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MULHERES // SÉC.

XVIII

‘FLOR DA MURTA’ para a quinta de Sintra, onde viria a morrer


amargurado.

Uma das muitas


O fruto dos amores entre o soberano e
Luísa Clara foi uma menina, separada da mãe
logo à nascença e mandada para o Convento

amantes de D. João V
de Santos, onde foi freira. Liberta do «peso»
do marido e dos filhos, a Flor da Murta fi-
cou com tempo para tudo, inclusive para ser
amante de um meio-irmão do rei, filho bas-
Madre Paula, do convento de Odivelas, é a mais tardo de Pedro II. Furioso, D. João V pensou
conhecida das mulheres por quem D. João V em mandar castrar o atrevido parente, mas
se embeiçou, mas o affaire mais interessante o seu confessor conseguiu aplacar-lhe a ira.
em se envolveu foi o que a seguir se conta
Promessa de casamento

E
D. João V tivera o seu primeiro caso amoroso
ntre as frequentes desloca- aos 15 anos, quando ainda era rei
ções noturnas de D. João o seu pai, D. Pedro II. A protago-
V há as que ele fazia a um nista feminina desta história, sete
palacete do século XVII anos mais velha, chamava-se Filipa
que ainda hoje existe em de Noronha e era dama da rainha
Lisboa, na esquina da Rua Maria Sofia de Neuburgo, mãe do
do Poço dos Negros com a Rua de fogoso príncipe.
São Bento. Morava ali D. Jorge de Para a conquistar, D. João che-
Menezes, dono de propriedades em gou a redigir uma promessa de ca-
Sintra e no Algarve. Mas o rei Mag- samento. Imagina-se a desilusão
nânimo só lá ia quando sabia que dela ao saber das negociações para a
o dono da casa não estava. O seu união do seu galanteador com uma
objetivo era avistar-se furtivamente princesa Habsburgo, Maria Ana de
com D. Luísa Clara de Portugal, a Áustria. Ao saber do arranjo, Fili-
mulher de D. Jorge. pa escreveu ao amado uma carta
Luísa Clara era filha do governa- pedindo-lhe que a mandasse para
dor do forte do Outão na barra do o convento mais pobre e afastado
Sado. Ficou-lhe o epíteto de Flor da da corte que houvesse. Realizado o
Murta, extensivo ao palácio onde casamento, não tardou que a aus-
habitava com D. Jorge. Tinha dois tríaca descobrisse até que ponto o
RETRATO DE PIERRE-ANTOINE QUILLARD

filhos, mas estes ausentavam-se marido era volúvel. Normalmente


muito com o pai para as proprie- fingia que não reparava nas aven-
dades algarvias. Luísa preferia fi- turas dele, mas às vezes exaltava-se,
car em Lisboa, provavelmente para como quando soube da gravidez da
poder receber as atenções do rei. Flor da Murta.
Enquanto visitava Luísa Clara, o A última amante de D. João V,
rei interessava-se também por uma quando este dobrara os 50, foi a
sua criada e conta-se que chegou cantora de ópera italiana Petronil-
a nomear diplomata à corte papal Luísa Clara D. João V cantava-lhe: «Flor da Murta,/ raminho la Basilii. Começou então a tomar
um irmão desta jovem, sapateiro de de freixo,/ deixar de amar-te/ é que eu não deixo» afrodisíacos para se manter à altura
ofício. Mas isto em nada perturbou do desempenho requerido pela diva.
os seus amores com Luísa Clara, que tinha E quando, dois anos depois, libertou a amante
sempre aberta a porta do Paço da Ribeira, Outras famosas do seu real abraço, começou a falar-se à boca
cujas festas frequentava. paixões do rei foram pequena da sua impotência sexual. A verdade
Um dia, quando D. Jorge regressou de é que na década final da vida dedicou-se quase
uma das suas excursões ao Algarve, encon-
por Madre Paula, em exclusivo às obras de cariz religioso que lhe
trou a Flor da Murta grávida. Incapaz de Filipa de Noronha criaram a fama – merecida – de «beato».
concorrer com o rei, retirou-se com os filhos e Petronilla Basilii L.A.M.

22 V I S Ã O H I S T Ó R I A

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