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EPHEMERAL [larry stylinson]

by

Andy (@larrypowerr)

Louis gostava de conhecer profundamente tudo aquilo que o atraía.

Os sentimentos e enigmas de Harry Styles, quarterback e capitão do time de


futebol, não eram uma exceção. Principalmente quando Tomlinson é
convidado a vivenciar as pequenas e melhores coisas do mundo com Harry
antes que seja tarde demais para os dois. Ou, por uma escolha que parece
fazer o tempo correr mais rápido a cada respiração, somente para Styles.

Ephemeral

e.fê.me.ro adj. De pouca duração; passageiro; transitório.

Tudo o que Louis queria era se desligar e fingir que não doía mais para
conseguir parar de chorar e soluçar ou ao menos aplacar a sensação vazia e,
ao mesmo tempo, dolorida o consumindo como brasa. Seu peito estava
doendo com cada inspiração e ele só desejava se poupar de mais algum
machucado irreversível.

Porém, doía. Era óbvio que sim.

O garoto que ele amava estava deitado imóvel em uma cama gelada, as
respirações curtas e artificiais preenchendo o ar do quarto junto com os
bipes de diferentes aparelhos conectados ao grande corpo pálido.

Tomlinson tinha seus dedos gordinhos e pequenos entrelaçados aos esguios


e compridos do namorado, rezando a cada fôlego para que Harry apertasse
sua mão de volta como sempre fazia quando estava nervoso.

Principalmente antes dos jogos escolares, quando os dois se escondiam na


última cabine do vestiário e trocavam rápidos e verdadeiros desejos de boa
sorte entre beijos e risadas baixas e tímidas.

Mas ele não apertaria. Era tarde demais.

Os olhos azuis e molhados pelas lágrimas que deixavam marcas nas


bochechas vermelhas levantaram, fitando o rosto esculpido e perfeito do
garoto em sua frente. Os detalhes, embora apagados, ainda continuavam
singulares

como sempre, moldados pelos cachos amassados devido a tanto tempo


sendo pressionados contra o travesseiro.

Ele se lembrou de tudo enquanto fechava os olhos para deixar as lágrimas


caírem de vez, fazendo sua cabeça doer e as têmporas latejarem ainda mais.
Lembrou-se do primeiro beijo, da primeira noite e da primeira vez que
assumiram que as melhores coisas da vida não serviriam de nada se não
tivessem um ao outro.

Se não pudessem aproveitar cada pequeno momento como se fosse o


último. E realmente era.

— Louis, anjo... — A voz quebrada e exausta de Jay soou no quarto


iluminado conforme ela se aproximava do filho sentado ao lado da cama. —
Já se passaram vinte minutos... Temos que ir. Desmond também quer um
tempinho até amanhã.

Foi o suficiente para que os soluços voltassem com mais intensidade,


obrigando-o a soltar as mãos de Harry para cobrir o rosto e abafar os
barulhos que deixavam seus lábios sem permissão, a dor dilacerante
expandindo e parecendo tomá-lo por inteiro. Ele desejou que essa dor o
fizesse dormente, mas nada mais era capaz disso.

O que eram vinte minutos perto dos últimos meses que passaram juntos e
perto de todas as vezes que Harry o fez se sentir... Infinito? O que
significavam vinte minutos perto da eternidade que Harry lhe prometera sob
o céu estrelado de Holmes Chapel com os lábios colados ao seu pescoço e
as mãos grandes acariciando seus quadris com uma delicadeza quase
surreal?

Não eram absolutamente nada. Vinte minutos sequer existiam se


comparados aos pensamentos imensuráveis de Tomlinson dirigidos ao
garoto que era feito de promessas, sonhos e amor, muito amor, mesmo que
estivesse prestes a deixá-lo dali a poucos segundos. As semanas que lhe
foram dadas para poder se preparar para esse momento nem pareciam ter
sido reais. Até a última pílula, Harry costumava dizer.

Sentiu Johannah acariciar suas costas e suspirar profundamente antes de


deixar o quarto para dar um pouco de privacidade a ele. Ela provavelmente
estava indo conversar com Lottie, que estava na sala de espera para tentar
confortar o irmão quando chegasse a hora ao lado de Liam, Niall e Zayn,
ainda que eles mesmos estivessem chorando.
Louis ergueu o rosto e se levantou, pegando a mão de Styles novamente.
Secou as lágrimas com as mangas do moletom que nem sequer era dele,
esperando que o gesto as cessasse, e tentou regular as batidas do seu
coração de acordo com os pensamentos mortos dentro de sua cabeça.

— Você disse que me daria todas as estrelas se eu pedisse. — Aproximou a


boca do ouvido de Harry e murmurou, acariciando carinhosamente o
maxilar marcado com o polegar. Um pensamento colateral e tímido, porém
cruel, atravessou sua cabeça: Era o último toque. — Disse que me faria seu
na eternidade e esperaria por mim lá. O

que eu percebi, meu Meno, é que a nossa eternidade começou antes mesmo
de nos conhecermos. Lembra

quando perguntou se eu acreditava em destino e eu não respondi? —


Enxugou mais algumas lágrimas que inevitavelmente caíram sobre a pele
do pescoço do namorado e inspirou o ar com cheiro de remédios do
ambiente antes de continuar. — Eu acredito. Acredito porque tenho a
certeza de que nós dois fomos feitos para perseguir estrelas e nos
transformarmos em poeira cósmica juntos. Eu te amo tanto que nunca
poderia dizer adeus, mesmo que todos insistam em dizer que é. E isso não é
uma despedida, eu te juro por todas as vezes que você me fez sentir incrível
e único. Por todas as vezes que me amou como se nunca fôssemos chegar
ao fim.

Pressionou um beijo lento e salgado por causa das lágrimas contínuas


contra os lábios secos dele e sussurrou:

— Te vejo nos meus sonhos, amor. Eu amo você.

Enquanto Louis saía do quarto abraçado a Jay tendo a sensação de seus


pulmões estarem sendo colocados para fora com cada inspiração forçada
seguida de soluços pesados, ele tentou se convencer que Harry e ele ainda
se encontrariam. Não nessa vida, mas em algum outro lugar onde pudessem
prosseguir com o infinito particular deles sem mais nenhum obstáculo. Sem
mais dor, sem lágrimas e sem um período de tempo estipulado para fazerem
promessas.
Porque tinha que ser assim. Eles se pertenciam.
Chapter One
Encarei o relógio acima do quadro e senti meu sono começar a atingir
proporções irreconhecíveis para o ser humano, aumentando a cada vez que
o ponteiro se movia lentamente.

Eu estava tentando me lembrar de que logo estaria longe da Sra. Lawth e


das equações lineares de segunda ordem, mas as conversas baixas e
irritantes das garotas ao meu lado sobre algum jogador do time de futebol
da escola e a quantidade absurda de números e letras que pareciam ter
surgido no quadro por algum tipo de magia estavam me fazendo mais
irritado a cada segundo que se passava.

Virei a cabeça e encontrei Zayn mexendo no iPad por baixo da carteira, os


óculos escorregando da ponte do nariz e os lábios franzidos em
concentração. A regra de não trazer celulares/tablets era anulada quando se
tratava

de Zayn porque... Bem, ele era Zayn, o garoto que nem estava ligando para
aula e mesmo assim aprenderia toda a matéria se prestasse atenção por dez
segundos. Isso me deixava puto pra cacete, já que eu precisava revisar todos
os exercícios quando chegava em casa para começar a entender. Em
algumas vezes, eu tinha vontade de desenhar pentagramas com sangue no
chão do meu quarto para conseguir mais inteligência, mas Jay
provavelmente me faria limpar depois e... Nah.

Zayn Malik era a perfeita personificação do que as pessoas costumavam


dizer sobre alma errada no corpo certo.

Ele possuía músculos magros e definidos em todo o corpo, mas nunca os


mostrava, preferindo cobri-los com camisas longas e moletons de trefoil. O
maxilar pontudo sempre estava marcado pelos sorrisos de lado, – que
geralmente apareciam quando estava falando de jogos online – porém,
nunca maliciosos. Z era um anjo caído se reinventando em meio à
matemática, álgebra e geometria analítica. Em alguma outra vida, com
certeza devia ter sido um garoto de fraternidade de Harvard. Ele ainda iria
para Harvard, claro, mas passaria longe de ser um garoto que beberia barris
de cerveja e garrafas de Vodka.

Olhei rapidamente em volta, para todos os rostos repletos de traços


entediados e sobrancelhas franzidas, e suspirei baixo ao deitar a cabeça na
mesa.

Era o meu último ano. Ao mesmo tempo em que estava feliz, também havia
um sentimento estranho me preenchendo por completo. Não somente pela
pressão da

faculdade e das futuras cartas de aplicação, mas também porque minha vida
parecia estar na estaca zero o tempo inteiro, como se estivesse dentro de
algum jogo maldoso e alguém tivesse o pausado eternamente.

Eu nunca tinha namorado e já podia prever que acabaria morrendo ao lado


de um monte de gatos persas com nomes de integrantes de boybands.
Minhas pesquisas no Google se resumiam a "posso adotar uma criança sem
me casar?" e até estava revendo a possibilidade de baixar o Tinder para
encontrar um garoto que gostasse de Stanley Kubrick tanto quanto eu.

Ou seja, eu era um otário que nunca tinha feito nada de emocionante para
escrever sobre. Stephen King com suas experiências épicas me chutaria no
saco se me conhecesse. Minha vida seria apática e bosta para sempre.

Ao menos era o que eu pensava.

— Não, sério! Aí no jogo eu lancei a granada neles e eles... — Zayn ergueu


as mãos e sinalizou uma explosão da forma como pôde. — Caboom!

Parei no meio do corredor do colégio e me virei para meu amigo, que


sempre se animava exageradamente ao falar de partidas de jogos online.

— Caboom? — Perguntei tentando esconder o riso.

Ele deu um tapa fraco no meu ombro e depois puxou a alça da minha
mochila, forçando-me a continuar andando
em direção ao refeitório que, na hora do intervalo, mais parecia um campo
livre para a maior manada de abutres do mundo. Quase todos na escola
eram animais, empurrando as pessoas com ombros e quadris para conseguir
um pouco mais de purê de batata ou hambúrguer integral.

Eu realmente não sabia o que estava fazendo naquele lugar.

Wye Hill era um dos colégios mais insuportavelmente caros de Londres. Os


corredores eram limpos de uma forma asséptica e as carteiras não tinham
um único risco, além do fato de que as mesas azuis distribuídas em volta do
refeitório interno gigante tinham pequenos suportes térmicos que
mantinham os copos de suco gelados durante o almoço.

Minha mãe nunca poderia pagar a mensalidade do colégio onde Lottie e eu


estudávamos mesmo se trabalhasse por mais um turno como fiscal de
transporte de obras e esculturas que vinham e iam ao Museu de Londres,
por isso, meu pai e advogado bem-sucedido em Nova York, arcava com
essas despesas, mesmo que eu me recusasse veementemente a falar com ele
apesar dos inúmeros emails e ligações que recebia com o código de NYC.

— Então... — Zayn disse enquanto nos sentávamos nos bancos de plástico


vermelhos no refeitório externo. —

Você vai ao primeiro jogo da temporada?

Tirei a garrafa térmica de água da mochila e me encostei à parede de forma


que o sol fraco pudesse alcançar minha pele, já que era raro algum dia em
que o tempo não

estivesse nublado. Então, vinte graus era uma razão honrosa para se
comemorar com sorrisos gigantes.

Tomei um gole de água e deixei a garrafa de lado. Jay estava com essa coisa
maluca de que eu precisava tomar ao menos um litro de água por dia.

— Não? — Mais perguntei do que respondi enquanto fechava os olhos,


puxando as mangas do moletom para cima antes de estender os braços e
deixar o calor cobrir minha pele. — É provável que eles joguem sacos de
mijo na gente.

— Aí você pede para o seu pai processá-los.

Se eu estivesse com os olhos abertos, provavelmente teria os revirado.

Mark Tomlinson era uma boa pessoa.

Ele financiava bailes de caridade e patrocinava instituições não


governamentais que abrigavam, apoiavam e tratavam crianças com câncer.
Mas as suas bondades infinitas aplicavam-se somente a algumas exceções;
e essas exceções não envolviam Jay, Lottie ou eu.

Pelo menos não quando ele ainda era pobre e sócio de um pequeno
escritório de advocacia caindo aos pedaços em Doncaster. Nos dias em que
algum processo não ocorria bem ou uma causa não era ganha, ele chegava
em casa bêbado tropeçando na soleira da porta e, antes do jantar, gritava
com minha mãe até que, chorando e exausta do trabalho, ela implorasse
para ele parar.

Eu tinha nove para dez anos naquele tempo, mas conseguia me lembrar de
que tapava os ouvidos de Charlotte e Felicite para que elas não escutassem
os gritos enquanto eu era obrigado a ouvi-los, não restando nenhuma opção
a não ser apertar os olhos e sussurrar que tudo ficaria bem.

Fizzy se mudou para Nova York com Mark e nos abandonou na primeira
oportunidade que teve de uma vida melhor, esquecendo-se de tudo que ele
já fez minha mãe passar. Porém, eu não esqueci.

— Não fale sobre ele. — Pedi.

Malik ficou em silêncio e provavelmente se lembrou do motivo por trás do


meu pedido. Acariciou suavemente o topo das minhas coxas como um
pedido de desculpas, e suspirou alto.

— Eles vendem hotdogs nos jogos.


Permaneci imóvel, ainda esperando que a temperatura aumentasse e eu
pudesse finalmente usar as bermudas jeans que comprei em uma liquidação
na Forever 21, mas que nunca tive a chance de usar porque o frio era um
castigo desgraçado e permanente pairando sobre os cidadãos de Londres.

Ah... hotdog.

— Zayn, você sabe que eles vendem essa porcaria em qualquer lanchonete
de esquina, né?

— Sei.

— Então?

— Hotdogs de jogos escolares são diferentes, Louis. É a mostarda.

Ri baixo.

— Cale a boca.

— Sério, tem que ser a mostarda. E o ketchup. O que é Heinz perto


daqueles potes de ketchup dos vendedores?

— Mistérios sobrenaturais. Devemos chamar os irmãos Winchester?

Ele riu e também encostou a cabeça na parede, fechando os olhos e fazendo


com que os cílios longos e grossos roçassem na parte superior de suas
bochechas.

— Por que você quer ir ao jogo? — Não deixei o assunto escapar. — Dois
nerds nos jogos de temporada. Quão trágico isso pode ser?

— Sempre há uma primeira vez. E além do mais, estamos no último ano.


Precisamos experimentar todas as melhores coisas do mundo.

— E ir ao jogo é uma delas?

Zayn suspirou e tirou os óculos de armações pretas e grossas, coçando os


olhos com as pontas dos dedos.
— Ver Liam Payne suado e jogando com aquelas calças apertadas e brancas
é uma delas.

Meus lábios caíram abertos em surpresa antes de eu deixar uma risada


escandalosa escapar.

— Você tem um crush! Eu não acredito que você tem um crush no Monstro-
de-Músculos que é Liam James Payne!

— Fala mais alto, seu idiota.

Comecei a gritar, mas Malik veio para cima do meu corpo e colocou as duas
mãos em frente à minha boca, fazendo com que eu me desequilibrasse no
banco e levasse nós dois ao chão de concreto.

Caímos no chão ainda gargalhando e algumas pessoas passaram por nós


com caretas, mas não liguei, somente coloquei as mãos na barriga e
empurrei Zayn de cima de mim.

— Você paga um hotdog pra mim? — Perguntei após me recuperar das


risadas, virando a cabeça para encarar Zayn, que estava passando o polegar
por um pequeno risco na lente esquerda dos óculos. — Com mostarda.

Ele sorriu sem me olhar e afirmou com a cabeça.

— Se eles ganharem, pago dois.

No dia do jogo, o tempo resolveu sacanear de vez com a minha cara.

De manhã, o vento fez com que meus lábios rachassem mesmo com a
quantidade absurda de protetor labial que passei ao longo das horas. E como
se a minha boca imitando a troca de pele de um réptil não fosse o suficiente,
o motor do meu Volvo s80 2007 fundiu no meio do estacionamento
principal.

Me contive para não chutar o pneu do carro quando uma fumaça cinza e
com cheiro de enxofre do inferno começou a sair do capô porque eu
provavelmente quebraria meu pé

em trinta e sete lugares diferentes se o fizesse. Sentei-me no banco de


motorista esperando que o sinal para o primeiro horário batesse e todos
aqueles idiotas parassem de olhar para o meu carro como se fosse um
profeta pelado com o saco peludo segurando uma placa escrita "o fim está
próximo".

Zayn apareceu cinco minutos depois segurando dois copos de isopor com
café quase borbulhando de tão quente e aquilo deve ter sido o ponto mais
alto do meu dia.

Você sabe que sua vida está uma merda quando quase tem um orgasmo por
causa de um café quente e forte.

Ele olhou para o capô fechado por mais ou menos três minutos e quando
terminou, ergueu os olhos e empurrou os óculos para cima na ponte do
nariz, concluindo:

— Está estragado.

— Ah! É mesmo, seu monte de bosta falante? —

Resmunguei ainda mais puto porque meus lábios além de estarem


descascando, agora estavam queimados por causa do café. — Como não
percebi isso antes?!

— Não grita. — Ele murmurou calmamente e abriu a porta de passageiro,


acomodando-se no banco manchado de vinho tinto. — Hoje é o dia do jogo.

Geralmente, eu não gritava.

Eu estava mais para uma árvore. Ficava ali imóvel em algum canto,
respirando e implorando por um pouco de sol. As pessoas só percebiam que
eu existia quando o aquecimento global – ou podemos chamar de semana
de provas – eclodia. Louis Tomlinson, o nerd que resolvia as

equações lineares e sabia todas as consequências detalhadas da Segunda


Guerra Mundial para o mundo.
Zayn e eu ficávamos na nossa e passávamos a maior parte do tempo
estudando na lanchonete, onde podíamos comer hambúrgueres e escutar
Scorpions sem que ninguém nos interrompesse. Mas era o último ano e,
bem, algo de importante teria que acontecer.

Enquanto esperávamos por uma intervenção divina que, coincidentemente,


também saberia como arrumar motores com os poderes de Deus, Zayn
cantarolava All Of My Love com os dedos batucando nas coxas. Sua voz
era suave e foi tudo e mais um pouco do que o necessário para me acalmar.

A calma não durou muito tempo.

Ouvi três batidas suaves no capô do carro e ergui os olhos para encontrar...
Oh.

Wow.

Zayn certamente estava tendo um ataque cardíaco ao meu lado, mas eu não
conseguia virar o rosto ou mover minhas mãos para ajudá-lo.

— Ei. — Liam disse e se aproximou da porta de motorista, apoiando as


mãos nos joelhos para poder me olhar através do vidro abaixado. — Vocês
estão bem?

Zayn sussurrou um "não" que foi encoberto pela minha tosse forçada.

— Sim, estamos bem.

— Não vão ligar para um mecânico ou para o seguro do carro?

— Meu carro não tem seguro.

Ele riu e coçou a cabeça parcialmente raspada antes de franzir os lábios.

— Se quiserem, eu posso levá-los pra casa no fim da aula e depois você


vem buscar seu carro.

Não seria exatamente necessário, já que Zayn era filho de um empresário e


poderia ter um motorista com um carro importado a qualquer segundo que
quisesse. Porém, eu escolhi ser amigo de um ativista que preferia ir para a
escola de ônibus já que "os carros estão poluindo o mundo". Ou seja,
estávamos sem nenhuma opção.

E, bem, Payne era o crush dele.

— Seria ótimo. — Ignorei o beliscão de Zayn que recebi no braço. — Se


não for incomodar, claro. Posso ligar para minha mãe.

Não adiantaria nada. Minha mãe e eu partilhávamos o Volvo de acordo com


nossas necessidades, então se eu ligasse para Jay, ela diria para eu me virar
e estar em casa antes das duas.

— Não será incômodo algum. — Liam sorriu e olhou para Zayn, as linhas
de expressão suavizando. — Nos vemos depois, então.

O Monstro-De-Músculos virou as costas para ir embora e, no mesmo


instante, Malik colocou o antebraço em frente à boca, mordendo com força
enquanto fechava os olhos e

apertava a própria coxa esquerda com os dedos. Encarei a cena, atônito,


enquanto me perguntava se o ataque só estava surtindo agora.

— Você está bem? — Atrevi a perguntar, abaixando o volume da música.

Zayn colocou o copo de isopor no suporte velho e quebrado do carro e


recuperou a postura, a mordida vermelha no braço já evidente e marcada
profundamente pelos dentes.

— Não. — Respondeu e saiu do carro, batendo a porta com força.

Se eu pensei que já havia visto Zayn sofrendo silenciosamente, percebi que


não sabia de nada quando o fim da aula chegou e nós fomos até o outro lado
do estacionamento. Ele estava andando duro como se tivesse cagado nas
calças e os olhos arregalados por trás dos óculos davam a impressão de que
estávamos cheirando cocaína no intervalo da aula de geografia.

Liam estava parecendo uma imagem esculpida à mão com o vento batendo
no seu rosto fazendo-o estreitar os olhos levemente, além do corpo repleto
de músculos por baixo da jaqueta cara e os jeans claros. Tirando o fato que
estava encostado à sua BMW preta que era mais brilhante do que meu
futuro.

E eu? Já havia retirado quase um quilo de pele da minha boca e minha


camiseta do The Stone Roses estava manchada de suco de uva.

— Tem certeza de que não vai incomodar? — Perguntei assim que paramos
em frente a Liam. — Nós realmente podemos pegar um ônibus.

— Não, tudo bem. Eu levo vocês com o maior prazer. Não vou pra casa
hoje, de qualquer forma.

— Isso é realmente gentil, obrigado.

Ele sorriu e encolheu os ombros, não parecendo muito acostumado com


elogios.

Liam tomou o lugar do motorista e, antes que Zayn pudesse se enfiar no


banco de trás e morrer silenciosamente de vergonha, eu o empurrei e o
coloquei no de passageiro, piscando discretamente – talvez nem tanto – e
deslizando no banco de couro atrás.

— Onde vocês moram?

— Eu vou pra casa do Zayn! — Eu disse um pouco mais alto do que


pretendia. — O endereço dele, onde ele mora, sabe?

Payne riu enquanto ligava o aquecedor dos bancos. Minha bunda começou
a esquentar e até que foi uma sensação boa.

Enquanto eu esfregava as nádegas no banco de couro para ficar mais


quentinho, Liam se virou para Zayn e perguntou gentilmente onde ele
morava. Tive de pôr a mão em frente à boca para esconder o sorriso idiota
que iluminou meu rosto.

Eu obrigaria Malik a começar a me chamar de "cupido fodástico".


— Vocês vão ao jogo hoje? — Liam perguntou e ligou o carro, saindo do
estacionamento. Só então passei o cinto de segurança, ficando no espaço
entre os dois bancos e me sentindo o filho deles. — Acho que temos uma
grande chance de ganhar.

— Nós vamos. — Eu respondi. — Zayn quer muito ver o...

Jogo.

— Ah, é? — Ele disse e se virou para o meu amigo. —

Você gosta de futebol?

A partir daí, os dois engataram em uma conversa sobre futebol americano,


embora a voz de Zayn fosse bem mais baixa do que a de Payne, que pedia
vez ou outra para ele repetir as palavras. Eu estava aproveitando o
aquecedor do banco e, em um momento de distração dos meus pais recém-
adquiridos, eu me inclinei e passei o rosto no couro, esfregando as
bochechas ali.

Quando finalmente paramos em frente à casa de Zayn, Liam disse que


esperava nos ver no jogo e sorriu para nós dois antes de sairmos do carro. A
BMW sumiu no fim da rua e, um segundo depois, Zayn se jogou na
calçada, batendo as mãos e os pés no concreto como uma criança birrenta

enquanto

soltava

grunhidos

palavras

incompreensíveis para um mero humano.

Arrumei a mochila no ombro e limpei a garganta, olhando em volta da rua.


Tudo o que estava no alcance da minha visão eram mansões, casas gigantes
e pessoas passeando com aqueles cachorros minúsculos que tremem e latem
o tempo inteiro.

— Então, Z... — Ele ainda estava se debatendo no chão e eu comecei a me


afastar lentamente. — Eu vou embora porque preciso ligar para alguém. O
meu carro, sabe?

Estou indo.

Ele parou e ficou imóvel por alguns segundos, virando-se e deitando de


costas para poder olhar para o céu.

— Liam disse que quer me ver lá hoje. — Murmurou como se estivesse


falando com o céu e não comigo. — Que tipo de bruxaria você tem,
Tomlinson? No dia em que eu te conto que tenho um crush em um dos
garotos mais populares do colégio, ele aparece magicamente e nos leva pra
casa?

— Não tire os créditos do meu Volvo.

— Que se foda o seu Volvo.

Cruzei os braços em frente ao peito e ergui a sobrancelha esquerda.

— É assim que você fala do carro que leva essa sua bunda magrela para a
escola nos dias em que você está cansado demais para pegar ônibus?
Ingrato.

— Oh. — Zayn se sentou e limpou a mão nos jeans. —

Você quer ajuda com o carro?

— Não precisa. Nos vemos à noite, certo?

— Sim. Já que estamos sem a carruagem real, vou passar por cima das
minhas ideologias e pegar um carro emprestado do meu pai. Passo te
buscar.
O caminho até minha casa não era longo, mas para alguém completamente
sedentário que se entupia de

Twizzlers na primeira oportunidade, era como percorrer a Muralha da China


de joelhos com dois lutadores de sumô nos ombros. Durante os últimos
metros, levei a mochila nas mãos e comecei a quase me arrastar. E se eu
endireitava a postura toda vez que alguém passava por perto para fingir que
estava bem, ninguém tinha nada a ver com isso.

Jay ainda não havia chegado do trabalho e Lottie provavelmente estava na


casa de alguma amiga, por isso eu me joguei no sofá e coloquei os pés na
mesinha de centro, coisa que não faria se minha mãe estivesse em casa.

Enquanto limpava o suor da testa com a barra da camiseta, pesquisei


alguma empresa no Google que fizesse reboque de carro e, no final, paguei
mais de vinte libras por um trajeto de menos de quinze quilômetros.

Com o carro fundido já na garagem, tomei banho e me deitei no sofá de


qualquer jeito abraçado a quatro almofadas e ouvindo o volume suave da
Nickelodeon ao fundo.

— Isso é uma nave. — Eu disse enquanto entrava no Cadillac Escalade que


Zayn estava dirigindo. — Isso é realmente uma nave. Quase compensa o
fato de eu estar indo para o matadouro.

Ele revirou os olhos e travou as portas antes de ligar o ar quente e eeei!,


também tinha aquecedor nos bancos.

Minha vida estava ótima, obrigado.

— Você não está indo para o matadouro e esse carro não é uma nave.

— É, sim. Vamos ali no banco de trás que eu te faço ver estrelas.

— Você ganha os garotos assim?

— Na verdade, — Ergui o dedo indicador. — eu mostro a bunda a eles.


Ninguém resiste a minha bunda.
— Informação desnecessária.

Desnecessário, na verdade, eram os estudantes gritando a plenos pulmões


no estacionamento do campo da escola.

Com os rostos pintados de vermelho e preto, os garotos pulavam nas


traseiras das caminhonetes segurando garrafas de Vodka enquanto urravam
"Wild Wolves!" de uma forma que fazia meus tímpanos pegarem as malas e
irem embora.

Alguns estavam sem camiseta e, fala sério, meu tríceps não ficaria daquele
tamanho nem se eu fosse preso e acorrentado a uma academia.

Quatro garotas tinham as letras "A" "H" "R" "Y" pintadas em vermelho nas
barrigas, o que não fazia sentido. Quem se chamava Ahry? Yrah? Ryah?
Talvez tivesse entrado um garoto israelense ou iraquiano no colégio.

Zayn ativou o alarme do Cadillac e olhou assustado para um cara de ponta


cabeça em cima de um barril de cerveja bebendo diretamente da mangueira.
Pegou meu braço com as duas mãos como um gatinho assustado e franziu

as sobrancelhas, sendo fofo de uma forma que me fez apertar sua bochecha
esquerda, ecoando um "aww".

— Eles não conhecem copos? — Sussurrou após bater nos meus dedos para
afastá-los. — Não é uma invenção tão ultrapassada assim.

— Isso é porque você ainda não viu o body shot.

— Mas eu sei o que é e... — Balançou a cabeça, repudiando a ideia. — É


realmente nojento.

Encolhi os ombros e continuei o guiando em direção à entrada da


arquibancada, onde haviam algumas líderes de torcida

conversando

e
agitando

os

pompons

distraidamente.

— Louis, vem, precisamos comprar os hotdogs!

— O quê? Eu nã–

Zayn era mais alto e mais forte do que eu e sabia usar sua força muito bem
para alcançar os objetivos de seu interesse, por isso eu fui arrastado pela
mão até a barraquinha mais próxima de cachorro-quente, assim como Jay
fazia quando eu não queria ir a algum lugar.

Ele pediu dois e comprou um vidro de mostarda do homem. Zayn


literalmente pagou três libras por um pequeno recipiente com mostarda. E
aí, deu pra eu segurar porque, pelo que parecia, eu tinha me transformado
no seu assistente pessoal.

Deixei que ele pagasse tudo porque se eu fosse carregar sua mostarda, não
era obrigado a pagar também.

Pegamos dois copos de refrigerante, dois cachorros-quentes e eu dei um


jeito de colocar o vidro de mostarda dentro do bolso da frente do meu
moletom. Subimos as arquibancadas e nos encaminhamos até a última fila,
já que se os dois nerds se sentassem na primeira, provavelmente seriam
atingidos por copos de cerveja ou batata-frita mastigada e não, obrigado.

— Minha mãe disse que está com saudades de você e que você deveria ir
jantar lá em casa. — Malik disse após morder um pedaço do pão. — Cara,
isso é muito bom! E aí ela até prometeu que faria aquela massa com... Jesus,
essa mostarda! Camarão.

— Estou vendo a comida dentro da sua boca sendo triturada.


Ele abriu de vez a boca em minha direção e me obrigou a ver toda aquela
comida mastigada. Soltei um som de nojo e me virei para frente, assistindo
as cheerleaders ensaiarem alguns passos. Mordi um pedaço do cachorro-
quente e olhei em volta.

Eu não conhecia quase ninguém dali a não ser Zayn e alguns alunos da
classe de química. E era por isso que não gostava de ir aos jogos do time:
Sentia-me deslocado, como se não pertencesse àquela escola.

Zayn, sim. Ele era rico, filho de um empresário multimilionário e poderia


pagar a mensalidade com a mesada, se quisesse. Às vezes eu pensava em
sair dali, pedir minha transferência e ir estudar em uma escola pública para
que pudesse me livrar de uma vez por todas

de Mark. Zayn era a única razão que ainda me mantinha ali.

Todas as luzes do campo se apagaram repentinamente e as pessoas


começaram a gritar mais uma vez. Eu ainda podia ver as sombras de
bandeiras com a mascote do time, um lobo com sangue nas presas,
desenhado, mas de resto, era somente um breu.

Enquanto os estudantes pulavam e vociferavam "Wild Wolves" como se


fosse a salvação de suas vidas, eu bebia meu refrigerante e reclamava
mentalmente por querer ir pra casa.

Um único canhão de luz foi aceso e focado em um grande painel de papel


onde o lema do time estava destacado em letras vermelhas. Em questão de
segundos, berros foram ouvidos e o primeiro jogador correu através do
papel, rasgando-o e dando passagem para os outros que bradavam palavras
misturadas e erguiam os braços para mostrar os músculos delineados.

— Louis! — Zayn quase se engasgou com o cachorro quente e fincou as


unhas no meu braço. — Liam não está lindo?

— Eu até diria se soubesse qual é ele.

Ele não pôde me mostrar porque as luzes se acenderam novamente e todos


os jogadores de repente estavam virados para a arquibancada em que nós
estávamos, golpeando duas vezes os torsos firmes antes de baterem palmas
e correrem até o centro do campo.

Seria uma longa noite.

Eu não entendia absolutamente nada das jogadas e, a cada cara que era
jogado para cima pelo jogador do time adversário, eu tapava os olhos e
mordia os lábios de ansiedade porque... Aquilo machucava, não é? Foram
muitos chutes, socos e empurrões que passavam despercebidos pelo juiz e,
no final, acabou em 23 a 11

para os Wild Wolves.

Todos os alunos da Wye Hill foram ao delírio, saltando do banco da


arquibancada e descendo até o gramado. Zayn, eu e três garotos fomos os
únicos que ficaram ali. Malik estava sorrindo abertamente quando localizou
Liam, que tirou o capacete e acenou para ele.

Meus braços foram arranhados mais uma vez.

Liam e outro cara ergueram um garoto que estava agitando lentamente os


braços enquanto as pessoas o reverenciavam

como

um

rei.

Meus

olhos

pararam somente nele, fazendo com que o restante da multidão perdesse o


foco de um segundo para o outro.

Ele tirou o capacete e balançou os cabelos úmidos de suor, passando os


dedos pelos fios logo em seguida e bagunçando ainda mais os cachos que
passariam despercebidos se eu não estivesse prestando tanta atenção. Seu
sorriso era satisfeito, feliz e, ao mesmo tempo, exausto.

Ergueu as mãos e as impulsionou para cima, sinalizando para que todos


gritassem mais alto; o que foi obedecido de prontidão.

Então entendi. Ele era a estrela, o capitão.

Liam foi para o outro lado e eu pude ver STYLES atrás do seu uniforme,
logo acima do número 17.

Ele ficou mais um pouco sobre os ombros de Liam e do outro garoto e


depois desceu, recebendo tapinhas orgulhosos nas costas quando os pés já
estavam firmes no chão. O treinador se aproximou quando o time rival
estava entrando para o vestiário novamente com semblantes desapontados
escurecendo os rostos sujos de grama e terra.

Styles meneou a cabeça para as palavras do homem alto e, no final, recebeu


um abraço apertado, o qual ele correspondeu afetivamente. Eles só se
afastaram quando uma líder de torcida se aproximou segurando apenas um
dos pompons, sorrindo e mostrando todos os dentes.

Ela era alta, praticamente do tamanho do capitão do time, e seu corpo


esguio com cintura fina e quadris estreitos seria igual ao de uma modelo
não fosse pelos peitos gigantes. O cabelo ruivo e longo balançou quando
Styles a pegou pela cintura e a fez entrelaçar as pernas em volta de seus
quadris como se ela não pesasse nada.

E... Beijaram-se.

Ah.

Coloquei meu refrigerante de lado e desviei os olhos, adquirindo uma


sensação estranha por tê-los visto se beijando. Senti como se estivesse
invadindo um momento extremamente íntimo com o olhar curioso e os
pensamentos sem sentido.
Ele era bonito – lindo, na verdade – e ela também. Os dois deveriam ser
populares e ricos e era óbvio que todos na escola o conheciam. Eu não,
claro, já que não me interessava pelos nomes das pessoas ali. Mas... O
capitão do time e a cheerleader combinavam. Como qualquer outra história
piegas.

Ele a largou e procurou alguém com os olhos no mesmo instante, acenando


em direção à primeira fila de arquibancadas. Vi uma mulher pálida e vestida
bem demais para um jogo escolar de futebol americano acenar de volta, o
que também foi feito por um homem corpulento com um terno bem
ajustado.

Parei de encará-los como um stalker e me concentrei no sorriso de Zayn


dirigido à Payne. Em mais nada.

Quando cheguei em casa, Jay estava dormindo no sofá em uma posição


desconfortável com a agenda de couro junto ao peito. Desliguei a televisão
e tirei a agenda de seu aperto, pegando-a no colo. Seu peso havia diminuído
com o passar dos anos e agora não era tão difícil carregá-la. Eu o fazia
frequentemente, já que ela sempre dormia no sofá após o trabalho e eu não
tinha coragem de acordá-la.

Subi as escadas devagar e empurrei a porta do quarto dela com os quadris,


colocando-a com cuidado na cama antes de tirar seus sapatos e cobri-la com
o edredom enrolado na beira do colchão. Acendi o abajur sobre a mesa de
cabeceira, beijei sua testa e saí do quarto, andando na ponta dos pés até o de
Lottie para conferir se ela estava bem.

Quando deitei na minha cama, já de roupa trocada e alarme configurado,


soltei uma risada irônica que ecoou pelo quarto escuro.

Capitão do time... Bobagem.

Chapter Two

A vitória dos Wild Wolves ao menos trouxe uma boa coisa no dia seguinte.
Quando Zayn e eu pegamos as bandejas de plástico para almoçar, percebi
que havia hambúrgueres com queijo em cima de uma grande chapa para
mantê-los aquecidos.

Hambúrgueres de carne de verdade! Não a típica carne de soja cozinhada


com base em uma dieta prescrita pela nutricionista da escola.

Malik deixou os lábios caírem entreabertos em surpresa antes de acordar do


transe e pegar dois hambúrgueres e uma garrafa de suco natural (eles não
permitiam o refrigerante ainda, pelo jeito). Peguei somente um,
arrependendo-me de ter comido quase uma caixa inteira de cereal no café
da manhã, e o segui até uma das únicas mesas vazias do refeitório.
Colocamos nossos copos no suporte térmico e olhamos por alguns segundos
o queijo derretido, ainda desacreditados.

— Esse hambúrguer com aquela mostarda ficaria maravilhoso. — Disse


baixo, franzindo as sobrancelhas grossas. — Seria a mesma coisa que
comer um pedaço do paraíso.

Estendi o braço e puxei a manga do moletom pra cima, expondo meu


antebraço. — Toma.

Ele me encarou, confuso.

— O quê?

— Eu sou o paraíso. Pode morder.

Zayn revirou os olhos tão rápido que eu fiquei com medo de ficarem
grudados atrás de sua cabeça.

— Cale a boca, idiota. — Empurrou meu braço enquanto ria.

Mordi um pedaço do hambúrguer e fechei os olhos com o sabor do queijo


derretido junto com a carne suculenta, o caldo na minha língua me fazendo
soltar pequenos gemidos de felicidade.

— Você está tendo um orgasmo? Está bem, Tomlinson?


— Isso é um hambúrguer. — Apontei para o pão entre meus dedos como se
precisasse reforçar a frase. — Qual foi a última vez que comemos
hambúrguer aqui na escola?

Quando o diretor morreu? Ou quando aquela professora foi flagrada


roubando livros clássicos da biblioteca?

Uma mochila preta foi jogada em cima da mesa e em seguida Lottie se


sentou do outro lado, colocando a bandeja em sua frente e bufando alto.

— Na verdade, acho que foi antes do Natal do ano passado. — Ela disse,
empurrando a mochila de lado para que pudesse nos encarar
apropriadamente. — E aí?

— E aí? — Repeti. — O que você está fazendo aqui, na verdade? Onde


estão suas amigas mimadas?

— Elas me deixaram sozinha porque eu disse que não queria matar aula
para cheirar cocaína. — Revirou os olhos e pegou o hambúrguer, dando
uma mordida grande que fez uma boa parte do molho acumular no canto da
sua boca. — Aquelas estúpidas acham que serão muita merda

se ficarem cheirando cocaína toda quinta. Tipo? Qual o sentido em ser


popular por usar droga?

Boa parte dos alunos fumava maconha. A mídia local focava no uso de
drogas somente dentro dos colégios públicos, mas a verdade é que em Wye
Hill, os filhinhos de papais compravam heroína ou maconha e revendiam a
um pequeno preço somente pelo simples fato de serem Os Traficantes.

— Deixa elas. — Encolhi os ombros, oferecendo um guardanapo de papel à


minha irmã. — Eu não–

Ouvi uma risada rouca e alta preencher o refeitório, o som levemente firme
me fazendo erguer os olhos para encontrar Styles, o capitão do time,
entrando no lugar.
O resto da frase que eu ia dizer a Lottie ficou preso na minha garganta junto
com um caroço súbito e inexplicável.

Eu não entendia o porquê de ficar assim na segunda vez em que estava o


vendo, mas havia algo no garoto que me atraía mais do que qualquer coisa
já tinha o feito.

Liam estava ao lado dele, também gargalhando. Enquanto todos usavam o


uniforme horrível com gravata vermelha, os dois estavam com a jaqueta do
time de futebol e conversavam com alguns outros caras, porém, minha
atenção estava somente em Styles.

A mesma cheerleader ruiva se aproximou e o abraçou, beijando o queixo


dele com um sorriso estonteante. Ele também sorriu e eu percebi que
tinham covinhas nas bochechas dele que aprofundavam quando sorria
amplamente, de verdade.

Eu poderia morar nas covinhas dele.

Charlotte estralou os dedos em frente ao meu rosto e eu desviei o olhar dos


dois se beijando para ela, sentindo meu rosto queimar de vergonha por ter
sido pego.

— Por que você está olhando para Harry e a namorada dele? — Perguntou
com as sobrancelhas erguidas. —

Você fala com ele?

Então ele se chamava Harry. Típico inglês que, com toda a certeza, deveria
ter um segundo nome antes do sobrenome.

— Não. Eu... Não. Claro que não. — Limpei a garganta, desconfortável. —


Mas... Você o conhece?

— Quem não o conhece?

Apontei para o lado.

— Zayn e eu.
Malik largou o hambúrguer e pressionou os lábios juntos, hesitando por
alguns segundos antes de soltar um murmúrio.

— Eu o conheço. Não que já tenhamos nos falado e trocado pedidos de


amizade no Facebook, mas Harry é meio que popular. E a namorada dele
também, então todos os alunos sabem quem ele é.

Murmurei um "okay" e peguei meu hambúrguer, terminando de comê-lo.


Eu precisava parar com aquela obsessão repentina com Harry. Ele era
hétero. Hé-te-ro.

Estava decidido: Eu não falaria mais sobre ele.

— Então... — Cruzei os braços sobre a mesa como quem não quer nada e
desviei o olhar para minhas unhas. —

Harry e ela namoram há quanto tempo?

— Três anos, mais ou menos. — Charlotte respondeu e virou a cabeça para


olhar para o assunto da nossa conversa, que estava pegando dois
hambúrgueres enquanto continuava a conversar com a ruiva. — Julie é
legal, um amor de pessoa. Ela e Harry são meigos juntos.

Tive que segurar minhas pálpebras fechadas para não revirar os olhos e, ao
invés disso, escolhi balançar a cabeça afirmativamente e sorrir de uma
forma que eu tinha certeza que parecia falsa.

— Posso me sentar aqui? — Uma terceira voz irrompeu na nossa conversa.

Olhei pra cima e vi Liam segurando apenas um copo de suco com a outra
mão dentro do bolso do casaco. Me perguntei onde estava a mochila dele,
mas como ninguém na mesa respondeu sua pergunta, assenti e sorri. Payne
se sentou em frente à Malik e tive que chutar meu amigo para que ele
tivesse alguma reação, já que estava parado no lugar com a boca suja de
molho e as mãos suspensas no ar, o hambúrguer espatifado no prato.

Lottie também não estava muito longe, com os olhos fixados no garoto e a
boca aberta em surpresa. Eles estavam parecendo estátuas de cera e Liam
riu quando percebeu isso, erguendo as sobrancelhas com vergonha.

— Estou incomodando?

— N-Não. — Zayn se apressou em responder, piscando incrédulo algumas


vezes. — Não. Não. Eu... Não. Não.

— Se você não entendeu, — Dei um tapinha nas costas dele. — Zayn quis
dizer que não.

Charlotte também me chutou por baixo da mesa e realmente doeu, então eu


a chutei de volta. Ela me chutou de novo, com mais força dessa vez, e eu fiz
o mesmo até que ela gritasse de dor e encolhesse a perna, apertando a
canela com uma expressão irritada no rosto.

— Babaca. — Murmurou sob a respiração.

— Ei, tem um pouco de molho aqui. — Liam disse e se inclinou sobre a


mesa. Limpou o molho do canto da boca de Zayn com o polegar e depois o
colocou na boca, sugando o dedo com os olhos fixos no meu amigo. Oh. A
tensão sexual me atingiu mais forte do que um tapa na cara. — Pronto.

Lottie e eu nos viramos para ver a reação de Zayn. O

garoto permaneceu parado por alguns segundos, a respiração sendo


evidenciada pelos movimentos curtos e rápidos do peito embaixo do paletó,
e sua única reação brusca foi acenar com a cabeça lentamente algumas
vezes antes de abaixar os olhos, concentrando-se no hambúrguer.

Desconfortável e sem graça, Liam limpou a garganta baixo e tomou um


pouco de suco, apoiando o cotovelo na mesa.

Ninguém disse mais nada e eu me senti na responsabilidade de quebrar o


gelo que havia se instalado

na conversa, já que Zayn estava imóvel e Charlotte fingia estar concentrada


unhas curtas pintadas de preto.

Olha só, eu era uma árvore socializadora.


— O jogo ontem foi incrível. Parabéns.

Isso pareceu prender sua atenção, rompendo a postura rígida com um


sorriso orgulhoso.

— Obrigado. Estávamos treinando todos os dias e Harry nunca parou de


nos incentivar.

Eu estava começando a pensar que o nome de Styles surgiria nas minhas


conversas em qualquer tipo de assunto. Seria inevitável.

Eu só precisaria fugir daquilo e tudo ficaria bem.

Ok, sempre fui iludido.

E achar que eu conseguiria fugir de Harry foi a maior de minhas ilusões.

Aula de Literatura, último horário e professor rechonchudo com uma barba


que se encostava aos pelos da orelha ou os pelos da orelha encostavam-se à
barba; eu não sabia dizer.

Eu estava feliz estudando Oscar Wilde e lendo O

Fantasma de Canterville quando a porta se abriu, revelando a coordenadora


da escola. Ela sorriu para o professor e logo depois puxou Harry para que
ele desse um passo à frente e entrasse na sala. Ele parecia

incrivelmente tímido e deslocado e isso me fez engasgar com saliva.

Que tipo de realidade alternativa acomodava um capitão do time tímido?

— Sr. Craig, este aluno pediu transferência de classe de Literatura Inglesa.


Tenho certeza de que há um espaço para o Sr. Styles aqui, sim?

Ah, sim. Tinha um espaço. Tinha a porcaria de uma carteira vazia em frente
à minha, e somente com a remota possibilidade de me sentar atrás dele,
minhas pernas ficaram moles.
Estava tudo muito errado.

Ou Harry tinha começado a me seguir ou o destino devia adorar esfregar na


minha cara que eu tinha uma forte tendência a ter queda por héteros.

— Sim, claro. — O professor Craig pegou o papel de transferência e


agradeceu a coordenadora, que sorriu de volta antes de deixar a sala. —
Bem, Harry, seja bem-vindo e espero que você goste de dramas clássicos.

Sente-se onde desejar.

Styles segurou a alça da bolsa e passou o olhar crítico sobre as carteiras.


Algumas pessoas endireitaram a postura e o olharam como um cachorro
assistindo frangos assados. Mas tudo o que ele fez foi abaixar a cabeça e dar
passos firmes em direção ao corredor em que eu estava sentado.

Desvie o olhar, pegue a caneta e comece a escrever na merda do caderno.


Não o encare, não o encare, ok!, encarei. Meeeerda.

A cadeira em minha frente foi arrastada e logo em seguida ouvi um


pequeno baque, indicando que ele já havia se sentado. Concentrei-me na
página aberta do livro e levei o polegar à boca, mordendo a ponta do dedo
para tentar me distrair da presença imponente de um garoto que eu nem ao
menos conhecia.

Ele ficou em silêncio a aula inteira.

Apesar de não ter um livro, permaneceu com os olhos focados no professor


e somente nele. A curiosidade falou mais alto e eu acabei espiando por cima
de seu ombro por poucos segundos, vendo seus dedos longos e preenchidos
com

anéis

que

pareciam

ser
caros

batucarem

silenciosamente na mesa. Os cachos nas pontas dos seus cabelos eram


perfeitamente moldados e ele cheirava tão bem que eu poderia colocá-lo de
pé dentro do meu guarda-roupa para deixar meus jeans com cheiro de Harry
Styles.

Quando o sinal bateu, ele reuniu os materiais, guardou dentro da bolsa e se


levantou. Caminhou em direção à saída da sala da mesma forma que entrou:
De cabeça baixa e timidamente, as botas de couro clicando no chão até que
desaparecesse porta afora.

Deitei a cabeça na carteira e respirei pelo que pareceram cinco anos após
ficar sem oxigênio.

Merdas acontecem e agora eu estava na mesma classe que Styles,


condenado a ouvir frases românticas e melancólicas de Jane Austen
enquanto minha atenção ficaria somente nele.

— Você está horrível. — Zayn disse quando nos sentamos a uma das mesas
do Arroto Molhado.

Arroto Molhado era como chamávamos a pequena lanchonete da amiga de


Zayn. Ganhou esse nome por causa de uma competição de arroto que
acabou se desenvolvendo após vários litros de cerveja.

Um competidor estava animado demais para alguém que estava disputando


com mais três homens bêbados, e acabou bebendo dois litros de Coca-Cola
com sorvete de baunilha. Então, ele arrotou e acabou vomitando no piso
inteiro. Daí surgiu o Arroto Molhado.

Tirei o caderno da mochila e peguei uma caneta, girando-a entre meus


dedos.
— Eu preciso dormir. — Menti. — Estou exausto e precisando de férias
daquelas pessoas feias.

— Paixão e gentileza com os colegas de colégio em primeiro lugar sempre,


né?

Nora, a dona da lanchonete, apareceu e colocou dois copos gigantes de


milkshake em minha frente junto com cheesecakes de morango.

— Você está horrível. — Ela me disse a mesma coisa e se abaixou para dar
um beijo na bochecha de Zayn. —

Querem mais alguma coisa, garotos?

— Alguma coisa para me matar.

— Vocês viram?! — Ela puxou uma cadeira e se sentou.

— A polícia federal está tentando barrar imigrantes da Ásia no aeroporto.

— Por quê? — Zayn empurrou o prato com o pedaço maior de cheesecake


pra mim e ficou com o outro. — É

relacionado às guerras internas?

— Não. Tem algo a ver com pílulas que a China está desenvolvendo que
podem te matar no final de–

— Ok, vão conversar sobre isso lá fora. — Pedi, esfregando os dedos sobre
as têmporas. — Meu dia foi horrível e eu agradeceria se essas conversas de
nerds ficassem de fora de toda a tortura.

— Diz a pessoa que tira a nota máxima em todos os exames. — Nora bateu
na parte de trás da minha cabeça com força o suficiente para me fazer
engasgar com o milkshake. — O que você tem?

Eu não poderia dizer que estava me sentindo pessoalmente atacado pelo


capitão do time de futebol, seria ridículo. Yeah, nós éramos almas gêmeas e
estávamos destinados a escrever nossos nomes em árvores com mais de
cem anos para poder deixar a marca do nosso amor em lugares eternos,
mesmo que fizesse somente dois dias que seu nariz gigante tinha entrado na
minha visão periférica.

Mas havia um detalhe minúsculo que não fazia nenhuma diferença: Ele
namorava. Hah.

— Eu tenho a síndrome do Me Deixa Quieto Ou Eu Vou Enfiar Esse Garfo


No Seu Olho.

— Isso é falta de... — Ela ergueu a mão e fez o típico movimento que
imitava uma punheta, levantando as sobrancelhas. — Você sabe o quê.
Liberar uns espermatozoides no ralo do banheiro, descascar uns milhos,
descabelar o palhaço, coisa e tal.

— Tchau, Nora.

Ela riu e se levantou, beijando o topo dos meus cabelos.

Não havia se afastado nem três metros quando gritou: —

Quando Lottie descobrir como vaginas são bonitas e maravilhosas, peça a


ela para me procurar.

— Fique longe da minha irmã, sua pervertida. Ela é nova pra você.

Zayn esperou que Nora fosse até outra mesa para falar, brincando com os
próprios dedos enquanto fingia que eles eram as coisas mais interessantes
do mundo.

— Liam me convidou para ir ao boliche. Aquele inspirado nos clássicos que


abriu há uma semana, sabe?

Bati as mãos na mesa e gritei seu nome, fazendo-o se encolher dentro do


próprio casaco com os olhos assustados enquanto algumas pessoas de
outras mesas viraram-se para nos olhar.

— Como você não me contou?!


— Estou contando agora. — Defendeu seu direito de não dizer porra
nenhuma para o melhor amigo. — E ele me convidou ontem por mensagem
e–

— Vocês têm a porra do número um do outro?!

Um homem da mesa ao lado largou o garfo que estava segurando e fez uma
careta pra mim.

— Garoto, dá pra você parar de falar palavrão, seu mal educado?

Cruzei os braços em frente ao peito e ergui o queixo, tentando fazer da


minha expressão a mais assustadora possível.

— Eu vou enfiar esse garfo no seu olho.

— Vou chamar a polícia. — Rebateu.

— Você não vai poder usar as mãos se também tiver garfos prendendo-as na
mesa.

O homem me olhou e depois girou o corpo lentamente, voltando a comer o


almoço como se nada tivesse acontecido.

Zayn colocou a mão em cima da minha através da mesa e sorriu, os olhos


âmbar iluminados pela luz do sol que criava pequenas faixas sobre seu rosto
esculpido.

— Eu quero que você vá comigo amanhã. Liam vai levar alguns amigos e
podemos nos divertir.

— Eu não quero ficar olhando vocês se beijarem.

Malik corou de um segundo para o outro.

— Não vamos nos beijar. — Murmurou, esforçando-se para não gaguejar.


— Eu... Ele...

Virei a palma da mão para entrelaçar nossos dedos e suspirei.


Zayn era incrivelmente tímido desde o primeiro ano na Wye Hill, que foi
quando nos conhecemos.

Seu primeiro beijo foi comigo na sua cama embaixo das cobertas. Ele
ficava completamente vermelho toda vez que eu trazia o assunto à tona.

No

dia

que

aconteceu,

neve

estava

caindo

incessantemente e avisei minha mãe que não iria para casa, já que Trisha
havia me pedido para dormir lá. Algum filme antigo passava na televisão
quando eu o abracei de lado e tirei seus óculos, deslizando os dedos pelas
suas bochechas quentes, impulsionado por uma vontade repentina de ter
seus lábios nos meus e, claro, pelos hormônios atacados corroendo cada
parte da minha libido recém-descoberta.

Zayn fechou os olhos e eu o beijei. Ainda tínhamos quatorze anos e tudo


pareceu molhado e envolto por saliva demais, mas o deixou extremamente
excitado, sua ereção esfregando na minha coxa, o que o fez correr para o
banheiro com as mãos em frente às calças de pijamas.

— Não deixe Liam fazer nada que você não queira. —

Digo baixo, adquirindo aquele instinto protetor que sempre aflora quando se
trata do meu melhor amigo. — Não é só porque você gosta dele que é
obrigado a se sentir bem com qualquer movimento que ele fizer.
— Você vai estar lá, não vai?

— Zayn, eu realmente não–

— Sim, você vai. Por favor, Tommo. Eu não posso correr o risco de ficar
deslocado lá. E se Liam me largar sozinho? E

se ele me disser que me odeia e que eu sou um nerd?

E quem poderia resistir àqueles olhinhos de filhote de cachorro?

Lottie parou à porta do meu quarto e encostou-se ao batente, olhando-me de


cima a baixo.

— Aonde você vai?

— Ao boliche.

Ela sorriu e ergueu a sobrancelha esquerda.

— Ah, é? Tem um encontro?

Dobrei as mangas do meu casaco jeans e evitei a pergunta por alguns


segundos, virando de costas para poder arrumar os jeans.

Eu nem ao menos sabia o que era ter um encontro. Todos na escola eram
bons demais para o baixinho esquisito que sujava a própria roupa com suco
de uva e, claro, era pobre.

— Zayn tem. Com Liam.

Ela sorriu e entrou, jogando-se na minha cama como se fosse a sua,


encolhendo as pernas e abraçando as próprias coxas.

— Eles ficam bonitos juntos. — Observou baixo, tocando as pontas das


meias de lã cuidadosamente.
Era novembro. O tempo estava esfriando sem parar e os dias estavam
começando a se tornar mais curtos em comparação com o verão. Meu
aniversário seria dali a pouco tempo e eu já estava exausto só de pensar nos
problemas que teria.

Mark sempre mandava presentes caros demais e eu me sentia mal quando


os recebia. Jay dizia para eu aceitá-los, mas o olhar triste encoberto pela
sombra de um sorriso pequeno indicava que ela se sentia decepcionada
consigo mesma, já que nunca poderia comprar um celular de última geração
ou até mesmo um MacBook pra mim.

Por isso, eu mandava tudo de volta para Nova York com um simples bilhete
escrito "obrigado."

— Ficam mesmo.

Troquei os Vans por um Converse preto e me sentei ao lado dela, amarrando


os cadarços.

— Se eu te perguntar algo, — comecei baixo, tentando não erguer a voz


para não desistir de falar sobre isso com Lottie. — você promete nunca
mais tocar no assunto de novo?

Ela acena com a cabeça. — Claro que sim. Prometido. O

que é?

Terminei de amarrar o cadarço e peguei meu celular. Uma mensagem de


Zayn piscou na tela, dizendo que ele já estava chegando, então guardei no
bolso novamente e me

encostei ao lado dela na parede, nós dois olhando para os nossos reflexos no
espelho.

— Me fale sobre Styles.

Ao contrário do que pensei, ela não fez piada nem zombou da minha
pergunta que soava extremamente ridícula, somente franziu os lábios e
respirou fundo pela pequena brecha entre eles.
— Eu não sei muito sobre ele, ninguém sabe, na verdade.

— Deitou a cabeça no meu ombro e eu vi através do espelho quando ela


fechou os olhos devagar, ainda falando. — Acho que tem dezenove anos.
Styles é inteligente, nunca reprovou, mas está atrasado na escola porque foi
fazer um curso em outro país. Não me pergunte do quê. A mãe é médica
pediatra e o pai, um empresário que também é sócio do pai de Julie. Hum...
É rico. Muito rico. Tem uma irmã que estuda em Harvard e é o orgulho da
família e...

— Ele é uma boa pessoa?

— Uhum. O cara tem uma borboleta tatuada na barriga. —

Ri baixo, soltando um pequeno ruído de satisfação quando começo a passar


os dedos pelos seus cabelos. — A ideia é ridícula, mas combina com ele.
Uma tatuagem tão inocente quanto.

— Inocente?

— Sei lá. Ele só parece meio solitário às vezes. Entende?

— Não. Ele não parece ser solitário. Vive rodeado pelos garotos do time.

Charlotte encolheu os ombros ainda de olhos fechados.

— É justamente por isso. São apenas os garotos do time. Ninguém mais.

— E a namorada dele?

— Ela é legal, um amor e auxiliar comunitária, mas não acho que eles
sejam amigos acima de namorados. Às vezes parecem indiferentes, às vezes
são como Barney e Robin, e outras... Parecem insatisfeitos com a presença
um do outro.

— Você disse que eles são meigos juntos.

— Mas nunca disse que parece que se amam. Harry gosta de–
A frase dela foi interrompida por uma buzina. Olhei pela janela ao lado da
cama e vi o carro de Liam lá embaixo, já me sentindo culpado por Zayn ter
pedido a ele para vir me buscar.

— Me ligue se precisar de alguma coisa. Essa conversa morreu aqui. —


Fiquei de pé e bati no bolso de trás para conferir se minha carteira estava
ali. Deixei um beijo na testa dela e segurei seu rosto. — Mamãe vai
trabalhar até meia-noite hoje, alguma escultura está chegando do museu de
Nova York ou algo assim. Tranque as portas e não deixe ninguém entrar.

— Eu tenho dezesseis anos, Louis.

— Não, você ainda tem cinco pra mim. Cale a boca. Se algo der errado, me
liga. Precisa de dinheiro?

Ela deitou na minha cama e se virou para o outro lado.

— Tchau, Louis. Se cuida.

No andar de baixo, conferi se todas as janelas estavam fechadas antes de


abrir a porta e trancá-la do lado de fora.

Meu corpo estava implorando para que eu me deitasse no asfalto e


hibernasse até o próximo inverno, mas Zayn estava sentado no banco da
frente, apoiado na janela meio aberta e me olhando como se estivesse
pedindo socorro de um incêndio. Eu não perderia seu primeiro encontro por
nada no mundo.

Abri a porta de trás e entrei, ajeitando-me no banco com a clara intenção de


agradecer a Payne por ter vindo me buscar, mas minha voz travou quando
percebi quem estava sentado ao meu lado com os olhos fixos no celular e os
cachos parcialmente iluminados presos por uma bandana preta.

O carro deu partida.

Meus braços e pernas estavam congelados no lugar e nem mesmo o


aquecedor dos bancos foi capaz de diminuir minha rigidez quase robótica.
Nós estávamos a um assento de distância, mas seu cheiro fresco de algum
perfume caro fazia com que eu tivesse a impressão que ele estava colado a
mim, me segurando perto.

Me aproximei mais da porta a ponto de ficar espremido contra ela e passei o


cinto em frente ao meu corpo, segurando firme a tira de tecido em
transversal no meu peito. Em um jogo de vida ou morte, girei a cabeça só
um pouco e olhei para ele.

Me arrependi no mesmo instante.

Alguns cachos caíam da bandana e contornavam a linha firme e contornada


do seu maxilar. A luz forte vinda do celular criava sombras nas maçãs do
seu rosto, nariz e cílios, todos perfeitamente delicados e, ao mesmo tempo,
tencionados. A forma como seus lábios rubros e úmidos pressionavam um
contra o outro era uma obra de arte, dando a falsa impressão de que ele
estava irritado com algo. As sobrancelhas retas marcadas sobre os olhos e...

Os olhos.

Merda, merda, merda.

Eram verdes. Verdes como nenhuma metáfora poderia jamais descrever.


Não era um tom normal como verde-oliva, pronto, acabou. Havia algo a
mais, uma coloração que somente acrescentava a todos os pequenos
detalhes que estavam rodando sem parar dentro da minha cabeça como um
furacão.

Eu não sabia de que cor seus olhos eram até aquele momento. Não havia
tido a oportunidade de vê-los mais de perto, mas agora, a pouco mais de um
metro de distância, tudo o que eu via era o verde.

Olhei para a janela, depois para o velocímetro marcando oitenta


quilômetros por hora e fiz uma conta de aceleração média para tentar
decifrar quanto de dano eu sofreria se pulasse do carro em movimento
direto no asfalto de cabeça. Quanto maior a probabilidade fatal, melhor.

Talvez eu devesse pedir para Liam passar com o carro em cima de mim.
— Obrigado por me buscar, Liam. — Eu disse, estendendo os braços por
cima do banco de passageiro para segurar os ombros de Zayn. — Não
queria te explorar.

Ele abaixou o volume da música estourando nos alto-falantes e parou no


sinaleiro.

— Não é me explorar. Está tudo bem.

— Obrigado da mesma forma. — Repeti e voltei a me encostar ao banco.

Harry continuou sem dizer nada, somente escrevendo na porcaria do iPhone


como se estivesse digitando seu testamento de dez bilhões de euros. Eu
continuei me imaginando sendo atropelado de diferentes formas por
diferentes meios.

Eu estava me preparando psicologicamente para quando chegássemos ao


boliche. Tinha certeza de que teria mais pessoas ou ao menos a namorada
de Styles porque, afinal, aquilo era um encontro duplo onde eu seria a tocha
olímpica humana condenada a ver pessoas se beijarem a noite inteira. Mas
não foi nada disso do que aconteceu.

Liam guiou Zayn pelas portas altas e iluminadas ao estilo retro do boliche
com uma mão na base de sua coluna, deixando Harry e eu para trás lado a
lado. Ele nem parecia notar minha presença, era como se eu realmente fosse
uma árvore o seguindo.

Não que eu ligasse. Estava acostumado a ser ignorado na escola, de


qualquer forma.

Por dentro, o lugar parecia uma danceteria saída direto dos anos oitenta.
ABBA tocando alto e garçonetes em patins deslizando pelo chão de
madeira segurando bandejas lotadas de comida com um equilíbrio sobre-
humano. Dei risada quando quase esbarrei em uma delas, que também riu,
me mandou um beijo enquanto recuperava a postura e rumou em direção à
uma das mesas espalhadas em volta das pistas.
Eles nos ofereceram sapatos fedidos e suados para jogar, mas optamos por
ficar descalços e evitar possíveis e futuras frieiras nos dedinhos. Pegamos
uma ficha e andamos por um pequeno corredor aberto até a pista sete.

Harry se sentou ao meu lado e Ziam, em nossa frente.

Apesar da música alta e as gargalhas felizes explodindo em volta, nós


éramos como a pequena bolha triste sugando a alegria das pessoas como
dementadores.

Havia luzes de discotecas no teto e uma fonte de ponche com muito álcool,
então por que diabos estávamos sentados nas cadeiras com expressões
desconfortáveis e deslocadas?

— Temos duas horas. — Liam disse e se levantou sorrindo. — Vamos fingir


que nenhum de nós está tímido e fazer a noite valer à pena.

Seria uma ótima ideia se o capitão do time que brotava do nada mais vezes
do que capim não estivesse de cabeça baixa cutucando os próprios jeans e
evitando encarar qualquer um. Talvez ele quisesse estar com a namorada, e
não com três gays exalando purpurina rosa e mágica.

Payne digitou nossos nomes no computador e estabeleceu as duplas. Como


se já não fosse suficiente, as nomeou como Larry e Ziam.

Teríamos que nos falar algum momento. Certo?

Harry tirou os tênis e as meias e eu descobri que seus pés eram as únicas
coisas horríveis no seu corpo. Aquilo era assustador e parecia ter vida
própria. Mas aí me senti envergonhado porque meu pé era o menor dali.
Realmente menor.

— Gostei das meias.

Essas três simples e pequenas palavras causaram um curto-circuito


estrondoso no meu cérebro assim que percebi que elas saíram da boca de
Styles. A pronúncia baixa e tímida e o timbre rouco, porém firme, ecoaram
na minha cabeça até mesmo quando Zayn se levantou e foi em direção à
pista.

Olhei para meus pés cobertos por meias coloridas de bolinha e me arrependi
no mesmo instante por tê-las pegado de Lottie. Ele estava sendo irônico e
zombando com a minha cara e – ainda mais inadmissível – com as meias.

Ninguém zomba das minhas meias.

Eu não respondi e tratei de tirá-las e ficar descalço, deixando meus tênis


embaixo da cadeira.

Zayn derrubou quatro pinos e Liam fez um strike, abraçando Zayn com
força para comemorar e deixando

meu amigo meio sem jeito; porém, ainda sorrindo de orelha a orelha.

Harry se levantou, os dedos médios segurando a bola e a palma da outra


mão sustentando-a enquanto ele andava até o início da pista. Sua silhueta
ganhou o contorno das luzes brilhantes e, bem ali, com os cachos
desleixados jogados para trás e a cabeça inclinada, eu poderia jurar que até
seus pés eram bonitos.

Deu um passo atrás e, com um impulso certo e seguro, jogou a bola,


fazendo-a rolar pela madeira lisa até alcançar os pinos. O strike foi ainda
melhor do que o de Liam e ele se virou sorrindo e satisfeito consigo mesmo
por ter derrubado todos os pinos.

Meu nome piscou no monitor acima de nossas cabeças e eu me levantei


ainda um pouco atônito. Parei em frente a Harry, engolindo em seco quando
seus olhos pousaram em mim em questionamento. Não evitei em franzir as
sobrancelhas ao ver que deveria ser uns dez centímetros maior do que eu.

— Bela jogada. — Disse a ele.

O sorriso pequeno que surgiu em seus lábios vermelhos não alcançou os


olhos apagados. Sem dizer nada, passou por mim e voltou ao seu lugar.

Suspirei de frustração.
Pelo jeito, éramos completamente feitos de conversas não terminadas.

Chapter Three

Larry ganhou de Ziam nas partidas de boliche, mas perdeu em questão de


interação.

Após a quarta rodada, comecei a me perguntar se Harry havia terminado


com a namorada. Somente isso poderia dizer o porquê de ele estar sendo
totalmente amargo com a vida e com o mundo em volta dele. Não que ele
tenha dito

ou

feito

algo

fulminante,

mas

somente

seu silêncio era o suficiente para me deixar desconfortável.

Não dissemos mais nada um ao outro pelo resto da noite.

Recebemos um pequeno troféu feito de chocolate pela vitória e dividimos o


doce no banco traseiro da BMW de Liam. O aquecedor foi um bom prêmio
de consolação para os meus pés congelados por ter ficado descalço, além
das nossas mãos se esbarrando vez ou outra acidentalmente.

— Posso dormir na sua casa hoje? — Zayn encaixou o rosto entre os dois
bancos da frente. — Se não tiver problema.
Enfiei o resto do KitKat na boca e acenei com a cabeça, sorrindo e tendo
certeza de que tinha chocolate até mesmo na minha testa. Malik voltou a
endireitar a postura e eu continuei comendo mais chocolate para fingir que
o azedume de Styles não estava travado na minha garganta.

Payne estacionou o carro em frente à minha casa e esperei que ele recebesse
um beijo demorado de Zayn na bochecha para só então agradecer pela
carona e pela noite. Quando decidi que ser educado seria uma boa

conduta, prestes a também dar boa noite a Harry, percebi que ele ainda
estava escrevendo no celular entre suas mãos gigantes. Por isso, ele ficou
sem boa noite e eu fiquei aliviado porque não sabia se conseguiria
realmente me despedir.

Zayn e eu entramos em casa silenciosamente, as pontas dos tênis fazendo


ruídos mínimos no chão. A televisão estava desligada e a bolsa de Jay não
estava em cima do balcão, o que só podia significar que ela estava
negociando obras com algum museu para a exposição que vinha falando há
semanas. Mandei uma mensagem a ela perguntando se estava tudo bem e
recebi quatro emojis sorridentes como resposta; deduzi como um sim.

Zayn pendurou o casaco pesado no pequeno cabideiro pregado na parede.


Embora não fosse sua casa, ele agia como se conhecesse cada metro
quadrado dali. E

provavelmente conhecia. Ele era filho do maior empresário do ramo


farmacêutico de Londres e da maior advogada criminalista, e mesmo assim
agia como se tivesse o mesmo tanto de dinheiro que a minha família; nem
um centavo a mais.

Chequei se Lottie estava bem e acendi o abajur ao lado de sua cama,


cobrindo-a com o edredom que já estava esparramado em volta do seu
corpo. Voltei ao quarto quando Zayn já estava tirando os tênis e os óculos,
um sorriso bobo nos lábios.

— O que foi? — Tranquei a porta e também me sentei na cama, tirando o


Converse. — Está tudo bem?
— Sim. Eu... — Tirou a blusa de moletom antes de cair de costas no
colchão, cobrindo o rosto com as mãos, embora eu ainda conseguisse ver
seu sorriso e o leve tom vermelho colorindo o pescoço. — Liam quer
marcar outro encontro. Outro!

Tirei o casaco jeans e o deixei no chão, escalando na cama até me encaixar


na lateral do corpo quente do meu amigo, abraçando-o de lado.

— Ele é rápido. — Eu murmurei contra sua camiseta com cheiro de


perfume caro. — Vocês se beijaram?

Sua risada tímida e doce ecoou pelo quarto. Eu estava considerando a


possibilidade de gravá-la para colocar como despertador.

— Não. Digo... Só um beijo pequeno. Mas nem foi tanta coisa porque
Harry estava meio... Estressado. Acabou cortando o clima. Ou ao menos foi
o que pareceu.

Ergui a cabeça tão rápido que meu pescoço quase deslocou com o
movimento.

— Você sabe por que ele estava daquele jeito?

— Não. Nem faço ideia. Mas sei lá, tem algo errado com ele. Tenho
certeza.

É isso o que eu estava pensando. Ao menos não fui o único a perceber que
Harry escondia alguma coisa. Ou algum sentimento, uma identidade
secreta. Talvez ele fosse um ator pornô nas horas vagas ou até mesmo um
dos Teletubbies. Será que o nome dele era mesmo Harry?

Soltei uma risadinha baixa.

Tanto faz.

A aula de literatura estava se tornando digna de um homicídio qualificado.


O barulho irritante do giz estava perfurando meu cérebro e um garoto ruivo
que tinha estrabismo e se sentava atrás de mim não parava de cantar como
se a escola fosse a porra do High School Musical.

O que me impedia de levantar e bater as duas mãos na cara de todo mundo


era Harry. Havia algo extremamente pacífico na forma que ele escrevia suas
letras curvadas e naturalmente bonitas que me fazia contente em somente
assisti-lo. Escondido, claro.

— Quem tem algo a acrescentar sobre O Retrato de Dorian Gray? — O


professor Craig perguntou após terminar de escrever no quadro, o giz ainda
entre os dedos.

A sala inteira ficou em silêncio. Provavelmente, vinte de trinta alunos ali


nem tinham aberto o livro ou lido uma única frase, por isso ficaram quietos.
Eu não fazia parte deles porque gostava de Oscar Wilde, da sua história e
coragem, mas também permaneci quieto da mesma forma, continuando a
escrever coisas aleatórias no caderno.

Uma mão foi erguida timidamente e minha boca quase foi ao chão ao
perceber que foi Harry quem a levantou.

Eu estava registrando um avanço ou...

— Sim, Sr. Styles?

— A obra... — Limpou a garganta e se endireitou na cadeira. — Trata da


beleza exterior e dos prazeres que somente a juventude pode trazer. O
clímax atingido ao poder conservar os traços que denotam alegria, luxúria e
poder.

O professor balançou a cabeça, impressionado. Durante todos os últimos


anos que tive aula com ele, quase ninguém ergueu a mão para responder
qualquer uma de suas perguntas. E aí, chega o capitão do time e chuta todos
no cara com a ponta da bota de couro cara.

— Isso mesmo. Alguma frase que queira ressaltar?


— Não. — Disse baixo, batendo a caneta quase silenciosamente na beira da
mesa. Completou baixo: —

Obrigado.

— Bem... Eu que agradeço.

Sr. Craig se virou e continuou a escrever no quadro, ressaltando as palavras


de Harry.

Não consegui me conter. Inclinei-me à frente e sussurrei próximo ao seu


ouvido, obrigando-me a não prestar atenção no cheiro da sua pele ou na
forma que um único cachinho roçou no meu nariz.

— Você parece ser o tipo de pessoa que marca suas páginas preferidas do
livro com post-its coloridos. Com certeza tem alguma frase decorada aí.

Harry não virou para me olhar, mas percebi que ele estava sorrindo por
causa da covinha marcada na sua bochecha.

— E por que diz isso? — Ainda virado para frente, perguntou no mesmo
tom de voz que o meu, embora a sua fosse bem mais rouca e grossa.

Dentre todas as coisas inteligentes ou filosóficas que eu poderia dizer para


impressioná-lo, tudo o que deixou minha boca foi:

— Post-its coloridos são legais.

Senti vontade de bater minha cabeça no chão.

— Principalmente o rosa. — Disse, a caneta parando de clicar contra a


mesa.

Observei seu perfil. Os olhos ainda estavam colados no quadro e eu me


senti bem de saber que sua atenção estava focada em mim. Senti-me bem de
ter conseguido, finalmente, ao menos iniciar uma semiconversa.

Ignorei o alerta vermelho e as sirenes tocando alto na minha cabeça


berrando que eu deveria parar com essa obsessão e fascinação com o
garoto.

— E então? Sua frase preferida?

— Talvez eu diga a você algum dia.

— Não hoje?

— Não hoje. — Confirmou.

Encolhi os ombros e voltei a me sentar corretamente.

Durante o restante da aula, notei que a covinha dele permaneceu no lugar,


tornando seu sorriso ainda mais bonito.

E me fazendo sorrir também.

— É fácil. — Zayn disse ao garoto em sua frente após abrir o caderno. —


Você só precisa colocar o valor da primeira carga, que é um vírgula seis
negativo vezes dez elevado à décima potência, entre os módulos e...

Zayn estava tentando ensinar a matéria de física a um dos nossos colegas de


classe. Mas, pela expressão perdida do garoto, parecia que as explicações
não estavam funcionando como deveriam. Era como se Zayn estivesse
falando grego.

Na verdade, ele falava mesmo grego porque Yaser tinha uma obsessão com
línguas estrangeiras que soavam elegantes, mas só colocava o
conhecimento em prática quando precisava xingar alguém que estava por
perto.

Zayn suspirou e encostou o queixo na mão.

— Você está entendendo?

O outro garoto puxou o colarinho da camisa e engoliu em seco, negando


com a cabeça.
— Ok, vamos começar de novo. — Ele estava com a expressão rígida e
digna de um professor doutor em álgebra, e se eu fosse o garoto, trataria de
aprender física de um jeito ou de outro. — Para de olhar para a bunda do
Louis e se concentra no livro.

Afastei-me da mesa em que estava inclinado para escrever o nome do livro


que precisava pegar para a aula de literatura e endireitei a postura. Cruzei os
braços na

altura do peito e ergui a sobrancelha esquerda para o garoto.

— Você estava olhando para a minha bunda?

Ele engasgou com a própria saliva e seu rosto começou a se tornar


vermelho, sua pele quase do tom da gravata que era parte do uniforme da
Wye Hill.

— Não, não... Digo, ela é bonita, muito bonita, fantástica e perfeita, mas
eu...

Abanei a mão esquerda e segurei o riso.

— Está tudo bem.

Zayn meneou a cabeça em um gesto reprovador e apontou para uma das


equações no topo da página.

Porém, quando o garoto continuou a me olhar, Malik puxou a gravata e


praticamente enfiou o livro no rosto dele.

— O. Livro. — Sibilou.

Rindo, fui em direção aos corredores dos livros de autores nacionais.

Após as onze horas, o céu pareceu ter gritado "se fode aí, Louis, seu otário
de proporções intergalácticas" e mandou uma chuva torrencial para afogar
todas as minhas esperanças de um céu limpo e azul e mandar minha
felicidade água abaixo. Literalmente.
Eu estava sem carro, Zayn precisou ir para casa no penúltimo horário e as
questões de história estavam cortando e estrangulando meu último estoque
de paciência

de forma quase palpável. Estávamos lendo sobre a crise de 1929 e eu só


queria estar debaixo da minha coberta para fingir que a escola não era
necessária para o meu futuro.

E tudo melhorou.

Mentira.

À distância, um estouro gigante foi ouvido e de repente todas as luzes


apagaram. Alguns alunos gritaram em êxtase e pudemos ouvir as outras
classes ecoando o mesmo grito de comemoração, além do barulho de portas
batendo. O interior da sala foi iluminado pelo trovão que fez as janelas
vibrarem audivelmente e algumas pessoas gritaram assustadas, arrastando
as cadeiras para trás.

O professor ergueu as mãos.

— Silêncio! Está tudo bem! O gerador vai funcionar daqui a pouco. Façam
silêncio, pelo amor de Jesus Cristo. — Ele parecia realmente estressado e
eu dei toda a razão.

Pensei tê-lo ouvido sussurrar "bando de demônios".

Esperamos por alguns minutos, até que uma das coordenadoras apareceu e
disse que deveríamos ir para casa, já que o gerador principal estava com
alguns problemas e a chuva não pararia tão cedo para que o conserto
pudesse ser realizado.

Foi como mágica: Em menos de dois minutos depois, a sala estava vazia,
restando somente eu e o professor.

Comecei a juntar meus materiais enquanto tentava pensar em alguma forma


de ir embora sem que precisasse esperar por duas horas pelo ônibus
embaixo de chuva.
Em dias como aquele, os ônibus se transformavam em legítimas latas de
sardinha cozidas em chulé e mau-hálito.

E não. Eu me recusava.

Fechei o zíper da mochila e acenei para o professor, não sendo


correspondido porque ele estava debruçado na mesa com as costas curvadas
e as duas mãos nos cabelos, puxando-os para direções diferentes. Lidar com
adolescentes ansiosos e chatos deveria ser uma merda gigante e fedida.

Os corredores estavam vazios e escuros.

Vez ou outra, eu escutava mínimos ruídos de carteiras ou de conversas, mas


ninguém podia ser visto e o escuro piorava um pouco. A chuva ainda
continuava caindo lá fora, produzindo barulhos estranhos no teto e deixando
o cenário em volta de mim digno de um filme de terror daqueles bem
baratos. A única claridade vinha das portas no final do corredor que
estavam balançando quase imperceptivelmente devido à ventania lá fora.

Apertei mais o casaco em volta do corpo e acelerei os passos, alcançando a


porta segundos depois. Uma vez que a abri, fui atingido por uma rajada de
vento carregada de água que molhou meu rosto e blusa e me deixou ainda
mais irritado. O estacionamento estava deserto exceto por um Audi Q7
preto, as poças aumentando cada vez mais no pátio e todas as árvores
chacoalhando e entortando, os assovios e rugidos mínimos e
fantasmagóricos da ventania me fazendo procurar algum lugar seguro da
umidade.

Encolhido no canto entre duas paredes, tirei o celular do bolso e vi "sem


sinal" apitando na tela. Mas que porra?!

Como um celular não pegava no centro de Londres?!

Eu estava certo de que morreria. Um assassino apareceria e me puxaria


pelos cabelos de volta para o interior da escola, então me levaria ao
banheiro e quebraria o espelho com a minha cabeça. Eu ia morrer!

Caralho, caralho!
Eu era novo. Não conhecia o David Beckham e nem a Rainha. Não podia
simplesmente morrer! Eu deveria sair correndo e gritando pela minha mãe.

Estava a ponto de voltar para sala e pedir socorro ao professor quando uma
mão pousou no meu ombro com firmeza. Antes que eu pudesse pôr em
prática tudo o que tinha aprendido com os programas gratuitos de defesa
pessoal no YouTube, um grito estridente e assustado deixou minha
garganta, meu corpo inteiro passando de hesitante para gelado, trêmulo e
estático.

Dois olhos verdes me encararam de volta em questionamento, as


sobrancelhas perfeitas franzidas e a mão grande deixando meu ombro.

Soltei todo o ar em uma só expiração, meu coração batendo contra minhas


costelas dolorosamente.

— Me desculpa. — Harry disse baixo ao enfiar as mãos nos bolsos do


moletom embaixo da jaqueta, parecendo incerto do que fazer. Seus cabelos
estavam escondidos sob uma touca preta e somente alguns cachinhos
úmidos e mais escuros do que o normal podiam ser vistos. Ele

estava molhado, o tecido das roupas colando no seu corpo e o lábio inferior
vermelho coberto por pequenas gotículas de água. Ow. Aquele lábio. — Eu
não queria te assustar.

Por que eu era um idiota que ficava com medo de lugares vazios e escuros?

— Não assustou. — Não, imagina. Eu podia sentir meu coração batendo


dentro do peito mais forte do que uma bateria e não estava assustado. Nope.
— Não precisa se desculpar.

Harry olhou para o outro lado, onde estava o Audi preto, e afastou alguns
fios de cabelos das bochechas pálidas antes de voltar o olhar para mim.

— Você não conseguiu ligar para alguém?

Estávamos realmente tendo uma conversa? Que tipo de desgraça


aconteceria dali a pouco?
— Não. Está sem sinal. — Ri baixo e encolhi os ombros, encarando sua
boca por poucos segundos. — Como? Eu não sei.

— Parece que a maioria dos celulares está. Eu tive que esperar Julie por
alguns minutos e aí vi você saindo. Quer uma carona?

Atualização numero um do dia: Julie e Styles ainda estavam namorando.

Pergunta desnecessária número 321291 do dia: Então por que ele estava
todo estressado no boliche?

A franja molhada caiu em frente ao meu rosto quando abaixei a cabeça e


afastei os fios com as pontas dos

dedos, fitando-o de novo em seguida. Ele parecia ansioso, inquieto, e me


senti mal por estar gastando seu tempo.

— Não precisa. Eu dou um jeito de ir embora. Na verdade, vou voltar para


dentro e pedir para a diretora ligar para Zayn ou minha mãe. Mas muito
obrigado e desculpa, Harry.

Harry. Soava como um nome que faria de você um pecador se o


pronunciasse em vão, uma palavra que poderia ter um significado mais
profundo e ainda não descoberto. Era bastante comum no Reino Unido, mas
não era nada, absolutamente nada comum quando esse mesmo nome era
antecedido de Styles.

Harry Styles era único e singular, coberto por uma superfície maravilhosa e
perfeita para transmitir o recado que seu interior poderia ser definido da
mesma forma.

Eu só precisava entender da onde estava vindo toda minha obsessão.

Virei as costas para ele, focado em alcançar a porta e entrar para me livrar
do que estava me sufocando apesar de toda a ventania batendo no meu
rosto. Escutei passos ecoando no piso molhado e dedos longos e gelados
fecharam-se em torno do meu pulso com suavidade, como se um
movimento mais brusco fosse me quebrar de várias maneiras opostas.
— Não. — Havia certo tom urgente em sua voz quando me virei mais uma
vez. Seus dedos permaneceram em contato com a minha pele. — Não
precisa, de verdade. Eu

sei onde você mora porque Liam foi buscar Malik aquela vez e é a caminho
de casa.

— Não precisa. — Repeti ao mesmo tempo em que tentava me convencer


de não ir com ele. Estava se tornando difícil. — Está chovendo e você nem
deveria ter saído do carro. Volta pra lá. Minhas roupas estão molhadas e
seria um desperdício do banco de couro. — Ri curtamente para tentar
amenizar a situação. — De verdade.

— Por favor? Eu te levo.

Respirei fundo quando ele largou meu pulso e continuou a me olhar por
baixo dos cílios úmidos, a boca ainda pressionada em linha reta.

O que uma carona faria de mal, pelo amor de Deus?

— Ok. — Cedi.

No mesmo instante, Harry começou a tirar a jaqueta do time, puxando as


mangas pelo pulso primeiro antes de finalmente ficar somente com a blusa
de moletom preta.

Entregou a jaqueta a mim com toda a insegurança do mundo, pronto para


recolher o braço a qualquer segundo.

— Por que está me dando a jaqueta? Eu tenho um casaco.

Meu casaco era meio que inútil. Os casacos jeans tomavam meu guarda-
roupa e Lottie chegou a prometer que queimaria toda aquela coleção de
denim se eu ousasse comprar mais algum. E o pior: Não esquentavam
merda nenhuma e pareciam absorver mais água do que eu após ressaca.
Porém, sempre estavam em liquidação na

Forever 21. A falta de dinheiro vencia o senso de estilo, ainda mais por
cima da camisa ridícula do uniforme.
— Para você não se molhar tanto daqui até o carro. —

Respondeu enquanto evitava me olhar diretamente nos olhos. — Está tudo


bem. Pode usar.

Alcancei o casaco e envolvi o tecido macio e cheiroso perto do meu


pescoço só para ter uma pista de como seu perfume ficava nas roupas.

— Você não vai se molhar?

Ele piscou algumas vezes.

— Não importa. Veste a jaqueta.

Sob seu olhar atento, comecei a vesti-la. Após ter as mangas longas
acomodadas nos meus braços e a gola ajeitada em cima da cabeça para
também tentar manter meus cabelos secos, percebi que meus dedos
literalmente não apareciam no limite das mangas porque elas eram grandes
demais para mim. A barra alcançava a parte superior das minhas coxas e
tudo cheirava tanto a Styles que eu tive vontade de me encolher em uma
bolinha e ficar parado para nunca mais ter que sentir outro cheiro.

— Pronto. — Disse a ele por baixo da sua blusa após desistir de empurrar a
franja para fora dos meus olhos, oferecendo um sorriso amigável.

Os cantos da sua boca levantaram por poucos segundos antes de ele menear
a cabeça e indicar para segui-lo. Nós dois saímos correndo na chuva,
desviando de poças e de lugares onde a água estava mais acumulada, o
casaco me

protegendo ao máximo da chuva torrencial que continuava caindo.

Alcançamos o carro e Harry, ao invés de tentar se salvar e entrar de uma vez


no lado do motorista, ainda abriu a porta de trás e esperou eu entrar para só
então fechá-la, dar a volta no carro e se acomodar no banco da frente.

Eu achei que morreria.

Embora a jaqueta estivesse úmida, me recusei a tirá-la.


Meu plano era ficar com ela até que ele a pedisse de volta.

Mas esqueci desse plano quando realizei que havia mais duas garotas dentro
do carro me analisando da forma mais crítica possível.

A primeira, no banco de passageiro, reconheci como A Julie. A camisa


branca também estava molhada, deixando o sutiã preto à mostra, e a gravata
vermelha estava largada no seu colo, combinando com os cabelos ruivos, as
poucas sardas e os olhos castanhos esverdeados. Já a segunda garota,
sentada ao meu lado e me encarando com a sobrancelha grossa erguida,
tinha a área abaixo dos olhos manchada de lápis de olho e íris azuis
perfurantes e geladas. Ela também tinha peitos gigantes, unhas curtas
pintadas de preto e traços do rosto contraídos como se estivesse estressada.

Se fosse isso, tínhamos uma coisa em comum.

Eu disse oi baixo – sem obter nenhuma resposta – e entrelacei os dedos no


colo, sem vontade alguma de tirar o casaco de Harry.

Styles ligou o carro e alguns segundos depois senti minha bunda


esquentando. Aquecedor de bancos. Hah!

— Candice, você vai pra casa da Julie?

— Vou. — A garota ao meu lado, Candice, respondeu ainda olhando para o


lado.

— Ok.

Ele deu partida, saindo do estacionamento da escola, e o barulho da chuva


lá fora foi amenizado, somente os pingos pesados batendo no teto do carro e
deixando o vidro do teto-solar e as janelas embaçadas. Controlei minha
vontade infantil de desenhar na janela e larguei a mochila entre minhas
pernas, alcançando o celular dentro do bolso.

Ainda estava sem sinal. Ótimo.

Olhei para frente a tempo de ver a mão de Julie deslizando na extensão da


coxa de Harry, as unhas longas o arranhando levemente por cima da calça.
Candice seguiu os movimentos com o olhar da mesma forma que eu, nós
dois franzindo as sobrancelhas ao mesmo tempo quando Styles colocou a
mão em cima da dela e apertou com carinho, incentivando-a a continuar
com as carícias.

Naquele momento, eu me dei conta de que preferiria ter ido de ônibus. Ao


menos não teria essas demonstrações explícitas de afeto. Mesmo assim, eu
não consegui parar de olhar.

Quando o carro parou no semáforo, Julie ousou mais um pouco e sua mão
foi parar exatamente em cima da virilha

de Harry, que riu baixo e tirou de lá, fazendo-a limitar os toques somente à
sua coxa.

Candice bufou baixo e retornou ao seu lugar no outro lado no banco, de


onde eu nem percebi que ela havia saído.

Encostou a cabeça ao vidro e fechou a expressão, deixando claro que


ninguém deveria falar com ela.

Opa. Harry tinha mais uma pessoa com um possível crush nele?

Quando o Audi parou mais uma vez, foi em frente à mansão digna de Teen
Cribs da MTV. O portão alto de ferro maciço trabalhado foi aberto
automaticamente e Harry entrou, passando por um extenso jardim de grama
nivelada e árvores altas e podadas. Roseirais podiam ser vistos à distância e
pensei em Jay que, com toda a certeza, surtaria se visse como as rosas
vermelhas eram bem cuidadas.

Já embaixo de uma garagem perto da entrada principal, Julie virou a cabeça


e sorriu para mim ao mesmo tempo em que Candice saiu do carro sem dizer
mais nada, batendo a porta.

— Até mais, Louis.

Ela sabia meu nome? Como? E agora tinha baixado o espírito gentil da
Miss Universo nela? Por favor.
Não a respondi porque não consegui, já que ela somente se virou
novamente e aproximou-se de Styles. Esperei um beijo repleto de língua e
saliva, mas tudo o que vi foi um pequeno beijo e um chupando o lábio
inferior do outro por poucos segundos.

Ew.

Entendi um "te ligo depois" abafado entre os lábios e logo a garota saiu,
acompanhando a amiga para dentro da casa.

O carro voltou a funcionar, seguindo em direção à saída, e minha ficha


escolheu esse momento para cair: Estávamos sozinhos dentro do carro e
minha casa não era tão perto assim. Logicamente, eu morreria.

Quando chegamos à rua, Harry estacionou no meio-fio e se virou para me


olhar.

— Você realmente vai ficar aí no banco de trás?

Ele queria que eu fosse no porta-malas?

— Por quê? — Perguntei hesitante, torcendo o pano da barra da minha


camisa que já estava metade para fora das calças. — Eu...

— Não sou taxista, Louis. Senta aqui na frente comigo.

— Estou bem aqui.

Harry suspirou e olhou por alguns segundos para onde o tecido branco
estava grudando na minha pele.

— Mas eu não.

Engoli em seco e me vi sem saída. Que chances eu tinha quando estava


dentro de um carro, cercado por chuva e com as mãos suadas como se lá
fora estivesse mais de trinta graus?

— Como eu vou aí para frente?


— Pode pisar no banco. Eu não me importo.

Olhei para o meu Chuck Taylor vermelho completamente sujo e encolhi os


ombros.

— Meus tênis estão sujos.

— Não me importo. — Repetiu.

Se ele estava realmente a fim de ter os bancos sujos e molhados, a culpa


não era minha.

Eu estava com medo de bater o pé em algum botão importante que regulava


funções que eu nem saberia citar e acabar para fora na chuva, mas assim
que me levantei da forma que consegui e inclinei a cabeça para passar entre
os dois bancos frontais, senti a mão de Harry apertando minha cintura,
exatamente onde a camisa nem o casaco estavam cobrindo. De repente,
nada mais importou, tudo pareceu irreal e leve demais.

O toque durou menos de cinco segundos, mas me fez imaginar como seria
se fosse por mais tempo, talvez até minutos.

Foi por causa dessa imaginação fértil até demais que eu me joguei no banco
de passageiro com todo o meu peso, atônito e com os olhos fixos no para-
brisa embaçado, condenando meus pensamentos malucos e impossíveis.

Ele só quis me ajudar e eu já estava pensando merda.

— Bem melhor. — Sussurrou para si mesmo e deu partida mais uma vez,
ligando o rádio com a mão que não estava no volante.

Patience do Guns N' Roses soou baixo pelos alto-falantes espalhados


estrategicamente no carro. Após alguns momentos de desorientação,
acompanhei o assovio baixo e tentei levar essa distração como uma forma
de me acalmar do toque que nem tinha sido realmente um toque.

O que me lembrou de que eu ainda estava com seu casaco. E estava


confortável com aquele tanto de tecido cheirando a Styles me envolvendo.
— Você está gostando da nova classe de Literatura? —

Perguntei após passar o cinto, olhando para os objetos espalhados no


console. Bala de canela (eca), carteira, celular... Oh. iPhone 6s Plus rosa.
Que lindinho. Meu iPhone 4s estava se sentindo bastante humilhado, assim
como eu.

— A classe de vocês é bem melhor. — Respondeu enquanto mordiscava a


ponta do polegar, balançando a perna direita ao ritmo da música. — Bem
melhor para estudar, quero dizer. Na que eu estava, ninguém me deixava ler.

— Que droga.

Ele sorriu de lado e acelerou um pouco. — É.

Nós ficamos em silêncio pelos próximos minutos, somente a chuva e o


barulho de buzinas, além das músicas baixas, perfurando nosso espaço e
nos fazendo um pouco menos desconfortáveis.

— Eu estava pensando... — Harry murmurou quando o carro parou no


sinaleiro. — O professor pediu uma síntese

sobre o objetivo de Jane Austen em Orgulho e Preconceito, não pediu?

— Pediu.

— Você quer...

A frase poderia acabar de várias formas diferentes. "Você quer sair do carro
e morrer de frio, seu babacão?" ou

"Você quer parar de me olhar desse jeito psicopata, baixinho estranho?" ou


até...

"Você quer tomar um banho quente comigo?"

Quê?! Não! Non, nein, no.


Eu deveria parar de pensar naquilo e ir tomar um banho de água benta, isso
sim.

— Desculpe? — Perguntei como se não tivesse passado os últimos


segundos pensando um monte de coisas completamente descartáveis,
adquirindo a leve impressão de que eu me tornava um total imbecil perto
dele. — Eu quero o quê?

O sinal abriu e ele voltou a se concentrar na rua. Observei uma gota de água
escorrer do seu rosto para o pescoço pálido e então sumir no limite da
camiseta.

— Fazer a síntese comigo. — Meio que pediu/disse com as bochechas


começando a se tornar vermelhas de novo apesar do frio. Olá, timidez,
minha velha amiga. — Já que não conheço ninguém lá e estou me sentindo
um pouco deslocado.

Não, ele não estava. Harry era o capitão do time, pelo amor de Deus. Todos
o conheciam e, se ele quisesse,

bastaria um estalar de dedos e qualquer pessoa dentro da classe faria o


trabalho inteiro sozinha só pelo prazer de ter o nome dele escrito no
trabalho.

— Claro. Pode ser. — Respondi como se não estivesse derretendo por


dentro.

— Acho que é melhor na minha casa. Se estiver tudo bem pra você?

Ai, merda. Não estava nada bem. Como eu poderia ir à casa dele?

Harry notou meu olhar desesperado e suspirou devagar.

— Podemos chamar o Liam e o Zayn se isso for fazê-lo mais confortável.

— Ok.

Eu não estava perdendo nada. Harry tinha uma namorada, como se eu não
estivesse repetindo a mesma coisa durante todos os segundos do meu dia
desde que o

'conhecera', e ficar sozinho com ele só poderia acarretar na minha


capacidade de estudos sendo comprometida.

Não era isso o que eu queria.

Quando o carro finalmente parou em frente à minha casa, eu me virei e fui


para agradecê-lo com um aperto de mão, mas em um movimento rápido, ele
trancou as portas e me encarou desconcertado, cruzando as mãos no colo.

— Você está planejando me matar ou algo assim?

— Não! Não, eu... — Coçou a nuca e tirou o cinto de segurança, virando


completamente o corpo para me

encarar. — Está chovendo muito. Espere um pouco para poder sair do carro.

Mesmo sabendo que eu não me prejudicaria nem um pouco se saísse do


caro naquele momento (exceto se acabasse caindo nos degraus molhados de
casa, até porque meu desastre possibilitava coisas desse tipo), acenei com a
cabeça e voltei a me encostar ao banco quentinho.

— Você tem alguma ideia do que quer fazer no trabalho?

— Perguntei, observando-o pegar o iPhone para desbloqueá-lo, rolando a


tela rapidamente algumas vezes.

— Às vezes, Jane Austen deixava os vários objetivos de Orgulho e


Preconceito implícitos.

— Ela criticava os costumes da época em forma de "má criação". — Harry


respondeu sem nem olhar para cima. —

Uma mulher brilhante. Mas podemos falar disso outra hora. Eu venho te
buscar amanhã depois do almoço, se estiver tudo bem. Deveríamos começar
a definir os parâmetros e a base da síntese.
O fato de ele ter falado "se estiver tudo bem" duas vezes dentro de mais ou
menos dez minutos me fez sorrir.

Aquela antiga ideia de que todos os capitães de times escolares eram


imbecis estava um pouco ultrapassada e descartada para mim.

— Está. Ok.

O celular de capinha rosa voltou para o console e seus dedos esfregaram


quase despercebidamente o tecido molhado dos jeans.

— Hum... — Se eu fosse ficar ali dentro pelos próximos minutos, que o


clima entre nós fosse um pouco menos gelado, então. — O primeiro jogo da
temporada foi incrível.

Parabéns.

Ele me olhou, surpreso, e sorriu. As mesmas covinhas que me deixaram


meio bobo ressurgiram entre um sorriso delicado.

— Você foi ao jogo?

— Fui. Eu não entendo muito, mas acho que preciso experimentar novas
coisas no último ano da escola, assim como meu amigo disse.

Harry limpou a garganta e abaixou a cabeça, os dedos esfregando os jeans


com mais força.

— Novas coisas, yeah... — Repetiu minhas palavras e arrumou uma parte


da headband antes de voltar a me olhar. — Eu poderia te ensinar algumas
regras sobre futebol e–

Suas palavras foram interrompidas com um rugido alto do vento combinado


ao barulho quase imperceptível de porta abrindo. Olhei em direção à minha
casa e vi que Jay estava parada no batente com os olhos estreitados,
tentando ver quem estava dentro do carro.

Sorri no mesmo instante. Mamãe estava em casa! De repente, a chuva e


minhas roupas molhadas já não pareciam tão horríveis como antes.
— Eu preciso entrar, kay? Muito obrigado por ter me trazido e... Até
amanhã?

Styles balançou a cabeça, o sorriso verdadeiro sendo trocado por um


forçado e sem nenhuma covinha.

— Até amanhã, Tomlinson.

Coloquei a mão no seu braço antes de puxar mais uma vez o cabelo para
longe dos meus olhos.

— Obrigado. De verdade.

Abri a porta do carro e peguei minha mochila antes de sair e fechá-la de


novo. Rezei para que os meus pés não me fizessem passar vergonha e corri
até a varanda, por sorte não escorregando nos pequenos degraus e indo
direto de encontro a Jay.

O Audi só deu partida quando fomos para dentro de casa.

É óbvio que eu passei por um questionário rígido acompanhado de uma


sobrancelha arqueada de Jay e uma Lottie tentando abafar as risadinhas com
a palma da mão. Vez ou outra, Charlotte parava atrás de Jay, fora do alcance
do olhar dela, e sibilava "se fodeu" somente com os movimentos dos lábios.

Após ouvir por quase quinze minutos sobre como é importante não aceitar
carona de estranhos, nem mesmo de colegas da escola ("alguns adolescentes
têm fortes tendências a ser assassinos em série, Louis", ela disse
firmemente), eu me levantei para sair da cozinha, pensando que de jeito
nenhum que Harry Styles poderia fazer mal a alguém, mas a voz de mamãe
me deteve.

— E desde quando você é do time de futebol da escola, Boo Bear?

— O quê? — Virei o corpo, não entendendo onde ela queria chegar. —


Mãe, do que você–

Ela abaixou o olhar para o centro do meu peito. Só então percebi que ainda
estava com a jaqueta de Styles. Fechei os olhos, murmurando um palavrão.
— Parece que alguém está vivendo o típico romance americano entre
popular e nerd. — Lottie cantarolou, passando por mim e deixando um
tapinha nos meus ombros no meio do caminho.

— Isso é pra você. — Zayn apareceu em minha frente assim que desci do
ônibus, entregando-me uma barrinha de Snickers e um copo de isopor com
chá. — Temos prova de álgebra geométrica hoje. Cafeína estimula as
células cerebrais responsáveis por–

Coloquei o indicador em frente à boca e sussurrei um

"shhhh".

— As células do meu cérebro ainda estão debaixo da coberta dormindo, ao


contrário de mim que estou nesse inferno. Então vamos respeitar o sono
delas e falar um pouco mais baixo.

— Louis!

Abri o Snickers e dei uma grande mordida, as duas metades do meu corpo
discutindo entre mastigar ou cair no chão e dormir.

— Mais baixo, Zayn. Muito mais baixo. Use suas habilidades de yoga e
tente ficar quietinho.

Malik revirou os olhos e ajeitou minha beanie, guiando-me para dentro da


escola com as mãos firmes nos meus ombros rígidos.

No intervalo, não consegui evitar em procurar por Harry com o olhar,


mesmo que soubesse que não deveria estar o fazendo. Ele não estava em
lugar nenhum, assim como Julie e Liam. As gritarias no refeitório foram
diminuídas a conversas modestas e desanimadas, e os alunos pareciam
extremamente apagados sem a voz de Liam exclamando detalhes sobre o
time o tempo inteiro em um tom firme que não deixava espaço para mais
nenhum assunto. Era óbvio que tinha algo errado.
Quando Lottie se sentou em nossa mesa para poder comer os três bolinhos
de limão que estavam na sua bandeja, eu perguntei a ela se estava
acontecendo algo de diferente na escola. Tentando ser o mais sutil possível,
claro.

— Não, eu não sei porque Harry faltou. — Deu uma mordida gigante no
bolinho e lambeu o creme em cima, sujando a boca inteira e nem se
importando. — Por que você está fazendo essa cara? Não pira, Louis. O
fato de ele ter faltado hoje não significa que tenha algo errado, relaxa.

Porém, eu soube que algo definitivamente estava errado quando Harry


também não foi no dia seguinte.

E nem pelas próximas duas semanas.


Chapter Four
[n/a] OI, VOCÊS! só para avisar rapidinho que o email do Harry
(harrystyl17@gmail.com) realmente existe e, caso queiram desabafar,
conversar ou, sei lá, xingar (?), fiquem à vontade. Tudo será mantido
em segredo, pinky promise sz [n/a]

Mesmo após o início da primeira semana de novembro, período em que os


jogos principais dos Wild Wolves se aproximavam, ninguém parecia saber o
motivo de Harry não estar indo à aula por quase duas semanas e meia.

Considerei a possibilidade de ele ter se mudado para alguma outra cidade


com os pais, ou até para os Estados Unidos, (onde eu soube, através de
Zayn, que se concentravam as maiores filiais da empresa dos Styles) mas a
matrícula continuava ativa devido ao seu nome que ainda estava na lista de
presença.

Então, eu fiz o que sabia fazer de melhor: Ser otário.

Montei a base inteira sobre Orgulho e Preconceito, incluindo todos os


devidos tópicos, li alguns livros na biblioteca municipal perto do centro até
perto das nove da noite e imprimi vários outros documentos tratando do
assunto que deveríamos escrever sobre. Afinal, o trabalho valia quase três
quartos de nota e eu não podia deixar de fazê-lo.

Sempre que eu saía da biblioteca à noite com mais e mais livros dentro da
mochila, uma parte de mim me lembrava de que Harry deveria estar me
ajudando. Ele também deveria estar escrevendo e lendo aquelas obras do
século dezenove e vinte comigo.

Comecei a escrever a síntese e coloquei o nome dele, alegando ao professor


de Literatura que Harry e eu estávamos conversando por email. Soava como
a desculpa perfeita para uma mentira que eu nem sequer tinha que estar
contando.
— Você deveria tirar o nome dele. — Zayn disse, deitado na minha cama
com meu antigo PSP entre as mãos e um travesseiro entre as pernas. — Se
ele não te deu nenhuma justificativa, então deve estar querendo ganhar nota
fácil.

Ignorei-o e continuei lendo o livro antigo de folhas amareladas e páginas


faltando, anotando as partes mais importantes no Microsoft Word aberto no
meu notebook.

— Você está me ouvindo? — Zayn perguntou e o seu tom irritado foi o


suficiente para eu fechar o livro e virar o corpo

para encará-lo. — Ainda dá tempo de tirar o nome dele, Louis.

Apertei o espaço entre minhas sobrancelhas ao me levantar e soltei um


suspiro frustrado, indeciso se eu queria mesmo tirá-lo do trabalho ou não.
Eu estava muito estressado, mas também tinha aquela sensação pequena,
porém dolorosamente aguda, no fundo do peito me dizendo que Styles não
estava faltando ou me deixando no vácuo por querer.

— Eu sei, Z. Eu sei... — Eu soava exausto demais até mesmo pra mim, e


talvez tenha sido por isso que Malik guardou o PSP assim que eu me
esparramei de barriga para baixo ao seu lado na cama. Seus dedos esguios
imediatamente foram para os meus cabelos bagunçados, acariciando-os de
uma forma tão calma e lenta que eu quase caí no sono ali mesmo. — Mas
acho que eu não deveria. Não me pergunta o porquê, mas não posso fazer
isso.

— Tommo–

— Zayn. — Meu tom incisivo e curto deu a entender que o assunto estava
encerrado. E ele, pelo bem da minha dor de cabeça, compreendeu.

Zayn me abraçou e beijou a base da minha nuca, deitando a cabeça na parte


de cima das minhas costas e entrelaçando nossas pernas.

— Dorme um pouco. Daqui um tempinho eu te acordo pra gente ir almoçar


na minha casa.
Ajeitei o corpo na cama de forma que pudesse encará-lo apropriadamente.

— Dorme comigo?

— Que carente esse Tomlinson. — Deixou um pequeno beijo nos meus


lábios secos e me abraçou, esfregando a mão na base da minha coluna. —
Bons sonhos com Styles.

Não revidei a resposta porque era exatamente isso que estava acontecendo.
Meus sonhos constantes com Harry não eram suficientemente apropriados
para eu contar a Zayn.

Sempre fui um fã irrefutável de Quentin Tarantino e de seus filmes.

E quando passei pelas portas iluminadas do Arroto Molhado no sábado,


meus olhos quase brilharam e eu tinha certeza de que havia corações saindo
deles como o do emoji por causa da pequena pista de dança em rosa e roxo
néon montada no centro. Um grande telão estava à frente, onde um clipe
antigo do Pearl Jam estava passando em volume máximo, e todos pareciam
embriagados com o milkshake de Vodka que Nora fazia.

Era como se fosse uma releitura em má qualidade daquela cena de Pulp


Fiction.

— Olhem só para isso! — Lottie deu alguns pulinhos e soltou meu braço
para correr até o centro da área desocupada pelas mesas, olhando encantada
em volta

com os dois olhos azuis arregalados, repletos de alegria e marcados pelo


delineador. — Está tocando Pearl Jam!

Essas luzes estão brilhando tanto e eu... Eu quero muito, muito me entupir
de comida até ter um troço!

— Ter um troço... — Repeti em dúvida e peguei seu braço fino,


conduzindo-a até uma das mesas encostadas à parede. — Defina ter um
troço.
Zayn sentou-se ao lado de Lottie e a lançou um olhar estranho, como se
estivesse tentando conter a vontade de rir alto pelo entusiasmo atípico da
minha irmã em relação a lugares que eu frequentava. Geralmente, não
saíamos juntos, mas Jay ainda estava em êxtase devido ao sucesso da
exposição do museu, o que a incentivou ainda mais, e pediu que eu levasse
Charlotte para comer em algum lugar que não fosse o restaurante velho de
comida chinesa no final do quarteirão onde o filho do dono, que tinha
calvície precoce e sempre estava com a camiseta suja de molho agridoce, a
paquerava todas as vezes.

E como aquele sábado seria o dia do concurso de dança de estilo livre no


Arroto Molhado com muita música alta e muita batata-frita, não vi mal
algum em levá-la.

— Ter um troço é... — Ela ergueu o cardápio e depois soltou um som


estranho e sufocado, puxando a manga da camiseta de Zayn. — Eles
servem hambúrguer de Nutella e creme de amendoim!

Uma outra voz surgiu perto da mesa.

— E esse eu vou trazer pra você por conta da casa, Lots.

Olhei com a sobrancelha erguida para Nora, que tinha os cabelos loiros
penteados de uma forma elegante e os lábios ressaltados com batom
vermelho-escuro que já estava manchado. Ela parecia com...

— Shosanna de Bastardos Inglórios. — Ela disse ainda sem me olhar e


sorriu quando Zayn soltou um assovio. —

Mais alguma coisa, garotos?

Eu pedi milkshake de vodka.

E não foi uma boa ideia. Foi a pior ideia de todas, na verdade.

Algumas pessoas dizem que a vodka derrete o filtro do cérebro até a boca, e
acho que elas estão certas, porque a partir do terceiro milkshake, eu já tinha
dado uma palestra sobre Styles digna de conclusão de mestrado.
Minhas pernas estavam sobre a cadeira vazia ao meu lado e o copo estava
equilibrado entre minha coxa e mão, o milkshake pela metade parecendo
nem tão atrativo assim por causa do nó que havia se acomodado no meu
estômago, passando a impressão de apertá-lo a cada respiração. Mas ainda
sim, isso não foi o suficiente para me fazer parar de falar do estúpido
capitão do time que estava me deixando na mão. Literalmente? Talvez.
Hah.

Zayn pagou a conta após pedir seis brownies para viagem e me guiou até o
ponto de ônibus enquanto Lottie parecia estar morrendo com as gargalhadas
guturais que atraiam os olhares das poucas pessoas que estavam na rua após
a meia-noite. Tentei chutá-la, mas acho que calculei a

distância errado e acabei tropeçando no meu próprio pé, levando Malik ao


chão comigo.

— Eu odeio vodka. — Sussurrei contra o tecido do seu moletom quando


desisti de me levantar (talvez fosse pelo fato de que meu peso havia sido
amortecido pelo corpo de Malik), ignorando o volume crescente das risadas
de Charlotte e, logo depois, mais um barulho de tombo seguido do estrondo
de uma lata de lixo.

Ela provavelmente tinha caído também, porque Lottie tinha um histórico


impressionantemente grande de desastres naturais envolvendo quedas em
lugares improváveis, mas não consegui virar a cabeça para conferir se era
verdade.

— Nós vamos ficar deitados aqui até que o ônibus chegue.

— Meu amigo decretou e deixou os braços caírem ao lado do corpo,


olhando para cima. Senti um pouco de inveja de como ele parecia tão
bonito mesmo com o cabelo bagunçado e olhos pesados e como a luz
amarelada dos postes lançavam sombras sobre as maçãs saltadas do seu
rosto. — Não sei se posso me levantar com você parecendo um peso morto
no meu peito. E acho que Lottie está dormindo no chão. Ela bebeu?

Fiquei quieto.
— Você está bem?

Silêncio.

— Louis?

Silêncio.

— Devo me preocupar com Charlotte ou com o fato de que vamos ser


assaltados se continuarmos aqui?

Silêncio.

— Quem é que já teve sonhos molhados com Harry Styles aqui?

— Eu!

Devo ter retomado mais ou menos à consciência quando senti a cama macia
abaixo das minhas costas, o lençol gelado proporcionando-me um conforto
contra minha pele quente e suada, provavelmente por causa da quantidade
de álcool ingerido.

Eu sabia que Zayn estava tirando meus jeans, resmungando palavrões


enquanto jogava minhas roupas no chão, e sabia que estava em minha casa.
Mesmo perto da morte, senti quando ele suspirou profundo, deitou-se ao
meu lado e puxou o edredom fofo até meus ombros.

Tentei fingir que estava dormindo, mas em certo ponto, eu só queria um


corpo quentinho e firme para auxiliar no trabalho do cobertor. Por isso,
virei-me para Malik, pouco me importando se estava somente de boxers ou
não, e deitei a cabeça no seu peito, esfregando a bochecha ali.

— Boa noite, Zzzzzayne. — Ri de mim mesmo por causa do apelido.


Minhas piadas deveriam estar expostas no centro da cidade.

Hum... Isso foi uma piada?


— Boa noite, Louissss.

— Conta até três e respira fundo, por favor.

— Pra quê?

— Só faz.

Parecendo exasperado e, ao mesmo tempo, divertido, Zayn contou e,


quando chegou ao três, eu abri a boca e deixei o arroto que parecia estar
segurando por um século finalmente sair. O som monstruoso ecoou no
quarto e, no mesmo instante, comecei a gargalhar tão alto que meu
estômago doeu.

Então, minha boca encheu de saliva e foi uma questão de segundos até que
rolasse de cima de Zayn, debruçasse na beira da cama e vomitasse no chão
inteiro.

— A partir de hoje, Louis nunca mais vai beber. Está decretado. Eu estou
decretando.

Levantei a cabeça de onde estava a apoiando na mesa gelada e peguei a


colher que tinha grudado na minha testa, analisando-a com as sobrancelhas
franzidas.

— Qual direito você tem para fazer isso? — Tentei ver meu reflexo no
talher, mas não era prata legítima e sim um material de uma lojinha de
artefatos para casa, além de ter sofrido o mau trato da máquina de lavar
louça. — Quem é você, Malik?

— A pessoa que limpou seu vômito ontem de madrugada enquanto você


ficava rindo, puxando as boxers para baixo e insistindo para que eu te desse
um canetão para você desenhar um smiley na ponta do seu pênis.

Uma risada anasalada ecoou pela cozinha e Lottie empurrou o pratinho com
os brownies em minha direção.
— Você queria desenhar a porra de uma carinha na cabeça do seu pau?! —
Encarou Zayn, que parecia focado demais em abrir a caixinha de cereais
para só então colocar na minha tigela, despejando o leite junto. — E você
limpou o vômito dele?!

Ele encolheu os ombros e roubou um pedaço do brownie que estava na


minha mão.

— Eu não poderia deixá-lo limpar vômito naquele estado.

Enchi uma colher de cereal e levei à boca, misturando os flocos com a


mordida do brownie enquanto mastigava, não achando o gosto tão ruim.

— Lottie, algum dia eu vou mandar cortar suas cordas vocais tipo aquele
cachorro do filme Gente Grande. — A voz de mamãe soou na cozinha antes
mesmo de ela aparecer com o cabelo amarrado em um coque alto e vestida
com leggings e uma camiseta velha e desbotada do Hard Rock Cafe. —
Bom dia, crianças que falam alto demais.

Dissemos bom dia enquanto Jay contornava a mesa para deixar um beijo
carinhoso na testa de cada um, demorando um pouco mais com Lottie e
murmurando que estava brincando e que a voz dela era perfeita do jeito que
era.

— Então... — Jay começou antes de pegar uma tigela cortada de frutas da


geladeira. Eu podia sentir sua

presença imóvel atrás da minha cadeira. — Ouvi algo sobre álcool


envolvendo seu nome, Louis?

O olhar de desespero deve ter atingido Zayn, porque ele me olhou da


mesma forma, em pânico, antes de enfiar três colheres lotadas de cereal na
boca e sorrir de boca cheia como se não soubesse de nada.

— Eu... — Tentei pedir ajuda à Lottie, mas ela só continuou rindo e pegou a
tigela, saindo da cozinha e me deixando sozinho com o problema nas
costas. —
Estávamos falando sobre a classificação de compostos orgânicos. Se tiver o
grupo hidroxila ligado a um carbono saturado, significa que é um álcool.
Entendeu?

— E se tiver álcool no organismo do meu filho, eu faço o quê? Deixo ele de


castigo por um mês por ter bebido enquanto cuidava da irmã mais nova?

Me encolhi na cadeira.

— O professor de química orgânica não explicou essa matéria.

Jay encheu uma chaleira de água e a colocou no fogo antes de vir se sentar
em minha frente através da mesa, lançando um olhar rápido e carinhoso a
Zayn, que estava franzindo os lábios para os farelos de brownie espalhados
na superfície de madeira enquanto os juntava com a palma da mão para
jogá-los fora.

— Eu sei que você não bebe... Ou não bebia, mas precisa ter mais
responsabilidade, Louis. Sabe que Lottie é quase tão louca quanto a Sra.
Pokémon, mas ela ainda é nova.

Sra. Pokémon era como chamávamos nossa vizinha, uma senhora de no


máximo sessenta anos que abrigava cachorros que eram abandonados na
rua e pendurava as roupas no varal ainda sujas. Jay, Lottie e eu tínhamos
dado esse apelido a ela porque a mulher saía todos os dias de uma forma
diferente, como se evoluísse de madrugada enquanto a vizinhança inteira
ainda estava dormindo. Na verdade, eu sabia que ela usava roupas
diferentes, perucas e maquiagens fortes a cada dia para conseguir a
promoção grátis do primeiro cliente em uma rede de fast-food pouco
conhecida perto de casa, mas mantinha a piada interna porque era
praticamente uma tradição.

— Eu só bebi um milkshake de vodka que fazem no Arroto Molhado. Não é


grande coisa.

— Não é grande coisa. — Repetiu, imitando meu tom e voz enquanto


pegava o último brownie do prato. Zayn exclamou um "ahá!" quando
limpou todos os farelos, levantando-se para jogá-los na pia. — De vodka
você parte para a maconha, cocaína e por aí vai. Daqui a pouco está
vendendo Charlotte e eu na Deep Web para traficantes escoceses.

Encarei-a, atônito.

— Como você sabe o que é Deep Web?

— Zayn me contou.

— O quê?!

Como se soubesse que iria sobrar para ele, Malik passou por mim correndo,
abraçou Jay e saiu da cozinha, quase

tropeçando na soleira com as meias de lã de coraçõezinhos que pegou


emprestado da minha irmã.

Liam parecia totalmente confortável com obras legítimas de artistas


renascentistas famosos o cercando quando parou no meio do corredor do
saguão e virou-se para olhar Zayn, a luz clara do sol entrando pelas brechas
de vidro das paredes e iluminando seu sorriso de filhote de labrador.

— Vocês querem ir para a área da piscina ou para o jardim? — perguntou.

No domingo, um dia após a bebedeira que não foi exatamente, literalmente


uma bebedeira, ele nos convidou para almoçar em sua casa (minha presença
era um bônus amargo, mas infelizmente necessário, já que Zayn nunca iria
sozinho). Teria um prato feito com um tipo de peixe que só podia ser
pescado em uma época do ano em algum

lugar

que-quem-caralhos-sabe-onde-fica

e,

aparentemente, era bom.


Lottie não parava de me enviar fotos da lasanha à bolonhesa que Jay havia
feito e eu estava quase mandando o peixe metido à merda para voltar
correndo pra casa.

— Onde você quiser. — Zayn respondeu, sorrindo como o amor de pessoa


que era. — Sério.

Liam estendeu a mão, lançando um olhar rápido a mim como se quisesse


conferir que estava tudo bem. Às vezes, me sentia o pai do meu melhor
amigo.

— Acho que o jardim é melhor.

Inicialmente, Zayn pareceu meio relutante em aceitar a mão do Monstro-de-


Músculos e suas bochechas tornaram-se rosadas em menos de um segundo.
Mas eu, em uma tentativa única de acalmá-lo, esfreguei a base de sua
coluna e dei um pequeno empurrãozinho, o que deve tê-lo feito se sentir
seguro o suficiente para aceitar a mão de Liam e entrelaçar os dedos aos
dele.

Então, fomos ao jardim.

O almoço foi agradável, preenchido com risadas tímidas de Zayn e histórias


de Liam sobre o time e família. Foi a essa altura que descobri que ele ainda
não havia se assumido

para

os

pais

que

eles

tentavam,
constantemente, empurrá-lo para garotas de diferentes níveis da classe alta
de Londres. Bem, seria uma surpresa e tanto quando eles descobrissem que
um Malik de cílios longos com – rufem os tambores – um pau havia
roubado o lugar de todas as pessoas que, com certeza, deveriam babar por
Liam.

Esperei por alguma história que envolvesse Harry. Mesmo que não quisesse
admitir, eu estava sedento pelo som do nome dele na voz de outra pessoa
sem que fosse aquela repetitiva dos meus pensamentos, estava ansiando por
alguma

notícia.

Qualquer

uma,

qualquer

história

engraçada, qualquer "uma vez, Harry..." que pudesse aquietar todas minhas
ansiedades. Eu aceitaria até mesmo alguma frase que também envolvesse o
nome de Julie, mas, sobretudo, eu queria que Harry Styles estivesse bem.

Nada veio.

Por isso, eu tomei a iniciativa. Cutuquei a carcaça do peixe no meu prato


com a ponta do garfo e limpei a garganta, atraindo a atenção dos lovebirds
para mim.

— O time vai jogar na próxima semana, né?

O rosto de Payne se iluminou assim que o assunto foi trazido à tona.

— Vai. Estamos ansiosos... Se ganharmos, será mais um passo em direção à


vitoria do campeonato escolar.

— E o time pode jogar sem o capitão? Só curiosidade.


Sutil, Louis.

Com a mesma rapidez que seus traços foram iluminados por alegria, eles se
apagaram, trazendo uma expressão indecifrável ao rosto do garoto em
minha frente. E só porque Liam parecia ser um ursinho alegre e feliz o
tempo inteiro, deduzi que estava acontecendo algo realmente sério.

— Eu posso tomar decisões pelo time. — disse secamente, arrastando-se


para longe da atmosfera leve de forma quase inconsciente.

Desejei que um espinho atravessasse minha garganta.

— Isso é... Isso é bom. Ótimo. Alguém aí já ouviu a piada do pintinho que
não tinha bunda?

Liam suspirou antes de largar o garfo, esfregando a mão rapidamente sobre


o rosto.

— Olha, Louis, eu sei que vocês tinham combinado de fazer um trabalho


juntos e que Harry até mesmo o levou

pra casa num dia de chuva. Não faço a mínima ideia de como dizer isso
gentilmente, mas tenta esquecer ele, certo? Se ele reaparecer na escola, finja
que nunca conversaram. Você é legal, não quero que saia magoado.

— Harry me magoaria? — Perguntei, sentindo um nó gigante no estômago,


como se já soubesse o que ouviria.

Demorou alguns segundos para que respondesse.

— Sim, ele o faria.

Quando cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi tirar o casaco de
Harry do lugar onde estava, na cadeira em frente à mesa do notebook, e
guardá-lo dentro do guarda-roupa embaixo de muitos e muitos suéteres
empoeirados e que havia deixado de lado já fazia muito tempo.

Enquanto tentava tapar o tecido vermelho para que pudesse me esquecer de


que aquele casaco dos Wild Wolves ainda estava comigo, procurei uma
explicação lógica para o que estava fazendo. Do que adiantaria? O

problema estava enraizado no fato de eu não poder tapar o que Payne disse
no almoço com suéteres coloridos de lã. Não havia nada a fazer a não ser,
realmente, sentar e lamentar por toda a desgraça. Foi o que fiz.

— Ver Zayn e Liam se beijando foi tão ruim assim? Eu estaria agradecendo
a todas os deuses.

Levantei a cabeça e vi Lottie parada na porta do quarto, encostada ao


batente com uma máscara preta cobrindo o

rosto inteiro. Eu queria rir dela, mas estava cansado demais até mesmo pra
isso.

— Eles não se beijaram. Ao menos não em minha frente.

— Ih... O problema é outro, então? — Ela entrou e fechou a porta atrás de


si, jogando-se na cama como já era acostumada a fazer. — Para de me olhar
assim. Isso aqui é máscara de carvão ativado pra tirar as impurezas dos
poros e os cravos.

— Ok. Suponhamos que minha vida seja os seus poros e que eles estejam
realmente lotados de impurezas –

sempre estiveram –, mas então tem essa espinha gigante no meio da testa
que surgiu do nada. Qual seria a melhor máscara para limpar tudo? E
eliminar a espinha nojenta.

Uma espinha alta, de pernas longas e uma boca gostosa que eu nunca nem
vi de perto, mas que parece ser tão–

— Você acabou de comparar Harry Styles com uma espinha no meio da sua
testa? Pus e tudo?

Lottie riu quando notou minha expressão de espanto, fechando os olhos


enquanto sorria daquela forma que dizia eu-sei-tudo.

— Louis, amor, você não é exatamente sutil. Sinto muito.


— Yeah. Acabei de compará-lo com uma espinha gigante no meio da minha
testa. E eu meio que poderia fazer uma lista de razões pelas quais essa
loucura toda é impossível.

— Ergui os dedos, enumerando cada parte. — Primeiro, Harry é hétero.


Segundo, ele é o capitão e quarterback do time da Wye Hill! Terceiro,
mesmo que ele fosse gay ou bi ou, não sei, pan – porque eu ainda sou uma
pessoa

maravilhosa, sim? – fingindo ser hétero, por que ele iria me querer? Fala
sério. Eu não consigo nem comer nada sem sujar a boca inteira.

Lottie também ergueu os dedos ao se sentar novamente.

— Primeiro, vai se foder. Segundo, vai se foder. Terceiro, vai se foder.


Louis, sério, cala a boca. O time inteiro olha para sua bunda e parece que vê
Jesus Cristo no meio do pátio quando você ri alto, daquela forma que eu até
acho meigo. Ainda não sei como você não está desidratado com aquelas
secadas. Sua bunda deveria estar mais murcha do que as bolas do Mick
Jagger.

— Não viaja.

— Aposto que eles gostariam de ter um threesome, foursome, fivesome ou


duasdúziassome com você como...

— Ergueu as sobrancelhas ao se levantar e inclinar os quadris, separando as


mãos no alto. — A estrela Twink twinkle twinkle. Ou "Time de futebol
pega em outras bolas".

Ah! Já sei! Que tal–

— Estou te ignorando.

Sua gargalhada preencheu o quarto e eu não consegui evitar em


acompanhá-la, balançando a cabeça e achando a conversa ridícula e patética
demais para ser relacionada a um dos garotos ricos, mimados e de mãos
macias da Wye Hill.
As risadas morreram aos poucos e eu ainda estava sorrindo quando Lottie,
com um tom de voz mais baixo e cuidadoso, disse:

— Eu tenho uma notícia de Harry. Ou quase isso.

Nem ao menos tentei esconder a ansiedade que se apossou do meu corpo


como adrenalina na corrente sanguínea.

— Qual?

— Lydia, uma garota do grupo de idiotas que cheiram cocaína, disse que o
viu em um posto de gasolina esses dias comprando um maço de cigarros e
Red Bull, acho.

Ela falou que Harry estava acabado, nada parecido com o capitão do time
de sempre.

— Será que ele terminou com Julie?

Virei a cabeça a tempo de vê-la se levantar, revirando os olhos e


caminhando em direção à porta com as mãos afastando os cabelos que
estavam caindo na máscara preta.

— Não sou obrigada... Você fala de uma maneira burra, Louis.

Ela fechou a porta atrás de si com um baque leve e no mesmo segundo eu


abri o notebook em minha frente, ligando-o com a ajuda de alguns socos de
punho fechado no teclado. Meu computador tinha kink em masoquismo ou
algo assim.

Digitei a senha e abri o email, procurando na caixa de entrada, entre as


mensagens de anúncios de sites ou de promoções de massagem, algum que
eu pudesse ter recebido de Harry. Obviamente, não elevei minhas
esperanças, e foi o melhor que fiz porque não encontrei

nenhuma. Cliquei em "Novo", digitei o endereço eletrônico dele, que havia


decorado – harrystyl17@gmail.com – e comecei a escrever algumas
dezenas de vezes até que decidi simplesmente falar o que estava me vindo à
cabeça.
"Eu já terminei a síntese sobre Orgulho e Preconceito. Seu nome está lá,
também. Não estou te cobrando, mas acho que estou meio preocupado com
você. Desculpe se soar estranho, é só a verdade. Me deixe saber caso você
precise de algo, certo? Batata-frita murcha e engordurada do McDonalds
melhora muita coisa, só dizendo :) Louis."

Era ridículo, mas pareceu certo.

Apresentei a síntese e coloquei em prática o planejamento complexo de um


seminário de uma obra famosa do século XIX sozinho. Em frente a uma
sala com, mais ou menos, vinte e cinco alunos entediados, falei tudo o que
deveria estar sendo dividido entre mim e Harry. Quando o professor de
Literatura perguntou se eu estava em contato com Styles, sorri e afirmei
com a cabeça, embora meu email não tivesse recebido nenhuma mensagem
nova e minha ansiedade estivesse atingindo o ápice devagar. Até mesmo as
promoções de massagens pareciam ter desistido de mim.

Zayn tinha saído para comprar nachos com Liam, então fui sozinho até meu
armário para guardar os livros que estavam

começando

pesar

na

mochila

e,

consequentemente, machucar minhas costas que já não estavam em bom


estado devido às vezes que rolei na

cama durante a noite, inquieto demais para sequer fechar os olhos.


— Você fez um bom trabalho lá na sala. Gostei de apresentação.

Terminei de guardar o livro de economia e fechei o armário, dando de cara


com um garoto de sorriso gentil e amigável. Ele era bonito e alto, mas o que
me surpreendeu foi a jaqueta dos Wild Wolves emoldurando o torso.

— Oi. Obrigado. Achei que iria mal.

— Não, você foi ótimo. E ainda tem uns pontos extras por ter feito tudo
sozinho. Pensei que você estivesse fazendo com Harry?

Comecei a andar pelo corredor e me surpreendi quando ele me seguiu,


continuando com os passos largos e leves ao meu lado, parecendo esperar
uma resposta. Apesar da garganta seca, apertei a alça da mochila no ombro
e acenei com a cabeça.

— Yeah, eu fiz. Ele só... Não veio na apresentação. —

Olhei para ele e me surpreendi quando realizei que nunca havia o visto na
classe nem em lugar nenhum no Wye Hill.

Parei de andar e virei o corpo para o garoto. — Desculpa, qual é o seu


nome?

— Chace. Chace Crawford.

— Eu sou Lo–

— Eu sei quem você é. Tudo bem.

Aquilo sim foi uma surpresa.

— Como assim sabe quem eu sou?

Chace ergueu as mãos, rindo baixo, fazendo-me notar que havia sido rude e
usado um tom defensivo.

— Eu sou amigo de Liam e ele não para de falar do garoto... Acho que
Zayn? De qualquer forma, já estou enjoado de ouvir sobre ele e sobre como
ele é perfeito. E

como uma coisa leva à outra, descobri que você é melhor amigo de Zayn.

Assenti, digerindo todas as informações. Fiz uma nota mental para contar a
Zayn que Liam não parava de falar dele como qualquer outro lovebird
caindo nas garras da vadia da paixão. Com um meio sorriso, me virei e
comecei a andar novamente, perguntando-me o porquê de esse garoto estar
falando comigo.

Mais uma vez, passos ecoaram atrás de mim e Crawford recolocou-se ao


meu lado.

— Você está sozinho?

— Yup. Zayn e Liam saíram.

— Quer almoçar comigo? Eles estão servindo sanduíches de–

Parei, soltei um suspiro pesado e encarei Chace, que interrompeu a própria


frase assim que viu minha expressão. Acabei me sentindo mal pelo que
estava prestes a falar.

Não era como se eu não quisesse ou não estivesse precisando beijar alguém,
até porque já fazia um bom tempo desde que minha língua tinha lambido
alguma coisa

plausível, mas eu havia aprendido da maneira mais eficiente possível que


deveria ficar longe de garotos com sorrisos brilhantes demais, além do fato
de que a lembrança das mãos nojentas daquele cara na minha pele ainda
voltava em algumas madrugadas. Eram rastros amargos, mas eu havia
aprendido a conviver com eles para que não precisasse ceder à pressão.

— Agradeço de verdade pelo convite, Crawford. Mas não.

A lenda diz que pessoas como você não devem se relacionar ou almoçar
com pessoas como eu, e ela está certa. Desculpa.
Quando saí andando em direção ao pátio externo, ele não me seguiu. Pensei
no meu conselho e cheguei à conclusão de que estava completamente certo.
Eram dois mundos diferentes em todos os níveis.

À noite, enquanto esperava os hambúrgueres fritarem na fritadeira sem óleo


que Jay insistiu em comprar pela Topshop e depois deixou de lado,
debrucei-me no balcão no centro da cozinha e peguei meu celular largado
em cima do mármore, a tela quebrada no canto só reforçando mais ainda a
ideia de que eu era um desastrado incurável.

Dei uma olhada rápida em direção às escadas, esperando que Lottie não
resolvesse sair do quarto agora, e desbloqueei a tela, abrindo o aplicativo do
Facebook que já não era usado há muito tempo. Foi necessário uma
inspiração lenta e mais duas batidas leves de cabeça no mármore gelado
para que eu pesquisasse Harry Styles, clicando no primeiro perfil que
apareceu.

A foto de perfil me deu enjoo, comecemos por aí. Ele e Julie e o fundo...
Paris?!

Ela estava em frente a ele com um sorriso amplo, as mãos grandes de Harry
estavam na barriga dela e não havia sorriso nenhum nos lábios dele a não
ser um pequeno repuxar para cima no canto esquerdo, mas mesmo assim.

Algumas fotos não estavam bloqueadas e achei mais e mais postagens dele
com ela, imagens dos dois em diferentes lugares do mundo e uma em que
estavam se beijando.

Fala sério.

Ergui a sobrancelha para uma que Julie havia postado.

Harry segurava uma câmera antiga em frente ao rosto como se estivesse a


fotografando, o torso nu, os shorts de nado estampado com pequenas
tartarugas e o fundo azul e luxuoso da foto me dando a confirmação de que
era um yacht, iate... Sei lá.

A legenda: "Fotógrafo particular e amante nas horas vagas. Amo você."


Quase vomitei na bancada inteira. Eu estava prestes a fuçar no mural de
postagens também, mas fui impedido com a notificação de uma mensagem
nova de um número desconhecido. Fechei o perfil de Harry e abri o
iMessage, desinteressado até o momento em que terminei de ler. De
repente, minha garganta parecia estar em carne viva.

"Me desculpa. H"


Chapter Five
Coloquei Orgulho e Preconceito de volta ao seu lugar na prateleira de obras
clássicas da biblioteca e percorri os dedos pelas laterais dos outros, lendo os
títulos meio apagados rapidamente para encontrar algum que pudesse me
interessar enquanto murmurava um trecho de Bohemian Rhapsody que
estava preso na minha cabeça desde manhã.

Peguei O Médico e o Monstro de Robert Stevenson e dei a volta na grande


estante preservada antes de caminhar de volta para a entrada da biblioteca,
folheando as primeiras páginas amareladas com a cabeça baixa e
praticamente arrastando os pés pelo chão de madeira escura, deixando a
preguiça me tomar por completo. Apenas o pensamento de que eu teria
mais algumas aulas a frente foi o suficiente para me fazer grunhir baixo. Eu
só queria dormir. No chão estaria ótimo, obrigado.

Quando, já de volta ao extenso balcão onde a bibliotecária preguiçosa


estava lendo uma revista sobre uma boyband famosa, ergui a cabeça, me
deparei com ele. Foi assim...

Repentino e inesperado. Todo o ar dos meus pulmões pareceu ter sido


expulso com um soco certeiro no peito, e não tenho certeza se foi pelo fato
de estar vendo Harry após tanto tempo me sentindo um babaca por uma
possível paixonite clichê digna de um livro de Nicholas Sparks versão
iludido-não-correspondido ou porque ele não parecia... Ele.

As mãos gigantes já não carregavam os inúmeros anéis e, ao invés do


casaco do time – que, obviamente, estava comigo –, ele estava vestido com
um moletom simples e cinza, a touca escondendo os cachinhos que sempre
passaram a impressão de ser tão macios, mesmo que eu não tivesse tocado
neles. Se seus olhos me deixaram sem fôlego na primeira vez que vi que
eram verdes, agora eles me tiraram todo o oxigênio porque estavam opacos,
tão sem vida quanto o livro que caíra no chão no momento em que ele
capturou meu olhar de volta.
Com um palavrão sibilado e forçado a sair junto com uma expiração, eu me
abaixei e agarrei o livro como se estivesse agarrando a mim mesmo para me
manter de pé.

Segurei a capa dura contra o peito e levei alguns segundos a mais que o
necessário para me levantar novamente, ajeitando a franja. Foi só aí que
descobri que a paixonite à la Nicholas Spark não tinha morrido. De fato,
estava bem viva... Muito mais do que os olhos de Styles.

Tentei sorrir como qualquer pessoa normal faria, porém meus dentes eram
tortinhos e rugas apareciam ao lado dos meus olhos quando meus lábios
repuxavam para cima e talvez tenha sido por isso que não fui
correspondido. De braços cruzados, ele tornou a abaixar a cabeça e puxou
as mangas do moletom para baixo, cobrindo os dedos e se concentrando no
livro posto em sua frente na mesa.

— Tomlinson, não está pensando em roubar esse livro, está? Dê-me aqui
para eu registrar.

— Se eu fosse roubar alguma coisa aqui na biblioteca, Sra. Blanc, com


certeza seria essa sua revista sobre Liars in Direction. — Virei-me para ela.
— Quem não quer saber sobre a vida amorosa de todos os super
heterossexuais integrantes?

A Sra. Blanc, uma mulher de bochechas fofas e óculos pontudos sempre


pendendo no nariz gordinho, estreitou os olhos para mim ao pegar o livro.

— Essa revista é da minha neta.

— Yeah, claro. — Inclinei-me sobre a bancada, deixando meus pés sem


apoio algum no ar. Aproximei-me mais um pouco da Sra. Blanc, sorrindo
inocentemente. — Hum...

Há quanto tempo Harry Styles está ali?

Com um revirar de olhos, registrou o livro no iMac e o deu de volta para


mim com um gesto impaciente.
— Desde o início da aula.

Após uma olhada ligeira no relógio pendurado na parede bege, constatei


que já faziam cinquenta minutos que Harry

estava ali. E tínhamos aula de Literatura no próximo horário.

Por isso, convenci a mim mesmo de que somente estava fazendo uma boa
ação por um colega de classe e dei passos lentos em direção à mesa em que
ele estava. Meu cérebro insistia em repetir que minhas pernas estavam
moles e que eu não conseguiria concluir o trajeto com total êxito, mas eu
sempre fui bem burro. Minhas pernas gelatinosas e meus dois pés esquerdos
inúteis cumpriram suas principais funções de me envergonhar e me fizeram
tropeçar assim que estava tão, tão próximo de Harry. So close, yet so far, já
cantava Hoostabank.

Imaginei R. Kelly sussurrando I Believe I Can Fly no meu ouvido assim


que tudo foi reproduzido em câmera lenta como se meu cérebro estivesse se
vingando por eu não tê-

lo obedecido da pior forma possível. O livro acabou para um lado, jogado


perto das prateleiras, minha mochila de outro e meu corpo, de uma forma
desconhecida, foi parar embaixo da cadeira de Harry.

Meu queixo estava doendo e ou ele estava aberto e espirrando sangue como
uma mangueirinha ou eu tinha me quebrado de vez. Imerso demais na
vergonha, olhei, primeiramente, para os tênis literalmente em frente aos
meus olhos. All Star? Harry Styles usando All Star?

— Louis! Merda... Você está bem?!

Não! Me deixe aqui para morrer e finja que nunca me viu na vida!

Porém, duas mãos seguraram abaixo das minhas axilas e me levantaram do


chão como se eu não pesasse nada. Fui colocado sentado sobre a mesa,
contraindo a estranha, aleatória e inútil impressão de que a Sra. Blanc me
mataria por estar pressionando os glúteos em um móvel tão sofisticado.
Bem... Aí, só aí, olhei para cima e de repente desejei que fosse a Sra. Blanc
me dando sermões, assim eu não deixaria minha boca cair aberta como um
idiota quando percebesse que Harry estava em minha frente, praticamente
entre minhas pernas com um olhar preocupado

lábio

inferior

imperceptivelmente

machucado, quase cicatrizado por completo.

— Você cortou seu queixo. — Disse baixo, franzindo as sobrancelhas


perfeitas.

Instintivamente, levei a mão até a área, mas Harry me impediu de tocar o


corte ao segurar meu pulso junto ao meu quadril. Meu queixo estava
ardendo e pulsando, mas preferi prestar atenção na forma como seus dedos
estavam gelados, quase marmóreos, contra minha pele quente. Prestei
atenção na forma como ele estava próximo e como meu coração batia forte
contra as costelas.

Então, respondi.

— Oi.

Ele desviou o olhar para os meus olhos, tirando a atenção do corte


totalmente desnecessário por um instante. Seus dedos ainda estavam firmes
em volta do meu pulso enquanto a outra mão me mantinha com a cabeça
erguida.

— Oi. — Respondeu, piscando devagar e lambendo o lábio inferior tão


rápido que me perguntei se havia imaginado a ação. De perto, observei as
olheiras profundas adornando os olhos como uma moldura mórbida. —
Acho que deveríamos buscar gelo. Ou limpar... Quer ir à enfermaria?

— Temos aula de Literatura agora.

Nem deu atenção ao que eu disse.

— Uhum.

— Você não vai entrar?

— Não. — Afastou-se. Seu toque ainda irradiava calor mesmo a alguns


centímetros de distância e eu me chamei de idiota mentalmente por querer
mais. — Vem, vou te levar à enfermaria.

— Então por que veio à escola?

Me arrependi no instante em que as palavras saíram.

Harry me olhou duramente por alguns instantes antes de se virar para ir em


direção ao balcão da biblioteca e dizendo em voz baixa enquanto isso:

— Não é da sua conta.

Observei, atônito, suas costas tensas e os ombros levemente curvados. Eu


podia quase sentir a secura das suas palavras sendo transformadas em um
bolo na minha garganta, e aí eu decidi que já era hora de ir.

Levantei-me da mesa e pressionei a manga do paletó contra o queixo em


uma tentativa improvisada de parar o sangramento enquanto recolhia o livro
e a mochila. Passei

por Harry, que estava pedindo algo para a Sra. Blanc, e saí da biblioteca
sem ser notado.

Respirei fundo e levantei a cabeça, balançando-a. Ok, fui um idiota ao ser


tão invasivo, mas... Foda-se Styles.
Assim que dei o primeiro passo em direção ao corredor da classe de
Literatura, vi Julie encostada à parede conversando com Candice. As duas
sussurravam uma para a outra, carregando rugas de preocupação entre as
sobrancelhas. A namorada de Harry parecia impaciente e, de certa forma,
inconsolável, negando com a cabeça a cada coisa que Candice dizia com
convicção.

Eu estava prestes a descobrir que era um merda em leitura labial quando


ouvi meu nome ser pronunciado firmemente, atraindo tanto a minha atenção
quanto a das garotas a poucos metros de distância. Harry nem sequer
pareceu notar Julie e a amiga, somente se aproximou de mim e, com um
gesto impaciente e inesperado, retirou a minha mão do corte, substituindo-a
por uma toalha única de papel. A pressão dos seus dedos ergueu um pouco
minha cabeça e, quando também levantei o olhar, Styles me encarou de
volta. Mais uma vez.

— Me desculpa. — murmurou. Não deduzi nenhum rastro de preocupação


com o fato de a namorada estar o assistindo tocar tão suavemente outro
garoto. — Não queria ter sido tão rude. Só... me desculpa.

— Eu não tenho nada a ver com a sua vida. — disse após retirar sua mão de
mim e pressionar o papel sozinho, dando um passo atrás. — Vou à
enfermaria. Obrigado por isso.

Virei as costas, disposto a realmente ir a algum lugar dessa vez, só que


meus planos deviam ter algum tipo de interferência divina, já que nunca
aconteciam.

— Eu não posso entrar. — apesar de ter sido um sussurro, identifiquei


perfeitamente as palavras pesadas de Harry entre o ar carregado. — Não sei
se aguentaria o olhar de pena ou indignação daqueles aproveitadores
quando me vissem... — Encarei-o ao mesmo tempo em que suas mãos
percorreram a frente do seu corpo, como se estivesse mostrando o que está
querendo dizer com as roupas tão diferentes das que costumava usar. —
Assim.

Eles estranhariam a falta das roupas Burberry e de toda aquela...


Parou. Talvez não soubesse mais como continuar a se descrever de tal
forma.

Olhei Julie rapidamente, que agora também nos observava


inexpressivamente, e peguei o pulso de Styles, trazendo-o comigo para
dentro da biblioteca. Algo havia clicado dentro da minha cabeça e eu
precisava, de alguma forma, realizá-

lo, mesmo que para isso fosse passar vergonha.

— Isso não vai dar certo! — Harry protestava enquanto eu o puxava pelo
corredor, tentando ignorar seus grunhidos baixos a todo instante. A questão
era que ele não queria me soltar, tendo em vista que era bem mais alto e
poderia me amassar no chão com os dedos. — Louis! Tomlinson, para!

Hah. Não. Ninguém mandou me dar um corte daqueles na biblioteca.

— Pronto? — Perguntei ao parar em frente à porta de madeira, onde


podíamos ver o professor Craig explicando algo sobre períodos da literatura
nacional através do vidro fosco.

Chequei o olhar de desespero em Harry só para ter certeza de que estava


fazendo tudo certo e respirei fundo, ainda meio incomodado pelo curativo
no queixo colocado pela moça gentil da enfermaria.

Empurrei a porta de madeira com uma mão e entrei na sala rebocando


Harry pelo pulso. As expressões pasmas dos alunos e os cochichos que
encheram o ambiente no mesmo instante não me atingiram, mas Styles
estava escondendo o rosto com a mão livre e murmurando algo para si
mesmo.

— O que significa isso, Sr. Tomlinson?! — O professor exclamou, olhando


preocupado para Harry e bravo para mim.

Tanto faz... Estava acostumado a levar a culpa por tudo em casa.


— Isso... — Gesticulei como se estivesse estressado, balançando as mãos
feito um idiota. — Significa um de seus alunos escapando da aula por estar
com ressaca.

Harry estava dormindo na sala vaga de Álgebra e nem sequer acordou


quando eu gritei o nome dele. Os boatos de que a festa ontem à noite foi
boa eram verdadeiros, então? Ele é meu parceiro no... — Dei uma
olhadinha no

quadro e vi que o cronograma para a aula resumia-se no estudo de um


artigo sobre as táticas de Horace Walpole nos livros. — nesse resumo da
aula. E aí? Vou ficar sem fazer só porque o capitão do time estava
bebendo?! O

senhor-olha-meus-músculos-e-minhas-pernas-nessas-calças-apertadas?

A sala caiu em silêncio de novo. Ih... Falei merda.

— Bem, Sr. Tomlinson, creio que você deva se sentar agora. Eu cuido disso.

Não me atrevi a olhar para Harry. Bufei, fazendo um esforço gigante para
parecer estressado, e fui até meu lugar, sentando-me largado na cadeira.
Quase todos os alunos estavam balbuciando algo tipo "isso aí, Styles!",

"Styles é foda" ou até mesmo "quero ser igual a você quando crescer!".
Chace Crawford, o mesmo garoto que veio falar comigo há alguns dias,
soltou uma risadinha sarcástica e gritou que a festa devia ter sido realmente
boa a julgar pela " sua aparência de merda". Meu sangue ferveu no mesmo
instante com a raiva inexplicável que se apossou de mim.

Styles não rebateu, mas franziu as sobrancelhas e abaixou a cabeça,


balançando-a negativa e tão imperceptivelmente que só eu devo ter
percebido o gesto.

Com a mão levantada, o professor o mandou se sentar.

Veio ao mesmo lugar de sempre: minha frente.


Não conversamos durante a aula porque precisávamos agir como se o ódio
entre nós fosse mútuo e mortal, mas enquanto estudávamos Walpole, um
post-it rosa deslizou

na minha mesa. Reconheci a letra de Harry pelo caderno aberto sobre a


mesa dele.

"A única maneira de livrar-se da tentação é ceder a ela."

— Você é a tentação dele, ele gosta de pau, vocês transam. Fim. — Lottie
concluiu com um sorriso de lábios fechados e bochechas estufadas com
bolinhos de maçã e canela. — Olha aí, você até caiu por ele. E agora tá com
o queixo arrombado.

Zayn bufou e devolveu o bilhete a mim, o qual guardei dentro do caderno


de Literatura antes de voltar o olhar para o estacionamento parcialmente
vazio. Estávamos esperando por Trisha, que viria buscar Zayn para levá-lo
a uma reunião com direito a chá de hortelã e dedinhos erguidos.

— Você sabe que esse trecho é do Retrato de Dorian Gray, certo?

Balancei a cabeça afirmativamente.

— Não sei o que ele quis dizer. Tem a ver com aquele lance de morrer
jovem? Live fast, die young. Ele é a Lana Del Rey com um pau se eu
acrescentar um be wild and have fun.

— Você é a tentação dele. — Lottie repetiu, lambendo o açúcar dos dedos


antes de limpá-los na camisa de Zayn, que soltou um gritinho extremamente
másculo e a empurrou para longe. — Para de se fingir de idiota.

— Ele é idiota. — Zayn ainda estava esfregando a camiseta com um


guardanapo quando falou, referindo-se a mim. — Nasceu assim. Dá até
pena.

Roubei um bolinho de Lottie e lambi inteirinho para que ela nem Zayn
tentassem roubar de mim. Somente quando estava repleto de baba que
comecei a morder.

— É só um bilhete. — Insisti ao engolir um pedaço, limpando a boca com a


palma da mão. — Significa absolutamente nada.

Mas Zayn não respondeu porque tanto seu olhar quanto o de Lottie estava
fixo nas portas de saída da escola. Harry parou ali, tirou um cigarro do
bolso e acendeu ao fazer uma pequena cobertura com as mãos. Deu um
pequeno trago e fechou os olhos ao soltar a fumaça no ar gelado e denso
que nos envolvia, continuando a revirar os bolsos dos jeans à procura de
alguma coisa.

Se ele nos viu, e é óbvio que o fez porque nós éramos os únicos em um
pátio gigante, não demonstrou. Desligou o alarme do carro, jogou a mochila
nos bancos de trás e entrou.

— Louco. — Lottie rolou os olhos quando o Audi já não estava mais ao


alcance dos olhos. — Desde quando ele fuma? Atletas não precisam ser
saudáveis com pulmões maravilhosos e aptos a serem doados após a morte?

Encolhi os ombros como resposta e ela riu, dando o último bolinho a Zayn.
— Oh, merda! Deixei meu livro na sala. Já volto.

Ela desceu do muro baixo onde estava sentada e saiu correndo em direção
às portas da escola, tropeçando na entrada e quase derrubando todas as latas
de lixo ali perto.

— Ele está meio... Acabado. — Zayn murmurou, olhando-me receoso. —


Parece que não dorme há dias.

— Está. — concordei.

Por essa razão, eu estava tentando enfiar o que Liam disse na cabeça. Ele
me magoaria? Me magoaria de que forma? Harry não parecia o tipo de
pessoa que sabia usar as palavras ou os punhos para ferir alguém, embora
sua estrutura e a posição imponente no time da escola desse a entender que,
sim, meu Deus ele é assustador e vai ferir meu coração e me deixará
sangrando. Além disso, não era como se tivéssemos estabelecido qualquer
tipo de relação... Íntima o suficiente para permitir tal coisa.

Fala sério.

Trisha chegou minutos depois com a capota do Porsche branco abaixada e


um sorriso brilhante e materno, como sempre. Recusei, da forma mais
carinhosa possível, sua carona para casa e levei um tapa na cabeça de
Charlotte minutos depois por tê-lo feito.

À noite, como era a folga de Jay, Lottie e eu fizemos o jantar para ela, o que
consistia em macarrão com brócolis e molho de alguma coisa com queijo
parmesão. Assisti a um episódio reprisado de Breaking Bad com elas antes
de pegar a mochila, as chaves do Volvo e ir à biblioteca municipal para ver
se eu conseguia algum livro ou artigo

velho sobre a Roma Antiga para o dia seguinte na classe de história.

Estava chuviscando quando estacionei o carro em frente ao prédio


reformado de três andares que acomodava a biblioteca desde mil e
novecentos e alguma coisa. Entrei silenciosamente, franzindo as
sobrancelhas para a madeira rangendo sob meus pés ou os ruídos quase
inaudíveis da chuva batendo nas vidraças que espelhavam a luz da lua. O
bibliotecário parecia estar dormindo em cima de uma pilha de papéis e eu
dei uma olhada na placa ao lado do relógio para confirmar que fechava às
nove horas, por isso tentei ser rápido.

Revirei algumas obras de professores doutores em história no fundo das


prateleiras, li o início de alguns e peguei dois que estavam repletos de
poeira. Um não tinha a capa e acho que a frase "não julgue um livro pela
capa" nunca fez tanto sentido. Tive que empurrar o ombro do bibliotecário
para que ele acordasse e fingi não notar o fio de baba escorrendo pelo seu
queixo marcado enquanto os registrava no meu nome.

Ao sair da biblioteca carregando a bolsa um pouquinho mais pesada, chovia


mais forte a ponto de acumular poças gigantes na rua. Parei à entrada com
as mãos no bolso e uma leve impressão de que a temperatura e o clima de
Londres deviam me odiar mais do que eu pensava. O
Volvo estava a uma boa distância, fazendo impossível a tarefa de correr até
lá e abrir a porta com a chuva sem que eu ficasse gripado pelo resto do ano.
Só então vi o outro carro estacionado ao lado do meu com as luzes internas

acesas. Não pude ver quem era, mas o símbolo da Audi estampado na frente
me deu todas as respostas de que precisava.

Merda...

Como se tudo o que ele estivesse precisando fosse o meu reconhecimento,


ligou o carro e andou poucos metros até que estivesse atravessado
horizontalmente abaixo da escadaria da biblioteca, onde eu estava prostrado
no primeiro degrau agarrando-me à mochila como se ela pudesse me tirar
dali. A janela do passageiro abaixou.

— Você vai entrar ou o quê? — Harry perguntou alto por cima do barulho
da chuva, um tom rude atenuando sua voz.

Ergui as sobrancelhas, frustrado pela chuva e irritado pelo fato de o garoto


estar achando que eu devia algo a ele.

Subitamente, senti falta da personalidade tímida de uma pessoa que nem ao


menos conhecia.

— Você acha que manda em mim ou o quê, Harry Styles?

Isso pareceu acordá-lo da merda do transe que, com certeza, estava


passando.

— Não... — Balançou a cabeça e passou a mão agilmente pelos cabelos,


que pareciam estar molhados. — Desculpa.

Será que podemos conversar?

— Por quê?

— É algo importante. — Algo na minha expressão deve tê-


lo feito perceber que eu ainda não estava convencido, por isso suspirou e
me olhou novamente com os poucos

cachos emoldurando o rosto pálido. Dessa vez, era como se eu pudesse vê-
lo através da pele, enxergar todo o cansaço contido sob sua superfície. —
Por favor, Tomlinson. Eu te trago aqui para pegar seu carro depois.

Olhei para trás, para as portas fechadas e pesadas da biblioteca e apertei a


alça da mochila novamente. Pela milésima vez na vida, eu não sabia o que
fazer. Não sabia se devia esquecer todos os contras e as circunstâncias e
correr até o Volvo ou se deveria entrar no Audi e ouvir o que quer que fosse
que tenha o motivado a descobrir onde eu estava e me alcançar. Na verdade,
eu não sabia se queria ou podia ser alcançado por ele. Eu estava, acima de
tudo, confuso.

— Trinta minutos. — Estabeleci enquanto descia as escadas, dando uma


última olhada para o meu carro antes de entrar no Audi. — Preciso voltar
logo ou minha mãe vai ter um ADP.

Fechei a porta e ele apertou um botão que subiu a janela do meu lado,
isolando-nos do barulho de fora. O interior estava tomado por um perfume
suave, mas ainda sim marcante, embora houvesse uma fina camada de
tabaco pairando sobre nossas cabeças e congestionando meu nariz.

Styles tirou a bolsa do meu colo e colocou no banco de trás, abaixando o


volume do rádio.

— Passa o cinto. — Pediu baixo. Inevitavelmente, notei como os nós de


seus dedos estavam começando a se tornar brancos em volta do volante
devido à força que colocava neles. Também notei que, agora que estávamos

sozinhos em um espaço menor com tão pouca distância entre nós, seu lado
tímido havia retornado. Quase não consegui conter o sorriso. — Tudo bem?

Assenti com a cabeça e ele pegou no volante com as duas mãos, saindo da
frente da biblioteca. Senti o frio na barriga que parecia estar ali havia um
bom tempo retornar a seu lugar, formando nós na minha garganta e na base
do meu estômago.
— O que você quer falar? — Perguntei, colocando as mãos entre as coxas
para esquentá-las. Percebendo o gesto, Harry se apressou e estendeu a mão
para aumentar o aquecedor dos bancos e ligar o ar quente. O ar congelante
foi substituído por um menos tenso e mais...

Confortável. — E como você soube que eu estava na biblioteca? A essa


hora. Aliás, nunca mais fale daquele jeito comigo.

Balançou a cabeça.

— Sua irmã me disse.

Respostas evasivas. Que ótimo. Que vida ótima. Que noite ótima.

— Não respondeu a primeira pergunta.

O carro parou no sinaleiro, a chuva batendo ritmicamente no para-brisa e


lançando sombras de pequenos pontos trêmulos sobre seu rosto. Two Door
Cinema Club tocava baixo no rádio e eu assisti seus lábios movendo-se com

"He needs no army where he's headed 'cause he knows that they're just
ghosts" antes de ser respondido.

— Eu precisava de uma desculpa. Você não entraria se eu não dissesse que


queria falar com você. Então... Eu menti para poder me explicar. Desculpa.

— Harry.

— Você disse que batata-frita engordurada e murcha melhora muita coisa.


— Murmurou como se fosse o maior segredo do mundo. Então, vi os
grandes arcos vermelhos e amarelos do McDonalds se aproximando. —
Qual rede de fastfood melhor para oferecer batata-frita engordurada?

— O que você quer que melhore? — Questionei em um fio de voz.

A ondulação na sua expressão surgiu de um segundo para o outro. Diante


das luzes brilhantes se aproximando, suas olheiras pareciam ainda mais
escuras e, assim que ele virou o volante para esquerda, a gola da camiseta
deslizou um pouco pra baixo, revelando linhas vermelhas e feridas no seu
peito, pouco abaixo das tatuagens de andorinhas.

O ar ficou preso, confundindo-se com fuligem, e tive de desviar o olhar


rapidamente.

— O que você vai querer? — Mudou de assunto enquanto conduzia o carro


até a linha de drive-thru, onde havia somente uma Chevy van em nossa
frente. — Batata-frita, sorvete e hambúrguer dá?

Tentei explicar algumas vezes que já tinha jantado, mas Harry me ignorou
solenemente e pediu hambúrgueres, sorvetes com calda de chocolate e,
claro, batata-frita extra.

Depois, quase bateu na minha mão quando tentei pagar.

Em silêncio, entregou os sacos de papel a mim e dirigiu

por longos e longos minutos até que parasse. Olhei para os lados, tentando
enxergar através das janelas embaçadas,

percebi

que

estávamos

em

um

estacionamento vazio no que parecia ser o quarto ou quinto andar. O Audi


estava praticamente encostado à barreira e, mesmo com a água correndo
sem parar pelo vidro do para-brisa, eu consegui ver que estávamos de frente
para a cidade. Uma Londres chuvosa e infinita desenvolvia vidas e jogava
luzes brilhantes bem em frente aos nossos olhos, como um organismo
trabalhando com o que tem. Cada célula brilhante era mágica, surreal.
— Onde estamos? — perguntei, desejando internamente que pudesse abrir
as janelas e admirar a vista de forma mais nítida.

Ele pegou um dos sacos de papel do meu colo e o abriu, sorrindo de forma
quase dolorosa antes de tirar um hambúrguer.

— No estacionamento da empresa do meu pai.

A última palavra soou amarga demais para ser ignorada.

— Por quê?

Com um suspiro, Harry encostou-se ao banco e virou a cabeça pra mim.


Seus olhos percorreram meu rosto de cima a baixo, analisando cada
centímetro e franzindo as sobrancelhas ao chegar à altura da minha boca.

— Come, por favor. Não quero comer sozinho.

Tá... Eu não tinha comido sobremesa, de qualquer forma.

Um sorvete não faria mal.

Peguei um dos copinhos na bandeja de isopor e enchi a primeira colher,


enfiando na boca. Pelo canto dos olhos, observei Harry morder o
hambúrguer algumas vezes, a língua vindo primeiro como uma tartaruga.
Era meio fofo.

Ou muito fofo.

— Ei. — Chamei-o e peguei o outro hambúrguer, levando à boca


lentamente e mordendo um pedaço do jeito certo.

— Você deve deixar a língua dentro da boca quando for morder. Assim,
olha...

Ele sorriu pequeno, mordendo do mesmo jeito, estendendo a língua como se


eu nunca tivesse falando nada. Dei risada e balancei a cabeça, abandonando
o lanche de lado para continuar com o sorvete.
— Foi injusto fazer você escrever o trabalho inteiro sozinho. Sério, me
desculpa. Eu vi que você manteve meu nome e disse ao professor Craig que
eu não pude ir no dia. Foi...

— Está tudo bem, Harry. — interrompi sua frase, virando-me para ele no
banco com um pé embaixo da coxa no banco e o outro no assoalho. — Você
deve ter tido um motivo. Né?

Ele pressionou os lábios juntos e fechou os olhos ao enfiar o último pedaço


de hambúrguer na boca, respirando fundo.

Seu peito subiu e desceu pesadamente com uma inspiração forçada.

— É, tive.

— Então está tudo bem. — deixei o sorvete de lado e peguei o saco de


batata-frita, abrindo e oferecendo a ele

com uma tentativa de sorriso gentil. Já não estava mais pensando no que
Liam disse. — Aceita batata, Michelangelo?

Pegou um punhado e estendeu a mão para alcançar seu sorvete, passando a


batata no creme de baunilha.

— Michelangelo?

— Era minha tartaruga ninja preferida quando eu tinha uns... Nove anos,
acho. E você meio que come igual a uma.

Ele sorriu enquanto mastigava, as bochechas estufadas.

Os olhos permaneceram apagados.

— Então eu sou sua tartaruga ninja preferida? — Enfatizou a palavra com


um tom satisfeito. Era como se ele fosse um filhotinho de cachorro sendo
elogiado por ter sentado, rolado ou algo assim.

— Paciência, gafanhoto. Quem sabe se você comprar um balde de asinhas


de frango picantes do KFC na próxima vez.
Só quando deixei as palavras saírem que eu percebi que havia dito que teria
uma próxima vez. Harry, ao contrário de mim, afirmou com a cabeça e
enfiou cinco batatas na boca de uma só vez.

Continuei tomando o sorvete e olhando a frente, agora que a chuva havia


diminuído e o horizonte curvilíneo e iluminado já estava mais visível. Me
permiti encostar ao banco e inspirar profundamente, perguntando-me como
eu tinha ido parar ali... Ao lado do capitão do time do colégio,

sentado dentro do carro dele e aprendendo a controlar as batidas


desenfreadas do meu coração a cada vez que registrava como o cheiro dele
estava me cercando.

Como

ele,

por

completo,

estava

me

tomando

gradativamente. Mesmo que ele tivesse uma namorada, que Liam tivesse
me dito para permanecer longe e que eu estivesse com um band-aid do
Homem-Aranha no queixo por causa dele.

De olhos fechados e imerso nos meus pensamentos enevoados pelo ritmo


tranquilo da chuva batendo no teto do carro, quase não registrei as três
palavras que saíram da sua boca como um sussurro quebrado e fraco.

— Minha mãe morreu.


Chapter Six
Quando vi Styles pela primeira vez, sobre os ombros de algum jogador do
time, suado, vitorioso e exposto em toda sua glória, eu o achei incrível.
Achei que fosse um garoto completo, portando todas as qualidades e
atendendo às exigências rígidas para ser um legítimo capitão do time.

Talvez tenha sido isso que o fez tão atraente para mim a ponto de ser quase
impossível. Nenhuma atração surge tão repentinamente se não houver
algum motivo por trás disso; se não houver algo que ninguém pode ver,
nem mesmo eu.

Bonito, alto, rico e com um histórico perfeito demais. Eu também achei que
ele fosse inteiro, sem nenhum pedaço faltando ou remendado. Sob as luzes
fortes, os cortes e partes podres refletem um sorriso incrível, porém, irreal.

Ele me ofereceu o mesmo sorriso enquanto eu tentava digerir suas palavras.


Enquanto tentava digerir que Harry, de acordo com o que eu andava
pensando nos últimos dias, escondia coisas demais sob a superfície polida
de cachos e mãos macias e lábios sem rachados.

O sorriso doloroso e torto permaneceu nos mesmos lábios enquanto ele


disse:

— Não diga que sente muito, por favor. Eu não quero mais ouvir isso. Não
quero mais... Não quero mais ficar... Aqui.

Styles me olhou uma última vez antes de se ajeitar no banco, espalmando as


mãos nas coxas cobertas por jeans escuros e apertados e separando um
pouco as pernas.

Respirou, respirou, respirou. Sua voz tremulou para iniciar, mas assim que
o fez, eu senti meu peito comprimindo tanto que, com toda a certeza, estava
causando uma hemorragia interna.

— Ela se chamava Anna. — Deitou a cabeça no apoio do banco e fechou os


dedos sobre os jeans. — Estava fazendo tratamento para tentar conter o
câncer no cérebro há duas semanas, mas eu só fiquei sabendo disso quando
meu pai me ligou para dizer que ela havia sido internada em uma noite e...
Morrido pela manhã. Ela não queria que minha irmã e eu soubéssemos.
Gemma, minha irmã, achou que estávamos escondendo tudo dela e que eu
fazia parte do plano, por isso ela voltou pra Harvard e não fala mais
comigo.

Apertei meus dedos uns nos outros para aplacar a vontade de entrelaçá-los
aos seus, trêmulos e aparentemente gelados.

— Meu pai sabia desde o início. E ele também foi embora.

— Seu pai foi embora? — Mal consegui esconder a surpresa na voz,


incapaz de suprir a necessidade de formular a pergunta que me subiu à
garganta. — Você está...? — deixei a questão incompleta e incômoda
flutuar no espaço entre nós dois.

— Sozinho? — Completou ao me olhar. O sorriso havia desaparecido e as


linhas de cansaço acima de suas sobrancelhas surgiram mais proeminentes e
marcadas. —

Yeah, estou. Ele foi para Nova York morar na Quinta Avenida e gastar a
porra da conta bancária com a recém assumida namorada de vinte e dois
anos. Me contou que, quando descobriu que mamãe estava em fase
terminal, não podia aguentar. Ele não podia aguentar! Como é que minha
mãe se sentia, então?!

Subitamente, abaixou a cabeça e tapou o rosto com as mãos. Seus soluços


cortaram o ar como lâminas afiadas, os dedos puxando os cabelos com
força enquanto seu corpo convulsionava com os suspiros sufocados, com o
choro abafado e a dor emanando de cada poro, preenchendo-nos com um
tom doloroso.

Sem saber ao certo o que fazer e sentindo minha garganta apertar como se
uma mão estivesse em volta do meu pescoço, eu ergui a mão e a coloquei
no seu braço, já esperando que ele me afastasse ou gritasse. Não o fez. Ao
invés disso, se encolheu contra o toque, aceitando-o e, implicitamente,
pedindo por mais.

Não hesitei por um segundo em ficar de joelhos no banco, fazendo uma


manobra com o corpo para encaixá-lo no pouco espaço sem bater a cabeça
no teto. Equilibrado sobre o console, eu o abracei. Forte, apertado e
mantendo-o pressionado contra mim apesar da situação desfavorável pela
minha posição e de todas as barreiras que eu havia construído em volta de
mim em relação ao toque.

Era

um

porto-seguro

para

ambos,

uma superação para ambos. Eu também estava sendo tocado e não me


sentia ameaçado, me sentia confortável e bem por ele estar me aceitando.

Lentamente, tirei seus dedos do próprio cabelo, livrando os fios maltratados


do aperto, e arrumei os cachos da maneira que consegui. Após alguns
segundos sentindo o balançar bruto causado pelos soluços, Harry
desenrolou os braços do próprio corpo e os encaixou em mim, virando-se
para apoiar a cabeça contra meu peito e as mãos na altura das minhas
costelas. Tudo foi estilhaçado, minhas barreiras estavam no chão,
empoeiradas. Ele era como uma criança sozinha e abandonada, implorando
por um pouco de... Humanidade. Por um pouco do sentimento que somente
outra pessoa poderia passar. É claro que era por isso que ele estava ali,
abraçando o baixinho estranho da escola como se ele fosse sua última
esperança; somente isso poderia explicar. Mas eu não me importei de fingir
ser, de fato, a última esperança para Harry.

Se ele estivesse encontrando algum apoio em mim, que eu pudesse


sustentá-lo com toda a força que me restava, então.
— Ela era uma esposa-troféu, sabe? Um título horrível. —

Sussurrou contra minha camiseta, seu hálito quente batendo no meu


estômago mesmo através do tecido. Suas mãos continuaram irradiando
calor de onde elas estavam pressionadas firmemente nas minhas costas,
como se nunca fosse me soltar. Eu não tinha certeza se queria que ele o
fizesse. — Apesar de também trabalhar, minha mãe fazia de tudo por ele.
Ela fornecia jantares com fortunas, financiava instituições e ouvia de cabeça
baixa quando ele dizia que ela deveria ficar em casa para ser uma senhora
de respeito legítima. Eu não entendia antes, mas agora acho que entendo
agora. Ele mantinha a amante em um apartamento caro no Soho e precisava
de uma mulher de fachada para cuidar de sua casa quando voltasse pra lá.

Ele é um lixo.

Não parei de passar os dedos pelos seus cabelos por um segundo qualquer
quando ele fez uma pequena pausa. Eu não podia falar nada porque não
queria que ele soubesse que eu também estava chorando, lágrimas grossas e
pesadas escorrendo pelo meu rosto e deixando uma trilha ardida nas
bochechas.

— Desmond não esperou até que ela estivesse enterrada para ir embora. Ele
simplesmente foi... Me disse

"parabéns, Harry, nossa casa agora é somente sua".

Colocou uma quantidade ridiculamente exagerada na minha conta e pegou a


porra do jatinho para ir para Nova

York com a amante. Ou namorada, eu n-não sei. Eu olho para aquele lugar
vazio e não consigo evitar o pensamento de que quem está vazio, na
verdade, sou eu.

— Você não é vazio, Harry. Se as pessoas em volta de você são, isso não
significa que você também seja. Tenho certeza de que sua mãe te amou até
o último segundo.

Ele ignorou a última parte.


— Você não pode me ver por dentro.

Tomei um longo fôlego apesar da respiração se confundindo com chamas


me tomando por dentro.

— Eu posso tentar. — sussurrei com medo de que, se eu falasse um pouco


mais alto, ele se romperia sob meus dedos.

Harry não deve ter escutado porque não disse uma única palavra após isso.
Ou quis me ignorar – era algo esperto de se fazer. Afastou-se,
desconectando cada centímetro do seu corpo do meu. Era como se eu
estivesse vendo-o se isolar, enrolando os braços em volta do próprio torso e
virando o rosto para a janela, onde sua respiração cobriu a superfície do
vidro com um embaçamento quase imperceptível. Retornei ao meu lugar no
banco e abaixei a cabeça, repentinamente envergonhado.

De repente, minha cabeça era inútil demais para raciocinar o que acabara de
acontecer. Tudo parecia pequeno demais para suportar o peso da vida de
Harry Styles, mesmo que fosse um pensamento amargo e egoísta, e
nenhuma palavra parecia exatamente apropriada. Eu me sentia ainda menor,
enrolado no meu próprio silêncio e

agarrando a barra da minha jaqueta tão forte quanto estava agarrado aos
meus pensamentos.

Eu estava me sentindo sufocado pela primeira vez em muito tempo.

— Vou te levar de volta para biblioteca. — Harry disse, retraído e tão


aparentemente frágil. Seus ombros largos não faziam diferença alguma
agora. — Passou da hora...

Desculpa.

— Abri uma exceção. — Eu disse, asssitindo-o ligar o carro habilmente e


enxugar as bochechas com as mangas do moletom, sacudindo a cabeça
levemente como se o gesto fosse balançar as lágrimas e toda a sensação
mórbida para fora. — Você não tem nenhuma razão para me pedir tanta
desculpa. Não fez nada de mau pra mim.
Seu olhar lançado em minha direção meio que disse em silêncio o que eu
fui capaz de traduzir com a habilidade retirada da insegurança que beliscava
todos os centímetros da minha pele: "Mas eu vou."

O trajeto de volta à biblioteca não durou muito, principalmente por causa de


todos os limites de velocidade ignorados por ele. As luzes súbitas dos carros
brilhavam e atravessavam os vidros, cortando o ar, que zumbia alto nos
meus ouvidos a cada vez que Harry acelerava, o ponteiro de velocidade
subindo mais rápido que o fluxo do sangue pulsando nas minhas têmporas.
Os sacos do McDonalds tinham sido postos no banco de trás, mas o

cheiro abandonado para trás, de gordura e carne, fez meu estômago retorcer
de enjoo.

Parar foi um alívio, e pôr os pés no chão, também. Ainda estava um pouco
tonto quando Harry alcançou minha mochila e me entregou, mantendo os
olhos fixos nos meus dedos em volta da alça; talvez porque preferisse
manter a atenção em um objeto inanimado a me encarar e, ver em mim,
milhares de sentimentos e reações contidas em uma só expressão.

Talvez porque, mesmo sem falar, cada pequena ação minha representava
um "sinto muito". Por seu pai ser um covarde inútil, por ele não ter mais
ninguém para desabafar a ponto de me escolher, pela sua mãe... Por ele.

— Você sabe que pode fazer isso mais vezes, não é? —

perguntei somente para ter certeza quando fechei a porta do Audi, apoiando
a mão no vidro erguido minimamente.

— Eu não sou a pessoa ideal e te conheço há, o quê?

Semanas? — Com isso, alguma reação atravessou seu rosto tão rápido
quanto o farol de um carro aleatório na direção contrária. Mas então, foi
embora, e ele voltou a tapar suas expressões. — Não importa. Eu só...
Batatas engorduradas melhoram muitas coisas, mas conversar é ainda mais
eficiente.

— Você fala igual a uma velha amiga da minha mãe —


observou, as sobrancelhas franzidas atenuando o lado do seu rosto clareado
pelos postes na rua.

— Ela deve ser uma mulher muito inteligente, então.

Isso! Isso, sim, arrancou um sorriso pequeno dele. O

segundo da noite e infinitamente mais bonito, mesmo que fosse meio sem
noção classificar os sorrisos de alguém como Harry Styles; todos eles eram
magníficos. Porém, era mais bonito porque eu sabia o que ele tava contendo
dentro de si. Toda a explosão, o impacto. O lado escuro que ainda não tinha
encontrado o claro para poder se opor.

— Quero que isso fique entre nós. — disse com cuidado.

Assenti. — Obrigado, Tomlinson.

Com essas palavras, eu balancei a cabeça e me afastei, vendo o Audi ganhar


velocidade até desaparecer completamente de vista segundos depois. Todo o
peso caiu sobre mim de vez. Esmagado e sufocado, as lágrimas cobriram
meus olhos e fez meus pulmões incharem a procura de ar, de alguma coisa
que me impedisse de desistir.

Chorei no caminho mínimo até o carro e durante todo o trajeto até em casa.
Lottie não se importou quando eu deslizei para debaixo do seu cobertor e
solucei abafado contra o travesseiro até que o sol subisse e a escuridão lá
fora fosse substituída por mais um dia cinza, por mais nuvens pesadas e
densas. Não me importei que os arrepios no meu corpo não tivessem algo a
ver com o frio e sim com as inúmeras perguntas que rondavam minha
cabeça.

Não me importei comigo; esse sentimento estava reservado unicamente a


Harry.

No dia seguinte, eu o vi no intervalo enquanto cutucava a salada com o


garfo de plástico no prato, as rodelas de rabanete afastadas no canto e meus
olhos focados em cada movimento dele.

Julie estava ao seu lado e Candice estava ao lado de Julie.

Harry conversava baixo com a namorada apesar da presença de outra garota


na mesma mesa que a deles, mas além disso, não houve nenhum toque
íntimo ou ao menos sugestivo; nem ao menos seguraram as mãos.

Liam os observava de longe, respondendo vez ou outra aos garotos do time,


que nem pareciam se dar conta do que estava acontecendo. Nenhum deles
devia saber que a mãe do aclamado capitão do time tinha morrido, nenhum
deles se importava.

Me senti enrijecer mais uma vez e fui obrigado a prestar atenção na


conversa de Zayn com um dos garotos da classe de álgebra, mesmo que não
estivesse entendendo sequer uma palavra.

Obviamente, Harry me ignorou. Ele abaixava a cabeça ao passar por mim


mesmo quando os corredores estavam vazios e os únicos ruídos vinham das
vozes abafadas dos professores dentro das salas. Na aula de Literatura,
mantinha os olhos colados demais ao livro para que a única razão fosse o
interesse intensificado na obra. Eu estava sendo evitado, mesmo que não
tivesse feito algum movimento para conversar com ele, e a sensação
enrolada no meu estômago era estranha demais para ser deixada pra trás.

Na próxima vez que nos vimos, tirando os encontros estranhos na escola,


foi duas semanas depois no jardim de trás perfeitamente organizado da
mansão moderna dos Payne. Liam e Zayn estavam no quarto sob a desculpa
de estarem jogando Resident Evil, mas eu sabia que Malik queria dar um
voto a mais de confiança no início do pequeno relacionamento deles e
avançar para os beijos mais... Linguísticos, digamos assim. Por isso, eu
pisquei sutilmente para o meu melhor amigo, roubei um dos saquinhos de
Twizzlers de chocolate esquecidos no chão e escapei do quarto grande e
organizado demais para um garoto de dezoito anos.

Os pais de Liam estavam no Peru, visitando pela centésima vez o Machu


Picchu, por isso a casa estava silenciosa e o ar, vazio.
Atravessei o hall de entrada após descer as escadas e fui direto até o jardim,
abrindo o saquinho rapidamente.

Peguei o primeiro canudinho, prendendo-o entre os dentes, e observei,


embasbacado, as cerejeiras que deixavam suas folhas cor-de-rosa suave
caírem em volta do caule, formando um tapete sobre a grama verde.

Mesmo que já tivesse visto tudo aquilo na primeira vez, agora eu tinha mais
tempo para parar e admirar.

Por um segundo, eu me perguntei se meu pai vivia o mesmo tipo de riqueza


que eu estava somente vendo. Me perguntei se ele se arrependia de ter nos
deixado e se ele ao menos tinha vontade de saber se eu ainda queria estudar
na Columbia em Nova York, ou se eu... Se eu

tinha conseguido superar aquilo ou ainda enfrentava os piores pesadelos na


parte mais profunda da madrugada.

Ri sem humor algum enquanto mastigava o twizzler. Não, claro que não.

Parei de andar de costas e me virei, sabendo que estava perto da mesa de


jantar externa. Aí, interrompi os passos bruscamente porque vi o garoto
sentado à beira da piscina, que estava vazia para limpeza, com os pés
balançando e batendo na parede de azulejos escuros.

Harry fumava lentamente, o cigarro equilibrado firmemente entre seus dois


dedos médios e a cabeça baixa. Seu rosto estava tapado parcialmente por
um chapéu Fedora preto –

era ridículo, algo que Mick Jagger usaria na juventude – e uma parte do seu
peito expunha-se devido à camisa azul suave com os dois primeiros botões
abertos.

Ele provavelmente sentiu minha presença. Virou o rosto e permaneceu me


encarando enquanto levava o maldito cigarro até a boca, dando um trago
que fez suas covinhas aparecerem momentaneamente. Somente quando a
fumaça subiu pelo ar gelado e seu olhar estava novamente direcionado ao
fundo da piscina que sua voz chegou até mim.
— Você sabia que Karen Payne manda limparem a piscina uma vez por
semana? Grande desperdício de água, não acha?

Me aproximei, meus tênis afundando na grama macia e os movimentos um


pouco hesitantes.

— É.

Ele se moveu um pouco para o lado, como se dissesse para eu me sentar ali,
mesmo que a beira da piscina fosse gigante. Olhei em volta, ansioso, mas
tudo o que vi foi uma vastidão verde e árvores. Me sentei, tomando todo o
cuidado para não encostar qualquer parte do corpo nele; não parecia que
Harry queria ser tocado, ao contrário daquela noite. Meus pés alcançavam
bem menos do que os seus e minhas meias de pequenos alienígenas eram
infantis perto das suas botas.

— Liam está com Zayn? — Questionou baixo, virando o rosto ao soltar a


fumaça para que não viesse em mim.

Então, todo mundo sabia que Liam era gay menos os próprios pais.
Imaginei que eles não quisessem ver.

Preferiam se fazer de cegos, talvez.

— É. Estão aproveitando que os pais dele não estão aqui.

— Desvantagens de não ser assumido. — disse, encolhendo os ombros.


Mudou de assunto tão rápido quanto o começou. — Eles vão demorar?

— Depende.

— Do quê? De qual deles vai gozar mais rápido.

Desviei o olhar dos anéis que estavam de volta nos seus dedos longos e me
concentrei na copa de uma árvore perfeitamente podada.

— Eles não estão... Você sabe.


— Sei? — havia um tom provocativo na sua voz. Implorei que o Harry
Styles tímido retornasse o mais rápido possível. — Não sei. Me explica.

— Pede para sua namorada. — Não saiu como um tom ciumento, apenas...
Esgotado e impaciente.

Ele, finalmente, ficou em silêncio. O que foi quebrado com um ruído


mínimo seguido por vários outros. Demorei para realizar que os barulhos
estavam vindo do isqueiro sendo coberto pelas suas mãos enquanto tentava
acender outro cigarro.

Quando o primeiro tinha chegado ao fim?

— Você sempre fumou?

Negou com a cabeça para a minha pergunta, esfregando os olhos


rapidamente com as costas das mãos antes de cruzar os tornozelos.

— Comecei há umas três semanas. Me ajuda a... Sei lá, relaxar. Você tem
um estoque de meias de estampas coloridas e estranhas?

— Eu gosto delas! — Defendi, seguindo-o com o olhar quando se levantou


e limpou os jeans com agilidade. Harry estendeu a mão em minha direção,
erguendo as sobrancelhas para a minha hesitação. — O que você quer?

— Que venha comigo. Me deixa te mostrar uma coisa.

— Que coisa?

— Não vou te levar pra fora da mansão, relaxa.

Ainda hesitante, guardei o saquinho de doces no bolso da jaqueta, aceitei


sua mão e ele me ajudou a levantar, começando a caminhar no mesmo
instante. Nossas mãos ficaram juntas por poucos segundos e depois eu
recolhi a

minha, colocando-a dentro do bolso. Já estava pensando em Harry demais.


Como um fogo começa com uma única faísca, a sensação da sua mão por si
só poderia me deixar ainda pior, então preferi não me torturar daquela
forma.

Harry me levou para longe da casa, esgueirando-se por entre as árvores


altas do jardim mais afastado e olhando vez ou outra para se certificar de
que eu não estava esparramado no chão com o queixo aberto mais uma vez.

A grama ainda era bem cortada, mas parecia que aquela parte em particular
da propriedade havia sido esquecida se levasse em conta os roseirais altos
demais para serem podados periodicamente ou alguns galhos de árvores
perigosamente baixo para uma pessoa como eu, que tinha o desastre como
uma parte do DNA.

— Ai, meu Deus. — Sem pensar muito, agarrei a parte de trás da sua
camisa e – quase – colei ao seu corpo, olhando para os lados e para cima,
onde o cinza do céu só podia ser visto entre os vãos dos galhos mais altos.

Harry, você ouviu isso?! Você tá ouvindo isso?! Isso é–

— O batimento acelerado do seu coração. — Completou sombriamente.


Subitamente, sua voz havia ficado mais rouca, profunda e grave. Então, ele
parou e se virou para mim, olhando-me duramente, as íris verdes
inexpressivas e a fumaça do cigarro nos seus dedos preenchendo o pequeno
espaço entre nós. — Consigo ouvir seu coração.

Eu posso sentir o cheiro do seu sangue repleto de adrenalina e medo. Você


deveria ter medo de mim.

Ali, eu tive a certeza de que tinha mijado nas calças.

— Harry?

— O que eu sou? — Ele perguntou alto, as palavras clicando no lugar e me


lembrando do mesmo instante de...

— Diga em voz alta. O que eu sou, Bella?


Era pra eu dizer "vampiro!" e continuar com a sua brincadeira que me fez
ter o início de uma incontinência urinária, mas ao invés disso, dei um tapa
no seu braço e grunhi de ódio, tapando o rosto com as mãos.

— Não faz mais isso, idiota! Achei que você fosse reencenar Sexta-Feira 13
ou A Morte do Demônio, não sei.

Harry riu alto e colocou o cigarro no canto da boca, puxando-me para ficar
em sua frente. Deu um pequeno toque na base da minha coluna para
sinalizar que eu deveria continuar andando.

— Você é fofo quando está assustado.

Não que eu fosse babaca para achar que garotos não podiam elogiar uns aos
outros sem que tivesse algo a mais em vista, mas... Qual era o significado
de hétero, mesmo?

— E você é assustador quando está sombrio. Não me chama de fofo.

Eu poderia jurar que tinha ouvido um "fofo" sussurrado sob sua respiração,
mas não podia saber ao certo porque a cada passo que dávamos, as folhas
secas estalavam sob nossos pés, somente fazendo para me deixar mais
apreensivo. Nós dois continuamos a andar até que eu parei bruscamente ao
ver o espaço aberto que havia se revelado bem em frente aos meus olhos.

As árvores formavam um círculo aberto e no centro dele, havia uma única


árvore alta e de tronco grosso. No topo dela, uma casa média de madeira
construída tão perfeitamente que parecia ter sido planejada por um arquiteto
escondia-se embaixo de alguns galhos. A escada fixa ao tronco estava
parcialmente coberta por folhas e trepadeiras, os degraus quase sumindo de
vista.

— Acho que, até agora, eu nunca tinha visto uma dessas na vida real. —
confessei, querendo mais que tudo ir até lá, mas temi que fosse soar muito
infantil se dissesse em voz alta. — É do Liam?

— Era nossa quando éramos crianças. — Cruzou os braços em frente ao


peito, arrastando a ponta da bota na grama. — Quer subir? Ou tentar.
Meus olhos devem ter brilhado no mesmo instante, dando uma pista de que
essa era minha vontade, porque ele passou por mim e começou a ir até lá.
Segui-o, acelerando os passos por poucos segundos até recuperar a posição
ao seu lado. O ar era mais gelado onde estávamos, algumas rajadas de vento
nos cortando vez ou outra e os ruídos

minúsculos

tornando

momento

quase

cinematográfico.

Após tirar o chapéu, puxar os cabelos para trás e recolocá-

lo, Harry se prostrou ao pé da escada, apoiando a mão na lateral. Tentei não


deixá-lo perceber que eu estava encarando os arranhões ainda mais recentes
no seu peito.

Eu não era estúpido ou sonso o suficiente para achar que aquilo era
resultado de alguma noite com Julie, porém,

minha barriga retorceu com a possibilidade de os arranhões ter sido...


Intencionais.

— Sobe. — Ele apontou com a cabeça, afastando alguns galhos que


estavam no caminho dos primeiros degraus. —

Fico aqui embaixo.

— Você não vai subir?

— Vou. Depois de você.


Olhei para cima. A entrada estava inteiramente coberta por teias de aranha
velhas e isso me fez pressionar os lábios juntos. Eu não era muito fã de
aranhas – muito entende-se por nem um pouco. Lottie ainda zombava de
mim por causa disso. Eu era meio que Rony Weasley.

Uma risada baixa me tirou dos meus pesadelos envolvendo várias cenas
horripilantes e eu percebi que Harry estava balançando a cabeça
negativamente, divertido.

— Você tem medo de aranhas?

Coloquei a mão no peito, fingindo estar pasmo.

— Eu?! Claro que não. Nunca. Como você pode pensar isso de mim?

Revirou os olhos antes de colocar o pé no primeiro degrau, estender o braço


e tirar as teias dali, deixando a entrada livre. Retornou ao seu lugar,
encostando a cabeça à lateral da escada.

— Pronto, princesa. Sobe.

— Obrigado, Sr. Styles. — Fingi jogar o cabelo por cima dos ombros,
arrancando-o um olhar afetuoso, e subi o primeiro degrau, um pouco
incomodado com a forma que minha calça era justa nas coxas.

Pedir para Charlotte comprar roupa para mim era um erro imperdoável. Na
última vez que eu o fiz, ela apareceu com jeggings; calças tão apertadas e
coladas que mais pareciam ser leggings, iguais àquelas que ela usava. Eu
cobria minha bunda com as camisetas compridas, mas em alguns
momentos, ainda parecia que ela ficava maior do que já era naquela calça.
Como, por exemplo, enquanto eu subia a escada.

Cheguei ao topo após escorregar o pé uma vez e quase me desequilibrar,


embora eu soubesse que se desse a entender que iria cair, Harry me
sustentaria. Arrastei-me para o chão de madeira e escolhi ficar sentado de
pernas encolhidas e cruzadas e olhando em volta.
Dois garotos ricos em uma casa da árvore só poderia resultar em uma coisa:
Louis Tomlinson humilhado. Um frigobar antigo estava encaixado no canto
entre duas paredes de madeira e, na porta, havia um sistema de senha para
abri-lo. Pequenas gavetas identificavam-se com etiquetas escritas "doces",
"bolinhos", "salgadinhos" e outras coisas que fez minha barriga roncar de
fome.

Colados em uma das paredes de madeira, estavam os desenhos deles. Os


que estavam assinados com "Hazza xx" eram relativamente estranhos. As
pessoas eram corde-rosa (sempre rosa, então) e sempre fora de proporção,
com as pernas longas e os pés idênticos a pranchas de

surf. Ri abafado contra minha mão. Já os que estavam assinados com


"Payno Pay" estavam mais relacionados a futebol do que qualquer outra
coisa. Sempre foi o sonho de Liam entrar para um time de futebol.
Perguntei-me se Harry sentia o mesmo.

— Não me lembrava de que essas escadas eram tão pequenas para os meus
pés. — Harry surgiu na entrada e me fez desviar o olhar para ele, que
começou a ficar de pé. — E eu–

Um baque foi ouvido e só então eu percebi que ele tinha batido a cabeça no
teto com força. Tentei não rir, mas foi impossível quando seu chapéu caiu
no chão e sua mão foi direto para o topo dos cabelos, sua expressão
contorcida em dor ao se sentar em minha frente.

— Para de rir! — ele exclamou, ainda que também estivesse sorrindo. —


Acho que sou muito velho para vir aqui. Algumas coisas simplesmente
foram feitas para crianças, como por exemplo o playground do McDonalds.

Isso é injusto.

— Nós somos jovens para sempre, Harry. — Tomando um longo fôlego


para cessar as gargalhadas, eu indiquei com os dedos, chamando-o para
perto. — Quer que eu dê uma olhada?

Fez um bico, ponderando como um bebê pensando se aceita o urso ou o


sapo de pelúcia, e se aproximou.
Abaixou a cabeça e colocou as mãos no chão ao lado das minhas coxas,
nossas pernas cruzadas frente à frente.

Eu iria tocar nos cabelos de Harry Styles pela segunda vez. A vida era boa.

Afastei alguns cachos do caminho e dedilhei lentamente seu couro


cabeludo, esfregando em pequenos círculos para ver se encontrava algum
indício de calombo ou até mesmo uma pequena ferida. Não tinha nada
exceto por uma vermelhidão fraca. Por via das dúvidas, continuei a passar
os dedos pelos seus cachos. Isso, até que ouvi um som baixo e meigo
demais para ser ignorado. Cessei o movimento da mão.

Silêncio.

— Você ronronou? — Perguntei após alguns segundos.

— Não! — Harry levantou a cabeça no mesmo instante e ergueu as mãos,


negando solenemente. — Não seja idiota. Eu não ronronei.

— Ronronou, sim! — Acusei, rindo, ficando deliciado com o seu revirar de


olhos. — Não fica bravo. Todos nós temos nossos pontos fracos.

Bufou e desviou o olhar ao pegar o chapéu.

— Você descobriu o meu cedo demais, então.

— Peço desculpas, kitten.

Virou o rosto para suspirar como se estivesse irritado, mas eu vi pelas


covinhas nas suas bochechas que estava sorrindo por causa do apelido.

Voltei a observar os desenhos, enfiando as mãos geladas no bolso do


moletom e colocando o lábio inferior entre os dentes. Um dos assinados por
Harry em particular me

chamou a atenção e inclinei a cabeça para ver de outro ângulo e entender se


aquilo era uma...
— Câmera? — Verbalizei meus pensamentos. — Você gostava de tirar
fotos?

Suas bochechas e pescoço ficaram cobertos por um tom claro de vermelho


que achei extremamente adorável para não ser registrado como uma
memória permanente. Como uma foto.

— Eu meio que... Sempre gostei? — Mais perguntou do que respondeu,


brincando com o anel em seu dedo indicador. — Ganhei uma câmera
profissional da minha mãe como presente de aniversário no ano passado,
mas meu pai nunca me deixou usar. Ele escondeu e disse que garotos não
tiram fotos e que eu precisava me concentrar nos jogos do time.

— Isso não é justo! — Acabei elevando a voz sem realmente querer,


fazendo seus olhos arregalarem de forma suave, as íris verdes voltadas em
minha direção repletas de curiosidade. — As pessoas ainda julgam o que
alguém pode fazer ou não se baseando pelo gênero? Que tipo de ameba elas
têm no lugar do cérebro?

Harry se inclinou à frente mais uma vez, deixando nossos rostos no mesmo
nível a poucos centímetros de distância.

Sua boca estava molhada por causa da sua língua contornando o lábio
inferior todo instante e foi uma ação de reflexo também passar a língua pelo
meu.

— Se eu soubesse onde a câmera está, eu iria fotografar seus olhos. —


Alguns centímetros mais perto. Sua

respiração

me

alcançou

e,

em
compensação, a

minha falhou. — Eles são incríveis. Não é um azul simples, é o mesmo azul
das baías em Bali. Do céu em Veneza quando o tempo está quente. É algo
único.

Eu deveria me sentir mal por estarmos tão próximos, já que Julie e ele eram
algo e o relacionamento deles significava bastante por causa do longo
período juntos, mas... Não consegui me importar. Era errado, era muito
errado, mas me forcei a não me importar. Não ali e não quando eu estava
me sentindo especial desde muito tempo.

— Elogios de garotos ricos que conhecem o mundo são tão... Elegantes. —


eu disse, tentando aliviar a tensão.

Uma linha pequena surgiu entre suas sobrancelhas, mas logo foi substituída
por um sorriso tenso. Endireitou a postura, recolocando a mesma distância
entre nós de antes.

— Suponho que a experiência com o mundo lá fora não valha de nada


quando você não pode explorar o seu em particular.

— Suponho que você esteja certo, caro amigo.

Sibilou "amigo" junto comigo e o brilho dos seus olhos apareceu.

— Suponho que eu esteja. — Olhou para fora da janela. —

Com oito anos, Liam e eu costumávamos vir aqui para brincar nos dias em
que minha mãe e Karen ofereciam almoços para a alta sociedade de
Londres. Era ridículo. —

Estreitou os olhos como se estivesse se lembrando da

cena. — Todos aqueles vestidos e joias e botox. Eu me sentia dentro da


versão barata daquela cena de Alice no País das Maravilhas. Deus, eu daria
um rim para que um coelho de paletó aparecesse e me levasse para um
buraco só para não ter mais que ouvir a palavra "sofisticado".
Agora, eu diria foda-se para o Chapeleiro Maluco se pudesse ter minha mãe
de volta.

— Bem... Quando eu tinha oito anos, ainda comia areia do playground


perto de casa. — ofereci, sorrindo da forma mais adorável possível para
distrai-lo.

Ele riu baixo, um som bonito e "sofisticado". Hah.

— Era um show de horrores. — concluiu, franzindo o nariz.

— E você? Tiraria foto do quê?

Pisquei atordoado pelo retorno ao assunto anterior. Porém, bastou um pouco


de coragem para que eu também me inclinasse à frente, da mesma forma
que ele havia feito antes, e aproximar nossos rostos.

— Do seu rosto inteiro. — murmurei, mantendo minhas mãos dentro do


bolso. Eu não confiava nos meus impulsos movidos a instintos idiotas. —
Eu também gosto dos seus olhos, aliás. De alguma forma, me lembra de
casa. Traz paz.

Trazia paz o suficiente para eu não ter que ficar me lembrando a cada
segundo que aquilo ali era improvável.

Eu suspeitava de que precisava esquecer o Harry Styles, Capitão e


Quarterback, e me concentrar somente no Harry. O mesmo Harry que sabia
perfeitamente o trecho de Crepúsculo e não aquele que passava a impressão
de

ser mais um em meio aos idiotas vestindo as jerseys como uma armadura.

— Paz? — perguntou suavemente. — Por que te lembraria de algo


impossível?

— Porque eu pensava ser impossível que dois olhos pudessem filtrar as


coisas ruins da minha infância e deixar somente as boas... Bem, não é.
— Igualmente. — disse baixo e se aproximou mais um pouquinho. Algo
mínimo que deixou nossas bocas mais perto.

Ele ergueu a mão. Hesitou por alguns instantes antes de posicioná-la na


lateral do meu rosto, os dedos logo abaixo do lóbulo da minha orelha e o
polegar roçando no machucado estampado no meu queixo, cicatrizado
quase por completo. Seu toque era macio e leve e fez minhas pálpebras
pesarem, embora tenha o assistido umedecer os lábios com a ponta da
língua mais uma vez. Inclinei-me contra seus dedos, respirando pelo nariz e
sendo atingido pelo cheiro fresco de grama que o vento trazia para dentro
da casa da árvore.

Harry se aproximou mais e eu tirei as mãos do bolso, encostando-as


levemente nos seus joelhos descobertos devido aos rasgos dos jeans. Não
senti medo e nem me lembrei de tudo aquilo... Somente deixei.

Eu o vi fechar os olhos e também o fiz. Faltava pouco, muito pouco. Eu


podia sentir seu fôlego, seu perfume me inebriando e a vontade de mais
consumindo minhas células e agitando-as.

A película superficial e tão frágil quanto seus lábios nos envolvendo foi
rompida bruscamente.

— Louis?! Harry?!

Os gritos à distância emitidos na voz de Liam deveriam ter me feito


despertar e realizar que querer beijar Harry era um erro dos grandes, mas
como pensar isso se ele estava tão próximo a ponto de nossos narizes
estarem se encostando? Tão próximo se não fez esforço algum para deixar
um beijo demorado no canto da minha boca, parecendo querer me beijar de
verdade?

Tão próximo que eu ainda fiquei parado no lugar por bons segundos após
ele sussurrar um palavrão e descer pela escada, deixando-me sozinho com
um coração acelerado, mãos suadas e o raciocínio jogado pelo chão.
Chapter Seven
Foi preciso alguns minutos para que eu pudesse me recompor, obrigando
minhas mãos a pararem de tremer.

Eu ainda estava sentindo sua boca no canto da minha e a sensação


formigante que ela havia deixado para trás.

Não tinha ideia do que havia acontecido ali, mas eu soube que as coisas não
seriam as mesmas. Agora, eu sabia como a sua pele cheirava de perto, como
as suas pálpebras abaixavam lentamente e como a sua boca ficava de uma
cor única quando amaciada muito tempo por sua língua. Agora, eu sabia
que Harry quis me beijar por uma fração de segundos, talvez movido por
um ímpeto irracional. Eu não poderia dizer ao certo porque minha mente
estava enevoada, preenchida em todos os cantos por ele e mais nada. Havia
uma ponta de culpa tornando essa sensação amarga nas bordas, mas de
resto, era tão doce quanto o gosto dos Twizzlers ainda recente na minha
língua.

Minhas pernas ainda estavam moles quando eu consegui descer as escadas e


me firmar no chão. Porém, a imagem

dele parado, encostado a uma árvore com outro cigarro entre os dedos não
fez nada para ajudar. Pelo contrário, somente piorou.

— Pensei que você já tivesse ido. — comentei como se não tivéssemos


quase nos beijado não fosse Liam gritando à distância.

— Não deixaria você voltar sozinho nessa floresta cheia de vampiros.

Abaixei o rosto para rir enquanto retornávamos pelo mesmo caminho que
tínhamos vindo. Lado a lado, cercados pelo cheiro de tabaco e tão rígidos
quanto a pele de Edward Cullen.

— Que bom que o maior deles está comigo, então. Sem risco de ter meu
coração arrancado e dilacerado.
Harry sorriu de lado ao me olhar, uma única covinha aparecendo.

— Quem disse?

Eu não queria ter a impressão de que mijaria nas calças de novo, então
preferi não responder. No meio do caminho, seu cigarro acabou e ele jogou
a bituca dentro do maço, esfregando as mãos nos jeans. Parecia uma mania
que só aparecia após terminar de fumar. Suspeitei que fosse por causa do
cheiro ruim na ponta dos seus dedos.

— Você não quer que ninguém saiba que eu te conheço?

— Mantive os olhos à frente, nas árvores e até mesmo nos meus pés. Em
tudo menos nele. — Está tudo bem. Eu sei

que seria ruim se as pessoas soubessem que você já conversou comigo. Que
conversa comigo.

O "e que seu toque é suave quando se trata de mim" estava nas entrelinhas,
coberto pela sombra das árvores escondendo a expressão óbvia nos meus
traços.

— Do que você está falando? — sua mão repousou sobre meu ombro,
obrigando-me a parar e virar para ele. Com muita coragem, encarei-o de
frente, tentando não me sentir intimidado pela forma que precisava erguer a
cabeça minimamente. — Eu não tenho vergonha. Por que teria?

Você é a fantasia secreta do time inteiro e é uma pessoa extraordinária.

Inteiro? Incluindo o capitão? Opa.

Eu precisava manter a compostura como se não estivesse dissolvendo por


dentro, portanto revirei os olhos e cruzei os braços.

— Harry–

— Sem essa de "Harry". É sério... Você nunca percebeu que eles te encaram
ou que falam sobre você? Nunca?
— É impossível. E eu não estou pescando elogio, é só que as coisas são
como são.

— Louis. — Seu tom urgente guardava algo que eu tentei decifrar através
do verde opaco nos seus olhos. Senti vontade de vê-los vivos, brilhantes,
não mórbidos. — Eu quis– quero te beijar. Você tem aquilo que passa a
impressão de ser inalcançável, bom demais para qualquer pessoa, e eu só...
Acho que você nem percebe que faz

isso. Eu não deveria perceber que você faz isso e nem deveria gostar tanto.

— Você namora. — apontei baixo, ainda tentando digerir aquela


informação que estava queimando na minha garganta.

Com isso, Styles desenrolou os dedos do meu pulso – eu nem havia


percebido que estavam ali – e pareceu pensar sobre algo, suas sobrancelhas
arqueadas suavemente.

— De qualquer forma, eu não posso. Não é justo com você.

Começou a andar em minha frente. Com essa frase incompleta e carente de


algum sentido maior, a conversa estava acabada.

— Espera aí! — Lottie grunhiu esganiçada e agarrou a gravata vermelha do


meu uniforme, puxando meu rosto para perto do seu enquanto erguia o
graveto seco que estava segurando. — Vocês quase se beijaram?!

Esfreguei a nuca e foquei o olhar em Zayn, que estava extremamente


corado enquanto conversava com Liam, as mãos juntas e os dedos,
entrelaçados. Os dois estavam um pouco distantes, perdidos no próprio
assunto.

— Não foi bem assim. Talvez Harry quisesse... Sei lá, contar meus cílios.
Ou as pintinhas nas minhas bochechas. Quem sabe?

— Yeah, enfiar a língua na sua garganta, fazer uma endoscopia com a


língua! Puta merda! Eu não acredito.
Ele é gay?! Bi?!

— Isso não me diz respeito, Lottie.

Malik surgiu ao lado dela com os olhos fixos nos sapatos e os dedos
brincando compulsivamente com a barra do paletó, piscando de forma
lenta. Não interferiu na conversa e Charlotte o cutucou com o graveto como
se ele fosse um inseto grudado na janela do carro.

— Tá vivo, garoto?

— Tô.

— Tá. — Ela se levantou do banco onde estávamos sentados, inclinando-se


somente para sussurrar: — Vai que é sua, Brioco de Ouro.

— Você se esqueceu de Julie? Não era você que dizia que eles eram fofos,
blah, blah, blah?

Minha irmã riu, genuinamente gargalhou, e alguns alunos nos olharam,


curiosos e querendo saber da onde estava vindo o som estranho.

— Você não ouve os boatos que circulam no corredor mesmo, né? —


Limpou a área abaixo dos olhos, que estava manchada de lágrimas escuras.

— Não.

— Então, se fode aí e descobre.

Afastou-se da mesa e passou a mochila por cima dos ombros, saindo do


refeitório. Malik ainda estava de pé, e

demorou algum tempo pra eu perceber que seu peito subia e descia
rapidamente.

Porém, antes que eu pudesse questionar o que estava acontecendo, ele disse:

— O que é rimming?
Meu pulmão quase saiu voando da minha boca quando comecei a tossir, o
peito comprimindo e o ar desvanecendo. Apoiei as mãos na borda da mesa
e, em questão de um segundo, Zayn colocou-se ao meu lado e pegou minha
garrafinha de água deixada de lado. Me forçou a tomar longos goles,
esfregando o espaço entre meus ombros com a palma da mão sobre a
camisa.

— É tão ruim assim? — Perguntou, envergonhado e tão inocente que eu


senti vontade de pedir a Deus para que desse a Zayn um estoque infinito de
oxigênio para eu poder colocá-lo dentro de um potinho. Assim, ninguém o
corromperia e ele permaneceria um bolinho de amor para sempre.

— A julgar pelo gozo de Levi Karter, não.

Suas sobrancelhas se ergueram por trás da armação dos óculos devido à


palavra "gozo", o corpo cedendo ao peso e desabando em minha frente no
banco.

— Quem é Levi Karter?

— Hum. Um filósofo contemporâneo. — Os gemidos dele poderiam ser


realmente comparados às filosofias essenciais para a sobrevivência humana.
— Onde você leu isso de... Rimming?

Assisti seu olhar flutuar de mim para Liam como se fosse algo impensado,
uma ação impulsionada pelas suas próprias células detectando a presença de
Payne ou o calor de uma lembrança. Era incrível vê-lo gostando de alguém
cada vez mais.

— Ontem, enquanto você sumia floresta adentro com Harry – que brotou –,
Liam e eu meio que... Meio que descobrimos que eu posso... P-posso... —
Cobriu o rosto com as mãos, soltando um som frustrado adorável. —

terumorgasmocomumbeijo. Embora a coxa dele entre minhas pernas


tenha... Tenha ajudado um pouco.

Pisquei, atônito, para o vermelho no seu pescoço aprofundando. Suas unhas


estavam fincadas no próprio braço e eu tive de tirá-las dali para ele não se
machucar.

— Okay. Você gozou enquanto o beijava e recebia umas esfregadinhas.


Certo. — Sacudi a cabeça para afastar as imagens que insistiam em
aparecer no fundo da minha mente. — E onde entra o rimming nisso?

Ele me olhou como se eu fosse sua última esperança.

— Liam perguntou se pode fazer em mim da próxima vez.

Só que eu não sei o que é e... É bom? Digo, eu ainda sou virgem,

não

quero

perder agora.

Ele disse para eu procurar e–

Vai lá, Tomlinson. Faça isso pelo seu amigo, seja o Buda do Sexo, o Guru
sexólogo, não tenha vergonha. Um, dois e...

— Ele quer lamber sua bunda. — Despejei a informação de súbito sobre


ele.

Zayn empalideceu.

— Lamber minha... Ai, meu Deus! O que é isso? Não, não, não... Eu não
posso, eu não sei, ele– Ai, droga, droga. Não é nojento? Deveria ser, não
deveria? Louis!

— Não acho que seja nojento. — Encolhi os ombros ao afastar uma parte
de seus cabelos que havia caído sobre a têmpora esquerda. — Se você gosta
dele e sente atração por ele e o sentimento é mútuo e a relação e o gosto são
consensuais, por que não? Só se você se sentir à vontade.
Está aí algo que as pessoas deveriam saber. A palavra consensual atiçou

amargo

das

minhas

lembranças. Era algo difícil de falar.

— Você precisa ir ao treino comigo hoje!

— Obrigado por mudar de assunto, gênio. — Olhei o horário no caderno só


para ter certeza de que teria aula de Economia e guardei dentro da mochila,
também me levantando. — Você tem aula do que agora?

— Francês. — Apressou-se para andar ao meu lado, deixando beijos pela


minha bochecha. — Por favor? Eles vão treinar pro próximo jogo e eu não
quero ir sozinho. Por favor, por favor, por favor.

— Tá bom, candidato à rimming, mas compra tacos de carne assada pra


mim.

Fui em direção à minha sala, mas não sem antes levar um tapa forte no
ombro.

O campo de futebol era cercado por uma densa floresta de árvores altas e
amplas. O cheiro era de natureza, de grama molhada, e o ar puro
compensou o fato de o lugar estar parcialmente vazio exceto pelos
jogadores, o treinador

algumas
cheerleaders

treinando.

Em

comparação com os dias dos jogos, aquilo ali estava parecendo Chernobyl.

Eu podia escutar meus pés afundando no gramado úmido pela chuva rala
enquanto andava ao lado de Zayn segurando uma sacola do Taco Bell, mas
Malik nem parecia se dar conta de que seu All Star branco agora estava
marrom e salpicado de barro. Limpei o molho do canto dos lábios mais uma
vez, contraindo a certeza de que não adiantava mais fazê-lo, e dei outra
mordida no taco, quase gemendo com o gosto enquanto rondávamos a
arquibancada, chegando à base dela.

— Para de gemer. Tá estranho. — Zayn começou a me guiar em direção à


terceira fileira dos bancos vermelhos, mas eu neguei com a cabeça, incapaz
de falar alguma coisa com a quantidade de carne assada dentro da minha
boca. — O que foi? — Apontei para a lata de lixo com a cabeça. — Você
quer entrar no lixo? Voltar ao seu habitat natural?

Era uma tarefa difícil, mas eu fiz questão de passar todas as coisas que
estava segurando para uma única mão somente para mostrar o dedo do meio
para Malik, que riu alto. Liam, que estava no centro do campo segurando o
capacete embaixo do braço, limpou o suor da testa com o antebraço e olhou
para Malik. Os dois partilharam um

sorriso e eu pisquei, enjoado pela taxa de glicose alta do momento, antes de


ir até o fundo da arquibancada para descartar os guardanapos.

Puxei as mangas do moletom para cima e dei a última mordida monstro no


taco, que fez escorrer um pouco de molho na palma da minha mão.
Enquanto mastigava, limpei os rastros de queijo com os inúmeros
guardanapos que Zayn havia pegado, já me conhecendo bem, e tirei a franja
dos olhos.
Joguei os saquinhos dentro do lixo e comecei a abrir o pacote de maçãs
cortadas em cubos que Trisha sempre fazia Zayn comer, mas acabei
ouvindo o que não deveria.

Ouvi sussurros e Harry e Julie conversando embaixo da arquibancada,


escondidos sob as faixas de sombras. Ela estava vestida com o uniforme de
cheerleader e os cabelos estavam amarrados em um rabo de cavalo firme no
topo da cabeça; Harry, com a jersey e o rosto suado, parecendo parte de
qualquer outro clipe da Taylor Swift.

Não estavam falando alto, mas percebi que ela estava chorando e percebi
que se esforçava para não gritar enquanto dizia que não era justo. "Não é
justo e você é um egoísta do caralho, Styles!". Ele não disse nada, mas
também não a encarou.

Meu sangue gelou no meio do caminho com a possibilidade de ser algo


relacionado com o nosso quase beijo na casa da árvore. Imaginei que ele
tivesse contado a ela, arrependido, e agora ela estava brava ou...

Traída? Merda. Olhei para onde as garotas estavam treinando alguns


movimentos e calculei a quantidade de

pessoas para ter uma noção básica do quanto teria que correr caso
resolvessem defender a amiga e vir para cima de mim.

Garotas se defendem, Lottie dizia, é assim que deve ser.

Ao terminar de jogar o lixo, parei de ser o garoto estranho que escuta a


conversa dos outros e voltei à arquibancada, ainda temendo pelas minhas
bolas. Zayn estava encolhido dentro do moletom com os olhos atentos
focados em Payne, inclinando-se à frente, ansioso, a cada vez que ele caía
ou grunhia de dor devido às ombreiras de outros jogadores atingindo seu
estômago em alguma jogada.

Não foi antes de vinte minutos que Harry surgiu, correndo até o centro do
campo de capacete já encaixado na cabeça e as mãos cerradas ao lado do
quadril. Julie só saiu da área embaixo da arquibancada segundos depois.
Embora sua cabeça estivesse baixa e algumas mechas de cabelo ruivo
estivessem caindo sobre suas têmporas, pude ver que ainda estava chorando
enquanto retornava para as outras cheerleaders. Foi inevitável me sentir
mal.

Vi quando Styles se encontrou com Chace Crawford no meio do campo e os


dois colidiram os ombros, o que quase fez Chace tropeçar para trás com os
tornozelos posicionados de forma errada. Em um segundo, Crawford foi
para cima dele, erguendo as duas mãos e reunindo toda a força do corpo
para empurrá-lo, mas Liam e um garoto cuja camisa carregava o nome
BEALES separaram a discussão antes mesmo que começasse de vez.

— Essa porra não vai parar?! — Ouvi Payne gritar, mantendo uma mão
espalmada contra o peito de Harry e a

outra, no de Chace. — Sempre é a mesma merda. Harry, você é o capitão do


time! Não dê ouvidos às provocações de Chace. Anda, vai pra posição.
Você também, Crawford.

Suspeitei que Liam seria um bom capitão do time caso houvesse uma nova
votação. Harry nem ao menos queria estar ali, baseado nos seus
movimentos restritos ao colocar o capacete e as luvas e nos ombros rígidos
mesmo com as ombreiras tornando-os mais altos e construídos. Ele era
forte, e eu não estava falando dos seus bíceps marcados embaixo das
mangas esticadas ou do seu peito estendido contra o tecido. Eu estava
falando do fato de ele estar ali, jogando e indo para cima quando eu sabia,
de alguma forma, que seu interior estava atormentado.

O treino não durou muito. O treinador soou o apito quando as cheerleaders


estavam entrando em posição, os pompons balançando e os cabelos
cortando o vento; Julie não estava em nenhum lugar para ser vista.

— Tomlinson?!

Obriguei-me a saber de onde vinha a voz gritando meu nome ao invés de


procurar A Namorada. Chace Crawford sorria como um vencedor, parado
perto da barreira que separava a arquibancada do campo com os cabelos
parcialmente grudados na testa e as sobrancelhas erguidas.
O aceno que eu dei pareceu estranho demais até pra mim.

— O que você está fazendo aqui? — ele perguntou, seu sorriso não
vacilando por um único segundo. Senti um pouco de inveja.

Sua pergunta foi respondida quando Liam pulou o muro, subiu pela
arquibancada e nos alcançou, parando em frente a Zayn para deixar um
beijo na testa dele, que não se importou com o barro impregnado na camisa
do Monstro-De-Músculos.

— Ah, estou vendo. — o sorriso ainda estava grudado nos seus

lábios.

— Você pode descer aqui para

conversarmos? Rapidinho.

— Crawford, eu–

— Eu sei o que você me disse aquele dia, sobre não misturar as coisas, mas
eu só quero conversar. Pode ser?

Apesar de ele ter sido o único a me falar que eu deveria me afastar de


Harry, Liam percorreu o olhar por mim e por... Styles; ele estava parado no
meio do caminho até o vestiário, os cachinhos puxados para trás e o rosto
angulado em nossa direção. Sua expressão era ilegível, mas os punhos
fechados não.

Com uma respiração forçada, me levantei. Desci as arquibancadas e subi no


muro, calculando como eu poderia descer aquilo ali sem me esparramar no
chão e acabar abrindo o queixo de novo. Quando Chace se aproximou para
me tocar, insinuando o movimento para fechar as mãos na minha cintura, eu
me afastei e me encolhi, negando com a cabeça.

— Não... Não, ok? Desculpa. — segurei a beirada do muro até que minha
mão começasse a doer. — Eu consigo descer.

Só não encoste em mim.


A questão era que eu não gostava que estranhos me tocassem. Como um
vírus é afastado pelos anticorpos do organismo, meu corpo recusava a mão,
o toque de qualquer pessoa que não soubesse detalhes de mim o suficiente
para saber que eu odiava o olhar de "you're a freak" estampando as
expressões após eu me encolher com os dedos de uma pessoa aleatória em
volta do meu pulso. Não tinha problemas com lugares lotados, com
multidões ou gritos; o que me assustava era a possibilidade de eu confundir
uma carícia inocente com a nojenta daquele... Cara. Não podia correr o
risco.

Ainda sim, Harry me abraçou. E eu não o recusei.

Chace piscou, atônito, mas assentiu. Exigindo muito esforço, consegui fazer
com que meus pés tocassem a grama do campo. Parei em frente a ele e
entrelacei as mãos atrás das costas, sinalizando com um movimento de
cabeça para que Crawford pudesse prosseguir.

— Então... — Ele lambeu uma gota de suor no lábio superior e parecia


meio perdido sobre onde deixar as mãos. — Nosso time sempre faz uma
festa antes dos jogos. É algo pequeno, geralmente na casa do jogador em
que os pais não estão. — ri baixo e ele me acompanhou.

— Você quer ir amanhã? Antes que você possa falar algo, essa semana vai
ser na casa do Liam. O Zack, seu amigo, estará lá e terá pizza. Que tal?

— Zayn. — corrigi, consertando a franja após uma rajada de vento jogá-la


nos meus olhos. — Se Zayn irá, então eu também serei obrigado a ir porque
ele é extremamente vergonhoso e insociável a ponto de se esconder no
armário de casacos e não sair de lá até a festa terminar.

— Eu também era assim, então não o julgo. — Alguém chamou seu nome a
distância, apontando de forma irritada para os vestiários em gestos
exagerados. — Acho que preciso ir, devo estar fedendo. Nos vemos
amanhã, Tomlinson?

— Nos vemos, Crawford.


Chace estendeu a mão e nós nos cumprimentamos como dois idiotas em
ternos baratos antes dele correr até o jogador em passadas longas e firmes,
até mesmo leves se considerado o peso do seu corpo e a altura. Quando já
estava longe, me sentei na grama encostado à divisória e respirei fundo o ar
gelado, inspirando pelo nariz, também.

O que poderia acontecer em uma festa inocente? Estava tudo ótimo.

Zayn pegou o Escalade do pai novamente e eu o provoquei por longos


minutos, cantarolando que ele estava deixando os princípios ativistas para
trás em função da ansiedade de ver Liam mais rápido.

Ele tirou uma mão do volante, uma irregularidade abominável em qualquer


outra situação, somente para bater na minha cabeça e me empurrar contra a
porta. Mas assim que passamos pelo hall de entrada da mansão de

Liam e o garoto veio ao nosso encontro, eu tive certeza de que os olhos de


Zayn serviriam de lâmpadas caso faltasse luz.

— Suponho que vocês não tomem cerveja? — Perguntou após beijar


discretamente Zayn. Sem esperar a resposta, começou a nos guiar até a
cozinha. Segui-os como um cachorrinho, escutando Shot At The Night do
The Killers e gostando do clima e das conversas moderadas que eram
ouvidas no outro cômodo. Chegamos à cozinha e Payne abriu a geladeira,
nos deixando à disposição de uma variedade de sucos, refrigerantes e até
mesmo vitaminas.

— O que querem?

— Liam, será que você me consegue outra Stella, cara?

Eu já tô–

Nós olhamos para Julie parada na entrada da cozinha.

Sua blusa estava enrolada até a cintura e o batom, um pouco borrado no


canto. Ela estava linda, mas não parecia tão contente em me ver. Já eu,
soltava fogos de artifício porque, se ela estava ali, Harry também deveria
estar.

Cheerleaders geralmente não eram convidadas para festa do time assim


como o time não era convidado para as festas delas. E nerds também não,
mas parecia existir uma exceção quando se tratava de namorada ou
namorado.

— Olá, vocês. — disse, alcançando a geladeira. Voltou com duas garrafas


de cerveja em uma mão e uma tigela pequena do que parecia ser guacamole
na outra. — Já estamos escolhendo o sabor da pizza, então se apressem,
garotos.

Zayn pensou por uns segundos antes de exclamar

"vitamina!", enchendo a cozinha com sua voz suave, assim como a


aparência no dia. Ele tinha trocado os óculos por lentes, como eu sempre
fazia, e os moletons gigantes por uma camiseta do The Stone Roses, que era
minha; a mancha de suco de uva na barra permanecia incrustada ali não
importava a quantidade de vezes que eu esfregasse.

O All Star ainda continuava nos seus pés, mas ele estava parecendo um
Deus. Como sempre.

Malik ganhou um copo com canudo, que seria extremamente infantil não
fosse os olhos quase famintos de Liam nos lábios dele em volta do plástico,
e eu peguei uma lata de refrigerante. Atravessamos o corredor e paramos à
entrada da sala. Todos se viraram para nós.

Alguns voltaram a atenção à televisão gigante embutida na parede em que


estava passando algum filme idiota com Adam Sandler. Outros, voltaram a
conversar, bebendo dos seus copos vez ou outra.

Eu era invisível novamente. Estava me sentindo em casa.

Não era literalmente uma festa. A música que estava tocando havia sido
substituída pelo volume do filme e as únicas bebidas alcoólicas eram fracas
demais para deixar alguém bêbado o suficiente para tirar a roupa e pular no
lago artificial localizado na entrada da mansão. Harry também estava lá.
Sentado em uma poltrona integrante da decoração em tons de vermelho e
poucos detalhes em creme, com Julie no colo e a cabeça dela repousada no
seu ombro. Suas mãos, apesar disso, não estavam em nenhuma parte dela.

Sentei-me no sofá, ao lado de Zayn, e deixei o olhar recair sobre minha


latinha de Pepsi, que estava tentando abrir.

— Você veio mesmo!

De um segundo para o outro, Chace estava sentado ao meu lado com uma
long neck Stella Artois entre os dedos e vestido com uma camisa engomada
e perfeitamente abotoada. Ele cheirava bem, algo como loção de barba e
hidratante.

Sorri. — Eu disse que viria, não disse? Embora o Netflix e bolinhos de


baunilha estivessem extremamente atrativos.

Ele riu e tomou cuidado para não me tocar da forma errada ao levar a
garrafa até a boca, tomando um longo gole.

— Você está bonito, Tomlinson. Gostei do cabelo.

Senti minhas bochechas esquentarem sob sua atenção.

Eu não estava acostumado com elogios, nunca estive. Não era como se eu
conseguisse acreditar neles... Pareciam falsos e ditos com uma intenção
superficial.

— Obrigado. Minha irmã que me obrigou a secar a franja com secador.

— Mandarei um bilhete de agradecimento a ela.

Uma voz irrompeu no cômodo antes que eu pudesse responder.

— Voltei, seus patéticos. Cadê a minha–

A voz de Candice, a amiga de Julie, morreu no silêncio que se instalou


assim que seus olhos pararam em mim.
Fez um gesto breve para Liam após se recompor e foi

direto para a cozinha. Payne pediu licença e a acompanhou.

Huh. Mais uma pessoa que não gostava de mim.

Chace permaneceu conversando comigo por longos minutos. Eu assisti seu


braço fazer, lentamente, um pequeno caminho até estar atravessado sobre o
sofá atrás das minhas costas, como qualquer adolescente no cinema com a
garota ou o garoto que gosta, mas não disse nada.

Nós dividimos um prato de nachos e guacamole e conversamos sobre os


Beatles e The Temper Trap; embora ele não gostasse da segunda banda e eu
não curtisse a primeira.

Pelo canto dos olhos, vi o segundo em que Julie colocou um nacho puro na
boca de Harry e riu baixo quando ele a olhou com uma careta, os lábios
pressionados. Os dois se abraçaram, deixando espaço para ela sussurrar
algo no seu ouvido.

— Então, — Crawford continuou, entregando um guardanapo a mim.


Limpei o canto da boca, agradecendo-o. — meu tio disse que eu deveria
gostar de Black Sabbath porque era banda de homem. Eu fiz um mês de
balé para mostrar a ele que não existe esse tipo de coisa.

Ele me odeia até hoje.

— Você está certo! — demos um high five que quase o fez desequilibrar a
cerveja. — Tento colocar isso na cabeça das pessoas, mas é complicado.
Aliás, balé é algo lindo.

Eu faria, mas não tenho um tornozelo forte.

— Posso ver seu pé?

Dei risada, com os olhos arregalados. Pés eram zonas seguras, mas... Era
algo estranho.

— O quê?
— Seu pé. Posso ver?

Encolhendo os ombros, afirmei com a cabeça. Chace colocou a long neck


no chão e se inclinou, tocando meu tornozelo com cuidado até poder erguê-
lo o suficiente.

Olhou meu pé por longos segundos, parecendo que podia ver através do
Vans.

— Seu pé é pequeno. — concluiu após curvar a sola dele, deixando-me


retornar à posição. — E parece ser delicado, poderia ter uma curvatura
melhor caso treinasse. Tenho certeza de que daria. A Wye Hill tem uma
escola de balé para iniciantes. Você deveria fazer o teste.

— Acho que já passei da idade, de qualquer forma. Mas obrigado por


avisar.

Senti alguém cutucar minhas costelas de uma maneira insistente e me


deparei com Zayn ao girar o rosto, vendo-o erguer as sobrancelhas pra mim.

— Harry vai ter uma distensão no pescoço se continuar desviando de Julie


para te encarar. — sussurrou. Eu conseguia ver que estava se esforçando
para não olhar o assunto da conversa. — O garoto está vermelho. Ele vai
explodir!

Quando tentei conferir se era verdade... Era. Me senti um pouco esmagado


de um segundo para o outro entre Chace

e Zayn, perdido no meio de todos aqueles jogadores.

Precisava de espaço ou um lugar vazio, precisava sair dali.

Perguntei a Liam onde era o banheiro e, ao saber, pedi licença a Crawford e


subi as escadas, seguindo suas direções.

O banheiro era suntuoso, detalhado com vidro escuro e mármore branco.


Até mesmo o espelho parecia excepcionalmente caro, e me senti mal por ele
ter que refletir minha imagem tão pálida e desacreditada. Joguei água
gelada no rosto e esfreguei a área abaixo dos meus olhos, fechando-os até
que minha respiração retomasse o ritmo normal ou, ao menos, aproximado
do usual.

Abri a porta e, antes que pudesse voltar à sala, percebi que tinha um papel
embaixo do meu pé direito, grudado ali como um papel higiênico. Apanhei
do chão, esperando que não fosse uma pegadinha ou piada, e li.

Me encontra a caminho da casa da árvore.

Michelangelo

Não sei ao certo se pensei ou se eu estava parecendo ansioso demais para


encontrá-lo ou para vê-lo, mas eu fui.

Desci à sala e ninguém me viu; Crawford conversava com outro cara do


time e Zayn e Liam não estavam mais à vista nem Julie.

Atravessei o jardim iluminado por pequenos postes ao longo do percurso o


mais rápido que pude, e assim que cheguei à entrada da floresta, Harry
estava parado ali, esperando por mim. Minha mente sussurrou algo parecido
com Romeu e Julieta. Ele me deu a mão sem dizer nada e

entrelaçou nossos dedos, guiando-me até lá. Não quebrei o contato durante
o caminho feito em silêncio.

Styles me fez subir primeiro e subiu logo atrás; não bateu a cabeça, já que
se sentou no mesmo instante em minha frente. A lua o iluminou, seus olhos
nítidos enquanto o restante estava imerso na escuridão ou desfocado.

Parecia uma cena produzida em um estúdio de efeitos cinematográficos.


Harry era uma cena em si.

— Ok, Michelangelo Cullen. Precisa de uma inspiração para os seus


quadros? O que foi?

— Por que eu tenho a impressão que sempre ando em círculos perto de


você? — Respondeu com outra pergunta, apoiando as mãos no chão de
forma que ficasse um pouco inclinado para trás. — Eu tento me convencer
de que não posso e que você é uma zona proibida, mas sempre acabo...
Aqui. Sempre acabo me perguntando porque os mesmos olhos que fazem
minha cabeça girar à noite são os que eu estou vendo agora. Estou confuso
pra cacete.

E isso foi... Uau.

— Porque eu sou uma zona proibida, Harry. E você também. Você namora,
não deveríamos estar aqui e isso não é certo.

— Não, não. Você não entende. Julie não é– Olha só, isso é difícil de
explicar. Eu não estou traindo ela... Eu nunca trairia alguém. — A
informação caiu sobre mim como um jato de água morna. Eu não sabia
como me sentir em relação àquilo ou como decifrar a frase, já que tinha
certeza de que Harry não me explicaria. Ele era assim. —

É por causa de mim. Eu vou acabar machucando a nós dois.

— Você não é um vampiro. — sussurrei em uma tentativa de tirar o peso


dos nossos ombros.

— Vampiros não existem, Louis. As piores coisas que podem acontecer são
reais e estão bem em nossa frente.

Suspeitei que ele estivesse falando de si mesmo.

— Por que você me trouxe aqui, então?

— Porque eu precisava te tirar de perto de Crawford. Não é só ciúmes, ele


apenas não é o tipo de pessoa que deve estar perto de alguém como você. E
eu sei que também não sou, mas é impossível.

— Harry.

— Louis. — disse meu nome baixo, sussurrado. Cada sílaba era demorada e
profunda. — Se você quiser, vem aqui. Mais perto. Não consigo mais
aguentar.

Suas mãos agora estavam sobre as coxas tensas. Ele me observava


atentamente, preocupado demais para perder o traço de hesitação
desaparecendo do meu rosto e dando lugar a um de curiosidade.

Eu quero...

— Então vem. — a resposta ecoou no interior da casa e eu percebi que


havia dito em voz alta.

Me aproximei. Nossos joelhos se encostaram e minha barriga retorceu de


ansiedade quando o vi passar a língua

pelo contorno dos lábios e erguer os dedos, parando no meio do caminho


para perguntar, cuidadoso:

— Posso te tocar?

Assenti. Ele o fez. Porém, não com os dedos, e sim com a boca.

Inclinou-se e me encarou. Ali, eu podia ver apenas traços do seu rosto bem
estruturado, os cílios tremulando devagar e tudo extremamente delineado e
lindo, iluminado de forma parcial pela luz da lua que parecia estar
concentrada inteiramente na pequena janela ao nosso lado.

Seus lábios pairaram sobre minha bochecha esquerda antes de finalmente


tocarem a pele com suavidade, porém certeza. Seus cachos roçaram no meu
nariz e o perfume excepcional me inebriou. Minhas pálpebras pesaram
conforme ele começou a distribuir beijos pequenos e cuidadosos, deixando
o resquício superficial da sensação queimar por todo o caminho. Senti a
base das minhas costas arrepiar no momento em que Harry alcançou a linha
do meu maxilar. A essa altura, seus dedos gelados e macios estavam
embaixo do meu queixo, mantendo meu rosto erguido e angulado na
posição perfeita para sua boca.

Deixei um suspiro pesado demais escapar no momento em que seus lábios


se abriram no meu maxilar, o barulho úmido ecoando nos meus ouvidos
sensíveis e fazendo do meu corpo algo mole, quase desintegrado.

Ele seguiu mais abaixo, para o pescoço. Sua língua surgiu nos próximos
beijos, molhada e quente, lambendo pequenos espaços e queimando a área
sensível com resquícios de saliva. Os movimentos eram tão lentos que eu
pude antecipar mentalmente o exato segundo em que ele segurou meu
queixo com um pouco mais de firmeza para avançar até minha garganta.
Seus dentes rasparam com cuidado, arranhando e me fazendo ofegar tão
pesado que meus olhos arregalaram. Subitamente, meu corpo inteiro
estremeceu.

Segurei seu pulso com força e engoli em seco, apertando seu joelho com a
outra mão. Sua reação foi instantânea.

— Quer que eu pare? — perguntou, embora eu pudesse sentir seu fôlego


batendo diretamente em mim. Seu pedido foi importante pra mim, me
deixou seguro.

— Não. — esfreguei a mão no seu joelho e a elevei um pouco, apertando o


início da coxa. — Continua.

Eu senti como se estivesse me jogando da beira de um precipício esperando


ter asas.

Subiu os beijos até parar com eles no meu queixo, nivelando nossos olhos,
que se perderam um no outro sem a noção de mais nada em volta daquele
lugar. Plantou um no canto da minha boca e, assim que seus olhos se
fecharam, eu fechei os meus também.

Seus lábios se abriram nos meus ao mesmo tempo em que ele segurou
minha cintura. Por uma batida de segundo, apenas chupou o meu lábio
inferior, passando a língua por ali diversas vezes até que eu me
impulsionasse

à frente. Styles entendeu o recado. Separou as pernas e me puxou para eu


sentar entre elas, e só então inclinou a cabeça e me beijou de verdade.

Eu enrolei os dedos nos seus cachos e me entreguei inteiro para as suas


mãos, sua boca e seu cheiro.

Obedecia aos seus movimentos, acompanhava-o e sentia o gosto fino de


cigarro e bebida misturando-se à minha saliva. A forma como sua língua
contornava o canto da minha boca sem nunca encostar na minha era tão, tão
gostosa que eu acabei gemendo baixo, puxando os cabelos de leve entre
meus dedos. Nenhum de nós se atreveu a colocar a língua, mesmo que eu
quisesse saber como seria, mas foi ainda melhor porque Harry correspondia

aos

meus

pequenos

incentivos,

suspiros. Ele suspirava a cada vez que mais partes de nossos corpos
encostavam.

Só percebi que seu celular estava tocando quando separou nossas bocas.

— Puta que pariu... — sussurrou, apressando-se para tirar o iPhone do


bolso brilhando com o nome de Julie. Atendeu. — Diz.

Voltei o olhar para o meu colo, recolhendo o pouco de saliva na minha boca
com a língua. O fato de eu ainda poder sentir seu gosto me afetou mais do
que deveria. Era meu primeiro beijo em muito tempo, mas sabia que toda a
espera tinha valido a pena.

Sua conversa não durou muito tempo, sendo composta por

"uhum", "estou", "ok". Quando desligou, me olhou incerto.

Parecia com medo da minha reação assim como eu estava com medo da
sua. Éramos dois idiotas.

— Então... — começou.

— Então. — repeti, erguendo as sobrancelhas. Meu pescoço ainda pulsava,


o sangue concentrado nas áreas em que sua boca esteve. Eu sabia que meus
jeans estavam um pouco mais apertados na frente devido a esse mesmo
motivo, mas tentei não prestar atenção. —
Precisamos voltar.

— Yeah.

— Yeah. — eu disse e um segundo depois, ele me beijou de novo.

Eu sorri contra sua boca porque era impossível não fazê-

lo, o que acabou incentivando-o a fazer o mesmo. Nós dois rimos baixo
com os olhos fechados e os lábios juntos, querendo nunca mais separá-los.

Tivemos que voltar minutos depois. Harry me colocou em sua frente por
todo o caminho, mas nossas mãos entrelaçadas estavam em frente à minha
barriga, onde estava acomodada uma sensação estranha. Eu sabia que não
deveria tê-lo beijado, mesmo que ele tivesse dito que não estava traindo
Julie – como isso era possível? E sabia que eu já estava mergulhado demais
em tudo aquilo para retornar à superfície.

Ao alcançarmos o jardim, ganhei mais um beijo pequeno seguimos por


caminhos separados. Fui até a entrada da

cozinha e parei do lado de fora por um segundo, deixando meu coração


quase arrebentar dentro do peito agora que estava sozinho.

Eu mal podia acreditar.

Controlei o sorriso horrivelmente grande e inspirei uma, duas, três vezes.


Abri as portas duplas vitorianas e adentrei a cozinha. Porém, a cena
desenrolando-se em minha frente me fez dar um passo atrás, atônito e
desacreditado.

Julie estava sentada no balcão com Candice de pé entre suas pernas. As


duas beijavam-se como se nunca fossem precisar de oxigênio novamente.
Chapter Eight
As duas somente notaram minha presença segundos depois, enquanto eu
travava uma batalha interna ponderando se deveria entrar e passar pela
cozinha como se não tivesse visto nada ou se deveria ir até o centro do
jardim e pedir para alienígenas me abduzirem porque, puta merda!, minha
vida estava parecendo um filme adolescente mal produzido com dramas
improváveis.

Julie foi a primeira a perceber e ouvir o ruído que um copo de vidro fez
quando dei um passo falso para o lado e esbarrei a mão na pia. As duas
pareciam meio altas ou bêbadas, mas os olhos arregalados em surpresa
quando me viram estavam extremamente ativos.

— Porra. — Julie sussurrou e abaixou a saia, que eu nem percebi que estava
erguida. — Que merda, cacete. Só me fodo. Espere aí, Candie.

Ela desceu do balcão e parou em minha frente, puxando meu pulso e me


tirando da inércia com brutalidade, começando a arrastar meu corpo ainda
mole por causa dos beijos de Harry. Não deixei de sentir medo do olhar
mortal de Candice para cima de mim; aquela garota teria um futuro
extraordinário em alguma série de suspense.

As unhas de Julie estavam machucando meu pulso, mas não me atrevi a


falar algo. Ela me levou até a sala. Harry estava no mesmo lugar, sentado na
poltrona do canto com os lábios inchados e os cachos meio desgrenhados;
minha boca ficou seca apenas com o pensamento de que eu fui o único a
causar aquela aparência largada. Senti um pouquinho de orgulho, embora
soubesse que meu cabelo estava da mesma forma.

— Louis? — Zayn se levantou e entregou o prato com pizza a Liam,


aproximando-se de mim. — Por que sua boca tá assim? Você fez aquele
desafio Kylie Jenner com a garrafinha de água?

Julie se virou para mim, encarando minha boca atentamente. Sua ficha caiu.
— Vocês estavam se beijando, não estavam? — ela mais disse do que
perguntou. Havia um tom oculto de riso na sua voz. — Finalmente. —
Ergueu a voz. — Harry. Estou esperando por você no quarto de hóspedes.
Um minuto.

Ela não pediu licença a Liam ou me deu tempo para avisar Zayn do que
estava acontecendo. Deus! Nem eu mesmo sabia.

Deixamos todos para trás e eu a acompanhei pelos degraus, alcançando o


segundo andar. Ela me guiou pelo corredor com a confiança de quem
conhecia cada cômodo, dando passos certeiros e caminhando com as costas
eretas, os cabelos ruivos balançando; os dedos ainda pareciam garras em
volta do meu pulso.

— Perdão, sem querer incomodar, mas... O que está acontecendo?

— Você vai saber. Paciência, Tomlinson.

Nós entramos em um quarto e ela me indicou a cama para sentar. A


decoração do quarto oscilava entre paletas de cores claras e tons de bege. A
colcha embaixo de mim era macia e tão convidativa... Quase acabei me
deitando e hibernando ali mesmo para não enfrentar o que viria pela frente.
Infelizmente, tinha assuntos a tratar e coisas para descobrir.

Quem faltava passou pela porta segundos depois e a fechou atrás de si


silenciosamente, trancando. Harry respirou fundo antes de me olhar,
oferecendo-me um sorriso tranquilizador e calmo. Era tudo o que eu
precisava para saber que não seria a oferenda de um ritual satânico das
Cheerleaders. Eu acho.

— O que houve? — ele questionou, enfiando as mãos nos bolsos do casaco.


— Por que Louis está aqui?

— Corta essa. Vocês se pegaram, é óbvio. E ele me viu beijando Candice na


cozinha.

Sua expressão estável desabou.


— Ah.

— É. Ah. O que vamos fazer com ele?

Tentei me levantar da cama, mas Julie colocou uma mão firme no meu
ombro e me fez sentar de novo.

— Olha, eu não sei o que está acontecendo, mas estou bem confuso. Não
me matem. Ainda tenho saliva do Harry na boca e a polícia forense vai
saber que nos beijamos quando for investigar minha morte.

Julie me encarou enquanto Harry ria baixo, encostando-se à porta.

— Você é louco?

— Sou.

— Explica pra ele. — a voz de Harry soou lógica e inteligente após vários
segundos de silêncio. — Conta porque eu o beijei e porque você beija
Candice.

Foi assim que eu descobri que Julie funcionava como uma espécie de beard
para Harry enquanto ele fazia o mesmo por ela, que era lésbica e namorava
Candice há dois anos; conveniente para os dois e perfeito para enganar os
pais homofóbicos. Quando saíam juntos, não participavam de jantares
românticos como namorados, e sim iam a festas em cidades vizinhas como
o amigo gay e a amiga lésbica que eram. Seria cômico se não fosse trágico.

Eu inter-relacionei tudo. O pai de Styles provavelmente era um homofóbico


otário, baseado nas coisas que sabia e no que tinha acabado de ouvir. Sua
mãe... Eu não sabia muito, mas não deveria ser igual a ele – Styles falava
com muito amor de Anna. Pensei em todos os momentos que Harry se
aproximou de mim, que deu a entender algo a mais e até mesmo no dia da
chuva que me ofereceu carona. Candice não bufou porque também tinha um
possível crush em Harry, e sim porque estava com ciúmes da namorada.

Uou.
— Você o acariciou. — foi tudo o que veio à minha boca após ouvir tudo
aquilo.

Os dois piscaram, confusos, pra mim. Senti-me envergonhado e infantil,


mas continuei.

— No dia em que não tivemos aula por causa da gerador e Harry me


ofereceu carona. Você meio que...

Ela revirou os olhos. Em um movimento hábil, fechou a mão no pau dele


como se não fosse nada. Ele parecia incomodado, mas não se moveu do
lugar.

— Assim? — disse casualmente, virando o pulso um pouco e


provavelmente tocando as bolas. Um sentimento amargo estava
incomodando o âmago do meu peito e não o deixei crescer. — Louis, presta
atenção. Às vezes, tínhamos que nos beijar de língua em frente ao pai dele.

Eu já fingi que estava transando com Harry para Desmond nos flagrar.
Pegar no pênis do meu melhor amigo não significa nada.

— Meu pai "flagrou" a gente no yacht no ano passado enquanto estávamos,


na verdade, jogando Scrabble segundos antes. — Harry sentou-se ao meu
lado na cama, o colchão balançando sob seu peso. Ele virou o rosto pra
mim e, no mesmo instante, olhou pra minha boca.

Involuntariamente, passei a língua por ela. — Acho que...

Eu– a gente estava em... Oi?

— O yacht estava ancorado em St. Barts. — ela completou, percebendo que


ele estava tropeçando nas palavras. Fiz um esforço para encará-la. — Foi
engraçado.

Enfim, é isso.

— E todo mundo sabe?

— Liam sabe. O resto do time não.


— Mas você e ela estavam se beijando na cozinha.

Qualquer um poderia entrar.

Candice se sentou do outro lado, deixando-me entre eles.

Deitou a cabeça no meu ombro esquerdo, suspirando. Era incômodo porque


eu não a conhecia, mas empurrei essa sensação para o fundo. Parecíamos
colegas (ou algo assim, já que tínhamos um interesse em comum), e acho
que eu me senti bem pensando nisso.

— Eles acham que amigas fazem isso. Não se importam porque são um
bando de pervertidos. A maioria dos caras já pegou Candie e eu nos
beijando, mas é só Harry fazer uma piadinha idiota envolvendo nós três
numa cama que eles acham tudo normal. É horrível fazer Hazza passar por
um cara ridículo, mas... É necessário.

Acariciei o torso da mão dela e peguei a de Harry. Ele entrelaçou nossos


dedos.

— Sinto muito. — disse e os dois emitiram um som baixinho de


concordância. — O time tem muitos segredos, então? Chace Crawford–

O aperto da mão dele na minha ficou maior.

— Ele pega o que for bom o suficiente pra ele. — Julie respondeu,
levantando-se. — Vou voltar pra baixo. Me avisem caso precisem de algo.

Com uma piscadinha, Julie deixou o quarto e fechou a porta. E... Harry e eu
estávamos sozinhos. Numa cama.

Eita.

— Olha pra mim. — pediu, acariciando os nós dos meus dedos com o
polegar. Olhei. — Crawford está dando em cima de você?

— Não. Ele é um bom cara. Está sendo legal.

— Me avise caso ele fizer algo.


— Ele não vai. — atrevi-me a erguer a mão e enrolar um dedo no cacho
pendendo sobre sua têmpora. — Acho que a vida resolveu zoar comigo e
compensar todo esse tempo que eu passei sem enfrentar algo emocionante.
Essa noite teve muitas emoções, isso sim.

Ele sorriu pequeno.

— Isso tudo foi culpa do Desmond, sabe? Minha mãe sabia que eu não era
o que ele queria que eu fosse e ele também sabia, mas me pressionou a
namorar uma garota

rica e entrar no caminho para ter uma futura esposa ao lado, comandando a
empresa da família e tal. Eles sabiam.

— Que droga. — murmurei como se um timbre mais alto fosse romper o


momento em que tínhamos nos colocado involuntariamente. — Ei. Por que
você não começa a fotografar? Não agora, mas... Quem sabe mais pra
frente?

É uma forma de você saber que tudo o que ele te fez está sendo apagado.

— Eu precisaria achar a câmera primeiro.

— Isso não é problema.

— O problema é te convencer a me deixar tirar fotos suas?

— inclinou a cabeça, analisando-me com os olhos meigos e quase


inocentes.

Isso clicou algo em minha cabeça e eu me levantei, negando.

— De jeito nenhum. Eu não sirvo para fotos, eu–

Ele puxou a mão que ainda estava com a sua e me fez inclinar para nos
beijarmos de novo.

Eu poderia me acostumar com a sua boca na minha.


Quando desci as escadas primeiro, já combinado com Harry para ele


esperar um pouquinho mais, as coisas pareciam meio estranhas.

Era como se eu estivesse chegando a outro lugar com novas pessoas e


perspectivas renovadas. Tudo parecia fora do normal e de órbita quando, na
verdade, eu era o

único que tinha sofrido uma mudança brusca. Ao me sentar no sofá ao lado
de Zayn, toquei meu lábio inferior inchado e revestido por uma pequena
mordida de Harry só para ter certeza de que não acordaria com Charlotte
gritando de manhã. Aquilo tinha acontecido.

De uma forma ou de outra, Harry reapareceu direto da cozinha. Ninguém o


viu descendo as escadas, então estávamos bem. Passou por mim e se sentou,
colocando Julie no seu colo com um movimento calculado e sem esforço.
Candice estava por perto e nós quatro compartilhamos um olhar de cada
vez. Era o nosso segredo e eu não pude deixar de sorrir enquanto mordia o
pedaço de pizza que havia roubado de Zayn.

— Amanhã você me conta tudo. — meu amigo sussurrou no meu ouvido e


beijou minha bochecha com os lábios cobertos de gordura de calabresa.

Zayn tinha essa habilidade de saber que algo estava errado comigo só por
um arquear de sobrancelha ou pelo ritmo da minha respiração; que, por
sinal, estava bem acelerada.

— Ok. — olhei em volta procurando por alguém entre os rostos vermelhos


de bebida. Muitas pessoas ainda comiam pizzas como se nunca tivessem
visto massa e molho na vida. — Onde está Chace?

— Foi embora. Ele deve ter pensado que você desceu pela patente por
causa da demora.

O mesmo cara que separou a briga entre Harry e Chace, Beales, se levantou
e deu uma mordida gigante na fatia de
pizza antes de começar a falar, monopolizando a atenção e deixando todos
em um silêncio de expectativa.

— Ok, prestem atenção. O Josh aqui do lado está curioso para saber... —
Ele separou as mãos no ar e sorriu. —

Qual é a posição sexual preferida de vocês? É pro trabalho de ciências


sociais.

Todos riram enquanto tentavam se concentrar no que Beales estava prestes


a perguntar. Eles gostavam de um showzinho ridículo com questões
pessoais. Escrotos.

— E o primeiro, devido ao trono na Wye Hill, será você: Styles! — Os


aplausos foram altos, assovios e até mesmo copos servindo para intensificar
o barulho irritante. —

Vamos lá, conta pra gente. Como é que você e Julie preferem? Ou outras
garotas, né?

Minha boca caiu aberta. Como é que ele falava essas coisas e ninguém
protestava ou ninguém ao menos se posicionava a favor de Julie? Ao invés
disso, eles riram ainda mais, e quando olhei para Harry, ele também estava
rindo. Seus olhos, porém, estavam apagados novamente.

Me segurei para não falar nada porque eu era novo entre o grupo e porque
os dois faziam isso há um bom tempo.

Julie estava sorrindo e balançando a cabeça, e bem naquele momento, eu


me dei conta, pela milésima vez, de como o mundo era fodido. De como
adolescentes idiotas eram tratados como reis e ensinados a rebaixar pessoas
por diversão. Um genuíno show de horrores.

— Eu... — A voz rouca de Harry tomou o cômodo e a algazarra cessou para


que pudessem escutá-lo. —

Qualquer uma que me faça gozar, na verdade.

— Imagina se Candice aceitasse o threesome, então? —


Beales disse, erguendo as sobrancelhas sugestivamente e virando a garrafa
de cerveja na mão. — As duas de uma vez, Harry? Imagina?! Colocaria elas
de quatro e–

Em frente a todos, Styles deslizou a mão até a cintura de Julie e apertou os


dedos ali. Fora do alcance do olhar daqueles idiotas, vi a carícia confortante
que ela fez em seu ombro, quase como se dissesse "está tudo bem".

— Yeah, colocaria. — ele interrompeu o garoto, olhando-me rapidamente.


Franzi os lábios, querendo mais que tudo transmitir a ele o sentimento de
companhia. Não queria que se sentisse sozinho quando Julie e a namorada
fossem embora. — Não é, Candie?

Candice também era uma boa atriz, porque ela se levantou, andou até Styles
e passou a mão pelos cabelos dele com um gesto que denotava sensualidade
em cada pequeno movimento.

— Será preciso um pouco mais que isso para me convencer a chupar uma
coisa envolvida nesse threesome, Capitão Styles.

Os assobios aumentaram de volume consideravelmente.

Era uma pena que eles não soubessem que ela estava falando do pênis, não
da vagina.

Também me levantei, prestes a ir à cozinha e sair um pouco para o jardim.


Queria ir embora, deitar na minha

cama e fingir assistir Netflix enquanto, na verdade, estivesse relembrando


dos beijos de Harry. Só que a voz de Beales me deteve.

— E você, Tomlinson? Qual é a sua posição favorita?

Você não falou nada desde que chegou, conversa um pouco com a gente.

Parado no centro da sala, eu estava praticamente pressionado por ele e por


todos aqueles sorrisos cínicos e divertidos. Malik se colocou ao meu lado
no mesmo instante e me disse baixo para irmos embora, mas eu não resisti.
— Isso é pessoal pra mim. E muito invasivo em todos os sentidos, sendo
que você nem me conhece.

Ele se levantou também.

— Ah, qual é? Não vem dar uma de puritano.

Principalmente aqui, principalmente com a gente.

— Eu não... — me forcei a não olhar para Styles. Peguei o pulso de Zayn e


pisquei, atônito. Em um instante, sentia minha garganta comprimida. — Eu
só– Olha, me deixa em paz, pode ser?

Ele captou a minha insegurança no ar como se fosse algo palpável.

— Espera aí! — Beales riu alto e apontou o dedo de uma forma acusatória
para mim. Odiei aquilo. — Você é virgem?! Puta merda!

Senti minhas bochechas queimarem de vergonha, e tenho certeza de que


isso foi resposta o suficiente para eles,

porque no outro segundo, todos estavam gargalhando alto e me observando


de soslaio. Meus olhos ficaram embaçados e o ódio me consumiu junto com
a vergonha, não me deixando outra escapatória a não ser caminhar para fora
da sala de cabeça erguida e agarrado a Zayn.

Contudo, bastou uma olhada em direção a Harry para eu ver que ele
também estava rindo. Não parecia verdadeiro, mas ainda sim. Ele estava.

Ouvi Beales perguntando a Harry se ele tiraria a virgindade de alguém. A


resposta foi alta e clara:

Não.

— Louis! — Ouvi a voz de Zayn atrás de mim, mas eu não parei de andar.
Queria chegar ao Escalade, entrar e ir para casa. — Lou, para!
Embora eu não tenha diminuído os passos, Zayn me alcançou e puxou meu
braço, forçando-me a olhar para ele. Eu não tinha noção de que estava
chorando até o segundo em que ele me abraçou e beijou minha têmpora.

— Ei, está tudo bem. Vamos pra casa, kay? Não liga para eles.

Outra pessoa chamou meu nome e meus punhos se fecharam quando


percebi que era Harry. Eu não sabia do que estava com raiva, não tinha
motivo e ele não tinha a mínima obrigação de me defender ou defender
qualquer pessoa ali que ainda fosse virgem, mas eu só... Era um assunto
complicado. Eles não tinham o direito.

— Posso falar com ele? — Styles perguntou a Zayn, que não se moveu um
centímetro. — Quero levá-lo pra casa.

— É ele que decide, Harry. Desculpa.

Só notei que Liam estava junto quando o escutei falar algo para Zayn. Parei
de ser uma criança ridícula e me afastei do meu melhor amigo, limpando as
bochechas da forma que consegui e inspirando longas lufadas de ar.

— Desculpa. — disse para ninguém em específico, enfiando as mãos nos


bolsos da jaqueta e erguendo a cabeça. Harry estava parado em minha
frente com uma expressão preocupada e os dedos apertados na barra da
camisa. — Zayn vai me levar. Está tudo bem.

— Não, não está. Vem comigo, por favor. Tenho que levar Julie e Candice
primeiro, mas quero conversar com você.

Por favor?

— Não precisa se incomodar.

— Eu quero. Por favor. — soou como uma súplica, os dedos apertando


tanto a camisa que o tecido ficou esticado sobre seu peito. — Prometo não
te incomodar se você não quiser falar comigo, mas me deixa te levar.

Quem eu queria enganar? Toda a camada de gelo produzida em volta de


mim no momento em que eles estavam rindo na sala derreteu quando Harry
chegou mais perto. Era impossível não me atrair. E era impossível não me
sentir mal porque Harry aceitaria se eu não quisesse falar com ele. Um beijo
era o suficiente para me deixar tão desnorteado?

— Você quer conversar? — perguntei para ter certeza. Era uma D.R
prematura? — Agora?

— Sim.

Olhei para Zayn e ele me deu um aceno de incentivo, assim como Liam,
que estava com o braço em volta de sua cintura. Mordi o lábio e assenti
para Styles. Como se um botão tivesse sido apertado, ele pegou minha mão
no mesmo segundo, despediu-se dos garotos e me guiou até seu carro com
passos rápidos.

Julie e Candice estavam encostadas ao Audi e elas me deram um sorriso


pequeno. Candice não me odiava tanto, então – enquanto eu não a
prejudicasse, tudo ficaria bem.

As duas foram se sentar no banco traseiro e Harry abriu a porta de


passageiro para mim, abaixando a cabeça quando o encarei para agradecê-
lo.

Resisti à vontade de rir baixo com a ironia. Há pouco tempo, era Julie quem
estava sentada ao lado dele enquanto eu estava com Candice no banco de
trás, nós dois encarando com raiva a cena que se desenrolava em nossa
frente. As perspectivas haviam, de fato, mudado.

Após nos quatro entrarmos, ele ligou o carro e deu ré, saindo do
estacionamento. Os barulhos molhados começaram atrás e eu nem precisei
olhar para saber que as duas estavam se pegando. Styles riu baixo e
aumentou o volume do rádio, Halsey cantando New Americana e a estrada
escura em nossa frente, apenas as luzes do farol alto iluminando a rua.

— Por que vocês se beijaram aquele dia? — perguntei a ele de repente,


realmente curioso e me lembrando do nada. — Sabe? Quando você me deu
carona pela primeira vez.
— Porque Julie gosta de provocar e irritar. E eu não podia dizer nada
porque, bem, você ainda não sabia.

— E vocês são amigos há bastante tempo?

— Sim. — ele olhou pelo retrovisor e sorriu, ajeitando o espelho para que
focasse somente na rua. — Desde que começamos a "namorar".

— Legal.

— É. Legal.

Chegamos à casa de Julie em poucos minutos e as duas se despediram


dando beijos em nossas bochechas antes de sair no carro. Depois, o trajeto
até a minha casa foi silencioso e eu não parava de me perguntar se Harry
não havia dito que queria falar comigo. Apesar de estar ansioso, com olhos
inchados e vontade de falar algo, tudo o que fiz foi mandar uma mensagem
a Zayn dizendo que estava tudo bem. Senti o carro parar assim que guardei
o celular.

— Hum... — olhei para fora e vi que todas as janelas de casa estavam


apagadas. Mamãe e Lottie provavelmente já estavam dormindo. —
Obrigado por me trazer. De novo.

— Me desculpa. — disse subitamente, evitando que eu pudesse abrir a


porta do carro. — Por não ter te defendido quando Sandy Beales falou
aquilo, por você ter visto como

preciso ser um otário para não prejudicar Julie. Por ter te beijado. Eles não
sabem nada sobre o que aconteceu com Anna e eu quero que fique assim.

Era verdade. Ninguém do time sabia. As pessoas que diziam ser amigas
dele não ligavam.

— Não precisa pedir desculpas. — sussurrei sinceramente, sentindo a


necessidade de completar com:

— Principalmente por ter me beijado.


— Preciso, sim. Se eu tiver coragem de te contar algum dia, vai entender.

— Você tem herpes?

Ele soltou uma gargalhada gostosa e revirou os olhos, parecendo eliminar


todo o timbre ruim da voz. Sua risada era extraordinária.

— Não, Tomlinson. Não tenho. — ainda meio inseguro, pegou minha mão
entre as suas e passou o polegar de leve pelos nós dos meus dedos, olhando
para o ponto de contato da nossa pele. — Sério. Eu não sabia o que fazer.

Eu queria me levantar e encher Beales de soco, mas eles saberiam que há


algo de errado porque eu nunca pude defender alguém, sempre tive que
passar essa imagem de idiota. Eles suspeitariam e isso também te afetaria.
Me desculpa.

— Harry, não é como se eu fosse importante na Wye Hill.

A maioria das pessoas nem sabia que eu existia até hoje.

Não vai fazer nenhuma diferença.

— Preciso pensar em algo para não deixá-los te incomodar. Agora vão


pegar no seu pé, tenho certeza.

— Eu sei me proteger. — disse, confuso. — Digo, minha tática é ser


invisível. Eu estou tendo sucesso até agora.

Está tudo bem, Harry. Mesmo se eles me incomodarem...

Eu não ligo.

Harry acariciou meus dedos mais uma vez antes de levantar a mão e afastar
a franja dos meus olhos. Eu não sabia para onde ele estava olhando porque
o meu olhar estava preso à sua boca.

— Posso te beijar? — pediu permissão. Extraordinário.


Ao invés de respondê-lo, eu me inclinei no banco, ficando um pouco
erguido, e o beijei. Suas mãos foram para os meus quadris no mesmo
instante, mas ele me colocou de volta no banco e veio para cima de mim,
deixando minhas costas pressionadas contra a porta e seu corpo junto do
meu. Sua boca estava ainda mais gostosa, os lábios inchados, e eu não sabia
se era porque agora sabia como Harry beijava ou porque a cada vez, as
coisas ficavam melhores.

— Você está com gosto de Vodka. — nossos lábios se separaram com um


ruído úmido, sua língua ainda traçando meu lábio inferior. — E morango.

— Vodka de morango, gênio. — soltou uma risadinha contra o meu pescoço


e eu puxei seus cabelos para brincar, mas isso pareceu atiçá-lo mais. Sua
boca voltou pra minha, distribuindo pequenos beijos molhados. —

Você vai ao jogo amanhã?

— Não sei. — Claro que eu ia.

— Vá, Louis Tomlinson. — parou o rosto a centímetros do meu, movendo a


mão para a base da minha coluna. Ele estava praticamente atravessado
sobre o console e só percebi que minhas mãos percorriam seu abdômen
quando seus músculos flexionaram sob meu toque. — E

você ainda está com o meu casaco, não está? Por que não veste ele?
Estará... Hum... Frio? Né?

— Jura? Você quer que eu vá ao jogo dos Wild Wolves com o casaco do
time? É como se eu fosse um pedaço de carne atirado ao leões. Não vai dar
certo, eles vão querer saber de quem é.

— Diga a eles que você trafica casacos do time para garotas e garotos que
querem se passar por íntimos dos jogadores.

Estreitei os olhos. Deixou um beijo no meu pescoço de novo. Mais um. E


outro.
— Está dizendo que eu quero me passar por íntimo do jogador do time que
é o dublê de Edward Cullen?

— Acho que você já pode dizer que é, definitivamente, íntimo dele. Troca
de saliva o colocou nesse estágio.

— Michelangelo, você se acha demais.

Harry lambeu meu nariz. Ele literalmente lambeu meu nariz e depois
retrocedeu um pouco, franzindo o dele de forma adorável.

— Tenho que fazer jus ao meu apelido de tartaruga.

— Você é horrível. — eu disse, cutucando suas costelas e fazendo-o se


contorcer de leve como mais uma desculpa para nos beijarmos de novo.

Eu estava chupando seu lábio inferior com lentidão, aproveitando tudo o


que podia, quando ouvimos duas batidinhas irritantes no vidro que nos
separou mais rápido que qualquer outra coisa. Embora tenha se afastado, ele
me segurou firme e nós dois viramos o rosto para ver quem tinha vindo do
além para nos atrapalhar.

Acontece que essa pessoa era uma Johannah de roupão com a sobrancelha
erguida e os braços cruzados em frente ao peito. Pressionei os lábios ainda
sensíveis e senti meu rosto queimar de vergonha.

— Tem insufilm nas janelas? — perguntei, hesitante, ainda olhando para


ela.

— Acho que sua mãe está perto o suficiente para ver o que está
acontecendo.

— Droga. — soltei um murmúrio, apertando as mãos nas dele.

— Droga. — murmurou de volta, mas não se moveu. — O

que eu faço? Saio do carro para cumprimentá-la?


Dei uma analisada rápida na expressão de Jay para constatar que ela estava
em um nível de irritabilidade maior do que em outros dias, então preferi que
só eu recebesse toda a fúria da Mãe Poulston.

— Nos vemos amanhã. — beijei o canto da sua boca e dei espaço a ele para
que voltasse ao banco de motorista. —

Se cuida.

Saí do carro e ajeitei o casaco com as palmas das mãos, alisando o tecido
todo amassado. Mamãe virou as costas e foi em direção à porta. Antes que
fechasse, porém, acenei para Harry com uma feição que indicava em letras
néon

"foda minha sanidade, Styles. Eu não me importo."

— Acha que me deve alguma explicação, Louis? — Jay indagou com o tom
"responde ou responde, motherfucker"

ao caminhar até a cozinha. Acendeu todas as luzes e foi direto para a


geladeira, pegando a tigela em que estavam os três pedaços restantes da
torta de pêssego que havia comprado. — E então?

— Nós estávamos... Er– Nos beijando?

Ela me entregou um garfo, sentou-se à bancada e indicou para eu fazer o


mesmo. Suspirando, obedeci e raspei um pouco da cobertura de chantilly.
Seria aquela conversa, então.

— Olha, Louis. — disse seriamente. — Não quero que você engravide.

Pisquei pra ela. O creme parecia estar amargo na minha língua e eu queria
rir, mas provavelmente sairia chantilly até do meu nariz.

— Mãe...
— Estou brincando. Ou não. Nunca se sabe como a tecnologia vai estar
daqui alguns anos. — ela pegou um pedaço gigante de torta e enfiou inteiro
na boca. Minha mãe estava me superando nesse quesito? Inaceitável. —

Ele é da Wye Hill?

— É.

— Nome? Quantos anos?

— Harry. Dezenove. — tentei passar convicção porque não sabia ao certo


se Harry realmente tinha essa idade.

Não podia confiar em Lottie.

— Reprovou?

— Não. Ele é inteligente, mas é uma longa história.

— E você... — hesitou por um instante. — consegue...

deixá-lo te tocar?

Sorri e afirmei com a cabeça, terminando de engolir os pedacinhos de


pêssego.

— Ele, sim. Eu meio que me sinto seguro com ele, sabe?

Sei que não vai me machucar.

Deixei de fora todas as vírgulas nas entrelinhas. A razão pela qual nos
aproximamos, o fato de ele esconder o relacionamento, o verdadeiro ele.
Não eram coisas para contar enquanto se divide uma torta com sua mãe
após a meia-noite na cozinha.

Talvez
vocês

fossem

destinados

se

conhecer. O grande destino. — abaixou o garfo e passou a mão pelo meu


rosto, beijando minha têmpora. — Vamos conversar mais sobre ele e quero
vê-lo aqui para jantar.

Vou dormir porque preciso preparar uma exposição gigante amanhã. Boa
noite, William. — quando estava no meio do caminho, parou e exclamou:
— Da próxima vez que você chegar a esse horário, juro por Deus que te
deixo pra fora no frio. Te amo, filho.

Ela subiu e eu ainda estava sorrindo pequeno enquanto finalizava o último


pedaço de torta. Sorriso que somente aumentou quando meu celular vibrou
com uma nova mensagem.

"O gosto da sua boca é ainda melhor do que vodka de morango. Não sei
qual dos dois me deixou mais bêbado.

Boa noite, Tomlinson. H."

— Cachorro-quente! — Zayn gritou, olhando para o pão, e arregalou os


olhos, assustando a mim e a Charlotte, que quase derrubou o copo de
refrigerante. — Cachorro-quente de jogos escolares são os melhores!

— Você é louco, seu caralhudo?! — Lottie empurrou o ombro dele,


verdadeiramente brava. — Quase derrubei meu refrigerante.

Ignorei os dois e voltei a atenção às cheerleaders, que ainda ensaiavam


alguns passos. Julie estava à frente, os cabelos presos e um sorriso
estonteante nos lábios cobertos por um batom rosa forte. Exceto por Harry,
o time estava

espalhado

pelo

campo,

treinando

alguns

movimentos estranhos, e o casaco do time pesava dentro da minha mochila.


Não era corajoso o bastante para vesti-lo em frente a todo mundo.

O treinador gritava como louco no meio do campo para algum coitado e as


luzes fortes ofuscavam o canto da minha visão, foi por isso que eu me
surpreendi quando Liam apareceu ao meu lado, a touca do moletom
cobrindo a cabeça para ninguém reconhecê-lo.

— Harry quer falar com você. Tudo bem?

— Agora?

— Yeah. Quinze minutos antes do jogo começar, precisamos ser rápidos


para ninguém te ver entrando no vestiário.

Tudo o que eu disse foi "já volto" a Zayn e Charlotte. Os dois sabiam o que
estava acontecendo, eu havia contado de madrugada à Lottie sobre a noite
anterior e tive que tapar o rosto dela com o travesseiro para aquietar os
gritos e as frases como "é campeão, é campeão!".

Liam foi à frente e desviou por trás da arquibancada, onde ninguém podia
nos ver devido às armações com as bandeiras e cartazes do Wild Wolves.
Antes de alcançarmos a parte de trás do vestiário, eu parei e tirei o casaco
de Harry da bolsa. Vesti-o e Liam franziu as sobrancelhas, balançando a
cabeça de leve antes de continuar me guiando até lá. Havia uma porta de
ferro meio aberta, onde Payne parou e indicou para eu entrar.
Parei em frente a ele e tomei coragem, torcendo internamente para que me
desse a resposta que queria.

— Você ainda continua achando que Harry vai me magoar?

Liam parecia surpreso pelo fato de eu ainda me lembrar daquilo. Passou a


mão pelo rosto antes de encolher os ombros.

— Nós somos melhores amigos, mas eu sinceramente não sei, Louis. Ele
não, a questão é o que ele quer fazer.

Olha... Não estou no direito de te contar. Isso está com Styles. Vai lá, ele
está te esperando.

Suspeitei que não encontraria mais respostas com Payne, portanto empurrei
a porta e entrei, fechando-a atrás de mim. Era a primeira vez que estava
adentrando o vestiário dos jogadores, mas o vapor infestado com cheiro de
Axe e shampoos ruins já me fez odiar o lugar. Atravessei o corredor de
armários, olhando a parede vermelha com o símbolo dos Wild Wolves. Era
como um santuário ao time.

Dei o primeiro passo até a área dos chuveiros. O vapor estava ainda mais
denso, mas o cheiro não era ruim. As divisórias de vidro fosco separando as
duchas estavam molhadas e o azulejo do chão, também. Todos estavam lá
fora exceto por uma pessoa sentada no banco de madeira que os jogadores
usavam para colocar as toalhas e chuteiras. Harry estava de cabeça baixa, já
vestido com a jersey e as ombreiras, as leggings brancas extremamente
apertadas. Ele era... Ah.

Parei a uma distância mínima.

— Ei, Michelangelo. — disse, fazendo-o virar a cabeça pra mim.

Seus olhos se acenderam quando viu o que eu estava vestindo. Sorri,


envergonhado, e juntei as abas do casaco, cobrindo meu torso e a camiseta
preta.

— Liam disse que você quer falar comigo.


— Vem aqui?

Eu fui. Parei em sua frente e ele se levantou, levando-me até o fim da fila
de duchas. Entramos na última parte e Harry me colocou suavemente contra
a parede. Sua posição, a diferença de altura e os ombros levantados
deveriam me assustar ou me deixar intimidado, mas não o fez. Talvez
fossem as covinhas. Ou os olhos. Os cachos.

Ele inteiro.

— O chuveiro dessa cabine está estragado, podemos fazer dessa cabine


nosso ponto de encontro. — sugeriu, percorrendo os dedos pelo zíper do
casaco com admiração. — Você está usando ele.

— Eu... — interrompi a frase quase ele se inclinou e cheirou o tecido, seu


corpo inteiro fazendo uma manobra graciosa para que pudesse se igualar a
mim em altura.

— Está com o seu cheiro.

— Lottie lavou. Ela fica com raiva nos dias dela de levar a roupa e coloca
absolutamente tudo que encontra no meu quarto dentro da máquina.

Ele riu. Passou os braços em volta de mim e me abraçou, retornando à


postura normal para que minha cabeça ficasse pressionada ao seu peito.

— É o meu primeiro jogo desde que minha mãe morreu. —

sussurrou repentinamente. Mais uma vez, ele era uma criança frágil. — É
estranho saber que ela não vai estar na arquibancada aplaudindo se eu
marcar algum ponto.

— Você tinha uma conexão forte com ela, não tinha? —

questionei retoricamente, posicionando a mão sobre o seu coração


acelerado. — Tenho certeza de que vai sentir aqui. Ela estará perto de você
de qualquer forma.

— Você também estará assistindo, não é?


— Cada movimento seu. — prometi.

Eu dei um beijo de boa sorte nele, embora não acreditasse em sorte e sim na
capacidade de Harry, e saí do vestiário sendo praticamente capaz de ainda
sentir o sorriso tímido dele contra minha boca.

Retornei à arquibancada, dessa vez vestido com o casaco, e não demorou


para que Harry entrasse em campo. Todos gritaram ao ver STYLES escrito
atrás da camiseta. Após retornar aos campos, Harry era a esperança dos
Wild Wolves de ganhar em casa.

E ele era a minha esperança de sonhar e alcançar as estrelas com os pés


ainda firmes no chão.
Chapter Nine
Após Harry virar o placar, jogando com uma habilidade e técnicas dignas de
treinos duradouros, Liam fez os pontos que levaram os Wild Wolves à
vitória mais uma vez.

No meio do campo, cercado por pessoas, Chace sorriu para mim quando
tirou o capacete e eu correspondi, reprimindo a vontade de rir ao perceber
que Harry observava a cena atrás de Crawford com as sobrancelhas
franzidas e os cabelos suados. Uma parte de mim sabia que era ciúmes, a
outra... Bem, a outra também.

— Eles ganharam, yay. — Lottie ergueu o saco de batata-frita, que havia


surgido do nada, com uma falsa

empolgação e revirou os olhos. — Quando a gente vai pra casa? Tô com


fome.

Malik estava prestando atenção a Liam, que conversava com os pais na


arquibancada. Uma garota bonita estava com eles e não pude deixar de
reparar que todos os aspectos e sinais da cena se voltavam à possibilidade
de eles estarem empurrando mais uma garota a Payne. Zayn suspirou antes
de desviar o olhar, abaixando a cabeça.

— Bebê. — passei a mão pelos cabelos dele e endireitei seus óculos para
que não caíssem. — Está tudo bem.

Você sabe quem Liam é e de quem ele gosta, não sabe?

Não há motivos para se preocupar.

— Ei, Z. — Minha irmã o abraçou do outro lado, beijando sua bochecha. —


Não fica assim. Vamos pra casa e eu faço um macarrão com queijo e molho
vermelho maravilhoso pra gente. A não ser que vocês tenham combinado
de se encontrar com os namorados secretos.
Eu disse "Harry não é meu namorado" ao mesmo tempo em que Zayn disse
"não combinamos nada". Charlotte riu e se levantou, puxando Malik pelo
braço, que acabou me puxando também.

— Vamos lá! Precisamos nos entupir de queijo e carboidrato e animar


Zayn!

Parecia uma boa ideia.

Virei-me para o campo somente para dar uma última olhada em Você-Sabe-
Quem. Ele precisou desviar de alguns jogadores exageradamente
empolgados para me encarar quando percebeu que eu estava o procurando,

mas no momento em que o fez, um sorriso incrível tomou conta dos seus
lábios pálidos. Ergui os polegares para ele, querendo mais que tudo abraçá-
lo e parabenizá-lo. Sem olhar para trás novamente, corri atrás de Zayn e
Lottie.

— Esse filme... Ele é triste. — Lottie murmurou após enfiar uma mão cheia
de pipoca na boca. Mastigou e limpou as lágrimas com a ponta do cobertor
macio em que estava enrolada no outro sofá. — Todo mundo diz que é
famosinho e só por isso as pessoas gostam, mas... Ele vai morrer, não vai?

Parei de acariciar os cabelos de Zayn, que estava deitado com a cabeça no


meu colo e vestido com as roupas de dormir que pegou emprestadas de
mim. Meu pijama consistia em uma calça de moletom cinza e a camiseta
velha do Rolling Stones que já tinha vários buracos devido às dificuldades
que enfrentara ao longo dos anos.

Charlotte nunca teve um cuidado notável para lavar as roupas.

Fizemos macarrão e asinhas de frango frito picantes porque eu reclamei o


tempo inteiro que estava com vontade de comer. E, bem... Louis Tomlinson
sabe ser insistente.
— Ele morre. — eu disse, colocando três pipocas por vez na boca de Zayn.
Ele estava vidrado demais no filme para comer por contra própria. — Eu li
o livro.

Recebi uma almofada na cara antes mesmo que pudesse me dar conta do
que estava acontecendo. Hazel e

Augustus se beijavam na tela da televisão e isso só fez minha irmã chorar


ainda mais. Ok...

Meu celular vibrou no bolso da calça e eu o peguei no piloto automático,


tentando não mandar Charlotte calar a boca. Era uma mensagem de Harry.

Michelangelo: adolescentes são estranhos. Tem uma garota jurando que vai
pular na piscina pelada e tudo o que eu não queria estar fazendo agora é
socializar numa festa de idiotas. Muito menos ver uma garota pelada.

Eu: você tem que ficar aí?

Michelangelo: yeah.

Mordi a ponta do polegar enquanto decidia o que escrever de volta. O


assunto não podia terminar ainda.

Eu: já jantou?

Ele respondeu que não. Ponderei por um momento se deveria ou não dizer o
que estava pensando. Minha mãe chegaria só mais tarde e tenho certeza de
que Lottie e Zayn não ligariam, então escrevi e mandei a mensagem: Eu:
não tenho comidas sofisticadas aqui em casa, mas Lottie fez macarrão com
queijo e eu fritei asinhas de frango. Se você quiser jantar :)

Michelangelo: hum...

Não soube decifrar se sua mensagem era um "foda-se você e sua comida"
ou um "e daí?". Bloqueei o celular e coloquei no bolso de novo,
acomodando-me no sofá da forma que podia com a cabeça de Zayn na
minha coxa.
Ele estava quase dormindo, mastigando preguiçosamente as pipocas que eu
continuava colocando na sua boca.

Não me lembro em qual ponto do filme caí no sono.

Acordei com o celular vibrando de forma insistente contra minha coxa. A


televisão estava desligada, Lottie não estava mais no outro sofá, Zayn
também não e eu estava coberto até o pescoço e envolto por almofadas
fofinhas.

Era difícil me acordar e eles provavelmente desistiram na primeira


tentativa.

Devia ser Jay avisando que teria que dormir fora de novo para viajar cedo.
Atendi.

— Hum... — um tom hesitante encheu a linha. — Foi uma má ideia. Você


estava dormindo, não estava? Sua voz está rouca e... Você estava dormindo?

Sentei-me no mesmo instante ao ouvir a voz de Harry.

Olhei no decodificador da televisão a cabo e vi que já passava da meia-


noite. Eu poderia acordar com aquela voz todos os dias.

— Ei. Estava, mas não tem problema. Aconteceu algo?

— Você disse que tinha feito macarrão e... Ok, isso foi uma má ideia.
Desculpa, estou incomodando. Vou embora.

— Você está aqui?! — perguntei enquanto pulava do sofá e corria até a


porta.

— Meio que estou.

Apressei-me com as trancas, quase batendo o dedinho na última. Abri e vi o


Audi estacionado no meio-fio, as luzes desligadas. Meu interior se acendeu
com uma rapidez que deixou óbvio como eu me afetava pela ideia de
simplesmente ver o garoto.
— Sai do carro. — pedi. — Vem, vou esquentar pra você.

Desliguei o celular e demorou alguns segundos até que a porta de motorista


se abrisse. Harry saiu do carro, ligou o alarme e caminhou até mim. Ele
estava lindo, de calças jeans apertadas e camiseta listrada em vermelho e
preto por baixo do casaco. Carregava uma caixa média listrada em tons de
rosa e, embora estivesse curioso, pisquei rapidamente para afastar o sono.
Senti vergonha pelas minhas roupas de dormir.

— Ei. — disse quando estava mais perto, a expressão envergonhada ainda


no rosto. Indiquei para ele entrar e fechei a porta. — Tudo bem? A cozinha
é por ali, pode ir.

Já volto.

Quando desci as escadas novamente, cinco minutos depois, mastigando três


balinhas Tic-Tac porque não suportava o gosto de pasta de dente e com os
cabelos mais ajeitados, Harry estava no mesmo lugar com uma postura que
dava a entender que estava mais perdido que eu quando Lottie resolvia dar
festas de pijama e a casa enchia de garotas.

— Está com fome? — questionei, indo até a cozinha.

Seguiu-me silenciosamente. — Você está sem comer até agora?

— Sinceramente? Muita. Eles não servem comida em festas de


comemoração. São somente as bebidas.

— Que droga. — puxei uma das banquetas encostadas ao balcão. — Senta.

— Lou, olha. Não precisa esquentar tudo e se incomodar.

Se você tiver alguma fruta já vai ser o suficiente pra mim.

Ah... Aliás, isso aqui e para você.

Deparei-me com a caixa aberta sobre o balcão. Havia nove donuts


perfeitamente decorados com confeitos, raspas e caldas de chocolate.
Pareciam ser de alguma padaria cara, mas também fizeram minha boca
salivar.

— Ah! Eu amo donuts. Obrigado. A gente come depois do jantar, pode ser?

— Não precisa mesmo se incomodar, eu–

Revirei os olhos e comecei a esquentar o macarrão, torcendo para que não


ficasse grudento ou ruim por causa do queijo. Coloquei a frigideira com
óleo no fogo alto e, enquanto esperava, apoiei-me na pia e virei para ele.
Seus cabelos pareciam estar úmidos, puxados para trás e um pouco
bagunçados. Os lábios estavam vermelhos e as olheiras abaixo dos seus
olhos eram profundas, embora claras.

— Você foi ótimo no jogo, como sempre. Parabéns, Styles.

— Obrigado, Tomlinson. Fazia um bom tempo que eu não entrava em


campo.

— Yeah. — esfreguei um pé coberto por meia no outro e desejei que as


luzes da cozinha não fossem tão fortes

para não deixar minha cara de sono em evidência. — Se você quiser o


casaco de volta, eu posso ir pegar.

— Não. Fica com ele, eu tenho outro. Você com meu casaco é um grande
incentivo. E o beijo de boa sorte também.

Sorri. Demonstre que está calmo, está tudo bem, quem tá nervoso?, não tem
ninguém nervoso aqui.

— Sempre que precisar.

— Bom saber.

Nós permanecemos nos encarando por bons segundos, os olhares revezando


entre a boca e o corpo um do outro, até que o barulho das panelas
alcançaram meus ouvidos. Me atrapalhei em colocar as asinhas de frango
para fritar e para mexer o macarrão, quase derrubando no chão ou
escorregando no piso por causa da meia. Era horrível porque eu podia sentir
Harry me encarando e tudo o que eu queria era ir até lá.

O frango terminou de fritar alguns minutos depois e eu fiz o prato para ele,
colocando em sua frente antes de alcançar uma lata de refrigerante na
geladeira e um copo no armário de cima que sempre precisava ficar na
ponta dos pés para alcançar.

— Não sei se eu me ajoelho aos seus pés para te agradecer ou choro. —


Harry disse baixo, piscando para o queijo derretido após eu entregar o
garfo. — Faz tempo que eu não como algo assim. Estou sobrevivendo na
base de comida congelada e... Yeah, é uma dieta horrível para um jogador.

Dei meia-volta no balcão e parei atrás dele. Em cinco segundos de coragem,


inclinei-me e dei um beijo lento na sua bochecha gelada, sussurrando contra
a pele:

— Aproveita, então.

Antes que eu pudesse me afastar, porém, Harry colocou o braço para trás e
fechou a mão na minha nuca, virando a cabeça o suficiente para me beijar.
Mudamos de posição rapidamente durante os movimentos de nossos lábios
e eu fiquei entre suas pernas, suas mãos nos meus quadris, as pontas dos
dedos roçando perigosamente perto da minha bunda.

Arrastei as unhas pelo seu pescoço e nós separamos o beijo, sua boca indo
direto para o meu pescoço e me fazendo fechar os olhos. Senti a ponta
gelada do seu nariz arrastando de forma preguiçosa pela extensão da pele
conforme eu me arrepiava e suas mãos desciam mais, mais e–

— Ok! Essa não é a cena que eu esperava ver quando chegasse em casa. O
que está acontecendo?!

Quando a voz de Jay ecoou na cozinha, Harry voltou a segurar uma zona
apropriada, à altura das minhas costelas. Escondeu o rosto no meu peito
instantaneamente e eu respirei fundo, incerto se deveria sentir vergonha, me
jogar da janela e cair na grama ou correr para o quarto. Na dúvida, não fiz
nenhum dos três. Virei a cabeça em direção a ela, sorrindo inocentemente
enquanto continuava acariciar os cabelos de Styles.

— Oi, mãe. Como foi o trabalho? Chegou tarde hoje, hein?!

Ela deu um passo mais perto. Colocou a bolsa em cima de um balcão


qualquer e estreitou os olhos. Senti medo de levar um puxão de orelha em
frente a Harry. Justo agora que estava beijando alguém, esse alguém me
veria levando bronca. Ótimo.

— Suponho que esse seja Harry. — ela me ignorou e parou ao nosso lado,
mantendo os olhos nos movimentos dos meus dedos nos cachinhos.

Harry tirou a cabeça do meu peito e olhou Johannah com cautela. Estava
com o rosto completamente vermelho e fiquei com medo que estivesse
sofrendo uma reação alérgica.

— Sou eu. Prazer. — estendeu a mão e minha mãe aceitou,


cumprimentando-o. — Desculpa por estar aqui tão tarde, mas Louis disse
que não teria problema e... E-eu...

Se você quiser, posso ir embora. Está tudo bem.

— Não tem problema. — ergueu a sobrancelha para mim.

Eu sabia que teríamos outra conversa séria. — Bem, Louis. Eu estou com
fome também. Você pode fazer um prato pra mim enquanto converso com
Harry?

Ai, droga.

Me desenrolei de Harry com hesitação. Queria dizer à Jay para não


pressioná-lo. Harry não merecia isso, justamente agora. Por sorte e por Jay
ser uma mulher maravilhosa, ela somente se sentou ao lado dele e começou
a perguntar as questões básicas e obrigatórias requisitadas

na cabeça das mães e dos pais. Entreguei o prato a ela e, para me distrair,
peguei um donut com cobertura roxa e me sentei em frente a eles.
Ouvi enquanto Harry respondia sua idade, onde morava, se bebia ou
fumava (ele mentiu), se fazia isso ou aquilo.

Ele somente começou a ser vago quando Jay iniciou as questões sobre o
futuro, querendo conhecê-lo um pouco mais. Quando não respondia,
encolhia os ombros e oferecia um sorriso pequeno de desculpas. Talvez não
quisesse entrar na Uni... Eu não fazia ideia.

Os dois terminaram juntos e mamãe, de forma sutil, disse que tomaria


banho e, quando terminasse, Harry já poderia ir embora porque estava
tarde. Suspeitei que seria precipitado para o nosso relacionamento oferecer
o quarto de hóspedes para a noite.

Foi por isso que acabamos sentados no sofá com todas as luzes apagadas e a
televisão ligada em um programa de culinária aleatório em que estavam
ensinando a fazer salmão assado. Harry juntou nossos dedos no mesmo
instante em que eu estiquei a coberta no nosso colo e, devagar, me aninhei à
lateral do seu corpo. Ele era quente e seu perfume era viciante demais para
eu não me sentir no direito de me acomodar. Fora que os donuts em nossas
mãos passavam uma sensação de intimidade, como se nos sentássemos em
frente à TV todos os dias após o jantar.

— O macarrão estava tão gostoso. E o frango, também. —

passou o braço por cima dos meus ombros e ajeitou a coberta para que
meus pés não ficassem de fora. —

Obrigado de verdade. E obrigado por ter ido ao jogo e por ter ficado.

— Tudo bem, eu entendo. Quase pulei no Zayn quando você virou o placar.
Foi incrível. — Seria ainda mais se eu soubesse algo de futebol. — Você
não está dolorido de todos aqueles tombos?

— Já estou acostumado. Tenho problemas nas costas por causa disso, mas
acho que nunca tive coragem de parar.

Meu pai me mataria.


Ofereci metade do meu donut com calda de chocolate a ele quando vi que o
seu já tinha acabado. Harry mordeu ainda me olhando e sorriu de boca
cheia. Correspondi o sorriso e comi o restante, terminando de mastigar para
só então falar:

— Ele não manda no seu futuro.

— Futuro é uma palavra pesada demais, não acha?

— A vida é assim. — encolhi os ombros. — Lidamos com coisas pesadas o


tempo inteiro e fingimos que é tudo parte de um processo que dará certo no
final para que possamos nos sentir um pouco melhor.

Ficamos em silêncio, embora seus dedos acariciando meu ombro na área


em que ele tinha erguido a manga da camiseta

continuassem

movendo-se

lentamente.

Ouvíamos o chef chinês falar sobre corte de peixes. É

preciso retirar a parte ruim para não estragar a receita.

Geralmente, não sobra muito da carne.

Acho que fazemos exatamente isso. Não nos livramos da parte ruim que nos
cerca por medo de sobrar pouco, por medo de nos sentirmos insuficientes.
A ideia de conviver com o que nos deixa incapacitados é melhor que o
medo de possuirmos o mínimo.

Demorei um pouco para tentar me livrar dessa parte podre que me cercava.
Embora tivessem restado alguns efeitos colaterais, como os pesadelos ou as
lembranças súbitas que retornavam nos momentos mais inoportunos, eu
sabia que aquilo iria embora hora ou outra. E eu não seria menor, seria bem
maior que todos os meus medos.
— Ninguém do time sabe que Anna morreu. — ele continuou assistindo à
televisão como se estivesse falando de um ingrediente da receita. — Da
escola, somente você, Julie, Candice e Liam sabem. E o diretor, mas isso
não vem ao caso. Eles nem se importaram comigo. Só ficaram felizes em
saber que eu estava de volta por causa dos jogos da temporada. Ao menos
para isso eu tenho algum valor. Além, claro, das bebidas, festas e drogas
que eu financio.

— Você não precisa do reconhecimento deles. É superior a tudo aquilo que


fazem.

— Eu... — apertou meus dedos com um pouco mais de força, mas não
recolhi a mão. — Esquece, é estúpido.

Sentei-me certo no sofá com as pernas cruzadas e o corpo completamente


virando para ele. Seu perfil estava iluminado pela luz trepida que vinha da
TV e os olhos se fecharam quando levei os dedos até os cabelos macios da
sua nuca.

— Não é estúpido. Eu quero te ouvir.

— Eu só... Eu só queria saber que alguém se importa, entende? Que tudo o


que eu fiz para aquelas pessoas valeu ao menos uma ligação ou uma
mensagem dizendo

"o que está acontecendo?". Quero saber que eu importo, Louis.

Dizer que eu me importava com ele não adiantaria, sabia disso. Não era
sobre mim, era sobre toda aquela gente que ele conhecia desde o início. Era
sobre quem o cercava, mas que não estava ali quando se tratava de prestar
algum apoio.

— Me dá uma chance pra eu te mostrar que você importa.

Que vale a pena levantar à meia-noite por você para esquentar macarrão
com queijo e fritar frango. Que vale a pena estar aqui com você e que eu
quero estar aqui.
— Isso só me faz perceber ainda mais que não é justo com você. Que eu
sou egoísta. — ele virou o rosto, segurando a lateral do meu e percorrendo a
maçã do meu rosto com o polegar. — Você vai me odiar.

Abaixei a mão para a sua nuca, atrevendo-me a descer o toque para as suas
costas sob a roupa. A pele era quente, suave e me fez ter vontade de ver
como ele era sem camiseta. Não deixei de notar como seu corpo estremeceu
quase imperceptivelmente.

— Por que eu te odiaria?

— A questão é: por que você não me odiaria? Olha... Eu quero um tempo,


mas nós precisamos conversar. Kay? Eu nunca deveria ter me aproximado,
isso é verdade, mas já

que o fiz, não tem como voltar atrás porque de jeito nenhum que, enquanto
eu puder estar perto, vou ficar longe da sua boca, de você.

— Você está me assustando.

— Eu sei, eu sei... Desculpa. Mas nós vamos conversar no ano-novo. Antes


da meia-noite.

Então nós iríamos passar o fim de ano juntos e eu iria descobrir o que o
afligia – o que quer que fosse, daríamos um jeito. Não fazia ideia de como
tinha chegado àquele ponto... No sofá de casa com Harry travando uma luta
de polegares e minha outra mão por baixo da sua camiseta, mas se eu sabia
de uma coisa, era que não havia mais nenhum lugar em que preferia estar.

— Qual é o poder da meia-noite? — indaguei, perdendo mais uma batalha


de polegares. — As pessoas adoram esse horário.

— À noite, tudo é possível. Passar de um dia para o outro faz com que
possamos sonhar acordados. Aquilo de uma nova chance, sabe? Deixe-nos
sonhar.

Eu me inclinei e beijei seu pescoço e a veia que subia de forma proeminente


até a linha do seu maxilar. Beijei todos os pontos que o fazia me apertar
com mais força como se precisasse de estabilidade. Perto dele, eu também
precisava. Nada mais justo fazê-lo sentir a mesma coisa.

O ponto era: ele sentia a mesma coisa. E não precisava da minha ajuda
porque aquelas sensações estavam implantadas em cada parte da sua
corrente sanguínea

como se fosse uma parte imutável do organismo. Eu só não sabia.

— Talvez seja uma nova chance.

Seus dedos encontraram o caminho até meu cabelo, puxando alguns fios
com o mínimo de força.

— Talvez seja a minha última. — sussurrou.

— O que isso significa?

— Não importa agora. — segurou meu rosto com as duas mãos e me


beijou, calando a minha boca.

Minutos depois e eu estava a ponto de subir no colo dele, imerso até o fim
pelas sensações da sua boca e pela vontade de beijá-lo de verdade, com
língua e tudo – ainda não havíamos alcançado aquele estágio e era uma
merda

–, quando Jay surgiu no topo das escadas e limpou a garganta.

— De novo. — Styles mordeu meu lábio inferior antes de rir contra minha
bochecha.

Minha mãe estava se revelando uma Empata Beijo legítima.

— Bem... Já está tarde. — ela disse, acendendo as luzes ao atingir o


primeiro degrau. — E eu vi meu filho lambendo a boca de um garoto mais
vezes do que gostaria. Então...

Estou traumatizada, vocês estão irritados por terem sido interrompidos, nós
três vamos dormir bem putos da vida e é isso. Boa noite, Harry.
Styles se levantou após sussurrar um "bem direta" no meu ouvido.
Continuei sorrindo enquanto ele ajeitava o casaco

e os cachos rapidamente. Me deu um beijo de boa noite na bochecha e Jay o


acompanhou até a porta. Só quando ouvi o barulho do Audi indo embora
que me levantei.

— Bem. Vou dormir, mãe. Por favor, não me dá uma bronca agora.
Amanhã. Pode ser? A gente marca horário.

Ela não me deu bronca. Estava sorrindo amplamente, os cabelos presos de


forma meio frouxa.

— Ele é fofo. E tímido. — puxou-me para perto e beijou minha testa. Eu


abracei mamãe forte, apertando os braços em volta dela. — Mas quando eu
digo que estou traumatizada pelos beijos seus que presenciei, estou falando
sério. Ao menos encontrem algum lugar escondido... Jesus.

Eu ri contra sua camiseta. Tinha a impressão de que riria de qualquer coisa


para encobrir o nervosismo e a vontade de saber do que Harry estava
falando minutos antes. O

que ele estava escondendo.

As coisas continuaram as mesmas, isso é óbvio.

Enquanto Liam se sentava à nossa mesa e continuava nos fazendo rir com
as histórias sobre o time, Harry estava do outro lado do refeitório ao lado de
Julie, que quase não desviava os olhos da namorada – como eu nunca
percebi isso?

É claro que isso não impedia nossos olhares de ficarem fixos um no outro,
mesmo com a distância considerável nos separando. Eu o encarava, ele me
encarava e nós

entrávamos em um tipo de brincadeira involuntária na qual quem ria


primeiro, perdia. No caso, eu, até porque o sorriso que se alastrava pelo
meu rosto em conjunto com um rubor quase incinerante quando Styles
erguia a sobrancelha e sorria de lado era gigante.

Bem, me culpem.

Ele dava um jeito de esbarrar em mim nos corredores para deslizar os dedos
pela minha mão ou pela base da minha coluna e nós já até tínhamos um
horário combinado para nos encontrarmos. Nos dias das aulas de literatura,
recolhíamos nosso material e saíamos da sala sem que ninguém percebesse
que estávamos agindo juntos. Então, íamos para fora da escola e nos
sentávamos na grama do estacionamento. Ele deitava a cabeça no meu colo
para fumar e eu brincava com seus cabelos, que vez ou outra estavam
presos por bandanas de diferentes estampas. Era tranquilo e Harry gostava
de observar o céu por minutos diretos, apontando vez ou outra para uma
nuvem que o lembrava de algo.

Ele dizia que aquele azul o lembrava dos meus olhos. E

se eu me lembrava dos seus olhos em todos os minutos do meu dia, preferi


manter em segredo.

Duas semanas depois, a exatos vinte dias do ano-novo, Styles me convidou


para jantar em sua casa. Era uma sexta à noite e Zayn estava em uma festa
com Liam e os pais dele como se os dois não fossem nada mais que amigos.
Harry me buscou em casa e conversou com Jay,

que me obrigou a levar pedaços de brownies com cereja para sobremesa,


mesmo que ele tenha garantido inúmeras vezes que teria cheesecake de
morango o suficiente por meses.

Era a primeira vez que eu conheceria sua casa. Não sabia ao certo o que
esperar, mas assim que vi o casarão moderno e produzido em uma
arquitetura impressionante, meu queixo quase foi ao chão.

A mansão era afastada, construída dentro de uma propriedade gigante e


cercada por árvores altas. No pátio, luzes apontavam para a fachada
elaborada em vidro escuro e gesso com detalhes extraordinários. Era lindo,
mas meu coração apertou porque tudo estava escuro e silencioso demais.
Quando Harry estacionou o Audi em frente à pequena escadaria de
mármore e desligou os faróis, nenhum barulho podia ser ouvido.

— Sua casa é linda. Você deve achar a minha um albergue de quinta


categoria.

— Gosto da sua. É acolhedora.

A informação de que Harry morava e vivia sozinho me atingiu mais forte


que um tapa na cara pela centésima vez desde que o conhecera. Por isso,
agarrei seu braço com as duas mãos para que ele soubesse que estava me
apoiando nele, que precisava de sua presença para me sentir seguro.

Fui guiado pelo hall, as luzes pendendo do teto em um grande lustre de


cristal fazendo-me piscar algumas vezes para as paredes claras. Eu
reconheci um quadro de Degas

pendurado acima do aparador moderno e fiquei encantado, sorrindo para a


decoração suave que combinava com a pintura de uma bailarina. Era um
dos meus artistas preferidos.

Não pude ver muito da sala de estar porque ele me levou direto até a de
jantar após jogar o seu casaco e o meu no sofá de couro.

— Jantar e depois você me leva para conhecer seu quarto? — cutuquei suas
costelas. Vi um porta-retratos com uma fotografia em que ele estava
abraçando uma mulher linda e de sorriso incrível. Desviei o olhar, fingindo
não ver que todos os outros quadros estavam virados pra baixo.

— Sim, tenho que te conquistar primeiro. Depois assistimos Netflix e


relaxamos na minha cama.

— Você já me conquistou. — murmurei tentando manter minha voz firme


enquanto encarava suas costas.

Ele não se virou, mas disse:

— Então tenho que fazer por merecer.


Quando nos sentamos à grande mesa de carvalho no centro do cômodo,
lado a lado apesar dos doze lugares, não pude deixar de rir dos talheres e
dos pratos... De plástico. A comida chinesa ainda estava nos containers de
isopor e as taças de cristal estavam cheias de refrigerante como se
servissem para isso. A maioria das coisas estava fora de lugar e ainda
parecia certo. Quem dera eu tivesse essa habilidade.

— Olha, eu até poderia usar a louça de prata ou algo assim que existe em
algum lugar dessa casa, mas já estou acostumado a comer em prato de
isopor. — explicou, notando meu olhar para o talher. — A não ser que você
queira um normal. Eu posso ir pegar.

— Isso... — ergui o garfo, rolando-o entre meus dedos. —

É normal, Harry. Gostei da ideia.

— Como eu disse: estou acostumado. — Distribuiu o arroz em nossos


pratos e depois o yakisoba com o frango. —

Ninguém trabalha mais nessa casa porque eu meio que os despedi e... Eu
nunca soube fazer limpeza. Preguiçoso desde que nasci.

Assentindo e me identificando, comecei a dividir os legumes que estavam


no meu prato. Dei os pedaços de brócolis a ele e peguei as cenouras,
distribuindo o repolho de maneira igualitária entre nós dois. Quando
terminei de ajustar os pratos de acordo com nosso gosto, Harry estava me
olhando com uma sobrancelha erguida e o sorriso de lado que fazia meus
hormônios quase explodirem.

— Como você sabe de tudo que eu gosto? E não gosto.

— Eu... — dentro da cabeça, procurei incessantemente por uma forma de


dizer aquilo e que não soasse tão estranho. Não achei nenhuma. — Presto
atenção no seu almoço. Nos legumes que come. E... Isso soa extremamente
psicopata. Desculpa.

— Eeei. Não peça desculpas. Só estou com vergonha porque agora você
sabe minhas manias estranhas.
Comi um pedaço de cenoura com o frango. — Batata-frita com sorvete é
uma delas?

Rindo, Harry empurrou meu ombro com o seu enquanto tentava tapar a
boca com a mão para mastigar o arroz.

— Eu sou uma tartaruga ninja. Tenho direito a esses desejos estranhos.

— Tipo comer em pratos de isopor?

Sua risada foi reduzida a um sorriso antes de ele levar o garfo à minha boca.
Comi o pedaço de frango com molho ainda o encarando.

— Tipo tirar uma foto sua depois de te beijar.

Tive que enfiar quase todos os pedaços de frango na boca para que não
acabasse falando alguma merda.

Depois do jantar, nós subimos para o quarto dele, o último no fim de um


corredor extenso. Sentado na beira da sua cama de casal que era
extremamente macia, eu revezava o olhar entre Harry procurando um filme
no Netflix e as paredes neutras. A pintura era cinza e não havia sequer um
pôster, algo escrito ou qualquer coisa que pudesse dar a entender que ali
dormia um adolescente. Os móveis pareciam ser caros e o MacBook Air
sobre a mesinha ao lado de vários livros, a televisão grande embutida à
parede e o Xbox One conectado a ela deixavam claro que os pais dele
sempre deram o melhor em questão material.

Eu estava sem sapatos e Styles também, os casacos esquecidos no sofá. A


única luz vinha de um dos dois

abajures ao lado da cama e o cobertor estendido no canto do colchão me fez


bocejar.

— Nunca assisti Procurando Meno. — comentei, ainda olhando as paredes.


Pareciam estar precisando de algo a mais. Algo... Harry.
— Nemo. — disse. O filme iniciou e ele veio se sentar ao meu lado. —
Procurando Nemo, não Meno.

— Tanto faz.

— Não fala assim da maior obra prima da minha infância.

— Desculpa.

Nós ficamos sentados na beira da cama como dois idiotas, sem saber ao
certo o que fazer, ainda meio desconfortáveis e deslocados. Nunca
havíamos ficado sozinhos numa cama, a luz apagada e o clima... Gostoso.

O filme estava no início e minhas mãos estavam apertadas uma na outra


quando Harry bufou alto, segurou a mão firmemente sobre minha barriga e
me levou pra cima para que eu me deitasse nos travesseiros. Deitou-se ao
meu lado e nos cobriu, desligando o abajur e permitindo que a luz da
televisão fosse a única no quarto, ignorando solenemente minha risada
baixa. Então, puxei seu braço e o estiquei para que pudesse deitar a cabeça
no seu bíceps.

— Você cheira bem. — disse suavemente para não atrapalhar aquela


dimensão quase irreal que tínhamos nos colocado de forma inconsciente. E,
yeah... Ele cheirava bem.

— Você também. Seus cabelos cheiram a morango e, às vezes, a algodão


doce.

— Lottie compra shampoo na sessão infantil.

— Hum...

Levei aquele "hum" como uma dica para eu ficar quieto e deixá-lo assistir o
filme.

Eu olhava para a televisão vez ou outra, mas na maioria das vezes, preferia
observá-lo. Gostava de ver como a curva do seu nariz era coberta por uma
superfície azul vinda da tela, como seus cílios eram grandes e como sua
boca era desenhada tão perfeitamente. O lábio inferior era mais cheio que o
superior e eles ficavam molhados o tempo inteiro porque Harry tinha essa
mania de lambê-los a cada segundo, o que me deixava uma pilha de nervos
no sentido mais proibido possível.

A certa altura, meus olhos começaram a se fechar, embalado no calor


embaixo do cobertor e na sensação quase divina, mas um barulho pequeno
me fez abri-los novamente. Pisquei, sonolento, para cima e vi Harry
limpando o nariz com o braço. Ele estava fungando. Vi quando uma lágrima
escorreu pela sua bochecha e franzi as sobrancelhas. A preocupação me fez
despertar.

— Harry? — chamei, acariciando seu peito. — Ei, o que houve?

— É bobo. Eu... — limpou os olhos, balançando a cabeça.

— Quantas vezes vou ter que falar que tudo o que você diz é importante?
Eu quero ouvir se você quiser me contar.

Harry foi um pouco para baixo e me abraçou, posicionando a cabeça no


meu peito. Lembrei-me da vez no seu carro.

— Nemo está sozinho. — murmurou abafado, entrelaçando as pernas às


minhas. — A mãe dele morreu, ele está sozinho e...

Era mais pessoal do que eu imaginava.

— Se Meno tivesse obedecido ao pai... — tentei brincar.

— Lou... — resmungou, manhoso. Olhou para a tela com medo como se


fosse um filme de terror e desistiu de me corrigir. — Ele queria provar que
era forte. Que era corajoso e podia superar a nadadeira imperfeita, sabe?

Não era uma questão de obedecer, era de provar.

Também fui para baixo na cama até estar com o rosto à altura do seu. Beijei
a pontinha vermelha do nariz e sorri pequeno para tentar encorajá-lo a fazer
o mesmo.
— Olha, o peixinho não precisa provar para ninguém que é forte. Ele sabe
que é, sabe que pode superar sem mostrar isso para ninguém a não ser para
ele mesmo. Meno pode tudo o que quiser porque Meno é extraordinário. —
eu disse, sabendo que aquilo ali não era dirigido somente ao filme. Porém,
Harry balançou a cabeça e concordou.

Enxuguei suas lágrimas. — Certo, meu Meno?

Ele assentiu com a cabeça e me deu um beijo lento, parecendo absorver as


palavra enquanto sua boca extraía todo meu raciocínio.

— Eu não sou um peixe-palhaço.

— Hum, não? Você é o meu peixe-palhaço.

Styles revirou os olhos e se acomodou de forma que ainda pudesse assistir


ao desenho como um bebê vidrado no Discovery Kids.

— Melhor assim.

Sorri.

É, Meno. Muito melhor assim.


Chapter Ten
O pai do Meno (o do filme) ainda estava procurando pelo filho quando eu
comecei a ficar um pouquinho entediado.

Harry havia retornado a atenção à televisão há alguns minutos e, após


deitarmos na mesma posição de antes, com a minha cabeça apoiada no seu
bíceps, eu fiquei curioso sobre até que ponto poderíamos levar aquilo por
causa da inquietude borbulhando pelo simples fato de sua mão estar
extremamente quente de onde estava espalmada nas minhas costas. Fiquei
curioso para descobrir o que Harry poderia me causar tanto interna quanto
externamente. Então, tomei coragem, um longo fôlego e sem pensar duas
vezes, comecei.

Fechei os olhos e subi o pé pela sua canela coberta pelos jeans, esfregando
algumas vezes com cuidado para testar

o território. Imediatamente, seus longos dedos desceram até a base da


minha coluna e eu tive de reprimir o sorriso contra sua camiseta tomada
pelo cheiro suave de perfume.

Movi a mão do seu peito para a sua barriga, acariciando os músculos firmes
ali. A forma como eles contraíram, rígidos e estendidos, foi o suficiente
para tirar meu fôlego. Em resposta, ele agarrou o cós da minha calça,
tocando uma pequena parte da minha pele e da barra da cueca.

Minha respiração não podia ficar mais acelerada.

— Se você fizer mais alguma coisa, a gente vai ter que parar o filme. — sua
voz estava mais baixa, mais afetada. Ah.

Honestamente, eu estava pouco ligando para o filme.

— É. — respondi sem prestar muita atenção. — Louco, né?

— É? — ele me olhou. Ouvi algo como "continue a nadar, continue a


nadar". No mesmo tom, tudo o que minha mente repetia era "continue a se
aproximar, continue a se aproximar".

— É.

— Sua mãe não está aqui para nos interromper.

— Obrigado por falar da minha mãe agora.

— Desculpa.

— Pedimos muitas desculpas.

— Me beija.

Não precisava pedir duas vezes.

Com um suspiro falsamente exasperado, eu o empurrei de leve para que se


deitasse certo na cama. Gostando da forma como seus olhos arregalaram e a
boca caiu entreaberta em surpresa, eu fechei o punho no travesseiro ao lado
da sua cabeça e sorri pequeno antes de aproximar nossos rostos para beijá-
lo. A última coisa que vi foi sua covinha esquerda ressaltada pelo sorriso de
lado que estava surgindo e, consequentemente, deixando-me desorientado.

Primeiro, tudo foi calmo e gostoso como sempre, lábios deslizando um


contra o outro e mordidas pequenas – nada de língua. Mas a partir do
momento em que eu deixei escapar um gemido quase inaudível por causa
dos nossos peitorais pressionados, Harry grunhiu e passou o braço em volta
da minha cintura, levantando-se o suficiente para me jogar para trás e deitar
por cima, sendo atencioso com seu peso sob mim mesmo com toda a força
que já havia provado ter inúmeras vezes não só no treino, mas também
quando trocou de posição sem esforço algum.

Minha camiseta havia subido e a sua estava na altura das costelas, nossas
peles juntas, quentes e irradiando calor como se lá fora estivesse fazendo
trinta graus. Uma mão mantinha meu rosto erguido e a outra apertava meu
quadril, sua boca conduzindo a minha com habilidade e pequenos
movimentos que davam a entender que eram perfeitamente encaixados com
os que eu fazia. Seu abdômen rígido tremulava a cada vez que eu inspirava
com um pouco mais de força. Por um segundo, realizei que o cobertor já
não era mais necessário, ao menos não enquanto eu o tivesse me cercando
por todos os lados.

Nos separamos por pouco tempo, seus olhos procurando os meus em meio a
escuridão e o lábio superior brilhante com a nossa saliva. Enquanto
ofegava, fechei as mãos no seu pescoço e tentei me manter lúcido ao sentir
como ele ergueu minha camiseta com tanto cuidado até ela estar um pouco
abaixo do meu peitoral. Tentei não sentir vergonha, apesar das bochechas
vermelhas protegidas pelo escuro.

Quando Harry voltou a me beijar, tudo acelerou de vez.

Eu arrastava as unhas pelo seu pescoço o mais leve que conseguia, embora
a urgência me consumindo não fosse nem um pouco suave, e ele segurou
meu quadril. Lambeu meu lábio inferior e eu abri a boca o suficiente para
que ele chupasse minha língua com intensidade e lentidão, enviando
pulsações pela minha virilha que me obrigaram a fincar as unhas na sua
nuca. No momento em que nossas línguas se encontraram pela primeira
vez, meu estômago parecia estar sendo corroído em ácido puro, retorcendo
e contraindo. Ele chupava a minha, molhado e devagar, e eu lambia a sua,
tentando extrair tudo o que podia como se fosse ficar em abstinência por
uma década. Seus suspiros eram as coisas mais – porra! – fantásticas que
eu já tinha ouvido. Eles me deixaram no limbo, o sangue pulsando nos
ouvidos e o único contato me mantendo firme sendo os seus lábios me
reivindicando.

Não sabia direito o que estava fazendo, mas ergui sua camiseta e ele a tirou
como se fosse uma ordem imediata.

Quase esmagado pela força e ritmo compulsivo que meu peito subia e
descia, encarei as tatuagens no seu peito, a borboleta

estampada

no

seu
estômago

os arranhões delineando uma área que se concentraria um pouco abaixo da


gola de qualquer camiseta. Sua pele era macia, lindamente pálida apesar dos
treinos de futebol embaixo do sol piedoso de Londres, e cada pedaço dele
era esculpido como uma obra de arte tão clichê quanto qualquer outra
descrição.

Ele não era uma obra de arte clichê, era a obra excepcional que deveria ser
admirada e protegida por uma redoma de vidro.

As linhas vermelhas no meio do caminho de cicatrização deixaram minha


garganta seca, mas notei que Harry não havia percebido que eu estava as
vendo, portando me forcei a concentrar a atenção nos riscos pretos que
contornavam seu peito e os bíceps. Eram únicos, e grande parte da afeição
foi reservada às andorinhas abaixo de suas clavículas.

— Você é lindo.

— Não diria isso se pudesse ver como você está me olhando agora. —
Harry se abaixou e deixou um beijo no centro das minhas costelas, o
pequeno toque tomando meu corpo pelos arrepios. O segundo beijo foi
deixado na minha barriga, quente e gracioso, enquanto ele empurrava a
camiseta para cima. Eu a tirei, não sabendo ao certo como tínhamos
avançado tanto. Mas suas costas pareciam tão lindas imersas nas sombras
da televisão e ele me olhava com tamanha admiração que eu me deixei
pensar que era digno daquilo. Era digno de me sentir desejado sem que o
gosto amargo retornasse. — Louis,

você... Não consigo descrever. Você está me olhando como se eu pudesse


parar o tempo.

Balancei a cabeça, puxando-o para cima e fazendo com que seu corpo
esfregasse no meu durante todo o caminho até em cima. Segurei seu rosto.

— Acho que você pode.


— Por nós dois, bem que eu queria.

O que aquilo significava?

— Harry... — engoli em seco, reprimindo o início dos pensamentos e das


lembranças. Eu queria ser capaz. —

Continua. Por favor.

Ainda me olhando, seus dedos desceram pelas laterais do meu corpo. Era
tão suave e gentil que eu parecia ser algo precioso e maleável, e os seus
olhos não desviando dos meus me ofereceram segurança. Continuou com os
avanços, partindo até a área debaixo do meu umbigo. Eu o sentia contra
meu quadril, sua ereção dura e contida pelos jeans deixando-me ciente que
aquilo estava o excitando tanto quanto a mim.

Mas aí... Aí Harry moveu as mãos para as minhas costas e sua boca foi para
o meu pescoço. Ele havia feito antes, na casa da árvore e na cozinha de
casa, eu me lembro, mas talvez tenha sido o fato de eu estar sem camiseta e
de olhos fechados que impulsionou um gatilho gelado através da minha
espinha.

" Se eu te tocar aqui, não será errado, amigão. Você me conhece e seu pai
também."

Balancei a cabeça, me concentrando em Harry.

Sussurrava seu nome mentalmente com força e convicção digna de uma


prece. Queria sentir seu toque. Queria me lembrar de que ele nunca me
machucaria.

Não funcionava.

" Você se lembra do Natal do ano passado? Quando Johannah me convidou


para o jantar porque... Porque olha só, eu sou mesmo da família. Eu te dei
um presente no dia anterior. Você pode tirar as roupas em minha frente. "

Harry estava me tocando, não ele. Não era ele. Por favor, consciência,
entenda isso. Não estrague, não estrague. Eu sabia que Styles estava
beijando meu peito, sua língua traçando caminhos tortuosamente lentos, eu
só não era capaz de senti-los. Estava longe, havia sido arrastado para aquela
parte da mente.

" Vamos lá, amigo. Ou você me deixa tirar sua calça ou eu conto para Jay
que você estava acordado até tarde jogando videogame. Isso é culpa sua,
Louis, se você fosse mais obediente... "

Não é minha culpa!

" Cala a porra da boca. Quando você gozar, vai ser bom.

Vai aprender."

Os beijos tinham parado, o barulho também. Tudo era silencioso e eu me


sentia inerte, largado. Era composto por membros, mas não tinha certeza se
eles ainda funcionavam.

A voz desesperada de Harry me alcançou como se ele estivesse me


salvando.

— Louis! Fala comigo, por favor, por favor. — meus olhos se tornaram
nítidos conforme os piscava mais. Vi seu rosto preocupado entrar no
alcance da minha visão, os olhos verdes arregalados e os cabelos apontando
para todos os lados. — Lou... Lou?! Merda, o que eu fiz?! Me desculpa,
desculpa...

Ele me abraçou forte e manteve o rosto na curva entre meu ombro e


pescoço. Eu sentia o suor gelado cobrindo minha pele, sentia como meu
coração estava batendo tão rápido que chegava a ser doloroso. Estava com
vergonha por ter falhado em um momento como aquele. Ter falhado com
Harry.

Eventualmente, ergui os braços e o abracei de volta. Não estava chorando,


mas soltava soluços para que conseguisse respirar. Reuni todas as minhas
forças e me forcei a sussurrar:

— Não é culpa sua. Você não deveria ter visto isso.


— Eu fiz algo de errado? — ele estava desolado, segurando meu rosto com
tanta fragilidade que era impossível dizer que aquelas mesmas mãos
garantiam tantos pontos aos Wild Wolves.

— Não. Não fez nada de errado...

Fiz um pequeno movimento para avisá-lo que eu iria me sentar e Harry se


afastou, ajoelhando-se no colchão ao meu lado. Eu queria cobrir o rosto, me
esconder debaixo do cobertor ou afastar a única pessoa por perto como

sempre fazia nas noites de pesadelos, mas sabia que não seria justo com ele.

Antes que eu pudesse dizer algo, pegou a camiseta deixada de lado e a


vestiu, escondendo a visão do seu peito de mim.

— Você parou de responder e começou a respirar mais rápido. — disse,


esfregando a unha distraidamente no pulso. Piscava rapidamente da mesma
forma que fazemos quando

estamos

dentro

de

um

pesadelo

precisamos, temos de acordar. — Eu não sabia o que fazer.

Me ajoelhei em sua frente e posicionei as mãos nas laterais do seu pescoço,


a pele quente e suada me deixando ciente do fato que eu também estava
suado.

— As minhas memórias são um pouco fodidas. — assumi, precisando mais


que tudo acalmá-lo e assegurá-lo. — Não tem nada a ver com você. Eu
gosto muito do jeito que você me toca, como sempre parece pedir
permissão para me beijar e do jeito que me segura. Eu me sinto seguro com
você e queria provar a mim mesmo que eu sou o único dono das minhas
lembranças. Não deu certo. Não agora.

— Eu sinto muito... O que quer que esse monstro tenha feito com você... Eu
sinto.

Quando voltamos a nos deitar embaixo da coberta, o clima reduzido até o


final, beijei seu ombro e percorri os dedos pelos arranhões por cima da
camiseta.

— O mesmo pra você, Meno.

— Meu primo chega amanhã com a namorada para ficar até depois do ano-
novo. — Harry disse, desapontado e frustrado.

Sentado do outro lado da mesa, Liam ergueu as sobrancelhas ao colocar


mais três cartas de baralho na mesa, fazendo Harry grunhir baixo. Zayn
parecia tão perdido quanto eu, era como se fôssemos nerds invadindo a
festa dos jogadores do time da escola- Espera aí...

— O principezinho mimado? — Payne questionou enquanto distribuía mais


cartas.

Nós estávamos no jardim da casa de Harry e o dia estava relativamente


agradável. Nada de nuvens cinza ou aquele chuvisco permanente que
pertencia a Londres, apenas um sol tímido se escondendo vez ou outra e
iluminando o vasto pátio de pedras polidas e piscina de azulejos escuros.
Styles usava o mesmo chapéu Fedora e sua camiseta era de gola alta, o que
me deu a impressão de que novos arranhões tinham encontrado o caminho
até seu peito. A possibilidade me fez engolir em seco, mesmo com o sorriso
prostrado nos seus lábios.

Não entendia como ainda me sentia confortável ao seu lado mesmo após ele
ter visto um daqueles momentos.
Confiança, acho. E a segurança de que ele não estava me julgando ou não
me via diferente.

— Ele. — confirmou. — Não sei se vou suportar. Disse que reservaria uma
suíte no Berkeley, mas- Hah! Ainda

tenho que ir a um museu com os pais de Julie no domingo.

Que droga.

Após acariciar a parte do seu braço que não estava coberta pela manga da
camiseta, levantei-me da mesa ao mesmo tempo em que Zayn e nós dois
caminhamos em direção a um dos lounges à beira da piscina, deixando-os
sozinhos para conversar. Atrevi-me a olhar a figura imponente da casa ao
nosso lado enquanto me sentava.

Quando olhada de baixo, a mansão era ainda mais sombria. Talvez fosse o
fato de estar vazia e silenciosa, mas eu não gostava tanto dos cômodos
empoeirados como deveria.

— O que aconteceu com nós dois? — Malik me olhou daquele jeito que
dava a entender que eu continha todas as respostas do mundo dentro de
mim. Era algo profundo demais para duas da tarde. — Liam Payne e Harry
Styles?

Ao mesmo tempo? O destino está brincando com nossa cara.

Ainda virado na direção da mesa onde Payne e Styles jogavam cartas e


tomavam long necks de cerveja como típicos jogadores de futebol
americano do Texas na folga, eu esfreguei minha têmpora com dois dedos e
encolhi os ombros.

— Não sei se acredito em destino, Zayn.

— Isso é muito Jane Austen pra você? Sem destino, coincidências, planetas
alinhados e lua em... Sei lá. Não entendo isso de horóscopo.

Ri baixo, tirando a camisa jeans e deixando apenas a tank top branca. Não
perdi o olhar de Harry, que fixou em mim no mesmo instante, uma
sobrancelha erguida por baixo dos óculos escuros.

— Eu acho que destino é algo meio improvável. — com Harry em minha


frente, era uma frase difícil de afirmar. —

Você não nasce destinado a alguém, você encontra a si mesmo nessa pessoa
e espera que ela se encontre em você. Tu te tornas eternamente responsável
por aquilo que cativas a partir do momento em que se torna mutuamente
cativante.

Zayn não respondeu. Quando o olhei, ele estava sorrindo de lado e pouco se
importando com os óculos escorregando no nariz.

— Não acredita em destino, então? Veredicto final?

Styles sorriu para mim ao colocar quatro cartas na mesa de madeira. As


duas covinhas tímidas apareceram, e o vermelho leve espalhando-se em
suas bochechas agiu como uma lâmpada em um quarto escuro. Me deu uma
pista de que eu poderia me achar.

— Não. Não acredito. — respondi.

Embora algo me dissesse que essa ideia poderia mudar alguma hora.
Evoluções, pessoas novas, uma possível paixão e dois olhos verdes que eu
sentia a necessidade borbulhante de trazer à vida e eliminar toda a morte
contida ali. Eu tinha fatores o suficiente, só precisava que eles me
mostrassem eficientes.

— Doze a seis, Styles! — Liam bateu a mão na mesa e me fez quase cair
para frente com o grito. — Você está me devendo dez libras.

— Yeah. Claro. — Harry revirou os olhos e se levantou, jogando as cartas


sem se importar com onde elas fossem cair. No caso de algumas, o chão.

Descalço e já tirando um cigarro do maço, ele veio até o lounge em que


Zayn e eu estávamos sentados e passou uma perna sobre o assento,
sentando-se atrás de mim com as coxas separadas e, consequentemente, eu
no meio delas.
Hum.

Malik ergueu as sobrancelhas de uma maneira nem um pouco discreta e se


moveu para o outro lounge, deixando espaço para as pernas longas de
Styles. Antes que eu pudesse falar algo, Liam tirou a camiseta, gritou e
pulou na piscina abraçando as pernas encolhidas, emergindo segundos
depois e gesticulando para Zayn entrar, também. Vantagens que o sol nos
proporcionava em uma cidade cinza.

Fui para trás até que pudesse me encostar ao peito de Harry, também
esticando as pernas e observando Zayn tomar a decisão de sua vida de pular
ou não na piscina.

É claro que fui distraído.

— Você fica ainda mais bonito com esse tipo de regata. —

Styles sussurrou lentamente no meu ouvido, o timbre rouco combinando


com o seu dedo indicador subindo do

meu pulso até o bíceps, a unha provocando a pele vez ou outra. — Gostei.

— Não gosta das camisetas de banda?

— Gosto.

— E das meias coloridas?

— Não força a barra.

Inclinei o rosto o suficiente para encará-lo por cima do ombro. Estava


fumando, mas fazia com que a fumaça não viesse em minha direção. Eu
queria ver seus olhos que estavam ocultos pelos óculos escuros, por isso
não hesitei em me virar e sentar nos tornozelos ainda entre suas pernas.

Tirei o Ray Ban com cuidado e reprimi o suspiro ao perceber como suas
olheiras estavam ainda mais profundas e escuras.

— Você não dormiu?


Manteve as mãos na minha cintura e desviou o olhar. Ouvi o barulho de
água e imaginei que Zayn também tivesse entrado, mas não queria parar de
olhá-lo.

— Não consegui. Na maioria das vezes, só durmo bem quando caio no sono
com a sua voz. Estranho?

Na verdade, cativante.

— Nem um pouco. — respondi. — Vou te ligar todas as noites a partir de


agora.

— Não precisa, Louis. Eu–

— Eu quero. Também gosto da sua voz, do jeito que você fala e como
começa a enrolar as palavras quando está quase caindo no sono.

Harry riu suavemente e apagou o cigarro pela metade, jogando-o no chão ao


lado de onde estávamos. Não bastou muito mais que uma expressão
determinada para que suas mãos se fechassem nos meus quadris e eu fosse
levado à frente até que meus joelhos encostassem à parte inferior de suas
coxas.

— Ontem, perto das duas da manhã, você me disse que já sonhou comigo e,
depois, não respondeu mais porque tinha dormido. É verdade?

Oh, droga. Parte estúpida do cérebro, você precisa ficar de fora quando eu
estou meio aéreo.

— Foi um sonho bobo.

— Não. Você sempre me pede para falar sobre as coisas que considero
bobas. É a sua vez. — depois de dois segundos, as linhas tensas em volta da
sua boca diminuíram e deram lugar a uma feição desconcertada. —

Digo, só se você quiser. Se sentir confortável.

Ele era um amor, mas eu me senti envergonhado, não desconfortável. Não


era culpa minha – ao menos não completamente. Era só que as imagens de
Harry treinando completamente suado, jogando e até mesmo portando uma
expressão concentrada e séria ao enfrentar qualquer oponente tinham criado
uma espécie de rede na minha mente que capturava as coisas mais
estupidamente impróprias e as transformava em sonhos.

— Hum... — conferi se Zayn e Liam ainda estavam dentro da piscina. —


Hum... Eu- Você tinha acabado de sair do jogo. Ainda com a jersey.

— Tinha mais alguém no sonho?

Neguei. Meu rosto estava queimando de vergonha, sentimento que somente


intensificou quando Harry passou os dedos pelo cós dos meus jeans.

— Só eu e você. O vestiário estava vazio.

— Oh. Então estávamos no vestiário?

— Na última cabine.

— Nosso ponto de encontro.

Era desconcertante, mas afirmei. Fiquei com medo de estar prestes a me


transformar num monte de cinzas a qualquer segundo.

— Só que o chuveiro estava funcionando. — sussurrei.

Suas sobrancelhas levantaram em surpresa e as mãos me apertaram como se


precisasse de alguma sustentação. Eu também precisava de uma ou acabaria
desmaiando. Ou fingindo um desmaio para me livrar e sair bem.

— Ei, Lou. Olha pra mim. — pediu e eu acabei decidindo que não sabia
como me sentir em relação à sua voz meio quebrada. Encarei-o ao mesmo
tempo em que coloquei as mãos por cima das suas, entrelaçando nossos
dedos. —

Me

conta
o

que

estávamos

fazendo.

Ou... Como estávamos fazendo.

Meu Deus.

— Você estava–

— Ah! — um Liam ensopado e enxugando os cabelos apareceu ao nosso


lado, Zayn tentando roubar a toalha dele até que Payne o conseguisse outra.
— Vocês precisam entrar também!

Pelo suspiro, Styles ficou tão frustrado quanto eu. Depois me olhou e disse,
sem usar palavra alguma: "ainda vamos continuar com isso".

No domingo de manhã, acordei com o celular vibrando e apitando ao


mesmo tempo. Deslizei para fora da coberta com os braços e pernas ainda
dormentes e pisquei para as notificações clareando a tela quebrada. Minha
mão estava meio pesada porque havia dormido em cima dela ao cair no
sono falando com Harry; quando despertei no meio da madrugada com a
bexiga mandando pedidos de socorro via sinalizadores, a chamada ainda
estava rolando e, ao aproximar o celular do ouvido, eu pude ouvir a
respiração tranquila dele e o fôlego ressoando calmamente através da linha.
Quem era Tchaikovsky? Me fez sorrir e me custou muita coragem para
desligar e ainda mais para assumir que eu queria escutar sua respiração
assim, de madrugada, ao lado dele.

Cinco mensagens de Zayn. Cinco! Verifiquei que era mais de onze horas no
relógio digital do despertador antigo na mesa de cabeceira. Comecei a ler.

"LOUIS?!?!!!!????!!!!"
"LIAN ENTROU NS NINHA CASA DEPOIS DAD SETE DA MWNHA SWM
MEUS PAIS VEREM!!!!"

"E..."

"JESUS CEISTO EU JA SINTO AS CHAMAS DO

INFERNO ME CONSUMINDO"

"AGORA

EU

SEI

QYE

RIMMING

WOOOOOOOOOOOOOW!!!!!!!!??!? EU ESTOU VIVO!

NAO SEI??"

Acabei rindo mais alto do que pensava. Tive que tapar a boca com a mão
para evitar que os barulhos estranhos continuassem a sair ao mesmo tempo
em que condenava meu cérebro por insistir em tentar reproduzir a cena que
era gráfica demais para o meu gosto. Era muito para eu aguentar em um
domingo de manhã.

Me levantei, tentando calçar as pantufas de cachorro ao mesmo tempo em


que digitava:
"WOW ZAYN! acho que devemos comemorar de forma apropriada com
direito à festa, bebidas, família inteira reunida e um bolo escrito 'agora
minha bunda é semivirgem'!!!!"

Lottie estava no banheiro, o chuveiro ligado e sua voz estridente demais


para cantar Lady Marmalade; ao menos não errava as partes em francês.
Suspirei e dei meia volta, descendo as escadas e torcendo para que não
tropeçasse nos próprios pés enquanto mandava uma mensagem a Harry
pedindo desculpas por ter adormecido no meio da nossa conversa sobre o
Facebook e alguns de seus usuários desprezíveis que pensavam ser mestres
políticos-

sociais-econômicos. Ele me respondeu segundos depois com um bom dia e


um smiley. Deduzi que estava tudo bem.

— Você vai para o museu comigo hoje.

Pisquei para a voz de Jay e levei a mão ao coração, bloqueando o iPhone e


balançando a cabeça ao parar à entrada da cozinha.

— Bom dia, mãe. Eu dormi bem também. Está fazendo um lindo dia lá
fora, não é? O que temos para o café da manhã? Não morri durante o sono,
obrigado!

— Que lindo! Mantenha esse sorriso no rosto enquanto eu estiver guiando


visitantes pela área de esculturas, ok? Ok!

— Porque eu tenho que ir com você? E Charlotte?

— Charlotte vai estudar na casa de uma amiga e, se você for, nós vamos
almoçar naquele restaurante mexicano do centro que você gosta. Com
direito a margarita sem álcool.

Cruzei os braços e encarei o perfil de Jay enquanto cortava frutas


rapidamente em cima da tábua de vidro. Ela estava em um ritmo nem um
pouco usual... Acelerada e ansiosa demais, e só ficava assim quando uma
coisa acontecia.
— Ele ligou, não ligou?

Não virou para me olhar, mas acabou cortando o dedo com a faca e soltou
um palavrão antes de largar tudo e fechar os olhos com força. Guardei o
celular no bolso da calça de pijama – algo desnecessário – e peguei um
guardanapo de papel em cima do balcão, indo até ela.

Envolvi seu dedo com ele e, de perto, pude ver como rugas de preocupação
adornavam os olhos fechados.

Como a boca dela estava apertada daquela forma preocupada que eu não
gostava de ver.

— Ele quer que você vá passar o ano-novo em Nova York.

— Ele sempre quer.

— Falou em te dar um carro de presente pelo aniversário de dezoito. Esse


ano.

Balancei a cabeça e pedi para ela esperar um pouco. Subi até o quarto e
peguei a caixinha de band-aid do Homem-Aranha (o qual eu tinha usado no
queixo), retornando à cozinha. Levei a tarefa de abrir a embalagem como
uma distração para não pensar em Mark.

— Lou... — Jay disse baixo, olhando para os meus dedos limpando o corte
para começar a enrolar o band-aid. — Eu nunca poderia te dar um carro
novo com o salário que ganho do museu, sabe disso. E o Volvo é velho.

Eu odiava a forma que ela se sentia insuficiente para minha vida, porque
sabia que era isso o que acontecia.

Sempre que Mark ligava para oferecer a merda daqueles presentes, Jay se
sentia ainda menor. Eu odiava que a razão de tudo isso fosse a outra pessoa
que também deveria me apoiar em tudo.

— Não. Nós compramos e pagamos o que podemos, nada a mais. Deixá-lo


pagar pela Wye Hill já é muito, não quero nenhum presente dele. E se você
me deixasse trabalhar, poderíamos melhorar algumas coisas.
— Eu não vou te deixar trabalhar. Quero que estude, apenas. Já falamos
sobre isso... — beijou minha testa após eu terminar o curativo improvisado.
— Mas pensa sobre o carro.

— Mãe...

— Só pensa. Por favor. Um carro novo iria facilitar muito sua vida. Ele é o
seu pai e também tem o dever de te dar o que você precisa, Lou. —
acariciou minha bochecha, o polegar traçando riscos suaves. — Obrigada
pelo curativo, amor. Vou trocar de roupa.

Sorri de volta e a assisti sair da cozinha com os ombros curvados e passos


arrastados. Odeio Mark, sussurrei para o nada e me debrucei no balcão
quando já estava sozinho, afastando a tábua com as frutas cortadas e
abandonadas.

Ele não entendia que não, eu não iria para Nova York para agirmos como
pai e filho unidos e comemorar o ano-novo no topo da cobertura. Nunca
aconteceria e eu não aceitaria nada mais que a mensalidade da Wye Hill.

Já era demais.

— Agora seguiremos à seção dois, onde poderemos ver as esculturas que


vieram do Museu Metropolitano de Arte em Nova York exclusivamente
para a exposição.

As pessoas que compunham o grupo liderado por Jay exclamaram,


ansiosas, algumas até mesmo bateram palmas. Nós já estávamos há, mais
ou menos, uma hora contornando o museu e ouvindo atentamente o que
mamãe dizia sobre cada quadro, escultura ou documento

estimado exposto. Era um saco e eu fui obrigado a acompanhá-la, embora


estivesse com os foninhos ouvindo o álbum novo de uma banda chamada
Cage The Elephant, que Harry tinha me indicado.
Seguimos até a seção dois. A luz era mais escura, as obras mais valiosas
enfocadas e pessoas indo de um lado para o outro com as câmeras,
fotografando até mesmo as paredes vazias. Procurei incessantemente por
algum duto de ar pelo qual pudesse escapar ou, sei lá, dormir até que desse
a hora de ir embora. Era um domingo, pelo amor de Deus.

Estávamos no meio de uma explicação quando uma senhora parou ao meu


lado. Roupas elegantes, postura dolorosamente correta e cabelos ruivos
brilhantes até mesmo com a meia-luz.

— Bom dia. — ela cumprimentou e eu retribuí, tirando um foninho e


resistindo ao impulso de revirar os olhos. Fones funcionavam como imã
para pessoas sedentas por conversa. — Você sabe me dizer se a guia
começou há muito tempo?

— Uma hora, mais ou menos.

Ela suspirou e ajeitou o casaco de costura alinhada e tecido brilhoso.

— Que ruim. Se minha filha e o namorado não demorassem tanto, talvez


tivéssemos chegado a tempo. —

disse, exasperada, mas havia certo afeto na voz.

Sorri educadamente, tentando entender em qual ponto do meu interesse


entrava a vida dela ou da filha que namorava.

— Mãe! Por que você some do nada?

Ei... Eu conhecia aquela voz. A mulher e eu nos viramos ao mesmo tempo e


a garota, a filha, cessou os passos no mesmo instante em que me viu.
Enquanto eu queria me desintegrar, Julie abriu a boca umas três vezes e
apertou a mão do garoto ao seu lado. Harry.

Nós três poderíamos posar para um quadro e o título seria

"deu merda".
— Lou- Tomlinson. Oi. — Styles disse, adotando uma expressão mais
apropriada, nada parecida com aquela que iluminava seu rosto quando
estávamos juntos.

— Oi.

— Vocês se conhecem? — a mulher perguntou e Julie sorriu. Tinha que


admitir, eles formavam uma boa dupla de ator e atriz.

— Sim. Louis é da Wye Hill. Ele é amigo da Candice.

Quê?!

— Que ótimo!

Não, não era nada ótimo. Harry e Julie deram as mãos quando um homem
mais velho se aproximou e ela, meio inconscientemente, fez com que Styles
passasse o braço em volta de sua cintura. Forcei um sorriso e balancei a
cabeça para eles antes de tentar voltar a atenção ao grupo, mas dei de cara
com Johannah em minha frente.

Quase caí de bunda no chão ao dar um passo atrás com o susto.

Merda. Não, não, não...

— Mãe, por que você está aqui e não lá na frente? —

indaguei, torcendo para que não percebesse que eu estava nervoso.

— Dei uma pequena pausa. Você está bem, Lou? Parece que... — Jay
desviou o olhar para um lugar atrás de mim e franziu as sobrancelhas, os
lábios caindo abertos em surpresa ou irritação, eu não soube dizer. — Por
que Harry está de mão dada e sussurrando no ouvido de uma garota daquele
jeito?!
Chapter Eleven
Ao olhar para trás, constatei que era verdade. Harry estava sussurrando

no

ouvido

de

Julie,

mantendo-a

extremamente perto. Qualquer pessoa assumiria que os dois

eram

mais

dois

adolescentes

apaixonados,

concentrados demais um no outro. Hah. Ele estava alheio ao olhar


indignado de Johannah e eu não sabia o que fazer porque, de certa forma,
não conseguia fingir que estava bravo, mas deveria. E se eu transparecesse
ciúmes, ferraria com Julie.

— Mãe, eu te explico em casa. Para de olhar pra eles, por favor. — segurei
o braço dela e tentei dar um passo a frente para levá-la junto, mas Jay
permaneceu imóvel. —

Mãe! Jesus... Tenha piedade.

Então, vi seu semblante determinado e suspirei. Não havia mais jeito.


— Harry. — a voz repleta de um tom amargo e ressentido cortou todo o
meu desespero e atraiu a atenção de Styles e dos pais de Julie. — Que
surpresa vê-lo aqui com sua...

Perdão. Não sei o que ela é sua.

Virei de costas e tapei o rosto com as mãos. Mesmo assim fui capaz de
escutá-lo respondendo baixo:

— Namorada.

— Namorada! Uau! Isso sim é uma grande surpresa, não acha, Louis?

Com um sorriso esquisito, virei-me novamente e encolhi os ombros.

— Enorme. Uma explosão. Boom. Mãe, tá na hora do meu remédio.

— Você não toma remé–

— Surpresa pra você também.

Peguei-a pela mão, acenando para Harry, Julie e os pais (que pareciam estar
no fim do mundo devido às expressões confusas) antes de seguir em direção
a um canto afastado da sala de exposição, protegido das luzes.

Encostei-me à parede e colei o rosto ao concreto gelado, minha cabeça


girando e reproduzindo o olhar aflito de Harry.

— Você está beijando um garoto que tem namorada, Louis?! Tem noção do
quão errado é isso? Não é justo com a menina!

Abri um olho, encarando a fúria de Jay e os gestos exasperados. Ela estava


tão perdida quanto eu, que tinha a impressão de estar com as mãos atadas
em relação a contar ou não contar sobre tudo. O relacionamento falso não
era meu, eu não tinha o direito.

— Mãe. Você realmente acha que eu seria capaz de fazer isso?


— Bem, olha em volta. Você não está me deixando outra opção. Primeiro,
encontro vocês dois se beijando dentro do carro de madrugada, depois na
cozinha no mesmo horário e... Agora, isso. Você também pensaria a mesma
coisa se estivesse no meu lugar!

— Pensaria. — assumi. — Mas é diferente. Não sei como te explicar.

Uma mão pousou na base da minha coluna e o cheiro do perfume que eu já


conhecia bem me atingiu antes mesmo de registrar a presença de Harry ao
meu lado, desorientado e ansioso.

— Posso ir à sua casa hoje? — ele perguntou diretamente a Jay, algumas


palavras saindo meio pausadas por causa da respiração acelerada. Através
de uma olhada por cima do seu ombro, vi que Julie e os pais já não estavam
mais por perto. Me permiti relaxar no seu toque, que revezava entre meu
quadril e a parte inferior das costas. — Vou te explicar tudo, juro.

— Me garanta que você não está traindo aquela garota. —

Jay permaneceu firme, um tom digno de Annalise Keating no tribunal. —


Ou o meu filho.

— Eu garanto. Juro.

Ela o olhou por alguns segundos e balançou a cabeça, ainda desacreditada.


Ergueu as mãos e se afastou após dizer que estaria em casa às duas da tarde.
Harry e eu ficamos sozinhos e ele fez uma manobra admirável com o corpo
para poder encostar a testa ao meu ombro, respirando pesado.

— Estarei lá as três, tudo bem? — disse. Soava tão exausto, esgotado, como
se tudo o que quisesse fazer fosse dormir e ficar fora de toda essa confusão
que eu tinha aumentado ao entrar em sua vida. — Eu quero te beijar, mas
preciso voltar para eles. Escapei dizendo que ia ao banheiro. Está ainda
mais bonito hoje, Tomlinson.

Sorri com sua habilidade de misturar vários assuntos em uma só fala. Ergui
a mão para acariciar os cachos soltos e beijei o que pude alcançar do seu
rosto com nossa posição.
— Obrigado. Você também. Gostei da camisa e... Sobre o beijo. Te
recompenso quando chegar em casa.

— Promete?

Deixei meus lábios por mais tempo que o necessário sobre sua têmpora,
sussurrando contra a área sensível:

— Prometo.

Jay e eu estávamos na cozinha com xícaras de chá preto entre as mãos


quando Lottie entrou com Harry ao seu lado. A pontinha de seu nariz estava
completamente

vermelha (adorável) devido ao vento cortante lá fora e o casaco amassado


abraçava seu corpo de forma desalinhada, como se tivesse sido puxado
várias vezes sobre o seu torso para esquentar mais. Pareceu inspirar por
alguns segundos o cheiro de açúcar no cômodo e sorriu pequeno, tímido pra
mim, nenhuma covinha à mostra. Charlotte saiu da cozinha assim que eu a
olhei pedindo socorro. Só que o problema era... nós dois partilhávamos do
mesmo medo em relação a Jay, que sequer olhou para cima ao dizer:

— Pode sentar, Harry.

O primeiro passo foi hesitante, mas eu estendi a mão em sua direção e o


gesto foi suficiente para lhe passar confiança. Ele caminhou até a banqueta
em que eu estava e beijou minha testa afetivamente, tirando alguns fios de
cabelo do caminho. Sentou-se ao meu lado de forma que ficasse em frente a
Jay, por isso me apressei para levantar e preparar uma xícara de chá para
que ele pudesse enfrentá-la.

Peguei uma das canecas rosa de Lottie – pelo que eu sabia, era a cor
preferida dele, então por que não? – e enchi de água fervente. A cozinha
ainda estava em silêncio e eu não me atrevi a olhar para trás. Esperavam por
mim? Merda.
Eventualmente, não achei mais coisas para fazer e perder tempo e tive que
me sentar novamente. Entreguei a xícara e a caixinha de chá Yorkshire do
meu preferido. Enquanto Harry colocava o pequeno envelope dentro da
água, a voz dela ecoou pela cozinha:

— A garota ruiva é sua namorada?

— Não... Minha amiga.

Jay ergueu a sobrancelha, abaixando a própria xícara.

— Eu vi vocês se beijando.

Deslizei a mão pela coxa dele e quis transmitir a mensagem que não
precisava responder a nenhuma pergunta. Não havia necessidade. Sua mão
grande cobriu a minha e ele tomou um longo fôlego antes de dizer:

— Há três anos, meu pai estava com medo que eu finalmente dissesse quem
eu sou. Ele é empresário e...

Bem, gays não são bem vistos no mundo dos negócios, principalmente o de
indústrias multinacionais. Obviamente, queria que eu comandasse a
empresa e, não sei... —

abaixou o olhar, encarando nossas mãos. Tomei a liberdade de entrelaçar


meus dedos aos seus e acariciar sua palma com o polegar. Correspondeu a
carícia ao continuar. — nunca ligou muito para as minhas vontades.

Por isso, deu um jeito de reservar um jantar com a família de Julie – a


garota que você viu hoje –, que também é herdeira de grandes empresas, e
nos forçou a ficar juntos.

Com o tempo, descobri que Julie é lésbica e que os pais dela faziam o
mesmo. Ajudamos um ao outro.

Jay piscou, atônita, a mão fechada em volta da caneca de bolinhas. Senti a


tensão despedaçar gradualmente, embora quase fosse capaz de ouvir as
engrenagens girando conforme raciocinava.
— É um namoro de fachada. — concluiu baixo.

— Um namoro falso. Somos amigos, nada mais que isso.

Já Louis... Bem, ele é outra história.

— E sua mãe? — Jay perguntou ingenuamente. Apertei mais a mão dele,


que de repente havia se soltado de forma quase imperceptível da minha.
Não o deixei se afastar em nenhum sentido. — Ela é a favor do namoro?

Sabe que você não gosta de Julie?

— Minha mãe morreu. E não precisa se desculpar, está tudo bem. Só... —
girou a caneca rosa com os dedos longos e trêmulos. — Se estiver tudo
bem, não quero falar sobre ela.

Em um segundo, mamãe largou a xícara silenciosamente e espalmou as


mãos no balcão de forma tão leve que parecia não estar tocando o mármore,
um olhar inteligível, quase como se tivesse levado um tapa brusco, sendo o
suficiente para Harry abaixar a cabeça e tomar um pouco do chá.

Apesar disso, eu recebi uma repreensão silenciosa. Sabia que deveria ter
dito algo e sabia que ela me cobraria depois.

— Ok. — ela disse, decidida, ao se levantar. — Estão com fome?

Ah... O velho truque de se desculpar com comida.

— Eu já almocei na casa de Julie, mas obrigado. — pelo seu tom de voz, eu


soube que ainda havia algo o incomodando. Se a perna balançando não
fosse um sinal, a postura e os ombros rígidos eram. — Hum, Johannah?

Posso te chamar assim?

Ela se virou enquanto mexia na geladeira aberta, os cabelos caindo do


coque e a expressão ainda meio surpresa.

— Claro. Jay, também.


— Ok. Jay. — testou o nome uma vez antes de murmurá-

lo novamente. Sua respiração profunda soou como um gesto para reunir


coragem. — Olha, depois disso tudo...

Eu só queria saber se você está de acordo comigo vindo aqui. Com o Louis
e... Hum, saindo? Mais ou menos.

Encolheu os ombros como se não soubesse mais o que dizer.

— Estou, Harry. Tudo bem. Contanto que vocês não fiquem sozinhos em
lugares escuros e horizontais, por mim tudo ótimo. — completou com um
sorriso: — Você ajuda uma amiga sacrificando sua própria felicidade de
forma aberta e continua forte, garoto. É uma pessoa maravilhosa.

Me inclinei sobre o espaço entre nós e deixei um beijo em cima da covinha


que tinha aparecido por causa das palavras de Johannah.

— Concordo com a minha mãe.

— Até mesmo sobre não ficarmos sozinhos em lugares escuros e


horizontais?

Ri baixo, gostando da forma que as linhas em volta de seus lábios estavam


mais relaxadas. Senti como se um peso tivesse sido retirado das minhas
costas.

— Posso abrir uma exceção.

Na madrugada do dia seguinte, enquanto eu descrevia a visão do bairro que


eu tinha da minha janela para Harry, ele me interrompeu subitamente com
um "posso ir aí?". Me apoiei nos cotovelos para olhar o relógio. Eram duas
da manhã e, envolvido nos lençóis gelados enquanto piscava para o céu
escuro que parecia se desenvolver somente a partir da minha vista, não vi
nenhum problema. Por isso, disse que sim. Ele quase não se despediu e
desligou o celular.
Chegou trinta minutos depois cheirando a cigarro e encolhido dentro do
moletom preto e grande. As joggers também eram pretas e eu fingi que não
estava usando calça azul-clara de algodão que fazia parte do conjunto do
pijama (a camiseta que dizia " boa noite, yum yum" era meio desnecessária).
Quando abriu um sorriso grande ao me ver, suspeitei que ele não ligaria
nem se eu estivesse com pijamas estampados com o rosto da Madonna.

Sabendo que Jay me mataria e gritaria para a vizinhança inteira caso


acordasse e visse Harry indo para o meu quarto, tentei ser o mais silencioso
possível enquanto o guiava pela escada, embora as meias de lã ajudassem
um pouco na tarefa. Já no quarto, fechei e tranquei a porta atrás de nós e me
virei para vê-lo tirando os slippers da Nike e deixando a mochila em
qualquer lugar.

— Seus pés são feios. — disse baixo e tapei a boca para bocejar ao passar
por ele e me deitar na cama.

— Os seus são delicados. E parece que Chace Crawford sabe disso também.
— comentou casualmente quando

parou ao lado da cama sem saber o que fazer. Coçou a nuca, desconcertado.

— Ciúmes?

Ergui a coberta, sinalizando para se deitar comigo, o que fez em questão de


segundos. Tentou não encostar muito em mim mesmo que a tarefa fosse
praticamente impossível. Aquela foi a primeira vez em três anos que eu
agradeci mentalmente por ter uma cama pequena. Tentei conter o sorriso
enquanto ajeitava o cobertor em volta do seu corpo para que não passasse
frio.

— Não. — respondeu, revirando os olhos como uma criança mimada. —


Ei, Lou... Tudo bem se eu dormir aqui?

Minha casa parecia vazia demais.

— Tudo bem. Você pode vir quando quiser contanto que minha mãe não
nos veja.
— O que você acha que ela faria?

Senti sua mão pousar sobre minhas costelas, deslizando devagar para baixo
até curvá-la em volta do meu quadril, embora ainda estivesse olhando para
o teto.

— Provavelmente não me deixaria dormir por causa dos gritos e depois


daria uma palestra sobre sexo, preservativo e tal.

— Sexo, huh? — perguntou baixo e eu ri, colocando minha mão em cima


da sua e entrelaçando nossos dedos para acariciar os nós delicados. —
Interessante.

Ele também riu e, eventualmente, nós dois ficamos em silêncio por alguns
curtos instantes. Seu olhar ainda

estava no teto, os dedos movendo-se tão devagar na minha pele por cima da
camiseta que pareciam estar parados. Apesar de a situação ser perfeita, nós
dois não queríamos dormir.

— Ei... Me conta algo sobre você. — pedi, aproximando-me mais até ser
capaz de cheirar sua camiseta.

— Tipo o quê?

— Qualquer coisa. Quero escutar sua voz. Eu gosto dela.

Se eu não tivesse visto errado, a minha frase o fez sorrir.

Grande. Tão grande a ponto de fazer seus olhos quase se fecharem.

— Eu... Hum, eu fui para França estudar. Por isso sou atrasado na escola.

— Ooh. Que elegante, Edward. Usou uma boina nas tardes de maio?
Comeu um croissant em algum café escondido nas ruelas de Paris?

— Eu tenho uma boina, não zomba. E sim, eu amo croissant. E... — beijou
a ponta do meu nariz em um movimento rápido, fazendo-me apertar os
dedos na sua camiseta. — Je t'aime vos yeux.
Harry fazia um biquinho adorável para pronunciar as palavras, o nariz
franzido e uma expressão que deixava óbvio que falar francês para ele era
como um instinto, uma segunda natureza.

— O que isso significa?

— Eu amo seus olhos. Acho que amo seus cílios também.

— Ama?

A resposta foi sussurrada: — Muito.

Fez um movimento pequeno para conseguir se virar até que estivesse me


encarando diretamente, a coberta tendo deslizado até a altura dos nossos
quadris e o vento batendo devagar na janela. Embora eu não conseguisse
ver muito além dos seus olhos em meio a escuridão cortada pelos postes da
rua lá fora, assisti o movimento da sua mão em minha direção. Queria dizer
que também amava os seus, mas ele percorreu o polegar pela maçã do meu
rosto antes de se inclinar e me beijar, os lábios gelados e com gosto de
cigarro; não que eu me importasse. Secretamente, até gostava, mesmo que o
vício implicasse na necessidade de distração de outros pensamentos.

Ele não perdeu tempo em contornar minha boca com a língua e eu não
hesitei em arrastar as mãos pelos seus cabelos até o pescoço quente e
coberto parcialmente pela touca do moletom. Seus dedos estavam apertando
minha cintura, afundando na base da minha coluna e me segurando perto,
tão perto que eu precisei passar uma coxa por cima das suas pernas para dar
um pouco mais de espaço a nós dois. Minha barriga gelou de uma forma
completamente nova quando Harry deslizou a mão devagar desde a minha
cintura até a coxa que estava sobre suas pernas, segurando-a com força para
colocá-la em cima do seu quadril, deixando-me arqueado contra seu toque e
para o seu toque.

Quando me movi devagar para beijar a extensão do seu pescoço, ouvindo


sua respiração arfada acima de mim conforme os beijos eram dados com os
lábios mais separados e mais língua aparecendo, senti sua ereção
endurecendo contra minha coxa. E a realização de que ele provavelmente
estava sem cueca por baixo da calça foi o suficiente para me arrastar em um
estado mais do que acordado. Eu estava praticamente extasiado, beijando
suas clavículas com uma adoração que só podia ser reservada a Harry, a
mais ninguém.

— Me pede pra parar. — sussurrou, apertando minha coxa de uma forma


tão gostosa a ponto de me fazer morder a pequena área abaixo da linha do
seu maxilar para não gemer seu nome alto. — Lou, por favor. Se você não
quiser, se não estiver se sentindo confortável–

Me adiantei para beijá-lo, experimentalmente empurrando os quadris pra


frente. Ele gemeu baixo contra minha língua no momento em que seu pau
deslizou lentamente contra o meu mesmo com duas camadas de tecido nos
separando, oferecendo-me uma amostra do que eu poderia sentir.

— Em cima. — eu pedi, resistindo à vontade de fazer de novo. — Fica por


cima.

Eu queria ver se seria capaz sendo pressionado contra o colchão pelo seu
peso. Todos os fatores apontavam que sim, inclusive meu membro me
incomodando e estendendo o tecido da cueca. Eu sabia que não me
lembraria daquilo porque todo o meu corpo queria se acostumar com o de
Harry. Porque eu sabia que era ele, meu Michelangelo.

Harry empurrou os cabelos para trás, puxando-os rapidamente como se


estivesse decidindo o que fazer, e cedeu ao meu pedido. Suas pernas
estavam entre as minhas e, porra!, eu consegui ver a linha da sua ereção
perfeitamente marcada contra a calça, consegui ver como ele estava duro e
tive uma ideia, com o mínimo de raciocínio que me restava, que ele também
podia me sentir. Alcancei a barra do seu moletom e puxei, não sendo
necessário nada mais que isso para que a blusa fosse parar no colchão. A
camiseta, porém, permaneceu.

Quando fiz o mesmo para ele tirá-la, Harry negou com a cabeça.

— O quão longe eu posso ir com isso? — perguntou baixo, parecendo se


esforçar para manter o volume da voz em um tom sussurrado. — Me
prometa que você vai me pedir pra parar se não se sentir bem. Me promete,
Lou.
— Eu prometo.

Após essas duas palavras, foi como se tudo tivesse sido desbloqueado,
como se qualquer barreira que estivesse o impedindo de me tocar, de
literalmente me tocar, fosse derrubada. Não sabia de qual forma, mas estava
confiando a Harry o que eu nunca tinha conseguido confiar nem a mim
mesmo. E ele estava fazendo por merecer, dançando as pontas dos dedos
pela área abaixo do meu umbigo como se eu fosse me estilhaçar a qualquer
segundo.

— Não precisa se segurar. — tirei a camiseta branca e voltei a me deitar,


fixando meus olhos nos seus. — Me dê o que você tiver e o que quiser,
Harry.

Ele se abaixou e sua boca seguiu direto para o torso da minha garganta, os
cachos roçando minhas clavículas e sua boca molhada combinando com o
ritmo que seus dedos desceram até encontrar minha bunda, apertando com
tanta força que o fôlego ficou preso na minha garganta. Assim que sua
língua rodeou a ponta do meu mamilo e os dentes rasparam até retornar aos
meus lábios, seus quadris se abaixaram e encontraram os meus pela
primeira vez, nossos membros esfregando um no outro.

Me deixei ofegar contra sua língua, sentindo seus movimentos em cima de


mim, a forma como ele literalmente segurou minha cintura e começou a se
mover para frente e pra trás, beijando-me sem ritmo e segurando minha
bunda com a mão que tomava uma nádega quase inteira. Eu tentava
acompanhá-lo e chupar sua língua, mas meu cérebro estava completamente
tomado, inútil.

— Louis... — ele estava gemendo meu nome. Soava pecaminoso na sua voz
rouca, com o seu tom que exclamava sexo em cada sílaba. Senti o momento
em que meu pênis liberou mais pré-gozo e molhou a cueca, o tecido a ponto
de se tornar desconfortável. Arfei, apertando suas costas, subindo pelas
costelas até encontrar seus cabelos e puxá-los. Era desesperado, apressado,
meus ouvidos tomados pelo sangue pulsando.

— Porra... puxa de novo!


Eu o fiz no instante em que ele levou minha calça pra baixo, deixando para
mim a tarefa de tirá-la com os pés e levar as meias junto, ansioso e excitado
demais. Eu estava

extasiado tanto pelo fato de ter chegado até ali sem me desesperar quanto
pela visão que tinha a cada vez que olhava para cima.

Eu estava no céu, embora parecesse que a cada vez que seu gemido chegava
aos meus ouvidos e seu pau duro encostava no meu, Harry estivesse me
arrastando até o inferno.

Ele continuou, movendo e movendo em um ângulo que me fez agarrar os


lençóis até meus dedos estarem dormentes, gemendo e apertando as coxas
nos seus quadris. Parecia que eu iria me desintegrar a cada segundo, a
sensação era esmagadora, mexendo comigo, com meus sentidos.

Até que, de repente, parou.

— A cama. — Harry murmurou, os olhos fechados com força e o punho no


travesseiro ao lado da minha cabeça.

Parecia estar com raiva, frustrado. — Está rangendo muito. Vamos acabar
acordando alguém.

Eu o olhei, procurando alguma resposta. Não sabia o que fazer. Eu era


virgem, pelo amor de Deus. Pornô nunca tinha me ensinado o que fazer em
uma situação daquelas.

— Espera... — Harry olhou para a parede e para mim, engolindo em seco e


lambendo uma gota de suor do lábio superior. — Você confia em mim,
yeah?

— Muito.

— Abraça meus quadris com as pernas e se segura no meu pescoço.

— Eu sou pesado. — disse, mas já havia obedecido, não tendo ideia de


como prosseguir. — Harry, eu-Ele me ergueu com agilidade e como se eu
não pesasse nada. Deu poucos passos e me beijou, sustentando-me com
uma mão embaixo da bunda e a outra entre meus ombros. Seus lábios eram
uma delícia, mas eu perdi a respiração quando senti a parede gelada nas
minhas costas.

— Você consegue se segurar?

Afirmei com a cabeça, aproveitando os poucos segundos que tinha para


tirar a franja dos olhos. Styles observou o movimento e, após eu ter me
estabilizado no seu colo, cruzando os tornozelos na altura da sua bunda e
com os braços em volta do seu pescoço, abaixou a própria calça de uma só
vez. Eu não conseguia ver muito, mas percebi como estava duro e como era
grande, a ponta molhada com a quantidade de pré-gozo e as veias o
delineando de uma forma nem um pouco bruta e muito menos suave, só... o
suficiente para fazer minha boca salivar. Me dei conta de que meus
pensamentos apontavam para uma só coisa: minha boca nele.

— Posso? — indagou, as pálpebras pesadas.

— Uhum...

— Palavras, Lou.

Ele precisava do meu consentimento verbal. Eu me perdi no garoto pela


centésima vez durante aqueles poucos minutos.

— Pode. Por favor...

Então, espalmou uma mão na parede e começou a se mover, o pau alinhado


diretamente com o meu. Agora era só a minha cueca, o que passava a
impressão de ser um nada, e eu o sentia contra mim. Sentia como sua
glande grossa e molhada esfregava toda a extensão do meu membro e
voltava, sentia como a pressão se construía no meu estômago com mais
intensidade, sentia os músculos de suas costas trabalharem com as
investidas e sentia como ele me queria.

— Eu só consigo pensar em como vai ser quando eu te fizer gozar com a


boca. — Harry sussurrou conforme acelerava o ritmo das palavras para
combinar com o das estocadas: firmes, fortes, exatas. Diminuiu a voz para
sussurrar no meu ouvido, os dentes raspando no lóbulo da orelha. — Se
você quiser, Louis, se estiver tudo bem... eu te chupo onde você quiser. Em
todos os lugares... Todos...

Pela forma que seus dedos apertaram minhas nádegas por cima da calça a
ponto de separá-las, eu já sabia onde, exatamente, ele queria me chupar.

— O que mais? — perguntei, esforçando-me para adiar a pressão no


estômago. Não sabia se as sílabas haviam saído na ordem correta, mas não
importava. — Sua boca...

— Minha boca... Isso. — parecia se esforçar para falar enquanto me


segurava. Pelo sorriso de canto e uma estocada particularmente lenta que
fez seu pau alinhar de vez com o meu, gostou da forma como separei mais
as pernas para acomodá-lo, gemendo seu nome baixo e apertando seus
ombros rígidos. — No seu pescoço,

devagar... Porra... Eu seguraria suas mãos para trás e lamberia suas costas,
deixaria chupões nela sem pressa nenhuma. Até alcançar sua bunda. Então,
eu te chuparia e mataria a vontade de–

— Eu vou... — sussurrei, puxando seus cabelos e jogando a cabeça pra trás


com consciência o bastante para não batê-la na parede. — Harry!

Dois dedos entraram na minha boca para me silenciar.

Encarei-o com os olhos arregalados e ele me olhou de volta da mesma


forma, parecendo receoso de ter feito algo que fosse demais pra mim. E foi,
mas não de uma forma ruim, porque assim que eu fechei os lábios em volta
dos seus dedos médios, chupando-os com toda a necessidade me
consumindo, e deixei minhas pálpebras abaixarem, o orgasmo me atingiu e
eu fui completamente levado.

Eu ainda estava gozando, pego de surpresa por todas aquelas sensações me


soterrando abaixo de qualquer pensamento coerente e acima do que estava
sentindo com a barriga retorcendo e o coração batendo tão, tão rápido, que
quase perdi o instante em que Harry também gozou com um grunhido
baixo, mordendo a curva entre meu pescoço e ombro. Meu abdômen, cueca
e até mesmo uma parte do peito ficaram cobertas pelo seu gozo, deixando-
me uma bagunça. Uma bagunça dele.

Ele deixou os dedos deslizarem para fora da minha boca e os substituiu com
a sua, beijando-me e me fazendo perguntar de onde tirava força para me
sustentar contra a parede durante longos minutos. Puxei seus cachinhos
suados para fora e beijei seu rosto inteiro, parando nas

covinhas que surgiram lentamente em conjunto com um sorriso que poderia


iluminar o quarto inteiro.

— Tudo bem? — certificou-se ao se afastar da parede para retornar à cama.


— Lou?

Respira, Louis. Devagar. Inspira, expira. Dez segundos.

Agora, deita e dorme pelo resto da sua vida.

— Acabei de ter um orgasmo com você e por sua causa.

Nem sei meu nome ainda. Onde eu estou?

Ele me deixou pôr os pés no chão, mas tive de me sentar na beira da cama
por causa das pernas trêmulas. De sobrancelhas franzidas, olhei o meu
abdômen coberto pelo líquido espesso e a boxer molhada na parte frontal
inteira.

— Precisamos nos limpar.

Instantaneamente, Harry se ajoelhou no chão entre minhas pernas e, com


um olhar ansioso, inclinou-se à frente. Os olhos ainda estavam fixos ao meu
quando lambeu meu peito, recolhendo todas as gotas de gozo com a língua
molhada e ainda quente, formando trilhas que pareciam queimar através da
minha pele. Desceu de forma lenta, fazendo o mesmo com meu abdômen,
virilha e a área abaixo do umbigo. Passou a língua rapidamente pela parte
da boxer onde meu gozo estava ensopando o tecido e se sentou nos
tornozelos, limpando o canto da boca com o polegar antes de subir a própria
calça.
Puta merda. Eu achei que ia explodir, sair voando ou... Sei lá, morrer. Me
senti a pessoa mais sortuda do mundo inteiro por tê-lo ali.

— Você quer que eu grite, né? — perguntei baixo e esganiçado, colocando


as mãos nas suas bochechas e me aproximando para beijá-lo. — Amanhã
vamos estar extremamente cansados no colégio e eu não vou conseguir me
concentrar em nada.

— Ao menos vou saber que fui a razão das suas olheiras ou dos bocejos. E
valeu muito a pena. Porra, Lou, seus gemidos são tão...

Ri baixo e o beijei de volta, tentando transmitir com meus lábios o que


também pensava dos gemidos dele que me deixaram completamente idiota.

Harry colocou minha boxer suja dentro da mochila e disse que lavaria junto
com as próprias roupas, já que no dia seguinte seria Jay a lavar as roupas e
ela acharia estranho se eu me oferecesse. Limpei nós dois com uma flanela
úmida antes de nos enfiarmos debaixo do cobertor com os pés quentinhos
por meias de lã – ele vestiu um par com desenhos de tartarugas e eu,
peixinhos. Estampas estranhas, hum?

— Obrigado por ter confiado em mim. — sussurrou, envolvendo-me com


os braços.

— Obrigado por estar aqui.

Quando dormi, segurando-o perto, meu coração ainda estava acelerado.


Perto de Harry, não tenho certeza se conseguiria, algum dia, permanecer
calmo quando meu corpo inteiro exclamava que ele estava se tornando uma
parte

de

mim.

No dia seguinte, enquanto ele atravessava o refeitório com Julie, eu vi os


arranhões no seu pescoço que haviam sido feitos por mim. Não eram
chamativos, apenas... Estavam ali. Como uma prova de que a madrugada
realmente aconteceu, uma lembrança que meu corpo entendia o seu quando,
por outro lado, eu ainda estava tentando entender seus pensamentos.

Harry possuía inúmeros enigmas e, por vezes, eu tinha a sensação de que


ele não queria que eu me aproximasse o suficiente para desvendá-los.

Por vezes, eu tinha a sensação que, sem os seus enigmas e o olhar vazio,
Styles se quebraria. Ao contrário de uma rosa que sobrevive ao frio para
reviver sob o calor, Harry parecia estar dentro de um inverno rigoroso há
muito tempo. Meu maior medo era que ele desistisse de esperar pelo verão.

— São seis horas da manhã. — Zayn murmurou baixinho ao deitar a cabeça


no ombro de Liam, encolhendo as pernas sobre a cadeira e parecendo
extremamente pequeno

dentro

do

moletom.

Fechou

os

olhos

gradativamente. — Odeio manhãs, cheiro de desinfetante, estações e... É...

Devagar, dormiu com a bochecha pressionada, fazendo um biquinho com os


lábios abertos. Payne riu e tirou os óculos dele, guardando-os com cuidado
no bolso da jaqueta de couro e voltando a passar os dedos pelos cabelos
bagunçados. Por outro lado, era Harry quem estava apoiado em mim, os
lábios deixando trilhas

preguiçosas na parte do meu ombro que o casaco de moletom deixava


exposta e esfregando o nariz pela minha pele com toda a calma do mundo.
Como se tivéssemos mais de vinte quatro horas por dia, como se o tempo
nem existisse.

A estação de trem estava mais calma do que estaria no horário de pico após
as cinco da tarde. O grande relógio acima de nossas cabeças indicava seis e
vinte da manhã e o piso de linóleo estava perfeitamente polido a ponto de
fazer eu me sentir mal pelos Vans sujos de barro. Eu não sabia se tinha
cheiro de desinfetante porque Harry estava tão perto a ponto de eu não
sentir mais nada a não ser o perfume dele.

O primo de Harry, que vinha de uma cidade pequena ao norte da Irlanda,


havia ligado e pedido que estivesse ali quando o trem chegasse.
Convocamos uma reunião com Liam e Zayn, obrigando-os a sofrer com a
gente, e Zayn pegou o Cadillac por ter sete lugares, já que a namorada do
primo estava junto.

— Ele é chato. — Harry disse, descansando a mão na minha coxa e


cheirando (de uma forma que ele pensava ser discreta) o próprio casaco em
mim. Styles me obrigou a vesti-lo quando entrei no carro só com uma
jaqueta jeans por cima da camiseta de pijama, enquanto ele próprio estava
com uma xadrez de flanela. Meno parecia tão confortável, o rosto amassado
de sono e os lábios vermelhos. — Se acha o príncipe Charles.

— Por que vocês o chamam de Principezinho?

— Porque... Hum, a família dele meio que representa a família real em


Mullingar. Eles moram num castelo de verdade, mesmo que seja pequeno, e
são reconhecidos pela população inteira, que deve ser umas trinta mil
pessoas. É ridículo.

— Isso também faz de você um príncipe? — enrolei o dedo em um


cachinho emaranhado, fazendo-o voltar à forma natural. — Que bonitinho.

— Nah. Eles são uma parte afastada da família de Desmond. Não me


relaciono com parentes, obrigado.

— Entendi.
— Você está meigo. Com sono, de óculos e bochechas coradas, coisa e tal.
Quer um café?

Já estava acostumado com a mudança brusca de assunto que só surgia


quando ele me elogiava.

Afirmei com a cabeça, dizendo um "obrigado pelo elogio, príncipe"


enquanto me levantava, o que o fez revirar os olhos. Liam disse que
também queria um café sem açúcar, e um copo de chá com mel para Zayn.
Namoradinhos.

Com os dedinhos, e somente eles, entrelaçados, fomos até a cabine de aço


no centro entre as duas plataformas que tinha um grande letreiro dizendo
café da manhã.

Ótimo. Talvez pudéssemos comprar rosquinhas ou...

Talvez scones de chocolate. Seria uma boa.

— Harry. Seu primo sabe que você não é... Huh. Que não namora com
Julie.

— Não. Vamos ter que fingir ser amigos perto dele, Lou.

Desculpa.

— Tudo bem.

Eu só queria que Harry pudesse ser quem ele realmente era sem mais
obstáculos, sem fingimentos. Mas isso também prejudicaria Julie. Parecia
um beco sem saída.

Tivemos que esperar uma senhora pegar o café para podermos fazer o
pedido. Um garoto negro sorridente, alto e de cavanhaque estava atendendo
na bancada, mais feliz às seis da manhã do que eu estaria até mesmo no
meu aniversário. Senti inveja. Quando chegou a nossa vez, deixando-me a
ponto de perguntar sobre os scones, o olhar intenso dele imediatamente caiu
sobre Harry com um arquear de sobrancelhas. Fui capaz de sentir Styles
enrijecer ao meu lado.
— Harry. — disse, um sorriso morno e os dentes aparecendo. — Quanto
tempo.

— Yeah, oi. Bom dia. Hum... — limpou a garganta, passando o braço em


volta da minha cintura em um gesto repentino. — Vocês vendem café e
chá?

Balançou a cabeça, piscando para a mão dele que agora estava no meu
quadril. Hah. Harry virou o rosto pra mim e eu aproveitei a oportunidade
para enfiar a mão no bolso de trás do seu jeans. Ciúmes era um sentimento
novo pra mim.

— Quer comer algo? — Meno me perguntou. — Chá ou café?

— Não, obrigado. — Havia perdido a fome. — Chá. Sem açúcar.

Junto com os pedidos de Liam, Harry disse o meu e adicionou o próprio


chá. Um pouco de açúcar e leite. O

garoto sorriu de uma forma nem um pouco inocente antes de se virar e


seguir até o fundo da cabine. Me voltei a Styles sem retirar a mão do seu
bolso.

— Você o conhece? — perguntei cuidadosamente, sem a intenção de


parecer precipitado ou ciumento.

— Yeah. Nós... Nós meio que saímos algumas vezes. —

apressou-se para esclarecer: — No ano passado.

— Ele é alto.

Harry me puxou para perto, os lábios pressionando por poucos segundos


minha testa.

— Minha atenção está inteiramente reservada aos garotos baixinhos. A um


único garoto baixinho, na verdade.

Então...
Estreitei os olhos, lutando contra um sorriso. — Clichê.

Ele firmou minha certeza quando me deu um pequeno beijo em frente ao


garoto antes de pegar nossos cafés e recusar meu dinheiro para pagar, dando
meia-volta sem falar algo a mais. De respiração mais aliviada e com um
sorriso satisfeito, eu o segui de volta até onde Zayn e Liam estavam, mas o
barulho de trem atraiu nossa atenção para a primeira plataforma.

Harry se afastou no mesmo instante e meu coração não deveria ter apertado
da forma que fez. Nossa distância era necessária.

Tivemos que esperar todos os passageiros da segunda classe descerem para


só então o fluxo da classe executiva iniciar. Foi uma longa espera gasta com
goles de chá e bocejos ininterruptos de Zayn, que ainda estava todo
agarradinho a Liam como um bicho-preguiça. Após cinco minutos, Harry
suspirou pesadamente e eu virei a cabeça para ver o garoto.

A primeira coisa que notei foi a forma que os cabelos loiros pareciam
brilhar sobre a iluminação fraca do final da madrugada, além do sorriso
aberto e uma postura que deixava óbvio que ele era algo a mais que um
simples cara chegando da Irlanda. A primeira vista, parecia legal, e seu
conceito, que estava no zero, subiu para dois quando ele olhou para a garota
ao seu lado com um sorriso que dava a entender que ela carregava o mundo
entre as mãos.

Ela estava de saltos altos, os cabelos pretos caindo sobre o vestido branco e
a trench coat com estampa de leopardo ou algo assim. Os dois estavam de
óculos escuros e eu me senti meio bosta por estar com a camiseta do pijama
e duas meias diferentes.

— É bom o tecido do casaco dela ser sintético. — Zayn disse estável e


ameaçadoramente baixo. — Estou falando sério.

— A namorada dele é linda. — ela parecia brilhar entre todas aquelas


pessoas exaustas. Qual é?! A vida era fodidamente injusta. — Acho que
gosto de garotas.
— Oi? — Zayn, Liam e Harry falaram ao mesmo tempo e eu tive de conter
o impulso de esconder o rosto na curva entre o ombro de Harry para rir,
fazendo isso com a minha mão, ao invés.

— Styles! Quanto tempo!

O tom entusiasmado e carregado com um forte sotaque irlandês chegou até


nós antes mesmo de Harry ser sufocado em um abraço. Detectei as palavras
"sinto muito por não ter estado aqui" e tive de desviar o olhar.

Coloquei-me ao lado de Zayn e Liam e esperei como uma criança paciente


pelo fim das apresentações. De perto, a namorada dele era ainda mais alta e
ele próprio parecia um pouco mais novo do que eu havia imaginado.

Harry nos apresentou calmamente e talvez tenha sido minha postura na


defensiva, mas o garoto não me abraçou como fez com Liam e Zayn,
somente estendeu a mão e disse "Niall Horan, satisfação em conhecê-lo." A
garota se chamava Angelina, mas não havia nada de irlandesa nela, até
mesmo o sotaque parecia algo mais nova-iorquino. O

sorriso sincero me fez gostar de Angelina no mesmo instante.

Não demorou para que Niall pegasse todas as malas e nós fôssemos para o
carro ouvindo sobre como a viagem deles havia sido agradável, como
haviam tomado "o champagne que poderia ser melhor devido à comodidade
esperada de uma primeira classe" e como escaparam para o banheiro em
certa hora. Harry murmurava um "uhum" de vez em quando, revirando os
olhos fora de alcance da vista deles.

Zayn nem parecia estar ali, praticamente carregado por Liam ao entregar a
chave do carro a ele.

No Cadillac, após enfiarmos as malas no bagageiro, Niall e Angelina


pediram para ficar nos últimos bancos, que não eram separados por um
console, e Harry e eu ficamos com os outros enquanto Zayn ocupou o
banco de passageiro e Liam, o de motorista.

— Em Londres só chove o tempo inteiro. — Horan disse.


Eu não me incomodei em abrir os olhos, estava com sono.

— Digo, eu amo a cidade. Mas poderia fazer sol, não poderia? Vocês não se
incomodam? Olha isso, que tempo horríveeeel.

— Hum... — Malik esfregou os olhos e encarou Angelina.

— Seu casaco é de verdade? O tecido, digo.

— Não, claro que não. É sintético.

— Você não acha que continuar usando casacos que imitam pele dará a
ideia de que isso é correto? Que matar animais para fazer dinheiro com a
moda é... Correto?

— Zayn... É o seu nome, né? — virei-me para trás a tempo de vê-la tirando
os óculos. — Gostei de você. Vamos conversar mais sobre isso, ok?

Os ombros de Malik levantaram em animação, já bem mais acordado que


segundos antes. Que bonito. Agora, os dois seriam amiguinhos, Zayn me
abandonaria e salvaria baleias com Angelina enquanto eu estaria assinando
petições pela internet.

— Ok.

Angelina abriu um sorriso.

— Ok. — repetiu.

Os dois embarcaram em uma conversa que envolvia nomes de organizações


protetoras, produtos orgânicos e outras siglas que me deixaram meio aéreo
em meio à música nova da Nicki Minaj tocando no rádio.

Harry me olhou de canto. Yeah, seriam longos dias.


Chapter Twelve
No fundo da minha mente enevoada de sono e ainda capturada sobre a linha
tênue entre dormir e abrir os olhos, eu ouvi um clique baixo disparar.
Seguido de outro e outro.

Quando tentei me mover para o lado e jogar a coberta sobre a cabeça, fui
impedido com uma mão firme no meu ombro, o que me fez despertar no
mesmo instante com o coração já acelerado dentro do peito. Olhei para
cima e me deparei com Harry em cima de mim, as coxas à altura das
minhas costelas e uma câmera Canon entre as mãos cobrindo parcialmente
seu rosto; não consegui me irritar por causa do susto. Ouvi o clique do
obturador novamente e nem me dei ao trabalho de questionar como é que
ele estava ali às... Peguei meu celular na mesinha de cabeceira e liguei a
tela, grunhindo pela claridade quase incendiando meus olhos. Seis e vinte e
cinco da manhã.

— Bom dia, Lou. — vi um sorriso de canto nos lábios, embora meu quarto
ainda estivesse, na grande maioria, imerso na escuridão proporcionada pelas
cortinas escuras.

— Bom dia. Me diz que você não está tirando fotos minhas nesse estado.
Vou te processar.

— Jura? Eu estou na sua cama às seis e meia da manhã e a primeira coisa


que você me diz é isso? Nada de... sei lá,

"como você entrou na minha casa, seu otário?".

— Jay te deixou entrar?

Ouvi um suspiro. Pelo jeito, queria contar algo impressionante ao estilo fim
do filme Cartas para Julieta.

— É, ela estava saindo quando estacionei o carro.

Estragou meu sonho de pular pela janela e observar você dormir.


Com os olhos ainda meio fechados, me sentei lentamente e encostei à
cabeceira, tentando passar os dedos pelo cabelo para deixá-lo menos
emaranhado, mesmo que soubesse que aquilo ali era uma batalha perdida.

Enquanto eu ainda estava arrumando a franja, Styles abaixou a câmera e se


inclinou para me dar um pequeno beijo de lábios fechados. Os seus, úmidos
e macios, encostaram-se aos meus por uma fração de segundo, o que serviu
para me deixar querendo mais.

Depois da primeira vez que pude sentir sua pele livremente e tocá-la como
se cada centímetro tivesse sido moldado para mim, depois de ter gozado por
causa dele, eu parecia estar em um ritmo frenético o tempo inteiro. Era
ridículo e adolescente demais. Porém, eu nunca conseguiria me acostumar
com aquilo, com o fato de poder beijá-lo quando quisesse. O que não
parecia valer muito quando fingíamos não nos conhecer nos corredores da
escola.

— Achou a câmera, então?

— Sim! — exclamou, arregalando os olhos excitadamente.

— Estava na última gaveta do escritório de Desmond o tempo inteiro. Não


é incrível?

— Muito. Estou feliz por você, H. — disse sinceramente, trazendo sua mão
até minha boca para beijar seus dedos.

Deslizei para fora da cama, sentindo minha coluna protestar. — Já eu volto.


Me espera.

Quando saí do banheiro, ele não estava me esperando. O

quarto estava vazio, mas ouvi conversas lá embaixo e deduzi que Harry
estava na cozinha com Lottie. Vesti o uniforme, peguei a mochila e o paletó
e desci ainda com a gravata desfeita em volta do pescoço. Eu sentia inveja
dos jogadores do time, já que eles eram os únicos que podiam burlar as
regras da escola em relação à uniforme.
Lottie já estava vestida com o uniforme e com a boca cheia do que parecia
ser cereal, os cabelos amarrados em um rabo-de-cavalo alto e os olhos meio
fechados de sono.

Harry, sentado do outro lado do balcão com as pernas longas cruzadas,


mexia na câmera como um bebê ao ganhar o primeiro presente, a bandana
prendendo os cabelos, mas deixando alguns cachinhos sobre a lateral do
rosto.

— Lou? — Lots chamou meio hesitantemente quando peguei duas xícaras


de dentro do armário após dizer bom dia. O apelido não fazia parte de um
carinho usual entre irmãos. — Felicite... Hum, ela ligou. Ontem à noite.

O nome era estranho pra mim. Parecia muito menos que uma irmã,
igualava-se a uma conhecida distante.

— Vocês conversaram?

— Uhum. Ela disse que nós podemos ir pra lá no ano-novo.

Fiz a caneca de chá para Harry e entreguei a ele, vendo que fingia não ouvir
a conversa. Na verdade, eu não sabia ao certo se estava ouvindo, parecia tão
concentrado na Canon, um brilho nos olhos que era completamente novo.

Espiei sorrateiramente só para confirmar que ele estava vendo as fotos que
havia tirado de mim. Pelo jeito, eu era o motivo das covinhas.

— Você sabe que pode ir se quiser, certo? Nova York deve ser linda no ano-
novo. Ouvi falar que eles fazem um espetáculo de–

— Eu não vou sem você.

— Charlotte, eu nunca vou sequer entrar na casa dele.

Então, sem chance.

Ela suspirou, largando a tigela de cereal.

— Felicite quer nos ver.


— O problema é dela.

Fui puxado pela mão até estar de cara com dois olhos verdes e curiosos,
rugas de concentração entre as sobrancelhas. Ele não disse nada, somente
puxou os lados da gravata e começou a dar um nó perfeito com os dedos
ágeis, roçando a unha no meu pescoço vez ou outra.

— Louis–

— Charlotte! Para! — virei somente o rosto a tempo de vê-

la piscar, assustada, por causa do meu tom de voz mais alto que o normal.
— Ok?! Para... Que saco. A gente discute isso outro dia. Não agora, não
hoje.

Não em frente a Harry.

Ela me encarou por poucos segundos antes de se levantar, pegar a mochila e


praticamente jogar a tigela na pia. Saiu da cozinha com passos decididos e
cabeça erguida. Quando perguntei se não iria querer a carona, somente
gritou "não!" e a porta da frente bateu.

Merda.

— Desculpa por isso. — fechei os olhos e o deixei terminar de dar o nó na


gravata. — Não somos assim. Ao menos não de forma séria.

Seus dedos continuaram a ajeitar o tecido, finalizando com a gola da camisa


e ajustando-a perfeitamente sobre a gravata. Quando terminou, não deixou
eu me afastar e lambeu os lábios, abaixando a cabeça.

— Eu liguei pra minha irmã ontem. Depois de achar a câmera... Eu- Não
sei, eu estava feliz, tipo, eu me sentia feliz e uma parte de mim pensou que
talvez ela tivesse me perdoado e talvez eu pudesse falar sobre você, sobre a
câmera e sobre mim pra ela. Porque ela é mais velha e ela sempre me
apoiou antes de ir pra Harvard.

Passei os polegares pela área escura abaixo dos seus olhos e ergui os dedos
para a linha do seu cabelo.
— E o que ela disse?

— Que eu deveria parar de ligar. Ela me disse que eu sou um estranho,


alguém que ajudou a arruinar a família. — vi seu pomo de adão subir e
descer rapidamente em conjunto com uma respiração trêmula. — Então...
desculpa por estar me intrometendo na sua vida, mas... talvez você devesse
falar ao menos uma vez com Felicite? Esse é o nome dela, né? — afirmei
com a cabeça e Harry encolheu os ombros. — Deve ser bom ter uma irmã
que queira falar com você.

Me obriguei a não desviar o olhar.

— Eu posso tentar falar com ela daqui um tempo. — E

pedir desculpas à Lottie. — E sua irmã... Eu espero, de todo o coração, que


ela tenha alergia aos livros empoeirados de Harvard e falte a muitas aulas
por isso.

Harry riu e, mentalmente, eu me corrigi. Eu esperava que ela percebesse


quão precioso Harry era e como ele a amava e precisava dela. Como ele era
tão alto e forte e, ao mesmo tempo, tão pequeno e hesitante em relação ao
mundo.

— Você vai tentar falar com Felicite?

— Vou. Tentar. — ressaltei, mas mesmo assim foi o suficiente para que seu
sorriso aumentasse. — Como é o nome dela? Da sua irmã?

— Gemma. Minha mãe costumava dizer que temos nomes de príncipe e


princesa, sabe? Harry Edward Styles e Gemma Anna Styles. O engraçado
era que Gemma preferia as espadas e eu preferia os vestidos e coroas.

— Nada errado com isso, Meno.

— É?

Assenti e encostei nossos narizes. — É. Nada errado em ser quem você é.


Seus olhos manhosos me deram uma dica que ele precisava ouvir algo
como aquilo. Ainda bem, porque eu estava disposto a dizer muitas e muitas
vezes.

Harry me esperou trancar as portas de casa e pegar a chave do Volvo. Jay


não havia ido de carro e eu não fazia a mínima ideia do motivo, talvez
tivesse pegado carona com alguma colega. Eu o beijei na varanda e só
paramos quando a vizinha da casa da frente limpou a garganta muito alto.
Alto o suficiente para ser ouvida do outro lado da rua.

Styles ergueu a mão, deslizando a mão até meu quadril de propósito.

— Bom dia pra senhora, espero que sorria muito hoje.

Todos ganham bom dia!

Ela nos olhou, perplexa. Aproveitei para também erguer a mão.

— E acho que a senhora deveria ir ao médico e ver como essa garganta está,
hum? Essa gripe de hoje em dia...

Ainda bem que mantenho o meu garoto aqui bem quentinho.

Vi a Sra. Pokémon, nossa vizinha, gargalhando enquanto regava algumas


flores no jardim.

Ainda estávamos rindo quando ele entrou no Audi e eu, no Volvo.

Só percebi que tinha o chamado de meu garoto quando parei o carro no


estacionamento do colégio e vi como sua expressão estava mais suave.

— Me dá seu celular. — praticamente enfiei a mão no rosto de Zayn após


me sentar à mesa do refeitório, largando a mochila de lado.

Sem perguntar, pegou o iPhone do bolso e me entregou.


No plano de fundo, ainda estava uma foto nossa do ano anterior na qual
Malik sorria vitoriosamente por causa da sua armação concluída com êxito
que resultou no meu nariz, orelhas e o rosto inteiro repletos de chantilly. Eu
não parecia muito alegre, mas ele gostava da foto, então...

Abri o Facebook e dei uma olhada para Styles, que estava entre os
jogadores do time, sentado na mesa e com a mão na cintura de Julie e os
dedos traçando distraindo círculos sobre o quadril dela. Digitei Gemma
Styles e cliquei no primeiro perfil que apareceu abaixo da barra de pesquisa.

Ela era bonita, de cabelos loiros curtos e um sorriso que se igualava ao de


Harry de uma maneira quase surreal.

Usava óculos escuros e, na foto, parecia estar em algum almoço ao ar livre


ou algo do tipo, já que no fundo, um campo elegante e repleto de
decorações aparentemente caras desenvolvia-se suntuosamente. Na foto de
capa, um gato – que logo descobri ser uma gata – olhava atentamente para a
tela de um MacBook com atenção.

Olivia, era o nome.

Nas informações, continha o nome de Harvard, a data de aniversário e


alguns detalhes sobre parentes. No primeiro post, eu engoli em seco porque
a legenda para uma foto com Anna era grande, gigante. As duas seguravam
taças de champagne e sorriam abertamente. Não li tudo, mas capturei algo
sobre "força vinda da família". Ironia.

Continuei rolando seu perfil e parei em uma foto antiga.

Harry com suas covinhas inconfundíveis devia ter cinco ou seis anos e
Gemma era um pouco mais velha. Anne e Desmond se abraçavam e
Gemma, parada atrás de Harry, apertava as bochechas dele com vontade, o
que não foi capaz de fazê-lo parar de sorrir.

— Quem é? — Zayn apoiou o queixo no meu ombro e olhou para a tela. —


Família feliz de comercial e tal.

— É a família do Harry.
— Ah.

— É.

Continuei vendo algumas postagens até que Zayn cutucou minhas costelas e
olhou, confuso, em direção as bandejas do almoço. Lottie discutia com
outra aluna, abrindo os braços e gesticulando exageradamente. O rosto
estava começando a ganhar mais cor, o que, pela minha própria experiência,
significava que a paciência tinha ido embora.

Devolvi o celular a Zayn e me levantei, apressando-me para chegar até elas.


A garota devia ter quinze ou dezesseis anos, mas eu sabia que era uma
daquelas riquinhas que matavam aulas para cheirar cocaína e preferiam
arranjar brigas a estudar.

— O que está acontecendo?

Lottie cruzou os braços e nem sequer me olhou, permanecendo concentrada


na garota.

— Ninguém está pedindo sua ajuda. — disse firmemente a mim.

— Charlotte...

— Seu irmão veio te defender, idiota? Os dois pobres do colégio unidos,


que fofo.

A expressão de Lottie vacilou, sendo alterada lentamente para uma que a


tomava quando estava prestes a chorar, mas se forçava a conter as lágrimas.
Eu conhecia bem. E

embora não me importasse com as ofensas em relação ao nosso – pouco –


dinheiro, sabia que com ela era bem diferente.

Coloquei-me em frente a minha irmã e tive que me inclinar para encarar a


garota.

— Pense duas vezes antes de falar. Você ainda é sustentada pelos pais e
tenho certeza de que te oferecem como um ótimo exemplo a todo mundo.
Não gostariam de saber que a filha é uma viciadinha que tenta se fazer de
superior na escola que tanto eu quanto Lottie pagamos igual a você.

O sorriso debochado foi apagado no mesmo instante.

Achei incrível como, mesmo assim, ela ainda tentou rebater.

— Isso não faz de vocês menos mendigos.

— Bem, se pessoas como você não olhassem tanto para o próprio nariz,
talvez os mendigos que você acha que servem como exemplo para uma
ofensa não morreriam todos os dias nas ruas do mundo inteiro. — coloquei
a mão no ombro dela, balançando a cabeça. — Para de ser fútil, garota.

Segundos depois, ela chacoalhou o ombro e fez minha mão cair, mostrando
o dedo do meio (muito maduro) antes de se afastar com a cabeça erguida e
as mãos no bolso do paletó.

Eu praticamente nem tive tempo de me virar e Lottie já estava me


abraçando, apoiando a cabeça na curva do meu pescoço e me segurando
pela cintura. Beijei sua testa e deixei meu coração desacelerar um pouco,
aproveitando para olhar por cima do seu ombro. Disfarçadamente, Harry
nos observava com uma expressão indecifrável. Não estava sorrindo, mas
identifiquei algo como... Como satisfação, talvez. De qualquer forma, voltei
a me concentrar em Lottie.

— Vou ligar para Felicite. — sussurrei, guiando-a até um canto afastado


entre duas mesas vazias. — Isso não significa que eu vou para Nova York e
acredite, é muito mais do que eu pensava fazer. Mas eu vou ligar. Ok?

— Você é o melhor irmão do mundo. Obrigada por me defender, foi tipo...


bem cinematográfico. — riu baixinho, dando um passo atrás e finalizando
com um sorriso sem jeito. — Eu fui uma idiota hoje de manhã. Me
desculpa.

— Você é idiota em todas as manhãs. — brinquei e ela me empurrou,


revirando os olhos. — Eu não deveria ter gritado com você. Fui estúpido.
Hesitou por alguns segundos, mas acabou erguendo a mão e estendendo o
dedinho, oferecendo-me um olhar de retaliação.

— Irmão e irmã?

— Nós dois sempre, idiota.

Juntei nossos dedinhos e ela sorriu. Claro que, dois segundos depois, torceu
o meu dedo até que eu a empurrasse e ela me empurrasse de volta.

"Vou tirar fotos suas enquanto lê. É engraçado (e encantador) como se


torna alheio a tudo em volta."

Li a frase escrita em uma letra bonita no post-it rosa e não precisei olhar a
frente para saber de quem era. Conferi se o professor ainda corrigia as
redações e me inclinei um pouco enquanto fingia continuar ler o livro.
Tínhamos vinte minutos de descanso após a produção da redação e cada um
gastava como quisesse contanto que não fizesse barulho.

— Vou ter que tomar cuidado com você e essa câmera.

Ele virou o rosto parcialmente, empurrando o lábio inferior a frente do


superior e fazendo um biquinho q ue nãaao, não era bonito. Nem fofo. Não
fez meu interior derreter.

— Me deixa ser uma criança feliz.

— Sem tirar fotos minhas. Não fui feito para ter fotos em boa qualidade,
sabe? Tem que ser uma câmera bem porcaria para esconder os defeitos.

— Baby...

— Michelangelo. Não. — franzi as sobrancelhas, desviando o olhar


novamente das letras pequenas do livro antigo e amarelo. — Você me
chamou de baby?

— Muito observador, você. Prefere querido? Chuchuzinho.


Talvez bundinha fofa.

— Bundinha fofa só na cama.

Ele riu, estreitando os olhos que ficavam ainda mais verdes sob a luz do sol
fraco entrando através das grandes janelas da classe.

— Anotado. Lou?

— Hum? — fechei o livro. Eu não precisava de trechos e diálogos


românticos perto de Harry.

— Niall e Angelina querem ir a um pub hoje, aproveitar.

Liam disse que falaria com Zayn, mas... Quer ir?

— Não tenho idade para entrar em pubs, Harry.

— O dono é um amigo meu e não é como se fôssemos ficar perto de todo


mundo. Juro que não queria ir, mas Niall é irlandês e ele está com esse puto
objetivo fixo na cabeça de que eu tenho que me animar. Estupidez.

— Diga a ele que tem um jantar na casa de Julie.

— Julie vai sair com Candice hoje e, consequentemente, os pais dela


pensarão que estaremos juntos. Não tem

jeito. — ele inclinou a cabeça pra trás e eu resisti a vontade de apertar seus
ombros para desfazer a tensão aparente mesmo por cima do casaco. —
Quero fumar. Tá a fim de sair da sala?

— Muito. Como vai ser? Finjo um desmaio?

— Me encontra no pátio de trás.

E, uau. Obrigado, Harry. Grande ajuda.

Ele se levantou e reuniu os materiais, jogando-os dentro da mochila. Todos


desviaram o olhar dos respectivos livros para Styles, mas eu continuei
encarando suas pernas mesmo quando ele correu para fora da sala alegando
ter surgido um treino repentino. A porta bateu e o professor ergueu a mão e
a agitou no ar como se dissesse "tanto faz".

Só para manter a personagem, encostei-me à cadeira e murmurei "jogadores


estúpidos".

Esperei exatos três minutos antes de também me levantar, caminhando com


um ar entediado até a mesa do professor. Pedi para ir ao banheiro e, da
mesma forma que fez com Harry, me dispensou. Resgatei a compostura de
um lugar profundo do meu ser enquanto fechava a porta, depois corri pelo
corredor em direção ao pátio. Parecia ter cinco anos novamente.

Harry estava sentado no mesmo lugar de sempre no gramado escondido


atrás do prédio. Sem o casaco apesar do frio e as mangas da camiseta
enroladas até o ombro, algumas tatuagens mais aparentes. Parei por um
segundo somente para absorvê-lo, precisando daquilo. Nos últimos

passos, ao invés de me sentar ao seu lado, me acomodei atrás dele,


passando as pernas por cima das suas coxas e os braços largados no seu
ombro com os dedos tocando seu peito.

— Oi. — beijei o topo da sua coluna ao mesmo tempo em que ele levou o
cigarro à boca, apertando a mão na minha coxa. — Eu vou ao pub hoje se
você conversar com Jay.

Por alguma razão, ela confia em você.

— Certo.

— Falta uma semana e meia para o ano-novo. Não sei como ainda não está
nevando.

Seu corpo enrijeceu e eu sabia que não era por causa do frio. De qualquer
forma, deslizei as mãos pelos seus bíceps, querendo mais que tudo cobri-lo
com o casaco novamente.
Eu descobriria o que o deixava tão fechado em relação a mim dali a uma
semana. Não conseguia parar de pensar, de procurar milhares de teorias em
lugares das minhas poucas lembranças compartilhadas com Harry que nem
deveria estar visitando.

— Onze dias. — repetiu, jogando a cabeça pra trás e a apoiando no meu


ombro. — Em quanto tempo você acha que uma vida pode mudar?

— Depende da mudança.

— Você sabia que os pinguins só sobrevivem se mantiverem a família


forte? Os que vivem em regiões mais

frias, claro. Eles precisam um do outro para sobreviver, para produzir calor
e tal.

Virei o rosto para tentar extrair alguma informação de sua expressão que
pudesse explicar a mudança abrupta de assunto. Harry fazia isso com
frequência, verdade, mas...

Eu senti que tinha algo a mais. Alguma razão por trás que coincidia com a
noite do ano-novo. Ele não me ajudou muito. Não quando o único
movimento aparente era o dos seus dedos segurando o cigarro.

— E enquanto não formam a família?

— Eles procuram incessantemente por uma. Eles precisam dela para viver,
não é como se pudessem ficar sem.

Silêncio.

— Harry.

Uma respiração longa e profunda.

— Sim?

— Eu não quero perder você. Em qualquer sentido... eu não quero. É


bobagem estar assim em tão pouco tempo?
Ele abriu os olhos e encarou o céu, piscando lentamente poucas vezes. Seu
peso estava parcialmente inclinado em mim e, com o seu calor formando
uma superfície segura em minha frente, eu não soube explicar a mim
mesmo de onde havia vindo aquilo. A necessidade de falar surgiu tão
subitamente quanto ele nas minhas manhãs, tardes e noites; na minha vida.

Suas

mãos

me

apertaram

mais,

mantendo-me

pressionado a ele, mas não respondeu. Ao acender o segundo cigarro, os


olhos se fecharam novamente e eu não o interrompi mais.

O dono do pub possuía cabelos à altura dos ombros e usava casacos


coloridos. Mesmo por baixo da camiseta branca, vi que possuía uma barriga
proeminente que só podia ser resultado dos barris de cerveja ao longo do
bar bem equipado e manuseado por garçons simpáticos e garçonetes
sorridentes. Julian Bunetta, ele se apresentou a mim com uma sobrancelha
erguida e o casaco verde néon brilhando sob as luzes reguladas para serem
fracas.

Harry sorriu de onde estava posicionado atrás de mim, como uma proteção
sutil, e Angelina acenou. Liam e Zayn ainda estavam conversando baixinho,
partilhando sorrisos que pareciam tão particulares a ponto de me deixar
envergonhado por olhar.

Niall pulou no Julian. Literalmente o abraçou e beijou a têmpora do


homem, clamando-o como um deus.
Exclamaram alguns elogios e palavras de qualidade sobre cervejas antes de
sermos guiados até o segundo andar do pub, as escadas de madeira
decoradas por candelabros acesos em cada degrau. Era diferente, o interior
cheirava a álcool e um pouco de canela, e The Strokes ecoava por todos os
cantos do bar como se tivessem alto-falantes instalados estrategicamente em
vários pontos. Conversas borbulhavam nos meus ouvidos e casais eram
vistos para onde olhasse, esparramados pelas chaises de couro,

cadeiras de madeira e até mesmo poltronas de encosto alto e pontudo. Era


uma mistura de rock com clássico dos anos oitenta, jazz e um pouco de
Elvis Presley, mas a mistura improvável acabava dando certo no final.

Fomos encaminhados a uma cabine e, ao nos sentarmos à mesa de madeira,


Harry me puxou para ficar na ponta da longa poltrona preta de forma que
ele fosse o único ao meu lado, logo seguido por Liam e Zayn. Niall e
Angelina sentaram-se à frente, vestidos como se estivessem indo a um
jantar de gala.

Julian se retirou com um pedido de doses de Vodka e coquetéis de frutas e


no mesmo instante, o desconforto recaiu sobre nós.

— Então... — Angelina puxou a última sílaba, olhando em volta. — Vocês


costumam vir aqui?

— Algumas vezes. — Harry respondeu, encostando-se à poltrona e


estendendo o braço sobre o topo dela. — Liam costumávamos passar aqui
nos dias de jogo do time.

Niall explicou à namorada que Styles era capitão do time e Liam era um
dos melhores jogadores. Meu celular vibrou.

Era uma mensagem de Zayn e tentei ser discreto ao ler.

"Talvez devêssemos beber para enfrentar o que vem por aí. Meu Xbox está
nos esperando :("

O teclado subiu para eu responder bem a tempo do tom irlandês irromper


meus pensamentos.
— Louis... — Niall sorriu abertamente. Não era falso, ao menos não
aparentava. — Por que eu nunca te vi em

alguns dos encontros infinitamente chatos da família? Já vi Liam. Não você,


porém.

— Harry e eu somos amigos há pouco tempo. — ouvi-o soltar um som


abafado após eu dizer "amigos".

— Íntimos?

Eu não sabia mentir, nunca soube e, quando criança, Jay descobria


rapidamente quem havia comido os bolinhos antes do jantar porque eu não
pensava em limpar a boca.

Por isso, quando a palavra "íntimos" me atingiu, a primeira coisa que eu fiz
foi encarar Harry. Até mesmo um sinalizador no centro da Times Square
seria mais discreto.

— Digo, íntimos no sentido de sempre. — Niall explicou.

Ou tentou. — Harry adora ficar sem roupas perto de amigos íntimos, não
sei se você já chegou a esse estágio.

Jesus. Eu queria afundar o rosto na mesa e nunca mais levantar a cabeça e


revelar como minhas bochechas estavam vermelhas. A lembrança dele
falando dos meus gemidos, movendo-se em cima de mim e se ajoelhando
retornou com força e tive que deslizar a mão em sua coxa para me
estabilizar.

— Já. — forcei minha voz a sair, as sílabas sem estabilização alguma. -


Yeah, Harry... Ele– é.

Movi o olhar de Niall para Angelina e isso foi um erro. Ela me encarava
com a sobrancelha erguida, algo na linha ao lado de seus lábios revelando
que sabia mais que o namorado.

— Porque ficar pelado é uma coisa ótima, duh. Por que você acha que a
gente nasce assim? Agora, se vocês quiserem ir comigo ao bar e perguntar a
Julian sobre os hambúrgueres, seria ótimo. Obrigado. — Harry tirou o
casaco e o deixou no meu colo, inclinando-se rapidamente. — Já que não
vai beber, quer algo a mais?

— Refrigerante?

Acenou com a cabeça e se levantou, levando Liam consigo. Horan se


apressou para levantar e acompanhá-

los e Zayn veio para o meu lado, olhando em volta com as mãos agarrando
meu braço, inseguro como usual.

Cantarolei distraidamente, reflexo de uma lembrança que nem sabia ter, o


primeiro verso de You Only Live Once e pousei o olhar em uma foto do
Julian abraçando Axl Rose.

— Vocês não são amigos.

O tom de voz que emitiu aquelas palavras era calmo, em contraste com o
batimento do meu coração. Angelina estava sorrindo, o dedo mexendo
tranquilamente a pulseira dourada no pulso e a cabeça levemente inclinada.

Embora não estivesse me encarando, sabia que avaliava cada pequena


reação minha pelo canto dos olhos.

— O quê?

— Você e Harry. Não são amigos. Pelo jeito, nunca foram.

— Está querendo dizer que somos inimigos? Que eu o odeio ou algo assim?

Ela virou a cabeça lentamente em minha direção, desprezo evidente em


todos os movimentos. Até eu acabei me odiando depois daquela frase.

— Do mesmo jeito que o garotão musculoso ficou atrás do seu amigo e


Niall ficou atrás de mim enquanto entrávamos no pub, Harry ficou atrás de
você. Segurando sua cintura.
— Não significa nada. Amigos seguram a cintura um do outro. Não é,
Zayn?

Malik parecia estar sendo ameaçado por uma faca.

Éramos a pior dupla.

— É? Digo... É! Claro que sim. Mão na cintura, no quadril...

Amizade, bro, lad.

Ela riu ao tirar elegantemente o casaco, ajeitando o tecido sobre o colo e


expondo as alças de renda do vestido preto.

— E mesmo assim você não negou que são muito, muito mais que amigos.
Harry te olha como se você segurasse o sol. Como se você fosse o sol, na
verdade. Como se ele fosse agradecido por você existir – o que tenho
certeza que é. É o mesmo jeito que Niall me olhava desde que iniciei o
tratamento e é como me olha agora.

Tratamento? Qual parte da conversa eu tinha perdido?

— Ah! — havia uma curva gentil nos seus lábios ao notar como tanto eu
quanto Zayn estávamos confusos. —

Tratamento hormonal aos dezesseis. Eu sou transexual.

Minha boca caiu aberta.

— Niall e você namoram há cinco anos? Porque ele tem vinte e um e você
também, né?

Ela riu alto, verdadeiramente. A curva gentil em volta dos lábios vermelhos
de batom estava ainda mais ressaltada.

— Eu amo que você tenha ficado mais pasmo com o meu namoro do que
com o fato de eu ser trans.

Encolhi os ombros
— Não há porque ficar pasmo, Angelina. Somos o que somos, yeah?

Balançou a cabeça, colocando as duas mãos sobre a mesa.

— Me chama de Angel, se quiser. E... Yeah. Obrigada. Na Irlanda, as coisas


são difíceis, mas... Você é uma pessoa extraordinária. E você também,
Zayn, embora esteja com os olhos fixos no celular. — ele levantou a cabeça
ao ouvir seu nome, confuso. Nós dois rimos. — Não há dúvida porque
Harry está apaixonado por você, Tomlinson.

Eu estava a ponto de rebater – apaixonado? Quê? –, mas os três retornaram


e se acomodaram nos respectivos lugares, Malik cedendo o lugar a Harry,
que posicionou um copinho com canudo que parecia um pote de geleia em
minha frente cheio do que provavelmente era smoothie de morango.
Agradeci baixo e tentei não revelar muito quando sua mão fez o caminho
até minha coxa por baixo da mesa, os dedos roçando a parte interna dela
devagar. Abri as pernas mais um pouco para dar espaço a ele.

Me encarou, curioso, e começou a acariciar a costura do jeans, os


movimentos reagindo direto na minha pele.

— Trouxe isso ao invés do refrigerante. É com sorvete de baunilha. Bom?


— sorriu ao abrir a garrafa de cerveja.

— Muito. Obrigado.

Seus olhos seguiram o movimento dos meus lábios em volta do canudo e eu


me forcei a não desviar o olhar.

— Por nada. — inclinou-se o suficiente para sussurrar no meu ouvido. —


Niall sabe. De nós.

Porra?

— A namorada dele também.

— Então...

— O quê?
Ele apenas sorriu.

Eu mal tive tempo de estabilizar o copo na mesa e sua boca já estava na


minha, o gosto de cerveja atenuando o de morango e seu cheiro, tão
familiar, pesando minhas pálpebras. Ouvi assovios e a risada de Angel, mas
não consegui fazer mais que fechar os dedos nas lapelas do seu casaco e
segurá-lo enquanto ele chupava meus lábios e lambia vez ou outra minha
língua, deixando-me ofegante com as mãos firmes em volta das minhas
coxas. Quando nos separamos, a respiração acelerada, foi para Harry me
dizer:

— Eu me torno um péssimo mentiroso perto de você.

— Quero que você não tenha a necessidade de mentir quando estiver


comigo. — afundei a ponta do dedo

indicador no lugar onde deveria estar sua covinha. —

Nunca.

Saímos do nosso mundo particular para encontrar os quatro sorrindo. Cobri


a mão de Harry com a minha a tempo de compartilhar um olhar com Angel
que secretava aquela frase que eu odiava ouvir. "Eu te disse”. Depois disso,
as coisas fluíram como se fossem pra ser.

Saímos do pub perto das três da manhã e após duas ligações de Jay nas
quais ela precisou conversar com Harry e se certificar que ele não estava
bêbado. A conta foi paga, Julian nos ofereceu cake pops e cada um pegou
um palitinho antes de seguirmos para fora, agradecendo-o com as vozes
alegremente altas. Estava frio e bastou o primeiro passo na calçada para
notar que alguns flocos de neve começavam a cair lentamente.

Os dedos de Harry estavam quentes entre os meus, um sorriso tímido ao me


guiar até o Cadillac e o cigarro na outra mão ao invés do bolinho no palito;
que tinha dado pra mim, já que ele se recusava a comer chocolate após
algumas garrafinhas de cerveja. Niall e Angel se acomodaram nos últimos
bancos e nós entramos, fechando a porta e nos isolando do frio e do barulho
de fora. Zayn assumiu o volante e Liam entrou do outro lado, olhando pra
trás rapidamente e dizendo "crianças seguras no banco" antes de morder um
pedaço do bolo e rir, tão bêbado que parecia ter retornado aos cinco anos.

A rua passava rapidamente do outro lado da janela, a luz amarelada dos


postes revelando a neve caindo com cada vez mais intensidade e o vento
levantando as poucas

folhas que ainda não haviam sido cobertas pela fina camada branca. Dez
dias, repeti mentalmente, sentindo Harry procurar minha mão para juntar à
sua através do espaço entre os bancos. Sua cabeça estava encostada à
janela, os lábios repuxados em um sorriso tão leve e sereno que não
expunha nenhuma covinha. Mas era tranquilo e, engolindo em seco, pensei
que era assim que ele deveria se sentir o tempo inteiro.

Dez dias.

Não descobri em dez dias.

Ao Zayn estacionar o Cadillac em frente à casa de Harry, Niall e Angel se


despediram e saíram do carro, apressando-se para ir até a escadaria e se
esconder sob a cobertura. Levei um bom tempo beijando Styles e ignorando
os roncos de Payne (que tinha dormido no meio do caminho), terminando
com um abraço apertado e demorado. Ele sussurrou que me ligaria depois e
também saiu do carro, batendo a porta atrás de si. Correu para subir as
escadas, abrindo a porta com a chave que tirou do bolso e esperando Niall e
a namorada entrarem para só então acenar em direção ao carro e
desaparecer no interior da casa.

De certa forma, agora eu sei que as coisas acontecem por um motivo. Os


sinais estão ali, e se você for ingênuo o suficiente para se render a eles, as
circunstâncias se desenrolam.

De um segundo para o outro, o Cadillac desligou, as luzes apagaram e até


mesmo o ar quente parou. Tirei o celular do bolso, liguei a lanterna e
iluminei o rosto pálido de Zayn, suas mãos ainda no volante. Liam roncou
ainda mais alto.
— Merda. — disse baixo, apertando o botão de partida de novo e de novo.
— Merda, droga. Lou, Lou.... Louis!

— Eu... — olhei em volta da propriedade. Era um instante propício para


algum homicida nos encontrar e... porra!

Não, não. Cale a boca, memória dos filmes de terror! —

Vou chamar Harry, ok? Avisá-lo, não sei? Acorda Liam.

Saí do carro e atravessei o pátio, minha respiração saindo visivelmente


esbranquiçada a cada passo. Fechei as mãos em punho dentro do bolso do
casaco e parei em frente à porta principal, tentando abri-la. Trancada. Ele
não me escutaria bater, foi o que pensei, então contornei a casa e chequei a
entrada lateral da cozinha. A porta dupla abriu com facilidade e eu entrei
silenciosamente, escutando meu próprio fôlego dentro do cômodo escuro e
vazio. Apesar do medo fazendo o sangue pulsar nos ouvidos, escutei vozes
num cômodo distante. A sala de jantar.

Fui até lá, forçando meus cabelos a permanecerem no lugar. Mais dois
passos. Harry e Niall. Mais dois.

Identifiquei a palavra "pílulas" e engoli em seco, fechando o pequeno


espaço entre a entrada da sala de jantar e eu.

Então ouvi.

— Você não pode! — Niall exclamou e um estrondo ecoou pelo espaço frio
me cercando. Eu não conseguia me

mover. — É isso? Depois de um determinado tempo, você... porra, Harry!

— Você nem sequer deveria ter visto os papéis. Você não tem nada a ver
com isso, com a minha vida.

Ele soava calmo. Não serviu para me tranquilizar.

— Não acha irônico falar de vida agora? — Horan parecia desesperado,


falando rápido e deixando o sotaque tornar-se mais forte a cada palavra.
Perguntei-me onde estava Angelina. — O que eu posso fazer? E Louis?!

— Eu não falei com ele ainda.

Paralisei. Não seria capaz de me mexer nem se eles aparecessem e me


vissem ali, parado e escutando a conversa. Minhas mãos estavam ainda
mais frias.

— Quantos dias? — Niall perguntou após alguns segundos de silêncio. Não


tinha certeza, mas parecia estar chorando.

— Até eu alcançar o que quero.

— O que você quer.

— É.

Eu nunca poderia estar preparado para as próximas palavras murmuradas


por Niall. Meses depois daquele dia, enquanto reproduzia a mesma frase
dentro da cabeça, ainda sentia o mesmo maldito choque percorrer meu
corpo. O mesmo calafrio.

— As pílulas acabam e você morre.

— É. — Harry repetiu sem emoção alguma.

— Isso é suicídio.

— Niall...

O soluço que escapou pelos meus lábios coincidiu com as lágrimas


descendo. Uma atrás da outra, atropelando meus pensamentos, meus
sentidos, minha noção. Eu não queria pensar, não queria imaginar. Não
queria acreditar.

Dei um passo atrás, esbarrando na mesa atrás de mim para só então notar
como minhas pernas também tremiam.

O barulho soou alto e a conversa cessou imediatamente.


Vi Niall e Harry surgirem em minha frente, Horan com as bochechas
vermelhas e olhos molhados e Styles...

mórbido. Assustado. Eu não sabia definir.

— Você ouviu. — disse hesitantemente, os braços soltos ao lado do corpo.


— Louis, eu...

Eu corri.

Foi covarde, a última chance de escapar daquilo. Mas eu corri, forcei


minhas pernas a funcionarem e corri para fora da casa, mais seguindo o
caminho de acordo com o que havia decorado do que com o que estava
vendo. Meus olhos estavam embaçados, escuros, e eu só queria correr e
tirar o peso forçando meus pulmões para baixo de dentro de mim.
Sufocado, perdido e tendo a impressão de que cuspiria o estômago pra fora
a cada fôlego, alcancei o Cadillac com o casaco sujo de neve e as lágrimas
esfriando sobre minhas bochechas.

O carro estava ligado e eu suspeitei que Liam tinha ajudado, já que havia
acordado em algum ponto dos minutos anteriores. Bati a porta com força
atrás de mim e

não ouvi a mim mesmo dizendo para Zayn dar partida e sair dali. Não ouvi
meu choro ao olhar para o lado e me deparar com Harry parado no fim da
escadaria, parecendo encarar direto o meu lado de dentro, encarar tudo o
que eu estava sentindo, embora não conseguisse ver sequer meu rosto
devido aos vidros escuros. Não me ouvi sussurrando por favor baixo entre
minhas mãos, os pés sobre o banco e os joelhos encolhidos.

Ao confrontar o desespero, minha única saída, irracional por assim dizer,


era pedir por favor até que tivesse a impressão que daria certo, que tudo
correria como deveria ser em seu curso. Repeti mentalmente aquelas duas
palavras durante todo o caminho, evitando imagens doentias, evitando o
único pensamento que, de uma forma ou de outra, emergia bem em frente
aos meus olhos não importava o quanto tentasse repelir. Quando a secura
atingiu minha garganta e minhas mãos estavam molhadas de lágrimas, eu
não tive a impressão que melhoraria. A partir daquele segundo, o caminho
só guiava para baixo.

Baixo, baixo e baixo. Tudo pioraria. Naquele momento, não passou pelo
meu raciocínio corroído a palavra salvar ou... mostrar. Mostrar porque ele
deveria ficar.

Fica, por favor. Não vá. Não me deixa ir...

"Não quero perder você, Harry. Em nenhum sentido."

Eu poderia me apaixonar por Harry, segredei baixo, apertando as unhas


nas próprias coxas e fechando os olhos com força ao imaginá-lo sorrindo.
Todos os sorrisos, todas as palavras, as pistas, as dicas, os beijos.

Talvez eu já esteja apaixonado.


Chapter Thirteen
Não consegui dormir naquela noite. Nem sequer tentei, tomado pela certeza
de que minha cabeça inundaria de imagens dele no momento em que
fechasse os olhos e rezasse para que a inconsciência me levasse para longe
de tudo o que eu nunca imaginei sentir e recear. Uma fração da noite havia
sido boa, mas durante os sonhos, os demônios provavelmente me
devorariam.

Os sonhos me fariam ter vontade de nunca mais dormir.

Eu não queria isso.

Zayn dormia tranquilamente na minha cama, encolhido e encostado à


parede, abraçando meu travesseiro contra o peito. Ele não questionou o
porquê de eu ter implorado para sair da casa de Harry e tê-lo deixado lá, nas
escadas,

olhando em nossa direção como se estivesse desejando poder mudar tudo,


mas insistiu que dormiria comigo. Liam, porém, entendeu porque sabia de
tudo. E o que ele me disse sobre mágoa, sobre Harry me machucando,
clicou como um quebra-cabeça ao mesmo tempo em que eu me questionava
como uma noite podia tornar-se catastrófica em um piscar de olhos.

O problema era que eu estava me sentindo uma peça fora do lugar, dentro
da caixa errada. O celular vibrava contra minha coxa ao menos duas vezes a
cada dez minutos. Era quatro e meia da manhã. Eu não chequei as
mensagens e não precisava. Sabia quem estava as mandando.

Julie o chamando de egoísta sob as arquibancadas no dia do treino, nossa


conversa no sofá, ele repetindo que eu o odiaria, a porra da explicação sobre
pinguins, família e calor. Tudo fazia sentindo de uma forma tão
dolorosamente exata que a maioria dos pontos apontava para a minha falta
de atenção, para o descuido. A pior parte? Os pequenos centímetros
racionais do meu cérebro sabiam que as chances de eu fazê-lo mudar de
ideia eram mínimas, quase inexistentes.
Quem era eu perto de toda a dor imensurável que Harry vivenciava em cada
maldito segundo do dia? Eu não era ninguém e mesmo que minhas
têmporas estivessem doendo e a cabeça latejando com pontadas agudas de
tanto pensar, não consegui evitar em me sentir magoado e psicologicamente
exausto. O que eu sentia por Harry estava acima de qualquer possibilidade
de eu ser coerente e, ao invés de me afastar, me aproximar. Eu só não

conseguia sequer pensar em permanecer perto dele porque tal gesto


implicava em últimos momentos, aproveitar os últimos dias com ele.

Aproveitar os dias sabendo que ele morreria no final por causa das malditas
pílulas.

Eu havia conhecido o mundo com Harry Styles nele, por trás das covinhas,
do verde excepcional e dos desenhos animados com significados
extremamente profundos e particulares, e não queria que aquela visão,
aquele toque e sua forma rara de lidar com simples aspectos fossem
embora. Não queria que ele fosse embora.

Se isso me tornasse egoísta, que egoísta eu fosse, então. Tragam o prêmio


de Maior Egoísta do Século. Eu aceitaria contanto que me dessem Styles de
volta. Sem pílulas, documentos, descobertas no meio da madrugada e
insônia. Apenas o Harry que eu conheci.

Pensei em Desmond, morando em Nova York com outra mulher, pensei em


Anna e como ela parecia ser o único apoio de Harry e pensei em Gemma,
que havia o abandonado. Pensei nas pessoas que o envolviam, no time, nos
amigos ou a falta deles, no relacionamento falso e no peso que ele
carregava enquanto suas mãos precisavam se manter firmes. Pensei em
como era egoísta realizar que eu havia me apaixonado por alguém que não
ficaria comigo e que eu havia entrado em uma rua sem saída, um caminho
sem volta.

Não reuni forças o suficiente para me levantar da cadeira em que estava


sentado desde o meio da madrugada até de manhã e vestir o uniforme para
ir à escola. Ver Harry
parecia uma realidade distante, e me afundei nisso ao aceitar o cuidado de
Zayn, que também não foi e preferiu me arrastar pra cama e me cobrir. Ele
saiu do quarto e quando reapareceu, foi para me fazer engolir dois
comprimidos. Depois, fechou as cortinas, voltou pra cama e passou os
braços em volta de mim. Meu corpo e pensamentos cansados agradeceram
silenciosamente.

A parede branca fazia meus olhos arderem, mas foi a encarando que eu
consegui dormir.

Foi com a desculpa clássica de gripe que me esquivei das perguntas de Jay e
de Lottie, embora elas estivessem animadas demais com meu aniversário
dali a dois dias para prestar muita atenção na maneira de merda que eu fazia
tudo. Mais uma noite sem dormir.

Não escapei de ir para a escola no dia seguinte, porém, e ao estacionar o


Volvo na vaga usual, notei o Audi coberto de neve em minha frente. Apertei
as mãos no volante e considerei dar ré e sair dali, fugir como um covarde
mais uma vez. Mas não. Eu tinha que ficar, precisava enfrentar os
corredores assépticos da Wye Hill e o peso impiedoso que me
acompanhava.

Respirei duas vezes antes de agarrar a mochila e sair do carro, trancando a


porta com lentidão e, pela primeira vez, não ligando para o meu cabelo
molhando gradualmente. O

frio que irradiou pelo meu corpo por baixo do uniforme assim que pisei no
início do corredor não tinha nada a ver com o piso limpo e os armários de
ferro. Me sentindo mal por fazê-lo, suspirei aliviado ao percorrer o olhar
pelas

pessoas amontoadas em alguns pontos do corredor e não ver Harry.


Identifiquei Zayn parado em frente ao armário de Liam, conversando com
Payne como se os dois fossem amigos e nada mais.
Caminhei até eles, tentando não encostar em ninguém ou esbarrar em algum
idiota parado no meio do caminho.

Malik foi o primeiro a me ver, puxando-me para um abraço rápido.

— Pensei que não viria hoje.

— Eu também. — encolhi os ombros e me virei para Payne. — Oi.

— Oi, Tomlinson.

— Hum... — Zayn ajeitou meu paletó e depois o cabelo como uma mãe
orgulhosa do filho antes do baile de primavera. — Wild Wolves têm treino
hoje após a escola e... Quer ir?

Fala sério. Você é meu melhor amigo ou Judas?

— Tenho algumas lições pra fazer. Desculpa. Bom treino, Liam.

Ele agradeceu baixo e eu acenei antes de ir em direção à classe. Tentei não


cessar os passos abruptamente ao ver Julie encostada ao armário e Harry em
sua frente com um braço ao lado de sua cabeça, idênticos à uma cena de
filme do colegial. Ele não estava usando headband e os cachos caíam livres
até sua nuca. Apertei os dedos na alça da mochila e desviei o olhar como se
não os tivesse visto.

"Sinto muito que tenha ouvido pela boca de outra pessoa e sinto muito que
eu não tenha contado antes. Sinto muito por tudo."

Encarei a mensagem fixamente até a tela do celular apagar e o canto dos


meus olhos me proporcionarem a sensação de incômodo, como se tivesse
areia dentro deles. Ainda era manhã, oito horas, e o céu estava escuro e
carregado de nuvens densas. Era meu aniversário.

Dezoito anos e uma grande bagagem cheia de nada em todos aqueles anos.
Que merda eu fazia o tempo inteiro para não me lembrar de algo especial,
para não me sentir especial?
Jay precisou ir para o trabalho e Lottie havia ido para escola. Eu não fui de
novo e a desculpa da vez era o aniversário. Grande dia, grande alegria. Yay.

A televisão estava ligada na Nickelodeon e um especial de natal antecipado


tomava o ambiente da sala. Com as pernas encolhidas no sofá e a sensação
de que eu queria me tornar menor para simplesmente esquecer de que o ano
já estava no fim, apoiei o queixo nos joelhos e deixei a caneca de chá
esquentar meus dedos gelados.

Não foi mais de dez minutos depois que a campainha tocou e eu me


arrastei, reclamando baixo, para fora do cobertor. Abri a porta após ajeitar a
beanie sobre as orelhas e ergui as sobrancelhas ao ver a pessoa parada na
varanda olhando em volta curiosamente, uma bolsa de marca em frente ao
corpo e os cabelos presos.

— Oi, Angel.

Ela tirou o olhar das plantas já abatidas pela temperatura baixa e sorriu
pequeno e polidamente pra mim. Vi seus dedos apertarem ainda mais a alça
da bolsa.

— Oi, Louis. Como você está?

— Estou ok. Quer entrar?

Assentiu, passando por mim de cabeça baixa. Fechei a porta atrás de nós e a
guiei até o sofá, esperando-a se sentar para poder fazer o mesmo. A julgar
pela sua expressão, eu já sabia do que se tratava, e não queria ouvir.

— Quer chá?

— Não, não. — ainda observava curiosamente os quadros nas paredes e


sobre qualquer superfície horizontal.

Mordeu o lábio inferior de forma ansiosa, batendo as botinhas de salto no


tapete. — Obrigada. Sua casa é bonita.

— Não está acostumada com esse tipo de decoração?


Mais simples.

Ela respondeu enquanto eu levava a caneca à boca:

— Não é isso. A casa do Harry é tão gelada e a sua parece ser tão... quente.
Não no sentido literal, se me entende. Agora sei porque ele diz que gosta
daqui.

A pergunta saiu da minha boca e não me deu nenhum tempo para segurá-la:

— Ele diz?

— Uhum. O tempo inteiro. — respondeu e eu ergui as sobrancelhas,

tentando

mascarar

minha

surpresa

enquanto esfregava os dedos pela superfície da caneca.

Quem dera ainda estivesse quente, assim eu poderia me concentrar nas


pontas dos meus dedos queimando e não na pontada súbita no peito. —
Louis, olha–

— Angel. Desculpa, mas não quero falar sobre isso, pode ser? Não quero
ter que pensar no que pode acontecer. Ao menos não agora.

— Ele ligou pra irmã ontem. — continuou como se eu não tivesse dito
nada, o timbre determinado não deixando espaço para minha objeção. Calei
a boca. — Não sei o que Gemma disse, mas não deve ter sido bom. Não
pela forma que ele subiu pro quarto tentando fingir que não estava
chorando. As coisas estão uma merda ainda maior desde o momento em que
você foi embora naquela madrugada. Ele não dormiu aquela noite, passou
horas e horas fumando cigarros e escrevendo notinhas que depois escondeu.
E acho que você também não dormiu.
Uma pequena faísca de raiva e irritação percorreu meu corpo inteiro,
fazendo surgir um sentimento que eu não conhecia, que não tinha a mínima
ideia do que era.

— Se você quer me fazer sentir culpado por ter fugido, me deixa eu te


dizer–

— Eu?! — ela aumentou a voz e endireitou a postura, usando uma feição


que eu ainda não havia visto. — Você acha que eu vim aqui para te fazer
sentir culpado?! Por favor,

Louis.

Estou

aqui

porque

dois

garotos

estupidamente apaixonados estão na porcaria de uma

situação como essa! — a sala caiu em silêncio por um instante e ela só


voltou a falar após tomar um fôlego profundo, afastando as mechas do
cabelo com um movimento suave. — Presta atenção: eu não faço a mínima
ideia de como você deve estar se sentindo e muito menos Harry. Mas vocês
precisam conversar. Precisam se acertar.

Deixei a xícara sobre a mesinha porque minhas mãos estavam tremendo, as


lágrimas contidas tapando minha garganta e a impressão de o cômodo estar
se fechando sobre mim aumentando como o vento por baixo da porta.

— Conversar sobre o quê? Você realmente não sabe como é perceber que o
garoto que me conquistou de uma hora pra outra estará morto daqui pouco
tempo. Não porque ele está doente, mas porque ele quer morrer.
— Você sabe que ele já tem os comprimidos, certo? E

sabe o que esses comprimidos farão. Mas... ele não tomou a primeira pílula,
ok? Ele vai tomar no ano-novo; por isso, aparentemente, ele te contaria
nesse dia. Se isso te faz pensar em algo, não hesite. Não perca tempo,
entendeu?

Essa conversa entre nós pode ser uma memória daqui alguns meses, não sei
se benévola ou não.

Encarei-a, atônito, enquanto abria a bolsa e retirava uma pequena caixa de


presente vermelha com um laço perfeito em cima. Angel posicionou no
meu colo com cuidado e eu me senti incapacitado de mexer ou de falar
algo, apesar de tê-la ouvido me desejar um feliz aniversário e bater a porta
atrás de si ao sair.

Harry não havia tomado a primeira pílula. Ainda não. Era uma esperança?
Talvez alta, que fosse. Mas era...

Descoordenado, abri a caixinha e me deparei com dois ingressos e duas


passagens de trem. Li com atenção e percebi que eram para um festival que
teria no dia um de janeiro em uma pequena cidade a cinquenta quilômetros
de Londres. A abertura seria feita por uma banda ainda desconhecida que
construía o caminho até a fama chamada A Fine Frenzy. Depois, Cage The
Elephant. Fui imediatamente levado à madrugada em que Harry posicionou
o celular perto do MacBook para eu ouvir o novo álbum deles. Sua voz
acompanhava suavemente as letras, um timbre baixo e tranquilo, e e eu não
sabia no que prestar atenção.

Ele sabia o que estava fazendo ao me dar aqueles ingressos. Peguei o post-it
rosa no fundo da caixa e passei o dedo pelo curto relevo da letra de Styles,
mordendo o lábio com força.

"Feliz aniversário, Louis.

Essa tartaruga ninja, pintor e peixe-palhaço acha que você vai

gostar
do

festival.

Tenha um dia incrível. H"

Guardei a caixa de presentes no fundo de uma gaveta na mesa antiga que


sustentava o computador. Digitei inúmeras mensagens com a intenção de
agradecê-lo, mas nada pareceu exatamente certo, então deixei pra lá e voltei
a me deitar embaixo da coberta com as mãos apertadas na barra da blusa e a
cabeça funcionando com a mesma rapidez do meu coração.

Não sabia o que fazer e, mesmo se soubesse, com certeza não teria coragem
o suficiente. O celular estava em minha frente, um convite proibido para me
livrar da angústia e finalmente seguir em frente e falar com Harry.

Mas não foi para ele que liguei quando obtive cinco segundos de loucura
extraída de toda a frustração excruciante.

— Alô?

A voz dela era suave, calma até. O timbre estranhamente familiar mesmo
após tantos anos me deixou em silêncio porque não tinha a mínima noção
de como começar uma conversa. Eu não podia falar que sentia a falta dela
porque não sentia.

— Alô? — repetiu, uma pontinha de impaciência atenuando o tom


sussurrado. — Quem é? Olha, você tem noção de que me acordou no meio
da madrugada?

Oh, merda. O fuso horário.

— Hum... oi. — atrevi-me a falar, torcendo para que não soasse tão
estranho quanto parecia. — Oi. Sou eu, Louis.

Apesar de saber que não tinha algo a ver com a minha atenção ao telefone e
sim ao silêncio tomando a linha, pressionei mais o celular contra o ouvido.
Ouvi a respiração pesada dela e me senti desconcertado mesmo que
ninguém pudesse me ver, mesmo que estivesse completamente sozinho.
Olhei para a barra do meu suéter e com os dedos gelados, puxei a linha
solta na barra, esperando por uma palavra dela.

— Oi. — disse finalmente. A voz era ainda mais leve quando tomada por
reconhecimento e surpresa. Não a culpava, também não sabia o porquê de
ter ligado. —

Louis. Como você está?

— Bem. Você?

— Bem, também. Hoje é seu aniversário, não é?

A realização de que ela se lembrava do meu aniversário pareceu um soco na


garganta.

— É, sim. — afirmei mais baixo, prosseguindo antes que ela pudesse me


dar parabéns ou qualquer coisa estranha do tipo. — Mas quero falar sobre
Lottie. Só que... como você disse, aí é no meio da madrugada. Posso te ligar
daqui algumas horas.

— Não, não. Não desliga, por favor. Está tudo bem, não me importo. —
repetiu em um murmúrio: — Não desliga.

A súplica em sua voz somente alimentou minha ânsia de desligar e me


distanciar novamente, me isolar no mundo em que minha família se resumia
a Lottie e mamãe. Não queria ter a impressão de que Felicite sentia minha
falta porque não era recíproco e nunca seria.

— Tá. — respondi mais rude do que realmente pretendia.

— Vocês estão se falando agora.

— Estamos, é. Faz alguns dias. — riu baixo antes de ruídos macios soarem
no meu ouvido, como um edredom sendo afastado. — Ela fala muito de
você e da mamã–

Jay. E de Jay.
— Felicite... eu só estou ligando para me certificar de que Lottie saiba que
eu nunca vou para Nova York, ok? Sei que não estou na posição de te pedir
algo, mas se ela mencionar, corte o assunto. Não quero que ela fique
magoada porque não suportaria vê-la triste.

— Você sabe que não precisa ficar necessariamente aqui, não é? Há muitos
hotéis por perto e–

— Não vou. — sibilei, largando a barra do suéter assim que me dei conta de
que já havia tirado um longo fio de tecido. — Nunca.

Ela demorou novamente para responder. Achei que me xingaria, desligaria


ou xingaria e depois desligaria, mas não.

— Ok. Eu direi a ela. Só... Feliz aniversário, Louis. Queria que...

Parou aí.

Queria que você estivesse aqui.

— Obrigado.

Eu desliguei e apertei o celular com as duas mãos, fechando os olhos com


força como se isso fosse capaz de apagar os últimos minutos, as últimas
palavras. Não era.

À noite, os buracos vazios do meu aniversário foram preenchidos com


sorvete de baunilha e bolo de chocolate e caramelo. Pedimos comida
chinesa de caixinha para o jantar e eu havia começado a separar os
pedacinhos de brócolis e repolho para Harry quando me lembrei de que

ele não estava ali para comê-los. Mamãe, Lottie e eu acabamos encolhidos
sob a coberta em frente à televisão, devorando pedaços gigantes de bolo e
assistindo silenciosamente Grease porque, sim, era meu aniversário e sim,
eu tinha o direito de cantar todas as músicas sem que Lottie zombasse de
mim.
No dia seguinte pela manhã, eu me vi parado em frente à casa de Harry com
as mãos geladas dentro das luvas e o coração surtado. Os grandes portões
estavam fechados e o curto trajeto até a casa delineado por árvores altas
parecia convidativo demais de uma forma que nunca havia parecido. Apesar
de luxuosas, as mansões vizinhas exibiam

orgulhosamente

as

decorações

natalinas

conforme eu passei por elas, e ver que a casa de Styles estava tão apagada
quanto minha vontade de entrar ali era um pouco pesado.

Digitei a senha que ainda estava fixa no fundo da minha cabeça e entrei
com o Volvo, pensando em dar meia-volta e sair dali o tempo inteiro até
que, finalmente, o pátio se estendeu em minha frente e a casa entrou dentro
do ponto de vista. O Audi estava ali, estacionado de forma desleixada
abaixo das escadas que levavam até a porta.

Era uma boa coisa, yeah? Ele estava ali.

Não entrei pela sala. Contornei a casa e entrei pelo mesmo lugar da última
noite que havia colocado os pés nos arredores da mansão: a cozinha. A
porta estava levemente emperrada, mais pesada que o normal, e a cada
empurrão forçado com as mãos rígidas, eu sentia meu peito contrair. Até
que o ferro cedeu com um ruído

alto e eu me apressei para entrar e procurar refúgio em um lugar quentinho,


embora vazio.

Bem... Nem tão vazio assim.

Assustado e surpreso, encarei a garota parada em minha frente me olhando


de forma indecifrável. Ela estava apoiada no balcão, vestida com uma
camiseta grande e jeans vermelhos apertados. Era bonita, de pele bronzeada
mesmo no inverno, cabelo curto e rosto anguloso e delicado; parecia a
Frankie Sanford, talvez um pouquinho mais alta que a cantora.

— Hum... — olhei pra trás, constatando que não havia para onde correr de
novo, e entrei de vez na cozinha, fechando a porta atrás de mim. — Oi?

Devido à perda de luz que vinha lá de fora, a cozinha estava mais escura.
As luzes que pendiam acima do balcão localizado no centro do cômodo
davam conta do recado parcialmente, mas compensava por causa do calor
na casa. Era um alívio para os meus dedos quase congelados dentro do
tênis.

— Oi. — respondeu baixo, abaixando o copo de água que estava segurando.


— Eu já estou indo embora. Não sei o que você é dele, mas–

— Ei, tudo bem. Não precisa ir embora. O que aconteceu?

Quem é você?

A garota estreitou os olhos azuis antes de erguer uma sobrancelha bem


desenhada. Então, cruzou os braços em frente ao peito; um gesto que me
lembrou de mim mesmo.

— Qual é o seu nome? — perguntou quando dei um passo experimental à


frente.

— Você pode ser uma estelionatária. Por que eu te diria meu nome? Eu é
quem deveria estar te perguntando isso.

— Qual é, eu nunca soube mentir. Sou lerda demais para roubar algo. Ainda
mais uma propriedade como essa, fala sério. Seu nome? — perguntou de
novo.

Estreitei os olhos ao responder.

— E o seu? — indaguei.

— Joan. Então você é o famoso Louis? Finalmente chegou. Eu não


aguentava mais ouvir sobre Procurando Nemo ou desenhos de tartarugas,
sei lá.

Eu queria rir. Estava nervoso e dar risada sempre foi minha válvula de
escape. Eu não sabia quem era a garota e, com um soco no estômago,
cogitei a possibilidade de Harry e ela terem dormido juntos. Então menti
sobre o que eu era dele porque não queria me sentir um perdedor caso os
dois realmente tivessem transado ou...

— Eu sou o primo dele. Vocês... Hum, desculpa. O que está acontecendo?

— Primo? — Joan sorriu. Ruguinhas apareciam nos cantos dos seus olhos.
— O velho e famoso incesto, então? Pênis com pênis e laços de sangue, que
fofura.

Tem vídeo?

Não me deixei lembrar daquela noite que Harry me segurou contra a


parede. O momento era inapropriado e eu estava estressado.

— Você pode me explicar o que está acontecendo?

— Ok. Hum... Ontem, eu estava em um bar e queria transar porque


orgasmos são maravilhosos, sim? —

Sim. — Harry apareceu. Ele é bonito, você sabe disso, e atrai a atenção de
qualquer pessoa que esteja com a cabeça erguida. Bebeu bastante e chegou
em mim, dizendo que eu me parecia com uma pessoa. Me chamou para vir
aqui e eu deveria ter notado que ele não prometeu sexo. — suspirou como
se o fato realmente a incomodasse. Incomodava a mim também. — Ele se
deitou, cheirou rápido e me chamou para deitar ao seu lado. Aí adivinha o
que aconteceu? Isso. Harry ligou o Netflix, colocou Procurando Nemo e
dormiu após algumas crises existenciais. Eu só dormi ao lado dele. Porra,
que cama boa.

— Cheirou?

Joan me olhou estranho.

— Cocaína. — respondeu.
Esfreguei os olhos com a palma da mão e abaixei a cabeça por alguns
segundos, distraindo-me com o contraste dos meus tênis sujos contra os
azulejos polidos.

Cocaína. Ok.

— Ele está dormindo?

— Provavelmente. — largou de vez o copo de água e agarrou uma bolsa


preta e desbotada que eu não havia visto antes. Reconheci a bandeira da
pansexualidade estampada em um dos muitos bottons fincados no tecido
quando ela se virou para consertar a franja no reflexo do

vidro de um armário suspenso na parede. — Estou indo embora. Cuidado


com o seu primo.

Assisti Joan bater a porta atrás de si e eu não estava a fim de saber como ela
ia embora ou como abriria o portão porque seu tom sarcástico ao pronunciar
a palavra "primo"

engatou um sentimento furioso dentro do meu peito. Subi as escadas


sabendo que cada detalhe dos cômodos pelos quais passava estava da
mesma forma.

Atravessei o corredor extenso e parei em frente à porta fechada do quarto de


Styles. Ergui o punho, não sabendo ao certo se seria capaz de falar com a
miríade de pensamentos transtornando minha cabeça. Não bati. Abri a porta
de uma só vez e entrei antes que desistisse, fechando-a novamente só para
que alcançasse a impressão de isolação dentro do quarto de Harry com
Harry. Talvez fosse precisar da sensação de estar sozinho ao seu lado para
conversar o que quer que fosse.

Estava escuro. As cortinas, fechadas. O cobertor afastado para o canto da


cama revelava o corpo esguio e pálido largado sobre o colchão agarrado a
um travesseiro. Harry ainda estava vestido com os jeans que provavelmente
eram da noite passada e as meias cobrindo seus pés eram de tartarugas. As
meias que emprestei a ele. Olhei em volta do quarto e após uma
inspecionada superficial, identifiquei os rastros rasos de um pó branco sobre
sua mesa de cabeceira.

Me aproximei devagar, receoso de acordá-lo e acabar com a opção de ir


embora caso algo se tornasse insuportável ao extremo. Com cuidado, me
sentei na beira da cama e

inspirei uma longa lufada do ar gelado me cercando, mas a tentativa de


estabelecer um controle sobre mim mesmo não funcionou. Apoiei os
cotovelos nas coxas e cobri o rosto com as mãos, sentindo-me incapacitado
por estar tão aéreo somente pelo fato de ter me aproximado do garoto que
me ocupava gradativamente a cada vez que me olhava ou falava.

Suas palavras pareciam piores que socos no rosto e isso me afundava


porque eu era quase capaz de sentir os hematomas na pele.

Segundos se passaram. Minutos, não tenho certeza. Mas não tive um


sobressalto quando senti a mão gelada e desproporcionalmente grande de
Harry cobrindo a minha para levá-la direto ao seu rosto sem hesitar por um
único segundo. Ele encostou a bochecha à palma e, quando virei a cabeça
para encará-lo, seu olhar sonolento praticamente suplicava para eu não
recolher o braço. Não o fiz; não portava muita coragem no momento.

Ele piscou tão devagar quanto disse ainda com a voz rouca e grossa de
sono:

— Eu quero deixar meu cabelo crescer.

Meus dedos tremularam involuntariamente e eu quis arrastá-los pelo seu


rosto para sentir sua superfície quente e tentar descobrir se seu interior
estava de todo congelado.

— Por que não deixa?

Mentalmente, dei dois tapinhas orgulhosos nas minhas próprias costas por
não ter gaguejado.
— Tenho vergonha. E medo de rirem de mim ou zombarem, não sei... —
murmurou, deixando as pálpebras pesadas cobrirem as íris verdes.
Continuou falando ao segurar meu pulso com firmeza, quase como se
estivesse me impedindo de fugir dele. — Mas acho que eu deveria.

— E se eu deixasse meu cabelo crescer junto com o seu?

— Por quê? — a pergunta soou tão simples e inocente que eu tive de


desviar os olhos do seu peito.

— Porque talvez te dê mais segurança.

— Você quer me dar segurança?

Eu quero te dar o mundo.

— Sim. — me limitei a responder.

Harry sorriu. Ele parecia drogado e não no sentido literal, mesmo que
tivesse cheirado cocaína na madrugada anterior – eu precisava descobrir se
isso era constante.

Drogado por estar alegre. Como se estivesse entorpecido por sorrir após
passar algum tempo olhando o vazio.

— Hoje é natal. — ergueu uma sobrancelha. Seu polegar traçou a veia


saltada na lateral do meu pulso até pressionar levemente na palma da mão.
— Por que está aqui? Sua mãe e irmã devem estar esperando por você.

Ah, sim. A razão pela qual eu estava ali...

Retirei a mão do seu alcance, colocando-a entre minhas coxas para afastar a
sensação de formigamento. Nenhum de nós pareceu muito feliz com a
decisão, mas eu precisava de lucidez.

— Precisamos conversar.
Chapter Fourteen
Eu odiava arcar com responsabilidades.

Odiava obter a confirmação de que a vida não mais se resumia a correr em


volta de casa ou me desesperar por um arranhão no joelho. Sempre fui fraco
para poder erguer a cabeça, acenar a mão e assumir as rédeas de alguma
situação. Não gostava de me colocar em frente aos meus problemas porque
em muitas vezes, eu achava que não conseguiria resolvê-los por não ser
merecedor, mas enquanto Harry me olhava, eu realizei que ele não era um
problema.

Estava mais para o recorde alto do Flappy Bird que eu não conseguia bater.
E, mesmo que continuasse tentando por um mês inteiro, ainda não
conseguiria alcançar. E, bem...

eu era o celular que acabaria espatifado na parede após um acesso de raiva.

— Conversar? — repetiu, esfregando os olhos com as mãos. Sentou-se,


deixando o lençol deslizar até seus quadris e me fazendo desviar o olhar do
seu corpo. —

Hoje?

— Você vai fazer alguma coisa?

— Niall e Angelina querem almoçar em algum lugar e me levar, não sei. —


respondeu, franzindo as sobrancelhas daquela forma que o deixava com
uma expressão irritada, exasperada. — Mas você deveria passar o dia com
sua mãe e sua irmã, já disse. É Natal. Podemos conversar depois.

— Por que você não me contou antes?

Seus movimentos cessaram. Nenhum de nós olhava um para o outro, os


olhos fixos nas mãos ou, no caso de Harry, nas pernas cobertas pelo lençol.
Quase capaz de sentir a tensão nos queimando por dentro, engoli em seco,
ansiando por uma resposta que veio após longos segundos, emitida em um
tom rouco e dilacerado.

— Eu te contaria no ano-novo.

— Por quê? — eu já sabia o porquê, só precisava escutar da boca dele.

— Porque é quando eu vou tomar o primeiro comprimido.

Eu não queria que você entendesse algo errado e começasse a criar falsas
esperanças sobre me salvar

disso, me convencer do contrário ou qualquer merda do tipo.

Encarei sua expressão caída e emoldurada pelos cabelos bagunçados.

— Em quanto tempo elas podem... — eu nem sequer conseguia terminar a


frase. Perguntei-me como poderia ter uma conversa completa.

— Elas não podem me matar. Elas vão, Louis.

— Harry–

Ele se levantou e recolheu uma camiseta esquecida no chão. Vestiu-a com


pressa, os movimentos robóticos, e caminhou em direção a uma porta ao
lado do seu closet, abrindo-a e deixando aberta atrás de si. A luz no
banheiro, brilhante e límpida, contornou sua silhueta quando ele parou em
frente a pia e fechou um punho sobre o mármore antes de jogar água no
rosto. Fui até lá também, parando ao batente e cruzando meus braços para
ter algo o que fazer com eles.

Assisti ele pôr pasta de dente na escova azul. Nossos olhos se encontraram
no espelho por poucos segundos e eu me considerei um pequeno passo
adiante por ter conseguido manter o contato até o momento em que Harry
abaixou a cabeça para começar a escovar os dentes.

— Quando eu disse que não quero te perder, estava falando sério —


murmurei, minha voz pequena demais para um lugar e uma pessoa tão
grandes. — Eu não quero. Isso não é suficiente, eu sei... e eu acho que
deveria estar com raiva de você. E acho que até fiquei no

instante em que descobri, mas algo me impede, Harry. —

ele voltou a me encarar quando eu disse seu nome. — Eu caí por você no
segundo em que te vi no campo, naquele maldito jogo, e eu quero um sinal
de que você também está caindo por mim porque nós dois já nos
machucamos demais sozinhos.

Não tive uma resposta, mas estava tudo bem porque sabia que não obteria
uma. Ele terminou de escovar os dentes em silêncio, enxaguou a boca e
passou os dedos pelos cachos emaranhados, acabando os bagunçando mais.

Depois, parou no meio do banheiro, envolto por mármore e vidro e luz, e


tirou a camiseta. Os jeans foram os próximos.

Quando seus dedos pararam na barra da cueca, eu virei a cabeça e saí dali.
Sabia que tinha feito de propósito para eu deixá-lo sozinho.

Sentei-me na beira da cama, balançando os pés e ouvindo o barulho suave


do chuveiro e de água começando a correr. A porta continuava aberta e meu
coração continuava batendo forte. Pensei em milhares de coisas para dizer a
ele, para explicar que eu me sentia perdido por ele ser uma das poucas
pessoas que podia me tocar, mas o quarto escuro e os rastros de cocaína na
mesinha de cabeceira me devoravam por dentro a cada vez que eu
inspirava.

O que piorou quando, minutos e inúmeros pensamentos degenerativos


depois, ele saiu do banheiro com uma única toalha enrolada na cintura e os
cabelos completamente molhados. Me olhou de soslaio e franziu as
sobrancelhas, expressando o estranhamento por eu ainda estar ali,

insistindo no que para ele era uma batalha perdida.

Prosseguiu até o closet, os músculos das costas contraindo a cada passo. De


cabeça baixa, esperei-o vestir as roupas e só voltei a erguê-la ao ver que
Styles estava parado a uma distância curta.
Ele parecia confortável com a calça de moletom e uma camiseta velha do
Queen, e eu queria ser capaz de alcançá-lo.

Incrivelmente, a primeira palavra foi dele.

— Você se lembra de quando eu disse que me odiaria.

Que eu sou um egoísta — era uma afirmação, não uma pergunta. Eu odiava
o fato de a sua voz rouca ter assumido um tom tão monótono. — Porque é
verdade e porque não há nada que você possa fazer sobre isso. Eu deveria
ter me afastado, eu sei, e nunca vou poder expressar como sinto muito por
não tê-lo feito.

Não deveria ter saído como um sussurro, mas saiu: — Me explica.

Harry passou a toalha uma última vez pelos cachos e caminhou de volta à
suíte para jogá-la dentro de um cesto.

— Não há o que explicar.

— Não há o que explicar? Harry, eu estou aqui. Com você.

— foi inevitável deixar toda a frustração transparecer no meu timbre. —


Você disse que eu te odiaria, mas eu estou aqui, não estou? Parece que eu te
odeio? Parece que eu estou ressentido por você ter falado com a minha mãe
como se nós fôssemos algo sólido? Você poderia ao menos me explicar.

Fechou a porta do banheiro e veio até mim. Parou em minha frente, os


ombros retos e a expressão escura fazendo-me perguntar onde estava o
Harry todo macio e sonolento que encontrei na cama minutos antes.

— Você não me odeia porque acredita que pode me fazer mudar de ideia.

— Harry–

— Louis, me escuta. É isso, ok? Não é sobre você, não é sobre a gente. É
sobre mim — apontou para o próprio peito, deixando os braços caírem ao
lado dos quadris com um gesto pesado. — Eu estou cansado... cansado de a
minha irmã não parar de falar que eu ajudei a arruinar a família,
que

me

odeia

por

ser

gay

me

odeia por eu ser... eu. Que mereço ficar sozinho. Cansado da lembrança de
Desmond dizendo que nem sequer queria um filho. Que odiava minha
mãe... cansado porque minha mãe não está aqui e porque ela amou um cara
que a abandonou no mesmo instante. Eu só quero que isso pare.

Eu não sabia o que dizer. Queria arranjar uma forma de me impedir


fisicamente de chorar. Eu não queria minhas lágrimas, Harry me odiaria por
chorar. A temperatura do quarto abaixava a cada fôlego e eu me senti
tremer enquanto o olhava de baixo.

— Por que comprimidos? — foi a pergunta mais estúpida de todas. Por que
você quer se matar tomando comprimidos? — E há quanto tempo você os
tem?

Me olhou, incerto. Finalmente se sentou ao meu lado e nós dois olhamos


para os próprios pés.

— Porque eu não quero fazer de fazer de outra forma. —

disse e eu fechei os olhos com força ao imaginar Harry gelado. Deitado,


imóvel, com vergões de corda em volta do pescoço. Uma bala alojada na
cabeça. Senti gosto de bile subindo à boca. Era insuportável. — Eu
consegui os comprimidos uma semana depois de Anna morrer. Eles não
aparecem em exames, são vendidos após a assinatura de inúmeros
documentos e... vão me matar aos poucos.

— Aos poucos?— perguntei, incrédulo. Nada fazia sentido.

— Eu prefiro as coisas que me destroem devagar.

Por que você ainda está aqui, Louis?, minha consciência me alertava aos
berros. Vá embora! Vá!

Eu me machucaria sozinho de novo. Eu poderia me levantar, ir embora e


tentar esquecer a todo custo que havia

conhecido

um

garoto

vazio

dilacerado

internamente. Podia tentar esquecer que Harry sorria como se possuísse o


controle das estações e dos dias ensolarados enquanto seus olhos refletiam
chuva e cinza.

Mas eu não queria.

Porra, eu não queria.

Eu queria ele. Queria fazê-lo sorrir, queria acreditar que ele poderia se
sentir amado. Sentir como se o mundo estivesse aberto a ele.

Peguei sua mão. Puxou de volta, olhando-me como se eu fosse louco.


— Por que você ainda está aqui? Eu estou te dando a oportunidade de ir
embora.

— Eu não vou. — encontrei suas pupilas dilatadas. — Não me faz ir.

— Você não tem noção do que está me pedindo, Louis. Eu não posso fazer
isso com você, não posso ser egoísta e estar com você sabendo que eu te
deixarei sozinho. É

loucura. É egoísmo. Não posso te machucar mais.

— Liam é seu amigo. — disse como uma última tentativa de fazê-lo


enxergar que não iria passar por aquela porta.

— Julie também. Eles sabem disso, tenho certeza, e você os deixou ficar.
Me deixa ficar. Mesmo se for como um amigo.

Dessa vez, não me afastou quando peguei a mão dele.

— Seria tão fácil ir embora. — sussurrou, o polegar movendo-se lentamente


como se ele tivesse pensado em acariciar os nós dos meus dedos, mas
mudado de ideia no outro segundo. — Me mudar para os Estados Unidos.

Outro país, para longe de você. Longe de qualquer possibilidade de te


machucar mesmo que seja como um amigo.

— Se você fosse embora, uma parte de mim iria junto e uma parte sua
ficaria. Vamos ser inteiros juntos, Harry.

— Não por muito tempo — ele me lembrou com uma longa inspiração. —
Eu quero que você pense. Leve o tempo que for, vá pra sua casa e pense
sobre isso.

Franzi as sobrancelhas, olhando-o novamente para tentar entender o que ele


estava falando.

— Pensar sobre o quê?


— Se quer mesmo ser meu amigo. — ele ergueu o dedo quando abri a boca
para falar, fazendo-me ficar quieto. —

Pensa. É uma concessão gigante e nenhum de nós faz coisas muito certas
perto um do outro. Eu posso responder suas perguntas por mensagem, mas
não quero que você me veja de novo antes de decidir "Harry, eu serei seu
amigo mesmo sabendo que isso não existirá daqui um tempo". Preciso que
saiba que não há o que fazer em relação a mim, o que mudar, e que não
preciso de pena ou de atos heroicos.

Assenti. Eu não seria o herói, eu sabia que eles não existiam. E qualquer um
que bancou o salvador da pátria, acabou ou enforcado ou desaparecido; os
que acabavam bem faziam parte da ficção.

A questão era: eu não salvaria Harry. Eu só faria questão de fazê-lo ver


como o cor-de-rosa poderia ser bem mais vívido se os seus olhos estivessem
quase fechados da mesma forma que ficavam quando eu o fazia rir.

O Natal foi, como todos os grandes feriados eram, estranhos e melancólicos


no fim.

Eu comi. Para não precisar responder perguntas, enchi minha boca de pernil
e salada de batatas. Para resistir à tentação de pegar o celular, mandar uma
mensagem a Harry, devorei metade da torta de pêssego. Sorria nos
momentos certos, acenava polidamente com a cabeça como um fantoche
para as especulações indelicadas dos tios que possuíam personalidades
desprezíveis, assisti à televisão e me mantive quente dentro do moletom
grosso e antigo, mesmo que Jay tivesse insistido para eu vestir o casaco de
lã que ela havia acabado de comprar.

Por baixo do moletom, o casaco do time de Harry me dava um conforto a


mais.

E Lottie sabia como eu estava miserável, a julgar pela forma que


permaneceu abraçada a mim durante todo o tempo que passamos assistindo
aos filmes consecutivos.
No dia seguinte, Zayn e Liam passaram me buscar para ir à casa de Payne e
entretê-lo durante a festa de inverno que Karen Payne dava todos os anos
após o Natal dentro do jardim interno que fazia os botões de rosa
desabrocharem num tempo menor, mesmo quando lá fora estava dois
abaixo de zero. Eu não entendia muito, já que as flores deveriam crescer ao
ar livre, morrer e renascer naturalmente e sem interferência humana além
do necessário, mas gente rica possuía essa necessidade compulsiva de meter
a mão nas coisas que sempre estiveram certas. Então.

Eu vestia meu suéter mais bem alinhado que possuía, mas mesmo assim
parecia algum tipo de caridade ao lado de Liam, vestido com camisa de
algodão azul e portando uma

postura ereta. Zayn, porém, me fazia sentir um pouco melhor por estar com
uma camiseta estampada com um patinho de borracha. Havia um balão de
fala direcionado a ele com um "don't know how to quack" escrito dentro.

— Julie vai contar para os pais dela. — Payne disse logo que encontramos
uma mesa afastada, posicionada no canto. Dessa forma, ele podia dar a mão
para Zayn e ninguém veria a batalha de polegares que os dois travavam sob
a toalha de linho. Eu continuava comendo as frutas salpicadas de baunilha
que havia recebido de um garçom no meio do caminho. — E aí, mesmo se
não aceitarem, o relacionamento falso entre ela e Harry vai acabar.

— É ótimo para os dois. — respondi. — Muito bom.

— Yeah.

Seria cômica a forma que os olhos de Payne arregalaram de um segundo


para o outro caso o motivo não fosse a fonte de toda a minha raiva. Eu me
virei, seguindo seu olhar, e me deparei com uma garota parada próximo a
um buquê de rosas brancas. Era linda, vestida com um casaco grosso e de
sorriso atraente que me lembrou muito de...

Harry.

Gemma Styles conversava com algumas mulheres e segurava uma taça de


champagne na mão que não estava posicionada sobre a pequena bolsa. Eu a
reconheci pelo cabelo e pelas feições parecidas demais com o garoto que
havia me feito ponderar sobre a decisão mais degenerativa de todas. Ela era
linda, sorria nos momentos certos e balançava a cabeça a cada frase. Mas o
fato de ela estar

sorrindo, de estar em Londres e nem sequer ter ido ver Harry, engatou um
jato de fúria através do meu corpo. Vê-

la me irritou, estar tão próxima a ela me fez lembrar de que era uma egoísta
insensível.

— Você pode chamá-la aqui? — perguntei a Liam sem tirar os olhos dela.

— Não. É uma péssima ideia.

— Eu não vou fazer algo de estúpido. Por favor, Liam.

Apenas chame ela aqui. Quero ouvir a voz dela.

Ele me olhou duas vezes antes de acariciar o topo da coxa de Zayn e se


levantar. Partiu em direção ao lugar em que Gemma estava, com passos
apressados que ninguém, exceto por mim e Malik, sabia que eram nervosos
e ansiosos. Olhei para o meu melhor amigo e o encontrei com os lábios
franzidos e um olhar inquisitivo.

— Eu só quero vê-la de perto. — tentei explicar. — Nunca faria algo que


pudesse indiretamente machucar Harry e você sabe disso.

— E que pudesse machucar a si mesmo? — perguntou.

Zayn não sabia do que Harry queria fazer, mas de qualquer forma, sua frase
me remeteu somente a isso.

Ouvimos uma tosse um pouco desconfortável ao nosso lado e eu virei a


cabeça. Gemma sorria curiosamente para mim e Zayn, tendo Liam ao seu
lado para guiá-la.

— Gems, esse é Louis e esse é Zayn. São meus amigos.


Lou, Z... essa é Gemma Styles.

— Prazer em conhecê-los. Qualquer amigo de Liam é amigo meu, também.


São daqui, de Londres?

Zayn a respondeu e perguntou algo sobre a graduação dela como se


realmente estivesse interessado e não impedindo que eu falasse algo.

Cerrei os dentes por trás dos lábios fechados e forçados em um sorriso


pequeno. Ela não soava cínica enquanto falava, somente educada e
levemente confusa.

— Gemma. — eu disse, encarando-a fixamente. Gemma se virou para me


olhar e precisei respirar bem fundo antes de continuar porque seus traços
eram extremamente similares aos de Harry. — Acho que você vai gostar de
saber que sou amigo do seu irmão, também.

Algo passou pela sua expressão, modificando-a, mas logo retornou à


mesma de antes, embora agora não parecesse mais tão verdadeira.

— Não tenho um irmão — disse friamente. Antes que eu pudesse rebatê-la,


porém, pediu licença e se afastou da mesa.

Foi o ponto crucial para a minha decisão.

Eu sentia Zayn e Liam praticamente me destruindo com os olhares irritados,


mas os ignorei em favor de pegar o celular com as mãos trêmulas devido ao
ódio me consumindo, abrir o contato de Harry e digitar uma única coisa:

"Amigos, então?"

A resposta veio logo depois:

"Amigos."

A primeira vez que nos vimos após firmar o tratado de amizade, foi em uma
festa dada por Harry na véspera do ano-novo. O pátio da casa dele estava
repleto de carros importados e adolescentes com copos de cerveja, Vodka
ou qualquer outro tipo de bebida nas mãos. Eu, por outro lado, me sentia
um pouco desconfortável por estar usando uma

tank

top

levemente

transparente

jeans tão apertados, mas Zayn jurou que eu estava bonito.

Lá dentro, aquela lembrança que eu tinha da sala vazia foi evaporada entre
a música alta, a escuridão parcial e as conversas tentando ser maiores que o
volume do som.

Parecia um caos, e Zayn pensava a mesma coisa porque pegou minha mão e
me olhou, assustado.

— Tudo bem. É só uma festa, bebê. — eu disse para assegurá-lo enquanto o


guiava em direção ao canto da sala para evitar que alguém me tocasse por
acidente. —

Eu nem sei por que estou aqui.

Precisava vê-lo, mesmo de longe, após todos aqueles dias pensando,


elaborando explicações para tudo o que estava acontecendo e me
torturando.

— Também não. — Zayn encostou-se à parede e respirou fundo.


Conseguimos uma visão privilegiada de todas as danças estranhas, das
pessoas se beijando contra as mais variadas superfícies e os alunos da Wye
Hill, prestigiados e adorados filhinhos de mamães e papais, afundando-se
nas bebidas como se tivesse um prêmio de Mais Fodido no fim. — Queria
poder beijar o Liam e abraçar e... Ugh.

Do outro lado do cômodo, Payne conversava com uma garota loira, embora
estivesse com os olhos fixos em Zayn. Enquanto o observava, senti um
impulso contra a lateral do meu corpo e isso foi o suficiente para fazer eu
me afastar com o coração disparado na garganta.

— Ei, namorado do meu namorado — Julie sorriu para mim sob as luzes
brilhantes e fortes. Seu sorriso caiu quando viu minha expressão. — Wow,
Louis! Tá tudo bem? Te assustei?

Forcei um sorriso de volta, relaxando os dedos gradativamente de onde


estava apertando o pulso de Zayn.

— Não... tudo bem. Como você está?

Ela ergueu os braços e sorriu, fechando os olhos rapidamente enquanto


balançava os quadris de um lado para o outro, fazendo a saia curta subir um
pouco mais sobre as pernas longas, embora a bota preto em veludo cobrisse
metade das coxas.

— Estou... foda! E me sentindo bem maravilhosa. — disse, abrindo


somente um olho. — Aliás. Acho que vou procurar Candice e Harry, e aí a
gente pode subir para o quarto dele. Você beija o Harry e eu beijo minha
namorada porque... porra! ela tá ainda mais bonita hoje.

Sua empolgação me fez rir baixo apesar da sensação incômoda me dizendo


que o direito de beijar Styles já não

me pertencia mais. — Não. Eu– hum... Harry e eu meio que não estamos
mais juntos?

Isso a fez parar de dançar, abaixando o copo de bebida.

— O quê?

Eu respondi um pouco mais baixo para que Zayn não ouvisse, o que não era
difícil, já que estava concentrado demais na expressão de gatinho raivoso
enquanto encarava Liam.

— Descobri o que ele pretende fazer... com as pílulas. E, com outras


palavras, ele falou que se não for para sermos amigos, então não vamos ser
nada. Aceito só a amizade também.

Julie grunhiu, literalmente grunhiu e pegou meu braço.

Imediatamente, peguei o de Malik também e ela começou a nos arrastar


pela sala, abrindo espaço entre as pessoas dançando, sussurrando "amigos o
caralho". Fomos para outro cômodo que parecia uma espécie de sala de
descanso com sofás e poltronas espalhadas por todos os cantos. Estava
abarrotada de gente, e em um dos sofás, encostado a algumas garotas e com
os cabelos desgrenhados, encontrei Harry.

Assisti o instante em que ele abaixou a cabeça, posicionou uma nota de


dinheiro enrolada contra o nariz e cheirou uma das carreiras de cocaína
espalhadas na mesa.

Levantou o rosto de olhos fechados e se inclinou para dar espaço a uma


menina loira, que deslizou os lábios pelo maxilar dele. Harry sorriu mais,
parecia entorpecido, e meu estômago embrulhou ao que vi um cara se sentar
no apoio

do sofá, ao lado dele, e deslizar a mão por dentro da camisa preta que
vestia.

— Opa! — Julie largou meu pulso e vestiu uma expressão exasperada que
me surpreendeu. — Isso é abuso, porra.

Um minuto.

Jogou os cabelos ruivos por cima do ombro e caminhou, completamente


decidida e balançando os quadris, em direção ao sofá em que havia vários
adolescentes acumulados. As pessoas abriam caminho quando ela passava,
como Regina George. Chegou até Harry, deu dois toques nas costas da
garota e disse algo antes de empurrar o peito de Styles para que ele se
encostasse ao sofá.
Não queria, mas senti ciúmes ao vê-la se sentando no colo dele e, de forma
efetiva, afastando qualquer pessoa que estivesse muito próxima.

Eu queria arrastá-lo para fora dali, levá-lo à casa da árvore e amarrar seus
braços para que ele não tomasse a primeira pílula, como Angel havia dito
que seria. Mas eu era impotente porque sabia que nunca poderia fazer isso.

— O que estão olhando? Harry Styles e a namorada são tão interessantes


assim?

Virei-me e vi Chace Crawford sorrindo e também olhando Harry dizendo


algo para Julie.

— Ei, Chace.

— Ei, Louis — sorriu para mim, tocando meu cotovelo por um único
segundo para que eu saísse do caminho de um

grupo de garotas. — Não sabia que você viria. Ao menos terei alguém para
me fazer companhia à meia-noite quando todo mundo estiver se beijando.

Forcei um sorriso. Como se eu quisesse fazer companhia a alguém. Por


mais que Chace fosse bonito e simpático, preferiria beijar o Capitão Styles.

— Opa.

Zayn cutucou minhas costelas e eu me virei para vê-lo com um sorriso


gigante nos lábios brilhantes de saliva.

Atrás dele, Liam apertava sua cintura e limpava o canto da boca com os
dedos.

— Liam quer me mostrar o... Hum, a sala de jogos que tem aqui. Você
ficará bem?

— Minha mãe já comentou sobre uma sala de jogos que tem no livro
erótico que ela lê — franzi as sobrancelhas. —

Liam curte esse tipo de coisa?


Chace riu e Payne também. Zayn, com sua inocência, parecia tão assustado
quanto eu em festas.

— Ele está brincando — Liam se inclinou e sussurrou, aproveitando para


deixar um beijo na bochecha do meu amigo. — É realmente uma sala de
jogos. Só.

Sorri para assegurar Malik, já que ele ainda parecia desconfiado. — Vai lá,
Z. Ficarei bem.

Com um aceno tímido de cabeça, ele se virou e foi guiado por Liam. Os
dois desapareceram na multidão a tempo de Weak do AJR começar a tocar
alto. O som encheu meus

ouvidos e um garoto quase esbarrou em mim quando me virei para olhar em


volta.

— Louis. — Chace se inclinou à frente apenas o suficiente para falar um


pouco mais perto. — Quer sair daqui? Vou pegar uma bebida para você na
cozinha... vem.

Acenei com a cabeça. Olhei Styles uma última vez, vendo-o tragar o cigarro
de olhos fechados enquanto Julie parecia irritada para caralho, ainda
sentada na perna dele.

Fiz um pedido silencioso para que o meu Harry ficasse bem e me virei para
seguir Crawford.

Chegar à cozinha foi uma luta repleta de obstáculos pelo caminho, mais
conhecidos como adolescentes bêbados, mas foi um alívio porque era o
único cômodo em que as luzes estavam acesas e era possível enxergar cada
centímetro sem que precisasse estreitar os olhos. Afastei alguns copos de
plástico e me sentei no balcão, puxando a barra da tank top para baixo
enquanto Crawford abria a geladeira e pegava uma garrafinha de
refrigerante pra mim.

— Nossos amigos nos abandonaram — ele suspirou dramaticamente e me


entregou o refrigerante antes de se debruçar no balcão ao meu lado.
Agradeci. — Parece que todas as pessoas aqui estão com as línguas
grudadas, fala sério.

— Bem-vindo ao meu mundo.

— Huh? — inclinou a cabeça para o lado, erguendo uma sobrancelha. Seus


olhos azuis me encararam em

confusão. — Como assim ninguém toma atitude com você em festas como
essa?

Senti minhas bochechas esquentarem. Esfreguei as pontas dos dedos na


garrafa de refrigerante, limpando a condensação.

— É só que eu prefiro não dar abertura a alguém. Estou bem assim.

Assentiu, mas não pareceu acreditar. Nem eu, na verdade.

O único garoto que havia tomado uma atitude comigo queria ser apenas um
amigo porque achava que não me machucaria dessa forma. Harry sentia a
necessidade de não ser um incômodo, por mais que fosse algo bem longe
disso, porque durante toda sua vida, provavelmente havia sido tratado como
um por Des.

Chace continuou olhando as próprias unhas e um silêncio desconfortável se


estabeleceu sobre nós enquanto eu bebia um pequeno gole do refrigerante.
Preferia abaixar o olhar todas as vezes em que alguém entrava na cozinha
para pegar as bebidas e sorria para mim e para Crawford daquela forma que
dizia "eu sei o que vocês estão fazendo"... mesmo que não estivéssemos, de
fato, fazendo algo.

— Acho que deveríamos criar o clube dos adolescentes que não são focados
em se mostrar — Chace disse e estendeu a mão, esticando o polegar. —
Clube dos Idosos Adolescentizados.

Percebi no último segundo que ele queria que eu também aproximasse a


mão da sua para que pudéssemos travar
uma guerra de polegares. Balancei a cabeça, rindo, e cedi ao seu pedido
silencioso. Nossos dedos possuíam uma diferença gritante de tamanho e
Crawford ganhou a primeira sem esforço algum. Bufei.

— Adolescentizados. Nunca ouvi essa.

— São idosos com características de adolescentes, inclusive físicas. Você e


eu somos idosos e, na verdade, não temos dentes.

Fingi uma expressão de surpresa. Em um momento de distração por parte


dele, consegui prender seu dedo.

— Mas você bebe.

— Moderadamente.

Nós erguemos o olhar quando ouvimos alguém entrar na cozinha. Harry


apareceu na entrada, esfregando o olho esquerdo com a palma da mão como
se estivesse com sono,

fazendo aquele biquinho

manhoso

meio

que

inconscientemente. O mesmo biquinho que fez quando tive que acordá-lo


para ir embora antes que mamãe visse, na primeira vez que dormimos
juntos, e consequentemente, teve que parar de me abraçar como um urso de
pelúcia.

Ainda parado na entrada da cozinha, Harry levantou a cabeça e me viu ali.


Seus olhos fixaram nos meus por um instante. Depois, foi para a mão de
Chace cobrindo quase que totalmente a minha. Até que parou no meu peito
parcialmente

aparente
devido

camiseta

quase

transparente.

Se eu estivesse vendo de forma correta, ele passou a língua pelo lábio


inferior e respirou fundo, encaminhando-se à geladeira.

— Festa legal, Harry — Chace disse alto. Seu tom possuía zombaria o
suficiente para não atiçar meu lado protetor para cima de Styles. Tirei a mão
do seu aperto.

— Valeu — respondeu. Pegou uma garrafa de cerveja e abriu com a


camiseta, indo em direção às portas. No meio do caminho, mudou de ideia e
se virou novamente. Não queria que fosse embora sem me dizer ao menos
um "oi".

— Louis, posso conversar com você por um instante?

— Hum, — pisquei desorientado para ele e depois balancei

cabeça

para

tentar

recuperar

meus

pensamentos. Pulei do balcão e me virei para Crawford: —


Depois nos falamos, yeah?

Não parecia muito feliz, mas assentiu da mesma forma.

Harry virou de costas assim que o alcancei. Quando estávamos fora da


cozinha, colocou-me em sua frente, sem encostar em mim, e eu tive de
forçar meus traços para que ficassem neutros porque ele já havia decifrado
que eu ficava desconfortável em meio a multidões.

— Vamos para o antigo escritório de Des — disse por cima da música alta e
eu concordei.

As portas duplas e pesadas de carvalho estavam em um canto escondido da


sala, onde todos continuavam a dançar, e assim que Harry as abriu, entrou e
as fechou atrás de nós, todo o estrondo da música lá fora foi abafado.
Pequenos ruídos ainda eram audíveis, mas

parecia que não havia nenhum outro problema no mundo a não ser a forma
que ele me olhava.

As luzes fortes se acenderam de repente, dando lugar a uma visão mais


nítida das estantes contínuas de livros em duas das paredes e também da
mesa de computador organizada.

Ele passou por mim, a mão afundada dentro do bolso dos jeans, e foi até a
beira da mesa. Encostou-se à ela ao mesmo tempo em que retirou um maço
de cigarros do bolso, pegando um e colocando entre os lábios. Observei
suas mãos e os cachos bagunçados enquanto acendia e dava o primeiro
trago.

Cruzei os braços em frente ao peito. Não sabia se por causa do frio ou para
tentar me proteger, erguer alguma proteção em volta de mim.

— Então? — perguntei.

— Você aceitou — disse ele após eliminar uma quantidade pequena de


fumaça pelo canto dos lábios. — Ser meu amigo.

— Sim.
— Você aceita meus termos? A gente precisa falar sério, Louis. Eu não vou
estar aqui daqui algum tempo... e sem querer parecer presunçoso, mas eu
realmente estou tentando fazer de tudo para que você não sofra. É isso: o
fim da minha dor e o fim da sua, pode ser? Quando eu morrer, — a palavra
me fez engolir em seco e meus olhos, já contendo a sensação incômoda de
ardência, fecharam-

se por vontade própria. — você não vai mais se incomodar comigo ou com
as coisas que faço você pensar.

— A única coisa que você está me fazendo pensar agora, nesse exato
momento, é que eu tenho uma chance — ele abriu a boca para protestar,
mas ergui a mão e o impedi.

— Não de tentar fazer você ficar ou tentar fazer você gostar mais de mim,
mas uma chance de fazer você feliz.

Nem que seja temporariamente.

Arrastei a sola dos tênis no tapete escuro cobrindo boa parte do chão e
abaixei o olhar quando ele sorriu em torno do cigarro. Suas covinhas
aprofundaram ao dar outro trago. Desencostou-se da mesa e veio até mim a
passos lentos. Parou em minha frente. Olhei para os meus Vans surrados e
as suas botas de couro, tentando decifrar de onde havia vindo a coragem
para falar aquilo.

— Felicidade não é tão simples assim — disse baixo ao tirar o cigarro da


boca, cutucando a lateral do meu pé com o seu. — Olha pra mim.

Olhei. Seus lábios estavam úmidos de saliva e inchados devido à bebida. As


pupilas dilatadas e os olhos cansados me fizeram ter vontade de arrastá-lo
para cama e fazê-lo dormir.

— Ao invés de embarcar nessa loucura de tentar me fazer feliz, o que você


diz sobre aproveitar as melhores pequenas coisas do mundo comigo?

— Antes que seja tarde demais? — perguntei baixo.


— Antes que eu finalmente consiga o que quero desde os dezessete anos —
ele respondeu. Seu perfume chegou

até mim antes mesmo de eu sentir os lábios gelados e secos pressionados


contra minha testa. Seu pescoço ficou ao alcance da minha boca, a pele
pálida parecendo frágil sob a luz forte. Senti vontade de mordê-la, marcá-la,
fazer qualquer coisa só para me certificar que Harry ainda estava vivo. —
Aceita? — insistiu com cuidado.

Parecia um tanto cômico, não parecia? Qualquer um me chamaria de louco


ou masoquista se eu contasse. Gostar da dor era a única explicação lógica
para o que eu estava prestes a aceitar e firmar. Eu me machucaria e, de uma
forma ou de outra, não importava porque era o único meio de eu tê-lo por
dias ou poucos meses. Nós dois éramos loucos e dentro do espectro da
nossa loucura, encontraríamos toda a beleza em se entregar inteiro a
alguém.

— Angelina me disse que você tomaria o primeiro comprimido hoje. Ela


me falou que era minha esperança, minha chance para fazê-lo desistir —
confessei. Agora, seu queixo estava apoiado no topo da minha cabeça e ele
estava gelado. — Mas eu nunca poderia fazê-lo mudar de ideia, poderia?

— Não.

Engoli em seco. — Eu aceito, Harry. Quero que você me mostre as


pequenas melhores coisas do mundo.

Harry riu baixo antes de dizer meu nome lentamente.

Então, completou:

— Nós vamos descobri-las juntos.

Ele me tirou da biblioteca e me levou de volta para a sala.

Não me deixou ir para a cozinha, porém, e me colocou em sua frente


quando Dark In My Imagination do Of Verona começou a tocar. Olhei em
volta, ninguém prestava atenção e todos dançavam e gritavam. Harry sorriu
para mim e me virou de costas devagar, cuidando para que ninguém me
tocasse da forma errada.

— As pessoas vão ver que você está dançando com outro garoto — eu disse
com o coração disparado quando ele se aproximou, seus dedos entrelaçados
aos meus. Seu peito ficou colado às minhas costas, embora ele estivesse
vigiando para que sua virilha não tocasse minha bunda. —

Harry, as pessoas vão–

— Eu não ligo para as pessoas. Julie vai contar para os pais depois de
amanhã sobre Candice e é isso. A menos que você queira que eu pare de
tocar em você... cara, relaxa — ele riu, o som reverberando próximo ao meu
ouvido. — Bonita camiseta.

— Nós somos amigos, mas não me chama de "cara".

Eu já vi seu pênis. E não foi de uma forma platônica.

— Ok — concordou, beijando minha têmpora esquerda. —

Obrigado por ser meu amigo.

Eu precisava me distrair. A música pareceu aumentar de volume quando eu


me inclinei mais contra seu corpo, atrevendo-me a mover um pouco os
quadris. Fechei os olhos e me forcei a fingir que ninguém estava me
assistindo quando joguei a cabeça para trás e a apoiei no ombro de Harry.
Senti quando ele tomou uma longa e

profunda respiração, cheirando meu pescoço sutilmente e me fazendo


inspirar o cheiro de adolescentes suados, fumaça e cigarro tomando a sala.
Ele se moveu comigo.

Seus lábios rasparam na minha bochecha e eu era quase capaz de sentir seu
conflito interno, dizendo para me largar. Éramos amigos. Amigos não
faziam aquilo. Ele espalmou a mão na minha barriga e um garoto gritou
algo sobre faltar cinco minutos para a meia-noite.
A parte mais rápida da música começou.

Alguém entregou uma bebida a Harry e, em certo ponto, nós paramos de


dançar e somente nos movíamos um contra o outro para satisfazer a
necessidade de proximidade. Momentos depois, ele sussurrou "um minuto"

no meu ouvido e me fez virar para encará-lo. Fingi não notar sua ereção
delineada pelos jeans apertados.

As luzes criavam um truque sob seu rosto e suas expressões ganhavam


traços que mudavam de acordo com o ângulo. A única coisa que não
mudava de cor ou forma, porém, eram os seus olhos. Continuavam fixos em
mim, extraindo qualquer rastro dos meus pensamentos, até mesmo quando
ele tirou um pequeno pote branco do bolso e abriu para pegar algo.

Pela primeira vez, eu vi o maldito comprimido. Era rosa.

Todos gritavam no topo do fôlego, comemorando a chegada de outro ano.


Harry, porém, me fez assisti-lo colocar a pílula na boca antes de tomar um
gole da bebida que estava segurando. Engoliu e sorriu. Suas covinhas
surgiram e seus cachos caíam pelas laterais de seu rosto.

Ele parecia angelical, etéreo e tão leve quanto a atmosfera o cercando. Foi
mais ou menos aí que percebi.

Harry seria a minha mais bela autodestruição.


Chapter Fifteen
No dia seguinte à festa, minha cabeça parecia estar embaixo da água.

Eu nem sequer sabia onde estava, mas o lençol sob mim era quente demais
para o meu corpo superaquecido.

Deslizei a cabeça para o lado, esfregando o rosto no tecido até encontrar um


ponto mais gelado que pudesse me aliviar. Ao finalmente achar, suspirei e
relaxei de novo.

Até que...

— Por que você está com a cabeça no meu travesseiro, hobbit?

Abri um olho. Vi várias mechas loiras. Abaixei o olhar lentamente até me


deparar com Candice me encarando de forma entediada por baixo dos cílios
cobertos de rímel apesar dos olhos sonolentos e da maquiagem borrada.

Não reconheci o quarto ou as paredes brancas decoradas com fotos quando


levantei a cabeça o suficiente para olhar em volta. Não reconheci as cortinas
claras ou o closet de portas abertas revelando várias roupas e casacos.

Me forcei a manter a calma.

— Onde eu estou?

— Na casa de Julie. Na cama dela. Olha pra trás.

Olhei. Os cabelos ruivos de Julie coloriam a fronha branca do travesseiro.


Ela estava virada de costas e o cobertor havia deslizado até sua cintura
durante a noite, mostrando que estava só de sutiã. O zumbido leve do
aquecedor era quase inexistente, porém parecia contribuir para a minha dor
de cabeça.

— Para de pensar — Candice grunhiu e voltou a deitar a cabeça no


travesseiro, puxando-o para longe do meu alcance. — Você grudou em Julie
em certo ponto da noite e disse que ela era sua amiga e que ela não podia
abandonar você. Aí tivemos que te trazer pra cá.

Com um suspiro pesado, inspirei o cheiro limpo dos lençóis. O céu escuro
continuava a despejar neve moderadamente, fazendo o quarto adquirir um
tom tranquilo e sombreado.

— Minha mãe vai me matar.

— Harry ligou para ela.

— Hum.

— Você nos impediu de transar, sabia? — ela não parecia realmente brava,
só... ressentida. — E insistiu que queria dormir entre nós. Você ficou bêbado
com duas cervejas, garoto. Precisa se controlar. Zayn queria levar você para
casa, mas você ficava dizendo que Liam tinha o quarto preto da dor ou algo
assim, sei lá. Uma completa loucura.

Soltei uma risada baixa ao mesmo tempo em que sentia o rubor se espalhar
pelas minhas bochechas com uma ardência que me fazia sentir grato por não
lembrar da noite

anterior. Candice também riu antes de virar de costas, fazendo seu cabelo
quase entrar na minha boca.

— Dorme. Depois conversamos.

Obedeci.

Na próxima vez que acordei, foi por causa dos dedos correndo pelos meus
cabelos e voltando, bagunçando, acariciando devagar e me fazendo suspirar
baixinho.

Minha mente enevoada nem se deu conta de que eu realmente precisava


saber quem estava me tocando, mas eu me senti seguro e confortável.
Protegido.
Por isso, só abri os olhos quando ouvi a voz de Harry. Os dedos nos meus
cabelos eram dele, que estava sentado na beira da cama de Julie, próximo a
mim. Eu estava espalhado no colchão e enrolado no cobertor, abraçando um
travesseiro que não fazia a mínima ideia de quem era.

Candice estava sentada numa poltrona e Julie, esparramada no chão, vestida


com um conjunto de moletom lilás.

Ninguém percebeu que eu já havia acordado. Fiquei quietinho.

— Não acredito que você está usando essa de amigo pra cima dele — Julie
disse, soando exasperada. Continuava olhando para o teto. — Você sabe que
não vai funcionar, Harry.

— Ainda mais se ele for com a gente hoje — Candice completou. — Não dá
pra se controlar perto de quem você gosta em um ambiente como aquele,
sério.

— Eu sei tomar decisões, tá certo? — Styles cortou o assunto. Sua voz


grossa em conjunto com um puxão desproposital no meu cabelo fez arrepios
surgirem na base da minha coluna. — E sei como lidar com tudo isso. Eu
não quero machucá-lo mais e sei que ele não vai ficar longe, então essa é a
única saída.

— Essa não é a única saída — de repente, eu sabia que Julie

não

estava

falando

unicamente

do

meu

relacionamento com Harry.


As carícias no meu cabelo pararam por um instante.

— Se você não for fazer minha família me amar ou parar de me ignorar, ou


impedir Gemma de me ameaçar com o fato de eu ser gay, ou trazer minha
mãe, aí você pode falar alguma coisa. Caso contrário, não vou te dar esse
direito só porque você é minha melhor amiga.

— É porque eu sou sua melhor amiga que me importo, Harry. Porra... eu te


amo e me importo–

— Não vou falar sobre isso.

Supus que era a melhor hora para fingir que estava acordando. Me movi
devagar e fingi esbarrar no quadril de Harry, que olhou para baixo no mesmo
instante. Ele estava vestido com moletom e seus cachinhos encontravam-se
embaixo da touca verde dos Packers.

— Oi, bom dia — disse. O tom passou de irritado para suave em um


segundo. — Pronto para ir pra casa?

Pisquei para ele, inclinando a cabeça mais um pouco em direção a sua mão.

— Você veio me buscar?

— Uhum. E trazer seu casaco... está frio demais lá fora e você se esqueceu
dele ontem.

Julie ecoou um "own" pelo quarto e Candice riu, fazendo Harry revirar os
olhos e acariciar a lateral do meu rosto com os dedos gelados antes de sorrir.

— Levanta. A gente tem um convite a te fazer.

Depois de me levantar, ir ao banheiro e usar a escova de dentes reserva que


Julie mantinha no armário, eu voltei para o quarto e, além do casaco, Harry
me entregou um moletom gigante quando me sentei novamente na cama ao
seu lado. Era dele e cheirava como ele, por isso nem me importei em ajeitar
os cabelos, somente puxei as mangas da blusa até que cobrissem minhas
mãos.
— Nós vamos a uma boate LGBTQ hoje à noite — Julie disse, sorrindo
misteriosamente. — Até Niall e Angelina vão, além de Zayn e Liam que
concordaram ontem quando você estava meio em coma. Precisamos
comemorar meu grande dia.

— Fechamos uma parte da boate — Harry explica. — Ela quer que seja um
evento grande, então por que não?

Candice se levantou da cadeira somente para deitar-se no chão ao lado da


namorada, dizendo enquanto isso:

— Tudo o que fazemos é grande. Nós somos grandes.

Encolhi os ombros. Aceitei o convite e concordei silenciosamente.

Havia uma Range Rover no pequeno estacionamento de casa. Era preta,


brilhante, e não possuía placa. Parecia tão deslocada ao lado do velho Volvo,
e eu já sabia quem havia a mandado.

Jay me olhou de onde estava sentada no sofá quando passei pela porta. E
embora houvesse reprovação ao fato de eu ter passado a noite fora de casa,
também havia cautela em sua expressão. Provavelmente por causa de Mark,
o que me fez engolir em seco enquanto tirava os tênis na entrada e
caminhava até ela.

— Você não tem mais casa, garoto? — disse, oferecendo-me um tratado de


paz em forma do sorriso pequeno.

— Até tenho, mãe. Mas não estou a conhecendo porque tem uma Range
Rover na entrada.

Jay ergueu a coberta para eu me enfiar embaixo, curvando-me à lateral do


corpo dela e encarando por inércia a televisão ligada nos programas
repetidos de Ano-Novo.

— Harry me ligou ontem e avisou que você dormiria na casa de uma


amiga... a menina que ele finge namorar. Só por isso não vou brigar. Confio
naquele garoto. E sobre o carro... você já sabe, não sabe?

— Eu vou vendê-lo — franzi as sobrancelhas com minha própria decisão


momentânea. — E vou dar o dinheiro para você pagar as contas de casa. Não
preciso de nada de Mark.

Jay ficou em silêncio por um pequeno momento, aproveitando para tomar


um curto gole de chá enquanto permanecia com os olhos colados à televisão.

— Lottie vai para Nova York daqui uma semana para ver Fizzy. Você vai
junto.

Encarei-a, boquiaberto e me sentindo praticamente traído.

— O quê?! Não... não, eu não vou para Nova York. Eu não vou ver aquela
garota e muito menos ele. Se Lottie quer, ela que vá sozinha.

— Ele comprou as passagens, Louis. Não adianta discutir comigo. — ergueu


a mão no ar e levantou os dois dedos médios, dirigindo-me um olhar
cortante. — Segundo: você não vai vender o carro. Por enquanto, estou bem
pagando as contas sozinha como sempre fiz. E eu sou sua mãe, sei o que
faço. Não tome meus desentendimentos para você.

Minha garganta parecia se fechar mais conforme o pensamento se


consolidava dentro da minha cabeça. Eu teria que ir para Nova York, teria
que revê-lo e ver Felicite.

Teria que passar dias ao lado deles.

Tirei a coberta de cima de mim e me levantei sem dizer uma palavra, dando
passos apressados em direção à escada para sair da sala e me livrar da
sensação de aperto dentro da minha própria casa por causa da minha própria
mãe.

— Louis — ela me chamou quando eu havia alcançando o primeiro degrau.


Não me virei, mas abaixei os ombros rígidos para dar a entender que estava
ouvindo. — Alguma hora você vai entender por que eu estou fazendo isso.
Harry foi me buscar perto das oito da noite. Quando desci as escadas,
vestido com um casaco grosso, todas as roupas pretas, ele estava
conversando com Jay e tomando uma xícara de chá como se estivesse no
clube de livros de Jane Austen (vindo de Harry, eu não duvidava). Eu ainda
estava bravo, por isso parei atrás do sofá em que mamãe estava sentada e
somente gesticulei com a cabeça em direção a Styles para ela não perceber
que eu já estava pronto. Porém, antes que Harry pudesse responder, Jay o
interrompeu:

— Garoto, é melhor você falar apropriadamente comigo antes que eu proíba


você de sair.

Charlotte, que estava deixando a cozinha segurando uma barra de chocolate


naquele exato momento, soltou uma risada zombeteira e subiu para o quarto.
Eu ainda precisava conversar com Lottie e entrar em um pequeno round de
luta livre porque ela era a única responsável por eu estar sendo obrigado a ir
para Nova York.

Dei a volta no sofá até parar em frente a ela. — Estou pronto. Com vossa
permissão, posso ir?

Jay cruzou os braços em frente ao peito e ergueu a sobrancelha esquerda.

— Tenta de novo. Dessa vez, sem o tom sarcástico.

Repeti a frase e ela soltou um murmúrio de aprovação antes de se levantar e


dar dois beijos em ambas minhas bochechas, ajeitando o casaco em volta do
meu corpo.

Disse – praticamente mandou – a Harry que cuidasse de mim.

— Eu vou — ele me puxou para o seu lado e sorriu daquela forma que o
fazia parecer um sapo. — Jay, sei que

Louis

dormiu
fora

ontem, mas você acha que... hum... — suas bochechas ficaram vermelhas. —
ele poderia passar a noite em casa?

Eu...

Olhei Harry, pego de surpresa por algo que nem estava sabendo. E fiquei
ainda mais surpreso quando Jay riu, balançou a cabeça e voltou a se sentar.

— Sim, Harry, ele pode. Contanto que vocês se protejam, usem preservativo
e meu filho não apareça grávido... por enquanto. Não se esqueça de
alimentá-lo.

— Mãe... — ri em embaraço. Amigos não transavam. — A gente não– er...


Você sabe que homens não podem engravidar, né?

Ela me encarou duramente. — Isso significa que você está querendo transar
sem camisinha?

Ai, meu Deus.

Puxei a barra do casaco de Harry e o arrastei em direção à saída,


despedindo-me dela uma última vez antes de fecharmos a porta atrás de nós.
Styles começou a rir no mesmo instante, dobrando-se e apoiando as mãos
nos joelhos para tentar recuperar o ar.

— E eu aqui, que nem sabia que iria dormir na sua casa.

— Decisão repentina — explicou, enxugando as lágrimas no canto dos


olhos. — Digo, se você quiser. Ai, porra. Me desculpa por não ter te
perguntado antes, eu–

— Harry — ri baixo, esfregando seu ombro por um curto instante. — Está


tudo bem. Eu aceito. Somos amigos, yeah?

A palavra tinha um gosto amargo na minha boca. Gosto que somente ficou
ainda mais realçado quando ele suspirou, qualquer rastro de riso eliminado
completamente do seu tom.
— Sim, somos.

No meio do caminho até a boate, Harry colocou a mão na minha coxa, um


pouco acima do joelho, e olhou de lado para os meus suspensórios pretos
sobre a camisa da mesma cor.

Eu havia retirado o casaco assim que entrei no carro porque o aquecedor


estava ligado, e só então ele viu o que eu estava vestindo. Não posso dizer
que não senti uma pontinha de satisfação por tê-lo feito ficar estático por
alguns segundos.

— Os suspensórios são legais — disse, mantendo os olhos no tráfego à


frente. Eu gostava da forma como ele dirigia: com confiança e segurança, e
como era capaz de transformar uma simples troca de marcha em algo
interessante. — Da onde surgiram?

— Comprei porque Lottie disse que seria um atentado ao direito dos meus
quadris não fazê-lo.

Sorriu de lado. — Concordo com sua irmã.

Ficamos em silêncio. A mão dele quase queimava minha pele de onde estava
espalmada, os dedos longos movendo-se sutilmente vez ou outra.

— Quer que eu tire a mão da sua perna?

Ao invés de responder, eu mesmo peguei sua mão entre as minhas. Movido


por um ímpeto inexplicável, trouxe ela até mais em cima para que Harry
pudesse segurar a parte mais grossa da minha coxa, próxima à virilha.

Ele apertou no mesmo instante, esfregando as pontas dos dedos na parte


interna da minha perna com lentidão, traçando círculos pequenos que
fizeram minha barriga ficar repleta de uma sensação gelada. Acho que eu
não deveria ter visto como sua outra mão apertou o volante.

Como parecia estar buscando controle.


— Não precisa — respondi finalmente.

Harry não respondeu.

O clube estava lotado.

A versão remix de uma música nova da Lana Del Rey tocava em volume
máximo, deixando-me um pouco tonto assim que coloquei o pé no ambiente
repleto de pessoas gritando e pulando. Drag queens dançavam em palcos
individuais suspensos no ar e as luzes revezavam entre cor-de-rosa, roxo e
verde. Garotas se beijavam, garotos

dançavam como se fossem a última noite de suas vidas e os mais diferentes


tipos de pessoas se perdiam enquanto cantavam o refrão mais alto que a
própria música. Recebi sorrisos gentis de dois garotos encostados ao bar, e
acho que foi porque eu parecia inocente demais para estar em um lugar
como aquele.

Assim como em todas as vezes, Harry me colocou em sua frente. Devido ao


calor e a quantidade de corpos suados dançando juntos, lá fora nem parecia
estar nevando.

Principalmente por causa das mãos dele nos meus quadris, guiando-me até
onde quer que fosse.

Subimos por uma escada escura, contornada por luzes vermelhas nos
rodapés e na qual os degraus tremiam a cada batida mais forte da música. De
cima, a visão era ainda mais enlouquecedora, e Harry teve que me puxar em
direção à área VIP para que eu parasse de olhar. Não havia seguranças
impedindo a entrada ou conferindo as identidades; talvez todos ali
respeitassem a área um do outro.

A área VIP era ampla, composta por uma única mesa.

Conseguíamos ver a pista de dança inteira, o palco do DJ


e uma grande parte do bar. Era incrível porque, devido à passarela de vidro
suspensa sobre o alto da boate a que tínhamos acesso, nós poderíamos ficar
praticamente em contato com todo mundo lá embaixo.

Harry tirou o casaco que estava vestindo e desenrolou a scarf do pescoço.


Fiz o mesmo, e quando me virei para olhá-lo, fiquei preso à visão do seu
corpo porque... ele começou a desabotoar os quatro primeiros botões da

camisa, expondo o peitoral. A corrente de cruz à mostra e pequenos rastros


de arranhões deixados para trás enquanto erguia o braço para ajeitar o
cabelo.

Ouvi gritaria e foi isso o que me tirou da inércia. Bem, foi um erro ter
aceitado sair com casais porque Candice e Julie, Angelina e Niall e Zayn e
Liam eram a definição perfeita de relationship goals. E Harry... bem, Harry
me chamava de "cara" . Bro, pal. Fraternidade pura.

— Isso são suspensórios?! — Julie riu alto quando me aproximei,


levantando-se para me abraçar. Vestia uma saia de couro preta de cintura alta
e algo parecido com um sutiã de renda branco. Mais nada exceto pelos saltos
gigantes. Perguntei mentalmente como não sentia frio. —

Vai amarrar quem à cama com eles, Louis?

Foi involuntário quando, ainda vermelho por causa da pergunta, olhei Harry
no mesmo instante. Ele me encarou de volta e passou a língua pelo lábio
inferior como se quisesse estar lambendo outra coisa antes de quebrar a
conexão do nosso olhar.

Cumprimentei um a um e depois me sentei entre Zayn e Angelina. Harry se


sentou ao lado de Julie e nós ficamos distantes.

— Você está lindo, garoto — Angel se inclinou para beijar minha bochecha.
Vestia vermelho-sangue estampado no vestido justo e os cabelos estavam
amarrados. Parecia pronta para matar. Ou enfartar Niall... — Conseguiu falar
com Harry ontem sobre...? Você sabe o quê.

Engoli em seco, girando entre os dedos o copo de coquetel


sem

álcool

que

Zayn

havia

pedido

antecipadamente para mim em conjunto com o seu. Me forcei a não observar


o assunto da conversa enquanto respondia:

— Consegui. Mas ele tomou o primeiro comprimido, Angel.

Eu não sei o que fazer. E talvez... talvez eu não tenha o que fazer porque
estou perdido. Como vou orientá-lo se nem sequer sei onde estou?

Ela parecia decepcionada por eu não ter conseguido fazê-

lo mudar de ideia, mas sua expressão logo se transformou em uma mais...


experiente. Sábia.

— Talvez Harry precise de alguém que se perca junto com ele antes que
possa se achar. Ele precisa de uma bússola, e precisa encontrar a direção
com alguém porque ele tem essa

sensação

de que irrita, incomoda e faz os outros se perderem.

Ele

sempre está pedindo desculpas, sempre quer ser o mais silencioso possível
para não irritar alguém. É coisa da cabeça dele.

— E se for tarde demais?


— Nunca é tarde demais se for para ser, Louis.

— Eu–

— Com licença — Harry sorriu gentilmente para Angelina.

— Posso me sentar aqui? Eu– hum... eu terei uma visão melhor.

Ao meu lado, Zayn soltou um risinho debochado que passou despercebido.


Angel se afastou e Harry sentou entre mim e ela no sofá.

Seu braço esfregava no meu a cada vez que ele erguia a garrafa até a boca
para dar um gole. E um toque tão pequeno não deveria me fazer respirar
fundo, mas havia algo na música alta, no ambiente elétrico repleto da nossa
tensão e a privacidade proporcionada pelo escuro que me fazia querer.

— ...sério! Aí a garota me olhou e perguntou se Harry ficaria com ela —


Julie continuou a conversar com Zayn, enfatizando cada palavra com uma
erguida da taça de Cosmopolitan. — E eu fiquei, tipo "mas eu namoro ele" e
ela só disse "e daí?". Namoros falsos não têm mais respeito hoje em dia
mesmo!

Harry soltou uma risadinha baixa e deu mais um gole da Stella Artois, os
lábios inchados envoltos na ponta da garrafa. Tentei focar na conversa, nas
respostas de Zayn que eram um pouco mais altas quando Liam estava o
abraçando de lado, mas... prioridades.

Mais uma vez, eu senti meu coração subir à garganta quando sua mão veio
parar na minha coxa, os dedos alcançando a parte de trás dela e a segurando
firme. Me forcei a continuar olhando à frente como se nada estivesse
acontecendo. Então coloquei a mão em cima da sua, os anéis frios trazendo
um alívio à minha pele quente.

— Você lembra, Harry? — Candice perguntou. Angel também estava rindo,


mas aposto que era mais

relacionado à forma que Horan continuava a beijar o pescoço dela.

— Do quê?
A loira o olhou estranho pela distração, ainda sorrindo, mas repetiu.

— De quando nós fingimos que estávamos nos pegando no dia que a mãe de
Julie entrou no quarto de repente.

Harry revirou os olhos. — Lembro. O que eu não faço por Julie?

— Cumprir a promessa! — Julie gritou, parecendo lembrar-se de algo


repentinamente. — Você tem Louis agora.

Todo mundo ficou em silêncio. Todos os olhares estavam em Harry e ele


ficou desconfortável, mas bastou um pequeno apertão em sua mão para que
continuasse a falar, as bochechas vermelhas.

— Cale a boca.

— Que promessa? — atrevi-me a perguntar.

Ao mesmo tempo em que Harry se apressou para dizer

"nada!", Julie exclamou "lap dance!". Ah.

— Assim que comecei a namorar Candice, ele disse que receberíamos lap
dance ao mesmo tempo quando também namorasse. E... você faria um lap
dance nele. Não é, Lou?

Styles acariciou minha perna e se inclinou para me dizer para ignorá-las,


provavelmente sabendo do quanto eu usualmente ficaria sufocado sendo
pressionado em relação a algo tão sexual em frente aos outros, mas... eu

conseguia respirar livremente. E cheguei a sorrir. Por isso, ao invés de dizer


que não estávamos namorando como qualquer outra pessoa faria, eu disse:

— Não em frente aos outros.

Angel e Niall riram alto. Zayn e Liam estavam ocupados demais se beijando.

O sorriso que se espalhou pelos lábios vermelhos de Julie era diabólico. —


Então você faria se estivessem sozinhos?
Horan se levantou e tomou o último shot cheio de tequila que restava na
mesa, puxando Angelina gentilmente pela mão. — Essa é a nossa deixa para
dançar. Não estou a fim de ver essa cena.

Segurando-a pela cintura, ele a guiou pelas escadas, descendo até a pista
com toda a maldita elegância do casal real que os dois possuíam. Zayn e
Liam continuavam a se beijar (sério, eles não cansavam?) e Julie continuava
a me olhar, esperando por uma resposta.

— Nós somos amigos, Julie — ofereci um sorriso hesitante, tentando


parecer o mais conformado possível.

— E acho que–

Candice se aproximou para sussurrar algo no ouvido dela, um sorriso de


canto aparecendo após terminar a frase.

Julie parecia ter arquitetado um plano para atear fogo na cidade inteira
quando se levantou e ajeitou os cabelos. —

Vou dançar com Candy. Preciso mostrar para todo mundo quem é que sabe
rebolar. Liam! Zayn!

Os dois se separaram com o grito repentino, olhando assustados para a


garota. Pareciam filhotinhos de cachorro, piscando repetidamente para tentar
recuperar a noção.

— Vocês também vão dançar com a gente.

— Ahn?! Não, eu não s-sei dançar e... — Zayn ajeitou os óculos, tentando
arrumar o cabelo da forma que podia. —

Eu passaria vergonha. — Era para ter sido sútil, mas vi quando Julie apontou
com a cabeça em direção a mim e Harry. Zayn ainda não havia entendido,
mas Liam sim, por isso puxou meu amigo junto quando se levantou.

Payne ainda mantinha fixa a ideia de que eu me machucaria quando Harry


conseguisse o que queria, por isso não eram raras as vezes em que eu o
pegava nos olhando com certa expressão reprovadora, como estava o
fazendo naquele momento. Ele não concordava e eu entendia porque sabia
seus motivos.

Foi só olhar para Malik que ele voltou a sorrir, porém. —

Eu danço com você, Z. Harry, Louis, fiquem aí e peçam algo pra gente
beber.

Eles desceram, gritando a música com toda a força desde o primeiro degrau
da escada. Nós ficamos sozinhos, encarando

as

próprias

mãos

procurando

incessantemente por algo a dizer que não soasse idiota. E

é óbvio que o que saiu da minha boca foi besteira:

— Eu não sei fazer um lap dance.

Harry me olhou. — Eu nunca recebi um, também. Nem fiz.

Eu ri.

— Entendi.

— É.

Silêncio.

— Se você quisesse treinar, eu... sei lá, poderia te...


ajudar? — sugeriu como se fosse a coisa mais normal do mundo. — Eu–
olha, me ignora.

Engoli em seco. Sua mão parecia pesar mais de duzentos quilos sobre minha
perna. — Agora?

— Se você quisesse? Mas–

— Eu quero.

— Ok.

Ok. Tudo ok. Nada ok, na verdade. Mas tá ok.

— Vem cá — Harry pediu. Demorei alguns segundos para perceber que


estava pedindo para eu me sentar no seu colo.

Eu só... obedeci. Prezando pelo sucesso dos fins educativos, obviamente. Ele
se acomodou mais no sofá quando me sentei nas suas pernas, minhas coxas
praticamente abraçando seus quadris. A música mudou para uma do The
Weeknd. Eu não sabia onde pôr as mãos, e estabeleci que seus ombros eram
zonas seguras ao mesmo tempo em que os primeiros versos da música
ecoaram em meus ouvidos, as batidas lentas, porém intensas, fazendo-me
não querer desviar os olhos da sua boca.

You don't know what's in store, but you know what you're here for

— Posso te tocar? — perguntou.

— Da forma que você quiser.

Ele não desviou os olhos ao abrir mais minhas pernas, apertando os dedos
em volta das minhas coxas como se estivesse ansiando por isso. Puxou-me
para perto. Sua boca estava a centímetros de distância e eu sentia sua
respiração tão acelerada quanto a minha bater nos meus lábios entreabertos.
Me perguntei se eu seria capaz de sentir o gosto da cerveja na sua língua
caso a chupasse com a minha, caso lambesse seus lábios e pedisse por mais.

— Na verdade, acho que você deveria estar de pé —


Harry segurou as tiras do suspensório, percorrendo os dedos pelo tecido.
Atrás, as mesmas tiras estavam esticadas sobre a curva das minhas costas
devido à posição em que estava. — E deveria estar dançando ou algo assim.
Eu não sei o que fazer, para ser sincero.

Rebolei no seu colo, deixando minha bunda esfregar o topo das suas coxas
durante o movimento. Harry abriu a boca, mas tudo o que saiu dela foi um
suspiro baixo. Eu fiz novamente e, dessa vez, ele segurou minha cintura. As
mãos grandes, de alguma forma, faziam eu me sentir seguro e pequeno.

— Por que você disse que poderia me ajudar a fazer um lap dance, então?

— Porque eu queria você assim... do jeito que está agora, fazendo a mesma
coisa que está fazendo.

Segurei seu pescoço e esfreguei os polegares embaixo do maxilar afilado,


deixando-o erguer mais o rosto.

— Nós somos amigos. Você me deixa confuso.

Harry revirou os olhos.

Open your hand, take a glass, don't be scared

— Você me deixa sem saída — Styles segredou. A última palavra saiu


arfada e eu empurrei seu peito para que se apoiasse na parede atrás do sofá,
ficando largando no estofado. Dessa forma, quando rebolei novamente, eu
senti sua ereção. Ele estava duro embaixo de mim e os jeans eram uma
barreira desnecessária quando me concentrei na extensão grossa roçando
minha bunda. —

Eu– oh, porra, Louis... eu não sei o que fazer.

I'm right here, even though you don't roll, trust me boy...

Inclinei-me sobre seu corpo e me abaixei para poder sussurrar em seu


ouvido:

— Não pensa. Fecha os olhos e sente.


You wanna be high for this

Assim que terminei a frase, Harry segurou minha bunda com força, os dedos
afundando na parte mais firme dela para me segurar perto. Pressionei os
lábios para conter o gemido e me deixei ser envolvido pelo seu toque, pela
música, pelos seus lábios cobrindo cada centímetro da minha garganta pouco
a pouco.

Uma alça dos suspensórios caiu pelo meu braço e eu ergui a mão para
colocá-lo no lugar quando Harry abaixou as duas alças de vez, deixando-as
cair pelos meus quadris.

— Esses suspensórios me dão tantas ideias — disse, o tom de voz tão calmo
para a forma necessitada que continuava a segurar minha bunda ou beijar
todo o meu maxilar. — Vem cá.

Deixei todo o peso do meu corpo recair sobre o seu, as mãos espalmadas no
seu peito e sua pele quente transferindo um calor gostoso a elas. Eu teria dito
alguma coisa, mas Harry tirou uma mão do meu quadril para subi-la até
meus cabelos, angulando seu rosto com o meu. Os olhos procuraram os
meus em meio à escuridão e ele se aproximou quando percebeu a concessão
na minha expressão.

Senti seu lábio inferior roçar o meu e...

— Vocês estão– Ohh!

Afastamo-nos no mesmo instante. Um dos garçons que cuidava da área VIP


estava parado ali. Apesar de parecer desconcertado, não estava
envergonhado, e acho que era acostumado a ver casais se pegando o tempo
inteiro.

Não que Harry e eu fôssemos um casal.

— Desculpa, — ele ergueu as mãos, como se fosse um gesto de rendição. —


só vim perguntar se vocês gostariam de pedir mais alguma coisa.

Tentando não parecer muito frustrado, saí do colo de Harry e desviei o olhar
quando ele ajeitou a postura para que a
ereção não o incomodasse. Começou a pedir as bebidas e, quando o garçom
desceu, todo mundo subiu de volta.

Suados, mergulhados em adrenalina. Não tocamos um no outro pelo resto da


noite.

Dançamos na pista e cantamos I'm Coming Out da Diana Ross para Julie em
meio a todo mundo, mesmo sabendo que a conversa com os pais poderia não
ir tão bem como a noite estava indo. Era quase perto das quatro da manhã
quando fomos embora. Assumi o volante do Audi por não ter bebido
(mesmo sabendo que teria que vender Charlotte e meu rim para pagar um
carro daqueles) e ainda tive de passar no drive thru do McDonalds porque
Harry era uma criança birrenta que gostava de batata-frita e sorvete.

Ao chegar à casa dele, deixamos os sapatos à porta e, em silêncio, Harry foi


para a cozinha e eu subi para tomar um banho rápido na suíte do seu quarto e
tirar o suor do corpo, vestindo uma camiseta sua e boxers que ficavam
apertadas na bunda ao terminar. Depois, me sentei na cama dele para
observar a cena disfarçadamente enquanto comia o sundae de baunilha mais
ou menos derretido. Após ligar o aquecedor, Harry começou a tirar o casaco
e a camisa e desabotoou os jeans, e eu sabia, de alguma forma, que ele sabia
que eu estava encarando. O

cós da Calvin Klein ficou aparente e ele deu passos macios até a cama,
subindo e engatinhando nela até parar em minha frente. O colar de cruz
balançava devagar e seus cachos estavam desgrenhados.

— Quer sorvete? — ofereci, erguendo a colherzinha e tentando não me


contorcer sob seu olhar. — Está bom e...

muito– Er, gelado. E derretido.

Harry sorriu. — Gelado? Aceito, então.

Levei a colherzinha a sua boca. A língua veio primeiro, é claro, e ele comeu
o sorvete. Comi a próxima colherada a tempo de Harry se sentar em minha
frente. Eu gostava da imagem do seu peito nu porque não havia mais um
arranhão novo à vista. Somente os rastros deles. Ele pegou o próprio sorvete
e o próprio saquinho de batatas fritas, iniciando o mesmo ritual.
— Teríamos nos beijado.

Ergui o rosto. Ele enfiou uma batata na boca e me olhou de volta, a


sobrancelha erguida. À minha pergunta silenciosa, respondeu:

— Se o garçom não tivesse aparecido, nós teríamos nos beijado.

— Eu sei.

— Você não faz ideia de onde está se metendo, faz?

Isso me fez largar o potinho de sorvete. A frase pronunciada em um tom


lento engatou uma fúria através do meu corpo que me fez cerrar o maxilar.

— Você me subestima o tempo inteiro, Harry. Colocando regras como se eu


não soubesse do que tudo isso se trata.

Eu não sou uma criança, tá certo? Eu sei que não posso mudar isso — ele
franziu as sobrancelhas com a minha abrupta mudança de humor. — Então,
sim. Eu faço ideia

de onde estou me metendo e eu sei exatamente aonde isso está nos levando.
Para de ser tão cauteloso comigo.

— Para de me olhar como se a qualquer hora eu fosse ter um colapso, então


— Harry disse baixo, largando a comida. — Como se estivesse contando as
horas até tudo acabar. Eu não sou de vidro.

Meus traços suavizaram. — Eu não te olho assim.

— Aí! — Harry exclamou, balançando a cabeça ao se levantar. — É desse


olhar que eu estou falando.

Eu também me levantei para não ficar em desvantagem.

Harry sabia muito bem usar a diferença de altura a seu favor quando queria.

— Você me deixa confuso! Eu disse na boate e digo agora porque é verdade.


Você vem com essa conversa de "só amigos" e depois me olha como se
quisesse me destruir... da melhor forma. E sabe o quê? Eu aceitaria. E

você nem ao menos se dá conta que eu consigo suportar.

Que eu sei

tomar

decisões e sei assumir a

responsabilidade por elas e por tudo o que faço.

Styles fechou os olhos. Respirou fundo e depois cerrou as mãos ao lado dos
quadris.

— Talvez eu queira — disse baixo.

Pisquei. — O quê?

Seu tom era bem mais controlado. Profundo, até. — Te destruir.

Foi uma decisão mútua.

Demos passos em direção um ao outro no mesmo instante e nossos lábios se


encontraram ao mesmo tempo em que nossos corpos se chocaram no meio
do caminho. Eu soltei um grunhido contra sua boca quando abri a minha e
permiti que sua língua deslizasse para dentro, molhada e lenta e me fazendo
encolher os dedos dentro das meias.

Harry segurou meus pulsos à frente do meu peito, entre nós dois, e abaixou a
cabeça quando eu o beijei de volta e chupei sua língua. Mordi seu lábio
inferior e ele mordeu o meu de volta, voltando a me beijar. Eu mal conseguia
tirar minhas mãos dele, do seu peito nu e da pele quente...

macia, gostosa.

Ele me levou para cama e nós dois trabalhamos juntos para tirar todos os
sacos do McDonalds do colchão e colocar no chão, revezando entre beijos e
as mordidas no pescoço. Quando o caminho estava livre, Harry se deitou por
cima de mim e se concentrou em lamber meu pescoço, segurando meus
quadris.

— Eu estou sendo egoísta — ele sussurrou, beijando meu maxilar. Eu


agarrava qualquer parte do seu corpo que alcançava. — Não posso...

— É algo consensual. Não é você que manda, nós dois mandamos. Então
para de graça.

Harry riu baixo. A risada morreu conforme seus dedos iam arrastando minha
camiseta para cima.

— Posso te chupar?

Minha cabeça enevoada quase saiu rolando pelo chão ao ouvir aquelas
palavras. — Quê?

— Te chupar. Não aqui... — seus dedos longos deslizaram pela minha


barriga devagar, formando trilhas de arrepios, até alcançar a parte da frente
da minha cueca. Seus olhos possuíam aquele brilho que parecia ser
reservado a mim.

— Aqui. — finalizou, pegando minha bunda e somente roçando as pontas


dos dedos entre as nádegas.

Afirmei com a cabeça. Harry abriu a boca e eu sabia que ele pediria um
consentimento verbal, por isso adiantei:

— Pode, Harry.

Se meu objetivo era suavizá-lo com o seu nome entoado em um tom quase
íntimo, não deu certo. Minha voz, ao invés, pareceu atear fogo ao seu lado
que me queria de quatro para e por ele. E foi assim que me encontrei
minutos depois: apoiado sobre os joelhos e cotovelos em cima da cama.
Parado atrás de mim, Harry deslizou a cueca pelas minhas pernas e eu tentei
não me contorcer ou me encolher com a timidez porque era a primeira vez
que eu ficava completamente nu em sua frente.
Completamente duro. As únicas luzes acesas eram as dos abajures, mas
mesmo assim.

— Você já sabe. Se quiser parar, é só falar... — ele arrastou a boca pela base
da minha coluna, deixando beijos com os lábios quentes que me obrigavam a
pressionar o rosto contra o colchão. — Abre mais as pernas.

Obedeci e, no mesmo instante, sua língua veio para o meio da minha bunda.
Tive que morder o braço para não gritar... era tão gostoso. Não tocou minha
entrada uma única vez, mas a sensação era enlouquecedora enquanto

suas mãos seguravam meus quadris com firmeza. Era molhada, quente, e
Harry lambia como fazia quando me beijava. Ele gemia baixo a cada vez que
eu impulsionava a bunda em seu rosto, querendo mais e tentando não me
desintegrar sob seu toque.

Sua saliva escorria e a sensação quente tomando aquela área sensível era
completamente nova. Eu estava perdido, sem saber se gemia alto ou se
continuava a morder meu antebraço por causa das provocações. Até que ele
finalmente lambeu minha entrada com a ponta rígida da língua, contornando
os músculos com habilidade, porém lentidão proposital, e eu não consegui
segurar seu nome que escapou quase como um grito. Minha barriga repuxou
no momento em que seu polegar esfregou a área, espalhando a saliva com a
ponta do dedo seca e me deixando excitado pra cacete por causa do contraste
de texturas. Ele voltou a me chupar e eu contraí o pressentimento de que iria
desmaiar a qualquer segundo.

Era tudo novo, a forma como eu não conseguia parar de tremer era nova e
sua boca e sua língua agindo em conjunto para me deixar flutuante eram as
melhores coisas que eu já havia experimentado. Isso, até que Harry forçou a
língua para dentro de mim e eu tive de agarrar os lençóis para não deixar
meu corpo inteiro ceder ao peso da gravidade. Sua mão livre veio para a
base da minha coluna, deixando-me parado enquanto ele movia a língua para
dentro e para fora, seus lábios chupando a área em volta e o calor do seu
corpo sobre o meu me tomando, puxando e me arremessando em uma
realidade que parecia quase alternativa.
— Harry! Por favor, por favor... — eu nem sabia ao certo pelo que
implorava, mas ele entendeu.

No próximo instante, eu estava sendo virado e deitado na cama, acomodado


sobre seus travesseiros. Harry olhou para a minha ereção contra a barriga e
limpou a saliva no canto da boca com os dedos, sorrindo pequeno. Uma
covinha apareceu, mas eu estava distraído demais com meu fôlego falhado e
a forma que seu peito subia e descia, as tatuagens expandindo-se sobre a pele
pálida.

Ele se inclinou, ainda me olhando, e separou minhas pernas, deitando-se


entre elas. Minhas coxas ficaram sobre seus ombros quando ele espalmou a
mão gigante na minha barriga e, com a outra mão, separou minhas nádegas.

— Eu faço você gozar... — sussurrou. O fôlego quente era suave contra


minha entrada repleta de saliva contraindo-se contra o ar. — e depois você
vai me deixar lamber toda sua porra. Yeah?

Eu nem tive como responder. Harry voltou a me chupar e eu joguei a cabeça


para trás, no travesseiro embaixo de mim, apertando as coxas em volta do
seu pescoço e fechando os punhos no lençol sob nós dois. Ele sabia
exatamente o que estava fazendo com a língua e a boca, sabia que era minha
primeira vez experimentando aquilo e eu tinha certeza de que ele queria que
fosse memorável. E

era... porra!, era. Harry me chupava como se fosse a forma que ele gostaria
de ser chupado, como se eu o deixasse faminto. Como se eu pertencesse a
ele.

Olhei pra baixo. Seus quadris não paravam de estocar contra o colchão,
esfregando o pau duro ali para tentar se aliviar. A realização de que ele
estava tão excitado simplesmente por estar fazendo aquilo comigo foi
despejada como um balde de água quente sobre mim. A temperatura
aumentou, seu polegar se juntou à língua esfregando sobre minha entrada e,
de repente, era tudo demais.

— Harry... — alcancei seus cabelos, arqueando as costas e puxando os fios


entre os dedos enquanto com a outra mão, começava a me masturbar. — Eu
preciso... eu–

porra, Harry...

Ele tirou a boca de mim e eu fui arrancado bruscamente da sensação de


êxtase. Seus olhos permaneceram fixos aos meus enquanto ele subia um
pouco na cama para, subitamente, poder envolver os lábios em volta do meu
membro. Suas pálpebras pesaram quando minha glande foi apertada pelas
vibrações da sua garganta e eu gozei.

Gozei com um gemido alto e a sensação de que estava me dividindo em


partes minúsculas e sendo recomposto diversas vezes. Puxei seus cabelos
com ainda mais força, inconscientemente mantendo meu pau dentro do calor
apertado que era sua boca. Senti-o engolir toda a porra que escorreu na sua
língua, finalizando com uma pequena lambida na ponta.

Fechei os olhos e os mantive assim enquanto esperava minha respiração


acalmar ou meu coração parar de bater tão rápido. Eu estava tão leve, tão
fora de órbita que quase

não senti os beijos na minha barriga, costelas e peito, dados quase com
reverência.

— Ei... — ouvi Harry sussurrar. Abri os olhos e me deparei com seu rosto
extremamente próximo ao meu. Ele sorria de lado, acomodando-se entre
minhas pernas. — Ver você gozar é uma obra de arte.

Correspondi o sorriso, estendendo a língua para capturar uma única gota da


minha própria porra no canto da sua boca. O simples gesto foi suficiente
para fazer as pupilas dele dilatarem e eu franzi as sobrancelhas com o gosto
diferente.

— Tira os jeans. Quero assistir sua obra de arte, Michelangelo.

Harry riu alto ao deslizar a calça pelas pernas longas, levando a cueca junto.
As minhas ainda estavam trêmulas quando fui para o colo dele assim que se
sentou na cama.
Beijei seu nariz devagar, depois as bochechas e o queixo enquanto levava a
mão por baixo do meu corpo e a envolvia em torno da sua ereção.

— Vamos tentar algo... — eu disse baixo, espalhando o pré-gozo que


escorria da glande inchada pelo resto do seu membro inteiro; da mesma
forma que fazia quando eu me masturbava. — Eu só preciso que você se
controle... digo, é novo pra mim. Por isso não vou mais adiante.

Styles me olhou, confuso. Seu lábio inferior estava todo mordido e


vermelho, o rosto levemente corado pelo esforço que havia feito.

— Me segura — eu pedi, deixando um último beijo nos seus lábios


pressionados ao me apoiar nos joelhos e me erguer no seu colo.

Ainda portando uma expressão desconfiada, ele me segurou firmemente


pelos quadris, permanecendo assim até mesmo quando sua boca caiu
entreaberta ao perceber que eu estava guiando sua glande até minha entrada
alargada pela sua língua. Engoli em seco e olhei por cima do ombro, para os
meus dedos envolvendo sua extensão grossa e extremamente dura, e a
encaixei entre minhas nádegas, esfregando diversas vezes contra minha
entrada e pressionando vez ou outra. A partir daí, ele me ajudou com os
movimentos, apertando minha bunda e a tornando mais apertada para seu
pau. Harry gemia baixo com a boca colada ao meu pescoço, mordendo vez
ou outra e suspirando meu nome, erguendo os quadris de forma implacável
para alcançar o orgasmo.

— Eu também quero te chupar, sabe? — confessei, movendo-me para frente


e deixando seu membro deslizar gostoso sobre toda a minha fenda antes de
voltar. — Você me ensina. Me diz como fazer... eu deixo você mandar. E

talvez... talvez eu deixe você gozar na minha boca. Ou no meu rosto. Onde
você quiser.

Harry gozou.

Ele fechou os dentes no meu ombro e sua porra escorreu pelas minhas costas
e bunda enquanto seus dedos apertavam meus quadris com tanta força que
chegava a produzir uma dor gostosa, seu peitoral subindo e descendo contra
o meu.
E foi ainda mais gostoso quando ele voltou a me deitar no colchão e me
beijou para poder expressar com a boca o que seu corpo estava me
ensinando pouco a pouco.

— Lou.

Fechei os olhos com mais força, recusando-me a ser puxado para fora do
conforto gostoso proporcionado pelo sono, e me curvei mais contra a fonte
de calor atrás de mim. Senti um braço circular minha cintura e me puxar em
direção a um peito firme. O cheiro suave de sabonete após o banho que
havíamos tomado na noite anterior me deixou seguro.

— Lou, gatinho. Acorda. Julie me ligou agora... disse que contou para os
pais dela.

Ainda com os olhos fechados, segurei a mão dele e entrelacei nossos dedos.
— E aí?

— Ela disse que vai me contar mais quando nos encontrarmos. E que eu
deveria começar a planejar meu próprio come out.

Por essas palavras, eu fiz um esforço gigante para me virar na cama,


puxando o edredom até o pescoço ao me deparar com um Harry
extremamente desperto. Ele ergueu a mão e percorreu os dedos pela minha
bochecha amassada e marcada pelo travesseiro.

— Você quer contar para os outros que é gay? —

indaguei.

— Não contar. Ninguém conta que é hétero e faz um grande alarde, é só


que... tipo, eu quero que eles fiquem sabendo que não sou o garoto estúpido
que trata as garotas como lixo. E como eles ligam tanto assim para a
sexualidade de alguém, acho melhor. E acho melhor ser quem eu sou durante
esses últimos dias.
Com a mão que ainda estava embaixo do edredom, pressionei meu peito e
respirei fundo. Parecia tão fácil para ele falar aquilo.

— Como eu posso te ajudar? — perguntei baixo, juntando nossos corpos e


apoiando a cabeça no seu peito. Dei um pequeno beijo na cicatriz de um
arranhão próxima aos meus lábios. — Se você quiser minha ajuda.

— Quando as férias terminarem, nós vamos chegar à escola juntos. Sair do


carro de mãos dadas — ele disse firmemente como se já houvesse pensado
nisso diversas vezes enquanto eu dormia. — Vai ser algo natural. Se você
quiser, é claro. Eu sei que você prefere se distanciar de qualquer atenção
dentro da escola.

Afirmei com a cabeça, fechando a mão sobre seu quadril.

O quarto cheirava a ele, ao seu perfume, e as cortinas estavam fechadas. Eu


estava vestindo sua camiseta e meias, e tudo era tão Harry que eu me senti
seguro pela centésima vez ao seu lado. Aquele garoto me fazia propor
desafios a mim mesmo e cumpri-los. Superá-los. Porque eu queria que ele
tivesse o melhor, queria salvá-lo do mundo e de seus próprios medos.

— Como amigos? — eu perguntei.

Ele demorou para responder. — Não sei mais o que nós somos, Louis.

— Tudo bem.

A questão era: estava tudo bem. De verdade. Sem fingimentos. Só nós dois.

E eu estava pronto para segurar sua mão em frente a todo mundo dali a
poucos dias.
Chapter Sixteen
[Harry’s pov]

Eu estava ansioso.

Já era acostumado com essa sensação que me deteriorava e corroía cada


pequeno pedaço de mim todos os dias quando precisava me colocar em
frente aos outros jogadores do time ou enfrentar alguém. Mas a sensação
havia aumentado tanto nos últimos minutos que eu a sentia se transformando
no gosto de bile acumulado permanentemente no fundo da minha garganta.

Por isso, ao desligar o carro em frente à casa de Louis e mandar uma


mensagem a ele avisando que já estava ali, eu abaixei as janelas e, com as
mãos mais ou menos trêmulas, acendi um cigarro.

O primeiro trago foi apressado, carregado de uma ânsia catastrófica. A


segunda, o suficiente para começar a me acalmar. À altura da terceira, meu
coração ainda estava disparado dentro do peito, martelando contra a caixa
torácica dolorosamente, mas foi o suficiente para apagar toda a imagem
exterior. Eu parecia calmo e era o suficiente porque, assim, eu não deixaria
Louis nervoso.

Eu não podia incomodá-lo mais do que já fazia desde que tive a coragem de
me aproximar, por isso eu precisava transparecer tranquilo. Por ele.

Porém, eu deixaria todos sabendo que eu era gay por mim. Precisava fazer
aquilo por mim mesmo, não podia ir embora ainda usando a máscara que
havia construído ao longo dos anos.

O álbum do Blackbear tocava baixo no rádio, apenas um fundo servindo


como meio de distração, e eu virei o rosto a tempo de ver Louis abrindo a
porta de casa e ajeitando a alça da mochila cinza sobre o ombro.

Ele usava um suéter. Era bege, parecia confortável e macio, e já tendo noção
da sua sensibilidade maior ao frio, eu sabia que havia mais duas outras
blusas por baixo.
Soltou um sorriso pequeno ao me ver, mas logo tentou disfarçá-lo ao abaixar
a cabeça enquanto dava passos cuidadosos na calçada coberta de neve ainda
no processo de derretimento. Ele era assim... tão macio quanto o tecido do
suéter e, ao mesmo tempo, tão quente quanto o sol que Londres não via
havia um longo tempo. Louis tinha a capacidade única de fazer olhares
durarem três ou quatro segundos a mais sob ele e ser totalmente alheio a
isso.

Ele merecia muito mais. Merecia alguém que o amasse para sempre, que
prometesse a eternidade mesmo sabendo que talvez não durasse tanto assim.
Eu não o merecia. Ele era demais para mim e eu estava me sobrecarregando
cada vez mais com o calor que ele espalhava pelo meu corpo inteiro porque
era a única temperatura capaz de me fazer sentir menos congelado.

Louis era meu verão adolescente em todos os sentidos: quente, novo e, assim
como tudo o que é perfeito de forma particular, rápido.

— Boa escolha de música, Meno.

Ele não sabia o que fazia comigo quando me chamava daquilo.

Eu sorri e aceitei de bom grado o beijo delicado na minha bochecha quando


Lou se inclinou sobre o console. Seus lábios estavam quentes,
provavelmente do chá que tomava todos os dias pela manhã, e ele cheirava
à...

suéter. Aquele que você deixa no fundo do guarda-roupa e, mesmo assim,


mantém o mesmo cheiro de casa.

— Você diria que combina com a gente?

Louis sorriu, encostando-se ao banco para passar o cinto sobre o peito. Eu


dei um último trago enquanto o esperava responder.

A música do Blackbear chamava-se Just Friends? O

trecho principal era: "se você não puder ficar, então eu te levarei para casa.
Se você mudar de ideia, nós poderemos ser mais que amigos essa noite." E...
porra. Hávia três noites, na minha cama, que nós havíamos sido bem mais
que amigos. Às vezes parecia que eu ainda era capaz de senti-lo na minha
língua, no meu colo, abraçando as coxas grossas nos meus quadris e gozando
com um gemido alto que reverberou na minha cabeça mesmo minutos após
ele cair no sono.

— Eu diria que combina com uma certa noite — respondeu a mesma coisa
que eu estava pensando. — Não com a gente. Somos indefinidos.

Yeah, éramos.

Eu amassei o cigarro no cinzeiro embutido ao painel e fechei a janela,


finalmente dando partida no carro. Senti sua mão na minha coxa segundos
depois. Eu tinha esse costume para sempre passar segurança a ele, e algo me
dizia que Louis estava sentindo que, naquele dia, quem precisava de
segurança era eu.

— Está pronto?

— Eu estou mais nervoso para a prova de Francês hoje do que para o que
estamos prestes a fazer. E você sabe que pode mudar de ideia a qualquer
segundo, né?

— Hum, — concordou baixinho. Pelo canto da visão, assisti-o tirar uma


mecha da franja dos olhos. — mas não vou.

— Você trouxe o que eu te falei?

Abriu a mochila e pegou meu casaco do time que, na verdade, pertencia


mais a ele. Eu tinha certeza de que já tinha seu cheiro impregnado em cada
fibra do tecido.

— Você quer que eu devolva, não é? — disse baixo. — Já está há muito


tempo comigo mesmo e–

— Não, não. Quero que você vista quando sairmos do carro. Se for para
fazer da forma mais clichê possível, vamos fazer apropriadamente.

— Sério?
Parei no sinaleiro e balancei a cabeça. O céu continuava escuro, mas ao
menos a intensidade da nevasca havia diminuído. Olhei-o todo encolhido no
banco e encostado à porta apesar da restrição do cinto de segurança. Liguei o
aquecedor geral e o dos bancos, e me perguntei se suas mãos estavam
extremamente geladas como ficavam até mesmo em dias mais ou menos
ensolarados.

— Não estou pronto para ir para Nova York — disse baixo, enrolando o
dedo na barra do suéter. — Não quero revê-

lo, sabe?

— Já pensou na minha proposta?

Que era: se ele quisesse, eu iria para Nova York junto. Se ele preferisse não
ver Mark, nós ficaríamos em algum hotel. Tudo para deixá-lo bem estando
na mesma cidade que alguém que o deixava desconfortável mesmo sendo do
próprio sangue.

Porra... eu estava me intrometendo demais.

— Não quero que você também perca os dias de escola.

Ri baixo, batendo os dedos no volante. Não era como se a escola importasse


mais. Na verdade, só ia por sua causa.

Louis entendeu o motivo da minha risada e abaixou a

cabeça, não achando tanta graça assim. Retirou a mão da minha coxa para
juntá-la à outra sua, entrelaçando os dedos pequenos que deveriam estar
cobertos por luvas.

— Eu quero que você vá comigo — disse com cuidado, virando a cabeça


para olhar os carros passando do outro lado da janela. — Será mais fácil de
aguentar.

Acenei a cabeça e permaneci em silêncio até mesmo quando passei pelos


portões do estacionamento da Wye Hill. Louis começou a vestir o casaco por
cima do suéter e a forma que os cabelos na base da sua nuca ficaram
bagunçados por causa da gola erguida lembrou-me de que ele estava
deixando o cabelo crescer, assim como eu. Por minha causa. Tive de
pressionar os lábios juntos para não sorrir em um momento em que deveria
estar sério.

Às vezes, era bom sentir como se eu fosse digno de provocar alguma


mudança na vida dele. No bom sentido, não no mau... como fazia o tempo
inteiro.

Estacionei o Audi no lugar usual, virei a chave e, lentamente, soltei as mãos


do volante para que pudesse me encostar ao banco. Olhei Louis e ele me
olhou, oferecendo-me um sorriso pequeno.

— Acho que é agora.

Concordei. Eu queria adiar, precisava de alguns minutos a mais... de uma


calmaria a mais. Não podia ficar nervoso em frente a ele, não podia agitá-lo.
Louis já estava fazendo demais, não queria que tivesse que se preocupar com
uma crise minha.

Inspirei fundo. Peguei sua mão entre as minhas e encontrei seus olhos. Tão
puros, calmos e dispostos. Ele era corajoso demais e isso me deixava
impressionado em todas as vezes.

— Você sabia que alguns historiadores afirmam que Michelangelo era gay?
— perguntei, percorrendo o polegar pelos nós dos seus dedos, a pele
delicada esticada sobre os ossos.

Louis negou, franzindo as sobrancelhas. Aproveitou para entrelaçar nossos


dedos após soltar o cinto e, então, virou-se no banco para que pudesse me
encarar diretamente.

— Obviamente, não era assumido — expliquei de acordo com o que


Johannah havia me contado após ouvi-lo me chamando de Michelangelo em
uma certa noite quando Louis nos deixou sozinhos para ir ao banheiro. —
Alguns dizem que ele escrevia sonetos de amor para o garoto, que se
chamava Tommaso.

— Como chegaram a essa conclusão? — perguntou baixo.


Encolhi os ombros. — Boa pergunta. A teoria diz que Michelangelo pintava
o rosto de Tommaso em obras divinas. Mas... não é confirmado.

— Wow, — tirou a franja do rosto, fazendo biquinho. Ele provavelmente


nem percebia que fazia aquilo quando estava pensando. — Esse
Michelangelo aqui não vai mais amar em segredo.

Sorri.

Mentalmente, eu já pintava o rosto dele nas coisas que eram sagradas para
mim.

— Quer um beijo? — perguntou de forma meio hesitante.

— Se você quiser, pode me chamar de Tommaso e fingir que queria dizer


Tommo.

Suas mãos vieram para o meu pescoço quando acenei com a cabeça,
aproximando nossos rostos. Ele virou por um segundo, encostando os lábios
à minha bochecha e rindo baixinho contra ela.

— Isso é destino — brinquei, deslizando o polegar pela linha delicada do seu


maxilar. — Tommaso e Michelangelo do século XXI. E ao invés de pintar
quadros, eu tiro foto da maior obra-prima.

Eu o beijei e seus dedos gelados deslizaram para dentro da gola da jaqueta


que eu estava usando, acariciando a pele enquanto separava os lábios e
parecia se render aos movimentos pequenos da minha boca. Eu queria ficar
ali para sempre, envolto pelo seu cheiro de suéter e perdido entre o rastro do
gosto de chá na sua saliva, mas eventualmente, tivemos que nos separar.

E tivemos que sair do carro.

Ninguém nos olhou enquanto Louis passava a alça por cima do ombro e
ajeitava o casaco em volta do corpo pequeno e esguio. Ele olhou no reflexo
da janela para arrumar a franja e, ao terminar, me deu um sorriso pequeno.
Correspondi. Em um momento de distração dele, olhei para baixo e respirei
fundo, fechando os olhos por um instante.
Anna sabia. Minha mãe já havia flagrado um amigo e eu nos beijando
quando eu ainda estava na sétima série.

Éramos crianças, sem noção alguma, porém eu sabia que garotos era a coisa
certa para mim. Eu sabia que os lábios macios das garotas e os corpos
femininos não me faziam sentir como se o chão abaixo de mim estivesse
rompendo.

Ela conversou comigo e me manteve apertado ao seu corpo quando eu chorei


e confessei que mudaria se pudesse. Eu disse a ela que queria ser capaz de
gostar de garotas e ela me disse que "não há nada errado com você, Harry" .

Desmond, por outro lado, me deu um lábio cortado ao bater a mão na minha
bochecha com a maior força que pôde, fazendo o anel de casamento
provocar a sensação de ardência pelo meu rosto, quando eu disse a ele que
não me sentia bem com garotas. A partir daí, aprendi que era melhor seguir
as regras.

Era algo grande. Parecia monumental. Mas quando Louis parou ao meu lado,
olhando rapidamente para cima para se certificar de que não queria desistir,
lembrei-me de que a opinião de todas aquelas pessoas não me influenciavam
em nada. Eu só precisava tirar a carga dos ombros.

— Como vai ser? — Louis ergueu as sobrancelhas. — A gente dá as mãos


ou– oh! — sua palavra foi cortada pelo meio quando, de um segundo para o
outro, passei o braço em volta da sua cintura e fechei a mão em seu quadril.

Dessa forma, ele teve que me abraçar de lado e praticamente ficar agarrado a
mim para poder andar certo.

— Ok, vai ser assim.

Mas primeiro, ele colocou a mão em cima da minha, que estava no seu
quadril, e entrelaçou nossos dedos.

— Pronto — sussurrou e balançou levemente a cabeça antes de olhar à


frente, determinado.
Louis deu o primeiro passo e eu o acompanhei, e só então notei o silêncio
recaindo como um manto mórbido sobre a cabeça de todo mundo quando
notaram que o capitão e quarterback dos Wild Wolves estava com a mão na
cintura do garoto silencioso que permanecia no fundo da sala; o qual usava o
casaco do time como uma armadura. Todos deixaram de lado suas tarefas,
todos pararam de conversar e o estacionamento parecia mais a sala de
detenção devido ao ruído mínimo. Parecia ensurdecedor para mim.

— Estou me sentindo a Bella Swan — Louis sussurrou, apoiando levemente


a cabeça no meu peito. — Edward, você vai impedir um carro de me
atropelar?

— Amor, o máximo que eu posso fazer é pagar o quarto de hospital com


meu plano de saúde.

Louis riu. Alto. Atraiu a atenção e me distraiu, em compensação, com o som


doce e puro. Apertei mais seu quadril e ele se acomodou, enfiando o braço
por baixo da minha jaqueta para que pudesse me segurar firmemente.

— Você vai me dar gelatina na boca? E beijinhos?

— Beijinhos? — repeti, obrigando-me a continuar. — Não me contento com


o diminutivo dos seus beijos, Louis.

Ele sorriu ao olhar para cima, estreitando os olhos azuis e me fazendo


admirar, pela décima vez só naquela manhã, os cílios longos e claros.

— Beijões? Beijo grandão?

Eu me inclinei e juntei nossos lábios. Foi rápido e leve, somente um toque,


mas foi o suficiente para que todos vissem.

— Muitos — eu disse, deixando um último beijo na ponta do nariz dele.

O corredor principal foi ainda mais estranho. Louis tinha aula de História e
eu o levei até a classe, tentando não olhar para os lados e me deparar com
alguma expressão de nojo escancarada no rosto de um dos alunos. Paramos à
porta, quase todos já estavam lá dentro, e Louis ficou na ponta dos pés para
que pudesse me abraçar. Seus braços em volta do meu pescoço e seu rosto
afundado na curva do meu ombro.

— Obrigado, Lou — sussurrei, deslizando as mãos para os seus quadris. —


Obrigado.

— Não agradeça. Tudo bem. Estou orgulhoso de você...

sua nadadeira não tem defeito algum, ok? Me deseje sorte na prova.

Desejei. Ele me deu um último beijo na bochecha e adentrou

a classe,

deixando-me parado ali.

Os

pensamentos vieram como uma explosão, arremessando para longe cada


parte da fachada lúcida e compenetrada que eu havia construído perto de
Louis. Engoli em seco e me apoiei por um instante contra a parede, meu
peito

pesado. Conversas apareciam vez ou outra, mas o corredor estava mais


silencioso do que já esteve em todos os anos em que eu andei por ali todos
os dias.

— Vem, H — uma mão envolveu meu antebraço e eu ouvi a voz de Liam


perto do meu ouvido. A suavidade usual parecia ainda mais realçada, como
se ele estivesse falando com um bebê. — Vamos para o campo, yeah?

Está tudo bem, você é muito corajoso.

Neguei com a cabeça, discordando, mas me desencostei da parede da mesma


forma para respirar fundo e endireitar a postura. Liam me observava
atentamente, disposto a notar qualquer mudança na minha expressão, mas eu
já era excelente em esconder a tradução das emoções através das feições.
Então, eu o segui através do corredor.
Sua mão permanecia no meu quadril e o meu braço permanecia sobre seus
ombros, e embora a maioria dos alunos virasse o rosto para me encarar
daquela forma que gritava "você não pode ser gay", eu continuei andando
até passar pelas portas e sair em direção ao campo.

As cheerleaders estavam treinando e nenhum jogador estava por perto. Vi


Candice sentada na arquibancada observando Julie com atenção enquanto
fumava, os cabelos loiros escondendo a lateral do rosto e não me deixando
saber antecipadamente sua reação. Liam e eu fomos até lá e escalamos os
degraus até nos sentarmos ao lado dela. Peguei meu próprio maço de
cigarros. Acendi e dei um trago.

— Como foi com os pais de Julie? — perguntei, incapaz de esconder a


curiosidade ou o medo de que eles tivessem feito algo à ela.

— Melhor do que esperávamos.

— E quando você diz isso, significa que... — tentei extrair algo a mais, mas
ela não respondeu. Ao invés, disse:

— Você precisava ver o rosto dele de outra perspectiva —

os olhos permaneciam na namorada, que parecia alheia à nossa conversa


enquanto ditava comandos sobre os movimentos ensaiados.

Eu não respondi. Liam, porém, o fez.

— Quem?

— Louis — praticamente sussurrou, apoiando os cotovelos nas coxas e


tragando por longos segundos. — O garoto parecia estar na porra de um
parque de diversões. Ele estava feliz por você, Harry — dessa vez, ela me
olhou. —

Ele fez isso por você. Não por ele, não pelo orgulho gay ou qualquer porra
assim, mas por você.

Abaixei a cabeça porque não sabia o que responder. Eu estava com frio,
sentia meu corpo gelado mesmo por baixo da camada grossa do casaco. Por
isso, encolher as pernas e abraçar minhas próprias coxas pareceu o
movimento mais certo.

— Ele está fazendo tudo isso por você. Ele se importa...

por que você não vê isso? — ela perguntou como se fosse fácil. O tom
indignado fez sua voz quebrar. — Por que você não vê que ele se apaixonou
por você tão rápido

quanto está caindo na ilusão de que esses dias antes de você morrer vão ser
bons? Eles não vão, Harry.

Candice disse aquilo como se eu tivesse todas as minhas esperanças


depositadas em um garoto como Louis.

Internamente, ele possuía dimensões imensuráveis, era composto de


milhares de galáxias, e as estrelas pareciam meros pontos diante de seus
olhos. Só que ele não era meu ponto de salvação; a questão não era uma
pessoa, um amor. A questão era...

Eu só não merecia. Sabia que Anna era meu fio tênue mantendo-me fixo a
terra, e esse fio havia se rompido no instante em que Desmond me disse que
ela estava morta.

E que os meus amigos não se importavam, que ele não se importava e que
Gemma preferia nunca mais voltar a Londres para não me ver. Sabia que
tudo seria melhor, que as coisas iriam se acertar, que eu deixaria de ser um
peso. Eu não ansiava pelo dia em que tudo melhoraria; ansiava pelo dia em
que tudo acabaria. Essa era a diferença.

Louis era meu meio de alcançar o céu enquanto respirasse. Por outro lado,
eu sabia que acabaria no inferno uma hora ou outra.

E eu não via a hora.

— Eu preciso ir — disse a eles, descendo da arquibancada. — Não quero


ninguém atrás de mim Fui para o carro. O estacionamento estava vazio,
minha respiração estava falhada e o frio era insuportável. Fechei os olhos e
busquei algum traço do perfume de Louis no
interior; não havia nada. Estava sozinho novamente.

Nunca havia deixado de estar.

Tirei a jaqueta e enfiei a mão por baixo da camiseta, fechando os olhos. Você
também matou ela aos poucos enquanto escondia isso, Harry. Meus dedos
estavam congelados conforme raspavam nas cicatrizes dos arranhões. Não

quero

mais

te

ver,

você

sabe

disso. Enquanto com uma mão apertava minha coxa, tentando não tremer
tanto, a outra abria novos arranhões no meu peito. Silêncio. As batidas do
meu coração e minha cabeça gritando o tempo inteiro, um constante
turbilhão, milhares de coisas rodando e rodando e rodando.

I was looking for a breath of life, a little touch of heavenly light, but all the
choirs in my head sang ''no'

Olhei para o teto solar. Engoli em seco e continuei até que meu maxilar
estivesse trêmulo, até que as nuvens cinzas acima de mim fossem se
tornando mais claras. Até que sentisse o fio ligeiramente quente de sangue
embaixo das unhas e a calma tornando-se mais maleável, tangível. O

telefone estava tocando. A música vinha dali. Na tela, o nome de Gemma


piscava e eu franzi as sobrancelhas, pegando-o o mais rápido que pude. Meu
peito estava ardendo, tomado pela sensação entorpecente, mas minha irmã
estava me ligando. Talvez ela quisesse conversar.

Talvez quisesse me perguntar como eu estava e talvez...


Talvez ela estivesse ligando para dizer que viria me ver.

To get a dream of life again, a little vision of the sight at the end, but all the
choirs in my head sang "no"

Atendi, ansioso.

— Gemma–

— Você quer arruinar a família de uma vez, não quer? — a voz gelada
cortou a linha como uma lâmina. O tom era distante. — Não sabe fazer uma
coisa certa, Harry?! Não está satisfeito por ter ajudado a piorar o caso da
minha mãe?

Fiquei em silêncio, piscando para o pátio vazio em minha frente. Eu queria


implorar a ela para não continuar antes mesmo que houvesse começando,
mas talvez ela parasse se eu ficasse quieto. Ela não gostava da minha voz e
eu não queria piorar sua irritação.

— O diretor da Wye Hill me ligou e contou o show que você deu com um
garoto. Uma bichinha, Harry — cuspiu a palavra. — Isso é o que você vai
ser chamado durante toda a vida. Isso é o que você é. Deus... que vergonha.

Faz ideia do quão humilhante é isso?

Olhei para minha mão, piscando e sentindo a ardência tomar conta da parte
de trás dos meus olhos. Eu não queria chorar, mas minha garganta já estava
apertada.

— Eu...

— Cale a boca. Sua voz me irrita e você nem sequer consegue falar rápido,
isso é um saco! — ela pareceu tomar um longo fôlego antes de falar as
últimas palavras.

— Para de me mandar mensagens como se eu quisesse saber como foi seu


dia ou qualquer merda do tipo. Eu não quero saber da sua vida, não quero
suas desculpas.
Qualquer coisa que vem de você me dá nojo,

entendeu? Para. E tenta eliminar esses boatos sobre você gostar de garotos...
não quero que as pessoas pensem que sou irmã de uma pessoa como você.

Ela desligou e me deixou, como da última vez, acompanhado unicamente do


meu fôlego pesado.

Não sei por quanto tempo fiquei ali.

— Então você gosta de pênis?

Olhei para Clifford, que parecia legitimamente curioso, embora invasivo.


Era o horário do almoço. Louis ainda não havia saído e o pessoal do time
ainda não havia me expulsado da mesa. Eu sabia que era uma questão de
tempo.

— Eu gosto de garotos, Mike — expliquei pacientemente, embora ainda


houvesse pontadas ocasionais nas minhas têmporas e o rastro forte das
lágrimas nos meus olhos. —

O resto é... resto.

— Mas você ainda vai às festas?

— Hum...

Ele me olhou estranho. Balancei a cabeça e voltei a comer, afastando os


pedaços de cenoura com a ponta do garfo.

— Eu não tenho problema algum com isso, Harry —

Beales disse e sorriu pra mim antes de morder a maçã em sua mão. Estava
sentado na mesa e, quando ele falou e expressou sua opinião, todos ficaram
em silêncio. — Meu irmão é gay e eu odiaria que as pessoas o tratassem mal
por causa disso na escola. Então... a menos que você nos faça perder algum
jogo de propósito, não tenho motivo algum para te odiar. E espero que
ninguém aqui faça isso!

— disse a última parte um pouco mais alto para que todos em volta da mesa
ouvissem.

Os mesmos jogadores que babavam por Louis ficaram em silêncio; entre


eles, Crawford, apesar de ele também sair com garotos, Outros, a maioria, na
verdade, sorriram para mim e levantaram o punho para que eu batesse a mão
nas deles. Cinco minutos depois, as coisas voltaram ao normal, todos
comendo como se fosse o último dia de suas vidas, e eu até ouvi Azoff,
halfback, falando algo sobre assar rainbow cupcakes.

Sorri. E quando Louis adentrou o refeitório, praticamente nadando dentro do


meu casaco, ao lado de Zayn e com uma expressão risonha no rosto, eu me
deixei esquecer de Gemma por um segundo.

Louis estava irritado por estar sendo obrigado a ir para NY.

Dias depois, sentado na poltrona confortável da área de espera da primeira


classe, parecia um gatinho irritado com a franja caindo em frente aos olhos e
os braços cruzados em frente ao peito. Charlotte mexia no celular, os dois
não estavam conversando e eu me sentia como um nêutron entre eles,
tentando estabilizar o núcleo e impedir a repulsão.

Até que Louis abriu a boca.

— Você sabia que Lottie tem prisão de ventre? —

perguntou para mim.

Pressionei os lábios. Não sabia o que falar.

Charlotte rebateu: — Ao menos as coisas somente saem da minha bunda ao


invés de entrarem.
Olhei incrédulo para ela, mas Louis estava determinado a vencer a briga ou o
que quer que fosse aquilo.

— Quem disse que sai alguma coisa? Você tem prisão de ventre!

Me levantei com a leve sensação de que meu rosto estava pegando fogo. Bati
as mãos nos bolsos do jeans e olhei rapidamente a tela acima de nossas
cabeças para me certificar de que o embarque somente começaria dali a
quinze minutos.

— Vou comprar café. Alguém quer alguma coisa?

Lou me encarou e esfregou os olhos com as mãos, negando com a cabeça.


Charlotte também negou. Cinco segundos depois, a briga recomeçou e eu
escapei dali.

O aeroporto estava lotado de pessoas, mas ao mesmo tempo, também parecia


inabitado. O clique constante dos saltos, as vozes abafadas falando ao celular
e as mães e pais esquecendo-se dos filhos emburrados e sentados nas
cadeiras geladas me faziam lembrar de como tudo era superficial e,
geralmente, apressado.

Não era diferente na fila do Starbucks.

Pedi dois Mochas, para Louis e a irmã, e chá verde para mim. Na fila para
pagar, a garota no caixa ergueu os olhos

e eu a reconheci no mesmo instante; apesar do fato de que as memórias


daquela noite estavam um pouco borradas.

— Eu pensei que nunca mais o veria, cara.

Joan. A garota que eu havia conhecido em um pub, que me lembrava Louis e


que falava alto sobre orgasmos e pênis.

— Digo o mesmo — entreguei o dinheiro. Percebi que ela estava demorando


a contar o troco de propósito. — Hum...

me desculpa por aquela noite.


— Tudo ok. Seu primo conversou comigo — ainda de cabeça baixa, sorriu
de lado.

— Nós dois sabemos que ele não é meu primo.

Inclinou-se sobre o balcão para sussurrar, aproveitando que não havia


alguém atrás de mim:

— Nós dois sabemos que vocês se chupam.

Me entregou o troco.

— Não é assim.

— Relaxa, Harry — ela encaminhou o pedido e eu me afastei para o lado pra


esperar. — Não tenho tempo para cuidar da vida dos outros. Estou mais
preocupada com a faculdade.

— O que você faz?

— Biomedicina — parecia encantada com o curso. Sabia que não deveria,


mas eu sentia inveja das pessoas que sentiam amor pelo que faziam, que
haviam encontrado um

objetivo para seguir. — Estou no último ano e meu projeto é criar


substâncias para outras reações que são, a princípio, irreversíveis. Eu ando
morta, vou para faculdade morta, durmo morta...

Balancei a cabeça. Ela falava demais e não percebia, mas a deixei fazê-lo.
Sabia quão insensível era interromper a fala de alguém porque Des fazia isso
comigo na tentativa de me fazer falar mais rápido.

Me despedi, acenando com a mão ao pegar os cafés e desejando boa sorte


com o projeto. Louis sorriu pequeno para mim quando entreguei seu café e
Lottie murmurou um

obrigada,

parecendo
ter

cessado

briga

temporariamente. Levei como uma vantagem.

No avião, apesar de estarmos em poltronas diferentes, Lou veio para a minha


e, enquanto se acomodava no espaço apertado, sussurrou que a primeira
classe tinha suas vantagens. Reclinou a poltrona e se deitou, puxando o
cobertor, que a companhia aérea oferecia, para cima dos nossos corpos. O
sol ainda estava sobre as nuvens quando o avião estabilizou no ar e Louis
dormiu, agarrado ao meu corpo, com o punho fechado no tecido da minha
camiseta e os pés cobertos por meias entre minhas pernas para que eu
pudesse esquentá-los. Em todas as vezes, ele fazia isso quando dormia: se
enrolava em mim como se não quisesse me deixar ir.

Charlotte estava dormindo também, então me aproveitei da vantagem da


privacidade de cada cabine individual e me abaixei, beijando o nariz dele.
Depois as bochechas vermelhas, o queixo angulado para cima e o lábio
superior

fino. Queria me lembrar de seus detalhes, queria que ele nunca tivesse me
conhecido. Queria ser capaz de me esquecer da primeira vez que eu o vi,
queria recordar cada palavra sua até o último segundo.

Eu não sabia como afastá-lo ou como mantê-lo longe da catástrofe que eu


era. Louis dizia que aguentaria, eu sabia que era mentira; e eu era egoísta
porque gostava da minha pequena parte que ainda batia energicamente a
cada vez que eu me lembrava de que o teria até que meus sentidos fossem
sendo apagados, até que meu coração fosse desvanecido.

Curvado contra ele, eu me permiti apertá-lo, perdido entre o caos em que


havia me metido.

•••
Havia um carro nos esperando no aeroporto JFK em Nova York.

Era uma BMW. Louis torceu o nariz enquanto ligava para Jay e depois,
Malik, para que os deixasse sabendo que estávamos bem. Também mandou
mensagens a Niall e Angelina, que ainda estavam em casa; já que eu não o
faria. O carro era grande e o motorista, silencioso e educado. Charlotte
permanecia com o rosto grudado à janela, encarando, encantada, os prédios e
construções restauradas e os restaurantes apertados entre vários comércios.
Louis, por outro lado, contentou-se em segurar minha mão e deitar a cabeça
no meu ombro.

Olhei para fora ao ajeitar sua beanie e minhas próprias luvas. Lembrei-me
das vezes em que Anna havia me

levado para Nova York durante os congressos de medicina. Eu adorava a


neve em dezembro, os dias que antecediam o Natal, e amava o fato de ela
sempre pedir chocolate quente nos quartos de hotéis, reservando um tempo
para mim. Era o nosso mundo, particular e seguro, e ela me dizia que as
luzes nas ruas brilhavam porque eu estava na cidade.

Não foi surpresa quando o carro estacionou na Quinta Avenida. Pessoas


continuavam passando apressadas na calçada, entrando nas lojas caras ou
tirando fotos, e eu olhei em volta rapidamente, sabendo que dentro de
alguma cobertura também naquele lugar, estava o meu pai. O motorista
pegou a mala de Charlotte no porta-malas e ela levou a própria mochila.
Peguei minha bolsa e a mala de Louis, sentindo-me um intruso e um peso
cada vez mais por estar em um lugar em que não deveria.

Adentramos o saguão embasado em mármore, vidro e muita claridade, e o


motorista começou a nos levar diretamente até o corredor dos elevadores.

— Isso é tão estranho — Lou sussurrou ao pegar minha mão para entrelaçar
nossos dedos. Algumas mulheres sentadas nas poltronas espalhadas pelo
ambiente amplo ergueram a cabeça e ele franziu as sobrancelhas para elas.
— Você está se sentindo incomodado?

O tempo inteiro.
— Não, tudo bem. Estou em silêncio porque estou rezando para que seu pai
não me expulse.

Senti seu polegar acariciar o nós dos meus dedos.

— Ele não seria louco. Eu iria embora junto com você e nós dois
invadiríamos o Empire State Building para dormir lá.

Entramos no elevador. O motorista apertou o número dezoito e as portas


douradas se fecharam em nossa frente. Vi quando Louis, com a outra mão,
segurou suavemente o pulso da irmã para acalmá-la.

— Você sabe que eu posso ficar em um hotel caso esteja incomodando, né?
— perguntei baixo. — Eu posso, e–

Ele soltou minha mão para colocar a sua em minha bochecha. Mesmo sendo
alguns centímetros mais baixo, olhou diretamente nos meus olhos e eu nem
precisei olhar para baixo pra saber que estava na ponta dos pés.

— Meno, eu quero você aqui. Eu pedi para você vir, eu pedi para você estar
comigo. Não está incomodando, está me apoiando, ok?

Algo me dizia que era mentira, mas afirmei com a cabeça e me esforcei para
soltar um sorriso.

— Ok.

Mark e a outra irmã de Louis estavam os esperando às portas duplas. O


prédio possuía um apartamento por andar, e todos os detalhes me lembravam
da arquitetura francesa e das mansões em Paris. Encarei os moldes em gesso
contornando os rodapés do teto enquanto Charlotte abraçava a garota alta
com cabelos escuros e um sorriso animado. Louis não encostou em Mark e
preferiu dizer oi a alguns centímetros de distância, fazendo o mesmo com –

descobri o nome dela por causa das falas empolgadas de

Charlotte – Felicite. Eu me apresentei como O Amigo, tentando não vacilar


por causa dos olhares sob mim; mas todo mundo ali sabia que Louis e eu
éramos mais do que isso. Mark, no entanto, carregando uma barriga saliente
por baixo da camisa de linho e óculos de armações finas na ponta do nariz,
somente sorriu e apertou minha mão.

Na sala de estar, os sofás em cores claras e as cortinas azul-turquesa nas


janelas amplas revelando o horizonte de Nova York davam uma sensação de
comodidade ao lugar inteiro. Até mesmo o cheiro de café parecia somente
acrescentar ao conjunto – mas Louis não estava tão confortável assim, a
julgar pela forma que colou à lateral do meu corpo. Apesar da tensão, porém,
eu senti que Louis era desejado ali. Mark o queria, provavelmente se
arrependia. Eu não conhecia o sentimento.

— Vocês devem estar cansados, — Felicite disse quando o silêncio já havia


sido estabelecido sobre a sala. — Os quartos ficam no corredor, vou mostrar
para vocês. Podem ir à cozinha a hora que quiserem para comer. E, hum...

hoje terá um jantar aqui em casa. Queríamos adiar, mas...

Mark pega daí. — Meus sócios não me deram outra opção. Deus... Estou tão
feliz por estarem aqui.

— Tudo bem — Louis disse, a voz frágil. — Sabemos como seu trabalho é
importante. Felicite, você pode mostrar o quarto? Se não for incômodo.

Ela balançou a cabeça afirmativamente e sorriu pequeno antes de olhar para


o pai e se afastar. Pegamos nossas coisas e fomos guiados através de uma
sala menor até um longo corredor que dava em um conjunto de portas
duplas,

provavelmente levando à sacada. O primeiro quarto era o de Louis, e ele me


puxou para dentro rapidamente antes de agradecer Felicite e fechar a porta.
Eu não sabia se Mark queria que a gente dormisse no mesmo quarto, mas...
não importava.

Largou as malas no chão e veio para cima de mim no mesmo instante,


abraçando-me forte e respirando pesado contra minha blusa. Ele estava
tremendo, os braços em torno da minha cintura e os dedos pressionando a
base da minha coluna. Também larguei as malas e o abracei de volta.
— Eles falam como se fôssemos hóspedes. E eu sei que isso é tudo o que eu
sou, mas ainda sim é ridículo. É

ridículo, porra — grunhiu abafado. — Quero nunca mais sair desse quarto.
Quero não ter que olhar para a cara deles. Queria não ter vindo.

— Vamos fazer isso, então — sussurrei contra seus cabelos, andando para
trás até que a parte de trás dos seus joelhos alcançasse a beira da cama
gigante. Ele se sentou no colchão e tirou a beanie, olhando-me com o lábio
inferior entre os dentes. — Escapamos de madrugada para pegar comida e
voltamos para cá.

Ele riu. Ajoelhei-me em sua frente e tirei seus tênis, fazendo o mesmo com
minhas botas. Louis acompanhou com o olhar quando acendi a luz do abajur,
já que as cortinas estavam fechadas e o quarto estava escuro. Em seguida,
tirei meu próprio casaco e ele ergueu os braços para que eu também tirasse
seu moletom cinza.

— Você não me odeia por eu ter te arrastado para essa bagunça, né? —
murmurou, brincando com os dedos sobre as coxas.

— Eu é quem deveria estar te perguntando isso — sentei-me ao seu lado e


encarei as paredes beges e o tapete branco sob nossos pés. Suas meias eram
coloridas. As minhas, brancas. — Eu nunca poderia te odiar.

Louis virou a cabeça. Olhou para a minha boca e para os meus olhos duas
vezes até que finalmente se inclinasse à frente, beijando-me com cuidado.
Segurei seu rosto, acariciando a linha do maxilar com o polegar e separando
os lábios para que ele pudesse aprofundar o beijo. Segui os movimentos da
sua língua e me permiti relaxar sob o toque cuidadoso das mãos que pararam
nos meus braços.

— Obrigado — sussurrou, encostando nossas testas.

Permaneci com os olhos fechados, recebendo os beijinhos que ele


intercalava entre cada sílaba. — Eu aceito dormir no Empire State Building
com você.
Abri os olhos. Me deparei com um azul imenso, intenso e surreal. Louis era
lindo.

Ao invés de responder, beijei-o novamente.

Acordei perto das oito da noite.

E sinceramente, nunca deveria tê-lo feito.

Louis estava deitado ao meu lado e mexendo no celular sob a coberta com
apenas os olhos de fora. Suas pernas estavam jogadas sobre minhas coxas e,
para não assustá-

lo, soltei um resmungo baixo antes de fechar os dedos em volta do seu


tornozelo esquerdo.

— Bom dia, princesa — ele disse baixo. A voz estava rouca e


provavelmente havia acabado de acordar, assim como eu. — Jet lag é um
saco.

Murmurei em concordância e me virei para abraçá-lo, enfiando o rosto na


curva entre seu ombro e pescoço e jogando o braço em torno da sua cintura.
Sua pele era tão quente e eu gostava do fato de que podia tocá-la, embora
ainda me sentisse culpado pela vez que eu o havia assustado e feito ele se
sentir mal.

Eu era o culpado por aquilo, mas preferia empurrar abaixo com meus outros
pensamentos porque era isso o que Louis fazia.

— Estou com fome — ele disse ao bloquear o celular para que eu não visse a
tela. Fiquei curioso, mas preferi respeitar sua privacidade. — Acho que
alguns amigos de Mark estão aqui, mas podemos desviar da sala e ir direto à
cozinha. Acho que tenho direito de ao menos comer, né?

— Humm.

— Está com fome também?


— Humm.

Riu baixinho, suave. Adorava quando ele ria assim. Ainda adoro.

— Você parece um gatinho.

Lambi seu pescoço, esforçando-me para imitar um ronrono enquanto


moldava meu corpo ao seu. Louis riu alto e se

encolheu, mas consegui ver que sua pele estava coberta por arrepios.

— Para, H... seu nariz está gelado, ele... — Louis riu mais alto quando
esfreguei o nariz de propósito nas suas clavículas, segurando seu quadril. —
Harry!

Ele saiu da cama, ainda gargalhando, e eu saí também, empurrando as


cobertas para o outro lado. Sua risada ecoou nas paredes e eu o segui, mas
ele abriu a porta e saiu correndo pelo corredor.

Permiti-me ser uma criança.

Corri atrás, seguindo-o em direção ao que supus ser a cozinha. Ele virou à
esquerda após me olhar e sorrir grande, e desapareceu de vista. Parei no
meio do caminho para recuperar o ar, sugando uma longa respiração. Meu
coração estava acelerado em poucos minutos e eu sabia o porquê. Continuei
a passos calmos.

Quando adentrei a cozinha, porém, foi como se o ambiente em volta de nós


tivesse sido transformado em uma matéria densa e repleta de uma sensação
gélida. Porque Louis estava parado em frente a um homem e, mesmo sem
poder ver seu rosto, sabia que ele estava com aquela expressão aterrorizada
escurecendo os traços devido aos ombros encolhidos; da mesma forma que
ficaram quando eu o toquei de forma errada.

Olhei o homem. Era alto, esguio, de barba grisalha aparada e olhos


divertidos fixos em Louis. Pelo terno bem ajustado e a postura, eu sabia bem
que fazia parte da alta sociedade de Nova York. Ele era o tipo de homem que
Desmond convidaria para algum jantar, que provavelmente era sócio do pai
de Louis.

Por isso, aproximei-me e toquei o ombro de Lou com cuidado, ainda


mantendo os olhos no homem, que pareceu me notar só então. Encarou-me
de volta com um arquear curioso de sobrancelha. A voz, grossa e firme,
ecoou na cozinha.

— Que prazer revê-lo, Louis. Como você está? Cresceu...

Ignorei-o a favor de sussurrar para o meu Lou.

— Está tudo bem? Você quer...

Louis me olhou assustado, os olhos repletos de terror e brilhantes de


lágrimas. Ele me olhou como da última vez, como se eu tivesse feito uma
coisa abominável.

Chacoalhou os ombros para que minha mão caísse e deu um passo atrás,
batendo as costas no balcão atrás dele e me olhando com pavor.

Meu estômago contraiu.

Por instinto, dei um passo à frente querendo alcançá-lo e abraçá-lo, envolvê-


lo. Porém, seu sussurro quebrado foi mais doloroso que um grito afiado:

— Não me toca, por favor... não faz isso.

— Louis–

Ele saiu correndo, passando por mim. Pisquei para o meu próprio braço
estendido em direção ao vazio antes de erguer a cabeça. O homem ainda me
encarava, e agora, eu sabia que ele podia fazer parte das lembranças fodidas
que Louis havia me contado pouco sobre. Mas eu

não tinha tempo para ele... não naquele segundo, não quando Louis parecia
tão pequeno.
Saí da cozinha, embora meus punhos e o ódio cego implorassem para que eu
voltasse. Atravessei o corredor a tempo de ver Louis alcançando a porta e
fechando-a atrás de si com um baque seco. Quando cheguei até a porta, meu
coração subiu à garganta porque eu não conseguia ouvir um soluço. Um
choro. Um único ruido sequer.

— Lou... — chamei, encostando o ouvido à madeira.

Minhas mãos estavam tremendo, não conseguia bater. —

Louis, por favor... Lou?

Nada.

Devagar, centímetro por centímetro, deslizei de costas até me sentar no chão


gelado com as pernas encolhidas e as costas encostadas à porta. Estava frio,
eu estava sem meu casaco e, de alguma forma, não conseguia me importar
com isso. Não sei quantas vezes pedi baixo para ele abrir ou para ao menos
me dizer que estava ali, vivo. O que parecia uma inoportuna ironia.

Mas em certo ponto, minha garganta já estava fechada com lágrimas o


suficiente para que eu não conseguisse mais falar. Minha cabeça era um eco
repetitivo de esteja bem.

Por favor, esteja bem.


Chapter Seventeen
É escuro, denso e frio.

Meu fôlego falha a cada vez que meu coração, engatado em um ritmo
frenético, transmite a sensação de querer pular para fora da caixa torácica
e arrebentar com garras toda minha pele. Apesar da dor física, o medo é o
mais doloroso porque me faz quase incapaz de mover.

E, de repente, as mãos estão ali. Em mim. Puxando as calças de pijama


para baixo, mantendo-me quieto com a outra mão e usando a outra para
me tocar como se eu fosse um lixo, como se eu pertencesse a um toque tão
nojento. Ele está me olhando diretamente enquanto eu não consigo manter
o contato por vergonha e pelas lágrimas descendo sem parar.

E ele continua sussurrando.

"Por que você estava jogando videogame até essas horas? Oh, não... Mark
não ficaria feliz."

Seus dedos continuam a revirar toda minha pele. E só param quando


encontram a área sensível que me faz sentir ânsia quando tocada por ele.
Por alguém que eu deveria confiar.

"Ninguém precisa saber disso. Você não vai contar, hum?

Jay ficaria tão decepcionada... é sua culpa."

É sua culpa. Sua. Minha culpa.

Então, os dedos afundam e, por longos minutos, eu desejo que meu coração
pare de bater.

Despertei com um baque. Como quando você sonha que está caindo e, ao
atingir o chão, acorda. Estava chorando, sem fôlego, encolhido no tapete
macio e coberto por suor frio. Havia dormido no chão. Apesar das cortinas
fechadas, a escuridão tomando o quarto me dizia que ainda era madrugada.
Engoli em seco e minha garganta doeu, parecendo repleta de areia e
ferrugem. Sentei-me devagar e, em súbito, lembrei-me do motivo que havia
me levado até ali... no chão. Lembrei-me do rosto daquele homem que,
embora houvesse sido marcado pelos anos, ainda era o mesmo que aparecia
nos meus pesadelos.

Ele ainda era a mesma pessoa. O mesmo olhar amedrontador e sorriso


nojento, a mesma voz que sussurrou e me mandou ser uma boa garota, para
eu ficar parado, para não decepcionar minha família inteira.

Ali, sentado no chão e olhando as paredes, o pânico começou a subir pela


minha garganta novamente e eu tive de pressionar a palma das mãos nos
olhos, sugando

longas inspirações. Levantei-me, tropeçando nos próprios pés e procurando


cegamente por algo que pudesse me tirar daquilo por alguns segundos, que
pudesse ser minha morfina. A cama balançou sob meu peso quando me
acomodei na beira do colchão com os cotovelos apoiados nas coxas e as
têmporas explodindo de dor. Reprimi o início da ânsia. Se vomitasse, minha
garganta ficaria ainda mais acabada.

Lutava para afastar as lembranças e, enquanto isso, acabei me lembrando do


verde intenso me acompanhando quando saí da cozinha. Dos vestígios da
voz falhada atravessando a porta, dos pedidos, do tom rouco e preocupado
enquanto eu afundava no limbo amargo e me recusava a aceitar qualquer
coisa em volta de mim.

Lembrei-me do olhar magoado e confuso quando me afastei e recusei seu


toque. Lembrei-me de Harry.

Eu estava de pé no outro segundo, atravessando o quarto mesmo com a


tontura ameaçando emergir, e destranquei a porta, abrindo-a com cuidado
para me deparar com aquela cena. Era como se alguém estivesse apertando
meu coração entre o punho e torcendo até que não sobrasse mais nada a não
ser culpa por tê-lo deixado sozinho, mesmo quando não suportava nem o
meu próprio toque.
Harry estava apoiado no batente em uma posição que não deveria ser menos
que desconfortável, com as pernas encolhidas e a cabeça apoiada nos
próprios joelhos. O

vento no corredor era cortante e ele estava sem blusa, encolhido e com
arrepios por toda a pele descoberta.

Precisei morder o lábio inferior com força para não chamar a mim mesmo
de idiota.

Me abaixei devagar, ajoelhando-me no mármore frio, e ergui os dedos para


percorrê-los pelas bochechas dele ainda úmidas, assim como os cílios.
Harry caiu no sono chorando e o nó na minha garganta só ficou ainda mais
apertado.

— Meno? — sussurrei. Mas minha voz estava quebrada demais e eu


precisei tentar de novo. — Harry?

Não demorou mais que cinco segundos para que suas pálpebras
tremulassem. Ao longe, eu ainda ouvia conversas na sala de estar e na casa,
por isso eu sabia que ele ainda estava ali, o que foi o suficiente para fazer o
pânico retornar com força crescente, como uma onda que se arrasta em
direção à costa gradualmente.

Chamei seu nome uma última vez, dessa vez mais desesperado, e ele abriu
os olhos. No início, desfocados, e quando vieram parar em mim, pareciam
mais lúcidos que nunca. Ele se afastou de início, olhando-me cauteloso.

— Lou... fica longe — disse baixo, esfregando o olho rapidamente com a


mão. — Não quero que você se sinta mal. Eu estou bem, eu–

Neguei com a cabeça, incapaz de responder, e me levantei. Estendi a mão


pra ele. Olhou-me de soslaio, porém entrelaçou os dedos aos meus de
imediato quando balancei a cabeça para lhe transmitir confiança. Harry
também se levantou e me seguiu para dentro do quarto e, em seguida, até a
cama.
Deitamo-nos e eu fiz questão de puxar a coberta até seu pescoço antes de
deitar a cabeça no peitoral rígido. Ele estava parado, sem mover o braço ou
fazer um único movimento para me abraçar, e embora sentisse falta de seu
toque e uma parte de mim implorasse por ele, achei melhor assim.

— Me desculpa por ter te deixado lá fora — eu pedi, experimentando


fechar a mão na sua camiseta. Ele estava tão gelado, seu peito subia tão
devagar, mas os batimentos cardíacos contra meu ouvido eram acelerados.

— Não deveria ter feito isso.

— Tudo bem.

— Não... não está tudo bem.

— Está, sim — murmurou. Ergui a cabeça para encará-lo e ele me olhou de


volta, piscando devagar. Ergui a mão e acariciei sua bochecha com cuidado,
arrastando os dedos no lugar onde a covinha esquerda deveria estar. Harry
fechou os olhos, mas ainda não me tocou. — Eu fiquei preocupado.

Também fechei os olhos. Como se tivesse ossos de vidro, voltei a me deitar


devagar. Respirei fundo, tentando relacionar o possível toque com o cheiro
familiar de perfume e shampoo caro, o toque sem maldade com Harry. Meu
temporário, singular e delicado Harry.

— Por que nós somos tão ferrados? — eu não sabia se estava perguntando
aquilo para mim mesmo, para ele ou para as paredes. Não tinha muita noção
do que estava

pensando. — Por que não nos conhecemos antes? Por que tudo é do jeito
que... é?

Ele se manteve em silêncio.

— Tudo parece tão pesado, não parece? Eu não posso te impedir de ir


embora e você não pode evitar que eu tenha lembranças e traumas assim —
dedilhei suas costelas. Ele havia emagrecido e eu não sabia como me sentir
sobre isso porque sabia que era um efeito colateral. Assim como aquele
sentimento de insuficiência rasgando meu peito era um efeito colateral de
estar apaixonado. — E você aceitaria qualquer condição minha que fosse
nos afastar porque, no final, tudo isso não vai afetar uma sequer pessoa a
não ser eu. E horas atrás, enquanto você dormia, eu senti vontade de revirar
sua bolsa. Sabe pra quê?

Não recebi uma resposta.

— Para encontrar os comprimidos. Para jogá-los fora e fingir que eu


poderia mudar algo... só que não é como se essa decisão fosse minha. Não é
como se eu pudesse mudar dezenove anos da sua vida e não é como se você
pudesse consertar o que aconteceu comigo porque já foi.

E eu queria te dizer que sou capaz de tentar moldar o futuro de acordo com
o que poderia te fazer feliz, mas eu sou tão, tão fodido e eu sou tão
apaixonado por você e–

— Shh... — suas mãos geladas vieram pressionar minhas bochechas,


fazendo-me encará-lo diretamente ao notar que estava ficando sufocado. —
Respira, Lou, olha pra mim... devagar, isso...

Obedeci, concentrando-me em inspirar e expirar, olhando fundo no verde.


Somente nele, lembrando-me por um segundo que havia lido em algum
lugar que verde significava esperança, liberdade.

Olhando para ele, enquanto caía no sono, fui capaz de acreditar por um
segundo que éramos a pura esperança em sua própria essência de liberdade
ilusória.

Quando acordei novamente, era manhã, o quarto estava banhado na luz que
atravessava as grandes janelas por entre as pequenas brechas da cortina e
inundava o lençol que eu estava deitado embaixo. O travesseiro ao meu
lado estava gelado, porém, e bastou uma pequena erguida de cabeça para
ver Harry encostado a uma das paredes com as pernas encolhidas e os
cachos molhados, os olhos fixos no livro em seu colo.

Ele estava lendo, concentrado, e o cigarro entre seus dedos de alguma


forma não enchia o quarto com aquele cheiro irritante. Foi quando percebi
que era porque não estava aceso.

— Embora eu não goste de vê-lo fumando, acho que você deveria acender
antes — eu disse, minha voz rouca e arranhada por causa do choro
descontrolado na noite interior.

Devagar, ergueu a cabeça. Usava meias coloridas, as minhas... as mesmas


que ele zombava. Afastou um cacho da têmpora pálida com um movimento
suave.

— Eu estava com vontade de fumar, mas você estava dormindo e o cheiro


provavelmente te irritaria. E como eu

não queria te deixar para fazer algo tão estúpido quanto fumar, preferi ficar
só segurando.

Sorri, um impedimento rude tomando o lugar das palavras que queria dizer,
mas que não encontrava a coragem para fazê-lo. Harry correspondeu o
sorriso e abaixou as pernas, cruzando-as, ao invés. Consegui ver a capa do
livro. Era uma cópia velha e amassada de O Escafandro e a Borboleta, tão
pequena entre seus dedos longos.

— Vou tomar banho.

— Yeah. Eu já tomei, espero que não se importe. Aliás, você deveria comer
depois... Charlotte trouxe algumas coisas — apontou com a cabeça para a
bandeja sobre a grande cômoda completamente vazia.

Concordei e me levantei. Após pegar as coisas na mala, caminhei até o


banheiro anexo ao quarto e, com um último sorriso em direção a Harry,
fechei a porta.

O quarto cheirava a cigarro quando saí, enrolado em um dos meus suéteres


quentes e velhos e com os cabelos mais ou menos molhados. Peguei a
bandeja, sentei-me no chão ao lado de Harry e a coloquei no espaço entre
nós.
Começamos a comer devagar, ele ainda lendo e eu olhando para os meus
próprios pés e a cama desarrumada.

— Você quer me perguntar? — murmurei, mantendo o olhar no carpete


claro. — Sobre ontem.

— Não — respondeu.

— Por quê?

— Você deveria comer mais — mudou de assunto, empurrando um dos


bolinhos de canela em minha direção.

— Não jantou ontem.

Assenti e comecei a comer, ficando quieto por mais alguns minutos.

Harry não havia feito movimento algum para me tocar desde a noite
anterior. Eu sabia que ele me respeitava e prezava pelo meu conforto acima
de tudo sempre, o que se ressaltou após eu me fechar. Mesmo dormindo
com ele, eu estava preso no meu próprio mundo.

Mas ainda sim... os poucos centímetros de distância entre a gente fizeram


meu estômago retorcer. E era tão confuso.

Porque após ver o âmago dos meus pesadelos personificado, não era como
se eu me sentisse desejado, como se eu não quisesse ter chamado Harry
para tomar banho comigo. Como se vê-lo, após todos aqueles anos, não
tivesse engatado o mesmo sentimento que me tomou por todos os anos
seguintes mesmo sendo tão novo: nojo.

De mim, dele, do arrependimento de ter ficado acordado até tarde um dia


antes do meu aniversário.

— O que foi, Lou?

— Você me acha nojento? — sussurrei. Larguei o bolinho de lado e me


levantei. — Tipo, você disse que nunca tiraria a virgindade de alguém e...
eu não sei. Você acha que eu não sou mais virgem? Que aquele cara que eu
vi na cozinha ontem tirou minha virgindade e é por isso que a gente nunca
fez algo a mais? Você não quer tocar no mesmo lugar que ele tocou?

Eu sabia que Harry tinha se levantado logo atrás de mim.

— O quê?! Não, não–

— Os dedos — eu disse, de costas para ele e de frente para a parede. Engoli


em seco, lambi os lábios, mas nada parecia reduzir a sensação de secura. —
Ele colocou os dedos em mim. Eu me lembro de chorar e implorar para
parar, mas ele parecia sentir algo em fazer uma criança de dez anos chorar
porque não aguenta três malditos dedos rasgando e machucando–

Harry envolveu os braços em torno de mim por trás e me levou em direção


ao seu peito com um impacto que fez meu ar reduzir e minha boca fechar.
Respirei fundo, fechando os olhos com força enquanto ele sussurrava

"não" diversas vezes contra meu pescoço. Não, não, não.

— Não é por isso, Louis. Eu te respeito, eu quero que você se sinta


confortável, não por causa de mim ou por causa do sexo, mas por causa de
você — sussurrou, apertando-me mais e fazendo aquele aperto quase chegar
ao limite de desconfortável, mas parando no seguro. — Você não tem que
pensar em mim ou se preocupar com o que penso, você precisa se
concentrar no fato de que nada disso é culpa sua.

— Me desculpa — sussurrei.

— Não há nada para se desculpar... nada.

Me desculpa por te dar mais problemas, por não ser capaz de convencê-lo
que você merece a porra do mundo. Me desculpa.

— Vem cá.

Ele me pegou no colo. Entrelacei as pernas em volta dos seus quadris e


deitei a cabeça no seu ombro, confiando.
Ouvi o clique do interruptor para, segundos depois, ele me colocar sentado
na pia. Mantive os olhos abertos e fixos aos nossos dedos entrelaçados
enquanto ouvia o barulho da torneira ligada.

— Olha pra mim — pediu. Quando o fiz, seus dedos molhados e gelados
percorreram a área abaixo dos meus olhos, limpando as lágrimas e,
efetivamente, fazendo o inchaço diminuir. Olhá-lo de perto era o meu
lembrete para inspirar e expirar devagar para não perder o ar novamente.

— Vamos sair, yeah? Tomar chocolate quente, respirar um pouco. Sair


daqui. Ok?

Balancei a cabeça . Ok.

— Olha pra cá.

A frase emitida em um tom suave produziu o efeito contrário. Ainda


segurando a mão de Harry, abaixei a cabeça e senti minhas bochechas
começarem a esquentar de vergonha. Apesar do frio, ele ainda tinha essa
capacidade de me fazer sentir tão aquecido por dentro que o vento cortante
no parque menor que o Central, próximo à Quinta Avenida, quase não me
afetava.

— Harry, eu tenho vergonha.

— Só uma — negociou.

— Harry–

— Duas fotos por dois donuts. Com chocolate. E chá. Por minha conta.

Isso me fez erguer a cabeça para rir. Ele aproveitou a chance e largou da
minha mão no mesmo instante para poder tirar as fotos, apertando o
obturador bem mais que duas vezes. Parado em frente a ele, com uma
Canon gigante apontada diretamente para mim enquanto pessoas
agasalhadas com seus casacos grossos e caros passavam por nós com
pressa, eu me senti um estranho em uma cidade tão grande. Um canadense
nas Bahamas com sua câmera e a esperança de encontrar algo diferente do
usual guardada no bolso.

Foi o que me levou a sorrir para a última foto.

— Não acredito que tenho uma foto sua... sorrindo —

abaixou a câmera e ergueu as sobrancelhas em surpresa.

— Sorrindo! Acho que preciso te oferecer mais donuts.

Louis Tomlinson sorriu para minha câmera! — gritou para o céu ao erguer a
cabeça.

Todas as pessoas por perto viraram a cabeça em um átimo para nos olhar,
assustadas e pouco-se-fodendo para o garoto estranho que se chamava
Tomlinson; eu queria me dissolver no monte de neve derretida no chão sujo.
Me apressei para abraçar Styles, tapando sua boca com a mão e abafando
minha própria risada no seu casaco enquanto sentia seu peito vibrar contra o
meu com a gargalhada. Estendi a mão para cobrir suas orelhas pequenas
com a beanie cinza, revirando os olhos.

Ao menos eu receberia donuts.

Para cumprir sua promessa, acabamos em uma lanchonete de aparência


restaurada, cheiro de bolo de chocolate e temperatura quente, encurralada
entre dois brechós de roupa de grife. Harry e eu nos acomodamos à mesa no
fundo, sentando-nos em cadeiras manchadas de café, e enquanto
esperávamos nossos pedaços de bolo com sorvete e calda quente vendo as
fotos da câmera (o que me fazia corar porque a maioria era fotos minhas),
senti sua mão na minha coxa, deslizando com cuidado.

Olhei-o de lado. Ele não correspondeu, mas o canto esquerdo da sua boca
repuxou para cima quando entrelacei nossos dedinhos. Continuou passando
as fotos para o lado e eu abusei de toda a minha coragem e comecei a
distribuir pequenos beijos na curva de seu ombro, do maxilar. Por um
momento, fui capaz de esquecer.
Chegamos à casa de Mark por volta das sete da noite com estômagos cheios
e mais fotos de legítimos turistas na memória da câmera. Tentei tirar
algumas fotos dos nossos chás e donuts organizados como se houvesse, de
fato, alguma ordem a ser respeitada; exatamente o que aquelas contas
famosas no Instagram que Lottie seguia faziam.

Mas Harry era todo atrapalhado e acabou derrubando as xícaras no chão.


Então, as imagens que ficaram foram aquelas em que ele estava ajudando a
senhora dona da lanchonete a limpar o chão enquanto olhava para a câmera
com aquela carinha de culpado e o nariz franzido.

Na sala, Lottie e Felicite estavam sentadas no sofá enquanto Felicite


mostrava algo no MacBook para minha

irmã, as duas de meias combinando. Ergueram as cabeças quando


chegamos.

— O que vocês fizeram? — Lottie perguntou, arqueando a sobrancelha


antes de levar uma caneca aos lábios. Tentei não me sentir irritado pelo fato
de ela estar tão rapidamente acostumada com aquela vida que não pertencia
a gente. — Aproveitaram?

Harry parou atrás de mim, a mão no meu quadril de forma protetora. Forcei
um sorriso.

— Aproveitamos, yeah. Hum... vamos para o quarto.

Começamos a seguir em direção ao corredor, mas a voz de Felicite me


impediu, receosa.

— Louis, posso conversar com você? A sós. Por favor.

Eu ia dizer não, rápido assim, e ir para o quarto com Harry.

Mas ele me olhou daquela forma que implorava silenciosamente para que
eu atendesse ao pedido da garota; eu sabia que assuntos sobre irmãs era
algo importante para ele. Então, engoli em seco e me virei, vendo-a já de
pé.
— Contanto que seja rápido — respondi.

Felicite me olhou com os lábios apertados em uma linha magoada, mas


afirmou com a cabeça. Virei-me para dizer a Harry que ele podia ir para o
quarto, mas fui surpreendido com um beijo rápido enquanto meu casaco era
tirado das minhas mãos.

— Vou passar as fotos para o meu notebook.

Lottie beijou minha bochecha e o acompanhou até o corredor. Então,


sobramos Felicite e eu parados de pé no centro da sala com uma casa tão
silenciosa e uma das cidades mais barulhentas e borbulhantes do mundo sob
nossos pés; e mesmo assim, parecia que toda a tensão se concentrava dentro
daqueles poucos metros entre a gente.

— Papai saiu, foi ao escritório — explicou rapidamente, desviando o olhar


de mim. — Vamos ao meu quarto, pode ser?

Balancei a cabeça. Com um gesto pequeno, indiquei para que fosse à frente.
Ela recolheu o MacBook do sofá e passou por mim em direção ao corredor.
Segui-a com as mãos no bolso do moletom e a expressão neutra para fingir
que os quadros pendurados nas paredes brancas não faziam meu coração
apertar de forma estranha; ao longo dos porta-retratos, fotografias e mais
fotografias de Mark e Felicite, somente, em todo o mundo acumulavam-se
de forma quase solitária.

Em casa, nenhum quadro mostrava Lottie, Jay e eu em Paris ou em Tóquio.


Mas eles mostravam amor e união, o que era um pouco ausente em relação
aos dois.

Ela abriu a porta do quarto e me deixou passar primeiro, fazendo o mesmo


antes de fechar e nos isolar lá dentro. A cama era grande, ela tinha estantes
de livros, as mesmas que Lottie sempre pedia à Jay, e o closet aberto
mostrava a quantidade de roupas – as portas espelhadas também foram
fechadas rapidamente.

— Aproveitou a cidade? — indagou, indicando a chaise confortável e bege


próxima à janela. Me sentei,
esforçando-me para ficar longe dela quando veio se sentar ao meu lado.

— Sim. Harry queria tirar algumas fotos.

— Faz muito tempo que vocês estão namorando? — sorriu para mim,
olhando rapidamente para as próprias unhas. —

Lottie me contou que ele é capitão do time de–

— Não me leve a mal, — mantive o tom de voz baixo. —

mas tenho certeza de que você não me chamou aqui para falar de Harry. E
não é como se eu quisesse conversar sobre isso com você, então...

O sorriso dela caiu no mesmo instante, substituído pelos mesmos traços


hesitantes que a tomavam quando conversava comigo.

— É... sim, desculpa. Hum... eu só quero te explicar algumas coisas. Eu sei


que você me odeia, ok? Me odeia por eu ter vindo com Mark e ter me
distanciado de vocês.

Preciso te explicar, eu quero... — ela interrompeu a frase quando abri a


boca para dizer que não me devia explicação alguma. Ergueu a mão e
balançou a cabeça, sugando uma longa respiração. — Por favor, Louis. Só
me deixa falar. Eu nunca pedi que você falasse comigo ou que
correspondesse meu afeto... então, só quero que me ouça.

Apenas.

Fiquei em silêncio. Apertei os dedos na barra do suéter, esperando que ela


continuasse.

— Você se lembra de quando os dois se separaram. Acho que eu tinha sete


ou oito anos, mas ouvia muito bem quando brigavam por dinheiro ou
quando diziam que não

dava mais. Também foi difícil pra mim, você sabe —


Felicite abaixou o olhar. Encarou a estampa da calça de moletom azul. — E
eu sinto falta de Jay, mas também é difícil porque eu nem sequer me sinto
no direito de chamá-

la de mãe. Eu vim com Mark porque não queria ser mais um peso nas
costas dela.

— Do que você está falando?

— Eu era pequena e tudo o que conseguia pensar era que ela teria que
comprar os doces para nós três sozinha. E eu sempre via ela como a mulher
que era capaz de tudo, porque a gente costuma ter essa visão da mãe, sabe?
Só que eu percebi que não era bem assim e que cuidar de três crianças seria
muito pesado. Eu teria ficado com vocês se pudesse — sussurrou a última
parte, quase com medo que as paredes pudessem ouvi-la. — Amo papai,
agradeço muito a ele por ter feito de tudo nos primeiros meses para que eu
não passasse fome, mas eu tenho que engolir o ressentimento todos os dias.
Eu pensava que poderia voltar algum dia e dizer tudo, mas acho que as
coisas não acontecem do jeito que a gente imagina. Como uma criança de
oito anos imagina, na verdade. E eu me sinto culpada não só por isso, mas...

Ela parou, e eu jurei que era capaz de sentir toda a tensão nas palavras que
não foram ditas. Ergui a cabeça, encontrando-a com as bochechas
vermelhas e as mãos revirando o tecido sem parar como se a resposta de
todos os livros de autoajuda do universo para curar ansiedade fosse
exatamente isso: desviar o olhar e brincar com as próprias mãos.

Ela me fez ficar nervoso. Não pelo que havia dito até ali sobre Jay, até
porque não era como se ela nunca tivesse alcançado a oportunidade de
voltar para Doncaster, mas sim porque eu senti toda a culpa mais pesada em
outra coisa. O que descobri segundos depois.

— Eu vi Harry no corredor ontem, eu sei o que aconteceu.

E anos atrás, eu vi você, Louis. Vi ele.

Me olhou e eu a encarei de volta, incrédulo. O pânico subiu pela minha


garganta como uma respiração sufocada, necessitada.
— Você viu o quê? — sussurrei. Não porque não queria que outras pessoas
ouvissem, mas sim porque aquela ali era a capacidade máxima da minha
voz.

Felicite respondeu momentos depois de desviar os olhos novamente:

— Vi ele abusando de você.

Me levantei no mesmo instante, o pânico reaparecendo com todo o impacto


que me desestruturou. Felicite chamou meu nome e eu ergui a mão,
impedindo-a. Ela havia visto.

Ela viu o que eu senti, viu o que era retratado em todos os meus pesadelos.
Ela viu.

— Você viu tudo? — questionei, apertando os lábios. —

Mark sabe? Você contou para ele? Para Lottie? Quem mais sabe?!

— Não, não — ela soava desesperada e eu a sentia próxima. Mas não


conseguia encará-la. — Não contei para ninguém. Mas eu vi o que ele fez, e
Louis — disse meu

nome de forma esganiçada. — eu tenho vontade de contar para o papai


todos os dias que aquele monstro vem aqui em casa, mas sei que isso não é
minha decisão e sei–

— Cale a boca.

O silêncio recaiu sobre o quarto quando minha voz estalou entre as paredes,
tão relativamente calma em comparação com o caos dentro da minha
cabeça. Pela porra da segunda vez no dia. Não a olhei novamente antes de
sair do quarto dela e ir em direção ao que eu estava usando.

Tranquei a porta e procurei Harry com o olhar. Ele não estava ali, mas o
notebook aberto em cima da mesa de cabeceira e o barulho do chuveiro me
deram a indicação de que estava tomando banho.
Tirei meus sapatos, frenético. Felicite sabia, ela havia visto e nunca havia
dito nada. Ela me viu sendo revirado como a porra de um boneco e me viu
implorando. Ela era minha irmã e ela havia me visto naquela situação. Eu
não sabia se deveria sentir vergonha ou frustração. Irritação, ódio.

Na dúvida e no caos, escolhi me afastar e não sentir nada.

Apático, encarei as janelas por longos segundos até que minha respiração
estabilizasse. Por quê? Por que, por que...

Tirei o casaco e entrei no banheiro ao checar que a porta estava aberta.


Embaixo do jato do chuveiro, Harry abriu os olhos com o susto e parou de
esfregar o próprio shampoo nos cabelos ao me ver parado ali, com a
expressão ilegível e a o estômago corroído.

— Ei — disse com cuidado, virando o quadril um pouco para que a virilha


não ficasse de frente para mim. — Tudo bem? Você não está irritado porque
eu usei o banheiro sem pedir, né? Estava cheirando à chá.

Balancei a cabeça. Olhei para a pia, caminhei até lá e me sentei com


movimentos mecânicos, piscando para os azulejos de mármore nas paredes
e tentando buscar uma alternativa, embora soubesse que a única coisa que
me acalmaria era impossível de conseguir: que Felicite esquecesse.

— Não precisa pedir.

— Ok — murmurou hesitantemente e deu um passo atrás, expondo a linha


da garganta ao inclinar a cabeça e deixar a água correr pelos fios longos. —
Está tudo bem?

— Sim.

Murmurou novamente, mas não consegui distinguir as palavras. Observei-o


enquanto passava sabonete líquido nos braços, no peito arranhado, no
pescoço e na própria barriga. Estava mais magro, apesar de a mudança não
ser óbvia. Os músculos no seu abdômen permaneciam ali, rígidos e
estendidos sob as tatuagens nos quadris, e os dos seus braços também, que
flexionavam todas as vezes em que ele os erguia para passar as mãos pelos
cabelos.

Encarei a trilha de pelos ralos abaixo do seu umbigo levando à base do seu
membro, e engoli em seco.

A necessidade de proximidade para reafirmar para mim mesmo de que eu


ainda era a mesma pessoa pré Nova York me tomou. Eu precisava me sentir
como o Louis que

havia saído de Doncaster e pegado o avião. Por isso, ao me levantar para


tirar a camiseta e os jeans de uma só vez, minha cabeça estava tomada por
Harry.

Ele me olhou por baixo dos cílios molhados quando também abaixei a
cueca. Não desviou nem mesmo quando abri o box, entrei e parei em sua
frente, olhando para cima. O jato de água quente caía diretamente em cima
dele, dos ombros largos e fortes, e respingava em mim vez ou outra, mas o
barulho da pressão forte da água me isolou dentro daquele espaço.

— O que você está fazendo? — questionou, algumas mechas de cabelo


molhadas coladas a sua têmpora.

— Não sei — sussurrei. — As coisas estão meio confusas.

Ele tinha mais arranhões recentes no peito. Ergui a mão para tocar as
andorinhas, fazendo uma súplica rápida para que permanecessem intactas
apesar de todos os machucados, mas parei no meio do caminho. Não sabia
se estava pronto para tocá-lo.

— Não quero que você faça algo só para poder provar para si mesmo que
consegue — Harry franziu as sobrancelhas, afastando-se. — Você precisa
do seu tempo.

— Será que você pode parar de me deixar no frio e me beijar?

Ele sorriu e minha estrutura caiu por completo. Não era justo o que Harry
fazia comigo. Ele me fragilizava.
— Posso te tocar? — perguntou, empurrando os cabelos para fora do rosto.

— Por favor.

Harry ergueu a mão e, com lentidão, envolveu-a em torno do meu quadril.


Olhei para baixo e percebi que seus dedos tomavam quase minha cintura
inteira, e por algum motivo, isso me fez sentir inatingível, como se o
simples fato de ser relativamente menor me fizesse digno de ser protegido
sob um escudo. Devido a essa distração, mais senti do que vi quando ele
ergueu meu maxilar com os dedos e se inclinou para me beijar. Seus lábios
estavam molhados, porém macios e com gosto de chocolate, e isso foi o que
me fez tomar a iniciativa para lamber seu lábio inferior e fazê-lo abrir a
boca para levar a língua de encontro a minha.

Nossos quadris se juntaram e eu fiquei nas pontas dos pés, o que o fez
passar o braço em torno do meu quadril e nos virar com cuidado dentro do
amplo espaço do chuveiro para que eu ficasse mais próximo do jato de água
quente e não sentisse frio. A realização de que Harry se preocupava comigo
mesmo quando, logicamente, qualquer cara estaria pensando na crescente
ereção entre as pernas me fez gemer contra sua boca e me atrever a erguer
as mãos para colocá-las na sua barriga. Os músculos enrijeceram sob meu
toque.

— Louis... — murmurou. Eu não sabia se deveria sair como uma súplica,


mas foi o que soou nos meus ouvidos no instante em que me inclinei e
fechei os lábios na curva macia entre seu ombro e pescoço. Harry fincou as
unhas

levemente na base da minha coluna, a outra mão espalmada no vidro do


box. Mordi seu pescoço, a pele quente parecendo tão perfeita entre meus
dentes, e senti o metal gelado do colar de cruz contra meu próprio peito. —

Por que você está fazendo isso?

Oito anos antes, eu havia sentido as mãos de outra pessoa em mim. Em


Nova York, havia descoberto que minha irmã sabia. Ela viu. As coisas que
aconteceram em um pequeno período engataram uma série de reações que,
de uma forma ou outra, levavam-me à necessidade de me reafirmar. Quando
sua integridade é tirada a força, você leva um longo tempo para se
recuperar. Quando é confrontado com a pessoa que causou aquilo, o tempo
para se recuperar transforma em minutos frenéticos nos quais você precisa
de uma prova de que ainda é você mesmo.

Eu sentia que precisava reafirmar que ainda não estava preso sob as mãos
daquele homem.

Foi impulsivo quando segurei os cabelos de Harry e susurrei: — Faz amor


comigo.

A reação foi contrária a que eu esperava. Ele se afastou.

Dois ou três passos para trás, depois me olhou com as sobrancelhas


franzidas. Fui largado com as mãos caídas ao lado dos quadris, os cabelos
molhados e uma expressão tão óbvia de decepção que, de repente, Harry era
como meu espelho que permitia que eu visse a mim mesmo refletido nas
feições confusas que tomavam cada centímetro do rosto dele.

— O que Felicite te falou?

— Não interessa.

— Claro que interessa, Louis — grunhiu, cerrando os punhos não em raiva,


mas sim frustração. Seu pau estava duro, e ele não parecia se importar. —
Isso não é da minha conta, mas qualquer coisa que acontecer enquanto você
estiver pensando de forma tão impulsiva vai ser minha responsabilidade.
Não posso fazer isso com você.

— Faz amor comigo — pedi novamente e ele negou com a cabeça.

— Você não está pensando direito. É isso. Fora que seria injusto eu tirar sua
virgindade sendo que...

Estaria morto dali a semanas.

Porra.
— Você me invalida o tempo inteiro! De novo. Eu sei o que faço —
aumentei a voz sem querer. — Sei o que quero.

Sei que–

Ele levou a mão ao próprio pau e começou a se masturbar com os olhos


fixos em mim.

As palavras morreram na minha garganta, sufocadas pela visão hipnotizante


dos seus dedos longos envoltos na ereção grossa e colada ao abdômen. Era
devagar, no início, e ao pegar mais confiança, ele se encostou à parede e
fechou a mão na ponta para que pudesse esfregar a glande com movimentos
calculados. Meu pênis pulsou, lembrando-me de que eu também estava
duro e piorando a situação ao ver Harry daquela forma.

— Se toque, Lou. Vou estar bem aqui.

Eu o queria perto, mas entendi o que ele pretendia. O que não impediu que
minhas bochechas ficassem vermelhas.

— Harry...

— Faz. Você quer isso, yeah? Mas primeiro, se toca pra mim. Mostra que
você consegue se acostumar com isso antes que eu toque em você, amor,
que você sabe e tem consciência do que está fazendo. Se não conseguir,
tudo bem.

Meu fôlego pesou. Não sabia se era devido ao "amor" ou ao fato de Styles
querer que eu me tocasse em sua frente para que me sentisse seguro o
suficiente com um toque sexual antes que ele pusesse as mãos em mim.

Observei seus movimentos por mais alguns segundos, hipnotizado com os


pequenos impulsos de sua mão em torno da extensão, indo devagar, o
barulho molhado ecoando repetidamente nos meus ouvidos. Harry separou
os lábios e respirou fundo duas, três vezes antes de olhar para baixo e deixar
os cabelos caírem em frente ao seu rosto enquanto acelerava os
movimentos.
— Ela sabe — sussurrei no pequeno espaço entre nós dois. Encarei seu pau
e levei a mão ao meu, iniciando devagar, imitando seus movimentos. — O
que aconteceu comigo.

Harry deu um passo mais perto. Respirei com mais força e cerrei os dentes,
incapaz de conter o vermelho se espalhando pelas minhas bochechas e
pescoço tanto pela vergonha inicial quanto pela água quente. Harry abaixou
o olhar para os meus movimentos, mas não me deixou

desconfortável. Havia algo nas gotas de água nos seus cílios, no lábio
inferior preso entre os dentes e a respiração acelerada enquanto ele me
assistia que me fazia sentir bem. Nas concepções necessárias da palavra.

— Como você se sente sobre isso? — perguntou.

— Tenho medo de ela contar para alguém.

— Por quê?

— Não quero falar sobre isso agora.

Mais um passo à frente. Harry empurrou meu peito com delicadeza e me


colocou contra o vidro do box, e ao ver minha expressão que permitia que
fizesse aquilo, abaixou-se e fechou os lábios em volta de um mamilo. A
sucção foi o suficiente para que eu arqueasse as costas com o jato morno e
súbito de prazer, e abandonasse meu pau para que me concentrasse nele,
nos seus lábios inchados e na sua mão ainda em volta do próprio membro.

— Não para — disse, franzindo as sobrancelhas ao deixar os dentes


rasparem na ponta sensível. Gemi baixo, sua língua quente deslizando para
aplacar a pontada leve da mordida. — Continua, Louis.

Neguei com a cabeça, arfando com a visão do seu pau, das coxas e das
tatuagens nos bíceps e no peito que moviam-se de acordo com os
movimentos dos músculos.

Harry movimentava o pulso quando eu gemia seu nome porque eu o fazia


se sentir daquela forma. Minhas pernas fraquejaram quando sua boca
quente veio para o meu pescoço, mas ele passou os braços em volta dos
meus quadris e me segurou perto.

— Você quer ir pra cama? — perguntou. Senti toda a seriedade extraída do


momento sendo depositada naquelas cinco palavras.

Se fôssemos, não seria para simplesmente fazer um ao outro gozar com a


boca ou a mão. Seria para que ele estivesse dentro de mim, para que eu o
sentisse me cercando por todos os lados e obtivesse a certeza de que nós
eramos... nós. Da forma que podíamos com o tempo que nos restava.

— Quero — respondi, estendendo a mão para desligar o chuveiro.

Nós dividimos a toalha e nos secamos o mais rápido que dois corpos
encharcados e cabelos úmidos permitiam.

Quando caímos na cama, ainda ligeiramente molhados, foi para que Harry
viesse para cima de mim e se colocasse entre minhas pernas, minhas coxas
abraçando seus quadris

e sua boca na minha. Com um pequeno movimento que fez os músculos dos
seus braços contraírem, levou meu corpo para cima na cama até que eu
estivesse com a cabeça nos travesseiros e acomodado perfeitamente. Meu
peso não parecia muito para ele, e essa realização em conjunto com seu pau
duro colado ao meu quadril me fez gemer dentro da sua boca.

Meus quadris foram acariciados com reverência, sua boca deixou rastros de
saliva pelo meu pescoço e clavículas, e minhas coxas pareciam o principal
foco da sua atenção.

Ele lambeu minha barriga de um lado para o outro, a língua quente


causando o acúmulo de uma sensação

gelada na base do estômago, principalmente quando seguiu para a área


abaixo do meu umbigo. Seus olhos focavam vez ou outra em mim e os
cabelos pingavam na minha pele, os anéis frios raspando nas minhas pernas
e seus murmúrios incompreensíveis.
— Harry... — puxei seus cabelos em um dos poucos segundos em que
recuperava o total raciocínio, precisando da atenção. O que consegui um
segundo depois quando ele levantou a cabeça e me deixou ver o quão
vermelho seus lábios estavam, brilhantes de saliva e entreabertos.

— Você sabe que eu realmente quero isso, não sabe?

Que não é por causa do que aconteceu.

— Você tem certeza?

Abri as pernas e estendi o braço para que pudesse acariciar sua têmpora
com o polegar. — Tenho. Eu sei que tenho controle sobre meu corpo, e é
disso que preciso.

Ele me olhou uma última vez antes de fechar os olhos e apertar minhas
coxas com as pontas dos dedos, afastando-as ainda mais. Os músculos das
suas costas flexionaram quando, em um movimento pequeno, Harry
segurou meu pau e me levou até o fundo da garganta de uma única vez, o
calor molhado envolvendo-me até a ponta e causando a escassez de todo o
oxigênio no meu corpo. Minhas mãos foram do lençol para os seus cabelos
quando ele moveu a cabeça e esfregou a língua repetidas vezes, voltando
para a ponta e lambendo todo o pré-gozo como se estivesse sedento por
aquilo.

— Puta merda. — sussurrei, o tom tornando-se mais urgente conforme eu


abria mais as pernas ao sentir sua

saliva escorrendo pelas minhas bolas até minha bunda.

Suas bochechas afundaram para dentro quando ele chupou a ponta e


esfregou a língua na fenda da glande, indo e voltando e massageando a área
sensível com movimentos certos e delicados da mesma forma. Sem pensar
por um único segundo e movido pela vontade de mais e mais, ergui os
quadris da cama e estoquei na sua boca, o que o fez se afastar com os lábios
molhados e ainda mais cor-de-rosa, tossindo baixo. — Me desculpa!

Eu não queria, foi sem querer– eu só não... Ei!


Com uma risada baixa e praticamente secreta, Harry segurou minha cintura
e nos virou na cama de forma que eu ficasse por cima. Era fácil para ele
trocar de posição, mas o que mais me deixou afetado foi a forma como o
sorriso permaneceu nos seus lábios enquanto os braços estavam cruzados
embaixo da cabeça, sobre o travesseiro.

— Vem cá — pediu, lembrando-me de que na primeira vez que ouvi isso,


ele me beijou. — Fode minha boca.

Quando o encarei de volta, atônito, lambeu os lábios. — É

só você estocar na minha boca, Louis. E é melhor segurar a cabeceira.

Segurar a cabeceira... ok. Fingi que meu cérebro não estava sofrendo um
curto-circuito violento e atendi ao seu pedido, subindo pelo seu corpo com
cada perna de cada lado, devagar e sentindo o colchão afundar sobre meu
peso, até alcançar a altura do seu peito. Harry me olhou de baixo e sorriu
ainda maior, de lado e com uma única covinha. Então, abriu a boca e
colocou a língua para fora.

Sussurrei um palavrão e engoli em seco, segurando meu pau pela base para
guiá-lo em direção a sua boca. Nos últimos centímetros que faltavam,
minha barriga gelou com a antecipação e meu estômago retorceu. Esperei
cinco segundos para que pudesse apreciar a visão embaixo de mim, ele com
os olhos fechados, os cabelos suados jogados para um único lado e os
músculos dos bíceps ressaltados pela posição em que estavam; respirei
fundo.

Com um pequeno impulso, a ponta do meu membro esfregou a língua de


Harry e ele fechou os lábios molhados em volta no mesmo segundo,
erguendo a cabeça ao mesmo tempo em que eu impulsionei os quadris para
baixo para que ele chupasse mais.

O que fez com vontade. Harry me chupou e, na primeira vez que eu senti
sua garganta relaxando em volta do meu pau, precisei agarrar a cabeceira e
morder o próprio antebraço para que não gritasse, embora continuasse
gemendo seu nome e palavras desconexas que não faziam sentido nem
mesmo para a minha cabeça enevoada. Ele deixou a saliva escorrer de
propósito por toda a extensão somente para que pudesse lambê-la repetidas
vezes com o mesmo entusiasmo, e meus quadris seguiam o mesmo ritmo,
estocando e voltando, vendo meu pau desaparecer e voltar de dentro da sua
boca. O calor me envolvendo, a temperatura no quarto subindo e a pressão
na base do meu abdômen crescendo tanto a ponto de me deixar tonto.

— Posso gozar na sua boca?— pedi entre uma estocada e outra. Em outro
momento, eu provavelmente teria tido vergonha de pedir algo como aquilo,
mas não ali. Não

quando tudo parecia tão certo dentro de todos os impulsos.

Harry tirou os braços de baixo da cabeça e levou a mão esquerda em


direção à boca. Impulsionei para trás e o deixei tirar a boca de mim porque,
no outro momento, ele ergueu os dois dedos médios e os lambuzou de
saliva, lambendo os próprios dedos da mesma forma que estava me
lambendo. Os olhos permaneceram em mim, algumas lágrimas de todo o
esforço para segurar o ar no canto dos olhos e toda a tensão se
transformando na necessidade de alcançar o orgasmo.

— Goza no meu rosto — disse baixo, a voz ainda mais rouca por causa da
garganta literalmente fodida.

Segurei a cabeceira com as duas mãos.

Quando voltei a estocar para dentro da sua boca, Harry permaneceu com os
olhos abertos para que pudesse, provavelmente, estar atento às minhas
expressões no instante em que, com uma mão, separou os lados da minha
bunda e esfregou as pontas dos dedos molhadas na minha entrada. Suguei
uma longa respiração e, na próxima vez que ele relaxou a garganta, me
permiti a ir até o fundo enquanto sussurrava três palavras que significavam
toda a permissão da qual ele e eu precisávamos:

— Por favor, amor...

Esfregou o dedo indicador uma última vez e colocou a ponta, forçando até a
primeira junta. Gemi o mais alto que minha garganta permitia e ele lambeu
a glande, e isso foi o que me puxou até o limite, contraindo-me em volta do
seu

dedo e pulsando dentro da sua boca. Gozei na sua boca, na sua língua
quente, mas me lembrei de tirar a tempo para que terminasse no seu rosto.
Harry fechou os olhos e pressionou os lábios enquanto engolia minha porra.
Por outro lado, eu sentia meu peito praticamente comprimido pelas
tentativas de respirar, hipnotizado com a forma que suas bochechas, queixo
e a boca eram cobertas pelo líquido espesso.

Minhas pernas arderam com o esforço de me manter de pé e eu me sentei


no seu peito, as andorinhas sendo manchadas pelo restante do sêmen que
pingava em cima das tatuagens. Harry abriu os olhos e esticou os braços
como se tivesse acabado de acordar.

— Isso foi lindo de assistir.

Revirei os olhos afetuosamente, soltando todo o ar acumulado dentro do


meu peito. — Você está com meu gozo na bochecha.

Franziu as sobrancelhas. Pareceu pensar por um pequeno instante antes de


estender a língua e colocá-la de lado, o que me fez rir ainda mais alto.

— Ei... — arrastei-me para baixo e me sentei na sua barriga, inclinando-me


para beijar o canto da sua boca, limpando seu rosto da forma que conseguia
com a palma da mão. — Me beija.

Sua mão subiu da minha bunda para a base da coluna, segurando-me firme
enquanto eu abaixava a cabeça para beijá-lo. Senti meu gosto na sua boca
quando Harry

chupou minha língua, senti seu fôlego pesado contra meu próprio torso; um
pouco mais descontrolado que o normal.

— Tudo bem? — perguntei, colocando a mão sobre seu coração. — Por que
seu coração está tão–
— Você acabou de gozar no meu rosto, é óbvio que meu coração vai estar
acelerado — havia um quê inseguro em seu tom. Mudou de assunto. — Por
que sua pele é tão macia? Sério. Isso é quase impossível.

Para ressaltar seu ponto, espalmou as duas mãos na minha bunda e apertou.
Suspirou pesado, como se me tocar doesse nele, mas logo em seguida sua
boca veio para a minha novamente. Foi quando percebi que seu pau pulsou
contra meu quadril, ainda completamente duro.

— Você ainda quer? — perguntei, inclinando a cabeça para beijar seu


maxilar, enchendo a linha delineada com pequenas lambidas. — Eu estava
falando sério quando disse que queria que você fizesse amor comigo.

— Yeah?

Senti a ponta do seu dedo médio roçar minha entrada, esfregando por cima
dos músculos contraídos e com todo o cuidado. Respirei fundo ao colocar o
rosto entre a curva do seu pescoço e abrir mais as pernas para poder arquear
os quadris e empinar a bunda. Ouvi Harry xingar baixo, mas permaneceu
esfregando com toda a lentidão, fazendo-me sentir o metal gelado dos anéis
contra minha pele.

Havia algo na suavidade com a qual fui tocado, nos sussurros de Harry me
dizendo que, naquele instante, eu

era não dele, não de alguém, mas meu mesmo, que me fizeram pressionar os
olhos com força e agarrar seus ombros como a minha última esperança.

— Você quer? — perguntou novamente, beijando e mordendo o lóbulo da


minha orelha, enchendo meu corpo de arrepios muito bem-vindos. — Hum?
Ainda tem certeza?

— Tenho — empurrei-me contra seus dedos e me abaixei o suficiente para


beijar seu peito, tomando cuidado para não tocar em algum dos arranhões.
Não sabia qual seria sua reação caso o fizesse. — Tenho, sim.

Segundos depois, Harry saiu da cama e começou a revirar a própria


mochila, dando-me a oportunidade de encarar suas pernas, as tatuagens e os
lábios vermelhos mordidos em ansiedade. Quando o vi pegar um
preservativo e um pequeno tubo de lubrificante, não consegui evitar erguer
a sobrancelha e sorrir de lado como quem diz "já estava planejando isso?" .
Ele ficou vermelho, gaguejou nas desculpas e permaneceu de cabeça
parcialmente baixa de vergonha até alcançar a cama, quando o peguei pela
mão e o fiz se deitar em cima de mim novamente.

— Está tudo bem — beijei sua bochecha, sentindo meu coração acelerar
enquanto o via abrir o tubo e passar em três dedos. — Bom que você
trouxe, não é?

Balançou a cabeça, as bochechas ainda coradas quando se abaixou para me


beijar. Minhas pernas ficaram em volta de sua cintura mais uma vez e seus
lábios vieram para o meu pescoço.

— Me pede pra parar se estiver doendo muito. E está tudo bem não ficar
duro o tempo inteiro durante a primeira vez, ok? — com o rosto bem em
frente ao seu, assenti e observei todas as pequenas pintas, os fios de cabelo
grudados às têmporas e todos os detalhes que me fizeram abraçá-lo e trazê-
lo mais perto.— Ok — afirmou para si mesmo e me beijou.

Harry me preparou com calma, levando todo o tempo necessário e fazendo


questão de sussurrar em cada pequeno movimento que fazia com os dedos,
deixando-me ciente o tempo inteiro que era ele. Que o corpo em cima do
meu era o seu e que os beijos reverentes deixados ao longo do meu maxilar
eram puros e afetuosos. À altura do segundo dedo, eu pedi para que
trocássemos de posição e acabei sentado no seu colo, adquirindo confiança
aos poucos para me mover conforme seus dedos se separavam dentro de
mim e massageavam todos os pontos que eu sempre tive extrema vontade
de descobrir, mas nunca a coragem ou destemor necessários. Ele lambuzou
o terceiro dedo com lubrificante antes de também começar a colocá-lo
dentro de mim.

A ardência e a sensação de estar sendo alargado me fizeram cerrar os dentes


ao mesmo tempo em que a pressão deliciosa na minha próstata, sem nunca
realmente tocá-la, engatou o prazer suficiente para que meu pau começasse
a endurecer entre nossas barrigas.
Harry percebeu, encostado à cabeceira e usando a mão livre para acariciar
minhas costas. Eu estava literalmente sentado nos seus dedos, arfando e
tentando me

acostumar com aquilo que era novo ao mesmo tempo em que não sabia
processar o garoto embaixo de mim me olhando como se eu fosse tudo o
que ele sempre quis.

— Posso colocar o terceiro dedo inteiro? — questionou. Eu sabia que ele


também estava em um ritmo frenético, mesmo que tentasse me acalmar.
Afirmei com a cabeça, fechando os dedos no seu colar e empinando mais a
bunda. Ele virou um pouco a cabeça, olhando para ela, e eu aproveitei para
me contrair em volta dos seus dedos de propósito. Styles grunhiu,
aproximando-se para morder meu lábio inferior como se fosse a única
reação natural aceitável. — Não faz isso se não eu vou gozar agora mesmo
e nós vamos ser dois frustrados.

Soltei uma risada quebrada.

— Desculpa.

Me contraí de novo. Ele grunhiu mais alto.

Tirou os dedos de mim quando estávamos certos de que era o suficiente e


quando os beijos tiveram intervalos menores entre si, com mais língua, mais
pressa e mais necessidade. Eu desenrolei o preservativo no seu pau sob seu
olhar atento, suas instruções sussurradas e as mãos grandes guiando as
minhas, o que intensificou minha ansiedade de uma forma desconhecida,
porém boa. Após passar lubrificante nele também, Harry fez menção de me
deitar na cama, mas balancei a cabeça e afastei a franja da testa.

— Posso ficar por cima? — perguntei.

Precisava me sentir no controle ao menos no início, sob controle da situação


e da possibilidade de parar.

Sua resposta foi se ajeitar nos travesseiros macios e gigantes, dando a


entender que não teria problema algum.
Sentei no seu quadril, senti seu pau contra minha nádega e tive que respirar
fundo ao espalmar as mãos na sua barriga e pedir, sem o uso de uma palavra
sequer, para que ele começasse a me penetrar. Harry colocou uma mão no
meu quadril, acariciando a pele por um pequeno instante e provavelmente
sentindo toda a tensão emanada da minha expressão.

— Sabe o que eu pensei quando te vi no primeiro jogo? —

perguntou, angulando os quadris na posição perfeita.

Neguei com a cabeça, piscando com lentidão e vendo-o lamber os lábios


rapidamente antes de esfregar a glande na minha entrada, fazendo pressão
ao levá-la de cima a baixo ao longo de toda a fenda. Olhei-o por baixo dos
cílios, acompanhando os movimentos com pequenas reboladas. — Eu
pensei que os gritos nunca estiveram tão altos. Que o campo nunca havia
sido mais iluminado, que os

pontos

marcados

nunca

haviam

sido

mais

comemorados.

Segurando-me firme pelo quadril, colocou a glande dentro de mim e eu


suguei uma respiração afiada com o alargamento e grossura, permanecendo
com os dedos fechados no seu colar e focado na sua respiração e na forma

como

ela
se

desequilibrou.

Ele

estava

desestabilizado pelo fato de estar dentro de mim e eu estava excitado por


isso e porque me sentia no controle de

mim, sentia como se houvesse tomado as rédeas da minha própria vida pela
primeira vez desde que havia chegado em Nova York. Sentia-me... certo.

— Porra... — xingou baixo, afundando os dedos na pele do meu quadril e


permanecendo parado.

— Continua — pedi, olhando-o com certa urgência. Harry estava mordendo


o lábio inferior com tanta força que parecia ser doloroso, o pescoço
vermelho e as pupilas dilatadas. — Por favor, continua...

Ele o fez, erguendo o quadril para que seu pau deslizasse devagar para
dentro de mim, molhado e me enchendo a cada centímetro. Segurou-me
com as duas mãos e quase o senti tremer quando me inclinei para beijá-lo,
permitindo uma posição mais apropriada para que ele continuasse a me
penetrar. Sua boca se abriu contra a minha e engoliu todos meus suspiros de
prazer e de dor intercalada, espalmando as mãos na minha bunda e
aproveitando para ir até o fim, o que fez longos e excruciantes segundos
depois nos quais ficou parado para que eu me acostumasse.

Eu o senti inteiro dentro de mim pela primeira vez, senti-o pulsar quando
me contraí ou quando lambi seu lábio inferior e sua língua, gemendo
baixinho contra seu queixo e continuando a segurá-lo perto. Era a coisa
mais estranha, dolorosa e prazerosa que eu já havia sentindo, misturando
pequenos pontos de prazer entre os jatos de dor que me preenchiam a cada
vez que eu me movia devagar para acomodá-lo.
— Tudo bem? — Harry questionou baixo, beijando minha bochecha e
deslizando a mão para baixo, entre minha bunda. Senti seu polegar e dedo
indicador circularem minha entrada e tocarem ali, exatamente onde seu pau
estava me alargando e pulsando num ritmo repetitivo e forte. — O fato de
eu conseguir sentir o quanto você está aberto pra mim está me deixando
louco.

— Assim? — perguntei e me movi para cima. Seu pau deslizou para fora e
fez um ruído molhado por causa da quantidade de lubrificante e eu tive que
me segurar e apoiar contra seu peito. — Harry– ah... Pode se mexer, por
favor...

Ele me abraçou e me deixou pressionado contra seu peito, segurando-me


com força e com a boca próxima ao meu ouvido. Ainda esperou alguns
instantes, sussurrando palavras aleatórias e dando impulsos minúsculos para
que nossa conexão, em todos os sentidos, ficasse ressaltada.

Então, ergueu o quadril e começou a se mover devagar após eu abrir mais


as pernas e, por outro lado, fechar os dentes no seu pescoço, contendo os
gemidos e descontando o restante de dor na mordida. Seu cheiro me
deixava praticamente embriagado a cada vez que seu pau se movia para
dentro, entrando e pressionando as paredes internas.

Beijamo-nos a cada movimento, não nos importando com a


descoordenação, até porque a forma que ele murmurava que aquela era a
melhor noite de sua vida, a melhor experiência, me fazia ciente de que era
algo mútuo e igualmente extasiante para nós dois. Harry acelerou as

estocadas pouco a pouco, pressionando minha próstata e gemendo rouco no


meu ouvido, dizendo meu nome por cima das batidas altas do meu coração
e dos próprios grunhidos que deixavam minha boca.

O calor subiu pelo meu corpo e tapou o restante de dor como uma
substância poderosa, fazendo-me sentir prazer e prazer. Sentei-me no seu
colo e coloquei as mãos no seu abdômen, não ligando para os músculos
cansados das coxas ou como uma pressão específica na minha próstata fez
meu pau pulsar e pingar pré-gozo na trilha de pelos abaixo do umbigo de
Styles. Com a ajuda dele, me movi no seu colo, impulsionando-me para
cima e para baixo com os olhos fixos aos seus, que desviavam para o meu
pau, quadris ou meu rosto vez ou outra. Era tudo tão novo, cada toque e
sensação inalcançável, e era impossivelmente incrível; como descobrir a
porra de um novo sabor preferido. Seus dedos pressionaram minha cintura
quando me contraí em volta dele e subi e desci dessa forma, vendo-o jogar a
cabeça para trás e gemer baixo.

A partir daí, quando ele viu que eu estava seguro o suficiente, virou na
cama, ficando por cima, e colocou minha coxa no seu ombro, segurando a
outra firmemente quando começou a literalmente me foder, gemendo meu
nome e empurrando os quadris com força contra os meus.

Seu cabelo caiu em frente ao seu rosto quando ele lambeu os lábios e
envolveu a mão em torno do meu pau, movendo-a para cima e para baixo e
parecendo gostar da forma que eu agarrei os lençóis e o assistia em cima de
mim como a imagem mais divina. A forma como Harry me

encarava era doce e faminta ao mesmo tempo, e todos os suspiros e


barulhos secos de pele contra pele que reverberavam pelo quarto
compunham algo pela primeira vez que eu nunca seria capaz de esquecer.

Agarrei-o e o fiz me beijar quando sussurrou, em um tom urgente, que iria


gozar. Pedi para que o fizesse dentro de mim e, poucas estocadas depois,
gozou enquanto arfava contra minha boca. Preso a esse estado entre
consciência e nível flutuante, começou a me masturbar, empurrando os
quadris para que minha próstata fosse acertada de segundo em segundo.

Alcancei o orgasmo, arqueando as costas e cercado pelas sensações mais


enlouquecedoras, beijando qualquer parte do garoto em cima de mim que
conseguia alcançar. E

quando ele amarrou o preservativo e deixou no chão ao lado da cama para


que pudesse me beijar, os corpos suados e exaustos, eu afirmei para mim
mesmo que, naquele instante, era realmente capaz de alcançá-lo por inteiro
para que pudesse beijar todas as suas partes.

Até mesmo as machucadas.


Chapter Eighteen
— Em que você está pensando?

Olhei para cima, não parando de esfregar meu pé no tornozelo de Harry por
um único segundo. Quando vi seu rosto iluminado pela luz dourada dos
abajures e uma curva preocupada nos lábios, voltei a deitar a cabeça no seu
peito. Deixei um beijo demorado logo abaixo de um arranhão pequeno,
minha mão espalmada perto do seu umbigo, a um centímetro de onde seu
membro estava encostado ao abdômen.

— Em nós dois — respondi. — Em tudo, acho.

— Está tudo bem? Você está arrependido?

Havia tanta preocupação transbordando em sua voz que foi inevitável não
subir um pouco na cama para que ficássemos frente a frente. Coloquei as
mãos nas suas bochechas quentes e deixei o primeiro beijo na sua boca, sua
mão imediatamente vindo para a base da minha coluna quando inclinei a
cabeça e coloquei a coxa em cima das suas pernas.

— Não, não estou arrependido — outro beijo, dessa vez mais longo para
que eu pudesse chupar seu lábio inferior.

— Como poderia me arrepender? — parei a centímetros do

seu

rosto

sorri.

Harry

me
acompanhou

hesitantemente, percorrendo meu rosto inteiro com os olhos. — Obrigado


por me fazer sentir confortável.

— Isso não é uma coisa pela qual você deveria agradecer.

É assim que deve ser, é assim que você deve se sentir: confortável com
qualquer coisa que esteja fazendo e em qualquer relação que esteja
entrando, entendeu? —

endureceu o tom nos últimos segundos, como se estivesse me dando um


conselho para a vida inteira. E realmente era isso: ele queria se certificar de
que quando fosse, eu estaria com isso na cabeça. Respirei fundo. — Eu
quero que você sempre se sinta bem.

Fique. Fique, por favor. Afirmei com a cabeça, deitei no seu ombro e deixei
meus dedos repousarem no seu pescoço, esfregando a pele sensível ali.

— Quero que você vá ao festival comigo. Escutar Cage The Elephant com
suas mãos em mim e sua voz acompanhando as músicas por cima da
multidão. Por favor.

— Você vai me deixar tirar fotos suas? Se não, nem quero ir — brincou,
mas pela forma que sua mão apertou minha cintura, eu sabia que já havia
ganhado a batalha.

— Pensei que Michelangelo fizesse pinturas, usasse uma tela, o pincel e–

Harry me colocou em cima dele e começou a rir antes mesmo de rebater


minha frase, o nariz franzindo e as covinhas cavando buracos nas
bochechas conforme ele tentava segurar a risada com os lábios apertados.

— Você quer que eu use meu pincel de novo?

— Harry! — exclamei, contorcendo-me para fingir que queria escapar e


que estava indignado com aquela frase.
Ele me abraçou com mais força. — Não aceito esse tipo de piada, não, não.
Não compare seu pênis com um pincel na minha frente porque–

— Meu pênis é muito maior — balançou as sobrancelhas diversas vezes e


eu dei um tapa no seu peito, perdendo o ar de tanto rir. — Fala a verdade,
Louis. Você sentiu todo o poder e talento de Michelangelo em cada
pincelada, né?

Eu grunhi de frustração e ele ainda estava rindo quando me puxou para


beijá-lo, agarrando minha bunda rapidamente e enviando uma leve rajada
de dor pelo meu corpo devido à ardência daquela área. Separei os lábios
quando sua língua lambeu rapidamente meu lábio inferior e abri as pernas
no seu colo, acariciando os cachos.

— Posso chupar você? — perguntei, afastando-me rapidamente para sentir


seu pau endurecendo contra minha bunda.

— Porra... pode, Lou. Pode. — respondeu, tirando a coberta de cima de nós


dois. — Por favor.

Acabei virado em cima dele, minha bunda no seu rosto e seu pau entre
meus dedos. Com suas instruções sussurradas, chupei-o pela primeira vez e,
antes de terminar, Harry me fez gozar de novo com a língua lambendo

insistentemente

minha

bunda

enquanto

estocava para dentro da minha boca e gemia entre um movimento e outro.

•••

— Harry — Mark chamou Harry do outro lado da mesa, horas mais tarde.
Meu garoto ergueu a cabeça, alguns cachos ainda úmidos e as bochechas
vermelhas por um motivo que só eu sabia. — Seu pai é empresário, não é?
O

sobrenome Styles é muito conhecido aqui em Nova York.

— Sim, ele é — respondeu para as duas afirmações, sorrindo pequeno e


educadamente antes de abaixar a cabeça para continuar a comer.

Escondi o sorriso em volta da garfada de massa com vieiras, mastigando


silenciosamente. À mesa, a tensão parecia ainda mais densa e praticamente
palpável, pairando acima de nossas cabeças como uma nuvem escura. Harry
preferia comer com apenas uma mão a largar a minha embaixo da mesa, e
isso me confortava para reduzir um pouco a ânsia que estava em voltar para
casa.

Felicite não me olhou, mas havia algum gesto desesperado em tudo o que
ela fazia desde que havia me

contado aquilo. Eu a ignorei. Lottie conversava comigo vez ou outra,


fazendo comentários aleatórios, e foi o que me distraiu até o instante em
que Mark me chamou:

— Você pretende fazer faculdade, Louis?

— Provavelmente.

— E para onde quer ir?

As entrelinhas da frase me revelaram que ele queria pagar pela minha


faculdade, a julgar pelo tom interessado e o leve tom implícito dizendo "eu
tenho dinheiro o suficiente".

— Pretendo ser aceito na UCL com uma bolsa — na verdade, meu sonho
sempre foi a NYU, a majestosa e histórica universidade de Nova York. —
Caso não, provavelmente vou encontrar um lugar que se encaixe no
dinheiro que tenho.

Mais alguns segundos. Ele mastigou antes de dizer o que eu já esperava.


— Eu poderia pagar.

— Não, você não poderia.

— Eu poderia– digo, eu posso. Louis, é minha obrigação como seu pai,


assim como também vou pagar pela universidade de Lottie e Fizzy. Leve
como uma extensão da Wye Hill.

Harry apertou mais minha mão e eu tive de cerrar o punho sobre a mesa
para que não me levantasse e os deixasse.

Charlotte me lançou um olhar de puro alarde em minha frente e eu respirei


fundo, calculando as palavras:

— A "obrigação" de um pai, assim como você quer chamar, não se limita às


coisas que o dinheiro pode comprar, Mark. Mas obrigado pelos presentes
mandados ao longo dos anos... eles só me fizeram perceber que minha mãe
é a pessoa que me dá tudo. Não você.

Pelos próximos minutos, o silêncio voltou a reinar sobre a mesa e eu voltei


a me acomodar para que Harry continuasse comendo.

Fomos embora dois dias depois, em uma sexta-feira chuvosa em que as


calçadas de Nova York eram inundadas pela água e pelos guarda-chuvas
coloridos tentando tomar espaço. Estava cansado. No dia anterior, Lottie
havia puxado Harry e eu pelas ruas ao seu lado para que ela pudesse
comprar as besteiras mais irrelevantes enquanto Styles tirava fotos e me
mantinha embaixo do seu braço. À noite, todos nos reunimos na sala e
assistimos a dois filmes do Poderoso Chefão; foi tranquilo porque ninguém
insistiu em trazer algum assunto mais sério a tona.

Mark me entregou um cartão preto particular com seu nome, email,


endereços e telefones delineados em uma letra floreada, e não insistiu para
que eu o abraçasse, o que foi uma decisão inteligente. Felicite sorriu, de
longe, e após os abraços longos de Charlotte nos dois, o período de tortura
acabou e nós entramos no carro para voltar pra casa.

Entreguei o cartão a Harry e pedi para que ele fizesse o que achasse melhor.
Finalmente.

•••

De onde estava sentada na minha cama, dobrando as roupas que tinham


sobrevivido à viagem, limpas, Jay ergueu a sobrancelha e sorriu daquela
forma que eu havia sentido tanta falta nos últimos dias, os cabelos caindo
pelo rosto e a camiseta velha e desbotada caindo nos seus ombros. Os olhos
ainda estavam inchados devido à quantidade de lágrimas que rolaram
quando Lottie e eu chegamos em casa.

— Um festival? — repetiu, dobrando as mangas de um suéter de lã lilás que


era de Harry. Começou a listar: —

Com Styles. Por dois dias. Logo após a viagem de Nova York. A alguns
quilômetros de Londres.

— Você me mandou para Nova York! — exclamei, usando meu argumento


mais forte, mesmo que ainda estivesse tranquilo. — Me fez ficar com
aqueles dois por dias. O

festival é seguro, mãe. O primo de Harry também vai com a namorada.


Zayn e Liam, provavelmente.

— E onde você vai dormir, Louis? — pelo timbre mais leve, sabia que
havia a convencido.

— Em barraca.

— E você promete que vai usar preservativo para não engravidar?

Ri baixo, sentando-me na cadeira em frente à cama e esfregando o rosto


com as mãos, tentando afastar as imagens de três noites antes. Jay estava no
quarto também, pelo amor de Deus.

— Estou começando a achar que realmente posso engravidar e você está


escondendo isso de mim, mãe.
Encolheu os ombros e se levantou ao terminar de dobrar a última camiseta.
Veio até mim e beijou minha testa por longos segundos, as mãos
ligeiramente geladas para combinar com a temperatura do dia e o vento
preguiçoso que entrava pela janela.

— Eu dou esses conselhos para Lottie, então economizo as palavras. O que


vale para você, vale para ela; que se danem as condições biológicas —
brincou, depois deixou outro beijo na minha bochecha. — Depois quero que
você me conte mais sobre Nova York. Tudo. Essa sua carinha não me
engana, eu sei que tem bem mais por trás alem do fato de você ter visto
eles. Diga para Harry vir jantar em casa e conversar comigo sobre o
festival.

Saiu do quarto, batendo a porta levemente atrás dela e me deixando olhando


para as próprias mãos, impedindo a todo custo que as lembranças de
Felicite me contando, aquele homem na cozinha, voltassem a me assombrar.
Eu estava bem longe de Nova York; era isso o que importava.

— Pronto? — Harry perguntou, segurando o volante e com o canudo do


copo do McDonalds encaixado no canto dos lábios. Sorri de volta e afirmei
com a cabeça, passando o cinto sobre meu peito. — Angel, Niall e Tarado e
Safadinho já estão lá.

— Tarado e Safadinho? — ergui o volume da música do Sleeping At Last,


preparado para a viagem de quatro horas.

— Tarado é o Liam, Safadinho é o Zayn — explicou, abrindo a boca


rapidamente para que eu o desse mais batata-frita. Mastigou, os óculos
Aviador pretos deixando-o tão bonito. A camisa xadrez vermelha
contrastava com sua pele pálida e o casaco preto por cima formavam uma
imagem tão garoto de fraternidade que meu peito doeu ao perceber que ele
nunca teria isso. Nunca participaria de festas, nunca jogaria futebol pela
universidade ou, em outra hipótese, tiraria fotos na graduação. — Não
parece?

— Nós somos o quê, então?


— Michelangelo e Tommaso. Esqueceu?

— Um casal clássico.

— Bonito.

— Inesquecível — completei.

Harry pegou minha mão e a levou até os próprios lábios gelados, beijando
os nós dos meus dedos. Sussurrou contra minha pele:

— Eu daria tudo para que você se esquecesse de mim.

Eu nunca iria esquecê-lo, e não precisei de palavras para dizer isso. Ele
sabia.

Sua mão permaneceu na minha coxa, como sempre, e a estrada à nossa


frente estava vazia e tomada somente pelos pneus do Audi e o horizonte do
sol poente que, por vezes, passava a impressão de fundir-se com o asfalto

cinza. Harry cantava suavemente, enrolando as palavras lentamente, e entre


uns minutos e outros, eu me inclinava para beijar seu ombro.

Foi em um desses beijos que, duas horas depois, eu senti o carro parando
devagar próximo ao acostamento que nem sequer parecia como um mais.

Olhei-o, em dúvida.

— Olha aquilo — disse, acenando com a cabeça em direção ao outro lado


da estrada. Vi um campo de girassóis, as flores viradas para o pouco de sol
que restava para extrair o máximo que pudessem. —

Preciso tirar fotos. Vem.

Ainda atônito, assisti Styles sair do carro e deixar o casaco no banco de


motorista antes de abrir a porta de trás para pegar a câmera. Colocou a faixa
em volta do pescoço e me olhou, bufando, para deixar claro de que já estava
irritado com minha demora. Também saí do carro, dei a volta nele e parei ao
seu lado, imediatamente pegando sua mão para que pudesse me sentir um
pouco mais seguro em relação a ser morto no meio dos girassóis enquanto
ele acionava o alarme do carro.

— Nós vamos ser sequestrados e a culpa vai ser sua —

eu disse quando começou a atravessar a estrada, imediatamente pisando no


solo mais fofo. A terra abaixava sob nossos pés, e agradeci por estar com o
All-Star preto.

— Sério, H. Nós vamos ser estrangulados pelo Maníaco dos Girassóis.

— Se você parar de falar isso, eu te conto um segredo.

Oh, ótimo. Segredos. Como a alma gentil e a pessoa tomada por amor dos
pés à cabeça, Harry cuidou para que não pisasse em um único girassol
enquanto abria caminhos entre os longos caules, sempre segurando-me com
os dedos esguios e magros, e tirava fotos vez ou outra quando encontrava
algum bom ângulo. Algumas flores inclusive ultrapassavam ligeiramente
minha altura e eu precisava ficar nas pontas dos pés para que conseguisse
sentir os raios de sol nas minhas bochechas.

— Estamos dentro dos limites de Holmes Chapel — disse, virando o rosto


por um instante. Fui o espectador particular escolhido para admirar a forma
que a luz do sol contornou a lateral do seu rosto e enfatizou o rastro de uma
covinha.

— Eu morava nessa cidade. Foi uma infância boa, acho.

Desmond não gritava tanto, então levo isso como vantagem. Sabe por que
todos os poetas, escritores e escritoras enaltecem a infância?

Demos mais dez passos contados antes de parar. Harry se sentou no chão,
na terra seca, e após me olhar com as sobrancelhas erguidas, se deitou e eu
o acompanhei. Os girassóis abriam-se em volta de nós, deixando um espaço
razoável e dando a impressão de que haviam nascido no círculo daquele
espaço reservado somente a nós dois.
Olhei para o céu. Não era azul, mas o sol estava começando a subir por
entre as nuvens, que adquiriam rajadas laranja na superfície cinza.

— Por quê?

— Porque crianças não têm noção da angústia que nos toma

quando

crescemos

percebemos

que

somos quase nada.

Elas

acreditam

viver

por

um

propósito... aos quinze, percebemos que esse propósito é uma tentativa cega
de se convencer que somos algo —

me olhou após tirar os óculos. Não sorriu. — Sartre e todo o


existencialismo, sabe? A única maneira de suprir o vazio é acreditar ser
algo. E hoje, em todo lugar, tanta gente passa tanto tempo tentando ser igual
a outras pessoas que acaba se esquecendo de ser o pouco que realmente é.

Acabam sendo mais vazias do que nós já somos naturalmente.


Me perguntei se Harry já estava tão repleto de angústia a ponto de esse
sentimento vazar pelos seus poros, sufocá-

lo. Foda-se Sartre, pensei.

— Você se lembra de quando nos falamos pela primeira vez? — perguntou,


traçando linhas imaginárias na palma da minha mão. Acenei com a cabeça,
sorrindo pequeno. O

doce dia em que meu maior problema era descobrir se ele era hétero ou não.
— Eu te falei que algum dia contaria qual é a minha frase favorita de O
Retrato de Dorian Gray?

Yeah?

— Você vai me contar? — questionei em um fio de voz.

Afirmou com a cabeça. Virou-se e, como um movimento natural, encaixou


o rosto na curva do meu ombro, sua mão espalmada no meu abdômen e sua
boca roçando minha bochecha enquanto sussurrava as palavras que me
fizeram fechar os olhos mesmo com toda a beleza dos girassóis em volta de
nós, do sol esquentando minha pele e do próprio garoto reiterando uma
frase amarga:

— "Há coisas que são preciosas por não durarem."

Nós dois.

— Nós vamos nos transformar em galáxias algum dia —

continuou como se não houvesse percebido meu pulso acelerado sob seus
lábios, tão macios e portadores de tanta dor. — Não posso te prometer nada
em relação ao agora,

ao

presente,

mas
eu

posso

prometer

a sua eternidade. Talvez eu possa fazê-lo meu lá e esperar por tudo isso,
mesmo que ainda queira que você seja feliz aqui. Talvez eu possa te dar
todas as estrelas.

As primeiras delas estavam aparecendo no céu quando Harry me beijou e


parou por um único segundo para sussurrar e limpar minhas lágrimas com o
polegar, provavelmente desejando que pudesse limpar todo o passado, a
dor, os obstáculos com um movimento tão delicado e cuidadoso quanto.

— Te prometo a eternidade, Louis Tomlinson.

Encontramos Niall, Angel, Liam e Zayn sentados em uma roda de fogueira


com cobertas sobre os ombros e garrafas de cerveja nas mãos. A maioria
acomodada em volta do círculo era formada por casais rindo secretamente e
sussurrando um para o outro vez ou outra, entoando a letra calma de Stand
By Me com certa preguiça. Era tudo muito calmo, pés descalços e cheiro de
nicotina no ar.

— Por que vocês demoraram tanto? — Zayn empurrou meu ombro com o
seu quando me sentei ao lado de Harry, que já estava sendo cumprimentado
por algumas pessoas.

— Se perderam na estrada?

— Não. Desculpa por demorar, passamos comer em um McDonalds no


meio do caminho — Styles se enfiou na conversa, tirando o próprio casaco
para colocar sobre meus ombros apesar de também ter conseguido uma
coberta. Ao meu protesto, revirou os olhos e se inclinou para pôr a manta
em volta de nós dois. — Você está com mais frio que eu. E além disso,
costuma ficar extramente gelado com mais facilidade.
De onde estava sentada no colo de Niall com um casaco de lã e os cabelos
presos por uma tiara cinza, Angelina sorriu para mim.

— Tá tudo bem?

Tinha bem mais por trás daquela pergunta porque a forma que Liam parou
de tomar cerveja para prestar atenção a minha resposta já dizia bastante,
mas não me prendi a isso. Encolhi os ombros, afirmando com a cabeça.

— Sim, tudo bem.

O festival era caro, assim como os ingressos provavelmente tinham sido. E


as pessoas que estavam ali também tinham dinheiro, vindos de Londres ou
da América; foi por isso que Harry conhecia tanta gente e começou a
conversar com alguns dos garotos fumando maconha, apesar de ter
permanecido com o braço em volta de mim e a lateral do corpo colada a
minha. Foi por isso que uma garota de cabelos loiros, quase brancos, e
mechas cor-de-rosa pastel parecia conhecê-lo enquanto falava das festas
patrocinadas por pessoas que eu nunca tinha ouvido falar sobre.

Ela parecia legal, um sotaque forte atenuando as palavras, por isso deixei de
ouvir a conversa deles e virei o rosto para falar com Zayn, encontrando-o
com um pote de Pringles no colo. Conversamos pelos próximos minutos, e
contei sobre Nova York – deixando uma coisa ou outra de fora – enquanto
também comia e ouvia a voz de Harry ao fundo. Comecei a mencionar as
fotos que Harry havia tirado de mim, mas me lembrei de...

— O que é essa cara? — Zayn entreabriu os lábios em surpresa, os farelos


da batata caindo no próprio colo.—

Por que você tá me olhando assim?

Eu provavelmente deveria começar a beber para adquirir coragem líquida.


Mas já que álcool não era uma opção viável, enchi a boca de batata e
desviei o olhar, a mão de Styles na minha coxa não ajudando em nada.

— A gente meio que... — engoli a batata e franzi os lábios, ponderando


sobre a melhor forma de contar. — alcançou o equilíbrio térmico porque
Harry transferiu a temperatura corporal dele pra mim, e tal.

Ele arregalou os olhos, um sorriso maníaco se desenhando nos lábios finos


e a luz da fogueira deixando as maçãs do seu rosto mais proeminentes. —
Vocês transaram!

Encolhi os ombros como se não fosse nada, assistindo pelo canto dos olhos
Liam e Niall apostarem sobre quem bebia uma garrafa de cerveja mais
rápido. Angelina os apoiava, contando alto com a voz repleta de alegria e o
cronômetro do iPhone brilhando em meio às poucas luzes.

— É assim que os jovens chamam hoje em dia? — eu disse.

Com uma risada, Zayn se aproximou para beijar minha bochecha,


abraçando-me do jeito que dava com as cobertas no caminho e os braços de
Liam e Harry em nossas respectivas cinturas.

— Espero que tenha sido bom, do jeito que você merece e deve ser tratado,
Lou. Estou feliz por você — sussurrou, descansando a cabeça no meu
ombro. Ele não falaria a mesma coisa se soubesse de tudo. — Liam e eu
montamos a barraca de vocês, mas por favor, não façam muito barulho
porque ele e eu ainda não chegamos a esse estágio e eu meio que... quero?

—Quer o quê? — Harry questionou, subindo a barra da minha camiseta


para roçar os dedos diretamente na minha pele.

— Refrigerante — Malik sorriu daquela forma toda inocente e se virou para


alcançar a caixa térmica embaixo do banco em que estávamos sentados.

Styles estreitou os olhos. Por um segundo, olhou por cima do próprio


ombro e, ao virar, bufou e revirou os olhos; todo emburradinho. Levantei a
mão ao mesmo tempo em que ele levou o cigarro à boca, virando o rosto
para não assoprar fumaça em mim. Esfreguei os dedos nas linhas de
estresse entre suas sobrancelhas, fazendo-as desaparecer.

— Aquele cara está escutando nossa conversa há um bom tempo — disse


baixo, e eu tive que rir. — É sério, Louis.
Para de rir.

Olhei para onde ele estava apontando e encontrei um garoto loiro vestido
todo de preto, os olhos realmente fixos em nós dois de forma maníaca e
assustadora como se fôssemos uma comida ou, a julgar pela forma que seus
olhos estavam vermelhos, dois baseados em tamanho humano. Voltei a
olhar Styles, apertando os lábios com força para não começar a rir; ele ficou
da mesma forma quando comecei a falar:

— Hoje eu vou lamber você feito um picolé de abacaxi —

falei com a voz mais irritante reservada aos namorados-que-falam-com-voz-


de-criança.

Harry quase engasgou com a fumaça do cigarro e a risada travada na


garganta juntas. Com o maior esforço, permaneci sério. Ele continuou:

— Sua linguinha é a coisa mais sexy e linda que eu já tive no meu corpo,
exceto por aquela vez que fizemos um threesome com seu tio e ele jogou
calda de chocolate no meu corpo enquanto eu estava amarrado.

Pesado, sibilei com um sorriso. O garoto continuava nos olhando, o olhar


faminto passado para um assustado.

— O tio Marquinhos, né. Me lembro dele... que noite maravilhosa. Nunca


lambi tanto chocolate.

— Às vezes ainda acho que consigo sentir a careca do Marquinhos entre


minhas pernas. Ele tinha um distúrbio que não permitia que cabelos e pelos
crescessem, se eu

não me engano. Era por isso que a bunda dele era toda peladinha e-O garoto
se levantou no mesmo instante, afastando-se o mais rápido que pudesse e
tropeçando nos próprios pés, e Harry e eu permanecemos nos encarando
com as risadas ameaçando escapar a qualquer instante; os lábios
pressionados e os olhos fixos um no outro. Até que ele sussurrou "que Deus
tenha Marquinhos e sua glicose alta"
e eu soltei uma gargalhada tão alta que todos em volta de nós nos olharam.
Mas todo mundo tinha fumado muita maconha, então não demorou para
que começassem a rir também sem nenhum motivo aparente.

Harry riu, apertando mais o cobertor em volta de nós e mal conseguindo


tragar o cigarro. Ouvimos Angel exclamar

"quem diabos é o infeliz do Tio Marquinhos?!".

Fomos para a barraca algumas horas depois, após Harry tomar algumas
cervejas, me obrigar a comer mais batatas e tomar água para não ficar
desidratado. Deitamo-nos de cabeça para baixo no amontoado de cobertas,
de forma que nossas cabeças ficassem viradas em direção à entrada e
nossos olhos fixos ao céu através da rede fina para impedir que mosquitos
entrassem.

— Poderíamos nos transformar em galáxias — ele disse de repente após


enumerar suas músicas preferidas de Cage The Elephant, os dedos finos
segurando o cigarro de maconha antes de levá-lo aos lábios inchados e
secos. —

Eu gostaria de ser uma. À noite, quando não consigo dormir, penso que
Anna se transformou em uma. Não em

estrelas; a maioria está morta, a maioria desaparece. Mas galáxias... elas


estão ali há bilhões de anos.

Nossas típicas meias de peixinhos e tartarugas estavam nos nossos pés, cada
um com uma meia de um par diferente de forma que ficássemos com os
Menos e os Michelangelos igualmente. Olhei para elas antes de fazer um
gesto com os dedos, pedindo para que ele me desse o cigarro de maconha.
Harry engoliu em seco, virando o rosto para mim.

— Você quer fumar?

— Quero experimentar, ver como é... não é como se fosse me matar.


No instante em que as palavras saíram da minha boca, arregalei os olhos e
tentei explicar que não era exatamente aquilo o que eu queria dizer, mas
Meno balançou a mão e me passou o cigarro de maconha, sorrindo
pequeno.

— Não precisa se explicar, Louis. Morte não é um gatilho para mim —


disse naturalmente, enfiando os dedos entre os cabelos que ficavam cada
dia maiores. — Dá um trago curto, segura por poucos segundos e depois
solta, mas não... — assim que ele falou, puxei com força e quase engasguei
com a quantidade de um gosto diferente, um pouco forte demais, encheu
minha boca e entrou pela garganta, a secura me fazendo tossir. Harry riu ao
meu lado e esfregou minhas costas enquanto eu tentava me recuperar. — Ia
falar para não ir rápido. Tragar devagar.

Tentei de novo, e dessa vez, realmente consegui.

Segurando por poucos segundos, depois soltando e

fechando os olhos ao deitar a cabeça no amontoado de coberta. Senti-o tirar


o baseado da minha mão, ele se movendo por poucos segundos antes de se
aproximar.

Mesmo de olhos fechados, eu sabia que Harry estava se inclinando sobre


mim, quase o senti dar outro trago.

— Relaxa — sussurrou, sua mão na minha barriga. —

Abre a boca.

Obedeci e também abri os olhos a tempo de vê-lo dar um trago, sugando as


bochechas rapidamente, antes de se aproximar para que pudesse soltar a
fumaça dentro da minha boca. Sua mão veio para a base do meu pescoço e,
no outro segundo, seus lábios estavam nos meus, sua língua encontrando a
minha enquanto eu o tocava em qualquer parte conseguia.

Em algum lugar da área de acampamento, alguém tocava Blackbear alto, os


trechos de Chateau ecoando em minha cabeça enquanto Harry tirava minha
roupa e eu tirava a dele, tudo parecendo leve e restrito demais. Restrito à
sua boca, ao seu corpo, à forma que ele gozou com um gemido

alto

quando

eu

sussurrei

que

estava

completamente apaixonado por ele.

•••

— Eu odeio vocês! — Liam grunhiu, batendo o dedo indicador no centro


do meu peito antes de fazer o mesmo no peito de Niall. — Zayn e eu
tivemos que ouvir vocês transando e gemendo e falando coisas nada a ver.
Harry e Louis na barraca à esquerda, Niall e Angelina à direita.

Angel riu baixinho e continuou a colocar glitter cor-de-rosa nas maçãs do


meu rosto antes de jogar o resto do potinho nos próprios seios, derrubando a
maior parte na blusa branca de renda.

— Prontinho — disse, mexendo-se para que o sol pegasse em seu busto e


refletisse todo o brilho. — Muito brilho, lindo. Onde Harry está?

— Foi pegar mais cerveja antes que o show comece —

respondi, dando espaço para que duas garotas de mãos dadas pudessem
passar. — Por quê?

— Está tudo bem? — ela questionou, mais particularmente agora, erguendo


as mãos para que pudesse ajeitar meus cabelos com as pontas dos dedos.
Sorriu para Niall quando ele nos entregou brownies com nozes, o que foi o
nosso único café da manhã. — Harry meio que brigou com Niall quando
vocês estavam em Nova York.

— Por quê?

Encolheu os ombros, dando uma mordida no bolinho.

— Você sabe por quê. Às vezes eu tenho a impressão de estarmos


contribuindo para tudo isso quando agimos normalmente,

quando

fingimos

que

nada

está

acontecendo e quando ele mesmo age assim —

murmurou, limpando os farelos de brownie no canto da boca. — Quando


aceitamos vir ao festival, participar da festa de Ano-Novo, sabe? Harry
pensa que ninguém se importa, que nós estamos deixando acontecer.

— Não estamos contribuindo e ele não pensa assim, Angel

— Liam disse, aproximando-se. Niall e Zayn conversavam

com mais dois garotos que haviam aparecido do nada, e me deixei sorrir por
um segundo ao perceber que meu melhor amigo estava conversando com
outras pessoas sem precisar apertar minha mão com força. — Mas também
não estamos o ajudando. Eu só tenho medo da possibilidade de tudo isso
que é externo, esse mundo, Louis, você, eu, não fazermos diferença alguma
para ele.

É ridiculamente difícil saber o que Harry sente... ele passou a vida inteira
construindo isso dentro dele. Anna foi meio que o gatilho.
Angelina suspirou, colocando os óculos para cobrir os olhos vermelhos.

— Conversar com alguém o ajudaria muito. Eu também estive ali quando


iniciei o tratamento, também precisei conversar com um profissional por
causa dos abusos da minha mãe e pensava que eu era errada, tinha sido feita
de forma incompleta ou algo assim. Minha psicóloga tem um filho
transexual, e me ajudou muito. Mas não podemos submetê-lo a isso, forçá-
lo.

Os

comprimidos

estão

fazendo

efeito.

É irreversível — sussurrei. — Não consegui mudar isso.

Liam apertou meu ombro em um gesto confortante. — Não acho que


poderíamos, Louis. Mas... — ele hesitou por um único segundo. — Harry já
te contou sobre as–

Dois braços envolveram minha cintura e lábios quentes cobriram a pele do


meu pescoço.

— Refrigerante pra você — Harry colocou uma garrafa de vidro pequena


na minha mão que não estava segurando o brownie. — adoro te ver usando
minha camiseta.

Sorri, olhando para a camiseta do Kiss larga no meu corpo. Virei a cabeça
para que pudesse olhá-lo. Harry também
tinha

glitter

cor-de-rosa

nas

bochechas,

contrastando com a camiseta preta e os jeans rasgados nos joelhos. Seu All-
Star estava sujo, combinando com o meu.

— Cage The Elephant começa daqui a quinze minutos —

eu disse. Angelina e Liam haviam saído de perto, dispersando a conversa.


Fitz and the Tantrums tocava ao fundo, um coro amador na plateia
composto por centenas de pessoas acompanhando a toda empolgação. Por
cima de seus ombros, vi uma pequena barraquinha à margem da área de
areia com uma placa escrita "Faça Sua Camiseta". Olhei meu Meno me
encarando com a sobrancelha erguida, as pessoas se acumulando em volta
de nós. Tive uma ideia. — Fique aqui.

— O quê?

— Fique — repeti.

Harry provavelmente estava me observando de longe, assegurando-se de


que eu estava bem, mas não virei a cabeça para ter certeza quando caminhei
por entre as pessoas, pedindo licença a algumas e – rudemente, assumo –
empurrando com a maior habilidade possível outras que estavam bêbadas
demais para ouvir o pedido do garoto baixinho nadando em uma camiseta
do Kiss.

Alcancei a barraca segundos depois, sentindo o sol nas

minhas costas enquanto esperava a fila andar, comia o brownie e batia a


mão no bolso de trás para me certificar de que a carteira ainda estava ali.
Quatro euros por uma camiseta
feita

tinta

de

tecido

que

secava

instantaneamente.

Wow, Louis.

Cerca de dez minutos depois, as garotas loiras em minha frente pegaram a


camiseta e um homem de cabelos longos, traços orientais e sorriso gentil
me cumprimentou.

Estava sem camiseta, vestindo uma calça de tecido de camuflagem e botas


de combate em couro. Sorri de volta.

— Aoki ao seu dispôr, Peter — colocou o pincel no canto da boca, fazendo


as palavras saírem meio atrapalhadas.

— Qual vai ser?

— Peter?

Ele franziu as sobrancelhas, como se fosse óbvio. — Peter Pan. Você é a


personificação daquele personagem... e então? A camiseta e o tamanho
dela, Peter.

Encolhi os ombros e recitei as palavras de forma clara.


Aoki não questionou, somente afirmou com a cabeça e começou a escrever
em letras garrafais.

— O que é isso? — Harry me olhou, parado no exato lugar. Abaixou a


garrafa de cerveja antes de encarar o tecido dobradinho na minha mão. —
Como você sabia?

— Sabia o quê?

— Que hoje é meu aniversário.

Minha boca caiu. Meu cérebro caiu. Meu oxigênio acompanhou e minhas
pernas tremularam enquanto eu o olhava, um sorriso nascendo no canto dos
seus lábios. A questão era que eu não sabia.

— Como assim hoje é seu aniversário?! — exclamei. Harry ignorou e


pegou minha mão, guiando-me em direção ao lugar próximo ao palco, onde
o pessoal estava, e passando pelos minúsculos espaços entre as pessoas;
mesmo que eu ainda estivesse puto. — Por que você não me disse?! Por que
Niall não me disse?

— Não é grande coisa. Niall provavelmente se esqueceu, Liam me deu


parabéns ontem de madrugada, mas... tanto faz. É só mais uma data, Louis.

— Você está fazendo vinte anos — murmurei, sentindo meus dedos


afrouxarem em volta da camiseta. Sentia-me inútil, o coração despedaçado
e a vontade de levá-lo para qualquer

canto

no

mundo

merecedor

de
uma

comemoração ao seu nível só crescendo dentro de mim.

— É grande coisa.

— Não, não é. Relaxa — parou e se virou pra mim. — O

que você está segurando?

Parecia algo extremamente bobo àquela altura, mas de qualquer forma,


entreguei a ele de cabeça baixa e envergonhado. Harry me olhou por alguns
instantes e deu a garrafa de cerveja para eu segurar antes de começar a
desdobrar a camiseta, e o que seguiu foram segundos excruciantes de
silêncio. Tive que erguer a cabeça.

Encontrei-o com um sorriso que fazia seus olhos quase fecharem. O nó no


meu estômago diminuiu, e sumiu completamente ao que Harry tirou a
própria camiseta, os braços flexionando ao expor o abdômen e o peito, e
vestiu a que eu dei a ele no lugar, parecendo tão encantado com algo tão
barato e tão pequeno.

— Gostou? — perguntei em um fio de voz. — Feliz aniversário.

Olhou mais uma vez para baixo e eu fiz o mesmo, relendo as palavras:

"Tommaso não quer ser Dory."

Para não esquecer Meno.

— Nós somos Cage The Elephant! Agradecemos a oportunidade de estar no


Leeds Festival, e esperamos que a experiência extraordinária seja mútua! —
o vocalista gritou,

sendo

seguido

por
gritos.

Harry

sorriu,

aproximando-se para apertar minha cintura. Ele amava aquela banda, amava
a música, amava a sensação. Eu era um intruso em suas paixões. — E essa é
Come A Little Closer!

Meno sorriu para mim, colocando a própria camiseta anterior em volta do


pescoço. Angelina e Zayn nos assistiam de longe, uma garota ao nosso lado
gritava cada uma das palavras e o calor de todas aquelas pessoas estava me
fazendo suar, o glitter saindo nas pontas dos meus dedos quando os
esfreguei nas bochechas. Garotas e garotos olhavam Harry e encaravam os
bíceps dele, proeminentes devido às mangas enroladas da camiseta, e

pareciam sentir-se atraídos pela forma que ele sorria de lado como se
tivesse todos os segredos do mundo contidos nas palmas de suas mãos.
Sussurrou "come a little closer", um pequeno sopro de ar entre todas as
exclamações. E eu fui. Segurei seus cachos, abracei-o com força e senti sua
pele quente sob meu toque enquanto praticamente o absorvia, assim como
os raios fortes de sol absorviam toda e qualquer palidez restante em nossos
corpos.

Segurou meu quadril. Nos balançamos devagar em ritmo com a música,


inspirando o cheiro de cigarro, de cerveja, de

adolescentes,

tão perdidos.

Éramos

ninguém,

desconhecidos.

Quando a próxima música começou, ele me segurou forte.


E

eu

me

senti

desorientado,

inconsequente,

completamente apaixonado e idiota.

And I try to find the will to carry on, wonder how much longer I can carry
on, cause these days they take so long, yes they do

Viciado na sua boca, na ilusão de que, em seus lábios, não haviam


resquícios dos comprimidos.

Hey, how are you true? The light will guide you home, yes it will

Mais glitter explodiu sobre nós dois e caiu nas suas bochechas, cabelos e
nos meus braços em volta do seu pescoço. Agarrei a barra da sua camiseta,
beijamo-nos mais, agarrei-o com mais força. Niall o puxou segundos
depois, fazendo com que eles pudessem dançar juntos

após eu rir e balançar a mão como se dissesse "tudo bem". Angel dançou
comigo, ao invés, e eu gritei a letra da música enquanto a via engolir o resto
da cerveja na garrafa.

Hey, how are you true? Well, there's one thing that you should know, yes
you should

Harry ergueu os braços, fechou os olhos. Gritou a continuação da música e


eu, tendo os olhos fixos ao meu garoto, acompanhei com sussurros dirigidos
a ele; somente a ele:

You need love, you need love, you need love...


Chapter Nineteen
"But I crumble completely when you cry. It seems like once again you've
had to greet me with goodbye."

Na segunda-feira pela manhã, estávamos de volta à Wye Hill.

De bochechas vermelhas por causa do sol em Leeds, com as pernas


cansadas por ter andando entre os vários palcos e a voz falha e
completamente rouca após dois dias de show, praticamente me arrastei
pelos corredores da escola ao lado de Zayn, que também não estava numa
situação muito melhor. As duas primeiras aulas foram passadas em um
ritmo extremamente entediante, preenchidas com bocejos e os olhares
estranhos para cima de mim por

parte das pessoas que, por um motivo ou outro, não conseguiam aceitar que
Harry e eu estávamos, tipo... juntos.

— É um desperdício — uma garota comentou com a outra por cima do


livro de Virginia Woolf. Eu sabia de quem elas estavam falando, e não
pareciam fazer esforço algum para esconder. — Você não acha? É Harry
Styles, o capitão.

Que nada a ver gostar de pau assim, do nada. Aposto que está naquela onda
toda gay.

Zayn virou a cabeça lentamente em direção a elas, tirando a atenção do


próprio iPad escondido sob a mesa. Seu cabelo também estava bagunçado e
as olheiras eram perceptíveis, mas os olhos afiados em cor de âmbar
provavelmente

compensavam

qualquer
imperfeição

temporária nele.

— O que você disse, amor? — perguntou à primeira garota, virando o corpo


inteiro em direção a ela. Arregalei os olhos, acompanhando a cena quase
em câmera lenta quando ela se virou para respondê-lo com uma sobrancelha
erguida e a boca meio aberta, como se não acreditasse que Malik estava
falando com ela. Bem, nem eu. Antes que eu pudesse impedir, ela repetiu e
ele continuou, cerrando o maxilar de uma forma que só fazia quando estava
bravo: — Sabe o único lugar onde teve uma "Onda Gay?" Em 1969, Nova
York, no bar Stonewall.

Sabe o que foi essa onda? Uma união de todas as pessoas gays, lésbicas,
transexuais e bissexuais para se defender do ataque de policiais. Essa foi
uma onda para tentar alcançar a liberdade de ser quem é, sem vir alguém

e deslegitimar a sexualidade de outro por um motivo tão fútil quanto, por


exemplo, o seu sonho em ficar com Styles. Orgulho, amor. Algo que você,
aparentemente, não sabe nada sobre.

Após dois segundos, ele virou-se à frente novamente para continuar a jogar
no iPad, como se nada houvesse acontecido, e as garotas até abaixaram os
livros. Quase consegui ver as engrenagens rodando dentro da cabeça delas
enquanto eu tapava a risada com a manga da blusa, orgulhoso de Zayn por
falar mais que duas palavras a estranhos e ainda mais por ele ter meio que
defendido Harry.

Tanto fazia se aquelas palavras fossem ficar por um dia só na cabeça delas.
Valeu a pena.

— Você fez o quê?! — Julie exclamou, vindo para cima de Malik e


sentando no colo dele, enchendo as bochechas vermelhas do meu melhor
amigo de beijos. — Você é a pessoa mais educada, linda e meiga da Wye
Hill. Temos orgulho de tê-lo na formation.
De onde estava escolhido de vergonha, sentado em uma das fileiras das
arquibancadas, com o casaco de Liam em volta do corpo esguio e cabelos
bagunçados devido aos beijos de Julie, Zayn riu baixinho antes de endireitar
os óculos mais uma vez com a ponta do dedo médio.

— Não fiz nada de mais.

— Fez, sim — Candice interviu, estendendo o braço para arrumar o cabelo


dele. Julie era a mãe bagunceira, Candie

era a mãe séria. — Não deveria ser, óbvio. As pessoas deveriam saber
respeitar a sexualidade dos outros, mas já que não sabem, temos que
agradecer quando alguém nos defende. Até mesmo quando é toda essa
parada de marketing puxando para o lado LGBTQ+, e tal. Fazer o quê, né.
O capitalismo sempre acaba ganhando e encobrindo os movimentos sociais
com lucro.

Viramos para olhá-la, tão alheia ao mundo exterior enquanto continuava a


cantar uma música do Foster The People com o olhar fixo ao gramado. O
cigarro nos dedos já estava parcialmente queimado, e Julie encolheu os
ombros antes de sair do colo de Zayn e ir se sentar no colo da namorada.

— Adoro quando você fala essas coisas inteligentes. Hoje, enquanto estiver
me fodendo e tal, recita Dostoiévski pra mim?

Caí na risada, balançando a cabeça ao tomar mais um gole de água da


garrafinha de Harry. No campo, ele estava no centro do círculo de jogadores
com expressões cansadas, porém determinadas, dizendo as ordens aos
garotos que o ouviam atentamente. Seu rosto estava levemente vermelho, a
bandana segurando os cachos meio úmidos de suor e os bíceps esticando as
mangas da jersey vermelha e preta. Suspirei, balançando os pés acima do
banco. Perguntei-me se alguém seria capaz de ver os coraçõezinhos nos
meus olhos.

Os jogadores voltaram a se espalhar pelo campo, retornando às mesmas


posições. Antes que Harry assumisse o lugar de sempre, ele correu
rapidamente até
o

limite

da

arquibancada,

em

minha

direção.

Aparentemente, eu havia sido convocado ao cargo de dar água a ele sempre


que o necessário, então me levantei, fingindo estar exasperado, e entreguei
a garrafa a ele quando pediu com um biquinho. Enquanto bebia, um dos
garotos amigos de Chace Crawford também se aproximou, debruçando-se
em cima da mureta para olhar Julie e Candice.

— Vocês são bi?

— Perdão? — Candie perguntou, a sobrancelha erguida.

— Alguém chega em você te perguntando se é hetero, do nada?

— Qual é — ele riu, chacoalhando os ombros e revirando os olhos como se


não fosse importante. — É só uma pergunta. Aceitariam fazer um
threesome?

Harry largou a garrafinha de água no mesmo instante, a raiva traduzida nos


punhos fechados e nos olhos estreitos, mas antes que ele pudesse fazer algo,
eu fechei as mãos no seu bíceps e olhei o garoto, que, de fato, esperava uma
resposta; a qual Julie deu.

— Por que você acha que é certo hipersexualizar o relacionamento entre


duas garotas? — questionou, não se importando com o olhar deles sobre
ela. — Por que você não chega e faz essa pergunta a um casal hétero? Ah,
sim. Por que duas garotas é fantasia, é fetiche, né? Não é um
relacionamento sério.

— É — Candice tomou a partir dali, bufando. — Duas garotas se pegando é


gostoso, e só. É ótimo submetê-las a um pênis, né? Para de ser ridículo.

Azoff riu ao fundo, levantando os polegares para Julie e para a namorada.


Depois gritou:

— Manda ele se foder, Julie. Nada errado em gostar de threesome, claro,


mas vocês deveriam dar uns três socos na cara dele para aprender o que é
respeito, e tal.

— Não tenho que ensinar a ele o que as pessoas que o criaram deveriam ter
ensinado: respeito — ela rebateu, os olhos ainda fixos no cara. — Sai daqui.

— Por quê? Você vai–

Harry interviu na conversa, o tom de voz firme e estável, porém repleto de


raiva contida, tomando todo o pequeno espaço em que estávamos:

— Volta para o campo, Christopher.

— Quem você acha que–

— O capitão do time. E agora, eu estou falando para você voltar ao campo e


fazer o que deveria estar fazendo: jogar.

Ele olhou Harry por mais alguns segundos antes de soltar o ar pelo nariz,
lamber os lábios e sussurrar "vão se foder".

Voltou ao time, colocando o capacete enquanto corria até a própria posição.


Harry me entregou a garrafa de água, olhou pra mim para se certificar que
estava tudo bem e também voltou ao próprio lugar, sem olhar para trás
novamente.

— O que você acha que ela quer ser quando crescer? —


Harry apontou com a cabeça em direção a uma garotinha com flores nos
cabelos cacheados, sorriso tímido e bochechas coradas. Deveria ter, no
máximo, cinco anos.

Duas horas depois de sairmos da escola, estávamos sentados em um dos


muitos bancos distribuídos ao longo da parede vazia no interior do museu.
O salão estava escuro, dando espaço para que as luzes das pinturas
ganhassem mais relevância enquanto Jay guiava as vinte crianças de uma
escolinha em excursão ao longo das obras mais interessantes; sempre
tornando as histórias mais interessantes da forma possível para que nenhum
ser pequenininho ficasse entediado.

— Médica veterinária — respondi, balançando os pés antes de cruzar meu


tornozelo com o de Harry. — Ela tem o jeitinho de crianças que choram
quando matam uma formiguinha, sabe?

Era o nosso joguinho. Mamãe havia me obrigado a acompanhá-la no seu


turno vespertino para que pudéssemos ir para casa juntos. Harry estava
convidado para jantar, como sempre, e ele aceitou de bom grado porque
isso significava que nós dois dormiríamos juntos depois após escutar o
álbum de uma das suas bandas desconhecidas favoritas ou simplesmente
rever as fotos que ele tirava com a câmera.

Ali, para passar o tempo, ele apontava com a cabeça em direção a alguma
criança aleatória e me fazia perguntas do tipo:

— E aquele garoto ali, o que está segurando a mão do outro menininho —


acompanhei o olhar dele, deparando-me com dois garotinhos. Um tinha
traços japoneses, os cabelos cortadinhos e rígidos por causa de gel, e o
outro era negro e tinha um sorriso acolhedor de covinhas fundas. As
mãozinhas e os dedinhos pequenos permaneciam juntos em cada passo, e
meu coração ficou quente

porque

nenhum

dos
coleguinhas

parecia

incomodado; como realmente não deveria estar. — Você acha que ele está
pensando em quê?

— Comida — respondi, deitando a cabeça no ombro de Harry. Ele riu


baixo, os dedos vindo para os meus cabelos para poder ajeitar a franja. —
Frango, provavelmente.

Sanduíche de frango.

— Eu gosto — uma voz suave e delicada interrompeu nossa conversa.

Olhamos para o lado. A garotinha de bochechas vermelhas e cachinhos


estava nos olhando com as mãos atrás das costas e um sorriso hesitante. A
tiara de flores cor-de-rosa estava mal encaixada nos cachinhos, e ela ainda
parecia estar pensando se voltava para trás ou se ia em frente e conversava
com a gente.

Harry olhou para ela, e as sobrancelhas franzidas se transformaram em uma


expressão encantada. Ele sorriu grande, e eu vi a garotinha se derreter no
mesmo instante.

— Você gosta de sanduíche de frango? — perguntou, e até aquele instante,


eu não sabia que a magia dos príncipes da Disney realmente existia na vida
real.

— Humm — concordou, olhando-me rapidamente. Sorri para encorajá-la, e


ela continuou: — E você?

— Eu também.

Ela deu um passo mais perto, adquirindo mais confiança conforme sentia
que Harry era uma boa pessoa.

— Qual é o seu nome? — Harry perguntou gentilmente.


— Anna — disse, piscando os olhinhos verdes em direção a ele com tanta
suavidade que por pouco não notei o corpo dele enrijecendo ao meu lado.
Anna, como sua mãe.

— E o seu?

Ficou em silêncio por alguns instantes, procurando minha mão em cima do


banco enquanto encarava a garotinha, que franziu as sobrancelhas com a
falta de resposta. O

sorriso dela caiu, seguido pela cabeça baixa:

— Você acha meu nome feio? — perguntou em um muxoxo, as flores no


cabelo ainda desajeitadas.

Isso o fez despertar com uma longa respiração.

— Ei, Anna — chamou-a suavemente, forçando um sorriso. Ainda assim,


foi pequeno, mas o suficiente para fazer a garotinha voltar a sorrir. — É um
nome lindo. Minha mãe também se chamava Anna. E eu me chamo Harry.

— E onde ela está? — perguntou baixo, sentindo-se segura o suficiente para


se sentar ao lado dele. Harry levantou a mão devagar, como provavelmente
faria com um coelhinho para não espantá-lo, e ajeitou algumas das flores no
cabelo dela. — Ela está aqui?

— Não sei — encolheu os ombros, segurando uma das flores vermelhas


entre os dedos. Enquanto a colocava entre duas mechas de cabelo,
perguntou com a maior suavidade do mundo: — Quem sabe?

Anna o olhou de baixo, piscando encantada enquanto Harry terminava de


ajeitar as flores. Depois, ele sorriu para ela daquela forma que fazia tudo em
volta parecer mais colorido, mais digno de ser um cenário real de filme, e
as bochechas dela ficaram rosadas; o que só ficou ainda mais bonitinho
quando riu baixo e abaixou a cabeça.

— Você é muito bonito — disse, balançando os pés e deixando os


cachinhos caírem em frente aos olhos.
Harry também riu, apertando minha mão. Me olhou por um instante e eu já
estava tão, tão apaixonado por aquela interação entre ele e ela que a única
coisa que consegui fazer foi acenar a cabeça, como se dissesse "vá em
frente"; eu sorria tão grande que minhas bochechas estavam doloridas.
Meno voltou a olhá-la.

— Você também é muito bonita — disse. Por um instante, imaginei como


Harry seria com os filhos, mas logo me parei. Não podia me torturar mais.
— Obrigado.

Ela sorriu para ele, e depois me olhou, inclinando a cabeça para o lado
esquerdo com os olhos meio fechadinhos como se estivesse ponderando
sobre falar ou não falar o que estava na cabeça. Optou por fazê-lo.

— O que Harreh é seu? Vocês são namorados? Eu vi vocês... — olhou de


um lado para o outro, desconfiada.

Depois, inclinou-se à frente e sussurrou: — dando beijinho.

Conquista desbloqueada: ficar desconcertado por causa de uma criança de


cinco anos.

Não soube o que responder a ela, até porque eu não sabia o que Harry e eu
éramos e porque não havia um nome para definir tudo aquilo que eu insistia
em não denominar. Loucura, alguns diriam. Por outro lado, Harry acabou
fodendo todos os meus pensamentos com uma simples frase, ativando uma
sensação gostosa e quente pelo meu corpo inteiro:

— Sim, Anna. Somos namorados.

Não tivemos chance de descobrir a reação dela porque, no outro instante,


seu nome estava sendo chamado de forma repreensiva pela professora
baixinha de óculos quadrados e sobretudo vermelho. Anna se levantou com
um biquinho, emburrada por ter sido interrompida em sua nova aventura
para fazer novos amigos, mas se virou para se despedir da gente. Eu
provavelmente ainda parecia um idiota, com os lábios caídos em surpresa
enquanto quase esmagava os dedos de Styles entre os meus.
— Hum... — ela começou, colocando os bracinhos para trás e se
balançando sobre os próprios pés. Sorriu para Harry; ele era todo o foco
dela. — Obrigada por ter arrumado as frôzinhas no meu cabelo. Nós vamos
nos ver de novo?

Ele hesitou, olhando-a com o que só podia ser fragilidade e pena. Não,
Anna não o veria novamente, eu respondi mentalmente. Eles nunca se
reencontrariam e ela nunca diria a mãe que aquele era o moço bonito que
ela havia

encontrado no museu porque Harry não estaria ali dali a um tempo.

Abaixei a cabeça e olhei para os nossos dedos juntos.

Estava tão distraído com os círculos pequenos que seu polegar traçava na
palma da minha mão, tão afundado no tom esperançoso grudado à voz
delicada e frágil de Anna, que quase não registrei o som da voz de Styles:

— Nós vamos nos ver de novo, Anna.

Olhei para cima a tempo de vê-la sorrir grande, tão grande que fez Harry
sorrir também.

— Ok, Harreh. Você é muito, muito legal, eu gostei de te conhecer. Tchau,


namorado do Harreh — riu baixinho e acenou a mão gordinha em nossa
direção antes de correr em direção à professora, que balançou a cabeça,
desapontada pela demora. As duas foram em direção ao restante das
crianças e Harry e eu observamos Anna em silêncio.

Minha cabeça estava uma bagunça, uma mistura de pensamentos


desenfreados e tentativas de explicações para o fato de Harry ter dito que
éramos namorados e que eles se veriam novamente.

— Você não deveria mentir para crianças — eu murmurei, os olhos fixos ao


quadro que minha mãe estava apresentando às crianças. Era um de Degas, e
eu me lembrava de ter visto um parecido na casa de Harry. —

Não deveria ter dito a ela que vão se ver novamente.


Sua resposta foi curta, seca e envolvida em um tom exasperado:

— Eu sei.

O silêncio pareceu a melhor opção pelo resto dos minutos passados no


museu.

À noite, eu não sabia ao certo no que prestar atenção porque tudo,


absolutamente tudo o que acontecia naquele instante dentro da cozinha
fazia meu coração crescer tanto de afeição e amor dentro do peito que eu
sentia que era capaz de explodir.

Charlotte estava virando os filés de frango com uma espátula na frigideira,


rindo da cena que se desenrolava em nossa frente. Eu tive que parar de
cortar os pimentões vermelhos para que pudesse observar a cena com mais
atenção sem correr o risco de ter meu dedo cortado.

Roy Orbison cantava Pretty Woman por cima do chiado do óleo quente da
frigideira e por cima das risadas de Jay, e eu desejei que pudesse registrar
uma cena eternamente. A memória fotográfica não parecia tão satisfatória
naquele momento porque Harry estava dançando com a minha mãe,
colocando em prática passos clássicos de dança que eu nem ao menos sabia
que ele podia fazer como se fosse um espetáculo de dança na Rússia.

Styles a segurou, uma mão firme na base das costas dela e a outra
envolvendo a mão relativamente menor. Ele sorria de lado a cada passo,
olhando-a atentamente, e qualquer pessoa assistindo a cena de fora
realmente pensaria que ele estava flertando com ela porque Harry era assim:
ele se afundava de cabeça em qualquer coisa

que o fizesse se sentir bem por um instante. Ele não fazia coisas pela
metade, ele adorava fazer outras pessoas se sentirem especiais e dignas de
atenção.

E pela risada de Jay, era exatamente assim que ela estava se sentindo. E eu
fiz um pedido silencioso para que ela encontrasse alguém que pudesse
dançar todos os dias com ela, que a fizesse se sentir amada de uma forma
que Mark nunca havia feito.

A música acabou, Harry a girou mais uma vez e a segurou firmemente


enquanto a inclinava para trás. Lottie e eu aplaudimos e Jay quase não
conseguia respirar devido às risadas que a tomaram no instante em que
retornou firmemente sobre os pés.

— Deus... — balbuciou, balançando a cabeça ao dar dois tapinhas no


ombro de Harry. — Eu não danço assim desde 2005, quando minha irmã se
casou. Acho que tenho o melhor genro do mundo inteiro.

Harry corou, óbvio que sim, e sorriu com os lábios apertados. Depois veio
para o meu lado e riu mais quando eu ergui as sobrancelhas, incapaz de
conter o sorriso bobo criado pela palavra "genro".

— Agora minha mãe ama mais você do que eu. Não acha isso injusto,
Harry Styles? — brinquei, voltando minha atenção aos pimentões. — Vocês
foram ótimos, deveriam participar dos festivais de dança de Manchester.

Jay bateu o pano de prato na minha bunda de brincadeira, dizendo um


"quieto, Louis" ao retornar a atenção às panelas.

— Eu acho injusto que Harry tenha elevado as expectativas de genro da


mamãe — Lottie suspirou em falsa exasperação, levando uma mão à testa
de forma dramática ao se afastar da frigideira quando Jay tomou seu lugar.
— Agora, qualquer cara que eu namorar não vai ser páreo.

— Contanto que ele possa me fazer sentir com vinte e dois anos novamente,
está tudo bem — Jay respondeu, piscando para ela. — Harry, querido, você
deveria se orgulhar.

Ele ergueu os olhos para ela, uma mão vindo para minha cintura em um
movimento natural e impensado.

— Do quê? — indagou honestamente, como se não conseguisse achar um


motivo que pudesse fazê-lo orgulhoso de quem era.
Ela franziu as sobracelhas com o tom mórbido na voz de Harry, e eu tive
que morder o lábio interior para não deixar escapar uma respiração mais
alta e culpada. Eu estava acostumado com aquele tom; escutava o tempo
todo.

— Como assim "do quê", garoto? — Jay brincou, mas eu reconheci o tom
por trás da voz dela. O mesmo tom preocupado que permanecia em sua voz
quando Lottie e eu fazíamos algo de errado. — Se orgulhar de ser uma
pessoa gentil, de fazer pessoas se sentirem flutuantes e felizes. Você faz
meu filho se sentir assim, eu consigo ver pelo olhar dele quando você liga.
Você fingiu namorar sua melhor amiga para protegê-la, você dança com
uma mulher que já passou da idade no meio da cozinha simplesmente
porque ela disse que era uma ótima música

para dançar. Você dá todo o seu amor e gentileza sem esperar nada em
troca... orgulhe-se disso. Orgulhe-se de ser quem você é, sim?

Lottie assoviou em admiração e depois sorriu para Harry com os dois


polegares erguidos, como se dissesse que concordava com tudo o que Jay
havia dito. Olhei Styles, parado ao meu lado com a mão ainda no meu
quadril e uma expressão apagada; era impossível saber o que ele estava
pensando. Mas eu tinha certeza de que era algo sobre discordar do que
havia ouvido, sobre se negar e negar toda e qualquer felicidade que poderia
chegar até seus pensamentos.

Voltei a cortar os pimentões quando ele se negou a me olhar novamente.

Horas depois, após ter jantado e assistido dois episódios de Peaky Blinders
com Jay e Lottie, subi as escadas e coloquei a cabeça para dentro do meu
quarto, escondendo as mãos atrás das costas ao ver Harry esparramado na
minha cama e mexendo no celular. Ele estava sem camiseta e o cobertor
acumulava-se em volta de sua cintura, a única luz acesa sendo a do pequeno
abajur ao lado da cama.

— Ei — chamei baixo, sorrindo experimentalmente. Ele não havia falado


muito após todo o discurso de Jay, mas eu

não
podia

deixar

aquilo

estragar

pequena surpresa que eu havia planejado. Olhou para mim, abaixando o


celular por um instante. — Tudo bem?

— Sim... — respondeu hesitantemente. — Você não vai deitar?

Ergui o dedo indicador, pedindo um segundo. Desapareci da porta e


aproveitei o pequeno momento para colocar o chapéu de festa de um
personagem animado aleatório do programa infantil e caçar o isqueiro no
fundo do bolso da minha calça de moletom, que eu havia pegado escondido
de Harry quando ele estava ocupado demais reiterando como "Cillian
Murphy é talentoso e parece um boneco Ken assustador de forma sexy".

Acendi o sparkle cravado no topo da cobertura de chocolate do cupcake e


então respirei fundo para afastar a vergonha e me concentrar somente no
que estava prestes a fazer. Adentrei o quarto, fechando a porta atrás de mim
com um pequeno clique. Meu plano era cantar parabéns para você ou
qualquer coisa fofa o suficiente que remetesse à comemoração de
envelhecer (o que, sinceramente, parecia estúpido), mas quando vi Harry
derrubar o celular no amontoado de edredom e me olhar com admiração,
todas e quaisquer palavras fugiram junto com a minha habilidade de formar
frases coerentes.

Se eu tivesse que falar naquele instante, não conseguiria formar uma única
palavra. Seria algo como o Chewbacca, e

não,

preferia
me

poupar

do

constrangimento.

Quando estava perto o suficiente para escalar na cama, coloquei um joelho


no colchão e usei o apoio das mãos de Harry nos meus quadris para que
pudesse ficar montado no seu colo, ainda segurando o cupcake.

— Feliz aniversário — sussurrei, inclinando-me para trás para que as


faíscas do sparkle não atingisse nossos

rostos. Por cima da chama, olhei ele. Nós dois compartilhamos um sorriso,
mas o seu era muito maior. —

Eu adoraria comunicar Jay e todo mundo que agora você tem vinte anos e
fazer uma festa apropriada e tal, com direito à bolo gigante e Backstreet
Boys tocando ao fundo, mas sei que você não gostaria disso. Não gostaria
que eu contasse.

Concordou com a cabeça e ergueu a mão em um gesto todo inocente e leve,


levando os dedos até minha bochecha para tocar o elástico do chapéu de
festa. Soltou uma risadinha e, ainda com os olhos fixos em mim, tirou o
sparkle, já quase completamente apagado, do cupcake.

Colocou-o na mesinha de cabeceira antes de me puxar para beijá-lo; e o


gosto da sua boca, a maciez dos seus lábios contra os meus e a forma que
seus dedos reviravam a barra da minha camiseta tornaram a tarefa de não
derrubar glacê em nós dois extremamente difícil. Estendi a mão para longe
e também coloquei o bolinho na mesinha de cabeceira após tirar o chapéu
de festa, impulsionando meu peso contra Harry para que ele se deitasse.
Suas mãos subiram pelas minhas costas e as minhas pararam no seu peito.

— Obrigado, Lou — murmurou contra minha boca, franzindo as


sobrancelhas levemente quando meus dedos rasparam em um dos
arranhões.— Obrigado pelo cupcake e por ter se lembrado. Significa muito
para mim, você não tem ideia.

— A massa é cor-de-rosa — lembrei subitamente das palavras da senhora


que trabalhava na loja de bolos. Beijei o cantinho da boca dele. — Achei
que você fosse gostar.

Seu peito vibrou contra o meu quando ele concordou. Eu queria perguntar
se ele comeria o cupcake, mas o silêncio era confortável e suas mãos em
mim eram mais ainda, então preferi que ficasse assim.

— Eu me lembro de uma vez — Harry começou, e eu não ousei erguer a


cabeça. Beijei a pele sensível do seu pescoço e virei a cabeça, olhando as
coisas que estavam em cima da minha mesa de cabeceira. Eu não deveria
ter sentido aquela pontada no peito ao ver o pote dos malditos comprimidos
aberto, ao lado do bolinho. Era uma imagem infeliz: a representação de um
novo ano e o desejo do fim de uma vida lado a lado. — Eu tinha dez ou
onze anos, acho. Estava na fase de ser todo revoltadinho e só usar preto e
tal, e disse à Anna que não queria uma festa de aniversário porque era muito
infantil. Ao invés de fazermos uma festa, ela comprou vários potes de
diferentes sabores do Ben&Jerry e se deitou no tapete da sala para assistir
filmes comigo e Gems enquanto comíamos. Desmond estava trabalhando,
acho.

Sorri afetuosamente, dançando os dedos pelo seu ombro.

— Eu queria tê-la conhecido — eu disse.

— Ela sabia sobre você — ele disse com calma, enunciando as sílabas com
cuidado; provavelmente prevendo que eu me levantaria do seu colo e o
olharia em surpresa.

— Como assim ela sabia sobre mim?

— Hum– Louis, eu... eu meio que... — franziu os lábios em uma linha reta,
completamente perdido. Não sabia como prosseguir, o que só me deixou
ainda mais ansioso. —
Você nunca se perguntou como eu sabia seu sobrenome quando te trouxe
para casa pela primeira vez? Ou por que eu me encantei tão rápido com
você? Por que Julie parecia tão assustada e meio que... feliz — encolheu os
ombros, insatisfeito com a escolha de palavras. Continuou:

— quando você entrou na Rover naquele dia de chuva?

Eu saí de cima do colo dele, precisando de um espaço para respirar. A


extensão da sua pele, as linhas do seu abdômen e seu rosto, tão aberto e
livre de traços conflitantes de expressão, pareciam um quarto fechado
naquele instante. Não me davam ar para pensar.

— O que você quer dizer?

— Que eu sou apaixonado por você desde que tinha dezoito anos. Que,
desde os dezoito, eu me certifico que você esteja bem na escola e que esteja
seguro. Sempre. E

que contava pra ela sobre você.

Meu mundo se comprimiu, transformou-se em nós dois, naquela cama e


naquelas palavras ecoando repetidamente no fundo da minha mente.

Eu não sabia se deveria ficar feliz, apaixonado como qualquer adolescente


sem planos para o futuro, ou se deveria ficar ainda mais desesperançoso, à
deriva.

Ele gostava de mim há quase dois anos, provavelmente.

Ele me via na escola. Será que ele jogava esperando que

o garoto baixinho estivesse na arquibancada, que ele estivesse


comemorando as vitórias do Wild Wolves? Será que Harry procurava por
mim quando entrava no refeitório? Por outro lado, porém, Harry me
conhecia há mais tempo que eu o conhecia.

E o fato de termos nos encontrado e de eu ter assumido em vários


momentos que era apaixonado por ele não havia ajudado em nada o que eu
tentava fazê-lo saber: ele merecia amor. Amor.
Meu amor não era sua escapatória e nunca poderia ser.

— É por isso que eu deixo você me tocar — realizei em um clique, levando


a mão ao meu pescoço em uma tentativa ilógica de aliviar a sensação
pesada na garganta.

— Por isso que eu me sinto seguro.

Harry também se sentou, olhando-me estranho.

— O quê?

— Harry — evitei olhar para o seu rosto. — Em Nova York, você sabe
quem nós encontramos na cozinha, não sabe?

Concordou, hesitante.

— Um pouco — disse, esfregando o polegar no pequeno espaço de pele


entre seu próprio polegar e o dedo indicador. — Eu não sei o que houve,
mas...

Pisei os pés no chão gelado e curvei os dedos até que eles pudessem sentir a
irradiação do frio enquanto eu pressionava as palmas da mão contra as
pálpebras. Elas doíam, meus olhos ardiam e eu nem sequer estava
chorando.

— Ele se chama Davey — eu disse baixo, sentindo um amargo na ponta da


língua pelo simples fato de mencionar aquele homem. — Era um amigo da
família e provavelmente ainda é sócio de Mark. Quando eu tinha dez anos,
desobedeci meus pais e fiquei jogando videogame até tarde, e ele dormiu
em casa porque era festas de fim de ano e era... Ele me obrigou a cuspir nos
dedos dele e depois os colocou dentro... — eu parei aí.

Senti a mão de Harry pairando sobre o meu braço. Ele não me tocou e não
parecia seguro o suficiente para pedir para fazê-lo. — Eu contei uma parte
para Jay e implorei para que ela nunca contasse a Mark. Ela era a única
pessoa que sabia, mas eu descobri que Felicite havia me visto debruçado no
colo daquele nojento com a mão dele na minha boca. Era por isso que eu
estava tão frenético no início da noite em que fizemos amor, Harry. Davey
fez com que eu tivesse receio de qualquer toque.

— Louis — Harry sussurrou meu nome. Não havia doçura em sua voz ou
aquela demora das sílabas que conquistaria qualquer pessoa, mas sim uma
frieza impressionante misturada com ódio e ressentimento.

Pressionei as palmas das mãos com mais força contra os olhos.

— Ninguém me toca, Harry. Exceto por mamãe e Zayn, eu não deixo que
ninguém me toque porque eu não suporto.

Não consigo, eu não... — pausei. Olhei por cima do ombro e encontrei


Harry com o peito subindo e descendo e a mão parcialmente levantada a
caminho das minhas costas. —

Qualquer pessoa que me toca desperta qualquer coisa

ruim em mim. Não você. Desde a primeira vez, desde a primeira pergunta
que você fez para receber a permissão e me tocar. Eu confio em você e não
entendia o porquê! Eu me perguntava por que você podia fazer o que nem
mesmo amigos da família faziam... você era praticamente um desconhecido,
não era?

Negou suavemente com a cabeça, discordando com os olhos

ligeiramente

molhados.

Ele

não

era

um
desconhecido para mim, para o meu corpo e para meu inconsciente; aí
estava!

— Meu corpo te aceitou porque já estava acostumado com você —


expliquei, afastando a pontinha de desespero. —

Talvez eu tenha sentido que você se importava comigo porque você sempre
estava por perto mesmo quando eu não sabia. Meu corpo te aceitou e eu te
aceitei porque você me aceitou dentro de você bem antes.

Sua pergunta veio em um sussurro e eu podia jurar que nunca tinha ouvido
sua voz tão afetada. Quando olhei pra ele, lágrimas atrás de lágrimas
escorriam pelas duas bochechas.

— Você acredita em destino?

Não respondi aquela pergunta. Fechei os olhos ao invés e engoli em seco.

— Acredito que eu quis você desde o primeiro instante mesmo sem saber.

Meus dedos foram colocados entre os seus e Harry os guiou até outro lugar.
Centímetro por centímetro, batimento por batimento. Todo o calor
queimando pelos

meus dedos até eu realizar que eles haviam parado exatamente

em

cima

dos

arranhões.

Senti

as

protuberâncias doentias sob meus dedos.


— Você me deixou te tocar. — disse baixo, a voz quebrada e a expressão
fechada. — Você me deixou pôr as mãos na sua pele mesmo que isso te
desse a impressão que eu estava tocando todas suas feridas de uma só vez e
afundando as unhas nelas para tentar curá-

las. Então nada mais justo que eu deixar você sentir a parte exterior de mim
que também está machucada, embora o único que afunde as unhas aqui seja
eu.

Senti os relevos sensíveis conforme acariciava o centro do seu peito,


contornando os arranhões brutos da mesma forma que faria com um mapa.
Traçando um limite de cada vez e me esforçando para não perder a
localização o tempo inteiro. As mais recentes ainda estavam iniciando o
processo de cicatrização, vermelhas e expostas.

— Dói?

— Não.

— Quando você as faz?

— Eu as faço justamente para não doer, Louis.

Me inclinei, respirando sobre sua pele por um pequeno momento e traçando


o centro do seu peitoral com a pontinha gelada do nariz. Arrepios cobriram
toda sua extensão quando deixei o primeiro beijo sobre o pequeno arranhão.
Depois o segundo, o terceiro e o quarto.

— Você cura minhas feridas. E eu queria ficar por tempo o suficiente para
que pudesse te ver curar as suas, também.

Eu nunca vou me esquecer do que você faz por mim, nunca vou me
esquecer que você me fez sentir pertencido a alguém, embora ainda não
soubesse.

Mais beijos. Mais cicatrizes.

— Nunca vou me esquecer que você é o meu ponto–


Harry me empurrou pelos ombros, os olhos frenéticos e os lábios abertos
como se eu tivesse disparado xingamentos a ele. Encarei-o, assustado pelo
afastamento súbito e com as palavras ainda travadas na ponta da língua, e
eu literalmente não soube o que falar quando ele se levantou e começou a
vestir a camiseta em movimentos rápidos.

— Harry? — me levantei, entrando em sua frente quando ele se inclinou


para começar a pegar as próprias coisas na mesinha de cabeceira. — Ei!
Olha pra mim–

Empurrou minha mão com nenhuma gentileza quando a coloquei no seu


ombro, e se ele percebeu meu olhar magoado, não fez algo sobre. Ele
respirava mais rápido, piscava mais rápido e se movia como se estivesse
dentro de um incêndio. Vi quando pegou as chaves e a porra do pote de
comprimidos, derrubando algo no processo.

Quando passou por mim, ainda estava chorando e seus olhos estavam ainda
mais vermelhos; assim como o rosto inteiro.

— Harry?!

Não me respondeu. Desceu as escadas, dois passos de cada vez, ganhando


uma vantagem monstruosa em

relação às pernas longas. A sala estava escura, mas de alguma forma, eu


consegui ver perfeitamente quando ele abriu a porta e correu pelo pátio de
concreto ainda descalço até alcançar o carro.

Eu vi perfeitamente quando ele ligou o Audi e não esperou para dar partida
e acelerar o máximo que podia nos primeiros segundos de funcionamento
do motor, deixando-me parado ali no centro da sala escura com ninguém
exceto pelo meu coração acelerado e as mãos frias como testemunhas.

O cupcake estava jogado no chão do meu quarto quando subi as escadas.

Não vi Harry pelos próximos quinze dias. Porém, por outro lado, eu não
sabia que aquela noite era o começo de tudo.
Chapter Twenty
Eu achei que ele estava morto.

Durante os próximos quinze dias, eu enfiei na cabeça que Harry havia se


matado não com os comprimidos, e sim com alguma outra coisa de efeito
imediato. Meu peito nunca havia doído tanto, e a satisfação de ter
conseguido nota o suficiente para poder pular algumas aulas nunca havia
sido tão útil. Eu passava as manhãs no banheiro, encolhido no chão,
enrolado dentro do suéter de Harry e encarando as paredes limpas. No
campo de futebol, os garotos pareciam exasperados, jogando futebol como
se estivessem com areia nos olhos e ferrugem na garganta.

Eu entendia.

Liam não sabia de nada sobre Harry, tão desesperado quanto eu, ninguém
sabia de algo, e eu não conseguia me conformar. De certa forma, me culpei
até o último instante.

Me culpei por ter beijado suas cicatrizes, seus arranhões,

e por provavelmente ter tocado a única parte sua sobre a qual ele ainda
exercia algum controle. Me culpava quando Jay ia trabalhar e quando eu via
todos os rastros de Harry no meu quarto, na minha cama, na Range Rover
que Mark havia me dado. Em tudo, Harry estava lá. Parecia uma fixação
doente, uma devoção fadada a desaparecer em cada canto do que eu
considerava intocável.

Em uma das manhãs, quando a porta do cubículo do banheiro em que eu


estava foi aberta, não me surpreendi ao ver Zayn parado ali. Todo
arrumado, com o paletó da Wye Hill e a gravata engomada. Abaixei o olhar
para o meu suéter, cerrando o maxilar para que pudesse ao menos fazer
alguma força para não deixar outras lágrimas saírem.

— Você não me contou — foi o que ele disse. Sua voz estava

firme,
e

ali

eu

percebi

que

teríamos aquela conversa porque Zayn Malik nunca falava firme. Ele nunca
mantinha sua voz em um nível estável se não fosse para xingar em grego
jogadores de jogos online.

Eu sabia do que ele estava falando, sabia que era de Harry. Mesmo assim,
perguntei:

— O quê?

— Que você aceitou ficar com Harry mesmo sabendo que ele estava se
matando.

Estava.

Então era isso, não era? Mesmo sabendo o que eu estava fazendo, ouvir na
voz firme e inteligente de Zayn foi como um balde de água fria. E eu não
gostava de coisas frias;

preferia abraços quentes, confortos mornos que pudessem me dizer que


minha vida não estava indo para a direção errada.

— Zayn–

Eu esperava uma repreensão ou palavras duras, até mesmo um "idiota!". O


que recebi foi um abraço tão confortável e quente que foi impossível não
soluçar no ombro dele sem soltar uma lágrima sequer, com as mãos
agarrando seu paletó tão forte que os nós dos meus dedos chegavam a doer.
— Louis... — sussurrou, passando os dedos pelos meus cabelos. — Bebê, o
que você está fazendo?

— Não sei — sussurrei. Era a pura verdade, eu não sabia.

Não sabia por que era tão afastado de Mark e Felicite, não sabia por que
pessoas possuíam demônios dentro de si e por que havia conhecido Harry.
Não era para mudá-lo, como poderia? Uma pessoa de fora nunca poderia
mudar outra. — Eu não sei o que estou fazendo o tempo inteiro.

Eu só queria consertar Harry. Consertar todos os pensamentos ruins dele,


mas como eu poderia se nem ao menos consigo consertar os meus?!

— Louis — ele me afastou pelos ombros. Era difícil olhá-lo e ver toda a
chateação contida em qualquer pequeno gesto que Zayn fazia. — Você não
pode tentar consertar alguém porque pessoas não podem ser consertadas.

Pessoas precisam e devem ser amadas.

Amor parecia algo tão fútil naquele momento.

— Eu amo Harry — ergui os olhos, os cílios provocando borrões no canto


da minha visão. — Eu o amo, eu o amo, e isso não é o suficiente.

— Porque não é só do seu amor que ele precisa e precisou durante a vida
inteira. Não é sobre você. É sobre a família dele, ok? A raiz dos problemas
de Harry está aí.

Liam me contou. É sobre o pai, sobre Anna, sobre ele se amar e perceber
que é importante para ele mesmo. Ele precisa de algum conforto, Lou. Um
conforto familiar. E se não puder encontrar em outras pessoas por perto,
teria de encontrar dentro de si.

Puxei as mangas para que elas cobrissem minhas mãos e encostei a cabeça à
parede atrás de mim, erguendo o rosto para tentar respirar com mais calma,
já que tudo o que eu pensava parecia inalcançável enquanto meu próprio
desespero era quase palpável.

— Não tem mais volta — eu disse, os olhos fixos ao teto.


— Você sabe dos comprimidos. Sabe que ele sumiu.

Talvez ele esteja morto.

— E você sabia que isso aconteceria uma hora ou outra. Sabe disso.

As palavras foram duras, mas o tom foi tão delicado quanto a área abaixo
dos meus olhos, desgastadas por conta de todas as lágrimas nos últimos
dias. Foi pensando nessas mesmas palavras que fui para casa e, ao checar
que Jay estava na cozinha, subi para o quarto. Me enfiei embaixo da
coberta, querendo me esconder de tudo e do mundo.

Não durou dois minutos.

— Amor? — ouvi Jay me chamar. Não vou mais chorar, não vou mais
chorar. Ela apareceu na porta, um sorriso preguiçoso nos lábios. — Harry
vem para o jantar?

Quem disse que não iria chorar mesmo?

Eu desabei de novo, deixando as lágrimas rolarem a tempo de ver a


expressão de Jay se transformar em uma completamente preocupada antes
de meus olhos ficarem embaçados. Em um segundo, ela estava sentada na
beira da minha cama e passando os dedos pelos meus cabelos com toda a
suavidade e jeito de mãe nas pontas dos dedos.

— Lou... ei, o que houve? Vocês brigaram?

Neguei com a cabeça, permanecendo com o rosto escondido no travesseiro


e desejando que realmente fosse só uma briga. Algo tão simples, tão típico
de relacionamento que ainda estava no início.

— Você está grávido?

— Mãe...

— Brincadeira, brincadeira — ela disse baixo antes de realmente conseguir


se enfiar na cama ao meu lado. Os lábios dela vieram para minha têmpora,
tirando os cabelos do meu rosto com toques gentis que só me fizeram
chorar mais. Eu não queria gentileza, queria que alguém gritasse, que
atirasse palavras em mim e dissesse que eu era burro por ter insistido, por
ter me apaixonado. Burro! — Fala

comigo, amor. Estou ficando realmente preocupada. Está com dor? É algo
com Mark e Felicite?

Fiquei quietinho, respirando fundo contra a fronha molhada enquanto Jay


esfregava a mão entre minhas omoplatas com movimentos leves que
tiravam um pouco o peso das minhas costas. Peso que só ficou ainda menor
quando contei a ela, em um sussurro rápido, sobre Davey, e disse que havia
o visto em Nova York, na cozinha da casa de Mark.

Contei tudo, exceto pelo fato de Harry ser suicida, ter desenvolvido
depressão e ter desaparecido. Não mencionei meu Michelangelo. Se aquilo
fosse uma exposição de arte, que pudesse deixar todas suas obras pintadas
com sua dor de fora; ao menos naquele momento.

— O que ele falou? — Jay perguntou baixo, referindo-se à Davey; qualquer


suavidade esquecida e substituída por ódio.

Eu sabia que ela queria contar a Mark sobre o abuso, mas só não havia feito
por causa de mim. Por causa das minhas súplicas e do sentimento de
vergonha corroendo toda minha pele. Jay era minha melhor amiga, e eu
sabia que ela nunca faria algo contra minha vontade mesmo que seu instinto
de mãe fosse tão forte quanto as lembranças cravadas no fundo da minha
mente.

Do que adiantaria? Eu nunca havia ido ao hospital para ter alguma

prova,

nunca

havia

contado

sobre
os

sangramentos que apareceram na minha cueca pelas próximas duas


semanas. Uma criança de dez anos

querendo lavar as próprias roupas para que a mãe não visse as manchas.
Quão amargo é isso?

— Que eu cresci — respondi finalmente.

— Louis, meu amor... — ela estava sem palavras. Tudo bem, eu também
estava. Aquele "meu amor" significou muito mais do que algumas outras
frases poderiam significar. Eu sabia que sempre teria minha mãe, não
importasse o quê.

— Harry e eu transamos naquele mesma noite — contei baixo, finalmente


virando o rosto para ela. Pisquei devagar contra a claridade, concentrando-
me nas sobrancelhas erguidas de Jay em surpresa. Me desculpei
mentalmente por estar despejando tudo nela no mesmo instante. — Foi
quando perdi a virgindade. E antes, anos atrás, eu não me considerava
virgem, mãe. Eu pensava que o que aquele nojento fez com os dedos tinha
sido o suficiente para tirar a oportunidade de chamar qualquer relação
futura de

"primeira vez". Só que a forma que Harry me tocou... eu percebi que é a


gente que escolhe tudo na nossa vida.

Não é?

Jay afirmou com a cabeça, concordando silenciosamente.

Após alguns instantes, sorriu pequeno e beijou minha testa. Depois minhas
bochechas e meu nariz, olhando diretamente para mim.

— Você merece as melhores coisas, Louis — ela disse, e eu acreditei.

Esperei alguns instantes antes de fazer outra pergunta, aquela que me


cutucava como uma coceira irritante.
Desviei o olhar.

— Você já se perguntou se eu sou gay por causa daquilo?

Eu esperava que ele fosse demorar para responder, pensar no que dizer para
que não me magoasse, mas não foi assim. Jay respondeu no mesmo
instante, dando um puxão no meu cabelo que me fez sorrir entre as
lágrimas:

— Meu amor, com sete anos você dizia que os menininhos da escola eram
bonitos e que as meninas tinham cara de esquilo. Você sempre foi quem
você é.

O sorriso se transformou em uma risada baixa quando me escondi entre os


braços dela. Como o céu, algumas das nuvens escuras pairando sobre minha
cabeça foram afastadas, deixando para trás somente a ameaça de uma
grande tempestade a caminho.

Eu nem sabia ao certo se estava com sono ou se estava perseguindo


qualquer sensação confortante e quente o suficiente. Estava na sala da casa
de Harry, no sofá com Niall e Angelina. Deitado entre as pernas de Angel,
com a cabeça no peito dela e suas mãos fazendo carinho no meu cabelo
enquanto meus pés estavam no colo de Horan, tudo parecia meio imerso
numa sensação temporária e amortecida. Ao menos a coberta era cheirosa.

— Por que Louis ganha frutas cortadinhas em cubo e eu ganho, tipo, uma
panqueca dura? — Niall perguntou baixo

segundos depois enquanto eu comia os pedacinhos de morango, kiwi e


abacaxi dentro da tigela de vidro.

Angelina me mimava. O que eu podia fazer?

— Porque ele é o meu filho adotivo. E as panquecas ficam duras porque é


você quem faz — ela rebateu. Mesmo com os olhos fixos na televisão, eu
sabia que estava sorrindo.
— Para de reclamar, amor. Assiste ao filme.

Nós três encaramos o filme Simplesmente Acontece na televisão, e eu mal


conseguia acreditar que aquilo era chamado de romance. Eles estavam
sofrendo, longes um do outro e tendo a conexão repetidamente desgastada
já fazia quarenta minutos. Então preferi terminar de comer os pedacinhos de
fruta e me afundar nos carinhos de Angel a pensar mais em relações que
não davam certo.

Mais tarde, comemos macarrão chinês e legumes cozidos, ainda


esparramados no sofá, e eu desisti de ir para casa porque ainda não confiava
em mim mesmo ao volante da Rover que Mark havia me dado. Angel subiu
comigo até o quarto de Harry quando avisei que iria dormir. O cômodo
permanecia intocado. Até mesmo a cama estava arrumada, as roupas
estavam penduradas nos cabides e o pequeno rastro de perfume ainda
circulava no ar e impregnava-se às cortinas e aos lençóis. Quando deitei na
cama e abracei o travesseiro dele, inspirando fundo, agradeci por Angel
estar ao meu lado para jogar a coberta por cima de mim como uma mãe.
Caso contrário, desabaria mais uma vez.

— Você vai ficar bem, amor? — ela perguntou, sentando-se na beira do


colchão. Os lábios estavam curvados em

um sorriso pequeno e empático. Sabia que ela e Niall também estavam


perdidos, recusando-se a voltar à Irlanda. Ela apertou ainda mais o casaco
de moletom em volta do corpo, os cabelos caindo por cima da camiseta da
NASA. — Quer comer mais alguma coisa para dormir?

— Não, obrigado — respondi. Sentei-me para abraçá-la, demorando um


pouco mais do que planejava. — Angel?

— Sim?

— Você acha que ele... está morto?

Ao invés de responder imediatamente, ela me olhou com carinho,


parecendo pensar no que dizer. Optou por:
— Não. Não acho.

— Por quê?

— Não sei, Lou. Quando passamos por algumas situações na vida,


aprendemos a reconhecer as recaídas de alguém que está, de certa forma,
voltando à vida novamente —

seus dedos pararam nos meus cabelos e ela piscou por alguns segundos
antes de fixar os olhos castanhos em mim. — Não quero te dar expectativas
demais, mas foi por causa da minha esperança que eu ainda estou aqui
mesmo após todos os xingamentos, todas as recusas e desprezos. Não há
nada errado em esperar por algo melhor, sim?

De repente, a música Every Little Thing She Does Is Magic do The Police
ecoou dentro da minha cabeça. Angel merecia o nome que tinha. Ela
merecia o amor de Niall e muito, muito mais.

— Você ainda espera por algo melhor? — perguntei.

Ela sorriu.

— É o que nos mantém indo, meu amor.

Era uma quinta-feira, um dia antes do primeiro jogo da temporada.

Estava chovendo, e metade do time acumulava-se em volta das grandes


mesas do Arroto Molhado. Liam estava conversando com os jogadores,
disparando técnicas e palavras sobre ataques, as quais eu era incapaz de
compreender. Perguntava-me o tempo inteiro por que estava ali, mas a
resposta estava bem ao meu lado. Zayn.

Concentrado nas palavras do namorado e com os lábios envoltos


relaxadamente em volta do canudo do milkshake de Nutella (sem vodka),
imerso demais no que Liam dizia, falava e gesticulava.

Larguei o copo de refrigerante quando senti alguém se acomodar ao meu


lado. Estava pronto para dizer a quem quer que fosse para tomar cuidado
com a minha bolsa quando me deparei com...
Chace Crawford.

— Oi — ele disse, sorrindo grande. Os cabelos, apesar da chuva, estavam


perfeitamente arrumados. Senti inveja. —

Como estão indo as aulas de balé?

— O que te faz pensar que eu estou fazendo balé?

Sua boca caiu aberta em falsa surpresa.

— Então aquele garoto que passou na televisão, dançarino da Academia de


Bolshoi e com curvatura perfeita nos pés, não era você?!

Foi impossível não rir, fazendo com que ele me acompanhasse com um tom
divertido e calmo, ainda com os olhos fixos em mim de uma forma que não
era nem invasiva ou irritante, apenas prestativa.

— Não era — respondi por final, arrastando o dedo pela condensação sobre
a mesa de ferro. — Sinto muito em decepcioná-lo.

— Nah, está tudo bem. Decepções do dia a dia, acho —

seu braço descansou sobre o encosto atrás de mim, e pensei que era algo
típico de Crawford fazer aquele movimento sutil e, de acordo com o que ele
pensava, conquistador. — Você vai ao jogo amanhã?

— Não sei.

Não ia. Não havia mais nada que me motivasse a vestir o casaco, subir nas
arquibancadas geladas e assistir aos longos minutos com falso interesse. O
meu capitão do time não estaria lá.

— Deveria ir. Eles vão vender sorvete com massa de waffle, mas... — olhou
de um lado para o outro, apreensivo. — isso é segredo de Estado.

— Como eu poderia recusar waffle? Estamos vivendo na América dentro de


Londres — brinquei.
Ele estava prestes a responder quando Liam o chamou para discutir e
revisar as estratégias de defesa, desviando

sua atenção para Payne. Chace bufou, emburrado, mas se levantou após
sorrir para mim como se dissesse que conversaríamos mais depois.
Levantei-me logo depois, também, afastando-me da mesa para ir em
direção ao banheiro.

— Lou! — Nora me chamou de longe, atrás do balcão principal

enquanto

distribuía

sanduíches

para

as

garçonetes e garçons entregarem nas mesas lotadas. —

Sem millshake de vodka hoje?

— Oh, não — chacoalhei a mão esquerda, repulsando o pensamento de


colocar mais um gole daquela bebida na minha boca. — Muito obrigado.
Deixo aquela bebida para seres do inferno que têm capacidade e habilidade
para aguentar. Tipo você, Nora. Aproveite!

Ouvi-a me xingando ao longe enquanto entrava no banheiro, de cabeça


baixa e rindo com os olhos fixos aos próprios pés. Torci o nariz para a
camada de sujeira cobrindo os cantos dos tênis e olhei para trás,
certificando-me de que não havia deixado pegadas pelo chão. O

banheiro estava vazio, e todas as cabines tinham as portas abertas e o


barulho do vento percorrendo por entre elas.

Entrei na última. Observei os azulejos apaticamente enquanto fazia o que


tinha que fazer, fechando os olhos por um instante para tentar normalizar a
irritação atrás dos olhos pela vontade de ir para casa, mas... não podia
deixar Zayn ali.

Alguém também adentrou o banheiro segundos depois.

Ouvi a respiração pesada, os ruídos pequenos e ofegantes antes de a torneira


ser aberta. Encolhi os ombros e

terminei, dando descarga antes de abrir a porta da cabine.

O garoto debruçado sobre a torneira, vestido com uma jaqueta larga e


úmida, havia deixado pegadas molhadas pelo chão inteiro, e eu revirei os
olhos. Quando eu estava no meio do caminho, ele ergueu a cabeça e
encontrou meus olhos através do espelho. Travei o passo no meio do
caminho, meu coração embarcando num ritmo frenético como se nunca
houvesse se acalmado.

Harry estava em minha frente, os cabelos caídos em seu rosto,


completamente molhados, assim como o resto do corpo. Ele me olhou com
cuidado, mas eu consegui ver as olheiras embaixo dos seus olhos e as rugas
de cansaço entre as sobrancelhas. De certa forma, parecia pior do que
estava quando desapareceu por... duas malditas semanas!

— Louis–

Bem, ninguém podia me culpar.

Eu literalmente avancei para cima dele, colidindo meus punhos com


qualquer parte do seu corpo que podia acertar; nunca colocando toda minha
força nas mãos. Meu plano era tentar levá-lo ao chão para poder bater mais
nele e então abraçá-lo, e bater de novo e talvez chorar. Talvez os dois ao
mesmo tempo. Mas a vida não era um filme, e eu escorreguei no piso
molhado antes que pudesse concretizar o, mais ou menos, terceiro soco.

Eu é quem fui ao chão, caindo de bunda no azulejo molhado enquanto


Harry me encarava de cima com uma expressão de surpresa fixa ao rosto
tão bonito, tão aberto.
A pena, toda aquela situação e a frustração que me tomou quando percebi o
quão patético era foram o que me

fizeram começar a chorar. De novo. O alívio por ele estar em minha frente
também foi me preenchendo aos poucos, cobrindo as incertezas com uma
sensação metade amarga e metade doce.

— Lou... ei — uma mão grande foi posicionada entre minhas omoplatas. O


cheiro dele me atingiu, e ao mesmo tempo em que eu era grato por aquilo,
também estava magoado por ele ter sumido àquela altura. Não sabia ao
certo o que sentir. Me sentia frágil, feito de vidro. — Vem aqui.

Ele tentou me levantar, mas eu o afastei, limpando as bochechas com as


mangas da blusa e balançando a cabeça. Harry havia se ajoelhado no chão,
mas mantinha uma distância entre nós, o que era... bom. Embora eu
quisesse abraçá-lo e nunca mais soltá-lo, eu precisava de uma explicação;
meu lado lógico implorava por ela.

— Pra onde você foi? — perguntei baixo. Calmo.

— Louis–

Balancei a cabeça, interrompendo-o ao mesmo tempo em que fechava as


mãos no meu próprio moletom.

— Eu só estou pedindo uma explicação. Uma resposta. Eu mereço isso, não


mereço?

Afirmou com a cabeça, um movimento tão pequeno quanto o nosso mundo


particular, no qual havíamos entrado assim que fomos parar no chão.
Quando Harry respondeu, eu mal consegui identificar a sua feição. Não
havia algo de reconhecível nos lábios franzidos e na forma que seus olhos
desviaram para as próprias mãos ao responder:

— Fui fazer exames. Para me certificar que as pílulas estejam fazendo


efeito.

As duas próximas palavras foram um sopro: — E estão?


Ele não me olhou ao responder.

— Sim.

Levantei-me, não me importando com a dor aguda na base das minhas


costas por causa da pancada que havia levado quando fui parar no chão. Fui
até a pia e agarrei a beirada de mármore da bancada para me manter estável.
Para tentar enfiar alguma coerência dentro da minha cabeça a todo custo. E
agora? , perguntei para o meu reflexo no espelho. Para o garoto de cabelos
bagunçados e olhos rajados de sangue. E agora?

— É a última semana — Harry continuou, cada sílaba soando tão amarga e


nem um pouco verdadeira. Por que elas não soavam verdadeiras?! Ele se
levantou, parou atrás de mim e manteve o olhar na parte de trás da minha
cabeça. — Até a última pílula.

Todas as vozes na minha cabeça gritavam que eu era um covarde enquanto


tive um impulso total, saía do banheiro e o deixava para trás. E eu sabia que
era covarde e que, daquela vez, eu era o único que estava indo embora.

Passei direto pelo amplo salão tomado por conversas empolgadas do Arroto
Molhado para chegar ao estacionamento, deixando todos para trás enquanto
mandava uma mensagem rápida a Zayn avisando que estava indo embora e
pedindo para ele pegar minha mochila. A chuva caía sobre minha cabeça
quando agarrei

a chave da Range Rover entre os dedos e entrei no carro, ciente das minhas
mãos trêmulas e dos olhos embaçados.

Antes que pudesse ligá-lo, porém, a porta de passageiro foi aberta e um


Harry ainda mais ensopado também entrou no meu carro, parecendo mais
determinado do que nunca.

Agarrei as duas mãos ao volante.— Sai do carro.

— Não — respondeu firmemente, passando uma mão pelos cabelos


molhados. Eles estavam grandes, e eu me lembrei de que os meus também
estavam. Nós dois com cabelos tão grandes e corações tão pequenos.
Aquela porra não era justa.

Observei uma gota de água escorrer pelo seu lábio inferior devagar, como
se estivesse traçando os contornos da boca dele.

— Harry...

— Eu não vou sair do seu carro.

— Vai se foder.

Ele me olhou como se dissesse "é sério?", e eu grunhi de raiva como uma
criança porque o xingamento realmente era ridículo e infantil. Não liguei o
carro. Encostei a cabeça ao volante, os nós dos meus dedos tornando-se
brancos com a força com que o agarrava.

— Você sumiu por quinze dias. Você me deixou acreditar que estava morto
durante esse tempo — murmurei, os olhos fechados. Não olhe para ele,
Louis. Não olhe. — Por quê?

— Porque foi o que eu senti que deveria fazer. Eu queria saber quanto
tempo faltava, e foi isso o que eu consegui. É

isso, Louis.

— E agora?

— Agora o quê? — perguntou. Levantei a cabeça e olhei para ele,


encontrando-o me olhando de volta. — É isso.

Não há mais nada o que fazer. Você sabe que isso acabaria em alguma hora.

— Por que você está aqui? — perguntei. De tão baixa, minha voz quase se
perdeu entre os pingos pesados de chuva. — Aqui, na lanchonete. Por que
voltou?

— Porque queria falar com você. Me certificar que você não mantém
alguma esperança idiota em relação a mim.
Ignorei a última parte, largando uma mão do volante para fechar o punho e
sentir as unhas cravando na palma da mão. Esperança Idiota deveria ser a
porra do meu nome.

— E quem te disse que eu estava aqui?

— Niall — respondeu.

— Ok — eu disse. — Vou te levar para casa.

E foi isso. Não queria olhá-lo, apesar do meu corpo estar sentindo sua
presença e implorando por ele. Por favor.

Eu queria estender a mão e tocá-lo, sentir sua pele sob meus dedos ou até
mesmo sua boca sob a minha. Queria me certificar de que Harry ainda tinha
o mesmo gosto, que ele ainda soltava os mesmos suspiros quando me
beijava, mas tudo o que eu fiz foi ligar o carro e entrar na estrada após
passar o cinto. Estava tudo escuro, a rua em volta de

nós era deserta. Poucos carros passavam vez ou outra, mas ao todo, eu era
praticamente o único se aventurando a dirigir naquele momento; isolado
dentro do carro e dentro da minha própria cabeça.

— Não quero que você vá ao meu enterro — Harry sussurrou de repente.

Apertei mais o volante, mantendo os olhos ao para-brisa.

— Você não pode me pedir uma coisa dessas.

— Por quê? É a sua chance de se despedir de mim? De me dar o último


adeus? — cuspiu as palavras com ironia.

— Não, Harry. Porque eu nunca te pedi muita coisa, nunca pedi para que
você me amasse de volta ou que parasse de tomar as pílulas — minha
garganta estava seca, o que fez minha voz sair com um tom esganiçado que
soava ridículo.

— Meu egoísmo e minha vontade de ter você comigo sempre ficaram


abaixo do meu amor por você. Então por que não posso ir à porra do seu
enterro? Por que não posso te ver dentro de um maldito caixão e pensar que
acabou? Ter a certeza de que tudo acabou para poder seguir em frente. Me
livrar das minhas esperanças idiotas.

— Porque não vai adiantar merda nenhuma. Vai ter acabado, não vai? Isso
só vai te torturar mais.

— E você acha que essas últimas semanas não foram uma tortura? Te ver
morrendo aos poucos não é uma tortura? Me apaixonar por você não foi
tortura?

Ele não me respondeu. A pergunta pairou sobre o ambiente pesado do carro


até o momento em que

finalmente alcancei a rua da mansão de Harry, estacionando em frente ao


portão e iluminando o longo caminho de pedras com os faróis fortes da
Range Rover.

Ele não se moveu para sair do carro, e eu tive que desligar o motor e me
encostar ao banco de couro com um suspiro pesado.

— Eu amo você — eu murmurei, deixando minhas mãos escorregarem do


volante até minhas coxas. Virei a cabeça, olhei-o. — Eu amo muito você,
Harry.

Ele abaixou o olhar, brincando com os anéis nos dedos nervosamente


enquanto franzia o nariz. Eu nunca receberia um "eu amo você" de volta,
não é? Porque Harry era quebrado, deixado sozinho para se contentar com
as pequenas partes que ainda estavam intactas dentro dele.

Realmente, eu não podia vê-lo por dentro, assim como ele disse em uma das
primeiras vezes que nos falamos; e eu nunca havia me machucado tanto
tentando.

— Eu preciso ir — ele disse. — Só... me desculpa.

Ele saiu do carro. A chuva o castigou com toda a força enquanto ele abria o
pequeno portão individual ao lado do principal com uma chave que havia
retirado do bolso.

Precisei esperar alguns minutos antes de ir embora.

Harry e eu fizemos amor pela última vez na manhã seguinte.

Era seis e meia da manhã quando ele entrou em minha casa, no meu quarto,
me acordou com um abraço quente e se encolheu contra meu corpo com um
pedido silencioso

de "me deixe ficar". Meu rosto ainda estava inchado, minhas mãos ainda
doíam, mas ele não pareceu se importar com isso quando acariciou minhas
bochechas com o polegar e me beijou. Por algum motivo, eu pensei que
aquela era minha última chance.

E com a raiva correndo em meu sangue, o ressentimento colorindo todos os


nossos beijos com um tom escuro, eu deixei.

Ele pediu para que eu ficasse por cima daquela vez, só para que pudesse
sentir; só... sentir. Era um pedido modesto quando, por outro lado, eu
sempre havia pensado que ele merecia amor. E mesmo sendo guiado por
suas palavras baixas e calmas, ainda tinha um resquício nervoso nos meus
movimentos quando entrei nele e cobri sua boca com a minha. Ainda tinha
um resquício nervoso quando gozei dentro dele e o senti fazer o mesmo
logo depois com as sobrancelhas franzidas e a boca aberta em um gemido
silencioso.

Não tinha certeza, mas a palavra sussurrada contra meu ombro longos
minutos depois parecia-se muito com

"desculpa".

Eu fui vê-lo no vestiário na noite do jogo.


Quando todos os jogadores já estavam em campo, fui atrás de Harry e o
encontrei no mesmo lugar. Nos enfiamos na última cabine e o chuveiro
ainda estava estragado, mas eu o agarrei com força e o abracei como

se nunca mais fosse ter a mesma oportunidade. Talvez algo estivesse me


dizendo que realmente não teria.

Suas mãos esfregaram minhas costas de cima à baixo, e ficamos em


silêncio. Tracei a linha do seu maxilar com os lábios, segurei seus bíceps
sobre as mangas da jersey e apertei os dedos na sua pele. Pressionei meu
ouvido contra seu peito e fui capaz de ouvi-lo batendo rápido, assim como o
meu. Ouvi quando ele repetiu "até a última pílula".

— Bom jogo, Meno — eu disse, empurrando todos os desabafos para o


fundo da garganta.

Ele sorriu. Saí do vestiário e caminhei por entre as pessoas enquanto vestia
o casaco do time sem nenhuma restrição própria ou vergonha. Sim, estaria
ali para torcer por ele uma última vez, gritaria seu nome sem me importar
com as consequências. Ninguém me impediria de usar o nome STYLES nas
costas e de olhar meu namorado como se ele fosse, realmente, meu
namorado.

— Como ele sabe as estratégias de jogo se sumiu pelas últimas duas


semanas? — perguntou Zayn.

Encolhi os ombros. Como poderia saber?

Os Wild Wolves entraram em campo, as cheerleaders colocaram em prática


os passos de dança treinados e a multidão vermelha e preta sobrepunha-se
aos torcedores do time do colégio rival. Os gritos elevaram de volume
durante a primeira parte do jogo, e o placar estabeleceu em 18 a 17 para os
Wild Wolves. Harry parecia mais ofegante que nunca, e em certo ponto,
teve que apoiar as

mãos nos joelhos e deixar os cabelos molhados de suor caírem em frente ao


rosto.
Foi quando ouvi alguém, um garoto de cabelos raspados na arquibancada
contrária, gritar algo com ódio:

— Corta esse cabelo ridículo e deixa de jogar como uma maldita garota,
Styles!

Harry ergueu a cabeça e o olhou de forma direta, piscando por cima das
luzes fortes e estreitando os olhos por causa do suor escorrendo pela testa.
No mesmo instante, sua mão foi até os próprios cabelos de forma insegura,
e eu sussurrei "não". Não, não...

Candice gritou algo de volta, na arquibancada de cima:

— Se a porra do seu time jogasse um pouco melhor, eles também poderiam


jogar como garotas, seu otário!

O jogo voltou. E a partir daí, tudo foi rolando para baixo.

Harry perdia as jogadas, seu peito subia e descia com o esforço extremo
para respirar e correr, coberto em suor e fragmentos de grama. Quando ele
parou no canto do campo para tossir, colocou a mão contra a boca com um
desespero que nunca poderia ser explicado em palavras; e eu vi qual era o
problema. O líquido que escorria por entre seus dedos era escuro, mais
escuro que sangue, e foi uma questão de segundos até que ele começasse a
tossir mais e expelir mais daquele líquido.

Harry correu de volta para o vestiário, deixando todos e tudo para trás, as
pernas longas tropeçando uma na outra e as costas ainda curvadas enquanto
tossia. Eu vi Harry

praticamente se desintegrar em minha frente, assim como todo mundo


também viu. Crawford estava com a bola na mão, prestes a fazer o ponto
que viraria o jogo e os deixaria em vantagem com um touchdown, mas
Styles desapareceu e todos os jogadores dos Wild Wolves viraram-se para
olhar em direção à saída do campo. Foi uma questão de segundo, um único
pensamento e uma decisão que fizeram Chace Crawford largar a bola e
correr até lá, abandonando tudo em favor de ir atrás de Harry.
Em seguida, Payne, Beales, Azoff. Todos, pouco a pouco, largaram o
campo e também foram.

Fiz o mesmo, abrindo caminho entre as arquibancadas e correndo o mais


rápido que os empecilhos permitiam. O

vestiário estava lotado, jogadores acumulados na entrada e palavras que eu


mal conseguia entender por cima das batidas rítmicas dentro dos meus
ouvidos. Empurrei todos do caminho, desafiando toda a capacidade da
minha altura, e minhas mãos já estavam tremendo antes mesmo de ver
Harry deitado no chão do vestiário e curvado, uma poça de sangue
extremamente escuro ao lado da sua boca e o canto dos lábios ainda sujo
com aquilo.

Não senti a pancada nos meus joelhos quando caí no chão, apoiando a
cabeça do meu garoto com as mãos e apertando os lábios com força para
que não deixasse os soluços saírem.

— Shh, nós vamos te levar pro hospital, ok? — acariciei o rosto dele,
sentindo meus olhos arderem. Seus olhos ainda estavam abertos, mas
incoerentes. — Meno, olha pra mim. Nós vamos te levar pro hospital...
Harry-

Ele não olhou. Harry fechou os olhos pouco a pouco e seu corpo
literalmente ficou mole sobre minhas mãos, e embora eu soubesse que ele
não estava morto por causa do seu peito subindo e descendo, aquele
segundo foi um dos maiores de desespero e desorientação em toda minha
vida.

Há momentos em que sua mente apaga, em que tudo dentro dela parece
imergir na escuridão para focar em uma única coisa, como se fossem luzes
de um estádio focadas no maior jogador. É como se você fosse um corpo
sem sentimentos, pensamentos ou reações, somente focado em conseguir
alcançar o que deseja. Enquanto Payne erguia o corpo magro de Harry nos
braços, foi mais ou menos assim que fiquei. Quando deixamos todos para
trás e alcançamos a BMW dele para colocar Meno no banco de trás, eu
estava amortecido. Ainda chorava, minhas mãos ainda tremiam, mas eu só
queria levá-lo para o hospital. Liam recebeu dezenas de multas naquela
noite, eu tinha certeza, mas o desespero tornou-se maior que qualquer
infração. Toquei todo o rosto gelado de Styles, limpei o canto da sua boca
com a minha mão e sussurrei tantas vezes que o amava que as palavras
quase chegaram a não fazer sentido para mim.

E minutos depois, quando entramos no hospital, eu vi médicas e


enfermeiros colocarem Harry sobre uma maca gelada e o levarem para
dentro, disparando palavras e gestos urgentes que eu não entendia nada
sobre; eu nem sequer ouvia. Eu estava parado no centro da entrada, o
casaco do time pesado demais sobre meus ombros, meus

joelhos doendo e as mãos sujas, mas o que doía mais era saber que nada
adiantaria.

Que não havia mais o que fazer.


Chapter Twenty One
Sempre tive um certo fascínio peculiar com números.

Claro, não quando eles vinham acompanhados de letras e fórmulas para


executar com maestria as matérias complicadas de álgebra linear. O que me
fascinava eram as possibilidades.

O que números faziam? Definiam estatísticas, diziam com precisão dados


que caracterizavam a vida inteira de uma pessoa, criavam pequenos mundos
de formações praticamente impossíveis, construíam metáforas poéticas em
obras consagradas por séculos. Números diziam quão afinada era uma
melodia de Bach através da sincronia das sinfonias. Mediam o valor
praticamente inestimável de uma pintura de Michelangelo.

O pintor, não o meu.

O coração de um beija-flor atingia até oitenta batidas por segundo. Oitenta


batidas em sessenta segundos; 80

dentro de 60. Algo maior encaixava-se perfeitamente dentro de proporções


menores.

Ainda assim, sentado ao lado da cama de Harry com os olhos fixos ao teto e
os bipes ecoando em meus ouvidos, me perguntei quantas possibilidades
cabiam dentro dos batimentos cardíacos dele. Um mundo cabia ali? Não
tinha certeza. Mas o mundo dele se resumia àqueles números.

Quão miserável era o fato de a vida inteira de uma pessoa, todos os seus
fôlegos provindos de momentos de pura e crua alegria, serem reduzidos a
números em um pequeno monitor?

Quantas possibilidades seu coração possuía? Quantas possibilidades ele


queria ter?

— Nem ao menos sei por onde começar.


A voz repleta de um tom quase elegante ecoando pelo quarto me fez erguer
a cabeça e, inconscientemente, apertar ainda mais a mão de Harry embaixo
da minha.

Gemma Styles estava parada ali, de face limpa e livre de maquiagem, e


vestida com jeans e camiseta como uma estudante da UCL, não de Harvard.
Olhava atentamente o irmão, a garganta movendo-se de forma seca
enquanto os círculos avermelhados embaixo dos olhos revelavam que
estava chorando.

Eu não sabia como me sentir. Não a queria ali, chorando sobre o irmão
como se sempre tivesse o tratado bem; como se sempre tivesse sido seu
apoio.

— Você é o Louis, então? Me lembro de você na festa de Karen Payne —


disse, me olhando.

Ergui a cabeça, não me encolhi. Precisava enfrentá-la, não no sentido


literal, e precisava me colocar de frente àquilo.

— Eu — disse com firmeza na voz. — Namorado de Harry.

Ela pareceu fazer um esforço de magnitudes imensuráveis para não deixar


os lábios franzirem com desgosto. — Eu sei.

— Bom.

Gemma Styles respirou fundo. Deu um passo à frente e depois outro,


caminhando até o outro lado da cama com movimentos que pareciam ser
incertos, como se Harry fosse acordar a qualquer momento e dizer a ela
para não tocar nele, para não se aproximar. Mas ela o tocou.

Observei com cuidado enquanto ela erguia a mão e, estendendo


parcialmente dois dedos pequenos, percorria-os pelas bochechas pálidas de
Harry até a têmpora esquerda dele. Eu sabia como era a textura da sua pele
sob meu toque porque havia passado uma grande parte da noite anterior
desafiando todas as leis de visita hospitalares para me deitar ao seu lado e
abraçá-lo.
Harry estava gelado, com aspecto praticamente marmóreo nos pontos em
que seu sangue deveria estar pulsando energicamente com uma
subjetividade de vida, de batimentos. Ao invés disso, seu coração batia
devagar como se estivesse extraindo com desespero sufocante as últimas
chances que tinha.

— Ele está em coma ou dopado? — ela questionou, limpando duas lágrimas


com pressa. — O que houve? Os

médicos tentaram me explicar quando eu subi, mas não quis ouvi-los.

— Assim como você também não ouviu Harry quando ele queria
desabafar? — fitei-a, deixando a raiva transparecer e se misturar à
frustração. Gemma abriu a boca e as sobrancelhas finas franziram-se no
mesmo instante; antes que ela pudesse falar algo, porém, continuei: — Eles
não me disseram. Harry teve uma parada cardíaca ao longo da noite, e o
resultado dos exames ainda não saiu. Não sei o que aconteceu.

A imagem das pílulas queimou o fundo da minha mente.

Através do amplo quadrado de vidro que permitia que víssemos as pessoas


do lado de fora do quarto, assisti Liam chegar e abraçar Zayn com força,
praticamente esmagando o corpo esguio do meu melhor amigo entre os
braços fortes. Foi a deixa para eu abandonar – a muito custo – a mão de
Harry e me levantar, passando por Gemma sem dizer outra palavra sequer.
Deixei o quarto gelado e adentrei o corredor de lâmpadas fortes, chão de
granito e paredes pintadas com o tom mais suave de azul que eu já havia
visto. Era tudo muito séptico, limpo e próprio de hospital.

Julie e Candice estavam sentadas nas cadeiras, lado a lado, e mamãe e


Lottie também estavam ali. Niall e Angel, Liam e Zayn e os pais de Payne.
Eu não sabia se prestava atenção ao fato de que Zayn e Liam estavam de
mãos dadas em frente aos pais de Payne ou se eu me sentia, diante de todas
as perspectivas, envolto por segurança.

Mal consegui olhar para trás novamente, para Harry


deitado na cama com aparelhos medindo seu coração e assegurando que sua
respiração artificial estivesse acontecendo.

Ao final, sentei-me ao lado de Jay. Senti a mão dela nas minhas costas, mas
nenhuma palavra foi dita. Era silencioso, digno de uma reunião antecedida
por outro evento traumático.

Gemma Styles saiu do quarto minutos depois. Olhou para cada um de nós
com olhos vermelhos e abaixou a cabeça antes de seguir em direção ao fim
do corredor. Karen Payne a acompanhou, murmurando "querida, se
acalme", mas os ruídos abafado de choro eram audíveis até mesmo quando
as duas viraram o corredor.

— Garota hipócrita — Julie murmurou. Os cabelos ruivos estavam


amarrados, os lábios que em quase todas as ocasiões tinham uma cobertura
de batom cor-de-rosa brilhante, agora pareciam ressecados – era uma boa
metáfora para defini-la, também. Candice, como sempre, permanecia

em

silêncio,

os

dedos

mexendo

compulsivamente os rasgos nos jeans. — É ridículo, não é? Desmond não


está aqui. Ele já deve estar sabendo que o filho está morrendo e, mesmo
assim, não está aqui.

Odeio os dois, odeio!

Geoff Payne engoliu em seco, olhou para o filho abraçando outro garoto,
olhou Harry imóvel através do vidro e respirou fundo ao olhar para o teto.
— Preciso de um cigarro.
Também foi em direção ao fim do corredor, as mãos dentro do bolso de
forma quase robótica.

— Ele fuma? — Malik questionou baixinho. Payne negou com a cabeça,


parecendo tão surpreso quanto, mas somente beijou a testa do meu melhor
amigo e voltou a se encostar ao banco.

Foi a minha vez de me levantar. Eu mal conseguia parar quieto, ainda mais
quando todos os olhares estavam sobre mim.

— Preciso respirar um pouco — eu disse.

Ao invés de ir pelo caminho que todos haviam ido, eu segui pelo lado
contrário, sem saber ao certo onde pararia.

A cada passo que eu dava, a cada fôlego inspirado para dentro dos meus
pulmões, eu implorava para que Harry, repentinamente, acordasse. Que
tudo aquilo fosse uma mentira, um pesadelo; que eu acordasse, em algum
ponto da minha vida, na aula de álgebra linear da Sra. Lawth pensando em
gatos e na minha vida futura sem namorado, relacionamento ou planos para
o amanhã.

Virei o corredor à direita. Antes que pudesse seguir por ele, porém, ouvi
vozes atrás de mim. Olhei para a direção das pessoas e vi alguns médicos
reunidos, pessoas vestidas com jalecos brancos. Entre eles, havia uma
garota baixinha de cabelo curto e rosto anguloso e delicado que, por algum
motivo, me lembrou de algo.

Ela se parecia com a Frankie Sanford, e gesticulava calmamente para o


amontoado de papéis na mão do médico-chefe, como se estivesse instruindo
o que eles deveriam fazer. Antes que eu pudesse me lembrar de onde a
conhecia e se a conhecia, nossos olhos se encontraram. Os lábios dela
caíram abertos em surpresa,

o que fez minhas sobrancelhas franzirem. Eu estava tão acabado assim?


Antes

que
eu

pudesse

tentar

adivinhar algo a mais, ela se virou para o outro lado e seguiu até o fim do
corredor.

Ainda estava me perguntando se deveria me lembrar da garota quando


alcancei o extenso terraço do hospital.

Havia enormes painéis de vidro cercando todas as beiradas, e ao ver um


banco posicionado no centro do grande pátio de concreto, perguntei-me se
era uma forma de evitar suicídio. Hospitais tratavam suicidas, afinal.

Assim como estavam fazendo com Harry.

Sentei-me no banquinho, as mãos dentro do casaco de Harry e a franja,


levemente oleosa por causa do suor e da noite passada no hospital, grudada
na minha testa. Olhei além, para o céu azul e as nuvens colorindo a
multidão de cor com pontos macios. Os barulhos dos carros lá embaixo
soavam como uma melodia que me fez fechar os olhos e...

respirar. Inspirar, expirar. Chorar, deixando tudo sair, todo o desabafo ser
eliminado em forma de lágrimas.

Lembrei-me dele. Por algum motivo bondoso do meu subconsciente que


provavelmente estava com pena do meu corpo e pensamentos exaustos, eu
não conseguia me lembrar de Harry sofrendo, com cicatrizes ou com aquela
curva em seus lábios que só aparecia quando estava chateado. Lembrei-me
dele rindo quando eu o chamava de Michelangelo, lembrei-me da
madrugada e dos primeiros minutos após a primeira vez que transamos.

Envolvendo os braços em torno de mim mesmo e inclinando a cabeça para


que pudesse inspirar o cheiro de

amaciante no casaco do time, quase fui capaz de sentir seus braços me


envolvendo e do seu calor irradiando para o meu corpo inteiro. Lembrei-me
da forma que ele cantou os versos de Too Late To Say Goodbye do Cage
The Elephant enquanto ainda estávamos pelados e com os corpos colados
embaixo do cobertor e dentro da barraca.

Era a nossa eternidade particular. Nossa eternidade temporária.

Senti alguém se sentar ao meu lado com delicadeza. Senti o perfume


levemente adocicado me atingir e uma mão pequena e quente cobrir a
minha sobre o banco. Eu sabia quem era antes mesmo de ouvir a voz
baixinha e afetada:

— Eu me lembro da primeira vez que ele falou de você pra mim.

Permaneci com os olhos fechados enquanto Julie falava.

Porém, virei a palma da mão para que pudesse entrelaçar nossos dedos.

— "Como assim você nunca viu ele no refeitório, Julie?!"

— ela continuou, um tom nostálgico emergindo em cada palavra. — E eu


disse a ele: "Harry, você já viu o tamanho do garoto? Ele é pequenininho,
óbvio que passaria despercebido".

Sorri pequeno, inspirando pequenas e frágeis lufadas de ar puro.

— Ele riu, — Julie continuou. — e no dia seguinte, me mostrou você no


refeitório enquanto eu estava no colo dele fingindo que estava beijando o
pescoço dele. A partir daí, Harry torcia para que você aparecesse nos jogos,
sabe?

Sempre que marcava um ponto ou fazia um touchdown que fazia o estádio


gritar, ele olhava para as arquibancadas. E no dia que ele finalmente te viu...
meu Deus, Louis. Escutei ele falar disso na noite inteira. Sabe o que foi
engraçado?

Minha pergunta saiu borrada por causa das lágrimas na garganta. — O quê?

— Porque nós fingimos que estávamos transando enquanto estávamos


numa festa. Aí eu ficava "oh, Harry–"
e ele fingia que estava gemendo também, mas ele estava sorrindo grande e
dizendo baixinho "ele estava lá, Ju" entre "vou te foder" e "mais força!"
enquanto empurrava o colchão pra cabeceira ficar batendo na parede. Dois
ridículos. Acho que nunca fomos amigos muito usuais, sabe?

Eu ri e ela acompanhou até que nossas risadas fossem desvanecidas


gradualmente, cada segundo agindo como o fator necessário para abaixarem
de volume. Ficamos em silêncio depois disso, e foi fácil me inclinar para
deitar a cabeça no ombro dela. Julie passou o braço em torno de mim e nós
dois encaramos adiante; deixei-a me tocar.

Senti minha bochecha molhada, e sabia que, de repente, ela estava


chorando, mas não olhei para cima. Permiti que cada um tivesse o espaço
tão sagrado para desabar.

— Ele sempre se sentiu um incômodo, Lou. Como se não pertencesse, não


merecesse amor — me contou, as mechas ruivas de cabelo grudando às
bochechas úmidas e rosadas. Eu sabia bem. — E isso só ficou pior quando
Anna morreu, quando ele foi abandonado pela família e

forçado a engolir esses sentimentos. Todos nós merecemos amor, essa é a


questão — ela abaixou as pálpebras por um instante e respirou tão fundo
que parecia quase um soluço. — Como alguém que se doa por inteiro, que
sorri para fazer pessoas sorrirem e é tão puro não merece amor? Como
alguém não consegue perceber que é importante? Pessoas são importantes,
pessoas importam... eu só–

Parou. E eu continuei.

— Será que existe algum motivo maior para tudo isso? —

questionei, apertando mais nossas mãos entre nossos corpos. — Todos


dizem que coisas acontecem porque há um bem maior. Algo esperando.

— Posso te fazer uma pergunta? — ela disse, e eu afirmei com a cabeça.


Suas palavras foram firmes apesar do choro: — Se você pudesse voltar no
tempo, escolheria nunca ter conhecido Harry?
Leeds. As noites na minha cama. As ligações no meio da madrugada. Os
pequenos momentos. As pequenas melhores coisas do mundo. Os beijos. As
superações. Os sentimentos. Ele cantando Cage The Elephant no topo do
fôlego. Ele fazendo panquecas de creme de avelã e acabando

com

farinha

de

trigo

nos

cachinhos.

Sussurrando trechos de livros durante a aula. Nós dois.

Harry e Louis.

Michelangelo e Tommaso do século XXI.

Consegui reunir o tanto de forças necessárias para responder com firmeza:


— Não.

Ela acariciou os nós dos meus dedos, e eu entendi. O

destino não precisa de um motivo, as circunstâncias não se reúnem para


conspirar a favor de duas pessoas tendo em vista algum objetivo maior; as
coisas simplesmente acontecem da forma mais leve e delicada possível.
Não me arrepender e desejar que aqueles momentos voltassem era o maior
bem que eu podia adquirir do amor de Harry, de nós dois.

E, incrivelmente, eu não trocaria as batidas aceleradas do meu coração


quando o beijava por nada naquele mundo.


Desmond Styles chegou à noite.

Eu estava ao lado da cama de Harry, utilizando os últimos minutos que


tinha antes de ser obrigado a ir para casa tomar banho, e me recusava a sair
dali. Quando vi um homem de estatura mediana, vestido em terno bem
ajustado dos pés à cabeça e cabelos ralos grisalhos, engoli em seco porque
sabia o que viria à frente.

— Você é o Louis — disse, sem olhar para o próprio filho.

Vi uma aliança prata no dedo anelar dele, e sabia que não era a de
casamento. Ele já estava em outro relacionamento. — Preciso falar com
você.

Foi

assim:

superficial.

Não

houve

cumprimentos,

apresentações

ou

até

mesmo

demonstração

de
sentimentos; mesmo raiva ou nojo. Ele foi direto ao ponto, fazendo-me
levantar para que pudéssemos conversar no canto mais afastado do quarto.

— Vou transferir ele de hospital — disse, sério. Sua voz era rouca e
levemente desgastada, porém grossa, e havia manchas em seu rosto,
provavelmente causadas pela idade. Eu mal conseguia entender o porquê de
Anna ser casada com ele quando Harry descrevia a mãe como a pessoa mais
doce. Ela e ele não mereciam aquilo. — Vou levá-lo para outro país.

Meu mundo desabou naquele mesmo instante. Senti o chão tremer sob
meus pés com a possibilidade de ser afastado do meu garoto nos últimos
momentos.

— Para onde você vai levá-lo?!

— Temo que isso não interesse a você — respondeu, erguendo uma


sobrancelha grossa em desafio. Ele sabia que tinha vantagem sobre um
garoto de dezoito anos, frágil e pequeno, e sabia utilizar essa diferença ao
seu favor. — Os médicos disseram que Harry vai morrer, uma hora ou
outra. O coração e os pulmões dele estão deteriorados, como se fosse um
tumor corroendo cada centímetro a cada segundo. Não sabem o que está
acontecendo. Então, se ele morrer, que não seja aqui.

— Como você pode falar assim? — cerrei os punhos, o maxilar travado


enquanto fazia um esforço enorme para não demonstrar fraqueza. — É seu
filho que está deitado ali, que está morrendo! — elevei a voz, inconformado
e revoltado. Cansado porque Harry não recebia amor dele nem mesmo
quando estava praticamente morto. — Você é uma pessoa horrível.

— Deus... — ele ergueu as mãos como se eu estivesse o incomodando, e


massageou as têmporas com dois dedos

curtos e enrugados. Abriu os olhos: — Além de aturar Niall e o


namoradinho dele que quer ser mulher, ainda tenho que aturar você. Eu só
não bato em você e te faço aprender uma boa lição porque combinei com
Mark, e–
Dei um passo atrás, massacrado pelo medo e pela menção ao nome de Mark
ao mesmo tempo em que sentia meu sangue borbulhar pelas palavras duras
direcionadas à Angel. O que Mark tinha a ver com aquilo? Antes que
pudesse me afastar por completo, porém, minhas costas esbarraram em
algo. Em alguém. E depois, ouvi minha mãe dizer com firmeza e
obstinação, o tom gelado direcionado a Desmond fazendo-me sentir seguro.

— Você nunca bateria nele porque eu faria você se arrepender de ter, algum
dia, ameaçado meu filho — ela disse, uma sobrancelha erguida e os lábios
curvados de forma agressiva. — Você nunca bateria nele porque eu cumpro
o meu papel de mãe, e protejo meus filhos, ao contrário do que você fez
com Harry. E tire o nome de Angelina da sua boca... ela é uma mulher
incrível que não merece nada vindo de você; nem mesmo palavras.

Desmond sorriu amplamente, e as luzes fortes dentro do quarto deixaram à


mostra todos os riscos de expressão em seu rosto. Embora todos os seus
movimentos e a sua linguagem corporal inteira dessem a entender que ele
rebateria ou responderia em pura ignorância, tudo o que ele fez foi se
inclinar e sussurrar próximo ao meu rosto:

— Você tem até amanhã para se despedir dele. Depois disso, ele vai para
bem longe — as últimas palavras

possuíam um tom zombador que me fez apertar os dentes.

— Bem longe de você.

Desmond saiu do quarto e seguiu em direção ao corredor, deixando para


trás todo o ar amargo que eu lutei para inspirar. Jay me abraçou, forte, e eu
senti meus joelhos fraquejarem enquanto via, por cima dos ombros dela,
Harry deitado e desacordado. O pensamento de que eu o perderia em mais
de um sentido, mais de uma vez, era insuportável.

A mão de Harry permanecia gelada embaixo da minha, e seu peito ainda


estava sendo repleto por aquela respiração artificial que formava um ruído
estranho nos meus ouvidos.
Ergui a cabeça quando a enfermeira-chefe, uma mulher negra de quadris
estreitos e olhos gentis, entrou, dirigindo um sorriso empático a mim. Em
suas mãos, nada mais do que uma prancheta nova e vazia.

— Você deveria ir para casa, querido — aconselhou sem me olhar, distraída


com as próprias tarefas. — Comer algo, tomar um banho e descansar.

Sorri de volta em uma tentativa grossa, embora os movimentos dos


músculos em minhas bochechas acabassem doendo mais do que deveriam.
A enfermeira verificou a intravenosa de Harry, os aparelhos conectados ao
seu corpo, e olhou, durante poucos segundos, o monitor dos batimentos
cardíacos. Então, com um último sorriso, saiu do quarto, batendo a porta
atrás de si com um clique suave.

Estava sozinho com meu garoto, o que me fez suspirar.

Inconscientemente, apertei ainda mais sua mão e me aproximei, sentando-


me na beira da poltrona branca ao lado da cama enquanto meu polegar
acariciava todos os nós dos seus dedos. Eu sentia como se fosse chorar até
não poder mais, até desapegar o oxigênio dos meus pulmões, mas não
conseguia. Parecia que todas as lágrimas tinham evaporado e toda a dor
tivesse me tornado incapaz de chorar.

Minha voz soou baixa entre as paredes, como uma promessa sussurrada em
uma tarde quente ou um segredo contado entre beijos demorados.
Infelizmente, não era nenhum dos dois.

— Ele quer tirar você de mim, H. Quer te levar para longe... mas não tão
longe quanto você queria — encarei suas pálpebras pálidas expondo as
veias coloridas de roxo e verde, os cílios longos. Os cachos amassados, a
pinta minúscula e clara que ele tinha logo abaixo do olho esquerdo. Todos
os detalhes. — Mas eu sei que não vai demorar muito para você ir embora
de vez. Sei que já está perto, não está? Você está me deixando pouco a
pouco.

Pouco a pouco...

Me levantei sobre os pés doloridos e pernas trêmulas.


Estendi a mão por um instante, mas pensei melhor e me inclinei para poder
tocar todo o seu rosto com meus lábios, ao invés, assim como ele havia
feito quando nos beijamos pela primeira vez. Beijei cada centímetro de pele
ainda tendo os meus dedos entrelaçados aos seus, decorei todas os seus
detalhes com a boca; como já havia feito

tantas vezes. No último beijo, deixado em sua testa gelada e com textura de
papel, apertei os olhos com força como quem está tentando se livrar de um
pesadelo. Mas quando abri os meus, não estava em um mundo livre de
monstros e de projeções terríveis. Ainda era a realidade amarga, a realidade
em que embaixo de mim, Harry permanecia com os olhos fechados e a mão
mole embaixo da minha.

— Não posso fazer nada para impedir você de ir embora

— sussurrei, odiando-me por estar assumindo aquilo. —

Eu nunca pude. E eu peço desculpas por isso, Harry. Mas eu não me


arrependo de ter amado você, de amar você e de ter te conhecido. Não me
arrependo...

E talvez fosse mais fácil se eu me arrependesse. Talvez a mágoa e a


chateação me fizessem mais apto a superar, mas como eu poderia?

Deitei a cabeça no peito de Harry, dedilhando a extensão plana do seu


abdômen por cima do lençol. Respirei fundo, buscando sentir o cheiro dele
perdido entre tantas substâncias. Não achei.

Como eu poderia me arrepender de ter tido a oportunidade de amar Harry?

Fui para casa, encolhido no banco de trás do Volvo e sendo envolvido pelo
silêncio de Charlotte e Jay. O velho e falhado rádio estava desligado, e eu
não estava muito diferente.

Quando entrei embaixo do chuveiro, minutos depois, foi para encostar


minha cabeça contra a parede gelada de
azulejos e deixar a pressão da água ser direcionada às minhas costas em
uma tentativa de aliviar todos os nós e tensões enquanto eu permanecia de
olhos fechados e alheio aos arrepios cobrindo minha pele. Não me dei conta
de que estava chorando, misturando as lágrimas à água quente escorrendo
pelo meu corpo, até o momento em que saí do banheiro de roupa já trocada
e me deparei com Jay sentada na beira da minha cama. Duas xícaras de chá
nos esperavam na cabeceira.

— Vamos voltar para o hospital, não vamos? — perguntei, receoso da


resposta. De um segundo para o outro, a possibilidade de obter um "não"
me fez engolir em seco. —

Mãe, a gente precisa voltar. Harry está lá, eu–

— Ei, ei. Respira — ela disse, ainda sentada na minha cama. Entre suas
próprias mãos, uma xícara de chá. —

Não vamos voltar. Não hoje, não agora. Eu quero que você coma algo, que
durma e descanse. E voltamos amanhã, cedo. Prometo.

As próximas palavras saíram tão quebradas e fracas que, por um instante,


eu senti medo de estar transmitindo meus sentimentos através da voz.

— Por favor...

Não adiantou, ela negou. E em puro desespero, eu tentei.

Tentei sair de casa, mas não encontrei as chaves da Range Rover ou do


Volvo, e antes que cometesse a loucura de sair de casa para pegar um taxi
ou o metrô e acabar me envolvendo em uma situação pior provocada pela
falta de atenção, Jay e Lottie estavam ao meu lado, me abraçando no meio
do chão da sala e cobrindo meus

soluços, acariciando meus cabelos e sussurrando palavras pequenas; como


se eu não tivesse a capacidade de compreender e interpretar frases maiores
e complexas.

Naquele momento, eu realmente não tinha.


Não sei por quanto tempo ficamos ali. Mas em alguma hora da noite,
consegui me obrigar a engolir pedaços pequenos de torrada com queijo.
Consegui me enfiar embaixo da coberta, a ardência por trás dos olhos
fazendo-me fechá-los no instante em que minha cabeça atingiu o travesseiro
gelado com um baque desprovido de emoções e pensamentos.

O dia seguinte foi pior.

Talvez porque houvesse uma promessa de contagem regressiva dentro da


minha cabeça, os ponteiros acelerando a cada segundo que se passava. Eu
usava um moletom quente, cinza e grande que era de Harry, e Julie me
ofereceu um sorriso pequeno quando viu a estampa, reconhecendo-a.

Fui ao balcão principal, arrastando-me com minhas últimas esperanças.

A enfermeira-chefe balançou a cabeça, um gesto pequeno.

"Ele não melhorou", me disse em um tom de voz baixo. É

claro que não havia melhorado, as pílulas ainda o corroíam por dentro, os
últimos efeitos ainda estavam dentro dos seus ossos, dos seus órgãos,
devorando-os em suas últimas oportunidades.

Gemma Styles me parou à porta do quarto.

— Nós vamos transferi-lo amanhã às nove da manhã —

disse, revirando compulsivamente o pedaço de lenço de papel entre os


dedos. — É o que eu posso te dizer. Eu vou repassar informações novas a
você por mensagem.

— Para onde vocês vão levá-lo? Como você tem meu celular?

— Liam me passou — respondeu ao abaixar a cabeça, ignorando a primeira


pergunta. Antes que eu pudesse questioná-la sobre, porém, continuou: —
Não posso te dizer para onde vamos levá-lo. Me desculpa.

Ignorei-a e adentrei o quarto, dirigindo-me diretamente até a poltrona


branca ao lado da cama. Com os cotovelos apoiados nas coxas, fingi não
perceber Gemma Styles pausar no batente da porta por alguns segundos
enquanto me olhava. Ela saiu logo depois.

Ao longo do dia, todos passaram pelo quarto. Julie, Liam, Niall, Angel, os
garotos do time de futebol e inclusive Chace Crawford, que apertou meu
ombro de uma forma tão confortante que minha garganta fechou. Perto das
cinco da tarde, Desmond reapareceu. Pelo amplo vidro na parede do quarto,
vi ele e Jay conversarem, e vi quando a expressão da minha mãe se
transformou em pura surpresa. Quando perceberam que eu estava
encarando, porém, viraram as costas e saíram dali. O que me deixou ainda
pior. Mais confuso, mais incapaz, mais inútil. Minha vida parecia uma
sucessão compulsiva de eventos desconexos; e era horrível.

Eu mal conseguia pensar. Tudo passou tão rápido, e de repente o horário de


visita havia acabado e eles queriam

que eu fosse embora. Que deixasse o quarto para começarem os ajustes para
a transferência de hospital.

Queriam que eu o deixasse. E só havia uma única forma de evitar e


conseguir que Harry ficasse ali.

Foi minha tentativa desesperada quando o médico responsável pelo caso de


Harry entrou no quarto.

— Ele tomou pílulas — contei, agarrando os apoios para braço. — Pílulas


para se matar, como uma forma de suicídio assistido. São pílulas que
provavelmente passam por indetectáveis no organismo, mas que estão ali.
Não é um tumor, não–

E eu sabia que soava como um louco, alguém fora de sua capacidade plena
mental. E a expressão do médico, quando se tornou preocupada, me fez
pensar que ele não acreditava em mim.

— Você deve estar em estado de pânico, sim? Quer conversar, você acha
que...

Me levantei, frustrado.
— Eu não estou enfrentando um estado de pânico! Eu sei o que está
acontecendo, eu sei que vocês podem evitar!

O olhar de pena que eu recebi doeu mais do que facadas, cobrindo-me em


pura frustração.

— Meia hora antes de o horário de visita acabar, e então começaremos o


processo de transferência. Você deveria...

se despedir. Me desculpa, garoto — os olhos castanhos por trás dos óculos


grossos de grau enviaram alguma

simpatia a toda aquela situação antes de o médico se virar e me deixar


sozinho com Harry.

Eu grunhi, pressionei as mãos contra os olhos e solucei inaudivelmente,


parando ao lado da cama mais uma vez.

Olhei para Harry, tão próximo e tão... distante. Me despedir? Como?! Tudo
o que eu queria era me desligar e fingir que não doía mais para conseguir
parar de chorar e soluçar ou ao menos aplacar a sensação vazia e, ao mesmo
tempo, dolorida me consumindo como brasa. Meu peito estava doendo com
cada inspiração e eu só desejava me poupar de mais algum machucado
irreversível.

Porém, doía. Era óbvio que sim.

O garoto que eu amava estava deitado imóvel em uma cama gelada, as


respirações curtas e artificiais preenchendo o ar do quarto junto com os
bipes de diferentes aparelhos conectados ao grande corpo pálido.

Eu tinha meus dedos pequenos entrelaçados aos esguios e compridos do


meu namorado, rezando a cada fôlego para que Harry apertasse minha mão
de volta como sempre fazia quando estava nervoso. Principalmente antes
dos jogos escolares, quando nós dois nos escondíamos na última cabine do
vestiário e trocávamos rápidos e verdadeiros desejos de boa sorte entre
beijos e risadas baixas e tímidas.
Mas ele não apertaria. Era tarde demais, não era?

Levantei os olhos, já molhados pelas lágrimas que deixavam marcas nas


minhas bochechas, fitando o rosto esculpido e perfeito do garoto em minha
frente. Seus detalhes, embora apagados, ainda continuavam singulares

como sempre, moldados pelos cachos amassados devido a tanto tempo


sendo pressionados contra o travesseiro.

Mais uma vez, lembrei-me de tudo enquanto fechava os olhos para deixar
as lágrimas caírem de vez, fazendo minha cabeça doer e as têmporas
latejarem ainda mais.

Lembrei-me do primeiro beijo, da primeira noite e da primeira vez que


assumimos que as melhores coisas da vida não serviriam de nada se não
tivéssemos um ao outro.

Se não pudéssemos aproveitar cada pequeno momento como se fosse o


último. E realmente era.

— Louis, anjo... — A voz quebrada e exausta de Jay soou no quarto


iluminado conforme ela se aproximou de mim. —

Já se passaram vinte minutos... Temos que ir. Desmond também quer um


tempinho até amanhã.

Ele queria um tempinho? Ele que justamente nunca teve tempo para Harry?

Foi o suficiente para que os soluços voltassem com mais intensidade,


obrigando-me a soltar as mãos de Harry para cobrir meu rosto e abafar os
barulhos que deixavam meus lábios sem permissão, a dor dilacerante
expandindo e parecendo me tomar por inteiro. Desejei que essa dor me
fizesse dormente, mas nada mais era capaz disso.

O que eram vinte minutos perto dos últimos meses que havíamos passado
juntos e perto de todas as vezes que Harry havia feito eu me sentir...
Infinito? O que significavam vinte minutos perto da eternidade que Harry
havia me prometido sob o céu estrelado de Holmes Chapel
com os lábios colados ao meu pescoço e as mãos grandes acariciando meus
quadris com uma delicadeza quase surreal?

Não eram absolutamente nada. Vinte minutos sequer existiam se


comparados

aos meus

pensamentos

imensuráveis dirigidos ao garoto que era feito de promessas, sonhos e amor,


muito amor, mesmo que estivesse prestes a deixá-lo dali a poucos segundos.
As semanas que foram dadas a mim para poder me preparar para aquele
momento nem pareciam ter sido reais. Até a última pílula, Harry costumava
dizer.

Senti Johannah acariciar minhas costas e suspirar profundamente antes de


deixar o quarto para me dar um pouco de privacidade. Ela provavelmente
estava indo conversar com Lottie, que estava na sala de espera para tentar
me confortar quando chegasse a hora de ir embora, ao lado de Liam, Niall e
Zayn, ainda que eles mesmos estivessem chorando.

Ergui o rosto e me levantei da poltrona, pegando a mão de Styles


novamente. Sequei as lágrimas com as mangas do moletom que nem sequer
era meu, esperando que o gesto as cessasse, e tentei regular as batidas do
meu coração de acordo com os pensamentos mortos dentro da cabeça.

— Você disse que me daria todas as estrelas se eu pedisse. — aproximei a


boca do ouvido de Harry e murmurei, acariciando carinhosamente o maxilar
marcado com o polegar. Um pensamento colateral e tímido, porém cruel,
atravessou minha cabeça: Era o último toque. —

Disse que me faria seu na eternidade e esperaria por mim

lá. O que eu percebi, meu Meno, é que a nossa eternidade começou antes
mesmo de nos conhecermos. Lembra quando perguntou se eu acreditava em
destino e eu não respondi? — Enxuguei mais algumas lágrimas que
inevitavelmente caíram sobre a pele do pescoço do meu namorado, e
inspirei o ar com cheiro de remédios do ambiente antes de continuar. — Eu
acredito. Acredito porque tenho a certeza de que nós dois fomos feitos para
perseguir estrelas e nos transformarmos em poeira cósmica juntos. Eu te
amo tanto que nunca poderia dizer adeus, mesmo que todos insistam em
dizer que é. E isso não é uma despedida, eu te juro por todas as vezes que
você me fez sentir incrível e único. Por todas as vezes que me amou como
se nunca fôssemos chegar ao fim.

Pressionei um beijo lento e salgado por causa das lágrimas contínuas contra
os lábios secos dele e sussurrei:

— Te vejo nos meus sonhos, amor. Eu amo você.

Enquanto eu saía do quarto abraçado a Jay tendo a sensação de meus


pulmões estarem sendo colocados para fora com cada inspiração forçada
seguida de soluços pesados, tentei me convencer de que Harry e eu ainda
nos encontraríamos. Não nessa vida, mas em algum outro lugar onde
pudéssemos prosseguir com o nosso infinito particular sem mais nenhum
obstáculo. Sem mais dor, sem lágrimas e sem um período de tempo
estipulado para fazermos promessas.

Porque tinha que ser assim. Nós nos pertencíamos.

Um dia depois, uma mensagem fez o meu celular, que estava esquecido na
mesa de cabeceira desde o instante em que eu havia chegado do hospital,
apitar. Pisquei para a escuridão dentro do quarto, o canto dos olhos doendo
e a cabeça repleta de turbilhões; não conseguia dormir, não conseguia
pensar sem ter a sensação de estar sendo transformado em legítimo caos.

Peguei o iPhone de tela quebrada entre os dedos, desbloqueando. Era uma


mensagem de um número desconhecido, e algo me dizia que era Gemma
Styles a remetente. Engoli em seco e percorri os olhos pela tela.

Continha uma única palavra:

"Acabou."
Chapter Twenty Two
Ao longo dos anos, os dramas clássicos exigidos na matéria de Literatura
Nacional haviam me proporcionado uma ideia utópica e distorcida de
grandes momentos e marcos da vida.

Primeiro: o amor.

Evite-o, diziam. É um grande sentimento para grandes pessoas e para as


pequenas que se arriscam, também.

Arriscam transbordar e se afogar em primeiras vezes, primeiros beijos e


toques e pensamentos que repetem, de diferentes formas, que amor é
quando você escuta a pessoa e a cada pausa entre duas palavras, entende

"fique". Até mesmo quando ela quer ir embora.

Amor é quando você se sente grande o suficiente para se entregar e, mesmo


assim, permanecer inteiro.

A segunda utopia? A morte. Não é algo filosófico, repleto de ideais e


finalidades absolutas. A morte não é uma nostalgia expressa em poemas e
poesias de livros amarelados. Não é uma dor curável pelo tempo, um
acontecimento fadado a cair no fundo da mente com uma pontinha que diz
que o tempo cura. A morte é quase tão crua quanto as feridas metafóricas. É
dolorosa, é composta de dias assombrosos e choros abafados e terríveis
antes de dormir. É querer não dormir. É desejar, pela primeira vez, que a
realidade seja apenas mais um dos pesadelos que te devoram vivo.

O primeiro mês foi um inferno. Eu sentia como se cada fibra e músculo no


meu corpo estivessem definhando e se recusando a aguentar sentimentos
tão pesados. Minha garganta fechava a cada vez que uma comida tocava a
parte sensível no fundo da minha língua, e os lençóis eram frios e quentes
demais ao mesmo tempo em todas as malditas madrugadas; mesmo que eu
tivesse a sensação de que minha pele queimava a cada vez que a imagem do
meu garoto atingia minha mente por uma ordem involuntária feita por todas
as lembranças.

O segundo mês foi ainda pior. Eu sabia que havia perdido peso, que estava
degradado nas notas e que Jay conseguia escutar através do corredor
quando eu chorava de madrugada. O casaco do time permanecia enfiado
dentro do guarda-roupa, e eu permanecia enfiado na minha cama e dentro
da minha própria cabeça. Era mais

seguro lidar com meus pensamentos a lidar com um mundo que parecia
privado de cor-de-rosa.

Zayn me ajudou. Levava deveres de casa, repassava os trabalhos e sínteses


e avisava os professores, mas eu sabia que não podia deixá-lo continuar
fazendo aquilo. Me forcei a voltar para a Wye Hill, a enfrentar os
corredores gelados. O resto da escola parecia arrastada, embora soubessem

equivocadamente

que

Harry

havia

"desaparecido", e Chace Crawford me olhou com pena quando atravessei o


caminho até a sala. Eu deixava Zayn ficar com Liam no intervalo, e me
escondia nas brechas entre duas estantes de livros na biblioteca. Utilizava o
tempo livre para ler os livros que faltavam para as classes.

A janela no canto superior da parede deixava a luz do sol atravessar o vidro,


e longos minutos passavam no relógio comigo olhando para os meus dedos
iluminados pelo sol.

Sentia-me anestesiado e amortecido, incapaz.

As pequenas coisas, como o café da manhã com mamãe e Lottie, foram


passando de impossíveis para suportáveis.
Eu comia pela manhã, sorria quando Jay me contava algo sobre o museu, e
os dias lentos contavam com frases inteiras minhas.

Mas da mesma forma, era como estar preso dentro de um destino que não
pertencia a mim. E ao olhar para a entrada da biblioteca e ver alguns
jogadores adentrando o ambiente com sorrisos pequenos, a dor tornava-se
sufocante ao perceber que, entre todos os garotos, eu procurava por somente
um.

— Parece aquela cena de As Vantagens de Ser Invisível.

Sorri para a frase de Zayn, continuando a segui-lo pelas escadas que


levavam à fileira mais alta da arquibancada enquanto enfiava as mãos nos
bolsos do moletom cinza.

— A diferença é que eles não corriam o risco de serem expulsos por invadir
a escola após o penúltimo jogo da temporada — comentei, ouvindo Candice
e Julie concordarem com risadas suaves enquanto Liam respirava fundo
diversas vezes. Estava fadigado por ter de carregar as duas pizzas e uma
parcela das garrafinhas de Corona.

Ele era o Monstro de Músculos, afinal. Tinha que fazer jus ao nome.

Os Wild Wolves tinham jogado naquele mesmo sábado, à tarde, e ganhado;


era por isso que ainda havia guardanapos, embalagens de cachorro-quente e
copos de isopor jogados no chão sendo amassados sob nossos pés.

Os rastros de festim vermelho e preto coloriam alguns bancos, e era como


se nós pudéssemos escutar os gritos animados emitidos no instante em que
Azoff pontuou.

Nos primeiros meses, os primeiros jogos sem Harry no meio da temporada


foram um desastre. Mesmo em casa, os Wild Wolves perdiam com
diferenças de mais de quinze pontos no placar, e todos pareciam
enferrujados demais para jogar, como se houvesse uma corda invisível os
prendendo
e

os

arrastando

para

baixo.

primeiro touchdown de toda a temporada foi feito por Chace Crawford,


assim que Liam Payne tornou-se capitão do time e transferiu a posição de
quarterback para ele.

Apesar de não ser Styles, ele era bom. E os estudantes ficaram satisfeitos,
trabalhando a abstinência de Harry com mais entusiasmo a cada jogo, a
cada ponto marcado e a cada vez que o time dava um passo a mais no pódio
que sempre pertenceria aos Wild Wolves.

Agora, fazia cinco meses desde que eu havia o perdido.

Além de Niall e Angelina, que ainda me mandavam mensagens vez ou


outra, nós cinco guardávamos o que havia acontecido de verdade por trás
das cortinas e dos grandes feixes de luzes do estádio. Supus que era o que
Harry iria querer. Uma parte de mim me condenava por sempre ter sido
extremamente condescendente com ele, e a outra me dizia que a decisão de
manter em segredo não era somente minha.

— Acho que deveríamos ir à formatura — Julie disse assim que nos


sentamos na arquibancada, no topo. Digno da cena de As Vantagens de Ser
Invisível. — É um passo importante, não é?

— Acho que sim — respondi quando todo mundo se manteve em silêncio.


Aceitei a pizza que Candice estava distribuindo, mas meus olhos
permaneceram fixos ao amplo céu bem em nossa frente, parecendo infinito
e, ao mesmo tempo, tão restrito. — Podemos até mesmo alugar uma
limusine e chegar jogando champagne em todo mundo.
Eles riram de forma leve e calma, mas ninguém disse que aceitaria.

O sol estava se pondo, o que fazia com que a temperatura em volta de nós
fosse fresca e agradável o suficiente para que eu pudesse usar a velha
camiseta do Kiss sem precisar de uma jaqueta. No horizonte, uma extensa
linha contornada por tons de laranja e vermelho sugava toda a minha
atenção e não permitia que eu olhasse para outro lugar, nem mesmo quando
Liam perguntou:

— Gemma tentou falar com algum de vocês? Estão sabendo de alguma


coisa além da mensagem que ela mandou para Louis?

— Não — respondi primeiro. Mordi o pedaço de pizza marguerita na minha


mão, saboreando a primeira fatia que havia comido em semanas. Engoli
antes de continuar: —

Nunca mais ouvi falar dela. E ela provavelmente bloqueou meu número, já
que não consigo ligar.

— Minha mãe também não consegue mais falar com ela

— havia certa simpatia em sua voz, talvez dirigida a mim.

— Nem com Desmond.

— Talvez eles estejam remoendo a culpa — Candice disse.

Yeah. Talvez.

Ficamos ali, sentados, até a noite; quando começou a ficar mais frio. Zayn
me levou para casa, o que foi um alívio.

Não que eu não gostasse de estar com eles e ouvir as vozes deles, que
proporcionavam certo sentimento de familiaridade e distraíam minha
cabeça, mas eu ainda preferia minha cama e meu quarto. Por outro lado,
sabia que aquilo teria que acabar alguma hora e que eu teria que

decidir se mandaria as cartas de aplicação para as universidades em Nova


York, Londres, ou se não mandaria carta alguma. Se iria à formatura para
lembrar, a cada segundo, que Harry também deveria estar ali ao meu lado
ou se sairia com Jay e Lottie; apenas. Eu ainda tinha três meses até
novembro. Três meses para decidir se arriscaria sair de Londres para
estudar.

Passei pela porta de casa e a tranquei atrás de mim.

Ninguém estava na sala e a televisão estava desligada. A luz da cozinha,


porém, estava acesa, e Jay estava inclinada sobre o balcão quando adentrei
o cômodo e fui em direção à geladeira.

— Longo dia? — questionei, vendo os diferentes papéis distribuídos sobre


o mármore do balcão ao lado de vários envelopes.

— Humm — concordou com um murmúrio. — E o seu?

Aproveitou o dia? Está com fome? Tem comida na geladeira.

— Acho que meu dia foi bom... e já comi, obrigado —

peguei uma garrafa de água antes de me sentar em frente a ela, do outro


lado do balcão. — Liam estava nos falando que Gemma e Desmond
sumiram.

Jay não levantou os olhos, mas vi quando os dedos dela paralisaram sobre o
mármore, onde estavam batucando algum toque aleatório. Lembrei-me do
dia que a confrontei sobre o porquê de Desmond ter conversado com ela no
hospital e o porquê de ela ter ficado tão surpresa com o que ele havia dito.

Contou-me que Desmond estava dizendo a ela que a mansão deles já estava
sendo esvaziada para ser colocada à venda e o advogado deles estava
tomando conta de tudo; que foi quando também fiquei sabendo que Mark
era, de fato, o advogado dele. Algo parecia fora de lugar, mas balancei a
cabeça como se estivesse entendendo.

Em questão de segundos, Jay voltou a revirar as folhas e ergueu as


sobrancelhas.

— A mãe de Liam não mantém contato com a família Styles?


Em vez de responder, rebati:

— O que você está escondendo, mãe?

Jay terminou de ler os papéis que estavam acumulados em sua mão


esquerda com a maior calma do mundo e como se tivéssemos tempo o
suficiente para nos sentarmos à mesa e discutir assuntos superficiais, e só
então os abandonou no balcão e ergueu os olhos para mim. Encarou-me por
poucos segundos antes de respirar fundo e abaixar a cabeça.

— Eu tenho algo para entregar a você, algo que chegou essa semana. Eu
só... — assisti-a ponderar por um instante e escolher entre duas opções que
pareciam machucá-la. — Louis, eu vi você praticamente se desintegrar em
minha frente nesses últimos meses. Vi você emagrecer, deixar de sair com
Zayn e deixar de entregar sínteses sobre livros que você amaria ler. É por
isso que não te entreguei esse envelope a você antes.

— Que envelope?

Enquanto mordia o canto da boca em ansiedade, Jay pegou o último


envelope da pilha à sua esquerda. Era amarelado, grosso e parecia repleto
de coisas dentro, o que me fez inclinar à frente querendo mais que tudo
pegá-

lo; principalmente quando vi o "Para: Tommaso" rabiscado em uma letra


dolorosamente familiar e bonitinha.

A mesma letra rabiscada nas notinhas cor-de-rosa que estavam guardadas


junto com as pulseiras do festival em Leeds dentro de uma caixa no fundo
da gaveta. Por mais que fossem lembranças belas e praticamente palpáveis,
eu preferia deixá-las fisicamente afastadas de mim.

— Você sabe que enfrentou coisas difíceis em toda a sua vida, não sabe? —
ela continuou, um timbre gentil atenuando cada sílaba. — E que eu vou te
apoiar em qualquer decisão e em qualquer rumo que você tomar em sua
vida. Eu sei que você amava muito Harry, mas você também precisa se
deixar respirar um pouco, amor. Perder alguém é muito ruim, mas deixar de
viver é ainda pior.
Ela me entregou a carta e eu fechei os dedos em volta do envelope grosso.
Me forcei a não encarar novamente as coisas escritas na frente do papel e,
ao invés disso, dei a volta no balcão para abraçar Jay e a senti apertar os
braços em torno de mim. Senti seu suspiro pesado contra o tecido da minha
camiseta, por isso deixei um beijo cuidadoso no ombro dela e sussurrei:

— Eu prometo que as coisas vão ficar bem.

Só não sabia se estava dizendo aquilo para ela ou para mim mesmo.

De qualquer forma, não abri o envelope até depois do jantar, quando mamãe
foi para o quarto dela e Lottie fez a mesma coisa. Sentado na cama,
encostado à cabeceira e com a janela aberta para que o vento leve e
ligeiramente gelado da madrugada adentrasse o quarto, respirei duas, três
vezes antes de reunir o tanto de coragem necessária e, mais uma vez, pegar
o papel. Olhei a parte da frente, completamente amarelada. A data marcada,
como já era de se esperar, não era recente, e sim do dia 5 de fevereiro; o que
matou minhas esperanças estúpidas em relação a possibilidade de Harry
estar vivo como se tudo fosse um livro com um final feliz ou algum filme
de ficção.

Que idiota!

Cerrando os dentes e lendo o "de Harry para Tommaso"

uma última vez somente para massacrar e pressionar contra a parede meu
lado masoquista que insistia em me mostrar que tudo estava afogado em
puro ácido, puxei a aba do envelope para abrir a parte de cima. Então, tirei
o que estava dentro, e olhei atonito para as dezenas de fotos que tomaram
minha mão.

A primeira, de acordo com a data escrita na parte de trás, era de 31 de


janeiro. Olhei para mim mesmo retratado na fotografia, sorrindo grande e
cercado por inúmeros girassóis que acompanhavam a tonalidade do sol
poente e explodiam em tons de amarelo e laranja que eram extremamente
belos e, de certa forma, remetiam-me à pura nostalgia. E mesmo assim, o
que permanecia em
evidência era o azul dos meus olhos, ressaltado pela luz da tarde. Atrás
havia uma única e simples frase escrita. Te prometo a eternidade.

Com certo desespero nas mãos trêmulas, revirei foto por foto. Louis, Louis
e Louis. Fotos de quando Harry encontrou a câmera e me acordou tirando
fotos, fotos minhas sorrindo em diversos lugares, como em Nova York.

Fotos minhas esparramado na cama após a primeira vez que transamos,


fotos minhas o amando e transbordando amor com sorrisos que eram
dirigidos somente a ele.

Havia um nó na minha garganta a cada vez que eu virava as fotos e lia as


frases ditas em todos aqueles momentos, grafadas com uma atenção tão
fervorosa que só podia vir de Harry Styles.

Quando cheguei à última, uma foto minha piscando para a câmera e com os
lábios repuxados em um sorriso de lado, percebi que estava chorando, as
lágrimas caindo na foto que me fez pressionar os lábios juntos para não
deixar um soluço alto escapar. Tive que deixar tudo de lado para esconder o
rosto com as mãos. Percebi que a sensação de queimadura dentro do meu
peito não era a mesma que fazia eu me arrastar todos os dias para fora da
cama com um senso de pessimismo escurecendo todas as minhas ações.
Pela primeira vez em meses, sentia-me leve.

Talvez pelas lembranças ou pela subjetividade de perfeição que cada uma


carregava em si. Talvez fosse pelo fato de eu ter percebido que não
precisava de fotografias para me lembrar de como Harry havia feito eu me
sentir... como se eu fosse capaz de qualquer coisa que me fizesse sentir
vivo; o que era uma maldita ironia.

A vida era uma grande ironia. E eu não me conformava porque pessoas


boas possuíam corações repletos de sensações ruins e mentes conturbadas
por experiências aterrorizantes. Pessoas não percebiam que nada é perdido
para sempre, e Harry nunca havia percebido que sua pureza poderia levá-lo
a lugares incríveis ou, por outro lado, poderia fazê-lo ficar.

Reuni as fotos com cuidado, passando o polegar em uma por uma até que
chegasse à última. Limpei as lágrimas com a palma da mão e senti o vento
atingir e trazer certo alívio à minha pele quase febril. Coloquei as fotos
sobre a mesinha de cabeceira e peguei o envelope para fazer o mesmo
quando um papel caiu no meu colo. Uma notinha cor-de-rosa rabiscada:

"Seus olhos foram a imensidão azul mais linda na qual Meno já se perdeu."

O final do ano não foi a tortura lenta e impiedosa que eu previa. A pedido
de Jay e com o incentivo de qual precisava, mandei as cartas de aplicação
para duas universidades em Nova York, NYU e Columbia, enquanto todo
mundo mandou para a UCL ou, no caso de Zayn e Liam, para Harvard e
Cambridge. Devido aos programas socioeducativos dos quais Candice
participava na Wye Hill, ela foi a primeira a entrar na UCL com uma bolsa
para Ciências Sociais e Políticas antes mesmo de as aprovações começarem
a ser mandadas. Foi o que motivou Julie a tentar entrar também.

Todos estavam indo para a mesma universidade, acompanhando

os

namorados

namoradas

recomeçando vidas individuais em conjunto, por mais paradoxal que fosse.


Eu não teria Harry comigo e nós não poderíamos dividir um apartamento de
um único quarto e cômodos pequenos em uma nova cidade. Eu nunca
chegaria em casa para vê-lo largado no sofá selecionando fotos no
notebook, nunca separaria nossos legumes ou terminaria minhas noites com
seu corpo em cima do meu.

Era um pensamento amargo, e eu sabia que sentia inveja dos meus amigos
da forma menos tóxica possível.
Por outro lado, eu tinha o apoio de Felicite nos Estados Unidos.

Ela havia começado a me mandar mensagens desde o dia em que soube que
Harry havia morrido. Coisas pequenas, novidades sobre a NYU ou fotos
aleatórias que não acrescentavam em nada na minha vida, mas que, de certa
forma, colaboravam para que eu não me sentisse sozinho.

Eu não respondi as primeiras – o que durou cerca de um mês. Mas ela não
desistiu, e quando cedi e dei uma oportunidade ao nosso relacionamento, ao
ligar para ela, minha garganta estava seca, mas meu coração estava leve.

E então, o memorável dia da formatura.

— Aqui — Julie disse, ajeitando a rosa vermelha dentro do bolso do meu


paletó. — Dá pra acreditar que nós estamos lindas e lindo?

Ri baixo, esticando o pescoço para que pudesse olhar por cima do ombro
dela, para o espelho estampado em uma

das paredes do quarto de Julie. Candice estava terminando de se arrumar, os


cabelos loiros soltos e encaracolados e o corpo esguio e alto envolto por um
vestido preto enquanto Julie estava vestida de vermelho, combinando com
os fios ruivos amarrados de uma forma propositalmente desleixada.
Estavam lindas, e eu também gostava da forma que o termo preto abraçava
as partes certas do meu corpo.

— Dá, sim — respondi quando ela finalmente encaixou a rosa no ângulo


que queria. — Nós somos lindo e lindas.

Candice emitiu um som de concordância e eu sorri. As duas eram o meu


par.

— Harry tiraria várias fotos nossas — comentei. O sorriso de Julie diminuiu


com uma tensão considerável, mas segundos depois ela voltou a sorrir.

— Provavelmente. Ele usaria um terno colorido ou algo assim, tenho


certeza.
— Ou iria enrolado em uma bandeira LGBT — Candice murmurou,
passando o dedo indicador uma última vez na área abaixo dos olhos para
corrigir uma imperfeição que nem sequer estava ali. — Ele amava esse tipo
de festa desnecessária.

Julie fez um biquinho e se aproximou da namorada, que imediatamente teve


os traços do rosto suavizados quando recebeu um beijo carinhoso na
bochecha.

— Não fala assim, Candie.

Elas se beijaram por um curto segundo. Eu desviei o olhar e sorri pequeno


para os meus sapatos, pensando que Styles provavelmente faria a mesma
coisa se estivesse ali.

A festa foi como todas as festas de formatura são: grandiosas, repletas de


adolescente histéricos por estarem saindo da escola e completamente
cercadas por um traço de nostalgia que denota que mais nada será a mesma
coisa. Antes de a música começar a tocar, Zayn subiu ao pequeno estande e
falou sobre as grandes mudanças que enfrentaríamos, nos assegurou de que
não ir direto para uma universidade não era errado e que cada um tem o seu
tempo exigido para cada pequena coisa no mundo. Ao final, Liam se
levantou e gritou "esse é o meu namorado, porra!", seguido por um grito
em conjunto de quase todos os jogadores de futebol; o que fez meu melhor
amigo abaixar a cabeça, completamente tímido, e sorrir de bochechas
vermelhas enquanto ajeitava os óculos na ponte do nariz. Bem... todos
ficaram sabendo que eles eram, oficialmente, um casal.

Enquanto os pais e mães se despediam dos filhos e tiravam inúmeras fotos


para que a festa pudesse começar de vez, o que Jay também fazia, a
excitação coletiva gerada pela expectativa de uma festa ia crescendo
consideravelmente. Tirei foto com todas as pessoas e de todas as poses
possíveis, e Jay e Charlotte foram embora dizendo que deveriam me dar
espaço para aproveitar aquela noite. Eu sabia que elas queriam que eu

aproveitasse qualquer oportunidade de distração e diversão que tivesse, e


era algo gentil.
Julie, Candie, Zayn, Liam e eu tiramos fotos e bebemos mais champagne do
que deveríamos. Chace Crawford passou o braço por cima do meu ombro
em uma das últimas fotos, justamente a que foi para o facebook de Liam e
recebeu curtidas de pessoas estranhas, até mesmo a de uma garota chamada
Joan, que nos fez lembrar de Joan Jett e pedir para que I Love Rock and
Roll fosse a próxima música a ser tocada.

Nós dançamos Born This Way da Lady Gaga e gritamos as palavras de I


Gotta Feeling do Black Eyed Peas, rindo a cada frase. Erguemos as taças de
champagne quando Liam disse "um brinde a Harry" com as sílabas
misturadas por causa do álcool. Por sorte, as luzes brilhantes e ofuscantes
eram fortes demais para que alguém percebesse meus olhos vermelhos
pelas lágrimas. Às quatro da manhã, terminamos a comemoração no jardim
da casa de Julie, deitados na grama, olhando para o céu e dividindo um
cigarro de maconha; aproveitando que os pais dela estavam fora pelo final
de semana.

— Eu também fui aprovada — Julie confessou, um sorriso preguiçoso nos


lábios que já haviam perdido a tonalidade escura do batom vermelho. Os
cabelos já estavam bagunçados, espalhados na grama macia e sintética. —

Na UCL. Artes Visuais.

Viramo-nos para olhá-la. Não demorou muito para que nossos cérebros
momentaneamente inúteis pela maconha decidissem que fazer um montinho
em cima dela era uma

boa ideia. O que resultou em Julie soltando gritinhos e rindo e Zayn e Liam
enchendo as bochechas dela de beijos enquanto Candice tentava arrancar o
cigarro de maconha da minha mão a todo custo, soltando gargalhadas
gostosas a cada vez que eu mordia de brincadeira seu braço.

No final, todos nós acabamos dormindo no chão do quarto dela, de roupas


amassadas e sujas de grama, acumulados em um abraço coletivo e
felicidade evidente em cada pequeno traço dos rostos suados.


Minha primeira tatuagem, feita no exato dia em que completaram dez
meses desde a morte de Harry, coincidiu com a data em que Zayn me
contou que havia sido aprovado em Cambridge. A tatuagem era um "far
away"

pequeno na parte de dentro do meu bíceps; em homenagem às despedidas e


às pequenas partes de mim espalhadas por lugares diferentes. E em
homenagem a Harry, que estava mais perto das estrelas de verão.

No dia em que Malik e Payne iriam para Cambridge visitar os aglomerados


de apartamentos e dormitórios, Liam foi até minha casa com um sorriso
meio trêmulo e uma postura que denunciava o quão nervoso estava. Quando
nos sentamos no sofá, a televisão em volume baixo no fundo, ele cruzou as
mãos no colo.

— Você foi aprovado na UCL? — perguntou primeiro, o pé não parando de


balançar em um tique nervoso.

— Não — menti com um sorriso pequeno. A carta de aprovação estava


guardada na gaveta da minha escrivaninha. — Vou tentar mais uma vez.

O sorriso nervoso foi apagado de vez.

— Oh... Sinto muito, Louis.

Dessa vez, fui eu que sorri para confortá-lo.

— Estou ok. Está tudo bem?

— Yeah. Eu só queria conversar sobre Zayn com você porque eu estou


nervoso pra cacete e ao mesmo tempo estou tentando decifrar o que Harry
diria caso estivesse aqui, mas... — abaixou a cabeça, lambendo o lábio
inferior e piscando para os próprios tênis. — Quero pedir para ele ir morar
comigo em Cambridge. Não em dormitórios ou aglomerado de
apartamentos na universidade, mas sim em um flat nosso... Só nós dois.
Você acha que é precipitado? E que talvez ele queira se concentrar mais nos
estudos, eu não sei...
Eu ri e estendi o braço para poder espalmar a mão no ombro dele. Fixei
meus olhos aos seus e mantive o tom de voz firme ao dizer:

— Zayn vai aceitar, ele ama você. Não é precipitado, e vocês vão ter tempo
o suficiente para se acostumar com as manias e cada detalhe um do outro...
relaxa, Liam —

quando vi que ele não estava se acalmando, sorri da forma mais confortante
possível. — Sério. Vocês dois têm milhares de chances, usem elas.

Por segundos, ele ficou em silêncio, considerando o que eu havia falado e


provavelmente remoendo cada palavra e tentando ver os prós e contras de
cada pequeno detalhe.

Algo me dizia que ele optaria pela coisa certa e finalmente diria a Zayn que
deveriam ir morar juntos. No final, seus olhos pousaram na minha
tatuagem, ainda envolta por plástico filme. De repente, o ambiente ficou
menor.

— Você sabia que Harry tinha crises de ansiedade? —

Payne sussurrou. — Desde os dez anos. Eu me lembro de que os


professores diziam que era somente a timidez e que ele aprenderia a
superar. Mas... era difícil. Des nunca deixou ele continuar o tratamento
porque dizia que isso era coisa da cabeça dele e que era apenas mais um
incentivo para ele ser o melhor — quando Payne viu a expressão no meu
rosto, suas sobrancelhas se franziram e ele esfregou as mãos no rosto como
se estivesse tentando se livrar de um pesadelo. — Olha, desculpa. Eu não
queria deixar você mal, Louis... eu só acabei me lembrando de que havia
começado a falar sobre isso no Festival de Leeds, e eu sinto tanto a falta
dele, mas–

Obriguei o sorriso que havia escorregado do meu rosto a voltar para o seu
lugar, apesar de meu cérebro estar reproduzindo sem parar todas as vezes
que Harry já havia dado a entender que era um incômodo e um peso. Que
ele não me merecia. Não merecia felicidade alguma.

— Tudo bem — eu disse. — Está tudo bem.


Não estava tudo bem. Nem mesmo quando vi Zayn e Liam entrarem num
trem em direção à Cambridge com os olhos vermelhos e inchados e o
coração dolorido por estar vendo

meu melhor amigo ir embora. Não estava tudo bem quando Candice e Julie
me mandaram uma foto no Snapchat dentro da UCL e, principalmente, não
estava tudo bem quando tirei o velho casaco vermelho e preto dos Wild
Wolves de dentro do guarda-roupa e dormi abraçado a ele. O cheiro da
poeira era predominante, mas a ideia de que meu Michelangelo havia sido o
primeiro a vesti-lo era confortante.

O período de festas de fim de ano passou rápido. Felicite foi para Londres,
passar o Natal em nossa casa, e Jay praticamente desmontou ao vê-la após
tanto tempo. As duas conversaram por longos minutos, e eu assisti a tudo
enquanto fazia chá para todos nós. Foram bons dias.

No início do ano, me voluntariei para ser auxiliar de um pequeno grupo de


ajuda à jovens da comunidade LGBTQ+

que funcionava dentro da UCL. Normalmente, eles não aceitariam pessoas


que não estavam estudando ali, mas Candice, como a pessoa que havia
criado uma reputação ilibada mesmo em tão pouco tempo de estudo, me
deu uma pequena ajuda.

O grupo fazia palestras, tanto para educação sobre orientação sexual,


identidade de gênero e os vários espectros que nunca eram uniformes, mas
que eram bons assuntos para discussões e debates saudáveis. Uma vez por
semana, na quinta-feira, tínhamos um painel sobre depressão e suicídio,
acompanhados pelos estudantes de psicologia e ciências sociais. Criávamos
panfletos,

tentávamos nosso máximo para expor as coisas como eram.

Na primeira vez que tentei falar sobre o meu ex-namorado que havia
cometido suicídio, as palavras travaram e eu precisei sair da sala. Não tentei
mais, mas por outro lado, comecei a falar sobre abuso sexual. As pessoas ali
dentro, inclusive Candie e Julie, sorriram de forma tensa para me encorajar
e me dar segurança para continuar quando contei, sem dizer todos os
detalhes, o que havia acontecido.

Era como se mais um peso estivesse sendo tirado dos meus ombros. Ao
final daquela palestra em especial, eu ganhei uma caixa de donuts e Julie
deitou a cabeça no meu colo enquanto Candie lia um livro de Zygmunt
Bauman para uma de suas aulas. Não sabia como deveria me sentir, mas
sabia que era uma boa forma de recomeçar.

Não foi até dois meses depois, quando já estava prestes a começar a
trabalhar no restaurante de Nora como atendente, que recebi mais uma
carta. Aparentemente, eu possuía um longo histórico com elas.

Era domingo de manhã, e Jay estava sentada na banqueta encostada ao


balcão, agarrada firmemente a sua fiel xícara de chá, enquanto separava
todos os envelopes por ordem de importância como fazia em todos os
domingos.

Eu estava terminando de fazer meu chá, com os olhos irritados pelas lentes
de contato e os cabelos extremamente bagunçados. Estava considerando a

possibilidade de subir as escadas e voltar para a cama e talvez dormir até a


próxima semana quando a voz trêmula de Jay atingiu meus ouvidos:

— Louis...

Com calma, coloquei a água quente dentro da xícara e assisti o saquinho de


chá ser completamente imerso.

— Hum?

— Louis!

Com o grito dela, eu me virei, completamente assustado, e acabei


derrubando algumas gotas de água quente na palma da mão. O palavrão que
eu soltaria foi travado na minha garganta quando a vi segurando um
envelope branco. Pisquei para o papel, confuso e praticamente incapaz de
sentir a dor.

— O que é isso?

Ela sorriu tão grande que, de alguma forma, eu soube que o que estava ali
dentro mudaria meu ano e, talvez, minha vida inteira. Com mais pressa do
que deveria, encarei o restante do envelope e vi o nome da Universidade de
Nova York no topo.

Porra.

Fui aprovado na NYU na lista de segunda chamada para o curso que eu


queria.

Eles pediram que eu começasse logo no início do segundo semestre do ano.


Zayn gritou comigo no telefone, Angelina e Niall fizeram uma chamada
pelo Skype como o pai e mãe orgulhosos do filho adotivo que eram, e
Candice e

Julie me esmagaram num abraço quando souberam. As coisas praticamente


explodiram dentro de casa, tanto com os gritos animados de Lottie e Jay
quanto com os preparativos para a viagem e para os próximos anos que eu
moraria em... Nova York.

Eu mal conseguia acreditar. Jay teria menos despesas em casa, eu estaria


estudando na cidade com que sempre havia sonhado, sozinho, e as coisas
estavam entrando no eixo. Na última semana, mais da metade das minhas
coisas já estavam empacotadas, a passagem estava comprada (Jay chorou
quando teve que informar à atendente que era somente de ida) e eu checava
a cada segundo todos os papéis e documentos dos quais precisaria. Harry
ficaria feliz por mim, eu tinha certeza.

— Você vai para Nova York — Lottie sussurrou em certa noite, a cabeça
apoiada no meu peito e nossas pernas entrelaçadas no fim da minha cama.
— Daqui a cinco dias.
Tipo... que injusto. Você merece toda a felicidade, mas Lou, quem eu vou
ter para incomodar?

— Porque você está falando como se eu fosse embora para sempre? —


desviei o olhar da janela do meu quarto, agora sem as cortinas, para o topo
da cabeça dela. —

Lottie, eu vou voltar. Nos feriados prolongados e sempre que juntar


dinheiro o suficiente... prometo.

— Yeah, mas você vai para Nova York — ela repetiu como se eu não
houvesse entendido ainda, e eu dei risada. —

Estou tão triste que vou dormir para me esquecer da vida.

Charlotte começou a se levantar, mas eu agarrei o braço dela e sorri até que
ela fizesse o mesmo.

— Eu amo você — disse com firmeza, fazendo-a revirar os olhos de forma


afetuosa. — Estou falando sério. Eu sempre vou estar com você.

Inclinou-se e beijou minha bochecha. — Amo você, otário

— sussurrou e se afastou, puxando meu cabelo de brincadeira antes de sair


correndo do quarto.

Fechou a porta atrás de si e eu desabei no travesseiro, sorrindo para o teto.


Estava prestes a virar para o outro lado e tentar dormir, mesmo com toda a
ansiedade me deixando inquieto, quando ouvi o barulho do celular. Só
porque estava esperando o email da NYU para confirmar o bloco e o
número do meu dormitório, estendi o braço para pegar o iPhone. Franzi as
sobrancelhas ao ver o nome de Fizzy em três mensagens não-lidas, sendo a
última uma mensagem de mídia. Uma foto.

Fizzy: você precisa ver isso. tirei essa foto hoje e você precisa me dizer que
estou vendo coisas, Lou. Você precisa me dizer que estou enganada

Fizzy: por favor, me liga assim que receber a mensagem Rolei a tela para
baixo. A imagem estava granulada, de baixa qualidade e provavelmente
tirada de longe, como aquelas tiradas por detetives; o que só me fez ficar
ainda mais agitado. Ainda sim, consegui identificar a silhueta de uma
pessoa segurando a porta para outra, o rosto embaçado e...

Meus olhos paralisaram na camiseta com um choque de realização que me


fez sentar certo na cama e me encostar à cabeceira da forma que meu corpo
mole podia. Atônito,

assustado e de coração engatado em um ritmo frenético, li as palavras


"Tommaso não quer ser Dory". Uma, duas, três vezes. Dez vezes. O que
não foi o suficiente para começar a explicar porque...

Era Harry na foto.


Chapter Twenty Three
"Softness is not weakness. It takes courage to stay delicate in a world this
cruel."

Vou para Nova York mais cedo do que o planejado.

A cidade ainda é a explosão de cores e vivacidade que sempre foi, e ainda


guarda todos os segredos de alguns nova-iorquinos que estão no auge de
suas vidas e outros que estão no degrau mais baixo. Ainda é a grande
metrópole repleta de ruas cinzentas, porém energicamente gritantes, que
misturam os carros e encantam a todos que reservam uma parcela do tempo
para fechar os olhos em êxtase, abrir a janela do carro por alguns segundos
e sentir o vento no rosto.

Pela segunda vez conhecendo a cidade, não me rendo às magias bem em


frente aos meus olhos ou colo o rosto ao vidro para observar atentamente
cada centímetro das calçadas que pulsam tão energicamente quanto o meu
coração nos últimos dias, nas últimas horas. Em vez disso, encolho-me no
banco traseiro e escuro da SUV mandada por Mark, entrelaço os dedos
sobre as coxas e... espero.

O trajeto parece demorar mais que o normal, intensificado pela minha


ansiedade, mas assim que reconheço os arredores estranhamente familiares
da Quinta Avenida, pego o celular do bolso e mando uma mensagem a Jay
para que ela saiba que estou seguro. Jay e Lottie sabem o motivo de eu ter
vindo mais cedo para os Estados Unidos, e se certificaram de que não era
uma brincadeira de mau gosto de Fizzy; embora elas mesmas estivessem
atônitas.

Não contei a Julie, Candice, Zayn ou Liam. Não até ter certeza do que está
acontecendo de forma definitiva e matar a ponta de esperança no meu peito
acesa com uma faísca de hesitação. Ou... acendê-la ainda mais.
Quando a BMW estaciona em frente ao majestoso prédio na Quinta
Avenida, o motorista pega minhas duas malas menores para que eu carregue
a terceira junto com a mochila sobre meu ombro. O porteiro e seguranças
acenam a cabeça em minha direção com certa educação e rigidez que
somente nova-iorquinos poderiam possuir, e algo me diz que eles sabem
bem de quem sou filho; o que faz meu estômago embrulhar. Partimos em
direção ao corredor dos elevadores.

Deparo-me com Felicite assim que as portas do elevador finalmente abrem


no último andar. Ela sorri de forma hesitante, e ergue a mão para acenar;
como sempre fez, sabendo exatamente como eu reagiria a toques ou a
abraços.

— Oi — diz em um tom de voz normal, o timbre suave ecoando pelo


corredor infiltrado pela luz do dia vinda de dentro da cobertura. — Que
bom que–

Interrompo-a ao me aproximar, respirar fundo e, ainda que


desajeitadamente, passar os braços em volta do seu corpo. Felicite
permanece parada por um instante, os braços ao lado dos quadris e a
respiração engatada.

Quando toda a minha insegura ameaça emergir e colocar com firmeza


dentro da minha cabeça que foi uma má ideia, sinto dois braços envolverem
minha cintura e os lábios curvados em um sorriso pressionarem meu ombro.

— Oi, Lou — ela sussurra. — Vamos colocar suas malas no quarto.

— Oi, Fizzy.

É a primeira vez que utilizo o apelido. Ela ri baixinho, em puro êxtase e


felicidade, e nosso abraço fica um pouquinho mais apertado.

— Eu estava voltando da casa de uma amiga — Felicite murmura, os olhos


fixos às mãos que estão em volta de um longo copo de cristal cheio de água.
— Sempre passo por aquela área para chegar à entrada do metrô, que é
próxima de Manhattan, mas não tão próxima para ser

considerada parte do bairro, sabe? Tem umas lojinhas pequenas, coisas que
vendem CDs clássicos e relíquias e–

— Felicite — sentado no amplo sofá da sala, inclino-me à frente e me


esforço para que o desespero não transpareça nas pequenas ações, embora
minha garganta seca me faça pensar que desespero já deve ser meu nome do
meio. — Por favor, direto ao ponto. Por favor...

Ela cruza as pernas em cima do sofá e fecha os olhos por alguns segundos,
o sol da tarde colorindo as camadas mais claras do cabelo dela com um tom
de laranja delicado.

— Eu o reconheci pelas covinhas, acho. Harry é bonito, ele tem alguma


coisa que faz a gente não se esquecer. E

quando o conheci, reparei nas covinhas e na altura, sabe?

— eu que o diga. — Ele estava segurando a porta para uma mãe e a filha
entrarem, sorrindo para a garotinha. Era uma lanchonete, acho? Não me
lembro direito porque eu estava tremendo e nervosa por pensar que estava
enlouquecendo, mas... era ele. Lou, era ele.

A parte desacreditada do meu cérebro toma a melhor:

— Harry está morto.

Dessa vez, é uma voz grossa, porém cansada que enche a sala:

— Não está, não.

Viro a cabeça e encontro Mark parado à entrada do cômodo, o paletó


jogado sobre o ombro e a alça da pasta

de couro perfeitamente equilibrada sobre três longos dedos. Ele dá dois


passos mais perto.
— Harry não morreu, Louis — ele diz com cuidado, deixando a pasta
abandonada no canto entre duas paredes. — Fico feliz por você estar aqui.

Mal consigo esconder a incredulidade e a traição no tom de voz:

— Você sabia disso?

Tudo o que obtenho é um aceno de cabeça em confirmação. Meu sangue


inteiro borbulha com fúria e ressentimento; a pior mistura.

— E nunca pensou em me contar? — aponto um dedo para o meu próprio


peito. — Mesmo que Jay te ligasse para informar que talvez me mandaria a
um psicólogo porque eu não conseguia parar de chorar? E nunca passou
pela sua cabeça que talvez fosse melhor, para mim, saber que meu
namorado não está morto?!

Ele respira fundo, como se estivesse dentro de uma sala de aula prestes a
explicar a mesma matéria com detalhes minuciosos pela décima vez.

— Fui advogado de Harry. Contratado por Desmond para protegê-lo da


própria lei. Eu não podia falar sobre o restante porque Harry ainda está se
cuidando, ainda está no tratamento e, consequentemente, sob a tutela de
uma juíza que liberou uma medida de segurança e sigilo.

— Não sou advogado, eu não entendo o que você está falando — respondo
mais grosseiramente do que deveria.

Mark me olha por alguns segundos, e finalmente se senta no sofá em minha


frente com as pernas separadas e os cotovelos apoiados em cada coxa.

— Eu conversei com a psicóloga e os médicos de Harry, e perguntei quanto


tempo levaria para ele começar a ficar plenamente recuperado. Disseram
dois anos, no mínimo.

E durante todo esse tempo, eu fiquei vedado de divulgar alguma informação


sobre ele por causa de uma ordem judicial. É por isso que Fizzy também
não sabe nada sobre isso.
O fato de Harry estar fazendo tratamento quase passa despercebido quando
percebo que Mark mentiu para mim, provavelmente ouviu Felicite falando
sobre a morte de Harry e, de qualquer forma, preferiu esconder. Até mesmo
Felicite está o encarando como se ele estivesse empunhando uma faca em
nossa direção.

— Eu quero falar com ele — digo, mantendo os olhos em Mark. — Onde


ele está? O endereço dele. Eu quero, e quero que seu motorista me leve lá.
Agora.

Mark pressiona a ponta do dedo indicador no espaço entre suas


sobrancelhas grossas. Dos seus lábios, sai uma única palavra emitida em um
tom exausto:

— Louis...

— Pai, eu fiquei malditos meses inteiros remoendo a falta de Harry e me


culpando por cada pequena coisa que eu poderia ter feito — o canto dos
meus olhos começa a arder mais e mais a cada palavra que engloba os
momentos no último

ano

inteiro.

Aumento

tom

de

voz

inconscientemente: — Eu deixei a escola de lado porque sequer conseguia


levantar da cama pela manhã, minhas notas ficaram uma completa merda e
por isso eu não entrei na NYU na primeira lista. Então me diga onde ele
está e não venha com "Louis" para cima de mim porque se você não
entende o que eu passei, fica mais fácil para eu saber o porquê de você ter
escondido isso de mim.

O silêncio engole a sala inteira com eficácia. Ouço uma buzina soar a
distância lá embaixo, o barulho do trânsito diminuindo gradativamente
conforme o sangue pulsando nos meus ouvidos com pressão dolorosa vai
tomando todo o espaço dentro da minha cabeça. Felicite abaixa a cabeça e
Mark, porém, continua me encarando.

— Você me chamou de pai — ele murmura, as sobrancelhas franzidas com


a realização. — Louis–

Como se a minha vida estivesse carente de mais dramas.

— Não. A gente conversa sobre isso outra hora. Agora, eu quero ver Harry.
Somente ele.

Mark olha o relógio caro e brilhante no próprio pulso após soltar um suspiro
pequeno. Então, afirma com a cabeça:

— Vou levar você até lá.

Acomodado no banco de passageiro do Chrysler de Mark e com os olhos


fixos ao para-brisa, sinto a sensação sufocante apertar minha garganta com
garras afiadas.

Sinto-o me olhando de segundo em segundo e a cada sinal vermelho que


paramos, mas não consigo reunir o

tanto de força e coragem necessárias para olhá-lo de volta. Não após tê-lo
chamado de pai mesmo ainda guardando tanta mágoa e não após ter
implorado para ver meu namorado – ex-namorado – que foi praticamente
escondido de mim como um maldito segredo.

— Espero por você aqui — Mark diz algum tempo depois.


Só então percebo que ele estacionou do lado direito de uma rua larga e
movimentada; vários comércios acumulando-se em ambos os lados. — Não
sei como vai ser, então se você quiser mais tempo, me avisa. Posso vir te
buscar depois.

Olho em volta. Do meu lado direito, uma loja de roupas de grife com uma
fachada elegante elaborada em mármore escuro e vidro. Do esquerdo, um
café chamado Olivia's, com uma pintura agradável em verde-menta e uma
ampla vitrine de vidro que deixa à mostra o interior bem iluminado. Por
algum motivo, lembro-me do Central Perk em Friends.

— Onde ele está? — questiono.

— Pelo horário, ainda deve estar trabalhando — aponta com a cabeça em


direção ao restaurante chamado Olivia's.

— Lá.

Afirmo com a cabeça, abro a porta e saio do carro. Nem sequer me importo
em conferir se meu cabelo está arrumado ou se meu suéter esta alinhado
sobre meu torso.

O cansaço das longas horas dentro de um avião pesa sobre meus ombros,
mas enquanto atravesso a rua após checar os dois lados, é como se eu não
me importasse nem com a minha própria dor, interna ou externa. Nem

com o cansaço, nem com as olheiras e nem com meu coração despedaçando
e sendo recomposto a cada passo como

se

fosse

um

passo

de
mágica

criado

especificamente para me torturar. Tudo o que importa é a possibilidade de


eu ver Harry mais uma vez e ter a certeza de que ele ainda está comigo. Ou
aqui. Nesse mundo.

Paro em frente à fachada, olhando atentamente o letreiro preto soletrando


Olivia's em letras maiúsculas. Sugo longas inspirações, endireito a postura
como se o gesto fosse me proporcionar coragem, e espalmo a mão no vidro
da porta larga, abrindo-a.

Adentro o lugar.

A primeira coisa que noto é o cheiro, enrolando-se em volta de mim e me


tomando em uma nuvem doce. Em qualquer outra situação, eu pararia e
inspiraria o aroma suave, porém intoxicante da melhor forma, de açúcar
mascavo derretendo e de baunilha. A segunda coisa que noto são as
inúmeras mesas distribuídas e as pessoas distraídas com os próprios
croissants e pastries coloridos, olhando

os

celulares

ou

conversando

com

os

acompanhantes do outro lado da mesa. É um ambiente calmo, relativamente


silencioso e doce. Exatamente a cara de Harry.

Antes que possa procurá-lo, porém, sou empurrado à frente com um


pequeno baque, meu pé tropeçando à frente do meu corpo.
— Opa! Desculpa, desculpa, desculpa.

Olho para a garota negra em minha frente segurando uma bandeja com
xícaras coloridas no topo, um sorriso hesitante nos lábios cobertos por
batom rosa e uma headband usada como tiara no topo dos cabelos crespos.

Os olhos castanhos me encaram com confusão, porém gentileza.

— Desculpe, você está esperando aqui por muito tempo?

— ela aponta a cabeça para a cena se desenrolando em volta de nós. —


Ou... você quer pegar uma encomenda?

Minha mãe fica no escritório o dia inteiro e acaba se esquecendo de que eu


quase morro sozinha aqui dentro

— ela ri baixinho, completamente amigável.

Ergo duas mãos, tentando sorrir. A garota para de falar, o sorriso


desvanecendo, e me encara como se quisesse dizer "o que está acontecendo,
engraçadinho?". Admiro sua capacidade de portar um olhar afiado em um
átimo de segundo.

— Eu tenho um... amigo — começo a dizer, minhas mãos indo direto para a
barra do suéter em um gesto nervoso.

Nós não somos amigos. — Ele trabalha aqui, e eu preciso muito falar com
ele.

— Qual é o nome dele?

Engulo em seco. É só o nome dele... só.

— Harry — respondo.

Os olhos dela se acendem em êxtase, um sorriso imediatamente curvando


os lábios grossos novamente.
— Harry! Nosso querido e desastrado Harry — ela revira os olhos
afetuosamente. — Hoje é a folga dele, na verdade. E nós estaremos
fechados pelo resto da semana porque minha mãe e eu precisamos viajar
amanhã, então... Só na segunda-feira. Desculpa.

Meus dedos amolecem na barra do suéter conforme a realização de que


Harry não está aqui e que não vou vê-lo me atinge como pedras de gelo
entaladas na garganta. A decepção é quase tão palpável quanto a mão que a
garota em minha frente coloca no meu ombro, os dedos pequenos apertando
aquele espaço.

— Ele estará de volta segunda, e aí vocês podem conversar. Parece ser


importante — ela diz. Sorri por mais alguns segundos, como se fosse para
se certificar de que estou bem, e depois se afasta, uma mulher por perto
chamando-a pelo nome de forma entusiasmada.

A frustração e chateação chegam a ser sufocantes, enchendo e


transbordando até que eu sinta minhas bochechas serem molhadas
gradualmente pelas lágrimas que nem sequer tinham permissão para descer.
Enxugo-as com raiva, questionando a mim mesmo compulsivamente sobre
o porquê de as coisas sempre pesarem para o lado tão errado a ponto de me
fazer ter uma crise no meio de uma lanchonete tão serenamente doce.

Passar um ano me desintegrando por Harry e rezando todas as noites para


que nós nos encontrássemos em outra vida não parece ter sido o suficiente
para qualquer força sobre mim que exerce um controle sobre minha vida

ter pena. Eu só quero encontrá-lo. Só... vê-lo. Não é pedir muito.

Viro as costas para sair do café, entrar no carro de Mark e implorar para que
ele ache Harry com qualquer outros atributos que ele possa ter, mas a garota
me chama mais uma vez. Viro-me novamente, desistindo de limpar as
lágrimas por saber que elas continuarão vindo de uma forma ou de outra.
Agora, ela está com as mãos vazias e os olhos, por outro lado, repletos de
expectativa.

— Como é o seu nome? — questiona baixo, como se fosse um segredo.


— Louis.

Um sorriso pequeno, porém melancólico, faz seus lábios curvarem


suavemente para cima enquanto seus olhos arregalam. Ela se aproxima um
passo e, quando acho que irá tocar meu braço, retira o celular de dentro do
bolso.

Desbloqueia o iPhone e abre a página de mensagens.

— Eu não sei onde Harry mora, na verdade. Ele é bem reservado — ela
murmura enquanto está digitando. — Mas ele também trabalha fazendo
algumas fotos como fotógrafo iniciante em um estúdio pequeno, mas bem
conhecido aqui perto. Ele estará lá amanhã às nove ou dez, acho. Fica até as
cinco da tarde — ela ergue a cabeça e sorri, empurrando o celular em minha
direção. —

Coloca o seu número aí, e eu mando a mensagem com o endereço pra você.

Só tenho uma noção maior do quão trêmulas minhas mãos estão quando
levo um bom tempo para digitar o meu

número no teclado do celular. Ao terminar, entrego a ela e recebo um olhar


motivador que parece me dizer que eu tenho uma chance de ouro nas mãos
para encontrá-lo.

— Vai dar tudo certo, Louis — ela diz com toda a calma.

Vejo-a tocar o botão de "enviar" na tela. — Boa sorte.

Escolho dormir no sofá da casa de Mark, sentindo meus olhos fecharem e a


consciência me arrastar para longe com a televisão ligada e uma tigela com
o restante do sorvete de morango e calda quente de chocolate no colo.

Foi o que meu estômago aceitou.

Dormir na mesma cama em que perdi minha virgindade, a mesma cama em


que Harry e eu passamos por momentos particulares e somente nossos
parece pesado demais para a madrugada anterior ao momento em que vou
vê-lo.

Dormir, em qualquer lugar, nem sequer parece uma opção plausível; mas
Mark insistiu que eu esperasse. Só mais um pouco, só até... amanhã. Afinal,
eu esperei por mais de um ano sem sequer saber ao certo por que estava
esperando.

Curvo as mãos em frente ao peito e cruzo as pernas no fim do longo e


confortável sofá, deixando as pálpebras abaixarem. Harry está vivo.

A frase soa bem dentro da minha cabeça e dentro do meu coração. Muito
bem.

Se comparado a outros estúdios de fotógrafos famosos que aparecem em


programas de televisão na HBO ou

revistas importantes, o estúdio que está marcado na mensagem é minúsculo.


A fachada é cinzenta como a de quase todos os comércios pequenos em
bairros afastados do centro de Nova York, e possui uma porta marrom de
ferro que leva apenas a uma longa escadaria. Imagino que o estúdio seja lá
em cima. Uma placa chumbada à parede de tijolos escuros mostra o nome
ROWLAND, Mitch –

Fotógrafo.

Olho para trás, para o carro do motorista de Mark estacionado do outro lado
da rua e que me trouxe até aqui.

Felicite está no banco de trás, protegida pelos vidros escuros, mas é como
se eu fosse capaz de ver a apreensão estampada em curva de sua expressão;
duvido que eu esteja diferente. Então, adentro o lugar e fecho a porta atrás
de mim, fazendo com que o único ponto de luz venha do fim das escadas
parcialmente iluminadas. Subo degrau por degrau, a ansiedade me
devorando vivo a cada tique do relógio. Quando finalmente chego ao final,
olho em volta de mim, para o estúdio se desenvolvendo em minha volta e
para as janelas abertas deixando entrar uma brisa calma e fresca.

À minha frente, um fotógrafo de figura esguia e cabelo longo está dando


instruções à modelo de cabelos curtinhos e escuros e olhos azuis marcados
por maquiagem forte parada em frente a um longo painel branco. Após
poucos segundos, é ela quem me vê primeiro, saindo da pose por um
instante para acenar com a cabeça em minha direção; notificando o homem
da minha presença. O fotógrafo abaixa a câmera, percebe o movimento e
vira o corpo.

Sua expressão endurece no mesmo instante.

— Posso ajudar? — questiona em um tom de voz que dá a entender que ele


não quer, de fato, ajudar. A barba bem aparada colabora para que ele fique
com uma feição um pouco amedrontadora. — Essa aqui é uma sessão
particular, garoto.

Percorro o olhar pelas paredes pintadas de branco puro e pelas fotos


polaroides penduradas em barbantes. Uma mesa afastada e posicionada
entre duas paredes comporta um iMac, sua superfície repleta de documentos
e papéis desordenados. No instante em que encaro o único corredor em todo
o lugar, sou chamado novamente:

— Ei! — o fotógrafo, agora estressado, dá mais um passo em minha


direção. — Você vai embora ou eu vou precisar tirar você com as minhas
próprias mãos?

Wow. Calma.

— Preciso falar com Harry. Harry Styles — minhas palavras saem


atropeladas, sem fôlego, mas eu não paro para pensar no quão louco devo
estar parecendo. — Ele trabalha aqui, não trabalha?

— Harry está lá no fundo — ele aponta com o polegar por cima do próprio
ombro em direção ao corredor. — Mas você precisa me dizer–
Eu literalmente começo a correr. Coloco em prática todas as habilidades de
corrida aprimoradas durante as poucas aulas que participei na Wye Hill, e
atravesso o espaço aberto do estúdio como quem não se importa com mais
nada, ouvindo o fotógrafo gritar e xingar atrás de mim. Não

paro, porém, acelero os passos e adentro o corredor escuro e apertado que


deixa meus ombros espremidos.

Avisto uma escada de madeira no final dele que possui quinze degraus, no
máximo. Então me arrisco e cruzo os dedos mentalmente para que não seja
outra decepção enquanto subo pelos degraus e me obrigo a respirar pelo
nariz. Inspirando, expirando. Quase lá. Respirando fundo, implorando para
os meus pés não falharem comigo agora. Último degrau. Expirando,
inspirando e...

Todo o ar escapa dos meus pulmões com tanta força que a pressão exercida
sobre meu peito acaba sendo extremamente dolorida; como quando você
permanece por muito tempo embaixo da água e volta à superfície de
repente. Aperto a mão no centro da garganta, os olhos fixos à frente e minha
cabeça sendo esvaziada como um balão colorido em meio a um céu azul.

A figura alta em minha frente está de costas para a porta e sentada na beira
de uma mesa velha, mexendo em algo entre seus dedos. incapaz de agir,
percorro o olhar pelos ombros largos fazendo com que a camiseta fique
esticada sobre os músculos magros, e pelos cachos roçando a gola
suavemente. Cubro os lábios com a mão, impedindo que um soluço feio
deixe minha boca dentro do pequeno, escuro e quente cômodo.

O fotógrafo vem logo atrás de mim. — Garoto! Você não pode subir aí!

A gritaria é o suficiente para fazer a pessoa em minha frente virar o rosto


em um sobressalto. No outro segundo,

Harry coloca os olhos em mim, e cada centímetro de seu rosto lindo, tão
lindo, passa de confuso para surpreso.

Eu o olho, apertando os dentes com tanta força que meu maxilar chega a
doer. Dou um passo mais perto, depois outro, e de repente é como se meu
coração não suportasse estar preso dentro da minha caixa torácica.

Harry, meu Meno, meu Michelangelo e o amor da minha vida inteira está
parado em minha frente e seu próprio coração está batendo e tudo em seu
corpo está funcionando da forma que deve. Ele está vivo, e eu nem sequer
penso em outras circunstâncias enquanto começo a respirar fundo. Dou a
volta na mesa, dois olhos verdes e atentos acompanham meus movimentos
e eu, finalmente, paro em frente a ele.

Ele é o primeiro a falar, embora as palavras não sejam dirigidas a mim:

— Está tudo bem, Mitch! — exclama sem tirar o olhar de mim, apenas
alguns centímetros de distância entre nossos corpos. Ele parece tão
diferente, tão mais forte e robusto.

A voz rouca ecoa dentro da minha cabeça de forma tão doce que nenhuma
canção jamais poderia. — Pode voltar para as fotos.

O silêncio é predominante por alguns segundos, segundos nos quais o verde


permanece no azul e o azul praticamente se afoga no verde. Retorço meus
dedos pequenos uns nos outros. O fotógrafo, Mitch, emite sua concordância
com um barulho abafado, e logo em seguida ouvimos os passos nas
escadas. Harry e eu ficamos sozinhos.

Durante os últimos meses inteiros, eu imaginei cenários utópicos em que


Harry reapareceria em um estalar de dedos e diria que me ama, que não
morreu. Em noites geladas e silenciosas, perguntei incessantemente a mim
mesmo o que faria se o visse em minha frente por uma última vez – o que
faria se o tivesse a uma distância tão pequena. Nunca consegui responder
porque sempre pareceu idiota e patético demais imaginar cenas impossíveis.
Nunca gostei de me ater a sonhos muito distantes.

Agora, parado em sua frente e com a cabeça repleta de questões


incompletas e entrelaçadas, só consigo focar momentaneamente que ele está
aqui e que meus dedos podem, de fato, tocá-lo. E Harry me encara de volta,
a câmera Canon, que antes estava entre suas mãos, agora abandonada sobre
a mesa e seus olhos tão expressivos, abertos e... incríveis. Tudo o que
consigo fazer é passar os braços em volta do seu pescoço, juntar nossos
corpos com força e abraçá-lo como se essa fosse a última coisa que eu faria
em toda a minha vida. Eu afundo o rosto na curva musculosa entre seu
ombro e pescoço e inspiro seu cheiro de perfume e uma leve pontada de
suor com urgência, agarrando seu corpo e quase afundando minhas unhas
na pele das suas costas através da camiseta fina.

Meu corpo inteiro sacode com os soluços que tentei bravamente reprimir, as
lágrimas fazendo seu caminho através dos meus olhos mais uma vez, dessa
vez por alívio, e todo e qualquer ponto dos meus pensamentos se resumindo
ao nosso contato e à nossa conexão. É

somente um abraço, uma fricção de matéria contra

matéria, mas significa a porra do meu mundo inteiro. É

respirar após se sentir claustrofóbico, é se sentir aliviado, é agarrar com


unhas quem você pensou que já estava muito longe para ser palpável. E nós
temos tantas questões pendentes e eu preciso de explicações, mas também
preciso de um momento para senti-lo.

Eu mereço um pequeno conforto.

— Louis — ele sussurra com cuidado, sua voz mais trêmula do que o
normal; como se ele também estivesse chorando. Devagar, suas mãos vão
para os meus quadris, apertando minha cintura. Empurro meu corpo mais
contra ele, como se nada fosse suficiente.

— Meno — sussurro de volta, apertando-o.

Ficamos em silêncio por longos minutos. Passo cada maldito segundo


absorvendo a sensação da sua pele sob meus dedos, seus lábios raspando no
meu ombro e as batidas do sangue pulsando sob a pele do seu pescoço.

— Você está vivo — soa inútil no pequeno lugar, entre nós dois, como se
uma constatação tão óbvia não coubesse no espaço reservado a outros
assuntos sérios.

Ele soa perdido: — Yeah. Estou.


Afasto-me, enxugando as lágrimas e esfregando meus olhos com as palmas
das mãos. Harry não tira a mão do meu quadril, porém, e eu não sei como
me sentir sobre isso.

— Você mentiu para mim esse tempo inteiro... por quê? —

a pergunta sai baixa, a tão esperada e temida questão que

rodou minha cabeça desde o instante em que vi as fotos que Felicite havia
me mandado. — Por que você achou que me fazer sofrer duas vezes seria a
melhor opção? Por que eu tive que vir atrás de você, H?

Seus traços confusos somente aumentam, e se transformam em chateação


quando eu me afasto mais a ponto de fazer sua mão cair do meu quadril e
nosso toque ser corrompido. Meu coração aperta tanto, e tudo o que meu
corpo está implorando para eu fazer é voltar para os braços dele, mas... não.
Não, repito com mais força mentalmente.

— Eu não menti para você — ele diz com cuidado, as sobrancelhas


franzindo. Seus cabelos estão mais longos, roçando os ombros com cachos,
e ele está tão, tão lindo.

— Gemma me disse que você sabia.

— Sabia do quê? A sua irmã me mandou uma única mensagem dizendo


"acabou", como se você estivesse morto. E depois me bloqueou.

Harry se levanta, os músculos das coxas flexionando embaixo dos jeans


escuros. Ele estende o braço, como se fosse me tocar, mas eu me afasto
mais um passo e envolvo os braços em torno de mim mesmo.

— Eu passei mais de um ano pensando que você estava morto, Harry. Mais
de um ano, você tem noção do que é isso?

Ele pisca devagar. Abaixa o braço e, logo em seguida, a cabeça. Respira


fundo:

— Tenho — responde finalmente. Ergue os olhos, e logo em seguida os


desvia para longe de mim com um grunhido baixo, porém gutural. —
Gemma e Desmond me prometeram! Eles disseram que iriam fazer tudo,
que porra!

Harry leva ambas as mãos aos cabelos, puxando os fios entre os dedos ao se
virar de costas; lembro-me amargamente de quando fiquei sabendo que sua
mãe havia morrido, no estacionamento da empresa de Desmond. Styles
apoia as mãos na mesa, as costas curvadas, e fica quieto durante alguns
tiques do relógio.

— Eu posso te contar tudo — ele sussurra, ainda de costas. — Só preciso


que você me ouça.

— Eu te ouço desde o início.

Vejo-o endireitar a postura. Limpa as bochechas molhadas com a palma da


mão, e vira-se para mim novamente.

— Eu sei — diz com um pequeno acenar de cabeça. —

Tem uma varanda no fundo do estúdio.

A varanda é pequena, apenas uma plataforma de concreto na lateral do


prédio, cercada por uma grade de ferro e protegida por uma cobertura
barata. Uma mesa redonda e enferrujada está largada no canto, e duas
poltronas de estampas coloridas diferentes e desbotadas encaram uma a
outra; uma em cada extremidade da varanda. Porém, ter uma sacada em
Nova York significa bastante: significa ter a oportunidade de ouvir e ver a
cidade em um ponto distante, como um espectador distante.

Quando Harry também pisa os pés cobertos por botas Chelsea no cimento
batido da varanda e fecha as portas de vidro atrás de si, tenho a impressão
de que nunca me senti tanto como um espectador externo da minha própria
vida quanto agora.

— Lou... você se incomoda? — ele pergunta, erguendo um cigarro entre os


dedos.
— Você não parou de fumar — digo. De fora, consigo ver Mitch, o
fotógrafo, tirando fotos da modelo através das cortinas finas colocadas do
lado de dentro. Quando volto a olhar Harry, ele ainda está parado, de olhos
arregalados e lábios franzidos, e com o cigarro apagado; como se esperasse
uma resposta. Solto um suspiro. — Não, não me incomodo. Vá em frente.

Ele acende o cigarro rapidamente e se senta em uma das poltronas de forma


meio desleixada, a mão livre indo parar entre as coxas grossas em um gesto
ansioso. O primeiro, segundo, terceiro e quarto trago passam em silêncio, e
minhas mãos começam a tremer de onde estou parado e apoiado à parede de
braços cruzados.

À altura do quinto trago, ele abre a boca. Em algum lugar dentro do estúdio,
Trouble do Cage The Elephant começa a tocar e as palavras ecoam abafadas
na varanda.

— Você se lembra do dia em que tocou minhas cicatrizes?

— ele me pergunta, os dedos longos involuntariamente indo tocar a mesma


parte do peito em que os arranhões estavam. Ou ainda estão. — E que eu
confessei que era apaixonado por você desde os dezoito? — ele me olhou
com o cigarro entre os lábios. Eu sou tão malditamente

apaixonado pelos seus olhos e pela forma que seus cachos balançam
devagar com o vento. Finalmente, confirmo com a cabeça: — Acho que as
coisas começaram ali. Você me disse que nunca me esqueceria, me disse
todas aquelas coisas que eu não merecia ouvir, e minha ansiedade subiu tão
alto que eu pensei que iria morrer naquele segundo por causa da velocidade
em que meu coração estava batendo. Eu... meio que fui diagnosticado com
Transtorno de Ansiedade Social com dez anos. Você sabia?

— Liam me contou — digo baixo.

— Yeah. Não entrei em tratamento antes porque Desmond não deixava...


dizia que era besteira. Então eu frequentemente tinha crises de ansiedade –
e ainda tenho, às vezes –, mas naquela noite, na sua casa, as coisas ficaram
piores. E eu precisei ir embora porque não queria que você visse eu me
machucando, me arranhando ou qualquer merda do tipo — mais um trago.
Ele parece quase indiferente contando tudo. — Passei praticamente uma
semana me afundando. Cheirando cocaína e... — ele nota meu olhar e a
forma que estou tentando bravamente segurar as lágrimas. Muda as
palavras: — Me destruí ainda mais por seis dias e tomei mais pílulas do que
deveria; o que pensei que era bom.

Trouble on my left, trouble on my right, I've been facing trouble almost all
of my life

— Eu queria me destruir por ter te destruído. Por perceber que, mesmo


depois de tudo, você não me esqueceria.

Acho que nunca fui um garoto muito inteligente — uma

risada depreciativa e amarga, porém quase inaudível, escapa dos seus lábios
rosados, que são umedecidos pela ponta da língua. — E então eu cansei de
tomar as pílulas e comecei a procurar pelos comprimidos que minha mãe
usava para o tratamento do câncer para poder... acabar com tudo de uma só
vez, sabe? Revirei o quarto dela, virei as coisas de ponta cabeça, e achei os
comprimidos. Mas também achei uma carta dela. Acho que ela escreveu
pouco antes de morrer. Era uma carta para mim, Lou. Não para Gemma,
para Desmond ou para a família toda em geral. Era pra mim.

My sweet love, won't you pull me through?

— Eu provavelmente vou te mostrar a carta para você ler, mas ela escreveu
dizendo que, antes de descobrir o câncer, estava colocando em ação um
projeto para crianças com leucemia — seus lábios se curvam em
praticamente milímetros para cima. Fita-me com atenção e cuidado. —
Acho que ela estava reformando o centro do hospital com o próprio
dinheiro. E você sabe como ia se chamar?

Nego. Um gesto desnecessário, porque é óbvio que eu não sei, mas é a


abertura para Harry continuar falando.

— Edward — murmura com um tom de voz encantado. —


Edward Styles. E.S., na verdade, mas em homenagem ao nome que ela
escolheu para mim. E ela disse que colocaria meu nome porque eu sempre
fui o ponto de coragem pra ela, sempre fui o resumo de toda a bondade que
ela esperava ver nas pessoas – palavras dela – e sempre representei uma
palavra: força. Lou, ela terminou

dizendo que esperava que eu continuasse sendo assim pelo resto da minha
vida. Disse que eu mereço amor, mereço as coisas mais doces, e que eu
mereço ser feliz.

Ela te mencionou na carta.

Everywhere I look I catch a glimpse of you Levo a mão à garganta,


esfregando os dedos ao longo do meu pescoço de forma distraída e com os
olhos vermelhos.

— Eu? — pergunto baixinho.

— Você — ele sorri de novo. Mas dessa vez, é para mim.

Somente para mim, somente nós dois e o vento deixando nossos narizes
vermelhinhos. — Anna disse que esperava que você percebesse o quanto
eu... te amo. E terminou falando que, embora eu mesmo ainda não
soubesse, algo dizia a ela que o sentimento que eu tinha guardado para você
era amor. E ainda é.

I said it was love and I did it for life, did it for you É a primeira vez. A
primeira vez que ele diz que me ama com todas as palavras, e embora eu
tenha o agradecido por me amar como se nunca fôssemos acabar, há meses
atrás no hospital, ouvir todas as palavras de sua voz, seus lábios e em seu
tom naturalmente lento faz meu peito ficar mais leve; menos pressionado.

— E o que a carta da sua mãe mudou?

— No primeiro instante, nada. Mas depois, acho que tudo.

Eu só precisava de um tempo, sabe? Eu senti a necessidade de ter mais


tempo aqui para concluir o sonho
da minha mãe ao mesmo tempo em que queria dar a chance para mim
mesmo... uma chance pequena. Tão pequena se comparada ao tanto que eu
amo você e ao tanto que você me ajudou mesmo sem saber. Então eu fui
atrás de Joan — franzo as sobrancelhas com o nome estranho, mas que soa
tão carinhoso quando Harry diz. —

Você deve se lembrar dela. A garota que você encontrou na minha cozinha
no Natal, lembra? Baixinha, cabelo curto, língua afiada.

Tudo vem como uma onda, e Frankie Sandford me vem à cabeça. Lembro-
me dela no corredor do hospital em Londres e então, só então, descubro o
porquê de ela ter parecido tão atônita quando me viu. Lembro-me do
bottom estampado com a bandeira da pansexualidade pregado em sua
mochila com um orgulho nato, e me lembro de pensar que ela se parecia
comigo.

— Yeah, ela se parece com você. Não é uma coincidência

— ele diz como se pudesse ouvir meus pensamentos, um fio de fumaça


escorregando no canto dos seus lábios. —

Ela estudava biomedicina na UCL. E o projeto dela era criar um antídoto,


qualquer coisa do tipo, para substâncias irreversíveis. Eu fui o projeto dela
no instante em que fui encontrá-la

para

pedir

ajuda.

Joan

praticamente

enlouqueceu quando descobriu o que eu estava tomando, mas ela me


ajudou.
— Por que você mentiu pra mim, então? Porra! Uma das mentiras, na
verdade... quando nos encontramos no banheiro da lanchonete de Nora,
você disse que havia feito exames para se certificar de que as pílulas

estivessem fazendo efeito. Por que você não me disse que estava
procurando ajuda?!

— Eu não menti! Eu realmente fiz exames para saber se elas estavam


fazendo efeito. E estavam.

— Então você omitiu grande parte da história. Você veio com todo aquele
papo de não ir ao seu enterro, continuou falando comigo como se fosse
morrer, sendo que você sabia que não ia, Harry! Você sabia–

— Essa é a questão, Louis! — ele aumenta o tom de voz ao apagar o


cigarro embaixo da bota, deixando a bituca abandonada em meio ao
concreto. — Eu não sabia! Joan não sabia se eu poderia sobreviver,
ninguém tinha a menor ideia do que aconteceria quando ela começasse a me
dar os remédios. No campo, no dia do último jogo dos Wild Wolves, o meu
coração acelerou e eu desmaiei por causa de tudo o que ela e a equipe
estavam me dando para tentar me curar. Não era por causa das pilulas de
suicídio, e sim por causa de tudo que eu estava tomando para me livrar
delas. Eu não sabia se acabaria vivo, e eu não queria te dar falsas
esperanças porque eu já havia feito você passar por tanto.

Got so much to lose, got so much to prove

— E acreditar que você estava morrendo seria a melhor opção? Me fazer


enfrentar um dos maiores pesadelos da minha vida era melhor?

— Eu estava desesperado — ele disse baixo, a voz mudando de um


segundo para o outro. Esfregou as mãos com força contra os olhos
vermelhos. — Minha ansiedade

e meus pensamentos estavam me matando enquanto, ao mesmo tempo, eu


me forçava a acreditar que merecia viver. Foi um inferno. E foi um inferno
quando liguei para Desmond e ameacei entregar todos os esquemas
corruptos dele caso não me ajudasse. E caso ele não arranjasse um
advogado para mim.

Harry permanece de cabeça baixa ao continuar:

— Ele contratou Mark. Você sabe que suicídio assistido não é uma
modalidade da medicina legalizada lá no Reino Unido. A NYU soube do
projeto de Joan e da equipe dela, sobre todos esses processos, e eles a
trouxeram para Nova York para que ela continuasse a graduação aqui.

Porque embora pareça que sim, eu não sou a única pessoa que estava se
matando. Só que eu precisava estar seguro de que não acabaria preso ou
internado quando descobrissem que eu era o tal rato de laboratório que
havia arriscado tomar as pílulas para suicídio, e precisava me assegurar de
que minha identidade fosse preservada e eu não fosse processado pelo
Estado, então Mark me ajudou. E ainda me ajuda — seu dedo longo
começou a mexer com o rasgo da calça jeans. — Mas antes de tudo, eu fiz
um contrato com Desmond: se eu ficasse em coma, ele diria a você o que
estava acontecendo e se certificaria de que eu seria transferido o mais
rápido possível para cá.

Explicaria tudo. Nunca falei com Gemma sobre isso, mas ela se enfiou
nisso tudo e eles praticamente tiveram controle sobre minha vida por três
meses inteiros. Porque eu fiquei em coma por noventa e cinco dias quando
eles me tiraram de Londres e Desmond é, de fato, meu responsável legal.

Como se fosse uma cena de filme em um projetor, lembro-me de Desmond


citando Mark no hospital. Lembro-me da expressão surpresa no rosto de Jay
quando Des foi falar com ela – provavelmente outra mentira. Eles mentiram
para mim, mentiram para Harry e o fizeram de um boneco idiota. Mentiram
até mesmo para Angelina e Niall, Liam e Zayn, Julie e Candie... para todos.
Como se esconder o próprio filho fosse um ato comum, um gesto
desesperado e cravado de pura necessidade. Meu estômago embrulha e
minha garganta praticamente fecha.

Harry estava em coma.


— Desmond me disse que você seria transferido. Se você morresse, que
fosse em outro lugar — digo com a força que me resta. Meu corpo desaba
na cadeira atrás de mim, minhas pernas cedendo. — Gemma chorou o
tempo inteiro. Eles... ela me mandou uma mensagem dizendo

"acabou".

— E você achou que ela estava falando de mim — ele concluiu. — Não,
Lou. Eles estavam falando de nós dois.

Ela e Desmond são dois homofóbicos, e provavelmente viram a


oportunidade perfeita para nos afastar.

Solto um grunhido baixo e afundo o rosto nas mãos, sugando longas


inspirações e tentando conectar tudo. Mas cada fio parece incompatível e
cada palavra parece somente atrapalhar ainda mais meu raciocínio; motivo
pelo qual eu demoro a sentir a mão de Harry na base das minhas costas e
sua presença ao meu lado.

— Por que você não foi atrás de mim? Por que não contatou Liam?! Ou
Angel... — pergunto ainda de cabeça

baixa, a frase saindo abafada por causa das minhas mãos.

— Por que não nos deixou saber que estava vivo, Harry?

— Porque eu pensava que vocês sabiam. Eu ainda não sou uma pessoa cem
por cento, Louis. Eu sou física e mentalmente desestabilizado, tomando
remédios e indo a psicólogos, e a cada vez que eu pensava em ir atrás de
você, a parte do meu cérebro que sempre insistia para eu me matar me dizia
que seria melhor se você ficasse sem mim por mais um tempo. E tudo
somente piorou quando eu vi sua foto com Chace no Facebook de Liam
pela conta de Joan. Eu vi você feliz. Me desculpa, por favor, me desculpa.

Ergo o rosto.

— Se fotos significassem alguma coisa para você, teria percebido que eu


sempre fui a pessoa mais feliz do mundo ao seu lado e que você sempre
será o único para mim pela porra das fotos que você mesmo tirou! Pelo
sorriso que aparecia quando eu estava com você. Só você.

— Louis–

— Eu preciso de um tempo — ergo a mão, enxugando as lágrimas com


raiva. Mexo meu corpo de forma que sua mão abandone minhas costas e
ignoro seu olhar magoado. — Só... preciso sair daqui. Pensar.

Levanto-me e abro as portas da varanda com um baque, a cabeça batendo


sem parar. Não olho para trás ao deixar o estúdio, embora cada centímetro
de mim esteja implorando por Harry.

— Louis. Tem alguém aqui que quer te ver.

Viro-me na cama até ficar com o corpo direcionado para o lado da porta,
onde Felicite está apoiada. Encaro-a através da pouca iluminação dentro do
quarto antes de pegar meu celular na mesinha da cabeceira. Nove e meia da
manhã.

— Quem é? — pergunto baixo.

— Acho que você vai querer ver quem é.

Imediatamente penso em Harry, agora bem mais desperto.

Há três dias, eu voltei para a casa de Mark e me enfiei no quarto, ignorando


todas as lembranças impregnadas no cômodo e precisando pensar e
organizar minha cabeça.

Raciocinar que, após todo aquele tempo, Harry está comigo e que ele
poderia ter, de certa forma, poupado a nós dois de uma grande parcela de
sofrimento. Se Gemma não tivesse mentido, eu teria vindo atrás dele mais
cedo.

São tantas possibilidades, tantos caminhos que poderiam ter seguidos, mas
não foram, que eu quase sinto gosto de bile na garganta. Gosto que é
engolido no instante em que uma figura subitamente familiar surge à porta.

— Joan — digo. Ela sorri pequeno e segura a alça da mochila roxa sobre o
ombro, tirando a beanie que estava cobrindo os cabelos, deixando os fios
curtos bagunçados.

— Ei, Louis — ela passa o peso do corpo de uma perna para a outra, os
jeans brancos contornando suas coxas grossas. — Sua irmã me deixou
entrar. A gente pode conversar? É rápido. Eu ainda preciso concluir um
monte de relatório, então vou embora logo.

Balanço a cabeça afirmativamente ao mesmo tempo em que me sento na


cama e encolho as pernas para que ela possa se sentar no colchão, ao meu
lado. Joan fecha a porta atrás dela e abandona a mochila no chão, vindo até
mim com passos pequenos e expressão neutra, porém calma. Encaro sua
camiseta velha da Britney Spears enquanto ela se acomoda na beira da
cama, os pés cobertos por Vans surrados balançando acima do chão.

— Adorei a casa do seu pai — ela diz baixo, arqueando uma sobrancelha
angulada. Olha em volta do quarto, os lábios finos sempre curvados em um
sorriso tranquilo. — O

que você vai cursar na NYU?

— Filosofia — respondo, sentindo-me um pouco incomodado com sua


postura, como um céu calmo antes da tempestade.

Ela murmura algo de forma satisfeita sob a respiração e continua a olhar em


volta, parecendo analisar cada centímetro das paredes lisas e da arquitetura
renomada.

Quando estou prestes a abrir a boca, ela diz num tom repleto de
tranquilidade:

— Kant disse uma vez que o amor é a única relação social que não
necessita de regras — ainda não me olha, as palavras fluindo de sua boca
como se ela houvesse treinado milhares de vezes em um teatro. — Falando
desse jeito, até parece ser algo bonito, né? Mas não vejo desse jeito. Kant
vem de uma ética finalística e voluntarista, você sabe, então ele analisa tudo
o que nos leva a fazer certas coisas. Kant culpa muito os instintos, nossa
animalidade e princípios de sobrevivência. Então,

quando ele diz que amor é a única relação social que não necessita de
regras, significa que, quando amamos, nos entregamos aos instintos e não
queremos ser controlados.

— O que você está falando?

— Significa que todo o resto em nossas vidas, todas as outras relações e


inter-relações, terão regras e serão controladas por outras coisas que não são
nossos instintos. As pílulas que Harry tomava para se matar?

Seguiam uma regra, uma ordem, que devorava os órgãos dele e intoxicou o
sangue dele de tal forma que, nos primeiros exames que eu fiz quando ele
apareceu desesperado, estava tão escuro que parecia ser de mentira — ela
me fita ao inclinar a cabeça para o lado. —

Mas sabe por onde as pílulas começavam o ataque? Pelo cérebro e pelo
psicológico. Nosso psicológico é muito forte, ele nos faz ver coisas que não
estão ali. Não fisicamente, porque aí seria outro transtorno, mas
mentalmente. Nos pensamentos. Às vezes, tudo o que basta é uma série de
reações químicas e um gatilho. E

Harry ficou em coma por meses, Louis. A gente fez várias transfusões de
sangue e aplicou tanta droga nele para reverter o efeito que foi pura sorte
ele não ter acordado com um efeito colateral mais sério... tipo sem a
memória.

Aperto a ponta do cobertor entre os dedos ao somente imaginar como as


coisas seriam se Harry tivesse perdido a memória e abandonado todas as
lembranças. Tudo o que viveu, todos os nossos momentos, os momentos
com Anna.

— E ele ainda faz tratamento, ainda vai a psicólogos e é tratado pelos


melhores médicos que dão aula na NYU. E
talvez ele mesmo não saiba, mas a depressão ainda está ali e o sentimento
amargo ainda está fundo nele porque não é algo que passa de repente, como
se fosse um passo de mágica — ela pisca para mim, e coloca a mão
pequena e quente sobre a minha, os dedos finos acariciando os meus de
forma distraída. — Além de tudo o que Gemma e Desmond fizeram, foi por
esse motivo que ele não te contatou. As pílulas alteraram a cabeça dele para
torná-lo fraco e, consequentemente, aumentou a ansiedade dele de forma
catastrófica, e o fez acreditar que ele não é merecedor de amor. Do seu
amor. Está entendendo?

— Então quando ele viu a foto...

— Harry e eu dividimos um apartamento aqui, não sei se ele te contou. Eu


tinha deixado meu notebook aberto no facebook em cima do sofá. Ele viu a
foto em que você está mais ou menos abraçado com outro garoto e...
começou a falar que sabia que você estava melhor sem ele — ela larga
minha mão por um segundo somente para erguer as suas e segurar meu
rosto, apertando minhas bochechas.

— Me escuta: Harry nunca teria hesitado em ir atrás de você se ele


estivesse perfeitamente bem. Ele estava com a segurança de que você sabia
que ele estava se tratando ao mesmo tempo em que pensou que estava te
poupando de... aturá-lo. Harry te ama, Louis. Não estou dizendo para vocês
se amarem incondicionalmente mais uma vez, mas acho que vocês
deveriam estabelecer que têm todo o tempo do mundo. E que, acima de
tudo, têm um ao outro.

Com cuidado e gestos tão delicados quanto sua pele, Joan se aproxima. Por
um instante confuso, penso que ela irá me beijar, mas então ela vira o rosto
e pressiona os lábios contra minhas bochechas:

— Amanhã, pela manhã, ele vai ficar sozinho no estúdio —

ela se afasta. Nossos narizes quase se encostam. — Faça o que você achar
certo.

Na mesma noite, o que eu acho certo é criar um grupo no WhatsApp com


Angel, Liam, Zayn, Candie e Julie (Niall não tem uma conta) e mandar uma
mensagem gigante para explicar tudo o que está acontecendo. Mando uma
mensagem separada para Jay, e desligo o celular, sabendo que todos irão
mandar mensagens pedindo por outras explicações.

Quando invado o escritório de Mark, perto das duas da manhã, descubro


que ele entrou com um processo contra Desmond por todas as corrupções
em programas que deveriam gerar recursos para a distribuição de água e
alimentos em países pobres em Ruanda, Etiópia e outras regiões africanas
prejudicadas. Mark me assegurou de que ferraria

com

muitos

dos

contatos

dele

e,

consequentemente, com o nome de sua empresa no mercado internacional.


Ele não fala sobre Harry, e eu não peço para que ele o faça. Tudo o que digo
é um "obrigado, pai" ao fechar a porta.

Espero ser um novo recomeço.

No dia seguinte, enquanto subo as escadas do estúdio, minha cabeça parece


bem mais silenciosa em relação aos pensamentos desesperados. Está frio,
meus dedos estão gelados, a luz da manhã ainda é predominante e eu não
tenho discurso algum preparado. Mas pelo que parece a primeira vez desde
que cheguei a Nova York, consigo respirar.

E não perco meu fôlego ao chegar ao último degrau e ver Harry sentado no
chão e encostado ao painel branco de fotografia, mexendo em uma Canon
profissional de cabeça baixa e com as pernas longas esticadas. Os cachinhos
estão amarrados no topo da cabeça, e o lábio inferior está preso entre os
dentes com firmeza e concentração. Nos pés, meias coloridas de peixinhos e
tartarugas que, um dia, já pertenceram a mim, me fazem soltar um sorriso
pequeno.

Minha voz ecoa pelo espaço aberto.

Você

conhece

utilitarismo

da

teoria

consequencialista?

Ele ergue a cabeça subitamente em surpresa, mas o lábio inferior permanece


entre os dentes. Uma mecha escapa do montinho de cachos e paira sobre
sua têmpora pálida.

Seus olhos parecem quase surreais sob a luz da manhã, com pequenos
pontos dourados, e eu forço minhas pernas a não tremerem conforme eu me
aproximo. Olho sua camiseta, cinza e simples, e seus jeans escuros.

— Conhece? — pergunto novamente, erguendo a sobrancelha.

Ele nega com a cabeça, e eu continuo.

— O utilitarismo pertence à ética consequencialista, sabe?

Aquela contrária à Kant e que observa os efeitos das nossas ações no


mundo — mais um passo, um sorriso pequeno. — O utilitarismo diz que
nossa vida possui dois princípios: prazer e sofrimento. Dor e alegria. Duas
vertentes que interagem o tempo inteiro.

Um sorriso começa a brotar em seus lábios e eu tenho de pressionar os


meus próprios para não sorrir ainda mais.

Penso que, na próxima noite, as estrelas poderão se esconder. Harry dará


conta de iluminar o céu inteiro.

Sento-me em sua frente, no chão, e cruzo as pernas. Ele não encolhe as


suas, então eu tenho uma visão mais próxima das meias coloridas.

— Ela também diz que nós sempre vivemos de forma que possamos evitar
o sofrimento. Evitamos a dor, buscamos o prazer. Mas às vezes as coisas se
tornam demais, sabe?

E aí, quando a gente abre mão de sentir qualquer coisa, até mesmo prazer e
alegria, é porque estamos em estado de sofrimento. É porque preferimos
sentir nada. H, eu sei que sou muito pequeno perto de tudo o que você
sentiu.

Ou perto do nada que você queria sentir, mas eu quero que você saiba que...
— engulo em seco, fechando os olhos por um instante. Chamo-me de burro
por um instante. Você tem Michelangelo em sua frente, olhe-o.

Olhe-o. Olhe-o e nunca mais pare! — perto de você, eu sempre senti tudo.
E eu sempre quis que você sentisse tudo comigo. Não porque eu me
apaixonei por você, e sim porque você merece.

Ele deixa a câmera de lado, colocando-a com cuidado no chão. Senta-se


corretamente e, aproximando nossos rostos, toca os dedos no meu tornozelo
esquerdo aparente devido à barra da calça dobrada.

— Lou...

Ergo a mão para interrompê-lo e, em seguida, entrelaço nossos dedos. Olho


para as nossas mãos juntas. Ele está aqui.
— Não vou mentir e dizer que não sinto mágoa e que eu perdoo Mark por
ter escondido isso de mim, mesmo que você não soubesse que estava morto
para mim e mesmo que ele estivesse impedido de fazê-lo por causa de uma
ordem judicial, mas eu estou aqui para te dizer que quero ter a oportunidade
de te conhecer quantas vezes forem preciso. Tudo.

Harry sorri. Uma covinha aparece, iluminada pelo sol e tão preciosa e tão
única.

— Você está dando mais uma chance para mim —

murmura. — Mesmo que eu ainda tenha muito a aprender.

Mesmo com tudo o que eu te causei.

Nego com a cabeça. Com a mão livre, enrolo um cachinho em torno do meu
dedo indicador, tendo vontade de me enrolar em torno de Harry.

— É uma chance para nós dois. Precisamos ir devagar, com toda a calma,
mas você precisa saber que eu estarei aqui sempre, e que, acima de tudo,
você tem a si mesmo.

E isso é incrível — digo, aproximando minha boca do seu ouvido. Ele


afunda o rosto na curva do meu pescoço e

solta minha mão para que possa envolver a sua no meu quadril. — Isso é
para você perceber que merece todas as chances do mundo, e merece saber
que sempre terá uma alternativa. E que... não importa quão profunda essa
imensidão azul seja, eu sempre vou te encontrar.

Ele solta um suspiro baixo e, em um movimento pequeno que parece exigir


pouco ou quase esforço nenhum, me leva para o seu colo e faz com que eu
fique com as coxas em torno da sua cintura. Seus braços me envolvem, eu
me envolvo nele e tantas palavras não ditas flutuam no espaço entre nós
dois e nossos corpos mais próximos do que nunca. Acaricio sua nuca com o
polegar e ouço-o soltar mais um suspiro contra meu pescoço antes de se
afastar e deixar nossas bocas a centímetros de distância.
— Eu quero que você conheça o mundo comigo — ele diz com toda a
calma.

Olho diretamente para ele. Para o verde me envolvendo, para meu mundo
inteiro bem em minha frente. E sorrio.

— Estou conhecendo ele inteiro bem aqui.

E quando nossos lábios se encostam, tão suaves quanto nenhuma outra


coisa, sinto que Michelangelo escreveu os melhores sonetos românticos
para Tommaso com a boca e a garantia de que a esperança está, de fato,
bem aqui.

Entre dois mundos, duas pessoas. Entre promessas feitas em lugares


pequenos e efêmeros que, dentro de um amor, duram uma eternidade.

Epílogo

— Acho que essa é a última caixa.

Deixo a caixa de papelão no chão do quarto e me levanto, endireitando a


postura ao mesmo tempo em que ouço os estalos que minha coluna faz.
Solto um suspiro baixo, um pouco aliviado por finalmente ter terminado, e
coloco as mãos nos quadris, respirando pela boca e enxugando o suor
escorrendo pelas minhas têmporas com a palma da mão.

— Tudo bem? — Louis pergunta, um sorriso de desculpas em seus lábios


enquanto vem até mim. Me entrega uma garrafa de água e eu aceito de bom
grado, murmurando um agradecimento.

— Yeah. Acho que sim. Minha coluna provavelmente vai protestar pelo
resto da semana, mas valeu a pena — digo, dando os poucos passos até
estar parado em frente à ampla janela que permite uma visão espetacular do
campus da NYU. Pessoas lá embaixo conversam, outras

também carregam caixas e algumas estão sentadas em diferentes bancos


com livros abertos no colo, aproveitando o sol fraco da tarde. — Você
pegou um bom dormitório. No último andar.

— E sem um colega de quarto... ao menos até o próximo semestre.


Vantagens de ser um aluno na lista de segunda chamada — ouço Louis
dizer atrás de mim enquanto destampo a garrafa de água. Tomo um longo
gole, rezando para que a temperatura alta do meu corpo seja aplacada com a
água extremamente gelada. Antes disso, porém, sinto uma mão familiar e
delicada deslizar sobre a base da minha coluna; o que acaba me deixando
com ainda mais calor. — Ei, H. Suas costas estão bem? Posso fazer uma
massagem depois. Depois que você tomar banho, claro.

— Está falando que eu estou fedendo?

Sua mão pequena, porém quentinha, desliza por baixo da minha camiseta.
Pele contra pele e seu toque tão, tão cuidadoso. Fecho os olhos, ouço sua
risada baixa e permito-me sorrir também. É o meu som preferido no mundo
inteiro.

— Nah — ele diz com toda a calma. Seus dedos fazem o caminho até a
frente do meu corpo, e param em cima da minha barriga. Ele acaricia os
músculos do meu abdômen devagar, um toque leve e quase inexistente, mas
que me faz ficar tenso de qualquer forma. Sua outra mão vem para o meu
quadril, e ele afunda o rosto no centro das minhas costas. Sinto-o inspirar
profundamente, como se estivesse sentindo o melhor cheiro do mundo
inteiro. — Não está

fedendo, de forma alguma. Você cheira tão, humm, tão bem.

Engulo em seco ao colocar minha mão sobre a sua através da camiseta,


ignorando com força a sensação fria se espalhando pelo meu estômago por
causa de um toque... um único toque.

Louis e eu não nos beijamos. Ao menos não como fazíamos antes. Ainda
não senti o gosto da sua boca, da sua língua, e tenho medo de fazer qualquer
movimento que possa afastá-lo. Ele pediu para que começássemos devagar,
passo por passo, avanço por avanço, e respeito e concordo plenamente. Eu
nem sequer considerava a possibilidade de tocá-lo mais uma vez ou ter a
oportunidade de ver seu sorriso tão perto, mas ele me deu uma chance. Ele
ficou e me deixou ficar, e me faz bem como nada poderia. Então, seguro
meus instintos e repreendo minhas vontades e cruzo os dedos para que ele
não mude de ideia e que aceite ficar comigo mesmo que eu não o mereça.

Não... não, repito mentalmente, a palavra ecoando como gritos dentro de


uma arena fechada. Eu o mereço, ele me ama e eu o amo. Ele está aqui
comigo porque quer, porque aceitou ficar comigo.

Você merece, Harry.

Viro-me para Louis, para encará-lo, e me deparo com seu sorriso, o que
sempre acalma as batidas frenéticas do meu coração. Seu cabelo está um
pouco úmido pelo banho que ele tomou na casa de Mark antes de pegarmos
o caminho para os dormitórios, e os fios alcançam o topo dos seus

ombros. Vestido com a minha camiseta do Packers e calças que mais


parecem leggins, eu quase me perco nele. Quase não. Eu me perco de vez.

— Eu ainda não acredito que você também vai estudar na NYU — ele diz,
os braços vindo parar em volta do meu pescoço. Mesmo sem olhar para
baixo, sei que está nas pontas dos pés. — Um major em Ciência Política e
um minor em fotografia. Com uma bolsa integral por causa do futebol!
Você é inteligente e eu tenho muito, — ele deixa um beijo pequeno nos
meus lábios fechados —

muito, — mais um beijo, mas começo a rir baixinho no meio dele, então
acaba descoordenado enquanto Louis também começa a rir. — muito–
amor, para de rir! Me deixa te beijar direito.

Em vez disso, começo a rir ainda mais por causa da sua expressão
falsamente brava, e tenho de esconder o rosto no seu pescoço.

— Cócegaaas — Louis tenta me empurrar, rindo, mas antes que ele consiga
me afastar, fecho as mãos nas suas coxas e reúno o tanto de força necessária
para pegá-lo no colo em um único impulso. Ouço sua risada se transformar
em um suspiro todo macio em um único segundo. Acaricio suas coxas
grossas de cima a baixo, e Lou envolve as pernas na minha cintura. —
Harry, suas costas — ele diz, todo preocupado, e levanta a mão para afastar
o cabelo do meu rosto. — Não faz isso.

Tudo o que emito em resposta é um grunhido em concordância, mas de


qualquer forma, dou os poucos passos até a cama encostada à parede
pintada de branco,

um padrão em todos os dormitórios, e decorada com fotos de Jay, Lottie,


Fizzy e nossas próprias fotos. Todas as que eu mandei por carta para ele. É
como se eu ainda soubesse todas as palavras que foram ditas após aquelas
fotografias.

Coloco Louis deitado no colchão, certificando-me de que sua cabeça esteja


confortável no travesseiro, e me deito por cima. Tomo cuidado para não
pressionar seu corpo com meu peso mais que o necessário.

— O primeiro jogo é daqui a duas semanas, no fim do mês

— digo, acomodando-me no meio das suas pernas e apoiando-me nos


cotovelos. Nossos rostos se aproximam, e ele ergue uma perna para que
possa enrolá-la em torno do meu quadril ao mesmo tempo em que ergue a
mão para que possa brincar com o cabelo na minha nuca. —
Você vai?

— Meu namorado gostosão é o quarterback do time de futebol da faculdade


e eu não vou? — revira os olhos, embora seu sorriso já revele que é
brincadeira. Completa em um tom mais sério: — Claro que vou. Vai ser
incrível te ver jogar.

Foi o que os médicos recomendaram: exercícios. Mesmo um tão pesado


quanto futebol americano pode me trazer benefícios porque é uma
oportunidade grandiosa de eles atestarem

que

meu

coração

está

funcionando

perfeitamente, mesmo com grandes descargas de adrenalina e endorfina


liberadas durante exercícios. E

apesar de vir treinando desde o início do ano, minhas aulas somente


começam esse semestre por causa das

classes que escolhi fazer primeiro. O lado bom é que Louis e eu vamos
começar juntos.

— Seu namorado gostosão? — pergunto, erguendo as sobrancelhas. Ele ri,


mas afirma com a cabeça como se fosse uma pergunta respondida à uma
autoridade sob segredo de justiça. — Fala de novo, então.

— O quê? Você fica todo animadinho quando eu te chamo de namorado?

Fico

em
silêncio,

mas

sinto

minhas

bochechas

esquentarem de vergonha, o que faz Louis soltar um ronrono misturado com


uma risadinha baixa.

Há quase um mês, no estúdio de Mitch, nós estabelecemos

que

iríamos

devagar

em

nosso

relacionamento. Eu estava certo de que isso não incluía o título namorado,


o gesto de andar de mãos dadas ou qualquer outra coisa que chegamos a
fazer antes; porém, na primeira semana, quando ele pegou minha mão e
entrelaçou nossos dedos a caminho de um restaurante, percebi, pela
milésima vez, que sou o garoto mais sortudo do mundo. E percebi, também,
que o ritmo lento se aplica à confiança e aos sentimentos que poderemos
descobrir ao longo de tudo isso.

— Vem aqui, namorado gostosão — diz, puxando meus cabelos o suficiente


para me fazer fechar os olhos por causa das sensações que percorrem meu
corpo. Louis se ergue na cama e alcança meu ouvido com os lábios. —

Meu namorado.
Louis solta um suspiro surpreso dentro da minha boca quando capturo seus
lábios com os meus, imediatamente levando a mão até sua perna para que
ele continue com ela em volta do meu quadril. Chupo seu lábio inferior,
perdendo-me e me encontrando ao mesmo tempo no gosto de sua boca,
porque a cada vez que eu o beijo é como se eu descobrisse um novo detalhe
ou uma nova reação. Isso é o que me faz tentar aprofundar o beijo,
lambendo seu lábio inferior com cuidado, como se estivesse pedindo
permissão. Antes que ele possa permitir, porém, somos interrompidos por
um celular tocando. E pelo toque do Green Day, é o de Louis. Ele se afasta
e deixa nossos lábios se separarem com um barulho molhado que me faz
engolir em seco. Solta um suspiro pesado e sua cabeça cai no travesseiro,
erguendo os quadris para poder pegar o celular no bolso de trás.

Desvio o olhar dos seus lábios rosados.

Atende: — Oi, mãe.

Deito-me ao lado dele, fazendo um esforço para me encaixar entre seu


corpo e a parede ao apoiar a cabeça no seu ombro e deixar beijinhos pelo
seu maxilar. Ouço a voz chiada de Jay através do telefone, e olho mais uma
vez para o quarto relativamente grande para um dormitório universitário.
Ouço a felicidade de Louis através das palavras ao mesmo tempo em que
seus dedos começam a brincar com meus cabelos distraidamente, e toda a
frustração por ter sido interrompido vai embora. Sinto minha própria
felicidade e sorrio contra seu maxilar ao mesmo tempo em que o ouço dizer
"Harry está aqui, mãe".

Yeah, eu estou aqui.

— Você não vai cozinhar, eu não vou cozinhar, então nós vamos ter que
entrar em um acordo entre comida chinesa, pizza ou luz do sol para fazer
fotossíntese amanha pela manhã. Escolhe.

Desvio o olhar do notebook para Joan. Ela está parada e apoiada no balcão
de madeira que separa a sala da cozinha, uma sobrancelha erguida em
desafio e dois cardápios diferentes e coloridos entre os dedos pequenos.
— Comida... chinesa? — pergunto, e vejo-a estreitar os olhos, como se
dissesse que essa é a opção errada. Tento novamente: — Pizza? — então,
seu rosto desarma em um sorriso brilhante, e ela ergue os braços.

— Eu sabia que você e eu entraríamos em um acordo!

Reviro os olhos, voltando a editar algumas das fotos para enviar a Mitch
ainda hoje à noite. Ajeito o notebook equilibrado na minha barriga
enquanto me deito mais no sofá. Após alguns segundos, ouço-a pedir a
pizza de quatro queijos. Logo em seguida, volta da cozinha e vem se sentar
diretamente nas minhas coxas como sempre faz, os pés balançando acima
do chão e os olhos fixos à televisão. Tenho quase certeza de que a camiseta
que ela está usando é minha.

O silêncio confortável é predominante por poucos minutos, o clima natural


e os barulhos mínimos da televisão me proporcionando o suficiente para
que eu possa me concentrar nas fotos que estou editando.

Até que...

— Harry — ela começa.

Lá vem.

— Hum?

— Amanhã... — seu tom de voz suaviza, exatamente o que ela faz quando
quer conseguir algo. — Eu vou transar com o cara mais bonito que já vi na
minha vida, sabe? Ele é estudante de medicina na Columbia. Aí... se você
quiser passar a noite com Louis. Seria legal. Para nós dois.

Fecho a tampa do MacBook a tempo de vê-la sorrir amplamente, os olhos


brilhando e o rosto virado em minha direção.

— Por quê?

— Porque é uma ótima desculpa para você passar a noite com ele, não é?
— ela desaba em um sorriso brilhante, como se tivesse resolvido todos os
problemas da minha vida, e eu reviro os olhos antes de pegar a almofada e
praticamente afundar meu rosto nela. — Eeei. O que foi?

Não estou falando para vocês transarem, garoto. Só pra dormirem juntos,
yeah? Compra alguma coisa pra comer e passem a noite conversando e
dando beijinhos.

Afasto o travesseiro do rosto para falar, mas continuo com os olhos


fechados:

— Nem ao menos sei se ele quer passar a noite comigo, Joan. Talvez ele
esteja enjoado e–

No outro instante, ela se ajeita em cima do meu corpo de forma que esteja
sentada na minha barriga e suas mãos

estejam pressionando minhas bochechas delicadamente.

Sei que estou fazendo biquinho, como um peixe, e isso a faz sorrir.

Joan nunca teve uma noção nítida de espaço pessoal.

Quando a procurei e falei das pílulas, eu não vi seu rosto ser transformado
em uma pura expressão de pena, ela não me abraçou ou qualquer gesto que
pudesse expressar compaixão; em vez disso, ela estendeu a mão, fechou os
dedos no meu braço e me beliscou com tanta força que eu pensei que meu
bíceps seria arrancado fora.

Sempre a vi como uma irmã que eu praticamente nunca tive. Ela sempre
cuidou de mim mesmo nos gestos mais pequenos, e inclusive se certificou
de alugar um apartamento que tivesse uma suíte. O quarto com banheiro
ficou para mim porque, até meses atrás, eu levantava vomitando sangue
como um efeito colateral dos remédios. Foi ela quem levantou em todas
essas noites para me ajudar, foi ela quem cuidou de mandar o envelope com
as fotos para Louis. Eu não poderia ter uma irmã mais incrível.

— Para de pensar isso. Você precisa conversar com ele, H


— ela diz, os olhos fixos aos meus. — Pergunte a ele se ele quer passar a
noite com você. Se ele quiser ficar sozinho, ok. Pessoas têm o direito a isso,
sim? Mas não é porque ele enjoou de você, e sim porque está cansado.

Mas Louis quer, confia em mim.

— E se ele não quiser?

— Aí a gente se afunda na cama e assiste Stranger Things até amanhã.

— E sua transa?

Ela ri baixinho e beija a ponta do meu nariz antes de se afastar, soltando um


suspiro alto.

— Cala a boca e liga pra ele.

Louis aceita, para a minha felicidade e para o prazer de Joan. Ela me


empresta seu carro, e eu passo no McDonalds

compro

hambúrgueres,

bandejas

de sundaes e batata-frita antes de dirigir até a ala de dormitórios em que


Louis está. As escadas do prédio são silenciosas, ruídos mínimos vindos dos
apartamentos ecoando pelos corredores, e são cinco lances de escada até o
quinto andar que parecem durar quase uma eternidade. Meu cansaço vale a
pena quando chego ao final delas e vejo Louis parado à porta do quarto, de
braços cruzados contra o batente e vestido com moletom.

— Vi você estacionando daqui de cima e– Harry! Você comprou


hambúrguer — ele diz em êxtase, a postura relaxando ao mesmo tempo em
que dá os últimos passos para acabar com a distância entre nós dois. — E
sorvete!

E você está cheirando à gordura do McDonalds —

observa, franzindo o nariz como se estivesse com nojo, mas beijando meu
pescoço da mesma forma.

Franzo as sobrancelhas, recebendo seu beijo rápido.

Acompanho-o para dentro do dormitório, e Louis fecha e tranca a porta


atrás de nós dois.

— Você está falando muito do meu cheiro ultimamente —

comento. — É uma forma discreta de dizer que quer terminar comigo?

Louis para no meio do caminho até sua cama, e vira para me encarar com a
expressão mais brava possível. O que me obriga a fazer um esforço gigante
para não franzir o nariz e soltar um "aw" alto. Ele provavelmente me jogaria
daqui de cima.

— Não repita isso nunca mais na sua vida, Harry Edward Styles — aponta
um dedo ameaçadoramente para mim. —

Agora vai tomar banho porque eu quero o seu cheirinho de bebê. Não o de
gordura do McDonalds.

Com um suspiro pequeno, esvazio os bolsos e aceito uma toalha antes de ir


para o banho.

Quando saio do banheiro, dez ou quinze minutos depois, as luzes do quarto


já estão apagadas e o único barulho existente é um conjunto de risadinhas e
conversas baixas de Louis, o que me deixa confuso. Com quem ele está
conversando? Entro no seu campo de visão e só então percebo o notebook
apoiado no seu colo, a luz brilhante da tela iluminando seu rosto e os
vestígios de ruguinhas nos cantinhos dos olhos; que só aparecem quando ele
está feliz de verdade.
Ergo a mão para terminar de enxugar os cabelos com a toalha, e o
movimento atrai sua atenção mesmo que o quarto esteja escuro. Ele ainda
está sorrindo quando tira os olhos da tela do computador e os coloca em
mim com uma atenção fervorosa. A princípio, seu olhar para no meu

rosto por um instante, mas logo abaixa para o centro do meu peito e... um
pouco mais para baixo.

— Você quer que eu vista uma calça ou... — deixo a palavra demorar um
pouco mais entre nós dois, referindo-me ao fato de eu estar vestindo
somente uma cueca emprestada de Louis e a mesma camiseta de antes. —

Achei que jeans seriam desconfortáveis para deitar e assistir filme...

— Seriam. Não, não quero que você vista uma calça — ele puxa a ponta do
cobertor para o lado e deixa espaço para que eu me deite, apesar da cama de
solteiro. — Vem aqui.

Tem algumas pessoas que querem te ver.

Franzo as sobrancelhas e me apresso para ir até lá, acomodando-me


pertinho dele. Louis coloca uma perna em cima da minha e praticamente se
enfia no meu colo antes de jogar a coberta por cima da gente. Me dá um
pequeno beijo, um curto juntar de lábios, e gesticula com a cabeça para o
computador enquanto seu nariz ainda está esfregando minha bochecha de
forma carinhosa.

E então, vejo Julie, Candice, Zayn e Liam. E todos eles me encaram em


surpresa, porém completa alegria, de forma recíproca. Julie é a primeira a
enfiar o rosto em frente à webcam, e meu sorriso expande tanto que minhas
bochechas quase chegam a doer. Tanto por saudade da minha melhor amiga
quanto por perceber que eles estão felizes em me ver.

Logo após Louis chegar a Nova York e nós acertarmos parcialmente tudo o
que deveríamos, eu liguei para Julie e expliquei tudo de novo mais uma vez.
Ela me xingou por
longos e longos minutos, mas também chorou de uma forma que eu nunca
havia presenciado. E esse mesmo processo foi repetido quando tive de ligar
para Angelina e Niall; e aí, todos que ainda não sabiam que eu estou vivo e
estou aqui, lutando bravamente por cada segundo a mais de vida, souberam.

Gemma, por outro lado, nunca sequer tentou falar comigo novamente, e eu
sei que lá no fundo, ainda espero por uma mensagem, uma ligação...
qualquer coisa que possa me provar que ela não me odeia como já disse
tantas outras vezes. Ela continua estudando em Harvard devido ao fundo de
depósito que Desmond havia feito para ela desde pequena – o que nunca fez
para mim –, então ainda está na melhor universidade da Ivy League, mas
Desmond teve a maioria de seus bens confiscada durante a investigação
judicial que Mark Tomlinson iniciou. Por isso, ele foi obrigado a voltar para
a casa em Londres que minha mãe comprou e que está no meu nome. De
qualquer forma, é como se eu estivesse fazendo caridade a ele, por mais que
nunca tenha recebido algo parecido de volta.

— Oi! — Julie exclama, os cabelos presos em um coque no topo da cabeça.


— Onde vocês estão?!

— Amor — Candice diz baixo e tranquilamente como sempre, como se o


mundo existisse somente para servi-la.

Só Deus sabe os xingamentos que recebi dela quando nos falamos ao


telefone; talvez tenha sido a segunda ou terceira vez que eu a ouvi chorar
em todos esses anos. —

Eles conseguem te ouvir perfeitamente. Não precisa gritar.

Liam ri alto, os olhos praticamente fechando. Louis também ri ao meu lado,


deitando a cabeça no meu ombro enquanto entrelaça nossos dedos fora do
alcance da câmera.

— No meu quarto — Louis é quem responde. Observo seus lábios se


moverem pelo pequeno quadrado no canto da tela, sua mão vindo
diretamente para a minha coxa e esfregando os dedos em pequenos círculos
na minha pele, um pouco abaixo da barra da cueca.
Às vezes, ele nem sequer percebe que me toca dessa forma, tão discreta e
pequena, como se não acreditasse que estou aqui e que estamos juntos. E ao
mesmo tempo em que isso faz uma dor aguda ser cavada no fundo do meu
peito, também me faz realizar que seus toques mais íntimos são reservados
a mim. Somente a mim.

— Você precisa cortar esse cabelo, Louis — Zayn intervém, franzindo as


sobrancelhas por cima dos óculos de grau. — Olha o tamanho.

— Nah — Lou diz, inconscientemente tocando os fios macios curvando-se


atrás de suas orelhas. Eles permanecem grandes, alcançando a linha de seu
maxilar.

— Eu gosto assim.

— Eu também — digo somente para ele ouvir, e seu aperto na minha perna
fica um pouco mais forte enquanto seu sorriso aumenta.

Pelos próximos minutos, ouvimos todas as histórias que Julie e Liam


contam animadamente enquanto Candie e Zayn não parecem tão
interessados assim em adicionar

comentários. Histórias que são intercaladas entre os comentários pequenos,


porém curiosos, de Louis. Por outro lado, eu prefiro ficar em silêncio,
encostado ao meu namorado, e observar todos eles conversarem e dividirem
experiências

nas

respectivas

faculdades

ou

nos

relacionamentos.
— ... e aí, quando Liam e Zayn vêm para Londres, a gente passa o final de
semana juntos — Julie diz, e Candie concorda com um movimento pequeno
de cabeça. —

Digo, Candy e eu ficamos assistindo o Liam engolir o rosto do Zayn tipo


um aspirador, sabe? A coisa é feia.

Indignado, Zayn vira o rosto em direção a ela e, de repente, estende a mão e


a empurra sem realmente usar a força. Julie solta um gritinho por ter sido
pega desprevenida, se agarra em Candice instintivamente e as duas
praticamente voam para fora do alcance da câmera, as pernas balançando
soltas no ar. O que ouvimos, em seguida, é um baque seco no chão. Louis se
inclina para frente, preocupado, mas cinco segundos depois, a gargalhada
de Julie ecoa alta no quarto.

— Vou te matar, Zayn!

A partir daí, ela avança para cima dele, Candice retorna para frente do
computador com os cabelos bagunçados e uma expressão incrivelmente
normal, como se não tivesse acontecido nada e como se a namorada não
estivesse xingando Malik enquanto os dois rolam no chão. Louis começa a
rir baixo ao meu lado e esconde o rosto no meu bíceps enquanto eu passo o
braço por cima dos seus ombros.

— Bem, já que sobramos só eu e Candice aqui, vamos fazer o anúncio —


Liam começa, e há um tom de riso na sua voz que também me faz rir. —
Nós vamos para Nova York no fim do mês, que é quando a UCL,
Cambridge e a maioria das universidades aqui fazem um pequeno recesso
após as semanas de provas do semestre. Niall e Angel provavelmente
também vão, então... se preparem.

— O quê?! — exclamo, e acaba saindo um pouquinho mais alto do que eu


planejei. — É sério? Vocês vão vir pra cá?!

— É sério, Hazza! — Julie exclama no fundo da câmera, pressionando


Zayn contra o chão e puxando os cabelos dele. — Se preparem!
Não tenho certeza se estou completamente preparado para vê-los de novo e
obter a confirmação de que eles ficarão tão felizes em me ver quanto eu
ficarei aliviado em vê-los. E após algum tempo, quando desligamos a
chamada para que Louis coloque o notebook para carregar, ainda estou com
um sorriso idiota nos lábios e uma sensação de formigamento nas mãos que
me faz rir ainda mais quando Louis pergunta o que está acontecendo.

— Só estou feliz — respondo, observando-o sair da cama e pegar os sacos


de McDonalds do chão. Tento não manter meu olhar na forma que sua
bunda, toda firme e gostosa,

fica

contornada

pelo

tecido

fino

do

moletom. Tento. Ele volta para o meu lado e começa a revirar as sacolas,
pegando nossos hambúrgueres e os sorvetes. — Em vê-los de novo, sabe?
Quando iniciei o

tratamento, a psicóloga que cuidou de mim disse que me faria bem ver
rostos familiares. Mas de qualquer forma, o único rosto familiar que eu tive
por meses foi o de Joan.

Então, agora, isso significa bastante para mim.

Ele para de mexer nas caixinhas de hambúrgueres e me olha, algo em seu


olhar traduzindo o início de uma expressão de pena. Por isso, estendo a mão
e acaricio os cabelos macios e úmidos da sua nuca.

— Tudo bem. Eu tinha fotos de Anna, fotos suas, dos nossos amigos...
mesmo que você não estivesse fisicamente próximo de mim, eu ainda
conseguia te sentir.

Tudo bem — repito para fazê-lo acreditar nisso porque é a verdade.

Louis fica em silêncio enquanto me entrega minha comida.

Espero-o se deitar e se acomodar ao meu lado, uma perna sobre minhas


coxas e as laterais dos nossos corpos coladas, para só então passar a batata
no sorvete e comer, gemendo baixinho com o gosto.

Faz pouco tempo que os médicos permitiram que eu começasse a comer


outros tipos de alimentos além daqueles sem tempero forte, gordura ou
queijo. Tinham medo que meu organismo recusasse ou que eles alterassem
todo o processo para reverter as pílulas, então Joan me fiscalizou por meses
e me acompanhou em uma dieta enlouquecedora, embora vez ou outra ela
chegasse em casa com o canto da boca sujo de ketchup por ter comido
besteiras escondido de mim.

— Você nunca mais vai se sentir sozinho, H — ele diz, ainda olhando para
frente. — Eu prometo pra você.

Faço-o sorrir quando levo batata e sorvete até sua boca, e enquanto ele
mastiga, beijo sua têmpora e sussurro que o amo, não sendo necessário mais
que isso para que ele saiba que parte da minha vida é complementada pela
sua.

Ele balbucia que me ama de volta, mas as palavras saem embaladas por ele
estar com a boca cheia de comida, o que nos faz rir juntos com a conexão
mais forte que nunca e um ponto otimista cravado em cada pequeno
movimento nosso.

Não é o sol forte ou o barulho de algum estudante de ressaca no andar


abaixo que me acorda na manhã seguinte. Não é o barulho de gritos
estridentes em volta do campus ou a campainha insistente do despertador
vibrando na mesinha de cabeceira. Não é algo irritante ou um barulho
enlouquecedor.
Ainda é enloquecedor, sim. Mas o que me acorda devagar é um corpo
quente, nu e macio de sono, se esfregando contra o meu em movimentos
pequenos, pressionando meu pau e fazendo-o pulsar quase dolorosamente
com a fricção.

Na próxima vez que Louis se move durante o sono, praticamente rebolando


contra minha ereção, abro os olhos subitamente e seguro seu quadril em
uma tentativa irracional de fazê-lo parar com a tortura. Mesmo virado de
costas, sei que ele ainda não está completamente desperto, o que não
explica o porquê de ele estar sem roupas quando nós caímos no sono
durante o filme...

completamente vestidos.

— Lou — sussurro, meus olhos pesados e uma sensação boa cercando-me


devido ao escuro no quarto. Seria tão fácil me inclinar, plantar beijos no seu
pescoço e aproximar nossos corpos até que... — Louis? — repito, mais
esganiçado.

— Humm.

— Amor, será que tem como você–

Como se fosse de propósito, ele se empurra ainda mais para trás e cola
nossos corpos de forma que minha respiração fique engatada na garganta e
sua bunda esteja colada na minha virilha. E é quase uma reação natural
quando me inclino e fecho os dentes no seu ombro, tentando reprimir os
gemidos ou as súplicas que querem escapar da minha boca. Louis geme
baixinho, e vira o rosto em minha direção, os olhos sonolentos e envoltos
por um azul calmo.

— Você tirou a roupa no meio da noite? — pergunto, minha mão ainda


forte como um vício em volta do seu quadril.

Ele afirma com a cabeça, a franja caída nas suas têmporas cobertas por um
traço quase inexistente da luz do início da manhã.

— Achei que não teria problema.


Sugo uma lufada cortante de ar ao ouvir sua voz rouca e baixa de sono, o
que contribui para que meu pau acabe pulsando um pouco mais dentro das
boxers. E então, antes que eu possa ter alguma reação, Louis murmura:

— Você quer? Sabe... tentar algo.

Meu cérebro, antes tomado por uma névoa formada durante o sono, fica
completamente ativo como se estivesse recebendo doses altas de adrenalina;
da mesma forma que ficou quando estou no campo, jogando e marcando
pontos. O fato de ele estar iniciando algo entre nós dois e de ter tomado
iniciativa para dormir sem roupas significa que ele confia fervorosamente
em mim mesmo com todos os traumas, e esse sentimento mútuo é mais
potente que qualquer outra coisa. Fixo meus olhos aos seus, e experimento
descer as pontas dos dedos pela sua cintura até alcançar sua bunda, firme e
cheia sob meu toque quando abro a mão e pego ela com força e vontade.

Assisto suas pálpebras pesarem e seus lábios abrirem para deixar um


suspiro escapar.

— Eu acho que isso foi um sim — Louis diz, ainda de olhos fechados.

Uma risada quase desesperada escapa do fundo da minha garganta porque,


porra, sim! É óbvio que quero. Ainda sim, fico sem reação no instante em
que Louis puxa a coberta da forma que consegue para poder virar na cama,
passar uma coxa por cima das minhas pernas e montar no meu colo. A
coberta grossa fica sobre seus ombros quase como uma capa, mas é
inevitável subir meus dedos pelas suas coxas até alcançar sua cintura. Tocar
e olhar toda a sua pele, suas coxas que deveriam estar repletas de mordidas,
seus bíceps e...

Far away.

— Isso é uma tatuagem? — pergunto de uma forma idiota, o que faz Louis
abaixar os olhos e encarar o próprio bíceps. — Essas palavras...

— Antes eram para você — ele explica o que eu estava supondo ao mesmo
tempo em que espalma as mãos pequenas no meu peito. Seu pau,
parcialmente duro, encosta no meu, e eu tenho de cerrar os dentes. Volto a
olhar sua tatuagem para me distrair, um ponto pequeno corrompendo o
meio de uma pele delicada. — Agora é para o passado. Para tudo o que
passamos e que não nos fez crescer. Estamos bem longe daquilo, porém, —
ele se inclina, e sinto seus lábios se moverem contra o lóbulo da minha
orelha: — Bem perto um do outro.

— Porra...

Planejo rolar nós dois na cama para pressioná-lo contra o colchão e beijá-lo,
mas ele escapa de mim, e sai da cama ao mesmo tempo em que puxa a
coberta para poder se enrolar nela, indo em direção ao banheiro. Suas
risadas deixam rastros pelo chão do quarto que fazem meu coração
esquentar conforme dou passos até lá para encontrá-lo debruçado sobre a
pia do banheiro e começando a escovar os dentes, a coberta ainda sobre os
ombros estreitos e os olhos ainda meio fechados de sono.

Aproximo-me, passo por passo, e sou seguido por dois olhos atentos que
poderiam me obrigar a fazer qualquer coisa. Dois olhos que foram meu
ponto de segurança em todas as noites terríveis durante a pior fase do
tratamento, a imensidão azul que me afundava, mas de certa forma, também
foi a única a me tirar do fundo.

Tiro a coberta dos ombros dele, jogando-a no chão, e deixo-o exposto ao ar


parcialmente gelado que provoca arrepios nas suas costas e no seu pescoço.
Inclino-me e sigo todos os arrepios com a boca, beijando e lambendo cada
centímetro alcançável de pele ao mesmo tempo em que começo a abaixar
minha cueca. Quando trocamos de lugar para que eu escove os dentes com
a escova reserva, Louis envolve a mão pequena no meu pau e faz minhas
pernas amolecerem. E quando termino e me viro, sou surpreendido pelo seu
corpo vindo de encontro ao meu e sua boca se chocando contra a minha.
Após tanto tempo...

tanto, tanto tempo.

Praticamente gemo contra sua boca, fechando os dedos nos seus cabelos e
colocando-o contra a parede. Meu raciocínio se perde no nosso beijo e no
gosto da sua língua quando Louis a esfrega na minha, masturbando-me
quando me afasto o suficiente somente para lamber os dedos médios e
esfregá-los na sua entrada ao voltarmos a nos beijar. Não, digo mentalmente
para mim mesmo quando ele escorrega os lábios pelo meu pescoço no
instante em que a ponta do meu dedo o penetra devagar. Nunca mais vou
deixá-lo ir.

Os suspiros de Louis pouco a pouco se transformam em gemidos que


reverberaram o interior da minha cabeça e dos meus sonhos mais cinzentos
por meses seguidos, mas que agora estão bem aqui. E embora não sejam
palpáveis, é como se minha pele acabasse se tornando permeável a eles,
deixando-os se infiltrarem em mim e serem parte da minha corrente
sanguínea. Ao voltarmos para a cama, procurando lubrificante embaixo do
colchão,

entrelaçados de corpo e com os sentimentos nos tornando ansiosos, o sol já


está fazendo seu caminho até o céu, e a luz dourada colore Louis de uma
forma que me faz ter que morder o lábio inferior com força para não gemer
mais alto a cada vez que me empurro para dentro dele.

•••

Na segunda-feira à tarde, após o treino do time de futebol, os Violets, e o


término de duas classes minhas, atravesso o campus segurando dois copos
de isopor cheios até a boca com chá fumegante para ir buscar Louis na sala
de Introdução ao Estudo de Filosofia. Os chás esfriam enquanto tenho de
esperar por quinze minutos do lado de fora da sala, e assim que o vejo se
despedindo de alguns outros estudantes que provavelmente conheceu hoje,
acabo me sentindo um pouco orgulhoso.

Louis acena uma última vez para uma garota com sardas nas bochechas e
aparelho nos dentes. Então, ergue as mãos para ajeitar os cabelos e quando
vira, finalmente me vê. O sorriso que já estava em seus lábios parece
aumentar consideravelmente, e ele vem em minha direção, ajeitando o
casaco preto sobre os ombros. Antes que possamos nos abraçar, porém, eu
me afasto um passo e gesticulo com a cabeça para os copos de chá. Ele
entende. Pega um copo da minha mão e nós dois bebemos três ou quatro
goles gigantes enquanto nos encaramos fixamente com uma atenção
fervorosa.
Quando temos certeza de que não vamos derramar chá pelo corredor inteiro
do Centro de Ciências Humanas, Lou vem para cima de mim, passa os
braços em torno do meu

pescoço, fica nas pontas dos pés e beija minha bochecha com carinho.

— Oi — diz, deixando mais dois ou três beijos no canto da minha boca. —


Como foi sua primeira aula? E o treino?

— Maravilhosa. Embora eu não tenha tanta certeza se os filhos do meu


professor fazem parte da matéria, já que eles foram a maior parte do assunto
— murmuro com um tom mais desempolgado do que deveria, o que faz
Louis jogar a cabeça para trás e rir alto com os olhos fechados.

Assisto à cena bem de pertinho porque seus braços continuam em torno do


meu pescoço, e quase solto um suspiro. — O treino também foi bem... o
treinador disse que estou avançando. Como foi sua aula?

— Isso é incrível! Parabéns, H — diz com bem mais empolgação que eu,
afastando-se para poder entrelaçar nossas mãos. Começamos a caminhar
para fora do prédio, e eu vejo um dos garotos do time adentrando o corredor
com dois ou três livros contra o peito. Ele me vê, e por um instante, um
pânico gelado é enviado através da minha espinha com a possibilidade de
ele me repudiar por ser gay e por ter um namorado, mas tudo o que ele faz é
sorrir, erguer a mão e acenar curtamente. Louis continua falando após dar
outro gole no chá, e não percebe meu sorriso gigante. — Meu primeiro
professor foi legal. Ele não acredita no amor, sabia? E falou de Simone De
Beauvoir na primeira aula, o que foi bem legal. Mas acho que vou ter que
levar você até ele e dizer "como você não acredita em amor, cara? Esse
garoto aqui, bem aqui, é feito todinho de amor."

Minhas bochechas queimam.

— Louis...

— Nada de "Louis". Você é feito de amor, e fica quieto.


Concorde comigo — olha para mim, e não descansa até que eu afirme com
a cabeça meio hesitantemente. —

Hum... isso mesmo. Joan disse que vai comprar tacos de frango e levar para
gente no estúdio do Mitch.

— Joan disse? Vocês estão conversando?

Ele pisca pra mim. — Ela me passou o número dela.

E é por isso que eu acabo ouvindo as conversas entusiasmadas e atropeladas


de Louis e Joan enquanto regulo minha câmera e troco a lente 35mm por
uma 50, nós três sentados na minha pequena sala no estúdio de Mitch, tacos
de frango no meio da mesa ao lado do meu notebook e nossas bolsas
espalhadas pelo chão de madeira velha. Os dois não percebem o momento
em que pego a câmera, ajusto o foco e tiro uma foto deles, um olhando para
o outro e Louis com os pés em cima da mesa enquanto Joan está dando uma
mordida gigante no taco.

Quando ele e ela finalmente viram o rosto, é por causa do barulho baixo do
obturador, mas já é tarde demais.

Joan sorri de boca fechada e com as bochechas estufadas de comida.

— Você está com um sorriso ridículo no rosto, bobão —

ela diz após engolir. — É muito amor?

Ergo a câmera mais uma vez para tirar outra foto.

— Você não tem ideia.

Mark Tomlinson me procura durante meu turno no Olivia's, no dia seguinte.


Ele vem à procura da minha permissão para dar continuidade ao processo
de denúncia das práticas corruptas de Desmond na empresa dele. Não
porque precisa, de fato, da minha permissão, e sim porque é atencioso o
suficiente com o que sinto. E eu dou a permissão e digo a ele para continuar
com o processo, mesmo que toda a minha parte massacrada e carente
implore para eu não deixar porque... é meu pai. E deveria ser uma relação
mútua de amor, não deveria?

No mesmo dia, minha psicóloga me diz que pais podem ser abusivos,
também. E que não sou obrigado a amá-lo com todos os meus traumas, até
porque ele nunca me amou de volta.

Quando chego em casa e encontro o apartamento vazio, tenho de tomar um


banho gelado, contar até o maior número que meus pensamentos
compulsivos permitem, e chorar. Com desespero e alívio ao mesmo tempo,
empurrando para longe tudo o que diz para me machucar e fazer a dor
passar, para abrir os arranhões que permaneceram fechados por tanto
tempo. Mas não... não.

Releio a carta de Anna, revejo as fotos de Louis e revejo minhas próprias


fotos, sempre respirando fundo. Sempre caminhando passo a passo, até
mesmo quando bloqueio o número de Gemma do meu celular para acabar
de vez com todas as esperanças de receber uma mensagem que nunca
chegaria.

Uma semana depois, encontro-me no vestiário do estádio da universidade


ouvindo atentamente a tudo o que o capitão do time diz. E embora vez ou
outra meu olhar viaje até a última cabine de chuveiro com uma pontinha de
excitação, meus pensamentos permanecem focados nas estratégias, e não na
forma que beijei o corpo inteiro de Louis dentro da mesma cabine em uma
noite que ele ficou após o treino e após todos os jogadores irem embora.
Ok.

As luzes fazem meus olhos doerem quando subo a escada e piso no


gramado macio, e a gritaria intensa e o tecido da camiseta grudando na
minha pele aceleram meu coração com pulsações curtas, porém rápidas.
Viro a cabeça no último instante, procurando por Louis e Joan na
arquibancada em meio aos inúmeros estudantes da NYU

gritando e balançando os braços, mas não acho nenhum dos dois. Ele virá,
afirmo para mim mesmo e verifico se o pequeno amontoado de cabelo na
minha cabeça, que deveria ser um coque, está bem firme. Então, coloco o
capacete.

Toda a primeira parte do jogo passa como um borrão suscetível que se


resume a gritos e à estrutura do time e ligação perfeita entre um jogador e
outro para que todos os movimentos sejam executados com minuciosidade.
Todo o esquema funciona tão bem que nós acabamos passando quatorze
pontos à frente quando Caleb, um garoto de Nashville e estudante de
Lingua Inglesa, marca um touchdown. Sou praticamente capaz de sentir a
vibração das arquibancadas sob meus pés e a energia e expectativa para
uma vitória que pode acontecer. O outro time, da universidade de Nova
Jersey, pede um tempo

para reafirmar as estratégias e nós somos obrigados a nos reunir novamente.


Estou ouvindo o capitão me instruir para que o ataque central possa ser
intensificado quando ouço meu nome em um coro monstruoso:

— Harry! Harry, caralho!

Enxugo o suor da testa com a palma da mão e viro a cabeça, estreitando os


olhos quando os canhões de luzes vêm direto para o meu rosto. Ouço meu
nome mais uma vez, mas agora meu cérebro reconhece a voz, e segundos
depois encontro a garota ruiva pulando em cima do banco e agitando os
braços. Julie percebe quando eu a noto, e seu sorriso se expande enquanto
ela ergue a mão para acenar para mim. Aceno de volta, atônito, porém feliz,
e só então vejo Candice ao seu lado, seguida por Niall, Angel, Liam, Zayn
e... Louis e Joan. De repente, parece que meu peito vai explodir com a
quantidade de sentimentos acumulados. Eles estão aqui!

Sorrio para todos eles, mas meu sorriso se torna uma careta quando percebo
um garoto ao lado deles segurando um

cartaz

brilhante

com
letras

em

dourado

dizendo "HARRY ME FODE" . Acho que falta uma vírgula após o sujeito.

Ao mesmo tempo, Louis percebe e vira o rosto para ver o que me deixou de
mau humor. Seu sorriso se transforma em uma expressão completamente
estressada, então ele puxa o cartaz das mãos do garoto e começa a rasgar o
papel da forma mais meiga que poderia, se esforçando para separar cada
pedaço da cartolina enquanto o garoto o olha em pura... surpresa.

Mal tenho tempo de ver o desfecho da cena porque o capitão do time chama
a minha atenção e eu tenho de me concentrar nele, mesmo que esteja
querendo rir. Minutos depois, o jogo recomeça e eu retorno ao meu devido
lugar.

Sempre que a bola vem para as minhas mãos, ouço as exclamações


animadas e as torcidas de todos eles, como meu coro e motivações
particulares. Não sou eu quem marca o ponto que finalmente nos leva a
vitória, mas todos eles comemoram como se fosse. O estádio irrompe em
milhares de gritos e meu coração ainda está acelerado e eu ainda estou
arfando, mas é de uma forma mais controlada e excitada. Principalmente
quando todos os jogadores se reúnem no centro do campo e um parabeniza
o outro em palavras berradas e olhos brilhantes por termos conseguido
finalizar o primeiro jogo da temporada de forma brilhante.

Todos se dispersam, sendo puxados por membros da família e estudantes


que invadem o campo, e eu fico perdido por um único segundo no meio do
gramado antes de meu corpo ser chocado com outro bem mais
pequenininho.

— Meno!

Em puro instinto, minhas mãos vão para a cintura delineada do garoto em


minha frente, que dá um pulinho, enrola as pernas em torno da minha
cintura como sempre faz e... me beija. Dessa forma espontânea e sem aviso
algum. Sem se importar com o suor acumulado no meu pescoço,
exatamente onde suas mãos estão, ou com a forma que meus cabelos estão
se desprendendo do coque

e caindo pelo meu rosto. Louis puxa meus cabelos e me beija com
entusiasmo, firmando com ainda mais força as coxas em volta dos meus
quadris e acariciando minha nuca com os polegares. Correspondo como se
cada lufada de ar necessitasse disso – do gosto da sua boca, da forma que
ele suspira contra meus lábios ou como cada parte de seu corpo reage a
mim.

— A gente está dando um show — ele sussurra após separar o beijo, rindo
baixo com nossas bocas a centímetros de distância, pedaços coloridos em
roxo e branco caindo sobre nossas cabeças.

— Um show incrível.

— Também acho — Louis murmura, inclinando-se para me beijar de novo.


Quando ele abre os olhos, cada célula do meu corpo implora para que
demonstre meus sentimentos a ele de todas as formas existentes nesse
mundo e em qualquer outro mundo, realidade ou dimensão que possamos
nos encontrar. Todo o meu organismo está intoxicado por Louis, Louis e
Louis. Eu sou completamente dele, e me entregar por inteiro nunca pareceu
uma ideia tão boa. — Quando te vi no jogo pela primeira vez, você estava
reproduzindo essa mesma cena com Julie.

Quando eu o vi pela primeira vez, Louis estava sentado à mesa do


refeitório, conversando baixo com Zayn. Sem motivo aparente, ele revirou
os olhos quando um jogador do time passou por eles, e no mesmo instante,
eu me senti autoconsciente do casaco dos Wild Wolves que vestia. Eu nunca
descobri o motivo pelo qual ele prendeu minha atenção assim, tão rápido.
Nunca descobri o porquê de ter

tido a sensação que meus sentimentos fossem praticamente palpáveis ao


olhá-lo e decorar seus detalhes como se fosse uma lista bem elaborada.
Louis me atraiu desde o primeiro instante e me puxou em direção a ele, ao
seu redor repleto de sorrisos, gentileza e dor escondida, e me fez perceber
que se ele fosse luz, eu seria a escuridão se permitindo ser iluminada por
ele.

— E agora, é você que está aqui. Beijando o jogador do time de futebol que
está louco para pedir para você morar com ele — digo, e assisto de perto
quando ele arregala os olhos e firma os dedos no meu cabelo com a
surpresa. —

Um apartamento pequeno que vamos nos esforçar para pagar — aperto suas
coxas, segurando-o perto. — ir dormir e acordar todos os dias com você, e...
— sorrio ao notar que ele continua paralisado, em choque. — talvez
possamos adotar um gato que se chamará Donatello ou Leonardo. Todos
nós faremos parte da história mais antiga de amor. E em todas as noites,
quando eu te olhar, eu poderei dizer perfeitamente qual foi o motivo pelo
qual fiquei. Por qual eu vivi e ainda vivo.

Seu sussurro é tão baixinho e afetado que quase se perde entre as gritarias
dos nossos amigos ainda na arquibancada: — Harry...

Por cima do seu ombro, vejo Joan segurando minha câmera e a angulando
em nossa direção. Solto uma risada alta que se perde entre meu próprio
nervosismo.

— Você pode pensar, ok? — digo para não apressá-lo. —

Eu espero.

Porque você sempre me fez sentir como se tivesse, de fato, todo o tempo do
mundo.

— Eu não quero pensar, Harry. Eu quero morar com você, quero ter um
gato com você e quero... quero tudo — suas mãos pequenas seguram meu
rosto com firmeza, e ele murmura as próximas palavras com tanta
delicadeza que, subitamente, é como se existisse só a gente. — Cada parte
sua. Até você se encontrar completamente, seja onde for.

E mesmo que ele não diga com todas as palavras, sei que ele está falando
das partes que ainda estão machucadas e das feridas que necessitam de um
pouco mais de cuidado para fecharem. Sei que ele está falando das minhas
experiências que sempre vão ocupar uma parte de mim e de todos os
traumas. Também sei que vai levar um longo tempo até que eu seja uma
pessoa estável e inteira que poderá proporcionar a Louis tudo o que ele
merece, mas eu já percorri um longo caminho até aqui, e sei que posso ir
ainda mais longe. Porque eu mereço amor e tenho amor.

E se eu me perder vez ou outra, não tem problema, porque...

Abraço Louis e junto meus lábios aos seus. Todos os barulhos se isolam
fora da nossa atmosfera, e eu me sinto leve e capaz de tudo.

Estou exatamente onde pertenço.

MUITO OBRIGADA!

não, ainda AINDA não é o capítulo extra :( e ok, woooow! acabamos!

Eu sempre começo a escrever minhas fics sendo uma pessoa e termino


sendo outra devido às histórias que leio e a todas as pessoas que conheço ao
longo da escrita. E

sou muito grata por ter formado várias conexões e por ter terminado mais
uma fic bem importante aos 17 anos. As chances que tive foram fantásticas
e mudaram, mais uma vez, minha forma de pensar. E sou muito agradecida.

Sinceramente? Eu não faço a mínima ideia de como começar um texto para


expressar toda a minha gratidão pelo apoio, pelos elogios e palavras sempre
tão gentis dirigidas a mim e a Ephemeral, que é meu bebê. Eu queria
abraçar cada um e cada uma de vocês e dizer bem baixinho

no

ouvido

de

vocês
um "obrigada" bem

demorado. Um obrigada por terem lido uma história tão importante para
mim e com um significado bem pesado, porém, tão recorrentemente
ignorado. Obrigada por sempre comentarem sobre ela no twitter. Obrigada
por terem me mantido forte e, também, por terem me feito rir tantas vezes
com os comentários e as ameaças de morte.

AUTORA SUA DESGRAÇADA VOCÊ DISSE QUE NÃO

ERA DEATH FIC

Aliás, vocês sabiam que Michelangelo, Tommaso e todas essas ligações


foram parte de uma coincidência gigaaaaante? Pensei na tartaruga ninja e
escolhi o Michelangelo porque ele é o meu preferido. Só então

descobri os rumores sobre a sexualidade do pintor e os inúmeros sonetos


para Tommaso que LEMBRA MUITO O

APELIDO TOMMO. EU FIQUEI O QUÊEEEEE.

enfim, hehe

Assim como MODELS, Ephemeral tem um significado tão particular para


mim, além de ter sido inspirada pelos momentos difíceis de uma pessoa que
eu amo MUITO (se você estiver lendo isso, vai saber que é para você), que
é a minha Harry, Ephemeral também me ajudou muito a aceitar

completamente

minha

própria

sexualidade,

Ephemeral me ajudou com minha própria ansiedade e as crises, e


Ephemeral me trouxe pessoas maravilhosas que significam o mundo inteiro
para mim.
Quem me conhece sabe bem que eu não me importo com visualizações,
comentários e votos ou qualquer coisa do tipo, mas chegar aqui com quase
150K de leituras já tem um valor inestimável para mim. Porque eu penso da
seguinte forma: se você tem a possibilidade de utilizar alguma plataforma e
se você tem a possibilidade de transmitir alguma mensagem importante a
um número grande de pessoas, faça! Transmita alguma mensagem que vá
ter um valor especial. Foi o que fiz com Models e foi o que fiz com
Ephemeral. Tantos jovens hoje em dia desenvolvem depressão, têm crises
de ansiedade e isso tudo vem do ambiente em volta deles, do ambiente em
volta da gente. Seja por um pai ou uma mãe abusivw, seja por um trauma de
um abuso sexual, seja pela pressão sempre te puxando para baixo e te
obrigando a fazer isso ou aquilo, passar no vestibular logo após o colégio,

escolher sobre coisas que poucas pessoas, de fato, têm a plena capacidade
de fazê-lo aos 16, 17. E tantas coisas como essas provocam depressão e
provocam esse sentimento de que você não é bom o suficiente. E quase
ninguém nota porque, na maioria das vezes, você sabe bem como esconder.

Ephemeral foi uma forma de demonstrar justamente isso: depressão não é


uma doença uniforme e nem sempre ela virá como geralmente é retratada –
tristeza o tempo inteiro, sempre momentos bad feelings, etc –, e que ela,
assim como qualquer outra doença psicológica, deve ser tratada de forma
séria. Vocês devem ser cuidados, devem colocar na cabeça de vocês que ser
suficiente não corresponde a atender às expectativas colocadas sobre vocês.
Ser suficiente significa viver, e falo sério. Viver é uma dádiva, é...
absolutamente incrível. E eu sei que muita pessoa aí acha que não merece
amor, amar e ser amadw, mas merece. Confia em mim, yeah? Todos nós
merecemos.

Por favor, se cuidem e cuidem das pessoas em volta de vocês. Por favor.
Nosso Michelangelo não morreu, mas MUITOS adolescentes morrem todos
os dias e isso é extremamente sério. Vocês são um monte de frôzinhas
lindas e um monte de girassóis que sempre devem se virar em direção ao
sol, e não à sombra. Não confiem em coisas e pessoas tóxicas, vocês são
bem mais do que dizem.

Tomei um cuidado extremo para não romantizar tudo isso em Ephemeral, e


talvez tenha sido por isso que alguém pode ter se decepcionado com essa
postura apática do Louis. "Por que ele não jogou as pilulas fora?", "por que

ele não contou para algum médico?", "por que ele parece tão indiferente?!".
Porque se a solução fosse o Louis entrando na vida do Harry e colocando de
lado todos os traumas e todo o passado dele, Ephemeral teria 5

capítulos e a depressão e a ansiedade do H seriam totalmente banalizadas.


Eu quis focar na resiliência do Harry, na própria força que ele precisava
encontrar e no apoio em si mesmo que ele levaria à frente. E espero ter
conseguido. E espero ter conseguido transmitir, também, que resiliência é
uma característica nossa. Sobreviver ao caos é parte da nossa essência, e
sair dele é característica da nossa força.

E eu ainda estou aprendendo, e eu ainda tenho todo o tempo do mundo. E


vocês também, yeah?

Bem,

Obrigada, Sara. Por, mais uma vez, ter me mantido forte e por ser A
Melhor™ melhor amiga do mundo inteiro. Você é tão forte, e eu já te vi
florescer tantas vezes e quero estar aqui em todas as estações, até mesmo
quando for inverno e você pensar que é difícil aguentar. Porque te garanto,
você tem toda a força do mundo contida aí dentro, e eu te admiro muito.
Quero estar aqui até mesmo quando você me disser que quer ficar sozinha,
até mesmo quando você disser que não merece amor, que não aguenta mais.
Eu vou ser seu apoio, vou ser sua base e vou fazer questão de dizer que eu
te amo e que você é forte.

Obrigada à Jully nickxjonas e à Larissa sweetyles. Gente, eu fico até sem


palavras quando vou falar de vocês porque, puta merda!, devo a vocês uma
grande parte do

que sou hoje. Uma parte do meu amadurecimento, da minha mente aberta,
da aceitação por coisas que eu nunca imaginaria. Devo a vocês várias
calmarias pós crises de ansiedade, e wow... Obrigada, Ju, por ser essa
mulher maravilhosa sempre disposta a ajudar a gente e por ser a psicóloga
que me orientou em muitos momentos de Ephemeral; inclusive sobre o fato
de pais também serem abusivos! Obrigada por ser essa pessoa de coração
aberto e inteligência extraordinária. Quando você me mandava o feedback
de Ephemeral ou reagia a algum spoiler que eu soltava no WNP, eu quase
morria. DE CERTA FORMA, A JULLY É A PSICÓLOGA DO HARRY. e
Lari, eu te admiro muito por ser essa pessoa forte que enfrentou barras
gigantes e está aqui, sempre espalhando amor e mostrando para gente que,
não importa o quão difícil tenha sido nosso dia, você sempre vai estar ali no
grupo para fazer a gente rir e simplesmente fazer a gente muito feliz;
porque temos você! Vocês merecem todo o amor e merecem todas as
melhores experiências do mundo. Amo vocês!

Nandy LarryFabulosa_, obrigada por ser minha Louis e angry smol e me


dizer "calma, amor" quando eu penso

"OK, EU NÃO CONSIGO MAIS". você faz eu me sentir capaz e me


mostra SEMPRE os motivos pelos quais eu devo continuar escrevendo.
Você me mostra luz, me mostra apoio e todo o amor que esse mundo
deveria ter contido em cada pequeno detalhe. Eu te amo muito, e eu quero
mais que tudo te abraçar e te dizer que é por você, também, que estou aqui.
E é para você que sempre estarei

aqui; para te apoiar e te amar e te mostrar que você é uma das mulheres
mais incríveis do mundo!

Obrigada, Noah mycrushistyles, por sempre me apoiar e incentivar com a


minha escrita e por sempre estar aqui para me mandar fotinhos de girassóis
e para me iluminar com todo o seu brilho. Você é o melhor sim-noivo que
alguém poderia ter, e você é extremamente capaz de tudo e de todos os seus
sonhos. Obrigada por ficar, obrigada por existir – e se o Harry faz vc se
lembrar de vc mesmo, que seja o Harry que já percebeu que merece amor,
porque você merece.

July, louisismyproud bubie, neném! Obrigada por estar aqui desde o início,
e quando digo início, quero dizer reaaaalmente início. Ou seja, desde os
primeiros capítulos de Models, passando por Ephemeral e chegando até a
última atualização de Afterglow. Eu sempre te digo isso, mas você é um dos
motivos pelos quais eu continuei a escrever e nunca me desanimei. Você me
fez sentir muito, muito bem pela minha primeira fanfic e eu sempre serei
agradecida por lhe ter em minha vida. Nunca pense que você não deveria
estar aqui, yeah? Você deve, você espalha amor e é amor. Por favor, fique
para sempre.

Obrigada à Vic larryfeast por ter demonstrado um amor tão puro a tudo isso
aquo e por apresentado um trabalho extraordinário sobre Ephemeral no
colégio (e a única a se impôr e falar sobre um casal gay, IKR????? vic é
foda) e por ter feito páginas no seu journal dedicadas a essa obra.

Obrigada por sempre se lembrar de mim e das minhas

histórias, e pode ter certeza que eu sempre me lembro de ti!

Bianca XBewitched1, obrigada por sempre continuar aqui comigo e por ter
acompanhado Ephemeral mesmo que algumas partes tenham algum
significado mais forte para você. Tu és uma garota incrível e maravilhosa e
com um coração de ouro, e nunca deve pensar menos que isso de si mesma,
ok?! Obrigada por trilhar mais uma história comigo!

Obrigada à Gabrielle por fazer parte de muitas das minhas lembranças mais
doces e por, também, estar aqui desde o início. Obrigada por ter feito uma
playlist linda para Ephemeral e por ter lido vários spoilers e sempre ter
mandado vários memes fofinhos para expressar sua reação. Nunca vou me
esquecer de como tudo começou e de como você me apoiou durante todo
esse tempo. Amo você.

Obrigada ao meu professor de filosofia e ética por ter me ensinado tanta


coisa sobre a vida e sobre tudo o que pouca gente tem coragem de falar.
Obrigada por me ensinar muito do Sartre, Kant e De Beauvoir e por ter me
ensinado muito do existencialismo; o que com certeza mudou minha vida.
O professor do Louis realmente existe na vida real, e ele é o meu professor
PORQUE ELE NÃO

ACREDITA NO AMOR. what a afronta.

Obrigada a todo mundo que está lendo isso agora e já passou por todas as
etapas de Ephemeral. Obrigada por terem confiado em mim e acreditado
que não, não é death fic. E se em algum momento dessa fic, vocês pensaram
que sempre devemos continuar lutando e sempre devemos prestar mais
atenção às pessoas em nossa volta, meu trabalho aqui está feito e eu posso
me considerar a pessoa mais feliz do mundo. Ok?

Minha inbox sempre estará aberta, e meu twitter e curiouscat também (o


user é ethereharry para ambas as contas). Sempre estarei aqui para
conversar, e se você quiser

algo

anônimo,

email

do

Harry

(harrystyl17@gmail.com) também estará disposto a receber os maiores


desabafos. Sempre há uma opção e sempre há uma saída, lembrem-se disso.

MUITO OBRIGADA!!!!!!! Eu amo vocês com todo o meu ser. Espero que
tenham gostado e aprendido com essa trajetória toda tanto quanto eu gostei
e aprendi. Desejo a vocês todo o amor, coragem e gentileza do mundo
inteiro

– desejo que vocês vivam cada segundo da vida não como se fosse o último,
mas como se soubessem quão preciosa é a vida.

E é. Garanto a vocês.

Todo o amor como sempre,

Andy.

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