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BELÉM-PARÁ
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA
BELÉM-PARÁ
2018
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Pará
Gerada automaticamente pelo módulo Ficat, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
___________________________________________________________
V149a Vale, Jesiane Calderaro Costa.
Da Academia de Polícia Militar ao IESP: : A formação de oficiais da Polícia Militar do
Pará (1988 a 2014) / Jesiane Calderaro Costa Vale. — 2018.
369 f. : il. color.
CDD 355.03358115
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JESIANE CALDERARO COSTA VALE
Banca Examinadora
________________________________________________________
Prof. Dr. William Gaia Farias - Orientador
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)
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Prof. Dr. Renato Luis de Couto Neto e Lemos - Examinador Externo
Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ
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Profa. Dra. Joana D‟arc do Carmo Lima – Examinadora Externa
Faculdade Ciência e Conhecimento - Pará
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Profa. Dra. Maria de Nazaré Sarges - Examinadora
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)
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Profa. Dra. Franciane Gama Lacerda - Examinadora
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)
________________________________________________________
Profa. Dra. Magda Maria de Oliveira Ricci - Examinadora
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)
Dedico esta tese aqueles policiais militares,
homens e mulheres que, inconformados com as
―velhas, abusivas e arbitrárias práticas‖ de um outro
tempo, trabalham incansavelmente no tempo presente,
―reinventando‖ o seu fazer profissional comunitário,
cujo resultado seja a valorização do seu papel,
com credibilidade e merecida admiração da sociedade.
AGRADECIMENTOS
Uma parte da minha trajetória no doutorado foi sofrida, trôpega, desértica, solitária ....
Mas chegou o bom tempo ... Por isso, sem pestanejar, quero agradecer primeiramente a Deus,
porque ―todos os dias Ele me cerca com sua fidelidade‖ e posso testemunhar que ―Nele
vivemos, nos movemos e existimos‖.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. William Gaia Farias, pela acolhida tão
oportuna à minha temática, quando de modo entusiástico deu outro sentido à minha
investigação, ao me estender a mão, e me recebendo aos ―quarenta e cinco, do segundo
tempo‖, redirecionando, orientando e me inspirando com inquietações sempre tão pertinentes,
fruto dos seus abundantes conhecimentos na temática – ao mestre e ‗comandante‘ Gaia, a
minha imensa gratidão e carinho.
À querida professora doutora Maria de Nazaré Sarges (afetuosamente Naná) por sua
sabedoria, generosidade, fineza e contínuo encorajamento acadêmico a mim destinado, nas
suas disciplinas e em outros momentos, inclusive com empréstimos de seus livros e indicação
de outros, para consubstanciar a minha escrita;
Também, com muito carinho, quero agradecer à Polícia Militar do Pará, comandantes,
pares e comandados, inclusive aqueles que por mais de duas décadas, ora colegas de ‗missão‘,
ora como meus alunos, ou como meus pacientes, foram meus incontáveis ‗colaboradores‘, e
que, nesta tese, juntaram-se a mim no ‗pelotão‘ que, direta ou indiretamente, ‗marcharam‘
comigo, mesmo sob a cortina do quase anonimato, promoveram algum auxílio às minhas
reflexões.
Aos meus amigos e ‗antigos‘ chefes Cel QOPM Dilson Soares Barbosa Júnior e Cel.
QCOPM Neyla Regina Bahia Vieira da Silva, pela solidariedade, compreensão e auxílio
quando eu necessitava ausentar-me do serviço.
Minha gratidão mais sincera ao Cel. QOPM R/R Francisco Ribeiro Machado – decano
da instituição PMPA e ao Cel. QOPM R/R João Paulo Vieira da Silva – primeiro comandante
da APM Cel. Fontoura, ambos, por terem me recebido calorosamente, em suas residências,
para as muitas horas de entrevistas; e a todos os demais sujeitos/participantes, meus
interlocutores nesta pesquisa, que dispuseram tão generosamente do seu tempo, às minhas
―curiosidades‖, reportando-se às lembranças diversas, regadas de sorrisos, curiosidades,
saudades e algumas frustrações.
Aos meus amáveis colaboradores com os resumos nos idiomas: Rebekah Câmara,
Roberto de Oliveira (carinhosamente Bob) e João Viktor Santos;
À querida Iraneide Silva, pela revisão zelosa do vernáculo e das normas técnicas do
texto final da tese.
A presente tese investiga de que maneira se constituiu a formação de oficiais da Polícia Militar
do Pará, no período de 1988 a 2014. Analisa-se que essa formação profissional inicialmente
realizada com os oficiais da reserva do Exército brasileiro, sob o paradigma e cultura militares,
regida por regulamentos disciplinares, doutrinas, elementos simbólicos, patronos, heróis,
cerimônias específicas, na incorporação do ethos guerreiro e do espírito militar, foi
redimensionada, no pós-1988, em virtude do processo da redemocratização. Posteriormente,
apresentou-se com a perspectiva de amalgamar conteúdos militares aos de polícia comunitária e
cidadã, focados na interdisciplinaridade, transversalidade, e na integração das três principais
unidades de ensino do Sistema de Segurança Pública: Academia de Polícia Militar, Academia
de Polícia Civil e Academia de Bombeiro Militar, devido a criação do Instituto de Ensino de
Segurança do Pará (IESP). Para analisar o percurso decorrido, optou-se metodologicamente por
duas vertentes: a História do Tempo Presente e a História Oral, na perspectiva de 36 sujeitos
que consentiram realizar suas narrativas sobre o que viram e vivenciaram como cadetes,
instrutores ou comandantes, na Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura, dentro do
recorte temporal investigado. As questões pertinentes ao mundo social desses sujeitos são
interpretadas à luz das acepções teóricas de Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Erving Goffman,
Eric Hobsbawm, Celso Castro, Piero Leirner, William Gaia Farias, José Murilo de Carvalho,
dentre outros, realizando o cruzamento das fontes orais (entrevistas) e fontes impressas (jornais,
portarias, decretos, boletins gerais, etc.). Como resultado da tessitura analítica da pesquisa,
constatou-se que a formação policial militar sofreu modificações estruturais significativas,
advindas da Secretaria Nacional de Segurança Pública, por meio da Matriz Curricular Nacional,
e que na primeira década do século XXI, sofreu novas modificações na sua concepção
pedagógica, com o propósito de alcançar a chancela de Instituição de Ensino Superior,
distanciando-se um pouco mais da cultura preponderantemente militar.
The present thesis investigates how the formation of Military Police Officers of Pará was
conducted in the period between the years of 1988 to 2014. It analyzes how the professional
formation was initially carried out with reserve officers of the Brazilian Army, under a
militaristic culture and paradigm. The guidelines of this paradigm upheld disciplinary
regulations, doctrines, symbolic elements, patrons, heroes and specific cerimonial in the
incorporation of the warrior ethos and military spirit that were dimensioned anew in the post
1988, process of redemocratization. A latter perspective presented itself amalgamating
military with community citizen contents that focused on the interdisciplinarity,
transversality, and the integration of the three main educational units of the Public Security
System: Military Police Academy, Civil Police Academy and Military Firefighters Academy
via the creation of the IESP - Instituto de Ensino de Segurança do Pará ( Security Training
Institute of Pará). To analyze the path that was taken in this process, the options versed on
two methodological realms: The History of Present Time and The Oral History, in the
perspective of 35 subjects that consented submitting their narratives, about what they saw and
experienced, within the time range in study, as cadets, instructors or commanders, of the
―Coronel Fontoura‖ Military Police Academy. The elements that relate to the social
environment of these subjects, are interpreted in the light of the theories of Pierre Bourdieu,
Michel Foucault, Erving Goffman, Eric Hobsbawm, Celso Castro, Piero Leirner, William
Gaia Farias, José Murilo de Carvalho, amongst others, crossing the oral sources (interview
fragments) and printed sources (newspapers, ordinances, decrees, newsletters, etc.) As a result
of the analytical process of this research, it was found that the formation of the military
police, received significant structural changes, arising from the National Department of Public
Security, through the National Curricular Norm, that in the first decade of the XXIst century,
underwent new changes in its pedagogical elaboration, with the purpose of obtaining the
approval of Superior Education Institutes, thus distancing itself a little more from a
predominantly military culture.
Tabela 8 - Ingresso de cadetes masculinos no CFO da APM Cel. Fontoura ..................... 207
LISTA DE QUADROS
Quadro 4 - Nomes das turmas dos cursos da APM Cel. Fontoura (CIFO e CFO) ........... 200
Quadro 8 - Relação de Material Individual e Coletivo para os Alunos oficiais ................ 287
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 22
CAPÍTULO 1 - “PASSANDO EM REVISTA” AS LEGISLAÇÕES ......................... 42
1.1 QUEM ERAM OS PRIMEIROS POLICIAIS MILITARES? ...................................... 59
1.2 ―ORDINÁRIO, MARCHE‖ – DEIXANDO O EXÉRCITO, EM DIREÇÃO
À POLÍCIA MILITAR........................................................................................................... 64
1.3 ―ANOTA AÍ, ALUNO‖! - O INGRESSO NAS COIRMÃS ....................................... 72
1.4 O JOVEM CIVIL E A ESCOLHA PELA CARREIRA POLICIAL MILITAR .......... 79
1.5 A DINÂMICA NOS QUARTÉIS E SUAS PRIMEIRAS INTERFACES
NA FAMILIA ...................................................................................................................................... 83
1.5.1 A “Semana Zero”: adaptação e solidariedade ....................................................... 87
1.5.2 O trote na Academia, um rito de iniciação ............................................................. 95
CAPÍTULO 2 - “EM CONTINÊNCIA AO TERRENO”: A AMAZÔNIA
COMO CENÁRIO FORMADOR DOS OFICIAIS ....................................................... 98
2.1 SURGIU O ―BERÇO DE COMANDANTES E LÍDERES‖ ...................................... 104
2.1.1 O Lócus e o Patrono da APM ................................................................................ 105
2.2 AS DUAS PRIMEIRAS TURMAS DO CURSO INTENSIVO DE
FORMAÇÃO DE OFICIAIS .............................................................................................. 118
2.2.1 A Primeira Turma do CIFO .................................................................................. 118
2.2.2 A Segunda Turma do CIFO .................................................................................. 123
2.2.3 Forjando uma Identidade Institucional: o grito de guerra, o emblema,
o estandarte e a canção da APM ......................................................................... 131
2.3 COMPORTAMENTO ESCOLAR, INSTRUÇÕES E INSTRUTORES ................... 137
2.4 AS PRIMEIRAS FORMATURAS DE OFICIAIS DA FONTOURA ....................... 152
CAPÍTULO 3 - “A-TEN-ÇÃO CUR-SO, SEN-TIDO” - A FORMAÇÃO
DE OFICIAIS DAS TURMAS REGULARES ............................................................. 173
3.1 AS PRIMEIRAS MULHERES POLICIAIS MILITARES NO PARÁ ...................... 179
3.2 PADRONIZAÇÃO MASCULINA PARA AS MULHERES: CABELOS, UNHAS,
FARDAMENTO ETC. ...................................................................................................... 195
3.3 O QUANTITATIVO DE CADETES FEMININO X MASCULINO ........................ 200
3.4 VIDA FIELMENTE ADMINISTRADA ................................................................. 210
3.5 TRAJES, UNIFORMES E APRESENTAÇÃO PESSOAL DO CADETE ................ 215
3.5.1 o primeiro traje do cadete ...................................................................................... 216
3.5.2 O uniforme de gala do cadete ................................................................................ 222
3.6 O ESPADIM: A ‗IDENTIDADE‘ DO ALUNO OFICIAL ..................................... 225
3.7 DISCIPLINA NOS DESFILES MILITARES ............................................................ 228
3.8 SOLENIDADE DE FORMATURA ........................................................................ 233
CAPITULO 4 - A “MARCHA” DA ACADEMIA DE FONTOURA PARA O IESP238
4.1 O CENÁRIO SOCIAL BRASILEIRO E A POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO DAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO DE SEGURANÇA PÚBLICA NO PARÁ ...................... 239
4.1.1 A Formação individualizada das Unidades de Ensino e a Formação Integrada:
Uma Possibilidade? ......................................................................................................... 253
4.2 A FORMAÇÃO DA OFICIALIDADE: ARTICULAÇÕES E
ALINHAMENTO COM A MCN ....................................................................................................237
4.3 ANÁLISE DAS DISCIPLINAS PROMOVIDAS NO IESP ...................................... 272
4.4. ESTÁGIO DE OPERAÇÕES EM AMBIENTE DE SELVA – EOPAS.................. 283
4.5 TREINAMENTO FÍSICO-MILITAR, CALISTENIA E CANÇÕES ........................ 290
4.6 HINOS E OUTRAS CANÇÕES DE TREINAMENTO POLICIAL MILITAR ........ 299
4.7 PERCEPÇÕES DOS SUJEITOS ACERCA DA INTEGRAÇÃO ............................. 305
4.7.1 Percepções acerca da Matriz Curricular.............................................................. 310
CONSIDERAÇÕES FINAIS - “FORA DE FORMA‖................................................ 312
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 316
APÊNDICES .................................................................................................................... 346
APÊNDICE A: OFÍCIO AO CEL. PM AILTON SILVA DIAS ...................................... 347
APÊNDICE B1: OFÍCIO AO TEN. CEL. LUIZ CARLOS
RAYOL DE OLIVEIRA ....................................................................... 348
APÊNDICE B2: OFÍCIO AO TEN. CEL. MARCELO CHUVA SIMONETTI.................... 349
APÊNDICE C: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.............. 350
APÊNDICE D: ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ........................ 351
APÊNDICE E: DADOS BIOGRÁFICOS DOS ENTREVISTADOS .............................. 352
APÊNDICE F: MAPA DE DISCIPLINAS APM/IESP ................................................... 360
22
INTRODUÇÃO
Ainda como parte do duplo desafio, e para ser diligente no trato dos dados coletados,
sobretudo porque os personagens – interlocutores nesta pesquisa – estão vivos e porque esta
pesquisadora já estava inserida na instituição, pelo menos sob dois aspectos: vivenciando a
formação policial militar propriamente dita, que se deu em 1994, desde então, participando na
condição instrutora de várias turmas, tanto no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de
Praças (CFAP)3, na Academia da Polícia Militar Coronel Fontoura (APM) quanto no Instituto
de Ensino de Segurança do Pará (IESP), criado posteriormente. Em vista disso, havendo
significativas inquietações quanto à área de ensino, do ingresso e da formação profissional
policial militar.
Neste sentido, propus por objeto de investigação desta pesquisa ―a formação do oficial
policial militar no estado do Pará, no período 1988 a 2014‖, neste recorte histórico leva-se em
conta o início do marco temporal (1988), que evoca diversas questões políticas, entre estas a
1
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
2
A noção conceitual de Campo, extraída da obra de Pierre Bourdieu (2010), é fundamental nesta pesquisa.
Fundamenta-se como o espaço social dinâmico, onde as interações se estabelecem, nas relações de poder, de
classes, nas hierarquias, disputas e jogos relacionais, que se distingue por regras e leis, nas disposições
incorporadas (habitus), obedecidas pelos agentes nas diferentes posições ocupadas no Campo.
3
O Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças Coronel PM Carlos Alberto Moreira é a unidade escolar
mais antiga da PMPA, cujo objetivo é a formação e aperfeiçoamento de praças no Pará.
23
A escolha deste objeto de pesquisa se justifica por entender sua relevância para a
historiografia local e, para o campo da história militar. Justifica-se ainda pela escassez de
trabalhos acadêmicos sobre a ‗formação da oficialidade policial‘ na região norte,
especialmente na perspectiva do stricto sensu.
4
OLIVEN, Rubem George et al. (Org.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Aderaldo &
Rothschild: ANPOCS, 2018.p.14.
5
A redemocratização do Brasil provocou intensas transformações nas instituições públicas, em particular nas
organizações policiais, principalmente pela redefinição da missão que passaram a desempenhar, diante de um
Estado Democrático de Direito. In: PMPA: Diretriz Geral de Emprego Operacional da Polícia Militar do
Pará. DGO/PMPA. Nº 001/2014. Ver: D‘ARAÚJO, Maria Celina. Redemocratização e mudança social no
Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2014; PINSKY, Jaime (Org.). O Brasil no contexto: 1987-2017. São Paulo:
Contexto, 2017.
6
SCHACTAE, Andrea Mazurok. A ordem e a margem: comportamento disciplinar para a polícia feminina no
Paraná (1977-2000). Revista Tempo. v. 21, n. 37, 2015.
7
BRETAS, Marcos L.; ROSEMBERG, André. A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas. Topoi,
v. 14, p. 163, 2013.
8
FARIAS, William Gaia. A Construção da Republica no Pará (1886-1897). Belém: Açaí, 2016.
24
Para tanto, nesta investigação, elegi as seguintes questões norteadoras: Como era a
admissão na instituição policial militar no período investigado? Quais motivações levavam o
ingresso de jovens à carreira policial militar? Como se dava o processo de formação de
oficiais no pós-regime militar? Havia formação diferenciada entre homens e mulheres? Quais
disciplinas cursavam? Quem eram os formadores? Quais mudanças curriculares ocorreram? E
quais as repercussões foram observadas na formação ao longo das décadas investigadas?
9
O grupo de pesquisa ―Militares, Poder e Sociedade na Amazônia‖ surgiu em 2013, vinculado ao CNPq, com as
linhas de pesquisa: ―Militares e política na Amazônia‖ e ―Recrutamento, formação, experiências sociais e
relações de poder‖, sendo coordenado pelo professor Dr. William Gaia Farias e integrado por estudantes de
graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Pará.
10
Oficiais e Praças são denominações hierárquicas de duas categorias profissionais dos policiais militares.
Oficiais são as patentes mais altas, que em carreira ascendente denominam-se: tenentes, capitães, majores,
tenentes-coronéis e coronéis; e Praças são patentes mais baixas, que em carreira ascendente denominam-se:
soldados, cabos, sargentos e subtenentes.
11
No âmbito das escolas militares convencionou-se atribuir o termo ―instrutor‖ ao docente militar e ―professor‖
ao docente civil (não militar), e ambos são reconhecidos como formadores.
25
A tese que sustento é de que a formação policial militar, inicialmente alicerçada sob o
paradigma e cultura militar12 do Exército brasileiro, regida por normas disciplinares e doutrinas13
peculiares; no culto a elementos simbólicos14; cerimônias e festividades15 específicas; patronos e
heróis16; na incorporação do ethos17 guerreiro; e do espírito militar, passou a ser considerada,
como ‗anacrônica‘ para a formação policial militar no pós-1988 e, por essa razão, foi obrigada a
um redirecionamento no contexto da redemocratização, para atender à perspectiva de uma atuação
policial ‗cidadã‘, havendo mudanças estruturais significativas balizadas pela Matriz Curricular
Nacional, dessa vez, não mais advindas do Exército brasileiro, e sim da Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP)18, a qual, anos depois, na primeira década do século XXI, sofreu
novas alterações na sua concepção pedagógica, com o propósito de adequar-se para alcançar a
chancela de Instituição de Ensino Superior (IES), distanciando-se um pouco mais da cultura
predominantemente militar.
Para a execução da pesquisa, optei por duas vertentes metodológicas: a primeira sendo a
História do Tempo Presente e a segunda, a História Oral. Convém esclarecer que a opção pela
História do Tempo Presente (HTP) surge por ser o recorte temporal investigado de 1988 a 2014,
período esse que se encaixa no que Marcos Napolitano19 compreende sobre a HTP: ―é ela que se
dedica ao período simultâneo e posterior a 1945‖. Além da proximidade que revela esse período,
para adoção da HTP, soma-se o fato de todos os entrevistados estarem vivos e suas memórias
dinâmicas e recentes interagindo com o tempo desta pesquisadora.
Igualmente, a opção pela História Oral, baseia-se nas narrativas, nas tessituras das
falas e memórias, nos sentidos, significados que esses sujeitos atribuem às suas trajetórias na
12
A noção trazida pela palavra ‗militar‘, conforme analisa Adriana Souza (2012), nos remete quase que
naturalmente à ideia de um profissional em cuja formação tenha incorporado um conjunto de valores e
atitudes fundamentado por uma forte disciplina, com identidade corporativa, preparo e habilidades técnicas
específicas, aprendidos durante anos. SOUZA, Adriana Barreto de. A defesa militar da Amazônia: entre
História e Memória. In: CASTRO, Celso. Exército e nação: estudos sobre a história do exército brasileiro.
Rio de Janeiro: FGV, 2012. p.179.
13
Regulamento Interno de Serviços Gerais (RISG); Código de Ética e Disciplina.
14
Bandeira Nacional, Hino Nacional, Armas Nacionais.
15
Dia da Pátria, Dia da Bandeira, Dia do Soldado.
16
Duque de Caxias, Tiradentes.
17
‗Ethos‟ segundo Clifford Geertz, são os aspectos morais, e estéticos de uma dada cultura, que se manifestam
como elementos valorativos, enquanto os aspectos cognitivos existenciais, são designados como ‗visão de
mundo‘. GEERTZ, Clifford. ―Ethos‖, Visão de Mundo e Análise de Símbolos Sagrados. In: GEERTZ,
Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. p. 93-94.
18
A SENASP foi criada pelo Decreto nº 2.315, de 4 de setembro de 1997, em decorrência da reformulação da
antiga Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública (SEPLANSEG).
19
NAPOLITANO, Marcos. Pensando a Estranha História Sem Fim. In: KARNAL, Leandro. (Org.). História
na sala de aula: conceitos, práticas e respostas. São Paulo: Contexto, 2004. p.168.
26
carreira policial militar, nas reminiscências das situações vivenciadas ou em qualquer outro
aspecto que pudesse ser revelado por meio de suas entrevistas.
Nota-se que o trabalho com História Oral se beneficia de ferramentas dos diversos
campos das ciências humanas: Antropologia, Psicologia, História, Literatura, Sociologia,
constituindo-se em uma metodologia interdisciplinar, e que, para o campo da História,
mostra-se de modo relevante, de acordo com Verena Alberti20, por se tratar de ―[...]uma
metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o estudo da história contemporânea,
surgida em meados do século XX‖.
Por conta disso, as fontes orais me são preciosas nesta investigação, elas não surgem
como para o preenchimento de lacunas, todavia como a captura de uma memória social, da
categoria profissional policial militar e revela por meio de sua experiência, informações que
fundamentam o objeto investigativo de minha análise.
Destaco que, na História Oral, um fato vivido pelo entrevistado não pode ser transmitido
se não for narrado, por isso, a narrativa é um de seus principais alicerces. Quando ―o entrevistado
21
conta sua experiência, ele transforma o que foi vivenciado em linguagem‖ ao discorrer sua
narrativa selecionando e organizando os acontecimentos, dando a eles um sentido. Isso se
processa por meio da conversa, da interação entre o entrevistador e o entrevistado.
20
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes históricas.
São Paulo: Contexto, 2014. p.155-156.
21
ALBERTI, Ibid., p.170-171.
22
THOMSON, Alistair. Aos cinquenta anos: uma perspectiva internacional de História Oral. In: ALBERTI,
V.; FERNANDES, T. M.; FERREIRA, M. M. (Orgs.). História Oral: desafios para o século XXI. (online).
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000. p. 51.
27
[...] Partes da vida que parecem ter afundado no esquecimento reaparecem, enquanto
por outro lado, outras afundam por serem menos importantes. O presente conduz o
passado como se este fosse membro de uma orquestra. Ele precisa desses tons
somente, e de nenhum outro. Assim, o passado parece às vezes longo; às vezes soa, às
vezes cala. Só influenciam no presente aquelas partes do passado que tenham a
capacidade de esclarecê-lo ou obscurecê-lo23.
Com essa compreensão, as recordações dão possibilidade ao sujeito, de que aquilo que
parecia estar afundado, reapareça paulatinamente, à medida em que o sujeito, desenvolve a
sua narrativa. Assim, por meio da fala, se revela a permissão para o encontro com o passado, e
progressivamente as lembranças vão sendo acessadas.
Destaco que, falar do passado, apoiado por uma atenção interpretativa e analítica das
ciências Psis24, torna-se catártico25, embora não deixe de ser uma prova de paciência para o
analista e uma tarefa árdua para o sujeito da análise, ao fazer vir à tona, algo que estava,
conforme a Teoria Psicanalítica de Sigmund Freud26 ―encobridoramente‖ guardado, e que de
alguma forma, convinha ser exteriorizado e revelado ou, simplesmente, relembrado e contado.
Recordar, rememorar, relembrar, favorece o processo da narrativa; e esta, por sua vez,
associada ao trabalho da linguagem, produz a elaboração psíquica, que evoca o
entrelaçamento dos tempos dentro de nós (sujeitos), dando um sentido às nossas identidades:
23
SVEVO, Ítalo. Consciência de Zeno. In: ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e
transformações da memória cultural. Campinas: Unicamp, 2011. p. 21.
24
Psicanálise, Psicologia de base analítica ou Psicodinâmica e Psiquiatria.
25
―Catarse‖, segundo o Dicionário Psicanalítico, é o termo que provém do grego ―kátharsis‖, utilizado para
designar o estado de libertação psíquica que o ser humano vivencia quando consegue superar algum trauma,
baseando-se na rememorização da cena e de fatos passados que estejam ligados a desconfortos ou incômodos
emocionais. In: LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 60.
26
FREUD, Sigmund. Recordar, Repetir e Elaborar (Novas Recomendações sobre a técnica da Psicanalise II).
[1914]. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980. v. XII.
p.191-203.
28
podemos dizer que nossa identidade molda nossas reminiscências; quem acreditamos
que somos no momento e o que queremos que afetem o que julgamos ter sido.
Reminiscências são passados importantes que compomos para dar um sentido
satisfatório à nossa vida, à medida que o tempo passa, e para que exista maior
consonância entre identidades passadas e presentes.27
A narrativa dos entrevistados e sua visão sobre o tema estudado devem ser
importantes para os propósitos da pesquisa. Além disso, é preciso [...] que haja
entrevistados em condições de prestar seu depoimento. [...] definir que tipo de
pessoa será entrevistada, quantos serão entrevistados [...]. Essas escolhas serão
27
THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as memórias.
Revista Projeto História, São Paulo, n.15, p. 51-84, 1997.
28
THOMSON, 1997, p. 57.
29
HALL, Michael Mcdonald. História Oral: os riscos da inocência. In: O Direito à Memória. São Paulo:
Departamento do Patrimônio Histórico, 1992. p. 157.
29
Desta feita, seguindo as recomendações de Verena Alberti, fiz uma listagem com nomes
das pessoas que seriam meus prováveis entrevistados, com uma biografia sucinta de cada um,
que justificasse a minha escolha, de acordo com os objetivos da tese. Em seguida, fui à procura
dos sujeitos cujos nomes constavam na referida listagem, oficiais da ativa31, da reserva e
reformados32, visando obter em suas narrativas as informações e experiências no que tange a
participação da formação, ora como cadetes, ora como instrutores ou como gestores no
período investigado, para que fossem meus interlocutores.
Os critérios de inclusão que adotei nesta pesquisa eram: que o sujeito informante,
deveria conceder a entrevista espontaneamente, que tivesse participado da formação na
unidade de ensino durante o recorte temporal proposto nesta investigação e estivesse disposto
a narrar suas memórias e lembranças do que vivenciou no seu processo de formação e, no
caso dos instrutores ou comandantes, do modo como a promoveram.
Vale esclarecer que minha listagem inicial de prováveis entrevistados, teve que ser
revista e refeita várias vezes e, por vários motivos. Dentre os principais, pelo fato de que
alguns sujeitos não mostraram interesse em participar da pesquisa. Houve oficiais que a
princípio aceitaram participar e solicitaram o acesso ao roteiro de entrevista previamente, mas
depois que o providenciei, não obtive retorno quanto à possibilidade de agendar a entrevista.
A meu ver a recusa33, isso se configurou critério de exclusão do próprio sujeito, à pesquisa.
Desta forma, os recortes das entrevistas aqui apresentados, são daqueles interlocutores
que se disponibilizaram espontaneamente a revelar suas experiências para a produção desta
tese. Por meio da História Oral, a partir do seu ingresso na Polícia Militar do Pará, algumas
30
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes históricas.
São Paulo: Contexto, 2014. p. 172.
31
O termo ―ativa‖ refere-se àquele policial militar que está em pleno gozo das atividades profissionais.
32
O termo “Reserva‖, no âmbito militar, refere-se àquele policial militar que está aposentado, mas se encontra
em condições físicas e na faixa etária compatível, caso haja alguma eventual e imperiosa convocação, poderá
retornar ao exercício profissional. Por sua vez, os ―Reformados”, diferentemente dos que estão na Reserva,
são aqueles afastados definitivamente, seja por motivo de doença ou por idade muito avançada, ficam
impossibilitados de convocação.
33
A ―recusa‖ de sujeitos em concederem entrevista, apresenta-se como natural em âmbito de pesquisa, uma vez
que a participação não se faz compulsória, deve ser espontânea e consentida pelo sujeito. Entretanto
compreendi, no caso de alguns, que o motivo da recusa, fosse o receio de supostas repercussões que tais
informações pudessem trazer-lhes, principalmente em âmbito profissional-institucional.
30
dessas pessoas até então ocultadas, com suas ―histórias vistas de baixo‖34, puderam ter voz no
texto, relatando as lembranças, opiniões, sentidos e significados do processo de formação
vivenciado.
Quanto aos procedimentos para realização das entrevistas, atendendo aos critérios da
―Ética em pesquisa com seres humanos‖35, apresentei o rol das perguntas aos pretensos
participantes, após a aceitação dos mesmos, confirmada mediante a assinatura do Termo de
Consentimento Livre Esclarecido-TCLE36 (Apêndice C), passei então a entrevistá-los.
Por se tratar de uma pesquisa de cunho qualitativo, os elementos descritivos nas narrativas
foram priorizados e cruzados aos dados quantitativos, relacionados ao número de aulas, carga
horária das disciplinas e outros indicadores numéricos que são apresentados nesta tese, em
gráficos, quadros e tabelas, como elementos igualmente importantes para análise. De posse das
narrativas, cumpri as seguintes etapas: primeiramente, fiz a transcrição das respostas e digitação
das gravações das entrevistas individuais ou em duplas; em seguida, fiz a leitura das transcrições
para obter uma compreensão global dessas narrativas, depois destaquei as palavras, expressões ou
frases que se repetiam nas entrevistas de todos os sujeitos; busquei identificar aquilo que unia
34
O termo a ―história vista de baixo‖ é baseado nas ideias de Christopher Hill e de historiadores com Edward
Thompson e Natalie Zemon Davis. Compreende-se que a história oficial, recorrentemente, traz a perspectiva de ser
contada por pessoas da elite, ou seja, influentes. Entretanto, na concepção da história vista de baixo, a experiência
pode ser apresentada por pessoas comuns, geralmente ignoradas ou silenciadas pela história oficial.
35
KOTTOW, M. História da ética em pesquisa com seres humanos. In: Ética em Pesquisa: temas globais.
Brasília: Letras Livres/Universidade de Brasília, 2008.
36
O Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) consiste na declaração do sujeito, ao assinar o termo
concordando em participar voluntariamente da pesquisa. A pesquisa em qualquer área do conhecimento
envolvendo seres humanos deverá ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem. Ver: HOSSNE,
W. S. Consentimento: livre e esclarecido. Cadernos de Ética em Pesquisa, Brasília, n.10, p.3, jul. 2002.
31
37
Nas Polícias Militares, os oficiais superiores, em carreira ascendente, são: Majores, Tenentes-Coronéis e
Coronéis; os oficiais intermediários são Capitães; e os oficiais subalternos são: 2º Tenentes e 1º Tenentes.
38
THOMSON, Alistair. Aos cinquenta anos: uma perspectiva internacional de História Oral. In: ALBERTI, V.;
FERNANDES, T. M.; FERREIRA, M. M. (Orgs.). História Oral: desafios para o século XXI. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2000. p. 48. [online].
39
Rapport é um conceito originário da Psicologia, que remete à técnica de criar uma ligação de empatia com outra
pessoa. O termo vem do francês rapporter, cujo significado remete à sincronização. A técnica objetiva gerar
confiança no processo de comunicação, para que a pessoa fique mais aberta e receptiva a trocar informações.
32
40
Reporto-me ao fato de ser oficial da PMPA há mais de duas décadas, tendo realizado desde a minha
admissão como especialista em 1994, o curso de adaptação de oficial, galgado os postos de oficial subalterno,
intermediário e superior, além de ter participado da formação de algumas turmas de oficiais.
41
CHARTIER, Roger. A visão do historiador modernista. In: FERRREIRA, M; AMADO, J. (Orgs.). Usos &
Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
42
CHARTIER, Ibid., p. 216.
43
HALL, Michael McDonald. História Oral: os riscos da inocência. In: O direito à memória, patrimônio
histórico e cidadania. São Paulo: Departamento do Patrimônio Histórico, 1992.
44
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia: Ateliê Editorial, 2007. p. 131.
45
Nas questões atinentes às incorporações e às reproduções, minha análise fundamentou-se na acepção
proposta por Bourdieu (2010) na qual enfatiza que o indivíduo/agente é produto de uma aprendizagem social,
à medida que a internaliza; entretanto, também a reproduz, em larga medida, como um sujeito construtor de
práticas sociais, pela imposição de uma cultura dominante. BOURDIEU, Pierre O Poder Simbólico.
Tradução Fernando Thomaz. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
33
Para analisar as questões pertinentes ao mundo social desses participantes, optei por
fundamentar a análise nas formulações teóricas sobre campo e habitus de Pierre Bourdieu
(2010, 2012, 2014); nas acepções sobre disciplina e poder de Michel Foucault (2012a, 2012b)46;
docilização dos corpos e instituições totais, em Erving Goffman (1988, 2007, 2013);
socialização militar (incorporação, modo de agir/pensar/atuar dos militares e/ou policiais
militares), em Celso Castro (2002, 2004, 2014); Piero Leirner (1997); William Gaia Farias
(2013a, 2013b, 2014, 2016); Marcos Bretas (1998, 2013) e José Murilo de Carvalho (2017).
46
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 25. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2012a; FOUCAULT, Michel.
Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012b.
47
O Boletim Geral é uma documentação oficial das corporações militares, onde são registrados diariamente todos
os atos administrativos do alto comando e da dinâmica institucional. O Boletim Geral é chamado de forma
coloquial pela abreviatura ‗BG‘. Na PMPA, o formato dos BGs segue uma padronização proveniente do
Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG) do Exército brasileiro, o qual preconiza que os boletins
sejam divididos em quatro partes: a 1ª parte - Serviço Diário; a 2ª parte - Instrução; a 3ª parte - Assuntos Gerais
e Administrativos; e a 4ª parte - Justiça e disciplina. Sobre a formatação de Boletins, ver: Regulamento Interno e
dos Serviços Gerais (RISG). Ministério do Exército; Estado Maior do Exército. Brasília-DF. 2003.
48
A solicitação foi encaminhada a dois comandantes da APM. Primeiramente ao Ten. Coronel Luiz C.Rayol, quando
iniciei as coletas documentais (Apêndice B1 – autorização de inserção na APM); e depois que deixou o comando,
enviei ofício ao seu substituto, Ten Coronel Simonetti (Apêndice B2 - autorização de permanência na coleta).
49
Constam informações sobre as disciplinas ministradas, docentes (instrutores e professores), carga horária/tempo
de aula, assuntos abordados no dia, alterações de alunos (faltas, dispensas médicas, liberações etc.)
50
São os registros diários feitos pelo oficial de dia, desde o recebimento do serviço, e demais informações
sobre alterações pertinentes à Unidade, tais como: a guarnição empregada no dia; instalações físicas da
Academia (situação do rancho, água, esgoto e energia); alunos que ficaram de pernoite, de faxina, detidos ou
presos; deslocamentos de viaturas; itinerário do ônibus e outras ocorrências com cadetes etc. O livro de
registros do oficial de dia é analisado diariamente pelo subcomandante da Unidade, dando o seu visto ou para
providências, caso sejam necessárias.
51
São registros sobre o acompanhamento dos alunos na Unidade Acadêmica. Cada cadete tem sua página específica,
onde são informadas as alterações em sua rotina diária: desempenho escolar, enquadramento, elogios, punições e
classificação. Os dados registrados podem compor os boletins internos ou o seu histórico acadêmico.
52
Constam as informações registradas pelo respectivo aluno de dia quando em serviço. Os registros são
similares aos do oficial de dia, entretanto, mais amiúde, dentro da esfera de atribuições do cadete, tais como:
material e carga dos alojamentos; chaves das salas de aula; controle do ar condicionado; alterações dentro do
alojamento etc. Este livro é apresentado diariamente ao comandante do Corpo de Alunos, para dar o seu visto
e para as providências necessárias, junto ao subcomandante da unidade.
34
A maior parte das fontes documentais foi obtida na Academia Cel Fontoura. No acervo
da APM havia uma farta documentação, entretanto, em péssimo estado de conservação, devido
à falta de condições de guarda e manutenção de documentos, mesmo se tratando de período tão
recente (a partir da década de 1990). Os livros de registros e diversos documentos,
encontravam-se empilhados aleatoriamente, alguns em avançado estado de deterioração, porém,
conseguimos fotografar e posteriormente digitalizar. Minha percepção primeira, ao constatar o
estado deteriorado dos documentos e dos demais registros, foi a de que não era cultivada
institucionalmente a possibilidade de preservação da sua história.
Para ampliar meu decurso da pesquisa, realizei minhas incursões à Biblioteca Pública do
Estado do Pará Arthur Vianna, no CENTUR, de modo mais frequente aos setores de
Microfilmagem, de Obras Raras e de Periódicos, em busca de fontes referenciais sobre a
formação policial no recorte temporal proposto, para subsidiar a produção da tese. Nessa
biblioteca, tive acesso aos três jornais de maior circulação à época: ―A Província do Pará‖55,
―Diário do Pará‖ e ―O Liberal‖56, e agreguei a esses três, o ―Jornal Pessoal‖, de tiragem
limitada, produzido pelo jornalista Lucio Flavio Pinto57.
53
As Folhas de Alterações são documentos administrativos referentes ao histórico do aluno policial militar, na
unidade escolar.
54
BRETAS, Marcos L.; ROSEMBERG, André. A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas.
Topoi, v. 14, p. 162-173, 2013.
55
O jornal ―A Província do Pará‖ foi fundado por Joaquim José de Assis, em 25 de março de 1,876, tendo
circulação diária por 125 anos. Durante o ciclo da borracha, pertenceu ao então intendente de Belém, Antônio
Lemos. Em 1947, integrou o grupo dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Em 1997, foi vendido para
o grupo paraense da editora CEJUP e, em 2001, suas atividades foram encerradas oficialmente (CRUZ, Ernesto.
Ruas de Belém. Belém: Conselho Estadual de Cultura do Estado do Pará, 1970. p. 43).
56
Os jornais ―Diário do Pará‖ e ―O Liberal‖ continuam em circulação diária. Ambos de propriedade de duas
famílias de empresários: O Diário do Pará, impresso em Belém desde 1982, do Grupo Rede Brasil
Amazônia de Comunicação; e o Jornal O Liberal desde 1946, das Organizações Romulo Maiorana.
57
O ―Jornal Pessoal‖ – autodenominado de agenda amazônica, é um jornal artesanal, escrito exclusivamente por
uma única pessoa, ininterruptamente ao longo de 31 anos – o jornalista Lucio Flavio Pinto. Considerado
como uma imprensa isenta e alternativa, trata-se de um dos jornais mais premiados nacional e
internacionalmente devido a sua credibilidade jornalística, tendo aparecido com destaque, em matérias no
New York Times, Los Angeles Times, Washington Post, Guardian, Le Monde, Corriere della Sera, La
Republica, dentre outros. Ver: PINTO, Lúcio Flavio. ―Jornal Pessoal: Presente‖. Jornal Pessoal. Ano XXXI.
Nº 656. Junho de 2018. 2ª quinzena.p.5.
35
Destaco que as organizações militares, por mais fechadas que pareçam, detêm
paralelamente uma feição pública que as obriga a revelar-se à população, nesse sentido o
acesso mostra-se facilitado, e tais organizações se valem dos jornais, como meios disponíveis
para divulgar mensagens à essa mesma população.
58
COSTA, Veronica Soares da. A história da Tribuna de Petrópolis em suas edições comemorativas. Estudos de
Imprensa no Brasil: Anais do I seminário de Pós-graduandos em História da UFF. Fórum Capistrano de
Abreu. 2012. p.216 -230.
59
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.9.
60
Por sua habilidade e trânsito com a imprensa, Theodorico Rodrigues ficou lotado na 5ª seção do Estado
Maior Geral da PM, onde executava atividades equivalentes às de um assessor de imprensa.
36
61
Ver: GAUDÊNCIO, Itamar Rogerio Pereira. “Football suburbano e festivais esportivos‖: lazer e
sociabilidades nos clubes de subúrbio em Belém do Pará (1920-1952). 2016. Tese (Doutorado em História
Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Belém,
2016.
62
Nas décadas em que Theodorico era articulista, o jornal Diário do Pará reproduzia colunas publicadas
simultaneamente na ―Folha de São Paulo‖ e no ―Jornal do Brasil‖ e pelas agencias EBN, Sport Press, UPI e
Reuter. Ver Jornal Diário do Pará, 25/11/1990, p. A6.
63
Caserna, do francês „caserne‟, que significa alojamento dos soldados, ou ambiente dos quarteis militares.
64
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle
époque. Prefácio da 2ª edição. Campinas: UNICAMP, 2012.
37
Rodrigo Sá Motta relembra que a hegemonia militar era tão intensa e diversificada
para defesa do país, que até na criação de projetos educacionais via-se a marca do militarismo,
por exemplo, na ‗Operação Rondon‘, cujo projeto teve seu nome em homenagem ao Marechal
do Exército Cândido Rondon, figura mítica das Forças Armadas. Tal projeto atuou em
diversas áreas, e na Região Norte abrangeu os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e
Pará. Segundo Motta: ―Com o aumento do número de pessoas envolvidas nas operações,
tornou-se necessário usar barcos da Marinha, e muitos aviões da Força Aérea Brasileira.‖69 ´
65
PETIT, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no Pará, pós-1964. Belém:
Paka-Tatu, 2003.
66
O conceito de segurança nacional foi adotado no Brasil durante o período da ditadura civil-militar (1964-1985),
em que eram priorizadas a defesa do Estado e a ordem política e social. Este processo iniciou com a tomada do
poder pelas Forças Armadas e pela instauração de um regime de governo no qual o presidente detinha plenos
poderes. O período caracterizou-se por supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e
repressão a qualquer manifestação contrária ao regime. A ditadura representou uma brusca e violenta ruptura do
princípio no qual todo o poder emana do povo, e em seu nome é exercido. (FÓRUM Brasileiro de Segurança
Pública. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 3, n. 5, ago./set., p. 103, 2009. Ver ainda: ALVES, Maria
Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.
67
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização
autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
68
GERMANO, José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 2011.
69
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Ibid., p. 93.
38
70
GERMANO, José Willington. Idem.
71
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização
autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
72
GERMANO, José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 2011.
73
FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Territórios e Fronteiras,
v. 6, p. 207-234, 2013a.
39
74
Jornal Diário do Pará, sobre o ―I Encontro de Comandantes Gerais das Policias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares‖ Diário do Pará, Caderno B, em 23 dez.1990, p. 7.
75
Idem. Matéria publicada no Jornal Diário do Pará, Caderno B, em 23 dez.1990, p. 7.
40
76
Trecho da Carta de Intenções dos Comandantes Gerais das Policias Militares e Corpos de Bombeiros Militares
publicada no Jornal Diário do Pará, Caderno B, em 23 dez.1990, p. 7.
41
77
Nesta tese, adoto a definição defendida pelo prof. Evaldo Vieira, na qual o ‗Estado Democrático de Direito‘,
efetivamente exercido, sustenta-se nos princípios: da lei, da divisão dos poderes, da legalidade da
administração e a garantia dos direitos e liberdades fundamentais. VIEIRA, Evaldo. Democracia e política
Social. São Paulo: Cortez. 1992.
42
CAPÍTULO 1
Meus camaradas!
Vivemos uma nova Constituição, a Lei maior que dita o ordenamento jurídico do
Estado. Nós a saudamos como instrumento capaz de proporcionar aos brasileiros as
condições desejadas de paz, justiça e prosperidade. Sabemos que a constituição não
é um remédio milagroso, para todos os males políticos, sociais e econômicos, mas
sendo o pensamento vivo da Nação, traz a solução dos graves problemas nacionais.
Para nós a Constituição trouxe significativas novidades. Hoje temos qualificação
profissional que não tínhamos. Somos “servidores públicos militares estaduais”,
enquadrados no mesmo artigo que define os militares das Forças Armadas.
Juntamente com os demais brasileiros fomos aquinhoados com o 13º salário,
remuneração de férias acrescidas de 1/3, além de não perdermos o vínculo com o
Exército brasileiro. Continuamos sendo Força Auxiliar e Reserva o que garante
à Polícia Militar quanto a manipulações indevidas.
No campo operacional, nossa atuação sofreu limitações de grande monta que
somente a prática poderá dizer se foi positiva ou negativa. Não nos cabe discutir a
norma, cabe-nos cumpri-la.
A partir de agora, o mandamento constitucional só autoriza prisões em
flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente. Assim procederemos fielmente, sem ressentimentos ou má vontade,
norteado pelo espírito do legislador que visa proteger um dos bens mais preciosos
do indivíduo: a sua liberdade. Haveremos de nos adaptar a esse e a todos os
dispositivos constitucionais, como é nossa obrigação, como integrantes da
instituição e como cidadãos brasileiros.
Esse contexto, sugere uma reflexão acurada da problemática da corporação e de seu
público alvo onde muitas dúvidas e dificuldades só serão superadas pelo exercício
correto da nossa missão, em qualquer circunstância, voltada para o operacional,
embasada na tradição, na disciplina e na hierarquia.
Confio e acredito no enquadramento da oficialidade, graduados e soldados, na
tarefa ingente de transpor obstáculos rumo à preservação da ordem pública, sem
frustrarmos as nossas esperanças e as esperanças da comunidade e cumprindo com
eficiência e dedicação os nossos deveres para que possamos exigir os nossos
direitos. Assim é a democracia. (grifos nosso)79
78
“Passar em revista”, no âmbito militar, é o ato de examinar, inspecionar, passar uma segunda vista no
‗objeto‘ a ser verificado. Disponível em:<https://www.dicio.com.br/revista/>. Acesso em: 15 jan., 2017.
79
Este discurso consiste no primeiro pronunciamento realizado pelo comandante-geral à época, Cel. Ailton
Guimarães, publicado no jornal Diário do Pará, em 6 nov., 1988, na coluna ‗Notícias da Polícia Militar‘.
80
A sigla PMPA significa Polícia Militar do Pará. Quando utilizo a sigla "PM", refiro-me à Instituição; ao citar
o termo "pms", refiro-me aos policiais militares (integrantes da PM).
81
O coronel Ailton Guimarães exerceu o cargo de Comandante-Geral da Polícia Militar do Pará no período de
20 de março de 1987 a 28 de agosto de 1989.
43
82
ADORNO, Sergio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. Tempo Social, São Paulo,
v.11, n.2. p.134, out.,1999.
83
NOBREGA JÚNIOR, José Maria. A militarização da segurança pública: um entrave para a democracia
brasileira. Revista Sociologia Política, Curitiba, v.18, n.35, 2010. p. 120.
84
ROLIM, Marcos. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2006,
85
NOBREGA JUNIOR, Op. cit., 2010.
86
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da segurança pública: a Operação Rio. Discursos
Sediosos – Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, ano 1, n.1, 1996.
87
ZAVERUCHA, Jorge. Poder militar: entre o autoritarismo e a democracia. São Paulo em Perspectiva, São
Paulo, v.15, n. 4, p. 67-83, 2001.
88
PINHEIRO, Paulo Sergio. Autoritarismo e transição. Revista USP, São Paulo, v. 9, p.45-53, mar/maio, 1991.
44
89
“Forças auxiliares‖ pressupõem as que prestam auxílio mútuo, que assistem, que ajudam independentemente
de um prévio processo de mobilização ou ação convocatória.
90
No sentido etimológico, ―reserva” significa aquilo que se guarda ou reserva para uso futuro em situações ou
circunstâncias imprevistas. No sentido utilitário, reserva pode ser entendida como força viva, atuante,
contando com organização e preparo semelhantes que podem ser utilizados para o emprego conjunto,
integrado à força principal.
91
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado feral, 1988. Art.42.
92
BRASIL, Idem.
93
Sobre as ‗velhas práticas‘: violência, tortura, corrupção, repressão e criminalização, ver: DONNICI, Virgílio.
Polícia, Guardiã da sociedade ou parceira do crime? Um estudo de criminologia. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1990; RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e
discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. (Coleção Segurança
e Cidadania).
94
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da segurança pública: a Operação Rio. Discursos
sediosos – Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, ano 1, n.1, 1996. p. 155.
45
Nessa alteração do papel institucional, Cerqueira97 refere que foi adotada a concepção
de um novo modelo para as Polícias de segurança, que se caracterizava pela vinculação aos
preceitos de guerra, o qual ―consiste na implantação de uma ideologia militar para a polícia‖.
95
VALENTE, Julia Leite. „Polícia Militar‟ é um oximoro: a militarização da Segurança Pública no Brasil.
Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília, v. 10, p.207, 2012.
96
VALENTE, Ibid., p.208.
97
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da segurança pública: a Operação Rio. Discursos
sediosos – Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro, ano 1, n.1, p. 142, 1996.
98
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Questões preliminares para a discussão de uma proposta de
diretrizes constitucionais sobre a segurança pública. Revista brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.
22, p. 1, abr./jun. p.140, 1998.
46
Segundo José Murilo de Carvalho100 a Era Vargas que vai de 1930 a 1945, teve como
uma de suas relevantes características, a mudança radical nas relações com as Forças
Armadas, muito especialmente com o Exército, período no qual, Getúlio Vargas encorajou a
transformação dos militares para atuar em âmbito da política. No Estado Novo (1937-1945),
ainda com Getúlio Vargas se misturavam os estilos ditatoriais do mundo nazista e do mundo
comunista, período visto como pleno em ambiguidades e conflitos.
Assim, por força das legislações que regem a estrutura hierárquica e disciplinar das Forças
Armadas, e que fomentam a ideologia militar a ser engendrada nas Polícias Militares, segundo
Marcos Rolim102, foi possível assegurar a formação militar das Policias Militares no Brasil.
Mas afinal, o que é Polícia? O que faz a Polícia? Como se constitui a formação de seus
profissionais? Na concepção de David Bayley103, o termo ‗polícia‘ pode ser definido a partir
do emprego de três elementos: ―o uso da força física; a atuação interna e a autorização
coletiva‖. Para Bayley, a conjugação desses três elementos permite que o termo ‗polícia‘
refira-se a um grupo de pessoas autorizadas a regular as relações interpessoais dentro de seu
próprio grupo, pela aplicação de força física.
99
Devido à suposta ameaça comunista, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, inaugurou o período
ditatorial de seu governo conhecido como Estado Novo: prendeu seus opositores, determinou o fechamento
do Congresso Nacional, das Câmaras dos legislativos estaduais e municipais, suspendeu a realização das
eleições presidenciais, extinguiu os partidos políticos, revogou a Constituição de 1934, outorgou uma nova
Carta e determinou violenta censura à imprensa. Ver, COELHO, Edmundo Campos. Em busca de Identidade:
o Exército e a política na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2000.
100
CARVALHO, José Murilo. Vargas e militares: aprendiz de feiticeiro. In: CARVALHO, José Murilo. O
pecado original da República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro:
Bazar do Tempo, 2017. p.156.
101
CARVALHO, ibid., p.173.
102
ROLIM, Marcos. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.30.
103
BAYLEY, David H. Padrões de policiamento: uma análise comparativa internacional. São Paulo:
EDUSP, 2006. p. 20.
47
Em seu discurso, o cel. Ailton Guimarães, que havia sido oficial do Exército e era
o comandante da PM, enfatizava a necessidade de observância aos pilares institucionais da
‗hierarquia e disciplina‘, herdados e tal qual apregoados nas Forças Armadas, encorajava
sua tropa policial: ―Confio e acredito no enquadramento da oficialidade, graduados e
soldados‖, ratificando, assim, o seu desejo de assegurar firmemente o enquadramento de
sua tropa, com demonstração de obediência, fosse da parte de oficiais 106 ou de praças, para
garantir o cumprimento dos deveres estabelecidos na nova Constituição.
Os Praças são servidores militares estaduais de nível médio, que atuam na execução
das atividades administrativas e operacionais, podendo exercer atividades de chefia e
comando em unidades administrativas de menor complexidade ou em pequenas tropas. Os
praças ostentam graduações (patentes) porém mais baixas, que em carreira ascendente são
104
BAYLEY, David H. Padrões de policiamento: uma análise comparativa internacional. São Paulo:
EDUSP, 2006. p. 20.
105
MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia: Sociologia da Força Pública. São Paulo: EDUSP, 2012. p.16.
106
Oficiais e praças são denominações hierárquicas do círculo profissional militar. Oficiais detêm patentes mais
altas designadas em carreira ascendente: tenentes, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis. Ver,
NUMMER. Fernanda Valli. “Ser brigadiano” ou trabalhar na Brigada: estilos de vida entre soldados da
Brigada Militar. 2010. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2010. p. 24.
48
soldados, cabos, sargentos e subtenentes. 107 Há ainda os cadetes e os aspirantes, que são
considerados praças especiais 108.
Quanto à divisão hierárquica nas corporações policiais militares, foi adotado o mesmo
modelo organizacional do Exército, com exceção do posto de general, que não consta nas
Polícias Militares do Brasil, como pode ser observado nos Organogramas (Figuras 1 e 2).
Coronel
Tenente-Coronel
OFICIAIS
Major
(postos)
Capitão
1º Tenente
2º Tenente
107
NUMMER, Op. cit., p. 24.
108
Cadetes e aspirantes são considerados como praças especiais pelo Estatuto da Polícia Militar. O Cadete é o aluno
policial militar matriculado no curso de formação de Oficiais da APM, submetido aos ensinamentos morais e
técnico-especializados ministrados diariamente por professores civis e instrutores militares, coordenados pelo
Comandante e pela Divisão de Ensino da Academia. O Aspirante a oficial é o posto temporário de seis meses a um
ano, alcançado logo após o encerramento do Curso de Formação de Oficial (CFO).
109
Lei de Organização Básica da PMPA.
49
ESPECIAIS
PRAÇAS
Aspirante a Oficial
Cadetes/
Alunos do CFO
Subtenente
1º Sargento
(graduações)
PRAÇAS
2º Sargento
3º Sargento
Cabo
Soldado
.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base na LOB da PMPA.
110
MUNIZ, Jaqueline. Ser policial é sobretudo uma razão de ser: cultura e cotidiano da Polícia Militar do
Estado do Rio de Janeiro. 199. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. p.119.
50
Nota-se que a hierarquia na carreira militar, longe de ser apenas um princípio legal, é a
base pela a qual se exteriorizam cotidianamente os sinais de respeito, honras, continências,
ordens para com o outro. Torna-se o princípio regulador em um âmbito coletivo
imprescindível no contexto da caserna.
111
LEIRNER, Piero de Camargo. Meia-volta volver: um estudo antropológico sobre a hierarquia militar. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 1997.p.102
112
LEIRNER, Ibid., p.102.
51
Piero Leirner, analisa que a hierarquia cultivada nas instituições militares talvez
descenda da forma de organização da sociedade feudal, na qual a obediência mostrava-se
atrelada à noção de honra. Para o autor: ―esses traços feudais, [...] diluídos na história,
contribuem para que, na leitura que os militares fazem da sua própria corporação, permaneça
um certo ‗conteúdo original‘ podendo a hierarquia, por isso ser tomada como um princípio de
sua constituição‖115.
113
LEIRNER, Piero de Camargo. Meia-volta volver: um estudo antropológico sobre a hierarquia militar. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 1997. p.105.
114
Nas organizações militares, quanto mais elevado o posto ou patente do oficial, maior é o alcance de sua
liderança ou comandamento, advindo do reconhecimento de sua antiguidade; quanto mais baixo é o posto,
mais modernidade e maior subordinação aos demais militares.
115
LEIRNER, Ibid., 1997, p.60.
116
Constituição Federal de 1988, Art.144.
117
FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Territórios e Fronteiras,
v. 6, p. 207-234, 2013a.
118
FARIAS, Ibid., p. 221.
119
Almanaque dos Oficiais da PMPA, Diretoria de Pessoal, 1988.
52
PMPA121 foi comandada predominantemente por oficiais que traziam patentes do Exército
brasileiro122 – de infantaria, artilharia ou cavalaria 123. Este fato poderia ser considerado
como uma modalidade de intervenção direta do Exército na organização e na dinâmica da
instituição policial militar.
Desde os seus primórdios, a instituição policial militar por ser de caráter público
estadual, esteve sujeita às intervenções dos poderes executivo e legislativo do estado.
Dependendo de quem estiver no poder executivo, a corporação sofre as interferências e
influências em sua dinâmica institucional, para a remuneração, a movimentação de seus
integrantes, a ascensão na carreira e outras demandas correlatas.
Segundo Farias (2011), na década de 1920, o Pará passava por graves crises
financeiras e políticas, que afetavam drasticamente a sociedade, tal como a falta de recursos
prejudicava as diversas áreas da administração do estado: Segurança Pública, Saúde Pública,
Educação, no Poder Judiciário, a insatisfação era coletiva e o estado tornava-se inoperante.125
120
Quando o comandante-geral da Força era o Tenente-Coronel de Infantaria do Exército José Sotero de Menezes.
121
Desde sua origem, a Polícia Militar recebeu muitas denominações: Guarda Militar de Polícia (1822-1831);
Corpo de Municipais Permanentes (1831-1836); Corpo de Polícia (1836-1847); Corpo Provincial de
Caçadores de Polícia (1847-1865); Corpo Paraense de Voluntários da Pátria (1865-1867); Corpo de Polícia
Paraense (1867-1885) Corpo Militar de Polícia (1885-1894); Regimento Militar do Estado (1894-1905);
Brigada Militar do Estado (1905 -1930). Ver: MORAES REGO, Orlando L.M. Retrospectiva histórica da
Polícia Militar do Estado do Pará. 1822-1930. Belém: Falangola, 1981; FARIAS, William Gaia. Do Corpo
Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições materiais e conteúdos simbólicos dos
anos finais do Império a Guerra de Canudos. Territórios e Fronteiras, v. 6, p. 207-234, 2013a.
122
Exceto a gestão do Tenente-Coronel Maravalho Narciso Belo, que era capitão da Força Aérea Brasileira, e
comandou a instituição de agosto de 1956 a dezembro de 1957.
123
No Exército Brasileiro, os oficiais são divididos por Quadros-Armas. As Armas dividem-se em dois grupos: as
Armas-Base (Infantaria e Cavalaria) e as Armas de Apoio ao Combate (Artilharia, Engenharia e Comunicações).
124
FARIAS, William Gaia. A Construção da Republica no Pará (1886-1897). Belém: Açaí, 2016. p.210.
125
FARIAS, William Gaia. Militares e civis forjando o “Tenentismo” no Pará. Anais do XXVI Simpósio
Nacional de História. São Paulo: ANPUH, julho. 2011.
53
No período de 1920 a 1930, a tropa policial paraense envidou esforços para combater
os militares do Exército, que se declaravam tenentistas. Mesmo com motivações diferentes,
civis e militares se aliançaram e se envolveram no movimento tenentista126. Com a vitória do
movimento e a nomeação de Joaquim de Magalhães Cardoso Barata como Interventor Federal
do Estado do Pará, em 22 de novembro de 1930, foi extinta a Força Pública Estadual 127, sendo
substituída em suas funções pela Guarda Civil e ―os oficiais graduados com mais de dez anos
de bons serviços, aproveitados em comissões civis‖, inclusive para receber ―todo o
armamento e munição da extinta Força Pública Estadual‖, que encontrava-se no quartel do
Batalhão de Caçadores, atual 2º Batalhão de Infantaria de Selva do Exército brasileiro128.
126
O Tenentismo foi um movimento político e militar liderado por tenentes e capitães durante o período da
Primeira República, no qual esses jovens oficiais brasileiros lutavam contra o poder das oligarquias, sobretudo
no interior do Brasil, onde as desigualdades sociais eram notórias. Segundo as historiadoras Lilia Schwarcz e
Heloisa Starling, (2015), em se tratando de questões sociais, os tenentistas defendiam ―a reforma do ensino
público, a obrigatoriedade do ensino primário e a moralização da política‖, e ―denunciavam também as
miseráveis condições de vida e a exploração dos setores mais pobres‖. Eram considerados como liberais no
tocante aos temas sociais e autoritários no que se referia à política. Ver, SCHWARCZ, Lilia Moritz e
STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p.348.
127
Através do Decreto nº 14, de 22 de novembro de 1930, a Força Pública foi extinta com a alegação de que
faltava finalidade prática para a sua existência. MACHADO, Francisco Ribeiro (Org.). Manual do Policial
Militar. Belém: Diretoria de Ensino e Instrução da PMPA, 1992. p. 75.
128
MORAES REGO, Orlando L.M. Retrospectiva histórica da Polícia Militar do Estado do Pará. 1822-1930.
Belém: Falângola, 1981. p.169-170.
129
O coronel Francisco Ribeiro Machado, decano na PMPA, ingressou na instituição em 1953, como Soldado, galgou
graduações e postos, chegando a exercer o cargo de Comandante-Geral da Polícia Militar do Pará, de 21/04/1983 a
20/03/1987. Chefiou a Casa Militar por oito anos, o maior tempo registrado na história da Casa Militar, nos
governos de Aloísio Chaves (1975-1978), Clóvis Moraes Rêgo (1978-1979) e Alacid Nunes (1979-1983).
130
Pelo Decreto nº 1.497, de 4 de fevereiro de 1935, foi restabelecida a Força Pública do Estado, que havia sido
extinta pelo Decreto nº 14, de 22/11/1930.
131
O prédio foi utilizado como quartel de diversas unidades da PMPA durante décadas: do Esquadrão de Cavalaria;
do Patrulhamento Tático Metropolitano (PATAM); do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTRAN); posteriormente
tornou-se base do Batalhão de Polícia de Choque/Comando de Missões Especiais (CME/PMPA).
54
Em 1936, nas unidades da federação, o termo ‗Polícia Militar‘ passou a fazer parte da
cena jurídica e social estaduais, com função e estrutura militar132; e as Polícias Militares
passaram a ser novamente legitimadas como força auxiliar do Exército Brasileiro, em
decorrência da Lei nº 192/1936133, assinada pelo Presidente da República Getúlio Vargas.
Assim, a Lei 192 demarcava as características das Polícias Militares, e no seu Art. 1º
estabelecia que as Polícias Militares seriam reorganizadas pelos Estados e pela União, na
conformidade da Lei, e seriam consideradas reservas do Exército134:
132
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. –
Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2012.
133
BRASIL, Lei Federal nº 192, de 17 de janeiro de 1936.
134
MELO, José Messias Gomes de. (Org.). Vade Mecum do Policial Militar do Pará. São Paulo: Nelpa, 2013.
135
BRASIL, Lei Federal nº 192 de 17 de janeiro de 1936. Ver: MELO, Ibid., p.15.
55
A Inspetoria Geral das Policias Militares, por ser uma unidade organicamente
integrada ao Estado Maior do Exército brasileiro, detinha amplas competências no
estabelecimento de diretrizes e normas, orientação, fiscalização, instrução e controle da
organização do efetivo e do material; ou seja, a integralidade da atuação, do enquadramento
de pessoal, da dinâmica institucional da PM em todas as esferas, cabendo à IGPM a
fiscalização, a regulação do aprendizado e das instruções.138
136
RAMALHO, Jaime. Farda & Cor: mobilidade nas patentes e racismo na Polícia Militar da Bahia. 2008.
Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
137
VALENTE, Julia Leite. „Polícia Militar‘ é um oximoro: a militarização da Segurança Pública no Brasil.
Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília, v. 10, p. 208, 2012.
138
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012.
139
MINAYO, Maria Cecília de Souza et al (coord.) Missão Prevenir e Proteger: Condições de vida, trabalho e
saúde dos policiais militares do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008.
140
VALENTE, Julia Leite. ‗Polícia Militar‘ é um oximoro: a militarização da Segurança Pública no Brasil.
Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília, v. 10, 2012.p.208.
56
pela viatura‖, para a manutenção da ordem pública. Destaca-se que, fosse pela existência de
vínculo ou pela subordinação, as ações atribuídas às Policias Militares eram assimiladas com
base nos manuais de treinamento militar do Exército brasileiro141.
[...] Quem já viu com seus próprios olhos a Amazônia alagada pelos rios na época
das chuvas, quando tudo parece ter estacionado no primeiro dia da criação, quando
―as águas não tinham sido separadas da terra firme‖, pode ter uma ideia das suas
condições dramáticas que os campos se tornam[...] 145
141
VALENTE, Julia Leite. ‗Polícia Militar‘ é um oximoro: a militarização da Segurança Pública no Brasil.
Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília, v. 10, 2012, p.208.
142
Decreto Federal nº 66.862/1970, Artigo 2º.
143
MACHADO, Francisco Ribeiro. Manual do Policial Militar. 2. ed. Belém: Imprensa Oficial do Estado do
Pará, 1992. p.294-296. Obra adotada através da Portaria nº 003/1989-PM/3, transcrita no Boletim Geral da
PMPA nº 172, de 18 set., 1989, como fonte orientadora, básica dos Cursos de Formação de Soldado PM,
extensiva a todos os Cursos que funcionarem nos estabelecimentos de ensino da PMPA.
144
Os terrenos acidentados e alagadiços da cidade de Soure, na Ilha de Marajó, distante 87 km da capital Belém,
exigiram que a Polícia Militar adotasse uma modalidade ímpar de policiamento no combate à criminalidade na
região, que é o ‗policiamento montado em búfalos‘. A Polícia Militar inspirou-se nos hábitos da própria
população de Soure, que costumeiramente faz uso de búfalos para diversas atividades, assim a Polícia Militar
passou a empregá-los na operacionalidade do município, além das motos e dos cavalos. É notório que no
deslocamento com búfalos se chega aonde cavalos, motos e alguns carros não chegam, pela força e vigor desses
animais, que são comparados a veículos com tração nas quatro rodas, considerados bichos "4x4". Acredita-se
que os búfalos são mais fortes e mais resistentes que os cavalos. Além disso, o Marajó detém um dos maiores
rebanhos de búfalo do país, o que favorece a atuação policial nas áreas alagadiças, pois os búfalos estão bem
adaptados à região. Os búfalos têm um perfil extremamente selvagem, mas os policiais militares da Unidade de
Soure conseguiram domá-los. Ver: STOCHERO, Tahiane. G1-GLOBO. PM do Pará usa búfalos para
policiamento na Ilha do Marajó. Disponivel em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/07/pm-do-para-usa-
bufalos-para-policiamento-na-ilha-do-marajo.html> Acesso em: 15 abr., 2017.
145
KRÄUTLER, Eurico. Sangue nas pedras. (Coleção Perspectivas).São Paulo: Paulinas, 1979, p.7.
57
Pinheiro147 afirma que o Estado não poderia mais atuar diretamente com ações
violentas e arbitrárias como no período do regime autoritário, entretanto, ainda se constatava a
prática ilegal de violência exercida por seus agentes. Todavia, os policiais militares mudaram
bem pouco seu modus operandi após a redemocratização. Permaneceram sendo considerados
como parte do aparato repressivo, perseguindo dissidentes políticos, reprimindo, violando
direitos, praticando tortura, prisões arbitrárias e mortes, sob a alegação de ―autos de
resistência.‖148
146
RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.16. (Coleção Segurança e Cidadania).
147
PINHEIRO, Paulo Sergio. Direitos Humanos no Ano que Passou: Avanços e Continuidades. In: Os Direitos
Humanos no Brasil. Universidade de São Paulo, Núcleo de Estudos da Violência e Comissão Teotônio
Vilela, São Paulo, NEV/CTV, 1995.
148
Auto de resistência foi criado na ditadura, a fim de justificar as prisões em flagrante efetuadas por policiais,
como também justificar a ocorrência de alguns homicídios.
58
A atuação da Polícia Militar, sob uma perspectiva marxista, segundo Marcos Bretas e
André Rosemberg149, ―fazia parte do arsenal repressivo agindo sob as ordens de um Estado ou
de uma burguesia opressora‖150, e que desde 1960, embora tenha se passado meio século da
conjuntura conflituosa da ditadura civil-militar, de arbitrariedade e de desrespeito aos direitos,
permanece visível, o forte estigma sobre a imagem policial.
A quebra desse estigma e a possibilidade de uma atuação não opressora, parecia ser
uma das motivações assinaladas no discurso do coronel Ailton Guimarães, comandante-geral
da PM à época, ao analisar a necessidade de mudanças na atuação das Polícias Militares, haja
vista a promulgação da nova Carta Magna:
149
BRETAS, Marcos L.; ROSEMBERG, André. A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas. TOPOI,
v. 14, p. 162-173, 2013.
150
BRETAS; ROSEMBERG, Ibid., p.163
151
Ibid. jornal o Diário do Pará de 06/11/1988. (Trecho do discurso do comandante-geral).
152
VIEIRA, Liszt. Notas sobre o conceito de cidadania. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais,
São Paulo, n.51, p. 35-47, jan.-jun. 2001.
153
MARSHALL, Thomas H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 64.
59
Cabe-me atentar nesse sentido, para as análises de Thomas Holloway154, para quem, a
concepção, é de que, a Força policial como a conhecemos, é um artefato do Estado moderno
que data de fins do século XVIII e início do século XIX, e parte do século XIX e XX, os
homens que a compunham, não necessariamente evidenciavam o perfil para o desenvolvimento
da profissão. Quem eram então esses homens que se tornaram policiais?
[...] Homens simples desta terra, chamados pela vocação de servir à coletividade e
ao bem comum, representaram ao longo das gerações o ideal pelo qual muitos
viveram e muitos morreram. Formaram as tropas de segunda linha, das ordenanças e
as milícias, os nossos mais remotos ancestrais, integrados pelos colonos, pelos
vaqueiros, pelos pescadores, pelos agricultores, que se adestravam nos fins de
semanas e nas épocas das entressafras, quando trocavam o arado, o laço, a tarrafa, o
pilão e o aconchego de suas famílias pelo fuzil e pelas maneabilidades da instrução
de guerra. Eles foram as sentinelas dos que seguiam as terras recém-abertas e
abriram clareiras para surgir as primeiras povoações. Ao sol escaldante das grandes
estiagens ou nas duras invernias, fustigados pelas chuvas e pelo vento, escreveram
uma página impecável nos primórdios na história do Pará.155
Thomas Holloway156 por sua vez, analisa a atuação histórica da Polícia no Rio de
Janeiro, e assegura que não diferia das demais, servindo como instrumento de repressão
institucionalizado e conservantista, exibindo uniformes, cassetetes e espadas no emprego como
força armada, tornando sua coerção efetiva,157 cujo rigor e ineficiência motivavam a população
154
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1997. p.43.
155
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.340-341.
156
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1997. p.262.
157
HOLLOWAY, Thomas H Idem.
60
a ter aversão ao trabalho policial. Somente décadas mais tarde, os interessados passaram a ser
selecionados para as Polícias Militares.
Dessa forma, ao longo dos anos, por tradição, o ingresso na Polícia Militar do Pará,
segundo Mascarenhas159, dava-se em âmbito de indicação de políticos, autoridades, figurões
da alta sociedade ou por escolhas individualizadas, sem que houvesse critérios claros para tal
admissão, inclusive pela candidatura voluntária daqueles que se auto-identificavam ou se
auto-percebiam, como tendo aptidão e interesse em seguir a carreira militar.
Entretanto, relata Francisco Machado que, por não ter familiares no Pará, resolveu
visitar uns antigos amigos do quartel do Exército de Teresina que à época se encontravam
servindo em Belém:
158
AGLANTZAKIS, Luciana Costa. Breves conceitos sobre o instituto do Concurso Público no Direito
Brasileiro. Disponível em:< http://www.ambito-juridico.com.br>. Acesso em: 4 maio, 2015.
159
MASCARENHAS, Jairo Mafra. Concurso na Polícia Militar do Pará: um levantamento sobre o exame
toxicológico admissional. 2012. Monografia (Especialização em Gestão Estratégica e Defesa Social) –
Coordenadoria de Ensino Superior do Instituto de Ensino de Segurança Pública, Belém, 2012. p.25
160
A Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro foi a maior e mais tradicional armadora brasileira. Foi fundada
em 1890, durante o governo do marechal Hermes da Fonseca. Na segunda década do século XX, a companhia
já era a maior do país. Em 1939, tinha uma frota de 122 navios, que dava ao Brasil a liderança do setor marítimo
na América do Sul. A empresa foi extinta em outubro de 1997, durante o governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso, devido a questões judiciais que redundaram em falência e no arresto de navios.
161
Entrevista com Francisco Ribeiro Machado, concedida à autora, gravada em 20/11/2014.
61
Eu não tinha para onde ir. Sabia que tinha companheiros do Exército que estavam
aqui, mas não sabia onde estavam. Quando desembarcou todo o pessoal do navio,
ali na escadinha do cais, eu chamei um carregador e pedi a ele que me levar no
quartel da Polícia Militar mais próximo. Ele me pediu 20 cruzeiros, eu disse que só
tinha 10 cruzeiros, como todo mundo já tinha saído, e ele viu que não iria mais ter
clientes, ele aceitou. Ele pôs a mala no ombro e eu fui atrás dele. Ali ele me levou na
avenida Gaspar Viana, esquina com a avenida Assis de Vasconcelos, no Quartel do
Comando Geral, que também era Cia de Guardas e Contingente do Comando Geral,
três unidades no mesmo prédio. Chegando no quartel, me levaram ao oficial de dia -
era o 1º tenente graduado Odomar José da Silva Romeiro[...] Lá encontrei
companheiros meus. 162
Relata Francisco Machado que estando por ali, nas instalações do comando geral da
PM, com os seus antigos companheiros de farda do Exército, foi ficando. Fazia refeições no
refeitório do quartel, ―encostado‖ aos seus amigos praças, ao passo que também saía pelo
comércio, às proximidades do quartel, em busca de emprego:
[...] eu fiquei lá uns dias e meus amigos me convidaram pra ir morar com eles [...]
eu fui morar num quartinho muito apertado na rua dos Tamoios, perto da Estrada
Nova. Eu não tinha ninguém. Eles saiam para o serviço, e eu ficava. E, na hora do
almoço ia para o quartel almoçar com eles.
[... ] Fiquei por lá e saía no comércio. Fiz inclusive teste para balconista para as lojas
Rianil, que hoje não existem mais. Fiz o teste e fiquei aguardando o resultado, mas
nunca fui chamado.
[...] Eu não conseguia emprego, não tinha mais dinheiro, e eu não queria ficar às
custas dos meus companheiros. Acabou que todos eles passaram a me aconselhar a
ir trabalhar na polícia.
Foi então que o Coronel Arthur de Sousa Vieira, que era um coronel graduado, chefe
do estado maior na Polícia Militar, me chamou. Eu ia passando e ele me chamou,
sabia até meu nome: ‗Machado‘. Ele ouvia todos me chamando ali no quartel geral,
ele me chamou e me mandou sentar ao lado dele. Eu tinha largado a farda, mas tinha
ímpeto de militar. Fiquei acanhado de me sentar ao lado do coronel.
Daí ele me perguntou o que eu fazia ali. Eu disse que estava procurando emprego,
que tinha terminado o serviço militar em Teresina e estava aqui a procura de
emprego. Ele me perguntou se eu não queria ir para polícia. Eu falei que tinha
pouco tempo que eu havia deixado a farda, então queria experimentar viver o mundo
162
Fragmentos da entrevista com Francisco Ribeiro Machado, concedida à autora, gravada em 20/11/2014.
163
Refere-se ao Coronel graduado, que à época era chefe do Estado Maior Geral na Polícia Militar do Pará.
62
civil. Mas o Coronel insistiu, elogiou meu enquadramento, e parece que percebendo
que eu tinha realmente jeito de militar, me encorajou a pensar melhor sobre o meu
futuro e me fez o convite pra eu ser policial militar.
Ele falou que era para eu pensar e no dia seguinte voltar para dar uma resposta. Aí
aceitei o convite do Coronel.164
Machado afirma que uniu a sua auto-percepção referente à sua postura de militar, ao
incentivo dos seus amigos – já policiais militares em Belém – somado à sua experiência de
Exército brasileiro, e findou aceitando o convite do referido oficial superior, para ser também
policial. Como a sua resposta ao convite foi afirmativa, logo no dia seguinte, quase sem
exigência e critérios burocráticos, foi declarado policial militar:
[...] Naquele tempo para entrar na Polícia bastava ter atestado de boa conduta
fornecido pela Polícia civil, fui lá na delegacia buscar meu atestado 165 que antes
chamava de folha corrida, assim eu fiz, tudo na delegacia, ali no início da Santo
Antônio. [...] eu tinha boa conduta, tinha recém-saído do 25º Batalhão de Caçadores
de Teresina, e tudo isso me ajudava. [...] Só sei que aproximadamente 24 horas
depois, eu já estava ingressando na Polícia Militar do Pará. Era 20 de abril de
1953.166
Nota-se pela narrativa de Machado, que o efetivo da Polícia Militar, era muito
incipiente para atender a tamanhas demandas regionais. De fato, para se ter compreensão da
escassez de recursos humanos, a Lei nº 3099, de 13 de novembro de 1964, publicada no
Diário Oficial do Estado, nº 20.466168, fixava o efetivo da Polícia Militar do Pará em 998
164
Idem. Fragmentos da entrevista com Francisco R. Machado.
165
Destaco que nas décadas subsequentes à referida pelo entrevistado F. Machado, quando os concursos
começaram a ser efetivados, os certames tornaram-se criteriosos, passando a requerer do candidato, uma vasta
documentação comprobatória sobre os antecedentes criminais, em âmbito estadual, federal e de Justiça Militar,
bem como atestado de honorabilidade e investigação social.
166
Idem, entrevista com Francisco R. Machado.
167
Idem, entrevista com Francisco R. Machado.
168
O Diário Oficial do Estado nº 20.466, teve sua publicação reproduzida no Boletim Geral da PMPA, nº 001, de
04 Jan 1965, segunda-feira, p. 01.
63
Em maio houve uma greve de motoristas aqui em Belém e como o efetivo da PM era
pequeno, fomos todos convocados e empenhados para prestar policiamento na
cidade, porque eles estavam fazendo greve por melhores salários e aqueles que
tentassem furar a greve, os ônibus seriam apedrejados. Então o que fizeram, cada
ônibus era colocado um policial.
E agora veja só, a precariedade de equipamento da PM naquela época, os revolveres
eram poucos, só entregavam para os oficiais, então ao invés de a gente ter um
revolver, a gente tirava serviço sentado no primeiro banco com um fuzil F.O 169 e
aquilo a gente ficava para cima e para baixo no carro, para não deixar ninguém fazer
nada e a greve durou 30 dias. Mas tiveram várias greves no Pará que a Polícia teve
que intervir.170
A escassez de policiais militares para o pronto emprego, era recorrente ao longo das
décadas. Por exemplo, em 1939, o interventor federal no estado do Pará, José Gama Malcher,
constatou que a maioria dos oficiais existentes na PM, estava envelhecendo e
compulsoriamente seguiriam para a reserva (aposentadoria). Compreendeu então, que se fazia
necessária a renovação do quadro de oficiais, tendo em vista que os sargentos existentes na
Força Policial somente teriam acesso aos postos superiores, de modo equivalente ao Exército
brasileiro, caso possuíssem qualificação compatível com o cargo. Assim, optou por encontrar
uma solução.
Então, Gama Malcher baixou o Decreto-lei nº 3.257, por meio do qual foi instituído o
Curso de Formação de Oficiais171. Tem-se daí, em 1939, no comando do coronel Cesar
Romulo da Silveira Júnior,172 pelo mencionado Decreto, de 24 de abril de 1939, o registro da
implantação do Curso de Formação de Oficiais, com duração de dois anos173.
169
F.O. é a abreviatura de ―Fuzil Ordinário‖: nome genérico que se dá ao fuzil Mauser 1908 KAR e seus
sucessores. <https://saladearmas-oficial.blogspot.com.br/2017/01/termos-tecnicos-sobre-armas-de-fogo.html>
170
Idem. Fragmentos da entrevista com Francisco R. Machado.
171
Decreto-Lei nº 3.257, de 24 de abril de 1939. Instituído o Curso de Formação de Oficiais.
172
Capitão de Infantaria do Exército, que foi comissionado e nomeado a comandante geral da PMPA, em 09 de
janeiro de 1939 e exonerado em 14 de janeiro de 1942.
173
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. –
Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2012. p. 210.
64
Mary Del Priore177, ao analisar as formas de seleção para a carreira militar herdadas do
período colonial, esclarece que historicamente, os que tinham acesso eram os jovens, bem
relacionados ou oriundos da classe alta. Devido ao status familiar, esses jovens podiam
ocupar postos elevados, inclusive sem terem preparação prévia ou tempo de serviço. Ao
contrário da situação dos jovens pobres, que ao serem selecionados permaneciam na condição
de praças até darem baixa ou morrerem. E, ainda, por ocuparem os cargos mais baixos na
hierarquia, eram vistos como indignos e remunerados com soldos baixíssimos.
174
Jornal Diário do Pará, ―Curso de formação de oficiais na PM.‖ Caderno Polícia, 29/05/1988. p.07.
175
Trata-se de uma forma padronizada de comandamento militar. Ao ouvir a voz de comando: ―Ordinário Marche‖,
o militar, o pelotão ou a tropa iniciam a execução do movimento, realizando o seu deslocamento. Manual de
Ordem Unida – C22-5 do Exército brasileiro. 3. ed. Brasília, DF: Ministério da Defesa, 2000. p. 2-11.
176
Constituição da República Federativa do Brasil, art. 37, Inciso I e II.
177
DEL PRIORE, Mary, VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010.
65
Nos séculos XIX e XX, por não haver mais influência dos títulos da monarquia nem
das sociedades feudais e de suas elites agrárias, o ingresso para a carreira militar do
Exército passou a ser realizado mediante diversas variáveis, tais como influências
familiares, solicitações de políticos, condições sociais e o grau de escolaridade.
[...] tenham sido aprovados candidatos que foram ―escolhidos‖ em função de algum
critério desigual, que pode ter sido pelo grau de parentesco, favorecimentos, por
interferência política, e assim por diante. Não eram necessariamente os melhores
candidatos, nos moldes de uma seleção criteriosamente rigorosa. O cenário à época,
predestinava algumas admissões [...]. É óbvio, no entanto, que simultaneamente
foram admitidos aqueles candidatos inquestionavelmente aprovados, competentes e
que se valeram de seus próprios potenciais, sem métodos escusos de aprovação 179.
As mudanças das normas para ingresso nas Forças Armadas ocorridas ao longo dos
anos, provavelmente influenciaram as formas de admissão nas Polícias Militares, que
passaram a ser reconhecidas pelas diversas Constituições como forças auxiliares e reservas do
Exército. Assim, constata-se que a partir de 1980, a admissão para o oficialato da PMPA se
dava basicamente de duas formas.
A primeira, pelo ingresso de candidatos que tinham sido militares temporários nas Forças
Armadas, sobretudo no Exército brasileiro, mas que, diante da impossibilidade do seu
engajamento, de seguir carreira, ingressavam na reserva não remunerada e se candidatavam a
ingressar na carreira policial militar, sendo integrados na PMPA como oficiais, quase sem
nenhuma burocracia.
E a segunda, pelo ingresso de jovens candidatos civis que objetivavam seguir carreira
de oficial militar, começando desde o início propriamente, nos primeiros passos da formação,
na própria PM. Neste caso, como ainda não havia Academia de Polícia Militar, no Pará, os
candidatos civis eram destinados às academias das outras unidades federativas do Brasil, onde
eram realizados os Cursos de Formação de Oficiais.
178
MASCARENHAS, Jairo Mafra. Concurso na Polícia Militar do Pará: um levantamento sobre o exame
toxicológico admissional. Monografia (Especialização em Gestão Estratégica e Defesa Social) Curso
Superior de Polícia e Bombeiro Militar, Instituto de Ensino de Segurança Pública, Belém, 2012..
179
MASCARENHAS, Ibid., p. 26.
180
Oficial R2 – Era a designação dada ao militar da reserva das Forças Armadas que havia prestado o serviço
militar temporário e obrigatório, previsto no Decreto-Lei 1.187/39.
181
Almanaques de Oficiais – Diretoria de Pessoal da PMPA, 1988 e 2000.
66
acima, que em meados da década de 1960 e durante as décadas de 1970/1980, era frequente a
admissão de candidatos oriundos do CPOR ou NPOR.
Nota-se que os candidatos que vinham do exército, serviam quase sempre pela
compulsoriedade, peculiares ao serviço militar obrigatório, ao chegarem à idade de 18 anos,
no qual ―todo brasileiro é obrigado ao serviço militar para a defesa nacional, na forma das leis
federais e respectivos regulamentos‖.182
Segundo José Murilo de Carvalho, a obrigatoriedade do serviço militar era para todos
os homens no Brasil, logo, excetuava-se as mulheres, e foi efetivada mediante à reforma do
então presidente Getúlio Vargas, com a justificativa de que o serviço obrigatório era
fundamental para ―dar ao Exército, a capacidade de influenciar setores da população até então
impermeáveis, como a classe média e a classe alta e para a formação de reservas‖:183
182
Decreto-Lei 1.187/39
183
CARVALHO, José Murilo. Vargas e militares: Aprendiz de feiticeiro. In: CARVALHO, José Murilo. O
pecado original da República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro:
Bazar do tempo, 2017. p.164.
184
Legislação Federal - Lei nº 4.375 de 17 de agosto de 1964 – Lei do Serviço Militar – Da natureza e
obrigatoriedade e duração do serviço militar.
67
Assim, a prerrogativa para admissão desses oficiais nas Polícias Militares foi instituída
pelo Decreto Federal nº 667/1969188, o qual estabelecia que desde então as instituições
policiais militares estaduais estariam autorizadas pelo presidente da República a receber os
oficiais R2 em seus respectivos quadros.
Tal admissão foi bem recebida nas unidades da Polícia Militar do estado devido à
insuficiência de oficiais para atender as demandas crescentes da instituição e a prestação de
serviços à população, somando-se ao fato de que à época ainda não havia Academia de Polícia
no Pará, e também porque o número de vagas disponibilizadas pelas Polícias Militares nas
unidades da federação era irrisório e não supria a vacância de oficiais existente na PMPA.
185
CARVALHO, José Murilo. Idem.
186
CARVALHO, José Murilo. Vargas e militares: Aprendiz de feiticeiro. In: CARVALHO, José Murilo. O
pecado original da República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro:
Bazar do tempo, 2017. p.164.
187
MACHADO, F.R. Entrevista concedida à pesquisadora, gravada em 20/11/2014.
188
Decreto Federal nº 667, de 2 de julho de 1969, que tinha como objetivo consolidar a subordinação das
Polícias Militares como forças auxiliares do Exército.
68
Como se pode constatar na referida nota, apenas seis vagas estavam sendo
disponibilizadas para o estado do Pará, naquele ano de 1989: 02 para o curso de formação de
oficiais na PM de Minas Gerais, 02 para a PM de São Paulo e 02 para o curso Pernambuco.
Essa quantidade de vagas era insuficiente, diante das demandas do estado e, por outro lado,
após o ingresso os alunos, ainda passariam três anos em formação, cujo tempo de espera
somente agravava a insuficiência de oficiais e imputava à corporação policial a necessidade
de aceitar o ingresso de oficiais provenientes do CPOR e do NPOR do Exército Brasileiro.192
Destaca-se que como a formação do oficialato no Exército brasileiro era anual, e nem
todos eram efetivados pelas Forças Armadas, vários oficiais após os cursos pelo
CPOR/NPOR, retornavam à vida civil. Todavia, existiam em meio a esses, aqueles que se
identificavam com o tipo de organização militar, e que almejavam seguir carreira militar, e
189
Oficiais subalternos são os segundos e os primeiros tenentes, que realizam diuturnamente o policiamento
ostensivo nas ruas, juntamente com os praças. São os principais auxiliares do comandante da unidade para
disciplina, instrução, educação e administração da tropa, visto que ficam diretamente junto aos praças. Outras
competências dos oficiais subalternos são apresentadas no Regulamento Interno e dos Serviços Gerais
(RISG). Brasília-DF: Ministério do Exército, 2003. p. 43.
190
Informações obtidas em entrevista com o coronel João Paulo Vieira da Silva.
191
Publicado no Jornal Diário do Pará, de 16 de outubro de 1988. p. 7.
192
Dados coletados na entrevista com João Paulo Vieira da Silva.
69
Traz-se à baila então, o Decreto Federal nº 667/1969 que possibilitava aos oficiais da
reserva do Exército, que fossem admitidos como candidatos à Polícia Militar estadual, mesmo
que fossem formados com arcabouço teórico-prático eminentemente militar e distinto da
atuação de segurança pública. Assim, alguns daqueles que eram dispensados do Exército, e
queriam seguir carreira militar de oficiais, vislumbravam tal oportunidade com vistas à
admissão como oficial da Corporação, como se pode constatar nos trechos das narrativas de
dois interlocutores abaixo:
[...] A questão da remuneração foi uma das coisas que me motivou a permanecer na
carreira militar. Antes do EB, minha experiência era com trabalho de meio salário,
minha família era humilde, eu queria poder ajudar um pouco mais minha mãe, e o
que comecei a receber do EB era muito bom à época, mas lá não pude continuar,
então, vim para PM. No primeiro momento, passei a receber bem menos, porém
pensava vou seguir carreira e isso vai melhorar [...]. Foi bom ter encarado, porque
isso de fato aconteceu. (Rocha, Aspirante a Oficial, 1991).
Com base nos dados da Tabela 1, observa-se que durante as décadas de 1950 e 1960 a
maioria dos candidatos admitidos na PMPA era proveniente do CPOR; e que nas décadas de 1970
70
e 1980, foi predominante o ingresso de candidatos via NPOR. Entretanto, na década de 1980 , não
foram identificados, no acervo da PMPA, registros da entrada de candidatos oriundos do CPOR.
193
Almanaque dos Oficiais da Polícia Militar do Pará. Diretoria de Pessoal, Polícia Militar do Pará, 1988.
194
Diário Oficial do Estado. Nº 26.028 de 23 de julho de 1987.
195
Jornal Diário do Pará, de 11/10/1987. Caderno de Polícia, p. 07.
71
196
Em situação de formação nos cursos regulares, quando o cadete conclui com aproveitamento o último ano
letivo do Curso de Formação de Oficiais, é declarado Aspirante-a-Oficial. No caso dos militares R2, ou seja,
provenientes do CPOR/NPOR do Exército brasileiro, foi lhes concedida a prerrogativa na forma do Decreto
667, aplicando-se uma condição diferenciada, em virtude do tempo e dos conhecimentos que adquiriram no
exercício das funções do Exército, não sendo esses considerados cadetes.
197
O Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças coronel PM Carlos Alberto Moreira é a unidade escolar
mais antiga da PMPA. Foi criado oficialmente em 1973, pelo coronel Douglas Farias de Souza, então
Comandante-Geral da PMPA, por meio do Boletim Geral nº. 035, de 17 de dezembro de 1973. O Centro foi
instalado inicialmente, em 15 de abril de 1974, no quartel do antigo Batalhão de Destacamento, atual
Comando de Missões Especiais (CME). Em 12 de julho de 1976, mudou-se para o antigo prédio do Colégio
Agrícola Manoel Barata, na Ilha de Caratateua, em Outeiro, distante 18 km do centro de Belém, ligada ao
distrito de Icoaraci pela baía do Guajará. Em 17/05/1982, por meio de Decreto Governamental nº. 2.242, do
Governador Alacid Nunes, publicado no Diário Oficial do Estado, nº 24.757, de 19/05/1982, a unidade de
ensino recebeu o nome do coronel Carlos Alberto Moreira, por ter sido um dos seus idealizadores. Era
Oficial de Infantaria do Exército brasileiro, que havia falecido no exercício do cargo de Comandante-Geral,
tendo se empenhado para melhoria do ensino e formação policial. O CFAP permaneceu em Outeiro até 28
de junho de 2008, quando mudou para as instalações do antigo complexo do comando geral da PMPA,
localizado na Av. Dr. Freitas, com a Av. Almirante Barroso, em Belém-PA.
72
oficiais pms, eram promovidos ao posto de 2º Tenentes e designados, para a função fim, nas
unidades operacionais
O Pará não era o único estado que não contava com Academia para a formação da sua
oficialidade. Naquela época, somente alguns estados dispunham de Academia de Polícia Militar já
consolidada.
A mais antiga Academia estabelecida no país, foi a Academia de Polícia Militar do Barro
Branco, em São Paulo, criada em 1910; seguindo-se a Academia de Polícia Militar Coronel Hélio
Moro Mariante, no Rio Grande do Sul, em 1916; Academia de Polícia Militar Dom João VI, no
Rio de Janeiro, em 1920; Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, em 1934; Academia de
Polícia Militar da Bahia, em 1972; Academia de Polícia Militar de Paudalho, em Pernambuco, em
1974; Academia de Polícia Militar General Edgard Facó, no Ceará, em 1977; Academia de
Polícia Militar de Goiás em 1985; Academia de Polícia Militar do Distrito Federal, em 1988199.
Daí em diante, outras academias foram criadas gradativamente no país, dentre as quais, a APM
Coronel Fontoura, em 1990, a qual abordaremos no próximo capítulo.
198
“Anota aí aluno” é uma frase no imperativo, muito usada pelos instrutores das academias militares,
especialmente para os cadetes do 1º ano, que são exigidos rigorosamente durante o período de formação. Pelo
desconhecimento do mundo castrense e para evitar erros, distorções ou mesmo punições, os alunos anotam
tudo que é dito pelos oficiais, professores e instrutores.
199
MOREIRA, Carlos Augusto Furtado. 25 anos do Curso de Formação de Oficiais do Maranhão. Disponível em:
<http://celqopmfurtado.blogspot.com.br/2018/03/25-anos-do-curso-de-formacao-de-oficiais.html.> Acesso em: 6
abr., 2017.
73
O termo ―cadete‖ tradicionalmente é utilizado para designar os alunos oficiais que estão
realizando curso nas academias militares. Segundo Celso Castro200, o termo é uma apropriação do
título usado durante o Império e nos primeiros anos da República brasileira até 1897, como
designação dos alunos oficiais da Academia Militar das Agulhas Negras do Exército (AMAN).
A denominação ‗cadete‘ tornou a ser reutilizada, pois estava em desuso há mais de duas
décadas201, desde quando José Pessoa, sobrinho do então presidente Epitácio Pessoa (1919-
1922)202, foi nomeado comandante da Escola Militar do Realengo, objetivou atribuir ao cadete o
status ao nível de um membro da elite social: ―[...] com isso, ao mesmo tempo dava-se um ar
aristocrático à condição de aspirante a oficial do Exército. Retomava-se um elemento do passado
e como reprodução da ideia de que ser cadete era parte de uma elite social‖203.
Nas Polícias Militares, a decisão de ser cadete nem sempre aponta para o status
vivenciado pelo cadete da AMAN, permeado do simbolismo aristocrático. Entretanto, o curso
do CFO pode suscitar ao cadete, para além do status, a busca de um emprego, de estabilidade,
uma profissão. Em alguns casos, trata-se de dar continuidade ao conhecimento adquirido no
âmbito familiar, como herança de familiares que são militares.
Os cursos de formação de oficiais das PMs no Brasil, são reconhecidos como em nível de
3º grau, e são realizados em Academias Militares geralmente com duração de três anos. A
formação é denominada de ―instrução‖, ―treinamento‖ ou ―adestramento‖, sendo específica para
atuação da área da segurança pública.204
Durante décadas de 1960, 1970, 1980 até meados da década de 1990, inúmeros jovens
optaram pela carreira de policial militar no Pará. O candidato civil que se interessava pelo
oficialato realizava o processo seletivo na capital e, caso fosse aprovado, era designado para o
curso de formação na Academia da Polícia Militar, denominada de coirmã, nos estados das
regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, em conformidade com a Inspetoria Geral das
200
CASTRO, Celso. A invenção do Exército brasileiro. Série Descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2002. p. 45.
201
CASTRO, Idem.
202
CASTRO, Ibid., p. 38.
203
CASTRO, Ibid., p. 45.
204
Informações coletadas em entrevista com o coronel Osmar Vieira da Costa Junior, cadete em 1988.
205
DIAS, Gilberto. A gestão da produção de segurança pública e a formação do oficial policial militar: o caso
da Polícia Militar de Santa Catarina. 2002. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002. p. 187.
74
Com base nos dados quantitativos das décadas de 1960 a 1990, tem-se o total de 211
candidatos aprovados e que ingressaram nas unidades escolares coirmãs. Os dados podem ser
quantificados da seguinte forma: na década de 1960, apenas seis candidatos foram designados
para realizar o CFO em outra unidade da federação; na década 1970, ingressaram 98 jovens do
sexo masculino; e na década de 1980, ingressaram 78 candidatos.
Tornou-se notório o grande interesse dos jovens candidatos à carreira de policial militar.
Por conseguinte, houve a necessidade de intervenção da Inspetoria Geral das Policias Militares
para a liberação de vagas nas instituições coirmãs.
No final dos anos 1980, a divulgação do concurso ocorria logo após a abertura do edital,
através da publicação nos jornais de grande circulação no estado e por meio de cartazes afixados
nos murais do Comando Geral206 da PMPA e nas demais unidades da corporação. Por exemplo,
no Jornal Diário do Pará207 encontramos uma matéria com as seguintes informações:
206
O QCG- Quartel do Comando Geral da PMPA, ficou durante muitos anos instalado em um limitado espaço
físico, na avenida Almirante Barroso nº 649, esquina com a Travessa do Chaco, no bairro do marco, em
frente a FUNTELPA, em Belém. A partir do ano de 2003, visando a ampliação e melhor adequação do QCG,
o então comandante geral, coronel João Paulo Vieira da Silva realizou inúmeras articulações com vistas a
aquisição de nova sede para a PMPA, conseguindo ampla área de 18.548 m², onde havia funcionado o Parque
de Material Aeronáutico de Belém-PAMA, e que se encontrava desativado. Tratava-se de uma edificação em
estilo neoclássico, que fora projetado na forma da aeronave 14 BIS, em homenagem a Alberto Santos
Dumont, patrono da Força Aérea Brasileira. Foram realizadas grandiosas reformas no antigo Parque e, em
2006, foram entregues as novas instalações do ―Complexo da Policia Militar do Pará‖, na Av. Dr Freitas
esquina com a Av. Almirante Barroso, onde era possível abrigar além da sede do QCG, outras unidades PMs:
Batalhão de Policiamento Tático- BPOT, Companhia Independente de Policiamento com Cães – CIPC;
Companhia Independente de Operações Especiais - CIOE; Centro de Inativos e Pensionistas-CIP; Centro de
Suprimento e Manutenção – CSM; Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças-CFAP; Unidade
Sanitária (Médicos e Odontólogos); Centro Integrado de Psicologia e Assistência Social-CIPAS, Batalhão de
Polícia de Eventos –BPE, etc. Ocorre entretanto, que em 2014, a equipe do então governador Simão Jatene,
realizou novamente a transferência do QCG. Dessa vez, para a Rodovia Augusto Montenegro, no Km 09,
distrito de Icoaraci, onde anteriormente funcionava o Palácios dos Despachos e Casa Militar da Governadoria
- numa espécie de troca, de um espaço pelo outro.
207
Jornal Diário do Pará, de 5/11/1986, Coluna Notícias da PM, p. 7.
208
Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará.
209
Jornal Diário do Pará, em 5 nov. 1986, Coluna Notícias da PM. p. 7.
210
As seções encarregadas na formação eram da ―mobilização‖ – vinculada à Diretoria de Pessoal; e a 3ª Seção
do Estado Maior Geral – responsável diretamente pela área de ―planejamento, ensino/instrução‖. Ainda não
havia a Diretoria de Ensino e Instrução, a qual foi criada somente em 1990.
76
inscrição e também efetuava o pagamento da taxa no valor de Cz$ 2.000,00 (dois mil
cruzados)211 na tesouraria do próprio quartel.
Além dos documentos de identificação de praxe nas seleções, era obrigatório que o
candidato à carreira policial militar apresentasse o ―atestado de honorabilidade‖ 213, que
deveria ser assinado por dois oficiais da PM ou militares das Forças Armadas, atestando à
Corporação os predicados de bons antecedentes e idoneidade moral do candidato.
211
Em junho de 1994, no governo do presidente Itamar Franco, o então ministro da fazenda, sociólogo Fernando
Henrique Cardoso, com o propósito de estabilização da economia, viabilizou a conversão da unidade
monetária de ‗Cruzados‘ para a unidade Real de Valor-URV, que posteriormente tornou-se ‗Real‘.
212
Em 1971, houve uma reforma do ensino, que pela Lei nº 5692/71, ficou estabelecido: o 1º grau sendo uma
junção do primário com o ginásio; e o colegial redefinido como o 2º grau.
213
‗Atestado de honorabilidade‘– tratava-se de um documento firmado por um oficial da PM ou das Forças
Armadas na ativa, ou ainda por autoridade judicial da localidade em que reside, com firma reconhecida em
cartório, atestando que o candidato era uma pessoa honrada.
214
Vestibular ao Curso de Formação de Oficiais PM no CESEP‘
215
Jornal Diário do Pará, de 02/03/1987, Coluna Notícias da PM, p. 8.
216
A fusão do CESEP com as Faculdades Integradas Colégio Moderno (FICOM) em 1987 deu origem à
UNESPA, que em 1993 converteu-se na atual Universidade da Amazônia (UNAMA).
77
217
Composta de avaliação médica, com bateria de exames laboratoriais e também de avaliação odontológica;
218
O Teste de Aptidão Física (TAF) engloba a realização de corrida, abdominais, apoios e barras, com
especificidades adequadas para homens e mulheres;
219
Execução de avaliação psicológica, composta de uma bateria de testes psicológicos, dinâmica de grupo e
entrevista individual com psicólogos, para análise do perfil psicológico do candidato, quanto à sua adequação
à profissão policial militar;
220
MASCARENHAS, Jairo Mafra. Concurso na Polícia Militar do Pará: um levantamento sobre o exame
toxicológico admissional. 2012. Monografia (Especialização em Gestão Estratégica e Defesa Social) – Curso
Superior de Polícia e Bombeiro Militar, Instituto de Ensino de Segurança Pública, Belém, 2012.
221
SOUZA, Edinilza Ramos; MINAYO, Maria Cecília de Souza. Policial, risco como profissão:
morbimortalidade vinculada ao trabalho. Ciência e Saúde Coletiva, v. 10, n. 4, p. 917-928, 2005; Ver
ainda outras produções cientificas sobre a profissão policial militar do Centro Latino Americano de
Estudos sobre Violência e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ), dentre as quais:
MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilza Ramos. Missão investigar: entre o ideal e a
realidade de ser policial. Rio de Janeiro: Garamond, 2003; MINAYO, Maria Cecília de Souza et al.
(Coord.). Missão Previnir e Proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008.
222
Na seção introdutória desta tese, foi possível apresentar algumas das deliberações realizadas no ―I Encontro
dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares da Amazônia‖
78
A propósito, sobre isso, em sua entrevista, Leonardo Gibson relembra que quando
cadete, realizou seu curso de CFO, no estado de Minas Gerais. Sua turma era composta de
cento e trinta cadetes, e por conta disso, fez laços de amizade, que com certeza não seriam
favorecidos, caso sua formação tivesse ocorrida em âmbito do estado do Pará:
Na APM de Minas Gerais, nós éramos 130 cadetes do 1º ano, de vários lugares do
Brasil: Alagoas, Piauí, Sergipe, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul, Espírito Santo, e nós do Pará, sete cadetes: Campos, Julimar, Pinheiro,
Bacellar, F Gibson - meu primo, e eu.
Nós fizemos muitos amigos, mesmo os de pelotões diferentes [...] porque a vida na
academia, a rotina do internato, a realização de tudo quanto era atividade em
conjunto, nos dava essa aproximação, a ponto de considerarmos que temos irmãos
de farda por todo esse Brasil. (Leonardo, Cadete - 1988).
223
Por meio do Decreto nº 6781, de 19 de abril de 1990, o então governador Hélio Gueiros determinou a
desvinculação entre o Corpo de Bombeiros e a PM; logo depois, no dia 21/04/1990 foi realizada a cerimônia
de desincorporação.
224
Como uma única instituição, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros tiveram um único comando, com
atividades não definidas e até superpostas. Em julho de 1974, o Decreto nº 4.521/74 estabeleceu duas
naturezas para a atividade-fim de ambas as instituições e criou os quadros específicos de Oficias e Praças e
de Bombeiros. Em 1992, o Corpo de Bombeiros Militar do Pará, já emancipado da PM, criou a sua própria
escola de oficiai s- EFO, denominada de ―Escola de Formação de Oficiais Intendente Antônio Lemos‖. Ver:
MENEZES, José Pantoja. O Corpo de Bombeiros Militar do Pará. 2. ed. Belém, 2007. p. 116; 131.
79
A sociedade em sua ideologia, atribui ao jovem, e não mais propriamente aos laços de
sangue ou à sua família propriamente, a responsabilidade, no que concerne à escolha profissional.
Ocorre, entretanto, que são muitas as variáveis que influenciam o jovem, em sua decisão, quanto a
carreira profissional. Bock analisa a interação de pelo menos 04 fatores, que se combinam para a
escolha profissional: ―as características da profissão; o mercado de trabalho; importância social e
remuneração e as habilidades necessárias ao desempenho da profissão.‖ 227.
Nesta tese, os sujeitos, por meio de suas narrativas, rememoram inúmeros elementos que
se tornam peculiares à vida do cadete e do oficial, quando optaram por seguir a carreira policial
militar. São recordações permeadas de memória afetiva, pelo que viveram e experimentaram
desde o período da formação: o ingresso, a motivação, a escolha, a internalização de códigos,
naturalização do aprendizado, ascensão na carreira, a remuneração, o ‗prestígio/status‘,
conjugalidade, família, dificuldades enfrentadas, solidariedade, abdicações e outros elementos que
produziram e produzem sentidos e significados às suas histórias.
Uma das primeiras abdicações vivenciadas pelos candidatos das coirmãs ocorria logo
após o seu ingresso, que indo para o internato fora do estado e ao mesmo tempo cursando
nível superior, dada a incompatibilidade na realização de dois cursos, ambos de cunho
225
Poema cordel ―Farda e Sonhos‖, de Dario Lucas Ângelo, oficial da Polícia Militar de Pernambuco.
226
BOCK, Ana Maria Bahia et al. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008.
227
Idem, BOCK, Ana Maria Bahia et al. P.312- 317.
80
[...] quando surgiu a oportunidade, eu não pensei duas vezes em fazer o concurso da
PM, e era minha última possibilidade devido à idade, que já estava expirando. Eu
cursava faculdade de Engenharia Civil na UNAMA, tranquei o curso e fui embora
para o Pernambuco. Quando concluí a Academia que voltei para o Pará, retornei e
concluí o curso. (Silveira, Cadete,1988).
O assunto referente à opção pela carreira policial militar levou-lhes a relembrar muitas
controvérsias sentidas e vividas, ora experimentando a aceitação social, status, prestígio e o
orgulho dos pais, ora vivenciando o peso da pressão, do descontentamento e até mesmo,
rejeição por seguir a profissão.
Meu pai era bancário e minha mãe professora, aprovaram a ideia do concurso,
porque garantia estabilidade. Naquela época, parecia um bom salário. (Osmar
Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991).
[...] eu escondi da minha mãe que estava ingressando na PM. Ela somente soube
quando eu recebi o fardamento. Ela não queria, achava a profissão perigosa. (Rocha,
Aspirante a Oficial, 1991).
No início a minha mãe foi totalmente contra, pois eu havia passado em um concurso
na UFPA, de assistente em administração e cursava Engenharia Civil, mas depois se
acostumou com a ideia. (Dílson, Aspirante a Oficial, 1991).
Minha família perguntava se eu tinha certeza, que era aquilo mesmo que queria,
porque eles achavam perigoso. (Mafra, Aspirante a Oficial, 1991).
Minha família não ficou satisfeita com minha entrada na PM, aceitaram o NPOR no
Exército, entretanto, foram contrários à PM. (Figueira, Aspirante a Oficial, 1991).
228
Roberto Silveira cursava Engenharia Civil na UNAMA; Osmar Costa Júnior, cursava Jornalismo na UFPA; e
Pedro Costa Vale cursava Engenharia Química, também na UFPA.
229
O termo ‗laranjeira‘ ou ‗estrangeiro‘ refere-se ao aluno oficial que fica em regime de internato, passando a
residir naquela unidade de ensino, por ser de outra cidade ou região e ficará na localidade por um período.
230
Costa Junior, Cadete em 1988, formou-se na Academia de Paudalho, em Pernambuco. Como cadete, participou
ativamente do diretório acadêmico na Academia. Como oficial, foi instrutor e multiplicador da filosofia de Polícia
Comunitária e da disciplina de Direitos Humanos; e foi também Comandante do Centro de Formação de Praças e
da Academia da Polícia Militar Cel. Fontoura. Atualmente é coronel da reserva remunerada.
81
Por algumas décadas, a rejeição à carreira policial militar, deveu-se ao seu entrelaçamento
com o período da ditadura civil-militar, à truculência, torturas e outros crimes praticados ou
relacionados ao envolvimento de militares, que promoveu uma imagem institucional denegrida e
maculada. Isso é manifestado vividamente, na opinião de alguns autores, dentre estes Virgílio
Donnici232 e Thomas Holloway233, os quais analisam que as Polícias criaram uma cultura
corporativa de violência contra a população, matando, desrespeitando direitos e garantias
individuais, encastelando-se em si mesmas.
Minha mãe ficou temerosa no início por ter conhecimento do perigo que a atividade
tem e por ler notícias em jornais onde em alguns casos, mostrava-se a truculência de
alguns policiais. Depois, com o tempo ela foi tomando conhecimento de como era a
preparação e formação de um policial e se sentiu segura e feliz em ter um filho na
Polícia Militar. (Lima e Silva, Cadete, 1989).
231
Sobre estigma ler: GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada.
Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4 ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1988.
232
DONNICI, Virgílio. Polícia, Guardiã da sociedade ou parceira do crime? Um estudo de criminologia. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1990.
233
HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro. Repressão e Resistência numa cidade do século XIX. Rio
de Janeiro: FGV, 1997.
234
MESQUITA NETO, Paulo. Segurança, Justiça e Direitos Humanos no Brasil. In: LIMA, R. S.; PAULA, L. (Orgs.).
Segurança Pública e violência: o Estado está cumprindo com seu papel? São Paulo: Contexto, 2008. p. 53-64.
82
Assim, a repulsa quanto à carreira policial militar, nem sempre estava distante do
candidato, eventualmente os próprios familiares, mostravam-se inculcados com os estigmas
sociais, às vezes não viam com bons olhos tal decisão. A desaprovação familiar talvez estivesse
ligada, como já dissemos, ao papel desempenhado pela Polícia Militar sob o paradigma militarista
de tortura, violência e repressão como resquícios da ditadura, no qual as desordens públicas eram
tratadas com táticas de combate e os manifestantes eram vistos como inimigos que deveriam ser
neutralizados.
Para alguns dos sujeitos da pesquisa, a decisão pela carreira policial militar consistiu
em um desafio primeiramente junto aos seus familiares, nem sempre obtendo aprovação,
pelos mais variados motivos. Não obstante à rejeição social, esses candidatos viam na carreira
policial militar a possibilidade de terem uma profissão com estabilidade e com possibilidade
de carreira, de ascensão, e isso os levava adiante:
Meu pai quando soube que eu tinha passado na APM e que eu iria pra Pernambuco
seguir carreira militar, ficou muito contrariado. Ficou mais ou menos, uns seis meses
sem falar comigo. Eu entendia ele, é porque na verdade, ele tinha outros sonhos pra
mim. Ele havia montado uma gráfica e uma papelaria e me colocou como sócio dele.
[...] Mas tempos depois, meu pai, foi percebendo minha desenvoltura na farda, e a
ascensão da carreira, e como as portas que me foram abertas para tantas coisas, aí
ele amoleceu, e me falou que reconhecia ter sido a decisão mais acertada que tomei.
Ele morreu há pouco tempo e viu quase todo o meu percurso na Polícia Militar.
(Silveira, Cadete 1988).
Ao ingressar na carreira militar, tanto pela estabilidade quanto pela ascensão como
um servidor admitido via concurso público, eu sentia motivação para a escolha e
exercício da profissão. (Leonardo Gibson, cadete 1988)
Neste sentido, não se pode ignorar que tais fatores motivavam235 e estimulavam os
indivíduos a vincular-se à carreira militar, mesmo que não tivessem apoio de outras pessoas
ou condições adversas:
Fiz o concurso da PM porque, como todo jovem queria ter uma profissão, uma
melhoria salarial e queria também estabilidade, sabia que isso seria possível através de
concurso público. Eram 220 candidatos para 10 vagas. Eu fui o 4º colocado, e então eu
escolhi ficar como laranjeira na APM de Barro Branco em São Paulo. [...] Localizada
na Serra do Mar, [...] num frio intenso de 5º centígrados. (Costa Júnior, cadete, 1988).
235
SAMPAIO, Jáder dos Reis. O Maslow desconhecido: uma revisão de seus principais trabalhos sobre
motivação. Revista de Administração da USP. São Paulo, v. 44, n.1, p 5-16, jan./fev./mar. 2009.
83
Eu sonhava o melhor pra mim, queria estabilidade profissional e queria poder dar
uma condição melhor para minha mãe. [...] Nessa época minha maior dificuldade era
financeira porque eu não tinha dinheiro para sobreviver, morava de favor na casa de
parentes, não tinha nem rede para dormir. Com meu primeiro salário eu comprei
uma cama de solteiro. Ao lembrar disso me emociono, e agradeço a Deus por todas
as etapas vencidas, porque até aqui tem me ajudado o Senhor. (Léa, Cadete, 1988).
Entre os candidatos que concorriam à carreira policial militar, havia aqueles que
provinham de famílias, cujo vínculo militar já estava estabelecido, antes mesmo de terem
nascido236. Esses candidatos, por serem de famílias formadas por militares, desde cedo realizavam
naturalmente, a entrada gradual nos quartéis, à medida que participavam de solenidades,
treinamentos, festividades, confraternizações etc. Assim, em função da sua própria dinâmica
familiar, acompanhavam pouco a pouco, também a dinâmica do quartel, sendo também
influenciados por ela:
Na minha família meu tio já era oficial superior do Exército, ele fez IME 237. Esse tio
me influenciou no meu ingresso. Ele tinha um estilo padrão militar por excelência:
estudioso, firme, determinado, líder. (Calderaro, Aspirante a Oficial, 1991).
Eu tinha um tio que era sargento do Exército, e ele de certa forma me influenciou a
seguir carreira militar. (Figueira, Aspirante a Oficial, 1991).
Decidi seguir carreira militar porque achava um trabalho digno. Meu tio era da
Marinha e meu sogro da Polícia Militar. Com certeza eles me inspiraram. O
exemplo deles serviu de influência positiva pra mim. (Silveira, Cadete,1988).
Sobre a entrada gradual desde cedo nos quartéis, Emílio, Aspirante em 1991, em sua
narrativa traz à memória momentos vividos na sua infância e juventude junto ao seu pai, que
era militar do Exército, na época que morava em Santa Rita do Sapucaí238, ao lado do quartel
de Tiro de Guerra239:
236
Aos filhos de militares recrutados para realizarem cursos militares no Exército, Celso Castro aponta uma
tendência de recrutamento endógeno, sendo sua ocorrência analisada a partir de 1970. CASTRO, Celso. O
espírito militar: um antropólogo na caserna. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.142.
237
Instituto Militar de Engenharia, que tem como missão formar, graduar e pós-graduar engenheiros militares e
civis para atender as demandas do Exército brasileiro. Localiza-se na praia vermelha, no bairro da Urca, no
Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ime.eb.mil.br/pt/> Acesso em: 16 jul., 2017.
238
Município localizado no sul de Minas Gerais, distante cerca de 430 km de Belo Horizonte. Disponível em:
<http://www.pmsrs.mg.gov.br/Home/> Acesso em: 16 jul., 2017.
239
Uma organização militar cuja finalidade era tanto de complementar o treinamento militar obrigatório para os jovens
que atingiam à maioridade quanto de treinar civis. Ver: CARVALHO, José Murilo. O pecado original da
República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2017.
84
[...] meu pai era sargento do Exército e trabalhou durante muitos anos no interior de
Minas Gerais, onde eu nasci. Ele trabalhava no ―Tiro de Guerra‖, um mini quartel
que faz no interior do Estado, a missão de formação dos recrutas do serviço militar
obrigatório. Em Santa Rita do Sapucaí eu morava ao lado do Tiro de Guerra. Então
acordava de manhã ouvindo os comandos da ―ordem unida‖ na quadra que ficava
atrás. Eu participava de muitas atividades. Desmontava fuzil, participava de marcha
junto com eles, isso me acompanhou boa parte da minha infância e adolescência. Foi
quando viemos para Belém e ele foi trabalhar no 2º BIS. Aí eu tinha um contato,
mas não era algo mais tão próximo, como era antes. (Emílio, Aspirante, 1991).
Tive influência de meu pai que era policial militar, ele começou como soldado e
chegou até subtenente. Desde cedo me levava ao quartel onde ele trabalhava. Eu
gostava de ir para o quartel, gostava de participar das comemorações do dia das
crianças, da programação de natal e eu achava bom, que ganhávamos bons presentes
no quartel (risos). (Edimar, Cadete, 1999).
Meu pai era suboficial da Marinha, mas quando eu ingressei na farda, meu pai já era
falecido. Faleceu repentinamente de infarto. [...] Decidi seguir a carreira militar
porque via com bons olhos. Eu tinha tios e primos já militares da Marinha e dois
irmãos meus já cursavam Academia da Polícia Militar em Pernambuco. Por conta
disso, os ritos militares me eram familiares, e isso me encorajava a seguir os
mesmos passos. (Leonardo, Cadete, 1988).
Em sua narrativa, Leonardo evidencia a motivação para o seu ingresso na APM sob
uma perspectiva familiar: pai, tio, primos e irmãos já vivenciavam a experiência na caserna,
embora fossem instituições militares distintas. A oportunidade de ingressar na carreira,
mesmo para aqueles que já conhecem um pouco do ambiente, no caso dos filhos de militares,
exige necessariamente a assimilação do mundo militar e o abandono o mundo civil. O Cadete,
além de aprender com os mais velhos infindáveis de conhecimentos sobre o cotidiano e a
dinâmica dos quartéis aprendidos, irá passar pela transformação de civil em militar, o que
muitas vezes é uma espécie de choque cultural:
240
SILVA, Cristina Rodrigues. Famílias Militares: explorando a casa e a caserna no Exército brasileiro. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, set/dez, 2013. p. 867.
85
Algumas coisas eu estranhava, achava exagero, como, por exemplo, uma situação que eu
presenciei quando eu estava na academia, um Cadete que foi excluído somente por causa
de uma segunda via de documentação, que ele foi solicitar o recibado, e não convinha
fazer isso [...] pensei né, a exclusão dele foi um exagero. Mas havia uma lógica naquelas
normas, e eles reforçavam que era para a manutenção de disciplina. Exigiam de nós
habilidades e compromisso, para todo e qualquer tipo de situação que quando oficiais
poderíamos passar. (Leonardo, Cadete, 1988).
Desde o ingresso na Academia, pelo fato de ser um curso que exige dedicação
exclusiva, torna-se inquestionável a ruptura com o mundo civil, mesmo para aqueles que se
aproximavam do mundo militar pelo parentesco com militares; assim como a necessidade de
se fazer surgir, pela forja, a identidade policial militar.
Barros apud Silva241, na sua tese de doutorado em Ciência Política, evidencia que os
padrões de relacionamento entre militares do Exército brasileiro apontam uma presença
significativa de filhos de militares seguindo a mesma carreira que o pai. Esta pesquisa242
ajuda-nos a compreender que filhos que seguem a carreira dos pais militares não era um fato
que ocorria somente no âmbito do Exército, pois há exemplos correlatos no âmbito da Polícia
Militar, tendo como referência a narrativa do nosso entrevistado Leonardo Gibson, que era
filho de militar da Aeronáutica, sobrinho e irmão de policiais militares. Além do seu caso,
Leonardo nos relata que entre os seus nove colegas de turma do Pará, seis eram filhos,
sobrinhos ou irmãos de oficiais da polícia militar.
241
SILVA, Cristina Rodrigues. Famílias Militares: explorando a casa e a caserna no Exército brasileiro. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, set/dez, 2013. p. 867.
242
SILVA, Idem.
243
CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.15.
244
CONSUL, Júlio Cezar Dal Paz. Brigada militar: identifique-se: a Polícia Militar revelando sua identidade. Tese
(Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. p. 174.
86
Nós tínhamos uma rotina rigorosa. Para tudo na Academia havia normas, regras até para
arrumação da nossa própria cama. Eu optei em morar na APM – era chamado de
―estrangeiro‖.
Nossas camas eram padronizadas, havia atrás da porta do apartamento a descrição de
como deveríamos arrumá-la. Cada dia da semana nós tínhamos que fazer a dobradura do
lençol conforme a descrição expressa por dia da semana. E tinha que ser padrão, porque
havia fiscalização repentina, de surpresa. Como era internato, nós éramos obedientes
àquela disciplina. A limpeza dos apartamentos era feita por uma empresa contratada,
mas era nossa obrigação a arrumação da cama... nós como cadetes precisávamos fazer a
manutenção. (Leonardo, Cadete, 1988).
245
VALE, Jesiane C.C.; MOREIRA, Ana Cleide Guedes. Sofrimento e Vitimização policial: uma experiência em
debate. Congresso Norte e Nordeste da Psicologia, 4. 2009. Anais... Disponível em: <http:
//www.conpsi6.ufba.br>.2009.
87
de, ao levantar-se, deixar sua cama arrumada e o cobertor dobrado, como faz até hoje devido
ao condicionamento intensivo na Academia.
Para o cadete no CFO, os primeiros dias são considerados ―semana zero‖, período
quando são programadas várias atividades pela Divisão de Ensino246 e o Corpo de Alunos247
da Academia, visado à adaptação, o ajustamento inicial do aluno ou até mesmo a sua
desistência. É nesse período que se revela a força de vontade para a permanência ou não na
carreira policial.
Durante ―semana zero‖ as atividades são intensas, e não permitem que o Cadete tenha
tempo livre, a não ser para o enquadramento militar. A rotina começa geralmente às 06h30 da
manhã e transcorre geralmente até 21h. São treinamentos contínuos de ordem unida, marchas
coletivas, treinamento físico-militar, ensaios de canções, assimilação de códigos, doutrinas e
ensinamentos, inculcação de normas e regras, formas de tratamento aos seus superiores, pares e
subordinados, conhecimento dos pavilhões da Academia, apresentação pessoal, corte de cabelo,
confecção da identidade, decisão e adoção do ‗nome de guerra‘, aprendizado para o uso do seu
fardamento, enfim, aquilo que seria vivenciado durante os três anos do CFO, é como se fosse
sintetizado naquele período de adaptação, que surte o efeito de ‗peneira‘ para o Cadete.
Celso Castro (2004) afirma que no período de adaptação há uma ―transição brusca e
intensa‖ na qual as pessoas que ―não possuem vocação ou força de vontade suficiente para o
ingresso na carreira militar‖248 findam desistindo, por isso constitui-se em uma peneira. Costa
Junior, um dos sujeitos da pesquisa, explica como se deu o seu período inicial de adaptação:
A rotina Acadêmica era intensa até as refeições eram feitas com uma prévia na
‗marcialidade‘, isto é, com ordem unida. Entrávamos em forma toda a escola –
cadetes do terceiro, segundo e primeiro ano. Ao comando do aluno de dia
(geralmente era um do terceiro ano) nós marchávamos (todos os pelotões) exatos 25
passos em ordinário e depois ficávamos na posição de descansar automaticamente.
246
A Divisão de Ensino é o órgão responsável por fornecer ao Comandante da APM os elementos necessários para as
suas decisões na área pedagógica e para assegurar e execução, o planejamento, a coordenação, o controle, a
pesquisa, a avaliação de ensino, a organização dos cursos e estágios, e a análise dos resultados
247
A seção do Corpo de Alunos tem a responsabilidade junto ao comandante da APM, de zelar pela pontualidade
e assiduidade dos cadetes, manter a turma de alunos coesa e homogênea, incumbindo-se da preparação moral,
disciplinar e material da tropa, como também de solicitar punições e elogios, conceder dispensa do serviço.
Comandar os cadetes nas formaturas, desfiles e exercícios nos termos. Manter o comandante da Academia
atualizado quanto ao desempenho dos alunos nas atividades escolares.
248
CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 19.
88
Em seguida, cada coluna dos pelotões avançava em direção ao refeitório. Isso era o
ritual diário do café, almoço e jantar. (Costa Júnior, Cadete, 1988).
Erving Goffman249 analisa que o novato ao chegar à ‗instituição total‘, traz uma
cultura aparentemente derivada de seu mundo familiar, onde são aceitos um conjunto de
atividades sem discussão, sem contestação, até o momento de sua admissão.
Após o seu ingresso, o novato se depara com diversas regras, prescrições, restrições,
decisões, programações e ritos de enquadramento que modelam o recém-admitido a uma
prática de controle e total obediência às normas vigentes no estabelecimento, para as quais
encontra algumas dificuldades, como se no seu íntimo se sentisse perturbado por participar
automaticamente. Alguns cadetes, por mais que desejem seguir carreira, sentem dificuldades
nesse enquadramento, oferecendo resistência ao aprendizado e ao cumprimento das regras
vigentes na instituição total.
O termo ‗instituição total‘, utilizado por Goffman, também foi utilizado por José
Murilo de Carvalho, Jacques van Doorn e Alexandre Barros como forma de classificação das
academias militares.
249
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectivas, 2007. p. 23.
250
GOFFMAN, Ibid.. p.17.
251
GOFFMAN, Ibid., p. 22.
89
De fato, analisando por esse prisma, sou levada a concordar com Celso Castro que
existem notórias aberturas em âmbito militar que nos permitem analisar as academias
interpretando-as como instituições totalizantes.
252
CASTRO, Celso e LEIRNER, Piero Camargo. (Orgs.). Antropologia dos Militares: Reflexões sobre
pesquisas de campo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
90
A mudança do nome civil para o ―nome de guerra‖, sem dúvida nenhuma merece
destaque na vida do cadete e ao longo da carreira militar.
Ao ser admitido na corporação, o sujeito traz seu nome de batismo, que o identifica no
seio familiar ou doméstico. Trata-se do nome que foi escolhido geralmente, por seus pais e,
aquele nome, passa então a fazer parte da existência do sujeito, às vezes ainda estando em
formação na vida intrauterina, já o chamam pelo nome escolhido. O nome torna-se como um
construto de sua identidade.
253
Sobre identidade militar, ver: CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
254
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectivas, 2007. p. 25.
255
GOFFMAN, Ibid., p.24.
256
CIAMPA, Antonio da Costa. Identidade. In: LANE, Silvia T. M.; CODO, Wanderley. (Orgs.). Psicologia
social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 58-75.
91
Corso & Corso257 discorrendo sobre a relação que o sujeito constrói com o próprio
nome, assinala que:
[...] é assim que fazem os pais quando escolhem o nome dos seus filhos. Alguém o
chama assim porque assim decidiram; mesmo que sigam alguma tradição de família
ou escolham um nome da moda, eles sempre terão tido razões para escolher uma e
não qualquer outra palavra para designar seu filho. (CORSO, 2006, p. 196).
Entretanto, na Academia - unidade escolar militar, o cadete, via de regra, nem sempre
obterá a manutenção do seu nome de batismo, como aquele a ser escolhido para a carreira
profissional. Então, ele se submete a um ―novo batismo‖, no qual lhe é atribuído outro nome
denominado ―nome de guerra‖, que nem sempre é o seu prenome, e que costumeiramente vai
recair em algum dos sobrenomes.
Os nomes de guerra são convenções das instituições militares. Para a escolha e definição
de qual seja o nome, busca-se atentar também para a antiguidade ou ordem de classificação
hierárquica, do primeiro ao último aluno classificado.
A escolha geralmente se faz como uma prerrogativa dos oficiais da Unidade Escolar,
evitando repetições de nomes entre os cadetes. A repetição de sobrenomes, muitas vezes vai
exigir que se junte o ‗prenome + sobrenome‘, ou dois sobrenomes, sempre evitando a conflito de
nomes entre os cadetes, ao mesmo tempo que se firma a hierarquia de um pelo outro. Aquele que
é aluno mais antigo cujo sobrenome se repete com outro, teria a prerrogativa da oportunidade em
auxiliar os oficiais da unidade escola, na escolha de seu sobrenome.
A escolha dos nossos nomes ocorre geralmente nos primeiros dias de admissão, logo
depois que a gente se apresenta na academia. Nenhum cadete sai escolhendo que
nome quer usar. A gente pode até escolher, sugerir o sobrenome de nossa família,
mas, isso cabe aos oficiais do Corpo de Alunos, porque eles vão verificar de modo
que não haja repetição. O nosso nome ter que ser único. (Costa Vale, Cadete, 1992).
O ‗novo‘ batismo parece ser uma imposição para o cadete. Uma identidade que lhe foi
objetivamente atribuída por alguém, que não é, e nem foi um de seus familiares. Entretanto, com
o decorrer dos anos, na academia e posteriormente na vida profissional, o nome de guerra passa a
ser a sua identidade subjetivamente apropriada, que distingue o policial de tantos outros na
Corporação. A adaptação ao nome de guerra torna-se imprescindível, como um elemento de
257
CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mario. A relação das coisas e das pessoas com seus nomes. In: Fadas
no divã: psicanálise nas histórias infantis. São Paulo: Artmed, 2006. p. 196.
92
Na APM de São Paulo, o meu nome de guerra era Osmar. Mas quando eu voltei para
Belém, não pude permanecer como Osmar, porque já havia outros oficiais mais
antigos, com o mesmo nome ―Osmar‖. Então pensando no meu nome todo: Osmar
Vieira da Costa Junior, sugeri ‗Vieira‘, mas já tinha um outro mais antigo, com o
nome de ―Vieira‖. Então, tive que adotar outro ‗nome de guerra‘. Optei por ser
―Costa Junior‖. (Costa Junior, Cadete 1988).
Meu nome de batismo é Pedro Paulo, quando fui para o CFO em Paudalho
Pernambuco, já havia um outro com o mesmo nome. Então escolheram pra mim, um
dos meus sobrenomes ―Vale‖. Nos dois primeiros dias do curso mais ou menos.
Ocorre, que quando me chamavam parecia que não era comigo (risos), eu
estranhava. Mas na primeira semana, a gente já tem que ter assimilado, e pronto.
Segui como ―Vale‖ e me adaptei a ele, durante os três anos do curso. Ao retornar
para Belém, já como aspirante Vale, o meu primeiro comandante, entendeu que era
um nome muito curto, de pouca expressão de identidade, foi aí então que eu adotei
meus dois sobrenomes: ―Costa Vale‖ (Costa Vale, Cadete, 1992).
Todavia, não é somente o internato que leva à aproximação e à coesão, mas também a
própria vivência do cotidiano na Academia faz surgir a camaradagem e o companheirismo
entre os cadetes. Às vezes essa camaradagem no período da Academia acompanha o policial
militar durante toda a sua carreira profissional. Do seu intenso relacionamento com aqueles
colegas de turma durante os três anos da formação, quando vivenciaram adversidades, a
cumplicidade, a solidariedade, a proximidade que se perpetua por toda a vida profissional do
258
Idem.
93
policial militar, gerando um sentimento coletivo que lhes favorecia no controle da tensão
existente entre os mundos interno e institucional.
Minha ―canga‘ - companheira no CFO de todas as horas, foi a cadete Rafaely. Nossa
amizade na academia se tornou muito forte, tão forte mesmo que, nossa amizade
continua até hoje, mesmo anos depois da nossa formação. Ela se tornou parte da
minha família, inclusive ela é minha comadre, eu a escolhi para ser madrinha do
meu filho. (Verena, Cadete, 2008).
Ser canga traduz-se em lealdade, companhia para todas as horas. Tem a finalidade de
fomentar sobretudo, a conscientização de que na vida profissional vindoura, o policial militar
deve trabalhar sempre ladeado de seus companheiros ou em equipe, que não convém o
individualismo no desenvolvimento de suas missões, e que se faz necessário ter parceiros.
Eu era cadete do terceiro ano do CFO, e um dia à noite senti forte dor abdominal do
lado direito, me contorcia de dor, sem imaginar o que poderia ser. Não aguentando
mais, pedi ajuda aos meus colegas de alojamento. De pronto, providenciaram um
jeito de me transportar até o hospital da cidade em Paudalho. A Academia é situada
na BR 408, no KM 78, naquela época era meio isolada, distante de tudo, e não havia
por perto estrutura hospitalar para realizar exames de imagem. Então me levaram ao
posto de saúde, onde me fizeram um analgésico e me mandaram de volta para
Academia. Chegando na Academia, não demorou muito, a dor aumentou e ficou
insuportável. Dessa vez, meus colegas e o oficial de serviço me conduziram para o
Hospital Militar na capital, em Recife. Lá chegando fui imediatamente
diagnosticado com apendicite supurada260. Como minha situação era crítica, fui
levado para o bloco cirúrgico. Fiz a cirurgia, tive sérias complicações e fiquei
internado por sete dias. Naqueles momentos, contei com a solidariedade dos meus
colegas, irmãos de farda, que se revezavam como meus acompanhantes do hospital,
porque minha família estava toda no Pará. (Costa Vale, cadete, 1992),
Para Sidney Chalhoub, os laços de solidariedade e ajuda entre os homens podem ser
fundamentais como estratégias de sobrevivência261. Foi o caso notoriamente vivenciado pelo
então cadete Costa Vale, quando estava afastado de sua família, residindo distante de sua
cidade, numa outra região do país, em pleno curso de formação, do qual não poderia – por
regulamento, se ausentar. Enquanto esteve hospitalizado, pôde contar com a solidariedade dos
seus colegas, que além da companhia no hospital também lhe repassavam o material estudado
em sala de aula. Esse companheirismo e solidariedade, para além do espaço do internato, foi um
fator muito positivo para a sua permanência no curso de formação.
259
O nome da cidade de Paudalho, em Pernambuco, origina-se de uma árvore secular que exalava um aroma
similar ao do alho, situada na margem direita do Rio Capibaribe, no local antes chamado Itaíba, hoje se
encontra a ponte de Itaíba, no centro da cidade. A ocupação organizada das terras iniciou com um
aldeamento indígena promovido pelos padres franciscanos: Aldeia de Miritiba [...], onde nasceu o índio Poti,
batizado por Felipe Camarão, herói da luta contra a ocupação holandesa. Posteriormente a região cresceu
pelo impulso do cultivo da cana-de-açúcar e vários engenhos estabeleceram-se na região. [...] O povoado de
Paudalho surgiu no entorno do engenho Paudalho.
260
Apendicite supurada é o rompimento do apêndice inflamado, o que aumenta muito os riscos de complicações
que podem inclusive levar à morte.
261
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle
époque. Prefácio da 2ª edição. Campinas: UNICAMP, 2012. p. 185.
95
Antonio Zuim analisa que, por meio dos trotes, os veteranos têm a missão de domesticar
seus novatos, fazendo-lhes compreender os passos a serem seguidos. Analogamente, o autor
considera que o ―trote, alude ao passo que o cavalo aprende a fazer; uma espécie de andar
intermediário situado entre o galope e o seu passo habitual‖262, que não seria possível que o cavalo
trotasse se não fosse domesticado. Zuim explica que não é por acaso que os trotes dão o sentido
de domesticação; e que, etimologicamente, a palavra ―trote‖ é identificada em vários idiomas, tais
como o espanhol ‗trote‘; o italiano ‗trotto‘; o francês ‗trot‘; e o alemão ‗trotten‘.
262
ZUIN, Antônio Álvaro Soares. O trote universitário como violência espetacular. Educação e Realidade, v. 36,
p. 587-604, 2011. p. 590.
263
TOMMASINO, Kimiye; JEOLÁS, Leila Sollberger. O trote como um ritual de passagem: o universal e o
particular. Revista Mediações, Londrina, v. 5, n. 2, p. 29-49, jul/dez., 2000.
264
SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro: FGV, 2002.
96
nas academias das Polícias Militares, em grande parte depende da inventividade dos
veteranos, inclusive pode ser apenas por sugação ou tarefas ―sem propósitos‖:
Celso Castro265, em ―O espírito militar‖, menciona que há uma distinção, não muito
clara, entre trote e brincadeira; e que, em certa medida, na Academia os dois termos são
usados indistintamente; mas que ―em geral o trote é considerado ‗mais pesado‘, humilhante,
dramático e desintegrador, enquanto a brincadeira seria ‗mais leve‘, cômica ou inofensiva e
integradora‖. A ideia referida por Castro, que não ser tão clara a distinção entre trote e
―brincadeira‖, pode ser vista na narrativa do nosso interlocutor Salim:
Um fato descabido que eu vivi na Academia, foi quando um certo oficial, querendo
testar a nossa turma, inventou uma brincadeira absurda, uma espécie de trote, foi
chamando um por um dos cadetes para comer um punhado de farinha baguda 266 com
muita pimenta, mas era muita pimenta mesmo. Aquele bocado de farinha passava de
mão em mão. Só porque eu não quis comer, esse certo oficial mandou me colocar de
pernoite. Passei meses de pernoite na Academia, tanto é que quando voltei para
dormir em casa, estranhei minha cama. (Salim, Cadete, 1992).
Nas Academias de Polícia, os trotes eram os mais variados possíveis, às vezes eram
coletivos e outras individuais, mas em geral eram aplicados com algum objetivo, que poderia
ser, a união do grupo, a superação de alguma dificuldade ou de um obstáculo em conjunto,
resistência ao frio ou a fadiga, despertar companheirismo, tais como: corrida ao redor do
terreno da academia; banho fardado na piscina durante a madrugada; prestar continência ao
poste de luz elétrica; chorar pela morte da formiga; execução de faxina, lavagem de
banheiros, troca rápida de uniformes etc. como vemos nas recordações do interlocutor:
[...] era estabelecido naquele dia que os cadetes estivessem fardados por exemplo, de
uniforme de educação física (short, camisa, tênis e meia) e que deveriam trocar
265
CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 30.
266
Farinha ―baguda‖ é o termo usado na região norte do país, para caracterizar a farinha feita de mandioca, para
a qual se preserva técnicas tradicionais e rudimentares de preparo, para mantê-la crocante e de caroços graúdos.
97
[...] por que o cadete tem que trocar seu uniforme de educação física em três
minutos? Seria por sacanagem? [...]. Não, com certeza não. É porque quando a gente
vai atender uma ocorrência, o cidadão tem que ser atendido no menor tempo
resposta possível. E às vezes, nesse menor tempo, podemos salvar a vida de outras
pessoas. É por isso que tem que ser rápido. Então, se estamos na viatura, e o CIOP
nos passa uma ocorrência, se o cadete obteve essa resposta- reflexo na academia, ele
há de tentar chegar o mais rápido possível para a ocorrência. Algum cidadão ao ver a
viatura com a sirene ligada, correndo em velocidade, cortando sinal, talvez se
pergunte: ―para que isso?‖ É aí que consiste em a diferença. A pronta resposta da
qual aquele policial está imbuído para chegar no menor tempo possível, pode salvar
uma vida. (Rayol, cadete, 1992-1994).
Cabe esclarecer, que não eram permitidos pela instituição, que nos trotes houvesse
crueldade, flagelações, picadas, choques, ―porres‖, afogamentos ou outras violências físicas.
Entretanto, por instituírem ‗não permissão‘ como regra, não quer dizer que houvesse garantia
de que a regra fosse plenamente cumprida, havendo entre os interlocutores desta pesquisa,
uma ou outra narrativa que aponta para exageros nos trotes.
Celso Castro, analisa baseando-se em sua pesquisa na AMAN, que, embora proibidos,
os trotes tradicionalmente são realizados nas academias, muitas vezes com o conhecimento de
oficiais, mas ―de maneira geral, tais oficiais não procuram combatê-los, mas apenas regulá-
los, evitando exageros‖267. Muito embora os trotes sejam tradicionais nas unidades de
formação em todo o Brasil, nas academias das Polícias Militares, a partir do ano 2000 foram
ressignificados os trotes de sugação ou com tarefas ―sem propósitos‖, sendo substituídos por
outros tipos de trotes: o ―tipo humanitário‖, tais como doação de sangue, gincana de alimentos
não perecíveis para doação a organizações não governamentais; e o tipo ecológico, que inclua
o plantio e o cuidado de árvores, sob a responsabilidade de cada cadete.
267
CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 30.
98
CAPÍTULO 2
268
“EM CONTINÊNCIA AO TERRENO” : A AMAZÔNIA
COMO CENÁRIO FORMADOR DOS OFICIAIS
[...] como dói a história da ocupação da Amazônia! No início do século, quando tudo
eram sonhos e possibilidades, Euclides da Cunha classificou esse mundão sem
porteira de águas e florestas como sendo a última página do Gênesis, que o criador
divino delegou à escrita dos homens. A última página é um garrancho só.
Lúcio Flávio Pinto269
268
Continência é uma saudação militar, uma das maneiras de manifestar respeito e apreço aos superiores, pares,
subordinados e símbolos, como a bandeira nacional. E, no caso em tela, sinal de respeito ao solo amazônico,
destino dos oficiais formados pela Unidade de Ensino investigada.
269
PINTO, Lúcio Flavio. As terras amazônicas e a ação dos governos. Jornal Pessoal, Belém, 1º out., 2013.
270
A pesquisa bibliográfica efetuada nesta pesquisa revelou que a problemática do desenvolvimento na Amazônia é
tema recorrente na produção científica, sobretudo no campo da Sociologia, da Ciência Política e da Economia.
271
BATISTA, Iane Maria da Silva. A natureza nos planos de desenvolvimento da Amazônia (1955-1985). 2016.
Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal do Pará, Belém, 2016. p. 25.
272
Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em 1966 foi transformada na
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), autarquia criada com a finalidade de
promover o desenvolvimento da região amazônica, gerando incentivos fiscais e financeiros, atraindo
investidores privados, nacionais e internacionais para a região.
99
quadrado), distante dos centros mais dinâmicos do mercado nacional, de difícil acesso, com
uma bacia hidrográfica que acumula 8% da água doce disponível no globo273.
Nos anos de 1960, alimentou-se a ideia de que a Amazônia era um território vazio a
ser ocupado. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 1960, a
população da Região Norte era predominantemente rural e habitava em pequenos povoados e
vilarejos situados nas margens dos rios, enquanto a população urbana representava somente
37% em relação à população total. Além disso, nas décadas de 1950 e 1960 a região era
composta por dois estados: Amazonas e Pará; e quatro territórios federais: Roraima, Acre,
Amapá e Rondônia, que posteriormente tornaram-se também estados da região275.
Para fazer jus a sua ocupação, disseminou-se o slogan ―terra sem homem, para homem
sem terra‖; assim, o governo incentivou o deslocamento de milhares de indivíduos e seus
familiares para povoarem a região amazônica – uns para serem donos de terras, outros para
trabalhar na terra como ‗mão de obra‘ barata e outros como posseiros276
José Willington Germano (2011) esclarece que nas décadas de 1960/1970, ―a prioridade
do Estado brasileiro era a de construir o ‗Brasil-potência‘, projeto acalentado por setores das
Forças Armadas desde os anos 30‖.277 Quando o general Emílio Médici278 assumiu a presidência
do Brasil, houve a realização de grandes obras, como a rodovia Transamazônica, a ponte Rio-
Niterói etc., e da Segurança Nacional; por sua vez, no governo do general Ernesto Geisel, houve o
desenvolvimento de grandes projetos econômicos, como Itaipu e a ferrovia do aço.
273
PINTO, Lúcio Flávio. Consciência tratada a choque. Jornal Pessoal, Belém, Ano XXXI, n. 6570. 1º jul.
2018. p.12.
274
PETIT, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no Pará, pós-1964. Belém:
Paka-Tatu, 2003.
275
LOUREIRO, Violeta Refkalesfsky. Amazônia: História e análise de problemas do período da Borracha aos
dias atuais. Estudos Amazônicos. 2 ed. Belém: Distribel, 2002.
276
PETIT, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no Pará, pós-1964. Belém:
Paka-Tatu, 2003.
277
GERMANO, José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 2011, p. 267.
278
Emílio Garrastazu Médici, General Militar, mediante o afastamento do Presidente Costa e Silva, o seu nome
foi indicado pelo Alto Comando do Exército à sucessão presidencial, através de eleição indireta. Exerceu o
cargo de presidente da República de 30 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974.
100
Dessa forma, a colonização agrícola da Amazônia foi ampliada pelos governos do regime
militar, cuja estratégia de fomento centrou-se no aporte da política de incentivos fiscais, os quais
subsidiavam a instalação do campesinato a partir da construção da rodovia Transamazônica,
abrindo espaço para a migração espontânea de agricultores familiares descapitalizados.281
Ainda fazia parte do discurso oficial do governo militar o propósito de levar o progresso
para a Amazônia, de ocupá-la e povoar as fronteiras com a finalidade de gerar desenvolvimento
para que a região saísse da situação de atraso em relação ao restante do país283.
279
D‘ARAÚJO, Maria Celina. Amazônia e desenvolvimento à luz das políticas governamentais: a experiência
dos anos 50. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, ano 7, n. 19, jun., 1992.
280
BATISTA, Iane Maria da Silva. A natureza nos planos de desenvolvimento da Amazônia (1955-1985). 2016.
Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.
281
SABLAYROLLES, Philippe; ROCHA, Carla Giovana Souza (Orgs.). Desenvolvimento Sustentável da
Agricultura Familiar na Transamazônica. Belém: UFPA; LAET; AFATRA, 2003.
282
CASTRO, Edna (Org.). Sociedade, território e conflitos: BR 163 em questão. Belém: NAEA, 2008.
283
D‘ARAÚJO, Maria Celina. Amazônia e desenvolvimento à luz das políticas governamentais: a experiência
dos anos 50. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, ano 7, n. 19, jun., 1992.
284
LINS, João Tertuliano. Reflexões sobre a navegação fluvial na Amazônia. In: Embarcações, homens e rios
na Amazônia. Belém: EDUFPA, 1992. p. 73-83.
101
285
Autarquia criada em 1966, com a finalidade de promover o desenvolvimento da região amazônica, pela
geração de incentivos fiscais e financeiros atraindo investidores privados, nacionais e internacionais.
286
Autarquia criada em 1967 para administrar a Zona Franca de Manaus (ZFM), com a prerrogativa de criar um
modelo de desenvolvimento regional.
287
LINS, João Tertuliano. Reflexões sobre a navegação fluvial na Amazônia. In: Embarcações, homens e rios na
Amazônia. Belém: EDUFPA, 1992. p. 73-83..
288
PAIVA, Angela Randolpho. Movimentos sociais e teoria crítica: notas sobre a redemocratização brasileira.
In: D‘ARAÚJO, Maria Celina. (Org.). Redemocratização e mudança social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV,
2014. p. 117-144.
289
Sobre as transformações ocorridas no Brasil, ver: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o regime
militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014; GERMANO, José
Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 2011.
289
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil.1988.
290
Diagnóstico da Comissão Coordenadora Regional de Pesquisa na Amazônia. Plano de Ciência e Tecnologia
para a Amazônia: 1990/1991. Belém, 1990. In: FURTADO, Lourdes Gonçalves. (Org.). Amazônia:
Desenvolvimento, Sociodiversidade e Qualidade de Vida. Belém: UFPA; NUMA, 1997.
102
Militares, dos Corpos de Bombeiros Militares e representantes dos estados da Amazônia para
o nascimento da Academia de Polícia Militar, como registrado na nota publicada no jornal:
291
Jornal ―Diário do Pará, sobre o I Encontro de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros militar. Jornal ―Diário do Pará, em 23/12/1990. Caderno B, p. 7.
292
Informações coletadas na entrevista com o Coronel Joao Paulo Vieira da Silva, o primeiro comandante da
APM e ex-Comandante-Geral da PMPA.
103
Destarte, um dos desafios impostos àquela unidade acadêmica recém-criada era de que
seus alunos, e futuros oficiais, fossem muito bem preparados e obtivessem conhecimentos da
diversidade natural, humana e cultural peculiares àquele contexto e, sobretudo, que fossem
despertados para as intervenções necessárias à Amazônia ou, como refere Heraldo Maués, das
várias ‗Amazônias‘:
[...] não existe uma só Amazônia, mas várias – uma Amazônia continental, ou
Pan-Amazônia, que repartimos com nossos vizinhos das Guianas (e do
Suriname), da Venezuela, da Colômbia, do Equador, do Peru e da Bolívia; e as
várias Amazônias nacionais, incluindo a brasileira. Por outro lado, também,
dentro do conceito de Amazônia Brasileira, temos de fato duas Amazônias –
uma dentro da outra – isto é a Amazônia considerada como Região Norte,
incluída no complexo mais vasto denominado de Amazônia Legal, que foi
adredemente criada pela política governamental que estabeleceu a
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). E, finalmente,
as várias Amazônias dentro da Amazônia: seus grandes rios, lagos, planícies,
planaltos, montanhas, florestas, cerrados e campos naturais. 294
293
Jornal Diário do Pará. nº. 02636 (4), de 24 nov. 1990, p. A6.
294
MAUÉS, Raimundo Heraldo. Amazônias: regional identity and national integration. Ciência e Cultura, v. 43,
p.26-31, 1991. p. 26.
295
A Amazônia Legal, instituída em 1953 pela Lei n.º 1.806, tem uma área em torno de 5.217.423 km². Ver: O
que é Amazônia legal? Disponível em: <http://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28783-o-que-e-a-
amazonia-legal/ e http://www.amazonianarede.com.br>Acesso em: 18 nov., 2017.
104
Para dar efetividade ao ensino policial militar, pelo Decreto nº 6.784, havia sido criada a
Diretoria de Ensino da PMPA,298 sendo vinculada em sua estrutura a Academia de Polícia Militar
‗Coronel Fontoura‘ (APM). Como o efetivo de policiais militares era exíguo, fez-se necessário
criar uma estratégia para dispor de servidores que atuassem nas duas unidades recém-instaladas,
sem que houvesse prejuízo às demais unidades operacionais. A estratégia adotada consistiu em
integrar o efetivo de militares remanescente299 do Corpo de Bombeiros Militar, conforme vê-se
exarado no mencionado decreto, em seu artigo 3º:.
Relembro que até a década de 1990, a Polícia Militar do Pará e o Corpo de Bombeiros
Militar integravam uma única instituição, entretanto, em 19 de abril de 1990, por meio do
Decreto nº 6.781, o governador Hélio Gueiros determinou a emancipação dos bombeiros da
Polícia Militar. Dessa desvinculação, os recursos humanos remanescentes, passariam a
compor ambas as unidades recém-criadas (Diretoria de Ensino e a Academia), e tornaria
possível o funcionamento das mesmas.
296
Estribilho do hino da APM Coronel Fontoura.
297
Dados obtidos na entrevista com o coronel João Paulo Vieira da Silva.
298
Decreto nº 6.784, publicado no Diário Oficial do Estado, em de 24 de abril de 1990, p.30-31, pelo qual o
governador Hélio Gueiros criou a Diretoria de Ensino da PMPA e a Academia de Polícia Militar ‗Coronel
Fontoura‘, assim como estabeleceu o quadro organizacional e os postos e graduações das respectivas Unidades.
299
Decreto nº 6.784, Op cit.
105
POSTOS GRADUAÇÕES
ESTRUTURA
TEM CEL
SUB TEN
1ºTEN
1ºSGT
2ºSGT
3ºSGT
MAJ
CEL
CAP
CB
FUNÇÕES
Diretor 1 1
Chefia
Subdiretor 1 1
Seção Chefe 1 1
técnica D/1 Auxiliares 1 2 2
Seção Chefe (1)
técnica D/2 Auxiliares 2 2 1
Seção Chefe 1 1
técnica D/3 Auxiliares 1 2 1
Seção Chefe (1) 1
técnica D/4 Auxiliares 2 1 2
Academia 1 2 2 7 1 02 13 9 21
Soma 1 2 4 2 4 19 16 29
Fonte: Decreto nº 6.784/1990, Diário Oficial do Estado do Pará, de 24/04/1990.
Para sediar a recém-criada unidade de ensino foi destinado um prédio de três andares,
situado no quilometro 08, da rodovia BR-316300, em Ananindeua (PA). As instalações do
prédio atendiam apenas em parte as necessidades da Academia, sem condições adequadas
para ambientação, com pouca ventilação e iluminação, segundo relatos de Osmar Nascimento,
Figueira e Dílson Júnior:
300
A rodovia Belém-Brasília ou BR-316 é a via de entrada e saída da capital paraense, e interliga a Região
Metropolitana: Ananindeua, Marituba e Benevides, Santa Isabel do Pará e Castanhal com outras cidades e estados
do Brasil.
106
Fazendo uma comparação grosseira, naquela época, o prédio não tinha estrutura para
ser uma academia, havia muito improviso no espaço físico e na distribuição das
atividades. Tínhamos como referência o Exército, no EB tudo era muito organizado,
padronizado. Mas ao mesmo tempo entendi, não podíamos ignorar que estávamos
inaugurando a APM. Muitas vezes, esse é um dos ônus do pioneirismo (Osmar
Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991).
No momento em que entramos a APM não tinha estrutura adequada e nem corpo
docente próprio. Quando falo de falta de estrutura, lembro que inclusive não
havia biblioteca, não havia como realizar pesquisa, não havia espaço para o
esporte, nós fizemos a quadra esportiva, os alunos se empenharam e arr umamos
o campo de futebol, que apelidávamos de ‗douradão‘, porque aquilo era um
desejo do nosso instrutor de educação física, Tenente Dourado. (Figueira,
Aspirante a Oficial, 1991).
Os relatos acima traduzem uma importante divergência em caráter inicial, entre o que
seria a instalação da Academia, de modo idealizado nos documentos, como ―berço de
comandantes e líderes‖ da Amazônia Legal, versus as limitações reais que a estrutura física da
APM apresentava. Por conta da divergência, entre o idealizado e o realizado na APM, foi
providenciado a reforma do prédio. Algumas das melhorias no espaço físico tiveram o
envolvimento e a participação efetiva dos primeiros alunos oficiais, como vê-se nas
narrativas:
Então, nós incorporamos em fevereiro de 1991 e passamos uns três meses mais
ou menos tendo instruções no antigo Batalhão de Trânsito, enquanto a
Fontourinha, na BR ficava pronta, porque estava passando por uma reforma. [...]
a notícia que nós tínhamos era de que lá no prédio, funcionava um centro de
treinamento de alguma coisa do Estado. Aí lá tinha só o primeiro pavilhão
praticamente, e eles fizeram duas salas de aula atrás, sanitários, uma quadra, um
pátio de formatura na frente. Com isso nós chegamos lá, nós carregamos os
móveis para dentro da Academia [...] não tinha água, a estrutura era muito
precária, era bem complicado. Enfim, fomos desbravando mesmo; até faxina nós
fizemos. (Emilio, Aspirante a Oficial, 1991).
Quando chegamos na APM ainda havia muita coisa por ser feita, fomos empenhados
na melhoria das instalações do prédio, todos nós ajudamos em alguma coisa.
Arrumamos o campo de futebol que chamávamos de ‗Douradão‘ [...] lembro que a
grama foi toda doada pela Embrapa301, que um dos nossos colegas conseguiu por lá‖
(Marinho, Aspirante a Oficial, 1992).
301
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), é uma instituição pública de pesquisa
vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil. Tem como objetivo o
desenvolvimento de tecnologias, conhecimentos e informações técnico -científicas voltadas para
a agricultura e a pecuária.
107
A Fontourinha tinha uma estrutura precária. O alojamento era somente para a guarnição
de serviço e para os que estavam punidos com pernoite. As salas de aulas eram
acanhadas, o chão era com umas lajotas velhas, ar condicionado não muito bom [...], o
pátio onde entrávamos em forma era de chão batido. [...]. Nos dias de educação física, na
hora do banho, era um desespero, porque não havia condições para receberem tantos
pelotões de cadetes. Minha turma era somente de homens. Acho que pela dificuldade
com vestiário e banheiros eles optaram por uma turma exclusivamente masculina. Mas,
contudo, nossa turma estava adquirindo uma identidade própria de policial militar,
em meio às dificuldades, diferente do que aconteceu com outras turmas que vieram
depois de nós, parece que ficou faltando algo, parece que se perderam. (Formigosa,
Cadete, 1999).
Analiso que a APM Cel Fontoura passou a ser chamada de ―Fontourinha‖, porque no
final de 1999, a Academia mudou-se do prédio na BR 316 em Ananindeua, para as
dependências do Instituto de Ensino de Segurança Pública - IESP303 em Marituba. As novas
instalações da APM passaram a estar incorporadas, a um complexo com 60.800 m² de área
total, com 29.300 m² de área construída, compondo de salas de aula para ensino superior e
pós-graduação lato sensu, auditório multimídia com 150 lugares, biblioteca, stand de tiro,
alojamentos, quadra polivalente, campo de futebol, piscina olímpica e duas torres de
treinamento para operações de resgate e salvamento, sendo uma com elevador, câmara de
fumaça, poço para treinamento de resgate e tanque em aço para treinamento de combate a
incêndio.
302
Era um prédio de 3 andares, na BR 316, km 08, onde na atualidade se localiza a Escola Estadual Raimundo Vera
Cruz, no município de Ananindeua-PA.
303
Nas dependências do Instituto de Ensino de Segurança Pública –IESP em Marituba, a área construída, está
dividida em pavilhões acadêmicos e administrativos, para uso da Academia de Polícia Civil, da Academia da
Policia Militar, da Academia do Corpo de Bombeiros, e todos os demais espaços que comportam as
diversificadas demandas do ensino-aprendizado-treinamento em Segurança Pública.
108
Por toda essa dimensão do espaço físico, a primeira Academia Cel Fontoura, passou a
ser considerada de porte pequeno, frente a nova estrutura que o IESP apresentava e,
provavelmente por isso, começou a ser chamada de ‗Fontourinha‘, como uma referência ao
um prédio menor dos seus primórdios, e como distinção do tempo presente.
304
Na Academia, como nos demais quartéis, o “Corpo da Guarda” é a instalação onde permanecem os policiais
militares que fazem a segurança do aquartelamento. Os policiais são designados para realizar essa atividade,
cumprindo uma escala de serviço. Segundo Regulamento Interno de Serviços Gerais (RISG), ―a guarda do
quartel é normalmente comandada por um 2º ou 3º Sargento e constituída de cabos e soldados necessários ao
serviço de sentinelas‖. Todo o pessoal da guarda deve manter-se corretamente uniformizado, equipado e
armado durante o serviço, pronto para entrar rapidamente em forma e atender a qualquer eventualidade.
Sobre ―Guarda do Quartel‖, ver: Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG). Brasília-DF: Ministério
do Exército; Estado Maior do Exército, 2003. p. 68.
305
Sentinela é o policial militar que fica na condição de vigia, na entrada principal do quartel. O sentinela é, por
todos os títulos, respeitável e inviolável, sendo, por lei, punido com severidade quem atentar contra a sua
autoridade; por isso e pela responsabilidade que lhe incumbe, o soldado investido de tão nobre função portar-
se-á com zelo, serenidade e energia, próprios à autoridade que lhe foi atribuída. Estar alerta e vigilante, em
condições de bem cumprir a sua missão. Sobre ―Sentinela‖, ver: Regulamento Interno e dos Serviços Gerais
(RISG). Brasília-DF: Ministério do Exército; Estado Maior do Exército, 2003. p.72.
306
Prontidão é a atitude esperada do militar, que demonstra a sua aptidão para atender a qualquer eventualidade.
307
Na unidade de formação policial militar São comuns as honras, as continências e os sinais de respeito
prestados aos símbolos, como as bandeiras do Brasil e do Pará, o Hino, o Escudo D‘Armas do estado, e às
autoridades civis e militares. Estão previstos no Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e
Cerimonial Militar das Forças Armadas.
308
A Parada semanal é uma formatura com a finalidade de manter a coesão e o contato entre todos os oficiais e
as praças da unidade militar; e para dar oportunidade ao comandante de verificar as condições de sua tropa. É
organizada no pátio da unidade, onde os pelotões ficam perfilados da direita para a esquerda; então o
comandante realiza preleção aos demais oficiais à tropa, quando são repassadas instruções ou informações
atinentes aos serviços, escalas ou aulas.
109
1ºTEN
1ºSGT
2ºSGT
3ºSGT
MAJ
TEN
TEN
CEL
CEL
CAP
SUB
CB
FUNÇÕES
Cmt 1 1
Comando
Sub Cmt 1 1
Aj Sec 1 1 1 1
Of Rel Pub (1) 1
Of Infº (1) 1 2
Chefe 1
Divisão de
ensino
Sec Tec 1 1 1 1 1
SOE 1 1 1
Sm Aux (1) 1 1
Chefe (1) 1 1
Administrativa
Tesoureiro 1 1 1 1
Divisão
Almoxarife 1 1 1
Aprovision (1) 1 2
Sec Pessoal 1 1 1 1
Sv Gerais (1) 1 1 6
Cmt (1) 1 1 2
Corpo de
alunos
Grp Of Al
Grp Al Op 2 1 2 2
Soma 1 2 7 1 2 13 9 21
Fonte: Diário Oficial do Estado do Pará, 24/04/1990.
309
Sobre Divisão de Ensino da APMPA, ver: Regulamento da Academia de Polícia Militar do Estado do Pará Cel
Fontoura; Aditamento ao Boletim Geral da PMPA nº 181, de 22/09/1999.
110
310
Sobre Corpo de Aluno da APMPA, ver: Regulamento da Academia de Polícia Militar do Estado do Pará Cel
Fontoura; Aditamento ao Boletim Geral da PMPA nº 181, de 22/09/1999.
311
Quando da implantação da Academia Cel Fontoura, João Paulo Vieira da Silva estava no posto de tenente
coronel, mas no segundo ano, foi promovido ao posto de coronel.
312
O Curso Superior de Polícia é realizado por oficiais superiores, predominantemente por tenentes-coronéis,
como pré-requisito ao posto de coronel (o mais alto posto das corporações PMs).
313
Dados coletados em entrevista com o coronel Joao Paulo Vieira da Silva.
111
Não obstante à distância territorial entre o Brasil e o Chile, o intercâmbio firmado com
o Chile se deu em virtude da forte tradição militar observada naquele país, que favoreceu a
aproximação pelo fato de que ambos vivenciavam o governo de regime militar. Destaca-se
que o Chile foi presidido pelo general Augusto Pinochet durante dezessete anos de ditadura
militar, do período de 1973 a 1990; em parte desse período e o Brasil também vivenciou a
ditadura civil-militar. Entretanto, quando Vieira da Silva retornou ao Brasil, a Constituição de
1988 já estava em vigor, o país encontrava-se em processo de Redemocratização.
314
Trechos da entrevista realizada com o coronel João Paulo Vieira da Silva, o primeiro comandante da APM
Cel. Fontoura.
315
Dados obtidos com o entrevistado Osmar Vieira da Costa Junior, integrante da primeira equipe.
316
Optei por sublinhar os ‗nomes de guerra‘ de todos os oficiais, em virtude da repetição existente de alguns
prenomes e sobrenomes.
112
No decorrer dos séculos XIX e XX, segundo o historiador William Gaia Farias319, ―a
Polícia passou por uma série de situações difíceis‖, entretanto, a participação da corporação
na Guerra320 ou revolta de Canudos321 a fez vincular sua própria história institucional ao nome
do tenente-coronel Fontoura, em torno de quem se realiza verdadeira mobilização simbólica,
qualificando-o como herói institucional:
Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de
referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes
para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos [...] Herói que se preze, tem de ter de
algum modo, a cara da nação. Tem de responder a alguma necessidade ou aspiração
coletiva, refletir algum tipo de personalidade ou de comportamento que corresponda
a um modelo coletivamente valorizado.322
317
Coronel Antonio Sérgio Dias Vieira da Fontoura nasceu no Pará, em 17 agosto de 1864. Ingressou na
carreira militar por ato do governador estadual, em 1890. Como capitão, comandou a 3 a Companhia do
então Corpo Provisório de Linha. Em dezembro de 1893 foi graduado ao posto de major, sendo efetivado
em janeiro de 1894. Por decreto do presidente da República, de 9 de outubro de 1894, em atenção aos
relevantes serviços prestados à República durante a revolta da armada de 1893, foram-lhe concedidas as
honras do posto de major do Exército. Promovido a tenente-coronel em 23 de setembro de 1895, foi
designado para comandar o 2º Corpo de Infantaria do Regimento Militar do Estado, nesse posto seguiu
para Canudos, onde se distinguiu no comando da brigada militar paraense durante o combate de 25 de
setembro de 1897. Foi agraciado com a medalha de bravura alusiva a esse combate, oferecida pela colônia
paraense radicada na Bahia, de acordo com a Ordem do Dia n º 87, de 14 de março de 1898, do Comando
Geral do Regimento Militar. Em 9 de outubro de 1900 foi promovido ao posto de coronel, em seguida
passou a comandar o Regimento Militar do Estado, durante o governo do Dr. Augusto Mo ntenegro. Nesse
comando, revelou-se rígido, disciplinador, tendo dado à milícia estadual modelar e eficiente organização.
Ver: MORAES REGO, Orlando Luciano Martins. Retrospectiva histórica da Polícia Militar do Estado do
Pará. 1822-1930. Belém: Falangola, 1981. p.142.
318
Decreto nº 3.574, de 25 de setembro de 1940. Fontoura - Patrono da Polícia Militar do Pará.
319
FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Revista Territórios e
Fronteiras, Cuiabá, v. 6, n.1, jan-jun, 2013a. p.230.
320
O termo ―Revolta de Canudos‖ é utilizado por Mary Del Priore (2010) e ―Guerra de Canudos‖ adotado por
Farias (2013) e Francisco Machado (2012), podendo variar conforme o autor.
321
Em 1893, em uma velha fazenda no interior baiano, Antônio Conselheiro criou uma comunidade
denominada de Belo Monte, aonde chegou a reunir 25 mil seguidores. Naquele mesmo ano de criação
da comunidade de Canudos, deu-se início aos conflitos entre Antônio Conselheiro e os poderes
republicanos. Conselheiro foi acusado de conspiração e de ser braço armado dos monarquistas no sertão.
A comunidade de Belo Monte passou a sofrer perseguição e após várias incursões e campanhas milit ares
foi finalmente derrotada em 1897 pela força policial comandada por Antonio Sergio Dias Vieira da
Fontoura. DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Planeta
do Brasil, 2010, p. 225-226.
322
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil. 2ª ed. São
Paulo: Companhia das Letras. 2017.
114
Segundo Gaia Farias 323, a participação da tropa paraense na guerra do sertão, foi
sempre muito explorada pela instituição policial militar, marcada por acontecimentos que
tiveram destaque nas memórias de oficiais participantes no palco das operações, abrindo
um campo para o surgimento de elementos simbólicos que alimentam uma ‗tradição
inventada‘, atribuindo à corporação a imagem de um passado glorioso.
323
Sobre a atuação da corporação, ver: FARIAS, Op. cit., p. 231.
324
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1984. p. 9.
325
Terceira estrofe da Canção da Policia Militar do Pará. Letra de José Resende Filho e Música do Capitão
Musico Manuel Berlarmino da Costa.
326
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.164.
327
Idem MACHADO, p.166.
328
Refiro ao Quartel do Comando Geral no Complexo da Policia Militar do Pará, na Av. Dr. Freitas esquina com
a Av. Almirante Barroso, onde anteriormente havia sido a sede do Parque de Material Aeronáutico de Belém
115
Figura 7 - Busto do Coronel Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura – Patrono da PMPA.
Símbolo de disciplina militar e civismo, Fontoura era um oficial que exercia sua
liderança, infundindo confiança, respeito, veneração dentre os componentes de sua tropa, e
pronunciava profunda análise sobre a sociedade civil, pares e subordinados:
Oficiais não são servos, praças não são lacaios, todos são amigos e companheiros,
na exatidão dos deveres militares; civis são compatriotas a serviço da grandeza da
Pátria.329
Assim, quando o comandante Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura, faleceu aos ―60
anos de idade, vitimado de aneurisma da aorta, mal que há longo tempo o afligia‖330, em 24
de fevereiro de 1923, o Boletim Geral da Polícia Militar do Pará, publicou no dia seguinte, o
elogioso registro a seu respeito, enaltecendo seu desempenho e seus feitos:
–PAMA. Uma edificação de estilo neoclássico, concebida na forma da aeronave 14 BIS, em homenagem a
Alberto Santos Dumont, patrono da Força Aérea Brasileira, adquirido para a PMPA no comando do Coronel
João Paulo Vieira da Silva. Informações com mais detalhes, registrei no 1º capitulo desta tese.
329
Idem. MACHADO, Francisco Ribeiro. p.164.
330
Registro fúnebre- Jornal A Folha do Norte, 27 de fevereiro de 1923.
116
Excedeu-se pelas suas altas qualidades de soldado à caveira comum aos que seguem
a carreira das armas. Entrando nela jovem, prestou-lhe notáveis serviços e dela só se
afastou quando a doença tolheu sua ação. Em Canudos à frente da nossa Polícia
Militar, demonstrou, em rasgos de indômita bravura e notável desprendimento, que
não tinha perecido com Gurjão em Itororó331 o valor guerreiro dos filhos do Pará, e
conclui dando-o como exemplo à milícia paraense‖.332
Figura 8 - ‗Mausoléu dos heróis‘ - Túmulo do Coronel Fontoura – Cemitério Santa Isabel
331
General Hilário Maximiano Antunes Gurjão, foi um militar paraense, herói da batalha pela ponte de Itororó,
na Guerra do Paraguai, homenageado pela Lei Estadual nº 615, de 2 de setembro de 1870, com o monumento
localizado no Centro Comercial de Belém. Disponível em: http://www.forumlandi.ufpa.br/biblioteca-
digital/foto/monumento-ao-general-gurjao. Acesso em: 21 jan, 2018.
332
Idem. MACHADO. p.164.
333
O Mausoléu por se tratar de uma sepultura suntuosa, onde os mortos dos séculos passados, eram sepultados,
traduz-se segundo o pesquisador e arqueólogo do Museu Emílio Goeldi – Fernando Marques, como uma
forma de ―indicar diferenças sociais‖. O tamanho da construção dos mausoléus era uma forma de
demonstração de quem era provido de posses, em relação às sepulturas dos demais, por exemplo, a dos
escravos. www.museugoeldi.br.
334
PM realiza homenagem póstuma ao patrono Coronel Fontoura. Disponível em: http://www.pm.pa.gov.br/
index.php/artigos-menu/153-pm-realiza-homenagem-postuma-ao-patrono-coronel-fontoura.html. Acesso em: 18
dez., 2017.
117
De acordo com Pierre Nora, para subsistir os ‗lugares de memória‘ é preciso criar
arquivos, organizar celebrações, manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar
atas‖336, assim, as lembranças tornam-se preservadas, uma vez que não há memória espontânea, e
que tais operações não são naturais.
É desta forma que, a memória de Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura, em seu
túmulo, torna-se parte da ritualização que se processa em um espaço físico, um ―lugar de
memória‖, numa espécie de âncora, na formação; um tipo de memória coletiva e institucional, que
possibilita ao indivíduo juntar-se, por intermédio do processo de identificação.
335
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP.
n° 10, 1993.
336
Idem. NORA, Pierre.
337
A cerimônia de homenagem póstuma ao patrono da Corporação, ocorre tradicionalmente junto ao seu
túmulo no Cemitério Santa Izabel, no bairro do Guamá em Belém-Pa, na semana alusiva as comemorações
de aniversário da PMPA no mês de setembro e relembra a vitória na Guerra de Canudos, quando o Coronel
Fontoura comandou as tropas da Corporação. Na homenagem, em reverência à memória de Fontoura –
como um ‗lugar de memória‘ e dos demais policiais que morreram no cumprimento do dever, se fazem
presentes, policiais militares de diversas unidades e representantes das Forças Armadas. PMPA. ‗PM
realiza homenagem póstuma ao patrono Coronel Fontoura‟. Disponível
em:http://www.pm.pa.gov.br/index.php/artigos-menu/153-pm-realiza-homenagem-postuma-ao-patrono-
coronel-fontoura.html> Acesso em: 30 out 2017.
338
A medalha da ‗Ordem do mérito Policial militar Coronel Fontoura‘ é concedida aos policiais militares,
instituições civis e militares, cidadãos nacionais ou estrangeiros que tenham prestado notáveis serviços ao
estado do Pará, à Polícia militar e ao país, ou seja, que se hajam distinguido no desempenho de suas missões.
Decreto nº 986, de 17 de setembro de 1980.
118
período pela instituição militar, remetem ao nome e dão ênfase honrosa, ao heroísmo de
Fontoura.
Neste sentido, ao esquadrinhar amiúde esses vários elementos que foram reunidos
pela corporação policial militar do Pará, ao longo do tempo, em torno da pessoa do
coronel Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura e que o constituíram como patrono
institucional, compreendo que isso se estabelece como mais uma forma de cultivar as
tradições no âmbito da corporação e de promover um tipo de memória coletiva e
institucional.
339
FARIAS William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Revista Territórios e
Fronteiras. Cuiabá, v. 06, n.1, jan-jun, 2013a. p.232
119
340
PMPA. Boletim Geral nº 037, de 26 de fevereiro de 1991
341
O slogan da APM Coronel Fontoura como “Universidade de Segurança Pública da Amazônia‖ foi publicado
em letras garrafais, como título de um artigo da jornalista civil Sandra Marina Martins, publicado no Jornal
da Polícia Militar do Pará, 25/09/1992, p.5, em seu Caderno Especial “Segurança e Dinamismo”.
342
O termo cadete já foi explorado no capítulo 1.
343
PMPA. Boletim Geral nº 037, de 26 de fevereiro de 1991. Ingresso de aspirantes a oficial para fins de estágio
probatório, baseado no Diário Oficial do Estado nº 26.831, de 25.10.1990
120
Destarte, pelo Decreto nº 071/91344 ficou estabelecido que aqueles oficiais R2 seriam
admitidos no Quadro de oficiais policiais militares da PMPA, como aspirantes a oficial345, e
também que quando concluíssem o estágio seriam promovidos imediatamente, ao posto de 2º
Tenente do Quadro de Oficiais Policiais Militares combatentes.
Entretanto, Emilio que cursou o 1º CIFO, esclarece que embora o Decreto nº 071 não
permitisse que retrocedessem à condição de aluno, percebia que eram tratados como cadetes:
Percebe-se que como aqueles aspirantes a oficiais já não eram mais neófitos,
inexperientes no tocante à vida militar, o curso de formação foi planejado de modo
diferenciado para aquela primeira turma, tendo inclusive a duração de apenas dezoito
meses347, em regime intensivo, cujo o objetivo seria o aprendizado técnico e tático da
operacionalidade policial militar.
344
PMPA. Decreto nº 071/91, em seus Art. 1º e Art. 2º. de 21 de fevereiro de 1991.
345
Em situação regular, somente quando o cadete conclui com aproveitamento, o último ano letivo do curso do
CFO, que passa a ser declarado Aspirante-a-oficial. No caso da turma pioneira de R2, a condição sui generis
adotada proporcionou-lhes diferença não somente no tratamento como alunos, como também na promoção
imediata concedida ao posto de 2º Tenente. Uma das condições para as promoções é o interstício – período
mínimo de serviço, em cada posto (posição). No caso em questão, devido aos conhecimentos e a experiência
na função do Exercício, a obrigatoriedade do interstício foi negligenciada.
346
O termo ‗claro‘ refere-se ao caso de insuficiência de oficiais à época ou seja, havia um claro de vagas a serem
ocupadas por oficiais.
347
O primeiro CIFO transcorreu de16 de janeiro de 1991 a 26 de junho de 1992.
121
A Infantaria define o combatente a pé, aquele que pode deslocar-se por qualquer
tipo de região e que conquista, ocupa e mantém o terreno, em operações ofensivas e
defensivas; pela variedade de missões o infante também tem suas especializações,
tais como: de selva, blindado, de montanha, paraquedista, Polícia do Exército e
muitas outras [...] e a Cavalaria, proporciona segurança às demais formações em
combate por seus próprios meios; seja blindada ou mecanizada mantém nos seus
atuais veículos as capacidades das tradicionais formações hipomóveis (a cavalo)348.
Estados 1º CIFO
Pará 40
Amazonas 15
Piauí 05
Total 60
348
Exército Brasileiro. Armas, quadros e serviços. Disponível em: <http://www.eb.mil.br/armas-quadros-e-
servicos> Acesso em: 25 abr., 2017.
349
Dados obtidos com o entrevistado Osmar Vieira da Costa Junior, integrante da primeira equipe técnica da APM.
122
A Polícia Militar entra na minha vida em 1990, quando eu servia no Quartel General
da 8ª Região Militar, na Companhia de Comando e Serviço da região, e o chefe do
Estado Maior, coronel Duailibe me chamou para falar sobre meu futuro, eu já era 1º
Tenente no Exército, e me disse que a Polícia Militar iria promover um concurso para
a primeira turma de oficial da Academia Coronel Fontoura. O coronel Duailibe me
incentivou a não desperdiçar a oportunidade, ele percebia em mim o perfil como
militar, e ele era uma das pessoas que me inspiravam pelo seu caráter, inteligência e
visão estratégica. Aceitei os seus conselhos, me inscrevi no concurso, inclusive foi o
próprio coronel Duailibe que assinou meu atestado de honorabilidade. Fui aprovado, e
no ano seguinte trocava o verde oliva do Exército, pelo azul petróleo da PM, sem
mesmo entender ao certo a diferença de um militar das Forças Armadas de um oficial
da segurança pública. (Osmar Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991).
Outro sujeito entrevistado nesta tese, é Walter Cruz, um dos quinze alunos R2
oriundos do Amazonas que se formou naquela primeira turma do CIFO. Embora o
interlocutor resida em Manaus(AM), consegui entrevistá-lo, por ocasião de sua vinda ao
Pará, participar de uma solenidade350, com a finalidade de ser condecorado com a medalha
coronel Fontoura351por relevantes serviços prestados.
350
A solenidade que o coronel Walter Cruz foi homenageado transcorreu no dia 25 de setembro de 2017 pela
manhã, e realizei a entrevista à noite, como havíamos agendado.
351
Conforme o Decreto n° 986, de 17 de setembro de 1980, a Medalha da Ordem do Mérito Policial militar Cel.
Fontoura é concedida pelo Governador do Estado aos policiais militares que tenham prestado notáveis
serviços ao Estado do Pará, em outras Polícias Militares e ao País, ou que tenha se destacado no desempenho
de missões de caráter policial militar ou de segurança. Geralmente tal condecoração é realizada por ocasião
do aniversário da Polícia Militar do Pará, em 25 de setembro.
123
mãe era funcionária pública e meu pai tinha nível superior. Eles esperavam que eu
seguisse carreira militar. (Walter Cruz, Aspirante a Oficial, 1991)
Em 1992, quando a primeira turma ainda estava realizando o CIFO, houve um novo
concurso para a Academia Coronel Fontoura, ocasião em que se deu a entrada da segunda e
terceira turmas.
A grande diferença dessa turma, para a primeira, deve-se de modo ímpar ao que ainda
não havia acontecido, com a abertura de vagas para candidatos, oriundos da oficialidade da
‗Marinha Mercante‘, e conjuntamente para oficiais R2 do Exército. Os oficiais provenientes
352
O Batalhão de Polícia de Transito – BPTRAN era localizado na Av. Alcindo Cacela esquina com a Trav.
Fernando Guilhon, no bairro da Cremação.
124
Nossa turma do 2ª CIFO era grande e também era mista, porque foi permitido
oficiais reservistas tanto do Exército, quanto da Marinha. Quando um de nós da
Marinha Mercante, soube do edital, falou para o outro, e pra o outro, resultado foi
que um monte de nós concorreu. Tivemos essa possibilidade por causa da formação
no curso no CIABA. Nós recebíamos a ―carta patente‖ de reserva não remunerada
da Marinha do Brasil e com isso podíamos realizar o concurso. Nós éramos um
grupo grande da Marinha Mercante, mas foram aprovados apenas quatorze. No
concurso da PM, a minha classificação foi de 3º lugar. (Duarte, Aspirante a Oficial,
1992).
353 Na linguagem militar, trata-se de um documento individual, para cada oficial das Forças Armadas, no qual são
definidos a sua situação hierárquica e o corpo ou quadro a que pertence, a fim de fazer prova dos direitos e
deveres assegurados por lei ao possuidor. https://www.jusbrasil.com.br/topicos/295529/carta-patente.
354
A Escola de Marinha Mercante do Lloyd Brasileiro, foi criada em 1939 pelo Decreto-Lei nº 1766, de 10 de
novembro de 1939, localiza-se no Rio de Janeiro, no centro da cidade, funcionava em um dos andares das
instalações do Lloyd Brasileiro e tinha como extensão de suas dependências, o Navio-Escola ―Alegrete‖, um
cargueiro em tráfego normal, adaptado com salas de aula, cujo primeiro diretor foi o Almirante Graça Aranha,
que em 1971 emprestou seu nome ao Centro de Instrução Almirante Graça Aranha. O CIAGA é considerado
como a Universidade do Mar, que foi reestruturado pelo Decreto nº 68.042, 12 de janeiro de 1971,
transformando-se em um dos mais modernos centros de Ensino Profissional Marítimo do mundo, com apoio da
Organização Marítima Internacional. Recebe todas as categorias de tripulação, com propósitos mercantes para
realizar ensino técnico profissional e complementar, tendo capacidade para receber 600 alunos em regime de
internato. Disponível https://www.marinha.mil.br/ciaga/ Acesso em: 13 dez 2017.
355
A história do Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar (CIABA), passa de cem anos. Remonta ao Curso
de Maquinista e ao Curso de Náutica, criados em 1892, pelo então presidente Marechal Floriano Peixoto. A
primeira sede do Centro foi instalada em uma sala do prédio da antiga Inspetoria do Arsenal de Marinha,
onde outrora havia o Convento de São Boaventura, dos Religiosos da Conceição do Beira de Minhos, e
atualmente encontra-se o Comando do 4º Distrito Naval. Em 1907, surgiu a Escola de Marinha Mercante do
Pará (EMMPA), onde foram implantados novos cursos: Comissários e de Radiotelegrafistas, Fluviários,
Pilotos, Maquinistas. Em 16 de janeiro de 1973, pelo Decreto nº 71.718, a EMMPA foi transformada no
Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar, por sugestão do historiador paraense Augusto Meira Filho. O
nome do Centro é uma homenagem ao "Almirante Braz Dias de Aguiar", que participou de atividades
hidrográficas no Rio Amazonas e ao longo do litoral brasileiro, instalou e determinou as coordenadas
geográficas de estações termo-pluviométricas e por sua atuação destacada nas atividades hidrográficas.
Disponível em: https://www.marinha.mil.br/ciaba/historico. Acesso em: 13 dez., 2017.
125
Naquela época, para os alunos oficiais que cursavam ‗náutica‘ na EFOMM, o curso
tinha a duração de três anos de atividades escolares e dois semestres de estágio embarcado em
navios das Companhias de Navegação; para os alunos oficiais de ‗máquinas‘ o curso também
tinha a duração de três anos escolares, mas apenas um semestre de estágio embarcado.
356
Dados obtidos na entrevista com Danielson da Silva Monteiro, Capitão de Longo Curso da Marinha Mercante.
357
A Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro era uma empresa estatal de navegação, fundada em 19 de
fevereiro de 1894, pela incorporação ou encampação de diversas empresas de navegação. A empresa passou a
ter seu patrimônio leiloado e levado a arresto pelo presidente Fernando Collor de Melo, em 1990, e foi extinta
em outubro de 1997, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, com o Plano Nacional de
Desestatização, devido à crescente dívida que redundou em apreensão judicial de seus navios. SANTOS, Sílvio
dos. A Navegação no Brasil de 1960 até a extinção o Lloyd Brasileiro em 1997. Disponível em:
https://portogente.com.br/colunistas/silvio-dos-santos/87462-navegacao-no-brasil-de-1960-ate-a-extincao-do-
lloyd-brasileiro. Acesso em: 21 jan. 2018.
358
A história da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, revela que a estatal se tornou a maior companhia de
navegação do Brasil, tendo operado mais de 350 navios, é apresentada no livro de ROSSINI, José Carlos.
‗Bandeiras nos Oceanos: a história da centenária armadora‟. (1890-1997).
126
emprego, ocasionalmente lhes permitiam que se hospedassem no CIAGA, como refere Ronaldo
Seabra em sua entrevista:
[...] eu mesmo fiquei muito tempo hospedado nas instalações do CIAGA no Rio de
Janeiro, e como eu, tinham outros, esperando por oportunidade, e não aparecia nada.
O mercado estava fraco para novos contratos. (Seabra, Aspirante a Oficial, 1992).
Na APM ficamos sem remuneração por vários meses. Eu não senti o impacto
financeiro porque tinha dinheiro depositado, mas para alguns colegas, que inclusive
já haviam constituído família, foi um grande desafio se sustentar naquele período.
Até que finalmente foi gerado nosso contracheque na folha de pagamento do estado.
Mas o valor era bem menor do que estávamos acostumados a receber. (Marinho,
Aspirante a Oficial, 1992).
127
Na época que entrei na APM, o salário do CIFO era muito menor do que o que
eu recebia no Exército. Em números absolutos, o meu último salário no Exército
foi 123.000 (cento e vinte e três mil cruzeiros) à época. E o meu primeiro salário
na Polícia Militar como aspirante na condição de cadete foi 27.000 (vinte e sete
mil cruzeiros) 359 e alguma coisa. Era apenas a fração do meu antigo salário.
Mas, mesmo assim, o que a gente queria ao vir para PM, era a oportunidade de
poder seguir carreira, era ter estabilidade, isso também nos atraía [...] vários
dos que fizeram academia na minha época, tinham terminado o tempo do
Exército e já estavam trabalhando como civis, mas era aquele trabalho aqui e ali,
algo não seguro, que não havia muita perspectiva, então, surgiu a oportunidade
da PM [...] pra gente a carreira militar já não era mais estranha, a gente já tin ha
participado anteriormente, aí, todo mundo meteu a cara porque já tinha um
pouco de experiência [...] o que nos atraiu não foi nem tanto pelo salário, foi a
questão da estabilidade. (Emilio, Aspirante a Oficial, 1991).(grifos nosso)
359
Em janeiro de 1991, o valor do salário mínimo foi reajustado de 8.836,82 cruzeiros, para 12.325,60 cruzeiros.
Matematicamente significa que Emilio recebia no Exército o equivalente a 10 salários mínimos, enquanto na
APM ele passou a receber um pouco mais de dois salários. O reajuste do salário mínimo foi igual à variação
do Índice da Cesta Básica (ICB) em novembro e dezembro, de 39,48%, em 1990. O governo divulgou o
Maior Valor de Referência (MVR), que passaria de 1.579,01 para 1.885,18 cruzeiros, em janeiro [...].
Extraído do Jornal Diário do Pará, em 29 nov. 1990, p. A7.
128
Como oficial de náutica, fazíamos muitas viagens internacionais, viajamos pela Europa,
Canadá, Caribe, Venezuela, Colômbia, etc. (Seabra, Aspirante a Oficial, 1992).
Eu viajei também por vários países, fiquei por exemplo, durante 07 meses no
Canadá, passei 01 ano inteiro embarcado. (Marinho, Aspirante a Oficial, 1992).
Nos trechos das narrativas de Seabra e Marinho361, nota-se uma relação conflituosa
que se estabeleceu diante da incompatibilidade de conciliar a profissão com outros aspectos
igualmente importantes da vida. Vivenciavam, assim, uma relação ambivalente. Essa situação
era vivenciada por ambos os informantes, pela sensação de frustração, pelo tempo gasto
embarcados, investindo na atividade profissional.
360
O navio ancorava e ficava fundeado no arquipélago de Abrolhos, a cerca de 70 km da costa da Bahia, formado por
cinco ilhas vulcânicas. Descoberto em 1503 pelo italiano Américo Vespúcio, o referido arquipélago foi assim
nomeado em referência aos sinais de alerta dos navegantes portugueses no século 16: "Quando te aproximares de
terra, abre os olhos". (https://www.feriasbrasil.com.br/ba/caravelas/parquenacionalmarinhodosabrolhos-det.cfm)
361
Por questão de viabilidade, foi possível realizar a entrevista de Romualdo Marinho em conjunto com a do
Ronaldo Seabra, ambos colegas da Marinha Mercante e colegas de turma, no 2º CIFO. Durante a entrevista,
algumas das respostas de um oficial, foram complementadas pelo outro, o que tornou as rememorações
bastante enriquecidas em detalhes, do que vivenciaram juntos.
129
362
Durante a narrativa, Seabra comportou-se de modo despojado e sempre bem-humorado. O próprio
entrevistado se auto-definiu como brincalhão, pouco disciplinado, esclarecendo que no período de sua
formação apresentava comportamento considerado ‗rebarbado‘, e porque levava tudo na esportiva, na
molecagem, às vezes acaba sendo punido.
363
FREUD, Sigmund. O humor [1927]. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1980. v. XXI. p.190.
130
[...] o humor tem algo de liberador a seu respeito, mas possui também qualquer coisa
de grandeza e elevação [...] O ego se recusa a ser afligido pelas provocações da
realidade, a permitir que seja compelido a sofrer. Insiste em que não pode ser
afetado pelos traumas do mundo externo; demonstra, na verdade, que esses traumas
para ele não passam de ocasiões [...] Isso não me preocupa [...] o mundo não vai
acabar por causa disso. (FREUD, 1927, p.190).
364
SANTOS, Sílvio dos. A Navegação no Brasil de 1960 até a extinção o Lloyd Brasileiro em 1997. Disponível em
https://portogente.com.br/colunistas/silvio-dos-santos/87462-navegacao-no-brasil-de-1960-ate-a-extincao-do-
lloyd-brasileiro. Acesso em: 21 jan. 2018.
131
Segundo Naves369, convêm esclarecer que os gritos de guerra são diferentes das
―canções de marcha‖ ou das ―corridas‖ quando o pelotão sai cantando pelas ruas, durante as
atividades de treinamento físico militar. Naves assegura que são dois gêneros inteiramente
diferentes, em pontos cruciais, que funcionalmente, as canções possuem uma linha melódica e
365
Dados obtidos na entrevista com o Danielson da Silva Monteiro - Capitão de Longo Curso da Marinha Mercante.
366
Idem.
367
Idem.
368
PASSOS, Carla Christina. Formação nas escolas militares de ensino superior: sujeito militar flexionado no
feminino e no masculino. IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesas.
Florianópolis, 2016. Disponível em: <www.enabed2016.abedef.org>. Acesso em: 18 nov. 2017.
369
Ver: NAVES, Marcelo João. Um estudo dos gritos de guerra militares sob a ótica da Linguística Sistêmico-
Funcional. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2011.
132
Por outro lado, o uso do termo Amazônia, para além do grito de guerra, revelava um
sentido de identidade coletiva, antes implícito, afinal, todos os aspirantes a oficial, no caso
dos pelotões do curso intensivo ou os cadetes que seriam formados nas turmas regulares
vindouras, como originários da região amazônica, deveriam estar imbuídos do sentimento de
pertença, sobretudo no propósito da atuação compromissada com a região, revelando assim
um sentimento de identidade, de afeto, de pertencimento, de coesão desde a formação.
Osmar Nascimento, aspirante de 1991, nascido no estado de Goiás, descreve com intensa
emoção, o sentimento sobre a Amazônia quando ainda muito jovem, veio acompanhando seus
pais para a região:
Tal como Osmar, nem todos os alunos da APM Cel Fontoura eram amazônidas, nem
todos eram nativos da região Norte. E nesse sentido, para suportar as adversidades e encarar os
desafios apresentados ao oficialato, se fazia imperioso entender aquele cenário, ter a real
370
Idem: NAVES, Marcelo João. 2011.p.9
133
compreensão do trabalho, no modo de pensar, sentir, atuar e também ter a identidade amazônida
engendrada em si.
Tratava-se de uma marca institucional, uma identidade visual. Desse modo, todos os
policiais que compunham o corpo docente e discente da Academia eram imediatamente
identificados pelo distintivo ‗Amazônia‘ (Figura 9).
371
O emblema da APM Cel. Fontoura foi criado com as seguintes características: a espada prateada, símbolo do
oficialato PM, em posição central, disposta na vertical com punho para baixo, tendo se sobreposto um
conjunto constituído de um Livro prateado, aberto nos dois sentidos, representando o ensino policial-militar;
ao centro uma Esfera Armilar em azul, significando o conhecimento global programático na Atribuição
Formadora do Oficial PM, e sobre esta um par de Pistolas Bucaneras douradas, representando o Universo da
Atividade Policial-Militar. No alto, acima da espada, tem-se a Estrela Alfa da Espiga, identificando o estado
do Pará, em cuja área jurisdicional o Oficial PM cumpre a missão de zelar pela segurança e bem-estar da
sociedade. Dispostos lateralmente com pecíolos voltados para baixo da altura do punho da espada até a
Estrela Alfa da Espiga, na cor verde, encontram-se dois ramos de castanheira (riqueza vegetal do Pará), e
abaixo da espada há uma faixa vermelha com as inscrições PMPA, sigla da Polícia Militar do Pará e
Academia Cel. Fontoura, completando o distintivo circunscrito duplamente em verde e amarelo,
significativos das florestas e do outro, riquezas da Amazônia. DANTAS, Romeu Teixeira. (Org.). Coletânea
de legislação da PMPA. Belém: CEJUP, 1997. v. 2, p. 260-261.
134
372
Portaria n° 017, de 8 de fevereiro de 1991. DANTAS, Romeu Teixeira. (Org.) Coletânea de legislação da
PMPA. Belém: CEJUP, 1997. v. 2, p. 262.
373
Idem.
135
Em sua narrativa, Vieira, esclarece ainda que, a canção da APM foi construída em três
estrofes e um estribilho, sendo que cada uma das estrofes, vê-se a tradução daquilo que em
sua essência gostariam de revelar, por exemplo: Na primeira estrofe, o enfoque está na
‗finalidade‘ principal da APM, que é a de formar guardiães para a defesa da sociedade seja no
lado da Amazônia oriental ou ocidental; a segunda estrofe, trata da forja do cadete e do
Corpo de Alunos em sua nobre missão de manter vivo o ensino, por meio do exemplo; na
terceira, revela a ‗prontidão‘ que deve ter o militar para o serviço, sem escolher local ou a
situação e primando pela ‗paz social‘, como um dos objetivos permanentes, previsto na
Constituição Federal, naquilo que concerne à Segurança Pública e no caso do estribilho, a
ênfase está no reconhecimento da Academia Cel Fontoura, como o lugar de nascedouro de
valorosos líderes e oficiais.
374
Fragmentos da entrevista realizada com o coronel João Paulo Vieira da Silva, o primeiro comandante da APM
Cel. Fontoura.
136
ESTRIBILHO
Academia de Fontoura tu és berço
Onde nascem valorosos Oficiais,
Que a PM com orgulho servirão
Mantendo suas tradições e ideais
II
Cadete herdeiro de nobre missão
Segue firme o seu destino de glórias
Desta escola, o ensino e exemplos
Guarda sempre vivos na memória
III
Ao Chamado atendemos sempre prontos
Não importa situação ou local
Nosso lema é oferecer segurança
Somos sentinelas da paz social
375
Publicado no Aditamento ao Boletim Geral nº 218, de 22 de novembro de 2000, p.24.
376
Dados coletados na entrevista com o coronel João Paulo Vieira da Silva.
377
O Ten.Aurino Quirino é uma figura muito conhecida artisticamente no Pará, pelo seu codnome ‗Pinduca – o
Rei do Carimbó‘. Poucos têm conhecimento de que ele é um oficial da reserva da Polícia Militar. Nasceu em
Igarapé-Miri, interior do Pará, oriundo de uma família de músicos, passou a integrar bandas musicais da
cidade, seguindo o exemplo de seu pai e irmãos. Iniciou sua carreira aos 14 anos como pandeirista e aos18
anos formou sua própria banda e adotando na carreira artística, o nome de Pinduca. Alistou-se no Exército
137
Destaca-se que, sendo uma organização militar, fomentou-se por meio desses seus
símbolos: o grito de guerra, o emblema, o estandarte e a canção, maior reconhecimento ao
―Berço de Comandantes e Líderes‖.
brasileiro e depois seguiu carreira na Polícia Militar do Pará até chegar a Tenente da Banda de Música da
PM. Ver: MORAES, Patrich de Pailler Ferreira. O Feitiço caboclo de Dona Onete: um olhar
etnomusicológico sobre a trajetória do carimbó chamegado, de Igarapé-Miri a Belém. 2014. Dissertação
(Mestrado em Artes) – Instituto de Ciências das Artes, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014;
Ver mais em: Pinduca Carimbó - Blog dos fãs. História. Disponível em:
<http://www.pinducacarimbo.com.br/historia/> Acesso em: 16 set. ,2017.
378
DANTAS, Romeu Teixeira. Coletânea de Legislação da PMPA - pesquisa e organização. Belém: CEJUP,
1997. p. 327.
138
Para a formação do oficialato que surgia àquela época, vislumbrou-se uma formatação
híbrida, em cuja grade curricular havia possibilidade em associar disciplinas acadêmicas
amalgamadas no ensino humanístico, jurídico, econômico-social, estatístico e,
concomitantemente, os conhecimentos da instância militar.
Nota-se que a inserção ou ajuste de carga horária das disciplinas era um fator
relevante, porém, isso não bastaria para atender às especificidades da formação profissional
policial militar, visto ser bastante diferenciada das demais. Para entendê-la, faz-se necessário
considerar inclusive o contexto de uma academia policial militar, cujas características do
ensino-aprendizagem, em geral, diferem dos métodos de ensino adotados nas faculdades
públicas e/ou civis.
379
A graduação em Ciências de Defesa Social é a qualificação obrigatória para o profissional de Segurança Pública.
380
SAVIANI, Demerval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES, Durmeval T. (Coord.).
Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. p.19-47.
381
Aula expositiva, estudo de texto dirigido, método indutivo-dedutivo, prática dialógica, ensino socializado,
discussão e debates, oficinas e laboratórios escolares. CARVALHO, Irene Mello. O processo didático. 3. ed.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1984.
382
SAVIANI, Demerval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES, Durmeval T. (Coord.).
Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. p.19-47.
139
inquestionável sobre o assunto. Além disso, como prática de ensino há predominância da aula
expositiva verbal, cabendo ao aluno a conduta de receptor mental desse conhecimento e, no
caso da formação policial, o instrutor tem a responsabilidade para com a assimilação do
conhecimento pelo cadete, a incorporação do comportamento ensinado e a sua posterior
reprodução.383
Pode-se observar ainda que na formação policial militar a prática de ensino procede-se
de forma rígida, que requer, da parte do instrutor, o controle e a regulação do aprendizado e,
da parte do aluno, a aquisição do modelamento. Em vista disso, observa-se que as
metodologias tradicional e tecnicista se vinculam aos princípios da teoria psicológica
behaviorista ou comportamental, quanto à introdução do construto de adoção da modelagem e
do condicionamento como forma de interferir no comportamento do instrutor-aluno.
Por essa razão, nas escolas militares geralmente o aprendizado está fundamentado e é
aplicado com base nos conceitos da teoria behaviorista como método de forja, de
adestramento, elogios (reforço positivo) e de punição (negativo). É no ambiente da academia
que se espera que o cadete e futuro oficial adquira a modelagem do seu comportamento,
383
MIZUKAMI, Maria da Graça N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. p. 30.
384
SAVIANI. Demerval. Escola e democracia: teorias da educação. São Paulo: Cortez, 1986. p.15.
385
LOPES, Antonia Osima. Aula expositiva: superando o tradicional. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro
(Org.). Técnicas de ensino: por que não? Campinas: Papirus, 1993. p. 37.
386
BOCK, Ana Maria Bahia et al. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008.
140
aprenda a condicionar-se dentro das normas sociais, das regras e da vigilância, como expressa
Duarte:
Na condição de aluno, pra que a gente não fosse anotado, a gente precisava estar
atento a tudo, qualquer descuido podíamos sofrer uma advertência. O aluno tem que
ser atento, vigilante, é assim; se ele vier a reincidir no erro pode pegar um ‗pernoite‘,
se aparecerem outras anotações, o cadete pode ter a ‗licença cassada‘. E pra quem
está com muita vontade de ir pra casa, a licença cassada era muito frustrante.
(Duarte, Aspirante a Oficial, 1992).
Recebi vários elogios; me lembro agora de pelo menos três: um foi pelo
desempenho como nadador; outro por ter feito doação de sangue e outro por ter
socorrido um cidadão em um acidente automobilístico na estrada de Recife à
Paudalho. (Silveira, Cadete, 1988).
Art.163. O aluno terá grau oito no início de cada mês letivo, do qual serão deduzidos
ou acrescidos os pontos correspondentes, a cada anotação negativa ou elogio, sendo-
lhe auferida uma média mensal, que representará seu comportamento escolar.
387
Extraído da legislação que regulamenta o procedimento para avaliação da matéria curricular. Publicado no
aditamento ao BG nº 188, de 4 de outubro de 2017. p. 58.
141
ficar no pernoite388 ou ter a licença cassada 389, estas são de menor gravidade.
Diferentemente, portanto, das transgressões disciplinares, cujas punições podem redundar
em repreensão (menos 1 ponto), detenção (dois pontos) e prisão (4 pontos), inclusive gerar
procedimento administrativo disciplinar. 390
Fui punido duas vezes. A primeira vez foi porque entrei em forma, atrasado no Pelotão
e outra vez minha turma toda não quis delatar um colega, consequentemente, fomos
todos punidos. Uma punição em massa. O pelotão todinho ficou junto, de licença
cassada, no final de semana. (Silveira, Cadete, 1988).
Me lembro de ter recebido duas punições. Uma por estar rindo na sala de aula e
outra por ter esquecido a bola de vôlei dos oficiais da academia no meu carro.
(Dilson Barbosa, Aspirante a Oficial, 1991).
Kirsch e Mizukami391 compreendem que nas instituições de ensino militares, o uso dos
reforçadores arbitrários é muito mais frequente que nas demais unidades de ensino, como
também que tais reforçadores estão presentes nas notas, recompensas, punições, elogios, entre
outros, como estratégia de ensino-aprendizagem, tanto individualmente quanto na turma. A
ideia é de que a possibilidade de punição ao aluno em formação configura-se, por si só, de
forma frequente, uma estratégia pedagógica para consolidar o aprendizado do cadete, para
auxiliá-lo no seu condicionamento militar e na aquisição do habitus392.
388
Pernoite – o aluno deixa de ser liberado após as aulas e pernoita na academia.
389
Licença cassada – fica suspensa a folga do aluno aos finais de semana.
390
Extraído da legislação que regulamenta o procedimento para avaliação da matéria curricular. Publicado no
aditamento ao BG nº 188, de 4 de outubro de 2017. p. 60.
391
KIRSCH, Deise Becker; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Concepções acerca dos processos de ensinar e de
aprender em uma academia militar. Revista Eletrônica de Educação, v.8, n.3, p.182-195, 2014.
392
Habitus, como práticas ou dispositivos socialmente constituídos e incorporados, noção conceitual formulada
por Pierre Bourdieu. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Thomaz. 14. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
393
KIRSCH, Deise Becker; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Concepções acerca dos processos de ensinar e de
aprender em uma academia militar. Revista Eletrônica de Educação, v.8, n.3, p.182-195, 2014. p. 186.
142
Assim, a grade curricular das duas turmas do CIFO foi estruturada segundo os níveis de
escolaridade, dividindo-se em ensino fundamental, ensino profissional e ensino complementar,
394
O Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG) é um documento indispensável ao conhecimento de
todo militar. É o que rege todo o trâmite interno em uma organização militar, desde as atribuições das seções
de Estado-Maior ao funcionamento dos serviços de escala (http://bibliotecamilitar.com.br/regulamento-
interno-e-dos-servicos-gerais-risg/).
395
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar.
143
ENSINO FUNDAMENTAL
DISCIPLINAS CH DISCIPLINAS CH
Comunicação Comunitária 40 Economia Política 30
Comunicação e Expressão 60 Estatística 60
Criminalística 60 Estudos dos Problemas Amazônicos 60
Criminologia 30 Informática 30
Didática 60 Introdução ao Estudo do Direito 60
Direito Administrativo 70 Medicina Legal 45
Direito Civil 70 Metodologia Científica 60
Direito Constitucional 60 Psicologia Social 30
Direito Penal 120 Sociologia 30
Direito Processual Penal 120 Teoria Geral da Administração 30
ENSINO PROFISSIONAL
DISCIPLINAS CH DISCIPLINAS CH
Administração Polícia Militar 90 Leg. sobre Direitos da Criança e Adolescente 20
Arm., Tiro e Equipamento PM 180 Noções de Bombeiro Militar 20
Chefia e Liderança 20 Noções de Hig. E Pronto Socorro 30
Comunicações PM 30 Op. de Defesa Int. e Def. Territorial 90
Correspondência Militar 30 Ordem Unida 160
Defesa Civil 20 Organização/Legislação PM 120
Defesa Pessoal 60 Polícia Comparada 20
Deontologia Pol. Militar 20 Segurança de Inst. Físicas e Dignitários 30
Educação Física e Desportos 300 Segurança Nacional 20
História da Polícia Militar 20 Técnica Pol Militar (I, II, III) 360
Informações 30 Trabalho de Comando 60
ENSINO COMPLEMENTAR
DISCIPLINAS CH DISCIPLINAS CH
Educação Musical 20 Instrução Geral 20
Etiqueta Social 20 Oratória 20
Inglês 20 Pesquisa Operacional 20
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da divisão de ensino da APM.
144
Nota-se pela grade curricular, que a APM Coronel Fontoura se constituiu, desde a sua
origem, no propósito de promover a formação do oficial seguindo um modelo híbrido de
ensino. Analiso o referido hibridismo, associando-o em três aspectos:
396
Estatuto das Polícias Militares, Código de Ética, Deontologia.
397
Regulamento de Continências, honras, sinais de respeito e cerimonial militar das Forças Armadas (RCONT)
e Regulamento Interno e dos Serviços Gerais do Exército (RISG).
398
Aprendizado sobre continências, posturas, marchas, honrarias peculiares à vida militar.
399
REINER, Robert. A cultura policial. In: A Política da Polícia. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2004. p.137.
(Coleção Polícia e Sociedade).
145
esses obstáculos que me motivaram e me motivam até hoje a não parar de estudar 400,
(Rocha, Aspirante a Oficial, 1991).
Nossos instrutores eram bem preparados. Muito do que aprendíamos eram extraídos
integralmente dos manuais do Exército. Como qualquer curso militar, tinha muita
exigência, muita cobrança. Eu acho necessário haver cobrança, organização, mas não
gostava da humilhação, do constrangimento. As cobranças e pressões mantêm a gente
sempre atento, isso na formação é fundamental, o ensinamento que lhe é cobrado,
vigilância, atenção, vai ser necessário lá na frente para que o policial possa desenvolver
seu serviço. Por exemplo, no policiamento de rua é imprescindível estar bem atento, se
não ele pode ter um desfecho inesperado. (Duarte, Aspirante a Oficial, 1992).
Como uma unidade escolar militar, a APM buscava manter a cultura militar, com
normas, transmissão de conhecimentos e práticas, e com incorporação de condutas e
comportamentos regidos por legislações e códigos militares. As aulas das disciplinas nem
sempre eram ministradas regularmente de segunda a sexta-feira, visto que estavam
entremeadas por atividades policiais militares, do tipo: inspeção, treinamentos para
solenidades, preparação para jogos acadêmicos, ‗paradões‘, reuniões, designação para alguma
missão ou participação em eventos externos à Academia.403
400
É graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará, mestre em Defesa Social e Mediação de
Conflitos pela Universidade Federal do Pará; Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia pela Escola
Superior de Guerra; Especialista em Gestão Governamental (FGV/SP); em Educação e Problemas Regionais
(UFPA); em Segurança Pública (UCAM/RJ) e Gestão em Segurança Pública e Defesa Social (UFPA).
401
Regulamento de Continências, honras, sinais de respeito e cerimonial militar das Forças Armadas (RCONT).
402
Regulamento Interno e dos Serviços Gerais do Exército (RISG).
403
Cito a título de ilustração, a aula/evento ocorrido em 18 de outubro de 1993, por ocasião da visita do
Desembargador Álvaro Lazzarini, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que veio a Belém para aula inaugural
do Curso Superior de Polícia no CENTUR, e as turmas de formação da APM Cel. Fontoura foram destacadas
para a composição do público assistente. O Desembargador Lazzarini, à época, também era professor da
Academia de Polícia Militar do Barro Branco e da Escola Paulista da Magistratura.
146
Tínhamos instrutores militares muito bons, mas os docentes civis eram muito
competentes também em suas áreas; me lembro deles até hoje: Dr. Edilson Dantas –
presidente da OAB à época; Dr. Zeno Veloso, jurista famoso; Dr. Edmundo
Oliveira, que se tornou conhecidíssimo em Direito Internacional, enfim foram quase
dois anos de curso e tivemos grandes aprendizados. Acredito que por mais que
alguém não gostasse de alguma disciplina ou que achasse desnecessária, com certeza
depois do curso, percebeu seu valor. (Osmar Nascimento, Aspirante a Oficial, 1991).
Cabe-me ressaltar que naquele contexto das duas primeiras turmas da APM Cel.
Fontoura, cujo alunado era exclusivamente masculino, foi permitida a inclusão de
mulheres apenas na condição de professoras de algumas disciplinas, tais como: Inglês,
Sociologia, Psicologia Social e Etiqueta Social. Nota-se que não havia mulheres como
ministrantes das disciplinas de cunho específico policial militar.
Um aspecto observado nos relatos dos entrevistados, e que merece destaque, foi que
enquanto descreviam os seus professores homens, espontaneamente como competentes e de
‗notório saber‘ e se lembravam de alguns de seus nomes com certa facilidade404 como pode
404
Nos livros de instrução dos arquivos da APM, encontrei registros dos seguintes professores civis: Dr. Zeno
Veloso, Dr. Edilson Dantas, Dr. Edmundo Oliveira, das disciplinas de Direito, Dr. Edson Franco, de Oratória,
Homerval, da disciplina de Sociologia; Edilson, de Educação Musical; Juvenal de Araújo, de Medicina Legal;
Fernando, de Defesa Pessoal; Edson Cortez, de Informática; Alberto, de Estatística; Rayol, de Direito Penal;
Hevaldo Monteiro, de Direito Administrativo; Orlando, de Metodologia Científica, Walter, de Estudos dos
Problemas Brasileiros.
147
ser constatado nos fragmentos das entrevistas acima, ocorreu de forma diferente sobre as
professoras mulheres, das quais não foi referida nenhuma qualificação acerca das suas
participações, nem houve a citação de seus nomes próprios requerendo maior investigação de
minha parte, nos arquivos e documentações. Provavelmente, não as tivessem esquecido, mas a
cultura militar, predominantemente de dominação masculina, àquela época, mais ainda,
invisibilizava a figura feminina, ainda que na condição de participante do processo de
instrucão.
Todas as disciplinas tinham algum ensinamento para nossa prática, até aquelas
disciplinas que pareciam que nada tinha a ver, por exemplo: etiqueta social, nos
ajudavam na hora em que éramos convocados para bailes de debutantes no Hilton
Hotel405 no Círculo Militar406, no Bancrévea407, – precisávamos saber nos portar
adequadamente conforme os ambientes sociais. A APM era o cartão postal, nós
éramos a vitrine, o marketing da PM, então, a disciplina de etiqueta social era
necessária. [...] Além disso, recebíamos visita de Brigadeiros da Aeronáutica, de
generais do EB, generais da IGPM e oficiais de outras PMs etc. (Dilson Junior,
Aspirante a Oficial, 1992).
405
Na década de 1980/90, o Belém Hilton Hotel foi o primeiro cinco estrelas do Pará, lugar onde se
desenvolviam glamorosos eventos sociais da sociedade belenense, localizado na Av. Presidente Vargas,
estava ladeado pelo centenário Cinema Olympia, e de fronte do Theatro da Paz e da Praça da República. Na
atualidade, o referido hotel foi transformado no Hotel Princesa Louçã.
406
O Círculo Militar, tratava-se do clube onde se reuniam os oficiais militares superiores do Exército, dividia-
se em sede social na cidade velha, junto ao Forte do Castelo, atual Complexo Feliz Lusitânia e sua sede
campestre – localizada na BR 316.
407
Bancrévea era nas décadas de 1980/90, um grandioso Clube de Desportos e recreação dos funcionários do
Banco da Amazônia - BASA.
148
A disciplina ―etiqueta social‖ 408, ministrada aos cadetes, guardava certa preocupação
com a elegância, boas maneiras de tratar as pessoas, polidez, cordialidade, hábitos de correção
que há muito deixariam de ser privilégio das elites ou das ‗pessoas ditas da sociedade‘, e se
impunham a todas as classes.
Martha Calderaro, assegura em seu livro ―Etiqueta e boas maneiras: um guia completo
para viver com tranquilidade reuniões sociais de todos os tipos‖:
408
A disciplina „etiqueta social‟ era ministrada pelo Capitão Edvaldo Pascoal, todavia, algumas aulas eram
ministradas junto com uma professora civil francesa, no salão do Hilton Hotel – badalado hotel cinco estrelas
instalado na Av. Presidente Vargas, no centro comercial de Belém, atual Hotel Princesa Louçã.
409
CALDERARO, Martha. Etiqueta e boas maneiras: um guia completo para viver com tranquilidade reuniões
sociais de todos os tipos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1983. p.4.
410
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1993.
411
Idem.
149
As instruções nas academias militares, em suas diversas formas, de modo geral, são
concebidas para seguir o ideário de disciplina militar, para corrigir posturas, formar novos
hábitos e condutas, com treinamentos frequentes até que tivessem incorporado novos hábitos
e dirimidas as resistências e conflitos. A finalidade nessas instruções, são que os instruendos
estejam em consonância com a modelagem e o condicionamento coletivo, e o pelotão seja
considerado homogeneizado, como analisa Michel Foucault, onde as atividades disciplinares
sejam sustentadas por:
[...] injunções, cuja eficiência repousa na brevidade e na clareza; a ordem não tem
que ser explicada, nem mesmo formulada, é necessário e suficiente que provoque o
comportamento desejado [...] o que importa não é compreender a injunção, mas
perceber o sinal, reagir logo a ele, de acordo com um código mais ou menos
artificial estabelecido previamente. Colocar os corpos num pequeno mundo de sinais
a cada um dos quais está ligada uma resposta obrigatória e só uma: técnica de
treinamento.412
No tocante à parte prática das disciplinas e/ou estágios, tanto para as primeiras
turmas do CIFO, quanto para os cadetes paraenses que estavam cursando em outras
unidades da federação, as atividades práticas eram realizados aos finais de semana, antes do
recesso escolar, dentro das unidades policiais militares ou no policiamento ostensivo de rua .
Tais práticas eram realizadas com a supervisão de oficiais mais antigos, consolidando o
aprendizado do aluno oficial, à medida que o aproximava da sua real atuação profissional,
como relatam Emílio, Marinho e Silveira em suas narrativas a seguir:
Nosso estágio era ao longo das disciplinas, por exemplo, aos finais de semana de serviço,
em estádio de futebol, no policiamento de rua, no COPOM. Os estágios eram divididos
em turmas, então estagiávamos nas unidades de policiamento ostensivo, naquela época
era Rádio Patrulha, fomos para o PATAN, Regimento de Cavalaria, Batalhão de
Choque, Batalhão de Trânsito, enfim... em tudo quanto era unidade. Depois de certo
período do curso em diante nós tínhamos aulas práticas em quase todos os finais de
semanas, consideradas como estágios, com uma carga horária específica, já nas unidades
e assim por diante. (Emílio, Aspirante a Oficial, 1º CIFO - 1991).
412
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.160.
150
Fomos lotados para estágio no CFAP para exercer o comandamento junto aos
praças, e isso foi muito bom para treinarmos a liderança, a autoridade sobre nós
investida, serviu como um termômetro para as atividades das ruas. Considero que a
experiência no Pará, foi muito rica, porque eu vinha do CFO em Paudalho, era outro
estado, então precisávamos do treinamento prático no Pará. Depois fui para o 1º
BPM como oficial de dia rondante. quem nos acionava para qualquer ocorrência era
o COPOM 413. (Silveira, Cadete da APM em Pernambuco, 1988).
Um fato curioso depreendido das narrativas de Emílio e Silveira foi que ambos
mencionaram o COPOM, uma unidade policial militar existente à época, na qual
estagiaram, que os acionava para a atuação de policiamento. Tratava-se do Centro de
Operações Policiais Militares (COPOM), uma unidade exclusiva da Polícia Militar que dava
acesso à população, por meio de ligações telefônicas, para o registro de ocorrências
policiais, pelo número 190. Uma questão interessante para se rememorar é o fato de que as
ocorrências policiais direcionadas na atualidade ao número 190, eram, desde a segunda
metade do século XIX, realizadas ao número 90, antigo fone de emergência da PM, porque
naquela época, os telefones – domésticos ou comerciais tinham apenas dois ou três dígitos.
413
O Centro de Operações Policiais Militares (COPOM), em 1998, pelo Decreto nº 2.9.59 de 16/06/1998,
tornou-se o Centro Integrado de Operações (CIOP), órgão de acionamento do Sistema Estadual de
Segurança Pública e Defesa Social, subordinado à Secretaria Adjunta de Gestão Operacional, pertencente
à SEGUP. O objetivo do CIOP é mediar a comunicação entre o cidadão e os órgãos do Sistema de
Segurança Pública por meio do call center 190, possibilitando o registro de ocorrências de urgência e
emergência na área de Segurança Pública, durante 24 horas, permitindo o despacho oportuno de
guarnições, com auxílio tecnológico de vídeo monitoramento, cujo objetivo é de promover atendimento
ágil e estratégico na Região Metropolitana de Belém. Adaptado do ‗Informativo Institucional Oficial do
CIOP-2017‘.
414
NUNES, Marcia Cristina Ribeiro Gonçalves. Rumo ao Boulevard da Republica: entre a cidade imperial e a
metrópole republicana. 2017. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do
Pará, Belém, 2017. p.141.
415
Segundo FARIAS (2013), ‗Corpo de Polícia‘ foi uma das denominações recebidas pela Policia Militar do
Pará. Em 1886, devido a necessidade de adequação da Força Pública para atuar na capital e interior, o
governo reorganizou o policiamento e por isso fundiu a Guarda Urbana (que atuava só na capital) com o
Corpo de Polícia (que atuava na capital e no interior da Província). Dessa junção, resultou no Corpo Militar
de Polícia. Ver: FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações,
condições materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Revista
Territórios e Fronteiras. Cuiabá, vol. 06, n.1, jan-jun. 2013a.p. 222.
151
adjacências da Rua do Imperador.416 No século XX, o Corpo de Polícia, após ter recebido
outras denominações417, passou a ser denominado de Polícia Militar e as ocorrências
endereçadas anteriormente ao número de telefone 90- do COPOM, foram direcionadas ao
190, que a partir de 1998 , tornou-se CIOP (Centro Integrado de Operações)418 até o presente.
Para aquela época, nossa formação foi adequada e nos capacitou para desenvolver as
atividades como policial militar. A sociedade tinha um outro comportamento e não
tínhamos as tecnologias de hoje, entendo que me foi proporcionada uma formação
adequada e sem deficiências. Mas era um outro momento que vivia a sociedade,
hoje a sociedade é outra. (Lima e Silva, Cadete, 1989).
Nossa formação foi adequada para a nossa atuação. Acho que não haveria
disciplinas a serem retiradas da grade curricular, todas atendiam alguma finalidade.
Talvez pudessem ser acrescentadas, por exemplo: Polícia Comunitária, Direitos
Humanos que naquela época não eram tão comuns, mas que já se vislumbrava que
seria uma necessidade social e conhecimento de maior peso. (Formigosa, Cadete,
1999).
Parecia em certa medida que algumas instruções eram de uma instituição amadora,
quase irresponsável tecnicamente na execução de tarefas. [...] vi muita diferença da
formação do Exército. No Exército tudo era bem planejado e organizado [...]
Entretanto, nós havíamos aprendido muito no Exército, entendíamos o que era
responsabilidade, o que era servir a população, e isso fez superarmos todas as
adversidades e deficiências. (Rocha, Aspirante a Oficial, 1991).
416
Jornal Diário de Notícias de 05/05/1888, p.4 apud NUNES, Marcia Cristina Ribeiro Gonçalves. Rumo ao
Boulevard da Republica: entre a cidade imperial e a metrópole republicana. Tese de Doutorado em História Social
da Amazônia. Programa de Pós-graduação em História. Universidade Federal do Pará, Belém- PA, 2017.p.142.
417
Corpo de Polícia(1818), Guarda Militar de Polícia(1822), Corpo de Municipais Permanentes(1831), Batalhão
de Caçadores(1835), Corpo de Polícia (1835), Corpo Policial(1840), Corpo Provincial de Caçadores de
Polícia(1847) Corpo Paraense de Voluntários da Pátria (1865), Corpo de Polícia Paraense(1867), Corpo de
Policial Permanente(1875), Corpo de Polícia (1876), Corpo Militar de Polícia (1885), Corpo Provisório de
Linha (1889), Corpo Militar de Polícia (1890),Corpo de Infantaria (1891), Regimento Militar do
Estado(1895), Brigada Militar do Estado(1905), Força Pública do Estado(1922), Companhia de
Estabelecimento(1932), Polícia Militar do Estado do Pará (1935) e Polícia Militar do Pará(1967).
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.279-280.
418
O CIOP foi instituído em Belém pelo Decreto Estadual nº 2.959, de 29 de maio de1998, sendo pioneiro no
Brasil em realizar a atuação integrada das instituições da Segurança Pública. Adaptado do ‗Informativo
Institucional Oficial do CIOP-2017‘
152
Decorridos os dezoito meses do curso, foi definida a data de 26 de junho de 1992, para
a formatura da primeira turma do Curso Intensivo de Formação de Oficiais. A turma foi
denominada de “Bicentenário de Tiradentes‖, em alusão ao mártir da Inconfidência Mineira,
que é o patrono das Polícias Civis e Militares. O ―clima, a atmosfera daquele momento era
realmente de festa‖, segundo descreve Heyder Calderaro:
[...] Eu pensava. Puxa, finalmente chegou junho de 1992. Era o momento da nossa
formatura. A solenidade foi pela parte da manhã. Foi quando tivemos a primeira
grande solenidade no pátio da ‗Fontourinha‘. E estavam presentes meus
familiares, amigos, muitas autoridades civis e militares. Nosso pelotão tinha 59
aspirantes a oficiais, estávamos muito bem uniformizados: túnicas bem passadas e
sapatos bem lustrados, um entusiasmo só. Foi uma alegria também para nossos
pais, um sinal visível de orgulho. (Calderaro, Aspirante a Oficial, 1991).
A forma entusiasmada pela qual Heyder Calderaro faz sua narrativa, denota uma relação
afetiva e de alegria produzidas pelas suas lembranças. Se, da parte dos pais, como o entrevistado
se reporta, havia ―um sinal visível de orgulho‖, por sua vez, a instituição Policial Militar
também apresentava orgulhosamente à sociedade paraense, a sua primeira turma de oficiais da
Academia Coronel Fontoura, à qual designavam de ‗Universidade de Segurança Pública da
Amazônia‘.
419
GROSSI, Yonni de Souza; FERREIRA, Amauri Carlos. A razão narrativa: significado e memória. Revista
História Oral, v.4, 2001.
420
O governador do estado é o comandante e chefe da Força Pública estadual, por isso, nas solenidades policiais
militares, cabe-lhe elevada posição de destaque.
153
Por maior relevância que houvesse a graduação recebida, naquele ato solene de
formatura, em seu discurso, o comandante geral, coronel Cleto da Fonseca426 preferiu alertá-
los sobre a profissão abraçada, atribuindo-lhe a ideia sacrificial, de sacerdócio:
Saibam que a carreira de vocês é um sacerdócio e quem entra deve saber dos
riscos. Não esperem reconhecimento dos outros e sim de si mesmos‘ 427‘
421
O primeiro comandante da APM, anfitrião na solenidade.
422
Fragmento da entrevista com o Cel. João Paulo Vieira da Silva, primeiro comandante da APM Cel. Fontoura.
423
O coronel Francisco Machado foi comandante geral no período de 1983 a 1987.
424
O coronel Raimundo Nonato foi comandante geral no período de 1989 a 1991.
425
Informações coletadas no discurso do governador Jader Barbalho, publicado no Jornal ‗Diário do Pará‘, de
27/06/1992. Caderno A. p-11.
426
O coronel ficou no comando geral da PMPA no período de 16 de março de 1991 a 30 de dezembro de 1994.
427
Fragmento extraído do discurso do coronel Cleto José Bastos da Fonseca, proferido para os formandos do 1º
CIFO, no dia 26 de junho de 1992, no pátio da Academia Coronel Fontoura.
154
A formatura daquele primeiro CIFO ocupou destaque nas páginas dos três jornais428 de
maior circulação do estado: ‗Diário do Pará‘, ‗A Província do Pará‘ e ‗O Liberal‘, com os
respectivos títulos: ―Academia da PM forma a primeira turma de oficiais da Amazônia‖;
―Academia de Polícia forma 1ª turma‖ e ―Academia da PM formou seus primeiros oficiais‖,
como podemos ver nos fragmentos dos Jornais a seguir:
429
Academia da PM formou seus primeiros oficiais
Os 59 integrantes da turma ―Bicentenário de Tiradentes‖, do primeiro curso
intensivo de formação de oficiais da Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura,
participaram ontem de manhã da solenidade de formatura. [...] A cerimônia ocorreu
na sede da Academia de Polícia Militar, na rodovia BR-316. O comandante-geral da
Polícia Militar do Pará, Cleto José Bastos da Fonseca, ressaltou na ordem-do-dia
―que a Polícia Militar do Pará ultrapassa o marco histórico da fundação da primeira
academia de formação de oficiais, gerando para si, Amazonas e Piauí, oficiais com
formação policial-militar ambientada, dirigida e vivenciada para resolução dos
problemas da segurança pública‖.
428
Discorri de forma sucinta, sobre a história desses três jornais paraenses, em ‗nota de rodapé‘ na Introdução desta
tese.
429
Jornal O Liberal, 27 de junho de 1992, Caderno Cidades, p. 7.
157
430
Academia de Polícia forma 1ª turma
A formatura da primeira turma da Academia de Polícia Militar ―Cel. Fontoura‖
aconteceu ontem de manhã, com a presença do governador Jader Barbalho, que foi
escolhido como paraninfo, e sua esposa, Elcione, como madrinha. A cerimônia foi
realizada na própria academia, localizada no município de Ananindeua, e durou
cerca de uma hora e meia.
A turma, denominada ―Bicentenário de Tiradentes‖, tem 59 formandos, sendo que
39 do Pará, 15 do Amazonas e 5 do Piauí. O curso iniciou no dia 16 de janeiro do
ano passado e terminou ontem. Durante esse período houve aula de Ciências
Jurídicas, técnicas de fazer da polícia, fundamentos das Ciências Sociais e outros.
Os três policiais que se destacaram – 2º Ten. Bittencourt (1º lugar), Aspirante PM
Sávio (2º lugar) e Ten. Marcel (3º lugar) – receberam medalhas na cerimônia. O
coronel Vieira, comandante da academia, disse que o curso pretende qualificar o
preparo dos futuros comandantes e líderes – a geração de oficiais que vai dirigir a
Polícia Militar no ano de 2000.
431
Academia da PM forma a primeira turma de oficiais da Amazônia
A primeira turma de oficiais da Polícia Militar da Amazônia, pertencente à
Academia Coronel Fontoura, em Ananindeua, formou-se ontem com 39 integrantes
do Pará, 15 do Amazonas e 5 do Piauí. A turma Bicentenário de Tiradentes teve
como paraninfo o governador Jader Barbalho e madrinha, a primeira dama, Elcione
Barbalho. A solenidade militar começou às 9:00 horas com a chegada do
governador, que passou em revista a guarda de honra, composta pelo corpo de
cadetes da academia. Estavam presentes à cerimônia, o vice-governador, Carlos
Santos; o comandante da PM, coronel Cleto Fonseca; o secretário da SEGUP,
Alcides Alcântara; o secretário da SAGRI, Paulo Koury; o comandante geral do
órgão responsável pelas polícias militares, general Luiz Góes Ferreira Filho; o
jornalista Walter Guimarães representando o superintendente do Diário do Pará,
Laércio Barbalho; os comandantes das PMs do Amazonas e Piauí, Amílcar da Silva
Ferreira e Manoel Paes Silva, respectivamente e o comandante da academia, coronel
João Paulo Vieira. [...] Os comandantes da PM local e o da academia discursaram e
logo em seguida foram entregues as placas de honra ao mérito aos primeiros
colocados dos três estados [...] O primeiro colocado da turma, oficial Bittencourt,
recebeu a condecoração ao mérito, medalha general Ferreira Coelho por dedicação
aos estudos, uma rosa heráldica das mãos do governador.
O historiador José Honório Rodrigues, ao analisar o jornal como uma das ―principais
fontes de informação histórica‖ adverte que ―nem sempre a independência e exatidão
dominam o conteúdo‖ e que, por vezes, os artigos caracterizam-se por uma ―mistura do
tendencioso, do certo e do falso‖432
430
Jornal A Província do Pará, 27 de junho de 1992, Caderno 1B.
431
Jornal Diário do Pará, 27 de junho de 1992, Caderno A, p.11.
432
RODRIGUES, José Honório. Teoria da História do Brasil: introdução metodológica. 3 ed. Ver. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1968. p.198.
158
Tania de Lucca434 considera que graças aos avanços da indústria gráfica, o tratamento
sistemático dado às imagens, ganhou importância no mundo dos impressos: as charges,
fotografias, propagandas, mesmo que de menor predominância, em face do que é escrito.
No caso dos jornais paraenses em tela, nota-se haver entre os mesmos, visível disputa
nas relações de forças existentes, o que os torna passiveis de crítica devido a esses distintos
posicionamentos, inclusive político-partidários, algumas vezes eivados de inverdades.
433
LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993, v.1. p.141.
434
LUCCA, Tania Regina de. Impressos periódicos e escrita da História: algumas observações. In: Estudos de
Imprensa no Brasil: I Seminário de Pós-graduandos em História da UFF. p.12-15
435
ANSART, Pierre. Ideologias, Conflitos e Poder. Tradução: Aurea Weissenberg. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978.p.86
160
Tania de Lucca, analisa ainda que as relações havidas entre ―imprensa e poder‖, são
frequentemente objeto de reflexão em diferentes conjunturas, e de que se torna notória uma
certa disputa, entre veículos de comunicação, motivada pela questão do poder.
Assim, cada centésimo ou milésimo de pontos que conduzem às tais notas e aos
conceitos, são geradores de competição acirrada, que nem sempre redundam em resultado
positivo entre os cadetes, por vezes, torna-se uma concorrência nada saudável que redunda em
certa animosidade que vai se arrastando durante toda a carreira policial militar, gerando
descontentamento, sensação de injustiça para alguns, incidindo inclusive na interposição de
recursos ao comando da Academia e em outras instâncias acadêmicas e/ou judiciais.436
436
Um exemplo de interposição de recursos administrativos e judiciais na APM Coronel Fontoura, deu-se alguns
anos depois, com a Turma de aspirantes a oficiais de 1998. Eram 91 concluintes, na solenidade de formatura
que se deu em 11 de dezembro de 1998. Alguns desses concluintes, demandaram, tanto por vias
administrativas, quanto por meio do Ministério Público Estadual, a ‗nulidade da classificação final‟ do CFO
–Turma Aspirantes 1998, publicada no Boletim Geral nº 232/1998. Por conta disso, em 2005, houve a
determinação judicial para a criação de uma comissão integrada, que deveria ser formada de dois professores
civis dos quadros da UNIMESTRE - Cooperativa de professores que prestava serviços para a PMPA; dois
oficiais superiores da Diretoria de Ensino e Instrução da PMPA; um pedagogo dos quadros da Secretaria
Estadual de Educação, cuja finalidade era a de elaborar ‗nova Classificação Final‘, tomando como critério
unicamente as notas obtidas nos três primeiros anos do Curso de Formação de Oficiais. Assim, tornou-se
invalidada a classificação imediata ao CFO, procedendo-se 07 anos depois, já em 2005, o reexame dos
históricos escolares individuais dos cadetes por cada ano letivo, o que possibilitou de fato, a confecção de
uma ―nova classificação da Turma de Aspirantes 1998‖. Fato publicado no Boletim Geral nº 245 de 30 de
dezembro de 2005 p.3- 6.
161
Embora o entrevistado Mafra tenha analisado como critério justo de lotação, o então
aspirante Figueira, como 34° colocado, apresentou diferente opinião:
437
A Companhia Independente de Rádio Patrulha – CIRP. Posteriormente, nos anos de 1999/2000, a Companhia
foi extinta, em Belém. (http://museudigitaldapmpa.blogspot.com.br/2016/11/distintivo-da-companhia-de-
radio.html)
438
190 era o fone do Centro de Operações Policiais Militares (COPOM), exclusivo da PM. O COPOM no ano de
1998, tornou-se o Centro Integrado de Operações (CIOP), pelo Decreto nº 2.9.59 de 16/06/1998, órgão de
acionamento do Sistema Estadual de Segurança Pública e Defesa Social, subordinado à Secretaria Adjunta de
Gestão Operacional, pertencente à SEGUP. O objetivo do CIOP é mediar a comunicação entre o cidadão e os
órgãos do Sistema de Segurança Pública por meio do call center 190, possibilitando o registro de ocorrências
de urgência e emergência na área de Segurança Pública, durante 24 horas, permitindo o despacho oportuno
de guarnições, com auxílio tecnológico de vídeo monitoramento, cujo objetivo é de promover atendimento
ágil e estratégico na Região Metropolitana de Belém. Adaptado do ‗Informativo Institucional Oficial do
CIOP-2017‘.
162
439
José Sotero de Meneses, tenente-coronel de Infantaria do Exército, foi comandante da Polícia Militar do Pará
no período de 07 de fevereiro de 1895 a 09 de outubro de 1900, quando a instituição era denominada de
Regimento Militar do Pará, antecedendo Antonio Sérgio Dias Vieira da Fontoura. MORAES REGO, Orlando
Luciano Martins. Retrospectiva histórica da Polícia Militar do Estado do Pará. 1822-1930. Belém:
Falângola, 1981. p. 118-123.
163
Por tradição, para ser definida a classificação do concluinte nos cursos militares, sejam
de formação ou de especialização, é estimulada a competição, que nem sempre é salutar para
alguns alunos, como referido anteriormente.
440
Boletim Geral nº 394 de 7 de março de 1921. apud. MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da
Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.173.
441
FARIAS, William Gaia. Do Corpo Militar de Polícia ao Regimento Militar: reorganizações, condições
materiais e conteúdos simbólicos dos anos finais do Império a Guerra de Canudos. Revista Territórios e
Fronteiras, Cuiabá, v. 6, n.1, jan-jun., 2013a. p. 230.
442
MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do Pará: pesquisa e compilação. Belém:
Imprensa Oficial do Estado, 2012. p.222-224.
164
443
Conforme o Decreto nº 1.585, de 20 de maio de 1981, a medalha general ‗Ferreira Coelho‘ é destinada a
estimular a aplicação e o interesse nos estudos policiais militares, premiando os que se hajam distinguido nos
cursos fundamentais para o acesso hierárquico ao longo da carreira. DANTAS, Romeu Teixeira. Coletânea
de Legislação da PMPA - pesquisa e organização. Belém: CEJUP, 1997. p. 121.
444
José Manuel Ferreira Coelho foi comandante da PMPA no período de 04/05/1935 a 14/12/1938; e Secretário
de Segurança Pública do Pará em 1964, no governo de Jarbas Passarinho. PINTO, Lucio Flavio. Jornal
Pessoal, Belém, Ano XXXI, n. 656. jun. de 2018. p.8.
165
(cont.)
O dia da nossa formatura foi um dia muito marcante pra mim, porque meu avô –
coronel Artur445, ainda estava vivo, ele estava presente ali no palanque das
autoridades e eu no pátio, concluindo o CIFO, em primeiro lugar (o número 1, da
minha turma). Eu vi a emoção do meu avô durante toda a solenidade. Acho que
passava um filme na mente dele, em me ver, como o seu neto mais velho, seguindo
os seus passos na carreira militar. (Dilson Junior, Aspirante Oficial, 1992).
Dilson Junior relembra que não foram poucas as dificuldades vivenciadas por ocasião
do seu ingresso na Polícia Militar. Inicialmente, refere ter percebido que causou frustração à
sua mãe, que não concordava que seu filho seguisse a carreira policial, alegando que ―não
tinha se esforçado, pagando o Colégio Nazaré (Marista)446 ‖, para que ele decidisse ser
policial.
Foi um marco pra minha vida. Veja só, eu recebi minha espada e a medalha Ferreira
Coelho com uma Rosa Heráldica, das mãos do próprio governador – a época era o
Jader Barbalho. Nossa [...] e eu era tão jovem. (Dilson Junior, Aspirante a Oficial,
1992).
445
O avô do entrevistado Dilson Junior era o coronel Artur Correa da Silva, que ingressou na PMPA em 1942
como soldado, tendo se destacado por seu bom desempenho nos estudos como sargento, teve a prerrogativa
de em 1947 ser admitido no Curso de Formação de Oficiais pelo CPOR; e na PMPA, galgou todos os postos
dentro da corporação. Desempenhou diversas funções: foi Delegado de Cametá, nomeado Delegado de
Almerim; chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública; Secretário de Administração, e chegou até o
posto de Coronel e, em 1979, seguiu para a reserva remunerada. Fonte: Registros Memoriais do Coronel
Artur Correa da Silva, cedido por José Dilson Melo de Souza Junior.
446
O Colégio Marista em Belém, é tradicionalmente compreendido como uma escola elitizada, com excelência
de ensino, cujas mensalidades eram de valor elevado, à época.
168
Depois, ao longo da carreira policial militar tive muito bom desempenho nos outros
dois cursos [...], fui o primeiro lugar no CFO, mas também fui primeiro lugar no
CAO e o primeiro lugar no CSP447.
A minha medalha General Ferreira Coelho, não tem só uma, tem três Rosas
Heráldicas, o que chamamos de Tríplice Coroa. Pouquíssimas pessoas conseguem
esse feito (Dílson Júnior, Aspirante a Oficial, 1992).
Embora por tradição, os formandos possam escolher onde desejam trabalhar, por vezes
ocorre o seu descumprimento, cuja decisão sobre a lotação do formando acaba sendo definida
por critérios subjetivos, alheios à vontade e ao conhecimento do concluinte:
De modo geral, observou-se nas narrativas dos oficiais provenientes das Forças
Armadas, uma discreta insatisfação por uma ou outra situação vivida durante a formação.
Talvez pelo fato de terem vivenciado anteriormente o ambiente da caserna, com as pressões,
cobranças, desafios, foram unânimes ao afirmar que não tiveram dificuldades no percurso
acadêmico da formação na APM, ilustrando-se tais narrativas na fala de Leão Braga:
447
José Dílson Melo de Souza Júnior refere que obteve a medalha Ferreira Coelho com três Rosas Heráldicas,
por ter logrado êxito intelectual, destacando-se nos três cursos de acesso de acesso hierárquico na carreira
policial militar: Curso de Formação de Oficial, Curso de Aperfeiçoamento de Oficial e Curso Superior de
Polícia.
169
448
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012b.p.160.
170
449
Conforme discorri no capítulo 1º desta tese, 2006, no comando do coronel João Paulo Vieira da Silva, o
antigo Parque de Material Aeronáutico de Belém-PAMA, passou por grandiosas reformas, tornando-se
Quartel do Comando Geral e Complexo da Policia Militar do Pará, mas que em 2014, passou a ser Palácios
dos Despachos e Casa Militar da Governadoria.
172
Para além do momento solene, a fotografia corrobora com o vim registrando ao longo
desta tese, por meio da narrativa dos diversos sujeitos, uma amizade duradoura entre colegas
de turma e companheiros de profissão. Esse discurso pode ser analisado sob a ótica de Michel
Foucault, que se mostra articulado na interação entre os indivíduos, por meio de linguagens
verbais e não verbais, no dito e não dito, vinculados ao contexto sociocultural, histórico e
demarcados pela relação de poder.451
450
Coronel Walter Cruz, oficial integrante da Policia Militar do Amazonas, um dos entrevistados nesta pesquisa,
marcou sua vinda a Belém, com o objetivo de prestigiar a solenidade de posse de seu colega de turma e novo
comandante-geral.
451
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
173
CAPÍTULO 3
Alguns chegam cheios de esperança com a possibilidade de ter uma profissão, outros
temerosos quanto ao desafio que lhes aguarda, e uns se mostram encantados pela idealização
do que seja a carreira policial militar. Há aqueles que buscam um emprego com estabilidade,
há outros que se deslumbram com a perspectiva de serem agentes da ordem, de terem
‗autoridade‘ sobre os demais.
452
―A-ten-ção cur-so, sen-tido!‖ Trata-se de uma convocação padronizada, dirigida aos integrantes da turma ou
ao pelotão para a apresentação formal a um superior. A voz de comando é efetuada pelo comandante em alto
e bom som, para que todos ouçam e se posicionem atentamente. Na execução do comandamento, as palavras
são enunciadas com certo alongamento das sílabas, por isso estão grafadas em silabas separadas, para dar a
ideia dessa entonação alongada. Tal apresentação está embasada no Regulamento de Continências, Honras,
Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas, conjugada com o Manual de Ordem Unida –
C22-5 do Exército brasileiro. 3. ed. Brasília-DF, Ministério da Defesa, 2000. p 1-11.
453
Cordel com mote em sete silabas: ―Quando eu entrei na farda, tantos sonhos em minha mente”, de autoria de
Dario Lucas Ângelo, da Polícia Militar de Pernambuco, relembrando as idealizações e os desafios reais
vividos pelo cadete.
174
O certo é que, muito além das expectativas que o recém-chegado cultivava ao adentrar
a unidade escola policial militar, havia a possibilidade de experimentar inúmeros
aprendizados, mudanças comportamentais, cobranças, críticas e serviços diários que se
revelam como múltiplos desafios advindos da profissão escolhida.
Isso ocorre, porque a vida do aluno em uma unidade acadêmica onde vigora o ethos
militar tende a ser regrada por uma estrutura interna militar que define explicitamente quem
comanda e quem obedece, entre os seus diferentes níveis, conforme as bases doutrinárias
originadas do modelo de educação militar ou do próprio Exército.
No Pará, depois das duas primeiras turmas do CIFO, de 1991 e de 1992, compostas
exclusivamente de oficiais da reserva das Forças Armadas, as turmas subsequentes, embora
algumas fossem contemporâneas, apresentaram mudanças na execução de suas formações. Digo
454
contemporâneas, porque à mesma época, quando a turma pioneira do CFO, de regime regular,
ingressou na APM Cel. Fontoura, as turmas do primeiro e do segundo CIFO ainda estavam em
pleno desenvolvimento do curso. A turma mais recente tinha equivalência de terceira turma da
APM Fontoura, entretanto, foi considerada pioneira, devido à característica se ser o primeiro
curso com duração de três anos. Além disso, os seus alunos seriam, de fato e de direito,
denominados de ―cadetes‖, diferindo das duas primeiras turmas de oficiais R2, considerados
‗aspirantes‘.
A primeira turma formada no curso com duração de três anos na APM ―Cel.
Fontoura‖ foi a minha turma, o CFO 1992. A turma mais antiga era formada por
oficiais oriundos do NPOR, das Forças Armadas. Então, minha turma seria a
primeira de CFO regular, e com preparação policial completa e estrita. (Ana
Christina, Cadete, 1992-1994)455.
Por essa razão, naquele momento coexistiam no espaço físico da Academia coronel
Fontoura três turmas diferenciadas em sua dinâmica: a primeira turma do CIFO, composta
somente de oficiais da reserva do Exército, considerada hierarquicamente como a mais antiga;
a segunda turma, de natureza mista, composta de oficiais da reserva do EB e da Marinha do
Brasil, como a segunda mais antiga; e a terceira turma, formada por cadetes provenientes da
esfera civil, que passou a ser considerada como a mais moderna.
454
A turma do Curso de Formação de Oficiais de 1992/1994 não era considerada a ‗primeira‘, mas ficou
reconhecida como ‗pioneira‘, pela sua característica de ser a primeira turma do curso regular de formação da
oficialidade, com duração de três anos.
455
Fragmentos da narrativa de Ana Christina Calliari, Cadete, da 1ª turma regular de CFO, no período de 1992-
1994.
175
Entretanto, a propaganda sobre esse concurso nos jornais da cidade, segundo o relato
do participante Rayol, ―era motivadora‖, e trazia como ‗chamada‘ principal: “Seja tenente da
Polícia Militar”. A esse convite, muitos jovens que estavam sem emprego, que tinham
concluído o 2º grau (atual ensino médio) ou que faziam faculdade foram atraídos para a APM,
―sem entender ao certo do que se tratava a carreira policial militar‖458.
Para o candidato civil, a ideia era que bastava chegar na PM e ser tenente. Depois,
quando já estávamos aprovados, nos foi explicado que não era só entrar e ser tenente.
Que, primeiramente, a gente iria fazer a academia de três anos, depois de formados, é
que iriamos fazer um estágio probatório, e quase quatro anos depois, da nossa entrada
é que seríamos tenentes. (risos) [...] Mas para quem estava desempregado e querendo
ser militar, aquela parecia ser uma chamada ideal, mas com uma formação muito
demorada (risos). (Rayol, Cadete, 1992-1994).
456
O concurso aberto à oficialidade, despertou o interesse entre os praças da Corporação, especialmente os que
tinham nível superior, como os casos de Mariney – bacharel em Direito, e de Rosilene – graduada em
Educação Física, entre outros, que viram naquele certame, a possibilidade de ascensão na carreira policial
militar.
457
As quatro etapas do concurso eram todas eliminatórias e correspondiam ao exame intelectual, exame de saúde
(médico/odontológico), teste de aptidão física e avaliação psicotécnica.
458
Fragmentos da narrativa de Luiz Carlos Rayol, Cadete, da 1ª turma regular de CFO, no período de 1992-1994.
176
Rayol relembra que somente depois da sua aprovação, estando entre os 96 admitidos,
deu-se conta de que ainda havia um longo percurso correspondente ao período de formação, e
que tinha sido um grande equívoco acreditar no imediatismo de tornar-se tenente na PMPA.
[...] Foi um começo muito difícil, porque tivemos que ajudar a organizar tudo. A
APM não tinha muita estrutura para receber tanta gente. Tinha um pavilhão do
comando e um pavilhão do corpo de alunos, com quatro salas que já eram
ocupadas pelas turmas do intensivo, que chegaram antes de nós. Então, nós
tivemos que construir nossa própria sala de aula... bater cimento, colocar tijolo,
desmatar uma área verde que havia atrás da APM etc. [...]. (Rayol, Cadete, 1992-
1994).
Rayol relata que os cadetes foram chamados a executar vários tipos de serviços:
[...] tínhamos que fazer faxina, lavar banheiros, [...] pelas dificuldades que
encontramos, no início, muita gente desistiu da Academia, quem vinha do mundo
civil, sentiu muito impacto com aquele ritmo, não queriam passar por aquilo‖. [...].
(Rayol, Cadete, 1992-1994).
Diante daquela exigência, ―de fazer faxina, lavar banheiros‖, alguns dos cadetes, já
graduados na universidade, apresentavam descontentamento quanto a terem participado de um
concurso profissional, para repentinamente terem que ―passar por aquilo‖. Rayol percebia a
insatisfação e frustração de seus colegas, quanto a terem que realizar alguns daqueles
serviços, razão pela qual alguns desistiam e justificavam seus pedidos de desligamento do
CFO.
no entanto, que a realidade não era bem assim. A carga horária aplicada à APM exigia
dedicação quase que exclusiva. Muito embora a Academia não fosse realizada em regime
de internato, a sua dinâmica organizacional sinalizava aos ingressantes a
incompatibilidade entre o horário dedicado à Academia e o tempo disponibilizado ao
curso universitário:
Eu era civil, e a PM era meu primeiro emprego. Eu tinha passado à época em três
faculdades: Ciências da Computação, cursava Matemática na UEPA e
Processamento de Dados no CESUPA. E fiquei empolgado com a possibilidade de
conciliar a carreira militar com alguma daquelas faculdades. Eu realizaria meu
sonho. Foi acreditando nisso que optei em cursar o CFO no Pará e não quis tentar
CFO em nenhuma academia coirmã, porque fora do estado seria automaticamente
em regime de internato. Mas para a surpresa de todos nós, mesmo não sendo
internato, não dava pra conciliar faculdade e CFO. (Rayol, Cadete, 1992-1994).
Naquela primeira turma do curso regular, só ficou quem realmente precisava e quem
estava querendo muito ser militar. [...] Depois foi melhorando, enquanto as salas
estavam sendo construídas, nós assistíamos aulas no rancho, fazíamos ordem unida
na quadra etc.. Depois, quando tudo se normalizou, começamos a ter aula dentro da
nossa sala. (Rayol, Cadete, 1992-1994).
Todavia, Rayol avalia que tais desafios e adversidades vivenciados por aquela turma
foram positivos, e que em nada denegriu o caráter de suas formações, pelo contrário, analisa que
contribuiu, com parte da forja, da turma pioneira, tornando-os mais determinados e fortes,
analisando em sua narrativa: ―Findou que isso nos ajudou a perceber que éramos uma turma
muito forte‖
Aquele modus operandi impingido aos novos alunos oficiais, oriundos do mundo civil
assemelhava-se ao ocorrido um ano antes, com os integrantes das duas primeiras turmas
provenientes do Exército. E, tanto para os novatos civis, quanto para aqueles experientes na
caserna, destaca-se a busca pela identificação masculina com o tipo de atividade, pareciam
178
esperar revelar-se, o homem, em sua capacidade de ação, força e objetividade vinculadas aos
atributos masculinos, de virilidade, que são esperadas no imaginário do militar.
Rayol e outros sujeitos relatam que os cadetes foram empregados em outras atividades
congêneres, por exemplo, capinação, limpeza do terreno, preparação do campo de futebol e,
por mais extenuante que fossem os serviços, Rayol denota em sua narrativa, o sentimento de
orgulho na realização da empreitada:
[...] nós fomos desmatar toda a área lá atrás da Fontourinha, que era cheia de
árvores. Os bombeiros cortaram todas as árvores com motosserra e nós tivemos
que carregar todos esses troncos cortados. Depois, tivemos que tirar as raízes
que permaneceram, jogar terra preta em toda a área, tratar da terra, plantar
grama uma por uma, foi que formamos nosso campo e ficou uma maravilha.
Depois, sentíamos orgulho em olhar para ele, todo verdinho e jogar bola. E
também cuidávamos. Isolávamos, trocávamos a grama e sempre tratávamos
aquilo ali como patrimônio nosso, de orgulho, algo bem feito, que a gente via
que todo mundo sentia prazer em jogar no campo porque era bem tratado.
(Rayol, Cadete, 1992-1994).
De fato, as tarefas braçais não estavam previstas no rol das disciplinas de formação,
entretanto, o desempenho dos cadetes naquelas atividades pareciam cumprir parte, a
docilização anunciada por Erving Goffman e Michel Foucault, necessária à caserna e, por
outra, ―a função de nomear o mundo subjetivo do homem, fazendo-o por meio de uma
tentativa de eliminar o que nele há de duvidoso, impreciso e disforme‖, para a carreira policial
militar.459
459
MATOS, Maria Izilda S. de. Cabelo, barba e bigode: masculinidades, corpos e subjetividades. Locus: Revista
de História, Juiz de Fora, v.17, n. 2. 2011. p.132.
179
460
MATOS, Idem..
461
DEL PRIORE, Mary. Conversas e histórias de mulher. 1.ed. – São Paulo: Planeta, 2013.p.5.
462
Fragmentos da narrativa de Ana Christina Calliari, Cadete, da 1ª turma regular de CFO, no período de 1992-
1994.
180
Refiro-me que era um pelotão composto de modo sui generis, porque em regra geral,
as formações militares, pelas suas especificidades, desenvolvem seus cursos, treinamentos e
capacitações, em salas de aulas e turmas separadas de acordo com as graduações de soldados,
cabos, sargentos, etc.
463
VALE, Jesiane Calderaro Costa. Memórias em pedaços: algumas reflexões sobre a carreira profissional e
dominação. In: II Simpósio de História em Estudos Amazônicos, 2015. Belém. Anais do II Simpósio de
História em Estudos Amazônicos. UFPA. Belém. 2015;
VALE, Jesiane Calderaro Costa. “Vestindo a farda”: O que dizem os jornais sobre a admissão da mulher na
Polícia Militar do Pará nas décadas de 1980 e 1990. 2ª Semana Nacional de Arquivos: História, Memória,
Patrimônio e Arquivos em Bragança-Pará. Sessão de Fontes Cartoriais, Paroquiais e Periódicas: Sujeitos na
História.2018.
464
A admissão de mulheres policiais foi instituída por meio do Decreto Estadual nº 2.030/1981, pelo então
governador Alacid da Silva Nunes, em 15/12/1981. Entretanto, ingresso de policiais do pelotão feminino
ocorreu somente em 1º de fevereiro de 1982.
465
Sobre a primeira turma de mulheres policiais militares, Ver: LEITE, Maurea Mendes. Origens sociais e
trajetórias profissionais das primeiras mulheres policiais pertencentes ao círculo de oficiais da Policia
Militar do Pará. Dissertação (Mestrado em Defesa Social e Mediação de Conflitos) – Universidade federal
do Pará, Belém, 2013. p.56.
181
Naquele ano de 1982, o pelotão de mulheres policiais era coordenado pelo coronel
Roberto Pessoa Campos e pelo aspirante a oficial Clementino Ruffeil Rodrigues. Entretanto,
foram convidadas como instrutoras duas oficiais da Polícia Militar de São Paulo468, as
tenentes Neuza e Vera, às quais serviam de referência sobre os serviços e ofício da mulher
policial, visto que naquela época não havia oficiais femininos no Pará469.
466
Esclareço que embora pareçam iguais, há significativa diferença entre as nomenclaturas ―alunas oficiais‖ e
―oficiais alunas‖. São considerados ―alunos oficiais‖ ou cadetes, os que realizam o Curso de Formação de
Oficial de modo integral na instituição; e ―oficiais alunos‖ são aqueles que ingressam já com titulação de
nível superior externa à instituição, e necessitam apenas realizar o Curso de Adaptação ao Oficialato,
denominado de CADO.
467
No caso em questão, Izanete Carvalho era graduada em Serviço Social; e a Filomena Buarque e Ellen
Margareth eram ambas graduadas em Direito. Anos mais tarde, a tenente Filomena Buarque solicitou seu
desligamento da Corporação, para exercer o cargo de Juíza de Direito no Pará; e a tenente Ellen Margareth
tornou-se comandante da Guarda Municipal de Belém. Izanete entretanto, prosseguiu sua trajetória na
PMPA, chegando ao posto de Tenente-Coronel (penúltimo na carreira), momento no qual entrou para a
reserva. Ver: LEITE, Maurea Mendes. Op. cit., p. 57.
468
Destaco que em 1955, iniciou-se pelo estado de São Paulo, a criação do primeiro ‗grupamento feminino‘ do
Brasil e da América Latina quando foi implantado no âmbito da Guarda Civil de São Paulo, o ―Corpo de
Policiamento Especial Feminino‖, através do Decreto nº 24.548, de 12/05/1955, pelo então governador Jânio
Quadros. Experiência essa que foi replicada em outros estados brasileiros, com o auxílio do estado pioneiro,
depois que houve a regulamentação do Exército.
469
Boletim Geral n.º 020, de 29 de janeiro de 2016. p. 2.
470
PARÁ. Decreto nº 2.030, de 15 de dezembro de 1981. Criação do Pelotão de Polícia Feminino no Pará.
182
473
CAPITULO VI - DOS DIREITOS E DEVERES
471
Transgressão disciplinar é qualquer violação dos princípios da ética, dos deveres e obrigações policiais-
militares na sua manifestação elementar e simples e qualquer omissão ou ação contrária aos preceitos
estatuídos em leis, regulamentos, normas ou disposições, desde que não constituam crime. Ver: MACHADO,
Francisco Ribeiro (Org.). Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM) – Decreto nº 2.479, de 15 de
outubro de 1982 – Manual do Policial Militar. Belém: PMPA/Diretoria de Ensino e Instrução, 1992. p. 212.
472
DANTAS, Romeu Teixeira. (Org.). Diretriz do Comando Geral nº 02/1982 – Procedimentos relativos às
integrantes do pelotão de Polícia feminino. Coletânea de Legislação Estadual. Belém: CEJUP, 1997. p. 129-130.
473
Decreto nº 3.181/1984, de 24 de janeiro de 1984 – Regulamento da Companhia de Polícia Feminina da PMPA.
183
474
Decreto nº 3.181/1984, de 24 de janeiro de 1984 – Regulamento da Companhia de Polícia Feminina da PMPA
475
LAVER, James. A roupa e a moda; uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 271.
476
BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p. 82.
477
Destaco o pioneirismo de São Paulo, em 1955, com a criação do ―Corpo de Policiamento Especial Feminino‖,
pelo então governador Jânio Quadros, No entanto, a base legal para incorporação de mulheres nas
instituições policiais militares e a sua regulamentação, se deu a posteriori, por meio da portaria do Estado
Maior do Exército – EME de 16 de junho de 1977, autorizando que fossem criados em todo o território
brasileiro, organizações de Polícia Feminina. In: SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda.
184
foi São Paulo.478 Nas demais Polícias Militares a incorporação das mulheres ocorreu nas
décadas seguintes.
A historiadora Maria Izilda Matos chama atenção de que ―mesmo sob o contexto
desfavorável do autoritarismo dos governos militares (1964-84), as mulheres ‗entraram em
cena‘ e se tornaram visíveis ocupando espaços sociais e políticos‖486; se nos diversos
contextos, descobriram-se como sujeitos ativos, de modo que as imagens de passividade,
confinamento do lar, ociosidade, deram lugar à múltiplas estratégias e resistências criadas
pelas mulheres para o enfrentamento no cotidiano, inclusive em âmbito dos quartéis.
Destaco ainda, no supracitado Decreto nº 3.181/1984, em seu Artigo 20, uma visível
incongruência: Se por um lado, o regulamento advertia que a Companhia Policial feminina
era uma organização na qual as diferenças biopsicológicas seriam respeitadas, entretanto, na
prática incongruente, ―seriam exigidos os mesmos padrões de desempenho profissional
atribuídos ao policial militar do sexo masculino‖.487
Mulheres policiais: presença feminina na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005. p.28.
478
MOURÃO, Barbara Musumeci. Diálogos sobre Mulheres Policiais. In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO,
Samira. (Orgs.) Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. 1. ed. São Paulo- SP:
Alameda, 2015. p.217
479
PRÁ, Jussara Reis O feminismo como teoria e como pratica. In: STREY, M. (Org.). Mulher: estudos de
gênero. São Leopoldo: Unisinos, 1997.
480
SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia
Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
481
STEARNS, Peter N. História das Relações de gênero. São Paulo: Contexto, 2007.
482
. SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Policia e Gênero: participação e perfil das políciais
femininas nas PMS brasileiras. Revista gênero. Niterói, v.5, n.1, 2004.
483
TOLEDO, Cecília. Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide: Psicologia e Sociedade. São Paulo:
Sundermann, 2003.
484
SCHACTAE, Andrea Mazurok. Farda e Batom, Arma e Saia: a construção da Policia Militar Feminina no
Paraná (1977-2000). Tese de Doutorado. Curso de Pós-graduação em História UFPR.2011.
485
MOREIRA, Rosemeri. ―Entre o escudo de Minerva e o manto de Penélope”: a inclusão de mulheres na
Policia Militar do Estado do Paraná (1975-1981. Dissertação (Mestrado em História). Universidade de
Maringá, 2007.
486
MATOS, Maria Izilda Santos de. História das mulheres e das relações de gênero: campo historiográfico
trajetória e perspectivas. Mandrágora, v.19. n. 19, 2013. p. 6.
487
Decreto nº 3.181/84, de 24 de janeiro de 1984. Regulamento da Companhia de Polícia Feminina da PMPA. p. 135.
185
Como aluna soldado, lembro que o tratamento era o pior possível, já que estávamos
adentrando num quartel, onde só existiam homens... machismo de todos os lados.
Uma turma de 45 mulheres, era muita pressão sobre nós. Algumas, infelizmente,
ficaram pelo caminho, sem concluírem o curso; restaram na minha turma 37 alunas. Eu
venci. [...] Depois, como aluna oficial em Minas Gerais, nós éramos quatro turmas mista
com 40 cadetes cada. Em cada turma tinha três mulheres. Éramos somente 12 mulheres
naquele universo de 148 homens. E não deixávamos por menos, com muita garra e
determinação demarcávamos nosso lugar. (Léa, Aspirante a Oficial, 1988) (grifo nosso).
Em sua narrativa, Ruth Léa que havia sido soldado e depois já na Instituição, foi subindo
os degraus da carreira, chegando ao último posto de coronel, discorre sobre vários de seus
desafios e sacrifícios na condição de aluna. Primeiramente como aluna soldado, realizou seu curso
de Formação, na época era na ilha de Outeiro, a 18 km do centro de Belém, ligada ao distrito de
Icoaraci pela baía do Guajará. Naquela década, ainda não havia ponte sobre o rio Maguary, razão
pela qual as alunas levantavam-se de madrugada para se deslocar de barco até o Centro de
Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), como Léa relata:
O CFAP foi o primeiro contato com a caserna. Não foi fácil, funcionava em
Outeiro, tínhamos que atravessar de barquinho pelo rio Maguari, tudo muito
difícil, chuva e sol. Eu acordava às 04h da madrugada, para fazer uma farofa e
levar, porque a alimentação lá no CFAP era muito ruim; pegava o ônibus as 04h50
para encontrar o pelotão na Praça do Operário, de onde o ônibus saía às 06h, nos
levando até à margem do rio Maguari. No CFAP entrávamos em forma às
07h30. Muitos achavam que éramos frágeis, que não íamos aguentar. Esse
período que ficou marcado em minha trajetória, me fez dar valor a tudo. (Léa,
Aspirante a Oficial, 1988) (grifo nosso).
Léa relata ainda outros enfrentamentos que se submeteu, por almejar seu crescimento
profissional. Relembra que ao iniciar a carreira policial militar encontrou muitos obstáculos,
preconceitos, inclusive em meio à sua própria família:
488
VALE, Jesiane Calderaro Costa. Memórias em (da) Formação: Voltando ao CFAP, onde tudo começou.
Trabalho apresentado nos Anais do I Seminário Militares, Poder e Sociedade na Amazônia: Interlocução
militares, política e imprensa periódica. UFPA,2017.
186
Nasci em Soure, meus pais eram pessoas humildes, mas sempre priorizaram a
educação, mesmo sem condições financeiras. Eu estudava em escola pública, e
ao concluir o segundo grau, fui obrigada a deixar minha terra e ir para a capital -
Belém, em busca de algo melhor, já que Soure não possuía Universidade. Eu
sonhava com o melhor, queria estabilidade profissional e queria poder dar uma
condição melhor para minha mãe, que quando eu nasci, ficou viúva. Nessa
época, minha maior dificuldade era financeira, eu não tinha dinheiro para
sobreviver, morava de favor na casa de parentes, não tinha nem rede para
dormir. [...] Sair da minha cidade na década de 80, como eu saí de Soure, sem
recursos, era necessário [...] encontrei uma diferença muito grande. Lá só tinha
um único meio de transporte que era o navio da ENASA, que fazia viagem de 7
em 7 dias, só aos sábados. Em Belém, a diferença foi tremenda, foi estúpida, eu
senti muito.
Analiso que a inserção de policias do sexo feminino em espaço social cujo poder
era evidentemente delegado aos homens e pelos homens, trazia sobre essas mulheres
expectativas de um ethos comportamental significativamente diferenciado e, ao mesmo,
tempo as práticas semelhantes às do policial masculino, mas não somente isso – a sua
história como mulher, o seu fazer profissional, o seu fardamento, a escolha de seu nome,
eram elementos ditados pela dominação masculina489; e o fazer feminino recorrentemente
colocado à prova.
[...]Pra minha mãe, foi difícil aceitar a ideia de sua filha caçula sair da ‗barra de sua
saia‘ e entrar para uma atividade entendida como "masculina", que era a de policial
militar. Na concepção de minha mãe, ser policial não era profissão para "mulher".
Ela tinha me criado e educado para que eu fosse uma ‗professora primária‘ e dona de
casa. (Léa, Aspirante a Oficial, 1988).
O mundo dos quartéis, segundo Jaqueline Muniz490, era idealizado como ―terra de
machos‖ e a atuação policial militar nas ruas, estava registrada sob o signo da bravura, da
frieza e do heroísmo, ―um tipo de realidade que não se deixa comover pelas virtudes culturais
atribuídas ao signo feminino‖. Nesse espaço, as cobranças estariam sempre a flor da pele, no
sentido de que se a mulher quisesse ser reconhecida como uma profissional qualificada,
precisaria conviver e superar as adversidades que se interpunham de modo sutil e velado,
porque como analisa Andréa Schactae, as atividades que eram destinadas às policiais
mulheres, eram ―construções discursivas, autenticamente definidoras de identidade de
gênero‘491.
489
BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
490
MUNIZ, Jacqueline. Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser. Cultura e cotidiano da polícia militar do
Estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. p. 244.
491
SCHACTAE, Andrea Mazurok. A arma e a saia: Definindo a atividade da policial feminina e reconstituindo
diferenças de gênero.O publicoe o privado. Nº 28. Julho/dezembro. 2016.p.93.
187
Por essa visão estereotipada e conservadora, em que o fazer feminino era sempre posto
à prova, disseminava-se a ideia de que a mulher seria inadequada para as tarefas de
policiamento, estabelecendo para ela serviços burocráticos ou de outros tipos internos, que
não os da atividade de rua propriamente, e desenvolvido para um público considerado
diferenciado, no que se referia a atenção do policial masculino: ―menores492 delinquentes ou
abandonados, senhoras gestantes, parturientes, pessoas idosas, indigentes, e do sexo feminino
em geral‖493
Por falar em Polícia Feminina, esta tradicional subunidade da Força Estadual, [...]
que viabilizou a participação da mulher nos quadros da PMPA, vai completar seis
anos de profícua existência, sobretudo na área especifica de suas atividades
profissionais, que tem por finalidade precípua, o trabalho com menores
delinquentes ou abandonados, mulheres envolvidas em ilícitos penais, anciões,
além de certo tipo de relação com determinado público, onde a mulher é evidência,
dada a sua qualidade e preparo técnico profissional para tal 494.(grifos nossos)
492
O termo ―menor delinquente‖ ou ―menor abandonado‖ ainda era utilizado no regulamento, posteriormente, com
o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1992, foi considerado pejorativo e de uso inadequado
pela sociedade brasileira, passando a criança e o adolescente a serem considerados como ―sujeitos de direitos‖ e,
caso pratiquem algum ato infracional, sejam tratados como ―sujeitos em conflito com a lei‖ ou por ―autor de ato
infracional‖.
493
Regulamento da Companhia de Polícia Militar Feminina (RCPMF), assinado pelo então comandante geral da
PMPA, coronel Artagnan Barbosa de Amorim Sobrinho, com cópia entregue a cada uma integrante do
―Pelotão Feminino‖, em 25/03/1982. p. 2. (Cópia cedida pela Tenente Neuza Carvalho, integrante do
primeiro pelotão da PMPA, hoje na reserva).
494
Jornal Diário do Pará, de 17 jan. 1988, p. B-7.
188
espaço público e a área de poder (sobre a produção), ao passo que as mulheres ficam
destinadas (predominantemente) ao espaço privado (doméstico, lugar de reprodução).495
Máurea Leite, em sua dissertação de mestrado sobre ‗as trajetórias das primeiras
mulheres policiais no estado do Pará‘, analisa a existência de preconceitos vivenciados pelas
policiais de sua pesquisa, devido à sua condição de mulher, à medida que as relegavam à
função administrativa. Segundo a pesquisadora, para essas policiais ―[...] estar na área
administrativa era estar na obscuridade, mesmo quando se exercia função de comando,
almoxarife, chefe da Reserva de Armamento, aprovisionadora [...] áreas imprescindíveis na
execução do policiamento.‖496 Neste sentido, Máurea analisa o preconceito, por considerar
que nessa instituição se atribuía maior valor simbólico profissional a quem dedicava a sua
atuação no campo operacional, na execução da atividade-fim.
495
BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p.112.
496
LEITE, Máurea Mendes. Origens sociais e trajetórias profissionais das primeiras mulheres policiais
pertencentes ao círculo de oficiais da Polícia Militar do Pará. Dissertação (Mestrado em Defesa Social e
Mediação de Conflitos) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2013. p. 48-49.
497
A questão do Cuidado ou a emergência do Care – palavra de origem inglesa que designa cuidado, que se
consagrou ao tornar-se uma ocupação ou atividade profissional, que passou a ser remunerada, diferenciando-
se do trabalho doméstico, que é gratuito. HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya. Cuidado e cuidadoras: o
trabalho de care no Brasil, França e Japão. Revista de Sociologia e Antropologia, v.1, n.1, 2011. p.156.
498
O conceito de Habitus revela a força da estrutura social presente nas ações individuais e a tendência do
sujeito em reproduzi-las, por terem se tornado práticas sociais incorporadas. BOURDIEU, Pierre. O Poder
Simbólico. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
189
O discurso social mais amplo sobre a mulher como ‗sexo frágil‘, ‗delicada‘ e
‗sensível‘, alcançava a mulher policial militar, e estava tão fortemente arraigado na cultura
organizacional que, no ano em que a Polícia Feminina completava dez anos de fundação,
depois de centenas de atuações policiais, o articulista da coluna ‗Notícias da Polícia Militar ‘,
que escrevia em nome da 5ª seção do Estado Maior da corporação, enalteceu as atividades
desenvolvidas pela unidade policial, ainda sob a mesma lente conservadora, acerca da
delicadeza feminina, destacando a presença ―graciosa e altiva” das policiais, ―as jovens
milicianas ou Panteras”,499 ―a graça e a beleza da policial militar feminina”, conduta que
agradava a sociedade paraense. Segue-se a nota jornalística:
499
O codinome ―Panteras‖ intitulava um antigo seriado da televisão nas décadas de 1979/80, no qual três belas
investigadoras se formaram com honras na academia de polícia e passaram a integrar a Agência de Detetives
Townsend. As panteras mostram-se corajosas e destemidas no combate dos diversificados crimes e se
destacam pelo visual feminino impecável.
500
Jornal Diário do Pará, de 26 de janeiro de 1992, p. B-7.
190
Ainda nesse campo, a ideia era de que a presença feminina poderia possibilitar maior
cuidado policial com o ser humano, mais disciplina, menos corrupção, mais sensibilidade,
simpatia e capacidade de escuta. Novamente atributos que reafirmavam estereótipos e
definiam o território doméstico para a mulher policial militar.
Celina D‘Araújo502 refere que a relação da mulher com a vida militar esteve por muito
tempo associada a seu papel de esposa, e que, com a emergência de um conjunto de novos
direitos, ―a partir de 1980, entre eles, o de a mulher poder escolher profissões
tradicionalmente tidas como masculinas, abriram-se as portas da caserna para as mulheres‖
Durante vários séculos, o sujeito da história foi representado pela categoria ‗homem‘,
e a mulher estava caracterizada pela invisibilidade. Segundo Rachel Soihet e Joana Pedro 503,
isso ocorria porque ―acreditava-se que ao falar dos homens, as mulheres estariam sendo
igualmente comtempladas, o que não correspondia à realidade.‖
Essa situação produzia uma notória contradição: Para o público interno, a inserção de
mulheres na instituição PM era ‗estranha‘, desconfortável e desafiadora, contudo, para o público
externo, a Corporação exibia, fazia questão de apresentar o pelotão feminino como uma grande
501
Idem.
502
D‘ARAUJO, Maria Celina. Mulheres, homossexuais e Forças Armadas. In: CASTRO, Celso et al. Nova
história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 442.
503
SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações
de gênero. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 54, 2007. p. 284.
504
PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.
505
STEARNS, Peter N. História das Relações de Gênero. São Paulo: Contexto, 2007. p. 186.
506
STEARNS, Ibid., p.188.
191
Observa-se que a ‗permissão‘ para a entrada de mulheres nas PMs brasileiras data
do período da ditadura militar e se ―associa à necessidade de cobrir certos campos de
atuação em que o policiamento masculino (fundamentalmente repressivo) estaria
encontrando ‗acentuadas dificuldades‘. Entretanto, a efetiva incorporação das
PMFems, na absoluta maioria dos estados, ocorre sobretudo a partir do início dos
anos 1980, já no contexto da abertura política e, em vários casos, após a
redemocratização do país – o que parece acrescentar-lhes outros objetivos, como o
de modernizar as PMs e ‘humanizar’ sua imagem social, fortemente marcada pelo
envolvimento anterior com a ditadura. 508 (grifos nosso).
Sobre a inclusão de mulheres nas instituições militares, a partir do início dos anos
1980, a historiadora Rosemeri Moreira509 analisa a Policia Militar no Paraná, como sendo a
segunda corporação no contexto da abertura política, e assegura:
Então, em 1988 retornaram ao Pará outras três mulheres como aspirantes a oficiais,
que tinham sido enviadas à Academia de Polícia coirmã de Minas Gerais para realizar o CFO:
Maria do Carmo Silva de Souza, Telma Susy Moreira da Costa e Ruth Léa Costa Guimarães.
Sobre estas, o Jornal Diário do Pará divulgava a seguinte informação:
507
SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia
Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.16.
508
SOARES, & MUSUMECI. Idem. 2005, p.29.
509
MOREIRA, Rosemeri. Polícia Militar: a presença e a ausência do viril. Fazendo Gênero – Corpo, Violência
e Poder. Simpósio Temático. Florianópolis, 2008.
192
Na APM de Minas Gerais, Léa refere ter se deparado com outros desafios. Na
fotografia abaixo (Figura 20), a entrevistada recorda-se de sua aproximação ao grupo de
oficiais masculino, que lhe foi favorecida em decorrência da sua altura. Na imagem, Léa
encontra-se em destaque, na segunda posição da segunda coluna do pelotão em desfile. Por ter
1,84m de altura, estatura pouco comum às mulheres, posicionava-se logo à frente dos pelotões
e dispunha-se à execução da marcialidade de forma equivalente aos homens.
510
Jornal Diário do Pará, ―Notícias da PM‖ de 30 de outubro de 1988, B-7.
193
Figura 20 - Desfile do pelotão de cadetes, onde Léa está inserida na segunda coluna.
Com a chegada das três novas oficiais Maria do Carmo, Susy e Léa, no Pará, a proposta
era promover modificações, no tocante aos tipos de serviços e superar as dificuldades na condição
desigual em que a policial se encontrava, a despeito de ser uma Instituição cujo lócus estava
demarcado, em suas ambiguidades, pela lógica de subordinação da mulher, com impossibilidade
de realizar funções de comando sob a justificativa da ‗falta‘ de força física ou da sua
―fragilidade‖, visando ratificar a presença da mulher policial militar em suas competências.
511
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa encontram-se vários atributos e sentidos sobre a intimidade,
relacionados ao âmago da pessoa, o que se passa nos recônditos da mente, do espírito, e que tratam de
assuntos extremamente pessoais, confidenciais, particulares ou secretos.
194
SOBRE MATRIMONIO513
Art. 14 - Deixar de solicitar, com a devida antecedência, autorização para contrair
matrimônio (GRAVE);
Art. 15 - A policial militar que contrair matrimônio, antes de completado o período
de dois (02) anos de conclusão de curso de formação será excluída da Corporação;
PARÁGRAFO ÚNICO – O pedido de autorização para contrair matrimônio deverá
ser apresentado ao Comandante da Companhia de Polícia Feminina com a
antecedência mínima de sessenta (60) das do evento, a fim de ser encaminhada à
superior consideração do Comandante Geral da PMPA;
Art. 16 - Não será permitido o casamento de policiais militares femininas com
policiais militares e militares masculinos de Forças, sendo estes de círculos militares
diferentes.
PARÁGRAFO ÚNICO – Só será permitido o matrimônio previsto neste artigo, com
o licenciamento de uma das partes das fileiras de sua Corporação.
SOBRE GRAVIDEZ
Art. 17 – Serão concedidos à policial militar gestante, a partir do oitavo (8º) mês de
gravidez, mediante inspeção de saúde e laudo da JIGS, três meses de licença.
PARÁGRAFO ÚNICO – A licença deverá ser concedida às policiais militares
femininas que sejam casadas, sendo que a policial feminina solteira ao engravidar,
solicitará seu licenciamento das fileiras da PM; se não o fizer será excluída ex-officio.
512
Decreto nº 3.181/84, de 24 de janeiro de 1984. Regulamento da Companhia de Polícia Feminina da PMPA, p.134.
513
Idem.
195
Nos anos 1970, período precedente à entrada da mulher na Polícia Militar, o uniforme
seguia uma tendência geométrica, a qual foi analisada por James Laver516 que naquele cenário
social, em geral: ―não importava que estilos entraram ou saíram da moda, as roupas femininas
para o trabalho [...] apresentavam cortes deliberadamente masculinos, ao longo de toda a década
de 70 e início da de 80: uma tentativa, na verdade de ficarem no mesmo nível dos homens‖.
514
O termo ‗assédio‘ era anteriormente entendido como perseguição. Entretanto, sua incidência e repercussões
sempre estiveram presentes nas relações sociais, afetando a saúde física e mental do trabalhador, nos
diferentes ambientes laborais. Sobre as várias definições de assédio moral, ver: LIMA, Joana D‘arc do
Carmo. Da antiga perseguição ao assédio moral: o percurso da violência subjetiva nas organizações. Tese
(Doutorado em Sociologia e Antropologia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.
515
O debate sobre a questão da homossexualidade na instituição policial militar passou a ocorrer somente após a
criação do Grupo de Combate à Homofobia, pela SEGUP, dentre as articulações do Programa ―Brasil sem
Homofobia‖, lançado em 2004 pelo Ministério da Saúde, visando o combate à violência e discriminação
contra GLTB e à promoção da cidadania homossexual. Ao longo dos anos mostrou-se um tema repleto de
conotações negativas, do ponto de vista moral, religioso e social. Sobre a temática nas Forças Armadas, há
estudos realizados por: D‘ARAUJO, Maria Celina. Mulheres, homossexuais e Forças Armadas. In:
CASTRO, Celso et al. Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
516
LAVER, James. A roupa e a moda; uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.271.
196
adotando elementos das roupas masculinas, por exemplo, jaqueta de aviador, camisa
masculina, inspiradas nas fardas do Exército517.
O uniforme da policial feminina, nessa época, era composto de saia-calça, camisa, blusa
de meia, meia-calça e sapato. A saia-calça trazia a imitação de uma ―prega macho‖, bem
profunda, na adaptação da calça masculina; comprida e recatada, na altura abaixo dos joelhos.
Confeccionada em tecido sintético, cor azul petróleo, estilo trapézio, em tecido fácil de cuidar, e
praticamente dispensava o uso do ferro de passar. A camisa feminina, por sua vez, em tecido
misto de algodão no tom azul-claro, necessitava ser engomada ou bem passada a ferro. Era
abotoada na frente, com gola levemente arredondada nas pontas, diferindo da camisa dos policiais
masculinos, de gola reta e pontas em ‗V‘. O sapato era exclusivamente preto, de salto baixo518.
O uniforme completo seguia uma tendência da moda, com estilo e detalhes modestos.
Laver analisa que naquele momento, a ênfase da moda era de que as vestimentas fossem
estilisticamente práticas, inclusive até na escolha dos tecidos das roupas, quer para homens ou
para mulheres: ―[...] a ênfase da moda, era a praticidade dos modelos. A escolha dos tecidos
originou-se nessa vida competitiva, que deixava pouquíssimo tempo fosse ele, para combinar
roupas, ou para cuidar delas‖.519 Nesse sentido, o fardamento policial militar deveria ter um
aspecto perfeitamente bem cuidado, em que a policial militar precisava ter boa apresentação e, ao
mesmo tempo, não gastasse muito com isso e pudesse acompanhar o ritmo competitivo do
cotidiano.
517
LAVER, James. Idem.p.271
518
As primeiras mulheres policiais, tiveram seus sapatos confeccionados especialmente sob medida para elas,
pelo sr. Bessa, um renomado sapateiro à época, que mantinha sua sapataria artesanal, situada na avenida Nazaré,
nº 1013, no bairro de Nazaré, área central da capital Belém. Depois, seguiu-se a aquisição de sapatos, com as
lojas de artigos militares, espalhadas pelo estado.
519
LAVER, Ibid., p.272.
197
identidade520 militar, tanto para o homem quanto para a mulher, embora não faça parte do
uniforme. Para os homens, havia um padrão de corte a ser adotado pelos alunos:
Por que quando o aluno chega, ele corta logo o cabelo? É para tirar toda a vaidade.
Ninguém é melhor do que ninguém, ali todo mundo é igual. Ali precisa surgir uma
equipe, ser trabalhada uma equipe, mais homogênea possível. O corte do cabelo
ajuda na ‗desconstrução do eu‘; a deixar seu apego ao mundo civil. (Rayol, Cadete,
1992/1994; d depois Comandante da APM).
520
Embora o conceito de ‗identidade‘ seja polissêmico, e tenha se tornado objeto de estudo de inúmeras
disciplinas, aqui compartilho das reflexões de Medeiros, cuja definição indica: ―o caráter do que permanece
idêntico ou igual a si mesmo, no tempo‖. Essa definição favorece a análise da interligação de dois princípios:
a permanência e a semelhança, que sugerem dimensões distintas, mas ao mesmo tempo me auxiliam na
compreensão entre as identidades individuais e coletivas. MEDEIROS, Joao Luiz. A identidade em questão:
notas acerca de uma abordagem complexa. In: DUARTE, Maria Beatriz Balena; MEDEIROS, Joao Luiz.
(Orgs.). Mosaico de Identidades. Curitiba: Juruá, 2004.
521
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188, de 4 de outubro de 2017. Manual do aluno oficial policial
militar. p. 68.
522
DANTAS, Romeu Teixeira. (Org.). Diretriz do Comando Geral nº 02/1982 - Procedimentos relativos às integrantes
do pelotão de Polícia feminino. Coletânea de Legislação Estadual. Belém: CEJUP, 1997. p.129-130; p.137-139.
198
ou do estilo de cabelo (crespo, liso, ondulado), todas deveriam mantê-los rente ao pescoço ou
à gola do uniforme. Logo, não era permitido rabo de cavalo ou coque.
Léa recorda-se das exigências estabelecidas sobre o uso dos cabelos para as mulheres,
quando retornou ao Pará, após o período de sua formação na academia em Minas Gerais.
Relembra que vivenciou um forte impacto, ao comparar com a PMMG onde se formara,
observou que lá não havia tal rigorismo. Desta feita, como já era oficial, resolveu apresentar
suas argumentações, junto com suas colegas, em solidariedade às demais policiais.
Quando chegamos à PMPA, eu, Susy e Maria do Carmo, da APM de Minas Gerais,
já como Aspirantes a Oficial, o efetivo feminino do Pará, obrigatoriamente usava
cabelos curtos, no mesmo estilo dos homens. Como tínhamos o regulamento da
PMMG, por modelo, e lá já era permitido que as mulheres usassem os cabelos
presos, feito coque, com redinha, fomos até a Comissão de Justiça da PMPA,
argumentamos, e os convencemos quanto à necessidade de reverem essa norma.
Eles nos ouviram e nos atenderam. Isso para nós foi uma grande conquista. (Léa,
Aspirante a Oficial, 1988).
Acredito que muitas das minhas colegas, aquelas primeiras policiais viveram um
período traumático, ao terem que assumir um padrão de cabelo que discordavam, e
que às vezes nem combinava com o seu próprio tipo de cabelo e tinham que se
submeter. (Léa, Aspirante a Oficial, 1988).
Diferentemente das três primeiras oficiais a quem nos reportamos: Izanete, Ellen
Margareth e Filomena Buarque523, as três oficiais: Maria do Carmo, Susy e Léa, ao serem
admitidas, seguiram suas trajetórias na instituição ingressando diretamente no quadro de
combatentes, e cursaram três anos de Academia Policial Militar com o propósito que tal curso as
legitimava, à condição de comando, sem restrição, podendo chegar ao último posto da
corporação.
523
Anos mais tarde, após pedido de demissão da Corporação, a tenente Filomena Buarque tornou-se juíza de
direito no Pará e a tenente Ellen Margareth tornou-se comandante da Guarda Municipal de Belém. Izanete
realizou sua trajetória na PMPA, onde foi comandante da Companhia de Polícia Feminina, tendo entrado
para a reserva no posto de Tenente-Coronel (penúltimo na carreira policial militar).
199
A partir das articulações dessas três oficiais: Léa, Suzi e Maria do Carmo, por volta
dos anos 1990, passou a ser permitido o uso do cabelo solto, para as policiais que usavam
tamanho curto, até o lóbulo da orelha ou da gola do uniforme, e do cabelo médio, arrumado
com penteado em coque, como exemplificado na Figura 21.524
Às 07h30 era o horário de entrar em forma, por pelotão, para ser submetido à inspeção
de fardamento, higiene e apresentação pessoal etc. Nesse momento, a farda deveria
estar passada e engomada, o vinco tinha que estar ―cortando‖, o coturno e sapatos
brilhando, a fivela do cinto cadarço deveria brilhar como ouro, eu guardava até um
trapinho no bolso, para dar aquele brilho final, antes de entrar em forma [...]. Tudo
bem arrumado, os cabelos presos, em coque, alto, médio, ou baixo, conforme o
volume de cabelo; as unhas curtas e bem cuidadas, de preferência esmaltadas com
cores claras. Maquiagem era exigida, e deveria ser discreta [...], eu adorava batom
vermelho, mas nunca fui anotada por isso (Ana Christina, Cadete, 1992) (grifo nosso).
Eu não tinha noção do que era ser oficial da PM, a ideia da vida militar, eu via
apenas em meu pai, que era praça. Eu achava que era uma formação muito rígida,
usávamos coque bem armados, não poderíamos ter adereços exagerados e
muitas outras cobranças. (Denise, Cadete, 1994/98) (grifo nosso).
524
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188, de 4 de outubro de 2017. Manual do Aluno Oficial Policial Militar.
525
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188/2017. Manual do Aluno Oficial Policial Militar. p. 69.
200
Quadro 4 - Nomes das turmas dos cursos da APM Cel. Fontoura (CIFO e CFO)
526
A 14ª turma do CFO escolheu homenagear o nome do capitão Marcelo Augusto Ferreira de Oliveira in
memoriam. No momento em que a referida turma estava ingressando na Academia, o oficial homenageado
foi morto em serviço em ocorrência de assalto bancário em 15/02/2008, quando comandava a 13ª Companhia
Independente de Polícia Militar de Uruará, município localizado no sudeste paraense. PMPA. Boletim Geral
Nº 215 de 18 novembro 2008. Consultoria Jurídica da PMPA - Decisão administrativa Nº 013/08 –
CONJUR. P.09.
201
No CFO, acho extremamente necessária a regularidade dos concursos, ano após ano,
precisa haver alguma turma nova entrando. Na falta da regularidade, faz-se a perda
dos treinos de liderança, da medição da autoridade, tão necessária à formação do
futuro oficial. (Costa Junior, ex-comandante da APM).
527
Trata-se de uma exceção referente ao nome da turma, em homenagem a uma criança: ―Gustavo Henrique
Cardoso Baia‖, filho do cadete da Polícia Militar do Amapá, Fábio Roni Vilhena Baía e de Marliane da Silva
Cardoso Baía. A escolha do nome constituiu-se de modo ―excepcional‖, devido à criança ter falecido
precocemente, aos quatro anos, vítima de doença pulmonar, no estado do Paraná, no período em que seu pai
realizava o Curso de Formação de Oficiais. Dada à forte comoção pelo falecimento da criança, os cadetes da 17ª
turma da APM Cel. Fontoura, composta exclusivamente de cadetes do Amapá, pelo regime de convênio com a
PMPA, resolveu homenageá-lo, em solidariedade à família pela perda do filho, emprestando o seu nome para
homenagear a turma.
202
Assim observo que a restrição quanto ao número de vagas para as candidatas oficiais
mulheres, tem sido justificada pela PMPA como de interesse social-institucional,
fundamentando-se naquilo que se refere às exigências da atividade-fim – no tipo de serviço
(operacional) prestado pela instituição, para o qual, a demanda maior tem sido da mão de obra
masculina, sendo que a atuação feminina nem sempre é integralmente empregada. Observa-se
que as justificativas estão relacionadas às especificidades naturais e a questões singulares à
situação da mulher, condição física, treinamentos intensivos, riscos, vocação maternal,
528
O entrevistado João Paulo Vieira da Silva, coronel PM, foi comandante da PMPA no período de 1º de janeiro
de 2003 a 28 de dezembro de 2006.
529
Ato de motivação para justificar a distinção do número de vagas entre homens e mulheres no concurso
público de admissão do CFSD/CFO, assinado pelo diretor de Pessoal à época, coronel Raimundo de Brito e
Silva Filho, em resposta à comissão organizadora do certame (2008).
204
separação da família (mesmo que temporária), exposição ao perigo etc. A isso, a instituição
atribui coerência para delimitar o número de vagas530.
Em seu artigo, Braga, questionam o porquê não são dadas as mesmas oportunidades de
ingresso para mulheres tanto pra homens, na carreira policial militar.
O referido autor analisa que essa restrição de vagas representa uma violação à
Constituição Federal, em seu Artigo 5º, inciso 1º, quanto ao princípio constitucional da
igualdade, que coloca homens e mulheres como sujeitos iguais, em direitos e obrigações,
como também viola os princípios jurídicos administrativos da proporcionalidade e da
razoabilidade.
530
Obtive esta explicação de modo informal, numa reunião de um grupo de oficiais superiores na sede da
Secretaria de Estado de Administração (SEAD), em março de 2016, quando fui designada pela Portaria
0514/2015-SEAD, publicada no Diário Oficial do Estado nº 32.977, de 23 de setembro de 2015, como
membro da Comissão Supervisora dos Concursos Públicos para o preenchimento de cargos de oficiais dos
Quadros de Saúde e Complementar, de oficiais combatentes e de formação de praças da PMPA.
531
BRAGA, George Luiz de Lima. Machismo jurídico: a violação do princípio constitucional da igualdade
ocasionada pela diferença na oferta de vagas para homens e mulheres nos quadros da Policia Militar do estado
do Pará. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo de Conhecimento, Ano 2, n. 1. p.777-790, jul, 2017.
205
Quando entrei na APM nós éramos muito exigidas. A compreensão que tenho é que
podíamos dar o nosso melhor, e fazer o melhor trabalho, e tirar as melhores notas, mas
mesmo assim, acho que duvidavam do nosso potencial, estavam sempre nos colocando a
prova. Suponho que isso era só pelo fato de sermos mulheres. Precisávamos sempre
provar que daríamos conta, que éramos competentes o suficiente para estarmos em meio
aos homens. (Verena, Cadete, 2008/10).
Às narrativas das três ex-cadetes da APM Fontoura: Ana Christina, Denise e Verena
resolvi incorporar parte dos relatos ex-comandante Rayol, quando rememora o desempenho de
cadetes mulheres de sua própria turma e de outras alunas das turmas em que ministrou a disciplina
de Treinamento Físico Militar, manifestando admiração, quanto ao desempenho das cadetes e por
apresentarem experiências exitosas no âmbito da APM Fontoura:
206
[...] Realmente as mulheres da minha turma, eram muito exigidas. No caso da Marley,
a Mariney e a Rosilene, que já vinham da vida militar, elas não cediam às dificuldades,
aceitavam as regras e, ao mesmo tempo, lutavam contra o que fosse necessário, por
exemplo, elas não aceitavam discriminação com elas próprias, mas sofriam sim
discriminação por serem mulheres... Só que elas foram ocupando o espaço,
conseguiram até o banheiro, reservado só pra elas. Foram somando suas
características de mulher e através disso foram conquistando o seu espaço. Mas acho
que as meninas, que vinham do mundo civil sentiram um pouco mais. Por exemplo,
tinha a (fulana)532, até pela própria voz que era a mais fina, penso que ela sentiu mais
dificuldade, quando a gente tinha que dar voz de comando. Mas ela se superou,
tornou-se uma excelente profissional, comandou Companhia de Polícia, inclusive
concluiu o seu tempo na farda, e já foi até para a reserva. (Rayol, Cadete, 1992/94 e
ex-comandante da APM).
Eu ressalto que todas as dificuldades que as mulheres da minha turma tiveram, elas
superaram, tanto no mundo acadêmico, quanto no estágio de selva, porque muita
gente da minha turma que dizia que elas não iam aguentar foram os primeiros que
não aguentaram, e elas se superaram. Por exemplo, para brincar com companheiro
que desmaiou e estava passando mal, Ana Christina pegou o fuzil e a mochila do
que estava encarnando nela e falou: ―Bora. Bora comigo‖. Elas se superaram
mesmo. Foram muito fortes. (Rayol, Cadete, 1992/94 e ex-comandante da APM).
532
Muito embora em sua narrativa, o entrevistado Rayol, mencione o nome da oficial a quem exemplificava a
situação de superação, achei por bem, ocultar seu nome na entrevista, para evitar possíveis constrangimentos.
207
Fontoura. (Tabela 8). Posteriormente, tanto a Polícia Militar do Amazonas quanto a do Piauí
passaram a formar seus próprios quadros de pessoal, à medida que criaram suas Academias. No
estado do Amazonas, a escola de oficiais passou a se chamar Academia de Polícia Militar Neper
da Silveira Alencar, e teve sua primeira turma com ingresso no ano de 2003, e o estado do Piauí
que inicialmente teve sua academia com sede na cidade de Parnaíba, denominada de Academia da
Polícia Militar do Piauí, posteriormente tornou-se Centro de Educação Profissional da PMPI.
Para a turma de primeiros cadetes provenientes do mundo civil, os oficiais da APM Cel.
Fontoura adotaram a dinâmica de se aplicar o adestramento intensivo da turma pioneira, com os
rituais e doutrinamentos praticados nas outras academias, por meio da inculcação de instruções
e disciplinas, a incorporação dos valores, códigos, normas, punições, práticas, atitudes e
comportamentos característicos dos militares, cujas primeiras turmas do CIFO, mais antigas na
APM e já adestradas, auxiliavam os instrutores na moldagem dos novos cadetes.
A nossa inspeção era feita por cadetes mais antigos, nessa época existia na academia as
turmas do CIFO (Curso Intensivo de Formação de Oficiais), [...] recordo que eles eram
convocados do NPOR ou CPOR, e faziam um curso de ‗adaptação‘ de poucos meses,
para se tornarem segundos-tenentes. Eu recordo que havia um grande conflito entre os
integrantes do CIFO e a minha turma, visto que a mentalidade daqueles oficiais era de
formação nas Forças Armadas, [...] e o resultado disso, era normalmente uma
perseguição salutar, para a formação do caráter e do brio policial e, consequentemente,
muitos pernoites, muitas licenças cassadas etc. (Ana Christina, Cadete, 1992/94).
Rayol também reconhece que desde a sua turma de cadetes em 1992, no decorrer das
turmas que foi instrutor de TFM, e até o momento que assumiu o comando da unidade acadêmica,
sempre houve muitas expectativas e um certo descrédito sobre o seu desempenho da aluna oficial
(mulher). A despeito disso, não via sentido na motivação daquele descrédito, porque as cadetes
sempre conseguiam desempenhar adequadamente as atividades, e algumas inclusive superavam-
se mais que os cadetes masculinos. Cita o caso da Cadete Ana Christina (sujeito nesta pesquisa) e
faz o relato sobre uma de suas alunas:
533
Estagio Operacional de Selva.
209
Entretanto, considerando que parte do segundo ano, para o terceiro da APM, torna-se
diminuído o grau de controle exercido sobre os cadetes, passo a denominar a APM como
―instituição totalizante‖ e não ―instituição total‖.
Para alcançar o enquadramento militar dos alunos oficiais, bem como a aproximação
da homogeneidade coletiva, criaram-se normas que regulam todos os aspectos do cotidiano na
Academia Cel. Fontoura. Tais normas são apresentadas no Manual do Aluno Oficial535,
versando sobre: atividades docentes, atividades discentes, deveres e direitos dos alunos,
atribuições do chefe de turma, conduta dos alunos durante as aulas, avaliação do ensino-
aprendizagem, rigorosa probidade na execução das avaliações, sanções disciplinares quanto
aos meios fraudulentos de avaliação, frequência e pontualidade, exclusão do curso,
reprovação, disciplina, hierarquia, punições disciplinares, uso do uniforme, uso da lavanderia
e da barbearia, atendimento médico e odontológico na Unidade de Formação Sanitária da
APM, recomendações sobre a higiene pessoal (banho diário, higiene bucal, unhas, cabelos,
534
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007.
535
PMPA. Portaria nº 027/2000 - Ato do Diretor de Ensino e Instrução (DEI).
210
Horários Atividades
05h30 Toque de alvorada, higiene pessoal, limpeza e arrumação do alojamento
07h00 Início do expediente, passagem de serviço
07h30 Instruções em sala de aula
13h00 Almoço - Horário livre,
15h00 2º expediente instruções em sala de aula
19h00 Jantar - Horário livre dentro da academia/ horário de estudo
21h00 Revista de recolher539
22h00 Silêncio
Fonte: PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188, de 4 out. 2017.
Manual do Aluno Oficial Policial Militar. p. 61-63.
536
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 218, de 22 de novembro de 2000. Manual do Aluno Oficial Policial
Militar. p. 1-25.
537
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 11.
538
. PMPA. Ibid. p. 61-63.
539
Em razão dos cursos da PMPA serem realizados em regime de dedicação exclusiva e tempo integral, o
código de ética e disciplina da corporação prevê que a regra seja que todos os alunos passem por uma revista
de recolher ao término das atividades diárias, antes do pernoite obrigatório na unidade de ensino, havendo,
contudo, exceções nas quais os alunos são dispensados da referida inspeção. Aditamento ao Boletim Geral
nº 188, de 4 de outubro de 2017. Manual do Aluno Oficial Policial Militar. p. 63.
211
Por esse rol de atividades descritas, nota-se que o uso do tempo dos cadetes, bem
como os espaços em que transitam na Academia passam a ser previamente estabelecidos,
previsíveis e totalmente administrados, ora pela equipe de oficiais do corpo de alunos, ora
pelo chefe de turma, ora pelos demais cadetes entre si. Na concepção de Goffman:
[...] quando fui comandante da academia, eu tentava que eles assimilassem em todo
tempo. Por que tenho que trocar meu uniforme de educação física em três minutos,
por sacanagem? Não! É porque quando a gente vai atender uma ocorrência, o
cidadão tem que ser atendido no menor tempo possível. E as vezes nesse menor
tempo, a gente pode salvar a vida de outras pessoas. Por isso que tem que ser rápido,
ter prontidão. Então se estou na viatura, e o CIOP me passa uma ocorrência, com
esse reflexo da academia, eu tento chegar o mais rápido possível. Muitos cidadãos
veem a viatura com a sirene ligada, correndo, cortando sinal e se pergunta: ―para que
isso?‖. Mas aquele policial está imbuído para chegar no menor tempo possível, o
tempo-resposta pode salvar vidas. As vezes é uma pessoa que está atirando na outra,
é uma briga de marido e mulher, de vizinhos, que pode evoluir para algo mais grave.
(Rayol, ex-comandante da APM).
540
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007. p.18.
541
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 40. ed. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.133.
542
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188 de 04 de out. de 2017. Manual do aluno oficial policial militar. p.56.
543
FOUCAULT, Michel. Ibid., p.133.
212
Para Celso Castro, há distinção notória acerca dos civis e dos militares. A mensagem
transmitida em âmbito da caserna, é de que os militares não são apenas diferentes dos civis,
como são também melhores. De acordo com essa visão, os paisanos em geral, são
preguiçosos, indisciplinados, e ocupados com seus próprios interesses, e que em
contrapartida, os militares seriam em geral disciplinados, ativos, respeitosos e preocupados
com a Pátria545.
―No início tive algumas dificuldades. Eu não tinha experiência militar. Naquela
época eu cursava o 3º ano de Engenharia Civil na UFPA, e trabalhava na divisão de
engenharia do Banpará. Dentro da Academia, não aceitava algumas coisas que eu
considerava arbitrárias. Tudo o que eu ouvia, eu filtrava. Passava pelo meu senso
crítico. Eu percebia a necessidade de assimilar rápido os regulamentos, as normas e
os sinais de respeito, mas tinha muitas críticas sobre as imposições. Eu não entendia
porque não podia questionar as ordens do superior. Cheguei a discordar das
condutas de alguns oficiais que não aceitavam contestação. Às vezes, a minha
ponderação tinha fundamento, mas eles não acatavam, apenas queriam ser
obedecidos‖. (Salim, cadete 1992).
544
CASTRO, Celso. Comemorando a “Revolução” de 1964: a memória histórica dos militares brasileiros. In:
FONTES, Edilza Joana Oliveira e BEZERRA NETO, José Maia. (Orgs.). Diálogos entre história, literatura
& Memória. Belém: Paka-Tatu, 2007. p.417.
545
CASTRO, Celso. Ibid., p.409-441
546
Para Celso Castro, o processo denominado de ―socialização profissional‖ se constrói no cotidiano das
unidades de ensino. CASTRO, Celso. O espírito militar: Um antropólogo na caserna. 2 ed. Rio de Janeiro-
RJ: Jorge Zahar, 2004.p.15.
547
CASTRO, Celso. Idem.
213
Na sala de aula, o aluno terá seu assento previamente estabelecido pelo número de sua
classificação, nisso já vai sendo apresentado a ordem de antiguidade e por conseguinte de
modernidade entre os alunos. As cadeiras da sala de aula, são arrumadas de modo a se
entender que na primeira cadeira da fileira do lado direito da sala, está o cadete 01, após ele o
02, e assim sucessivamente e que o ultimo aluno, na cadeira da fileira a esquerda da sala, é o
mais moderno.
548
Os nomes de guerra são convenções das organizações militares, e a escolha geralmente se faz como uma
prerrogativa dos oficiais da Unidade Escolar, evitando repetições de nomes, entre os cadetes. Na escolha do
nome de guerra, procura-se atentar também para a antiguidade ou ordem de classificação hierárquica, do
primeiro ao último colocado, e ao mesmo tempo, evitar as repetições dos nomes, por exemplo: J. Silva, M.
Silva, Tião Silva.
214
execução549, convoca o pelotão a colocar-se em pé, e apresenta-lhe550 a turma, para dar início
às instruções daquela matéria acadêmica e repassa-lhe as informações no tocante as alterações
ocorridas em sala de aula: faltas de alunos, se há alguém doente, dispensado, cumprindo
missão externa, se foi ao banheiro, etc.551
O cadete ao ser escalado como o xerife do dia, tem precedência funcional para com
seus demais colegas de turma, e de modo individualizado, um a um dos alunos, durante os
três anos da Academia, tem a oportunidade de exercer temporariamente, e algumas vezes, a
chefia do seu pelotão, tudo se torna parte da formação do futuro oficial e líder:
[...] as lições básicas de ordem unida, passam pela execução. Primeiro mês você só
iria executar, ‗sentido‘, ‗descansar‘, ‗ordinário marche‘, ‗cobrir‘. Depois vem a parte
de adaptação, e depois treino da voz de comando. Como ele vai comandar, como
falar. Por isso que cada dia tem um que é escalado para ser o xerife, ou aprender voz
de comando, para liderar a turma, porque o próprio nome da academia é ―Berço de
comandantes e lideres‖. Aprendíamos desde a falar de um tema que eles escolhiam,
por exemplo, falar dois minutos sobre o ‗nada‘. Aí você tinha que falar. Sorte que eu
tive aulas na faculdade de física sobre o nada e sabia falar, (risos) mas mesmo se
você não tinha noção, você tinha que falar, criar, (risos) ou seja, o policial militar
tem que saber improvisar, tem que aprender falar com o público, sobre o que
aparecer. De repente, os assuntos escolhidos não tinham a exigência serem muito
elaborados, era mesmo para quebrar a timidez, o gelo, para que a pessoa aprendesse
a lidar com vários assuntos e diferentes pessoas, para aprender a dialogar com o
público que futuramente ele viria a trabalhar. (Rayol, ex-comandante da APM)
549
‗Voz de execução‘ é a forma pela qual o líder ou o comandante de uma fração de tropa, ou o xerife de dia,
exprime verbalmente, de modo firme, claro e audível, o momento exato em que uma ação, ou o movimento
deve começar ou cessar.
550
Para a apresentação da turma, o procedimento do xerife, segue uma padronização peculiar, prevista no
manual do aluno policial militar, e é executada em alto e bom som, sendo dividido no mínimo em três
momentos. O primeiro, quando o xerife se dirige à turma convocando a ficar em pé, dizendo: ‗Atenção
turma‘. (Os alunos imediatamente se levantam e tomam posição de sentido. Segundo momento, o xerife
dirige-se ao instrutor/professor para a apresentação propriamente dita, dizendo por exemplo: ―Aluno, número
30, J. Pereira, do CFO 1º ano, xerife do pelotão Delta, apresento a turma, pronta para a instrução, com ou
sem alteração‖; em seguida, no terceiro momento, o instrutor pode dispensar outras formalidades, e
comandar ‗descansar‘ ou ‗turma a vontade‘. A partir desse momento, a turma é entregue à condução do
instrutor, para dar início a ministração da aula. Tal apresentação é baseada no Regulamento de Continências,
Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas.
551
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188 de 04 de out. de 2017. Manual do aluno oficial policial
militar.p.38-79.
215
O RUPM estabelece a padronização dos diversos tipos de uniformes, como devem ser
usados pelos policiais militares, o detalhamento das peças que os compõem, não permitindo
inovações ou invenções, quanto aos detalhes estilísticos dos fardamentos. O RUPM descreve
cada um dos elementos a ser utilizado na composição geral do uniforme: capacete, quepe,
gorro; camisa (tipo de gola ou de colarinho); camiseta, blusa; gravata; meias; luvas; sapatos,
coturnos553, botas, tênis; túnica ou gandola. Discorre ainda sobre as peças complementares,
como, agasalhos, capa impermeável, galocha para os serviços em dias de chuva; e a posição
para a colocação de medalhas, insígnias ou brevês554 no uniforme.
Dentre os diversos tipos de uniformes e ocasiões de uso, existem alguns que são para
os oficiais e outros, exclusivos para alunos oficiais, é o que passaremos a discorrer:
552
PMPA. Regulamento dos Uniformes da Polícia Militar do Pará. Decreto nº 9.521 de 08 de março de 1976.
553
Na Academia, para facilitar a rotina acadêmica do aluno, existe um espaço denominado de engraxataria, onde
o aluno pode utilizar para fazer a manutenção de seus sapatos e coturnos.
554
Brevês são espécies de condecorações ou distinções conferidas aos profissionais de Segurança Pública
quando aprovados em cursos, geralmente são afixados no uniforme, como forma de reconhecimento de seu
aprimoramento técnico, tático e/ou intelectual.
216
Sobre isso Goffman analisa que, nas instituições fechadas, são comuns a exigência
especifica de itens para os recém-admitidos, que ―o indivíduo precisa de um ‗estojo de
555
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188 de 04 de out. de 2017. Manual do aluno oficial policial militar. p.65
556
Idem, Manual do aluno oficial policial militar.p.65-67
557
Os itens desse Kit são: agulha, linha, graxa preta, escova para sapato, escova de dente (velha), óleo
desengripante e lubrificante, panos, escovas e cordel limpeza calibre 7,62.
558
Bloco de anotações pequeno, caneta esferográfica, lápis, borracha, fichário médio, resma de papel A4 e pendrive.
559
Creme dental, escova de dente, fio dental, sabonetes, espuma e aparelho de barbear, papel higiênico,
repelente, pomada para assaduras, talco antisséptico, desodorante e cortador de unhas.
560
Esparadrapo, antisséptico, curativo adesivo, gases, ataduras, analgésico, digestivo e anti-inflamatório.
561
Garrafa d‘agua, conjunto talher, bolsa padrão APM, pasta padrão APM, lanterna, canivete, óculos de
proteção, apito preto de qualidade e protetor auricular.
217
identidade‘, para o controle de sua aparência pessoal‖ e que não somente são cobrados de
obediência as regras, como também são programados para atender a rotina do estabelecimento,
vivenciando o enquadramento ou uma espécie de ―conformação‖ ou de ―programação‖.562
Celso Castro, ao analisar a Academia Militar das Agulhas Negras, esclarece que
existem denominações, no cotidiano da academia, usadas pelos próprios cadetes e, por vezes,
pelos oficiais, que são por natureza, informais. Tais denominações, contribuem para que se
manifeste a distinção hierárquica entre os alunos mais antigos, e os mais modernos.
Compreende-se a expressão ‗bicho‘ ou ‗peixe‘564 tratar-se de uma delas, para designar quem é o
novato, dentro do curso de formação ou o recém-admitido, em uma instituição total.
562
GOFFMAN, Erving Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007. p.26.
563
CASTRO, Celso. O espírito militar: Um antropólogo na caserna. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.30.
564
Em O espírito militar, Celso Castro, descreve que na AMAN, o novato é denominado de ―bicho‖ e como parte
dos trotes que recebem os tais novatos, eles realizam serviços que em nossa cultura são tradicionalmente
considerados inferiores, como: fazer faxina, passar o uniforme, engraxar coturnos, limpar a fivela do cinto, etc.
CASTRO, 2004. p.31. Já Erving Goffman, em Manicômios, prisões e conventos, observa que o recém-
admitido nas ‗instituições totais‘, passa a ser chamado de ―peixe‖ – o que segundo o autor, lhe coloca, da
mesma forma, em uma posição rebaixada nesse grupo. GOFFMAN, Erving Op. cit.,. p.27.
218
No caso da Academia Cel Fontoura, o aluno, ao ser aprovado no concurso, tão logo
seja convocado para dar início ao curso, é orientado a providenciar o seu enxoval, e
comparecer desde o primeiro dia, vestido com o referido traje, o qual não é considerado como
uniforme oficial propriamente, mas é o traje adotado por tradição nas escolas policiais
militares no Brasil, quer para os praças, quer para os alunos oficiais. Como esclarece Figueira:
565
‗Coluna‘ é o dispositivo de uma tropa, cujos elementos (homens, frações ou viaturas) estão uns atrás dos
outros seguidamente, guardando entre si uma distância regulamentar.
219
Goffman esclarece que nos processos de admissão, as ‗boas vindas‘ são desenvolvidas
como forma de iniciação à obediência, onde a equipe dirigente da instituição, deixa clara a
situação do novato566. Na fotografia em tela, observa-se a presença de dois instrutores
militares, que ao dar as boas-vindas ao pelotão, procura estabelecer o rito de passagem, do
mundo civil, ao mundo acadêmico militar, esclarecendo a situação do cadete, no tocante as
normas e regras, a serem observadas e obedecidas desde sua chegada à Academia.
Por sua vez, o ―bichofino‖, é o traje período básico propriamente, tem característica de
ser mais social que o de instrução. É composto de terno preto e gravata simples (masculino) e
blazer preto e gravata borboleta (feminino); blusa branca de algodão, de gola redonda, usada
por baixo da camisa de tecido tipo social, de manga curta e longa, também na cor branca,
calça social preta lisa, sem detalhes, cinto social preto, sapato preto de cadarço engraxável
(masculino) e sapato de salto mediano (feminino)567.
566
GOFFMAN, Erving Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007. p.26.
567
PMPA. Aditamento ao Boletim Geral nº 188, de 4 out. de 2017. Manual do aluno oficial policial militar. p.66.
220
Tal lógica proporciona que a turma faça uso do bichoforme ou bichofino até que os
cadetes estejam adaptados à condição de alunos oficiais e seguros quanto à decisão de
permanência na Academia policial militar. Caso fosse de outra forma, se o aluno tivesse
adquirido todos os fardamentos oficiais a partir do seu ingresso, estaria sujeito a gastar um
montante financeiro que, em situação de desistência, esses gastos seriam desperdiçados.
Além disso, o período anterior ao uso e gastos com uniforme, diante de tantos
cobranças, desafios e adestramento seria o momento para o cadete passar pela ‗peneira‘568
analisando a sua adequação ou não à carreira policial militar, se ele próprio tem a expectativa
de desenvolver o perfil profissional, para seguir vinculado ou não na profissão. Caso não se
identifique, solicitará por meio de requerimento, o seu desligamento da instituição.
568
Expressão utilizada por Celso Castro, para designar a permanência ou desistência dos cadetes no período de
adaptação, no tocante à vocação ou força de vontade para a carreira militar. CASTRO, Celso. O espírito
militar: Um antropólogo na caserna. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.19.
221
§ 2º- o cálculo das indenizações a que se refere o inciso II [...] será efetuado pela
organização policial militar encarregada das finanças da Polícia.
Havia revista do uniforme diariamente, tínhamos que estar impecáveis [...] fivelas,
coturnos, fardamento, cabelo, barba [...] nada em desalinho. (Silveira, Cadete, 1988).
Quanto ao nosso fardamento [...] éramos cobrados dos mesmos cuidados: sapato
engraxado, fivela lustrada, uniforme limpo e bem passado, fardamento com vincos,
etc. (Duarte, Aspirante a Oficial, 1992).
Vivíamos muito sob a influência das Forças Armadas. Nas disciplinas, no trato, nas
honrarias, nas datas cívicas, hinos, regulamentos, desfile, revistas, tudo [...] Inclusive
tínhamos revista do uniforme e do alojamento diariamente. (Edimar, Cadete, 1999).
569
A Lei nº 6.626, de 3 de fevereiro de 2004, dispõe sobre o ingresso na Polícia Militar no Pará. Artigos 35 e 36.
222
Outro cuidado que o cadete deve ter é de não sobrepor nenhum elemento ou mesmo
adereço (cordões, crucifixos, etc.) sobre o seu uniforme, como também deve atentar para usá-lo,
tal qual é descrito no RUPM, porque não lhe é permitido nenhuma adulteração. E no que se refere
às peças de metal, existentes no uniforme, cabe ao aluno oficial, a responsabilidade de realizar a
limpeza e dar o devido polimento à cada uma das peças, bem como aos seus calçados e coturnos.
O uniforme de gala do cadete na APM Cel. Fontoura recebe o apelido de ‗azulão ou azul
ferrete‘. Segundo João Paulo Vieira572 – idealizador do referido uniforme, este foi pensado com
uma conjugação de elementos, dos uniformes de outras Academias de Polícias, principalmente do
uniforme de alunos oficiais da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
570
―T1‖ é a sede social do Clube de Oficiais da Aeronáutica de Belém, cedido à Polícia Militar para a realização
do baile do espadim, dessa turma de cadetes.
571
Uniforme de instrução é composto de calça, gandola e camisa de meia por baixo da gandola, coturnos, gorro
e cinto de equipamentos, conforme o Regulamento de Uniformes da Polícia Militar.
572
Dados informados por João Paulo Vieira da Silva, o primeiro comandante da APM, em entrevista à pesquisadora.
223
Desta feita, o uniforme do cadete da APM Coronel Fontoura expressa o seu estilo
próprio, todavia, em alguns detalhes nos remete à ideia da realeza, analisadas por Castro573 no
uniforme da AMAN.
Celso Castro descreve que os uniformes dos cadetes da AMAN foram modificados por
José Pessoa, que os considerava ―pouco distintos dos uniformes dos soldados‖ e
―simbolicamente inexpressivos‖.576 Então, José Pessoa solicitou ao autor do álbum dos
uniformes do Exército, o artista plástico José Walsht Rodrigues que criasse um novo uniforme
aos cadetes e recomendou que a mudança não fosse uma simples combinação de peças, que
embora respeitando o caráter contemporâneo dos uniformes, restabelecesse ―os liames
históricos do Cadete da Escola Militar‖577.
573
CASTRO, Celso. Exército e nação: estudos sobre a história do exército brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2012.
p.123.
574
A Guerra do Prata (1851-1852), ou Guerra contra Oribe e Rosas, foi uma disputa ocorrida no século XIX entre o
Império brasileiro, a Confederação da Argentina e a República Oriental do Uruguai pela hegemonia na região do
Rio do Prata. Fez parte de uma série de confrontos por terras e poder que ocorreram desde o período colonial. O
episódio consolidou a influência do Império brasileiro na América do Sul e contribuiu para a permanência da
monarquia no país. Disponível em: http://www.historiabrasileira.com/brasil-imperio/guerra-do-prata. Acesso em:
10 nov. 2017.
575
CASTRO, Celso. Ibid., p. 43.
576
CASTRO, Celso. Exército e nação: estudos sobre a história do exército brasileiro. Rio de Janeiro-RJ: Editora
FGV, 2012. p.123
577
CASTRO, Celso. A invenção do Exército brasileiro. Série Descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro-RJ: Jorge
Zahar Ed, 2002. p.43.
224
Curiosamente, o uniforme de gala na cor azul ferrete, faz lembrar a descrição feita por
Gaia Farias578 sobre os primeiros uniformes do Exército na República, adotado pelo
regimento paraense para dar feições ainda mais militares à Força policial, guardando
semelhança com as organizações militares.579
Em sua entrevista, João Paulo Vieira da Silva, descreve que seu objetivo com a criação
do uniforme do cadete era fundamentar a representação da tradição e do espírito militar. Para
tal feito, buscou inspiração em vários uniformes de outras academias consolidadas, dentre as
quais, a principal teria sido a AMAN, cuja cor predominante do uniforme era o azul turquesa.
578
FARIAS, William Gaia. Policia Militar Paraense: Insubordinação, indisciplina e processo de fortalecimento
(1886-1897). Revista História e Perspectivas, Uberlândia v.49, p. 103-104, jul./dez.2013b.
579
FARIAS, Ibid., p.131.
225
por José Pessoa, e possibilitou pela combinação de vários elementos, que a APM Cel
Fontoura, fosse inserida e usufruísse com rapidez de um forte simbolismo e de um passado
tradicional, no momento em que a própria academia tinha acabado de ser criada. A isso, Eric
Hobsbawm e Terence Ranger vão denominar de ‗tradição inventada‘.580
O espadim tornou-se uma arma mais conhecida ao ser usada na cerimônia do casamento
de Nicolau II, filho do Czar Alexandre III, com a princesa Alix, neta da rainha Vitória da
Inglaterra. O uso do espadim era comum entre os jovens aristocratas europeus da época, filhos de
nobres vindos das Escolas Militares, tendo sido difundido nas demais escolas581:
Nossa solenidade do espadim foi um dia bem marcante. Pela simbologia do espadim –
foi lido pelo cerimonialista que o espadim simbolizava a arma dos príncipes. Além
disso, era a primeira vez que estávamos usando o uniforme azul ferrete, que é
especifico do cadete. E nossas famílias estavam ali reunidas, tudo ficou muito bonito.
(Formigosa, Cadete, 1999);
580
HOBSBAWM, Eric. RANGER, Terence (org). A invenção das tradições. 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago,
1984.p.9-23.
581
Manual do aluno oficial da APM Coronel Fontoura. Aditamento ao Boletim Geral. nº 218 de 22.nov.2000.
226
se por honra militar582, sendo o espadim a própria identidade do aluno oficial, representa a
dignidade do policial militar, condicionando-o a manter as tradições e o idealismo
profissional da corporação.
Tivemos solenidade do espadim durante o curso. Para mim que havia servido o
Exército brasileiro, e não tinha podido seguir carreira, era a realização de um sonho,
embora não fosse o Espadim de Duque de Caxias, mas era o Espadim de Fontoura,
também uma grande conquista. (Ênio, Cadete, 2008),
582
Espadim‘ é uma espada em escala reduzida. Seu uso é comum aos cadetes em academias militares, alunos dos
cursos de formação de oficiais. Por ser originária da rapieira, tem lâmina reta e não é cortante, ou seja, não tem fio.
583
CASTRO, Celso. Exército e nação: estudos sobre a história do exército brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2012.
p.123.
584
Celso. A invenção do Exército brasileiro. Série Descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p.9.
585
CASTRO, Ibid., p.48.
586
PARÁ, Decreto nº 1.240, de 27 de novembro de 1992, cria o Espadim Cel, Fontoura.
227
no decorrer dos três anos do curso, deve conduzi-lo com responsabilidade, orgulho e
galhardia, exprimindo sentimento de patriotismo, até a sua conclusão, quando obterá sua
promoção a aspirante a oficial e substituirá o espadim, pela espada de oficial.
O cadete em uma equipe ou em um pelotão, ele não pode pensar em si, ele tem que
pensar na equipe, por isso são divididos em pelotões, dando essa proximidade. Aí é
estimulada a concorrência entre os pelotões, de pelotão para o outro, quem é melhor,
quem faz uma canção melhor, quem faz a ordem unida melhor, quem marcha melhor
nos desfiles. Essa concorrência é sadia, é uma motivação para que eles procurem
melhorar, se superar sempre (Rayol, ex-comandante da APM).
Foucault esclarece qual seja o modo de proceder a disciplina no ato do desfile, com
precisão de gestos e movimentos, como uma maneira de ajustar os corpos dos soldados,
controlando por meio da homogeneidade da tropa, refere o autor: acostume-os ―a marchar por
fila ou em batalhão, a marchar na cadência do tambor. E para isso, começar com o pé direito,
a fim de que toda a tropa esteja levantando o mesmo pé, ao mesmo tempo‖588
587
HOBSBAWM, Eric. RANGER, Terence (Org). A invenção das tradições. 2. ed.. Rio de Janeiro: Imago, 1984. p.9.
588
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.129.
229
[...] O desfile militar cria um sentido de unidade, sendo seu ponto crítico a dramatização
da ideia de corporação nos gestos, vestes e verbalizações, que são sempre idênticos. No
dia da Pátria, assim, ficam separados autoridades e povo e, dentre as autoridades, aquelas
que detém e controlam o maior ou menor parcela de poder.590
Analiso que os desfiles militares são uma prática das organizações militares, que dão a
ideia de continuidade do passado, uma ‗tradição inventada‘. Revela-se como um cerimonial
relacionado a um evento histórico especifico e antigo.
Participávamos de tudo quanto era solenidade, até nas formaturas dos colegas
cadetes do segundo ano e do terceiro ano. Quando a gente vinha pra Belém, nós– os
cadetes paraenses, que estávamos nas Academias de outros estados, fazíamos
pelotão mistos para os desfiles, por exemplo, no dia 7 de setembro. Era muito bonito
e empolgante. E eu, devido a minha altura e porte físico, era muitas vezes o ‗testa‘
nas formaturas e nos desfiles. (Silveira, Cadete, 1988).
Participei de muitas solenidades. Nós éramos escalados para tudo. E pela minha
altura, eu era sempre guarda símbolo da APM, era o ―testa‖ 592 nos desfiles‖. (Dilson
Junior, Aspirante a Oficial, 1992).
As lembranças de Silveira e de Dílson Júnior são relatadas com certo tom de emoção,
empolgação e vaidade. Talvez porque para o cadete, o desfile militar em vias públicas, fora do
ambiente da Academia, traduz-se como recompensa do esforço aos muitos dias de exaustivos
treinos, porque geralmente os desfiles rendem aplausos do grande público, sem contar que
podem também render elogios, favorecendo ao cadete com acréscimos de alguns pontos em
sua nota de comportamento escolar.
589
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.118.
590
MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997. p.57
591
A Semana da Pátria é constituída pelas comemorações realizadas durante o Dia da Pátria e em dias
anteriores, as quais compreendem uma série de solenidades, inclusive palestras relativas ao fato histórico da
proclamação da independência política e ao desenvolvimento do Brasil. Dia da Pátria Regulamento Interno
de Serviços Gerais. Art. 345. Exército brasileiro, 2003. p. 100.
592
Testa é o primeiro elemento ou indivíduo na formação por coluna.
230
E, no caso dos cadetes de maior estatura, por serem posicionados à frente, são os que
‗puxam‘ o pelotão ou que levam as bandeiras, que ficam em destaque como porta-símbolo da
unidade escolar. Essas posições de maior evidência lhes enchem de orgulho.
Roberto Da Matta593 analisa que o desfile militar é, por tradição, um ritual que acontece
no período diurno, sendo realizado em espaços bem demarcados, cujo ponto central é a parada
militar. Para o evento, é preparada uma avenida por onde devem passar os participantes do ritual,
em que o povo deve ficar como assistente, e geralmente é construído um palanque alto como local
de destaque destinado às autoridades municipais, estaduais e federais.
Desse modo, há uma nítida separação entre o povo, as autoridades (que assistem ao
desfile, mas para as quais o desfile é realizado) e os militares que desfilam. Realmente, o
ponto focal do desfile do Dia da Pátria é a passagem pelo local sacralizado, onde se
presta continência às mais altas autoridades constituídas. O povo faz o papel de
assistente, e, junto com os soldados, prestigia o ato de solidariedade e de respeito às
autoridades e aos símbolos nacionais (a bandeira e as armas da República), por meio do
sinal paradigmático da continência. A forma assumida desse gesto é uma parada militar,
termo que, em português, vem do verbo parar e que tem alto conteúdo simbólico.594
A organização do rito histórico, como parte da tradição inventada, cabe aos poderes
constituídos e legitimada por meio de decreto e instrumentos legais em que reforça a ideia que as
Forças Armadas são corporações perpétuas e legitimamente representativas do poder nacional.
[...] De fato, o desfile militar (e desfilar é andar em fila) aponta simbolicamente para
um congelamento ou uma ―parada‖ da estrutura social, e não poderia ser de outro
modo. Isso porque as corporações desfilam seguindo uma rigorosa ordem interna
(com os oficiais na frente, acompanhando a bandeira da corporação e da bandeira
nacional) e uma rigorosa ordem de desfile. A cerimônia segue, pois, atualizando
em todos os níveis as distinções hierárquicas, estando organizada numa cadeia de
comandos que vai das autoridades civis e militares, isoladas no palanque (as
autoridades que recebem, com a bandeira, as saudações ou continência), para as
tropas que desfilam (ordenada segundo sua hierarquia interna), até o povo que
participa da solenidade como assistente595.
593
DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio
de Janeiro: Rocco, 1997.
594
DA MATTA, Roberto. Ibid., p. 57.
595
DA MATTA, Idem.
231
A ‗Presidente Vargas‘ por sua localização, faz limite com os bairros de Batista
Campos, Nazaré, Campina e Reduto, bairros esses que em um curto espaço de tempo,
adquiriram destaque por sua característica de modernidade e em virtude de sua ocupação
pelos segmentos de maior poder aquisitivo da sociedade.598
596
CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. 2. ed. Belém: CEJUP, 1992. P.84
597
PENTEADO, Antônio Rocha. Belém do Pará - Primeiros Estudos. Estudo de Geografia Urbana. Belém:
Edufpa, 1968. p.181.
598
ANDRADE, Rubens de; TÂNGAR, Vera Regina. A Praça da República e seus aspectos morfológicos no
desenho da paisagem de Belém. Paisagem Ambiente ensaios, São Paulo, n. 16, p. 43-68, 2002.
599
CRUZ, Ibid., p.119.
600
DIAS JUNIOR, José do Espírito Santo. Entre Cabarés e Gafieiras: um estudo das representações boemias
em Belém (1950 a 1980). Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo. 2013, p. 71.
232
Por sua importância como via pública, na representatividade como espaço social de
destaque no cenário urbano da cidade, a Avenida Presidente Vargas tradicionalmente tem sido
reservada para os eventos solenes cívico-militares, onde comparecem pessoas de todas as
classes sociais, e os participantes são remetidos à especificidade da história do Brasil. 601
Fica elogiado pelo comandante da APM, por ter demonstrado garbo, vibração,
marcialidade, excelente apresentação individual e galhardia durante o desfile militar
do dia 07/set/1992, consagrado à Independência do Brasil, arrancando aplausos
calorosos do público assistente que lotava a Av. Presidente Vargas, e mais do que
isso, provocou inúmeros e dignificantes elogios das autoridades civis e militares
presentes. É com muito orgulho e felicidade, que elogio o referido cadete, fazendo
votos que em qualquer evento em que a APM Cel Fontoura tenha que ser
representada, seja feita da mesma significativa forma. 602
Como referimos antes, os elogios servem também como reforçadores na carreira policial
militar, fundamentado na Psicologia behaviorista-comportamental e, nesses casos, reforçadores
positivos, como garantem Kirsch e Mizukami, pois fortalecem o comportamento apreciado,
considerando-o adequado, motivando publicamente para que o aluno continue na carreira militar,
e sirva de modelo a outros. O elogio destinado ao aluno oficial configura-se como uma estratégia
de ensino-aprendizagem, dentro e fora da Academia, que é atribuído pelo comandante ou instrutor
para reforçar a conduta do aluno/policial, no sentido de se manter disciplinado e comprometido
com seus estudos, elevando o nome da instituição, servindo de inspiração aos demais.
601
DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6. ed. Rio
de Janeiro: Rocco, 1997. p.55.
602
Livro de acompanhamento dos alunos do Curso Intensivo de Oficiais. Corpo de Cadetes/Aspirantes, 1992. p.7.
233
Ao ser estabelecido esse dia, o Corpo de Alunos da Academia, permite que o cadete
usufrua de algumas prerrogativas, repassando-lhe atribuições de maior confiança e são
evitadas algumas cobranças, por considerarem que a ‗forja‘ e o adestramento já estão quase
603
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva,2007.
234
concluídos. Mas, alguns cadetes mostram estar fadigados das várias cobranças, e que já estão
ansiosos para que o curso finalize.
Quando chegou o dia da formatura minha família estava toda reunida, meu pai,
minha mãe e minha irmã. Eu já desejava me formar e sair da academia. (Denise,
Cadete, 1994).
Nossa solenidade das espadas, no término do curso também foi muito significativa –
existiam solenidades aonde as espadas eram emprestadas, e havia uma encarnação
dos oficiais da AMAN, de carreira, sobre essa espada devolvida, como se fosse só
uma brincadeira, porque o formando a recebia em um dia, e no dia seguinte devolvia
[...] então levei isso a ferro e fogo, quando chegou minha vez na APM, eu comprei
logo minha espada, porque aquele era o nosso símbolo legitimo do oficialato, eu
queria ter a minha espada, não ia dar margem pra que fosse considerado uma
brincadeira. (Formigosa, Cadete, 1999).
Mas quando chegou o final do CFO, embora eu tivesse me saído muito bem, na
classificação geral do curso, eu já tinha ansiedade que acabasse logo, já queria ser
aspirante. (Salim, Cadete, 1992).
Por meio do rito da passagem efetiva, para o novo círculo de aspirante a oficial, a
turma de cadetes, distribuída em pelotões, entra no pátio desfilando, realiza várias evoluções
peculiares aos desfiles militares, até que se desfaçam os pelotões e os cadetes se tornem
enfileirados numa única coluna, e cada um em seu tempo, solenemente, vai devolvendo o
espadim (Figuras 27 a 29).
235
Nossa formatura foi muito bonita. Estavam presentes minha mãe e meu tio. Me
lembro até quem presidia a solenidade, foi o Ministro da Justiça da época, Jarbas
Passarinho604 e por ele ser paraense, fez uma citação no seu discurso dizendo ―aos
cadetes meus conterrâneos. [...] Éramos naquela ocasião sete formandos do Pará que
estávamos cursando academia em Minas Gerais: o Roberto Campos, o Julimar,
Pinheiro, Bacelar, F. Gibson - meu primo, e eu. (Leonardo, Cadete, 1988).
604
Jarbas Passarinho, general do Exército; foi governador do Pará, por três vezes Senador da Republica, três
vezes ministro do Estado, e na ocasião da citada solenidade era Ministro da Justiça.
236
Já tendo sido declarado aspirante a oficial605, o primeiro classificado volta ao seu lugar
de origem no pelotão. E em ato contínuo, o cerimonialista convida a todos os padrinhos,
madrinhas e familiares a realizar a entrega das espadas aos demais concluintes do Curso de
Formação de Oficiais.
Ressalto que a espada – símbolo do oficialato – embora não seja ostentada no fardamento
diário e nem nas atividades rotineiras, traz gravada em sua lâmina, uma importante mensagem, a
ser memorizada pelo oficial, a qual expressa o real propósito do serviço policial militar: “Pro-lege
vigilanda” ou seja ―para serem vigilantes da Lei‖ (Figura 30).
605
O aspirante a oficial exerce as funções inerentes aos oficiais subalternos, com atribuições e deveres
semelhantes, respeitando-se as restrições, os regulamentos e instruções específicas previstas em leis. As
competências dos aspirantes a oficial e dos oficiais subalternos são descritas no Regulamento Interno e dos
Serviços Gerais (RISG). Brasília-DF: Ministério do Exército, 2003. p.44.
237
Nesse momento solene, também são identificados os três concluintes que mais se
destacaram nos estudos, e desses, o primeiro colocado, para o recebimento da medalha
Ferreira Coelho. Finalizando este capítulo, apresento a classificação dos três primeiros
colocados da turma de 1992/94 (Quadro 6), que por sua representatividade para a corporação,
recebeu o codinome de “A pioneira da Amazônia” a partir da qual se iniciou o curso de
formação de oficial em caráter regular.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da Divisão de Ensino da APM.
606
A formatura da turma ―Pioneira da Amazônia‖ foi realizada em 12 de dezembro de 1994.
607
Nessa 1ª turma regular de CFO, equivalente a 3ª turma formada na Academia de Fontoura, o 1º colocado foi
o aspirante a oficial Reginaldo Brito de Miranda, do estado do Amapá, o qual, por sua classificação, deveria
receber a medalha Ferreira Coelho, destinada ao primeiro colocado por dedicação aos estudos. Nesse caso,
por se tratar de um aluno ―estrangeiro‖ – policial militar de uma coirmã, a medalha foi designada à 2ª
colocada, aspirante a oficial Mariney Santos Almeida, por ser do estado do Pará. Anos mais tarde, com o
falecimento da referida oficial, a antiguidade da turma de aspirante 1994, foi atribuída ao oficial Simão Salim
Júnior, um dos nossos interlocutores desta pesquisa.
238
CAPÍTULO 4
[...] Ninguém pode prescindir do passado. Mas olhar para trás exige entender os fatos
pretéritos como oportunidade de preservar a memória e evoluir as ideias.
[...] Não nos prendemos no passado, voltamo-nos para o futuro – afinal, cada vez que
entramos no rio histórico do tempo, outras são as águas que tocamos. E, assim, em que
pese o fato de sermos vencedores, não desmerecemos os vencidos. [...] Quando
erguemos monumentos, só o fazemos para pensar profundamente a História, nunca para
menosprezar oponentes ou para atiçar discórdia. Sabemos que edificar o amanhã
significa semear terras férteis, jamais despertar fantasmas. É isso que nos mantem acima
das ideologias, das desavenças e dos ressentimentos.608
608
CASTRO, Celso. Comemorando a ―Revolução‖ de 1964: a memória histórica dos militares brasileiros. In:
FONTES, Edilza Joana de Oliveira e BEZERRA NETO, José Maia. (Orgs.) Diálogos entre história,
literatura &memoria. Belém. Paka-Tatu, 2007. p.409 -441.
609
Trecho do pronunciamento do governador Almir Gabriel, gravado em Belém, dia 23/4/1999. In: OLIVEIRA,
Alfredo. Almir Gabriel: trajetória e pensamento. Belém: Delta, 2002. p.455.
239
de ‗desmilitarização‘ para o caso da Polícia Militar610. Qual fosse a solução admitida, havia
sobre ela, o depositário de incontáveis desafios.
Sergio Adorno, analisa o início de tal reforma, a partir da política de segurança pública
implementada nos dois períodos do governo de Fernando Henrique Cardoso. No primeiro
período (1995-1998), sua proposta de governo se intitulava ―mãos à obra‖, e estabelecia
iniciativas de gestão, cujo impactos objetivavam alcançar o campo dos direitos humanos.
610
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. O futuro de uma ilusão: o sonho de uma nova polícia. Textos
Fundamentais de Polícia. Coleção Polícia Amanhã. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia; Freitas
Bastos Editora, 2001.
611
PARÁ. Secretaria de Segurança Pública. Integração: uma opção para a Segurança Pública, setembro, 1999.
612
ADORNO, Sergio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. Tempo Social: Revista de
Sociologia da USP, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 129-153, out. 1999.
240
[...] um programa que insistia em lei e ordem [...] reafirmando o respeito aos princípios
constitucionais, [...] o fortalecimento das agências próprias do Sistema de Segurança e
Justiça, dispensando o recurso às Forças Armadas somente em caso extremo [...] um
trabalho a ser desenvolvido sem concessões à truculência, mas com firmeza.615
[...] foi uma época em que segmentos corruptos da polícia, conhecidos como grupos
de extermínio, compostos principalmente por membros da PM (embora não
exclusivamente), ‗eliminavam‘ indivíduos e grupos de forma rotineira, incluindo
massacres que ganharam fama internacional, como o dos meninos em situação de
rua em frente à Igreja da Candelária e a morte de 21 pessoas inocentes na favela
Vigário Geral no Rio de Janeiro, em 1993.618
613
ADORNO, Sergio. Políticas Públicas de Segurança e Justiça Penal. Cadernos Adenauer, IX, n. 4.
Segurança Pública. Rio de Janeiro, 2008. p.15.
614
ADORNO, S. Idem.
615
ADORNO, Sergio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. Tempo Social: Revista de
Sociologia da USP. São Paulo, v. 11,º 2. out. 1999. p. 130.
616
ADORNO, S. Ibid, 1999. p.131.
617
O episódio que ficou conhecido como ‗massacre do Carandiru‘ ocorreu em 2 de outubro de 1992, na Casa de
Detenção de São Paulo, após a intervenção do Batalhão de Choque da Polícia Militar daquele estado, para
conter uma rebelião entre os presidiários, que redundou na morte de 111 detentos.
618
LEEDS, Elizabeth. Agentes de mudança em instituições resistentes: Nazareth Cerqueira e o desafio da
Reforma da Segurança no Brasil. In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO, Samira. (Orgs.) Polícia e
Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. 1. ed. São Paulo- SP: Alameda, 2015. p.23 .
241
E no Pará, o caso de Eldorado de Carajás, 619 cuja a atuação policial militar paraense
foi considerada tenebrosa, mas que, todavia, conforme relato do próprio secretário de
Segurança Pública do Pará - Paulo Sette Câmara, não deveria ter tido tal desfecho:
[...] Até aquele fatídico episódio a gestão da segurança pública no Pará estava indo
muito bem. Atendendo às diretrizes do governador, conforme o programa de
governo, mudamos radicalmente a atuação da área de segurança para lidar com os
conflitos fundiários e as questões sociais em geral. Em todos os procedimentos
ligados a questões fundiárias, o ITERPA620 e o INCRA621 foram instados a buscar
alternativas para os invasores622. Paralelamente eram realizados contatos com
lideranças em busca de saídas negociadas para evitar confrontos. [...] Ao mesmo
tempo, a secretaria buscava transparência das operações para que a sociedade
pudesse avaliar o desempenho do sistema de segurança pública- a imprensa, em
todos os episódios, teve a mais ampla liberdade de cobertura.
A partir do esvaziamento de Serra Pelada e do enorme fluxo de migrantes do
Nordeste, em especial do Maranhão, pela ferrovia Vale do Rio Doce, para a região
de Carajás, foi criado um clima propicio para tensões sociais623. Já no início daquela
década surgiram os primeiros conflitos no ―Cinturão Verde‖ da Vale e em 1994, os
sem-terra já haviam ocupado por mais de seis meses a regional do Incra de Marabá.
[...] foram feitas inúmeras reuniões administrativas para resolver ou contornar as
crises. [...] Em um dos deslocamentos os manifestantes do MST armados ficaram
frente a frente com a tropa do Exército que se movimentava no sentido oposto.
Ambos cederam espaço e não houve incidentes.
Em dezembro (1995) novamente a mesma rodovia (rodovia PA 275) foi bloqueada e
mais uma vez foi liberada com a intermediação da PM.
Já em março de 1996, houve uma tentativa de invasão da fazenda Macaxeira. A ação
foi obstada pela negociação de um prazo para a solução do impasse, realizada com a
participação da Polícia Militar que levou equipe médica e alimentação para os
invasores. [...] Em seguida, os sem-terra iniciaram a marcha para Marabá com
alternadas interdições da rodovia PA-275, passando por Eldorado de Carajás sem
registros de incidentes e sempre acompanhados pela PM. No dia 16, já confirmado
o encontro dos líderes com o superintendente regional do Incra, no escritório de
Marabá, o MST no início da tarde, inexplicavelmente promoveu a interdição da PA-
619
Episódio ocorrido no dia 17 de abril de 1996, no Km 96 da rodovia estadual PA-150, em operação policial
que resultou na morte de 19 trabalhadores rurais sem-terra, e cerca de 70 feridos, quando da desapropriação
da Fazenda Macaxeira, nas imediações do município de Eldorado do Carajás, no Pará. Ressalto que ainda em
1994, esse município era conhecido como um dos municípios mais violentos do Estado, em virtude de
intensos conflitos agrários que já se estendiam naquela época, para mais de uma década. Ver: COSTA,
Luciana Miranda. Discurso e Conflito: Dez anos de disputa pela terra em Eldorado do Carajás. Belém:
UFPA/NAEA, 1999 ; BARRETO JUNIOR, Jésus Trindade. ―Não foi fácil quebrar barreiras‖: entrevista com
Paulo Sette Câmara. Relato sobre Eldorado do Carajás. In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO, Samira.
(Orgs.). Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. 1. ed. São Paulo: Alameda, 2015.
p.92-97
620
Instituto de Terras do Estado do Pará – autarquia estadual, responsável pela execução da política agrária
621
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária é uma autarquia federal da administração pública
brasileira
622
As expressões ―invasores‖, ―grileiros‖, ―posseiros‖, são geralmente utilizadas por agentes públicos para
designar a ―pessoa que entra na terra de outrem‖. Entretanto, em geral, o trabalhador rural não se reconhece
como invasor, se autodeclara como ―ocupante‖ de terra improdutiva.
623
Os conflitos agrários e fundiários no município paraense de Eldorado de Carajás, são analisados
pormenorizadamente pela pesquisadora Luciana Miranda Costa, em seu livro, Discurso e Conflito: Dez anos
de disputa pela terra em Eldorado do Carajás. Belém: UFPA/NAEA, 1999, a qual analisa a partir das
relações políticas e sociais dos agentes envolvidos nos conflitos, na qual as forças no campo político foram se
alterando, em virtude do surgimento de novos personagens (sindicatos, trabalhadores rurais, fazendeiros,
madeireiras).
242
Por conta desse cenário adverso, a concepção de reforma nas instituições de segurança
pública que mobilizava o governo paraense, perpassava fundamentalmente pela política de
integração. Entretanto, pela complexidade e peculiaridades da segurança pública, o governo
requisitou a necessária a participação da sociedade civil organizada.
624
Trecho da entrevista de Paulo Sette Câmara. Relato sobre Eldorado dos Carajás. In: LIMA, Renato Sergio
de; BUENO, Samira. (Orgs.). Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. 1. ed. São
Paulo: Alameda, 2015. p.92-96
625
CONSEP, criado em 2 de fevereiro de 1996.
626
A Ouvidoria passou a existir, de fato, em junho de 1997, como o órgão de controle externo, de proposição ao
Sistema de Segurança, e se constituiu num importante instrumento para a reconquista da confiança da
população nas instituições de Segurança Pública, à medida que o cidadão, no exercício de seus direitos e
deveres, era estimulado a denunciar as violações perpetradas pelos agentes da segurança pública.
627
Rosa Marga Rothe – Antropóloga e pastora luterana, foi a primeira ouvidora do Sistema de Segurança Pública
do Pará, também foi uma das fundadoras da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, tendo se
destacado na defesa dos direitos humanos, principalmente durante a época da ditadura militar no país.
243
aos poucos o clima foi amainando. E foi assim que conseguimos desenvolver o
processo de integração operacional até o limite que a legislação permitia. 628
628
BARRETO JUNIOR, Jésus Trindade. ―Não foi fácil quebrar barreiras‖: entrevista com Paulo Sette Câmara.
In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO, Samira. (Orgs.). Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e
esperanças. 1. ed. São Paulo: Alameda, 2015. p. 87.
629
As Zonas de Policiamento (ZPOLs) foram criadas ano final de 1998, pela Portaria nº 104, de 17 de dezembro
de 1998, como uma nova estratégia de policiamento ostensivo para a Região Metropolitana de Belém,
recebendo a atribuição de fazer a cobertura geográfica compatível com o de uma companhia da Polícia
Militar. BG nº 242, de 24 de dezembro de 1999.
630
BARRETO JUNIOR, Jésus Trindade. ―Não foi fácil quebrar barreiras‖: entrevista com Paulo Sette Câmara.
In: LIMA, Renato Sergio de; BUENO, Samira. (Orgs.). Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e
esperanças. 1. ed. São Paulo: Alameda, 2015. p.87.
631
OLIVEIRA NETO, Sandoval Bittencourt de. Vinho Velho em Odres Novos: uma análise da experiência de
integração da Segurança Pública no Pará (1995-2004). Dissertação (Mestrado em Sociologia e
Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
632
OLIVEIRA NETO, Ibid,, 2004. p.7.
244
Nos últimos anos o governo do Pará investiu em projetos pioneiros no País, no que
se refere à segurança pública. O principal deles foi a integração de alguns setores.
Vamos continuar esse espírito de integração entre todas as instituições que
constituem a Segurança Pública. A integração não deve se restringir apenas às
atividades operacionais, mas também nas atividades de formação. O Trabalho deve
ser desenvolvido em conjunto especialmente pelas Polícia Militar , Policia Civil e
Corpo de Bombeiros. Esses segmentos devem agir de forma integrada nas operações
que envolvem a segurança dos paraenses. 634 (grifos nosso)
633
O COMEN órgão componente do Sistema de Segurança Pública, cujo objetivo é integrar as estratégias
estatais de segurança pública na Região Norte. Foi criado pela iniciativa do Ex-Ministro de Estado da Justiça,
Nelson Jobim. Sua atuação introduziu na Segurança Pública, uma nova forma de combate à criminalidade
interestadual, através da integração das forças policiais da União e dos Estados, na persecução dos mesmos
ideais e objetivos. São integrantes do COMEN, os Estados que integram a Região do Meio Norte brasileiro:
Amapá, Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins. O COMEN é fruto de um pacto federativo criado pela Resolução
Intergovernamental Nº 01, de 15 de janeiro de 1997, cuja missão é o efetivo compromisso de combate à
criminalidade ―além fronteiras‖.
634
Pronunciamento do Secretário Executivo de Segurança Pública do Pará, Ivanildo Alves, registrado no
informativo oficial do Clube dos Oficiais da PMPA: ―COPM em Revista‖, 2000. p. 29.
635
Constituição do Estado do Pará, 05 de out.1989. Editora CEJUP. Art.193 – 198. p.84.
245
social, como parte das modificações requeridas para o melhoramento na atuação dos agentes,
sobretudo com a finalidade de fortalecer o compromisso das instituições de segurança pública
paraense, com suas missões constitucionais específicas.
E, no caso da integração para a área de formação-ensino dos agentes, surgiu como uma
iniciativa que justificava de criação do IESP, e consubstanciava o abandono do modelo tradicional
desagregador e repressivo de policiamento do Estado, possibilitando que a população paraense fosse
legitimamente a principal destinatária dos serviços prestados por seus agentes estaduais:
Mas, segundo Adorno, foi no campo dos direitos humanos associado à segurança
pública que as iniciativas governamentais ganharam maior notoriedade, bem como maior
aceitabilidade por parte da população e da classe política, porque parte das inúmeras medidas
adotadas, manifestavam a parceria do estado com a sociedade civil639.
636
Informativo oficial do IESP Pará - Sistema de Segurança Pública do Estado do Pará.
637
OLIVEIRA NETO, Sandoval Bittencourt de. Vinho Velho em Odres Novos: uma análise da experiência de
integração da Segurança Pública no Pará (1995-2004). Dissertação (Mestrado em Sociologia e
Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. p.7.
638
BRASIL, Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH/Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República. Brasília: SEDH/PR, 2010. p.274-288.
639
ADORNO, Sergio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. Tempo Social: Revista de
Sociologia da USP. São Paulo-SP, v. 11 nº 2. out. 1999. p.145.
247
Adorno analisa que quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o seu
primeiro mandato (2003-2006), também investiu em lei e ordem, pouco alterando os
propósitos da política de segurança, assumindo medidas não muito distintas do governo de
seu antecessor - Fernando Henrique. Todavia, o autor analisa que Lula procurou superar o que
lhe parecia em descompasso no governo de Fernando Henrique, que se revelava com elevada
capacidade propositiva, entretanto, com baixa capacidade de execução645.
640
MESQUITA NETO, Paulo de. Segurança, Justiça e Direitos Humanos no Brasil. In: LIMA, R.S; PAULA, L.
(Orgs.). Segurança Pública e Violência: O Estado está cumprindo seu papel? São Paulo: Contexto, 2008. p.59.
641
Pela Lei n° 9.437/97 foi igualmente criado o Sistema Nacional de Armas - SINARM.
642
ADORNO, Sergio. Idem. 1999. p.144.
643
Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública.
644
PASSOS, Sônia da Costa. Políticas Públicas educacionais a dinâmica entre o ideal e o real: um estudo
sociológico sobre o reflexo da Formação de Oficiais da PMPA no cotidiano operacional, no período de 1998
a 2014. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. p. 44.
645
ADORNO, Sérgio. Políticas Públicas de Segurança e Justiça Penal. Cadernos Adenauer IX, n.4. Segurança
Pública. Rio de Janeiro, 2008. p.16.
248
646
ADORNO, Idem.
647
ADORNO, Idem.
648
Fundação Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa, é uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos,
que tem como objetivo apoiar o desenvolvimento científico, social e tecnológico da Amazônia. Atua como
gerenciadora de recursos nas mais variadas áreas do conhecimento. Criada em 1977 para dar suporte às
atividades da Universidade Federal do Pará (UFPA), é, hoje, é um dos grandes agentes estratégicos da região
Norte, para o desenvolvimento institucional e para a prestação de serviços técnicos especializados, como a
execução de concursos públicos. (http://www.portalfadesp.org.br/)
249
649
Dados de 2002 da SENASP, revelavam que menos de 20% da população brasileira reconhecia que a polícia
fazia um bom trabalho.1ª Conferência Nacional de Segurança Pública. Brasília-DF. Ministério da Justiça.
Brasília, 2009. p.27.
650
FROTA, Francisco Horácio da Silva et al. PROTEJO e Mulheres da Paz: experiência de ação preventiva na
Segurança Pública. In: LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro et al. (Org.) Pensando a Segurança Pública:
Avaliações, diagnósticos e análises de ações, programas e projetos em segurança pública. Brasília-DF:
Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça. Brasília, 2014. p.151-186.
651
Em julho de 2009, estivemos reunidos em Brasília-DF, um representante de cada estado brasileiro, das
instituições Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Federal e Secretaria de Estado
de Direitos Humanos, para a elaboração do documento e, consubstanciar as Diretrizes do Projeto Qualidade
de Vida, sob a Coordenação do DEPAID/SENASP/MJ. BRASIL. Projeto Qualidade de Vida Valorizando o
profissional de Segurança Pública. Instrução Normativa, 2009.
250
652
FROTA, Francisco Horácio da Silva et al. PROTEJO e Mulheres da Paz: experiência de ação preventiva na
Segurança Pública. In: LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro et al. (Org.) Pensando a Segurança Pública:
Avaliações, diagnósticos e análises de ações, programas e projetos em segurança pública. Brasília-DF:
Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça. Brasília, 2014. p.154.
653
Vocábulo usado com o sentido reducionista do termo, para designar que o policial militar não deveria ter crítica,
não deveria ter vontade, nem ter direitos, apenas ‗servia para servir‘, para cumprir ordens e obrigações.
654
VIEIRA, Liszt. Notas sobre o conceito de cidadania. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências
Sociais, São Paulo, n.51, p. 35-47, jan.-jun. 2001.
655
MARSHALL, Thomas H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p.64.
656
A RENAESP teve seu início em 2005, com o lançamento do primeiro edital de credenciamento para IES de
todo o Brasil, quer fossem elas públicas ou privadas. O 1º edital que se configurou no projeto piloto, foi
realizado pela Universidade Federal da Bahia, a qual preparou a primeira turma de pós-graduação em
Segurança Pública, pautada na Matriz Curricular Nacional para a formação de profissionais de Segurança
Pública, com investimentos do governo federal.
251
Tais resultados nos possibilitam a compreensão da enorme conquista revelada por essa
iniciativa do governo federal, pelo fato de congregar no mesmo espaço acadêmico de uma
IES, alunos de diferentes instituições que integram a segurança pública, de diferentes postos
ou graus hierárquicos, de diferentes visões, em torno de um debate argumentativo sobre
temáticas a que estão implicados, como servidores da área de segurança pública.
Possivelmente, a aproximação desses diferentes atores, sociedade civil, academia,
profissionais da segurança pública, promoveu a quebra de paradigmas entre eles, possibilitou
a superação de estereótipos, troca de conhecimentos, além de fomentar o desenvolvimento de
uma melhor formação, capacitação e consequentemente atuação na área.
657
PINTO, Naylane Mendonça et al. Cursos de pós-graduação em Segurança Pública e a construção da
RENAESP como Política Pública: considerações sobre seus efeitos a partir de diferentes olhares. In: LIMA,
Cristiane do Socorro Loureiro et al. (Org.). Pensando a Segurança Pública: avaliações, diagnósticos e
análises de ações, programas e projetos em Segurança Pública. Brasília-DF: Secretaria Nacional de
Segurança Pública/Ministério da Justiça. 2014. p.225-259.
658
LIMA, Renato Sergio et al. Avaliação de resultados da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança
Pública – RENAESP. In: LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro. Op cit., p.187-223.
659
REMÉDIOS, Marco Antonio Rocha dos. A formação policial militar em contextos multiculturais:
contribuição da Segurança Pública para a defesa, segurança e desenvolvimentos nacionais. Monografia
(urso de Altos Estudos de Políticas e Estratégias) – Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 2016.
252
Por suas articulações do IESP era reconhecido como um órgão potencialmente, inovador.
Foi concebido e estruturado inicialmente aos moldes de um núcleo universitário, com autonomia
disciplinar, didática, e científica, com o intuito de realizar a formação e qualificação dos
servidores, responsáveis legais pelas atividades de segurança e proteção dos cidadãos, porém, com
subordinação administrativo-financeira da Secretaria Executiva de Segurança Pública do
Estado.661
Dilma Rousseff deu continuidade a alguns programas iniciados Lula, dentre eles o
PRONASCI, o qual tinha ―como marca fundamental o enfrentamento da criminalidade, da
violência, da sensação de insegurança, numa junção de políticas de segurança com ações
sociais‖, além do combate ao tráfico de drogas nas fronteiras.663 Todavia a Rede de Ensino a
Distância sofreu poucos investimentos.
Em 2014, ano que encerra o recorte temporal desta investigação, em que o Governo
Federal664 avaliou a pasta da educação pública no Brasil, e estabeleceu metas para alavancar a
qualidade do ensino público, lançando o programa ―Brasil: Pátria educadora‖, enquanto isso,
o Governo Estadual paraense de Simão Jatene, estabelecia também o programa ―Pacto pela
660
REMÉDIOS, M. R., Ibid. 2016. p. 28.
661
REMÉDIOS, M. R., Idem.
662
Na ocasião, esta pesquisadora foi designada por meio do Diário Oficial nº 32165 de 25/05/2012 como
membro do Comitê de Gestão Integrada de Atenção à Saúde dos Servidores de Segurança Pública e Defesa
Social no Pará - COGESSP.
663
BRASIL, 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública. A consolidação de um novo paradigma: um
processo e muitos atores. Texto Base. 2009.p.13.
664
Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2015/01/dilma-toma-posse-e-anuncia-lema-do-novogoverno-
201cbrasil-patria-educadora201d. Acesso em: 4 mar.2018.
253
Entretanto, Emilio estando Diretor do IESP em 2014, relembra que um passo muito
importante foi realizado na perspectiva de integração e de aprimoramento na formação dos
operadores da Segurança Pública, com a iniciativa havida do Conselho Estadual de Educação
no Pará para que o Instituto fosse transformado em IES:
[...] então, no segundo semestre de 2014, nós alcançamos as metas estabelecidas,
cumprimos todos os requisitos que a LDB exigia, foi formada a comissão, que veio,
avaliou, deu o parecer favorável no sentido do nosso credenciamento, e o Conselho
aquiesceu dando ao IESP a condição de IES. Foi chancelado e credenciado três
cursos. O Curso de Formação do Bombeiro com Bacharelado em Gerenciamento em
Riscos Coletivos; o bacharelado de 3 anos que era o Segurança Pública e um curso
de 1 ano que seria o tecnólogo, que daria possibilidade dos profissionais que não
tivesse curso superior de cursando um ano ter a graduação Tecnólogo em Segurança
Pública. (Coronel Emilio – Ex- Diretor do IESP)
665
Disponível em: http://pactopelaeducacao.pa.gov.br/. Acesso em: 4 mar.2018
254
O Corpo de Bombeiros Militar, por sua vez, formava seus oficiais combatentes na
Escola Formação de Oficiais, desde que fora criada em 16 de março de 1992, através do
Decreto nº 696, pelo então governador Jader Barbalho, como parte vinculada do Centro de
Formação, Aperfeiçoamento e Especialização (CFAE). Tal como a APM, a EFO surgiu da
necessidade de atender à demanda de preparar seu profissional bombeiro militar, porque
dependiam das pouquíssimas vagas liberadas pelas Academias dos Corpos de Bombeiros do
Rio de Janeiro e do Distrito Federal. Quando a EFO foi implantada, tornou-se a terceira
Escola de Oficiais Bombeiros combatentes do Brasil, já que os Bombeiros de São Paulo
permaneceram integrantes da Polícia Militar e, em 1994, formou sua primeira turma com 38
aspirantes a oficial, sendo 24 do Pará, quatro do Maranhão, quatro do Amazonas, quatro do
Mato Grosso do Sul e dois do Acre667. Em 1999, a EFO foi transferida da antiga sede na
Cidade Nova VI, passando a integrar o IESP.
Então, se cada uma das instituições de ensino da Segurança Pública, tinha a sua escola
de formação, por que houve a criação do IESP? A que ele seria destinado? Qual o propósito?
666
A ACADEPOL atua na formação, capacitação e especialização do quadro de pessoal da Polícia Civil, instruindo
técnica e operacionalmente os futuros policiais civis. Disponível em: http://www.policiacivil.pa.gov.br/
content/acadepol. e http://acadepolpa.blogspot.com/ Acessos: 25 de janeiro de 2018.
667
MENEZES, José Pantoja. O Corpo de Bombeiros Militar do Pará. 2. ed. Belém: [s.n.], 2007.p.194-195.
255
A questão da segurança pública é uma das mais graves e sérias do Brasil atual, o que
se passa em razão do enorme crescimento das cidades, especialmente das capitais.
Inquestionavelmente, é um problema muito sério e grave. É fundamental que a
sociedade tenha compreensão da necessidade de sua participação para acompanhar,
sugerir, fiscalizar, ver como o aparato da segurança pública do Estado realmente
caminha no sentido do nosso desenvolvimento. Tenho clareza de que é importante a
gente ter estrada, ter energia, criar emprego, gerar renda, melhorar as condições
daquilo que a gente chama de desenvolvimento econômico-social. Mas sei que não
adianta fazer tudo isso se a sociedade estiver vivendo sempre dentro do temor,
dentro da insegurança.668
668
Fragmento extraído de um pronunciamento gravado em programa de rádio. Belém 24/05/2000. In:
OLIVEIRA, Alfredo. Almir Gabriel: trajetória e pensamento. Belém: Delta, 2002. p. 466.
669
Pronunciamento gravado em Ananindeua em 15/3/1997. In: OLIVEIRA, Ibid., p.448.
256
Quero deixar claro aqui para vocês, como tantas outras vezes tenho feito, as pessoas
querem relembrar o que aconteceu em Eldorado, querem achar que a Polícia Militar
se representa pelo que aconteceu em Eldorado, eu lhes reafirmo que a minha Polícia
Militar não é a de Eldorado. A minha Polícia é essa que tem trabalhado, aceito
desafios, que em mais de 400 oportunidades agiu de maneira séria, agiu de maneira
firme e não houve nenhum incidente. Assim foi lá em Americano, na rebelião.
Assim foi também, na rebelião de Santarém. Então, essa Polícia Militar merece o
respeito do governador, merece o respeito de toda a população do nosso
Estado.670 (grifo nosso).
[...] foi criado em Marituba, um complexo com 60.800 m² de área total, com
29.300 m² de área construída, dividida em pavilhão administrativo da Policia
Civil, Militar, Corpo de Bombeiros, salas de aula, para ensino superior e pós-
graduação lato sensu, auditório multimídia com 150 lugares, biblioteca, stand de
tiro, alojamentos, quadra polivalente, campo de futebol, piscina olímpica e duas
torres de treinamento para operações de resgate e salvamento, sendo uma com
670
Pronunciamento gravado em Ananindeua. 15/3/1997. In: OLIVEIRA, Alfredo. Almir Gabriel: trajetória e
pensamento. Belém: Delta, 2002.p. 449.
671
O modelo do IESP no Pará, como instituto integrado de segurança pública, foi replicado em outros estados
brasileiros, e em março de 2009, portanto dez anos depois de sua criação, ocorreu o I Encontro Pedagógico
das Academias e Institutos de Ensino de Segurança Pública, na cidade de Manaus-AM, cujo o objetivo foi o
encontro dos órgãos de ensino dos profissionais de segurança pública, e a apresentação de suas experiências
pedagógicas exitosas, como unidades de ensino integradas. Estavam presentes representantes das Academias
de Policia Civil, das academias de Bombeiros, de Policias Militares e gestores dos IESPs.
672
OLIVEIRA, Ibid., 2002. p.281.
257
Porém, além do aparato físico estrutural oferecido, o que mais trazia o IESP para a
formação dos oficiais da Polícia Militar do Pará? Frente as Políticas Públicas e as gritantes
demandas diagnosticadas nos governos federal e estadual, como a formação poderia
efetivamente se efetivar de modo integrado, sem comprometer as especificidades e
particularidades das unidades educacionais PC, PM e BM
673
Informativo oficial do IESP Pará - Sistema de Segurança Pública do Estado do Pará.
674
Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional nº 5692/1971.
675
Lei de Diretrizes e Bases, nº 9394 de 2 de dezembro de 1996.
676
REMÉDIOS, Marco Antonio Rocha dos. A formação policial militar em contextos multiculturais:
contribuição da Segurança Pública para a defesa, segurança e desenvolvimentos nacionais. Monografia
(Curso de Altos Estudos de Políticas e Estratégias) – Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 2016. p.29.
258
677
Resolução nº 147 de 07.03.2002/CEE/PA.
259
RESOLUÇÃO nº 011/1997678
Art.1º Determinar a obrigatoriedade da inclusão da matéria Direitos Humanos nas
grades curriculares das Academias de Polícia de Polícia Civil e Militar, bem como
nos Cursos de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da Policia Militar e Corpo de
Bombeiros Militar.
Art. 2º Determinar que o conteúdo programático dessa matéria seja desdobrado em
disciplinas, observado o grau de complexidade, para atender a formação e o
aperfeiçoamento nos vários níveis da atividade policial
678
A adoção da Resolução nº 011/97, foi uma decisão do Conselho Estadual de Segurança Pública do Pará, com
base na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, na Constituição de 1988.In: Coletânea de
Legislação. Sistema de Segurança Pública do Pará. Belém-PA, 1998. p.92.
679
A professora Valdemarina, Bidone de Azevedo e Souza faleceu no acidente ocorrido com o voo 3054 da TAM.
260
área de Segurança Pública, esse documento foi denominado de Matriz Curricular Nacional
(MCN):
[...] Isto é, um documento curricular que criasse condições para que, nos diversos
contextos formativos, fossem discutidos e implementados mecanismos que
garantissem aos profissionais da área de segurança pública o acesso às
oportunidades de uma permanente formação, privilegiando a relação teoria-prática e
a articulação entre os diferentes saberes.680
A MCN é composta por quatro eixos articuladores que estruturam o conjunto dos
conteúdos – de caráter transversal e abrangência nacional – que devem permear as
disciplinas, seus objetivos e conteúdos. Cada eixo articulador inclui diversos temas,
indicados como subitens. A matriz também apresenta oito áreas temáticas que
contemplam conteúdos indispensáveis à formação do profissional da área e à sua
capacitação para exercício da função. Embora também abrangente, as áreas temáticas
abrem espaço para que se contemplem interesses e especificidades locais.682
Pimentel apud Remédios, aponta que a formação policial militar brasileira, antes da
implementação da Matriz Curricular Nacional, tinha grande influência da filosofia da
‗Segurança Nacional‘ herdada dos governos militares, influência essa, que após a
promulgação da Constituição de 1988, foi compreendida como incongruente aos princípios
constitucionais do Estado Democrático de Direito.
680
CORDEIRO, Bernadete. GIMENEZ, Rose Mary. ―Para que a vida siga adiante”. As contribuições da
Professora Valdemarina na concepção teórico-metodológica da Matriz Curricular Nacional e a proposta de
atualização. Revista Segurança, Justiça e Cidadania, Brasília, ano 4, n. 7, 2014. p. 32.
681
PASSOS, Andréa da Silveira et al. Matriz Curricular Nacional: para ações formativas dos profissionais da
área de segurança pública. Brasília-DF: Ministério da Justiça; SENASP, 2014.
682
LIMA, Renato Sergio et al. Avaliação de resultados da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança
Pública – RENAESP. In: LIMA, Cristiane do Socorro Loureiro et al. (Org.). Pensando a Segurança Pública.
Avaliações, diagnósticos e análises de ações, programas e projetos em segurança pública. Brasília-DF:
Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça, 2014. p.202.
683
SOUZA, Robson Sávio Reis. Política de Segurança Pública: grandes desafios. Carta Capital, São Paulo, 18
jul.2011. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/politica-de-seguranca-publica-grandes-
desafios. Acesso em: 3 jun. 2018.
261
José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco; e como resquícios desse período, somos levados a
compreender que as ações, atuação e a formação policial militar mostravam-se engendradas para
promoção de injustiças e opressão, o que acabava por gerar descrédito às instituições.
Quando a MCN foi apresentada, em 2003, tinha como objetivo divulgar e estimular as
ações formativas no âmbito do Sistema Único de Segurança Pública, depois, em 2005, a
Matriz Curricular sofreu sua primeira revisão, sendo agregados ao seu conteúdo outros dois
documentos: as Diretrizes Pedagógicas para as atividades formativas dos profissionais da
Área de Segurança Pública e a Malha Curricular.
684
REMÉDIOS, Marco Antonio Rocha dos. A formação policial militar em contextos multiculturais:
contribuição da Segurança Pública para a defesa, segurança e desenvolvimentos nacionais. Monografia
(Curso de Altos Estudos de Políticas e Estratégias) – Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 2016. p.35.
685
BRASIL. Matriz Curricular Nacional para a Formação em Segurança Pública. Brasília-DF: SENASP/
Ministério da Justiça, 2010.
686
BRASIL. Matriz Curricular Nacional: Para ações formativas dos profissionais da área de segurança pública.
Secretaria Nacional de Segurança Pública/SENASP. Ministério da Justiça. 2014.
262
Quadro 7 - Disciplinas nas áreas temáticas recomendadas pela Matriz Curricular Nacional.
Área Temática I – Sistema, instituições e gestão integrada em Segurança Pública
Chefia e Liderança
Economia Brasileira e Políticas Públicas
Economia Política
Estudos Militares I, II,III,IV,V,VI
Estudos Policiais I, II,III,IV,V,VI
Fund. da Ciência Administrativa
Fundação de Polícia Comunitária
Fundamentos da Gestão Pública
Fundamentos das Ciências Econômicas
Gestão na Administração Pública
Introdução à Administração
263
Ética e Cidadania
Ética Policial Militar
História da Polícia Militar
Ordem Unida
Seminários I, Supervisão, Estágios
Seminários Temáticos
Seminários/Palestras
Área Temática VIII – Funções, Técnicas, Procedimentos em Segurança Pública
Análise de Procedimentos da PM
Armamento, Tiro e Equipamentos da PM
Defesa Pessoal
Defesa Pessoal e Artes Maciais
Direção Defensiva Aplicada – cat. ―A‖ e cat. ―B‖
Equitação Militar
Marchas e Estacionamentos
Operações de Choque
Operações Policiais
Operações Policiais Especiais
Operações Policiais Militares em Área de Selva I
Patrulhamento Tático
Polícia Comparada
Policiamento Aéreo
Policiamento Ambiental
Policiamento Assistencial
Policiamento com Cães
Policiamento Comunitário
Policiamento de Choque
Policiamento de Guarda
Policiamento de Rádio Patrulha
Policiamento de Trânsito
Policiamento de Trânsito Urbano e Rod.
Policiamento Escolar
Policiamento Fluvial
Policiamento Montado
Policiamento Ostensivo Geral
Policiamento Penitenciário
Policiamento Rodoviário
Policiamento Rodoviário e de Trânsito
Policiamento Tático
Policiamento Turístico
Prevenção e Combate a Incêndio
Radiopatrulhamento e Técnicas de Abordagem
Segurança de Instalações Físicas e Dignitários
Sistemas de Comando e Operações
Técnica/Tática Policial Militar
Técnicas e Maneabilidade de Incêndio
Tiro Policial I/ Tiro Defensivo
266
O rol das disciplinas elencadas revela uma complexa proposta educativa para a
formação dos profissionais da segurança pública. Tais disciplinas exigem um delineamento
diferenciado, no qual os conteúdos programáticos trabalhem, a contextualização em segurança
pública, possibilite uma relação epistemológica entre as disciplinas, ou seja, uma interrelação
entre os diversos campos de conhecimento frente ao mesmo objeto de estudo sob a
perspectiva da interdisciplinaridade e da transversalidade690.
É importante destacar que as atividades policiais se tornaram cada vez mais diversas e,
igualmente, as necessidades. Quanto mais complexas são as ações, mais refinada precisa ser a
formação e o preparo do policial: condução de presos, preservação do local de crime, controle
687
Atendimento pré-hospitalar.
688
Preservação e valorização da Prova.
689
PASSOS, Andréa da Silveira et al. Matriz Curricular Nacional: para ações formativas dos profissionais da
área de segurança pública. Brasília-DF: Ministério da Justiça/SENASP, 2014.
690
CORDEIRO , Bernadete M.P. e SILVA, Suamy S. Direitos humanos: referencial prático para docentes do
ensino policial. CICV. 2005, p,18
691
MEC, 2000, p. 79.
267
Para os que não vivenciam a cultura da formação policial, isso parece absurdo,
estranho e segregador. Todavia, para os que estão inseridos na instituição e já
incorporaram o aprendizado desses códigos, adquiriram sentido como parte do
funcionamento institucional e, portanto, recebem o devido acatamento.
A corporação é regida por uma Cultura bem particular, e cultua seus princípios basilares,
seus rituais, as distinções de quadros, de níveis hierárquicos, definidos por postos e graduações,
têm até mesmo estabelecido previamente, por meio de suas legislações, como é o caso do Estatuto
dos Policiais Militares, o caminho a ser traçado até o final da sua carreira profissional.
Nesse sentido, o conhecimento da burocracia moderna, estudada por Max Weber pode nos
auxiliar a compreensão da escala hierarquizada:
autoridade superior, de forma regulada com precisão [...] a hierarquia dos cargos é
organizada monocraticamente.692
Ora, a questão de que neste campo policial militar tradicionalmente se siga códigos rígidos
e se evoque uma forma hierarquizada e organizacional de funcionamento da Corporação, trouxe
de alguma maneira, certa estranheza, para a Polícia Civil, no momento que se abria a
possibilidade de integração no IESP, por ser a Polícia Civil uma instituição que valoriza outros
códigos, e que em nada ou em muito pouco, lhe dizem respeito a forma de relação interpessoal e
de comunicação adotadas pela PM.
Com efeito, destaco que na integração das instituições, não houve estranhamento apenas
entre a PM e a PC enquanto instituição, mas que houve também, no tocante ao trato inter-
relacional, entre os alunos oficiais, seus familiares e a direção da Academia, pois a hierarquia
existente na dinâmica da Unidade acadêmica, produzia descontentamento nos familiares, o que
lhes encorajou, de modo inusitado, à criação de uma associação de pais e mães de cadetes.
Tempos depois, quando voltei para a APM (IESP), já como oficial, fui chefe da
Divisão de Ensino, percebi muitas diferenças. Observei que, a formação era melhor,
mais autentica na minha época de cadete, quando éramos somente nós na APM e
não havia ingerência de civis. Quando era somente a Fontourinha, nós lavávamos,
capinávamos, fazíamos faxina. Nosso treinamento e formação era muito além das
disciplinas. De um tempo pra cá, a formação passou a ter interferência de diversas
692
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5. ed; Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 230.
693
A ‗contraindicação‘ na avaliação psicológica em concurso público, é atribuída ao candidato que não
apresentar características psicológicas compatíveis com o exercício do cargo ou função proposto, analisadas por
meio do emprego de um conjunto de instrumentos e técnicas cientificas e no caso específico das instituições de
Segurança Pública, apresentar também, inadequação no que diz respeito ao porte e uso de arma de fogo.
269
pessoas, até de uma associação de pais de alunos – que resolveram criar. A APM de
repente ficou como se fosse uma ‗escola civil‘, e alguns ordens e comandamento
passaram a não ser mais permitidos, porque as mães se queixavam em nome dos
cadetes, reclamavam, ameaçavam de ir para os jornais denunciar. Onde já se viu
esse tipo de interferência em escola militar? (Denise, Cadete 1994)
694
PASSOS, Andréa da Silveira et al. Matriz Curricular Nacional: para ações formativas dos profissionais da
área de segurança pública. Brasília-DF: Ministério da Justiça/SENASP, 2014. p.18.
695
PASSOS, idem, 2014. p.18.
270
e as áreas temáticas ao longo dos três anos. Analisaremos algumas disciplinas ministradas no
percurso inicial da APM Cel Fontoura até a última turma no marco temporal investigado.
No gráfico abaixo (Figura 31), observa-se que das 15 turmas regulares, existentes no
período, as disciplinas ‗Ordem Unida‘ e ‗Treinamento físico militar‘ foram ministradas em 100%
das turmas. Em segundo lugar, foram as disciplinas ‗Organização e legislação PM‘; ‗Armamento,
tiro e equipamentos‘ e ‗Estudo do Direito‘ que foram ministradas em 12 turmas; seguido da
disciplina de ‗defesa pessoal‘ que se repetiu em 11 turmas; seguida das disciplinas ‗Estatística
aplicada‘ e ‗História da PM‘ que foram frequentes em 10 turmas.
15 15
16
14 12 12 12
11
12 10 10
10
8
6
4
2
0
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da Divisão de Ensino da APM.
No gráfico 2 (Figura 32) registramos as disciplinas que foram mais frequentes no 2º ano.
Observa-se novamente que das 15 turmas regulares, as disciplinas ‗Ordem Unida‘ e ‗Treinamento
físico militar‘ estiveram presentes em todo o período. Depois seguem-se as disciplinas ‗Medicina
Legal‘ e ‗criminalística‘ – cujo o conteúdo auxilia na perícia e na investigação de crimes; terceiro
lugar em frequência em ‗direito penal‘ e ‗defesa pessoal‘ e por quarto lugar, as disciplinas de
cunho jurídico.
271
15 15
16 14 14
13 13
14
11
12 10
10
8
6
4
2
0
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da Divisão de Ensino da APM.
No gráfico abaixo (Figura 33), observa-se novamente, que das 15 turmas regulares no
período investigado, as disciplinas ‗Direito Processual Militar‘, ‗Criminologia‘, ‗Ordem Unida‘ e
‗Treinamento físico militar‘ foram para todas as turmas da APM/IESP.
15 15 15 15
16 14
13
14
12 9 9
10
8
6
4
2
0
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos registros da Divisão de Ensino da APM.
272
possível observar nas tais matérias escolares, experiências e evoluções quanto ao conteúdo, à
compreensão, abordagem, método, etc.
Dada a grave condição na qual foi colocada a sociedade, onde o crime e a violência
ameaçavam as liberdades individuais e coletivas, a promulgação da Constituição Federal em 1988
veio possibilitar o engajamento democrático da Polícia Militar, como defensora e promotora dos
direitos. Assim, cabe aos operadores de segurança pública (policiais, bombeiros, guardas
municipais, agentes de trânsito e agentes penitenciários) trabalharem preservando a vida humana,
como promotores de direitos, inclusive de inclusão social.
[...] na verdade, desde a nossa formação, já existia uma grita muito forte em relação
aos direitos humanos, não só pela influência da Constituição de 88, que estávamos
ali naquela transição, da Constituição Cidadã, da redemocratização, a própria polícia
estava pensando seu modus operandi, aquela história toda. O nosso currículo já
estava voltado para a questão dos direitos humanos porque a Constituição já
ordenava isso para a atividade policial. (Emilio, Aspirante a Oficial, 1991, ex-diretor
do IESP).
274
Não quero dizer com isso que, o policial militar fosse desumano ou que não fosse
humano em sua atuação, não é isso; refiro sim que, o ―processo de humanização‖, está
implicado em uma prática melhor, aperfeiçoada de interação do policial com o meio onde está
inserido, e que aguarda por suas ações. Assim, os policiais militares utilizam recursos e
instrumentos como forma de auxílio. A comunicação é uma das ferramentas de grande
importância na humanização, como uma de suas competências profissionais, no cumprimento
de suas atividades.
696
SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia
Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.16.
275
Não obstante às escolhas dos oficiais, quanto a sua lotação, em geral, a formação do
policial militar requer conhecimento técnico, tático e operacional, para atendimento das
697
O Batalhão de Polícia de Choque do Pará foi criado em 26 de maio de 1992, com a missão de controlar distúrbios
ou quaisquer manifestações civis, com intervenções nas ocorrências de grande magnitude, na capital ou em
qualquer localidade do Estado. Decreto-Lei nº 817-A. Normas Gerais de Ação do BPChoque 2013.
698
A COE é a Companhia criada para atender às missões de alta complexidade, atua em operações específicas
que extrapolem a capacidade de atendimento rotineiro do policiamento ordinário, em apoio às Unidades de
Execução Operacional (UEOp). Atua nas ações/operações de caráter repressivo, em todo o Estado do Pará,
após terem sido esgotados todos os meios disponíveis para a solução do fato delituoso ocorrências com
artefatos explosivos, combate ao crime organizado, operações em altura e helitransportadas, operações com
emprego do mergulho policial e na segurança de autoridades contraterrorismo, patrulhamento de alto risco e
em ambiente rural, explosivismo, atirador policial de precisão e assalto tático. PMPA. Estado Maior Geral -
Diretriz Geral de Emprego Operacional da Polícia Militar do Pará, nº 001/2014 DGOp/PMPA, abril/2014.
699
O BPOT, em sua missão principal, visa ao enfrentamento da criminalidade organizada e violenta e, de forma
suplementar a atuação das - UEOp de área da Região Metropolitana de Belém, de modo a cobrir zonas quentes de
criminalidade não ocupadas ou a reforçar locais críticos, com utilização de viaturas de 02 (duas) e 04 (quatro)
rodas. Deverá estar em condições de emprego em todo o Estado. Tem por objetivo o cumprimento de missões
específicas, visando à prevenção e à repressão qualificada: captura de presos de alta periculosidade; operações de
choque e controle de distúrbio civil; cobertura aos oficiais de justiça em reintegração de posse; combate ao crime
organizado e criminalidade violenta e realização de escoltas especiais. PMPA. Estado Maior Geral - Diretriz Geral
de Emprego Operacional da Polícia Militar do Pará, nº 001/2014 DGOp/PMPA, abril/2014.
700
A atuação da Polícia Comunitária se caracteriza pelo modo preventivo, prestado por uma equipe de policiais
militares para aplicação do policiamento orientado para problema com o apoio da comunidade, que utiliza como
referência uma edificação policial militar e outros processos, tais como: a pé, de ciclopatrulha, de motocicleta e
motorizado. Possui área de responsabilidade definida e delimitada. Sua instalação ocorre segundo critérios de
acessibilidade e visibilidade, para uma comunidade que necessite de atendimento diuturno, tendo como missão
executar o policiamento ostensivo geral personalizado, conforme necessidade de cada comunidade, utilizando a
Base de Policiamento Comunitário para identificar, analisar e responder aos problemas contemporâneos de
segurança pública e melhorar a qualidade de vida da comunidade local. PMPA. Estado Maior Geral - Diretriz
Geral de Emprego Operacional da Polícia Militar do Pará, nº 001/2014 DGOp/PMPA, abril/2014.
.
276
[...]O investimento relacional entre a comunidade e Policia Militar, prevê não apenas
as ações repressivas, mas também faz a previsão de ações preventivas policiais (a
presença cotidiana do policiamento a pé, de bicicleta, de moto ou automóvel), e
ações preventivas não policiais, sendo estas ações, em conjunto com as diversas
agências públicas e com a parceria da comunidade. Em decorrência dessa parceria,
o espaço público, acaba por experimentar a diminuição dos índices de delitos e
criminalidade. (Costa Junior, ex-Comandante da APM e Coordenador do Programa
Segurança Cidadã).
Dos estudos realizados pelas comissões, obteve-se a conclusão que o mais adequado
para o porte do policial seria a pistola Glock, modelo 22, de calibre .40 S&W, de origem
austríaca, porque o seu carregador comporta 16 munições, e no cinturão o policial poderia
ainda carregar mais 30 balas extras, e possibilitava maior neutralização do oponente, devido
ao seu alto poder de parada701 ou seja, teria maior eficiência no combate à violência. A partir
das análises, o uso da pistola .40 tornou-se padronizado e adotado como armamento exclusivo
das polícias civil e militar do Brasil:
Passamos a usar a pistola .40 como a mais adequada para os serviços policiais.
Entretanto com o aumento da violência e da criminalidade, tem se entendido que é
uma arma que tem perdido sua eficácia no enfrentamento do notório avanço do
cangaço urbano e moderno no qual os bandidos estão potencialmente armados de
fuzis. A pistola .40, fica em desvantagem porque somente comporta 15 munições, e
não atinge mais que 15 metros. Em contrapartida, o fuzil alcança 1200 metros, sendo
desigual o enfrentamento, vulnerabilizando o policial. (Cel Eledilson, instrutor do
método Giraldi)702
Tal método foi criado pelo coronel Nilson Giraldi703, oficial da reserva da PM do
Estado de São Paulo e, metodologicamente, foi aprovado integralmente sem ressalvas, por
atender nos mínimos detalhes, nos seus conteúdos, determinações e normas, os Princípios da
Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) relacionado às Normas Internacionais de
Direitos Humanos Aplicáveis à Função Policial e Função Policial Armada; e as Diretrizes
701
Poder de parada não é o mesmo que letalidade – e sim o impacto da bala na pessoa.
702
Eledilson Renato Costa Oliveira foi Diretor de ensino e instrução da PMPA, e em sua gestão possibilitou a
inserção do Método Giraldi aos alunos oficiais e praças, foi o primeiro Instrutor-multiplicador do método
Giraldi no Pará. Posteriormente, foi subcomandante geral da PM.
703
Coronel Nilson Giraldi, é especialista em ―Segurança Pública e Polícia‖, professor, educador, assessor,
consultor e autor do ―Método Giraldi‖ e integrante da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
278
As maiores crises de uma polícia ocorrem quando suas armas destinadas a servir e
proteger a sociedade se voltam contra a sociedade.
A maior desmoralização do Estado ocorre quando as armas dos seus agentes
destinadas a servir e proteger a sociedade, se voltam contra a sociedade.
O maior desrespeito que se comete contra os Direitos Humanos ocorre quando a arma do
policial, ao invés de servir e proteger a sociedade, se volta contra a sociedade.
A maior causa da morte de policiais, em serviço, ocorre quando não sabe usar sua
arma de forma correta para se proteger.
A maior causa da perda da liberdade do policial, em serviço, ocorre quando não sabe
usar sua arma de forma correta acabando por provocar vítimas inocentes, ou
atingindo pessoas contra as quais não havia necessidade de disparos‖. 706
O tiro de defesa para preservação da vida é um método que por sua facilidade e
eficiência, tornou-se o método de treinamento oficial sugerido pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública – SENASP e vem sendo adotado integralmente pela
maioria das polícias brasileiras707
Com a inserção do método Giraldi, todavia, tal método não consiste numa instrução ou
disciplina propriamente ditas, para Nilson Giraldi, seu criador, o método estabelecido, trata-se
de uma doutrina:
O ―Método Giraldi‖ não é uma simples instrução de tiro, mas uma ―Doutrina da
Atuação Armada da Polícia e do Policial, com a finalidade de servir e proteger a
sociedade, e a si próprio‖, onde tudo aquilo que for possível solucionar sem uso da
força, sem tiros, sem ―bombas‖, sem ―invasões‖, sem colocar em risco a vida e a
integridade física das pessoas inocentes, assim o será. Mas se o disparo, como última
704
GIRALDI, Nilson. Método Giraldi - Tiro defensivo na preservação da vida. Publicado na revista ―A Força
Policial‖ da PMESP. Disponível em: <http://www.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/eef/giraldi.html>.
Acessado em: 25 nov. 2017. p. 1.
705
GIRALDI, idem. p.3.
706
GIRALDI, idem. p.2.
707
Boletim Geral Nº 113, de 17 junho 2004. Nota de instrução do X Curso de usuário de tiro defensivo na
preservação da vida método Giraldi. p.2.
279
alternativa, dentro dos limites da lei, tiver que ser efetuado, para preservar vidas
inocentes, incluindo a do policial, assim também o será. 708
A disciplina ―Amamento, munição e tiro‖ tem por finalidade capacitar o policial para
o manuseio de armas com menor potencial ofensivo utilizado pela instituição, no intuito de
promover conhecimento sobre técnicas de tiro policial (tiro de precisão, tiro sob estresse, tiro
noturno, intuitivo, dentre outros), e estimular o policial a atuar de acordo com o
escalonamento do uso progressivo e diferenciado da força.710
708
GIRALDI, Nilson. Método Giraldi - Tiro defensivo na preservação da vida. Publicado na revista ―A Força
Policial‖ da PMESP. Disponível em: <http://www.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/eef/giraldi.html>.
Acessado em: 25 nov. 2017. p.5.
709
GIRALDI, idem. p.6.
710
PASSOS, Andréa da Silveira et al.idem. 2014. p.219.
280
Afora o uso de munição real, passaram a ser incluídos para o treino da atuação policial
militar, o ‗armamento não letal‘, que passou a ser chamado ―menos letal‖, como gás
lacrimogêneo, spray de pimenta, bomba de efeito moral, armas de choque (taser) e de tiro de
borracha. A utilização de armamentos menos letais visa atender a uma exigência da política
dos Direitos Humanos, quanto ao uso escalonado ou progressivo da força, em conformidade
com as diversas situações: rebeliões de detentos, apreensão de drogas, assaltos com reféns,
cumprimento de mandados de prisão, protestos e interdição de vias públicas, brigas de
torcidas rivais de futebol, dentre outras711.
Percebo que há uma diferença da APM para o IESP, até mesmo por uma questão de
transformação social, a formação atual, no IESP é menos militar, e mais policial,
entretanto, acredito que isso é uma marcha ainda em evolução, pois forjar o caráter
de um policial, com todos os atributos que este precisa para atuar nas atividades
inerentes a labuta policial, sem o militarismo, ou frouxamente fundamentado na
escola de formação, dá origem a oficiais fracos, mal acabados, sem pulso, e sem
brio, sem a ―liga‖ necessária e inerente para lidar com as diversas facetas que a
profissão exige. Do que adianta saber usar a arma de fogo, se você não tem coragem
de puxar o gatilho? Ou não tem estrutura para puxar o gatilho? Ou não tem caráter
para assumir as responsabilidades de puxar o gatilho? (Ana Christina, Cadete, 1992)
711
Em 2012, foi criado no Pará, o Grupo de Recobrimento Tático Operacional, dentro do Comando de
Policiamento da Capital e do Comando de Policiamento da Região Metropolitana, uma formação específica para
80 policiais, cuja a atuação é o enfrentamento de distúrbios, com a utilização de armas menos letais, reduzindo
assim a empregabilidade do segundo esforço da corporação, que acontece quando da utilização das unidades
subordinadas ao Comando de Missões Especiais (Companhia de Operações Especiais, Batalhão de Choque,
Regimento de Polícia Montada, e da Companhia de Cães. A atuação policial militar, mesmo com a utilização
escalonada do armamento menos letal, torna-se alvo de severas críticas por alguns segmentos, pelos danos
causados a manifestantes.
281
[...] Mexemos muito também na matriz de formação, ela estava um tanto quanto
defasada em relação a muitos conhecimentos que não faziam parte ainda dessa
formação. Digamos [...] Chegou um ponto de haver pressão para que fossem retiradas
a Ordem Unida e a Educação Física. Houve uma proposta de redução muito
drástica, dessa Ordem Unida, e a gente teve que brigar, porque era algo impensado
para uma Academia de Polícia e uma Polícia dita militar. A menos que houvesse uma
mudança muito drástica também na legislação no sentido de desmilitarizar. Mas não
era o caso. Enquanto a gente for militar, não tem como abrir da ordem unida.
Logicamente que a gente não vai pensar que a formação seja só militar. Mas tem que
ter a sua parcela militar importante dentro dessa formação. Principalmente para aquele
que vem da vida civil. (Emilio, Aspirante a Oficial, 1991).(grifo nosso)
Posteriormente, a disciplina ―Ordem Unida‖, mesmo não tendo havido redução para
20 horas conforme proposta pela SENASP, sofreu variações na carga horária e a partir de
2012, passou a ser ministrada com carga horária de 70 horas. Entretanto, seu conteúdo e
competências permaneceram buscando, no sentido de abordar o cumprimento de ordens, o
respeito à hierarquia da Corporação, as formalidades, técnicas de evoluções, padrões de
conduta e de ordem unida nos desfiles cívico-militares.
282
A Defesa Pessoal é uma técnica necessária ao profissional policial militar, para que
possa agir no tempo exato ou com antecipação, evitando maiores desdobramentos na
ocorrência policial. Na fotografia (Figura 36), constata-se uma aula prática de defesa pessoal
realizada no tatame, em um galpão, nas instalações do antigo complexo do comando geral da
PMPA, localizado na Av. Dr. Freitas com a Av. Almirante Barroso, em Belém, as quais
foram modificadas para funcionar o atual Palácio dos Despachos da governadoria do estado.
712
PASSOS, Andréa da Silveira et al. Matriz Curricular Nacional: Para ações formativas dos profissionais da
área de segurança pública.. Brasília-DF: Ministério da Justiça. SENASP, 2014. p.215.
283
713
Fragmentos da Nota de Instrução da disciplina Operações Policiais em Área de Selva, publicado no Boletim
Geral da PMPA nº142 – 03 de agosto de 2012, p.4-5.
284
remador. Não haverá qualquer tipo de contato físico com nenhum dos alunos. (grifo
nosso).
Me recordo, que quando fui ser comandante da academia, já havia umas 3 turmas
que não realizava o estágio de selva. O que me disseram que a disciplina foi cortada
porque exigia preparação muito antecipada e que chegava a ser arriscada. Daí
indaguei como eu poderia formar o policial de forma completa, se não existia o
EOPAS que era uma disciplina fundamental para a formação policial militar na
Região Norte? A não realização do EOPAS sem dúvida era prejudicial para o
futuro oficial, para instituição e para a sociedade. Olha como as coisas acontecem
por exemplo: se eu tenho um mandato de prisão, como é que eu posso trazer 6 ou 3
elementos presos atravessando um rio? Que técnicas eu vou usar? De cabo
714
Manuais: C-21-30 Exército; EGGCFIP-31-16 Exército; EGGCF: Operações Rurais; IP-31-17- Exército
EGGCF: Operações Urbanas, CFN da Marinha do Brasil, C-21-18- Exército- EGGCF: Marchas de Tropas a pé.
285
[...] o EOPAS serve para diminuir o risco de haver erro do policial na sua missão. É
uma matéria que salva vidas, porque de fato prepara o policial. Por exemplo,
quando o oficial entra no terreno ele vai saber o que fazer, ele aprende não só
caminhar na selva de forma silenciosa, mas consegue averiguar se pessoas
caminharam há pouco tempo na mata, pelo galho quebrado, pela vegetação do jeito
que está, e o mais importante que durante a noite, quando a tropa está estabilizada
no terreno, ele saiba identificar por qualquer ruído, se é um animal, ou uma pessoa
caminhando, se mexerem em um armamento, ele sabe qual o calibre da arma,
identifica o barulho de um terçado, cheiro de combustível ou outro material que
possa estar sendo usado pela pessoa foragida ou transgressor, e que possa trazer
danos a terceiros. Então é uma disciplina fundamental para o policial atuar na nossa
região. (Rayol, Ex-Comandante da APM; grifo nosso).
A compreensão que eu tive é que a disciplina era muito útil, precisávamos estar
preparados para qualquer que fosse a situação. Porque em uma missão policial
militar, nem sempre vamos estar em condições favoráveis de comida, de dormida, e
mesmo do uso de banheiro para a nossa higiene. No caso do EOPAS, a gente
aprende coisas elementares para enfrentar e superar seja qual for a dificuldade,
principalmente em área rural. (Costa Vale, Cadete, 1992).
Para algumas turmas de alunos oficiais PM, o referido estágio se configura como uma
disciplina a ser aplicada durante os três anos do CFO, executada de modo fracionado, com a
divisão da carga horária por cada ano. Todavia, existem Academias, que o EOPAS, é
realizado uma única vez, durante todo o curso.
715
A base do Exército, no município de Nova Timboteua no nordeste paraense, é frequentemente cedida à Polícia
Militar do Pará. A área é ampla, com mata densa, igarapés e devidamente estruturada para a finalidade de
treinamento e instrução de sobrevivência. A cidade recebe este nome, desque que era vila de ―Timboteua‘,
localidade surgida às margens do rio Peixe-Boi que passa bem próximo ao município, onde havia grande
quantidade de Timbó - uma planta cuja raiz serve como veneno para o uso de pesca. A junção de Timbó ao termo
―Teua‖ que no vocabulário Tupi-Guarani significa ―Lugar de abundância‖, deu origem a Timboteua que significa
―Lugar em abundância de Timbó‖. Disponível em: http://novatimboteua.pa.gov.br/o-municipio/. Acesso em: 14
jan. 2018. No EOPAS, uma das instruções é a obtenção de alimentos com os meios que sejam possíveis, e a
referida localidade oferece possibilidade de captura de peixe.
287
716
Andolba é um creme dermatológico que contém três substâncias que se complementam (benzocaína,
triclosana e mentol) de ação rápida para alívio de dor devido ferimentos de moluscos e/ou coceira.
717
Pederneira é uma espécie de pedra que produz faísca mesmo estando molhada, de uso muito adequado em
ambiente de selva.
718
Boletim Geral da PMPA nº142, de 3 de agosto de 2012, p. 4-5.
288
A "falsa baiana"719, dependendo da altura, pode ser feita tanto com cabos de aço como
com o uso de cordas. Geralmente o cabo é fixado de uma árvore para a outra. Pode também
ser feita com duas cordas amarradas, paralelas, onde uma das cordas serve para apoiar os pés,
e a outra colocada mais acima e serve para o apoio das mãos.
719
SOTER, Ricardo. A atividade "falsa baiana" no auxílio do equilíbrio em portadores de deficiência mental
moderada. Trabalho de Conclusão do Curso de Educação Física, Faculdade de Ciências Biológicas e da
Saúde, Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba-PR, 2005. Disponível em: < http://tcconline.utp.br/wp-
content/uploads/2014/01/A-ATIVIDADE-FALSA-BAIANA.pdf > Acessado em: 14 de janeiro de 2018.
289
próprio meio ambiente, tais como: galhos ou troncos de arvores, que são usados para a base
da maca, e cipós para as amarrações desses galhos.
720
Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças.
721
São denominados de Especialistas os oficiais do Quadro de Saúde (médicos, dentistas, veterinários,
farmacêuticos, enfermeiros, fisioterapeutas) e do Quadro Complementar (psicólogos, assistentes sociais,
comunicólogos, terapeutas ocupacionais, etc.)
290
A disciplina treinamento físico militar, é uma das instruções que acompanha o cadete
durante os três anos do Curso de Formação de Oficiais, sendo uma disciplina valorizada e
para qual se dedica elevada carga horária. É estimulada para ser uma prática cotidiana, a fim
de se obter um condicionamento melhor possível, para um melhor desempenho, em qualquer
momento, sem que o policial se sinta desenvolvendo um esforço excessivo:
[...] Ter preparo em educação física, nem sempre é ter condicionamento exigido no
TFM. Porque existe a especificidades do treinamento físico. Daí a importância do
professor de TFM para preparar o aluno fisicamente pra que ele ganhe resistência
cardiorrespiratória, muscular. Porque existe uma resistência muscular localizada muito
grande que são os ombros para carregar peso, no caso do policial, colete, mochila,
armamento, etc. Também o TFM ajuda a criar resistência na andadura, no movimento do
quadril, porque é diferente para o civil realizar uma caminhada, e para o policial que vai
andar quilômetros dentro da mata. É fato, a necessidade de resistência, porque quando se
anda muito, se trava. A matéria do TFM é fundamental para a prática cotidiana do
policial. (Rayol, instrutor de TFM e ex-comandante da APM).
A instrução de preparação física policial militar não é uma descoberta recente, pelo
contrário, sua prática é defendida e encorajada como necessária para o bem-estar do servidor,
e de sua atuação profissional, ao longo dos anos, tendo sido publicado no Boletim Geral da
corporação, em 08/04/1938, que ―um dos objetivos da educação física policial militar é que,
por meio dela o policial se torna forte e sadio e mais acessível a outros progressos de ordem
intelectual e moral‖723, sendo uma prática incentivada no manual do aluno policial:
722
Frase usualmente falada pelo coronel Luiz Carlos Rayol e Vicente Neto, quando ministram treinamento físico
militar aos alunos oficiais.
723
Publicado no Boletim Geral de. In: MACHADO, Francisco Ribeiro. Visão Histórica da Polícia Militar do
Pará: pesquisa e compilação. – Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2012.
724
MACHADO, Francisco Ribeiro (Org.). Manual do Policial Militar. Diretoria de Ensino e Instrução da
PMPA. 1992. p. 262.
291
725
EXÉRCITO BRASILEIRO, Manual de Campanha - Treinamento Físico Militar C20-20. p.1.0. 4. ed. 2015.
726
Pista de Treinamento em Circuito.
727
Pista de Pentatlo Militar.
728
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
729
Teste de Aptidão Física.
730
Centro de Formação de Aperfeiçoamento de Praças.
292
O curso de Educação Física Militar do Exército, segundo relata Leão Braga, era
desenvolvido de modo completo, agregando teoria, prática e acompanhamentos no laboratório
científico:
731
Escola Preparatória de Cadetes do Exército, localiza-se na cidade de Campinas, estado de São Paulo.
732
Escola Preparatória de Cadetes do Ar é uma instituição de ensino da Força Aérea Brasileira, sediada em
Barbacena, Minas Gerais.
733
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
734
Universidade Gama Filho Fundada em 1939 pelo Ministro Gama Filho, foi a primeira instituição privada
brasileira de ensino superior, na cidade do Rio de Janeiro, recebendo o título de Universidade em 1972.
293
constante dedicação ao treinamento, que o corpo vai sendo mais adestrado e ao mesmo tempo
se habilitando para o desenvolvimento de tarefas.735
735
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
736
Antônio Vicente da Silva Neto foi cadete em 1993 e tornou-se instrutor de TFM na APM Cel. Fontoura.
737
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2012b. p.117.
738
―Posição de Sentido‖ é um comando militar, que o comandante de um grupamento, tropa ou pelotão ordena
aos subordinados para que fiquem em uma determinada posição. Esta posição consiste em o subordinado
ficar rígido, com as mãos espalmadas juntas às coxas e os braços ligeiramente curvos. As pernas deverão
permanecer esticadas e entre os pés deverá haver uma abertura de 30°. Os olhos deverão mirar a frente,
paralelamente ao chão. A posição de sentido pode também ocorrer quando um militar se dirige a outro mais
antigo, em posição de respeito e subordinação. Esta posição também é tomada ao cantar o hino nacional.
294
vibração, diante das condições adversas, reveladas para ludibriar o cansaço, frente as várias
exigências no percurso do Treinamento.
O Pará, como estado do norte brasileiro, recebe a bacia amazônica, bem como seus
afluentes e subafluentes, e acentuada quantidade de lagos, igarapés e furos, sendo os rios, para
alguns municípios ribeirinhos e para o arquipélago do Marajó, a principal via de circulação741.
739
LINS, João Tertuliano. Reflexões sobre a navegação fluvial na Amazônia. In Embarcações, homens e rios na
Amazônia. Belém-PA: Editora Universitária – UFPA,1992. p.73.
740
LINS, idem, 1992. p.74.
741
NOGUEIRA, Ricardo José Batista. A navegação interior. In: Amazonas, um estado ribeirinho. Editora
Universidade do Amazonas. Manaus-AM. 1999. p.41.
742
Coronel Emilio Ferreira foi Coordenador de Ensino Superior no IESP, posteriormente Diretor do IESP e em
outubro.2014 foi nomeado Diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos.
743
Trata-se do Tenente Coronel César Maurício de Abreu Mello, que em março de 2010 foi nomeado chefe da
Divisão de Ensino da APM Cel Fontoura, o qual empenhou-se na realização de treinamento físico militar,
com a introdução da modalidade de natação.
296
Das narrativas dos entrevistados Heyder Calderaro, Rayol, Leão Braga, Vicente e
Verena Magalhães, todos instrutores de Treinamento Físico Militar, depreende-se as diversas
modalidades de exercícios físicos e suas composições, apropriadas ao condicionamento do
policial militar:
Marcha a pé - por muitos quilômetros que podem durar 06 horas, 12h até 20h. O
objetivo é a prática da resistência, e adequada andadura, em longos percursos. Os alunos
se deslocam fardados, armados e equipados com mochila, cantil, lanterna, lanches, kit de
primeiros socorros, roupas cinto de guarnição, etc. Na marcha se caminha por 50
minutos em fileiras, uma a cada lado da estrada ou rodovia, com parada ou
estacionamento de 10 minutos para descanso, alimentação, e outros cuidados. É
geralmente realizada no período noturno.
Rastejos pelo chão ou pelo gramado, onde cada cadete carrega seu armamento,
segurando-o de modo correto, o qual na condição de treino, a pistola encontra-se sem
munições, apenas para efeito de instrução, para que o cadete se adapte ao peso de seu
armamento e manuseio rápido, em condições desfavoráveis, tais como o cansaço e
com o corpo em movimento;
Corrida com carregamento de peso nos ombros, imitando o peso de sua bagagem, do
colete balístico, do armamento ou o possível resgate a um companheiro de guarnição que
foi ferido.
297
Em 1994 a APM foi inserida nos jogos acadêmicos das Polícias do Brasil, todas as
academias podiam participar. Era o JAPBM-BR744 tínhamos disputas nas várias
modalidades, futebol, vôlei, basquete, judô. Também realizávamos aqui no Pará os
―Jogos da Amizade‖ entre as Academias locais (NPOR, CIABA, APM). Os jogos
aproximavam todos os cadetes. Primávamos pela união, companheirismo e
competição salutar. Todos se envolviam na preparação para os jogos, de domingo a
domingo. Era muito bom‖. (Calderaro, Aspirante a Oficial, 1991)
Nos três anos também participávamos dos jogos Acadêmicos, onde tínhamos
treinamento esportivo três vezes na semana, além das atividades de Educação Física
e Judô, ou seja uma atividade desportiva intensa, durante os três anos de formação
para ganharmos condicionamento. (Lima e Silva, Cadete, 1989).
744
Jogos Acadêmicos da Polícia e Bombeiros Militares do Brasil.
298
Há, entretanto, nesses exercícios do circuito policial militar, pequenos detalhes que
não podem ser ignorados no treino, por exemplo, a corrida, exige parâmetros peculiares na
calistenia militar, na qual o tronco do corpo do militar deve estar ereto, mesmo com o peso
dos equipamentos ou da mochila. O armamento, que geralmente o cadete carrega durante o
treino, é o fuzil, o qual deverá estar em posição aproximadamente a um palmo de distância do
peito, os joelhos devem ser elevados mais ou menos no ângulo de 90º até que as coxas fiquem
paralelas ao solo enquanto o cadete executa a corrida745.
A aplicação da abordagem calistênica nos treinos, por ser uma técnica reconhecida no
treinamento físico militar é promotora de bons resultados para o fortalecimento e coesão do
grupo e espírito de corpo, elementos extremamente necessários para a atuação profissional.
As missões policiais militares, por sua diversificação, tem no TFM, o recurso para o êxito do
trabalho sem que ninguém seja deixado para trás, por exemplo, numa operação de
reintegração de posse no meio da mata:
745
Exército Brasileiro, idem, 2015.
299
De modo geral, nas narrativas dos sujeitos, instrutores de treinamento físico militar/
calistênico, ou dos próprios atletas competidores, podemos depreender, a relevância e a
complexidade da qualificação policial para a obtenção de adequado desempenho profissional.
[...] treinamento em circuito, nas barras paralelas, os pesos que são utilizados nas
academias são trabalhados na parte calistênica. Por outro lado, temos disciplinas como
basquete, vôlei, futebol, esgrima e atletismos que nós fazemos com ênfase total. Na
modalidade atletismos, fazemos a prática, estudo técnico e teórico. E todas as provas de
campo e pista, como exemplo arremesso de peso e de dardo, salto em distância, salto em
altura, salto com vara, prova de 10, 200, 400, 1500 metros. É um curso voltado para
execução do que você vê na teoria. (Leão Braga, Aspirante a Oficial 1992)
746
Exército Brasileiro. Manual de Campanha - Treinamento Físico Militar C20-20. 3ª Edição 2002.
747
Exército Brasileiro, idem, 2002.
748
SACKS, Oliver. Alucinações musicais. São Paulo-SP: Companhia das Letras, 2007.
749
MARQUES, José Roberto. Músicas de motivação para vida e trabalho. Master Coach Sênior e Trainer
Instituto Brasileiro de Coaching. 2017. Disponível em <www.ibccoaching.com.br.>. Acesso em: 18 nov.
2017.
300
que fundamentam o seu aproveitamento nas academias esportivas civis, como apoio aos
atletas, produzindo descontração, alegria e ritmo durante a prática de exercícios.
A percepção de Heyder Calderaro que foi instrutor de TFM para várias turmas de
policiais militares: praças e oficiais, é que as canções produzam motivação, solidariedade e
coesão, que pouco importa se o pelotão está correndo sob o sol intenso, ou debaixo de chuva,
ou ainda com equipamentos pesados, o que importa no treino, é a superação, de qualquer que
seja adversidade:
301
Nosso objetivo é sempre todos juntos... ninguém pode ficar para trás. Essa ideia de
ninguém ficar pra trás, é muito bacana, traduz a ideia de um só corpo, de coesão no
pelotão.
[...] De repente como uma estratégia de igualdade entre os pares, ou de
solidariedade, a gente coloca o mais lento do pelotão, para puxar a corrida, ele vai
ditando a cadência para todo o pelotão, conforme seu próprio ritmo, assim, todos
correm juntos.
Isso é sem dúvida uma lição que se reflete para a prática policial militar: de
solidariedade, companheirismo, e de abordagem. Nunca se deve deixar o colega pra
trás. E as canções pra que canções? Elas são super bacanas, dão muito mais
descontração, mais alegria e entusiasmo aos treinos, mesmo no cansaço, tem que ter
entusiasmo.
Entendo, que o treinamento militar traz diferença de todas as outras formações,
porque produz uma rotina diária de condicionamento, de solidariedade, de
descontração e de adestramento‖. (Calderaro, Aspirante a Oficial, 1991).
O braço está cansado de tanta flexão; e se não parar vai morrer do coração; iaiaia eu
não tou nem aí; se tu não aguenta então pede pra sair; mas que guerreiro és tu que
não aguenta ralação; pega a tua gravata e volta pra seção; fica aí chorando porque
cheira um gásinho; quer que eu tenha pena dessa cara de beicinho; por isso corre um
pouco e já está passando mal; veio porque quis, sabia que era pau; sabia que era pau,
veio porque quis; é pra lascar papai, é pra lascar papai; coordenação raça... aiaiai.
Não Posso Parar, Não, não; Não posso parar, Se eu paro eu penso, Se eu penso eu
paro. Não, não, não posso parar ... Se eu paro eu penso, Se eu penso eu choro.
Não, não é ruim seria melhor se fosse pior ... Seria pior se fosse melhor.
Tem alguém cansado aí? Não senhor! Aqui não tem cansado, nem tão pouco
apagadão! Aqui só tem recruta o melhor da região!‖
750
As canções apresentadas aqui, me foram repassadas pelo Tenente Coronel Júlio Idelfonso Ferreira, instrutor
de Treinamento Físico Militar da APM Cel Fontoura.
302
Também existem algumas canções com letras metafóricas, que denotam conteúdos
idealizados, e que enaltecem a força, coragem, resistência e energia, qualidades esperadas do
policial ‗guerreiro‘, como se pode ver a seguir:
Eu tenho uma mania que já é tradição; de nunca me entregar, de não cair ao chão.
Quando eu corro com essa tropa sinto muita vibração, porque eu sei que ninguém
pode com a nossa união; uniforme camuflado e pouca água no cantil, a mochila bem
pesada, em guarda alta o meu fuzil, o que eu tou fazendo agora pouca gente quer
fazer. Pois a fome, o frio é forte e o cansaço é pra valer.
Em âmbito dos quarteis e academias militares, além das canções, que auxiliam nas
atividades do TFM, existem os ―hinos‖ que de modo mais formal, tradicional, compõem a
cultura militar. Os hinos em geral, se voltam para o simbolismo de conotação patriótica ou de
memória cívica. Eles são pensados para a exaltação a algum acontecimento, por exemplo, o
dia da Independência, da Proclamação da República, ou aos feitos de algum herói.
No caso da APM Cel Fontoura, quando de sua criação e ainda nas primeiras turmas,
da ‗Fontourinha‘, os cadetes dispunham de uma disciplina especifica, denominada de
‗Educação Musical‘, na qual os cadetes eram empenhados ao aprendizado das letras e
melodias dos mais diversificados hinos de conjuntura nacionais. Geralmente o instrutor da
disciplina Educação Musical, era o regente ou integrante da Banda de música da PM.
Éramos exigidos para aprendermos as canções militares. Quem não conseguisse era
anotado, as vezes as punições eram ficar de pernoite ou de licença cassada, então por
causa disso, ficávamos treinando. (Matos, Cadete, 2008).
A meu ver, na minha turma, não tínhamos quase nenhuma influência das Forças
Armadas, mas havia a aproximação com o Exército na questão de alguns ritos, dos
303
paradões semanais, no culto aos símbolos, e nos hinos. Muitos dos hinos que eu sei,
memorizei desde o tempo quando eu estava no EB. (Ramiro, Cadete, 2010).
Um fato curioso citado por alguns dos entrevistados integrantes das primeiras turmas
da Fontourinha: Seabra, Marinho, Dílson Júnior e Salim, foi quando os vários pelotões das
primeiras turmas de cadetes, receberam a incumbência de ensaiar o ‗Hino Nacional do Chile‘
em espanhol, para apresentá-lo à uma autoridade daquele país andino que estava em visita ao
Pará e à Academia Cel Fontoura.
Houve um fato inusitado na Academia que foi quando o general dos Carabineiros do
Chile, veio visitar o Pará, e iria também visitar a Academia. Acho que por conta de
que o Coronel Vieira tinha feito curso lá no Chile.
Eles nos fizeram aprender o hino, e nos fizeram ensaia-lo durante muito tempo.
Imagine que tivemos que cantar em espanhol a canção dos Carabineiros do Chile,
para apresentarmos ao general. Foi um negócio que rendeu, que deu trabalho (risos),
para ficar no ponto (Salim, Cadete 1992).
Mas, na verdade, a visita recebida não fora do general dos Carabineiros do Chile e sim
do general brasileiro Ney da Silva Oliveira, que era adido do Exército brasileiro junto à
Embaixada do Brasil no Chile, e que em sua estada ao Pará visitou a APM e recebeu, por
conta disso, deferência de tratamento, realizada pelos cadetes e aspirantes, com a
apresentação do hino nacional do Chile.
Mesmo que o uso de memórias como evidência histórica por vezes possa apresentar
lapsos, enganos, distorções, no entanto, acredito que possam ser sanados com a combinação
de outros depoimentos e de outras fontes históricas, como o fizemos, nos cercando de
documentações que possibilitam fundamentar, interpretar e também cotejar o que é dito.
751
THOMSON, Alistair. Aos cinquenta anos: uma perspectiva internacional de História Oral. ALBERTI, V.,
FERNANDES, T.M.; FERREIRA, M.M. (Orgs.). História Oral: desafios para o século XXI.(online). Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2000. p.52.
752
PORTELLI, Alessandro. História Oral como arte da escuta. São Paulo: Letra e Voz, 2016.
305
A ideia defendida por alguns dos sujeitos na pesquisa é de que a APM teve prejuízo
em sua dinâmica ao ser remanejada para o IESP. Tal opinião se sustenta no entendimento de
que a formação do aluno oficial PM perdeu um pouco de sua identidade. Existem alguns
entrevistados que defendem que se a APM houvesse permanecido como uma unidade de
ensino individualizada, a formação seria mais consistente.
Observo até hoje que a palavra ―improviso‖ é muito marcante na Academia, nem
sempre nossas formações são organizadas de modo a fazer frente às exigências do
Estado Moderno. Às vezes o que alguns querem fazer é um rearranjo.
O IESP entra na minha carreira nos cursos de CAO e CSP, quando o Sistema de
Segurança Pública, considera que esses cursos devam ser ‗gerenciados‘ pelas as
universidades, por serem cursos de especialização e aperfeiçoamento.
Essa apropriação do conhecimento acadêmico-cientifico das universidades para a
PM fazem uma passagem epistemológica – é sem dúvida uma significativa evolução
a função de experiência com o conhecimento.
O profissional militar ou civil tem autonomia dentro do proposto na Matriz
Curricular pelo SENASP cuja a formação consiste na educação por competência. (
Rocha, aspirante a oficial 1991).
experiência de uma cultura de não violência, de uma cultura de paz. Nesse sentido, a maioria
dos sujeitos entrevistados nesta tese são contundentes em declarar a inadmissibilidade do
isolamento ou a permanência de ‗fechamento institucional‘.
Por outro lado, alguns dos entrevistados que foram ou são instrutores na APM/IESP,
relataram algumas dificuldades e desafios que verificaram no exercício da formação policial
militar. Reportam-se ao fato de que se trata de uma formação muito específica e para sujeitos
adultos, onde o currículo, ou os conteúdos programáticos propostos, não serão ensinados
apenas como conhecimentos técnicos para uma atuação profissional, ou para o recebimento de
uma titulação, mas, sobretudo, para uma formação vivencial, que exige incorporação de
valores, de conteúdos, que se vinculam à própria subjetividade do formando; é a aquisição de
um ethos que se confunde com o lado humano, do servidor.
[...] mais que tudo, trata-se de formar policiais já formados anteriormente, ou seja de
desconstruir paradigmas de pensamento e ação, dentro de uma nova concepção, em
que todos os cidadãos, inclusive os policiais, independentemente de sua condição
social, sejam vistos como sujeitos de direitos e destinatários da proteção da polícia. 753
Uma formação que permitiu uma prática pedagógica mais dialogada, mais
humanizadora, estaria se perdendo essa especificidade, posto que a instituição no seu trabalho
cotidiano desenvolve suas relações com a sociedade, que se abriu para relações com a
comunidade, vivencia não mais a formação na perspectiva de instituições policiais militares.
Eu não vivi a APM Cel Fontoura, eu já vivi o IESP, mas pelo o que as pessoas
dizem a APM CEL Fontoura perdeu a identidade, a ida para o IESP favoreceu que a
instituição APM ficasse sem identidade devido o tom de integração – todos são tudo
(alunos em formação) e não tem uma identidade própria a não ser pelo uniforme.
(Ramiro, Cadete, 2010).
753
KANT DE LIMA, Roberto. Políticas Públicas de Defesa Social e a Formação de Policiais. In: Polícia de
Segurança Pública. Série: Gestão Pública e Cidadania. Belo Horizonte; Massangana; Fundação João
Nabuco. 2002. p.213.
754
SOUZA, Robson Sávio Reis. Política de Segurança Pública: grandes desafios. Carta Capital, São Paulo, 18
jul.2011. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/politica-de-seguranca-publica-grandes-
desafios. Acesso em: 3 jun. 2018.
310
Embora tais disciplinas tenham sido denominadas pela SENASP, constatei que na
prática, algumas não recebem a mesma denominação dada pela a MCN. Por exemplo: a
disciplina ―Ética e Cidadania‖ da Área Temática ―Cultura, cotidiano e prática reflexiva.
Conforme a Matriz Curricular a disciplina é denominada de ―Ética e Cidadania‖, foi
ministrada na APM/IESP em sete turmas, do total de 51 turmas, tendo a mesma disciplina,
recebido três nomes diferentes. Primeiramente, foi introduzida com o nome de ―Filosofia,
ética e cidadania‖, depois tornou-se ―Ética e Cidadania‖, e nas últimas turmas do recorte
temporal investigado, passou a ser ―Ética policial militar‖.
Embora não coubesse imposição para a adoção da Matriz Nacional, foram utilizadas
estratégias sutis e coercitivas por parte do governo, para que as unidades de ensino
recepcionassem sem demora a MCN. Segue a narrativa de Emilio, que foi Diretor do ISEP:
A Matriz Curricular foi paulatinamente sendo admitida. Tiveram medidas por parte
da própria SENASP ‗obrigando‘, de certa forma, os estados a fazerem isso. Tipo
assim, se o governo estadual estivesse pleiteando uma verba ao federal por
exemplo, um dos itens era justamente verificado a matriz curricular de formação do
estado, se o estado a recepcionou ou não a matriz curricular nacional. Se
recepcionou numa determinada percentagem, teria verba, se não, não tem verba. Isso
foi ao longo do tempo sendo trabalhada a nível de SENASP, não como uma forma
de intervenção porque nosso estado é federativo, mas como uma forma de
imposição. Aí os estados passaram a entender que havia a necessidade dessa
mudança, e os 26 estados naquela época adotaram tranquilamente sem problema
nenhum. Até porque existia o processo de regionalização, a matriz era só uma
baliza, norteadora de disciplinas e matérias, de conhecimentos comum de todas as
Polícias. (Emilio, Aspirante a Oficia,l 1991; ex-Diretor do IESP).
Nesta tese, o percurso traçado, foi com vistas a apresentar o processo da formação do
oficial policial militar na Academia Cel Fontoura, quando de sua preparação individualizada
na década de 1990, as alterações advindas com a mudança para o IESP, e a recepção da
Matriz Curricular Nacional, até o credenciamento junto ao Conselho Estadual de Educação
para a transformação da APM/IESP em uma Instituição de Ensino Superior, ocorrido em
2014.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] pois todos sabemos muito bem dos percalços e o tremendo esforço em que consiste
transformar em narrativas e palavras, aquilo que foi colhido em pedaços de realidade -
entrevistas, fichas, tabelas, anotações [...] conversas [...]. Palavras preciosas que
pretendem, além disso, ser precisas. Dádivas que saem de cada um de nós com um
enorme esforço do fundo de nossas cabeças [...], mas que só podem se materializar no
papel por meio daquela energia [...] que bate com os nossos corações756.
O fato de ser oficial da Polícia Militar do Pará, com vinte e quatro anos de serviço, me
possibilitou testemunhar os cenários contrastantes e interagir com as circunstancias e com
parte dos sujeitos aqui elencados.
755
O ‗Fora de forma‘ é um momento muito esperado pela tropa, é a expressão usada para identificar que o
pelotão pode sair de forma, ou retirar-se do serviço, que por hora, serviço acabou.
756
DA MATTA, Roberto Apresentação. In: D‘ARAÚJO, Maria Celina. (Org.). Redemocratização e mudança
social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2014. p.7.
313
Constato, que não foram poucas as inovações introduzidas, pela SENASP, igualmente
não poucas pelo Sistema de Segurança Pública, a serem acatadas. As iniciativas políticas dos
governos, apresentadas nas documentações, os discursos dos gestores e as narrativas dos
oficiais – meus interlocutores, evidenciam sobremaneira, os diversos momentos
experimentados de transformação na formação do oficialato.
757
A partir de 2012, deu-se a instalação do Programa Patrulha Maria da Penha, em alguns estados brasileiros,
como desdobramento do I Seminário Internacional ‗Mulheres e a Segurança Pública‘ realizado em Porto Alegre
– RS, com o objetivo de capacitar policiais militares especificamente para o pleno atendimento de mulheres
vítimas de violência doméstica, consubstanciados pela filosofia de Polícia Comunitária, cuja a operacionalidade
policial se faz de modo bastante amplo: ‗interação com a comunidade, envolvimento, formação de redes de
cooperação, prevenção propriamente dita, atendimento a fatos consumados, investigação, apuração penal,
acompanhamento pós-traumático‘ dentre outros. Ver: GERHARD, Nádia. Patrulha Maria da Penha: O impacto
da ação da Polícia Militar no enfrentamento da violência doméstica. AGE/EDIPUCRS. Porto Alegre, 2014.
p.83
314
O discurso da integração, tão forte nos gestores, ainda não ecoou com o mesmo vigor
entre as fileiras policiais civis e militares. Observa-se que a formação no CFO tem avançado
no escopo de qualificar o policial às novas exigências da sociedade, na defesa dos Direitos
Humanos, entretanto, vê-se ainda muita ênfase ao modelo militarista, ao treinamento físico
militar, à elevada carga horária de preparação jurídica, e meramente à execução, na tentativa
de reprimir a criminalidade para proporcionar tranquilidade aos cidadãos.
758
Aptidão psicológica, Robustez ou resistência física, sanidade física e mental compatíveis com a função,
possua escolaridade no mínimo de ensino médio, não apresente punição por indisciplina nas Forças Armadas,
não haja restrição em seus antecedentes criminais, e seja aprovado em todos os exames do processo seletivo.
Tais exames são de caráter eliminatório e analisam aptidões intelectuais, antropométricas, psicológicas, físicas,
de saúde, sociais/conduta e documentais.
759
Inatividade ou reserva remunerada, em âmbito civil denomina-se de ‗aposentaria‘.
760
Fardar-se para cumprir escala de policiamento, por exemplo.
315
Nesta tese, pude investigar os sujeitos sobre dois momentos: primeiro, os entrevistei
buscando suas memórias iniciais, remotas, como alunos (aspirantes a oficial e cadetes) e
posteriormente, acerca de suas experiências na condição de instrutores, de comandantes ou
mesmo de gestores na APM Cel. Fontoura/IESP.
É possível, reconhecer, por meio das narrativas dos participantes, que a instituição tem
rompido com velhos paradigmas, dentre os tais, à pratica androcêntrica e tem se permitido
abrir-se para as diferenças;
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336
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PolyGram, 1982. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=HnX4VFz4EOs>
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REGISTROS Memoriais do Coronel Artur Correa da Silva - disponibilizados por José Dilson
Melo de Souza Junior.
AVULSOS
Revista Alvorada. Revista Comemorativa da Academia de Polícia do Ceará: Aspirantes, 1993.
ENTREVISTADOS
COIRMÃS
1 CIFO
2 CIFO
CFO
APÊNDICES
347
APÊNDICE A
OFÍCIO AO CEL. PM AILTON SILVA DIAS
Assunto: Solicitação
Cordialmente,
APÊNDICE B1
OFÍCIO AO TEN CEL. QQPM LUIZ CARLOS RAYOL DE OLIVEIRA
349
APÊNDICE B2
OFÍCIO AO TEN CEL. QQPM MARCELO CHUVA SIMONETTI
Assunto: Solicitação
Cordialmente,
APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Nome:___________________________________________________________
Assinatura:_______________________________________________________
351
APÊNDICE D
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
1. Nome ______________________________
2. Ano do Ingresso - Qual das Academias?
3. Modo do ingresso? ( ) Indicação ( ) CPOR ( ) NPOR ( ) Outro
4. Motivação para a admissão.
5. Família – opinião sobre a carreira militar /sobre seu ingresso na Academia
6. Tipos de influência para o seu ingresso na vida militar
7. Estado civil e idade à época do ingresso.
8. Cotidiano (rotina diária) da Academia.
9. Experiência em regime de internato?
10. Apresentação pessoal (Uniformes, cabelos, barba, sapatos, etc)
11. Nome de guerra (critério? Escolha pessoal)
12. Formaturas civil/militar
13. Treinamento Físico Militar ou Educação Física Militar
14. Desfiles públicos
15. Ritos policiais militares da formação (espadim / espada, etc)
16. Cerimonias e solenidades
17. Ingresso de mulheres
18. Formação - Aulas/ensino/disciplinas
19. Instrutores/professores
20. Estágios operacionais
21. Espirito de corpo/Espirito militar
22. Formação compatível com a atuação. Alguma deficiência no ensino/aprendizagem.
23. Elogios. Punições.
24. Seu desempenho (notas/conceitos)
25. Lotação/distribuição no Estado
26. Jogos acadêmicos interestaduais
27. Dificuldades no período de sua formação
28. Retorno em outro momento à Academia.
29. Percebe mudanças em níveis de formação/ aperfeiçoamento.
30. Continuidades na formação.
31. Diferença da formação na APM e IESP.
32. Sua trajetória.
33. Gostaria de comentar algo mais? Fique à vontade.
352
APÊNDICE E
DADOS BIOGRÁFICOS DOS ENTREVISTADOS
Joao Paulo Vieira da Silva - Oficial oriundo do Exército brasileiro. Engenheiro Civil
pela UFPA; Desempenhou várias funções na PMPA: foi o primeiro comandante da
Academia de Polícia Militar Cel. Fontoura. Diretor de Ensino e Instrução da PMPA;
Chefe da Casa Militar da Governadoria do Estado no governo de Almir Gabriel; Foi
Comandante-Geral da PMPA (2003-2006) e Presidente do Conselho Nacional dos
Comandantes-Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares eleito por
três mandatos consecutivos. Coronel da reserva da Polícia Militar do Pará.
COIRMÃS
Leonardo Santiago Gibson Alves – Foi cadete Academia de Polícia Militar em Minas
Gerais. Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia (2012); Especialização
em Sociedade e Segurança Pública pela UFPA (2013-2015); Especialização em Direito
Administrativo e Administração Pública pela Universidade da Amazônia (2011-2013).
Desempenhou diversas funções nas áreas administrativas, na Diretoria de Finanças e
na Diretoria de Apoio Logístico.
Osmar Vieira da Costa Junior – Iniciou sua formação ao oficialato, como cadete na
Academia de Polícia Militar de Barro Branco-São Paulo, entretanto por ter apresentado
pneumonia e inadaptação ao clima frio, concluiu seu Curso de Formação de Oficial na
Academia de Paudalho-Pernambuco. Tornou-se oficial instrutor e multiplicador da
filosofia de Polícia Comunitária e da disciplina de Direitos Humanos. Foi Comandante
do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças e também Comandante da
Academia da Polícia Militar Cel. Fontoura. Coronel da reserva da Polícia Militar do Pará.
Ruth Léa Costa Guimaraes – Foi Cadete da Academia de Polícia Militar de Minas
Gerais em 1988. No Pará, desde Aspirante a Oficial, exerceu várias funções: Instrutora
nos cursos na formação de soldados; Comandante de policiamento em campos futebol;
policiamento no Carnaval e outras operações. Trabalhou na Companhia de
Policiamento Feminino e nos batalhões de Santarém e de Itaituba; Comandante da
Companhia Independente de Policiamento Assistencial (CIEPAS). Foi promovida a
Coronel em 2009, sendo a ‗primeira oficial feminino‘ do quadro de combatentes no
estado do Pará a chegar neste posto. Coronel da Polícia Militar do Pará.
Joao Carlos Lima e Silva – Foi Cadete na Academia de Polícia Militar de Minas
Gerais; desenvolveu várias funções: como instrutor nos cursos de formação de
soldados (CFAP). Foi do Centro de Suprimento e Manutenção. Coordenador de Ensino
Superior do IESP e, posteriormente, foi nomeado Diretor do Instituto de Ensino de
Segurança do Pará (IESP). Coronel da Polícia Militar do Pará.
Pedro Paulo Costa Vale – realizou Curso de Formação de Oficiais pela Academia de Polícia
Militar do Paudalho, Pernambuco (1994). Graduado em Gestão de Órgãos Públicos pela
Universidade da Amazônia (UNAMA); Especialização em Defesa Social e Cidadania pelo
Instituto de Ensino e Segurança Pública do Pará (UEPA); Especialização em Metodologia do
Ensino (IESP). Foi instrutor de diversas turmas, da disciplina Armamento e Tiro; Chefe da
Divisão de Ensino da Academia de Polícia Militar Cel. Fontoura; Comandante da CIEPAS;
Subdiretor na Diretoria de Polícia Comunitária e Direitos Humanos. Subcomandante do
Comandado de Policiamento Regional IX. É Tenente Coronel da Polícia Militar do Pará.
1° CIFO
Dilson Barbosa Soares Júnior – Integrou a primeira turma do curso intensivo de formação
de oficiais da APM Cel. Fontoura; Foi Comandante do Batalhão de Policia Militar de
Itaituba; integrou a subchefia da Governadoria da Casa Militar do Pará no governo de Ana
Julia Carepa; Diretor de Pessoal da PMPA; Diretor do Fundo de Assistência Social da PM.
Coronel da Polícia Militar do Pará.
Hylton Loris Soares Figueira – Integrou a primeira turma do curso intensivo de formação
de oficiais da APM Cel. Fontoura. É bacharel em Direito; foi oficial tesoureiro do Centro
Social da PM e Fundo de Assistência Social. Oficial corregedor e Presidente da Comissão
Permanente de Corregedoria do CPC (2012). Coronel da Polícia Militar do Pará.
Marco Antônio Rocha dos Remédios – Integrou a primeira turma do curso intensivo
de formação de oficiais da APM Cel. Fontoura. Chefe de gabinete do Comandante-Geral.
Mestre em Defesa Social e Mediação de Conflitos pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Especialista em Gestão Governamental (FGV/SP); Educação e Problemas Regionais (UFPA);
Segurança Pública (UCAM/RJ); Gestão em Segurança Pública e Defesa Social (UFPA);
Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Docente dos Cursos de
Promotores e Multiplicadores de Polícia Comunitária em âmbito nacional pelo Ministério da
Justiça. Coronel da Polícia Militar do Pará.
356
2°CIFO
José Dilson Melo de Souza Junior – Participou da segunda turma do curso intensivo
de formação de oficiais da APM Cel. Fontoura, em 1992. Foi da governadoria da casa
militar do primeiro mandato do governo Almir Gabriel, comandante do Comando de
Policiamento da Capital; Corregedor Geral, e Diretor de Ensino e Instrução da PMPA.
357
Ronaldo Carlos Souza Seabra – Oficial formado inicialmente pelo CIABA –oriundo
da Marinha Mercante, participou da segunda turma do curso intensivo de formação de
oficiais da APM Cel. Fontoura, em 1992. Foi integrante do Comando de Policiamento
Regional III, em Castanhal-Pará. Foi do 13º BPM de Tucuruí; instrutor e tesoureiro da
Academia de Polícia Militar Cel. Fontoura; oficial corregedor regional da corregedoria
de Polícia Militar. Coronel da Polícia Militar do Pará.
CFO
Simão Salim Junior – Foi da 1ª turma do curso de Formação de Oficiais Regular (CFO),
em 1992. Comandante da Ronda Ostensiva Tática Metropolitana (ROTAM); Comandante
da Companhia Independente de Operações Especiais (CIOE), Chefe do Centro Estratégico
do Comando de Policiamento da Capital. Coronel da Polícia Militar do Pará.
Osmar de Melo Santos – Foi cadete na turma de 1999 na Academia de Polícia Militar Cel.
Fontoura. Foi oficial de dia no CIEPAS; Comandante do Corpo de Alunos da Academia
de Polícia Militar; integrou a Diretoria de Apoio Logístico - Seção de Contratos e
359
Ênio Félix de Oliveira – Foi Aspirante a Oficial da Reserva não remunerada do Exército
Brasileiro (NPOR), Belém (2003). Foi Cadete na turma de 2008 na Academia de Polícia
Militar Cel. Fontoura. Trabalhou na Companhia Independente de Policiamento com Cães;
Comandante de Companhia no CFAP; Comandante do 2° Esquadrão do Regimento de
Polícia Montada "Cassulo de Mello". É Bacharel em Direto pela UFPA. Tem curso de
Adestramento Básico de Cães Policiais, de Instrutor de Tropa Montada; de Instrutor de
Tiro Defensivo Método Giraldi; de Intervenções Estratégicas em Manifestações Sociais. É
oficial no 20° BPM. Capitão da Polícia Militar do Pará
Maxwell Matos Sousa – Foi Cadete na turma de 2008 na Academia de Polícia Militar
Cel. Fontoura. Lotado no 1º BPM (2010-2012), participou do Grupo de Recobrimento
Comando de Policiamento da Capital (2012-2013); Oficial do Batalhão de
Policiamento Tático (2013-2014); Batalhão de Polícia de Choque (2014-2018) e
Ajudante de Ordens do Comandante[-Geral. Capitão da Polícia Militar do Pará
APÊNDICE F
MAPA DE DISCIPLINAS
―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
DISCIPLINAS
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Abord. Sóc.-Psicol. da Viol. e do Crime X X X
Abordagem Psi. do Crime e da Violência X
Administração de Materiais da PM X X X
Administração de Pessoal X X X
Administração Financeira da PM X X X
Administração Policial Militar X X X X X
Administração Pública X X
Análise de Procedimentos da PM X
Armamento, Tiro e Equipamentos da PM X X X X X X X X X X X X
Atividade de Inteligência X X X X
Cartografia e Geoinformação na Análise do X
Espaço Geográfico
Cerimonial, Protocolo e Etiqueta Social X X X
Chefia e Liderança X X X X X X X
Comunicação Comunitária X X X X
Comunicação e Expressão X X X X X
Comunicação Social X
361
Cont...
Comunicações PM X X X X X X X X
Contabilidade e Finanças Públicas X X X X X X X X
Correspondência Militar X X X X X X X
Criminalística/ Criminalística Aplicada X X X X X X X X X X X X X X
Criminologia Aplicada à Seg. Pública X X X X X X X X X X X X X X X
Defesa Civil X X X X
Defesa Pessoal X X X X X X X X X X X X X X X
Defesa Pessoal e Artes Maciais X
Deontologia Policial Militar X X X X X
Desportos Especializados X X X
Didática X X X X X X X
Direção Def. Aplic. – cat. ―A‖ e cat. ―B‖ X X
Direito Administrativo X X X X X X X X X X X X X X
Direito Ambiental X X X X X
―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Direito Civil X X X X X X X X X X X X
Direito Civil e do Consumidor X X
Direito Constitucional X X X X X X X X X X X X X X
Direito da Criança e Adolescente X X X
362
Cont...
Direito Especial X X X
Direito Penal X X X X X X X X X X X X X X X
Direito Penal Militar X X X X X X X X X X X X X X
Direito Processual Penal X X X X X
Direito Processual Penal Aplicado X X X X X X X X X X X X X X
Direito Processual Penal Militar X X X X X X X X X X X X X X X
Direitos Humanos X X X X X X X X
Direitos Humanos e Humanitários X X
Economia Brasileira e Políticas Públicas X X X
Economia e Desenvolvimento Regional/Economia X X X X X X X
Política
Economia Política X X X X X
Educação Física Militar/Treinamento Físico Militar X X X X X X X X X X X X X X X
Educação Musical X X
Emergência e Socorro de Urgência X X
EOPAS X
Equitação Militar X
Estágio Supervisionado X X X X X X X X
Estatística e Análise de Dados X X X X X X X X X X
Estatística/ Estatística Aplicada X X X X X X X X X X
Estudo complementar de Direito X
Estudos dos Problemas Amazônicos X X X X
Estudos Dos Problemas Brasileiros X
363
Cont...
Estudos Militares X X X X X
Estudos Policiais X X X X X
Ética e Cidadania X X X X
Ética Policial Militar X X X
Etiqueta Social X X X X X
―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Fund. Pol. Ativ. Prof. Seg. Cidadão X X
Fundação de Polícia Comunitária X X X X
Fundamentos da Ciência Administrativa X X X X X X X
Fundamentos da Ciência do Direito X X
Fundamentos da Gestão Pública X X X
Fundamentos das Ciências Econômicas X X X
Geografia da Amazônia X
Gerenciamento de Crises e Negociação X X X X X X X
Gestão da Informação (Atividade de Inteligência) X
Gestão de Qualidade X X X
Gestão na Administração Pública X X X X
História da Polícia Militar X X X X X X X X X X
Informações X X X X
364
Cont...
―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Noções Bás. de Primeiros Socorros X
Noções de Bombeiro Militar X X X X X
Noções de Cart. E Imag. Aéreas X
365
Cont...
Cont...
Policiamento de Guarda X X X X X X
Policiamento de Rádio Patrulha X X
Policiamento de Trânsito X X
―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
1992 1993 1994 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2006 2008 2010 2011 2012
1994 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2008 2010 2013 2014 2015
Policiamento de Trânsito Urbano e Rod. X
Policiamento Escolar X X X X
Policiamento Fluvial X X
Policiamento Montado X X X X
Policiamento Ostensivo Geral X X X X X X X
Policiamento Penitenciário X X
Policiamento Rodoviário X X
Policiamento Rodoviário e de Trânsito X
Policiamento Turístico X X X
Política Econômica e Desenv. Regional X
Português Instrumental X X X X X X X X X X
Prevenção e Combate a Incêndio X X X X X
Primeiros Socorros X
Processo Decisório Aplicado X X X
Pronto Socorrismo X
367
Cont...
Psicologia da Violência X X
Psicologia Social X X X X X X
Radiopatrulhamento e Téc. De Abordagem X X X
Relações Humanas X
Relações Humanas/ Relações Interpessoais X X X
Relações Interpessoais X X X
Relações Públicas Humanas X
Resolução de Confl. Agrários (EAD) X X X
Seg. de Inst. Físicas e Dignitários X X X X X X X X X
Segurança Nacional X X X X
Seminário Temático X X X X X X
Seminários, Supervisão, Estágios X X X X X X X X X
Seminários/Palestras X
Serviço Social X X X X
Sistema de Segurança Pública no Brasil X X X
―FONTOURINHA‖ 2000-APM/IESP
3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 17ª
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