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ser recuperar a confiança das pes- A pandemia Isso também ficou bem patente com

soas no sistema de saúde, sempre a a pandemia: os tempos de reflexão


pensar na qualidade. ensinou-nos que tiveram de ser reduzidos ao míni-
Longas listas de espera, para não é possível mo possível para se garantir uma
consultas, exames e cirurgias, e resposta. Temos todos a noção de
urgências encerradas não serão o trabalhar em que existe urgência na decisão, mas,
cenário ideal para se transmitir saúde sem para que os tempos possam ser
confiança. Como se altera isto? encurtados, é preciso investir nas
Antes de mais, sendo transparentes conhecimentos instituições competentes para fazer
e explicando qual é a nossa visão em comunicação. este tipo de análise. Não podemos
para o sistema. exigir mais rapidez com os recursos
Uma das críticas que mais ouvi- É algo em que que existiam numa altura em que a
mos fazer a quem gere é a falta de temos de apostar rapidez não era exigida.
visão, de um plano. Para si, existe Está a dizer que falta financia-
uma visão clara? mais, logo mento à DGS para fazer o seu
Temos de construí-la. Acho que ainda no ensino trabalho.
não existe. Ainda não está totalmen- Temos de ter noção de que investir
te decidido para onde queremos ir. pré-graduado na saúde é investir em cuidados no
No caso deste departamento, há uma dos profissionais dia à dia, mas isso por si só não che-
visão para a qualidade da saúde; mas ga. A prestação de cuidados assenta
uma coisa é a visão do departamen- num vasto conjunto de atividades de
to, outra é a visão para o sistema de suporte que, se falhar, compromete
saúde. Porém, estas duas coisas não os cuidados diretos. Queremos res-
podem estar de costas voltadas. A Quais são esses princípios? postas mais rápidas, sim, mas não
qualidade deve ser a antecâmara de A eficiência do sistema, a segurança podemos perder a qualidade. Então,
qualquer decisão em saúde. das pessoas e os cuidados centrados precisamos de mais investimento,
Que caminho deveria ser segui- no cidadão. e investimento não é só dinheiro:
do, na prática, para se melhorar o Na semana passada, soubemos é recursos, equipamentos, com-
sistema para os cidadãos? que Portugal registou, em junho, promisso e organização. É tornar a
É verdade que a discussão entre a uma taxa de excesso de morta- saúde uma prioridade.
visão e a execução às vezes é um lidade de 23,9%, a pior da União Com esses constrangimentos,
bocadinho teórica. Uma visão sem Europeia, segundo o Eurostat. Os compensou sair do hospital para
execução é uma alucinação, mas pilares que nomeou estão a ser ocupar um cargo de gestão?
não podemos executar sem primei- postos em causa? A qualidade da Sem dúvida que valeu a pena. A
ro pensar. Claro que numa situação saúde está ameaçada? experiência deste tempo foi absolu-
de catástrofe, nós entramos num A taxa de excesso de mortalidade tamente transformadora para mim
comboio para onde quer que ele vá, é naturalmente um indicador para enquanto pessoa, enquanto gestor
mas normalmente entramos num o qual olhamos com preocupação, e enquanto médico. Nunca dei-
comboio porque queremos que ele mas também com a serenidade xei de ser médico todos os dias em
nos leve até ao nosso destino. Tem de quem sabe que as análises e as que aqui estive, desde que aceitei [o
de haver uma comunicação clara respostas não são ainda conhe- cargo], em 2018. Considero que sou
sobre onde queremos chegar e so- cidas. Por isso, a solução está em uma pessoa comprometida com o
bre como lá queremos chegar para continuar a trabalhar de uma forma serviço público. No final deste man-
termos um sistema de saúde que muito exigente para melhorarmos o dato, tenho uma história para con-
funcione. mais possível a saúde das pessoas. tar, um legado, mas também uma
Para melhorar o sistema de saúde, é Que motivos poderão estar na vontade muito grande de fazer mais
preciso melhorar a informação e a origem deste número? e de ter espaço para ser disruptivo.
literacia das pessoas, implementar Têm sido apontadas várias hipóteses Penso que, além da pedra lançada,
mudanças culturais e educacionais, para explicar o fenómeno, mas eu te- ficam alguns exemplos de execução
em fases muito precoces da vida, nho uma formação científica e só devo concreta do caminho que eu acredi-
ensinar como funciona o sistema e falar com conhecimento de causa. to que nos pode levar a um virar de
onde me devo dirigir quando tenho Senão também não estou a contribuir página na saúde.
um problema. Aprendemos pou- para a confiança das pessoas. Não pos- Continua a encontrar espaço para
co sobre gestão na escola, e sobre so dizer que motivos são esses, por- ser disruptivo no SNS? Vê-se a
gestão da saúde não aprendemos que, como disse, não estão estudados. voltar para o Santa Maria, por
praticamente nada. Isto aplica-se Esta taxa tem crescido progres- exemplo?
também à formação dos graduados sivamente, desde janeiro de 2021, Não voltarei para o Santa Maria a
em saúde. Depois, não podemos seguindo uma rota contrária à partir de setembro, mas não excluo
olhar para a saúde como comparti- dos outros Estados-membros a possibilidade de regressar à pres-
mentos estanques, e a tal visão para da União Europeia. O estudo das tação de cuidados diretos. Também
a saúde tem de ter como base os causas no nosso país não deveria penso que o que aprendi me obriga
princípios da gestão da qualidade. ser acelerado? a colaborar num espaço e num con-
Senão, é estar em contraciclo. O mundo é hoje muito mais rápido. texto diferentes. rrnunes@visao.pt

12 VISÃO 25 AGOSTO 2022

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