Você está na página 1de 9

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/271134840

As Bases Históricas e Teóricas da Montagem no Cinema

Chapter · January 2014

CITATIONS READS

0 2,709

3 authors, including:

Jorge Ferraz Abreu


University of Aveiro
168 PUBLICATIONS   500 CITATIONS   

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

SecurHome TV View project

Connector View project

All content following this page was uploaded by Jorge Ferraz Abreu on 20 January 2015.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


AVANCA | CINEMA 2014

As Bases Históricas e Teóricas da Montagem no Cinema


Carlos Canelas
Unidade de Investigação para o Desenvolvimento do Interior, Instituto Politécnico da Guarda1,
Portugal
Jorge Ferraz de Abreu
Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro, CETAC.MEDIA, Portugal
Jacinto Godinho
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa, CECL, Portugal

Abstract
2. A escola norte-americana
This paper seeks to present the historical and
theoretical foundations of film editing, highlighting the 2.1. Edwin S. Porter
contributions of the American school, performed by Ainda que não tenha inventado a montagem
Edwin S. Porter and, especially, by David W. Griffith, cinematográfica, o norte-americano Edwin S. Porter
whose techniques were theorized, in the late 1910s and (1870-1941) foi o primeiro cineasta a fazer um real
over the next decade, by the Soviet school, where the uso dela em termos narrativos, com a realização dos
names of Lev V. Kuleshov, Vsevolod I. Pudovkin, Sergei filmes Life of an American Fireman e The Great Train
M. Eisenstein and Dziga Vertov came into evidence. Robbery, ambos exibidos no ano de 1903 (Crittenden
Methodologically, the results presented and 1995; Martin 2005; Wolsky 2005; Marner 2010;
discussed come from the literature review on the Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010).
subject under investigation, highlighting the works of No filme Life of an American Fireman é contada a
the following authors: André Bazin; Andrew Tudor; história de um corpo de bombeiros que vão resgatar
Dominique Villain; Georges Sadoul; Gérard Betton; mãe e filha que se encontram encurraladas num
Gilles Deleuze; Jacques Aumont; Karel Reisz; Ken edifício em chamas. Este filme é composto por planos
Dancyger; Marcel Martin; Marie-Thérèse Journot; retirados de um filme documental sobre bombeiros e
Martine Joly; Michel Marie; René Gardies; Roger por planos resultantes de encenação, os referentes
Crittenden; Sergei Eisenstein; Vicente Sánchez- à mãe e filha, gravados em estúdio (Viveiros 2005,
Biosca; Vincent Amiel; Vincent Pinel; among others. Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010). A conjugação
desses planos, que inicialmente não tinham qualquer
Keywords: American school, Cinema, Film editing, relação entre si, criou a história do salvamento
Soviet school. (Viveiros 2005; Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010).
Pela análise deste filme, conclui-se que o sentido
1. Introdução do plano não é necessariamente independente,
podendo ser alterado e subordinado a outros planos
Desde do nascimento da sétima arte, isto é, do (Reisz e Millar 2010). Dito por outras palavras, dois
cinema, em 1895, até 1903, os planos eram filmados planos filmados em lugares diferentes, com objetivos
a partir de um único lugar, o do espetador, e o trabalho distintos, podem, quando ligados, significar algo maior
do técnico de montagem passava, na maior parte dos do que a mera soma das duas partes (Dancyger 2010).
casos, por dispor os planos uns a seguir aos outros pela Nesta medida, a justaposição podia gerar uma nova
ordem cronológica da história narrada (Joly 2003). Deste realidade, maior do que a de cada plano individual
modo, considera-se que a montagem propriamente dita (Dancyger 2010). Pela primeira vez na curta história
só surgiu com a “libertação” da câmara de filmar do do cinema, o plano não possuía significado próprio,
lugar do espectador (Viveiros 2005). dependia da relação com os restantes planos (Reizs
Apesar da montagem cinematográfica ter surgido, e Millar 2010).
em 1900, pelas mãos da Escola de Brighton, na Desta forma, Porter estabeleceu o princípio básico
Inglaterra (Sadoul 1983), o atual cinema narrativo da montagem, ao demonstrar que o plano é a unidade a
teve a sua génese na montagem desenvolvida nos partir da qual os filmes devem ser construídos (Wolsky
Estados Unidos da América, tendo como grandes 2005; Reisz e Millar 2010) e que a combinação de
impulsionadores os cineastas Edwin S. Porter e, planos provoca um sentido diferente da soma de cada
principalmente, David W. Griffith (Crittenden 1995; plano (Goliot-Leté et al. 2011).
Eisenstein 2002a; Martin 2005; Dancyger 2010; No filme The Great Train Robbery, cuja história
Marner 2010; Reisz e Millar 2010). passa pelo relato de um assalto a um comboio, Porter
No entanto, a montagem cinematográfica foi expôs uma narrativa ainda mais refinada (Dancyger
teorizada, no final da década 1910 e durante a década 2010). Filmando planos em interiores e exteriores,
seguinte, pela escola soviética, onde se evidenciaram Porter uniu-os de modo a criar uma determinada
os nomes de Lev V. Kuleshov, Vsevolod I. Pudovkin, identidade de imagem/tempo (Marner 2010).
Sergei M. Eisenstein e Dziga Vertov (Villain, 1991; Dentro do plano, deu atenção também ao espaço e
Dancyger, 2010; Reisz e Millar, 2010). estabeleceu relações entre distintos elementos e,

28
Capítulo I – Cinema – Cinema

para além disso, relacionou imagens individuais entre las num “meio de expressão” (Martin 2005; Amiel
si, alcançando a continuidade temporal, espacial e 2010; António 2010). O próprio Griffith reconhecia
emocional (Marner 2010). Este filme é considerado o que não tinha sido o inventor da montagem, mas um
primeiro realmente cinematográfico devido à fluidez e pioneiro na sua aplicação, abrindo novos caminhos no
coerência da narrativa (Sánchez-Biosca 1996; Martin cinema (Eisenstein 2002a).
2005; Carvalho 2007). Com o recurso à montagem, Porter pretendeu incutir
Em síntese, o grande contributo dado por Porter uma maior clareza nas narrativas cinematográficas,
à montagem cinematográfica foi a organização dos enquanto Griffith procurou criar um maior impacto
planos com o propósito de expor uma continuidade dramático nos espetadores, recorrendo à justaposição
narrativa (Crittenden 1995; Dancyger 2010). Porter foi de planos (Dancyger 2010). Desta forma, as
quem instituiu a forma narrativa ao ser o primeiro a diferenças entre a montagem apresentada por Porter e
utilizar uma série de artifícios e efeitos visuais que mais a desenvolvida por Griffith são mais do que evidentes.
tarde se converteriam em convenções específicas do A título de exemplo, quando Porter mudava de plano
género e que, ainda hoje, são fundamentais para era quase sempre por razões físicas, enquanto Griffith
que o público compreenda a sequência narrativa das alterava de plano por razões dramáticas, mostrando
ações presentes nas produções cinematográficas um novo pormenor ao espectador que permitisse
(Marner 2010). aumentar o interesse do drama em determinado
Porém, se Porter inventou a montagem narrativa, momento (Viveiros, 2005; Reisz e Millar 2010). Ainda
foi outro norte-americano, David W. Griffith, que a a este respeito, Griffith demonstrou que, através da
desenvolveu, ficando o seu nome registado para montagem, uma cena podia ser constituída por planos
sempre como uma das grandes referências da gerais, planos médios e planos próximos com o intuito
montagem cinematográfica e, por consequência, do de o público sentir progressivamente a sua emoção
cinema (Sánchez-Biosca 1996; Eisenstein 2002a; (Dancyger 2010).
António 2010; Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010). Outra grande diferença era que Griffith estruturava
a ação em diversos planos que, através da montagem,
2.2. David W. Griffith eram reagrupados para construir cenas (Reisz e
Tendo iniciado a sua vida como realizador em 1908, Millar 2010). Esta prática apresentava duas grandes
David W. Griffith (1875-1948) é considerado o pai vantagens em relação ao método usado por Porter
da montagem cinematográfica no sentido moderno, (Reisz e Millar 2010). Primeira, o realizador podia
tendo sido o grande impulsionador do cinema, quer atribuir sentido à narração cinematográfica com maior
nos Estados Unidos da América, quer no resto do profundidade, ou seja, apresentar uma maior variedade
mundo (Crittenden 1995; Eisenstein 2002a; Dancyger de pormenores. Segunda, o realizador podia usufruir
2010). Tal como sublinha Sergei Eisenstein (2002a), de uma posição mais vantajosa para provocar as
o nascimento da montagem estará eternamente reações emocionais no espectador, na medida em que
associado ao nome de Griffith. Tanto mais que, sendo podia escolher tanto os detalhes que este devia ver,
reconhecido como o primeiro grande mestre do como o momento mais adequado para os mostrar.
cinema norte-americano (Pinel 2004), Grifftih foi um Ainda que o grande plano já tinha sido usado por
dos pioneiros da linguagem cinematográfica (Bazin outros cineastas (Sadoul 1983; Martin 2005), Griffith foi
1991; Amiel 2010). o primeiro a aproximar a câmara de filmar dos atores
Os contributos de Griffith, para a evolução da com propósitos dramáticos, realçando as emoções e
montagem cinematográfica e, consequentemente, do as expressões dos atores, o que reforçava a ligação
cinema, foram inúmeros, destacando-se: a variação de emocional dos espetadores com as personagens
planos para criar impacto emocional nos espetadores; representadas pelos atores (Carvalho 2007). Com
o grande plano; o insert (plano de pormenor de um os seus filmes, Griffith pretendia que o público se
objeto); a câmara subjetiva (o ponto de vista da envolvesse emocionalmente com a história narrada
personagem); o travelling (deslocação da câmara de (Crittenden 1995; Dancyger 2010).
filmar no espaço); a montagem alternada; a montagem No filme The Lonely Villa, exibido em 1909, Griffith
paralela; o flashback (recuos no tempo); a variação de expôs a montagem alternada, com o objetivo de criar
ritmo; entre outras grandes contribuições (Bazin 1991; suspense (Pinel 2004; Mazzoleni 2005; Dancyger
Crittenden 1995; Gosciola 2003; Deleuze 2004; Pinel 2010). A montagem alternada intercala os planos de
2004; Martin 2005; Viveiros 2005; Wolsky 2005; Amiel duas ou mais cenas e/ou sequências, apresentando
2010; António 2010; Dancyger 2010; Reisz e Millar ações que se desenrolam ao mesmo tempo em locais
2010). Todos estes procedimentos são atribuídos a diferentes, mas que estão diretamente relacionadas
Griffith, muito embora a grande parte destes não tenha (Journot 2005; Mazzoleni 2005). Neste filme, Griffith
sido descoberto por ele (Sadoul 1983; Crittenden 1995; apresentou alternadamente cenas de uma família,
Martin 2005; Mazzoleni 2005; Amiel 2010; António mãe e filhas, que está a ser assaltada na sua própria
2010; Dancyger 2010). A este propósito, Georges casa por um grupo de ladrões, com cenas do pai, que,
Sadoul (1983) e Vicent Amiel (2010) enaltecem que o encontrando-se fora de casa, vem em seu auxílio
grande mérito do génio de Griffith foi o de assinalar as (Dancyger 2010). Através da montagem alternada,
descobertas dispersas de várias escolas e realizadores Griffith procurou que o espetador percebesse que
e sistematizá-las. Na verdade, Griffith foi o primeiro não há somente sucessão entre as cenas, mas
cineasta a organizar estas descobertas e transformá- simultaneidade (Amiel 2010). A par disso, Griffith

29
AVANCA | CINEMA 2014

apresentou cenas compostas com planos com uma com vista a formularem as teorias da montagem
duração cada vez mais curta, acelerando o ritmo, para cinematográfica. Assim, para além de cineastas, todos
aumentar a dramaticidade (Dancyger 2010). Dito por eles foram teorizadores da montagem no cinema,
outros termos, a duração dos planos vai ficando mais tendo apresentado e defendido diversas teorias sobre
curta à medida que a tensão aumenta, o que reforça esta temática (Granja 1981; Ramos 1981; Villain 1991;
as potencialidades dramáticas da situação (Carvalho Crittenden 1995; Sánchez-Biosca 1996; Eisenstein
2007). Tal como é evidenciado por Ken Dancyger 2002a, 2002b; Pinel 2004; Viveiros 2005; Amiel 2010;
(2010), o tempo dramático passa a substituir o tempo Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010).
real como critério para a montagem.
Em 1915, com o filme The Birth of a Nation e, em 3.1. Lev V. Kuleshov
1916, com Intolerance, Griffith fez uso de todos os Pese embora sendo o mais jovem dos cineastas
procedimentos de montagem desenvolvidos até então, e teorizadores soviéticos que serão abordados, Lev
que converteram estas duas obras fílmicas em dois Kuleshov (1899-1970) foi o pioneiro de toda a estética
marcos históricos da montagem cinematográfica e, por da montagem soviética (Gillespie 2000; Viveiros 2005;
consequência, do cinema (Pinel 2004; Carvalho 2007; Grilo 2008; Aumont e Marie 2009a). Para além disso,
António 2010; Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010). Kuleshov foi um dos primeiros professores da Escola
A obra cinematográfica The Birth of a Nation, com Estatal de Cinema de Moscovo, fundada em 1919,
uma duração aproximadamente de três horas, marcou tendo sido professor de Vsevolod I. Pudovkin e Sergei
a história do cinema, tendo revolucionado a produção M. Einstein (Aumont e Marie 2009a, 2009b).
do cinema norte-americano (Crittenden 1995; Carvalho Para Kuleshov, um filme é construído na mesa de
2007). Este filme teve um sucesso nunca visto até montagem, através da qual o realizador se assume
essa altura, tanto em termos de bilheteira como em como o seu verdadeiro e único autor (Grilo 2008).
termos de críticas (António 2010). Todavia, este filme A este propósito, João Mário Grilo (2008, 87) cita o
causou uma enorme polémica, devido às referências próprio Kuleshov:
racistas (António 2010).
No filme Intolerance, Griffith produziu uma outra O meio de expressão específica do cinema é
conceção de montagem, não unicamente por narrar a sucessão rítmica dos planos, ou de curtos
histórias mais complexas e potenciar emoções, mas fragmentos imóveis, o que produz a expressão do
por relacionar ideias. Ao associar quatro histórias movimento, facto que, tecnicamente, se chama
(contemporânea, massacre de S. Bartolomeu no montagem. A montagem no cinema corresponde
século XVI, vida de Cristo e queda da Babilónia) à organização das cores na pintura ou à sucessão
teve-se acesso a um novo nível de abstração que harmónica dos sons na música. Os planos devem
permitiu extrair do paralelo um conceito: a intolerância ser simples, legíveis, expressivos, aptos a poderem
ser correctamente percebidos pelo espectador. O
(Viveiros 2005). Nestes quatro episódios mostrados
ritmo é o verdadeiro conteúdo do filme; é ele que
alternadamente, Griffith atribui um valor estético e
decide das reacções e dos pensamentos do público.
dramático à montagem paralela. A montagem paralela
alterna sequências e/ou cenas que não têm entre si Entre as várias experiências efetuadas por Kuleshov
qualquer relação de simultaneidade, sendo discursiva no campo da montagem cinematográfica, uma é
e não narrativa, podendo ser usada com fins retóricos destacada, ficando conhecida por “efeito- Kuleshov” e/
de simbolização, para criar efeitos de comparação ou ou “efeito K”. Esta experiência de montagem consistiu
de contraste (Journot 2005). na intercalação de um plano de um ator soviético,
Em forma de síntese, o génio de Griffith destacou-se Lev Mosjukhin, com uma expressão neutra, isto é,
fundamentalmente pelas suas qualidades narrativas inexpressiva, com três planos distintos. No entanto,
e o seu grande contributo foi a aplicação de modos as descrições dos três planos distintos usados nesta
de montagem que aumentaram e enriqueceram as experiência apresentam imprecisões, visto que vários
possibilidades do relato cinematográfico (Reisz e Millar autores (Sadoul 1983; Villain 1991; Stephen e Hensley
2010). Tanto mais que os filmes de Griffith tiveram 1992; Crittenden 1995; Gosciola 2003; Pinel 2004;
grandes repercussões mundiais, nomeadamente nos Viveiros 2005; Grilo 2008; Dancyger 2010; Nogueira
realizadores da então União Soviética (Crittenden 2010; Reisz e Millar 2010) mencionam que o plano
1995; Sánchez-Biosca 1996; Pinel 2004; Dancyger do ator foi alternado com um prato de sopa colocado
2010; Reisz e Millar 2010). sobre uma mesa, um caixão com uma mulher morta e
uma criança a entreter-se com um brinquedo; outros
3. A escola soviética (Ramos 1981; Journot 2005; Carvalho 2007; Aumont
e Marie 2009b) referem que o plano de Mosjukhin
Os filmes de Griffith chegaram à União Soviética foi intercalado com um prato de sopa, uma criança
imediatamente após a Revolução de 1917 e foram morta e uma mulher seminua ou, mesmo, nua; outros
muito bem recebidos pelo público, pelos políticos e, (Betton 1987; Gardies 2008; Goliot-Leté et al. 2011)
principalmente, pelos novos cineastas (Crittenden expõem outras descrições e, por fim, alguns preferem
1995; Sánchez-Biosca 1996; Pinel 2004). Lev V. não descrever os planos utilizados na experiência
Kuleshov, Vsevolod I. Pudovkin, Sergei M. Eisenstein (Bazin 1991; Sánchez-Biosca 1996). Ainda a cerca da
e Dziga Vertov foram os cineastas mais famosos que realização desta experiência, alguns autores (Prince
estudaram as obras fílmicas realizadas por Griffith e Hensley 1992; Pinel 2004; Journot 2005; Aumont

30
Capítulo I – Cinema – Cinema

e Marie 2009b) sublinham que existem poucas ou defender que a matéria cinematográfica é composta
nenhumas provas que tenha realmente existido, pelos fragmentos de película, e que o método de
outros (Sánchez-Biosca 1996; Joly 2003; Gardies composição consiste em uni-los descobrindo uma ordem
2008) consideram-na lendária. criadora (Reisz e Millar 2010). A arte cinematográfica
De qualquer forma, os resultados apurados através não está na rodagem do filme, nem na direção dos
desta experiência são praticamente os mesmos. atores, etc., mas na montagem (Reisz e Millar 2010). A
Os autores (Sadoul 1983; Villain 1991; Stephen verdadeira arte do cinema inicia-se quando o realizador
e Hensley 1992; Crittenden 1995; Gosciola 2003; começa a unir os diversos fragmentos de película
Pinel 2004; Viveiros 2005; Dancyger 2010; Nogueira (Reisz e Millar 2010). As ideias de montagem de
2010; Reisz e Millar 2010) salientam que, nas três Kuleshov eram parecidas às de Vsevolod Pudovkin, isto
sequências do plano do ator alternado com um prato é, os planos são “blocos” ou “tijolos” para a construção
de sopa colocado sobre uma mesa, um caixão com de uma cena (Viveiros, 2005).
uma mulher morta e uma criança a entreter-se com
um brinquedo, o público viu na expressão do ator, na 3.2. Vsevolod I. Pudovkin
primeira sequência, a fome, na segunda, a tristeza e, Vsevolod I. Pudovkin (1893-1953), ex-aluno e
na terceira, alegria ou a felicidade. Por sua parte, os colega de Kuleshov, tendo participado na experiência
autores (Ramos 1981; Journot 2005; Carvalho 2007; “efeito- Kuleshov”, defendia que a montagem
Aumont e Marie 2009b) evidenciam que, nas três cinematográfica é a base estética do filme (Villafañe e
sequências do plano do ator intercalado com um prato Mínguez 1996; Viveiros 2005; Aumont e Marie 2009a,
de sopa, uma criança morta e uma mulher seminua ou 2009b; Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010). Para
mesmo nua, os espetadores consideraram que o ator provar esta tese, Pudovkin recorreu à analogia entre o
expressava, na primeira sequência, fome, na seguinte, cinema e a literatura. Para o escritor, as palavras são
tristeza e, na última, desejo. Assim sendo, vários a matéria-prima, mas o significado final das palavras
autores (Joly 2003; Journot 2005; Reisz e Millar 2010) depende da sua composição, no sentido em que só na
enaltecem que esta experiência pretendeu demonstrar relação com outras palavras cada uma delas recebe
que um plano não tem sentido por si só, mas é através vida e realidade artística (Villafañe e Mínguez 1996).
da montagem que os planos ganham significado. Pudovkin sustentava que no cinema ocorria algo
Nesta perspetiva, Martine Joly (2003, 221) escreve: similar, afirmando que: «tal como a língua, também
«(…) que quando se justapõem dois planos, ou se a montagem tem a palavra (a imagem) e a frase (a
introduz um plano entre outros dois, faz-se nascer combinação das imagens) e, deste modo, acreditava
uma ideia ou exprime-se algo que não estava contido que o poder do cinema vinha da montagem como
em nenhum dos planos tomados separadamente», gramática» (Viveiros 2005, 55).
acrescentando «o resultado semântico é, assim, um Tal como outros cineastas e teorizadores soviéticos,
produto (e não uma soma) incluído entre a alucinação Pudovkin estudou exaustivamente o trabalho de David
e abstracção» (Joly 2003, 221). W. Griffith, tentando aperfeiçoar a teoria e a prática
Com a concretização da referida experiência, da montagem do filme. Tal com é realçado por Ken
Kuleshov mostrou que a significação de uma Dancyger (2010), Pudovkin procurou desenvolver uma
sequência pode depender exclusivamente da teoria da montagem que permitisse aos cineastas
relação subjetiva que o espectador faz de diversos ultrapassar a clássica montagem intuitiva de Griffith.
planos que, separadamente, a não possuem nem Nesta medida, Pudovkin formulou uma teoria da
sequer parcelarmente (Ramos 1981; Carvalho 2007; montagem, denominada por montagem construtiva
Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010), provando que (Villafañe e Mínguez 1996; Einstein 2002a, 2002b;
um dos fatores com maior influência na reação dos Viveiros 2005; Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010).
espetadores é a justaposição dos planos resultantes A teoria da montagem construtiva expunha uma
do processo de montagem (Tudor 2009). Tanto mais sistematização de alguns princípios gerais, que
que, segundo Anne Goliot-Leté, Martine Joly, Thierry podem ser resumidos da seguinte forma (Reisz e
Lancien, Isabelle-Cécile Le Mée e Francis Vanoye Millar 2010): primeiro, a matéria-prima do realizador
(2011), Kuleshov pretendeu sobrestimar os poderes são os fragmentos de película, ou seja, os planos,
da montagem, negligenciando o contributo específico que correspondem aos vários pontos de vista em
do espetador, designadamente das suas projeções, na que foi segmentada a ação; segundo, o realizador
interpretação da sequência proposta. Neste sentido, a só trabalha os referidos fragmentos onde estão
simples justaposição de planos leva os espetadores filmados os factos e não opera os factos reais;
a acrescentarem sentido às imagens (Gardies 2008), terceiro, estes fragmentos encontram-se sujeitos, no
«como se a mesa de montagem fosse uma espécie processo de montagem, à vontade do realizador que
de lugar de derrame do plano e do seu sentido» pode eliminar quantos pontos de intervalo considerar
(Grilo, 2008, 89). É a montagem que produz o sentido pertinentes para concentrar a ação do público
(Goliot-Leté et al. 2011). De acordo com Karel Reisz e durante um determinado período de tempo. Deste
Gavin Millar (2010), a experiência levada a cabo por modo, Pudovkin entendia que o realizador através da
Kuleshov permitiu entender a montagem com algo montagem devia selecionar e relacionar o que é mais
mais do que um simples recurso para narrar uma intenso nessa continuidade, sempre do ponto de vista
história em continuidade. dos espetadores (Viveiros 2005).
A partir desta experiência, Kuleshov começou a A montagem no cinema deve ser usada para

31
AVANCA | CINEMA 2014

selecionar os fragmentos que temporalmente e os métodos de montagem, dos mais elementares aos
espacialmente são mais relevantes, construindo mais complexos. Sendo assim, Eisenstein (2002a)
com detalhes significativos e omitindo os restantes classificou a montagem em cinco categorias, a saber:
(Dancyger 2010; Reisz e Millar 2010). Desta forma, métrica, rítmica, tonal, harmónica e intelectual.
Pudovkin ostentava que o plano é como o “tijolo” da Na montagem métrica, «o critério fundamental
construção fílmica e que o material, ao ser ordenado, desta construção são os comprimentos absolutos
pode gerar qualquer resultado pretendido, da mesma dos fragmentos» (Eisenstein 2002a, 79). Dito por
maneira que um escritor utiliza as palavras para criar outras palavras, este método de montagem tem em
uma perceção da realidade, o realizador de cinema usa consideração a duração de cada plano, onde o seu
os planos como seu material em bruto (Dancyger 2010). conteúdo é determinado pela sua extensão (Viveiros
A teoria apresentada e defendida por Pudovkin 2005). Os fragmentos são os únicos de acordo com os
tem como base as experiências do seu ex-professor respetivos comprimentos, numa fórmula esquemática
e colega Kuleshov, e, também, em parte, às suas correspondente à do compasso musical, sendo
próprias experiências como realizador (Reisz e que a realização encontra-se na repetição desses
Millar 2010). Tal como já foi frisado, a célebre “compassos” (Eisenstein 2002a). Através do método
experiência de Kuleshov mostrou que o processo de da montagem métrica, as sequências e/ou cenas
montagem não pode ser encarrado com um simples são montadas fazendo sucederem-se planos que
recurso para narrar histórias. Pudovkin viu que, têm como comprimento uma proporção simples (1/2,
perante uma adequada justaposição, alguns planos 2/3, 3/4, etc.) (Aumont e Marie 2009b). O método
poderiam adquirir um significado que nunca tinha de montagem em análise é considerado uma forma
tido isoladamente. Pudovkin dizia que, ligando um primitiva de montagem que atende mais a fatores
plano de um ator sorrindo com outro de um revólver mecânicos do que a outro tipo de preocupações
pronto a disparar e seguindo com um terceiro plano do (Ramos 1981; Grilo 2008; Tudor 2009). Porém, através
mesmo ator aterrorizado, a personagem expressaria da montagem métrica, a duração dos planos pode ser
cobardia, invertendo a ordem dos planos, a mesma encurtada para aumentar a tensão da sequência/ cena
personagem transmitiria heroísmo (Reisz e Millar (Eisenstein 2002a; Tudor 2009; Dancyger 2010).
2010). Consequentemente, montando numa ordem Relativamente à montagem rítmica, para além da
diferente os mesmos planos, obtém-se um efeito duração, «o conteúdo dentro do quadro é um fator
emocional diferente. que deve ser igualmente levado em consideração»
Ao colocar em prática a sua teoria, Pudovkin (Eisenstein 2002a, 80), ou seja, este método de
conseguiu obter notáveis resultados, dado que, montagem baseia-se no comprimento dos planos
comparando os seus filmes com os de Griffith, e no movimento dentro do enquadramento (Martin
encontram-se as diferenças assinaláveis (Reisz e 2005). Escrito ainda de outra forma, este método de
Millar 2010). A título de exemplo, enquanto Griffith se montagem tem em conta parte do conteúdo visual
expressa através das suas personagens, Pudovkin dos planos envolvidos, nomeadamente o padrão
exprimiu-se por uma série de pormenores e mediante do movimento no interior do plano (Tudor 2009).
a justaposição, estando mais concentrado nos efeitos Na montagem rítmica, verificam-se dois géneros de
do que na personificação do próprio conteúdo (Reisz movimentos, o dos “cortes” de montagem e o “real”
e Millar 2010). Para Pudovkin, a função essencial da no interior dos planos (Ramos 1981). Eisenstein
montagem é a determinação de processos psicológicos explorou não unicamente as concordâncias desses
no público (Viveiros 2005). Desta maneira, o realizador dois movimentos como, principalmente, os conflitos
não deveria apresentar toda a realidade, mas reduzi-la entre eles (Ramos 1981). A este respeito, Paulo
ao essencial, surgindo um tempo e um espaço fílmico Viveiros (2005, 60) afirma que «a transição do
(Viveiros 2005). Aliás, o material cinematográfico são métrico para o rítmico efectua-se no conflito entre a
imagens do real e não o próprio real, podendo ser duração do plano e do seu movimento interno». Na
encurtadas, modificadas e, principalmente, montadas mesma linha, Ken Dancyger (2010) frisa que esse
(Aumont e Marie 2009b). tipo de procedimento tem considerável potencial
para demonstrar conflitos, porque a oposição pode
3.3. Sergei M. Eisenstein ser representada a partir de diferentes direções dos
Ainda que não tenha sido o inventor da montagem elementos no quadro, assim como por diferentes
cinematográfica, Sergei M. Eisenstein (1898-1948) enquadramentos de uma mesma imagem.
foi um dos seus mais importantes teorizadores, para No que concerne à montagem tonal, este método
não dizer o principal (Ramos 1981; Villain 1991; Pinel expressa uma etapa mais avançada da montagem
2004; Carvalho 2007; Aumont e Marie 2009b; Amiel rítmica (Eisenstein 2002a). Na montagem tonal, o
2010; Nogueira 2010). Tanto mais que da vasta obra movimento deve ser visto num sentido mas lato,
publicada por Eisenstein a boa parte é consagrada uma vez que «o conceito de movimentação engloba
à montagem cinematográfica (Eisenstein 2002a, todas as sensações do fragmento de montagem»
2002b; Pinel 2004). (Eisenstein 2002a, 82). Neste método, a montagem
A par disso, Marcel Martin (2005) considera baseia-se no som emocional do fragmento (Eisenstein
que foi Eisenstein que proporcionou a melhor 2002a), ou seja, na ressonância emocional do plano
classificação de montagem, já que comporta, ainda (Martin 2005). Tal como explica Paulo Viveiros (2005,
que a sua compreensão seja um pouco difícil, todos 61), o método de montagem tonal «valoriza o tom

32
Capítulo I – Cinema – Cinema

(fotográfico, musical, etc.) geral do plano, que resulta 2010). Além do mais, Eisenstein (2002a) entendia que,
da conjugação de tudo aquilo que compõem o plano, com a colisão de fatores determinados, nascia um
e como esse conjunto produz um efeito global – o conceito. Eisenstein (2002a) afirmava que a montagem
tom emocional (…)». Como exemplo ilustrativo da é conflito, visto que «é uma ideia que nasce da colisão
montagem tonal, é habitual referir-se a “sequência do de planos independentes – planos até opostos um ao
nevoeiro” do filme O Couraçado Potemkine (Ramos outro: o princípio “dramático”» (Eisenstein 2002a, 52).
1981, 24; Eisenstein 2002a, 82; Viveiros 2005, 61; Nestes contornos, Eisenstein defendia uma
Tudor 2009, 37). Neste caso, a montagem baseia-se montagem de oposições, isto é, uma montagem de
exclusivamente no “tom” emocional dos fragmentos saltos qualitativos (“montagem saltitante”) (Deleuze
(Eisenstein 2002a, 82). A montagem tonal está 2004). Toda a teoria eisensteiniana tem presente
presente nas «“vibrações luminosas” dos planos o efeito do filme na mente do espectador, através
não esquecendo porém a sua componente rítmica da atração/ choque, mas também a forma como
(expressa pela suave agitação das águas, pelo ligeiro o espectador recebe esses estímulos (Viveiros
movimento dos barcos, pelo vapor em lenta ascensão, 2005). Tanto mais que Eisenstein acreditava que a
pelas gaivotas em sossegado voo)» (Ramos 1981, 24). continuidade cinematográfica ideal era aquela em
Em síntese, a montagem tonal diz respeito à qualidade que cada mudança de plano desse lugar a um novo
emocional derivada da organização dos planos numa choque, com vista à obtenção de novas ideias (Reisz
sequência (Nogueira 2010). e Millar 2010). Nos filmes realizados por Eisenstein
Já em relação ao quarto método, a montagem não se encontra a menor intenção de transição
harmónica, também denominada por sobretonal, é suave, ou seja, o relato cinematográfico progride
organicamente o desenvolvimento mais adiantado da mediante uma série de colisões (Viveiros, 2005). A
montagem tonal, distinguindo-se desta pelo cálculo este tipo de montagem, Eisenstein designou-a por
coletivo do que cada fragmento requer (Eisenstein montagem de atrações (Pinel 2004; Viveiros 2005;
2002a). Conforme refere José Leitão Ramos (1981, Grilo 2008; Amiel 2010). Através da montagem de
25), «das dissonâncias da montagem tonal (isto é, atrações, Eisenstein pretendia desencadear uma forte
dos conflitos entre dois tons dominantes numa mesma emoção nos espetadores através da união de planos
cena) nasce a montagem harmónica». Aqui, Eisenstein poderosos, em princípio sem vínculo contextual, sem
incluiu como fatores decisivos da montagem, “todos relação narrativa (Pinel 2004). Em outros termos,
os recursos dos fragmentos” (Ramos 1981). Neste a montagem de atrações consiste «na inserção de
método, a montagem é «construída com base em elementos heterogéneos ao universo representado na
todos os estímulos oferecidos por um plano e não nas narrativa com o intuito de criar um choque emocional
dominantes particulares» (Tudor 2009, 38). A montagem ou intelectual» (Nogueira 2010, 112). Ora, na teoria de
harmónica conjuga os métodos de montagem métrica, Eisenstein, a montagem é caracterizada pela colisão
rítmica e tonal, manipulando a duração do plano, de atrações, o conflito de duas peças contíguas
ideias e emoções com o propósito de provocar o efeito (Gosciola 2003).
pretendido no público (Dancyger 2010). Nas palavras de Eisenstein (2002a, 43),
Finalmente, no último método, «a montagem
intelectual é a montagem não de sons atonais Se a montagem deve ser comparada a alguma
geralmente fisiológicos, mas de sons e atonalidades coisa, então uma legião de trechos de montagem, de
de um tipo intelectual, isto é, conflito-justaposição planos, deveria ser comparada à série de explosões
de sensações intelectuais associativas» (Eisenstein de um motor de combustão interna, que permite o
funcionamento do automóvel ou trator: porque, de
2002a, 86). Dito de outra forma, a montagem
modo semelhante, a dinâmica da montagem serve
intelectual trata da inserção de ideias numa sequência
como impulsos que permitem o funcionamento de
com uma enorme carga emocional (Dancyger 2010). todo o filme.
Um exemplo que demonstra este tipo de montagem
encontra-se no filme Outubro, realizado por Eisenstein, Eisenstein (2002a) rejeitou a ideia defendida por
em 1928 (Tudor 2009, 39; Dancyger 2010, 20). O líder Kuleshov e Pudovkin que o plano é um elemento da
menchevique da primeira Revolução Russa, George montagem, acreditando que um plano é uma célula
Kerenshy, sobe as escadas tão depressa quanto sobe ou uma molécula. A este respeito, Eisenstein (2002a,
na linha do poder após a queda do Czar. Intercalados 42) argumentou a sua ideia da seguinte forma:
com planos da sua ascensão, existem planos de um «Exatamente como as células, em sua divisão, formam
pavão mecânico a ajeitar as suas penas. Eisenstein um fenômeno de outra ordem, que é o organismo ou
apresenta uma interpretação de Kerensky como embrião, do mesmo modo no outro lado da transição
político (Dancyger 2010). dialética de um plano há montagem».
Eisenstein acreditava que o impacto da montagem Para além da oposição a Kuleshov e Pudovkin,
podia ser maior quando existisse um choque entre Eisenstein também se opôs às ideias de Dziga Vertov.
planos, estando esta crença fundamentada no
pensamento filosófico de que a existência só pode 3.4. Dziga Vertov
continuar se houver mudança constante (Viveiros Se as teorias de montagem ostentadas por
2005). Assim, Eisenstein pensava que a montagem Eisenstein procuravam a reformulação da realidade
podia ser usada simultaneamente para apresentar com a intenção da população apoiar a revolução, Dziga
conflitos, para os afirmar e para os ultrapassar (Amiel Vertov (1896-1954) entendia que apenas a verdade

33
AVANCA | CINEMA 2014

documentada poderia ser honesta o suficiente para pela escola soviética, onde se evidenciaram os nomes
conduzir à verdadeira revolução (Dancyger 2010). de Lev V. Kuleshov, Vsevolod I. Pudovkin, Sergei M.
De acordo com Vasco Granja (1981, 18), Vertov Eisenstein e Dziga Vertov.
teve sempre presente as palavras de Tolstoi,
proferidas pouco tempo após a invenção do cinema: Bibliografia
«o cinematógrafo deve exprimir a verdade russa
sob todas as suas formas e da maneira mais exata: Amiel, Vincent. 2010. Estética da Montagem, Lisboa:
deve registar a vida tal como ela é». Assim sendo, Texto & Grafia.
Vertov repensou o cinema como «cine-decifração António, Lauro. 2010. Temas de Cinema: David Griffith,
comunista do mundo» (Journot 2005, 26; Aumont e Orson Welles e Stanley Kubrick, Lisboa: Dinalivro.
Aumont, Jacques. 2009. A Imagem, Lisboa: Texto &
Marie 2009b, 258).
Grafia.
Neste contexto, partindo da ideia de que a matéria-
Aumont, Jacques and Marie, Michel. 2009a. A Análise
prima do cinema é a realidade, Vertov desenvolveu do Filme, Lisboa: Texto & Grafia.
o anti-estúdio e o cine-olho, tendo como propósito Aumont, Jacques and Marie, Michel. 2009b. Dicionário
apresentar a realidade tal como ela é, rejeitando Teórico e Crítico do Cinema, Lisboa: Texto & Grafia.
a ficção, os atores, a encenação, a reconstituição, Bazin, André. 1991. O Cinema, São Paulo: Editora
entre outros artifícios usados para representar o real Brasilense.
(Crittenden 1995; Deleuze 2004; Viveiros 2005; Hicks Betton, Gérard. 1987. Estética do Cinema, São Paulo:
2007; O´Mahony 2008). Martins Fontes.
O cine-olho, em russo Kino-glaz, é o termo que está Carvalho, Jorge Correia. 2007. Cinema e Tecnologia:
no centro de toda a teoria de Vertov, desenvolvida na pós-produção e a transformação da imagem, Lisboa:
Edições Universitárias Lusofónas.
década de 20 do século passado (Journot 2005, 26;
Crittenden, Roger. 1995. Film and Video Editing,
Hicks 2007; Aumont e Marie 2009b: 258). Partindo
Routledge: Londres e Nova Iorque, 2.ª edição.
do pressuposto de que o cinema é um instrumento Dancyger, Ken. 2010. The Technique of Film and Video
de análise do mundo, mas que para se mostrar é Editing: History, Theory and Practice, EUA: Focal Press,
necessário ter visto realmente, Vertov apresentou 5.ª edição.
o operador da câmara de filmar, o kinok, como uma Deleuze, Gilles. 2004. A Imagem-Movimento: Cinema 1,
espécie de super-olho (Granja 1981; Crittenden 1995; Lisboa: Assínio e Alvim.
Journot 2005; Hicks 2007; Grilo 2008; Aumont e Marie Eisenstein, Sergei. 2002a. A Forma do Filme, Rio de
2009b). Nesta perspetiva, no entender de Vertov, a Janeiro: Jorge Zahar Editor.
câmara de filmar é mais perfeita do que o olho humano, Eisenstein, Sergei. 2002b. O Sentido do Filme, Rio de
obtendo uma força sobre-humana, e tudo o que o Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Gardies, René (org.). 2008. Compreender o Cinema e
cineasta tinha de fazer era ordenar judiciosamente, na
as Imagens, Lisboa: Texto & Grafia.
montagem, o material fílmico registado (Granja 1981;
Gillespie, David. 2000. Early Soviet Cinema: Innovation,
Hicks 2007; Grilo 2008). Assim, o principal objetivo Ideology and Propaganda, Londres: Wallflower.
da teoria de Vertov passou pelas possibilidades da Goliot-leté, Anne, Joly, Martine, Lancien, Thierry, Le
câmara de filmar em registar a “verdade” e o mundo Mée, Isabelle-Cécile and Vanoye, Francis. 2011. Dicionário
sem a mediação do homem, porque era mais perfeita da Imagem, Lisboa: Edições 70.
do que o olho humano (Viveiros 2005). Gosciola, Vicente. 2003. Roteiro para as Novas Mídias:
O filme Man with the Movie Camera, realizado por do game à tv interativa, São Paulo: Editora Senac.
Vertov em 1929, exemplifica a sua teoria (Granja 1981; Granja, Vasco. 1981. Dziga Vertov, Lisboa: Livros
Crittenden 1995; Journot 2005; Hicks 2007; Dancyger Horizonte.
2010). Este filme relata a história de um dia na vida Grilo, João Mário. 2008. As Lições do Cinema: manual
de um operador de câmara, em Moscovo, em que de filmologia, Lisboa: Edições Colibri, 3.ª edição.
Hicks, Jeremy. 2007. Dziga Vertov: Defining
Vertov continuamente recorda a artificialidade e o não
Documentary Film, Nova Iorque: I. B. Tauris & Co.
realismo do cinema. Com efeito, falta de realismo, Joly, Martine. 2003. A Imagem e a sua Interpretação,
manipulação e todos os elementos técnicos do filme Lisboa: Edições 70.
fazem parte de uma autorreflexão (Dancyger 2010). Journot, Marie-Thérèse. 2005. Vocabulário de Cinema,
Com a realização deste filme, Vertov procurou mostrar Lisboa: Edições 70.
a dualidade entre a vida, tal como ela é, na realidade Marner, Terence St. John (comp. e org.). 2010. A
do olho humano, instrumento imperfeito devido à sua Realização Cinematográfica, Lisboa: Edições 70, 2.ª
natureza, e a realidade tal como é observada pelo olho edição.
da câmara (Granja 1981). Martin, Marcel. 2005. A Linguagem Cinematográfica,
Lisboa: Dinalivro.
4. Conclusão Mazzoleni, Arcangelo. 2005. O ABC da Linguagem
Cinematográfica: estruturas, análises e figuras na
narração através de imagens, Avanca: Edições Cine-Clube
A presente comunicação procurou abordar as bases de Avanca.
históricas e teóricas da montagem cinematográfica, Nogueira, Luís. 2010. Planificação e Montagem,
realçando os contributos da escola norte-americana, Covilhã: LabCom.
protagonizados por Edwin S. Porter e, sobretudo, por O´Mahony, Mike. 2008. Sergei Eisenstein, Londres:
David W. Griffith, cujas técnicas foram teorizadas, no Reaktion Books.
final da década 1910 e durante a década seguinte, Pinel, Vincent. 2004. El montaje: el espacio y el tiempo

34
Capítulo I – Cinema – Cinema

del film, Barcelona: Paidós.


Prince, Stephen and Hensley, Wayne E. 1992. “The
Kuleshov Effect: Recreating the Classic Experiment” in
Cinema Journal, vol. 31, n.º 2: 59-75.
Ramos, Jorge Leitão. 1983. Sergei Eisenstein, Lisboa:
Livros Horizonte.
Reisz, Karel and Millar, Gavin. 2010. The Technique of
Film Editing, EUA: Focal Press, 2.ª edição.
Sadoul, Georges. 1983. História do Cinema Mundial I,
Lisboa: Livros Horizonte.
Sánchez-Biosca, Vicente. 1996. El montaje
cinematográfico: teoría y análisis, Barcelona: Ediciones
Paidós Ibérica.
Tudor, Andrew. 2009. Teorias do Cinema, Lisboa:
Edições 70.
Villafañe, Justo and Mínguez, Norberto. 1996. Principios
de teoría general de la imagen, Madrid: Ediciones Pirámide.
Villain, Dominique. 1991. Le Montage au cinéma, Paris:
Editions Cahiers du cinéma.
Viveiros, Paulo. 2005. A Imagem do Cinema: história,
teoria e estética, Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas,
2.ª edição.
Wolsky, Tom. 2005. Video Production Workshop, São
Francisco: CMP Books.

Notas finais
1
PEst-OE/EGE/Ul4056/2014 - projeto financiado pela
Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

35
View publication stats

Você também pode gostar