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suscitou a comparação com um passaruco ISABEL DE PORTUGAL para os desafios do futuro toda uma geração

que articula sons sem lhes conhecer o sentido. a que estes serviram de exemplo. Com ela,
E a sala ficaria conhecida por Sala das Pegas.
Filipa não tinha, a bem dizer, grandes ra-
Na alta política ficou definitivamente para trás o tempo dos
reis analfabetos, dos nobres ignorantes, dos
zões de queixa acerca do comportamento do
marido no que toca a relações extraconjugais.
europeia governantes simplesmente violentos.

Tal não impede que, antes do casamento, mas Entre nós, não é tão conhecida Mãe da ‘Ínclita Geração’
quando já era rei, o antigo mestre de Avis como a maioria dos seus Convém recordar aqui quem foram esses
irmãos da Ínclita Geração,
tenha mantido um intenso relacionamento filhos. Há na nossa língua um adjetivo que,
mas a Europa reconhece-a
com uma tal Inês Pires, da qual tivera dois como praticamente, só se aplica quando nos referi-
filhos bastardos. Conta-se a propósito que a portuguesa que casou mos a eles: ínclito. Costumamos designá-los
o pai dela, chamado Pêro Esteves, ganhou a com Filipe O Bom, duque por Ínclita Geração. O responsável é Camões,
alcunha de Barbadão porque, desgostoso com de Borgonha, e que foi mãe, que se lembrou de lhes chamar assim n’Os
os amores da filha, fez a promessa de nunca entre outros filhos, do famoso Lusíadas, e todos os historiadores e divul-
mais cortar a barba, que, ao que tudo indica, Carlos O Temerário, futuro gadores, ao longo dos tempos, insistiram em
inimigo de Luís XI e figura de
lhe chegou até ao peito. Era tal a embirração retomar a expressão.
relevo da História de França.
do Barbadão pelo rei que consta ter pensado Mecenas muito culta, refinada O mais velho dos «ínclitos» foi Duarte,
mesmo em arranjar forma de o matar. Mas o e inteligente, Isabel rodeava- sucessor do pai no trono de Portugal, onde
episódio acabou em bem para todos excepto se de artistas, lia e falava apenas se sentou durante cinco anos. Rei
para Inês Pires, que se recolheu a um convento várias línguas e traduziu culto, escritor e poeta, escreveu um tratado
quando D. João I veio a casar-se com a filha para português romances de de ética e moral e um manual de hipismo
do duque de Lancaster. cavalaria e poemas franceses e torneio equestre, além de ter mandado
e alemães.
Incidentes conjugais à parte, Filipa de compilar num corpo único todas as leis do
Em 1430 foi combinado o
Lencastre entrou em boa hora nos livros seu casamento com Filipe reino. O seu nome de baptismo, então es-
que contam a História de Portugal. Auste- III, duque de Borgonha, tranho em Portugal, foi-lhe dado pela mãe
ra, prática, determinada, serena e boa edu- que antes de a conhecer em homenagem ao bisavô, Eduardo III de
cadora dos filhos, veio ajudar a pôr ordem enviou a Portugal o pintor Inglaterra. Em português adoptou-se mais
numa casa até então um pouco desarrumada. Jan van Eyck, para lhe tarde a tradução «Eduardo», mas a versão
A sua união com um soberano português fazer o retrato. Foi em sua medieval «Duarte» voltou a estar na moda.
homenagem que o duque
que não nascera em berço de ouro contribuiu A seguir vem D. Pedro, duque de Coimbra,
criou a ordem honorífica do
para legitimar a posição do marido a nível Tosão de Ouro, que tinha por viajante incansável que ficaria conhecido por
diplomático. O casamento em si mesmo selou divisa «Enquanto viver não O das Sete Partidas. Regente durante a me-
uma aliança luso-britânica que se opunha ao terei outra a não ser a Dama noridade do sobrinho Afonso V, teria um fim
entendimento franco-castelhano, no quadro Isabel» (propósito este que, trágico às portas de Lisboa, na batalha de
da longa Guerra dos Cem Anos. O facto de aliás, não terá cumprido). O Alfarrobeira, no quadro de uma guerra civil.
ser inglesa permitiu que Portugal desse – que importa é que tratavam, O terceiro é o mais famoso de todos, até
efetivamente, por Grande
com vantagens – o salto por cima dos reinos mesmo internacionalmente: D. Henrique,
Dama aquela que exerceu
ibéricos, habituais fornecedores da rainhas uma grande influência, o célebre infante de Sagres, lá fora chamado
consortes, libertando-se assim das estreitas mesmo política e diplomática, Henrique, O Navegador, grande impulsio-
especificidades de um microcosmos muito sobre o marido e que, durante nador dos descobrimentos marítimos e da
particular. Last but not least (desta vez, a lín- a sua longa vida de 74 anos, se expansão europeia para outros continentes.
gua inglesa aplica-se mesmo...), a prioridade afirmou como a primeira das Seguem-se Isabel de Portugal, duquesa de
que deu à boa instrução dos filhos preparou grande princesas da dinastia Borgonha (ver caixa) e João, condestável e
de Avis que tiveram projeção
avô da célebre Isabel A Católica, rainha de
na Europa do seu tempo.
Castela. Por fim, o mais novo e infeliz, D.
Fernando, o Infante Santo, feito prisioneiro
na primeira tentativa de tomada de Tânger
A sua união com e morto no cativeiro em Fez.
um rei português Por todos estes motivos, há quem considere
D. Filipa de Lencastre a figura mais impor-
‘bastardo’ contribuiu tante da História de Portugal. Exagero e sub-
para a legimimização jetividades à parte, é uma forma de chamar a
do marido atenção para um vulto incontornável.

VISÃO H I S T Ó R I A 13

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