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COORDENAÇÃO

ANA MARIA S. A. RODRIGUES


MANUELA SANTOS SILVA
ANA LEAL DE FARIA
EDIÇÃO
LEONARDO CARVALHO-GONÇALVES

CASAMENTOS
DA FAMÍLIA REAL
PORTUGUESA
Êxitos e fracassos
Volume 4
3 Rev.: 07-06-18 Hora: 12:55
1-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0003-84
O casamento de D. Isabel de Portugal com
o imperador Carlos V. Aspetos diplomáticos,
financeiros e afetuosos
Vítor Pinto
Faculdade de Letras da Universidade do Porto

P ressentindo o fim da sua vida, D. Manuel I acrescenta


ao seu testamento, elaborado em dezembro de 1521,
um codicilo com uma tarefa para o príncipe D. João, futuro
rei de Portugal: casar a infanta D. Isabel, sua irmã, com o
imperador Carlos V.
8 - 199 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:53

Item muito rogo e encomendo ao dito Príncipe meu fi-


lho, que tome grande e especial lembrança e cuidado de se
acabar o cazamento da infante D. Izabel sua Irmaã com o
Emperador no qual elle sabe quanto tenho athe aqui trabalha-
do, e quanto o dezejo [...]1.

Ascendência de D. Isabel e Carlos V


COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0199-11

Como será expectável, na abordagem da ascendência


destes dois protagonistas não vamos ser tão pormenorizados
como Frei Prudêncio de Sandoval, bispo de Tui e posterior-

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CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

mente de Pamplona, quando inicia a sua história de Carlos V


com uma vastíssima árvore genealógica que principia na
criação do primeiro homem — Adão — como primeiro an-
tepassado do imperador2; tendo, por isso, uma cadeia de ge-
rações que se inicia no ano 3960 antes de Cristo e se estende
até a morte de Carlos V, em 1558. Neste estudo, vamos ser
mais concisos. Começaremos no Portugal dos finais do sécu-
lo xiv e finalizaremos com a união do jovem casal, em 1526.
Longe de imaginar o futuro, a política de casamentos
de D. João I foi de tal maneira tentacular que, paulatina-
mente, abraçou a Europa pelo século xv3 e teve como con-
vergência, já na centúria seguinte, o matrimónio dos seus te-
tranetos D. Isabel e Carlos. Assim, se desmontarmos com
toda a minudência a teia genealógica, iremos dar conta de
que o imperador Carlos V tinha sangue português. A recém-
-nascida dinastia de Avis necessitava de descendentes que as-
segurassem a continuidade dinástica. Ao nível interno, essa
mesma continuidade estava mais que firme. Contudo, no
panorama internacional, havia que reforçar as alianças com
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outros reinos europeus, pois só assim se alcançava uma mais-


-valia do ponto de vista político e comercial. Analisemos su-
cintamente a ascendência de Carlos e D. Isabel.
Carlos V era filho de Joana de Aragão e Castela e de Fi-
lipe de Habsburgo. A primeira havia sido gerada pelos Reis
Católicos; ora, Isabel, a Católica era filha de João II de Cas-
tela e de D. Isabel de Portugal, neta de D. João I4. Já Filipe,
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0200-13

o Belo, era filho de Maximiliano da Áustria e de Maria da


Borgonha. Maximiliano, por sua vez, era filho do imperador
Frederico III e de D. Leonor de Portugal, também neta de

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O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL


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CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

D. João I5. Quanto a Maria, era filha de Isabel de Bourbon e


de Carlos, o Temerário, este gerado por Filipe, o Bom, da
Borgonha e outra D. Isabel de Portugal, filha de D. João I6.
A futura imperatriz, também chamada D. Isabel de
Portugal, por seu turno, era filha de Maria de Aragão e Cas-
tela (irmã da mãe do seu marido) e de D. Manuel I7, este ge-
rado pelo infante D. Fernando de Portugal (irmão de D.
Afonso V) e por D. Beatriz (irmã da mãe de Isabel, a Católi-
ca), ambos netos de D. João I8.
Como «uma imagem vale mais do que mil palavras», a
árvore genealógica da página anterior esclarecerá este con-
junto de palavras.

As relações diplomáticas ao tempo de D. João III


Como nos elucida Pedro Cardim, o reinado de D. João
III é um período de charneira na diplomacia portuguesa,
pois passa-se de uma situação de quase inexistência de um
verdadeiro corpo diplomático para o desenvolvimento acele-
rado de um dispositivo político-diplomático razoavelmente
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complexo9. Convém lembrar que, até ao reinado deste mo-


narca, as relações com as diversas casas reais, além de pouco
intensas, serviam, de um modo geral, para a resolução de
conflitos militares ou então para negociar casamentos ré-
gios10. A partir do advento de D. João III, a prática diplomá-
tica foi paulatinamente sofrendo alterações. Em muito se de-
vem estas alterações a modelos já praticados em Itália e nos
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vastos territórios dos Habsburgos. Este novo modus operandi


do corpo diplomático português ficou bem patente na reso-
lução das quezílias geopolíticas com Castela sobre as ilhas

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O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

Molucas. Para que se entenda o que foi alterado, convém


dar a conhecer algumas dessas mudanças:

Com efeito, através desses potentados vulgarizou-se o re-


curso à representação enquanto mandato de direito privado ao
campo das relações entre casas reais. Desenvolveu-se, tam-
bém, uma prática negocial com uma componente de repre-
sentação mais vincada, quer dizer, o diplomata foi surgindo
cada vez mais como aquele que tinha poder para falar e para
decidir em nome do seu senhor, o qual poderia ser tanto uma
autoridade secular como dignitário eclesiástico. Acresce que,
nestes anos, os emissários foram aperfeiçoando instrumentos
como o salvo-conduto, o direito de imunidade ou a escrita em
cifra, abraçando uma tarefa que, no futuro, viria a ser uma das
suas mais fundamentais incumbências: a recolha e o envio de
informação, através de uma troca de correspondência que se
foi tornando mais assídua. O sistema de correios, por sua vez,
foi devidamente organizado, e aos diplomatas passou a ser exi-
gido o envio periódico de informação — as Relações — sobre
a corte onde se encontravam.11

D. João III herdou um território cada vez mais vasto e


que colocava problemas cada vez mais sérios. A Índia — joia
da coroa portuguesa — necessitava, urgentemente, de uma
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organização administrativa, até porque a ameaça otomana


era uma realidade. Na costa africana surgiam notícias de na-
vios franceses que percorriam aquelas zonas. Ademais, navios
ingleses começaram a rondar a costa da Mina e, para agudi-
zar a situação, uma armada espanhola percorreu uma boa
parte da costa sul-americana, tendo detetado instalações cos-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0203-10

teiras cuja defesa portuguesa estava altamente vulnerável12.


Apesar de a Europa estar em plena convulsão religiosa, assim
como em confrontos entre casas dinásticas, D. João III, atra-
vés da sua diplomacia, procurou estar sempre na vanguarda

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CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

dos grandes líderes europeus, desdobrando-se, por isso, em


iniciativas que visavam defender os interesses de Portugal.
Esta postura materializou-se num forte investimento no dis-
positivo diplomático da Coroa13.
Ora, um dos primeiros embaixadores portugueses resi-
dentes em Roma foi o jurista João Faria, designado em
1512, ainda no tempo de D. Manuel I. Este tinha a incum-
bência das negociações do Padroado do Oriente14. Na déca-
da de 1530, e após o excelente trabalho que desenvolvera na
feitoria de Antuérpia, Rui Fernandes de Almada é escolhido
como embaixador residente junto de Francisco I de França,
substituindo Brás d’Alvide15, que «era agente e quási como
embaixador»16. Pela mesma altura, D. António de Saldanha
foi nomeado para recolher informações junto de Carlos V e
dos seus ministros, como se de um diplomata se tratasse17.
Em contrapartida, fora nomeado Lope Hurtado de Men-
donza como embaixador de Carlos V em Portugal, durante a
década de 1530, substituindo Carlos de Popeto, senhor de
La Chaulx, o qual fornecia ao imperador todas as informa-
ções sugestivas sobre os mecanismos de decisão governativa
8 - 204 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:57

vigentes sob D. João III18 . Como podemos constatar,


D. João III logrou estabelecer uma rede de representantes de
carácter permanente junto de três ou quatro cortes europeias.
Importa notar que, pela mesma altura, Carlos V contava já
com um número razoável de representações permanentes,
designadamente na Santa Sé, em Paris, em Londres, na corte
portuguesa, em Veneza, em Génova, em Turim e nos Can-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0204-11

tões Suíços19.
A diplomacia joanina, ainda numa fase de transição e
transformação, é posta à prova no diferendo que assolou o

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O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

início dos reinados de D. João III e de Carlos V: a questão


das ilhas Molucas. Este tema deve ser alvo de breve análise
por nossa parte, até porque D. Isabel de Portugal teve o seu
cunho pessoal na resolução desta contenda.

A questão das ilhas Molucas


A viagem de circum-navegação iniciada por Fernão de
Magalhães ao serviço de Carlos V20, no dia 20 de setembro
de 1519, tinha como fundamento principal a localização do
arquipélago das Molucas. Ou seja, desde que se convencio-
nasse que o semimeridiano fixado em 1494 pelo Tratado de
Tordesilhas, para partilhar o Atlântico em zonas de influên-
cia castelhana e portuguesa, devia ser, com o mesmo objeti-
vo, completado a Oriente pelo semimeridiano oposto, im-
portava conhecer se aquelas ilhas se situavam a nascente
dessa nova linha de demarcação — e então pertenceriam a
Castela — ou a poente dela — e neste caso deveriam ser in-
cluídas na zona de influência portuguesa21.
Como é do conhecimento geral, Fernão de Magalhães
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não concluiu a viagem, pois foi morto no dia 27 de abril de


1521, em Cebu, Filipinas. A viagem foi finalizada em 6 de se-
tembro de 1522, por Juan Sebastián Elcano,
Das cinco naus que iniciaram a viagem, só uma regres-
sou das Molucas: a nau Vitória. Ora, quando essa única nau
regressa a Espanha, Elcano decide parar em Cabo Verde, de-
vido à fome que grassava na embarcação. Abasteceu o navio
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0205-10

com arroz a troco de cravo; contudo, o capitão da fortaleza


portuguesa, vendo que os emissários da nau negociavam um
produto considerado monopólio do reino português, pren-

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CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

deu 13 marinheiros que estavam em terra firme a mercanciar


os ditos produtos22. Elcano levantou logo ferro e fez-se ao
largo, iniciando a chamada volta do Sargaço, para regressar a
Espanha e assim evitar os Açores.
Com as boas novas de Elcano, o imperador não queria
perder as vantagens dessa magnífica posição alcançada no
Oriente. Isto, apesar de o rei português reclamar de imediato
junto de Carlos V a devolução da carga, assim que a nau
aportou em San Lúcar de Barrameda.
A partir de 1523, D. João III ordenou que se recolhes-
sem testemunhos de navegadores, pilotos e cartógrafos que
haviam visitado ou tido conhecimento daquela região e
mantinham o direito que assistia a Portugal à posse e comér-
cio das Molucas.
No dia 11 de abril de 1524, reúnem-se em Badajoz
cartógrafos, cosmógrafos e pilotos de ambos os reinos, com
o objetivo de pôr cobro a essa questão. A delegação portu-
guesa incluía personalidades de confiança do monarca por-
tuguês, tais como o embaixador António de Azevedo, os
8 - 206 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:25

doutores Gaspar Vaz e Francisco Cardoso, o piloto Bernardo


Pires e os cosmógrafos Francisco Melo, Simão Fernandes e
Tomás Torres. Os procuradores dividiram-se quanto ao fun-
damento jurídico da demanda. Assim, os portugueses enten-
diam que, estando a sua coroa havia 10 anos na posse e co-
mércio das Molucas, a contestação desse usufruto não cabia
ao imperador. Os espanhóis não queriam reconhecer tal di-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0206-10

reito, propondo que fosse Portugal a fazer as alegações pró-


prias de quem não aceitava a presença castelhana naquela zo-
na do Pacífico, apesar de estarem convencidos de que, tendo

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O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

o semimeridiano terrestre 6000 léguas, cabia à Espanha a


contestada posse da Molucas. Contudo, o debate foi cientifi-
camente inconclusivo, por não existirem, à época, os instru-
mentos matemáticos capazes de determinarem de forma ri-
gorosa aquela demarcação23. Apesar dos contínuos protestos
da coroa portuguesa, em 1525, Carlos V enviou algumas ex-
pedições para essas ilhas de forma a fundamentar a priorida-
de, assentando num direito ao mesmo tempo histórico, geo-
gráfico e comercial24. Posto isto, estava oficialmente aberto o
dissídio luso-castelhano das Molucas.
Mas afinal, quando foi que os portugueses chegaram às
Molucas? Após a conquista de Malaca, em 1511, liderada
por Afonso de Albuquerque, deu-se a penetração lusa naque-
le arquipélago, por intermédio de António de Abreu, Fran-
cisco Serrão e outros navegantes e mercadores, tendo conti-
nuado as expedições com vista à posse das «ilhas do cravo»,
chave do comércio oriental das especiarias. A coroa portu-
guesa tinha, pois, direitos antecipados à zona de Maluco,
que na ligação comercial com Malaca servia amplamente o
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sistema comercial português25.


O litígio só veio a conhecer o seu termo em 15 de abril
de 1529, através do Tratado de Saragoça, para cuja solução
concorreu a diligência da imperatriz D. Isabel.

Reconhecia-se à Espanha a posse de terras que — ironia


do destino! — estavam na zona da hegemonia portuguesa,
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0207-10

tendo o nosso país, para obter essa posse, de pagar 350 000
ducados em moeda corrente de ouro ou de prata, segundo a
cotação do país vizinho. Perante as dificuldades do tesouro
imperial, obrigado a manter uma custosa guerra em várias

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CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

frentes contra a França, Carlos V servia-se da contribuição


lusa como grande apoio à sua política europeia. Pode argu-
mentar-se que a cartografia do tempo ainda não soubera mar-
car com exatidão a longitude daquele arquipélago, o que ex-
plica o engano da diplomacia nacional. A verdade é que tendo
de adquirir por elevada quantia um direito que lhe era perten-
ça, para não perder as vantagens do comércio das especiarias,
a coroa joanina fracassou na questão das Molucas, o que veio
a ter sérios reflexos na política ultramarina, mormente na con-
servação dos castelos do Norte de África26.

Esta questão só se esbateu com a União Ibérica, em


1580.

Negociações matrimoniais
Paralelamente a este grave diferendo, D. João III pare-
cia estar a jogar em dois tabuleiros de xadrez com o mesmo
jogador. Se, num desses tabuleiros, lutava pela posse (legíti-
ma) das ilhas Molucas, no outro, negociava o casamento de
sua irmã, D. Isabel, com Carlos V. O seu adversário neste
jogo, para além das inúmeras quezílias com o rei francês, ne-
8 - 208 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:29

gociava o casamento de sua irmã mais nova, D. Catarina,


com D. João III. A política casamenteira entre o reino por-
tuguês e o castelhano já tinha séculos, pelo que era previsível
que esta política continuasse.
No que diz respeito a D. João III, o mesmo chegara a
pensar casar-se com a rainha viúva de Portugal, D. Leonor
de Áustria, sua madrasta, facto que até não desagradaria a
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0208-10

Carlos V nem à própria27. Mas, D. Leonor regressou a Espa-


nha em 1523, quando as negociações com vista ao enlace do
rei de Portugal com sua irmã, D. Catarina, já tinham come-

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O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

çado em 1522. Assim, no dia 10 de fevereiro de 1525, em


Estremoz, na Igreja de S. Francisco, D. João III e D. Catari-
na de Áustria realizaram cerimónia nupcial28.
Voltemos sem demoras ao âmago do nosso tema. Co-
mo é sobejamente conhecido, as filhas dos reis, na maioria
dos casos, serviam para casar e procriar; consequentemente,
ao procriar, fortaleciam alianças e proporcionavam a paz. Os
príncipes, já convertidos em reis, faziam o que tinham a fa-
zer para fortalecer e prolongar a linhagem. Posto isto, a fa-
mília era uma estrutura funcional, pois cada uma tinha um
papel a desempenhar, obrigações para com Deus, a comuni-
dade e consigo mesma. Tal como a Idade Média, o Renasci-
mento não era um tempo predominantemente inclinado a
sentimentos mais profundos. O relacionamento entre pais e
filhos seria mais uma ligação de obediência. O amor entre os
cônjuges era de submissão e respeito. Ora, um casamento
devia seguir os cânones habituais da obediência, submissão e
respeito. Tal como a governança de um reino, devia ser geri-
do como um negócio familiar. Assim, o reino deveria ser in-
8 - 209 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:30

crementado, se possível, e consolidado; para isso, os monar-


cas seriam auxiliados por diplomatas, legados, exércitos e,
pois claro, apoiar-se-iam em alianças matrimoniais29.
Desde o seu nascimento, Carlos esteve prometido a vá-
rias princesas europeias. O seu pai, Filipe de Habsburgo, o
Belo, sempre foi um baluarte de projetos matrimoniais, tanto
com a França como com a Inglaterra, até à sua prematura
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0209-10

morte, em 1506. Sabem-se os nomes de algumas princesas


que estariam na agenda matrimonial de Carlos. No dia 20
de agosto de 1501, ele foi prometido a Cláudia, filha do rei

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CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

de França, Luís XII. Esta, no entanto, acabou por casar com


o seu primo o conde de Angoulême, que depois ocuparia o
trono francês com o nome de Francisco I. No dia 2 de de-
zembro de 1507, foi ainda prometido a Maria, filha do rei
de Inglaterra, Henrique VII. Contudo, esta acabaria por ca-
sar, em 1513, com o rei de França, Luís XII, 35 anos mais
velho do que ela. Em 24 de março de 1515, realiza-se um
contrato de matrimónio com Renata de França, segunda fi-
lha de Luís XII. No entanto, os desígnios de Carlos foram
outros, e esta casaria, em 1528, com Hércules II d’Este, du-
que de Ferrara. Por fim, em 31 de agosto de 1516, e cum-
prindo parte do Tratado de Noyon, estipula-se a boda de
Carlos com Luísa de Valois, filha de Francisco I, que tinha
apenas um ano de idade. Como dote, Carlos receberia os di-
reitos franceses sobre Nápoles. No entanto, Luísa, morreria
poucos meses depois30.
Não havia qualquer dúvida que todos estes enlaces te-
riam uma grande transcendência política. No entanto, surgi-
ram duas candidatas que viriam a criar dúvidas pertinentes a
8 - 210 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:30

Carlos. Falamos de Maria de Inglaterra, filha de Henrique


VIII e da sua tia Catarina de Aragão; e D. Isabel de Portu-
gal, filha de D. Manuel I e de D. Maria de Aragão, também
esta sua tia.
No dia 16 de junho de 1522, como resposta aos cons-
tantes ataques franceses, é assinado em Windsor, na Inglater-
ra, um tratado entre Carlos V e Henrique VIII no qual fica-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0210-10

va estipulado, na sua cláusula principal, o apoio militar


inglês numa futura invasão à França. Como forma de o se-
lar, ficou oficialmente concertado o casamento de Maria de

210
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

Inglaterra com Carlos V, aliás, assunto já referido nas capitu-


lações de Bruges, um ano antes. A corte inglesa levou muito
a sério esta aliança matrimonial, ao ponto de começar a edu-
car Maria à espanhola, ou seja, a falar espanhol e a vestir tra-
jes espanhóis, orientada pelo filósofo Juan Luís Vives31.
Uma aliança com a Inglaterra fazia todo sentido. Aliás,
era uma tradição na política que remontava aos tempos dos
Reis Católicos32. Como demos conta, a Carlos V não lhe fal-
tavam pretendentes; no entanto, para respeitar o Tratado de
Windsor, o jovem imperador teria de esperar oito a dez anos
pela maioridade de Maria, pois por esta altura, Carlos tinha
22 anos e Maria apenas 6 anos. Carlos não podia ficar tanto
tempo sem dar um herdeiro à coroa, logo numa época de
monarquias autoritárias e em que as questões sucessórias
eram muitíssimo importantes33. Posto isto, e como iremos
ver, o Tratado de Windsor, de 1522, não passou de letra
morta para Carlos V e teve um só propósito: chamar a aten-
ção da França e do seu monarca, Francisco I.
As negociações entre a corte espanhola e a portuguesa
8 - 211 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:31

começaram, curiosamente, em 1522, com o envio de uma


numerosa e luxuosa embaixada a Valhadolide, encabeçada
pelo embaixador Luís da Silveira e o infante D. Luís, irmão
de D. João III e condestável do reino34. A proposta era sim-
ples: realizar um duplo casamento. O monarca português
casar-se-ia com D. Catarina de Áustria e Carlos V com
D. Isabel de Portugal. Em Lisboa, Isabel, sabendo destas
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0211-10

negociações, parecia ver o seu futuro traçado ao ponto de


começar a usar o lema dos Bórgia: Aut Caesar, aut nihil (Ou
César ou nada). Ao que parece, as negociações não correram

211
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

totalmente como desejado para as cores portuguesas; assim


sendo, só houve acordo para o casamento do monarca por-
tuguês com D. Catarina, como já demos conta. Recorde-se
que Carlos V, por essa altura, se encontrava noivo de Maria
de Inglaterra e, a somar a esta situação, o valor do dote
oferecido por D. João III, aparentemente, não terá agradado
ao soberano. Portanto, é bem provável que estes fatores te-
nham pesado no fracasso desta primeira negociação. Em
1525, Maria de Inglaterra ainda não completara 10 anos de
idade e os cofres dos Habsburgo estavam cada vez mais va-
zios; a juntar a isto, tínhamos a instabilidade social provoca-
da pela Guerra das Comunidades de Castela, entre 1520 e
152235; e a insistência dos procuradores nas Cortes de Tole-
do de 152536 na escolha de D. Isabel de Portugal como futu-
ra rainha de Castela. Ora, perante este turbilhão de situa-
ções, Carlos V não teve outra solução senão avançar, em
abril de 1525, para as negociações finais do seu casamento
com D. Isabel de Portugal. Além do mais, Carlos V sabia,
assim como toda a Europa, que o pai da infanta D. Isabel,
8 - 212 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:33

D. Manuel I, tinha sido o rei mais rico da Cristandade37.


Tomada a decisão, Carlos V mandou uma embaixada a
Portugal, liderada por Carlos Popet, senhor de La Chaulx,
e D. Juan de Zúñiga, com instruções tanto escritas como
verbais com o propósito de negociar o seu matrimónio com
D. Isabel38. As capitulações matrimoniais ficaram concluídas
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0212-10

no dia 17 de outubro de 1525, em Torres Novas. Assim, fi-


cou estipulado o seguinte:

212
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

• A celebração do casamento só se realizaria com as dis-


pensas assinadas pelo papa (tendo em conta a consan-
guinidade dos noivos, que eram primos);
• O casamento celebrava-se por procuração, e, antes do
dia 30 de novembro de 1525, a infanta deveria ser
enviada para a localidade fronteiriça que Carlos V es-
colhesse;
• O dote seria de 900 000 dobras de ouro castelhano,
valendo cada dobra 365 maravedis e pesando 9,12 g
de ouro. Descontando a herança da mãe, o dote da ir-
mã D. Catarina e um empréstimo contraído a D. Ma-
nuel I por causa da Guerra das Comunidades, Car-
los V receberia 682 898 dobras de ouro. Esse valor
deveria ser liquidado às prestações;
• Carlos V, por sua vez, estabeleceu uma renda anual
a D. Isabel de 40 000 dobras de ouro para despesas
com a sua futura casa. Esse valor seria obtido atra-
vés de rendas provenientes de algumas cidades de
Castela39.
8 - 213 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:39

D. João III pagou, como dote do casamento de sua ir-


mã, qualquer coisa como 8208kg de ouro de 18 quilates.
Este contrato matrimonial com a corte portuguesa foi elabo-
rado sob o maior secretismo possível, longe dos olhos ingle-
ses; contudo, convém esclarecer como é que Carlos V rom-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0213-11

peu o seu compromisso com Maria de Inglaterra. Alfredo


Alvar Ezquerra explica de uma forma pragmática esse desen-
lace.

213
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

Assim, Carlos [...] envia a Londres uma delegação para


que se negocie com Henrique VIII [o casamento com Maria].
Argumentando que o imperador iria entrar em guerra com
França e necessitava de dinheiro, muito dinheiro. Por isso, se-
ria deduzido no dote que receberia caso se casasse com a filha
do rei inglês. Se não estivesse de acordo, não haveria boda.
Não houve boda.40

Arriscado, mas eficaz, argumentamos nós.

Ida da imperatriz D. Isabel de Portugal para Castela


O título deste ponto não é nosso. Pertence a Anselmo
Braamcamp Freire, ilustre historiador que deixou para a pos-
teridade uma obra com esse nome41.
Antes de D. Isabel abandonar Portugal, foi celebrado o
casamento por procuração, no dia 1 de novembro de 1525.
O local da cerimónia foi os paços da vila de Almeirim, es-
tando presentes D. João III, a rainha D. Catarina de Áustria,
Carlos Popet, senhor de La Chaulx (este, com procuração
especial para este ato), e, naturalmente, D. Isabel de Portu-
8 - 214 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:40

gal. Quem proferiu as palavras sacramentais e recebeu os ju-


ramentos dos esposos foi D. Fernando de Vasconcelos, bispo
de Lamego. D. Isabel de Portugal e o senhor de La Chaulx
aproximaram-se do altar e a infanta disse:

Eu, Infanta D. Isabel, por vós e mediante vós, Carlos


Popet, como embaixador e procurador para este assunto de
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0214-11

D. Carlos, Imperador dos Romanos, rei da Alemanha e de


Castela, etc., recebo o referido Carlos por bom e marido legi-
timo, me entrego por sua mulher, como manda Santa Mãe
Igreja de Roma.42

214
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

E o bispo de Lamego, de olhos postos no representante


do imperador, disse:

E vos, magnifico embaixador, direis estas palavras:


O muito alto e muito poderoso senhor D. Carlos, Imperador
dos Romanos, rei da Alemanha e de Castela, etc., por mim,
Carlos Popet, seu embaixador e procurador para este assunto
e por meu meio, vos recebo, a muito alta e muita esclarecida
princesa, Infanta D. Isabel, por boa e legitima mulher, me entre-
go por seu marido, como manda a Santa Mãe Igreja de Roma.43

Terminado o ato, cumpria-se assim o desejo de D. Ma-


nuel I: a sua filha D. Isabel tornara-se imperatriz44. Seguiu-se
uma festa de circunstância como forma de comemorar tal
desfecho. Finalizadas que estavam as festas dos esponsais,
soube-se que o pedido de dispensa de parentesco enviado
para Roma não tinha sido aprovado por serem tantos os vín-
culos de consanguinidade que existiam entre Carlos V e
D. Isabel45. Por esta altura, duas das três exigências estipuladas
no negócio matrimonial já não iriam ser cumpridas: a dis-
pensa papal e a chegada da imperatriz a Castela até ao dia 30
8 - 215 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:48

de novembro; salvara-se o dote. Carlos V efetuou um novo


pedido ao pontífice. Só no dia 20 de janeiro de 1526 chegou
a dispensa do papa Clemente VII, perante a qual, o bispo de
Lamego anunciou publicamente a conformidade do casa-
mento46. Repetiu-se a cerimónia do desposório em Almei-
rim, com os mesmos intervenientes, nesse mesmo dia. No
dia 30 de janeiro, numa terça-feira, a imperatriz, acompa-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0215-10

nhada do seu séquito, rumou, definitivamente, a Castela em


«uma muito rica liteira», pois era a sua forma de viajar para
evitar o sol e o pó47.

215
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

D. João III e D. Catarina acompanharam D. Isabel de


Almeirim até à Chamusca, para posteriormente ser escoltada
até à fronteira pelos seus irmãos, os infantes D. Luís e
D. Fernando. Quem estaria incumbido de entregar a impera-
triz ao marido, assim como o respetivo dote, seria D. Miguel
de Meneses, marquês de Vila Real. Aliás, cabia também ao
marquês informar o monarca português, por carta, de todas
as ocorrências da viagem (como uma espécie de diário de
bordo)48. Da Chamusca, rumaram em direção a Alter do
Chão. No dia 4 de fevereiro, domingo, a imperatriz já se en-
contrava em Monforte e no dia 5 em Elvas, onde toda a co-
mitiva descansou; no dia 7, realizou-se a entrega da infanta
D. Isabel aquém da ponte do rio Caia, com enorme festa. Se,
do lado português, a imensa multidão que rodeava e exaltava
a imperatriz era uma realidade, do lado espanhol, só mesmo
os dignitários de Carlos V se encontravam presentes. Eram
eles o conde de Aguilar, D. João Afonso de Gusmão, dois fi-
lhos do duque de Medina e mais oito ou dez fidalgos acom-
panhados por escudeiros, o duque de Calábria, o duque de
Béjar, os condes de Andrade, de Cifuentes e de Monterrey, o
8 - 216 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:51

arcebispo de Toledo e o bispo de Palência49. Estava na hora


de dizer um «adeus» a Portugal e um «olá» a Castela. A pe-
núltima e curtíssima viagem que a infanta D. Isabel efetuou
em Portugal foi através de uma liteira, forrada e adornada a
cetim vermelho, transportada por quatro carregadores e es-
coltada por outros tantos pajens.
Avançaram todos em direção à ponte do rio Caia, mas
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0216-10

não cruzaram a fronteira. A poucos metros dos castelhanos


— esses todos que acabámos de mencionar —, a imperatriz
abandonou a liteira, subiu para uma mula e retomou o res-

216
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

tante caminho acompanhada pelos seus irmãos D. Luís e


D. Fernando, cada um montando o seu ginete, até à linha
fronteiriça. Os infantes beijaram então as mãos da irmã
como forma de despedida. Antes de virar costas a Portugal,
D. Isabel foi presenteada com uma coreografia muito nobre
elaborada pelos irmãos. Os mesmos realizaram um círculo
com as suas montadas de forma intercalada, deixando um
rasto no chão para depois se alinharem novamente em frente
à irmã; desmontaram e tornaram a beijar-lhe a mãos50. O in-
fante D. Luís dirigiu-se ao duque de Calábria, dizendo-lhe:
«Senhor, entrego a vossa excelência a Imperatriz, minha se-
nhora, em nome do Rei de Portugal, meu senhor e meu ir-
mão, como esposa que é de sua majestade o Imperador.» Ao
que o duque respondeu: «Eu, senhor, dou por entregue sua
Majestade em nome do Imperador, meu senhor»51. Estava,
assim, oficialmente entregue, às dignidades castelhanas, a in-
fanta D. Isabel de Portugal.
A viagem ainda não tinha acabado, aliás, estava longe
de acabar. Acompanhada pelo séquito imperial e pelo mar-
quês de Vila Real, a recém-casada rumou em direção a Bada-
8 - 217 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:54

joz. Ao aproximar-se a comitiva da ponte do rio Guadiana,


os regedores e procuradores da cidade foram ao encontro da
imperatriz para lhe beijarem as mãos como forma de respei-
to. D. Isabel, assim que entrou pela porta da cidade de
Badajoz, foi presenteada com uma enorme festa. O séquito
imperial dirigiu-se então para a catedral da cidade e a impe-
ratriz fez a sua primeira oração ante o altar-mor. Terminadas
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0217-10

as orações, dirigiu-se para o local onde havia de repousar.


Durante o itinerário, D. Isabel foi desafiada a passar por um
arco que apelidaram de triunfal, elaborado pelos locais52.

217
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

O tempo ia passando e a imperatriz permanecia em Ba-


dajoz. A razão da demora da sua ida para Sevilha resultava
de um «negócio» que Carlos V tinha em mãos. Pelo que foi
enviado a Badajoz um emissário do imperador, D. João de
Estúñiga, a informar que a ida de D. Isabel para Sevilha de-
via ser «as mays uagarossas yornadas que pudesse ser cõ fun-
damento de a ele poder alcançar no camynho se os negocyos
de la lhe dessem a ysso lugar»53. Ora, que negócios seriam es-
ses que tanto atrasavam a partida da imperatriz para Sevilha?
Carlos V sempre teve «uma pedra no sapato» ao longo da
sua vida política e militar. E essa «pedra» chamava-se Fran-
cisco I, rei de França. De uma forma muito singela, contex-
tualizemos os tais «negócios».
Em meados de outubro de 1424, um poderoso exérci-
to, liderado por Francisco I, invade o norte de Itália e con-
quista a cidade de Milão. Com a cidade conquistada, avan-
çam para Pavia. Entre os últimos dias de outubro e os inícios
de novembro, o cerco à cidade de Pavia fica completo.
O exército imperial, sob o comando de António de Leiva,
8 - 218 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:56

que se encontrava nessa cidade, fica sitiado e sem hipótese


de fuga. Como forma de apoio, intervêm as forças imperiais,
sob o comando do general Carlos de Lannoy, marquês de
Pescara, e Carlos de Montpensier (diga-se que este último ti-
nha sido o condestável de Francisco I, mas, graças a desaven-
ças entre ele e o rei francês, aliara-se ao exército imperial).
Apesar de as forças imperiais serem francamente inferiores às
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0218-10

suas congéneres francesas, conseguem levar de vencida a Ba-


talha de Pavia, no dia 24 de fevereiro de 1525. Nela, Fran-
cisco I foi feito refém e levado para Madrid. Nos inícios de

218
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

1526, em troca da liberdade, Francisco I foi obrigado a assi-


nar um tratado (a Concórdia de Madrid) no qual se compro-
metia a devolver o ducado da Borgonha e a renunciar aos seus
direitos em Milão, Nápoles e algumas cidades na raia dos
Países Baixos. Incluía-se, também, uma cruzada contra os
turcos otomanos para a qual, quando Carlos V o decidisse,
Francisco I tinha de contribuir com militares. Para concluir,
Francisco I deveria ainda casar-se com a irmã mais velha do
imperador, D. Leonor de Áustria (a viúva de D. Manuel I) e
pagar todas as despesas inerentes à coroação de Carlos V (tal
só viria acontecer em 1530, em Bolonha)54. Uma vez ratifi-
cado e assinado esse tratado, no dia 14 de janeiro de 1526,
em Illescas, Francisco I pôde regressar a França, no entanto,
teve de deixar os seus filhos mais velhos como reféns, como
forma de cumprir o estipulado no tratado55.
Estava assim explicada a razão do prolongamento da es-
tada de D. Isabel em Badajoz. No dia 15 de fevereiro, o sé-
quito partiu para Sevilha. Para cumprir a decisão do impera-
dor, a viagem tinha de ser muito bem organizada, pois, como
8 - 219 Rev.: 10-07-18 Hora: 09:59

esclarece Mata Carriazo, a mesma iria demorar «[...] vinte e


quatro dias para uma viagem que se pode fazer muito bem
em cinco ou seis dias»56. Seguiram em direção a Talavera la
Real e avançaram para Sul, em direção a Almendralejo. No
dia 21 de fevereiro, já se encontravam em Llerena, depois se-
guiram para Guadalcanal, onde estanciaram entre 23 e 25 de
fevereiro. A viagem continuou e rumaram em direção a Ca-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0219-10

zalla, onde a imperatriz recebeu a notícia do nascimento do


primeiro filho do seu irmão, D. João III. Rumaram em se-
guida a Pedroso, onde, por ordem de D. Isabel, se efetuou

219
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

uma enorme celebração em homenagem ao seu sobrinho re-


cém-nascido. No dia 1 de março, a comitiva já se encontrava
em Cantillana, seguindo depois para o Mosteiro de São Je-
rónimo, onde chegou no dia 2. No dia seguinte, sábado,
3 de março de 1526, a imperatriz D. Isabel de Portugal che-
gou a Sevilha57.
Carlos V, uma vez concluídos os seus «negócios» com
Francisco I, rumou de Madrid para Sevilha. Iniciou a sua
viagem no dia 21 de fevereiro, passando por Santa Olalla,
Talavera de la Reina, Oropesa, Valparaíso, Almaraz, Cesa-
ruejo, Trujillo, Salvatierra, Mérida, Almendralejo, Los San-
tos de Maimona, Fuente de Cantos, Realejo, Almadén de la
Plata, Alcalá del Rio e chegou a Sevilha no dia 10 de março
de 1526, uma semana depois de D. Isabel58. É caso para di-
zer, «tal pai, tal filho». Em 1496, quando a mãe de Carlos V,
Joana, a Louca, chegou aos Países Baixos para casar com Fili-
pe de Habsburgo, teve de esperar um mês para estarem jun-
tos. D. Isabel de Portugal só esperou uma semana.

Do primeiro encontro à boda real


8 - 220 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:01

Tal como vimos, a jovem D. Isabel chegou a Sevilha


rodeada do seu fiel séquito. Assim que entrou na dita cidade,
foi recebida de uma forma monumental:

Saíram, pois, os senhores do senado e do regimento de


Sevilha a receber Sua Majestade a Imperatriz, muito ricamen-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0220-10

te e lucidamente vestida, com o senhor D. Juan de Ribera e o


ilustríssimo Duque de Arcos, o alcaide-mor de Sevilha. Vie-
ram, também os senhores reverendos do cabido da igreja de
Sevilha, e os colegiais de Santa Maria de Jesus; cavaleiros e es-

220
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

crivães públicos, cidadãos e mercadores, naturais e estrangei-


ros, ricos e pobres, de mula ou a cavalo. Os oficiais artesãos,
mestres e discípulos, cada ofício por si saíram à rua para ver
este recebimento. Vinte e quatro regedores levaram um pálio
de três brocados altos, bordado a ouro com as insígnias do
Imperador a meio, feitas a ouro, pedras preciosas e enormes
pérolas de aljôfar, com o preço de três mil ducados, tão artistica-
mente trabalhado, colocado em cima de vinte varas de prata.59

O mesmo aconteceu na chegada do imperador a Sevilha:

Tanta gente no caminho entre La Rinconada a Sevilha,


donde Sua Majestade partiu para entrar na cidade, que são
cerca de duas léguas, pelo caminho quase não se conseguia an-
dar e por fora dele, fazia-se com muita dificuldade [...] Vie-
ram receber Sua Majestade o duque de Arcos, os alcaides da
cidade, letrados, advogados, letrados, médicos, escrivães, cida-
dãos, mercadores locais e estrangeiros [...].60

Na sua entrada em Sevilha, além de ser presenteado


8 - 221 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:03

com enormíssimas festas, tal como já acontecera com D. Isa-


bel, Carlos V passou sob sete arcos triunfais, elaborados por
locais, com escrituras carregadas de simbologia referente à
esperança que o povo depositava no seu reinado61. Depois de
tantas ofertas e cerimónias protocolares, o imperador lá con-
seguiu chegar à catedral para orar. Assim que terminou as
suas orações, dirigiu-se, já de noite, para o palácio (Reales
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0221-10

Alcázares de Sevilla). Acima de todos os compromissos ine-


rentes à sua chegada, e por mais importantes que fossem, es-
tava latente no subconsciente de Carlos V, e perdoem-nos o

221
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

nosso juízo de valor: como seria a sua esposa... Atraente ou


nem por isso? Provavelmente o mesmo se passou com
D. Isabel: será que estava à altura de um homem tão podero-
so como o seu marido? Estas perguntas foram replicadas ao
longo de séculos por tantas princesas e príncipes, reis e rai-
nhas. Não interessava se elas eram altas, baixas, gordas ou
magras, o importante era a união matrimonial com vista a
selar acordos estratégicos e preservar a linhagem.
Posto isto, este jovem casal estava prestes a conhecer-se.
Carlos V entrou no palácio, onde D. Isabel o esperava, na
companhia de Germana de Foix, a duquesa de Medina Si-
dónia, o senhor de Chaulx, o arcebispo de Toledo, o duque
de Alba e o duque de Béjar. Assim que chegou ao aposento
da imperatriz e os esposos se viram, ela colocou-se de joelhos
e beijou as mãos do marido. Este, por sua vez, inclinou-se
para a levantar, abraçou-a e beijou-a; pegando então na sua
mão, dirigiram-se para outra câmara e sentaram-se a conver-
sar. Um quarto de hora depois, o imperador ausentou-se pa-
ra os seus aposentos, retirou a roupa que o acompanhara na
8 - 222 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:04

sua viagem, vestiu-se de forma sumptuosa e regressou para


junto de D. Isabel. O cardeal Salviati, representante do pa-
pa, uniu as mãos do jovem casal, proferiu as palavras certas e
estavam definitivamente casados. Meia hora depois, retira-
ram-se todos para os seus aposentos. Faltava, no entanto, a
cerimónia protocolar em que estivessem presentes os padri-
nhos de casamento. Assim, por volta da meia-noite, estava um
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0222-10

altar montado na câmara da imperatriz, onde o arcebispo de


Toledo realizou uma missa, na presença dos recém-casados e
os seus padrinhos: o duque de Calábria, Fernando de Aragão,

222
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

e Ângela de Fabres, condessa de Odenura e Haro, camareira-


-mor de D. Isabel. Terminada a missa, Carlos V regressou
aos seus aposentos com D. Isabel, deitaram-se e consuma-
ram o seu matrimónio como príncipes católicos62.
As festas iam-se fazendo, dia após dia, e os imperado-
res, aqui e ali, acenavam da janela para o povo, como forma
de agradecimento. O idioma de comunicação podia ser uma
barreira complicada de transpor, já que Carlos V ainda não
dominava o castelhano, que D. Isabel podia compreender
facilmente, enquanto a mesma não entendia o francês, lín-
gua que o imperador herdara do pai. Mas, por aquela altura,
não seria um problema demasiado grave. O marquês de Vila
Real relata a António Carneiro, seu secretário, o estado de
alma que se vivia naquele momento: «[...] A Imperatriz dor-
me todas as noites abraçada ao seu marido e estão muito
apaixonados e muito felizes [...]»63. Saliente-se que o incan-
sável marquês regressou a Portugal no dia 5 de abril, tendo
cumprido a sua missão a todos os níveis64.
Os jovens imperadores continuaram alojados no Alcázar
8 - 223 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:07

desde que casaram, voltando a sair apenas no domingo se-


guinte, 18 de março, Domingo de Ramos. Foram à missa na
Igreja de S. Marcos de Sevilha, onde participaram na liturgia
ministrada por mestre Navarro. Na Quinta-Feira Santa, foi
lançado um pregão na cidade sobre a morte da irmã do
imperador, Isabel de Áustria, rainha da Dinamarca. As festas
na cidade foram todas canceladas por respeito. Carlos V já
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0223-10

tinha conhecimento dessa notícia pelo embaixador Guilher-


me des Barres — enviado pela arquiduquesa Margarida, go-
vernadora geral dos Países Baixos e tia de Carlos V — desde

223
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

o dia 8 de março, ou seja, a poucos dias da sua chegada a Se-


vilha. Contudo, o imperador decidiu que não iria alterar em
nada os seus planos, nem em relação à boda, nem à viagem.
Ordenou, então, ao embaixador que mantivesse esse assunto
em segredo. E assim foi.
Desde essa quinta-feira, o imperador vestiu-se de luto
até ao dia 12 de abril65. As festas retomaram então e o palco
maior foi a Praça de S. Francisco, onde houve largada de
touros e diversos jogos, tais como, torneios e canas. Mais
alegria houve quando se realizou o casamento de Germana
de Foix (que tinha sido esposa de Fernando II de Aragão,
avô de Carlos V) com o duque de Calábria (o seu padrinho
de casamento), sendo estes nomeados vice-reis de Valência.
Nos inícios de maio, o imperador organizou uma justa no
Arenal, perto do rio Guadalquivir, onde o próprio partici-
pou; no término desta justa, seguiu-se um sem-fim de festas
e saraus em honra dos imperadores.
Estava na hora da despedida de Sevilha. A corte aban-
donou a mesma rumo a Granada, no dia 13 de maio. Estan-
8 - 224 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:07

ciaram entre 19 e 23 de maio em Córdova; ao que parece,


na visita à mesquita-catedral, o imperador ficou descontente
com as obras por lá realizadas a seu mando, dizendo mesmo
que, se soubesse o que haviam planeado executar, jamais
permitiria tal obra, já que «[os muçulmanos] haviam feito o
que se pode fazer e vós [os responsáveis pelas obras] desfizestes
o que era singular no mundo»66. No dia 4 de junho de 1526,
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0224-10

o séquito real chegou a Granada. Uma vez mais, o povo


aguardava com ansiedade a chegada dos imperadores; os
principais dignitários da cidade, acompanhados por trombe-

224
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

tas e menestréis, vestidos a rigor, saíram quase meia légua


para receber a comitiva. As boas-vindas em nome da cidade
estavam a cargo do marquês de Mondéjar; terminada a ceri-
mónia protocolar de boas-vindas, iniciou-se o beija-mão aos
imperadores. De seguida, fizeram-se festas de arromba. Nu-
ma simbiose perfeita, a cultura mourisca misturou-se com a
cristã, proporcionando uma festividade repleta de cor, fanta-
sia e diversão. Falta-nos saber onde o jovem casal estanciou.
Ao que tudo indica, terá sido no Alhambra, tal como os seus
antepassados já o tinham feito, no entanto não se pode pôr
de lado o Palácio de Generalife. O lugar exato permanece
uma incógnita, até porque a maior parte da documentação
régia não especificava o local, mas sim a cidade67.
Finalmente, a lua de mel. Era visível o afeto ou mesmo
a paixão que o jovem casal nutria um pelo outro e, quase
por osmose, seria um exemplo a seguir por todos. Ora, fruto
dessa paixão, dizemos nós, D. Isabel soube que estava grávi-
da no dia 26 de agosto de 1526, tal sendo anunciado à corte
apenas no dia 15 de setembro. Desengane-se aquele que
pensar que a lua de mel destes jovens era apenas passada
8 - 225 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:08

dentro do palácio, fosse ele qual fosse. Durante a estada, ha-


via festas diárias, das quais o próprio Carlos V era um dos
organizadores: a caça era o desporto favorito do imperador,
ocupando muito dos seus dias em Granada; as atividades ar-
tísticas, literárias e musicais faziam parte da rotina do jovem
casal; e também as visitas a lugares importantes da cidade,
tal como a Capela Real, o Pátio dos Leões e outros de reno-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0225-10

me e, claro, as obrigações religiosas, pela sua devoção à fé ca-


tólica, respeitando e celebrando as datas mais importantes,
também68.

225
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

No dia 13 de novembro de 1526, a lua de mel termina


com a notícia da morte de Luís II da Hungria, cunhado do
imperador. Carlos V convocou urgentemente cortes gerais
para 20 de janeiro de 1527, em Valhadolide. Os territórios
dos Habsburgos estavam em perigo e à mercê dos turcos
otomanos. Havia que defendê-los. No dia 10 de dezembro,
o imperador abandonou Granada e nunca mais lá regressou.
Para trás ficou uma etapa feliz, de apenas cinco meses. Pro-
vavelmente, a mais feliz da sua vida. Agora o dever chamava-
-o, pois não era em vão que Carlos V era o imperador da
Cristandade69. D. Isabel, encontrando-se grávida, ficou em
Granada até ao fim das festividades natalícias, rumando de-
pois para Toledo e por fim para Valhadolide70, onde daria à
luz o primeiro filho dos imperadores.

Considerações finais
Estamos de acordo com Alvar Ezquerra quando afirma,
de forma perentória, que Carlos V casou com D. Isabel de
Portugal por dinheiro e por acreditar que a mesma seria uma
8 - 226 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:09

boa regente. Analisemos o porquê: quando Carlos V chegou


a Espanha, em 1517, vindo de Bruxelas, foi olhado pelos
castelhanos com desagrado. Por aquela altura, a situação em
Espanha era bastante problemática em termos sucessórios.
No ano anterior, em 1516, tinha morrido Fernando, o Cató-
lico, e a linha natural de sucessão seria Joana, que era sua fi-
lha, e o respetivo marido Filipe. Contudo, Filipe já tinha
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0226-10

morrido em 1506 e Joana, ao que parece, nunca encarou


bem a morte do marido, ficando psicologicamente incapaci-
tada, o que a levou a ser enclausurada num palácio em Tor-

226
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

desilhas e ganhar o epíteto de a Louca. Para os devidos efei-


tos, o cardeal Cisneros assumiu a regência desde a morte de
Fernando, o Católico, até à chegada do futuro imperador.
Já com Carlos no trono espanhol, três anos volvidos
enfrenta a revolta dos Comuneros; pouco tempo depois, teve
de resolver um problema complicadíssimo com Francisco I
da França, em Pavia. Ou seja, para travar estas ofensivas, se-
ria necessário aplicar todo o seu poderio militar, mas para is-
so era imprescindível ter dinheiro, muito dinheiro. Como
vimos, o elevado dote que Carlos V auferiu através do casa-
mento com D. Isabel de Portugal, a somar ao valor da «ven-
da» das ilhas Molucas, contribuiu para desafogar as suas fi-
nanças, que tanto teimavam em exaurir-se.
Após o casamento, Carlos tornou-se num imperador
ativo, mas num rei de Espanha ausente. Para colmatar essa
ausência, contou com D. Isabel. A mesma não fora educada
só para ser mulher do imperador e mãe dos seus filhos. Her-
dando o sangue da sua avó Isabel, a Católica, a imperatriz foi
uma mulher proativa, decidida e objetiva, muito graças à
educação recebida dos seus pais, D. Manuel I e D. Maria de
8 - 227 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:10

Aragão e Castela. Quiçá para suavizar as saudades do seu


marido, viajou, e muito, por toda a Espanha. Com isso, ga-
nhou traquejo como governante, até porque estava perto do
povo. Em 1528, Carlos V nomeou-a lugar-tenente general e
governadora do reino. Assim, D. Isabel governou Espanha
de 9 de março de 1529 até 22 de abril de 1533, de 2 de mar-
ço de 1535 até 19 de dezembro de 1536 e de 22 de dezembro
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0227-10

de 1537 até 28 de julho de 153871.


Muito longe de ser um fantoche na gestão política, por
vezes, não acatava as ordens de Carlos V, demonstrando ser

227
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

uma rainha de personalidade singular e com as suas próprias


opiniões — tal é notório nas mais de 500 cartas trocadas en-
tre ambos72 —, ainda que estivesse sempre amparada por
bons conselheiros, em particular pelo cardeal Tavera73.
Por fim, e sem querermos beliscar a fidelidade do mari-
do, que julgamos ter existido desde a sua boda até à morte
de D. Isabel, o casamento resultou nos seguintes filhos legí-
timos:

• 21 de maio de 1527, Filipe II de Espanha (futuro Fi-


lipe I de Portugal). A propósito deste nascimento, fica
para a posteridade o comentário que a «[...] Raynha
tam Bela»74 profere em bom português depois ter sido
aconselhada a gritar no momento do parto: «não me
faleis tal, minha comadre, que eu morrerei mas não
gritarei»75;
• 21 de junho de 1528, Maria de Áustria;
• 22 de novembro de 1529, Fernando, que faleceu
poucos meses depois;
8 - 228 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:11

• 29 de junho de 1534, primeiro aborto;


• 24 de junho de 1535, Joana de Áustria (casaria com
D. João Manuel de Portugal, filho de D. João III,
sendo pais de D. Sebastião);
• 19 de outubro de 1537, João, que acabou por falecer
poucos dias depois;
• 20 de abril de 1539, segundo aborto, em consequên-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0228-10

cia do qual, no dia 1 de maio, morre D. Isabel de


Portugal76.

228
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

A saúde de D. Isabel, tanto psicológica como física, ia-


-se deteriorando. E ela sabia-o. Consciente desse facto, a im-
peratriz pede a João Vasques de Molina, seu secretário, para
lhe trazer o seu testamento, que já tinha redigido em 7 de
março de 1535. No mesmo, a imperatriz revê tudo e acres-
centa mais de 60 itens face ao original. De entre os muitos
pedidos a Carlos, destacam-se estes dois: que os filhos sejam
criados e ensinados respeitando Deus e as Escrituras e man-
tenha uma boa relação com o seu cunhado, o rei de Portu-
gal77. O testamento foi lido no dia 5 de maio de 1539 —
quatro dias após a sua morte — por frei Diego de San Pe-
dro, confessor de D. Isabel. Procedeu-se à trasladação do
corpo da imperatriz de Toledo para Granada, conforme a
vontade de Carlos V, onde foi sepultada na Capela Real de
Granada, no dia 18 de maio de 153978.
Carlos V fez o seu luto longe dos olhares de conhecidos
e estranhos, no Convento de Sisla, durante uns dias. Regres-
sou, mas nunca mais foi o mesmo. Entrava num período de
reflexão79. Tantas guerras travadas, tantos conflitos enfrenta-
8 - 229 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:12

dos, estava na hora de colocar um ponto final em tudo isto.


Além do mais, os seus maiores rivais iam falecendo: Francis-
co I e Henrique VIII morrem em 1547. A Europa era agora
governada por novos príncipes, com outras ideias e estraté-
gias. Paulatinamente, Carlos V vai abdicando dos seus car-
gos. Em reunião dos Estados Gerais, em Bruxelas, que se
realizou entre os anos de 1555 e 1556, Carlos V passa o ce-
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0229-10

tro de imperador para o seu irmão, Fernando I Habsburgo,


cargo que este só três anos depois desempenharia; em 1556,
transfere a coroa espanhola, os territórios da Itália e das Ín-

229
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

dias para o seu filho Filipe. Nesse mesmo ano, em setembro,


regressa a Espanha, na companhia das suas irmãs Leonor e
Maria, retirando-se definitivamente para o Mosteiro de Yus-
te. No dia 21 de setembro de 1558, Carlos V morre de palu-
dismo80.

Assim acabou em Yuste aquele que tanto havia lutado na


Europa para a defender dos seus inimigos de dentro e fora.
Assim morreu Carlos V, o último Imperador do Ociden-
te, o único Imperador do velho e do novo mundo81.

Filipe II tratou de colocar os seus pais novamente jun-


tos; assim, entre 1573 e 1574 mandou transladar os corpos
dos imperadores para o Mosteiro do Escorial.
8 - 230 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:12
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0230-10

230
Notas

1
D. António Caetano de Sousa, Provas da história genealógica da Casa Real
portuguesa, tomo II, parte i, Coimbra, Atlântida, 1947, p. 436.
2
D. Fray Prudencio de Sandoval, História del emperador Carlos V, rey de
España, vol. 1, Madrid, Literário-Tipográfico de P. Madoz y L. Sagasti,
1846.
3
Sobre esta matéria, cf. Paula Rodrigues, «A teia de Avis. Estratégias ma-
trimoniais para a legitimação de uma dinastia. As primeiras gerações
(1387-1430)», in Casamentos da Família Real Portuguesa. Diplomacia e
cerimonial, coordenação de Ana Maria S. A. Rodrigues, Manuela Santos
Silva e Ana Leal de Faria, vol. i, Lisboa, Círculo de Leitores, 2017,
pp. 133-183.
4
Sobre o casamento destes, cf. Diana Pelaz Flores, «O triunfo do amor
político no casamento de D. Isabel de Portugal com João II de Castela»,
8 - 231 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:12

in Casamentos da Família Real Portuguesa. Êxitos e fracassos, coordenação


de Ana Maria S. A. Rodrigues, Manuela Santos Silva e Ana Leal de Fa-
ria, vol. iii, Lisboa, Círculo de Leitores, 2018, pp.
5
Sobre o casamento destes, cf. Adriana R. de Almeida, «Perspetiva sobre a
história das emoções. O casamento de D. Leonor de Portugal com o im-
perador Frederico III (1452)», in Casamentos da Família Real Portuguesa,
vol. i, pp. 253-287.
6
Sobre o casamento destes, cf. Ana Paula Antunes, «A infanta D. Isabel de
Portugal e o seu casamento na casa ducal da Borgonha (1397-1430)», in
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0231-11

Ibidem, pp. 209-252.


7
Sobre o casamento destes, cf. David Nogales Rincón, «Em torno dos ca-
samentos de D. Manuel I com as infantas de Castela D. Isabel e D. Ma-
ria», in Ibidem, pp. 313-349.

231
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

8
Sobre o casamento destes, cf. Ricardo Requeijo Milheiro, «D. Afonso V
com D. Isabel e infante D. Fernando com D. Beatriz: Dois casamentos,
a mesma face de uma estratégia matrimonial», in Casamentos da Família
Real Portuguesa. Êxitos e fracassos, vol. iii, pp. 67-89.
9
Para uma melhor compreensão das relações diplomáticas em tempo de
D. João III, cf. Pedro Cardim, «A diplomacia portuguesa no tempo de
D. João III. Entre o império e a reputação», in D. João III e o império.
Actas do Congresso Internacional comemorativo do seu nascimento, coorde-
nação de Roberto Carneiro e Artur Teodoro de Matos, Lisboa, CEP-
CEP/Centro de História de Além-Mar, 2004, pp. 627-660.
10
Idem, p. 629.
11
Ibidem, p. 630.
12
Ibidem, pp. 628-629.
13
Ibidem, p. 629.
14
João Paulo Oliveira e Costa, «A diáspora missionária», in História religio-
sa de Portugal, direção de Carlos Moreira de Azevedo, vol. ii, Lisboa,
Círculo de Leitores, 2000, pp. 255-313.
15
Sobre estes dois diplomatas, cf. Joaquim Veríssimo Serrão, Embaixada
em França de Brás de Alvide (1548-1554), Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 1969, e Maria do Rosário Themudo Barata, Rui Fernandes
de Almada. Diplomata Português do Século XVI, Lisboa, Instituto de Alta
Cultura, Centro de Estudos Históricos anexo à FLUL, 1971.
16
Frei Luís de Sousa, Anais de D. João III, Prefácio e notas do Prof. M. Ro-
drigues Lapa, t. ii, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1938, p. 289.
8 - 232 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:13

17
Pedro Cardim, op. cit., p. 633.
18
Idem, p. 636.
19
Ibidem.
20
Porque abandonou o serviço do rei D. Manuel I «por um agravo que te-
ve dele por lhe não mandar acrescentar um tostão à moradia que tinha»;
Francisco de Andrada, Crónica de D. João III, P. I, introdução e revisão
de Manuel Lopes de Almeida, Porto, Lello & Irmãos, 1976, cap. 10,
pp. 8-10.
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0232-10

21
Luís de Albuquerque, Navegadores Viajantes e Aventureiros Portugueses —
Séc. XV e XVI, edição comemorativa do V Centenário dos Descobrimentos
Portugueses, vol. 2, Lisboa, Círculo de Leitores, 1987, p. 37.
22
Luís de Albuquerque, op. cit., p. 40.

232
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

23
Ana Isabel Buescu, D. João III, Lisboa, Temas e Debates, 2008, p. 155.
24
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal. O Século de Ouro
(1495-1580), vol. 3, Lisboa, Verbo, 1978, p. 36.
25
Idem.
26
Idem, pp. 38-39.
27
«já que por el Rei D. Manuel seu pai casar com a Rainha D. Leonor por
conselho de poucos herdara ele [D. João III] tantas necessidades, quantas
agora via no seu reino, a ele também convinha remediá-las casando com
a mesma Rainha pelo parecer e conselho de muitos», Francisco de An-
drada, op. cit., cap. 19, pp. 17-18.
28
Para uma melhor análise deste casamento, cf. Ana Isabel Buescu, op. cit.
pp. 164-191; da mesma autora, Na corte dos Reis de Portugal: saberes, ri-
tos e memórias: estudos sobre o século XVI, Lisboa, Edições Colibri, 2011,
pp. 115-137; Annemarie Jordan, Catarina de Áustria. A rainha coleciona-
dora, Lisboa, Temas e Debates, 2017, pp. 47-53.
29
Alfredo Alvar Ezquerra, La Emperatriz — Isabel y Carlos: Amor y Gobier-
no en la Corte Española del Renacimiento (1503-1539), Madrid, La Esfera
de los Libros, 2012, p. 29.
30
Mónica Gómez-Salvago Sánchez, Fastos de una boda real en la Sevilla del
quinientos (Estudios y Documentos), Sevilha, Editorial Universidad de Se-
villa, 1998, p. 22; Juan Antonio Vilar Sánchez, 1526 Boda y luna de miel
del emperador Carlos V. La visita imperial a Andalucía y al Reino de Gra-
nada, Granada, Editorial Universidad de Granada, 2016, pp. 33-34.
31
Juan de Mata Carriazo, La boda del Emperador. Notas para una historia
del amor en el Alcázar de Sevilla, Sevilha, Publicaciones del Patronato de
8 - 233 Rev.: 10-07-18 Hora: 10:14

Cultura, 1959, p. 52.


32
Manuel Fernández Álvarez, Carlos V, El César y el Hombre, Barcelona,
Espasa, 2015, p. 325.
33
Idem.
34
Charles Piot, «Correspondance politique entre Charles Quint et le Por-
tugal de 1521 à 1522», Compte-rendu des séances de la commission royale
d’histoire, 2e série, t. 7, 1880, p. 41.
35
Para melhor compreensão da Guerra das Comunidade de Castela, cf.
Enrique Berzal de la Rosa, Los comuneros: de la realidad al mito, Madrid,
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0233-10

Silex Ediciones, 2008.


36
María del Pilar Esteves Santamaría, Toledo en las Cortes de Carlos I: cues-
tiones de interés general para el Reino, Madrid, Cuadernos de Historia del
Derecho, 2005, pp. 229-283.

233
CASAMENTOS DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

37
Manuel Fernández Álvarez, op. cit., p. 326.
38
Alfredo Alvar Ezquerra, op. cit., p. 42; Alonso de Santa Cruz, Crónica del
Emperador Carlos V, tomo II, Madrid, Real Academia de la Historia,
1920, cap. xxxvi, p. 225.
39
Alonso de Santa Cruz, op. cit., cap. xxxvi, pp. 225-226.
40
«Así que Carlos [...] manda a Londres una delegación para que negocie
con Enrique VIII. El emperador va a entrar en guerra con Francia y ne-
cesita dinero, mucho dinero. Lo sacará de la dote que recibiría si se casa-
se con la hija del rey inglés. Si esto no está de acuerdo, no habrá boda.
No hubo boda.», Alfredo Alvar Ezquerra, op. cit., p. 42.
41
Anselmo Braamcamp Freire, Ida da Imperatriz D. Isabel para Castela,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1920.
42
Juan de Mata Carriazo, op. cit., pp. 58-59.
43
Idem.
44
Francisco de Andrada, op. cit., cap. 93, p. 112.
45
Anselmo Braamcamp Freire, op. cit., p. 12.
46
Francisco de Andrada, op. cit., cap. 93, pp. 112-113.
47
«una muy rica litera». Juan Antonio Vilar Sánchez, op. cit., p. 48.
48
Podemos consultar algumas dessas cartas em Anselmo Braamcamp Frei-
re, op. cit., pp. 33-104.
49
Idem, p. 16.
50
Alfredo Alvar Ezquerra, op. cit., p. 54.
51
«Señor Yo entrego a vuestra excelencia a la Emperatriz mi señora, en
nombre del Rey de Portugal, mi señor y mi hermano, como esposa que
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es de la cesarea majestad del Emperador» e «Yo señor, me doy por entre-


gado de Su Majestad, en nombre del Emperador mi señor.», Juan de
Mata Carriazo, op. cit., p. 72.
52
Idem, p. 74.
53
Anselmo Braamcamp Freire, op. cit., p. 45.
54
Manuel Fernández Álvarez, op. cit., p. 417.
55
Mónica Gómez-Salvago Sánchez, op. cit., pp. 67-68.
56
«[...] veinticuatro días para un viaje que pude hacerse muy bien en cinco
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0234-10

jornadas, o seis.», Juan de Mata Carriazo, op. cit., p. 77.


57
Mónica Gómez-Salvago Sánchez, op. cit., p. 72.
58
Juan Antonio Vilar Sánchez, op. cit., p. 48.
59
Juan de Mata Carriazo, op. cit., p. 84.

234
O CASAMENTO DE D. ISABEL DE PORTUGAL

60
Idem, p. 87.
61
Manuel Fernández Álvarez, op. cit., p. 334.
62
Juan de Mata Carriazo, op. cit., pp. 92-93.
63
Anselmo Braamcamp Freire, op. cit., pp. 64-65.
64
Idem, p. 27.
65
Alfredo Alvar Ezquerra, op. cit., p. 89.
66
«habían hecho lo que se puede hacer y habéis deshecho lo que era singu-
lar en el mundo.», Juan Antonio Vilar Sánchez, op. cit., p. 65.
67
Idem, p. 77.
68
Ibidem, p. 101.
69
Manuel Fernández Álvarez, op. cit., p. 343.
70
Alfredo Alvar Ezquerra, op. cit., pp. 119-128.
71
Manuel Fernández Álvarez, op. cit., p. 590.
72
Manuel Fernández Álvarez, Corpus Documental de Carlos V, 5 tomos,
Barcelona, Espasa Libros, 2003.
73
Manuel Fernández Álvarez, Carlos V, El César y el Hombre, p. 592.
74
Noémio Ramos, Gil Vicente, Tragédia de Liberata: do templo de apolo à
divisa de Coimbra, Lisboa, Ramos, 2012, Estrofe 630.
75
Alfredo Alvar Ezquerra, op. cit., p. 136.
76
Juan Antonio Vilar Sánchez, op. cit., p. 105.
77
Alfredo Alvar Ezquerra, op. cit., p. 332-333.
78
Idem, p. 347.
79
Manuel Fernández Álvarez, Carlos V. El césar y el hombre, p. 595.
80
Idem, pp. 841-847.
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81
«Así acabo en Yuste el que tanto había luchado en Europa por defenderla
contra sus enemigos de dentro y de fuera. Así murió Carlos V, el último
Emperador de Occidente, el único Emperador del Viejo y Novo Mun-
do.», Ibidem, p. 848.
COR:CMYK B1 Trab.: BOOKCAS4-0235-9

235

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