Você está na página 1de 1

Navegando no Douro

Barco rabelo com


carga de vinho do Porto
fotografado por Emílio
Biel, cerca de 1890
ARQUIVO HISTÓRICO SOGRAPE

O Vale Meão criado o Barca Velha, um vinho de excelência de os deserdar. António Bernardo e Maria da
Francisco Torres morre em junho de 1880, só produzido em anos de colheita excecional. Assunção «foram muito lúcidos», diz Fran-
deixando o património à mulher que, aos 68 «Mostrou sagacidade ao prever que o fu- cisco de Olazabal. Na Companhia Agrícola
anos, volta a governar sozinha os milhares turo estava no Douro Superior, apesar de ter e Comercial dos Vinhos do Porto, a empresa
de hectares da Casa Ferreira. Francisco de sido mantido fora da Região Demarcada até formada após a morte da matriarca e gerida
Olazabal conta que a trisavó se referia sempre ao governo de João Franco, no início do século por administradores, os filhos tinham a maio-
ao primeiro marido como «aquele que Deus XX», considera Francisco de Olazabal, o úni- ria do capital mas não dos votos.
levou», mas que quando falava do segundo co proprietário de Vale Meão desde que, em Nos anos 1980, as ações da Casa Ferreira
marido dizia «aquele que eu perdi». No tes- 1994, adquiriu a totalidade da quinta aos tios estavam distribuídas por cerca de 130 des-
tamento, a matriarca pediu aos filhos que ve- e primos, todos descendentes da Ferreirinha. cendentes da Ferreirinha. Em 1987, o vasto
nerassem a memória de Torres, «trabalhador Magra e frágil, D. Antónia era uma mulher património foi alienado à Sogrape. «Antes de
infatigável no engrandecimento desta casa». de prazeres simples. Entretinha-se a jogar vender, passou-me pela cabeça o que é que
Pouco antes de Torres falecer, o casal ar- ao loto e à bisca com as primas Cerdeiras, as ela acharia melhor. Sem dúvida que seria a
rematou em hasta pública 300 hectares de irmãs Champalimaud e os criados, mas do que aposta na terra», contou o trineto no final da
baldios no Monte Meão, em Vila Nova de Foz gostava mesmo era de visitar as suas quintas conversa com a VISÃO História. «Por isso,
Côa. Na ausência de um acesso por estrada, a calcorreando os maus caminhos do Douro. investi em Vale Meão», acrescentou.
viagem de barco, a partir do Porto, demorava A morte surpreendeu-a a 26 de março de
Para saber mais: Dona Antónia, de Gaspar Martins Pereira
cerca de 12 dias. Um administrador da Casa 1896, depois de uma ida às Caldas de Moledo e Maria Luísa de Olazabal, Casa das Letras/Sogrape,
Ferreira avisou Francisco Torres: «Faça a sua num carro aberto e de um almoço de lampreia 2011; Catálogo da Exposição Dona Antónia, Uma Vida
Singular, de Isabel Cluny e Natália Fauvrelle, Museu do
vontade na conquista do Monte Meão se dessa que a deixou indisposta. Quando faleceu, era Douro, 2012
conquista lhe puder vir algum prazer, porque a maior proprietária do Douro, com mais
interesse certamente não.» Mas o ceticismo de duas dezenas de quintas que produziam
de António Claro da Fonseca foi ignorado por anualmente 1500 pipas de vinho premiado e
D. Antónia, que lhe entregou a edificação e apreciado em salões e casas reais da Europa. Criados em 1836, os
plantio da nova propriedade. Mas a figura irrequieta que domesticou o liceus só se abririam
Aos 76 anos, a Ferreirinha ainda arranjou Douro nunca conseguiu apaziguar as tensões
às mulheres em
forças para erguer a Quinta do Vale Meão, a familiares. Temendo os efeitos do mau rela-
única que criou de raiz. A ligação do caminho- cionamento entre os filhos, impôs-lhes em 1906, quando foi
-de-ferro até ao Pocinho, em 1887, terá sido testamento «a obrigação de não levantarem inaugurado o primeiro
o gatilho para investir naqueles confins do um contra o outro questão alguma judicial liceu feminino
Douro, onde em meados do século XX seria sobre os inventários e partilhas», sob pena

VISÃO H I S T Ó R I A 31

Você também pode gostar