid., 2002. p.281.
257

elevador, câmara de fumaça, poço para treinamento de resgate e tanque em aço


para treinamento de combate a incêndio. 673

Porém, além do aparato físico estrutural oferecido, o que mais trazia o IESP para a
formação dos oficiais da Polícia Militar do Pará? Frente as Políticas Públicas e as gritantes
demandas diagnosticadas nos governos federal e estadual, como a formação poderia
efetivamente se efetivar de modo integrado, sem comprometer as especificidades e
particularidades das unidades educacionais PC, PM e BM

Desde 1971, a legislação educacional brasileira674, reconheceu a especificidade do


ensino militar, bem como a pertinência de houvesse uma legislação própria675.

Todavia, o objetivo de validação dos cursos e a necessidade de suas certificações


extramuros institucionais, cooperou para que as instituições de ensino de segurança pública
procurassem formas viáveis desse reconhecimento.

Nas particularidades da formação policial militar no Pará, tanto no Centro de


Formação e Aperfeiçoamento de praças, quanto no caso da Academia de Polícia Militar Cel
Fontoura para os oficiais, o ensino policial era regido pela Diretoria de Ensino e Instrução que
ditava por meio de portarias, as NPCEI - Normas para o Planejamento e Conduta de Ensino e
Instrução.

Embora a PMPA, por intermédio de sua Diretoria de Ensino e Instrução –DEI


normatizasse o ensino em âmbito institucional, os seus processos de capacitação, formação e
qualificação de seus quadros, seguiam orientados conforme os ditames da legislação
educacional vigente no país: Lei de Diretrizes e Bases da Educação da Educação Nacional –
LDBEN. Sobre isso, o pesquisador e professor Remédios, esclarece:
A LDBEN não trata especificamente ou em detalhes sobre o ensino e formação
militar, remete às normas e leis específicas, preconizando em seu Artigo 83, que ―o
ensino militar é regulado em lei específica, admitida a equivalência de estudos, de
acordo com as normais fixadas pelos sistemas de ensino.‖ Pode-se perceber nessa
norma, que o legislador optou em passar a responsabilidade da regulamentação do
ensino militar para os respectivos sistemas de ensino das organizações militares,
676
mediante suas próprias normas de funcionamento.

673
Informativo oficial do IESP Pará - Sistema de Segurança Pública do Estado do Pará.
674
Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional nº 5692/1971.
675
Lei de Diretrizes e Bases, nº 9394 de 2 de dezembro de 1996.
676
REMÉDIOS, Marco Antonio Rocha dos. A formação policial militar em contextos multiculturais:
contribuição da Segurança Pública para a defesa, segurança e desenvolvimentos nacionais. Monografia
(Curso de Altos Estudos de Políticas e Estratégias) – Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 2016. p.29.
258

O fato da legislação educacional vigente, admitir a existência de leis especificas para a


ensino policial militar, compreende-se ser pela complexidade e peculiaridades dessa formação
onde estão conjugadas uma enormidade de exigências, conhecimentos, habilidades e técnicas
especificas.

Trata-se de uma formação especifica e complexa, que redunda em uma atuação


profissional igualmente complexa, estabelecida por missão constitucional e que envolvem
atribuições no trato com assuntos relacionados ao estado, a justiça, defesa social, exercício da
cidadania, ao manejo de armamento, e etc.

Ainda como particularidades do ensino na Academia de Fontoura, o Conselho


Estadual de Educação do Pará, por meio de suas deliberações estaduais,677 reconheceu o
Curso de Formação de Oficiais PM (CFO/PM), como equivalente aos cursos de graduação
superior, realizados no sistema civil. O Curso de Formação de Oficiais tem a finalidade de
formar policiais militares do quadro de combatentes, que depois de formados, serão
designados ao comando da tropa. Apresenta carga horária de 4.220 horas/aula, distribuídas ao
longo dos três anos, somada aos estágios, sendo considerado o único curso de formação que
pode habilitar seus graduandos para o exercício de funções operacionais e para a ocupação de
cargos, na estrutura organizacional da corporação policial militar.

Assim, o curso que no âmbito da instituição é chamado simplesmente de ―CFO‖,


passou a ser denominado de ―Bacharelado em Ciências da Defesa Social e Cidadania‖.

A formação profissional do policial militar era desenvolvida com base no modelo de


policial tradicional, em cujo arcabouço se inseriam conteúdos curriculares com ênfase na
estratégia de controle do crime, orientado predominantemente para as urgências sociais, que
exigem respostas imediatas cuja tônica era uma atuação policial de cunho reativo e repressivo.

4.2 A FORMAÇÃO DA OFICIALIDADE: ARTICULAÇÕES E


ALINHAMENTO COM A MCN

Com a proposta da integração entre as instituições do Sistema de Defesa Social do


estado, a partir de 1995, e com o lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública

677
Resolução nº 147 de 07.03.2002/CEE/PA.
259

(PNSP), , foram fomentadas mudanças de mentalidade e de práticas sociais na Segurança


Pública, e começou a vigorar no IESP a formação da oficialidade pautada por um projeto
político pedagógico diferenciado, com ênfase nos preceitos dos direitos humanos e na
filosofia de polícia comunitária, não somente para a PM, mas também para as unidades de
ensino da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros Militares.

RESOLUÇÃO nº 011/1997678
Art.1º Determinar a obrigatoriedade da inclusão da matéria Direitos Humanos nas
grades curriculares das Academias de Polícia de Polícia Civil e Militar, bem como
nos Cursos de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da Policia Militar e Corpo de
Bombeiros Militar.
Art. 2º Determinar que o conteúdo programático dessa matéria seja desdobrado em
disciplinas, observado o grau de complexidade, para atender a formação e o
aperfeiçoamento nos vários níveis da atividade policial

Diante do panorama social vivenciado no Brasil, havia muitas expectativas quanto à


formação policial, de modo a atender as perspectivas do novo modelo proposto. Nesse
contexto, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, elaborou um documento a ser
recepcionado por todos os centros de ensino de Segurança Pública do país, apresentando as
―Bases Curriculares para Formação dos Profissionais de Segurança do Cidadão‖.
No Pará, as unidades de ensino da Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros
Militar, que já se encontravam instaladas no espaço do IESP, envolveram-se em modificações
dos seus currículos e no seu modus operandi acadêmico, buscando o alinhamento de seus
projetos pedagógicos, de modo a contemplar as ―Bases Curriculares para Formação dos
Profissionais de Segurança do Cidadão‖.

Em 2003, a SENASP/MJ, objetivando consolidar e ao mesmo tempo dar


prosseguimento às orientações previstas nas Bases Curriculares, fez o lançamento de um novo
documento, denominado de Matriz Curricular Nacional (MCN). Instituiu um grupo de
trabalho, sob a consultoria pedagógica da professora e bioquímica Valdemarina Bidone de
Azevedo e Souza679, que com o auxílio de profissionais policiais e consultores
interdisciplinares, elaboraram um documento que servisse de referencial para a Nação, cuja a
concepção orientasse os currículos para as práticas formativas e a atuação de profissionais da

678
A adoção da Resolução nº 011/97, foi uma decisão do Conselho Estadual de Segurança Pública do Pará, com
base na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, na Constituição de 1988.In: Coletânea de
Legislação. Sistema de Segurança Pública do Pará. Belém-PA, 1998. p.92.
679
A professora Valdemarina, Bidone de Azevedo e Souza faleceu no acidente ocorrido com o voo 3054 da TAM.
260

área de Segurança Pública, esse documento foi denominado de Matriz Curricular Nacional
(MCN):

[...] Isto é, um documento curricular que criasse condições para que, nos diversos
contextos formativos, fossem discutidos e implementados mecanismos que
garantissem aos profissionais da área de segurança pública o acesso às
oportunidades de uma permanente formação, privilegiando a relação teoria-prática e
a articulação entre os diferentes saberes.680

Desta feita, a Matriz Curricular Nacional tornou-se o referencial teórico-metodológico


para orientação das atividades formativas dos profissionais de segurança pública,
independentemente de qual fosse a instituição, e deveria alcançar os diferenciados níveis de
formação: que se dava aos praças e aos oficiais para as corporações de Bombeiros Militar e da
Polícia Militar; e para delegados, escrivães ou investigadores, no caso da Polícia Civil.681

A MCN é composta por quatro eixos articuladores que estruturam o conjunto dos
conteúdos – de caráter transversal e abrangência nacional – que devem permear as
disciplinas, seus objetivos e conteúdos. Cada eixo articulador inclui diversos temas,
indicados como subitens. A matriz também apresenta oito áreas temáticas que
contemplam conteúdos indispensáveis à formação do profissional da área e à sua
capacitação para exercício da função. Embora também abrangente, as áreas temáticas
abrem espaço para que se contemplem interesses e especificidades locais.682

Pimentel apud Remédios, aponta que a formação policial militar brasileira, antes da
implementação da Matriz Curricular Nacional, tinha grande influência da filosofia da
‗Segurança Nacional‘ herdada dos governos militares, influência essa, que após a
promulgação da Constituição de 1988, foi compreendida como incongruente aos princípios
constitucionais do Estado Democrático de Direito.

Robson Souza683 analisa que em certa medida, o conceito da ‗doutrina de segurança


nacional‘, criado durante a ditadura civil-militar, continuou em vigência, mesmo depois do fim do
regime, influenciando a estrutura dos sistemas estaduais e federal de segurança, nos governos de

680
CORDEIRO, Bernadete. GIMENEZ, Rose Mary. ―Para que a vida siga adiante”. As contribuições da
Professora Valdemarina na concepção teórico-metodológica da Matriz Curricular Nacional e a proposta de
atualização. Revista Segurança, Justiça e Cidadania, Brasília, ano 4, n. 7, 2014. p. 32.
681
PASSOS, Andréa da Silveira et al. Matriz Curricular Nacional: para ações formativas dos profissionais da
área de segurança pública. Brasília-DF: Ministério da Justiça; SENASP, 2014.
682
LIMA, Renato Sergio et al. Avaliação de resultados da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança
Pública – RENAESP. In: LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro et al. (Org.). Pensando a Segurança Pública.
Avaliações, diagnósticos e análises de ações, programas e projetos em segurança pública. Brasília-DF:
Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça, 2014. p.202.
683
SOUZA, Robson Sávio Reis. Política de Segurança Pública: grandes desafios. Carta Capital, São Paulo, 18
jul.2011. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/politica-de-seguranca-publica-grandes-
desafios. Acesso em: 3 jun. 2018.
261

José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco; e como resquícios desse período, somos levados a
compreender que as ações, atuação e a formação policial militar mostravam-se engendradas para
promoção de injustiças e opressão, o que acabava por gerar descrédito às instituições.

Percebeu-se que a formação policial guardava o ethos predominantemente militar,


guerreiro, com estruturas rígidas, fechadas, cujos pilares básicos eram hierarquia e
disciplina, ainda presa à filosofia de Segurança Nacional e pouco enxergava a
presença do cidadão como ator fundamental para a construção da paz social. Era,
portanto, preciso tornar a educação policial um pouco mais humanista e sociológica
e acima de tudo desconstruir os mitos e a subcultura para então reconstruir as novas
bases de uma segurança mais democrática, humana e profissional.684

Quando a MCN foi apresentada, em 2003, tinha como objetivo divulgar e estimular as
ações formativas no âmbito do Sistema Único de Segurança Pública, depois, em 2005, a
Matriz Curricular sofreu sua primeira revisão, sendo agregados ao seu conteúdo outros dois
documentos: as Diretrizes Pedagógicas para as atividades formativas dos profissionais da
Área de Segurança Pública e a Malha Curricular.

Em 2005 a 2008, a SENASP em parceria com o Comitê Internacional da Cruz


Vermelha, realizou seis seminários regionais denominados Matriz Curricular em
Movimento, destinados à equipe técnica e aos docentes das instituições de ensino de
segurança pública. [...] Esses seminários possibilitaram a apresentação dos
fundamentos teórico-metodológicos presentes na Matriz, a discussão da Malha
curricular e a transversalidade dos direitos humanos, bem como as reflexões sobre a
prática pedagógica e sobre o papel intencional do planejamento e execução das
685
ações formativas.
.
Em 2009 foi lançada uma versão atualizada e ampliada da Matriz Curricular, dessa
vez, a Matriz apresenta linhas gerais sobre a fundamentação das ações formativas dos
profissionais da área de Segurança Pública.

Em 2010, a SENASP por intermédio de uma consultoria especializada realizou a


avaliação da Matriz, junto aos gestores, técnicos e professores das instituições de segurança
pública de todo o país, cujos resultados coletados na avaliação foram agrupados, validando o
trabalho realizado, mas apontando a necessidade de mais outra versão, que foi lançada em
2014, mantendo a dinâmica dos eixos articuladores e das áreas temáticas, bem como a
orientação pedagógica para a formação.686

684
REMÉDIOS, Marco Antonio Rocha dos. A formação policial militar em contextos multiculturais:
contribuição da Segurança Pública para a defesa, segurança e desenvolvimentos nacionais. Monografia
(Curso de Altos Estudos de Políticas e Estratégias) – Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 2016. p.35.
685
BRASIL. Matriz Curricular Nacional para a Formação em Segurança Pública. Brasília-DF: SENASP/
Ministério da Justiça, 2010.
686
BRASIL. Matriz Curricular Nacional: Para ações formativas dos profissionais da área de segurança pública.
Secretaria Nacional de Segurança Pública/SENASP. Ministério da Justiça. 2014.
262

Na MCN os Eixos Articuladores e de Áreas Temáticas são utilizados de modo


associado, originando conteúdos formativos em segurança pública. Os Eixos Articuladores
estruturam o conjunto dos conteúdos de caráter transversal definidos por sua relevância nas
discussões sobre segurança pública, permeando entre as diferentes disciplinas, seus objetivos,
conteúdos bem como as orientações didático-pedagógicas:
 Sujeito e Interações no Contexto da Segurança Pública;
 Sociedade, Poder, Estado e Espaço Público e Segurança Pública;
 Ética, Cidadania, Direitos Humanos e Segurança Pública;
 Diversidade, Conflitos e Segurança Pública.

Já as áreas temáticas, em um total de oito, são compreendidas como espaços onde os


conteúdos indispensáveis devam ser apresentados para à formação e ao exercício da função do
profissional da Área de Segurança Pública.
 Área Temática I – Sistema, instituições e gestão integrada em segurança pública;
 Área Temática II – Violência, Crime e Controle Social;
 Área Temática III – Conhecimentos Jurídicos;
 Área Temática IV – Modalidades de Gestão de Conflitos e eventos críticos;
 Área Temática V – Valorização profissional e saúde do trabalhador;
 Área Temática VI – Comunicação, informação e tecnologias em segurança pública;
 Área Temática VII – Cultura, cotidiano e prática reflexiva;
 Área Temática VIII – Funções, Técnicas, Procedimentos em Segurança pública.

No Quadro 7, apresento o rol de disciplinas e suas respectivas áreas temáticas,


recomendadas pela Matriz Curricular Nacional.

Quadro 7 - Disciplinas nas áreas temáticas recomendadas pela Matriz Curricular Nacional.
Área Temática I – Sistema, instituições e gestão integrada em Segurança Pública
Chefia e Liderança
Economia Brasileira e Políticas Públicas
Economia Política
Estudos Militares I, II,III,IV,V,VI
Estudos Policiais I, II,III,IV,V,VI
Fund. da Ciência Administrativa
Fundação de Polícia Comunitária
Fundamentos da Gestão Pública
Fundamentos das Ciências Econômicas
Gestão na Administração Pública
Introdução à Administração
263

Introdução Policial Militar Básica


Operação de Defesa Int. e Def. Territorial
Planejamento Estratégico e Operacional
Política Econômica e Desenvolvimento Regional
Segurança Nacional
Sistema Nacional de Segurança Pública
Teoria de Polícia
Teoria Geral da Administração
Trabalho de Comando
Área Temática II – Violência, Crime e Controle Social
Abordagem Psicológica do Crime e da Violência
Criminalística/ Criminalística Aplicada
Criminologia Aplicada à Segurança Pública
Psicologia da Violência
Sociologia do Crime e da Violência
Socio-psicologia da Violência
Área Temática III – Conhecimentos Jurídicos
Direito Administrativo
Direito Ambiental
Direito Civil
Direito Civil – Parte Geral
Direito Civil e do Consumidor
Direito Constitucional
Direito da Criança e Adolescente
Direito Especial
Direito Penal
Direito Penal Militar
Direito Processual Penal
Direito Processual Penal Aplicado
Direito Processual Penal Militar
Direitos Humanos
Direitos Humanos e Humanitários
Estudo complementar de Direito
Fund. Pol. Ativ. Prof. Seg. Cidadão
Fundamentos da Ciência do Direito
Introdução ao Estudo de Direito
Legislação S/ da Criança e Adolescente
Legislação Ambiental
Legislação Especial
Organização e Legislação da Polícia Militar
Processo Decisório Aplicado
Técnica de Polícia Judiciária
Técnica de Polícia Judiciária Militar
Teoria do Processo Jurídico/ Teoria Geral do Processo
Área Temática IV – Modalidades de Gestão de Conflitos e eventos críticos
Defesa Civil
Geografia da Amazônia
264

Gerenciamento de Crises e Negociação


Noções de Bombeiro Militar
Planejamento Orientado por Problemas (EAD)
Policiamento Orientado por Problemas (EAD)
Resolução de Confl. Agrários (EAD)
Tomada de Decisão da Administração Pública
Área Temática V – Valorização profissional e saúde do trabalhador
Desportos Especializados
Educação Física Militar/ Treinamento Físico Militar I
Gestão de Qualidade
Psicologia Social
Relações Humanas/ Relações Interpessoais
Serviço Social
Sociologia
Sociologia das Organizações
Área Temática VI – Comunicação, informação e tecnologias em segurança publica
Atividade de Inteligência
Cartografia e Geoinformação na Análise do Espaço Geográfico
Comunicação Comunitária
Comunicação e Expressão
Comunicação Social
Comunicações PM
Contabilidade e Finanças Públicas
Correspondência Militar
Economia e Desenvolvimento Regional/Economia Política
Estatística Aplicada e Análise de Dados
Gestão da Informação (Atividade de Inteligência)
Informações
Informática Aplicada/ Informática Instrumental
Inglês Instrumental
Inteligência PM
Matemática Aplicada/ Matemática Instrumental
Noções de Cartografia e Imagens Aéreas
Português Instrumental
Português Instrumental (EAD)
Tecnologia da Informação e Telecomunicações
Telecomunicações Aplicadas
Telecomunicações PM
Área Temática VII – Cultura, cotidiano e pratica reflexiva
Administração de Materiais da PM
Administração de Pessoal
Administração Financeira da PM
Administração Policial Militar
Administração Pública
Deontologia Policial Militar
Estudos dos Problemas Amazônicos
Estudos Dos Problemas Brasileiros
265

Ética e Cidadania
Ética Policial Militar
História da Polícia Militar
Ordem Unida
Seminários I, Supervisão, Estágios
Seminários Temáticos
Seminários/Palestras
Área Temática VIII – Funções, Técnicas, Procedimentos em Segurança Pública
Análise de Procedimentos da PM
Armamento, Tiro e Equipamentos da PM
Defesa Pessoal
Defesa Pessoal e Artes Maciais
Direção Defensiva Aplicada – cat. ―A‖ e cat. ―B‖
Equitação Militar
Marchas e Estacionamentos
Operações de Choque
Operações Policiais
Operações Policiais Especiais
Operações Policiais Militares em Área de Selva I
Patrulhamento Tático
Polícia Comparada
Policiamento Aéreo
Policiamento Ambiental
Policiamento Assistencial
Policiamento com Cães
Policiamento Comunitário
Policiamento de Choque
Policiamento de Guarda
Policiamento de Rádio Patrulha
Policiamento de Trânsito
Policiamento de Trânsito Urbano e Rod.
Policiamento Escolar
Policiamento Fluvial
Policiamento Montado
Policiamento Ostensivo Geral
Policiamento Penitenciário
Policiamento Rodoviário
Policiamento Rodoviário e de Trânsito
Policiamento Tático
Policiamento Turístico
Prevenção e Combate a Incêndio
Radiopatrulhamento e Técnicas de Abordagem
Segurança de Instalações Físicas e Dignitários
Sistemas de Comando e Operações
Técnica/Tática Policial Militar
Técnicas e Maneabilidade de Incêndio
Tiro Policial I/ Tiro Defensivo
266

Área Temática VIII – Funções, Técnicas, Procedimentos em Segurança Pública


(APH)687
Noções Básicas de Primeiros Socorros
Noções de Higiene e Pronto-Socorrismo
Emergência e Socorro de Urgência
Primeiros Socorros
Pronto Socorrismo
Socorros de Urgência
Área Temática VIII – Funções, Técnicas, Procedimentos em Segurança Pública (PVP)688
Medicina Legal Aplicada
Fonte: Elaborado pela autora, com base nos registros da Divisão de Ensino da APM e da Matriz Curricular Nacional689.

O rol das disciplinas elencadas revela uma complexa proposta educativa para a
formação dos profissionais da segurança pública. Tais disciplinas exigem um delineamento
diferenciado, no qual os conteúdos programáticos trabalhem, a contextualização em segurança
pública, possibilite uma relação epistemológica entre as disciplinas, ou seja, uma interrelação
entre os diversos campos de conhecimento frente ao mesmo objeto de estudo sob a
perspectiva da interdisciplinaridade e da transversalidade690.

Contextualizar o conteúdo que se quer aprendido, significa em primeiro lugar,


assumir que todo conhecimento envolve uma relação entre sujeito e objeto [...] o
tratamento contextualizado do conhecimento é o recurso que a escola tem para
retirar o aluno da condição de espectador passivo. Se bem trabalhado, permite que
ao longo da transposição didática, o conteúdo do ensino provoque aprendizagens
significativas que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele e o objeto do
conhecimento uma relação de reciprocidade. A contextualização evoca por isso
áreas, âmbitos ou dimensões presentes na vida pessoal, social e cultural e mobiliza
competências cognitivas já adquiridas.691

A Segurança Pública requer um fazer profissional contextualizado e, para isso, o aluno


em formação precisa ser despertado, precisa estar implicado com a realidade, sua formação
deve estar voltada aos diferentes campos de conhecimento não se restringindo a uma ou outra
disciplina.

É importante destacar que as atividades policiais se tornaram cada vez mais diversas e,
igualmente, as necessidades. Quanto mais complexas são as ações, mais refinada precisa ser a
formação e o preparo do policial: condução de presos, preservação do local de crime, controle

687
Atendimento pré-hospitalar.
688
Preservação e valorização da Prova.
689
PASSOS, Andréa da Silveira et al. Matriz Curricular Nacional: para ações formativas dos profissionais da
área de segurança pública. Brasília-DF: Ministério da Justiça/SENASP, 2014.
690
CORDEIRO , Bernadete M.P. e SILVA, Suamy S. Direitos humanos: referencial prático para docentes do
ensino policial. CICV. 2005, p,18
691
MEC, 2000, p. 79.
267

de revoltas, policiamento na cidade, segurança das autoridades governamentais, etc. Assim,


tornou-se imperioso o melhoramento da formação policial e, pela via da educação/formação,
que o desafio se revelou para o século XX e os vindouros.

Ao analisar as particularidades da formação policial que a dinâmica da integração no


IESP aparentemente poderia ‗ameaçar‘, e que, por isso produziu certa ‗resistência‘, observada
nas narrativas dos interlocutores nesta pesquisa, compreendo que os cadetes, ao ingressarem na
APM para o período de formação, são exigidos a aprender a reconhecer quais limitações e qual
o poder de sua posição hierárquica.

Para a manutenção dessa hierarquia de autoridade, a formação policial usará de


vários meios (símbolos, sinais, status, uniforme, localização dentro da sala, etc.) para
reforçar as posições e os papéis dentro do espaço organizacional, qual o círculo vai
frequentar independente dos vínculos afetivos que o cadete tinha antes de ingressar.

Para os que não vivenciam a cultura da formação policial, isso parece absurdo,
estranho e segregador. Todavia, para os que estão inseridos na instituição e já
incorporaram o aprendizado desses códigos, adquiriram sentido como parte do
funcionamento institucional e, portanto, recebem o devido acatamento.

A corporação é regida por uma Cultura bem particular, e cultua seus princípios basilares,
seus rituais, as distinções de quadros, de níveis hierárquicos, definidos por postos e graduações,
têm até mesmo estabelecido previamente, por meio de suas legislações, como é o caso do Estatuto
dos Policiais Militares, o caminho a ser traçado até o final da sua carreira profissional.

Isso ocorre no sentido de que na instituição há uma estrutura organizacional hierarquizada


e rígida, e devido à formatação burocratizada, não favorece tantas modificações. Por exemplo: No
que tange à forma de comunicação diária, os cadetes incorporam como obrigação chamar de
senhor aos seus superiores hierárquicos, e o tratamento de tu ou você aos policiais de posição
igual ou inferior, e nisso vai se constituindo o reconhecimento da autoridade.

Nesse sentido, o conhecimento da burocracia moderna, estudada por Max Weber pode nos
auxiliar a compreensão da escala hierarquizada:

Os princípios da hierarquia dos postos e dos níveis de autoridades significam um


sistema firmemente ordenado de mando e subordinação, no qual há uma supervisão
dos postos inferiores pelos superiores. Esse sistema oferece aos governados a
possibilidade de recorrer de uma decisão de uma autoridade inferior, para a sua
268

autoridade superior, de forma regulada com precisão [...] a hierarquia dos cargos é
organizada monocraticamente.692

Ora, a questão de que neste campo policial militar tradicionalmente se siga códigos rígidos
e se evoque uma forma hierarquizada e organizacional de funcionamento da Corporação, trouxe
de alguma maneira, certa estranheza, para a Polícia Civil, no momento que se abria a
possibilidade de integração no IESP, por ser a Polícia Civil uma instituição que valoriza outros
códigos, e que em nada ou em muito pouco, lhe dizem respeito a forma de relação interpessoal e
de comunicação adotadas pela PM.

Com efeito, destaco que na integração das instituições, não houve estranhamento apenas
entre a PM e a PC enquanto instituição, mas que houve também, no tocante ao trato inter-
relacional, entre os alunos oficiais, seus familiares e a direção da Academia, pois a hierarquia
existente na dinâmica da Unidade acadêmica, produzia descontentamento nos familiares, o que
lhes encorajou, de modo inusitado, à criação de uma associação de pais e mães de cadetes.

Tal associação favorecia às mães e pais dos alunos, no sentido de encabeçar


reivindicações, questionamentos quanto à forma hierarquizada e funcional da Unidade acadêmica,
todavia a mobilização desses pais, ressoava como sendo uma participação inadequada por se tratar
de um alunado já adulto e em pleno período de formação profissional de nível superior. Isso
produziu, visivelmente, certo mal-estar e a percepção a muitos dos oficiais, de que se tratava de
uma associação extemporânea, como analisam os entrevistados Osmar Santos e Denise:

Na Academia uma situação que eu percebo como marcante e ao mesmo tempo


esquisita, foi a criação de uma Associação de Mães de Cadetes. As mães
reivindicavam uma série de questões, que a meu ver, eram incompatíveis com a
formação policial militar. Algo muito estranho de existir, inadequada inclusive pela
idade dos cadetes e por seu um curso de nível superior. Essa associação questionava
tudo: remuneração que estava em atraso, queriam revisão da avaliação psicológica
nos casos de contraindicação693, elas não aceitavam as escalas, enfim, tentavam
interferir na formação de várias formas, algo muito estranho. (Osmar Santos,
Cadete, 1999)

Tempos depois, quando voltei para a APM (IESP), já como oficial, fui chefe da
Divisão de Ensino, percebi muitas diferenças. Observei que, a formação era melhor,
mais autentica na minha época de cadete, quando éramos somente nós na APM e
não havia ingerência de civis. Quando era somente a Fontourinha, nós lavávamos,
capinávamos, fazíamos faxina. Nosso treinamento e formação era muito além das
disciplinas. De um tempo pra cá, a formação passou a ter interferência de diversas

692
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5. ed; Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 230.
693
A ‗contraindicação‘ na avaliação psicológica em concurso público, é atribuída ao candidato que não
apresentar características psicológicas compatíveis com o exercício do cargo ou função proposto, analisadas por
meio do emprego de um conjunto de instrumentos e técnicas cientificas e no caso específico das instituições de
Segurança Pública, apresentar também, inadequação no que diz respeito ao porte e uso de arma de fogo.
269

pessoas, até de uma associação de pais de alunos – que resolveram criar. A APM de
repente ficou como se fosse uma ‗escola civil‘, e alguns ordens e comandamento
passaram a não ser mais permitidos, porque as mães se queixavam em nome dos
cadetes, reclamavam, ameaçavam de ir para os jornais denunciar. Onde já se viu
esse tipo de interferência em escola militar? (Denise, Cadete 1994)

O que recomendava de diferente, a Matriz Curricular Nacional que estava sendo


implementada, frente ao plano pedagógico anterior ?

A MCN recomendava que, para que a formação do oficialato fosse eficaz, a


observância no aprendizado por ‗competências‘ profissionais, e que tais competências fossem
obtidas em consonância como perfil profissiográfico. Mas de que competência está se
falando?

Competência é entendida como a capacidade de mobilizar saberes para agir em


diferentes situações da prática profissional, em que as reflexões antes, durante e após
a ação estimulem a autonomia intelectual. 694

A Matriz curricular adota então, três conjuntos de competências:


 Competências cognitivas: são as que requerem o desenvolvimento do pensamento
por meio da investigação e da organização do conhecimento. Elas habilitam o
indivíduo a pensar de forma crítica e criativa; posicionar-se, comunicar-se e estar
consciente de suas ações.
 Competências Operativas: são as competências que preveem a aplicação do
conhecimento teórico em prática responsável, refletida e consciente.
 Competências atitudinais: visam estimular a percepção da realidade, por meio do
conhecimento e do desenvolvimento das potencialidades individuais; a
conscientização de sua pessoa e da interação com o grupo; a capacidade de conviver
em diferentes ambientes: familiar, profissional e social. 695

O desenvolvimento por competências e habilidade favorecem um perfil profissional


capaz de comunicar-se de forma efetiva, com a comunidade, na mediação de conflitos, atuar
proativamente pautado nos princípios dos direitos humanos,

A MCN também realizou recomendações no tocante a carga horária para algumas


disciplinas. A ‗recomendação‘ da SENASP que o centro formador, a analisasse conforme as
peculiaridades. A opção da SENASP em lançar a Matriz como recomendação, possibilitou
que a APM fosse paulatinamente ajustando sua malha curricular, as disciplinas e suas
respectivas cargas horárias, de modo a recepcionar a Matriz vinculando os eixos articuladores

694
PASSOS, Andréa da Silveira et al. Matriz Curricular Nacional: para ações formativas dos profissionais da
área de segurança pública. Brasília-DF: Ministério da Justiça/SENASP, 2014. p.18.
695
PASSOS, idem, 2014. p.18.
270

e as áreas temáticas ao longo dos três anos. Analisaremos algumas disciplinas ministradas no
percurso inicial da APM Cel Fontoura até a última turma no marco temporal investigado.

Apresentamos a seguir, graficamente, o registro das disciplinas que foram mais


frequentemente ministradas no 1º ano, 2º e 3º anos da APM/IESP, no período de 1992 a 2014.

No gráfico abaixo (Figura 31), observa-se que das 15 turmas regulares, existentes no
período, as disciplinas ‗Ordem Unida‘ e ‗Treinamento físico militar‘ foram ministradas em 100%
das turmas. Em segundo lugar, foram as disciplinas ‗Organização e legislação PM‘; ‗Armamento,
tiro e equipamentos‘ e ‗Estudo do Direito‘ que foram ministradas em 12 turmas; seguido da
disciplina de ‗defesa pessoal‘ que se repetiu em 11 turmas; seguida das disciplinas ‗Estatística
aplicada‘ e ‗História da PM‘ que foram frequentes em 10 turmas.

Figura 31 - Disciplinas do 1º ano mais frequentes no universo de 15 turmas.

15 15
16
14 12 12 12
11
12 10 10
10
8
6
4
2
0

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da Divisão de Ensino da APM.

No gráfico 2 (Figura 32) registramos as disciplinas que foram mais frequentes no 2º ano.
Observa-se novamente que das 15 turmas regulares, as disciplinas ‗Ordem Unida‘ e ‗Treinamento
físico militar‘ estiveram presentes em todo o período. Depois seguem-se as disciplinas ‗Medicina
Legal‘ e ‗criminalística‘ – cujo o conteúdo auxilia na perícia e na investigação de crimes; terceiro
lugar em frequência em ‗direito penal‘ e ‗defesa pessoal‘ e por quarto lugar, as disciplinas de
cunho jurídico.
271

Figura 32 - Disciplinas do 2º ano mais frequentes no universo de 15 turmas.

15 15
16 14 14
13 13
14
11
12 10
10
8
6
4
2
0

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da Divisão de Ensino da APM.

No gráfico abaixo (Figura 33), observa-se novamente, que das 15 turmas regulares no
período investigado, as disciplinas ‗Direito Processual Militar‘, ‗Criminologia‘, ‗Ordem Unida‘ e
‗Treinamento físico militar‘ foram para todas as turmas da APM/IESP.

Figura 33 – Disciplinas do 3º ano mais frequentes no universo de 15 turmas

15 15 15 15
16 14
13
14
12 9 9
10
8
6
4
2
0

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da Divisão de Ensino da APM.
272

4.3 ANÁLISE DE DISCIPLINAS PROMOVIDAS NA APM/IESP

No ―mapa de disciplinas‖, apresentado nos apêndices desta tese, é possível observar o


rol de todas as disciplinas ministradas no Curso de Formação de Oficiais, desde o surgimento da
Academia Coronel Fontoura em 1990 até 2014, marco final desta tese.

No ‗mapa‘ é possível constatar as disciplinas de maior prevalência, ou seja, ministradas


em maior quantidade de turmas; também, as disciplinas que entraram em desuso, bem como
aquelas que foram inseridas, ao longo do percurso acadêmico.

Nota-se que a elaboração de políticas públicas para a segurança pública, tanto em


âmbito federal quanto estadual, a implementação do Programa Nacional de Direitos
Humanos, do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, e as várias outras
articulações com os representantes da sociedade civil e as parcerias com as universidades,
promoveram efervescentes modificações na formação dos operadores da segurança pública ao
longo das últimas décadas. Além disso, as diretrizes da SENASP subsidiadas com a Matriz
Curricular Nacional que recomenda uma base comum a todos os cursos e entre os centros de
formação promovem uma sintonia com a concepção democrática e conduzem à mudanças
estruturais.

Observa-se que a intencionalidade e as próprias mudanças se apresentam de diversas


formas, nas jornadas pedagógicas em cujo momento os docentes são convidados a dialogarem
entre si, sobre suas disciplinas para planejarem ou se despertarem na abordagem dos
conteúdos e unidades didáticas de modo interdisciplinar e transversal; no cadastro do docente,
que tem buscado a transparência em conjugar titulação, experiência, e não somente indicação
– muito embora isso ainda aconteça; a metodologia de ensino apresenta-se menos tradicional,
mais dialogada e com diversificadas técnicas e tecnologias de ensino.

No currículo da APM/IESP entretanto, nota-se a carga horaria mais extensa são


dedicadas às disciplinas militares como ordem unida, Treinamento Físico Militar e tiro
policial.

Do extenso rol de disciplinas curriculares, privilegiei apresentar algumas delas, posto


que nos endereçam à importantes modificações, no fazer policial, mesmo que permaneçam
com nomenclaturas ‗antigas‘, tipo: Armamento e tiro, ou estágio em ambiente de selva, é
273

possível observar nas tais matérias escolares, experiências e evoluções quanto ao conteúdo, à
compreensão, abordagem, método, etc.

4.3.1 Direitos humanos

Analisando a prevalência das disciplinas durante os três anos, observa-se que a


disciplina de Direitos Humanos, muito embora seja uma disciplina recomendada pela MCN/
SENASP e que se tornou matéria de peso no currículo policial militar, por respaldá-lo ao
cumprimento de sua missão constitucional, e ao propósito é assegurar o mais absoluto
respeito à cidadania e a dignidade da pessoa humana, não é quantificada entre as de maior
ocorrência.

No ―mapa de disciplinas‖, é possível conferir que ‗Direitos Humanos‘ no período de


1992 a 1999, quando a APM era a Fontourinha, a disciplina ―Direitos Humanos‖ foi ministrada
para apenas duas turmas. Entretanto, a partir de 2000, quando a APM já estava no IESP, a
disciplina passou a ser ministrada em quase todas turmas, excetuando duas delas, a disciplina
não foi ministrada.
Cabe destacar que os direitos humanos foram construídos por meio da história, na luta
dos oprimidos pelo reconhecimento como cidadãos e pela liberdade, e no Brasil, a
promulgação da Constituição Federal de 1988, propiciou a abertura de espaço político para a
promoção desses direitos. No entanto, embora as Leis sejam um avanço, as condutas e
posicionamentos por vezes são reacionários, e a prática do conteúdo educacional, mostra-se
aquém do esperado.

Dada a grave condição na qual foi colocada a sociedade, onde o crime e a violência
ameaçavam as liberdades individuais e coletivas, a promulgação da Constituição Federal em 1988
veio possibilitar o engajamento democrático da Polícia Militar, como defensora e promotora dos
direitos. Assim, cabe aos operadores de segurança pública (policiais, bombeiros, guardas
municipais, agentes de trânsito e agentes penitenciários) trabalharem preservando a vida humana,
como promotores de direitos, inclusive de inclusão social.

[...] na verdade, desde a nossa formação, já existia uma grita muito forte em relação
aos direitos humanos, não só pela influência da Constituição de 88, que estávamos
ali naquela transição, da Constituição Cidadã, da redemocratização, a própria polícia
estava pensando seu modus operandi, aquela história toda. O nosso currículo já
estava voltado para a questão dos direitos humanos porque a Constituição já
ordenava isso para a atividade policial. (Emilio, Aspirante a Oficial, 1991, ex-diretor
do IESP).
274

Soares & Musumeci696 afirmam que a introdução de disciplinas de Direitos Humanos


nos currículos policiais e a implantação do policiamento comunitário eram necessárias, e que
demandaram inclusive o ingresso das mulheres nas instituições militares, para possibilitar a
ideia de humanizar a imagem da polícia, tão associada à ditadura.

Não quero dizer com isso que, o policial militar fosse desumano ou que não fosse
humano em sua atuação, não é isso; refiro sim que, o ―processo de humanização‖, está
implicado em uma prática melhor, aperfeiçoada de interação do policial com o meio onde está
inserido, e que aguarda por suas ações. Assim, os policiais militares utilizam recursos e
instrumentos como forma de auxílio. A comunicação é uma das ferramentas de grande
importância na humanização, como uma de suas competências profissionais, no cumprimento
de suas atividades.

Outra disciplina cuja a inserção constituiu-se fundamental, foi a Polícia Comunitária.

4.3.2 Polícia Comunitária

A filosofia de Polícia Comunitária enfoca a participação social e o envolvimento da


comunidade na busca de mais segurança. A aproximação das instituições de segurança
pública apresenta-se como uma alternativa, em meio a um conjunto de outras ações. Além da
ministração da disciplina, o IESP promovia e promove frequentes treinamentos sobre a
doutrina de polícia comunitária, onde no mesmo ambiente físico da sala de aula se encontram
líderes comunitários, policiais militares, bombeiros militares, policiais civis, guardas
municipais, etc. Várias turmas já foram formadas com essa filosofia.

O policiamento comunitário requer uma atuação integrada, então a relação exige


práxis dos operadores, não há permissão para o fechamento das instituições, por meio da
Polícia Comunitária, são buscadas soluções para os problemas sociais, ambientais,
relacionados a crimes e a insegurança no diálogo com a comunidade. Na disciplina busca-se
refletir sobre a necessidade de se avançar sobre o modelo tradicional de polícia, cujo o
enfoque é o combate ao criminoso. A disciplina Polícia Comunitária vai em busca da
introjeção de conceitos e de práticas policiais que visem a prevenção do crime e a solução
pacífica de conflitos. E no caso, no período da formação em questão, o aluno oficial é
estimulado a mudança de mentalidade para alcançar por meio da parceria com a comunidade,
uma sociedade mais segura.

696
SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia
Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.16.
275

Na verdade, a questão da formação do oficial com o enfoque de Polícia Comunitária ainda


é muito desafiador, porque tem sido visto, em grande parte, pelos cadetes e jovens oficiais –
quando ainda aspirantes ou segundo tenentes, como de somenos importância, haja vista os seus
interesses revelados ao final do curso de formação, quando são inquiridos sobre qual/is unidades
desejam ser lotados, descobre-se massivamente seus interesses pelas Unidades do Comando de
Missões Especiais, tais como Batalhão de Polícia de Choque697, Companhia Independente de
Operações Especiais (COE)698, Batalhão de Policiamento Tático (BPOT)699, mais conhecido por
suas rondas ostensivas táticas metropolitana (ROTAM), unidades que são empenhadas em
atuações de assaltos a bancos, assaltos com reféns, sequestros, artefatos explosivos. Outros
momentos, ou tempos depois, já em pleno andamento da carreira profissional, quando emerge a
necessidade de decisão sobre os cursos de aprimoramento, igualmente, há uma grande parcela de
interessados que se inclina para os cursos de operações de choque, operações especiais;
contrariamente, quando lhes é oferecido os cursos de Polícia Comunitária700, que para alguns
trata-se de uma subcategoria de polícia.

Não obstante às escolhas dos oficiais, quanto a sua lotação, em geral, a formação do
policial militar requer conhecimento técnico, tático e operacional, para atendimento das

697
O Batalhão de Polícia de Choque do Pará foi criado em 26 de maio de 1992, com a missão de controlar distúrbios
ou quaisquer manifestações civis, com intervenções nas ocorrências de grande magnitude, na capital ou em
qualquer localidade do Estado. Decreto-Lei nº 817-A. Normas Gerais de Ação do BPChoque 2013.
698
A COE é a Companhia criada para atender às missões de alta complexidade, atua em operações específicas
que extrapolem a capacidade de atendimento rotineiro do policiamento ordinário, em apoio às Unidades de
Execução Operacional (UEOp). Atua nas ações/operações de caráter repressivo, em todo o Estado do Pará,
após terem sido esgotados todos os meios disponíveis para a solução do fato delituoso ocorrências com
artefatos explosivos, combate ao crime organizado, operações em altura e helitransportadas, operações com
emprego do mergulho policial e na segurança de autoridades contraterrorismo, patrulhamento de alto risco e
em ambiente rural, explosivismo, atirador policial de precisão e assalto tático. PMPA. Estado Maior Geral -
Diretriz Geral de Emprego Operacional da Polícia Militar do Pará, nº 001/2014 DGOp/PMPA, abril/2014.
699
O BPOT, em sua missão principal, visa ao enfrentamento da criminalidade organizada e violenta e, de forma
suplementar a atuação das - UEOp de área da Região Metropolitana de Belém, de modo a cobrir zonas quentes de
criminalidade não ocupadas ou a reforçar locais críticos, com utilização de viaturas de 02 (duas) e 04 (quatro)
rodas. Deverá estar em condições de emprego em todo o Estado. Tem por objetivo o cumprimento de missões
específicas, visando à prevenção e à repressão qualificada: captura de presos de alta periculosidade; operações de
choque e controle de distúrbio civil; cobertura aos oficiais de justiça em reintegração de posse; combate ao crime
organizado e criminalidade violenta e realização de escoltas especiais. PMPA. Estado Maior Geral - Diretriz Geral
de Emprego Operacional da Polícia Militar do Pará, nº 001/2014 DGOp/PMPA, abril/2014.
700
A atuação da Polícia Comunitária se caracteriza pelo modo preventivo, prestado por uma equipe de policiais
militares para aplicação do policiamento orientado para problema com o apoio da comunidade, que utiliza como
referência uma edificação policial militar e outros processos, tais como: a pé, de ciclopatrulha, de motocicleta e
motorizado. Possui área de responsabilidade definida e delimitada. Sua instalação ocorre segundo critérios de
acessibilidade e visibilidade, para uma comunidade que necessite de atendimento diuturno, tendo como missão
executar o policiamento ostensivo geral personalizado, conforme necessidade de cada comunidade, utilizando a
Base de Policiamento Comunitário para identificar, analisar e responder aos problemas contemporâneos de
segurança pública e melhorar a qualidade de vida da comunidade local. PMPA. Estado Maior Geral - Diretriz
Geral de Emprego Operacional da Polícia Militar do Pará, nº 001/2014 DGOp/PMPA, abril/2014.
.
276

complexas demandas existentes na sociedade: ora demandas de repressão, de confronto à


criminalidade; ora preventiva, de Polícia comunitária. Mas não há como retroceder ao que
está posto no cenário, sem que possa ser valorizado, a filosofia de Polícia Comunitária.

Sobre a importância da Polícia Comunitária, o entrevistado Costa Junior esclarece que


a filosofia Polícia Comunitária busca parceria com o cidadão e sua comunidade, através do
processo de aproximação:

[...]O investimento relacional entre a comunidade e Policia Militar, prevê não apenas
as ações repressivas, mas também faz a previsão de ações preventivas policiais (a
presença cotidiana do policiamento a pé, de bicicleta, de moto ou automóvel), e
ações preventivas não policiais, sendo estas ações, em conjunto com as diversas
agências públicas e com a parceria da comunidade. Em decorrência dessa parceria,
o espaço público, acaba por experimentar a diminuição dos índices de delitos e
criminalidade. (Costa Junior, ex-Comandante da APM e Coordenador do Programa
Segurança Cidadã).

A filosofia da Polícia Comunitária, nos permite por exemplo, treinar garçons,


taxistas, motoristas e cobradores de ônibus, para atuarem com procedimentos
específicos de modo preventivo, para evitar problemas [...] (Costa Junior, ex-
Comandante da APM e Coordenador do Programa Segurança Cidadã).

4.3.3 ―Armamento, Munição e tiro”

A disciplina ―Armamento, Munição e tiro‖ é uma das disciplinas prevalentes durante


os três anos do curso de formação do oficialato e na APM foi ministrada a todas as turmas.
Observa-se que no percurso estudado nesta tese, a disciplina sofre diversas avaliações e
revisões quanto ao método, modificando o tipo de armamento, a inserção de novos métodos,
e a observância em que afinado com os Direitos Humanos, a arma seja o ‗último‘ dos recursos
a ser empregado.

Nos anos 1990, no período da minha formação na Academia de Paudalho, nós


usávamos revolver calibre.38 e fuzil mosquefal para os serviços de sentinela e
outros serviços. [...] Entretanto, o uso dos revolveres foi considerado obsoleto,
havendo a necessidade de se optar por uma armamento mais eficiente para fazer
frente ao avanço da criminalidade, inclusive a adoção de outras medidas e
instrumentais que não só o armamento. (Costa Vale, cadete 1992)

A análise de que o revolver 38 ficara obsoleto foi devido à quantidade que


comportava, de apenas sete munições, o que desfavorecia o policial no enfrentamento da
criminalidade, porque a criminalidade passara a adotar armamento de maior capacidade,
promovendo vantagem ao oponente da ordem pública e da paz social.
277

No final da década de 1990, foram realizados estudos por comissões da Polícia do


Estado de São Paulo e de outras Policias do Brasil, no tocante ao emprego de outro
armamento para a atuação policial, por se considerar que o revólver calibre 38 não respondia
a contento as atividades e operações policiais, apresentando baixo poder de parada, ou seja,
pouco interferia na reação do oponente.

Dos estudos realizados pelas comissões, obteve-se a conclusão que o mais adequado
para o porte do policial seria a pistola Glock, modelo 22, de calibre .40 S&W, de origem
austríaca, porque o seu carregador comporta 16 munições, e no cinturão o policial poderia
ainda carregar mais 30 balas extras, e possibilitava maior neutralização do oponente, devido
ao seu alto poder de parada701 ou seja, teria maior eficiência no combate à violência. A partir
das análises, o uso da pistola .40 tornou-se padronizado e adotado como armamento exclusivo
das polícias civil e militar do Brasil:

Passamos a usar a pistola .40 como a mais adequada para os serviços policiais.
Entretanto com o aumento da violência e da criminalidade, tem se entendido que é
uma arma que tem perdido sua eficácia no enfrentamento do notório avanço do
cangaço urbano e moderno no qual os bandidos estão potencialmente armados de
fuzis. A pistola .40, fica em desvantagem porque somente comporta 15 munições, e
não atinge mais que 15 metros. Em contrapartida, o fuzil alcança 1200 metros, sendo
desigual o enfrentamento, vulnerabilizando o policial. (Cel Eledilson, instrutor do
método Giraldi)702

Concomitantemente a padronização da atuação com a pistola .40, foi apresentado no


Brasil, em meados de 1998, um método revolucionário para o uso do armamento nas
operações policiais, que priorizava a atuação com preservação da vida de cidadãos, do
transgressor e do policial evitando a letalidade.

Tal método foi criado pelo coronel Nilson Giraldi703, oficial da reserva da PM do
Estado de São Paulo e, metodologicamente, foi aprovado integralmente sem ressalvas, por
atender nos mínimos detalhes, nos seus conteúdos, determinações e normas, os Princípios da
Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) relacionado às Normas Internacionais de
Direitos Humanos Aplicáveis à Função Policial e Função Policial Armada; e as Diretrizes

701
Poder de parada não é o mesmo que letalidade – e sim o impacto da bala na pessoa.
702
Eledilson Renato Costa Oliveira foi Diretor de ensino e instrução da PMPA, e em sua gestão possibilitou a
inserção do Método Giraldi aos alunos oficiais e praças, foi o primeiro Instrutor-multiplicador do método
Giraldi no Pará. Posteriormente, foi subcomandante geral da PM.
703
Coronel Nilson Giraldi, é especialista em ―Segurança Pública e Polícia‖, professor, educador, assessor,
consultor e autor do ―Método Giraldi‖ e integrante da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
278

Internacionais de Direito Internacional dos Direitos Humanos; e as Convenções e Tratados


Internacionais dos quais o Brasil é signatário704.

As Diretrizes básicas que fundamentam a filosofia do ―Método Giraldi‖ são a


eliminação das cinco tragédias distintas que podem ser ocasionadas pelo mau uso da arma de
fogo por parte do policial: ―Crises na polícia‖, ―desmoralização do Estado‖, ―desrespeito aos
Direitos Humanos‖, ―morte do policial‖ e ―perda da liberdade do policial‖.705

As maiores crises de uma polícia ocorrem quando suas armas destinadas a servir e
proteger a sociedade se voltam contra a sociedade.
A maior desmoralização do Estado ocorre quando as armas dos seus agentes
destinadas a servir e proteger a sociedade, se voltam contra a sociedade.
O maior desrespeito que se comete contra os Direitos Humanos ocorre quando a arma do
policial, ao invés de servir e proteger a sociedade, se volta contra a sociedade.
A maior causa da morte de policiais, em serviço, ocorre quando não sabe usar sua
arma de forma correta para se proteger.
A maior causa da perda da liberdade do policial, em serviço, ocorre quando não sabe
usar sua arma de forma correta acabando por provocar vítimas inocentes, ou
atingindo pessoas contra as quais não havia necessidade de disparos‖. 706

No Pará, no ano de 2004, o coronel Eledilson Oliveira, então Diretor de ensino e


instrução da PMPA, proporcionou a inserção do Método Giraldi para as turmas dos cursos de
formação de oficias e de praças:

O tiro de defesa para preservação da vida é um método que por sua facilidade e
eficiência, tornou-se o método de treinamento oficial sugerido pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública – SENASP e vem sendo adotado integralmente pela
maioria das polícias brasileiras707

Com a inserção do método Giraldi, todavia, tal método não consiste numa instrução ou
disciplina propriamente ditas, para Nilson Giraldi, seu criador, o método estabelecido, trata-se
de uma doutrina:

O ―Método Giraldi‖ não é uma simples instrução de tiro, mas uma ―Doutrina da
Atuação Armada da Polícia e do Policial, com a finalidade de servir e proteger a
sociedade, e a si próprio‖, onde tudo aquilo que for possível solucionar sem uso da
força, sem tiros, sem ―bombas‖, sem ―invasões‖, sem colocar em risco a vida e a
integridade física das pessoas inocentes, assim o será. Mas se o disparo, como última

704
GIRALDI, Nilson. Método Giraldi - Tiro defensivo na preservação da vida. Publicado na revista ―A Força
Policial‖ da PMESP. Disponível em: <http://www.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/eef/giraldi.html>.
Acessado em: 25 nov. 2017. p. 1.
705
GIRALDI, idem. p.3.
706
GIRALDI, idem. p.2.
707
Boletim Geral Nº 113, de 17 junho 2004. Nota de instrução do X Curso de usuário de tiro defensivo na
preservação da vida método Giraldi. p.2.
279

alternativa, dentro dos limites da lei, tiver que ser efetuado, para preservar vidas
inocentes, incluindo a do policial, assim também o será. 708

A introdução do ―Método Giraldi‖ na formação de policiais objetiva a mudança de


cultura, de uma polícia violenta para a cultura de polícia forte, mas não arbitrária; mudança na
atuação, na qual antes o confronto era resolvido com ―invasão‖, tiros, bombas, com risco de
morte de pessoas inocentes e do policial, para uma cultura de ―negociação‖, preservando a
vida de inocentes, do policial, e a prisão do agressor.709

O treinamento com o método Giraldi traz significativas diferenças na compreensão do


tiro policial, abandona a cultura de morte importada da instrução de tiro das Forças Armadas,
muito especialmente do Exército para assumir a cultura de preservação da vida, a começar
pela do policial, ao agressor aplica-se a Lei.

A disciplina ―Armamento, Munição e Tiro‖ desde a origem da Academia Cel.


Fontoura vem sendo ministrada com poucas variações na carga horária, entretanto, o que
passou a ocorrer foi a mudança na doutrina introduzida pelo método de treinamento como nos
informa em entrevista Eledilson Oliveira, precursor e instrutor do método no Pará:

Antes do método Giraldi usava-se a frase: ―preparar, apontar e fogo à vontade‖.


Mudamos a metodologia e também a nomenclatura dessa história.
Agora não deve existir mais APONTAR. Não vamos apontar, vamos verbalizar:
―Atenção cidadão, aqui é a Polícia Militar do Pará, estamos aqui para preservar sua
vida [...]‖. (Cel Eledilson).

Sobre a disciplina ―Armamento, Munição e Tiro‖, apresentamos as variações da carga


horária ao longo dos anos na APM no momento da ―Fontourinha‖, chegando no máximo de
192 horas, e na APM/IESP, a realização de 170 horas, e a recomendação de 110 horas de
carga horária da SENASP.

A disciplina ―Amamento, munição e tiro‖ tem por finalidade capacitar o policial para
o manuseio de armas com menor potencial ofensivo utilizado pela instituição, no intuito de
promover conhecimento sobre técnicas de tiro policial (tiro de precisão, tiro sob estresse, tiro
noturno, intuitivo, dentre outros), e estimular o policial a atuar de acordo com o
escalonamento do uso progressivo e diferenciado da força.710

708
GIRALDI, Nilson. Método Giraldi - Tiro defensivo na preservação da vida. Publicado na revista ―A Força
Policial‖ da PMESP. Disponível em: <http://www.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/eef/giraldi.html>.
Acessado em: 25 nov. 2017. p.5.
709
GIRALDI, idem. p.6.
710
PASSOS, Andréa da Silveira et al.idem. 2014. p.219.
280

Afora o uso de munição real, passaram a ser incluídos para o treino da atuação policial
militar, o ‗armamento não letal‘, que passou a ser chamado ―menos letal‖, como gás
lacrimogêneo, spray de pimenta, bomba de efeito moral, armas de choque (taser) e de tiro de
borracha. A utilização de armamentos menos letais visa atender a uma exigência da política
dos Direitos Humanos, quanto ao uso escalonado ou progressivo da força, em conformidade
com as diversas situações: rebeliões de detentos, apreensão de drogas, assaltos com reféns,
cumprimento de mandados de prisão, protestos e interdição de vias públicas, brigas de
torcidas rivais de futebol, dentre outras711.

Um exemplo para entendermos melhor é a disciplina Armamento, Munição e Tiro,


que outrora era focada apenas na prática, com a exigência da SENASP, passava a ter
transversalidade com Direitos Humanos ou o professor poderia adotar o método Giraldi.

Percebo que há uma diferença da APM para o IESP, até mesmo por uma questão de
transformação social, a formação atual, no IESP é menos militar, e mais policial,
entretanto, acredito que isso é uma marcha ainda em evolução, pois forjar o caráter
de um policial, com todos os atributos que este precisa para atuar nas atividades
inerentes a labuta policial, sem o militarismo, ou frouxamente fundamentado na
escola de formação, dá origem a oficiais fracos, mal acabados, sem pulso, e sem
brio, sem a ―liga‖ necessária e inerente para lidar com as diversas facetas que a
profissão exige. Do que adianta saber usar a arma de fogo, se você não tem coragem
de puxar o gatilho? Ou não tem estrutura para puxar o gatilho? Ou não tem caráter
para assumir as responsabilidades de puxar o gatilho? (Ana Christina, Cadete, 1992)

4.3.4 ―Ordem Unida”

A disciplina “Ordem Unida” é outra que merece destaque no percurso investigativo,


relacionado a ―Fontourinha‖ e a APM no IESP, por se tratar de uma disciplina que faz parte
na essência da formação militar, está presente em várias Academias nacionais e
internacionais, e é ministrada durante o período dos três anos do curso.

Nas fotografias abaixo (Figuras 34 e 35), visualiza-se os pelotões de cadetes, da


Academia Coronel Fontoura em treinamento com ‗Ordem Unida‘, no pátio do IESP. A turma
encontra-se uniformizada, perfilada, manifestando elementos simbólicos da cultura militar.

711
Em 2012, foi criado no Pará, o Grupo de Recobrimento Tático Operacional, dentro do Comando de
Policiamento da Capital e do Comando de Policiamento da Região Metropolitana, uma formação específica para
80 policiais, cuja a atuação é o enfrentamento de distúrbios, com a utilização de armas menos letais, reduzindo
assim a empregabilidade do segundo esforço da corporação, que acontece quando da utilização das unidades
subordinadas ao Comando de Missões Especiais (Companhia de Operações Especiais, Batalhão de Choque,
Regimento de Polícia Montada, e da Companhia de Cães. A atuação policial militar, mesmo com a utilização
escalonada do armamento menos letal, torna-se alvo de severas críticas por alguns segmentos, pelos danos
causados a manifestantes.
281

Figuras 34 - 35 - Treinamento com ‗ordem unida‘ no pátio do IESP.

Fonte: Arquivo pessoal do Heyder Nascimento.

No Pará, essa disciplina está presente desde a criação da Academia em 1991.


Entretanto, ao longo dessas 17 turmas, a carga horária foi constantemente modificada,
variando no período de 1992 a 2001, com o mínimo de 130 horas e o máximo de 304 horas.
Posteriormente, a SENASP sugeriu na nova Matriz Curricular Nacional que a referida
disciplina fosse realizada com carga horária de 20 horas, reduzindo consideravelmente o seu
conteúdo. A redução de horas sugeridas pela SENASP não foi acatada pela gestão da APM,
sendo considerada inadequada, a uma unidade de ensino militar cuja as características seguem
a doutrina policial militar. Abaixo a análise do Cel Emilio, gestor naquela ocasião:

[...] Mexemos muito também na matriz de formação, ela estava um tanto quanto
defasada em relação a muitos conhecimentos que não faziam parte ainda dessa
formação. Digamos [...] Chegou um ponto de haver pressão para que fossem retiradas
a Ordem Unida e a Educação Física. Houve uma proposta de redução muito
drástica, dessa Ordem Unida, e a gente teve que brigar, porque era algo impensado
para uma Academia de Polícia e uma Polícia dita militar. A menos que houvesse uma
mudança muito drástica também na legislação no sentido de desmilitarizar. Mas não
era o caso. Enquanto a gente for militar, não tem como abrir da ordem unida.
Logicamente que a gente não vai pensar que a formação seja só militar. Mas tem que
ter a sua parcela militar importante dentro dessa formação. Principalmente para aquele
que vem da vida civil. (Emilio, Aspirante a Oficial, 1991).(grifo nosso)

Posteriormente, a disciplina ―Ordem Unida‖, mesmo não tendo havido redução para
20 horas conforme proposta pela SENASP, sofreu variações na carga horária e a partir de
2012, passou a ser ministrada com carga horária de 70 horas. Entretanto, seu conteúdo e
competências permaneceram buscando, no sentido de abordar o cumprimento de ordens, o
respeito à hierarquia da Corporação, as formalidades, técnicas de evoluções, padrões de
conduta e de ordem unida nos desfiles cívico-militares.
282

4.3.5 Defesa pessoal

A Defesa Pessoal é uma técnica necessária ao profissional policial militar, para que
possa agir no tempo exato ou com antecipação, evitando maiores desdobramentos na
ocorrência policial. Na fotografia (Figura 36), constata-se uma aula prática de defesa pessoal
realizada no tatame, em um galpão, nas instalações do antigo complexo do comando geral da
PMPA, localizado na Av. Dr. Freitas com a Av. Almirante Barroso, em Belém, as quais
foram modificadas para funcionar o atual Palácio dos Despachos da governadoria do estado.

Desde a criação da APM Cel. Fontoura, a instrução de ―Defesa pessoal‖ constitui-se


como uma disciplina que acompanha o cadete durante os três anos do Curso de Formação de
Oficiais, à qual se dedica uma carga horária que tem variado de 90h a 180h.

Figura 36 - Instrução de Defesa Pessoal para os cadetes.

Fonte: Acervo pessoal de Heider Martins.

Segundo a SENASP, como competências da disciplina ―Defesa Pessoal‖, o cadete deve:


Ter capacidade de aplicar as técnicas de defesa pessoal. (treinamento continuado).
Ter capacidade de aplicar técnicas não letais de imobilizações policiais.
Ter capacidade de executar técnicas de defesa em razão de ataques com armas
comuns e de fogo a curta distância.
Ter capacidade de substituir sempre que possível o uso de instrumentos
contundentes, tais como bastões, por técnicas eficazes de defesa pessoal policial. 712

712
PASSOS, Andréa da Silveira et al. Matriz Curricular Nacional: Para ações formativas dos profissionais da
área de segurança pública.. Brasília-DF: Ministério da Justiça. SENASP, 2014. p.215.
283

4.4. ESTÁGIO DE OPERAÇÕES EM AMBIENTE DE SELVA – EOPAS

Outra instrução que lembra o treinamento do Exército brasileiro consiste na disciplina


Estágio de Operações em ambiente de Selva – EOPAS. Deve-se considerar, que muito
embora o emprego de policiais seja frequentemente visto nas cidades, o meio urbano não é o
único alvo das ações policiais de combate ao crime e à violência. Além do que, a APM
Coronel Fontoura, pelo fato de estar inserida na imensa Região Amazônica, com sua
vegetação e hidrografia peculiares, faz jus minimamente de um treinamento de sobrevivência
em ambiente de selva.

Como é próprio das instituições militares, a realização de operações do tipo EOPAS, a


qual exige um relevante aparato e emprego de vários agentes, demanda a publicação de uma
‗nota de instrução‘ relacionada ao modus operandi, da execução e o desenrolar da atividade.

• NOTA DE INSTRUÇÃO Nº 002/APM – 2012:


[...] Neste dia, os alunos serão privados de alimentação sólida, ficando somente com
água, até por volta das 18:30h, onde será servido aos mesmos uma ―alimentação‖
com frutas e alimentos existentes na selva desde o início da instrução, sendo
ensinado e explicado a questão da obtenção de alimentos e água em área de selva, os
procedimentos de higienização e impermeabilização do corpo, cuidados com o
armamento e com o equipamento, noções de patrulhamento rural e montagem de
―redário‖, montagem e busca de armadilhas unipessoais entre outras instruções,
utilizando os nuances do terreno apresentado.713

A nota de instrução, publicada no Boletim Geral da instituição, originalmente assinada


como ato do Diretor de Ensino e Instrução da PMPA, a quem se subordina a Academia de
Polícia Militar, discorre sobre a finalidade do EOPAS, os objetivos, a programação diária, os
conteúdos das instruções, a alimentação, o tratamento dispensado aos alunos, e todos os
outros detalhes, inclusive a realização de exercícios físicos específicos para manter os cadetes
com elevado nível de atenção e coesão grupal:

Como forma pedagógica de manter os alunos sempre atentos e aguçar a


maneabilidade individual ou em grupo, poderão ser utilizados exercícios físicos, como
o polichinelo com o armamento fuzil 7,62mm (equipamento desmuniciado), flexão de
braço com a mão aberta e a chamada ―completa‖, que se trata de 10 repetições de
polichinelo, 10 repetições de flexão de braço com a mão aberta e 10 abdominais tipo

713
Fragmentos da Nota de Instrução da disciplina Operações Policiais em Área de Selva, publicado no Boletim
Geral da PMPA nº142 – 03 de agosto de 2012, p.4-5.
284

remador. Não haverá qualquer tipo de contato físico com nenhum dos alunos. (grifo
nosso).

Assim, o EOPAS compõe a grade curricular do Curso de Formação de Oficiais e são


usadas como referências bibliográficas para sua realização, os Manuais de sobrevivência em
área, do Exército brasileiro714 e do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil:

Nossas instruções seguiam os regulamentos do Exército brasileiro, com aprendizado


de elementos e de técnicas semelhantes as deles. Fizemos o EOPAS, durante os três
anos de academia em Paudalho, baseado inteiramente no treinamento do Exército‖.
(Costa Vale, Cadete, 1992).

A realização do EOPAS requer realmente uma logística diferenciada, mas quando se


planeja, se vê toda a estrutura, parte médica, instrutores, dosagem correta de
atividades para preparar aquele policial, tudo dá certo. É uma atividade que com
planejamento, os riscos são quase zero, a não ser que o aluno tenha contato com
animais peçonhentos, é um risco. Mas sem dúvida nenhuma, o risco maior, é ele não
ter essa preparação, porque nossos policiais são destacados constantemente da
cidade para o interior. Se o oficial for destacado para o interior e não tiver essa
preparação de operações policiais na área de selva, ele vai colocar em risco a vida
dele, da tropa dele e vai deixar todo uma retaguarda de família, filhos descobertos.
(Rayol, Ex-Comandante da APM).

Os elementos e técnicas referidas no relato do entrevistado Costa Vale, constituem-se


de instruções diversificadas e convergem para o conhecimento teórico e prático de assuntos
que buscam auxiliar o futuro oficial no desempenho profissional. Rayol, por sua vez, em sua
narrativa enfatiza a necessidade do preparo do oficial, para correr menos riscos. Na Região
Norte, o conhecimento de questões relacionadas à topografia, orientação carta-terreno,
navegação no terreno e conhecimentos de sobrevivência, obtenção de alimentos de origem
animal e vegetal no meio da floresta; armação de rede de selva, obtenção de água e fogo;
armadilhas; nós e amarrações; orientação para a locomoção durante o dia e a noite; uso e
manuseio de armamento; munição; tiro noturno e diurno; rastejo, pista de progressão;
marchas noturna e diurna; pista de primeiros-socorros; noções de Patrulha Rural; construção
de abrigos, etc. tornam-se fundamentais:

Me recordo, que quando fui ser comandante da academia, já havia umas 3 turmas
que não realizava o estágio de selva. O que me disseram que a disciplina foi cortada
porque exigia preparação muito antecipada e que chegava a ser arriscada. Daí
indaguei como eu poderia formar o policial de forma completa, se não existia o
EOPAS que era uma disciplina fundamental para a formação policial militar na
Região Norte? A não realização do EOPAS sem dúvida era prejudicial para o
futuro oficial, para instituição e para a sociedade. Olha como as coisas acontecem
por exemplo: se eu tenho um mandato de prisão, como é que eu posso trazer 6 ou 3
elementos presos atravessando um rio? Que técnicas eu vou usar? De cabo

714
Manuais: C-21-30 Exército; EGGCFIP-31-16 Exército; EGGCF: Operações Rurais; IP-31-17- Exército
EGGCF: Operações Urbanas, CFN da Marinha do Brasil, C-21-18- Exército- EGGCF: Marchas de Tropas a pé.
285

submerso, de barco, de jangada? Se eu não tenho meio nenhum e só estamos eu, os


policiais e os presos. Como vamos fazer? Vamos ter que aliar técnica, tática e
recursos disponíveis no ambiente, e isso a gente aprende também no EOPAS.
(Rayol, Ex-Comandante da APM; grifo nosso).

O conteúdo dessa disciplina objetiva proporcionar ao cadete conhecimentos, diante da


complexa realidade regional do Estado e a aquisição de habilidades para o desempenho da
atividade policial militar, considerando as várias nuances dos terrenos, usando os meios de
orientação para sobrevivência do policial militar e de sua guarnição, em meio rural.

O EOPAS é uma possibilidade de uma formação completa para o cadete. O policial


militar na atuação profissional de repente se depara com uma realidade de ter que
passar 3, 4, 5 dias no sul do Pará dentro do mato, numa reintegração sem prática de
nada, ou muito pouca prática. (Emilio, ex-diretor do IESP).

As tarefas desenvolvidas fomentam, para além do aprendizado teórico, o espírito de


corpo, o companheirismo, a lealdade e a solidariedade entre os colegas, diante das condições e
circunstâncias adversas, tão peculiares à profissão policial militar.

[...] o EOPAS serve para diminuir o risco de haver erro do policial na sua missão. É
uma matéria que salva vidas, porque de fato prepara o policial. Por exemplo,
quando o oficial entra no terreno ele vai saber o que fazer, ele aprende não só
caminhar na selva de forma silenciosa, mas consegue averiguar se pessoas
caminharam há pouco tempo na mata, pelo galho quebrado, pela vegetação do jeito
que está, e o mais importante que durante a noite, quando a tropa está estabilizada
no terreno, ele saiba identificar por qualquer ruído, se é um animal, ou uma pessoa
caminhando, se mexerem em um armamento, ele sabe qual o calibre da arma,
identifica o barulho de um terçado, cheiro de combustível ou outro material que
possa estar sendo usado pela pessoa foragida ou transgressor, e que possa trazer
danos a terceiros. Então é uma disciplina fundamental para o policial atuar na nossa
região. (Rayol, Ex-Comandante da APM; grifo nosso).

Nas diversas atividades, o cadete é desafiado a resistir ao sofrimento físico, as vezes


proveniente de um uniforme molhado (frio), do cansaço, do sono, da sede e da fome e das
pressões emocionais que exigem superação, flexibilidade, raciocínio rápido, disposição,
coragem, de modo tanto individual, quanto coletivo.

A compreensão que eu tive é que a disciplina era muito útil, precisávamos estar
preparados para qualquer que fosse a situação. Porque em uma missão policial
militar, nem sempre vamos estar em condições favoráveis de comida, de dormida, e
mesmo do uso de banheiro para a nossa higiene. No caso do EOPAS, a gente
aprende coisas elementares para enfrentar e superar seja qual for a dificuldade,
principalmente em área rural. (Costa Vale, Cadete, 1992).

No Pará, a APM Cel. Fontoura, embora tenha possibilidade de utilizar incontáveis


áreas, ao longo dos anos, realiza o referido treinamento, na área de manobras do Exército
286

Brasileiro, no município de Nova Timboteua715, pela retaguarda e logística oferecida, como


registra-se nas fotografias a seguir (Figuras 37 e 38).

Figuras 37 e 38 - Estágio Operacional em ambiente de Selva.

Fonte: Acervo pessoal de Maxwell Matos.

Para algumas turmas de alunos oficiais PM, o referido estágio se configura como uma
disciplina a ser aplicada durante os três anos do CFO, executada de modo fracionado, com a
divisão da carga horária por cada ano. Todavia, existem Academias, que o EOPAS, é
realizado uma única vez, durante todo o curso.

A preparação para o EOPAS começa a ser programada com bastante antecedência, e


cada cadete tem a responsabilidade de preparar o seu enxoval, que é pensado, considerando a
aquisição de utensílios, a serem usados naquele período dentro da selva.

715
A base do Exército, no município de Nova Timboteua no nordeste paraense, é frequentemente cedida à Polícia
Militar do Pará. A área é ampla, com mata densa, igarapés e devidamente estruturada para a finalidade de
treinamento e instrução de sobrevivência. A cidade recebe este nome, desque que era vila de ―Timboteua‘,
localidade surgida às margens do rio Peixe-Boi que passa bem próximo ao município, onde havia grande
quantidade de Timbó - uma planta cuja raiz serve como veneno para o uso de pesca. A junção de Timbó ao termo
―Teua‖ que no vocabulário Tupi-Guarani significa ―Lugar de abundância‖, deu origem a Timboteua que significa
―Lugar em abundância de Timbó‖. Disponível em: http://novatimboteua.pa.gov.br/o-municipio/. Acesso em: 14
jan. 2018. No EOPAS, uma das instruções é a obtenção de alimentos com os meios que sejam possíveis, e a
referida localidade oferece possibilidade de captura de peixe.
287

Convêm ao cadete ter a habilidade para separar somente itens extremamente


necessários, evitando carregar peso excessivo, que poderá acarretar-lhe dificuldades na
realização da operação e sua sobrevivência.

A APM recomenda alguns materiais (Quadro 8).

Quadro 8 - Relação de Material Individual e Coletivo para os Alunos oficiais.

MATERIAL NECESSÁRIO AO EOPAS


1 Fuzil mosquetão 7,62mm
2 Mochila (de preferência preta), tamanho m
3 01 bússola
4 01 cantil com porta cantil para o cinto
5 Cinto de guarnição com coldre
6 01 cabo solteiro de 5 m preto ou escuro
7 Kit anotação - caderno plástico impermeável, - canetas marcadoras para
transparência preta, azul ou vermelha
8 Kit primeiros socorros - esparadrapo impermeável - sebo de holanda ou
vaselina sólida - gase - antisséptico (andolba716 ou álcool iodado ou
rifocina spray) tesoura pequena
9 Kit fogo - isqueiro - pastilha de álcool - álcool gel - pederneira717
10 01 canivete
11 Repelente spray ou loção
12 01 rede tipo garimpeira cor escura ou camuflada
13 5 m de retinida cor escura (verde oliva, preta, etc)
14 4 m quadrados de lona cadáver
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base na ‗Nota de Instrução‘
da disciplina Operações Policiais em Área de Selva 718.

No recorte temporal pesquisado nesta tese, o EOPAS foi predominantemente aplicado


ao segundo e/ou terceiro anos, como uma disciplina denominada de ‗Operações Policiais em
Área de Selva‘ (Figuras 39 e 40).

Minha turma participou do EOPAS durante vários dias na selva, no Centro de


Treinamento do Exército em Nova Timboteua. Foi um estágio muito bacana,
bastante adequado, onde usamos vários conhecimentos das disciplinas, como
patrulha, orientação, instruções de sobrevivência na agua, na selva, foi muito
marcante, ainda me lembro de detalhes do nosso treinamento. [...] Experimentamos
de fato como sobreviver. As equipes aprendiam como fazer teoricamente e depois
nós tínhamos a parte prática, superando nossos limites‖. (Edimar, Cadete, 1999).

716
Andolba é um creme dermatológico que contém três substâncias que se complementam (benzocaína,
triclosana e mentol) de ação rápida para alívio de dor devido ferimentos de moluscos e/ou coceira.
717
Pederneira é uma espécie de pedra que produz faísca mesmo estando molhada, de uso muito adequado em
ambiente de selva.
718
Boletim Geral da PMPA nº142, de 3 de agosto de 2012, p. 4-5.
288

Figuras 39-40 - Atividade ―falsa baiana‖ e transporte de ferido na mata.

Fonte: Acervo pessoal do cadete Edimar Costa – 1999.

A Figura 39 (à esquerda) exemplifica a técnica denominada de "falsa baiana", a qual


cada cadete tinha a oportunidade de executar. É uma manobra cuja principal habilidade
refere-se ao equilíbrio e possibilita a transposição de rios, igarapés e florestas ou de outros
obstáculos, muito adequada de ser aprendida para a aplicação nas missões policiais nesta
gigantesca área territorial de florestas.

A "falsa baiana"719, dependendo da altura, pode ser feita tanto com cabos de aço como
com o uso de cordas. Geralmente o cabo é fixado de uma árvore para a outra. Pode também
ser feita com duas cordas amarradas, paralelas, onde uma das cordas serve para apoiar os pés,
e a outra colocada mais acima e serve para o apoio das mãos.

A Figura 40 (à direita) mostra os alunos em um momento da instrução, executando a


imobilização e transporte de ferido na selva. Para tanto, utiliza-se materiais provenientes do

719
SOTER, Ricardo. A atividade "falsa baiana" no auxílio do equilíbrio em portadores de deficiência mental
moderada. Trabalho de Conclusão do Curso de Educação Física, Faculdade de Ciências Biológicas e da
Saúde, Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba-PR, 2005. Disponível em: < http://tcconline.utp.br/wp-
content/uploads/2014/01/A-ATIVIDADE-FALSA-BAIANA.pdf > Acessado em: 14 de janeiro de 2018.
289

próprio meio ambiente, tais como: galhos ou troncos de arvores, que são usados para a base
da maca, e cipós para as amarrações desses galhos.

Em sua atividade, o policial militar vivencia situações diversificadas e inúmeras


intercorrências. Além da aptidão física, o futuro oficial deve ser capaz de adaptar-se a situações
ambientais novas e árduas, nas quais o fator psicológico sempre estará presente nesse sentido,
quanto mais preparado o oficial estiver, mais eficiente será sua atuação, é o que esclarece
Calderaro, que foi instrutor de várias turmas de formação no CFAP720 e na APM Cel. Fontoura:

Nessas instruções de selva, é importante transmitir aos alunos, a união, a


solidariedade, a lealdade e a consciência de que um depende do outro, que não há
espaço para o individualismo, que todos estão destinados aos mesmos aprendizados
e desafios, e aquilo tiverem aprendido, com toda a certeza poderá lhes ser útil em
algum momento. (Calderaro, 1º CIFO-1991).

Na última década na APM/IESP, não somente os policiais combatentes que estavam


cursando o CFO, realizaram o Estágio de Operações em ambiente de Selva, como também, os
oficiais especialistas721 que realizaram o CADO – Curso de Adaptação ao Oficialato da
PMPA passaram a executá-lo igualmente.

Neste caso, trata-se da compreensão de que, no tocante ao ambiente de selva, convêm


haver preparação semelhante tanto para os combatentes, quanto para os profissionais de saúde
e do quadro complementar, isso porque inúmeras vezes, tais oficiais, são por diversas vezes,
empregados em missões em ambiente rural, para dar suporte e assistência preventivamente à
tropa de homens, mulheres e de animais (cavalos, cães e búfalos) que estava destacada,
cobrindo alguma missão ou acompanhando ocorrências de reintegração de posse, por
exemplo. E neste sentido, todos os profissionais devem estar aptos não somente a
sobreviverem como a desenvolverem os trabalhos em área rural, quanto escalados.

720
Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças.
721
São denominados de Especialistas os oficiais do Quadro de Saúde (médicos, dentistas, veterinários,
farmacêuticos, enfermeiros, fisioterapeutas) e do Quadro Complementar (psicólogos, assistentes sociais,
comunicólogos, terapeutas ocupacionais, etc.)
290

4.5 TREINAMENTO FÍSICO-MILITAR, CALISTENIA E CANÇÕES

―Treinamento duro, combate fácil, a sociedade merece‖ 722.

A disciplina treinamento físico militar, é uma das instruções que acompanha o cadete
durante os três anos do Curso de Formação de Oficiais, sendo uma disciplina valorizada e
para qual se dedica elevada carga horária. É estimulada para ser uma prática cotidiana, a fim
de se obter um condicionamento melhor possível, para um melhor desempenho, em qualquer
momento, sem que o policial se sinta desenvolvendo um esforço excessivo:

[...] Ter preparo em educação física, nem sempre é ter condicionamento exigido no
TFM. Porque existe a especificidades do treinamento físico. Daí a importância do
professor de TFM para preparar o aluno fisicamente pra que ele ganhe resistência
cardiorrespiratória, muscular. Porque existe uma resistência muscular localizada muito
grande que são os ombros para carregar peso, no caso do policial, colete, mochila,
armamento, etc. Também o TFM ajuda a criar resistência na andadura, no movimento do
quadril, porque é diferente para o civil realizar uma caminhada, e para o policial que vai
andar quilômetros dentro da mata. É fato, a necessidade de resistência, porque quando se
anda muito, se trava. A matéria do TFM é fundamental para a prática cotidiana do
policial. (Rayol, instrutor de TFM e ex-comandante da APM).

A instrução de preparação física policial militar não é uma descoberta recente, pelo
contrário, sua prática é defendida e encorajada como necessária para o bem-estar do servidor,
e de sua atuação profissional, ao longo dos anos, tendo sido publicado no Boletim Geral da
corporação, em 08/04/1938, que ―um dos objetivos da educação física policial militar é que,
por meio dela o policial se torna forte e sadio e mais acessível a outros progressos de ordem
intelectual e moral‖723, sendo uma prática incentivada no manual do aluno policial:

Nos tempos atuais, muito se tem falado em condicionamento físico. Na realidade a


atividade física é de suma importância para o bem-estar do indivíduo. Para que haja
um pleno desenvolvimento do corpo e o consequente equilíbrio do ser, deve existir
uma harmonia entre o trabalho, estudo, a parte psíquica e a parte física do indivíduo.
Para o Policial-Militar, a prática de Educação Física e Desportos é um lazer e acima
de tudo uma real necessidade, dado ao tipo peculiar de missão que esta incumbido
no dia-a-dia. Permanecer postado ou em deslocamento no posto de policiamento,
perseguir marginais, salvar pessoas que estejam se afogando, marchar, saltar e
cavalgar, são atividades que exigem uma preparação física do PM, para que tenha
êxito na sua missão.724

722
Frase usualmente falada pelo coronel Luiz Carlos Rayol e Vicente Neto, quando ministram treinamento físico
militar aos alunos oficiais.
723
Publicado no Boletim Geral de. In: MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do
Pará: pesquisa e compilação. – Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2012.
724
MACHADO, Francisco Ribeiro (Org.). Manual do Policial Militar. Diretoria de Ensino e Instrução da
PMPA. 1992. p. 262.
291

Segundo a doutrina das Forças Armadas, o treinamento físico para o militar é


imprescindível, como forma de dar atenção a sua saúde e a sua condição física para o
desempenho da função. A proposta do TFM, no modelo do Exército brasileiro fundamenta-se
por apresentar ―métodos de preparação, estímulos e sistemas de avaliação para que militares
cuidem bem de sua condição física, visando duas finalidades: a melhoria da saúde e a aptidão
para o desempenho de suas funções‖.725

Na Polícia Militar, sabendo da relevância do treinamento físico-militar para o


cotidiano profissional e do requisito estabelecido no tocante a obrigatoriedade do teste de
aptidão física- TAF, como um dos critérios para as promoções de ascensão na carreira militar,
alguns oficiais ao longo dos anos, se disponibilizavam à realização de cursos oferecidos
especificamente na Escola de Educação Física do Exército brasileiro. Dentre esses oficiais
encontra-se Emmanuel Leão Braga, um dos participantes nesta pesquisa:

O curso na Escola de Educação Física do Exército é um curso reconhecido como nível


superior. Trabalha em duas vertentes: uma, na técnica do curso de educação física e
outra voltada para o treinamento físico militar propriamente. Nosso curso tem a
duração de um ano. Temos um treino calistênico que os quarteis podem oferecer para
tropa. [...] O Exército lança seus manuais com base cientifica. As PTC726, PPM727,
imprimem um forte ritmo de natação, ritmo do treino físico militar. Que é produzido
com base no laboratório cientifico do Centro de Capacitação Física do Exército, ou
seja, há o experimento e a confirmação daquilo que funciona ou não. Por isso ele tem
essa magnitude, essa excelência, no preparo inclusive de grandes atletas, e faz de
modo diferente das universidades. (Leão Braga, Aspirante a Oficial, 1992).

Além da disponibilidade dos cursos do Exército, os oficiais interessados em serem


instrutores de TFM, também eram designados aos cursos de Educação Física Militar,
realizados nas Polícias Militares de outros estados, em parceria acadêmica como alguma
universidade brasileira, como foi o caso do Heyder Calderaro:

Em 1993 fiz um curso especial de Educação Física Militar em parceria da PUC-


MG728 com a Polícia Militar de Minas Gerais. As vagas eram para segundo tenente,
e a seleção envolvia natação, barra, salto em distância e atletismo. Ali vimos tudo de
metodologia de Treinamento Físico Militar. Ao voltar ao Pará, pelo aprendizado no
curso, tive condições de ser empenhado a participar das comissões de TAF 729. Fui
várias vezes membro da equipe avaliadora e outras vezes presidente da comissão
para a promoção de praças e de oficiais. Isso também me fez ser classificado durante
um tempo como chefe da seção de educação física do CFAP‖ 730. (Calderaro,
Aspirante a Oficial, 1991).

725
EXÉRCITO BRASILEIRO, Manual de Campanha - Treinamento Físico Militar C20-20. p.1.0. 4. ed. 2015.
726
Pista de Treinamento em Circuito.
727
Pista de Pentatlo Militar.
728
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
729
Teste de Aptidão Física.
730
Centro de Formação de Aperfeiçoamento de Praças.
292

O curso de Educação Física Militar do Exército, segundo relata Leão Braga, era
desenvolvido de modo completo, agregando teoria, prática e acompanhamentos no laboratório
científico:

No curso do Exército, fazíamos inclusive arbitragem. Arbitramos o triatlo


tradicional do Rio de Janeiro, arbitramos os jogos entre as escolas militares do
Exército, Aeronáutica e Marinha, tipo EsPCEx731, EPCAR732 e na AMAN733. O
Exército busca essa excelência, na ministração teórica e prática das disciplinas [...]
fisiologia, anatomia, psicologia do esporte, tudo que tem na grade curricular das
universidades é ministrado no centro do EB. [...] o corpo docente é composto de
mestres e doutores. O EB tem um laboratório cientifico que na época que eu cursei,
era referencial para as outras universidades como Gama Filho 734, como a Federal e a
Estadual do RJ.‖ (Leão Braga, Aspirante Oficial 1992)

Muito embora normalmente a educação física seja considerada com sinônimo de


treinamento físico-militar, como instrutor de TFM, Rayol trabalha com a necessidade de
diferenciação de ambos:

A diferença da educação física para o Treinamento Físico Militar é significativa. A


começar pela carga horaria, e conteúdo dispensados. A SENASP propõe como
carga horária para Educação física 120 horas. Essa carga é insuficiente para o
preparo da atuação policial. Eu, como profissional de educação física digo, porque
corresponde apenas 40 horas por ano, dividida nos três anos, e isso, jamais daria
para preparar o policial militar, para as missões que ele necessita enfrentar. Uma
carga horária dessa, apenas vai dar uma ‗noção‘ a ele. O que é educação física?
Como o próprio nome já diz, eu estou educando uma pessoa para a vida, para aplicar
os princípios do cuidado com sua saúde física. Na educação física ele sabe que vai
ter que cuidar do sistema cardiopulmonar, que não pode ficar muito pesado, que tem
que emagrecer, sabe qual o trabalho que ele precisa fazer para emagrecer. Qual o
trabalho que ele precisa, para ficar mais forte, que é uma musculação. Qual técnica
usar na água. É isso. Diferente do TFM, que requer uma dedicação intensa, a junção
de vários exercícios que produzam realmente condicionamento físico, para qualquer
situação. (Rayol, instrutor de TFM e ex-comandante da APM).

Na disciplina de Treinamento Físico Militar, os exercícios realizados simulam


situações de ocorrências no dia a dia, em que o policial pode ser acionado. O TFM implica em
agilidade, menor tempo resposta, resistência cardiopulmonar, equilíbrio, rapidez, força,
precisão de movimentos, busca de abrigo no momento de confronto, exigindo do cadete que
aprenda por meio de exaustivos treinos, os elementos da técnica e da tática policial. É pela

731
Escola Preparatória de Cadetes do Exército, localiza-se na cidade de Campinas, estado de São Paulo.
732
Escola Preparatória de Cadetes do Ar é uma instituição de ensino da Força Aérea Brasileira, sediada em
Barbacena, Minas Gerais.
733
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
734
Universidade Gama Filho Fundada em 1939 pelo Ministro Gama Filho, foi a primeira instituição privada
brasileira de ensino superior, na cidade do Rio de Janeiro, recebendo o título de Universidade em 1972.
293

constante dedicação ao treinamento, que o corpo vai sendo mais adestrado e ao mesmo tempo
se habilitando para o desenvolvimento de tarefas.735

O objetivo do Treinamento Físico Policial Militar na formação, segundo entrevista do


Vicente Neto736, é a preparação do policial, para que desenvolva bem seu trabalho, com
resistência, versatilidade, qualidade, independente do contexto e das condições que se apresentem:

Na carreira militar, o treinamento físico é imprescindível[...]. A metodologia do


treinamento, adestra o policial para qualquer situação que ele venha enfrentar, que
vão exigir dele folego, rapidez, desempenho [...] afora a aptidão física, o TFM
agrega valores ao espírito de corpo da turma, ao espírito militar. (Calderaro,
Aspirante a Oficial, 1991).

Analiso que, para além da justificativa operacional de preparação do policial, que se


credita ao treinamento físico tão exigente, haja também significativa atenção endereçada ao
corpo, que pode ser compreendida na perspectiva de Foucault sobre o disciplinamento,
obediência e docilização, quando o autor afirma: ―ao corpo que se manipula, se modela, se
treina, obedece, responde, se torna hábil e as forças se multiplicam‖737

Para o adequado condicionamento físico do cadete constam nas unidades didáticas da


disciplina, o planejamento do circuito de atividades. No treinamento, são praticados variados
tipos de exercícios: rolar, levantar, pular, saltar, rastejar, sempre objetivando, treinar o futuro
oficial para atuação nas diversas ocorrências profissionais e diferentes tipos de terrenos.

Observa-se nas fotografias a seguir (Figuras 41 a 44), que o pelotão se encontra em


‗posição de sentido‘738, para dar início a atividade física. Isso nos faz compreender que a
disciplina conjuga outros conteúdos transversais, relacionados a outras disciplinas, como por
exemplo, a disciplina de ―ordem unida‖. Observa-se também nas fotografias, que o TFM é
desenvolvido nos diferentes cenários, ora correndo em ruas asfaltadas, ora no areal, debaixo
de chuva com fardamento encharcado, acenando para um tipo de preparação que busca a
aproximação mais fidedigna com realidade que o oficial poderá se deparar. Além disso, por
meio do TFM, o cadete compreende a necessidade de fazer valer o ‗espírito militar‘, a

735
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
736
Antônio Vicente da Silva Neto foi cadete em 1993 e tornou-se instrutor de TFM na APM Cel. Fontoura.
737
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.117.
738
―Posição de Sentido‖ é um comando militar, que o comandante de um grupamento, tropa ou pelotão ordena
aos subordinados para que fiquem em uma determinada posição. Esta posição consiste em o subordinado
ficar rígido, com as mãos espalmadas juntas às coxas e os braços ligeiramente curvos. As pernas deverão
permanecer esticadas e entre os pés deverá haver uma abertura de 30°. Os olhos deverão mirar a frente,
paralelamente ao chão. A posição de sentido pode também ocorrer quando um militar se dirige a outro mais
antigo, em posição de respeito e subordinação. Esta posição também é tomada ao cantar o hino nacional.
294

vibração, diante das condições adversas, reveladas para ludibriar o cansaço, frente as várias
exigências no percurso do Treinamento.

Figuras 41-44 - Treinamento Físico Militar dos cadetes.

Fonte: Acervo pessoal de Maxwell Matos e Heider da Silva Martins.

Em virtude do preparo físico promovido, o TFM tornou-se uma disciplina de caráter


obrigatório para todos os cursos de formação, seja de oficiais ou de praças combatentes e
especialistas. Entretanto, a disciplina é estimulada para ser uma prática cotidiana, a fim de se
obter um melhor condicionamento possível, para melhor desempenho em qualquer momento,
sem sentir-se empreendendo esforço excessivo.

Analisando os desafios e peculiaridades do ambiente amazônida, uma demanda


característica da região é de que o policial tenha boa desenvoltura em natação. Isso em virtude
295

da vasta rede fluvial e lacustre correspondente a 50 mil quilômetros de extensão739, tendo a


maior bacia hidrográfica do mundo, com 25 mil quilômetros de rios permanentemente
navegáveis na parte brasileira740.

O Pará, como estado do norte brasileiro, recebe a bacia amazônica, bem como seus
afluentes e subafluentes, e acentuada quantidade de lagos, igarapés e furos, sendo os rios, para
alguns municípios ribeirinhos e para o arquipélago do Marajó, a principal via de circulação741.

Em razão disso, dentre as várias atividades desportivas, foi introduzida na Educação


Física Militar da APM, a modalidade de natação, em decorrência de ter sido identificada uma
deficiência, na qual a maioria dos alunos de uma certa turma não sabia nadar, e que, nesse
cenário amazônida, por ser o Pará um estado ribeirinho, justificava-se que os oficiais tivessem
a habilidade da natação como um dos requisitos na atuação policial militar.

A compreensão que se tinha era de que se fazia necessário o aprendizado de natação, e


a dedicação de horas da disciplina, para a superação dessa deficiência na turma tal informação
foi apresentada na narrativa de Emilio742:

[...] O Cesar743 impôs um ritmo completamente diferente na Academia. Naquela


época eu não era gestor, eu era Coordenador de Ensino Superior, e quando sentamos
juntos, começamos a ver as necessidades daquela turma. Então, o Cesar identificou
que metade dos alunos em formação, não sabia nadar. Aí, veio a questão: Como a
gente vai fazer isso? Então decidimos: vamos ter as demais aulas até as 16 horas da
tarde, depois, das 16 às 18h, vamos botar todo mundo dentro da piscina do IESP. Os
que sabem nadar vão pegar maior condicionamento físico, e os que não sabem, vão
aprender a nadar, como uma obrigação e aprimorar. (Emilio, Aspirante a Oficial,
1991, e diretor do IESP).

O treinamento físico-militar não objetiva somente a manutenção da qualidade de saúde


pessoal do aluno, é reconhecido como um elemento necessário por possibilitar melhor
condicionamento físico, resistência cardiopulmonar e destreza manual para o desempenho das
tarefas relacionadas à atividade profissional, que exigem, por exemplo, resistência em ficar de
pé por muitas horas, suportar os pesos do armamento e do colete, condições físicas para correr

739
LINS, João Tertuliano. Reflexões sobre a navegação fluvial na Amazônia. In Embarcações, homens e rios na
Amazônia. Belém-PA: Editora Universitária – UFPA,1992. p.73.
740
LINS, idem, 1992. p.74.
741
NOGUEIRA, Ricardo José Batista. A navegação interior. In: Amazonas, um estado ribeirinho. Editora
Universidade do Amazonas. Manaus-AM. 1999. p.41.
742
Coronel Emilio Ferreira foi Coordenador de Ensino Superior no IESP, posteriormente Diretor do IESP e em
outubro.2014 foi nomeado Diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos.
743
Trata-se do Tenente Coronel César Maurício de Abreu Mello, que em março de 2010 foi nomeado chefe da
Divisão de Ensino da APM Cel Fontoura, o qual empenhou-se na realização de treinamento físico militar,
com a introdução da modalidade de natação.
296

em perseguição, etc. O treinamento físico-militar pode ser, inclusive, agregado ao


aprendizado da disciplina de ―defesa pessoal‖, na qual o cadete precisa estar familiarizado
com técnicas, conhecimentos, procedimentos para serem aplicados numa situação a qual em
razão do perigo ou de ameaça, requer reação com o uso de técnicas não letais de
imobilizações policiais.

Das narrativas dos entrevistados Heyder Calderaro, Rayol, Leão Braga, Vicente e
Verena Magalhães, todos instrutores de Treinamento Físico Militar, depreende-se as diversas
modalidades de exercícios físicos e suas composições, apropriadas ao condicionamento do
policial militar:

 Corridas de rua por vários quilômetros no entorno da Academia no município de


Marituba ou na BR 316, com vários tipos de obstáculos, dentre os quais: paredes,
calçadas altas, pneus, barris, figuras que imitam pessoas reféns;

 Marcha a pé - por muitos quilômetros que podem durar 06 horas, 12h até 20h. O
objetivo é a prática da resistência, e adequada andadura, em longos percursos. Os alunos
se deslocam fardados, armados e equipados com mochila, cantil, lanterna, lanches, kit de
primeiros socorros, roupas cinto de guarnição, etc. Na marcha se caminha por 50
minutos em fileiras, uma a cada lado da estrada ou rodovia, com parada ou
estacionamento de 10 minutos para descanso, alimentação, e outros cuidados. É
geralmente realizada no período noturno.

 Subidas na torre do IESP, pela escadaria, que se assemelha a um edifício de quatro


andares, sem elevador;

 Subidas na passarela de pedestre, na BR 316 em frente do IESP que se assemelha a


extensas ladeiras, condicionamento do policial em terrenos com aclives e declives;

 Rastejos pelo chão ou pelo gramado, onde cada cadete carrega seu armamento,
segurando-o de modo correto, o qual na condição de treino, a pistola encontra-se sem
munições, apenas para efeito de instrução, para que o cadete se adapte ao peso de seu
armamento e manuseio rápido, em condições desfavoráveis, tais como o cansaço e
com o corpo em movimento;

 Corrida com carregamento de peso nos ombros, imitando o peso de sua bagagem, do
colete balístico, do armamento ou o possível resgate a um companheiro de guarnição que
foi ferido.
297

Desde a criação da Academia Cel. Fontoura, o cadete é estimulado à participação em


atividades desportivas individuais e competições em equipe, como descreve Calderaro:

Em 1994 a APM foi inserida nos jogos acadêmicos das Polícias do Brasil, todas as
academias podiam participar. Era o JAPBM-BR744 tínhamos disputas nas várias
modalidades, futebol, vôlei, basquete, judô. Também realizávamos aqui no Pará os
―Jogos da Amizade‖ entre as Academias locais (NPOR, CIABA, APM). Os jogos
aproximavam todos os cadetes. Primávamos pela união, companheirismo e
competição salutar. Todos se envolviam na preparação para os jogos, de domingo a
domingo. Era muito bom‖. (Calderaro, Aspirante a Oficial, 1991)
Nos três anos também participávamos dos jogos Acadêmicos, onde tínhamos
treinamento esportivo três vezes na semana, além das atividades de Educação Física
e Judô, ou seja uma atividade desportiva intensa, durante os três anos de formação
para ganharmos condicionamento. (Lima e Silva, Cadete, 1989).

A prática desportiva era bastante incentivada. Nós participávamos de jogos acadêmicos


com outras Academias Policiais Militares do Brasil. Geralmente era selecionada uma
equipe, dos melhores cadetes naquela modalidade para que pudessem concorrer. Eu
mesmo ganhei várias medalhas e troféus na competição de ‗tiro rápido‘ e ‗tiro defensivo‘
nos jogos de Gramado do Rio Grande do Sul. (Costa Vale, Cadete, 1992).

Tais competições em âmbito da formação policial tem a finalidade de despertar


companheirismo, respeito ao adversário, equilíbrio emocional em meio a pressão, controle da
ansiedade, etc. Já no IESP, de posse do conteúdo e aprendizado calistênico, as turmas de cadetes
são estimuladas a se envolver em outros tipos de atividades desportivas, como observa-se na foto
abaixo, uma fração de cadetes comemorando a premiação, ao término de uma competição de
Corrida rústica no Parque Estadual do Utinga em Belém (Figuras 46 e 47).

Figuras 46-47- Premiação de cadetes em atividades desportivas.

Fonte: Acervo pessoal de Heider da Silva Martins.

744
Jogos Acadêmicos da Polícia e Bombeiros Militares do Brasil.
298

Há, entretanto, nesses exercícios do circuito policial militar, pequenos detalhes que
não podem ser ignorados no treino, por exemplo, a corrida, exige parâmetros peculiares na
calistenia militar, na qual o tronco do corpo do militar deve estar ereto, mesmo com o peso
dos equipamentos ou da mochila. O armamento, que geralmente o cadete carrega durante o
treino, é o fuzil, o qual deverá estar em posição aproximadamente a um palmo de distância do
peito, os joelhos devem ser elevados mais ou menos no ângulo de 90º até que as coxas fiquem
paralelas ao solo enquanto o cadete executa a corrida745.

A aplicação da abordagem calistênica nos treinos, por ser uma técnica reconhecida no
treinamento físico militar é promotora de bons resultados para o fortalecimento e coesão do
grupo e espírito de corpo, elementos extremamente necessários para a atuação profissional.
As missões policiais militares, por sua diversificação, tem no TFM, o recurso para o êxito do
trabalho sem que ninguém seja deixado para trás, por exemplo, numa operação de
reintegração de posse no meio da mata:

A reintegração de posse é vista como urgente e necessária pelos interessados que


tiveram o seu patrimônio invadido. Mas não é uma questão simples. Por exemplo,
fomos chamados para uma dessas missões de reintegração muito longe. Nós
chegamos a um município, do município nos deslocamos para uma fazenda. A
fazenda de tão extensa que era área, tinha 12 sedes, e o caminhão ou carro não
entrava lá, tivemos que fazer o percurso a pé. Todos os policiais carregando seu
fuzil, seu colete balístico, seu equipamento, sua alimentação, sua roupa. Você já
pensou o que é andar com todo esse peso, por 20 ou 30 quilômetros a fora? No meio
do mato, ou da lama, no sol, na chuva? Aí entra a importância do TFM, para o
preparo do policial, que se ele não estiver bem fisicamente, da coluna, do pé, ombro,
ele vai fadigar, vai ficar no meio do caminho, nem chega no objetivo final, e ainda,
desfalca a equipe. (Rayol, Instrutor de TFM).

Na profissão policial militar, todas essas atividades de TFM, de condicionamento


denotam uma finalidade, um sentido para a operacionalidade.

Quando a missão é de reintegração de posse, por esses municípios do interior do Pará,


o policial já sabe que vai carregar muito peso, andar muito. Mas existem outras
missões na cidade que vão exigir também o mesmo condicionamento, por exemplo, no
radiopatrulhamento. O policial sabe que durante o atendimento das ocorrências ele vai
correr pequenas distancias e com rapidez, e vai se levantar muitas vezes, vai sair e
entrar na viatura. Então tem que preparar a coluna, fortalecer os ligamentos do joelho,
porque quando ele sair da viatura, ele faz a rotação do joelho para fechar a porta, ele
corre 100 ou 200 metros rápido. Ou ainda, o policial militar do Regimento de
cavalaria, que precisa ficar montado ou cavalgando por horas fazendo policiamento,
precisa preparar sua coluna lombar. Todas essas atividades exigem treinamento físico
para diminuir o desgaste ou o impacto sobre a saúde desse policial. Por isso, a
necessidade de treinar; e treinar é capacitar. (Rayol, Instrutor de TFM).

745
Exército Brasileiro, idem, 2015.
299

De modo geral, nas narrativas dos sujeitos, instrutores de treinamento físico militar/
calistênico, ou dos próprios atletas competidores, podemos depreender, a relevância e a
complexidade da qualificação policial para a obtenção de adequado desempenho profissional.

No tocante aos demais militares, o Exército brasileiro disponibiliza, por meio do


manual de treinamento físico militar746 - quais técnicas se adequam ao eixo calistênico do
curso a ser aplicado à tropa, por meio do qual são organizadas as ginásticas preparatórias,
básicas e avançadas747, como discorre em sua narrativa Leão Braga:

[...] treinamento em circuito, nas barras paralelas, os pesos que são utilizados nas
academias são trabalhados na parte calistênica. Por outro lado, temos disciplinas como
basquete, vôlei, futebol, esgrima e atletismos que nós fazemos com ênfase total. Na
modalidade atletismos, fazemos a prática, estudo técnico e teórico. E todas as provas de
campo e pista, como exemplo arremesso de peso e de dardo, salto em distância, salto em
altura, salto com vara, prova de 10, 200, 400, 1500 metros. É um curso voltado para
execução do que você vê na teoria. (Leão Braga, Aspirante a Oficial 1992)

Na APM/IESP, como parte do treinamento, os cadetes desenvolvem outras atividades


físicas, tais como, natação, subida na corda, rapel na torre, etc. sempre com o objetivo de
consolidar os elementos da técnica e da tática policial, porque em algum momento na atuação
policial militar, esses conhecimentos adquiridos, poderão ser úteis e empregados.

4.6 HINOS E OUTRAS CANÇÕES DE TREINAMENTO POLICIAL MILITAR

No Treinamento Físico-Militar, as canções merecem destaque especial. Estudos


demonstram que as melodias, canções e músicas se constituem importantes ferramentas
metodológicas para o enfrentamento positivo, de diversificadas situações, principalmente pela
correlação simbiótica existente entre música e corpo.748

As descobertas das neurociências abordam indícios dos efeitos psicológicos e


fisiológicos manifestados pela música749 no cérebro, e muito provavelmente são esses estudos

746
Exército Brasileiro. Manual de Campanha - Treinamento Físico Militar C20-20. 3ª Edição 2002.
747
Exército Brasileiro, idem, 2002.
748
SACKS, Oliver. Alucinações musicais. São Paulo-SP: Companhia das Letras, 2007.
749
MARQUES, José Roberto. Músicas de motivação para vida e trabalho. Master Coach Sênior e Trainer
Instituto Brasileiro de Coaching. 2017. Disponível em <www.ibccoaching.com.br.>. Acesso em: 18 nov.
2017.
300

que fundamentam o seu aproveitamento nas academias esportivas civis, como apoio aos
atletas, produzindo descontração, alegria e ritmo durante a prática de exercícios.

Devido esses efeitos no organismo, em âmbito militar, as canções são empregadas


como ferramentas, para marcar principalmente a cadência, o ritmo, a respiração e a
resistência, aplicadas geralmente quando o pelotão está em deslocamento. As canções, dão um
gás a mais no exercício. Geralmente são puxadas pelo guia, que corre ao lado do pelotão,
entoando versos ou gritando palavras de ordem que são repetidas pelos cadetes. Esses por sua
vez, repetem os versos, cantam em uma só voz, acompanhadas de palmas, numa
demonstração de energia, vibração e mesma entonação (Figura 48).

Figura 48 - Pelotão de cadetes no TFM entoando canções.

Fonte: Arquivo pessoal de Maxwell Matos.

A percepção de Heyder Calderaro que foi instrutor de TFM para várias turmas de
policiais militares: praças e oficiais, é que as canções produzam motivação, solidariedade e
coesão, que pouco importa se o pelotão está correndo sob o sol intenso, ou debaixo de chuva,
ou ainda com equipamentos pesados, o que importa no treino, é a superação, de qualquer que
seja adversidade:
301

Nosso objetivo é sempre todos juntos... ninguém pode ficar para trás. Essa ideia de
ninguém ficar pra trás, é muito bacana, traduz a ideia de um só corpo, de coesão no
pelotão.
[...] De repente como uma estratégia de igualdade entre os pares, ou de
solidariedade, a gente coloca o mais lento do pelotão, para puxar a corrida, ele vai
ditando a cadência para todo o pelotão, conforme seu próprio ritmo, assim, todos
correm juntos.
Isso é sem dúvida uma lição que se reflete para a prática policial militar: de
solidariedade, companheirismo, e de abordagem. Nunca se deve deixar o colega pra
trás. E as canções pra que canções? Elas são super bacanas, dão muito mais
descontração, mais alegria e entusiasmo aos treinos, mesmo no cansaço, tem que ter
entusiasmo.
Entendo, que o treinamento militar traz diferença de todas as outras formações,
porque produz uma rotina diária de condicionamento, de solidariedade, de
descontração e de adestramento‖. (Calderaro, Aspirante a Oficial, 1991).

Frequentemente as canções usadas no TFM750 são inspiradas em situações cotidianas,


às vezes vivenciadas entre os próprios alunos, outras, têm versos engraçados, jocosos, com
tom de humor, e algumas das letras dessas canções, envolvem a figura da mulher, nesse tom
de humor, por exemplo:

Quando eu era menino ... Minha mãe sempre dizia


Que eu tinha que dá valor ... A tudo que ela fazia...
Mas o tempo foi passando ... isso de mim não saía
Foi um dia especial, ... que eu fui embora pra Polícia
Olha mamãe, olha eu tô aqui
Eu disse que a senhora ia se orgulhar de mim.
Carrego no meu peito um símbolo estadual,
Seu filho.... se tornou um policial

Olê mulher rendeira/ olê mulher rendar/


Ô tu me ensina a fazer renda/
Que eu te ensino a patrulhar/ a noite é minha amiga/
A chuva a minha companheira/pois nesse solo em que tu pisas/
Eu patrulhei a noite inteira

O braço está cansado de tanta flexão; e se não parar vai morrer do coração; iaiaia eu
não tou nem aí; se tu não aguenta então pede pra sair; mas que guerreiro és tu que
não aguenta ralação; pega a tua gravata e volta pra seção; fica aí chorando porque
cheira um gásinho; quer que eu tenha pena dessa cara de beicinho; por isso corre um
pouco e já está passando mal; veio porque quis, sabia que era pau; sabia que era pau,
veio porque quis; é pra lascar papai, é pra lascar papai; coordenação raça... aiaiai.
Não Posso Parar, Não, não; Não posso parar, Se eu paro eu penso, Se eu penso eu
paro. Não, não, não posso parar ... Se eu paro eu penso, Se eu penso eu choro.
Não, não é ruim seria melhor se fosse pior ... Seria pior se fosse melhor.
Tem alguém cansado aí? Não senhor! Aqui não tem cansado, nem tão pouco
apagadão! Aqui só tem recruta o melhor da região!‖

750
As canções apresentadas aqui, me foram repassadas pelo Tenente Coronel Júlio Idelfonso Ferreira, instrutor
de Treinamento Físico Militar da APM Cel Fontoura.
302

Também existem algumas canções com letras metafóricas, que denotam conteúdos
idealizados, e que enaltecem a força, coragem, resistência e energia, qualidades esperadas do
policial ‗guerreiro‘, como se pode ver a seguir:

Eu tenho uma mania que já é tradição; de nunca me entregar, de não cair ao chão.
Quando eu corro com essa tropa sinto muita vibração, porque eu sei que ninguém
pode com a nossa união; uniforme camuflado e pouca água no cantil, a mochila bem
pesada, em guarda alta o meu fuzil, o que eu tou fazendo agora pouca gente quer
fazer. Pois a fome, o frio é forte e o cansaço é pra valer.

Quando eu morrer eu vou de fal e de bereta; chegar no inferno e dar um tiro no


capeta; e o capeta vai olhar desesperado; meu deus do céu tira daqui esse soldado; e
o capeta vai pedir bem suplicante; meu deus do céu tira daqui esse infante.

Em âmbito dos quarteis e academias militares, além das canções, que auxiliam nas
atividades do TFM, existem os ―hinos‖ que de modo mais formal, tradicional, compõem a
cultura militar. Os hinos em geral, se voltam para o simbolismo de conotação patriótica ou de
memória cívica. Eles são pensados para a exaltação a algum acontecimento, por exemplo, o
dia da Independência, da Proclamação da República, ou aos feitos de algum herói.

Costumeiramente, para além das horas previstas na grade curricular da disciplina de


prática musical, os cadetes investem horas, inclusive do tempo livre, para o ensaio dos hinos,
e quando há na turma, a presença de alunos representantes de outros estados da Federação, os
cadetes também tem a responsabilidade de aprenderem os hinos dos estados representados,
como refere o entrevistado Costa Vale:

A noite tínhamos palestras no auditório, ou prática de canções militares,


aprendíamos os hinos da nossa Academia e hinos de todos os estados que houvesse
cadete representando ali naquele ano. Ficávamos ensaiando, repetindo, até ficar
bem treinado, sem erros, porque em algum momento o comandante da Academia
poderia nos mandar apresentar. (Costa Vale, Cadete. 1992).

No caso da APM Cel Fontoura, quando de sua criação e ainda nas primeiras turmas,
da ‗Fontourinha‘, os cadetes dispunham de uma disciplina especifica, denominada de
‗Educação Musical‘, na qual os cadetes eram empenhados ao aprendizado das letras e
melodias dos mais diversificados hinos de conjuntura nacionais. Geralmente o instrutor da
disciplina Educação Musical, era o regente ou integrante da Banda de música da PM.

Éramos exigidos para aprendermos as canções militares. Quem não conseguisse era
anotado, as vezes as punições eram ficar de pernoite ou de licença cassada, então por
causa disso, ficávamos treinando. (Matos, Cadete, 2008).

A meu ver, na minha turma, não tínhamos quase nenhuma influência das Forças
Armadas, mas havia a aproximação com o Exército na questão de alguns ritos, dos
303

paradões semanais, no culto aos símbolos, e nos hinos. Muitos dos hinos que eu sei,
memorizei desde o tempo quando eu estava no EB. (Ramiro, Cadete, 2010).

Observa-se que no tocante a responsabilidade do aprendizado do cadete, quanto aos


ensaios dos hinos, existe como anexo ao manual do aluno oficial PM, uma parte denominada
de hinário, nela são catalogados vários hinos e canções das organizações militares e que
remetem a eventos cívico-patrióticos, para o conhecimento e ensaio do cadete são:

 Hino Nacional Brasileiro,


 Hino do Pará,
 Canção da PMPA,
 Canção da APM ―Cel Fontoura‖,
 Hino à Bandeira, Hino do Aviador,
 Canção Cisne Branco,
 Canção da Cavalaria,
 Canção do Soldado,
 Canção Fibra de Herói,
 Canção do CFAP,
 Canção da Infantaria,
 Canção do Expedicionário,
 Hino do Soldado do Fogo (Bombeiros) etc.

Um fato curioso citado por alguns dos entrevistados integrantes das primeiras turmas
da Fontourinha: Seabra, Marinho, Dílson Júnior e Salim, foi quando os vários pelotões das
primeiras turmas de cadetes, receberam a incumbência de ensaiar o ‗Hino Nacional do Chile‘
em espanhol, para apresentá-lo à uma autoridade daquele país andino que estava em visita ao
Pará e à Academia Cel Fontoura.

O entrevistado Salim, trouxe à memória e descreveu com mais detalhes o acontecimento:

Houve um fato inusitado na Academia que foi quando o general dos Carabineiros do
Chile, veio visitar o Pará, e iria também visitar a Academia. Acho que por conta de
que o Coronel Vieira tinha feito curso lá no Chile.
Eles nos fizeram aprender o hino, e nos fizeram ensaia-lo durante muito tempo.
Imagine que tivemos que cantar em espanhol a canção dos Carabineiros do Chile,
para apresentarmos ao general. Foi um negócio que rendeu, que deu trabalho (risos),
para ficar no ponto (Salim, Cadete 1992).

Objetivando conhecer um pouco mais sobre como se deu o referido episódio


mencionado por Salim em sua entrevista, me detive a averiguar um pouco mais sobre aquele
momento relatado, com outros entrevistados,

Para a minha surpresa no cruzamento de fontes, checando a informação recebida, com


o próprio Coronel Vieira citado, descobri ter havido um pequeno engano no relato do Salim,
304

quando mencionou a presença de um general dos Carabineiros do Chile, que se encontrava


visitando a APM Coronel Fontoura.

Mas, na verdade, a visita recebida não fora do general dos Carabineiros do Chile e sim
do general brasileiro Ney da Silva Oliveira, que era adido do Exército brasileiro junto à
Embaixada do Brasil no Chile, e que em sua estada ao Pará visitou a APM e recebeu, por
conta disso, deferência de tratamento, realizada pelos cadetes e aspirantes, com a
apresentação do hino nacional do Chile.

Nas narrativas de outros entrevistados, me deparei com outros pequenos deslizes,


enganos, lacunas, e que iam sendo sanados e checados, nos relatos dos outros interlocutores.
A memória às vezes, prega essas peças. Por isso que no início dos anos 1960, a História Oral
foi severamente criticada. No centro das críticas estava a convicção de que a memória seria
distorcida pela deterioração física, na velhice, pela nostalgia, pelos preconceitos pessoais e
pela influência das versões retrospectivas e coletivas do passado.751

Mesmo que o uso de memórias como evidência histórica por vezes possa apresentar
lapsos, enganos, distorções, no entanto, acredito que possam ser sanados com a combinação
de outros depoimentos e de outras fontes históricas, como o fizemos, nos cercando de
documentações que possibilitam fundamentar, interpretar e também cotejar o que é dito.

Alessandro Portelli analisando a questão da confiabilidade da memória, argumenta que


a memória enganada é como uma chave fundamental para a compreensão dos verdadeiros
significados dos eventos, para os indivíduos e para a comunidade, logo, o que fica retido na
memória, sobre o acontecimento, é o que há de importante para o indivíduo, sobre o
acontecido, e como foi que se deu o ocorrido. Isso para Portelli traduz-se como mais uma
constatação de que "o que realmente importa é que a memória não é um depositário passivo
de fatos, mas um processo ativo de criação de significados"752

Posteriormente, a disciplina Educação Musical que promoveu esse treinamento


exaustivo do hino nacional do Chile, entrou em extinção, entretanto, a prática do aprendizado
e ensaio de hinos, permanecem na Academia até os dias atuais.

751
THOMSON, Alistair. Aos cinquenta anos: uma perspectiva internacional de História Oral. ALBERTI, V.,
FERNANDES, T.M.; FERREIRA, M.M. (Orgs.). História Oral: desafios para o século XXI.(online). Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2000. p.52.
752
PORTELLI, Alessandro. História Oral como arte da escuta. São Paulo: Letra e Voz, 2016.
305

4.7 PERCEPÇÕES DOS SUJEITOS ACERCA DA INTEGRAÇÃO

A concepção de integração entre as instituições de ensino da Segurança Pública, e a


conjugação das disciplinas acadêmicas que atendam as diretrizes da Matriz Curricular
Nacional, por si mesmas, não vão produzir um novo oficial ‗democrático‘ , o tradicional
autoritarismo insiste em se revelar, entretanto, o sistema de segurança pública paraense ao
promover o ajuntamento das unidades, e intencionar a recepção das disciplinas no diálogo
acadêmico com a universidade, possibilitou a reflexão da oferta de segurança pública de
maneira mais igualitária, com a observância dos direitos humanos.
Um ponto importante observado entre a proposta da SENASP e a política de
integração vivenciada no IESP, que havia convergência para ambas as políticas sobre a
possibilidade de disciplinas em comum. A Matriz curricular estabeleceu a necessidade de uma
nova malha curricular para orientar os currículos de formação e capacitação dos policiais civis
e militares, ou seja, apontou para a elaboração de disciplinas que tivessem um núcleo comum,
entre as duas Polícias, proposta essa que muito se aproxima da política de integração,
proposta por Almir Gabriel.

No que se refere à mudança da Academia para as instalações do IESP, para alguns


interlocutores oficiais, a integração produziria efeitos mais benéficos para a sociedade do que
o modelo tradicional de segurança pública?

Com relação ao IESP eu levanto pontos favoráveis e desfavoráveis. Favoráveis são a


integração entre PC/BM/PM; ambiente físico maior, como a estrutura de estande de
tiros, piscina, torre, e a aproximação entre os órgãos do sistema de segurança
pública. Como ponto desfavorável propriamente vejo a interferência na formação,
parece que se perdeu a identidade, o espírito militar. Isso ao meu ver é porque o
CFO foi considerado apenas como curso de nível superior e isso desconstrói um
pouco do próprio CFO. A formação de oficiais deve ser considerada um curso
superior, mas não deve perder suas características. Por exemplo, quando se faz a
sugação de um cadete, com exercícios no sol intenso, o peso do fuzil, do colete... é
para que o aluno adquira resistência, “endurance‖. A prática profissional, a atuação
exigirá dele resistência. Isso é um diferencial nas profissões. A sugação não pode ter
exagero, precisa ter fins pedagógicos. E isso nós fazíamos muito bem. Com a
criação do IESP parece que isso foi tolhido. (Calderaro, aspirante 1991)

Voltei na APM como sub-comandante do Corpo de Cadetes e depois fiquei como


comandante do Corpo de Cadetes na turma de 1997. Foi nesse momento que houve
consenso de se fazer a regulamentação dos conceitos subjetivos dos cadetes. Na
mudança da APM para o IESP, discordei de muita coisa, porque observei queda
acentuada da disciplina dos cadetes. o IESP ficou uma mistura dos policiais Civis
306

com os Militares. A Academia PM perdeu um pouco da identidade. Não sou contra


a integração, não gostei da perda da identidade. (Marinho, Aspirante Oficial 1992.

Analiso que isso acontece porque as perspectivas práticas do ensino-aprendizagem não


se revelaram como ‗transformação‘ da formação policial, e sim apenas como ‗mudança‘ de
espaço físico. Os relatos dos sujeitos nesta pesquisa dão conta de variadas informações que
quando a APM mudou-se para as instalações do IESP, que passaram a ter ensinamento
conjugado com as demais instituições do Sistema de Segurança Pública do Estado, foram
havendo distorções no aprendizado, ‗rejeição‘ inclusive de alguns simbolismos característicos
das organizações militares, neste sentido alguns entrevistados apontam para prejuízos na
identidade policial militar:
Nosso primeiro ano foi na APM Fontoura- ritmo de polícia, no segundo ano fomos
transferidos para o IESP, na proposta de integração. Era estranho e discrepante, nos
eram cobrados princípios que para a Polícia Civil e para os Bombeiros – que eram
alunos como nós não era cobrado. Uma integração só de espaço físico e não das
ideias. Nós fazíamos algumas atividades que nos constrangia perto deles, alunos
como nós. A vantagem da ida para o IESP foi a melhoria na alimentação que uma
empresa de cozinha industrial foi contratada e infraestrutura (salas de aula, stand de
tiro, piscina, torre, área para educação física, etc.)(Edimar, Cadete 1999)

Foram muitas diferenças da formação na APM e IESP. Quando eu sai e voltei em


2004, muitas das cobranças, anotações já haviam sido ignoradas, e os cadetes
queriam ficar ponderando, questionando... e eu ao assumir, não dava brecha (risos)
eu não gritava com eles, não os maltratava, apenas escrevia, usava dentro da
legalidade. Qualquer alteração que cabia punição, ou anotação o cadete recebia um
memorando para se explicar, se sua resposta era convincente tudo bem, se não ele
era punido e tinha seus pontos subtraídos. Era o que rezava o código de ética da PM
sobre a formação. Nós usávamos o RDPM mas o alto comando entendeu que era
arbitrário, as punições eram inconstitucionais, então foi deixado de cumprir a licença
cassada, e em 2006 quando foi apresentado o código de ética passamos a dar direito
ao recurso, ao direito de defesa e contraditório. (Formigosa, Cadete 1999)

A ideia defendida por alguns dos sujeitos na pesquisa é de que a APM teve prejuízo
em sua dinâmica ao ser remanejada para o IESP. Tal opinião se sustenta no entendimento de
que a formação do aluno oficial PM perdeu um pouco de sua identidade. Existem alguns
entrevistados que defendem que se a APM houvesse permanecido como uma unidade de
ensino individualizada, a formação seria mais consistente.

Tais percepções sobre o isolamento, nos remetem a análise na perspectiva de Goffman


sobre as Instituições Totais, em cujo espaço de incorporação dos códigos e valores
fundamenta-se pelo elevado controle, rigidez e fechamento.
307

É bem verdade que a instituição policial militar, sobretudo no período de formação,


apresenta algumas especificidades que ao ser comparada a escolas civis, acaba se revelando
como instituição total, conforme apresentei em capítulos anteriores, no tocante ao
adestramento do aluno que é submetido a instruções militarizadas, ao rigoroso treinamento da
disciplina e pronta obediência aos seus superiores, cujo objetivo além de suportar seria o de
provar que é capaz de superar seus limites, diante de um sofrimento físico ou pressão
psicológica.
Entretanto, cabe analisar que esse ―adestramento‖, originariamente vinculado à
ideologia militar herdada das Forças Armadas, em que o treinamento contemplava o combate
ao inimigo e às condições de guerra, já vem sendo descontruído e deixado de lado há muito
tempo no âmbito da Academia Cel. Fontoura.
Nossa formação PM tinha currículo generalista, o eixo forte de disciplinas policiais
militares e jurídicos. Hoje percebo que diante de tantas demandas é necessário
aumentar a carga horária das ciências sociais, além de fortalecer as disciplinas
jurídicas e militares. ( Rocha, aspirante a oficial 1991).

Observo até hoje que a palavra ―improviso‖ é muito marcante na Academia, nem
sempre nossas formações são organizadas de modo a fazer frente às exigências do
Estado Moderno. Às vezes o que alguns querem fazer é um rearranjo.

O IESP entra na minha carreira nos cursos de CAO e CSP, quando o Sistema de
Segurança Pública, considera que esses cursos devam ser ‗gerenciados‘ pelas as
universidades, por serem cursos de especialização e aperfeiçoamento.
Essa apropriação do conhecimento acadêmico-cientifico das universidades para a
PM fazem uma passagem epistemológica – é sem dúvida uma significativa evolução
a função de experiência com o conhecimento.
O profissional militar ou civil tem autonomia dentro do proposto na Matriz
Curricular pelo SENASP cuja a formação consiste na educação por competência. (
Rocha, aspirante a oficial 1991).

Na formação do oficial, acho importante pensar que é necessário se dar ênfase em


disciplinas de gestão administrativa militar: orçamento, conhecimento do sistema
financeiro, sobre contratos, controle interno de bens e serviços, licitações, porque o
oficial, além de comandante de tropa, ele é um gestor público[...]. ( Walter Cruz,
aspirante a oficial, 1991).

A maior parte dos interlocutores aprecia como válido e necessário o adestramento


proposto na atualidade, cuja preparação conjuga conhecimento tático, técnico para o melhor
desempenho profissional no combate à criminalidade, no entanto, sem ignorar o primordial,
que consiste na formação de uma polícia cidadã, que reconhece em suas ações e relações com
o público, o tratamento respeitoso, sustentado pela mentalidade do Estado Democrático de
Direito, tendo no abandono e na superação, das práticas arbitrárias, buscado disseminar a
308

experiência de uma cultura de não violência, de uma cultura de paz. Nesse sentido, a maioria
dos sujeitos entrevistados nesta tese são contundentes em declarar a inadmissibilidade do
isolamento ou a permanência de ‗fechamento institucional‘.

Retornei à APM em 2008 já como capitão, observei que as cobranças eram em


menor quantidade, muita coisa tinha sido modificada. Foram muitas as mudanças,
positivas e negativas, os ‗excessos‘ na formação, foram reduzidos quando a APM foi
para o IESP, também os alojamentos e banheiros melhoraram, as salas de aulas, a
sala de corpo de alunos. Como mudanças negativas observei que o objetivo do IESP
com a integração entre as instituições, mesmo passados tantos anos não foi
alcançado. Os Bombeiros se aproximam melhor, a policial civil não parece ter
interesse (Osmar Santos, Cadete 1999)

Por outro lado, alguns dos entrevistados que foram ou são instrutores na APM/IESP,
relataram algumas dificuldades e desafios que verificaram no exercício da formação policial
militar. Reportam-se ao fato de que se trata de uma formação muito específica e para sujeitos
adultos, onde o currículo, ou os conteúdos programáticos propostos, não serão ensinados
apenas como conhecimentos técnicos para uma atuação profissional, ou para o recebimento de
uma titulação, mas, sobretudo, para uma formação vivencial, que exige incorporação de
valores, de conteúdos, que se vinculam à própria subjetividade do formando; é a aquisição de
um ethos que se confunde com o lado humano, do servidor.

Vê-se bastante diferença na Formação de antes. A estrutura física não era de


Academia, o IESP é como um grande condomínio para que seja experimentado a
integração. Quanto a formação policial militar na essência, via mais na
―Fontourinha‖ havia mais liberdade nas instruções, e a preparação se mostrava mais
autentica para vida policial militar. Era possível avaliarmos o perfil do servidor
policial militar e a correção de desvios, coibir a truculência. No IESP pela vasta
área, não se tem acompanhamento de perto com o cadete a não ser em sala de aula, e
os comportamentos errôneos, são mais difíceis de serem detectados. Além disso, a
escassez de concurso trouxe problemas. No CFO eu acho importante haver
regularidade dos concursos ano após ano. Na falta da regularidade faz-se a perda dos
treinos de liderança da medição da autoridade do cadete, na boa forja do
comandamento. (Costa Junior, Instrutor e Comandante da APM)

A percepção desses entrevistados levanta uma questão de suma importância sobre a


relação entre a teoria e a pratica, a qual, posso apontar como uma limitação que envolve a
formação, no que se refere ao conteúdo oferecida na Academia, frente ao conteúdo vivencial
do formando. A limitação ocorre quando não há, da parte dos formandos, o compromisso na
aquisição e incorporação dos conteúdos ministrados. A não aquisição do conteúdo ou a falta
de compromisso com o aprendizado, não possibilitará a consolidação da cultura de paz, e
309

certamente trará distanciamento entre o ensino proposto e a realidade, causando distorções na


atuação policial, a permanência e reprodução de habitus nocivos e violentos anteriormente
aprendidos, e a manutenção da cultura arbitrária e truculência, que infelizmente é a que ganha
maior notoriedade.

Na perspectiva do pensamento de Kant de Lima, sobre a formação policial pode-se


compreender:

[...] mais que tudo, trata-se de formar policiais já formados anteriormente, ou seja de
desconstruir paradigmas de pensamento e ação, dentro de uma nova concepção, em
que todos os cidadãos, inclusive os policiais, independentemente de sua condição
social, sejam vistos como sujeitos de direitos e destinatários da proteção da polícia. 753

Analisando também as narrativas de outros entrevistados, encontro aqueles que


reconhecem que a abertura proposta pela Matriz Curricular Nacional e recomendações da
SENASP, possibilitou a valorização do servidor policial militar, como cidadão policial e isso
categoricamente é de valor incalculável na formação nos dias atuais, .

Até bem pouco tempo, o modelo e as ações de segurança pública, limitavam-se à


contenção social, com amparo no preceito de que ―lei e ordem‖ públicas derivariam
no uso da força, das armas e das ações policiais pela exclusiva via da repressão. 754

Uma formação que permitiu uma prática pedagógica mais dialogada, mais
humanizadora, estaria se perdendo essa especificidade, posto que a instituição no seu trabalho
cotidiano desenvolve suas relações com a sociedade, que se abriu para relações com a
comunidade, vivencia não mais a formação na perspectiva de instituições policiais militares.

Eu não vivi a APM Cel Fontoura, eu já vivi o IESP, mas pelo o que as pessoas
dizem a APM CEL Fontoura perdeu a identidade, a ida para o IESP favoreceu que a
instituição APM ficasse sem identidade devido o tom de integração – todos são tudo
(alunos em formação) e não tem uma identidade própria a não ser pelo uniforme.
(Ramiro, Cadete, 2010).

Quando fui do Exército vivia intensamente a escola de formação de sargentos - Escola


de Sargentos das Armas - ESA, me sentia alienado do que acontecia no mundo externo,
já na formação da APM não percebia essa transformação do civil para o militar, parecia
apenas uma escola comum, sem forja. (Ramiro, Cadete, 2010).

753
KANT DE LIMA, Roberto. Políticas Públicas de Defesa Social e a Formação de Policiais. In: Polícia de
Segurança Pública. Série: Gestão Pública e Cidadania. Belo Horizonte; Massangana; Fundação João
Nabuco. 2002. p.213.
754
SOUZA, Robson Sávio Reis. Política de Segurança Pública: grandes desafios. Carta Capital, São Paulo, 18
jul.2011. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/politica-de-seguranca-publica-grandes-
desafios. Acesso em: 3 jun. 2018.
310

4.7.1 percepções acerca da matriz curricular

Embora tais disciplinas tenham sido denominadas pela SENASP, constatei que na
prática, algumas não recebem a mesma denominação dada pela a MCN. Por exemplo: a
disciplina ―Ética e Cidadania‖ da Área Temática ―Cultura, cotidiano e prática reflexiva.
Conforme a Matriz Curricular a disciplina é denominada de ―Ética e Cidadania‖, foi
ministrada na APM/IESP em sete turmas, do total de 51 turmas, tendo a mesma disciplina,
recebido três nomes diferentes. Primeiramente, foi introduzida com o nome de ―Filosofia,
ética e cidadania‖, depois tornou-se ―Ética e Cidadania‖, e nas últimas turmas do recorte
temporal investigado, passou a ser ―Ética policial militar‖.

A Matriz Curricular tem a finalidade de orientar as práticas formativas, para as


situações de trabalho em segurança pública e auxiliar com orientações no que tange à
construção de currículos, e não para determinar, impor ou obrigar sua execução.

Embora não coubesse imposição para a adoção da Matriz Nacional, foram utilizadas
estratégias sutis e coercitivas por parte do governo, para que as unidades de ensino
recepcionassem sem demora a MCN. Segue a narrativa de Emilio, que foi Diretor do ISEP:

A Matriz Curricular foi paulatinamente sendo admitida. Tiveram medidas por parte
da própria SENASP ‗obrigando‘, de certa forma, os estados a fazerem isso. Tipo
assim, se o governo estadual estivesse pleiteando uma verba ao federal por
exemplo, um dos itens era justamente verificado a matriz curricular de formação do
estado, se o estado a recepcionou ou não a matriz curricular nacional. Se
recepcionou numa determinada percentagem, teria verba, se não, não tem verba. Isso
foi ao longo do tempo sendo trabalhada a nível de SENASP, não como uma forma
de intervenção porque nosso estado é federativo, mas como uma forma de
imposição. Aí os estados passaram a entender que havia a necessidade dessa
mudança, e os 26 estados naquela época adotaram tranquilamente sem problema
nenhum. Até porque existia o processo de regionalização, a matriz era só uma
baliza, norteadora de disciplinas e matérias, de conhecimentos comum de todas as
Polícias. (Emilio, Aspirante a Oficia,l 1991; ex-Diretor do IESP).

A SENASP sugestionava a carga horária e conteúdos. Ficava a cargo do estado


seguir ou não aquilo, às vezes tinham estados que diminuíam, outros aumentavam.
Ficava a critério de cada estado. O importante era ter a disciplina, ela não impunha a
carga horária. (Emilio, Aspirante a Oficia,l 1991; ex-Diretor do IESP).

Cabe esclarecer que a Matriz Curricular Nacional, por ser um documento de


abrangência nacional, reconhece a necessidade de oportunizar o respeito às diversidades
regionais, sociais, econômicas, culturais e políticas existentes no país, ao mesmo tempo,
311

manifesta-se como um conjunto de componentes a serem combinados na elaboração dos


currículos específicos, na formação dos vários atores envolvidos na segurança pública.

Analiso que a integração propriamente, não aconteceu. Estão congregados alunos de


três instituições diferentes, tratados de três maneiras diferentes, no mesmo espaço físico.
Ocasionalmente algumas atividades no uso do auditório, no uso do stand de tiros são em
comum, mas as instruções e os instrutores são diferentes.

Em um dado momento, ainda se observa avanços para atividades planejadas em


comum acordo, mas ao final da atividade, prevalecem as especificidades e o distanciamento.
As unidades de ensino continuam trabalhando isoladamente, desenvolvendo atividades de
modo autônomo e, a integração anteriormente defendida, não foi absorvida pela base, pelos
que vivenciam diariamente esse desafio.
Sobre a integração das unidades de ensino, alguns dos sujeitos desta pesquisa, a
analisaram como inadequada para o período em formação, à medida que a mesma exerce
influência para ‗descaracterizar‘ a formação policial militar, e há perda em identidade.
Entretanto contraditoriamente, a maioria dos sujeitos, valida a integração nas atuações
cotidianas de rua, no combate e no controle da criminalidade, concorda com as disciplinas de
base comum proposta pela MCN, e, partilha a necessidade da integração, em âmbito da
capacitação para a gestão das instituições que se realiza por intermédio do Curso de
Aperfeiçoamento e do Curso Superior de Policias e Bombeiros.

Nesta tese, o percurso traçado, foi com vistas a apresentar o processo da formação do
oficial policial militar na Academia Cel Fontoura, quando de sua preparação individualizada
na década de 1990, as alterações advindas com a mudança para o IESP, e a recepção da
Matriz Curricular Nacional, até o credenciamento junto ao Conselho Estadual de Educação
para a transformação da APM/IESP em uma Instituição de Ensino Superior, ocorrido em
2014.

Constato ao final que há um movimento pendular no tocante à formação integrada, há


alguns entraves e bem como estagnações em alguns elementos, todavia, são inegáveis
diversificadas reformulações sofridas pela APM/IESP: desde sua estrutura escolar, o
abandono de certas disciplinas, práticas e métodos; e a busca de absorção das propostas da
MCN, denotam caminhos de adequação da formação do oficial policial militar ―do futuro‖
seguindo as exigências dos novos tempos, cada dia mais preparado para fazer jus as
conquistas do Estado Democrático de Direito.
312

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“FORA DE FORMA!” 755

[...] pois todos sabemos muito bem dos percalços e o tremendo esforço em que consiste
transformar em narrativas e palavras, aquilo que foi colhido em pedaços de realidade -
entrevistas, fichas, tabelas, anotações [...] conversas [...]. Palavras preciosas que
pretendem, além disso, ser precisas. Dádivas que saem de cada um de nós com um
enorme esforço do fundo de nossas cabeças [...], mas que só podem se materializar no
papel por meio daquela energia [...] que bate com os nossos corações756.

O fato de ser oficial da Polícia Militar do Pará, com vinte e quatro anos de serviço, me
possibilitou testemunhar os cenários contrastantes e interagir com as circunstancias e com
parte dos sujeitos aqui elencados.

Pelo desenvolvimento de minha atividade profissional, acompanhei de certa forma em


condição igualmente privilegiada, o percurso havido desde as primeiras turmas regulares da
‗Fontourinha‘, e as mudanças advindas ao longo do processo de formação, inclusive da
proposta de integração promovida com a mudança para o IESP.

Eu conheci de perto a Fontourinha e ainda vivencio nestes dias, a dinâmica do IESP.


De modo geral, na instituição, presenciei a inserção da mulher, desbravando cada palmo de
discriminação, ultrapassando as barreiras institucionais que lhes reservava o âmbito
administrativo e reduzia sua atuação aos cuidados ―assistencialistas‖ da criança e do idoso,
que as remetia ao ambiente doméstico; testemunhei não apenas a instituição se rendendo à
presença da mulher, mas vi, sobretudo, a mulher quebrando paradigmas e se emponderando
dos conhecimentos técnicos, táticos, bélicos e modificando a cultura propagada da virilidade e
do machismo institucional; eu vivenciei, como também testemunhei outras galgarem todos os

755
O ‗Fora de forma‘ é um momento muito esperado pela tropa, é a expressão usada para identificar que o
pelotão pode sair de forma, ou retirar-se do serviço, que por hora, serviço acabou.
756
DA MATTA, Roberto Apresentação. In: D‘ARAÚJO, Maria Celina. (Org.). Redemocratização e mudança
social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2014. p.7.
313

postos e chegarem ao último posto da corporação, comandando com igualdade de atribuições


seus quarteis, sem precisar se brutalizar, nem se masculinizar.

Vi os integrantes da instituição sucumbirem ao programa de combate ao racismo, da


‗segurança pública sem homofobia‘, bem como, o empenho dos próprios homens policiais, no
desenvolvimento do Programa da ―Patrulha Maria da Penha‖ de combate à violência
doméstica e no auxílio à mulher vitimada757; testemunhei a formação policial com as
diretrizes oriundas da SENASP sobre os tão necessários Direitos Humanos, e a recepção de
várias gerações de policiais, no que tange ao programa de atuação aos grupos vulneráveis
(situação de rua, minorias, idosos, crianças e adolescentes, portadores de necessidades
especiais).

Constato, que não foram poucas as inovações introduzidas, pela SENASP, igualmente
não poucas pelo Sistema de Segurança Pública, a serem acatadas. As iniciativas políticas dos
governos, apresentadas nas documentações, os discursos dos gestores e as narrativas dos
oficiais – meus interlocutores, evidenciam sobremaneira, os diversos momentos
experimentados de transformação na formação do oficialato.

A tese inicial de anacronismo da cultura militar na formação policial militar não


parece se fundamentar. Na verdade, atendendo demandas sociais, de destituição das ações
policiais arbitrárias, tem se buscado modificações, transformações na busca de ‗adequação‘ ao
ethos policial, e de reconhecimento dos direitos fundamentais do cidadão.

Analiso que a concepção de integração entre as instituições de ensino da Segurança


Pública, e a conjugação das disciplinas acadêmicas que atendam as diretrizes da Matriz
Curricular Nacional, por si mesmas, não vão produzir um novo oficial ‗democrático‘, o
tradicional autoritarismo insiste em se revelar, entretanto, o Sistema de Segurança Pública
paraense ao promover o ajuntamento das unidades, e intencionar a recepção das disciplinas
no diálogo acadêmico com a universidade, tem possibilitado a reflexão da oferta de segurança
pública de maneira mais igualitária, com a observância dos direitos humanos e a reflexão para
o abandono da ‗fundada suspeita‘. Some-se a isso, a atuação da Corregedoria, da Ouvidoria e

757
A partir de 2012, deu-se a instalação do Programa Patrulha Maria da Penha, em alguns estados brasileiros,
como desdobramento do I Seminário Internacional ‗Mulheres e a Segurança Pública‘ realizado em Porto Alegre
– RS, com o objetivo de capacitar policiais militares especificamente para o pleno atendimento de mulheres
vítimas de violência doméstica, consubstanciados pela filosofia de Polícia Comunitária, cuja a operacionalidade
policial se faz de modo bastante amplo: ‗interação com a comunidade, envolvimento, formação de redes de
cooperação, prevenção propriamente dita, atendimento a fatos consumados, investigação, apuração penal,
acompanhamento pós-traumático‘ dentre outros. Ver: GERHARD, Nádia. Patrulha Maria da Penha: O impacto
da ação da Polícia Militar no enfrentamento da violência doméstica. AGE/EDIPUCRS. Porto Alegre, 2014.
p.83
314

da Justiça Militar como mecanismos coercitivos relevantes de intervenção, para uma


responsabilização policial.

O discurso da integração, tão forte nos gestores, ainda não ecoou com o mesmo vigor
entre as fileiras policiais civis e militares. Observa-se que a formação no CFO tem avançado
no escopo de qualificar o policial às novas exigências da sociedade, na defesa dos Direitos
Humanos, entretanto, vê-se ainda muita ênfase ao modelo militarista, ao treinamento físico
militar, à elevada carga horária de preparação jurídica, e meramente à execução, na tentativa
de reprimir a criminalidade para proporcionar tranquilidade aos cidadãos.

Constatei, que mesmo com o advento da Constituição Federal de 1988, a instituição


policial militar, vem reproduzindo práticas reveladas contrárias ao arcabouço previsto na
legislação maior da nação, a Corporação vem resistindo a acatar as mudanças doutrinárias que
propicie uma formação policial militar e uma atuação livres dos velhos hábitos e das práticas
arbitrárias.

A fora isso, convêm-me reconhecer, a importância da aptidão do candidato no que se


refere ao perfil do oficial, porque a profissão policial militar imperiosamente exige um perfil
especifico758.

Além do perfil, a profissão policial militar exige compromisso ininterrupto. Na


maioria das profissões, após o término da jornada diária de trabalho, cessam-se os vínculos
profissionais, não existindo obrigações maiores, entretanto, o policial militar, desde sua
formação deverá entender que sua ligação com sua atividade profissional é permanente,
mesmo quando estiver sem fardamento e/ou quando passar a usufruir do seu tempo na
inatividade759.

Embora saibamos que alguns jovens candidatos equivocadamente, se lançaram à profissão


por falta de opção de emprego, ou para buscar estabilidade profissional; todavia, não se pode
deixar de sinalizar, a dureza que envolve a prática profissional do policial militar. Tal profissão
não se encontra resumida ao tarefismo diário760, exige-se imperiosamente a análise do contexto
para a sua atuação, compromisso, ética, responsabilidade que envolve o desejo de transformar a
realidade vivenciada, por meio de seu desempenho profissional.

758
Aptidão psicológica, Robustez ou resistência física, sanidade física e mental compatíveis com a função,
possua escolaridade no mínimo de ensino médio, não apresente punição por indisciplina nas Forças Armadas,
não haja restrição em seus antecedentes criminais, e seja aprovado em todos os exames do processo seletivo.
Tais exames são de caráter eliminatório e analisam aptidões intelectuais, antropométricas, psicológicas, físicas,
de saúde, sociais/conduta e documentais.
759
Inatividade ou reserva remunerada, em âmbito civil denomina-se de ‗aposentaria‘.
760
Fardar-se para cumprir escala de policiamento, por exemplo.
315

Nesta tese, pude investigar os sujeitos sobre dois momentos: primeiro, os entrevistei
buscando suas memórias iniciais, remotas, como alunos (aspirantes a oficial e cadetes) e
posteriormente, acerca de suas experiências na condição de instrutores, de comandantes ou
mesmo de gestores na APM Cel. Fontoura/IESP.

Como resultado, pude perceber que os mesmos sujeitos apresentaram relatos de


experiências inteiramente diferentes; suas narrativas, não somente estão distanciadas pelo
passar do tempo, mas também pela forma como os mesmos analisam, o como tem se dado a
formação na Academia, desde que houve a mudança para o IESP e quando se inseriu o
currículo nacional.

Considero que foram significativas as mudanças institucionais, ao longo das décadas,


entretanto, é possível ainda vislumbrar, o descortinamento do processo de construção de uma
nova identidade policial militar, sobretudo porque a formação policial militar tem buscado o
distanciamento do ranço arbitrário da ditadura; porque se tem avançado em direção ao
encontro do Estado democrático de direito, e tem se afinando com as demandas do mundo
contemporâneo,

É possível, reconhecer, por meio das narrativas dos participantes, que a instituição tem
rompido com velhos paradigmas, dentre os tais, à pratica androcêntrica e tem se permitido
abrir-se para as diferenças;

Entretanto, constata-se ainda fragilidades nos cursos de formação, principalmente no


que se refere aos conteúdos e aos docentes, bem como há, uma enormidade de outros de
desafios, postos ao preparo desse profissional de Segurança Pública. O modelo dessa
formação, ainda está fortemente arraigado ao modelo burocrático-militar, atuando com
estratégias obsoletas de combate ao crime do cidadão.

Tal formação, precisa se constituir de um melhor nível educacional, e não somente


nos discursos dos governantes ou gestores institucionais, ou nos espelhos das ementas
disciplinares impostos pelas diretrizes da Matriz Curricular Nacional, mas para si mesmos,
como corporação e para a população em geral.

É necessário sobretudo, melhor preparo e interesse em atividades que alcance


diretamente o cidadão, o trabalho refinado de polícia comunitária, pautada de uma dimensão
humanística e preventiva; em uma formação cuja a aproximação da população, favoreça
confiança e a desconstrução dos tão arraigados medo, desconfiança e hostilidade para com a
sua própria Polícia.
316

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PMPA-Polícia Militar do Pará. Boletim Geral n. 142, de 3 de agosto de 2012 Nota de


Instrução n. 002/APM EOPAS. Belém: PMPA, 2012.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Boletim Geral n. 245, de 30 de dezembro de 2005 p.3 - 6.


Comissão de Classificação da Turma de Aspirantes 1998. Ata de Revisão.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Boletim Geral n.113, de 17 de junho de 2004. Nota de


Instrução do X Curso de usuário de tiro defensivo na preservação da vida método Giraldi.
Belém: PMPA, 2004.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Boletim Geral n. 099, de 24 de maio de 2004. X Curso de


Tiro Defensivo para a Preservação da Vida Método Giraldi, a ser realizado no 4º
BPM/Marabá, de 24 de maio a 07 de junho de 2004. Belém: PMPA, 2004.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Boletim Geral n. 181, de 24 de setembro de 2003. Requisitos


básicos para se candidatar a instrutor de Tiro Defensivo e Preservação da Vida (Método
Giraldi). Belém: PMPA, 2003.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Aditamento ao Boletim Geral n. 136, de 22 de julho de


2003. Sobre implantação Tiro Defensivo e Preservação da Vida (Método Giraldi). Belém:
PMPA, 2003.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Boletim Geral n. 218, de 22 de novembro de 2000. Canção


da Academia Coronel Fontoura. Belém: PMPA, 2000.
338

PMPA-Polícia Militar do Pará. Boletim Geral n. 076, de 24 de abril de 2003. Cel. Eledilson
Renato Oliveira realizou curso Tiro Defensivo e Preservação da Vida (Método Giraldi) na
PMESP. Belém: PMPA, 2003.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Almanaque dos Oficiais e Praças da Polícia Militar do


Pará. Belém: Diretoria de Pessoal/PMPA, 2000.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Aditamento ao Boletim Geral n.181, de 22 de setembro de


1999. Regulamento da Academia de Polícia Militar do Estado do Pará Cel. Fontoura. Belém:
PMPA, 1999.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Boletim Geral n. 037, de 26 de fevereiro de 1991. Ingresso de


alunos. Belém: PMPA, 1991.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Decreto n. 071/91, Arts. 1º e 2º, de 21 de fevereiro de 1991.


Oficiais R2 admitidos no quadro de oficiais policiais militares da PMPA como aspirantes a
oficial. Belém: PMPA, 1991.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Almanaque dos Oficiais da PMPA. Belém: Diretoria de


Pessoal/PMPA, 1988.

PMPA-Polícia Militar do Pará. Decreto n. 9.521, de 8 de março de 1976. Regulamento do


uso de uniformes. Belém: PMPA, 1976.

PARÁ. Decreto n. 1.585, de 20 de maio de 1981. Medalha General Ferreira Coelho.


PARÁ. Portaria Governamental n. 918, Diário Oficial do Estado do Pará, 28 fev. 1983.
PARÁ. Portaria Governamental n. 1.053, Diário Oficial do Estado do Pará, 4 abr. 1983.
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PM realiza homenagem póstuma ao patrono Coronel Fontoura‖ Disponível em:


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STOCHERO, Tahiane. G1-GLOBO. PM do Pará usa búfalos para policiamento na Ilha do


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PolyGram, 1982. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=HnX4VFz4EOs>
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REGISTROS Memoriais do Coronel Artur Correa da Silva - disponibilizados por José Dilson
Melo de Souza Junior.

AVULSOS
 Revista Alvorada. Revista Comemorativa da Academia de Polícia do Ceará: Aspirantes, 1993.

 Revista Guararapes. Publicação da Academia de Polícia Militar de Paudalho, v.1, n. 2, 1995.


344

ENTREVISTADOS

 Francisco Ribeiro Machado


 João Paulo Vieira da Silva
 Eledilson Renato de Oliveira
 Danielson da Silva Monteiro
 Antônio Carlos Pessoa de Lima

COIRMÃS

 Cap. PM Leonardo Santiago Gibson Alves, Cadete, 1988.


 Cel. PM Osmar Vieira da Costa Junior, Cadete, 1988.
 Cel. PM Roberto Silva da Silveira Júnior, Cadete 1988.
 Cel. PM Ruth Léa Costa Guimaraes, Cadete, 1988.
 Cel. PM Joao Carlos Lima e Silva, Cadete, 1989.
 Ten. Cel. PM Pedro Paulo da Costa Vale, Cadete, 1992.

1 CIFO

 Cel. PM Carlos Emílio de Sousa Ferreira, Aspirante a Oficial, 1991.


 Cel. PM Dilson Barbosa Soares Júnior, Aspirante a Oficial, 1991.
 Cel. PM Heyder Calderaro Martins, Aspirante a Oficial, 1991.
 Cel. PM Hylton Loris Soares Figueira, Aspirante a Oficial, 1991.
 Cel. PM Jairo Mafra Mascarenhas, Aspirante a Oficial, 1991.
 Cel PM Marco Antônio Rocha dos Remédios, Aspirante a Oficial, 1991.
 Cel. PM Osmar da Silva Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991.
 Cel. PM Walter Rodrigues da Cruz Junior, Aspirante a Oficial, 1991.

2 CIFO

 Cel. PM Dagoberto Gomes Duarte Junior, Aspirante a Oficial, 1992.


 Cel. PM Emmanuel Queiroz Leão Braga, Aspirante a Oficial, 1992.
 Cel. PM José Dilson Melo de Souza Junior , Aspirante a Oficial, 1992.
 Cel. PM Romualdo Marinho Soares Junior, Aspirante a Oficial, 1992.
 Cel. PM Ronaldo Carlos Souza Seabra, Aspirante a Oficial, 1992.
345

CFO

 Cel PM Simão Salim Junior, Cadete, 1992.


 Cel PM Luiz Carlos Rayol de Oliveira, 1992.
 Ten. Cel. PM Ana Christina Calliari Bentes, Cadete, 1992.
 Maj. PM Antônio Vicente da Silva Neto, Cadete, 1993.
 Maj. PM Denise da Costa Gomes, Cadete, 1994.
 Maj. PM Edimar Marcelo Coelho Costa, Cadete, 1999.
 Maj PM Marcus Vinicius Oeiras Formigosa, Cadete 1999.
 Maj. PM Osmar de Melo Santos, Cadete, 1999.
 Cap. PM Ênio Félix de Oliveira, Cadete, 2008.
 Cap. PM Maxwell Matos Sousa, Cadete, 2008.
 Cap. PM Verena Magalhães do Nascimento, Cadete, 2008.
 Ten. PM Ramiro de Carvalho Noronha Araújo, Cadete, 2010.
346

APÊNDICES
347

APÊNDICE A
OFÍCIO AO CEL. PM AILTON SILVA DIAS

Belém-PA, 15 de agosto de 2013.

Ao CEL PM AILTON SILVA DIAS


Ajudante geral da PMPA

Assunto: Solicitação

Com os cumprimentos de praxe, solicito a V.Sª, a gentileza em autorizar, a inserção desta


pesquisadora, nos arquivos do Protocolo Geral da Polícia Militar do Pará, para a realização de
coleta de dados, que subsidiará parte da pesquisa documental, da Tese de doutoramento em
História Social da Amazônia, na Universidade Federal do Pará.

Cordialmente,

JESIANE CALDERARO COSTA VALE


Pesquisadora/ Doutoranda
348

APÊNDICE B1
OFÍCIO AO TEN CEL. QQPM LUIZ CARLOS RAYOL DE OLIVEIRA
349

APÊNDICE B2
OFÍCIO AO TEN CEL. QQPM MARCELO CHUVA SIMONETTI

Belém-PA, 02 de junho de 2016.

Ao Sr. TEN CEL QOPM MARCELO CHUVA SIMONETTI


Comandante da APM Cel Fontoura

Assunto: Solicitação

Com os cumprimentos de estilo, solicito a V.Sª, a gentileza em autorizar a


permanência desta pesquisadora, nos arquivos da APM, para a coleta de dados que
subsidiarão a pesquisa de campo, atinentes a Tese de Doutoramento em História Social da
Amazônia/UFPA, cujo objeto trata-se da ―Formação do oficialato nessa Unidade Acadêmica,
no período de 1988 a 2014‖, sob a orientação do Prof. Dr. William Gaia Farias.

Cordialmente,

JESIANE CALDERARO COSTA VALE


Pesquisadora/ Doutoranda
350

APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O/A senhor/a está sendo convidado/a a participar de uma pesquisa de


DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL NA AMAZONIA na UFPA, cujo objetivo
consiste em revelar por meio da História, como era a formação dos oficiais nas
Academias de Policias Militares no período de 1988 a 2014, realizada pela
pesquisadora Jesiane Calderaro Costa Vale, sob a orientação da Prof. Dr. William
Gaia Farias. Ao aceitar fazer parte desta pesquisa, o/a Sr/a estará autorizando que seu
nome seja identificado e citado na pesquisa. Caso não queira participar, não haverá
nenhuma penalização. Ao final da pesquisa, os dados serão analisados, interpretados, e
posteriormente transcritos, para a elaboração de trabalho de tese, relatórios e/ou
artigos científicos. Assim, atendendo aos critérios da Ética em Pesquisa com Seres
Humanos, peço-lhe que assine seu nome e responda as perguntas do roteiro da
entrevista a seguir. Obrigada.

Nome:___________________________________________________________

Assinatura:_______________________________________________________
351

APÊNDICE D
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DO OFICIAL POLICIAL MILITAR (1988-2014)

1. Nome ______________________________
2. Ano do Ingresso - Qual das Academias?
3. Modo do ingresso? ( ) Indicação ( ) CPOR ( ) NPOR ( ) Outro
4. Motivação para a admissão.
5. Família – opinião sobre a carreira militar /sobre seu ingresso na Academia
6. Tipos de influência para o seu ingresso na vida militar
7. Estado civil e idade à época do ingresso.
8. Cotidiano (rotina diária) da Academia.
9. Experiência em regime de internato?
10. Apresentação pessoal (Uniformes, cabelos, barba, sapatos, etc)
11. Nome de guerra (critério? Escolha pessoal)
12. Formaturas civil/militar
13. Treinamento Físico Militar ou Educação Física Militar
14. Desfiles públicos
15. Ritos policiais militares da formação (espadim / espada, etc)
16. Cerimonias e solenidades
17. Ingresso de mulheres
18. Formação - Aulas/ensino/disciplinas
19. Instrutores/professores
20. Estágios operacionais
21. Espirito de corpo/Espirito militar
22. Formação compatível com a atuação. Alguma deficiência no ensino/aprendizagem.
23. Elogios. Punições.
24. Seu desempenho (notas/conceitos)
25. Lotação/distribuição no Estado
26. Jogos acadêmicos interestaduais
27. Dificuldades no período de sua formação
28. Retorno em outro momento à Academia.
29. Percebe mudanças em níveis de formação/ aperfeiçoamento.
30. Continuidades na formação.
31. Diferença da formação na APM e IESP.
32. Sua trajetória.
33. Gostaria de comentar algo mais? Fique à vontade.
352

APÊNDICE E
DADOS BIOGRÁFICOS DOS ENTREVISTADOS

Francisco Ribeiro Machado – Coronel – historiador, decano da PMPA. Ingressou na


PMPA como Soldado, em 1953; galgou graduações, postos e chegou a exercer o cargo de
Comandante-Geral da Polícia Militar do Pará, de 21/04/1983 a 24/03/1987. Desempenhou
várias funções: foi chefe da Casa Militar por oito anos, o maior tempo na história da Casa
Militar, nos governos de Aloísio Chaves (1975-1978), Clóvis Moraes Rêgo (1978-1979) e
Alacid Nunes (1979-1983). É autor das obras: Visão Histórica da Polícia Militar do
Pará: pesquisa e compilação, 2012; Manual do Policial Militar. Diretoria de Ensino e
Instrução da PMPA. 1992. Coronel da reserva da Polícia Militar do Pará.

Joao Paulo Vieira da Silva - Oficial oriundo do Exército brasileiro. Engenheiro Civil
pela UFPA; Desempenhou várias funções na PMPA: foi o primeiro comandante da
Academia de Polícia Militar Cel. Fontoura. Diretor de Ensino e Instrução da PMPA;
Chefe da Casa Militar da Governadoria do Estado no governo de Almir Gabriel; Foi
Comandante-Geral da PMPA (2003-2006) e Presidente do Conselho Nacional dos
Comandantes-Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares eleito por
três mandatos consecutivos. Coronel da reserva da Polícia Militar do Pará.

Eledilsom Renato Costa Oliveira – Oriundo do Exército brasileiro. Bacharel em


Direito; Instrutor de Armamento Tiro e Munição. Foi o precursor do Método Giraldi
para a preservação da vida na Academia de Polícia Militar Cel. Fontoura.
Desempenhou várias funções: Comandante da Companhia de Radiopatrulhamento;
Diretor de Ensino e Instrução da PMPA e Subcomandante-Geral da PMPA. Coronel da
Reserva da Polícia Militar do Pará.

Antônio Carlos Pessoa de Lima – Oficial R2 do Exército brasileiro, admitido na PM


em 1987. Realizou curso de adaptação no CFAP; serviu nas Unidades Patrulhamento
Tático Metropolitano (PATAM); no 3º BPM Santarém; 13º BPM Tucuruí; no14º BPM
Barcarena; 19º BPM Paragominas; CPR Redenção; CIOP e Comando Geral. Dentre as
funções exercidas: Comandante e Instrutor nos cursos de formação de praças. Tenente
353

Coronel na reserva remunerada da PM.

Danielson da Silva Monteiro – realizou o Curso de Oficial da Marinha Mercante no


Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar (CIABA), também denominado de Escola
de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (EFOMM), no período de 1991 a 1993.
Recebeu a carta patente oficial 2º Tenente da Marinha do Brasil. Seguiu carreira como
oficial mercante nos postos de 2º oficial, 1º oficial, Capitão de Cabotagem. Atualmente,
Capitão de Longo Curso (último posto) na carreira da Marinha Mercante.

COIRMÃS

Leonardo Santiago Gibson Alves – Foi cadete Academia de Polícia Militar em Minas
Gerais. Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia (2012); Especialização
em Sociedade e Segurança Pública pela UFPA (2013-2015); Especialização em Direito
Administrativo e Administração Pública pela Universidade da Amazônia (2011-2013).
Desempenhou diversas funções nas áreas administrativas, na Diretoria de Finanças e
na Diretoria de Apoio Logístico.

Osmar Vieira da Costa Junior – Iniciou sua formação ao oficialato, como cadete na
Academia de Polícia Militar de Barro Branco-São Paulo, entretanto por ter apresentado
pneumonia e inadaptação ao clima frio, concluiu seu Curso de Formação de Oficial na
Academia de Paudalho-Pernambuco. Tornou-se oficial instrutor e multiplicador da
filosofia de Polícia Comunitária e da disciplina de Direitos Humanos. Foi Comandante
do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças e também Comandante da
Academia da Polícia Militar Cel. Fontoura. Coronel da reserva da Polícia Militar do Pará.

Roberto Silva da Silveira Júnior – Foi cadete na Academia de Polícia Militar em


Paudalho, Pernambuco; Comandante da Companhia Independente de Policiamento
Assistencial (CIEPAS), Diretor de Apoio Logístico; Comandante do Comando de
Policiamento Regional (CPR), Marabá; Chefe de gabinete do Comandante-Geral e
Ajudante Geral da PMPA. Foi do Departamento Geral de Administração (DGA).
Coronel da Polícia Militar do Pará.
354

Ruth Léa Costa Guimaraes – Foi Cadete da Academia de Polícia Militar de Minas
Gerais em 1988. No Pará, desde Aspirante a Oficial, exerceu várias funções: Instrutora
nos cursos na formação de soldados; Comandante de policiamento em campos futebol;
policiamento no Carnaval e outras operações. Trabalhou na Companhia de
Policiamento Feminino e nos batalhões de Santarém e de Itaituba; Comandante da
Companhia Independente de Policiamento Assistencial (CIEPAS). Foi promovida a
Coronel em 2009, sendo a ‗primeira oficial feminino‘ do quadro de combatentes no
estado do Pará a chegar neste posto. Coronel da Polícia Militar do Pará.

Joao Carlos Lima e Silva – Foi Cadete na Academia de Polícia Militar de Minas
Gerais; desenvolveu várias funções: como instrutor nos cursos de formação de
soldados (CFAP). Foi do Centro de Suprimento e Manutenção. Coordenador de Ensino
Superior do IESP e, posteriormente, foi nomeado Diretor do Instituto de Ensino de
Segurança do Pará (IESP). Coronel da Polícia Militar do Pará.

Pedro Paulo Costa Vale – realizou Curso de Formação de Oficiais pela Academia de Polícia
Militar do Paudalho, Pernambuco (1994). Graduado em Gestão de Órgãos Públicos pela
Universidade da Amazônia (UNAMA); Especialização em Defesa Social e Cidadania pelo
Instituto de Ensino e Segurança Pública do Pará (UEPA); Especialização em Metodologia do
Ensino (IESP). Foi instrutor de diversas turmas, da disciplina Armamento e Tiro; Chefe da
Divisão de Ensino da Academia de Polícia Militar Cel. Fontoura; Comandante da CIEPAS;
Subdiretor na Diretoria de Polícia Comunitária e Direitos Humanos. Subcomandante do
Comandado de Policiamento Regional IX. É Tenente Coronel da Polícia Militar do Pará.

1° CIFO

Carlos Emílio de Sousa Ferreira – Integrou a primeira turma do curso intensivo de


formação de oficiais da APM Cel. Fontoura. Participou da formação de várias turmas
no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças. Foi comandante da Companhia
Independente de Polícia Turística (CIPTUR); comandante da Companhia Independente
de polícia Assistencial (CIEPAS); diretor do IESP; diretor de Polícia Comunitária e
Direitos Humanos. Coronel da Polícia Militar do Pará.
355

Dilson Barbosa Soares Júnior – Integrou a primeira turma do curso intensivo de formação
de oficiais da APM Cel. Fontoura; Foi Comandante do Batalhão de Policia Militar de
Itaituba; integrou a subchefia da Governadoria da Casa Militar do Pará no governo de Ana
Julia Carepa; Diretor de Pessoal da PMPA; Diretor do Fundo de Assistência Social da PM.
Coronel da Polícia Militar do Pará.

Heyder Calderaro Martins – Mestre em Administração, área de Estratégia em Organizações


pela UNAMA; Especialista em Gestão Estratégica, área de Segurança Pública pela UEPA; Esp.
em Tecnologias Aplicadas à Educação, pela PUC-SP; Bacharel em Ciências de Defesa Social
(IESP) e Processamento de Dados (CESUPA);. Oficial Superior da Polícia Militar do Estado do
Pará no posto de Coronel PM, com experiência em Ensino e Instrução PM, Tecnologia da
Informação e Comunicação. Foi Chefe do Centro de Informática e Telecomunicações da
PMPA; Comandante de OPM's e Comando Regional; Coordenador de Ensino Superior do
IESP; Diretor de Ensino e Instrução da Polícia Militar; Diretor do Centro Integrado de
Operações (CIOp/SEGUP-PA). Coronel da Polícia Militar do Pará.

Hylton Loris Soares Figueira – Integrou a primeira turma do curso intensivo de formação
de oficiais da APM Cel. Fontoura. É bacharel em Direito; foi oficial tesoureiro do Centro
Social da PM e Fundo de Assistência Social. Oficial corregedor e Presidente da Comissão
Permanente de Corregedoria do CPC (2012). Coronel da Polícia Militar do Pará.

Jairo Mafra Mascarenhas – Integrou a primeira turma do curso intensivo de formação


de oficiais da APM Cel Fontoura. Durante muitos anos compôs a equipe de segurança
da governadoria da Casa Militar no governo Almir Gabriel; Foi comandante da
CIEPAS. Foi chefe de Gabinete do Comandante-Geral; Comandante de Policiamento
Regional de Abaetetuba. Coronel da Polícia Militar do Pará,

Marco Antônio Rocha dos Remédios – Integrou a primeira turma do curso intensivo
de formação de oficiais da APM Cel. Fontoura. Chefe de gabinete do Comandante-Geral.
Mestre em Defesa Social e Mediação de Conflitos pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Especialista em Gestão Governamental (FGV/SP); Educação e Problemas Regionais (UFPA);
Segurança Pública (UCAM/RJ); Gestão em Segurança Pública e Defesa Social (UFPA);
Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Docente dos Cursos de
Promotores e Multiplicadores de Polícia Comunitária em âmbito nacional pelo Ministério da
Justiça. Coronel da Polícia Militar do Pará.
356

Osmar da Silva Nascimento – Integrou a primeira turma do curso intensivo de


formação de oficiais da APM Cel. Fontoura. É engenheiro civil pela UFPA; trabalhou
na PMPA, na Diretoria de Apoio Logístico, como Chefe da seção de engenharia e
arquitetura; foi assessor especial da Casa Militar da governadoria; chefe de segurança
do gabinete da Vice governadoria do Estado. Coronel da Polícia Militar do Pará.

Walter Rodrigues da Cruz Junior – É oficial do Amazonas; realizou sua formação na


primeira turma do curso intensivo de formação de oficiais da APM Cel. Fontoura.
Participou da equipe de segurança da Assembleia Legislativa do estado do Amazonas.
Foi Subcomandante-Geral da Polícia Militar do Amazonas; Secretário de Trânsito da
Secretaria de Tecnologia da Informação (PMAM) e Chefe da Casa Militar. Coronel da
Polícia Militar do Amazonas.

2°CIFO

Dagoberto Gomes Duarte Junior – Oficial formado inicialmente pelo CIABA –


oriundo da Marinha Mercante, participou da segunda turma do curso intensivo de
formação de oficiais da APM Cel. Fontoura, em 1992. Chefe de gabinete do
Comandante-Geral e Diretor de Pessoal da PMPA. Coronel da Polícia Militar do Pará.

Emmanuel Queiroz Leão Braga – Participou da segunda turma do curso intensivo de


formação de oficiais da APM Cel. Fontoura em 1992. Realizou curso superior na
Escola de Educação Física do Exército. Comandante do Comando de Missões
Especiais e Chefe do Estado Maior Geral. Coronel da Polícia Militar do Pará.

José Dilson Melo de Souza Junior – Participou da segunda turma do curso intensivo
de formação de oficiais da APM Cel. Fontoura, em 1992. Foi da governadoria da casa
militar do primeiro mandato do governo Almir Gabriel, comandante do Comando de
Policiamento da Capital; Corregedor Geral, e Diretor de Ensino e Instrução da PMPA.
357

Coronel da Polícia Militar do Pará. Mestre em Defesa Social e Mediação de Conflitos.

Romualdo Marinho Soares – Oficial formado inicialmente pelo CIABA –oriundo da


Marinha Mercante, participou da segunda turma do curso intensivo de formação de
oficiais da APM Cel. Fontoura, em 1992. Foi Subcomandante e Comandante do corpo
de cadetes da APM; Comandante do 2° BPM; Comandante de Policiamento
Especializado da PMPA; Chefe da Casa Militar do Tribunal do Estado e Diretor de
Finanças da PMPA. Coronel da Polícia Militar do Pará.

Ronaldo Carlos Souza Seabra – Oficial formado inicialmente pelo CIABA –oriundo
da Marinha Mercante, participou da segunda turma do curso intensivo de formação de
oficiais da APM Cel. Fontoura, em 1992. Foi integrante do Comando de Policiamento
Regional III, em Castanhal-Pará. Foi do 13º BPM de Tucuruí; instrutor e tesoureiro da
Academia de Polícia Militar Cel. Fontoura; oficial corregedor regional da corregedoria
de Polícia Militar. Coronel da Polícia Militar do Pará.

CFO

Ana Christina Calliari Bentes – Foi da 1ª turma do curso de Formação de Oficiais


Regular (CFO), em 1992. É bacharel em Direito. Trabalhou como oficial no 5º BPM
Castanhal; na APM; no 1º BPM e no CFAP. No 6º BPM, no CIOP, no CIEPAS e na
Corregedoria da PMPA. Tenente Coronel da Polícia Militar do Pará.

Simão Salim Junior – Foi da 1ª turma do curso de Formação de Oficiais Regular (CFO),
em 1992. Comandante da Ronda Ostensiva Tática Metropolitana (ROTAM); Comandante
da Companhia Independente de Operações Especiais (CIOE), Chefe do Centro Estratégico
do Comando de Policiamento da Capital. Coronel da Polícia Militar do Pará.

Luiz Carlos Rayol de Oliveira – Foi da 1ª turma do curso de Formação de Oficiais


Regular (CFO), em 1992; Instrutor de TFM para várias turmas da APM; Comandante
da Ronda Ostensiva Tática Metropolitana (ROTAM); Comandante de Missões
Especiais (CME); Comandante da Academia Cel. Fontoura e Comandante do
358

Comando de Policiamento da Capital (CPC). Coronel da Polícia Militar do Pará.

Antônio Vicente da Silva Neto – Foi Cadete na turma de 1993-1998, na Academia de


Polícia Militar Cel. Fontoura. Foi instrutor de TFM para várias turmas da APM;
Subcomandante da APM, 2015; Comandante da primeira companhia do Batalhão de
Polícia Tática; Comandante das zonas de policiamento; chefe de segurança do
Governador; Subcomandante da PM, além de trabalhar como Chefe do P1 em
Bragança; Chefe da Divisão de Ensino do CFAP; hoje. Atua na Diretoria de Ensino.
Tenente Coronel da Polícia Militar do Pará.

Denise da Costa Gomes – Foi Cadete na turma de 1994-1998, na Academia de Polícia


Militar Cel. Fontoura. Ao atuar na operacionalidade, foi classificada na Companhia de
Polícia Feminina, depois transferida para Bragança; para a Companhia Integrada de
Policiamento Escolar (CIPOE) e, posteriormente, para a Chefia da Divisão da APM.
Tenente Coronel da Polícia Militar do Pará.

Edimar Marcelo Coelho Costa – Foi Cadete na turma de 1999, na Academia de


Polícia Militar Cel, Fontoura. Graduado em Psicologia pela Universidade da Amazônia
(UNAMA) e em Ciências de Defesa Social pelo Instituto de Ensino de Segurança Pública do
Pará (IESP). Bacharel em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul (SP); Mestrado em
Segurança Pública (UFPA); Instrutor de Defesa Pessoal da APM Cel. Fontoura. Major da
Polícia Militar do Pará.

Marcus Vinicius Oeiras Formigosa – Foi Cadete na turma de 1999 na Academia de


Polícia Militar Cel. Fontoura. Graduado em Direito; Chefe da Seção Técnica (DEI);
participou da formação de várias turmas na APM Cel. Fontoura, na qualidade de
Comandante de Pelotão, de Subcomandante do Corpo de Alunos e depois Comandante.
Major da Polícia Militar do Pará

Osmar de Melo Santos – Foi cadete na turma de 1999 na Academia de Polícia Militar Cel.
Fontoura. Foi oficial de dia no CIEPAS; Comandante do Corpo de Alunos da Academia
de Polícia Militar; integrou a Diretoria de Apoio Logístico - Seção de Contratos e
359

Licitações; foi Ajudante de Ordem do Comandante-Geral; do Batalhão de Polícia de


Eventos (administração) e do Departamento Geral Operacional (DGO). Major da Polícia
Militar do Pará

Ênio Félix de Oliveira – Foi Aspirante a Oficial da Reserva não remunerada do Exército
Brasileiro (NPOR), Belém (2003). Foi Cadete na turma de 2008 na Academia de Polícia
Militar Cel. Fontoura. Trabalhou na Companhia Independente de Policiamento com Cães;
Comandante de Companhia no CFAP; Comandante do 2° Esquadrão do Regimento de
Polícia Montada "Cassulo de Mello". É Bacharel em Direto pela UFPA. Tem curso de
Adestramento Básico de Cães Policiais, de Instrutor de Tropa Montada; de Instrutor de
Tiro Defensivo Método Giraldi; de Intervenções Estratégicas em Manifestações Sociais. É
oficial no 20° BPM. Capitão da Polícia Militar do Pará

Maxwell Matos Sousa – Foi Cadete na turma de 2008 na Academia de Polícia Militar
Cel. Fontoura. Lotado no 1º BPM (2010-2012), participou do Grupo de Recobrimento
Comando de Policiamento da Capital (2012-2013); Oficial do Batalhão de
Policiamento Tático (2013-2014); Batalhão de Polícia de Choque (2014-2018) e
Ajudante de Ordens do Comandante[-Geral. Capitão da Polícia Militar do Pará

Verena Magalhães do Nascimento – Foi Cadete na turma de 2008 na Academia de


Polícia Militar Cel. Fontoura. Graduada em Educação Física pela UFPA. Foi
Subcomandante da Companhia Independente de Polícia Assistencial (CIEPAS) e
oficial da 1ª seção do Estado Maior Geral da PMPA. Capitã da Polícia Militar do Pará

Ramiro De Carvalho Noronha Araújo – Foi Cadete na turma de 2010 na Academia de


Polícia Militar Cel. Fontoura. Foi Sargento de Infantaria do Exército brasileiro e
auxiliar do Corpo de Alunos da Academia de Polícia Militar Cel. Fontoura. Tenente da
Polícia Militar do Pará
360

APÊNDICE F
MAPA DE DISCIPLINAS

―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
DISCIPLINAS
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Abord. Sóc.-Psicol. da Viol. e do Crime X X X
Abordagem Psi. do Crime e da Violência X
Administração de Materiais da PM X X X
Administração de Pessoal X X X
Administração Financeira da PM X X X
Administração Policial Militar X X X X X
Administração Pública X X
Análise de Procedimentos da PM X
Armamento, Tiro e Equipamentos da PM X X X X X X X X X X X X
Atividade de Inteligência X X X X
Cartografia e Geoinformação na Análise do X
Espaço Geográfico
Cerimonial, Protocolo e Etiqueta Social X X X
Chefia e Liderança X X X X X X X
Comunicação Comunitária X X X X
Comunicação e Expressão X X X X X
Comunicação Social X
361

Cont...

Comunicações PM X X X X X X X X
Contabilidade e Finanças Públicas X X X X X X X X
Correspondência Militar X X X X X X X
Criminalística/ Criminalística Aplicada X X X X X X X X X X X X X X
Criminologia Aplicada à Seg. Pública X X X X X X X X X X X X X X X
Defesa Civil X X X X
Defesa Pessoal X X X X X X X X X X X X X X X
Defesa Pessoal e Artes Maciais X
Deontologia Policial Militar X X X X X
Desportos Especializados X X X
Didática X X X X X X X
Direção Def. Aplic. – cat. ―A‖ e cat. ―B‖ X X
Direito Administrativo X X X X X X X X X X X X X X
Direito Ambiental X X X X X

―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª

1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Direito Civil X X X X X X X X X X X X
Direito Civil e do Consumidor X X
Direito Constitucional X X X X X X X X X X X X X X
Direito da Criança e Adolescente X X X
362

Cont...

Direito Especial X X X
Direito Penal X X X X X X X X X X X X X X X
Direito Penal Militar X X X X X X X X X X X X X X
Direito Processual Penal X X X X X
Direito Processual Penal Aplicado X X X X X X X X X X X X X X
Direito Processual Penal Militar X X X X X X X X X X X X X X X
Direitos Humanos X X X X X X X X
Direitos Humanos e Humanitários X X
Economia Brasileira e Políticas Públicas X X X
Economia e Desenvolvimento Regional/Economia X X X X X X X
Política
Economia Política X X X X X
Educação Física Militar/Treinamento Físico Militar X X X X X X X X X X X X X X X
Educação Musical X X
Emergência e Socorro de Urgência X X
EOPAS X
Equitação Militar X
Estágio Supervisionado X X X X X X X X
Estatística e Análise de Dados X X X X X X X X X X
Estatística/ Estatística Aplicada X X X X X X X X X X
Estudo complementar de Direito X
Estudos dos Problemas Amazônicos X X X X
Estudos Dos Problemas Brasileiros X
363

Cont...

Estudos Militares X X X X X
Estudos Policiais X X X X X
Ética e Cidadania X X X X
Ética Policial Militar X X X
Etiqueta Social X X X X X

―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Fund. Pol. Ativ. Prof. Seg. Cidadão X X
Fundação de Polícia Comunitária X X X X
Fundamentos da Ciência Administrativa X X X X X X X
Fundamentos da Ciência do Direito X X
Fundamentos da Gestão Pública X X X
Fundamentos das Ciências Econômicas X X X
Geografia da Amazônia X
Gerenciamento de Crises e Negociação X X X X X X X
Gestão da Informação (Atividade de Inteligência) X
Gestão de Qualidade X X X
Gestão na Administração Pública X X X X
História da Polícia Militar X X X X X X X X X X
Informações X X X X
364

Cont...

Informática Aplicada/ Informática Instrumental X X X X X X X X X X X X X X


Inglês X X X X X X
Inteligência Policial X X
Introdução à Administração X X
Introdução ao Estudo de Direito X X X X X X X X X X X X
Introdução Policial Militar Básica X X X X X X X
Legislação Ambiental X
Legislação Especial X X X X X X X
Legislação Sobre Direito da Criança e Adolescente X X X
Marchas e Estacionamentos X
Matemática Aplicada/ Matemática Instrumental X X X
Medicina Legal Aplicada X X X X X X X X X X X X X X
Metodologia da Pesquisa Cientifica X X X X X X X X X X X X X X
Metodologia do Ensino e Aprendizagem X X X X X X X X
Monografia/TCC X X X X X X X

―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Noções Bás. de Primeiros Socorros X
Noções de Bombeiro Militar X X X X X
Noções de Cart. E Imag. Aéreas X
365

Cont...

Noções de Hig. E Pronto-Socorrismo X X X X X


Operação de Defesa Int. e Def. Territorial X X X X X X X X X
Op. Policiais Militares em Área de Selva II X X X
Operações de Choque X X X X
Operações Policiais X X X X X X
Operações Policiais Especiais X X X
Oratória X X X X X X X X X
Ordem Unida X X X X X X X X X X X X X X X
Organização e Legislação do PM X X X X X X X X X X X X X
Orientação de TCC/Orientação Monográfica X X X X X
Orientação e Supervisão de Curso X X
Patrulhamento Tático X X
Pesquisa Operacional X
Planejamento Estratégico e Operacional X X X X X X X

Planejamento Orientado por Problemas (EAD) X X X


Polícia Comparada X X X X X X X
Policiamento Aéreo X X
Policiamento Ambiental X X X X X
Policiamento Assistencial X X X X
Policiamento com Cães X X
Policiamento Comunitário X X X
Policiamento de Choque X X
366

Cont...

Policiamento de Guarda X X X X X X
Policiamento de Rádio Patrulha X X
Policiamento de Trânsito X X

―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Policiamento de Trânsito Urbano e Rod. X
Policiamento Escolar X X X X
Policiamento Fluvial X X
Policiamento Montado X X X X
Policiamento Ostensivo Geral X X X X X X X
Policiamento Penitenciário X X
Policiamento Rodoviário X X
Policiamento Rodoviário e de Trânsito X
Policiamento Turístico X X X
Política Econômica e Desenv. Regional X
Português Instrumental X X X X X X X X X X
Prevenção e Combate a Incêndio X X X X X
Primeiros Socorros X
Processo Decisório Aplicado X X X
Pronto Socorrismo X
367

Cont...

Psicologia da Violência X X
Psicologia Social X X X X X X
Radiopatrulhamento e Téc. De Abordagem X X X
Relações Humanas X
Relações Humanas/ Relações Interpessoais X X X
Relações Interpessoais X X X
Relações Públicas Humanas X
Resolução de Confl. Agrários (EAD) X X X
Seg. de Inst. Físicas e Dignitários X X X X X X X X X
Segurança Nacional X X X X
Seminário Temático X X X X X X
Seminários, Supervisão, Estágios X X X X X X X X X
Seminários/Palestras X
Serviço Social X X X X
Sistema de Segurança Pública no Brasil X X X

―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Sistema Nacional de Segurança Pública X X X
Sistemas de Comando e Operações X X
Sociologia X X X X X X
368

Cont...

Sociologia das Organizações X


Sociologia do Crime e da Violência X X X X X
Socio-psicologia da Violência X X
Socorros de Urgência X X
Supervisão de Curso X
Técnica de Polícia Judiciária X X X
Técnica de Polícia Judiciária Militar X X X
Técnica/Tática Policial Militar X X X X X
Técnicas e Maneabilidade de Incêndio X X
Tecnol. Da Informação e Telec. X
Telecomunicações PM X X X
Teoria de Polícia X X X X X
Teoria do Processo Jurídico/ Teoria Geral do X X X X X X X X X X
Processo
Tiro Policial/ Tiro Defensivo X X X X X X X X
Tomada de Decisão da Administração Pública X X X
Trabalho de Comando X X X X
369

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