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MULHERES // SÉC.

XIX

ANTÓNIA FERREIRA
A GRANDE
‘FERREIRINHA’
Duas vezes viúva, não se resignou a cuidar das quintas herdadas
do pai e do tio e sogro: acrescentou-lhes muitos hectares. Quando morreu,
era a maior viticultora do Douro dominado por ingleses

V
Por Clara Teixeira

oluntariosa e empreendedora, Contrariamente ao que se pensa, a riqueza Antónia Adelaide era filha única. Na au-
D. Antónia Adelaide Ferreira foi de D. Antónia não veio do nada. Desde finais sência de registos escolares, os biógrafos
o símbolo da transformação e do século XVIII que o bisavô, José Ferreira, presumem que tenha sido educada em casa
da reconstrução do Douro num e o avô, Bernardo, produziam e comerciali- e orientada para os assuntos domésticos. Mas
tempo de fome dos homens e de zavam vinho no Douro. No início de 1800, o desde muito nova mostrou inclinação pelo
doença das vinhas. Combateu as pai, José Bernardo, e o tio, António Bernardo, negócio do vinho, ajudando o pai durante
pragas com plantações novas, adquiriu terras conhecidos como os «Ferreiras da Régua», as ausências no Porto. Por carta, dava-lhe
aos produtores menos afortunados e ajudou adquiriram quintas e criaram empresas vi- conhecimento detalhado dos assuntos das
os trabalhadores mais necessitados. Ganhou tivinícolas para exportação. Mais arrojado, propriedades, principalmente da Quinta de
fama de benemérita e de «mãe dos pobres», o tio era dono de grandes quintas, como o Travassos, onde viviam.
num Portugal atolado na convulsão política Valado, Vesúvio e Vila Maior, e era já um dos Os dois casamentos de Antónia fortale-
que marcou o século XIX. Já septuagenária, maiores produtores da região. ceram a herança familiar e o nome da Casa
ergueu a Quinta do Vale Meão nos limites da Ferreira: o primeiro com o primo direito, boé-
região vinhateira. Quando morreu, com quase mio e aventureiro, que tal como o pai também
85 anos, um cortejo de milhares de pessoas se chamava António Bernardo, e o segundo
acompanhou o corpo durante os quatro qui- com o antigo administrador Francisco José
lómetros que separavam a sua residência, na da Silva Torres.
Quinta das Nogueiras, do cemitério da Régua. A união dos primos direitos, ambos filhos
A Ferreirinha, como era conhecida, teve únicos, foi acarinhada pelas famílias, ansiosas
uma vida longa, durante a qual construiu uma por concentrar o património dos «Ferreiras
das maiores fortunas do seu tempo. Desafiou da Régua». Não é de estranhar que Antónia,
os ingleses que mandavam no vinho do Porto, Aos 76 anos, ainda aos 23 anos, se tenha deixado fascinar pelo
ARQUIVO HISTÓRICO SOGRAPE

recusou títulos e distinções da Corte, casou arranjou forças espírito cosmopolita e liberal do noivo, educa-
com um primo dandy, teve filhos esbanjado- para erguer do num colégio do Porto e recém-chegado de
res mas, numa das piores fases da sua vida, Londres. Do matrimónio, nasceram António
desposou em segundas núpcias um homem
a Quinta do Vale Bernardo (que recebeu o mesmo nome do pai
que a auxiliou nos negócios e que compreen- Meão, a única e do avô paterno), Virgínia, que morreria com
deu a sua paixão pelo Douro. que criou de raiz 6 anos, e Maria da Assunção.

28 V I S Ã O H I S T Ó R I A

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