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Introdução
1. O jornalismo é essencial.
O jornalismo é essencial
É óbvio que nem todo jornalismo é essencial. Muito do que se produz hoje
não passa de entretenimento ou diversão. Aqui, no entanto, iremos lidar
apenas com o lado sério do jornalismo – o que alguns chamam de hard
news, accountability journalism ou o “núcleo duro da notícia”. Na crise atual,
a notícia séria é o que importa. Em vez de tentar enumerar ou definir tudo
aquilo que distingue a notícia séria da futilidade, decidimos adotar a célebre
prova dos noves de Lord Northcliffe: “Notícia é algo que alguém, em algum
lugar, não quer ver publicado. Todo o resto é publicidade”.
Já que narrar fatos reais é vital, o valor do jornalismo não pode ser reduzido
a outras necessidades, secundárias. Embora o jornalismo desempenhe várias
funções que se sobrepõem, nunca houve muita urgência em defini-las. Na
época em que o discurso público era escasso (ou seja, durante toda a história
até hoje), o jornalismo era simplesmente aquilo que jornalistas faziam;
jornalistas eram simplesmente gente contratada por empresários da
comunicação, que constituíam o grupo relativamente pequeno de indivíduos
com acesso aos meios para tornar público esse discurso.
O foco deste relatório é o modo como jornalistas exercem sua função, e não
práticas comerciais de instituições que abrigam esses profissionais. Há,
contudo, um ponto crucial de interseção de práticas comerciais e práticas
jornalísticas: o apoio da publicidade, principal fonte de subsídio do
jornalismo norte-americano desde a década de 1830, está desaparecendo
(no caso de jornais, grande parte dessa receita já evaporou; e há mais má
notícia a caminho para jornais, revistas e emissoras de rádio e TV).
A internet acaba com essa integração vertical, pois todo mundo paga pela
infraestrutura – que é, então, usada por todos. O público segue mais do que
disposto a pagar pela reprodução e pela distribuição, embora hoje paguemos
à Dell por computadores, à Canon por impressoras e à operadora Verizon
pela entrega, em vez de pagar à Conde Nast, à Hearst ou à Tribune Co. por
um pacote com todos esses serviços.
Quando queremos ler algo no papel, é cada vez mais comum imprimirmos o
material em uma pequena impressora a poucos passos de nós, quando bem
entendermos, em vez de pagar alguém situado a quilômetros de distância
para imprimir algo que vai chegar com um dia de atraso. Quando queremos
ouvir algo ou assistir a um vídeo, usamos cada vez mais a infraestrutura
genérica da internet, e não a infraestrutura especializada (e financiada) de
torres de transmissão e redes de cabo.
A internet acaba com a integração horizontal. Antes dela, reunir uma dezena
de textos bons – ainda que não excelentes – num pacote só costumava ser o
suficiente para impedir que alguém saísse à cata dos dez melhores textos em
uma dezena de publicações distintas. Num mundo de links e feeds, no
entanto, em geral é mais fácil achar a próxima coisa a ser lida, vista ou
ouvida por indicação de amigos do que pela fidelidade inabalável a uma
determinada publicação. Hoje, a preguiça favorece a dispersão; em muitos
sites jornalísticos de interesse geral, a categoria mais comum de leitor é
aquela formada por gente que confere um único artigo por mês.
O MySpace foi o primeiro grande site a transpor esse obstáculo. Assim como
na revolução dos junk bonds na década de 1980, o MySpace usou o
argumento de que um inventário de anúncios de baixa qualidade poderia ser
um bom investimento para o anunciante se agregado em volume suficiente e
vendido a um valor baixo o bastante. O discurso feito era basicamente o
seguinte: “Dependendo do preço pago, os page views do MySpace podem
ter valor para sua empresa mesmo com taxas de clique [click-through rates]
minúsculas”.
Até veículos que entendem que a receita perdida não será reposta, e que a
receita trazida pelo impresso (e a produção) vai continuar caindo, seguem
com esperança de que a mudança no subsídio publicitário possa, de algum
modo, ser revertida.
Hoje, na internet, o anunciante espera, cada vez mais, que até a publicidade
tradicional tenha resultados mensuráveis – e a aposta na publicidade
mensurável derruba as altas margens da fase áurea. A célebre dúvida do
criador do conceito da loja de departamentos, o empresário norte-
americano John Wanamaker – a de não saber exatamente qual metade da
verba de publicidade era dinheiro jogado fora –, explica por que a
mensurabilidade na publicidade põe ainda mais pressão sobre a receita.
A reestruturação é obrigatória
A receita por leitor trazida pela publicidade online nunca chegou nem perto
da tradicional – e no caso de plataformas móveis é ainda pior. Enquanto isso,
à medida que vai avançando, a publicidade no meio digital vem passando
totalmente ao largo de veículos de comunicação tradicionais. Já fontes
sonhadas de receita direta – paywalls, micropagamentos, aplicativos móveis,
assinaturas digitais – não surtiram efeito ou ficaram aquém das expectativas.
Dentre todas essas soluções, a assinatura digital nos moldes praticados por
jornais como Los Angeles Times, Minneapolis Star-Tribune e The New York
Times foi a que melhor se saiu. E, mesmo assim, o efeito líquido dessas
assinaturas não anulou as perdas no impresso. De resto, já que a assinatura
digital em geral é concebida para aumentar a circulação em papel, seu efeito
no curto prazo é aumentar ainda mais a dependência da receita oriunda do
impresso, apesar da deterioração no longo prazo do papel.
Na década de 1980, muita tinta foi gasta no meio acadêmico para discutir o
“paradoxo da produtividade”: os fracos resultados produzidos por duas
décadas de pesado investimento da iniciativa privada em tecnologia da
informação. Um punhado de empresas, contudo, registrou fortes ganhos de
produtividade em decorrência do investimento em TI lá atrás. Essas
empresas de sucesso não se limitaram a informatizar processos correntes. O
que fizeram foi alterar esses processos à medida que incorporavam
computadores às operações. Viraram outro tipo de organização. Já aquelas
que simplesmente instalaram computadores sem mexer em processos que já
existiam não registraram nenhum avanço evidente em rendimento ou
eficiência.
A nosso ver, há uma dinâmica similar nos dias de hoje – dinâmica que
resolvemos chamar de jornalismo pós-industrial, termo originalmente
empregado em 2001 pelo jornalista Doc Searls para sugerir um “jornalismo
que já não é organizado segundo as regras da proximidade do maquinário de
produção” (lá atrás, a lógica da redação não era administrativa, mas prática:
o pessoal da redação, que produzia o texto, tinha de estar perto das
máquinas que reproduziriam esse texto, em geral instaladas no subsolo).
Serão mudanças sofridas, pois irão afetar tanto a rotina diária como a
autoimagem de todos os envolvidos na produção e distribuição de notícias.
Sem isso, no entanto, a redução dos fundos disponíveis para a produção do
jornalismo fará com que no futuro a única opção seja fazer menos com
menos. Não há, na crise atual, solução capaz de preservar o velho modelo.
Por último, uma palavrinha sobre a razão para não nos atermos muito à
situação do New York Times. Uma bela parte de tudo o que se escreveu
sobre a sorte do jornalismo norte-americano na última década girou em
torno do destino do jornal nova-iorquino. A nosso ver, essa atenção foi
contraproducente.
Organização
Este dossiê foi redigido com diversos públicos em mente: novas empresas de
mídia, organizações tradicionais tentando se adaptar, faculdades de
jornalismo e entidades que dão apoio ou forma ao ecossistema, como o
Pulitzer Prize Board e o governo norte-americano.
Partimos indagando o que cada jornalista pode e deve fazer hoje, já que seu
trabalho é o mais importante – e já que a obsessão com a sobrevivência de
instituições nos últimos anos ocultou o óbvio ululante: a importância de
instituições reside no fato de que permitem o trabalho de jornalistas, e não o
contrário.
Em nossa breve conclusão, usamos várias dessas forças atuais para traçar um
cenário para o fim da presente década e descrevemos quais, a nosso ver,
seriam algumas das principais características do cenário jornalístico em 2020.