Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
5
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
6
SUMÁRIO
7
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Anexos 263
Cronologia 265
Genealogia 300
Fontes e bibliografia 301
8
Introdução
É fácil resumir os factos principais de uma vida. Leonor nasceu na segun-
da metade do século xv, em 1458, numa das principais famílias do reino,
aparentada de perto com a Casa Real tanto pela parte do pai como pela da
mãe. O pai morreu quando ela estava para entrar na adolescência, mas
a mãe, Beatriz, viveu até 1506. Casou aos 13 anos com um primo direito,
herdeiro da Coroa, D. João, depois rei segundo do nome; teve um único fi-
lho, Afonso, aos 17 anos, que viria a morrer de acidente, já casado com a fi-
lha mais velha dos Reis Católicos, Fernando e Isabel1. Dos seus irmãos, um
foi morto a sangue-frio, pelo marido, ou seus acólitos, em castigo por ter
conspirado contra o rei. Morto o filho em 1491 e não tendo o casal reinante
outros herdeiros, Leonor opor-se-ia tenazmente a que o marido legitimasse
o seu único bastardo, D. Jorge, com vista a sentá-lo no trono. Esforços de
D. João II nesse sentido junto do papa resultaram infrutíferos. Leonor conse-
guiu então, sozinha ou com aliados, persuadir o rei e marido a nomear por
herdeiro o irmão que restava, D. Manuel. D. João II haveria de morrer sem
a família, no Algarve, porque nem a rainha nem o cunhado assistiram à sua
agonia. D. Manuel seria então rei, e ele e a irmã parece terem vivido tranqui-
los o resto das vidas. Felizes, não sabemos: provavelmente D. Manuel mais
do que a irmã, já que ficou conhecido, até pelos seus contemporâneos, como
«venturoso». Não juntos, mas próximos geográfica e afetivamente um do ou-
tro, como veremos. Foi ela a regente quando D. Manuel abandonou por me-
ses o reino para ir a Castela e Aragão ser jurado herdeiro da Coroa, tendo ti-
do, portanto, uma experiência direta do exercício do poder monárquico.
1 A designação «Reis Católicos» foi dada a Fernando de Aragão e Isabel de Castela ape-
nas em 1496, mas, por comodidade, usar-se-á este título em toda esta biografia. De notar
que os documentos portugueses da época os designam muitas vezes por reis de Castela; não
adotei essa designação por considerar que podia confundir o leitor.
9
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Doente, os seus últimos anos parece terem sido passados entre a cama e o
oratório, levando uma vida semelhante à das mulheres devotas que enxamea-
vam os meios aristocráticos do final da Idade Média. Morreu no seu paço
junto do convento que fundou — a Madre de Deus de Xabregas —, aos 17
dias do mês de novembro do ano de nosso senhor Jesus Cristo de 1525.
São estes alguns dos dados que qualquer pessoa, historiador ou não, po-
derá julgar importante reter acerca de Leonor. Mas jamais teremos Leonor
a responder à pergunta sobre quais foram os dias importantes da sua vida. Os
significados que ela atribuiu a eventos, pessoas e coisas escapam-nos; jamais
são explicitados por ela própria na documentação que resistiu às peripécias
do tempo. Para o historiador, portanto, e para a sua presente biógrafa, Leo-
nor é uma personagem de ficção, a menos que nos fiquemos pelos ditos «fac-
tos». Assim sendo, desiluda-se desde já o leitor que espera um autor, neste ca-
so uma autora, neutro. Não é meu propósito deixar de seguir as informações
que colhi sobre ela na documentação, mas é-o muito menos abster-me de as
interpretar. Os meus intentos são de resto pouco inovadores: junto-me
a uma plêiade de historiadores e literatos que escreveram sobre ela, mais ou
menos alicerçados em vestígios escritos da sua vida. Estamos perante uma das
rainhas mais famosas da história de Portugal, mulher e viúva também de um
dos seus reis mais controversos, cuja historiografia não ficará decerto por esta
biografia.
Ainda antes de prosseguir, um breve excurso por aquilo que penso da
biografia enquanto género da escrita da história. Trata-se de um terreno difí-
cil, onde é fácil incorrer em erros de contexto e de sequência dos aconteci-
mentos. Mas este não é decerto o seu maior escolho: o que verdadeiramente
assusta o historiador é a tentação constante de julgar as nossas personagens
e os seus atos, necessária e forçosamente segundo lógicas contemporâneas de
pensamento. Como não vejo forma de resolver este problema, de natureza
insolúvel, procurarei ser honesta com o leitor. Tentarei não obrar manipula-
ções no sentido de o conduzir lenta e mansamente a tirar as conclusões que
julgo serem as corretas. Pelo contrário, o meu objetivo será avisar o leitor nos
excertos em que tiver de o confrontar com opiniões próprias. Espero, para
contrabalançar, que a minha personagem, já que não fala por ela própria —
as fontes mencionam-na mas não a exprimem —, deixar falar os cronistas
que a conheceram e presenciaram alguns dos momentos importantes da sua
vida. Rui de Pina, Garcia de Resende e Damião de Góis. Para todos eles, po-
rém, Leonor foi uma figura secundária face aos seus objetos primeiros de
atenção: os reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel. Foi para contar a his-
10
INTRODUÇÃO
tória deles, e não dela, que receberam ofícios e mercês. Reinados que a vida
de Leonor atravessou com maior ou menor protagonismo mas quase sempre
nos bastidores da ação política. Bastidores, leia-se, o que no caso da rainha
não poderemos nunca confundir, note-o bem, caro leitor ou leitora, com um
papel secundário. Apesar de rainha consorte e depois viúva, quando já havia
outras rainhas em exercício, esteve longe de ter um papel apagado na vida do
reino.
D. Leonor, por mais que se internacionalize a investigação histórica, será
sempre uma rainha de Portugal; fora do país perde ressonância e transforma-
-se numa entre muitas princesas de finais da Idade Média. As cortes euro-
peias suas contemporâneas estão cheias de histórias de traições, de ambições
de grandes, de lutas familiares homicidas, de venenos e punhais, de reis jus-
tos e injustos, de princesas devotas e caritativas. Ignoramo-las quase todas,
porque não nos dizem respeito. Mas o reverso da medalha é que fora de Por-
tugal a figura de Leonor tende a perder ressonância; apenas no contexto da
história do país a rainha é uma figura fundamental. Em primeiro lugar, nas-
cida e criada no reino, de pais portugueses, dificilmente interessará à histo-
riografia internacional. Mas também outros motivos, desde a pretensa funda-
ção das Misericórdias, à alegada criação do primeiro hospital termal do
mundo, à proteção a Gil Vicente, à sua figura enquanto mulher do dito
Príncipe Perfeito, à funesta imagem de um filho único morto, o príncipe
herdeiro D. Afonso. E por outras coisas menos conhecidas do grande públi-
co, como o seu papel de protetora de uma jovem imprensa em expansão ful-
gurante; como fundadora de um convento de clarissas; ou como irmã in-
fluente de um rei — D. Manuel I — que sucede ao marido, D. João II.
E ainda, por tantas outras peripécias de que tentaremos dar conta ao longo
desta biografia. Não ao acaso faz Leonor parte dos mitos nacionais — como
veremos, não inteiramente coincidente com a realidade histórica —; é por-
tanto uma malha na complexa autoimagem, sempre em mutação, de uma
identidade histórica que é nossa.
Se não tivesse sido rainha e deixado algum rasto documental atrás de si,
a figura de D. Leonor teria de competir com outras suas contemporâneas,
mesmo portuguesas. Vem-nos à memória a sua própria mãe, Beatriz
(c. 1430-1506), duquesa de Viseu e Beja e tia de Isabel, a Católica, uma mu-
lher de grande força e autoridade. Ou a cunhada Joana, freira nas dominica-
nas de Aveiro, a dita Princesa Santa; ainda algumas outras que ficaram um
pouco mais mudas para a história. Por exemplo, a sua própria irmã Isabel
(1459?-1521), viúva do duque de Bragança, de quem tão pouco se sabe, mas
11
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
12
INTRODUÇÃO
13
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
A maior parte dos livros têm uma dedicatória, e este não escapa à regra.
Como disse atrás, o nosso tempo tem pouco em comum com o da rainha
D. Leonor. Valores, formas de pensar e comportamentos não são já os mes-
mos, mas encontramos nas personagens históricas a mesma humanidade que
é a nossa. A si, leitora ou leitor, que lê o livro por dever profissional ou re-
creação, dedico este livro.
1Gomes, 2006; Mendonça, 1995; Fonseca, 2005; Costa, 2005; Buescu, 2005.
2Cunha, 1990; Gomes, 1995 e 2003; Lowe, 2000; Silva, 1985 e 2002; Serrão,
1993; Rosa, 2004.
14
Capítulo 1
De menina a mulher: os primeiros treze anos
(1458-1471)
15
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
16
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
Relato este conflito aqui porque, juntamente com os que terão lugar em vida
da rainha, durante a década de 1480, são as duas grandes manifestações de
conflitos internos que dividiam a corte naqueles anos. É importante referir
que a família da nossa rainha estava ligada aos Bragança e à fação vencedora,
e que seu pai beneficiou com a derrota das forças chefiadas pelo infante
D. Pedro.
Em 1453 o infante D. Fernando recebeu em doação de Afonso V as vilas
de Beja, Serpa e Moura. A posse destas terras transformou-o, juntamente
com o cargo de fronteiro-mor, no maior senhor do Sul do reino. Foi a partir
desta época que recebeu o título de duque de Beja, a que juntaria mais tarde
o de duque de Viseu, herdado do tio D. Henrique.
Com a morte deste em 1460, começou o infante a receber os seus bens:
os arquipélagos da Madeira e Açores e as quatro ilhas que então se conhe-
ciam do arquipélago de Cabo Verde. Entre estas ilhas, avulta a da Madeira,
pela importância económica que detinha então o açúcar que nela se produ-
zia, e de que voltaremos a falar. Mas continuou D. Fernando a acumular pa-
trimónio: ficou também com o monopólio das saboarias — o fabrico do sa-
bão não era acessível a particulares — e obteve do papa em 1461 o mestrado
da Ordem de Cristo, em concorrência com o próprio rei seu irmão, que tam-
bém o pretendeu para a sua família. Em 1464, seria a vez de receber Lagos.
Junte-se a estes bens de natureza territorial (acompanhados, como se sabe,
das prerrogativas jurídicas próprias dos senhorios medievais) os seus interes-
ses na expansão africana, que motivaram várias expedições a Marrocos, e os
negócios decorrentes da expansão marítima. Sebastiana Lopes, cujo trabalho
temos estado a seguir, apoda a sua ambição de «desmedida» e chama tam-
bém a atenção para a incapacidade de Afonso V em fazer frente à avidez do
irmão1.
D. Fernando rivalizava ainda com o poderio da maior casa titular portu-
guesa em tamanho — estamos a falar dos Bragança — com a vantagem de
apresentar um território contínuo, ainda para mais de fronteira, enquanto
o duque de Bragança tinha os seus senhorios espalhados por todo o reino.
Nessa época, a localização de territórios junto à raia significava uma capaci-
dade de organização do ponto de vista militar que conferia grande força aos
seus detentores. De resto, o alinhamento de Fernando ao lado do seu irmão
em Alfarrobeira, pela força militar com que participou na luta contra o re-
gente D. Pedro, tinha sido decisivo na vitória da fação do jovem rei.
17
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
fusa organização das matérias e da cronologia, permanece inédito, apesar da sua impor-
tância.
18
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
D. Fernando teve nove filhos com sua mulher, e fundou com ela um
convento importante, Nossa Senhora da Conceição de Beja, da observância
franciscana, que haveria de ser também o panteão da família, por obra e gra-
ça da sua viúva D. Beatriz, que continuou o labor da fundação do convento
depois da sua morte.
Interroga-se o leitor sobre as relações que Leonor teria tido com seu pai.
Fraca pergunta, porque impossível de responder. As fontes não nos dão qua-
se nunca esse tipo de informação. Em todo o caso, o pai morreu novo, tendo
a filha apenas 12 anos. Como para muitos outros antes e depois dele, Leonor
foi seguramente uma filha para dar em casamento a um aliado. Mesmo ten-
do morrido cedo, o pai teve tempo de a apalavrar para casar com o menino
que levara nos braços à pia batismal, o sobrinho João. Segundo Góis, os
acordos deste casamento foram tratados em 1466, isto é, aos 8 anos de Leo-
nor e 11 do príncipe1. O autor ou autores dos «Apontamentos históricos»
dão no entanto um timing diferente para este acordo: verificou-se logo a se-
guir à expedição em que D. Fernando conquistou Anafé com autorização do
irmão, em 1468. Reza o texto:
«Neste tempo depois da vinda do infante D. Fernando acabou ele de fir-
mar de tudo com el rei seu irmão o casamento da senhora dona Leonor sua
filha com o príncipe D. João.
E assim consertou outro da senhora D. Isabel também sua filha legítima
com o conde de Guimarães e el rei por mais enobrecimento deste casamento
o fez duque da mesma vila de Guimarães sendo ainda vivo o duque de Bra-
gança seu pai por cuja morte sucedeu o título de dois ducados e etc.»2
19
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
20
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
21
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
uma caldeira com hissope para aspergir água benta, galhetas para guardar os
santos óleos. Não faltavam também objetos de uso profano como o tabuleiro
de xadrez, ou os essenciais e muito prestigiosos objetos de toilette, os espelhos
e pentes. Também se incluíam numerosos objetos para levar à mesa, em que
não faltavam as confeiteiras (para doces) e os oveiros (para ovos)1. Sinais de
distinção que, mais do que fornecerem os equipamentos necessários à vida
doméstica e aos cuidados do corpo e alma, simbolizavam o estatuto régio da
noiva e recordavam ao noivo o dever de o respeitar.
Estava portanto a infanta D. Beatriz suficientemente provida de bens ne-
cessários ao seu novo estado. Vejamos o que aconteceu nos vinte e três anos
em que esteve casada com o infante D. Fernando, antes de enviuvar em
1470.
Teve, segundo consta, nove filhos, o que significa que cumpriu o que se
esperava de uma nobre de alta estirpe em termos de reprodução biológica. Se
tivermos em conta que pode ter tido desmanchos, filhos mortos à nascença
ou de poucos dias que raramente deixavam vestígios documentais, provavel-
mente teríamos muito mais gravidezes. Mesmo os filhos de reis e rainhas em
exercício só são mencionados extensivamente nas crónicas quando vieram
a ser herdeiros ou herdeiras do trono. Quando o marido morreu, João era
o filho mais velho, dado como tendo 10 anos, ou seja, menos dois do que
a irmã. Apesar de não nos ser dito que Leonor foi a mais velha, parece ter si-
do o caso, ainda que continue por explicar o que aconteceu nos anos entre
1447 e 1458, isto é, entre a data do casamento e o nascimento de Leonor.
Teriam tido filhos entretanto mortos? Ou teria havido um longo período de
infertilidade, seguido por muitos filhos?
D. Beatriz sobreviveu mais de trinta e seis anos ao marido, e assumiu por
inteiro o comando da família durante a menoridade dos filhos, em nome dos
quais administrava o património da casa, uma grande fortuna e um enorme
poderio territorial. Sogra do rei, sogra do duque de Bragança — o número
dois no ranking do poder monárquico —, tutora de seus filhos rapazes me-
nores, tia da rainha de Castela, Isabel. Ao mais velho estava destinada a su-
cessão do mestrado da Ordem de Cristo, mas Beatriz assumiu durante breve
espaço de tempo a chefia da mesma, na qualidade de tutora de seu filho. Não
é difícil imaginá-la como uma mulher autónoma. A sua independência, no
entanto, sofria de uma desvantagem que a filha Leonor não terá aquando da
sua também prolongada viuvez. É que, enquanto mãe de filhos do sexo mas-
22
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
23
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
suía apenas uma filha e um filho e mantinha-se viúvo, contra os nove filhos
que nasceram a D. Beatriz. Era portanto uma aposta natural naquele mundo
e num meio em que a sucessão dinástica detinha uma importância crucial.
Após a morte do marido em setembro de 1470, conseguiu que D. Afonso V
abrisse um parêntese na Lei Mental para beneficiar os seus filhos varões mais
novos. Passo a explicar: a Lei Mental, promulgada pelo rei D. Duarte em
1434, pretendia que os bens da Coroa doados pelo rei fossem herdados ape-
nas pelos filhos varões legítimos primogénitos. Tentava-se deste modo asse-
gurar algum controlo régio sobre as doações de património da Coroa, multi-
plicando as situações em que estas poderiam voltar à posse direta do rei.
Uma das resoluções da lei era que, no caso de o rapaz mais velho falecer, não
só a herança não ficava automaticamente para o irmão a seguir, como voltava
para a posse da Coroa1. D. Beatriz conseguiu logo em 1471 que Afonso V
sancionasse a possibilidade de o seu filho D. Diogo herdar de seu irmão
João, que efetivamente veio a morrer no ano seguinte2. Mais uma vez, os
«Apontamentos históricos» já mencionados fornecem a data exata da sua
morte, até agora desconhecida: 16 de agosto de 14723.
D. Beatriz obteve também do rei, seu primo e cunhado, os privilégios
e liberdades de infantes do reino para os seus dois filhos mais velhos, João
e Diogo4. Tratava-se de um importante benefício, uma vez que assegurava
várias prerrogativas às terras que detinham, entre elas a de não fazer entrar
corregedores do rei, passando a justiça senhorial nelas praticada a ser autóno-
ma em relação à justiça régia. Estava-se então nas vésperas da concretização
do casamento da filha mais velha de D. Fernando e D. Beatriz, D. Leonor,
que a tornaria princesa, porque casada com o príncipe herdeiro D. João.
Mas, como vemos, D. Beatriz ia urdindo a sua teia, e esta dizia respeito a to-
dos os seus filhos, pelo menos àqueles que iam sobrevivendo à elevada mor-
talidade infantil da época. Nem tão-pouco deixava de pugnar para conservar
e até acrescentar o património que o ambicioso marido construíra em vida.
No capítulo seguinte, continuaremos a observar este tipo de comportamen-
tos linhagísticos. Em jeito de sumário, retenhamos que uma sucessão de pri-
vilégios foi aumentando a importância da família do duque de Viseu e Beja.
Pouco a pouco, foi-se estreitando um cerco em torno do rei e do seu filho, pri-
meiro por D. Fernando, que combinou o casamento das filhas, e depois por
24
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
25
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
26
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
27
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
triz] foi dado ao príncipe»1. Chegou este irmão à idade adulta, embora não
tivesse vivido além dos 20 anos, idade em que foi morto pelo próprio rei,
acusado de traição. Quanto ao irmão mais novo, D. Manuel, «rei felicíssimo
que foi destes reinos», viveria até aos 52 anos de idade, tendo morrido em
1521 após vinte e seis anos de reinado.
Para a nossa história, contam portanto os filhos sobreviventes: Leonor,
Isabel, duquesa de Bragança, e Manuel, que foi rei de Portugal. Diogo fará
apenas uma breve aparição nesta biografia, no capítulo terceiro, em que mor-
rerá apunhalado pelo cunhado. Deste trio que viveu até aos anos 20 do sécu-
lo xvi — Leonor, Isabel e Manuel —, ficar-nos-á, no entanto, uma impres-
são de proximidade afetiva e de intimidade familiar que me esforçarei por
tentar demonstrar ao longo desta biografia.
28
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
e não havia limites para o número de filhos a gerar. Afinal, era o próprio
tempo a recolocar as coisas no seu lugar: muitas das crianças acabavam por
morrer. Entre os reis portugueses, pode comparar-se o rei D. Manuel I com
D. João III: o primeiro teve treze filhos, dos quais nove chegaram à idade
adulta e o segundo, dez, mas nenhum ultrapassou a idade de 20 anos1. A sua
última biógrafa falou precisamente em «estrelas funestas» para designar a su-
cessão de mortes ocorrida entre os filhos de D. João III2. Alguns historiado-
res falam em lotaria demográfica para designar a imprevisibilidade do núme-
ro de filhos sobreviventes num determinado casal, bem como o eventual
desequilíbrio entre o número de filhos e filhas. Era mau ter apenas rapazes,
sem nenhuma filha para servir de peça de troca no mercado matrimonial,
mas também tê-las em demasia significava uma sangria do património fami-
liar em dotes de casamento. John Gillis chamou a atenção para algumas es-
pecificidades do casamento na alta aristocracia europeia. Segundo este autor,
a imprevisibilidade da sobrevivência da prole levaria a que a ênfase do casa-
mento nestas camadas sociais fosse colocada numa sequência ininterrupta de
gravidezes e de partos. Mal davam à luz, as mães entregavam as crianças
a amas, disponibilizando o seu corpo para nova gestação. A maternidade era
definida pela quantidade de filhos produzidos e o parto era o ponto de che-
gada, fazendo com que a criação e educação das crianças fossem aspetos se-
cundários da maternidade3. Não é portanto um acaso funesto, nem uma
ocorrência invulgar, que, dos nove filhos do casamento da infanta D. Beatriz
com o infante D. Fernando, apenas três estivessem vivos quando morreu em
1506.
Conhecemos o nome da ama de D. Leonor, que aparece em documento
muito posterior: Brianda do Carvalhal, agraciada por D. João II em 1485
com bens fundiários de natureza diversificada4. Ou seja, vinte e sete anos de-
pois do nascimento de D. Leonor, Brianda era ainda a sua ama. A condição
de ama era de resto vitalícia, fundando uma espécie de parentesco entre ama
e criança que durava toda a vida. De resto, passava-se o mesmo com os ir-
mãos de leite, que nas crónicas aparecem frequentemente designados por ir-
mãos colaços. A razão da importância deste laço era evidente para os contem-
porâneos: não se tratava de um parentesco fictício, mas verdadeiro, uma vez
que era uma ligação de sangue. O leite materno, não o esqueçamos, era
29
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
30
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
e a Latim» (1556), pp. 478-481. Sobre a educação na corte régia, cf. Matos, 1988,
pp. 499-592.
31
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
32
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
33
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
e irascível, D. João II, e depois positiva, ao lado de um rei que era «bom» ir-
mão e «bom» filho: D. Manuel, o mais novo da família. Como veremos mais
adiante, enquanto a sua vida conjugal foi marcada por uma elevada confli-
tualidade, especialmente nos últimos anos de vida do marido, a morte deste
dará lugar a um relacionamento pacífico com o seu irmão e rei D. Manuel I.
1 O pai, o duque D. Fernando I, viria a morrer apenas em 1478 (Sousa, História, vol. v,
p. 99).
2 O duque era viúvo de Leonor de Meneses. Cf. Martins, 2004, vol. i, p. 45.
34
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
35
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
36
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
brinha. Uma das obrigações dos reis em relação aos fidalgos da corte era
contribuir financeiramente para o casamento, e o mesmo deviam fazer as rai-
nhas e princesas relativamente às donzelas de sua casa. A família do noivo
comprometia-se a pagar arras a D. Isabel, em caso de morte do marido, e o
enxoval seria pertença completa da noiva: não fazia parte do dote, podendo
esta dispor dele livremente em testamento1. Note, leitor, nem tudo eram des-
vantagens para as mulheres deste tempo: neste caso, o contrato salvaguardava
as despesas pessoais da noiva e fazia dos trastes e roupas domésticas sua plena
propriedade.
Vejamos agora o contrato de Leonor: na ausência do pai da noiva, o rei
D. Afonso V concluiu-o com a viúva deste, a infanta D. Beatriz, já depois do
casamento consumado, a 16 de setembro de 1473, ou seja, dois anos depois.
Fica a impressão de que D. Fernando, duque de Viseu e Beja, conseguiu assi-
nar o contrato de casamento da filha mais nova, mas não o da mais velha,
que realizava o casamento mais importante, com o herdeiro do trono. O tex-
to do contrato começa por anunciar que D. Fernando tinha prometido em
vida a vila de Lagos como dote da filha; cabia agora ao seu sucessor, D. Dio-
go, duque de Viseu, honrar este compromisso2. À mãe, Beatriz, competia
doar à filha joias e corregimentos de casa, que, depois de avaliados, deviam
perfazer dez mil cruzados, em conjunto com as rendas provenientes da vila
de Lagos. Havia ainda a concessão de uma renda anual por parte da família
do noivo, que consistia nas terras habitualmente concedidas às rainhas de
Portugal para esse efeito: Sintra, Torres Vedras e Óbidos. No caso de Leonor
essa renda anual era compreensivelmente bastante mais alta do que a da
irmã: um milhão e meio contra 330 mil reais.
As obrigações contratuais da mãe de Leonor estendiam-se para além do
enxoval: seria ela que forneceria os oficiais e damas quando a princesa hou-
vesse de tomar casa com o príncipe. Ou seja: a casa da princesa seria formada
por gente proveniente de casa de sua mãe. Tal como aconteceu com a irmã
Isabel, a formação de uma casa própria foi posterior ao casamento, como ve-
remos no capítulo seguinte. A composição destas casas tinha a ver com um
leque de pessoas que realizavam todas as tarefas domésticas e administrativas
inerentes ao quotidiano dos príncipes e dos seus séquitos respetivos. Nas ca-
sas das princesas e rainhas as primeiras eram desempenhadas por mulheres,
enquanto os administrativos eram quase sempre homens (mas nem sempre).
37
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Voltaremos a tratar da escravaria doméstica de D. Leonor e sua mãe adiante nesta bio-
grafia.
2 Aram, 2005, pp. 118, 120-125 e 134-135.
38
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)
39
Capítulo 2
De princesa a rainha: do casamento à morte
de Afonso V (1471-1481)
2.1. O casamento
40
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
1 Ordenações Afonsinas, L.o III, títs. 120 e 126; L.o IV, tít. 99.
2 Sá, 2007, p. 22.
41
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
42
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
haveria por bom conselho, que vós senhor, ficásseis em companhia da prin-
cesa vossa mulher, cuja nova idade, e matrimónio, e não terdes ainda dela fi-
lho, nem filha, serem causa dela tomar desta vossa ida tanto desprazer, que
facilmente podereis de todo ser causa, e azo principal de sua morte». O prín-
cipe, rápido, respondeu que «do que tocara aos desgostos da princesa, os ho-
mens nas coisas que lhe muito cumpriam, se de facto eram homens, não de-
viam ter nenhuma conta com as tenções, nem desejos das mulheres, as quais
eram sempre mais inclinadas a seus particulares apetites, e vontades, que
a toda boa razão, e honra de seus maridos»1. De certa forma, estamos perante
um estereótipo das relações entre marido e mulher nesta época: afinal, fora
São Jerónimo que desaconselhara o excesso de paixão entre os cônjuges,
equiparando-o ao próprio adultério2. Em conformidade com estes preceitos,
aquilo que o príncipe quis dizer foi que a sua vontade se sobrepunha à da sua
jovem esposa, e que esta não tinha competência para se pronunciar sobre
a sua decisão. Outro comentário: na súplica que dirigiu ao conde, D. João
ameaçou duas coisas em caso de negativa do pai. Ou cairia numa grave doen-
ça com o «desprazer», ou seguiria o pai como aventureiro soldado. Depois,
foi a vez de o conde de Monsanto sugerir que D. Leonor podia morrer com
o desgosto da partida e eventual morte do príncipe na expedição. Arrisco um
comentário, porque as menções a mortes no seguimento de desgostos são
múltiplas na cronística e na literatura desta época. Ao invés de atribuírem
a morte a causas biológicas, ainda que a manifestação e progressão das doen-
ças pudessem ter causas psicológicas, como sucede hoje, estes homens e mu-
lheres colocavam desgostos de amor, humilhações públicas, por vezes simples
olhares, como causas imediatas de morte. Falaremos deste aspeto mais à fren-
te, quando mencionarmos o triste fim de muitos dos homens que conspira-
ram contra o marido de Leonor.
Portanto, neste início de casamento, que Damião de Góis afirma já con-
sumado por esta altura, o príncipe D. João não estava disposto a reconhecer
à mulher qualquer influência sobre a sua pessoa, tal como convinha a um
marido que se prezasse. E o príncipe acabou por ir a Arzila, partindo a ex-
pedição a 15 de agosto de 1471. A cidade foi tomada e saqueada, e D. João
feito cavaleiro de mão de seu pai, depois de uma arenga proferida pelo rei
que revela o quão presentes estavam no seu espírito os ideais medievais de ca-
valaria3. Não faltou nada no seu discurso no que respeita a lugares-comuns,
43
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
44
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
gação de religião viveu e acabou mui honesta e santamente sua vida no mos-
teiro de Odivelas onde jaz»1.
Rocha Madahil, que procurou reunir a documentação existente sobre
a princesa Joana, oferece algumas pistas plausíveis para alicerçar a pretensão
de que foi esta, como segunda na linha da sucessão ao trono, e não Leonor,
mera princesa consorte, a ficar com a regência. Publica uma carta em que
Joana comunicava à câmara de Lisboa a tomada de Arzila e Tânger, incum-
bindo o portador da carta de contar pormenores: «e este meu moço de estri-
beira vos contará as novas mais por extenso como se passaram», dizendo que
«o dito senhor rei me escreveu tudo por sua carta»2.
Um episódio ocorrido com a princesa D. Joana nos seus tempos de Odi-
velas revela bem a angústia dos governados ante a perspetiva de ficarem sem
herdeiro do trono. Nesse ano de 1471, em que o príncipe D. João ousara ir
a África com o rei em exercício e sem herdeiro próprio em perspetiva, os re-
presentantes das cidades e vilas de Portugal mostraram a sua preocupação pe-
rante a possibilidade de não haver herdeiro para o trono. A 22 de dezembro
apresentaram um protesto por a princesa se encontrar em Odivelas, e no dia
seguinte foram em pessoa ao convento expressar a sua preocupação por só
existirem dois potenciais herdeiros da Coroa. Pediram para falar com Joana,
mas esta não os recebeu. É interessante notar que o texto afirma por duas ve-
zes que fora D. Afonso V a ordenar a entrada da filha no mosteiro, primeiro
pela boca da própria princesa (em discurso indireto) e depois pela da abades-
sa do convento em representação da comunidade enclausurada3. O povo não
parecia conformar-se com a perda da princesa para o mundo: argumentavam
que o pai dela casara bem as próprias irmãs (Joana era rainha de Castela
e Leonor era imperatriz da Alemanha) e que a tia D. Isabel, filha de
D. João I, o da Boa Memória, casara com o duque de Borgonha já passava
dos 30 anos. Em suma: para a história que nos interessa, em dezembro ainda
não havia novas de uma possível gravidez de Leonor, a avaliar pela inquieta-
ção do povo.
O protesto popular contra a sua entrada em religião repetiu-se em 1475
em Aveiro, quando a princesa cortou os cabelos e vestiu as vestes da ordem
ao ingressar formalmente nas dominicanas observantes do Convento de Je-
sus. Vieram homens de todas as vilas e cidades do reino até à vila, tendo-se
juntado à porta do convento e mandado chamar a sua madre abadessa, Brites
1 Brandão, Conselho, fls. 9-15; BA, Cód. 51-V-69, fls. 197-199; citação no fl. 170.
2 Madahil, «Cartas», pp. 34-35 e 50.
3 Madahil, «Cartas», p. 16.
45
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Em Portugal, até ao século xviii, dava-se terminação no feminino aos apelidos das
46
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
fica atrás quando descreve os seus anos de vida enquanto príncipe, embora se
perceba que não o conheceu pessoalmente. Em nenhum momento vemos
D. João a hesitar ou a protelar decisões: pelo contrário, age no momento cer-
to com uma precisão quase cirúrgica. Príncipe perfeito, menos perfeito, ou
até mesmo imperfeito, como se quiser, vemos neste rei um inegável sentido
do imediato. Acompanhado por vezes de crueldade, e quase sempre violento.
Mais adiante haveremos de comentar o quanto era diferente do seu sucessor,
D. Manuel, que tinha o dom de saber esperar.
47
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Escudeiros 50
Moços fidalgos 15
Moços da câmara 12
Moços de estribeira 12
Besteiros da câmara 8
Monteiros de cavalo 1
Total 140
Fonte: Livro vermelho, pp. 477-478.
1 Veja-se a reconstituição da corte régia portuguesa do século xv efetuada por Rita Go-
mes, 2006, p. 48.
2 Gomes, 2003, p. 242.
48
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
sua maior desenvoltura no manejo das letras. Anos mais tarde, na corte da
rainha D. Catarina de Bragança (1507-1578), mulher do sobrinho de
D. Leonor, D. João III, nem todas as damas saberiam assinar o seu nome1.
Nesse mesmo ano de 1472, em agosto, deu entrada no Mosteiro de Jesus
de Aveiro a princesa D. Joana, única irmã de João, que, como vimos, tivera
a sua casa desfeita no ano anterior, quando se perspetivou a sua entrada num
convento, nessa altura o de Odivelas, onde se encontrava a sua tia materna,
Filipa. Opção da própria, não sabemos, mas a conjuntura de debilidade fi-
nanceira decerto que poupou à Coroa, embora não inteiramente, as despesas
inerentes à sua casa. Não totalmente, porque as princesas em conventos não
dispensavam por completo o seu grupo de criados e de acompanhantes. Daí
que a princesa recebesse uma tença substancial, de trezentos mil reais, mes-
mo já depois de abandonar a corte2. Mantinha por perto, também, a sua ama
e a covilheira (criada da câmara ou quarto), duas mulheres já de idade que
não a abandonavam, para além das suas escravas mouras, trazidas das campa-
nhas do Norte de África, que convertera ao cristianismo3.
49
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
50
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
51
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
52
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
fância. A de D. João, o filho varão mais velho, que chegou a herdar o título por morte do
pai em 1471, só recentemente foi encontrada (cf. nota anterior). De qualquer das formas,
a reconstituição é conjetural.
4 Almeida, 1967-1968, vol. i, pp. 506-507.
5 O episódio da entrada da princesa em Évora é narrado em BA, Cód. Ms. 51-V-69, fls.
175v e 191.
6 ADE, Livro 2.o de originais (72), fl. 87 [1482.4.27].
53
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
olhar das pessoas numa posição elevada, sem contacto direto com o piso tér-
reo. Se permanecesse num local fixo, a solução, em podendo ser, consistia em
assomar a uma varanda ou janela de um paço. Não o havendo, construía-se
um cadafalso ad hoc — uma estrutura de madeira com uma forma entre
a bancada e o palco, onde se sentava a pessoa principal no lugar de destaque,
no topo, e os seus acompanhantes nos patamares inferiores. Caso se encon-
trasse em trânsito, devia ser transportada por animais ou pessoas, num veícu-
lo especial. No exemplo vertente, dado que à época ainda não se usavam
coches, nem carros triunfais, pelo menos em Portugal, a princesa era trans-
portada em andas. Um dos homens escolhidos para carregar a princesa, de
seu nome João Mendes de Oliveira, deve ter entendido a sua tarefa como
uma despromoção. É que, se ser carregado era prestigioso, carregar era avil-
tante. E o momento foi registado num excerto de difícil leitura, e com tons
um tanto confusos, para quem lê o trecho quinhentos anos depois. No en-
tanto, conseguimos saber que Oliveira foi chamado à presença do rei e do
príncipe (Afonso V e D. João) e pagou uma multa de dez mil reais1.
Em dezembro de 1474, morreu Henrique IV rei de Castela. Pode per-
guntar-se o leitor em que é que isso contribuiu para a vida da nossa biografa-
da. Muito. A morte do rei vizinho esteve na origem de uma guerra que have-
ria de afetar o futuro dela, do marido, do filho de ambos e, por conseguinte
o futuro do reino, durante muitas décadas, e talvez séculos. Espero conseguir
explicar como e porquê ao longo das páginas que se seguem. Muito breve-
mente: esta guerra esteve na origem direta do primeiro de muitos casamentos
entre as casas reais portuguesa e castelhana. Bem entendido, não era a pri-
meira vez que se celebravam alianças matrimoniais com Castela, mas inaugu-
rar-se-á uma sequência de casamentos particularmente intensa a partir do fi-
nal desta guerra. Serão estes a fazer com que em 1580 o legítimo herdeiro da
Coroa portuguesa fosse Filipe II de Espanha, primeiro de Portugal. E que,
em 1640, subisse ao trono um dos titulares da Casa de Bragança, da qual se
falará muito ao longo deste livro.
54
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
55
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
então uma rapariga de 13 anos, e outro junto de Isabel. Era esta que congre-
gava agora os opositores ao falecido rei, já que Afonso tinha morrido no ano
anterior ao do casamento da irmã. Morto Afonso, que estava à frente de Isa-
bel na linha da sucessão, os partidários desta fação congregaram-se em torno
dela e do marido.
Dois dias depois da morte do rei Henrique IV, em Segóvia, Isabel, a Ca-
tólica, proclamou-se rainha de Castela, o que desencadeou uma reação ime-
diata de Afonso V. Este era irmão da viúva de Henrique IV, e estava disposto
a casar com a sobrinha para consolidar os seus direitos ao trono castelhano.
De resto, não foi uma ideia súbita do monarca português: há algum tempo
que vinham tendo lugar as negociações do casamento, bem como aproxima-
ções dos nobres afetos ao partido de Joana para conseguirem apoios junto do
rei português. Mas Isabel era já uma adversária de peso: casada com Fernan-
do de Aragão, demonstrava uma capacidade política que nunca se conheceu
a sua rival Joana, para além de ter no marido um aliado imprescindível, mais
interessado em ser consorte de uma rainha do que de uma princesa. O futuro
haveria de demonstrar que esta o seria de parte inteira, sem nunca abdicar
das suas prerrogativas régias em favor do marido: foram dois reis que reina-
ram juntos, e nenhum teve o papel de consorte do outro. Indícios existem,
até, de que Fernando seria o elo mais fraco do casamento1.
Hoje, as pretensões de Afonso V, precisamente porque perdeu a guerra,
parecem quixotescas, mas o rei tentou apenas a sorte, habituado como estava
aos sucessos militares das campanhas de África. Do ponto de vista estrita-
mente legal, tinha o direito romano pelo seu lado: na tradição latina, o pai
era sempre o homem casado com a mãe. Tratava-se de um princípio funcio-
nal, uma vez que, como o leitor poderá compreender, não havia meios cientí-
ficos para determinar a paternidade.
A este desejo de ser rei em Castela não eram alheias negociações de casa-
mento com a sobrinha D. Joana havidas algum tempo antes com Henrique.
De resto, diga-se de passagem, o rei português foi também um dos preten-
dentes que Isabel de Castela recusou antes de casar com Fernando de Aragão.
Ao declarar guerra a Castela, Afonso V acabou por lançar o reino em sérias
dificuldades, e teve de se valer do filho para o auxiliar. Segundo alguns,
o príncipe lamentaria então não se terem feito os casamentos que teriam evi-
tado o conflito, e que se chegaram a ventilar: se no seu devido momento
o pai tivesse casado com Isabel de Castela e ele próprio com D. Joana, seriam
56
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
57
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
58
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
Não cabe aqui detalhar as peripécias desta guerra, mas apenas determo-
-nos um pouco sobre a Batalha de Toro, que decidiu o seu desfecho. Foi tra-
vada em 1476, a 2 de março, e a participação portuguesa cifrou-se em duas
vertentes: por um lado, as tropas de Afonso V, claramente derrotadas, e, por
outro, os reforços do príncipe D. João que combateram com algum sucesso,
a ponto de este mandar celebrar anualmente uma festa pela vitória obtida1.
Em todo o caso, apesar de o príncipe cantar vitória, o certo é que para os
Castelhanos, como diz o historiador espanhol Manuel Fernández Álvarez,
Toro foi o equivalente ao que Aljubarrota significou para os Portugueses em
13852. Até um edifício para celebrar a vitória se construiu, à semelhança do
nosso mosteiro da Batalha —Santa Maria da Vitória, mais precisamente —,
o mosteiro franciscano de San Juan de los Reyes, que hoje se visita na cidade
de Toledo, embora muito restaurado depois dos estragos causados pela guer-
ra civil de Espanha (1936-1939).
Em todo o caso, resta-nos questionar se o príncipe D. João teria motivos
para consagrar o dia da batalha, a 2 de março, instituindo em 1482 uma pro-
cissão comemorativa. Pelo que se passou em seguida no que toca aos acordos
de paz, a situação parece mais um empate do que verdadeiramente uma vitó-
ria. Mas mesmo que as tropas portuguesas tivessem ganho a batalha (pelo
menos em parte), perderam a guerra. O casal régio, composto por um rei de
meia-idade e a sua jovem sobrinha, veio para Portugal e manteve a ficção do
título3. Um documento guardado no Arquivo Distrital de Beja dá o rei co-
mo «D. Afonso por graça de Deus rei de Castela de Leão de Portugal de To-
ledo de Sevilha de Galiza de Jaén, dos Algarves d’aquém e d’além mar em
África, de Aljaziira, de Gibraltar e senhor de Biscaia e de Molina etc...»4.
59
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
60
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
61
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
samento propriamente dito por palavras de presente só podia ter lugar aos 14
anos (leia-se a possibilidade legal de haver cópula carnal entre os noivos, con-
dição sine qua non da sua validação). E ainda, o príncipe podia recusar aquele
casamento, uma vez que, à face do direito canónico, o casamento requeria
o livre consentimento dos noivos. Foi esta uma regra do casamento no Oci-
dente, embora a teoria tivesse sofrido constantes atropelos, uma vez que não
era fácil para os noivos recusar os negócios firmados pelos pais1.
Desde logo, neste caso, Joana não estava em igualdade de circunstâncias
relativamente a João. Os acordos efetuados não contemplam a hipótese de
esta recusar nem o casamento projetado, nem a sua entrada no convento:
o seu livre arbítrio circunscrevia-se à escolha entre uma das duas opções. Este
arranjo matrimonial iniciava o texto do tratado e dele dependiam as cláusu-
las que se lhe seguiam.
Segundo a lógica política da época, o casamento podia servir para solidi-
ficar uma aliança entre inimigos, através de um dispositivo de absorção. Ou
seja, pretendia-se que através da união dos dois num só se neutralizasse a ani-
mosidade entre ambos. Mas havia aqui uma dificuldade, que era o facto de
o casamento não se poder realizar de imediato. O que fazer até que o peque-
no João tivesse idade para decidir o casamento? Foi então que se concebeu
um plano relativamente sofisticado de tomada recíproca de reféns, que os
historiadores conhecem por «terçarias de Moura». Tratava-se na prática de
uma dupla tomada de reféns: Portugal, através de um elemento «neutro»,
a infanta D. Beatriz, teria o herdeiro da Coroa portuguesa e a filha mais ve-
lha dos Reis Católicos à sua guarda; estes, para segurança do acordo, reteriam
na sua corte um dos filhos homens da infanta, de preferência o mais velho.
Devemos enquadrar essa tomada de reféns num contexto geral, relativa-
mente habitual na época nos reinos europeus, que consistia em incorporar os
inimigos ou potenciais rivais, fazendo-os criar na própria casa. Em Portugal,
podemos citar vários exemplos para este mesmo período: D. João II criou
o duque de Beja, sendo este o único filho varão que restava a sua tia Beatriz,
depois de o irmão, Diogo, duque de Viseu, lhe ter alegadamente tentado
usurpar o trono. D. Manuel I, por sua vez, fará o mesmo ao filho bastardo
de D. João II, D. Jorge, depois de este ter tentado legitimá-lo como herdeiro
junto da Santa Sé.
As terçarias consistiam uma solução que, para além de possibilitar alojar
estas potenciais ameaças debaixo do mesmo teto, e portanto tê-las sob con-
62
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
63
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
64
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
reitera o que dissemos atrás da incorporação dos inimigos: estes não tinham es-
tatuto de prisioneiros, mas conservavam a sua condição de origem.
65
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
real digladiando-se pelo poder. D. Afonso V quis ser rei de Castela à sua cus-
ta e, derrotado em Toro, teve rapidamente de desfazer um casamento que su-
postamente nunca teve lugar no corpo, apenas no papel. Quando casou com
ela, aguardava uma dispensa papal, que as crónicas portuguesas dizem nunca
ter chegado, atribuindo a sua falta à agência dos Reis Católicos. No passado,
tinha sido frequente prescindir destas licenças, mas os tempos estavam a mu-
dar: passou a ser um ponto fundamental tê-las obtido do papa antes de tran-
sitar das formalidades do casamento à comunicação carnal entre os despo-
sados.
Joana acabou por vir para Portugal no seguimento da derrota de Toro,
e preferiu o convento a casar com o herdeiro dos Reis Católicos. Professou
no Convento de Santa Clara de Coimbra, na presença do príncipe mas não
do rei seu marido, que não presenciou a cerimónia, muito perturbado pela
mudança da sorte da mulher1. A tomada de hábito de Joana foi uma exigên-
cia da paz firmada com os reis espanhóis. Entrou no Convento de Santa Clara
de Santarém no mês seguinte à assinatura do Tratado de Alcáçovas-Toledo,
em setembro de 1479, mas não completou o ano de noviciado neste convento,
devido a um rebate de peste, que a levou a Évora, onde ingressou no conven-
to local de clarissas2. Ao que parece, esteve também no Convento da Concei-
ção de Beja, mas veremos adiante como a vizinhança da infanta D. Beatriz
a penalizava. Daí foi para o Vimeiro, perto de Arraiolos, também por causa
da peste, onde se encontrava no verão de 1480; foi então que o príncipe
D. João a conduziu ao Convento de Santa Clara de Coimbra, onde viria a
professar em novembro desse ano. Todavia, os Reis Católicos queixavam-se
já em 1483 de que Joana não cumpria a clausura, andando por fora do con-
vento de Coimbra, onde tinha professado3.
Se lermos as crónicas sobre a sua tomada de hábito, o relato avizinha-se
inevitavelmente de um pranto fúnebre: a princesa cortando os cabelos e toda
a gente da sua casa a chorar. Antes da cerimónia, foi necessário que o prínci-
pe D. João falasse com Joana, acalmando-a e prometendo-lhe melhores dias.
Foi, é desnecessário dizer-se, uma violência sobre D. Joana, entalada entre
duas péssimas escolhas, uma apenas ligeiramente melhor do que a outra. Ou,
seja, esperar mais de dez anos por um noivo que a podia rejeitar, em Moura,
1 Pina, Crónicas, p. 874; Góis afirma que o desgosto do rei lhe apressou a morte (Cróni-
nhora D. Joana saísse da cidade, também atacada pela peste (Pereira, Documentos, pp. 363-
-364).
3 Azcona, 2007, p. 204.
66
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
numa situação de refém, uma vez que seria incluída nas terçarias; ou, — se-
gunda solução — entrar para um convento, com uma vocação religiosa que
não sentia1.
Tarsicio de Azcona, o historiador espanhol que mais estudou a figura de
D. Joana, levanta uma série de questões pertinentes, que relevam do seu es-
forço de reabilitação da princesa. Inquestionavelmente um adepto da teoria
de que Isabel, a Católica, usurpou os seus legítimos direitos ao trono, o autor
chamou a atenção para vários pontos importantes. O primeiro, que, contra-
riamente ao veiculado pela historiografia portuguesa, existiu uma dispensa
pontifícia e que o casamento dela com D. Afonso V não só era válido, como
se consumou. Sendo assim, o segundo argumento importante é o de que
a sua entrada em religião foi canonicamente ilegal, uma vez que só se Afon-
so V tivesse entrado em religião ao mesmo tempo que ela a sua profissão reli-
giosa podia ter lugar. Como o marido não o fez (apesar da intenção que ma-
nifestou por mais de uma vez de seguir a vida religiosa), D. Joana estava na
prática a quebrar unilateralmente os laços do matrimónio2. Refiro estas opi-
niões, de resto fundamentadas, porque, como o leitor sabe, a história é por
vezes coisa de vencedores, e ganhamos em sabedoria se soubermos analisá-la
do ponto de vista dos vencidos. A derrota de Joana não significa que Isabel
tivesse razão.
Joana haveria de ser uma presença a mais à roda da família real: discreta,
sem nunca deixar de assinar a papelada com um «Yo la reina», vivendo entre
o paço e o convento. O seu nome vinha à baila em qualquer negociação com
os Reis Católicos; estes queriam-na quieta e bem entregue, mas para Portugal
foi um trunfo a usar, pelo menos enquanto João II viveu. O problema não
residia muitas vezes na vontade das pessoas que podiam aspirar a um trono
— D. Joana pouco podia fazer sozinha —, mas na daqueles que o podiam
rodear. Assim, era fundamental cortar o acesso a esses «pretendentes» por
parte de estranhos e certificar-se de que permaneciam em ambientes protegi-
dos, ainda que à custa do seu isolamento, ou, no pior dos casos, da sua pri-
são. Para além de poder voltar a congregar os seus opositores em torno da
sua figura de herdeira do trono castelhano, ficava disponível para casar com
algum monarca que lhe contendesse os direitos. Daí que D. Joana fosse per-
dendo valor, à medida que envelhecia (diminuindo as suas hipóteses no mer-
cado matrimonial) e os Reis Católicos consolidavam o seu poder. Durante
1 O tratado previa que o herdeiro dos Reis Católicos decidisse se queria o casamento
quando perfizesse 14 anos em 1492 (Azcona, 2007, p. 177).
2 Azcona, 2007, pp. 123-128.
67
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
68
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
69
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
70
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
71
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
como a princesa Santa Joana. Também esta freira, desta vez num convento
de dominicanas observantes. Neste caso, situado num local que se tornaria
pouco frequentado pela corte régia no reinado de D. João II: a vila de Avei-
ro. Fundado por algumas pessoas provenientes da fação do príncipe regente
D. Pedro, derrotado em Alfarrobeira, o convento foi protegido por D. Afon-
so V, que aí fez instalar a filha, num processo acerca do qual subsistem infor-
mações contraditórias. Para uns, a vontade da princesa era dedicar a sua vida
a Deus; para outros, foram as elevadas despesas da sua casa que foram supri-
midas numa época de fracas finanças régias. Outro autor menciona um man-
cebo que ao fugir do paço deixou ficar um sapato para trás, sendo conse-
quentemente degolado1. Não sabemos se o rapaz pagou com a vida as
alegrias de uma noite no paço; semelhante tese é obviamente negada com to-
das as forças pelos que defendem a santidade da princesa. O seu biógrafo,
João Gonçalves Gaspar, recusa terminantemente a ideia, e Rocha Madahil,
embora sem pôr de parte a ideia de que houve outras razões, menciona tam-
bém os antecedentes místicos da princesa2. A história narrada por Margarida
Pinheiro, como vimos, apresenta uma mistura entre as duas versões, e é mais
ou menos seguida por Rocha Madahil. Segundo esta autora, nem o rei nem
o irmão da princesa, o príncipe D. João, tinham intenção de que professasse,
mas apenas que se recolhesse num convento. D. Joana contrariaria esse in-
tento, ao desejar a toda a força tornar-se freira professa, o que nunca chegou
a acontecer por razões políticas.
Antes de Aveiro, recolheu-se a princesa uns dias com a irmã da sua mãe,
a tia Filipa, no mosteiro de Odivelas. Sabemos já que o povo da cidade,
preocupado com a previsível perda de uma princesa jurada (não esqueçamos
que Joana era mais velha do que o príncipe D. João) e por conseguinte de
um herdeiro, irrompeu pelo convento a pedir à princesa que não porfiasse na
escolha da vida conventual. A princesa esquivou-se a enfrentar os peticioná-
rios. Mas por si só o episódio dá uma boa ideia da relação entre rei e reino
por esta época: uma relação de tipo paternal, em que o povo não queria ficar
órfão de rei.
A princesa Joana, tal como a Excelente Senhora, não parece ter figurado
entre as pessoas com as quais Leonor manteve relações estreitas. De resto, ve-
remos Leonor a dar-se de perto com o irmão Diogo enquanto foi vivo, com
Manuel, com a irmã Isabel, ainda com a mãe, mas nunca com personagens
colaterais, isto é, afastadas da sua linhagem imediata. De resto, com Joana
72
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
cedo haveria um motivo para algum afastamento: João confiaria à sua guarda
o filho bastardo Jorge. Góis diz que o rei o fez por «certos respeitos que hou-
ve» e mais adiante fala das discussões entre o casal por causa daquele filho.
De resto, há que referir que a situação de D. Jorge era agravada pelo facto de
ser um filho adulterino, nascido em agosto de 1481, no mesmo mês em que
Afonso V morreu. O direito considerava dois grandes tipos de filhos ilegíti-
mos, os filhos naturais (cujos pais podiam casar um com o outro) e os espú-
rios, ou filhos de coito danado, em que pendiam sobre os progenitores im-
pedimentos canónicos ao casamento (um deles era casado, etc...). Ou seja,
no caso de Jorge a situação legal de bastardia era francamente mais grave do
que se fosse um filho natural. No entanto, as leis portuguesas eram claras no
que toca à criação dos filhos ilegítimos, que em primeira instância cabia ao
pai custear1.
Era também um facto que a situação de bastardo de rei não era de modo
algum desfavorável. Não o foi, como veremos, para D. Jorge, que manteve
uma posição invejável até à sua morte. Tal como o filho ilegítimo de
D. João I, Afonso, esteve na origem da Casa de Bragança, também a descen-
dência de D. Jorge inaugurou a casa ducal de Aveiro. Vê-lo-emos mais à frente.
Pode ser interessante o facto de D. João II ter mandado aquele filho para
longe dos locais habitualmente frequentados pela corte. Aveiro não fazia par-
te dos roteiros habituais do rei, que incidiam sobre a zona centro-litoral e sul
do reino. Embora D. João II tenha ido a Aveiro pelo menos uma vez quando
D. Jorge lá estava, o facto é que a vila estava demasiado longe das cidades
e vilas onde a corte habitualmente estanciava. D. João III haveria de fazer
o mesmo, mandando criar em Guimarães no convento jerónimo de Santa
Marinha da Costa, longe dos olhares da corte, o seu único bastardo Duarte
(este, ao contrário de Jorge, filho natural e não adulterino, porque havido
antes do casamento)2. Outro bastardo com futuro assegurado, se não tivesse
morrido cedo, já arcebispo de Braga, embora tivesse aproveitado as avultadas
rendas do arcebispado — as mais altas do reino — para se instalar na corte.
Voltemos a Jorge, que será, como veremos mais adiante, uma causa de
mal-estar para a nossa biografada. A tia Joana morreu cedo: em 1490 já
D. João II pedia a indulgência da mulher face à vinda do seu filho Jorge para
a corte. A princesa, depois de uma doença relativamente breve, tinha expira-
1 E só a outras entidades na falta deste. Sobre este assunto, cf. Sá, 1992, pp. 75-89.
2 Buescu, 2005, pp. 174-180.
73
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
do, despedindo-se no leito de morte do sobrinho por cuja criação tinha zela-
do nove anos, desde que Jorge lhe fora entregue aos três meses de idade.
A sua educação prosseguiu depois na corte, na qual figura a personagem de
Cataldo Sículo, um humanista siciliano que foi seu precetor.
Não sabemos como foi a infância desta criança, num meio onde predo-
minavam mulheres. As crónicas dizem-nos que partilhava os aposentos da
tia, o que é sintomático da preocupação de lhe assegurar proteção. Afinal,
o que as crónicas ressaltam é a preocupação de D. João II com aquele filho,
ao confiá-lo a sua irmã. A verdade é que não restavam muitos parentes ime-
diatos a D. João II. Com o mesmo sangue, só mesmo Joana. Os Bragança
e os Viseu-Beja não eram uma opção já naquele verão de 1481, em que
o príncipe ascendia ao trono por morte do pai. Rui de Pina alude a conversas
secretas entre pai e filho ocorridas nesse último ano de vida de D. Afonso V,
em que um dos temas seriam os Bragança e as desavenças que, na opinião do
próprio rei, estalariam mais tarde ou mais cedo entre o príncipe e eles1.
Estranhamente, sobreviveu um livrinho onde se apontam os bens doados
ao Convento de Jesus de Aveiro nos primeiros tempos da sua fundação,
ocorrida em 1465, anotando não só os móveis e imóveis doados, mas tam-
bém a identidade dos doadores. A rainha D. Leonor está presente, ao passo
que D. João II não consta da lista. Não deixa de ser estranho, se considerar-
mos que temos doações de praticamente todas as personagens de que falámos
até agora: a mãe de Jorge, D. Ana de Mendonça, de D. Manuel I, de D. Jor-
ge já mestre de Santiago e duque de Coimbra, da Excelente Senhora e da
própria princesa Santa Joana, como não podia deixar de ser2. Pena que não
haja indicação sobre as datas em que os doadores obsequiaram o convento: se
Leonor lhe tivesse feito doações nos nove anos em que Jorge aí morou, seria
um dado importante sobre a capacidade de perdoar da rainha. Mas, à falta
de data, esse presente pode ser anterior a 1481 ou posterior a 1490.
A partir do século xvii, Joana haveria de ser transformada no emblema
da cidade de Aveiro, ao mesmo tempo que se multiplicavam os esforços ten-
dentes à sua canonização, ainda patentes nos painéis pintados no século xviii
que ornam os seus antigos aposentos junto ao coro alto do convento. A ca-
nonização não chegou a acontecer, apesar dos esforços em contrário no sécu-
lo xviii, mas a princesa foi beatificada em 16933.
74
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
75
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
76
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
atuais. Ainda segundo este autor, mais tarde, a seguir à morte do seu único
filho, D. Leonor e D. João II haveriam também de se refugiar no convento
uns dias, a fim de juntar forças para poderem retomar a sua vida pública, in-
terrompida pelo desgosto1. Ajudava na popularidade deste tipo de conventos
a memória do santo franciscano português, Santo António de Lisboa. A ge-
nerosidade régia incluía contrapartidas, como neste caso a reserva do direito
de padroado que Afonso V obteve do papa Sisto IV em 1472, reservando-o
para si e seus sucessores2.
Todos os cronistas referem o estado de espírito de D. Afonso V nos últi-
mos quatro anos de vida, a seguir à derrota de Toro, como de desilusão pro-
funda. Afastado da sua segunda mulher por imposição dos vencedores caste-
lhanos, secundarizado por um filho cada vez mais familiarizado com os
problemas do mando, muitas vezes chamado a substituí-lo, esta imagem de
um rei recolhido num convento é também relativamente comum entre os
monarcas e nobres de alta estirpe da época, embora nem todos renunciassem
às suas obrigações.
O rei haveria de morrer em Sintra, no mesmo quarto onde nascera qua-
renta e nove anos antes. No seu último mês de vida, nasceu o segundo dos
seus dois únicos netos, Jorge, filho da ligação adulterina entre o príncipe
D. João e D. Ana de Mendonça, uma fidalga de família ligada à Ordem de
Santiago de Espada, da qual o próprio rei era grão-mestre por esses anos3. Ela
própria viria a ser comendadeira do mosteiro de Santos, casa-mãe do ramo
feminino desta ordem militar. D. Ana era também uma das donzelas da casa
da Excelente Senhora, e tudo aponta para que o rei e ela tivessem gerado o fi-
lho em novembro do ano anterior, pela altura em que tivera lugar a profissão
de fé da Excelente Senhora nas clarissas de Coimbra4. Não sabemos se Afon-
so V teve conhecimento da existência deste neto, ele que não tinha nenhum
filho ilegítimo reconhecido, mas, uma vez mais, passava-se com o seu nasci-
mento aquilo que ocorrera cinco anos antes com o do herdeiro legítimo
Afonso. Então, era a expedição a Castela para participar na guerra de suces-
são que se preparava; agora a morte do rei obrigava à sucessão de D. João II,
com as inevitáveis cerimónias de levantamento. Por ocasião destes dois nasci-
mentos, portanto, outros acontecimentos de maior importância os parecem
ter ofuscado. O certo é que, estranhamente, nem o batismo de Afonso foi re-
77
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
78
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)
79
Capítulo 3
Rei contra duques: Leonor foi à guerra?
(1481-1489)
«Convém notar que se inspira ódio tanto pelas boas como pe-
las más acções. Além disso, se o príncipe quer conservar os
seus Estados, vê-se muitas vezes constrangido a não ser bom.»
Maquiavel, O príncipe, p. 103
80
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
81
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
82
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
como se disse, os reis não precisavam de sair do palácio para correrem perigo
de vida.
Interessa-me aqui analisar as conspirações contra D. João II do ponto de
vista de D. Leonor. Sabemos há muito que os seus sentimentos nos estão ve-
dados por uma impossibilidade técnica. Mas aqui e ali, fui tentando recolher
referências ao que se podia ter passado com a rainha naqueles anos tão ingra-
tos para a sua parentela próxima. Teria a rainha estado implicada nas conspi-
rações? É pouco provável, porque o seu filho era o herdeiro legítimo do tro-
no, e seria espinhoso confiar quer no cunhado quer no irmão para
assegurarem os seus direitos. Quem lhe garantiria que estes, mesmo prome-
tendo dar o trono ao príncipe, o fariam quando o príncipe chegasse à idade
de governar? Por outro lado, se esteve implicada, como poderia D. João II
proceder contra ela? Como poderia ele explicar a condenação de uma mu-
lher, ainda para mais a sua? E Beatriz, mãe do duque de Viseu e da rainha?
Teria estado a par do que se passava? Qual a participação destas figuras nos
bastidores das conjuras?
Os textos não andam muito longe de sugerir que a rainha sabia do que se
estava a passar, ainda que pudesse não saber tudo. E sabemos também taxati-
vamente que sua mãe D. Beatriz comungava dos interesses do seu genro e fi-
lho. As suas cartas não deixam dúvidas sobre as suas lealdades relativamente
aos grandes senhores do reino, sendo que ela mesma era um dos mais impor-
tantes entre eles, enquanto viúva do duque de Viseu-Beja e infanta por direi-
to próprio. Mãe e filha podiam ter participado nas conjuras, ou pelo menos
percebido as ameaças a pairar no ar. Vê-lo-emos mais à frente.
Vejamos sumariamente o que os textos dizem que se passou, procurando
transmitir a versão dos vencedores e dos vencidos. É obvio que nem uns nem
outros contarão a verdade, parcial ou total que seja: quando falamos de rela-
tos de acontecimentos nunca podemos ter a certeza de nada. As conspirações
podiam nem sequer ter existido, e constituir manobras maquiavélicas de
D. João II para eliminar a concorrência em tempos de afirmação das monar-
quias face a aristocracias demasiado poderosas e turbulentas. Pelo menos
a ocorrência da primeira delas, em que morreu o duque de Bragança, é nega-
da por alguns historiadores. Entre eles, conta-se Rodrigues Lapa, autor de
um minucioso estudo sobre o fim das terçarias e sobre a prisão e consequente
execução do duque, e, mais recentemente, Pina Martins1. Perante todas essas
hipóteses, mais não podemos fazer do que voltar a ler a documentação e re-
83
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
fletir sobre as narrativas que constroem, quer estas sejam verdadeiras, falsas,
ou as duas coisas ao mesmo tempo — o que parece mais plausível.
Veremos com algum detalhe estes três episódios. O primeiro contará
a história dos antecedentes próximos das hostilidades, o segundo o da prisão
e julgamento de D. Fernando II, terceiro duque de Bragança, e o terceiro
a morte do duque de Viseu, D. Diogo. Não será fácil narrar estes aconteci-
mentos, uma vez que protagonistas e motivos se misturam confusamente,
como em todas as conspirações. Ainda para mais, tentaremos ouvir os cons-
piradores através dos textos que deixaram: queremos tentar perceber ambos
os lados da questão, uma vez que é próprio dos assuntos controversos cons-
truírem narrativas antagónicas. Não sabemos se conseguiremos os nossos in-
tentos neste capítulo, mas em todo o caso cabe-me explicar porque o faço,
quando poderia esquivar o assunto (sim, leitor, os autores só escrevem sobre
o que querem, como já deve ter suspeitado...). A razão é muito simples. Há
várias coisas nesta história que lembram Shakespeare, para além do contexto
histórico vagamente próximo (finais da Idade Média e Renascimento): o en-
redo trágico, a turbulência do contexto familiar que evoca, a violência das
paixões que nela se cruzam. Afetos desencontrados, ambições de poder, riva-
lidades e faccionalismos: mistura explosiva a que ainda não somos alheios
neste início do século xxi e que, justamente por isso, tem todos os ingredien-
tes para cativar a nossa atenção.
84
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
85
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
86
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
87
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
do em conselho, o qual deu muitas razões, e acabado que falou se foi do con-
selho e deu-se esta determinação». Ou seja, a decisão final foi tomada já sem
a presença do duque, que se tinha retirado. Bastante mais velho do que o rei,
homem experiente, haverá de se ter sentido agravado com as novidades que
este, apenas chegado ao trono, introduzia na governação do reino.
O conselho elaborou um texto final, que corresponderia ao juramento
que cada fidalgo assinaria no final da cerimónia1. Os detentores de fortalezas
obrigavam-se a nelas acolher o rei quando este o solicitasse, a fazer guerra
e paz por sua ordem e a entregar-lhas quando o rei o determinasse, a ele ou
a alguém com poderes para tal. Compreende-se o que enraivecia os fidalgos:
não apenas a perspetiva de ter de entregar as fortalezas a mando do rei, mas
fazê-lo por interposta pessoa, a mandantes seus.
88
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
89
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
«criado» seu. Vimos este prelado há pouco a jurar em nome dos outros bis-
pos portugueses; os Bragança votar-lhe-iam uma inimizade constante, princi-
palmente quando passou a bispo de Braga, a mais importante diocese do rei-
no1. Tendo o marquês insultado o bispo, o rei castigou-o com a expulsão da
vila2. A propósito deste incidente, a infanta D. Beatriz escreveu ao rei, pedin-
do-lhe «temperança» nestas coisas, «especialmente nesta que tanto toca ao
duque e a seus irmãos», isto é, que «sua senhoria queira ter maneira como
a todos pareça que o que ele fez ao marquês não foi por lhe ter má vontade
nem por folgar de o agravar mas que o que sua Alteza nisso fez foi por lhe es-
tranhar o que se passou entre ele e o bispo». Diplomática, sem dúvida, a car-
ta, mas é por demais óbvio o alinhamento da infanta pelo bando do duque
de Bragança; o rei, curiosamente, escreveu na resposta que lhe enviou que ti-
nha agido de forma refletida, devidamente apoiado pelo seu conselho3.
1 Sobre este bispo, cf. Almeida, 1967, vol. i, pp. 500-501 e 503.
2 Resende, Crónica, p. 38.
3 Chaves, Livro de apontamentos, pp. 290-293. Citações na p. 291.
4 BPE, Cód. CIII/2-20, fls. 3-9.
90
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
de existirem, até por inerência dos acordos de paz com Castela no seguimen-
to da derrota de Toro, projetos de casar o príncipe herdeiro com uma destas
raparigas, a iniciativa do «negócio» soava claramente a atrevimento por parte
do duque e da infanta. Ainda que, como sabemos, os Reis Católicos dispu-
sessem à data de três filhas para negociar nos mercados dinásticos europeus,
e tivessem portanto oferta bastante para contentar vários pretendentes1. Por
outro lado, sabemos que nem todas as negociações de casamento eram frutí-
feras e muitas delas não chegavam a transformar-se em contratos de casa-
mento. A carta ilustra isso mesmo, já que um dos seus conteúdos é precisa-
mente o «dote» que a filha do rei de Castela haveria de trazer para a Casa de
Viseu-Beja. Um casamento que não passou do papel, como tantos outros.
A data é de 22 de agosto de 1480, ou seja, dias antes de o próprio D. Afon-
so V morrer em Sintra e de D. João II subir ao trono2. Daqui se pode talvez
inferir que o duque poderia ter alimentado eventualmente esperanças de o
fazer aprovar por D. Afonso V, goradas pela morte súbita deste último.
A terceira carta, escrita pelo duque em 11 de setembro do mesmo ano
a partir da cidade de Bragança, e dirigida a Lopo de Atouguia, um homizia-
do em Castela que serviu durante algum tempo de elo de comunicação com
os Reis Católicos, punha claramente o duque ao serviço destes últimos, sen-
do que talvez o mais grave residisse no facto de o fazer às escondidas do rei.
Escreveu até o duque: «há mais que falar, do que escrever». A resposta, de 20
do mesmo mês, não diz grande coisa (pelo menos em aparência), mas deixa
entrever um dado importante: os reis de Castela agiam com prudência, evi-
tando comprometer-se. Primeiro, este era um assunto mais de Isabel do que
de Fernando, uma vez que a parente direta de D. Beatriz era ela. Sendo Isa-
bel filha de uma louca, era natural que se tivesse afeiçoado à figura da tia,
que deveria ser o oposto da insanidade mental da irmã (aqui estou a especu-
lar, como o leitor muito bem sabe). Mas na carta seguinte, escrevia a própria
rainha de Castela uma missiva curta, em que protestava o amor que a unia
à tia Beatriz, e aludia a umas conversas com um tal Frei António, para quem
remetia o duque: «rogamos lhe deis inteira fé e confiança»3. A carta era de
Valhadolide, datada de 1481, ainda que o mês esteja penosamente ausente
do texto. Nesta época, as informações importantes não iam por carta, e a fi-
gura do interlocutor de confiança era fundamental. A minha experiência é de
que as cartas falavam mais depressa sobre trivialidades do que sobre matérias
91
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
92
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
93
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
94
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
criados dos Bragança que os vão traindo. Deste lado, não parece haver ne-
nhuma informação certa, mas o mal-estar e a ameaça pairam no ar: a ponto
de se dizer que o duque podia ter evitado ir a Évora. O facto de D. João II
ter esperado pelo fim das terçarias também demonstra uma de duas, ou am-
bas, coisas: que ele tinha medo da reação de Beatriz, sua sogra, e do duque,
ou temia pelo que os Reis Católicos pudessem fazer ao seu filho caso atacasse
o duque de Bragança. Daí que todas as decisões de D. João II tivessem sido
tomadas tendo o seu único filho como elemento decisivo.
O desfecho deste caso é igualmente rápido: em três semanas o duque foi
julgado, rapidamente condenado e degolado na praça de Évora. Os seus
companheiros de conspiração são executados ou fogem rapidamente para
Castela. Tudo escorado na legalidade da justiça, num processo em que parti-
ciparam alguns dos mais importantes juristas do reino. Um total de 21 juízes
votaram por unanimidade a sentença de morte do duque, dos quais se co-
nhecem os nomes de 19: cinco juristas, dois cidadãos de Évora e 12 nobres1.
Ao contrário do que haveria de suceder com a morte do jovem Diogo, duque
de Viseu, havia as provas documentais que D. João II tinha compilado,
e portanto matéria de julgamento. Diogo seria executado, e não julgado.
Mas também o julgamento do seu cunhado Fernando parece estranhamente
conforme à vontade do rei: 21 votos a favor da culpa do duque? Seja como
for, a sua sentença, datada de 20 de maio, inclui várias coisas importantes.
Em primeiro lugar, refere-se a cartas não incluídas no tratado de Lopo de Fi-
gueiredo, entre elas uma do marquês de Montemor, irmão do duque D. Fer-
nando, onde, entre outras coisas, este dizia que o trono de Portugal pertencia
a Fernando de Castela e instigava os Reis Católicos a enviar quatro mil lan-
ças à conquista de Portugal. E ainda uma acusação gravíssima: acusava-se
o duque de ter escrito à rainha de Castela dizendo que Afonso V tinha mor-
rido envenenado pelo bispo de Braga a mando de D. João II; o bispo era ini-
migo dos irmãos Bragança, também estes na mira do veneno de D. João II2.
Pedro Jusarte, criado do duque, fora a Castela com esta carta, mas voltara
quase de mãos a abanar. Isabel de Castela queria, ao que parece, dados con-
cretos: os nomes das fortalezas e das pessoas que estavam pelos Bragança. Fora
então que Pedro Jusarte colocara o rei ao corrente do que se estava a passar.
A sentença acusava também D. Fernando de se ter oposto ao desfazimento
das terçarias, conseguindo que o seu correio se adiantasse ao de D. João II.
Finalmente, culpava-se D. Fernando de ter cometido atropelos de justiça nas
95
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
suas terras: ou seja, uma insinuação clara de que D. João II precisava de lhes
pôr cobro, conforme era sua obrigação de rei. A sentença mandava degolar
o duque e confiscar todos os seus bens em benefício da Coroa.
Mais tarde, o doutor Diogo Pinheiro haveria de escrever um manifesto
pondo a nu as irregularidades de D. João II em todo o processo, e declaran-
do nula a sentença então proferida. Entre elas, a ausência de uma defesa do
duque durante o julgamento; o facto de as testemunhas serem conhecida-
mente inimigos dele; e de as escrituras apresentadas como prova serem cópias
de cópias, e não os originais. «Papelejos», como lhes chama o jurista. Mas
ainda mais: acusa os delatores e testemunhas de terem ficado com parte da
propriedade confiscada ao duque, e algumas delas de terem sido subornadas.
Lopo de Figueiredo tinha sido expulso da casa do duque por ser falsário e la-
drão; ficou com bens que o duque tinha em Lisboa. Uma das testemunhas,
que se recusou a falar contra o duque, a quem servia, foi degredada para São
Tomé, onde veio a morrer. Foi o único caso, porque todos os outros recebe-
ram não apenas a vida, mas também a abastança. Pinheiro acusa ainda Pedro
Jusarte de só ter denunciado a conspiração quando viu que os Reis Católicos
se desinteressaram do caso, e não antes. Aqui temos um ponto essencial:
Diogo Pinheiro está implicitamente a reconhecer que havia tratos com os
Reis Católicos por parte do duque ou dos seus irmãos. Mais à frente no tex-
to, implica nesses negócios o marquês de Montemor, como sabemos o mais
desabrido inimigo do rei, sem atribuir culpas ao duque. Diogo Pinheiro
escreveu este manifesto obviamente depois da reabilitação dos Bragança a
seguir à morte de D. João II, e, como seria de esperar, foi homem afeto a
D. Manuel I, que o fez desembargador do paço e bispo do Funchal logo no
ano da criação deste bispado em 15141.
Do ponto de vista da rainha, esta conspiração resultou na viuvez da irmã,
com filhos pequenos rapidamente expedidos para Castela, onde ficaram
a cargo da prima Isabel, a Católica, acompanhada da supressão da Casa de
Bragança em termos nominais e patrimoniais. A irmã Isabel ficou dependen-
te da mãe e dos irmãos, portanto, e afastada da companhia dos filhos, com
exceção de uma filha pequena, Margarida, que morreu pouco depois. Ao sa-
ber da prisão do marido, os três filhos varões foram rapidamente para a corte
dos Reis Católicos em Castela: Filipe morreria por lá, mas os outros dois, Jai-
me e Dinis, voltariam ao reino depois da morte de D. João II2. Mais tarde,
1 Sousa, Provas, T. III, Parte II, pp. 240-261; Almeida, 1968, vol. ii, p. 696.
2 Pina, Crónicas, p. 919.
96
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
sabemos que Isabel vivia praticamente junto da irmã; por ora, parece ter-se
refugiado em Beja, junto da mãe, sem os filhos, e destituída da fazenda e tí-
tulo. O crime de traição em que o duque incorrera justificava plenamente
a supressão da Casa de Bragança e o confisco de todos os seus bens para
o rei. Foi precisamente o facto de este ter procedido a essa expropriação que
lançou a suspeita, tanto a contemporâneos como a historiadores, de que as
conspirações foram um pretexto para aumentar o património e rendas da
Coroa.
Não se pode portanto dizer que D. João II contrariasse o preceito de Ma-
quiavel segundo o qual nunca se devem fazer feridas pequenas aos inimigos1.
Nem que a corte de Isabel, a Católica não estivesse pronta a acolher os paren-
tes da rainha caídos em desgraça; os filhos do duque lá haveriam de perma-
necer durante treze anos2. Foram, sem margem para dúvidas, protegidos pe-
los reis Católicos, que os trouxeram na sua corte, e cujas despesas anotam
sempre os gastos com estas crianças3. Mas o silêncio dos reis em todo este ca-
so, bem como a ambiguidade das posições tomadas, permite sugerir que te-
riam tido um interesse meramente residual numa eventual destronização de
D. João II. Ou, pelo menos, a prudência ditou que aguardassem por factos
e menos por esperanças.
Mas o programa justiceiro de D. João II tinha claramente em mente eli-
minar toda a Casa dos Bragança: D. João, marquês de Montemor, tido como
o seu mais desabrido e acirrado inimigo, foi igualmente condenado4. É este
o personagem do qual se produz a imagem mais negra: de todos os ditos
conspiradores, é o único cuja oposição ao rei surge sempre claramente ex-
pressa. No entanto, a responsabilidade dos seus atos abatia-se sobre o irmão
Fernando, a quem competia, como chefe da casa, corrigir os desmandos da
sua gente5. Tendo D. João fugido para Castela, o rei fê-lo executar em efígie
em Abrantes, substituindo-o por uma estátua, da qual saiu sangue no mo-
mento da degolação, depois de lhe terem sido tirados todos os objetos que
simbolizavam poder: a espada (porque tinha sido desleal) e a bandeira (por-
que não tinha respeitado a honra e estado do rei). O boneco foi em seguida
despojado da «cota de armas, da armadura da cabeça e de todas as peças de
armas», até ficar em calças e gibão. Finalmente cortaram-lhe a cabeça, e foi
97
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
então que saiu o sangue. Finalmente, deitou-se fogo ao cadafalso onde estava
a estátua do justiçado. Mas é interessante que Resende conte que o marquês
tenha morrido com a notícia da sua execução: «e o marquês sendo disto sabe-
dor foi muito enojado, e triste, e daí a pouco tempo se finou em Castela, on-
de ele estava»1. Ou seja, perdida a sua dignidade (a ponto de ficar «desarma-
do»), o duque morreu.
O terceiro dos quatro irmãos, D. Afonso, conde de Faro, fugiu para
a Andaluzia, onde morreu passado pouco tempo. Apesar de Garcia de Resen-
de afirmar que o rei o considerou depois inocente, a sua sentença, dada já de-
pois da morte do conde, considerava-o culpado2. D. Álvaro, em contraparti-
da, saiu do reino com autorização do rei; fixou-se na corte dos Reis
Católicos, onde exerceu lugares de grande importância. Uma das suas filhas,
que tinha ficado em Portugal, foi criada na casa da nossa rainha e viria a ca-
sar com D. Jorge, filho bastardo do rei3. Voltaremos a falar deste casamento,
porque por alturas de 1483 D. Jorge tinha apenas 2 anos, e crescia no con-
vento de Aveiro com a tia, a princesa D. Joana. Ao contrário dos três irmãos,
D. Álvaro morreu velho, e seria inimigo confesso de D. João II até à morte
deste. Escreveria um fortíssimo libelo acusatório contra o rei, de que daremos
conta na devida altura.
D. Diogo, duque de Viseu, que D. João II sabia que alinhava pelo duque
de Bragança, recebeu apenas um raspanete do rei logo no dia seguinte à pri-
são do cunhado. O teor da repreensão mostra o quanto o rei tinha em consi-
deração o facto de o duque ser irmão da mulher. Mas não deixou de lhe dizer
que tinha matéria para o castigar como aos outros: apenas o parentesco —
era filho do irmão do pai do rei —, a sua pouca idade e «principalmente por
a rainha sua irmã» faziam com que lhe perdoasse. E diz ainda que a rainha fi-
cou especialmente agradecida ao rei: «E a rainha, que isto muito estimou,
com palavras de grande amor, e muita prudência o teve em muita mercê a el
rei.»4 Ou seja, naquele momento o rei soube onde havia de parar de castigar,
o que indicia que provavelmente teria feito o mesmo se a mulher e a sogra
nalgum momento tivessem alinhado com os conjurados. Especulemos um
pouco, caro leitor. Não era muito frequente na época tratar da mesma forma
mulheres e inimigos do sexo masculino, pelo que, mesmo que o rei lhes atri-
buísse culpas, teria de lidar com o problema de outro modo.
98
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
99
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
100
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
101
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
portava com a rainha nessa época, como o livre acesso que teria ao colo de
outras damas.
A seguir à morte de D. Diogo, D. João II procedeu a outra limpeza de
conspiradores, tal como havia feito aquando da primeira conspiração. Quem
foram então as vítimas? Em primeiro lugar, o bispo de Évora, D. Garcia de
Meneses. Era este um homem que tinha desempenhado os mais altos cargos
em vida de D. Afonso V; fora inclusivamente enviado ao papa Sisto IV, pe-
rante o qual proferiu um discurso de sua autoria, ao que parece num latim
irrepreensível. Mas estava também habituado a pegar em armas, como acon-
teceu durante a guerra da sucessão de Espanha, embora a sua intervenção se
tenha saldado num fracasso1. Conta Resende que estava com a rainha «ao
tempo da morte do duque»2. Terá abandonado a sua companhia para ser
preso, levado ao castelo de Palmela, encerrado numa cisterna sem água den-
tro da torre de menagem respetiva. Morreria dentro de dias, sendo outra da-
quelas mortes das quais se suspeitou de peçonha (veneno).
A lista dos justiçados continua: D. Fernando Martins, D. Guterre,
D. Pedro de Ataíde. Fernão da Silveira conseguiu fugir, mas a raiva do rei
perseguiu-o até Avinhão, onde seria morto daí a cinco anos, por um esbirro
de D. João II. A sua sentença revela que D. João II considerava a sua traição
a mais lesiva de todas: tinha sido criado pelo rei de «moço pequeno», e servia
muitas vezes de seu escrivão da puridade3. De entre os escrivães que serviam
o rei, era este um lugar de confiança, porque por ele passavam assuntos de
melindre e até segredos.
D. Álvaro de Ataíde, que ao que parece tinha a incumbência de se apo-
derar da Excelente Senhora para a negociar com os reis de Castela, se a con-
jura viesse a bom termo, conseguiu fugir. Manteve-se em Castela até que
o indulto de D. Manuel o fez regressar ao reino, onde casou, vindo a ser pai
de D. António de Ataíde, depois conde da Castanheira, o famoso valido de
D. João III. Merece um reparo da nossa parte a valia que D. Joana continua-
va a ter para os Reis Católicos, sempre inquietos com a sua presença em Por-
tugal, e a forma como tanto D. João II como os seus inimigos a negociavam.
Na década de 80 do século xv, era um importante trunfo para uns e outros,
tanto para a fação de D. João II como para os seus inimigos.
102
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
103
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
104
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
crituras e doações que lhe furtastes do cofre que a senhora sua mãe deixou
em guarda na câmara da rainha vossa mulher»1. Um dos seis padres que as-
sistiram aos últimos momentos do duque, de seu nome Domingos Gonçal-
ves, era confessor da rainha. D. Álvaro, um dos quatro irmãos Bragança, nu-
ma carta que escreveu a D. João II denunciando todas as injustiças de que
achava ter sido alvo, menciona cartas que escrevia à rainha, acusando o rei de
as ter intercetado2.
Mas diz mais o nosso polaco: que era voz corrente em Lisboa que ne-
nhum dos parentes do rei tinha alguma vez conspirado contra ele3. Verdade
ou não, já pouco importa: quer as conspirações tivessem existido ou D. João
as tivesse inventado por má-fé (para se apropriar dos bens e suprimir a in-
fluência dos conspiradores) ou até por mania da perseguição, o facto é que,
para efeitos documentais, elas existiram. Ou seja, as supostas manobras para
depor D. João II levaram à morte e à ruína várias dezenas de pessoas. Se estas
foram injustiçadas ou não, nunca saberemos.
105
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
soalmente a notícia da morte de Diogo: «ela ouviu tudo com muita dor,
e tristeza, e com muitas lágrimas respondeu com palavras que ainda que fos-
sem de princesa desconsolada foram com muito sofrimento, e honestidade,
e de mulher muito inteira, como ela o era»1. Não deve ter sido razão de me-
nor importância para a aquietar o facto de D. João II lhe ter participado, pa-
ra além do que acontecera ao seu filho e das suas razões para o executar, que
o jovem D. Manuel ficava agora duque em vez do irmão, com o título de
duque de Viseu obliterado por má memória, passando a intitular-se duque
de Beja, herdando, embora com algumas alterações, o que fora do irmão.
Nem tudo estava perdido, portanto, e a duquesa aproveitou a réstia de luz
que lhe sobrava. Tinha vários netos, a maior parte deles crescendo longe de-
la. Como sabemos, os filhos de Isabel, duquesa viúva do duque de Bragança,
estavam então refugiados na corte dos Reis Católicos. Eram vários, e volta-
riam todos ao reino anos depois, como veremos. Da parte de Leonor, como
sabemos, tinha apenas um neto, Afonso, o príncipe herdeiro. Em contrapar-
tida, Diogo parece ter tido dois filhos naturais, apesar de contar apenas
20 anos quando morreu. Também esses parece terem crescido sem a avó por
perto. Um deles, Afonso, era filho de D. Leonor de Sotomayor, viúva do
marquês de Villa Hermosa, que Diogo conheceu quando esteve em Castela
nas terçarias. Por intermédio de Antão de Faria, seu homem de confiança,
o rei providenciou para que a criança fosse criada por lavradores em Portel
«sem se saber quem era». Logo que D. João II morreu, a avó mandou buscá-
-lo «e o criou em sua casa como convinha a seu neto». Uma história que lem-
bra os contos de fadas: o rapaz pobre era afinal um «príncipe». Mais tarde,
foi feito condestável do reino por D. Manuel — o posto máximo na chefia
das tropas — e o tio casou-o com D. Joana de Noronha2, que, como vere-
mos, será uma das freiras de Xabregas, a «condestabresa». Mas a surpresa
é grande quando Frei Jerónimo de Belém, na sua Crónica seráfica, refere ou-
tra filha de D. Diogo — morto, recordamos, aos 20 anos — que foi das pri-
meiras freiras a entrar para o Mosteiro de Jesus de Setúbal no ano da sua
fundação em 14953. Trata-se da única menção que encontrei a esta filha do
duque de Viseu, pelo que se desconhece se foi escondida em criança, tal co-
mo o irmão; ou até se também era filha da mesma mãe deste, a marquesa de
Villa Hermosa.
106
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
Setúbal].
107
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
108
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
também sofreram com a injustiça. Para Leonor os anos 80 não foram ainda
os anos da liberdade, nem provavelmente os melhores anos do ponto de vista
financeiro: esses ocorreriam mais tarde, quando conheceu o estado de rainha
viúva e irmã do rei em exercício. Mas nesses anos que vão entre 1484 e o ca-
samento do filho em 1490, revelam-se-nos claramente marcados dois traços
que a rainha desenvolverá mais tarde: a caridade para com os pobres e a
preocupação com a evangelização de africanos. Ambos são faces diferentes de
uma mesma moeda, ou seja, o pendor devocional que será uma das suas mar-
cas. Adiante desenvolveremos esta questão. O primeiro materializou-se na
fundação do hospital das Caldas; e o segundo, no seu empenho na causa da
cristianização dos congoleses que vinham por esses anos a Lisboa. Tanto um
comportamento como outro decorriam da vontade de louvar a Deus: um
porque emanava da prática da caridade, a principal virtude teologal; o segun-
do porque cristianizar era para estas pessoas uma obrigação moral.
Vimos também que o facto de ser mãe de um único herdeiro foi causa de
algum desassossego: ela e o rei foram a São Domingos da Queimada rogar
por mais filhos, antes daquela primavera em que o duque de Bragança foi
executado. Não deu resultado: ter-se-ia D. Leonor conformado com o facto
de ser mãe de um único herdeiro?
109
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
110
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
abertamente rural (vimos que nem a vila existia ao tempo da sua criação), en-
quanto os hospitais da época eram consequência do desenvolvimento urba-
no; acolhia gente abastada que ia tratar as suas maleitas; enquanto a maior
parte dos hospitais acabava recebendo uma percentagem de homens muito
superior à de mulheres, no hospital das Caldas parece não ter sido esse o ca-
so. O hospital especializar-se-ia até, séculos mais tarde, em receber religiosas
provenientes de conventos de todo o reino. Tratava-se também de um hospi-
tal sazonal, uma vez que as curas coincidiam com períodos específicos do
ano. De resto, a sua organização espacial denota estas características: seria
sempre frequentado por «pessoas de qualidade», a par das mais pobres, e exis-
tiriam instalações diferenciadas para uns e outros. O hospital das Caldas dis-
poria até de espaços especiais, reservados aos reis, coisa que não podemos se-
quer imaginar para o hospital de Todos os Santos. Com o tempo, a «sala dos
reis» constituir-se-ia como um espaço de memória da monarquia, albergando
uma galeria de retratos dos reis de Portugal.
Não ao acaso o hospital das Caldas tratava gente de todos os grupos so-
ciais, uma vez que o tratamento das suas águas sulfurosas tinha de ser minis-
trado in loco. Também, estavam recomendadas no tratamento de uma série
de doenças, que atingiam ricos e pobres por igual. No dizer de Frei Jorge de
São Paulo, um cónego de São João Evangelista que foi provedor do hospital
ao longo de vários anos na segunda metade do século xvii, o espetro de
doenças que as águas tratavam incluía paralisias, doenças respiratórias, do es-
tômago, doenças ginecológicas e problemas de fertilidade feminina, gota,
surdez, lepra e «mal francês»1. Não admira portanto que o hospital se tenha
tornado numa referência fundamental das curas termais no reino por todo
o período moderno; D. João V (1689-1750), inclusivamente, modernizaria
o hospital destruindo as suas instalações primitivas, com exceção da igreja.
Um dos aspetos a ter em conta na fundação de um hospital era a dotação
de rendas que permitissem um abastecimento em géneros e dinheiro essen-
cial à sua sobrevivência. Juntar a uma fundação um conjunto de terras vincu-
ladas ao hospital era um procedimento normal na época. Muitas vezes essas
terras abasteciam diretamente as instituições, entregando cereais e toda a sor-
te de «novidades», sem passar pela monetarização da produção. A rainha ti-
nha, afinal, um bom exemplo disso mesmo na figura da mãe, que ia juntan-
do lá por Beja inúmeras herdades e outros bens ao Convento da Conceição,
1 São Paulo, O Hospital vol. i, p. 96. O mal francês era a sífilis, que ainda não existia
à data da fundação do hospital. Foi trazida para a Europa depois da segunda viagem de Co-
lombo às Antilhas (Thomas, 2005, p. 137).
111
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
fundado ainda em vida do infante D. Fernando seu marido, mas que tinha
posto especial empenho em continuar a apoiar durante a sua longa viuvez1.
Outros aspetos a ter em consideração na dotação das novas fundações eram
os privilégios: Beatriz obtivera para o seu convento isenção de encargos con-
celhios para 12 (depois 24) lavradores que lavrassem as terras do convento.
Do mesmo modo, abonara-o com os rendimentos do fabrico do sabão em
Beja, que detinha em regime de monopólio. A filha usaria processos seme-
lhantes na fundação do seu hospital, e repeti-los-ia mais adiante com o con-
vento de sua criação, a Madre de Deus de Xabregas.
A localização do hospital obedeceu, como é óbvio, à das nascentes de
água que lhe deram origem. Foi necessário garantir o povoamento da zona,
e a rainha, juntamente com D. João II, lançou mão do método tradicional
de atração de colonos, utilizado em toda a Idade Média portuguesa, devido
à necessidade de garantir a fixação de pessoas em zonas de fronteira recente-
mente conquistadas aos mouros. Em 1488, o rei concedia privilégios a 30
moradores, dos quais 20 eram homiziados, isto é, criminosos cuja pena con-
sistia em serem deslocados para um local a designar pela justiça. Os privilé-
gios consistiam em benesses muito apreciadas na altura, e que hoje designa-
ríamos por isenções fiscais, embora a natureza das exações não fosse sempre
monetária. Isto é, os residentes nas Caldas seriam escusos de ir à guerra (ex-
ceto se chamados pelo rei ou pelo príncipe), não pagariam impostos com ca-
ráter de exceção cobrados pelo rei ou pelo concelho, não pagariam sisa de
todas as coisas compradas e vendidas aos enfermos dentro da vila, entre ou-
tras vantagens que deviam ser bastante apelativas na época2.
A rainha providenciou também outra das necessidades do hospital: a
mão-de-obra. Grande parte das pessoas que destacou para trabalhar no seu
interior pertenciam ao grupo de escravos e escravas de que era proprietária3.
Eram homens e mulheres muitas vezes brancos, provenientes do Norte de
África, onde tinham sido capturados durante campanhas militares. A guerra,
quando considerada justa, era uma das formas «legais» de redução à escrava-
tura. Neste caso, tratava-se de uma guerra santificada pelo seu móbil religio-
so, a que se acrescentava ainda a intenção de cristianizar os cativos. Tanto
a rainha como sua mãe, bem como outras figuras femininas régias, possuíram
destes escravos, a quem competia realizar os trabalhos domésticos menos
prestigiados numa ordem de valores que menosprezava as tarefas de limpar,
1 Ver capítulo i.
2 Alvará de D. João II [1488.12.4, Beja], in São Paulo, vol. i, pp. 98-101.
3 Sousa, 2002, p. 172.
112
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
transportar coisas ou lavar a roupa. No paço régio, existiam pela mesma altu-
ra numerosos negrinhos, a quem competia varrer o chão. No hospital das
Caldas seriam pelo menos nove escravos e escravas, a avaliar pelo seu regi-
mento de 1512, que adiante analisaremos, e tratavam de amassar o pão, cozi-
nhar, lavar a roupa, fazer carretos, tratar da horta e da água, apascentar vacas,
cabras e ovelhas etc.1.
As primeiras doações eram sempre dos fundadores, mas a prosperidade
destas instituições dependia sempre da possibilidade de captar novas doações,
quase sempre em benefício da alma e por ocasião da feitura de um testamen-
to. Pouco tempo depois da sua fundação, muitas destas instituições manifes-
tavam já alguma autonomia financeira, decorrente dessas heranças. Muitas
vezes, as pessoas que testavam a favor delas faziam parte das clientelas dos
fundadores, neste caso da fundadora. Eram gente da sua criação e privança,
que aderia rapidamente a estes projetos de índole espiritual. O primeiro im-
pulso era sempre o da fundadora, mas seguiam-se-lhe em geral doações testa-
mentárias que consolidavam a autonomia económica da nova instituição.
A rainha, no entanto, nunca deixou de zelar pelo desenvolvimento do seu
hospital. Tratou-o ao princípio como aquilo que na realidade era: uma terra
erma, a povoar graças a uma política de couto de homiziados que tinha raízes
medievais. A vila não existia, e tudo indica que as terras em seu redor estives-
sem ainda por explorar, o que explica que os primeiros atos da rainha para
povoar o território tenham consistido em atribuir terras em regime de sesma-
ria.
Por outro lado, a rainha, ao envelhecer, provavelmente muitas vezes
doente, deixou de frequentar a zona do hospital, pelo que o geria à distância,
mas sempre como coisa sua. Só nos últimos anos de vida, quando se abateu
a peste sobre Lisboa, a rainha seria forçada a voltar a um contacto estreito
com o hospital, onde se refugiou quando teve de abandonar a cidade. Vê-lo-
-emos no capítulo oitavo deste livro.
No princípio, o hospital deve ter funcionado em consequência da vonta-
de da rainha, e obedecendo às suas disposições; só bastante mais tarde, ou se-
ja, vinte e seis anos depois da primeira menção que dele temos, em 1512,
é que recebeu o seu compromisso.
No caso dos conventos, uma das decisões a tomar era a escolha da ordem
religiosa e da regra a que os seus internos obedeceriam; esta decisão precedia
o mais das vezes a fundação, porque o convento surgia em resultado de uma
113
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
114
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
115
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
três monarcas: o rei ficou cheio de alegria e mandou preparar as bodas, se-
guindo para Setúbal logo em setembro daquele ano1.
116
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
les». A 3 de novembro foi feito cristão, e com ele seis dos seus companheiros.
Aí o cenário foi a casa da rainha, à hora um tanto insólita das «duas horas da
noite». O oficiante foi o bispo Calçadilha, e os padrinhos, o rei, a rainha, o
príncipe, o duque, um comissário do papa que então estava na corte e o bis-
po de Tânger1. Quatro dias depois, a sete de novembro, foi feito cavaleiro
e prestou menagem ao rei. Escreveu também uma carta ao papa, onde conta-
va (obviamente alguém por ele) toda a sua história, e muito principalmente
a sua conversão e consequente batismo. Só então partiu uma armada de so-
corro para África, destinada a ajudá-lo nos seus conflitos, com vinte caravelas
e homens suficientes para construir uma fortaleza2.
Acabou mal esta história para Bemoim; regressou a África mas foi morto
em circunstâncias pouco claras pelo próprio capitão português encarregue de
o levar de volta à sua terra, e a fortaleza nunca chegou a ser edificada; por ou-
tro lado, o ramo de negócio aberto com o seu povo demonstrou ser pouco
lucrativo para os Portugueses, e foi abandonado3.
1 D. Diego Ortiz era o bispo dito «Calçadilha», castelhano vindo para Portugal no sé-
quito de D. Joana, a Excelente Senhora, e que desempenhou um lugar de relevo junto da
corte.
2 Resende, Crónica, pp. 112-118.
3 Resende, Crónica, p. 117; Pina, Crónicas, p. 941.
4 Foram várias expedições, mas o seu número e cronologia estão por determinar. Radu-
117
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
118
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)
procederam a uma nova vaga de batismos ainda antes de estar pronta, impro-
visando um espaço num quarto do palácio do rei. Desta vez foram batizados
o rei e seis dos seus fidalgos, tendo o primeiro recebido o nome de João, tal
como o rei de Portugal D. João II. No dia seguinte o rei e os seis batizados
tiraram os panos brancos do óleo do crisma, «como a igreja manda». Note-se
que o ritual de batismo previa que o neófito usasse durante sete dias uma
vestidura branca na cabeça (e não um a dois dias, como acontece neste caso).
Esta constituía um sinal da coroa do reino de Deus, da qual o neófito era fei-
to membro. Significava a ressurreição da Igreja, segundo a qual os corpos res-
suscitariam no dia do Juízo, e ainda a ressurreição dos que, estando em peca-
do, se levantavam por penitência1. A rainha manifestou vontade de ser
batizada, o que veio a acontecer pouco depois, tendo-lhe sido dado o nome
de D. Leonor, igual ao da rainha de Portugal. Então, diz o relato que temos
estado a seguir, estava tudo pronto para ajudar o rei do Congo numa guerra
contra uns súbditos rebeldes. Em 1492 regressou esta expedição a Portugal.
Uma história, portanto, de conversão e expansão da fé, com um enquadra-
mento comercial e militar, mas na qual a nossa rainha parece ter participado
de boa vontade. Até onde marcou os acontecimentos, não sabemos. Mas
imagina-se D. Leonor, pela proximidade física e espiritual que mantinha em
relação aos Loios, a pugnar pela educação cristã dos meninos africanos. Vol-
taremos a esta história.
Sacramental, p. 129.
119
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
gança por parte das partes ofendidas. O direito de levar a melhor sobre um
ofensor causando o mesmo tipo de dano que este tinha perpetrado não era,
ao contrário do que acontece nos nossos dias, valorizado de forma negativa.
A vingança funcionava como a outra face da justiça, ao restaurar os direitos
de cada um1. Foi afinal contra a justiça privada que os reis foram constituin-
do as suas prerrogativas de justiça, em torno das quais pretenderam fundar
a sua autoridade: era contra esta que a justiça régia se procurava impor.
A vingança privada imperava, e, como dispositivo de apaziguamento de ten-
sões, o rei tinha a prerrogativa exclusiva de conceder perdões, afirmando
o seu poder à custa dos conflitos alheios2.
Para Leonor e sua família, talvez não andasse longe a esperança de en-
contrar melhores oportunidades para levar a melhor sobre um homem que
tão prejudicial fora à sua linhagem em termos familiares e patrimoniais. Não
ao acaso os cronistas da época referem a dissimulação como estratégia de po-
der. Várias vezes Resende fala de D. João II a esperar o melhor momento pa-
ra resolver problemas: já o vimos a esperar o fim das terçarias para prender
D. Fernando, duque de Bragança, quando o herdeiro D. Afonso estivesse
a salvo de Castela e da avó Beatriz. D. Manuel falará em dissimulação tam-
bém, anos mais tarde, quando escreve ao sobrinho Dinis, filho do duque de
Bragança D. Fernando (um dos garotos expedidos para a corte de Castela
quando o pai foi preso), sobre os inconvenientes de se fazer um casamento
então projetado3.
O tempo diria quem haveria de levar a melhor. Embora juntos em Beja
nos inícios de 1489, em que tudo corria de feição, velhas feridas seriam rea-
bertas. O príncipe estava vivo, com prospetos de um casamento magnífico,
porque juntava os filhos de dois antigos inimigos num mesmo leito matri-
monial: Afonso, filho de D. João II e Leonor, e Isabel, a filha mais velha de
Fernando e Isabel. Era este casamento que colocava a pedra final no conflito
com Castela, catorze anos depois de a Batalha de Toro. Ou seja, os anteriores
inimigos fundir-se-iam um no outro através do casamento. Era este o proje-
to, mas não foi a realidade. O príncipe D. Afonso morreria sem herdeiro
num desastre de cavalo. Se tudo tivesse corrido como esperado, talvez as ve-
lhas feridas entre a família de D. Leonor e D. João II tivessem acabado por
sarar. Como veremos no próximo capítulo, não foi o que aconteceu.
120
Capítulo 4
O filho único (1490-1491)
121
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
122
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
123
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
onde se acendiam matérias inflamáveis. Uma bombarda era uma peça de artilharia.
4 Pina, Crónicas, p. 967.
5 Resende, Crónica, p. 154.
124
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
1 O jogo das canas correspondia a uma luta a cavalo, com duas equipas, que se atacavam
e perseguiam uma à outra com canas.
2 Pina, Crónicas, p. 968.
125
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Embora se associem os cadafalsos apenas aos estrados onde se faziam execuções à pena
de morte, nesta época as fontes dão esta designação a todos os palcos solevados.
2 ADE, Livro 3.o de originais (73), fl. 196 [1490.8.?, Évora].
3 O fartel era um bolo de açúcar e amêndoas envolvido em farinha de trigo.
4 Pereira, Documentos históricos, 1998, pp. 451-452.
5 Resende, Crónica, p. 161.
6 Pina, Crónicas, p. 969.
126
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
Berberia e da Guiné veio a cera, essencial para iluminação noturna. Aos pes-
cadores e caçadores da zona foi mandado que pescassem e caçassem conti-
nuadamente enquanto durassem as festas de acolhimento da princesa. Por
todo o reino se enviaram aves de capoeira à corte: enquanto duraram as fes-
tas, estas últimas comeram mais de 100 moios de trigo. Vacas e cabras «pari-
das» foram trazidas à cidade, «para manjares de leite, que nos banquetes se
não podiam escusar [dispensar]»1.
Para organizar as bodas, o rei determinou que as festas tivessem «casa»
própria, isto é, oficiais inteiramente dedicados aos preparativos, chefiados pe-
lo seu vedor da fazenda. Montou também um sistema de crédito para os que
desejassem adquirir os produtos de luxo importados, que consistia em dar-
-lhes aquilo de que precisavam descontando o seu valor posteriormente nas
tenças. Dessa forma, o que compravam fiado ia pelo justo preço, sem sofrer
inflação.
Para estes homens de finais da Idade Média, o medo das epidemias era
uma constante. Naquele ano, havia peste em Lisboa, a cidade onde deveria
ter lugar o casamento. Aqui explicamos o seguinte: Lisboa podia ainda não
ser capital no sentido moderno do termo (que atualmente se refere à sede po-
lítica e administrativa de um Estado), porque tanto a corte como os princi-
pais órgãos de governo acompanhavam o rei nas suas deslocações. Mas era,
no dizer dos próprios contemporâneos «a principal cidade e cabeça do rei-
no». Rui de Pina chama-lhe a «mais principal do reino»2. Os nossos historia-
dores consideram Lisboa como capital do reino a partir do reinado de
D. João III (1521-1557). Antes disso, Lisboa não era a capital do ponto de
vista administrativo, devido à mobilidade da corte e à centralidade do mo-
narca como agente de decisão. Mas, a aplicar um critério económico e demo-
gráfico, Lisboa era, no entender dos contemporâneos, a principal cidade do
reino. De resto, será Lisboa a concentrar a parte de leão dos tratos ultramari-
nos no reinado de D. Manuel e muito depois dele3. Se a corte lá não residia
de forma mais estável, isso devia-se à constante mobilidade, ditada, antes de
mais, pela ocorrência de pestes. Ao longo da primeira metade do século, fo-
ram muitos os anos em que Lisboa esteve interditada pela peste, a cujo con-
tágio estava constantemente sujeita pelo movimento do seu porto de mar.
Descartada a hipótese de fazer o casamento em Lisboa, rapidamente se
optou pela segunda cidade preferida pela corte para estanciar: Évora. A sua
127
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
128
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
129
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
toda a Idade Moderna, sendo que muitas vezes as peças não se destinavam
a ser usadas, mas exclusivamente exibidas como marca de distinção das casas,
ou seja, constituíam uma peça de aparato. Mas o mais surpreendente são
duas bancadas laterais, ao longo das paredes, a que as pessoas subiriam por
degraus. Estas seriam meros espetadores da refeição, que deviam ver muito
bem os comensais, «sem tolherem a vista uns aos outros»1. O acesso a esta
tribuna não era no entanto indiscriminado: o mestre-sala encarregava-se de
admitir apenas os cortesãos e pessoas honradas da cidade.
Em baixo ficariam as pessoas encarregues de servir às mesas, que eram ca-
torze, sete de cada lado. No meio da sala, entre as mesas, havia uma «rua mui
ancha». Cento e vinte tochas ardiam pendentes do teto, repartindo-se por
trinta candelabros, e a cera caía sobre uns bacios do chão para não atingir as
pessoas. Havia ainda inúmeras tochas que os pajens levavam na mão, para
além dos brandões que estavam em cima das mesas e na copeira, numa esti-
mativa de trezentas luminárias. A luz era tão clara como se fosse de dia, conta
Resende: pormenor importantíssimo num mundo onde a iluminação notur-
na era rara.
Seria por esta altura que se compraram os 500 guardanapos que fariam
parte de uma das cartas de quitação de D. João II? O seu inventário, despoja-
do de objetos de luxo se comparado com os dos seus dois sucessores, D. Ma-
nuel I e D. João III, lista quase 600 guardanapos, que, naquela época, consti-
tuíam luxo de nobres e príncipes2. Não é este, caro leitor, um pormenor
despiciendo: uma das novidades da história do século xx foi ter trazido aqui-
lo que os historiadores designam como «processo civilizacional» para o cen-
tro das preocupações da história cultural. Expliquemos em breves palavras
em que consiste, ainda que esta vossa autora corra o risco de ser repreendida
por grosseria académica pelos seus colegas de profissão. Na Idade Média os
modos de comportamento social eram diferentes dos atuais: as pessoas efe-
tuavam funções corporais à vista de todos; comiam com as mãos (reservando
o uso de colheres apenas para alimentos líquidos ou papas); assoavam-se às
mangas ou aos próprios dedos; na hora de dormir, estranhos partilhavam
a mesma cama. Com a Idade Moderna, e sobretudo a partir do Renascimen-
to, através de um processo de evolução gradual, passaram a usar-se objetos
que mediavam estas operações sociais, passando a exibição das funções cor-
porais e suas secreções a ser realizadas em privado. O muco nasal passou a es-
conder-se num lenço, o contacto direto com a comida foi substituído pelo
130
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
uso do garfo, etc.1. Daqui o leitor poderá facilmente imaginar como se comia
antes dos guardanapos, e perceber porque era tão importante o ritual de lavar
as mãos antes, durante e depois das refeições. Como vimos no capítulo ii,
a propósito da presença de D. Manuel na corte dos Reis Católicos, o gesto
de dar água às mãos na corte operava-se debaixo de protocolos bem determi-
nados. Imaginemos, então, que o casamento do príncipe registou a novidade
dos guardanapos. O seu número, perto de 600, torna plausível esta suposi-
ção.
Os cronistas procuram dar a impressão de que não se poupou nas despe-
sas. Num acontecimento tão importante, seria de resto de mau tom, para
a época a que se reporta: procurar restringi-las seria incorrer no pecado mor-
tal da avareza. Sobretudo para quem tinha mais do que os outros, dar liberal-
mente constituía uma obrigação moral, acrescida até pelo facto de o rei estar
a usar dinheiro angariado pelos seus povos. Veremos que ninguém foi excluí-
do de presenciar as festas, ainda que nem todos tivessem lugar nas tribunas
nem nas mesas dos banquetes. As bodas do príncipe eram de todos e para to-
dos, embora obviamente segundo modalidades de usufruto diferenciadas. As
mesas estavam reservadas aos membros mais importantes da corte e figuras
principais do reino; os restantes cortesãos assistiam e comiam na tribuna. No
exterior do paço da madeira, imaginamos a multidão dos populares a assistir,
e a tentar agarrar a comida que lhes era lançada.
Estamos ainda longe do fausto da corte de D. Manuel I, o rei novo-rico,
que se passeava por Lisboa com cinco elefantes e uma onça. Mas o momento
das festas do casamento do príncipe D. Afonso correspondeu ao zénite do lu-
xo e aparato do reinado de seu pai. Naquele mês de novembro de 1490, era
o reino de Portugal que casava com Castela.
131
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
bastardo do rei. É neste excerto da crónica que Rui de Pina aproveita para
introduzir o tema da atitude da rainha D. Leonor perante este filho do mari-
do: «conveio a el rei por remediar a criação de seu filho pedir à rainha Dona
Leonor sua mulher, que sem alguma paixão das muitas que em seu nascimento
recebera, quisesse consentir, que viesse, e se criasse na corte». A rainha, «es-
quecida já de paixões e descontentamentos passados», não só consentiu, co-
mo pediu ao rei para o criar em sua casa.
É fácil perdoar quando a vida corre menos mal. Garcia de Resende alude
claramente ao desgosto da rainha D. Leonor pela infidelidade do marido
quando D. Jorge nasceu. Não será certamente um acaso que o rapaz tenha si-
do criado pela tia Joana em Aveiro, e não numa das vilas e cidades mais fre-
quentadas pela corte, como Santarém, Évora, Beja, entre outras, nem o será
o esquecimento a que o rei votava a sua antiga ligação a Ana de Mendonça.
O certo é que D. João II pediu à mulher que o autorizasse a acabar de criar
o filho na corte pedindo «que lhe não lembrassem paixões que sobre isso já
tivera, pois ante ele eram tão esquecidas». A rainha não só consentiu, mas fez
questão de o criar em sua casa, dizendo que o criaria como se fosse seu filho1.
Tinham passado nove anos, o filho Afonso ia fazer um casamento auspicioso
com a primogénita dos Reis Católicos; o reino estava em paz, passadas que
estavam as últimas grandes turbulências entre o rei e os grandes da aristocra-
cia. E o seu irmão Manuel afinal tinha crescido no paço junto com ela; quem
sabe se não foram esses anos de contacto próximo que criaram uma relação
de grande proximidade entre ambos.
A criança lá veio, acompanhada pelo bispo do Porto, D. João de Azeve-
do, e chegou a 15 de junho a Évora. Saíram a recebê-lo o meio-irmão Afonso
e o duque de Beja D. Manuel, com outros fidalgos. Trouxeram-no então
à presença do rei e da rainha, que então estavam nas casas de um fidalgo, en-
quanto os paços de São Francisco se «enobreciam» para o casamento2.
D. Jorge haveria de andar na corte de D. João II por pouco tempo, como ve-
remos. A disposição de D. Leonor para com aquela criança sofreria mudan-
ças radicais.
Já notámos anteriormente a importância atribuída ao filho mais velho do
rei, mas cabe observar que, mesmo ilegítima, a prole régia era objeto de trata-
mento especial. Estava-se numa época em que o bastardo ainda não fora ob-
jeto da discriminação crescente em resultado do Concílio de Trento3. Em
132
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
todo o caso, Jorge não era um bastardo qualquer: era filho do rei, o que ex-
plica a necessidade de o tratar «assim pública e honradamente»1. Como já tí-
nhamos notado, o caráter sacral da figura régia estendia-se aos filhos, sobre-
tudo aos primogénitos. Pode ser esta uma das razões que explica
o tratamento privilegiado dado aos filhos ilegítimos dos reis, sobretudo
quando do sexo masculino. Não se esqueça que a Casa da Bragança começa-
ra precisamente com um deles, Afonso, filho natural de D. João I, e não foi
pela abundância de filhos legítimos deste último que deixou de crescer em
importância. D. Jorge, como veremos, haveria de desempenhar um papel
importante, malgré lui, porque ficou filho único.
E as raparigas bastardas de reis? Bem, não era a mesma coisa, porque
o mesmo destino das filhas legítimas as esperava: o casamento ou o conven-
to. Na verdade, dispunham das mesmas opções das outras filhas, só que com
menor valor dinástico. O seu papel raramente saía destes parâmetros: não ha-
via altos cargos a conceder-lhes, a não ser quando casavam bem, com prínci-
pes reinantes. Nesse caso podiam ser regentes, como foi o caso de Margarida
de Parma (1522-1586), filha ilegítima de Carlos V, regente dos Países Baixos
entre 1559 e 1567 por incumbência do meio-irmão Filipe II de Espanha.
A D. Jorge estavam destinados outros voos: uns haveriam de tomar lan-
ço, outros não. Por agora era apenas um rapaz, e gostaríamos de ter estado lá
na tarde em que D. Afonso e D. Manuel o foram buscar para o trazer à cida-
de. Sobre que falaram pelo caminho? O que pensaria aquele garoto de 9
anos, criado entre mulheres num convento, enquanto ia ao encontro de um
pai que poucas vezes vira até então? Iria com medo da nossa rainha?
Bem, D. Jorge teve algo em comum com a Excelente Senhora: também
ele haveria de ver morrer muita daquela gente que o veio receber naquele
longínquo dia de junho. Morreu depois deles todos, em 1550, duque de
Coimbra e mestre das ordens militares de Santiago e Avis. Mas não chegou a
rei, dizem que por obra e graça da nossa rainha.
133
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
134
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
beu-a com uma procissão solene, que a acompanhou a pé até aos aposentos
onde iria passar a noite.
Em Estremoz temos um episódio muito significativo. O rei, que nunca
tinha visto a princesa, resolveu ir à vila vê-la, juntamente com o príncipe
e alguns nobres. Sabemos porquê: embora as terçarias tivessem tido lugar em
Moura, o rei não podia lá ir, pelo que provavelmente nunca a tinha visto.
Rei e príncipe juntaram-se ao duque e trataram de avisar a princesa. Esta
ceou à pressa e vestiu-se a preceito, para os receber no topo de uma escada.
Seguiram-se os habituais cumprimentos: o cimo das escadas era um dos luga-
res habituais para os rituais de saudação que ocorriam dentro de portas. Ha-
via que beijar a mão da pessoa mais importante (neste caso o rei), mas este
podia recusá-la para criar uma situação de igualdade. Foi o procedimento de
D. João II quando a princesa fez menção de lha tomar (é este um gesto que
se repete vezes sem conta nas narrativas de encontros deste género). O prín-
cipe e a princesa abraçaram-se e seguiu-se uma conversa entre os três. Foi en-
tão que o rei decidiu que, por estarem já casados por palavras de presente,
podia ter lugar a cerimónia religiosa. Casou-os D. Jorge da Costa, arcebispo
de Braga e irmão do arcebispo do mesmo nome que se tinha refugiado em
Roma ao ser hostilizado por D. João II.
No dia seguinte os dois grupos puseram-se novamente a caminho. Rei
e príncipe regressaram a Évora e a princesa foi para o Convento de Nossa Se-
nhora do Espinheiro, uma vez que só podia entrar na cidade de forma solene
e protocolar. Isabel aí chegou já na noite de quarta; no dia seguinte a rainha
D. Leonor veio ver a nora pela primeira vez. Foi então que, à porta do mos-
teiro, Isabel recebeu finalmente as bênçãos nupciais do bispo de Braga,
D. Jorge da Costa, que disse também missa solene. Abrimos aqui outro pa-
rêntese para explicar as diferenças do casamento pré-tridentino: primeiro
a cerimónia religiosa decorreu no Mosteiro de São Domingos em Estremoz,
onde a princesa se encontrava alojada. Só dias depois se lhe seguiu a bênção
nupcial, e não frente ao altar mas na porta do Mosteiro de Nossa Senhora do
Espinheiro. Seguidamente, o rei, Leonor e Afonso voltaram a Évora, deixan-
do a princesa no mosteiro.
Há qualquer coisa de estranho, no entanto, nesta dupla cerimónia de ca-
samento religioso, que talvez se explique pelo detalhe de que a seguir dare-
mos conta. Aqui, caro leitor, temos o detalhe mais curioso de todos: a prin-
cesa ainda passou a sexta e o sábado no mosteiro, e foi visitada pelo rei e pelo
príncipe. Até aí, nada de especial, mas os cronistas notam que antes de a
princesa entrar na cidade, «segundo fama», os noivos «jouveram» ambos,
135
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
ou barrilete, onde se soprava com força; a sacabuxa, também um instrumento musical anti-
go, semelhante a uma trompa. Eram portanto instrumentos de sopro; foi impossível averi-
guar o que era uma bastarda.
136
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
Chegaram a uma das portas da cidade, a Porta de Avis, onde várias peças
estavam preparadas. Havia fadas para fadarem a princesa, a representação do
Paraíso que integrava vários instrumentistas e a inevitável arenga. Depois
desta, sempre à entrada de Évora, tiveram lugar várias representações teatrais
acompanhadas por música. Foi então que todos desceram das suas montadas,
com exceção do rei, da princesa e suas damas, que passaram a deslocar-se sob
um pálio de brocado transportado pelos oficiais mais honrados do municí-
pio. Competia então aos fidalgos e senhores levar as mulas pela mão; as ré-
deas da mula que levava a princesa couberam a D. Manuel e D. Jorge.
O cortejo seguiu até aos paços passando pela Sé, onde rezaram e a prin-
cesa beijou o lenho da Vera Cruz1. Pelo caminho, continuaram os entreme-
zes2; as ruas estavam decoradas para o acontecimento, toldadas com panos de
cor de lado a lado, bandeiras, tapeçarias, ramos de louro e laranjeira nas por-
tas e janelas. Chegaram ao paço de noite (era inverno, anoitecia cedo), sendo
a princesa conduzida aos seus aposentos. D. Leonor aguardava-os na sala,
com o príncipe, e muitas donas e donzelas. Antes e depois da ceia sucede-
ram-se os festejos; dançou-se. «E foram aquele dia duzentos homens nobres
vestidos de opas roçagantes, de que as cento eram de ricos brocados, e chapa-
dos, todas também ricamente forradas, e as outras cento de seda, outrossim
com ricos forros.»3
Com um dia de intervalo4, terça-feira, recomeçaram novamente as festi-
vidades: houve banquete de ceia na sala da madeira. Colocou-se uma mesa
no estrado para o rei e a rainha, o jovem casal e o embaixador de Castela.
Nas mesas dos lados comeram os rapazes — o duque e D. Jorge — e o mar-
quês5, na primeira da direita e na primeira mesa da esquerda o arcebispo de
Braga, os bispos e pessoas principais do conselho régio. Refere Resende a pe-
quena comitiva de pessoas que servia cada prato e o modo como saudavam
o rei tirando os barretes e fazendo mesuras: «E era tamanha cerimónia, que
demorava muito cada vez que iam à mesa.»6 Animais assados eram trazidos
em carretas, com os cornos e as unhas pintados de dourado. Aí percebe-se
de marquês (de Vila Real) no reinado de D. João II, depois da sentença proferida contra
o marquês de Montemor (Mendonça, 1995, p. 377).
6 Resende, Crónica, p. 173.
137
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
138
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
lente a mais de 6,6 metros. De ressalvar, no entanto, que estas descrições se prestavam
a exageros por parte dos cronistas.
4 Resende, Crónica, p. 182.
139
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
o leitor com a natureza destes combates: já deve ter adivinhado que eram si-
mulados, e não era suposto que alguém se magoasse a sério. Leiamos mais
uma vez Resende: «E a justa foi muito bem justada, e deram-se nela muitos,
e grandes encontros, sem haver perigo algum.»1
Estamos portanto, como o leitor há de ter reparado, no domínio do tea-
tro: o mote é justamente a força protetora do rei que proclama a sua vontade
de defender a princesa. Os seus inimigos são rapazes solteiros que fazem conta
de estar apaixonados pela princesa e procuram conquistá-la. Todos desfilam
em trajes de grande aparato (extensíveis, como vimos, às próprias montadas),
embora ao rei compita uma visibilidade acima de todos os outros. Carros ale-
góricos passam, evoca-se o mar e a sua navegação. Quando se chega ao mo-
mento de lutar, é uma luta de faz de conta, em que ninguém se deve magoar.
Entre os espetadores estavam o príncipe, a princesa e a nossa rainha. Tam-
bém aqui o facto de o príncipe não lutar nos merece um comentário: o rei
era D. João II, ainda na flor da idade, e competia-lhe demonstrar a força que
um chefe deve ter. Não esqueçamos que estamos perante sociedades que vi-
viam em função da guerra, como era o caso dos reinos da Península Ibérica
na Idade Média2. À capacidade de combater poderíamos também juntar as
conotações sexuais implícitas no gesto de defender a princesa. O rei era por-
tanto um homem mais velho, mas capaz de cortejar uma jovem (mais uma
vez em simulação) e de a defender contra os homens mais novos que o desa-
fiavam. Vimos já também que pai e filho herdeiro do trono eram pratica-
mente uma extensão um do outro, pelo que se entendia que fosse D. João II
a representar o príncipe. É este o subtexto que a leitura do excerto de Resen-
de sugere — neste passo muito mais detalhado que o de Pina.
Combateu-se até domingo. Diz Rui de Pina que, com quinta-feira, os
justadores passaram quatro dias contínuos a lutar. Só nesse dia à noite se des-
fez a távola e as justas e as pessoas reais tornaram a seus paços. O rei — natu-
ralmente —, em função do que dissemos atrás, ganhou as justas nas catego-
rias de gentil-homem e melhor justador. O anel de diamante que lhe
competia por prémio da primeira e o colar de ouro que ganhou na segunda
distribuiu-os por quem entendeu porque «tomou somente para si a honra».
Portanto, cumprira a tradição: Fernando, o Católico, também combatera em
honra da filha meses antes em Sevilha aquando do casamento por palavras de
presente3.
140
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
141
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
142
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
e por ele se dizia, com lágrimas e soluços, respondiam todos homens, e mu-
lheres, velhos, e moços, e meninos: “Ora pro eo”.»1
Na cabana, rei, rainha e princesa continuavam à espera que a vida voltas-
se ao príncipe. Esperavam um milagre que nunca aconteceu: às nove horas
da noite do dia seguinte, quarta-feira, dia 13 de julho, os físicos solicitaram
ao rei que pedisse à mãe e mulher do príncipe que o deixassem só com
o confessor e capelães. Estava dado o sinal para a despedida. De joelhos, de-
bruçados sobre o príncipe que morria, «vendo-lhe já sair a alma da carne»,
o rei e rainha lançaram-se sobre o seu corpo. Abraçaram-no, o rei beijou o fi-
lho na face, deu-lhe a beijar a sua mão direita para o abençoar. A rainha deu-
-lhe a sua também para o abençoar, e afastou-lhe a roupa do tronco para
o beijar no peito. Levantaram a princesa — o texto não narra os seus últimos
contactos com o corpo do príncipe — e saíram da cabana.
O duque de Beja chegou a toda a pressa de Tomar, onde estava. Rui de
Pina alude à muita dor que sentiu, uma vez que Afonso e ele tinham crescido
juntos como irmãos, mas não deixa de referir que o desastre fazia de D. Ma-
nuel o herdeiro do trono. O rei foi reconduzido ao paço a pé; a rainha e a
princesa iam «como mortas atravessadas em mulas». Recolheram-se numas
casas que ficavam junto do rio, e aí chegou a notícia da sua morte ao rei. Foi
comunicá-la à princesa, que levantou do chão: o rei tentou manter a calma
«como em tudo era rei, e senhor de perfeição, quis-lhe mostrar o esforço,
e descanso de rei, e esconder-lhe a dor e tristeza do padre»2. A seguir, foi dá-
-la à nossa rainha, que, perdido o filho, o tentou consolar, com os «olhos en-
xutos» de lágrimas. Muito provavelmente, a rainha adiou o seu luto, e fingiu
uma paz que não tinha. Era apenas a calma da desgraça. Seguiu o corpo para
a Batalha, onde foi enterrado na sepultura do avô D. Afonso V.
143
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
144
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
145
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
146
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
para cima, para umas casas de um tal Fernão Teles, onde passaram a receber
as visitas de condolências. O rei, aconselhado por religiosos e conselheiros
a sair do seu encerramento, foi a ouvir missa fora. Conta Rui de Pina que,
pelo caminho, estacou a mula em que ia, sem razão aparente. Quando lhe
perguntaram porquê o rei respondeu: «Espero pelo príncipe meu filho, cha-
mem-no [para] que cavalgue comigo.» E no dia seguinte também, parou
a olhar a multidão que estava no terreiro de São Francisco. Questionado, res-
pondeu: «Queria ver o que não vejo, que é o príncipe meu filho; porque era
o meu espelho em que me via, que por meus pecados me quebrou.»1
As consequências da morte do príncipe foram funestas também para o
D. Jorge: o rapaz de 9 anos, depois de arrancado à companhia da tia na pri-
mavera anterior, veria a sua integração na corte sofrer um revés, ao ser rejei-
tado pela rainha. A verdade é que D. Leonor deixou de suportar a sua pre-
sença, porque lhe lembrava a morte do filho, e nunca mais quis ver o garoto
enquanto o marido viveu. Isto significa que só em finais de 1495, cerca de
quatro anos depois, quando o irmão duque de Beja era já rei, a rainha con-
sentiu na sua presença. Os cronistas introduzem aqui o tema das tentativas
de legitimação de D. Jorge por parte de D. João II, e são assertivos quanto ao
facto de a legitimidade da sucessão no trono caber a D. Manuel. Sempre que
a ocasião se proporciona os cronistas afirmam que a rainha foi a causa princi-
pal do desfecho político que se veio a verificar, e que a sucessão de D. Ma-
nuel no trono se deve em grande parte a ela. Se pensarmos bem, a recusa de
D. Leonor em ver D. Jorge pode ter sido uma estratégia tendente a não lhe
conceder qualquer proeminência política que desembocasse na sucessão do
marido. Afastamento da corte e do poder eram duas faces da mesma moeda,
como sabemos. Mas nem por isso deixa de ser plausível a repugnância de
Leonor em encontrar-se com aquele rapaz cuja vida lhe parecia um sacrilégio
depois da morte do filho.
Não se achou pertinente que a mãe e a viúva do príncipe fossem ao seu
saimento, marcado para o dia 23 de agosto na Batalha. A substituí-las, em-
bora contra a vontade da rainha e sua nora, uma das irmãs da avó Beatriz, Fi-
lipa (uma personagem secundária em toda esta história) e a duquesa viúva
Isabel, irmã de D. Leonor. O rei e o duque foram, e no mosteiro, do qual
pendiam bandeiras negras e pendões de luto, juntaram-se aos dignitários que
vinham representar os reis de Castela e pessoas que tinham acorrido de todo
o reino, muitas em representação oficial de seus municípios. A cerimónia ini-
147
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
148
O FILHO ÚNICO (1490-1491)
mesmo proferido as seguintes frases, que hoje parecem postiças: «Filho aqui
onde vós nascestes, aqui seria razão, que eu agora morresse; e com este título
de rainha tão desventurada acabasse; pois perdi o nome de vossa Mãe, por-
que me eu havia por mais bem aventurada.»1 A rainha tinha razão, porque
não só não morreria naquele momento como ainda haveria de viver mais
trinta e quatro anos. Mas este episódio chega até nós com a marca da verda-
de: não há cronologia para a dor.
É a partir da morte do filho que sentimos a rainha cada vez mais distante
do rei D. João II. O leitor adivinhou já também que mesmo nos paços mari-
do e mulher tinham casas (aposentos) separados; nas vilas onde o rei se insta-
lava em residências de fidalgos, inclusivamente, rei e rainha podiam viver em
casas diferentes. Só depois da morte do príncipe, e não com a supressão dos
Bragança ou o homicídio de D. Diogo, é que sentimos a rainha a afastar-se
do rei. Vimos bem no capítulo anterior como D. Leonor continuou, a seguir
à turbulência política de 1483-1484, apesar de as execuções a tocarem de
perto, a acompanhar o rei nas suas deslocações. Como vimos, ficou com o
governo do reino enquanto o marido corria a submeter o castelo do Sabugal;
foi com D. João II pugnar pelo aumento da prole comum2. A seguir à morte
do filho, aí sim, temos indícios de que a relação conjugal azedou. A maneira
como o rei haveria de passar os últimos meses da sua vida confirmará, como
veremos, esse afastamento.
Em contrapartida, o irmão Manuel, duque de Beja, estava-lhe próximo:
em novembro, a rainha ainda não assinava o seu nome nas cartas, dando-as
a assinar ao duque seu irmão, que também se encontrava em Lisboa3.
De Roma, escrevia o cardeal Alpedrinha, D. Jorge da Costa, a consolar
o pai, a mãe e a mulher do infeliz príncipe. Cartas que incluem os lugares-
-comuns da religião cristã sobre a precariedade da vida terrena, a transitorie-
dade da carne e a perenidade da alma. Mas é a carta que o cardeal escreve a
D. João II que merece mais atenção. É naturalmente mais longa do que
a missiva que escreveu à rainha e à sua nora Isabel de Castela, o que se com-
preende visto que era ele o rei. Mas também inclui uma recriminação que
não deixa de ser pessoal, ausente nas outras duas cartas, e que o próprio car-
deal diz já ter feito por ocasião das festas de casamento do príncipe. Acusa
o rei de amar excessivamente o seu filho, e de Deus o ter castigado por isso.
Uma carta que provavelmente pouco teve de apaziguador para o rei, e que
149
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
150
Capítulo 5
Viúva de um vivo? Até à morte de D. João II
(1491-1495)
151
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
tam um pouco por terra a ideia de uma história inteiramente anónima, como
o pretendeu a Escola dos Annales, cuja época de ouro corresponde precisa-
mente ao período que assistiu à implantação da democracia de massas na Eu-
ropa no seguimento da Segunda Guerra Mundial. Como já verificámos, os
atos e ideias das figuras régias tiveram uma influência histórica efetiva, preci-
samente pelo lugar que estes ocupavam nos sistemas políticos desta época.
Mas voltemos aos nossos personagens: Leonor e o seu irmão Manuel, du-
que de Beja, D. João II e o seu filho bastardo, D. Jorge.
152
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)
Uma vez mais, não será difícil imaginar o sentido linhagístico de Leonor
a pugnar para que fosse um dos do seu sangue a herdar o trono. É sabido que
lutou com todas as suas forças para que o marido não conseguisse legitimar
aquele filho em Roma, socorrendo-se dos bons cuidados do cardeal Alpedri-
nha, D. Jorge da Costa, então um dos cardeais mais influentes da cúria ro-
mana. Mas também foi ela a lutar por que o único irmão que lhe restava (ex-
cetuando a irmã Isabel, viúva do duque de Bragança) fosse designado
sucessor pelo próprio rei. As crónicas não deixam dúvidas sobre o seu empe-
nho nesta nomeação e sobre a relutância do rei em proclamá-la; mal o conse-
guiu, dá ideia que D. João II, já doente da doença que o vitimaria, foi entre-
gue à sua sorte para morrer no Algarve longe da rainha. É sobre as peripécias
da legitimação de D. Jorge — que nunca chegou a acontecer — e D. Manuel
que nos deteremos em seguida.
5.2. D. Jorge
Quando D. João II procurou legitimar o seu filho junto da Santa Sé, os
ventos não lhe eram propícios. O papa anterior, Inocêncio VIII, tinha morri-
do e sido substituído por um papa de origem valenciana, cuja eleição signifi-
cava também a consagração da política religiosa que os Reis Católicos vi-
nham seguindo. Estamos a falar do célebre Alexandre Bórgia, cujos filhos
(dos muitos que teve), César e Lucrécia, granjearam também fama, igual-
mente por razões pouco dignas1. Antes de se tornar papa, Alexandre VI ti-
nha-se notabilizado por rentabilizar os proventos da chancelaria papal, de
que era vice-chanceler desde 1457, transformando-se num dos mais ricos
cardeais de Roma.
Nesse tempo, como dissemos, o grande representante de Portugal na
Santa Sé era D. Jorge da Costa, um homem que — conta Resende — tinha
sido abertamente hostilizado por D. João II ainda quando este era príncipe.
Em consequência, D. Jorge tinha-se mudado para Roma, sendo já cardeal
desde 1478 por indicação de D. Afonso V. Relatou o célebre episódio da
ponte de Alpiarça, no qual o rei teria ameaçado D. Jorge de o atirar abaixo
da ponte para o afogar2. Um cardeal de resto elegível para o trono de São Pe-
dro, em 1492, e mais tarde em 1503. Nessa altura era já muito velho, ten-
1 César Bórgia seguiu uma brilhante carreira militar, e preparava-se para ser eleito papa
quando morreu, tendo sido repetidas vezes citado por Maquiavel como o modelo do seu
príncipe. Lucrécia, conhecida pelos seus amantes, e pela relação incestuosa com o pai, aca-
bou também por se transformar no símbolo da mulher dissoluta.
2 Resende, Crónica, p. 23.
153
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
154
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)
155
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
156
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)
dá a entender que ficaram onze dias a dormir numa pequena ermida, e a co-
mitiva instalou-se em tendas que o rei mandou trazer para o local. Voltaram
a Sintra posteriormente. O episódio dá que pensar: porque é que um casal
desavindo, como a maior parte dos historiadores faz questão de afirmar, pas-
sa onze dias a rezar praticamente isolado numa pobre ermida?
O facto de a rainha estar muitas vezes longe do rei não faz parte da con-
jugalidade da época? Rei e rainha tinham aposentos separados e não dor-
miam sempre juntos; as necessidades de governo obrigavam o rei a deslocar-
-se por sua conta, como quando foi a Trás-os-Montes em 1484 tomar posse
das terras do duque D. Fernando de Bragança; por seu lado, a rainha tinha
interesses próprios e empreendimentos seus, como por exemplo o hospital
das Caldas, que a poderiam levar a viajar sem o rei. Para mais, enquanto foi
casada, a rainha não era livre, porque estava ligada ao marido pelos laços da
obediência que permeavam as obrigações familiares, tão hierárquicas como as
restantes relações sociais.
Não pretendo negar que existiram problemas graves entre ambos, que os
cronistas reportam praticamente desde o nascimento de D. Jorge em 1481,
mas o afeto do rei pela rainha parece ser uma realidade. Para sabermos se de
facto passaram cada vez menos tempo juntos depois da morte do filho e con-
sequente tentativa de legitimação de D. Jorge, seria preciso termos um qua-
dro mais exato das deslocações da rainha, que são impossíveis de precisar por
escassez de fontes. Sabemos pouco acerca dos sentimentos de D. Leonor, mas
D. Jorge, tirando o breve interlúdio do casamento do príncipe, que durou
apenas meses, foi um escolho na vida do casal régio. Agora, morto D. Afon-
so, o rei queria-o na sua companhia, que, como sabemos, D. Leonor liminar-
mente rejeitava. Referindo-se ao ano de 1494, os «Apontamentos históricos»
referem: «Neste tempo grandes desvarios entre el rei e a rainha por causa do
senhor D. Jorge em que a rainha teve grande constância como quem era.»
É que o rei, nesse ano em que Portugal renegociava a «repartição dos mares»
em Tordesilhas, insistia em fazer aceitar o bastardo junto dos Reis Católicos,
tendo inclusivamente proposto casar D. Jorge com uma das quatro filhas do
casal1.
Em contrapartida, existe um nítido alinhamento da rainha com o irmão
nos anos que medeiam a morte de D. Afonso e a do rei. O duque de Beja,
D. Manuel, parece ter permanecido junto da irmã nos anos que se seguiram
à morte do príncipe D. Afonso. Em Lisboa, em setembro de 1492, aparece
157
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Não sabemos que estranha chaga seria esta, mas Garcia de Resende não
mentia quando dava aquela doença de 1494 como um episódio decisivo na
158
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)
159
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
-se da sua doença nas Caldas de Monchique, e daí para o Alvor, onde morreu
a 25 de outubro de 1495; a rainha ficou, e seguiu para Alcácer do Sal com
o resto da sua família.
Nos últimos meses de vida, D. João II foi inegavelmente uma persona-
gem solitária. Os historiadores dão-no como abandonado e só, e provavel-
mente têm alguma razão, uma vez que são os seus cronistas a produzir essa
imagem. O facto é que, alcançada a nomeação de D. Manuel como herdeiro
do trono, a mulher e toda a família Avis-Beja-Bragança parecem aguardar
a sua morte anunciada. O que equivale a dizer, a única parentela de D. João II,
uma vez que todos os seus outros familiares se encontravam mortos. Apenas
D. Jorge, o seu único parente próximo que não era do sangue da rainha,
acompanhava o pai, tal como o príncipe antes dele. Leonor, como vimos,
não admitia o rapaz à sua presença, mas este continuava a viver na proximi-
dade do rei. Com casa própria — em 1493 a documentação refere repetidas
mercês a criados seus a partir de Torres Vedras —, Jorge mantinha-se perto
do pai1. Mais tarde, esteve no Algarve enquanto este agonizava no Alvor e vi-
sitá-lo-ia algumas vezes nas semanas que antecederam a sua morte, ao contrá-
rio de Leonor e de Manuel, que se conservavam em Alcácer do Sal, embora
mantendo contacto epistolar regular com o séquito que permanecia junto do
rei. Este chegou a convocá-los para virem ao seu encontro, mas a rainha não
foi; o irmão colocou-se a caminho mas voltou para trás na aldeia de Colos.
A razão por que o fez permanecerá um mistério. É no entanto plausível que
não desejasse colocar-se a jeito para ser morto, como acontecera ao irmão
Diogo anos antes, ou ver-se rodeado por partidários de D. Jorge2. Nesta fase,
sendo D. Manuel um rapaz solteiro e sem filhos, e sendo o testamento do rei
D. João reversível, como vimos, não foi mal pensado. Mas fica a pergunta:
porque se pôs a caminho e fez dois terços do percurso? Na verdade, quando
o rei morreu, já se encontrava novamente junto da irmã em Alcácer do Sal.
Não me parece oportuno levantar novamente a questão se D. João II foi
envenenado ou não. A verdade é que qualquer suposição de veneno recai na
pura especulação. Quer tivesse morrido de hidropisia ou envenenado, qual-
quer uma dessas hipóteses é indemonstrável. Os venenos foram uma marca
da política do Renascimento, e podiam ser ministrados de forma gradual por
alguém de confiança, que permanecia no anonimato. A D. João II, como vi-
mos, inimigos não faltavam, embora, como sabemos, os tivesse eliminado às
1 O rei esteve na vila entre abril e outubro desse ano (Itinerários, pp. 493-508).
2 Soyer, 2007a, p. 155.
160
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)
161
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
162
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)
163
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Thomas, 2005.
2 A propósito do ano de 1492, cf. Vincent, 1992, e Cardini, 1991.
3 Rucquoi, 1995, pp. 306-309.
164
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)
165
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Relato citado por Sennett, 1994, p. 237, relativo a uma festa no Vaticano dada por
César Bórgia, duque de Valentinois, em 31 de outubro de 1501, e onde seu pai, o papa
Alexandre VI, esteve presente.
2 Rabb, 1975, pp. 35-37.
166
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)
qual David conseguira vencer o gigante Golias com uma simples funda. Foi
posto à porta da Senhoria da cidade (palácio municipal), e o recado era claro:
a inteligência pode mais do que a força bruta1. Florença, acossada pela cobiça
alheia, rendia homenagem precisamente àquilo que a transformou numa das
mais belas cidades do mundo: o engenho humano. Pela mesma época, Nico-
lau Maquiavel haveria também de colocar a inteligência no patamar superior
da Criação, ao pretender que o seu príncipe usasse cirurgicamente a força
(apenas nas raras situações em que o seu uso fosse imprescindível), colocando
a sua virtù (palavra que significa um misto de talento e inteligência) ao servi-
ço de um poder perdurável no tempo: só a ação humana era capaz de contra-
riar os golpes da sorte2. Mas a instabilidade política e militar haveria ainda de
assolar a Itália por muito tempo: a turbulência seria a regra, e a Península
Itálica serviu de palco às rivalidades de outras potências europeias.
nou a diocese entre 1488 e 1501, não deve ser confundido com o seu homónimo meio-
-irmão, D. Jorge da Costa, o cardeal Alpedrinha, que se tornaria por sua vez arcebispo de
Braga de 1501 a 1505 por morte do primeiro, embora sem nunca abandonar Roma, onde
residia.
167
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
168
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)
169
Capítulo 6
O meu irmão é rei (1496-1510)
170
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
Cortou e mutilou, mas não escreveu o que o seu censor pretendia que escre-
vesse. Graças a Edgar Prestage, conhecemos a identidade do censor, que foi
o 2.o conde de Tentúgal, D. Francisco de Melo, neto de D. Álvaro de Bra-
gança, um dos irmãos do duque justiçado em Évora em 14831.
Ao contrário de Garcia de Resende, ligado ao rei D. João II por um afeto
profundo, ou de Rui de Pina, de pendor reservado, Damião de Góis não es-
tava de modo algum disposto a calar a sua voz própria, dentro dos limites
que a época permitia. É assim que o veremos criticar o rei de forma mais ou
menos aberta, ou não deixar de referir algumas questões sensíveis, que outro
qualquer teria contornado. Mas produziu uma imagem de D. Manuel I mais
consentânea com a hipotética realidade: um homem prudente — por vezes
em demasia — mas simpático e generoso, pronto a conciliar tudo e todos,
sem tomar decisões que o poderiam tornar malquisto. A imagem que nos fi-
ca é de um rei que, longe de ser apenas o recetáculo passivo de vários golpes
de boa sorte — o cognome de «venturoso» diz tudo —, era afinal um hábil
político2.
171
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
cebeu Jorge, então com 14 anos1. O seu estatuto alterou-se com a morte do
pai: de pobre «órfão» no dizer da pessoa que o trouxe à presença do rei, pas-
sou a estar sob os cuidados diretos de D. Manuel, «em lugar de filho»2. Não
há memória de a nossa rainha se ter oposto a esta nova situação, prova de
que a sua repugnância pelo «enteado» também era política e não apenas da
ordem dos afetos. O modo como o novo rei o incorporou é de resto também
narrado na crónica: deu-lhe um lugar de honra na sua câmara — Góis conta
que passou a dormir com ele na cama até se casar. O próprio rei tinha sido
objeto desse tratamento pelo cunhado D. João II. Como vimos no capítu-
lo iii, D. João II tivera então todos os motivos para recear a rebelião do jo-
vem duque de Beja. Estava-se então em 1484 e o seu irmão mais velho, Dio-
go, tinha acabado de morrer às mãos do rei, acusado de conspirar contra ele.
Como vimos, sem processo de culpa prévio, e sem que contra ele impendes-
sem mais do que simples denúncias. Ficamos a saber o estado de espírito do
novo rei: recém-chamado ao trono, não queria correr riscos de ver criar em
torno do jovem Jorge uma fação que lhe resistisse, e não deixa de ser signifi-
cativo que tivesse escolhido como momento para «reabilitar» Jorge a reunião
de cortes. E para mais, nesta fase inicial, não fazia mais do que cumprir o tes-
tamento do defunto rei, de quem era testamenteiro e principal beneficiário.
Mas havia ainda coisas a fazer para «arrumar a casa»: reconstruir o tecido
familiar que o seu antecessor tinha danificado. Não havia nada a fazer para
Fernando, duque de Bragança, nem para Diogo, ambos mortos, mas o mes-
mo não se podia dizer relativamente à sua descendência. O primeiro tinha
dois filhos vivos, Jaime e Dinis, ambos refugiados na corte dos Reis Católi-
cos; Diogo deixara descendência «natural»3. Vimos que para Diogo há várias
menções a um filho, e apenas uma, um tanto misteriosa, a uma filha que en-
traria como freira no Convento de Jesus de Setúbal, justamente aquando da
entrada das primeiras freiras no convento, ocorrida ainda antes de D. Ma-
nuel subir ao trono, entre maio e junho de 14954. O novo rei apressou-se
a criar condições para que os dois Bragança voltassem ao reino e, como vere-
mos, concedeu um ofício importante a Afonso, filho de D. Diogo.
ro e a marquesa de Villa Hermosa, viúva, pelo que não existia qualquer impedimento canó-
nico que obstasse a um eventual casamento.
4 Belém, Chronica Seráfica, Parte II, pp. 585-586.
172
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 30, especialmente nota 3; Sousa, Provas, T. II,
173
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
174
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
1 «Carta que Fernão da Silveira mandou de Castela a el rei D. João sobre a morte do
175
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
176
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
Vimos também que judeus e mouros tinham sido bem-vindos nas festas
de casamento do príncipe D. Afonso com a princesa D. Isabel em novembro
de 1491. Gestos como este tinham os seus dias contados, no entanto: a se-
guir a 1496 não mais foram possíveis atitudes deste género, e as ambiguida-
des cessaram. Doravante as comunidades hebraicas deixaram de existir, e os
judeus passaram a chamar-se cristãos-novos através da sua conversão forçada
ao cristianismo. Outro tipo de violência se exerceria mais tarde, desta vez ju-
dicializada e burocratizada, através da Inquisição. Já existia em Espanha des-
de 1478, D. Manuel chegou a pedi-la ao papa, mas só D. João III a fundaria
em 15361.
O casamento fez-se em outubro de 1497. Damião de Góis refere que das
quatro filhas dos Reis Católicos era esta com quem D. Manuel mais desejava
casar, tendo recusado a oferta de casamento com Maria, terceira filha do ca-
sal2. Nesses anos cruciais, andavam também os reis de Castela em pleno afã
casamenteiro: em 1496 tinham casado Joana com Filipe, o Belo, e negociado
o casamento da filha mais nova, Catarina, com Artur, herdeiro do trono in-
glês. No ano seguinte, em março, seria a vez de o príncipe herdeiro João ca-
sar com Margarida de Áustria. Refiro estes casamentos porque é necessário
para entender a oferta de Maria no tabuleiro das negociações. Ao que parece,
Isabel tinha-se recusado durante esse tempo a casar novamente, e estando as
outras duas irmãs comprometidas, restava Maria. Mas D. Manuel insistiu, e,
depois de uma negociação difícil, lá acabou por casar com Isabel.
A roleta continuava a girar: durante o casamento morreu o príncipe
D. João, herdeiro dos Reis Católicos. Restavam-lhes apenas quatro filhas,
a não ser que Margarida de Áustria, irmã de Filipe, o Belo, grávida, tivesse
um parto feliz. E agora, caro leitor, situemos estes dois irmãos: ele, duque de
Borgonha, filho do imperador Maximiliano e de Maria de Borgonha, casou
com Joana, segunda filha dos Reis Católicos, e chegou a ser rei de Espanha
durante pouco tempo (1504-1506). Teve, na sua curta vida de 27 anos, seis
filhos da mulher, entre os quais Carlos V e Leonor, que viria a ser a terceira
mulher do rei D. Manuel I. A mais nova, Catarina, póstuma, seria mulher de
D. João III. Mas o casamento dos filhos dos Reis Católicos na Casa de Áus-
tria foi também importante por inaugurar uma série de casamentos cruzados
que fariam escola nas cortes europeias, ao casar dois irmãos com outros dois
177
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Bennassar, 2006, pp. 48-53. Para este autor, tratou-se de uma estratégia desenvolvida
pelo imperador Maximiliano, pai de Filipe, o Belo e de Margarida.
2 Cortes Portuguesas... 1498, pp. 60-61; Bouza Álvarez, 1995, vol. iii, pp. 1453-1463.
178
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
que as duas casas reinantes jogavam — cheio de surpresas, como qualquer jo-
go de sorte e azar —, a sorte sorria de novo a D. Manuel.
O rei lá foi em março do ano seguinte para Toledo com o seu séquito e a
rainha D. Isabel (uma das poucas que fizeram duas vezes o caminho de casa),
deixando Leonor como regente «por comum consentimento dos estados» da-
do nas cortes1. À cautela, levava consigo o seu ex-rival na sucessão ao trono:
ia com ele o senhor D. Jorge, não fosse aprontar-se alguma tramoia na sua
ausência. De Toledo o rei rumou a Aragão, onde era necessário fazer outro
juramento, que confirmasse a sua aceitação pelos povos do reino, renitentes
em aceitar uma via de sucessão feminina2.
Durante a viagem, confirma-se um dado importante: não havia apenas
uma aliança matrimonial em jogo, mas também o desejo, por parte dos Reis
Católicos, de levar a cabo políticas comuns em matéria religiosa. Conta Góis
que Fernando e Manuel, agora sogro e genro, acordaram entre si manifestar
ao papa o desagrado de ambos pela devassidão moral que assolava Roma3.
Estava-se em 1498, em plena vigência da ocupação do trono papal por Ale-
xandre VI, coincidente com um dos períodos mais baixos da história da San-
ta Sé. Confirma-se, portanto: primeiro, a expulsão dos judeus, e agora a von-
tade de pôr ordem em Roma. Sinais evidentes de que a «família» ibérica
queria atuar em uníssono. Se não encararmos as famílias reais portuguesa
aragonesa e castelhana como uma só, teremos dificuldades em perceber os
reinos ibéricos do ponto de vista político neste período. O que não equivale
a dizer que não houvesse, como aconteceu no reinado de D. João III, que se-
guiu uma desastrosa política de casamentos dentro desta mesma família, vo-
zes que se opunham, ou um forte anticastelhanismo nos setores mais popula-
res. Ao nível das duas monarquias, era da mesma família que se tratava, e os
seus membros consideravam a endogamia um dispositivo normal de reforço
da coesão política.
D. Leonor assumiu plenamente a regência: não era a primeira vez que
desempenhava um papel político de primeira importância, mas foi talvez
o período em que a vemos fazê-lo com maior maturidade. Não que estivesse
completamente só: o rei ocupava-se de perto dos assuntos da governação,
conforme dados mais recentes conseguem apurar; é um facto que se manteve
sempre ao corrente do que se estava a passar em Portugal4. Mas a rainha es-
179
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
tava na primeira linha das tarefas inerentes à sua função, conforme o de-
monstra, entre outras coisas, uma carta assinada por ela que chegou à Senho-
ria de Veneza, e cuja transcrição aparece nos diários de Marino Sanuto:
180
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
a duquesa de Beja o veria no dia seguinte, quando o rei seu filho se lhe jun-
tou no paço da Alcáçova, rumando a Sintra daí a poucos dias1.
A partir de 1497, iniciava o rei a construção do novo paço da Ribeira,
que se prolongaria por vários anos. Em dezembro de 1505, numa parte
pronta do palácio, representava Gil Vicente a sua comédia Quem tem farelos?
Doravante, representaria o novo polo da cidade, à beira-rio. Palácio peculiar,
que albergava a Casa da Índia com os seus armazéns de especiarias no piso
térreo, e penetrava Tejo adentro com um cais próprio, com abundantes va-
randas para olhar a cidade e os barcos2. Leonor, no entanto, parece absorvida
pelas paisagens da sua própria alma. Não há relatos que a narrem no interior
das cerimónias que se realizaram nos novos espaços, embora, como é óbvio,
lá deva ter estado. Nem nas festas, nem na alegria de viver o momento que
transparece da organização do espaço do novo palácio. Levava uma vida reca-
tada. Mais tarde, será retratada no hábito de terceira franciscana, e talvez se-
guisse o seu modo de vida. Este implicava vestir-se sem ornatos e de panos
simples e nunca assistir a festas profanas, e muito menos as da corte («aonde
se trazem as coisas brandas deste mundo»), para além de fazer muitos jejuns
e rezar o ofício divino3. Se D. Leonor seguiu de facto a regra dos terceiros
franciscanos, está explicado porque é que os cronistas nunca mencionam
a sua presença nos acontecimentos sociais da corte. Com uma exceção, a do
batizado do sobrinho e afilhado D. João, que herdaria o trono como terceiro
do nome.
A vida de Leonor estruturava-se assim em torno da vida do espírito, em-
bora, como veremos adiante, estivesse muito longe da pobreza franciscana
praticada pelos santos e santas da sua devoção. Nem deixou tão-pouco de
querer para si algumas das substâncias preciosas que os armazéns do irmão
guardavam, como adiante veremos.
181
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
la do claustro da Sé, ainda hoje existente. Muito se tem escrito nos últimos
anos sobre a fundação das Misericórdias, em resultado de investigação levada
a cabo a partir dos anos 90 do século xx. A historiografia da primeira metade
do século atribuía à rainha um papel de relevo na difusão das Misericórdias
à escala do reino, mas mais recentemente tem-se responsabilizado a rainha
apenas pela fundação da Misericórdia de Lisboa. Ainda assim, o seu papel
não fica mais diminuído por causa dessa restrição, uma vez que seria a Mise-
ricórdia de Lisboa a dar o tom para todas as restantes, fundadas à sua ima-
gem e semelhança. O irmão D. Manuel agarrou a ideia com todas as suas
forças: afinal, a sua imagem de rei, num estado em formação, fazia-se tam-
bém em torno dos mais desamparados. Tal como as revoluções marxistas fa-
laram em nome dos operários e camponeses — os trabalhadores —, a Revo-
lução Francesa, em nome dos cidadãos, as democracias, no das massas
anónimas, também a construção do poder do rei se ancorava nos elos mais
fracos da sociedade da época: as crianças abandonadas, os presos, os pobres,
as viúvas e os órfãos, segundo ideais ainda fortemente filiados na tradição ca-
valeiresca medieval. Todas estas figuras sociais pediam proteção e amparo,
e caíam sob o manto protetor da caridade cristã. Ou seja, de Nossa Senhora,
mãe de Misericórdia. A figura compassiva de Maria era a preferida dos cris-
tãos, porque, ao contrário do Filho e do Pai, perdoava sem julgar. Não ao
acaso, a Virgem do Manto, glosada já na iconografia medieval italiana e fla-
menga, foi adotada como emblema das Misericórdias.
Estas confrarias haveriam de correr mundo, das Filipinas ao Brasil, e fun-
dar-se em todos os recantos do planeta onde havia comunidades portuguesas.
Só até à morte de D. Manuel I em 1521, está já comprovada a existência de
77 Misericórdias; se as contarmos até ao falecimento da rainha, ou seja, até
1525, passam a ser 821. Naquele verão de 1498, no entanto, correspondiam
apenas a uns escassos metros quadrados de uma capela do claustro da Sé. Ins-
talações próprias de uma instituição que começava, e que um século depois
se tornaria o mais importante conjunto de confrarias sob proteção da Coroa
portuguesa2.
Por influência da historiografia do Estado Novo, que acreditava ser
D. Leonor quase inteiramente responsável pela formação das Misericórdias,
de resto bem patente na grande e bem elaborada exposição que marcava
1 Portugaliae monumenta Misericordiarum, vol. iii, pp. 357-384; vol. iv, pp. 275-276.
2 Ao contrário do que se tem escrito, havia outras confrarias sob proteção régia neste pe-
ríodo.
182
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
183
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Chambers, 2000, p. 41. Estranhamente, este excerto não figura no texto publicado
por Godinho, 1974, pp. 75-84.
2 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 68.
184
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
1 António dos Santos Pereira, 2003, vol. 1, pp. 525-544; Humble, 2003, pp. 213-214.
2 Jardine, 1996, p. 34.
3 Chambers, 2000, p. 38.
4 Araújo, 2004, pp. 74-79.
185
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
tinham sido dados em vida do pai, o de Santiago e Avis, de que seria deten-
tor até morrer1.
Não cumpria inteiramente D. Manuel o que D. João II lhe ordenara em
testamento, e, nas vontades que acatava, fazia-o um pouco tarde, uma vez
que tinham passado já cerca de cinco anos da morte do seu antecessor, que
tinha escrito no seu testamento de 1495 para as cumprir «logo todas»2. Na
realidade, várias disposições de D. João II relativamente ao filho D. Jorge fi-
caram por executar: D. Manuel não abriu mão da Ordem de Cristo, de que
era mestre desde a morte do seu irmão Diogo, para a conceder a D. Jorge,
juntando-se aos mestrados de Santiago e Avis, que D. Jorge já detinha; tam-
bém não o casou com a sua filha mais velha, como era vontade de D. João
II3. Mas não se deixava por isso de conferir importância a D. Jorge, que ti-
nha de ser tratado como filho de quem era4, e de resto acabava de crescer na
corte do rei D. Manuel. Digo acabava porque dias depois, no último dia de
maio de 1500, Jorge passou ao estado de casado.
O rei casou-o, aos 20 anos, com D. Beatriz de Vilhena, filha de D. Álva-
ro, irmão do duque de Bragança D. Fernando. Se o leitor estiver recordado,
saberá que foi este o mais bem-sucedido dos quatro irmãos (até porque mor-
reu velho): viveria em Castela, onde chegou a assumir lugares importantes na
corte, a ponto de não regressar definitivamente a Portugal depois da reabili-
tação dos Bragança5. Sabe o leitor também que escreveu uma carta
a D. João II acusando-o dos mais horrendos atos6. Um deles tinha sido pre-
cisamente o de o rei o afastar da mulher e da filha, confiscando os bens patri-
moniais destas, que legalmente não podiam ser assimilados aos seus, a que
o rei tinha supostamente direito em razão da traição cometida. Era esta filha
que agora casava com o senhor D. Jorge.
As bodas fizeram-se em Lisboa, sendo presentes o rei e a nossa rainha,
que criara a noiva Beatriz em sua casa, «desde o tempo do rei D. João II seu
marido, e que lhe queria tanto como a filha, o que mostrou na riqueza das bo-
das, feitas no seu paço, e nas coisas que lhe deu»7. Ou seja, mais uma vez
a preocupação de neutralizar o inimigo através de uma incorporação. Perce-
1 Foi precisamente a seguir à sua morte que D. João III reuniu os mestrados na Coroa
186
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
be-se bem porquê a filha de D. Álvaro: não havia mais nenhuma Bragança
disponível para aquele casamento, que transformava D. Jorge em mais um
membro da família da rainha. Curioso episódio, se pensarmos na repugnân-
cia de D. Leonor em respirar o mesmo ar do enteado a seguir à morte do
próprio filho. Casava então o filho do marido com uma «filha», no seu pró-
prio paço, agora que o sabia num claro segundo lugar numa eventual corrida
pela sucessão. De resto, nesse momento, em que D. Manuel não tinha ainda
bem seguro o trono — com um único herdeiro em Espanha D. Miguel da
Paz —, ainda havia a possibilidade de D. Jorge vir a ser rei. Não era uma
possibilidade remota, se tivermos em mente as surpresas que as reviravoltas
da sorte davam em semelhantes casos. A criança morreu antes de completar 2
anos de idade, mas apenas a 19 de julho, pelo que ainda era viva ao tempo
em que D. Jorge casava e recebia o título de duque de Coimbra. Só nos anos
subsequentes, com a torrente de filhos rapazes do rei — seis ao todo —,
a possibilidade de Jorge ser um candidato ao trono se extinguiria por com-
pleto.
Era também tempo de fazer outros consertos familiares: no mesmo dia
em que D. Jorge casou, D. Afonso, filho natural de D. Diogo duque de Vi-
seu, foi feito condestável do reino (o mais alto posto na chefia das suas forças
militares), e também tomou estado, ao casar com Joana de Noronha, filha do
marquês de Vila Real. Conhece já o leitor esta personagem, que lhe foi apre-
sentada no capítulo terceiro: tratava-se de um filho havido da marquesa de
Villa Hermosa, castelhana, nos tempos das já remotas terçarias de Moura,
quando D. Diogo tinha por obrigação residir como refém na corte dos Reis
Católicos. O condestável haveria de morrer apenas quatro anos depois, em
outubro de 1504, aos 22 anos, tendo deixado uma única filha, D. Beatriz1.
Faleceu em Beja, onde assinou um dos poucos documentos que se lhe co-
nhecem, confirmando uma tença que sua avó, a infanta D. Beatriz, concede-
ra a um seu servidor, e queria ver confirmada no caso de morrer antes deste2.
Por ironia, o neto precedê-la-ia na morte cerca de dois anos...
O ano de 1500 foi um ano de casamentos também para o rei: viúvo de
Isabel, filha mais velha dos Reis Católicos, casou em agosto com a sua irmã
Maria, que chegou a Portugal em outubro desse ano. Casou-os o bispo de
Évora em Alcácer do Sal a 30 de outubro, tendo os noivos seguido para os
paços da Alcáçova em Lisboa. Maria foi o mais duradouro dos três casamen-
tos de D. Manuel e também o mais prolífico. Tiveram dez filhos, dos quais
187
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
seis rapazes e duas raparigas sobreviveram até à idade adulta. Embora alguns
autores tenham procurado resgatar a rainha D. Maria do anonimato, atribuin-
do-lhe alguma agência em termos políticos, o facto é que os seus dezassete
anos de casamento permanecem apagados e sem brilho. De relevo, apenas
a educação dos muitos filhos, na qual se empenhou de forma direta1. O certo
é que a figura da nossa biografada é referida como personagem de primeiro
plano, e parece ofuscar a cunhada. De resto, também do ponto de vista fi-
nanceiro: D. Leonor nunca chegou a abrir mão do seu património de rainha
viúva, e as rainhas em exercício tiveram alguma dificuldade em reunir um
conjunto de terras que lhes garantisse o sustento do seu estado2.
Um episódio ilustra, pela negativa, a ausência de importância política
da rainha D. Maria. Passa-se mais tarde, em 1512, e é narrado por Damião
de Góis, que conta a história do governador da Casa do Cível, D. Álvaro de
Castro, que açoitou um seu criado surpreendido a namorar com uma escrava
sua. Um parêntese para explicar que a persistência de atos de justiça privada
constituía agora uma impossibilidade no contexto da estruturação do Estado
moderno. Para D. Manuel, era inadmissível a ideia de que o seu regedor pu-
desse bastar-se a si mesmo no castigo dos seus criados. Quando teve conheci-
mento do ocorrido, o rei suspendeu D. Álvaro do seu ofício e proibiu-o de
sair de casa. A desgraça abateu-se também sobre os seus familiares, a ponto
de os seus dois filhos, que andavam na corte, serem riscados do livro de cozi-
nha3. Coube a sua mulher, também chamada Leonor como a rainha, junta-
mente com o irmão do cronista, Frutos de Góis, resolver a situação. Maqui-
naram um estratagema: o rei visitava frequentemente a irmã no seu paço em
São Bartolomeu, junto da Igreja de Santo Elói. A rainha seria posta ao cor-
rente do problema, haveria um encontro (aparentemente casual) entre os
três, no qual a rainha agenciaria indiretamente a reabilitação de D. Álvaro ao
perguntar a sua mulher pela saúde do marido. Quando o encontro ocorreu,
esta respondeu que só Deus e o rei o podiam curar, e a partir daí D. Manuel
levantou o castigo ao marido. Serve esta historieta, narrada de forma muito
esquemática, para sublinhar a influência da rainha sobre o rei. Ou seja, da
rainha velha, e não da rainha sua mulher, e é esse o ponto a que quero che-
gar. O assunto resolveu-se a contento, e não se enganavam nem Frutos de
Góis nem a mulher de D. Álvaro: D. Leonor tinha influência suficiente para
188
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte III, pp. 156-159. Episódio também narrado em
189
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
nos barcos dos negociantes, mas só ficou assinalada a sua prodigiosa vista
e pontaria. O episódio é narrado por Damião de Góis, e passou-se no ano de
1513, estando o rei no seu paço de Santos. Era talvez, de entre as moradas
do rei, a mais recreativa de todas, onde o rei ancorava o seu batel ou bergan-
tim, despachando os seus assuntos numa cabana junto ao rio («tendo despa-
cho em uma casa de madeira, que ali então estava, na ponta do cais, posta so-
bre a água»)1. Foram trazidos à sua presença vários índios, na companhia de
Jorge Lopes Bixorda, que então tinha o negócio do pau-brasil, e o cronista
narra que o rei se espantou com a facilidade com que as suas flechas acerta-
ram nuns pedaços de cortiça flutuando rio abaixo. Era então Damião de
Góis um rapaz de 9 anos, mas conta que assistiu ao episódio.
Outro acontecimento — este com influência na vida de D. Leonor —
foi o nascimento do filho primogénito do rei, que haveria de ser D. João III,
a 6 de junho de 15022. O seu nascimento merece ser assinalado também por
outro motivo: foi na sua sequência que Gil Vicente se estreou nos espetácu-
los de corte. O seu Monólogo do vaqueiro, ou Auto da visitação, em que um
rude pastor visitava a rainha no leito, onde recuperava do parto, e a felicitava
pelo seu feliz desfecho, constitui a primeira vez que a sua atividade como
dramaturgo é reportada. Irrompia um tanto intempestivamente na sua câma-
ra, deixando os pastores que o tinham acompanhado à porta. Relembremos
algumas das palavras do vaqueiro, ditas em castelhano: «Quién quieres que
ño rebiente / de plazer y gasajado? De todos tan desseado,/ este príncipe ex-
celente/ oh, qué Rey tiene de ser!»3
O auto terminava com os pastores a entregar os seus presentes à rainha
D. Maria. Assistiram ao evento o rei, a sua mãe D. Beatriz e a tia Isabel, du-
quesa de Bragança; o introito não menciona a presença da rainha D. Leonor,
mas no final diz-se: «E por ser coisa nova em Portugal, gostou tanto a rainha
Velha desta representação, que pediu ao autor que isto mesmo lhe representas-
se às matinas do Natal, endereçado ao nascimento do Redentor. E porque
a substância era mui desviada, em lugar disto fez a seguinte obra [o Auto pas-
toril castelhano, representado no Natal desse ano de 1502].»4 Outro motivo
também para evidenciar aqui o nascimento de D. João III é o de D. Leonor
ter sempre assumido papel de destaque no patrocinato de Gil Vicente, que se
prolonga praticamente por todo o reinado de D. Manuel I. Só D. João III,
190
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
191
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Ibérica prosseguissem uma política comum quer em relação aos judeus quer
admoestando o papa pela devassidão moral que assolava Roma. Encobriu-se
a morte de Isabel a sua filha, a rainha D. Maria, grávida de Beatriz. Foi a se-
gunda filha rapariga da rainha, que tomava o nome da avó paterna, já que
Isabel, a quem fora dado o nome da avó materna, nascera no ano anterior1.
Para a Excelente Senhora, a morte de Isabel, a Católica, constituiu talvez
uma libertação: no ano seguinte conseguiu finalmente autorização do rei pa-
ra abandonar o Convento de Santa Clara de Santarém, onde era obrigada
a permanecer (não esqueçamos que fora feita freira praticamente à força),
passando a ter residência fixa em Lisboa no paço da Alcáçova. Segundo Da-
mião de Góis, o rei tivera informação, que entretanto se averiguou ser falsa,
de que D. Joana queria regressar secretamente a Castela. Também houve ru-
mores, quiçá sem fundamento, de que Fernando de Aragão, agora viúvo de
Isabel, a Católica, pretendia casar com ela, no intuito de fazer uma aliança
matrimonial que consolidasse a sua posição política em Castela, uma vez que
o trono deste reino cabia agora a Filipe, o Belo, duque de Borgonha, a não ser
que D. Fernando providenciasse um novo varão para suceder no trono dei-
xado vago pela sua defunta mulher2. No entanto, o rei de Aragão acabaria
por fazer um casamento igualmente vantajoso, com Germana de Foix, sobri-
nha do rei de França e uma das pretendentes ao trono de Navarra, que Fer-
nando anexaria em 1512. Para consternação das suas filhas (agora apenas
Joana, Maria e Catarina), que não aceitaram a substituição muito rápida da
mãe, uma vez que D. Fernando casou no ano seguinte ao da morte desta.
Quanto a D. Joana, deixada definitivamente em paz no que toca a jogadas
matrimoniais, acabou por ir ficando em Lisboa, onde, afastada da ribalta po-
lítica, levou uma existência apagada, ou pelo menos sem deixar grande rasto
documental. Quisesse D. Manuel providenciar-lhe uma vida mais folgada,
ou até tê-la vigiada, o certo é que Joana não mais parece ter abandonado
o paço do Castelo, exceto talvez para fugir à peste, que continuava a ser
a causa fundamental que obrigava as cortes a deslocarem-se.
E foi precisamente no final desse ano que a peste deflagrou em Lisboa,
no dizer de Damião de Góis «uma das mais bravas que houve», trazida no re-
gresso de Itália por uma das naus em que vinha a embaixada que fora prestar
obediência ao novo papa, Júlio II, chefiada por D. Diogo de Sousa. Este per-
sonagem, um dos homens mais cosmopolitas do reinado de D. Manuel I, foi
192
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
bispo do Porto e seria durante muitos anos arcebispo de Braga, até à sua
morte em 15321. A corte fugiu, tendo nascido o segundo filho rapaz do rei,
o infante D. Luís, em Abrantes no ano seguinte, em março de 1506.
Durante esse período, a nossa rainha também abandonou Lisboa. Preci-
samente em março estava em Óbidos, de onde escreveu à cidade do Porto
pedindo alimentos para abastecer o seu hospital. Seriam embarcados a partir
de Matosinhos e descarregados na enseada de Salir do Porto2. Cereais, mas
também trezentas a quatrocentas galinhas, um alimento fundamental na die-
ta hospitalar da época. Tratou-se sem dúvida de um pedido de exceção, que
acusa a perturbação económica que acompanhava os tempos de peste. Toda-
via, D. Leonor haveria de deambular por mais algum tempo pela zona da Es-
tremadura, onde sabemos que grande parte das suas terras se situavam. No
mês de maio seguinte esteve em Aljubarrota, em agosto em Leiria. No ano
seguinte, de 1507, estaria novamente nas Caldas da rainha e Óbidos, e, tal-
vez já de regresso à sua cidade favorita — Lisboa —, em Alenquer em no-
vembro. Só em 1508 a encontramos em Xabregas, a cuidar do segundo
maior projeto da sua vida, o Mosteiro da Madre de Deus, a cuja fundação
daremos atenção dentro em breve.
Regressava a rainha a uma cidade onde muita coisa se tinha passado para
além da epidemia: como se esta não bastasse, ocorrera em 1506, enquanto
sua mãe morria em Beja, o mais grave massacre aos judeus de que há memó-
ria na história de Portugal.
A peste continuava em Lisboa, e pagaram os cristãos-novos o preço pela
raiva dos que não podiam acompanhar a corte na sua fuga. Existem vários re-
latos da tragédia, mas o mais completo é sem dúvida o de Gaspar Correia,
que afirma tê-la presenciado3. O seu epicentro parece ter sido o Mosteiro de
São Domingos: as primeiras mortes dão-se no interior da sua igreja, onde
um cristão-novo duvida de um milagre que aí ocorrera nesse dia, Domingo
de Pascoela. Desencadeou-se nesse dia a matança, mas ao que parece o mas-
sacre foi reavivado na terça-feira por um frade dominicano que andou por
Lisboa com um crucifixo nas mãos incitando à matança, bradando: «aqui fi-
lhos pela fé de Jesus Cristo não fique nenhum destes judeus»4. A fúria popu-
lar causou a morte a um número de pessoas hoje impossível de calcular, mas
mo que também padeceram morte muitos cristãos velhos» (destaque meu). Sobre este rela-
to, cf. Soyer, 1997b.
4 Correia, Crónicas, p. 31.
193
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
que se estima ter andado à volta de quase duas mil pessoas, cristãos-novos
achados pelas ruas e depois no interior de suas casas, pilhadas sem dó nem
piedade. E segundo Gaspar Correia também se incluíram entre os mortos
muitos cristãos-velhos1, vítimas de ajustes de contas ou simplesmente da his-
teria da população enraivecida. Durou o massacre pelo menos três dias. Con-
ta o mesmo cronista que só na quinta-feira «saiu da Sé uma mui devota pro-
cissão da misericórdia com muitos disciplinantes todos bradando /paz /paz,
com que se apagou de todo a dita matança»2. Esta informação, até agora ig-
norada pelos historiadores, constitui uma das indicações sobre a multiplici-
dade de funções que a Misericórdia de Lisboa, como sabemos uma das cria-
ções da nossa rainha, estava pronta a desenvolver. Desta vez um cortejo em
que os participantes se autoflagelavam, penitenciando-se pela desgraça que se
abatera sobre a cidade, e clamando pelo restabelecimento da paz.
O massacre, diga-se em abono da verdade, não foi desejado nem pelo rei,
ausente da cidade, nem pelas autoridades respetivas, que se viram impotentes
para conter a fúria popular. Tomou conhecimento do que se passava em
Avis, uma vez que ia a caminho de Beja, onde agonizava a infanta D. Beatriz
sua mãe. Abreviou a visita que lhe fazia em razão do sucedido, e a duquesa
morreu alguns dias depois. D. Manuel rumou a Lisboa, mas, sempre por
causa da peste, procurou resolver o assunto a partir de Setúbal, não ousando
visitar a cidade.
Dois frades que tinham andado pela cidade brandindo um crucifixo
ateando a ira do povo foram espoliados das suas ordens sacras e queimados.
Quanto aos habitantes de Lisboa, receberam também castigo por parte do
rei. Abrimos aqui outro parêntese para analisar um pouco este assunto.
É certo que dificilmente se poderia ter estancado a fúria popular: o panora-
ma traçado por Góis e Correia não esconde a impossibilidade de meios para
lhe pôr termo. Nem tão-pouco se podem omitir os benefícios «terapêuticos»
do massacre para o povo de Lisboa, amarfanhado pela peste que então gras-
sava na cidade. E por outro lado, é um facto que dificilmente se pode negar
que havia um suporte ideológico que transformava os cristãos-novos em víti-
mas da fúria popular. O próprio rei puniu não o massacre, mas a desobe-
diência à sua autoridade, uma vez que nunca se falou em restituir aos cris-
tãos-novos os seus bens e dignidade3. Se tomarmos o exemplo da nossa
rainha, basta recordar que muitos dos livros que possuiu e muito provavel-
194
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
mente leu continham trechos anti-hebraicos. Como não podia deixar de ser:
os judeus eram, juntamente com os seguidores de Maomé, considerados os
grandes inimigos da cristandade. Não ao acaso o massacre ocorreu também
em tempo de Páscoa: vingar a morte de Cristo constituía a sua justificação
teológica, e era em tempos de penitência que a raiva popular eclodia mais fa-
cilmente. O clima anti-hebraico da cristandade ocidental, diga-se de passa-
gem, não mudaria com o luteranismo: Lutero escreveria violentos panfletos
contra os judeus, principalmente no fim da vida1.
195
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Segundo Maria Odete Martins, Antão de Oliveira era escrivão da fazenda da infanta
196
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
«licorne», fiz o confronto com o original manuscrito, e confirmou-se a leitura efetuada por
este autor (IAN/TT, Núcleo Antigo, n. 775).
197
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Que haveria de resto de adquirir por outras vias, sempre por generosidade do
irmão: em 1514, D. Manuel ordenava ao seu tesoureiro que lhe entregasse
duas onças de licorne1.
Só uma ausência nos espanta na execução deste testamento: a de Isabel,
duquesa viúva de Bragança, que não aparece em parte alguma nesta fonte.
Adiante teremos ocasião de referir que era a mais pobre dos três irmãos, viú-
va, mas com filhos homens adultos. Em todo o caso, também filha da du-
quesa defunta, mas ao que parece sem direito a nada do que tinha ficado por
morte da mãe. Esta inferioridade perante os seus dois irmãos, um rei e a ou-
tra rainha, será de resto uma das marcas constantes desta relação desigual.
Muitos, em contrapartida, foram os beneficiados. Em primeiro lugar ins-
tituições e pessoas eclesiásticas: igrejas e mosteiros não apenas de Beja, mas
de outras vilas e lugares. A parte de leão, no que toca a alfaias religiosas, obje-
tos de uso doméstico e o equipamento e ingredientes da botica, foi para
o Mosteiro da Conceição. Entre as instituições religiosas de Beja, os conven-
tos: o Mosteiro de Santo António, o de São Francisco, e o de Santa Clara.
E as igrejas de Santa Maria da Feira, a de Salvador, São João, Santiago e San-
ta Maria das Neves. Igrejas também distantes de Beja, como Santa Maria das
Relíquias (Odemira), São João de Tarouca ou igreja do Milagre de Santarém
em memória da irmã da infanta, D. Filipa2. Mas também algumas pessoas li-
gadas a D. Beatriz: mestre Miguel, seu confessor e pregador, D. Joana de
Noronha, viúva do neto condestável D. Afonso (filho natural de Diogo du-
que de Viseu), designada por «condestabresa», que ficou com dois gatos-de-
-algália e um dos dois papagaios da infanta, o de cor parda3; e a sua criada
Leonor Pereira, que a servia no guarda-roupa. Foi esta última a principal be-
neficiária não eclesiástica da infanta. Recebeu uma arca encoirada, roupa de
corpo, — alguma da qual pertencera à sua falecida ama —, tecidos em bruto
(bretanha, londres, menim e olanda4), colchões, roupa de cama (cobertor,
lençóis). Mas também substâncias de valor comercial óbvio, cuja venda a po-
deria transformar numa mulher remediada: 7,5 quilos de açúcar, meio arrátel
de canela e outro meio de cravo, um arrátel de pimenta e três arráteis de tâ-
maras (um arrátel = 459 gramas).
Espanta-nos a constante reciclagem dos materiais, visível na maneira co-
mo panos de sepultura eram transformados em frontais de altar ou as roupas
198
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
da infanta em vestes litúrgicas. A maior parte das peças em tecido foram rea-
proveitadas ou feitas de novo por vários alfaiates a mando de D. Manuel, de
modo a beneficiar todas as igrejas e capelas da intenção de D. Beatriz.
O mesmo se fez com as peças de vestuário a distribuir pelos criados da infan-
ta, usando para tal os numerosos tecidos que a mesma tinha guardados. Cu-
riosamente, apenas um dos alfaiates, de seu nome Luís Gomes, confecionava
peças litúrgicas, o que não nos espanta pela sacralidade destes objetos. Ainda
no século xviii os estatutos das confrarias de ourives do Porto requeriam lim-
peza de sangue aos seus membros, justificando que manuseavam objetos sa-
grados1.
Repare-se também na invasão de panos da Índia, passados que estavam
apenas escassos anos do regresso da primeira viagem marítima de Vasco da
Gama. Sedas na sua maior parte, utilizadas sobretudo no fabrico de para-
mentos; tecidos de pano de seda, almofadas e outras coisas que serviam em
casa de D. Beatriz seriam transformadas num pálio, que seria entregue na
Igreja de Nossa Senhora da Feira de Beja; do que sobrasse far-se-ia uma capa
e um frontal que viajariam para longe, para a remota região do Douro (sua
senhoria manifestara vontade de os dar ao Convento de São João de Tarou-
ca, por razões desconhecidas). A botica, que estava nas casas da Senhora, não
seria mexida, mas entregue ao Convento da Conceição, ao qual a tinha dei-
xado por testamento.
O rei ordenava também obras no mosteiro: ladrilhar o chão de várias di-
visões, fazer um muro nos limites do convento suficientemente alto para as
freiras não serem olhadas de fora; arranjar o quintal da duquesa onde se en-
contravam as «necessárias» (retretes); consertar propriedades de vizinhos que
tinham ficado danificadas com a construção do convento. Ficamos a saber
também que o rei dera à mãe duzentos mil réis antes da sua morte, destina-
dos a pagar a madeira do dormitório do convento, que entretanto seriam
gastos no pagamento de algumas destas obras. Era também preciso arranjar
uma pedra tumular a colocar sobre a sepultura de D. Beatriz, que tivesse os
dizeres por ela estipulados. As casas que possuía na vila seriam vendidas, com
exceção daquela em que habitava o seu cozinheiro-mor, de seu nome Frolen-
tim, autorizado também a ficar com o açúcar que estivesse na sua posse.
Era também na execução do testamento que se deviam pagar dívidas
pendentes da defunta. A maior parte delas irrelevante (Beatriz era tudo me-
nos insolvente), mas algumas já antigas, como uma de fruta importada de
Castela que remontava a quase dez anos atrás.
199
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Ao preço de 25 reais por capão em Lisboa, no ano de 1504, indicado por Lobo,
1904, p. 548.
2 Não obstante, havia vários centros de produção em Portugal, a ponto de se protege-
rem as florestas contra a delapidação das madeiras, cuja combustão era essencial no processo
de produção.
3 Freire, «Inventário da infanta», p. 67.
200
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
Por esses anos o reino mudava rapidamente, inchado pelo afluxo de mer-
cadorias à Casa da Índia. Foi então que o rei construiu um novo paço na Ri-
beira da cidade, tendo precisamente o armazém da mesma Casa no rés-do-
-chão do edifício, secundarizando o antigo paço da Alcáçova, onde, como
vimos, a Excelente Senhora tinha assentado arraiais. D. Leonor parece ter
continuado a residir no seu paço de São Bartolomeu, não abandonando
a parte alta da cidade. O mesmo veneziano cujo relatório de espionagem já
citámos, Lunardo Masser, começava por afirmar que a cidade de Lisboa era
a maior do reino e aquela onde o rei passava a maior parte do tempo, e que
não havia nenhuma outra cidade em Portugal que se lhe comparasse em
grandeza. Mas as suas construções não bastavam ao nosso espião, habituado
ao hiperluxo veneziano: achou o novo paço da Ribeira, ainda inacabado, «de
pouca despesa, com uma fábrica muito baixa, e com pouco desenho, e pobre
201
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
«El segondo duca se chiama Don Zorzi, duca de Cui[m]bra, fu fiolo na-
turale del Re Don Zuane, benché el qual pretendeva succedere questo regno,
et sperava di esser Re; aspetava le sue bolle da Roma avanti morir el Re Don
Zuane suo padre, per farlo ligittimo ma come credo ch’el sia noto quanto sia
stà perseguitato suo padre, Re Don Zuane, per farlo morir, da tutti li grandi
di questo regno, et più sui privati, tra li quali ultimamente non se poté def-
fendere, fo toxicato a termene; però restò questo Duca cum pocho favore, il
quale è de età de anni 22 vel circa, et è de debile complexione et mal sano.»4
202
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
1 Ver capítulos iv e v.
2 Sanuto, I Diarii, vol. iv, coluna 621.
203
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
204
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
nha, D. Jorge da Costa, que se faria sepultar na Igreja de Santa Maria do Pó-
pulo, em Roma1.
Na segunda bula, datada de 1 de junho de 1497, pode ler-se:
«Ordenamos que todos e cada uns dos fieis cristãos homens e mulheres
que daqui em diante para sempre em quaisquer tempos em o dito hospital
morrerem posto que lhe não deixem coisa alguma, como os moradores em
o dito reino de Portugal e em quaisquer dos outros senhorios ao dito reino
sujeitos que fora do dito hospital morrerem e em suas últimas vontades, ou
em outra qualquer maneira, ao dito hospital dos bens que lhes Deus deu, al-
guma coisa piedosamente derem, ou deixarem, segundo suas faculdades, pos-
sam ganhar em o artigo da morte plenária remissão de todos seus pecados,
dos quais forem verdadeiramente contritos e por boca confessarem, contanto
que eles persistam em pureza de fé e unidade da santa igreja de Roma e na
obediência e devoção nossa e de nossos sucessores bispos de Roma que cano-
nicamente entrarem.»2
205
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
206
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
207
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
208
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)
que o respetivo autor se baseia nunca tenham sido encontrados. Cf. Santa Maria, O Céu
aberto..., pp. 256-270.
2 IAN/TT, CC-I-15-110 [1514.8.14, Lisboa]. D. Henrique regressou ao Congo, sendo
209
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
nossa rainha, de que o cardeal, seu antigo precetor, tinha ficado por testa-
menteiro1. Era portanto mais um espaço religioso onde se cultivava uma re-
lação estreita com a família real. A rainha considerava o cartório do convento
como seu, uma vez que várias escrituras que diziam respeito a coisas suas aí
foram depositadas. Os negrinhos que vieram para Lisboa foram também
educados no convento dos Loios.
Mas havia também outras facetas dessa ligação entre as figuras da família
real e da corte e os cónegos de São João Evangelista. A congregação parece
ter admitido também leigos, considerados seus irmãos pelas benfeitorias efe-
tuadas à ordem. Um livro de atas da congregação lista os seus nomes em
1498: o da rainha D. Leonor lá está, logo a seguir ao seu irmão D. Manuel
e sua mulher (primeiro D. Isabel e depois D. Maria) juntamente com outros
fidalgos e mulheres designadas por «beatas». Entre estes, um nome particular-
mente significativo: o senhor D. Álvaro, o único dos quatro irmãos Bragança a
sobreviver à conjura de 1483. Significa que todas estas pessoas seriam para
sempre lembradas nos «sacrifícios orações vigílias e jejuns e disciplinas» feitos
pelos cónegos, em troca de doze pais-nossos diários com ave-marias que cada
um deles devia rezar, para além do reconhecimento que a ordem lhes consa-
grava pela caridade e esmolas para com ela2. Era, como sabemos, um mundo
onde a devoção e a espiritualidade ocupavam um lugar primordial na vida
das elites. Muitas destas práticas devocionais davam origem à aquisição de
valiosos objetos de luxo. Foi entre 1500 e 1510 que a rainha adquiriu um
dos objetos pessoais a que provavelmente daria mais valor. Falamos do seu
breviário franciscano, escrito em latim, mas contendo as cerimónias litúrgi-
cas segundo o uso de Roma3. Profusamente iluminado, foi produzido na
Flandres, provavelmente em Gante ou Bruges, e continha, para além das
principais orações e ofícios litúrgicos, um santoral onde os santos francisca-
nos figuravam obviamente em destaque4.
ferentes cortes podiam seguir formas próprias de culto. Só depois deste concílio Roma im-
pôs definitivamente a sua liturgia.
4 Encontra-se hoje na Pierpont Morgan Library, de Nova Iorque, sob a cota Ms. 052.
210
Capítulo 7
Os dias iguais (1510-1521)
211
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
dispendiosas1. E a rainha não escrevia ao irmão de sua mão, como era seu de-
sejo, «por causa da dor de cabeça que sempre tem». Não mentiu portanto
o cronista, ao afirmar que D. Leonor envelheceu doente e quase sempre na
cama2. Ou seja, podemos quase aventar que os contactos entre os dois ir-
mãos, embora frequentes, eram epistolares e não presenciais. A rainha velha
não visitaria muitas vezes a corte nos seus últimos quinze anos de vida. Se
observarmos aquilo que se pode conhecer dos seus itinerários, parece absorta
nos seus assuntos próprios, ainda que tenhamos indícios de que continuava
a manter uma relação estreita com o irmão e era tratada com deferência.
A rainha, no entanto, deslocava-se entre o seu paço de São Bartolomeu e o
mosteiro de Xabregas, onde tinha instalações próprias. Ainda lá se encontra-
va em agosto de 1510, com as suas habituais dores de cabeça3. Idem em se-
tembro, de onde escreveu à abadessa do Mosteiro de Santa Maria Annunzia-
ta de Florença, mencionando «o trabalho que continuamente anda nesta
cidade de Lisboa onde não se pode fazer grande coisa sem correr grande peri-
go»4. Peste, portanto.
Quando fazia viagens maiores, ia para as suas terras da Estremadura, no-
meadamente Aldeia Gavinha e Caldas, onde tinha o «seu» hospital. Mas as
notícias de que passava a maior parte do tempo deitada não deixam por isso
de ser recorrentes nas cartas que escrevia. Em 1514, numa das muitas missi-
vas que trocou com a abadessa e freiras do Convento da Anunciada de Flo-
rença, a rainha referia novamente que estava na cama5.
Frei Afonso, confessor da rainha: «logo hoje fui ao mosteiro da Madredeus, onde está».
4 Sousa, «Cartas», p. 169.
5 Sousa, «Cartas», p. 176 [1514.2.16, Lisboa].
6 King, 1998, p. 76.
212
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
213
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
sido Maria sua mãe. Eram tempos de piedade mariana, em que a figura da
Virgem fazia crescer nos crentes a esperança de serem perdoados pelos seus
pecados. Para a rainha, como vimos, existiam vários motivos para se rever na
personagem. Em primeiro lugar, uma proximidade de género: para uma mu-
lher Cristo podia ser um exemplo mas só Maria podia constituir um modelo.
A sua pureza sexual, a sua capacidade de sofrer pelos outros e perdoar sem
julgar eram capacidades que só Maria possuía, ao invés do Pai e do Filho,
que podiam julgar sem perdoar. Além do mais, é provável que D. Leonor se
tivesse identificado com uma mulher, que, tal como ela, tinha sofrido a dor
da perda de um filho único na idade adulta.
Nos círculos devotos da alta aristocracia da época imperava também um
tipo de piedade fortemente marcado pelo franciscanismo e pelo seu ideal de
pobreza voluntária. O pobre ideal continuava a ser Cristo, capaz do sacrifício
supremo pela humanidade pecadora. O ideal de vida mais apreciado era
o transmitido pelo Evangelho da primitiva comunidade cristã, formada por
Cristo e pelos seus apóstolos, mais tarde recriada por São Francisco nas coli-
nas da Úmbria, próximo da cidade de Assis em que tinha crescido na abun-
dância, filho de um rico mercador.
Havia algo de contraditório no ideal mendicante, porque quem passava
fome e frio provavelmente estava pouco interessado nas agruras da pobreza;
em contrapartida, o franciscanismo apelava a gente que raramente teria sofri-
do de uma coisa ou de outra. Os grandes conventos mendicantes foram fun-
dados em cidades que na época eram opulentas. Pense-se nas igrejas dos con-
ventos franciscanos e dominicanos de Florença ou Veneza, ou em cidades de
Castela como Toledo e Ávila. Pense-se também na riqueza destes mosteiros,
do aparato litúrgico valiosíssimo que exibiam aos fiéis. Riqueza só era pecado
se vivida em proveito próprio, porque então correspondia à avareza, um pe-
cado mortal dos mais torpes, porque significava o apego desmesurado a si
mesmo e a incapacidade de partilhar os haveres com liberalidade1. Mas fazer
brilhar a riqueza para maior glória de Deus, em custódias e cálices eucarísti-
cos de prata dourada, paramentos de seda e ouro dos oficiantes a fazerem
conjunto com frontais e cortinas de altar, era usar da riqueza de modo corre-
to, porque colocado ao serviço da comunidade espiritual dos fiéis.
Para as mulheres, o ideal franciscano consubstanciava-se na regra de San-
ta Clara e nas variantes desta. As freiras não deveriam ter coisa alguma de
seu, jejuar com frequência e os seus conventos deviam mendigar para sobre-
214
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
215
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
216
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
1 IAN/TT, Manuscritos da Livraria, n.o 1077, Estatutos de Santa Coleta, cap. iv.
2 Woolf, 2005.
217
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 «que o tempo que fora dela gastamos, havemos que não é viver» (AHCML, Livro I do
218
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
219
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
220
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
221
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
222
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
223
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
224
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
1 Leonor (1434-1467) era irmã de D. Afonso V, e casou com o imperador Frederico III
em 1451.
225
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
226
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
227
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
bia, o que nos dá mais uma indicação de que D. Leonor conservava alguns
costumes do século.
A presença da rainha alterou os hábitos do hospital. Como era óbvio,
a sua autoridade sobrepunha-se à do provedor em exercício, Jerónimo Aires1.
Segundo o seu primeiro biógrafo, D. Leonor fazia de provedora com uma
bengala na mão, que por ser peça «muito dura a deixou por insígnia do ofí-
cio e autoridade a todos os provedores seus sucessores em memória sua e ain-
da hoje permanece neste hospital»2. Por ordem sua, o hospital começou ex-
cecionalmente a curar nesse inverno algumas pessoas da sua casa (como
sabemos, só funcionava entre abril e setembro). Não perdia a rainha contacto
com o seu irmão rei: o mesmo livro dá conta de ter recebido um emissário de
D. Manuel com um recado, e regista as despesas de comida feitas com ele
e outro seu criado que por sua vez trazia.
Chegavam também outras visitas à rainha: em janeiro de 1520 foi a vez
do bispo de Coimbra, confessor da rainha «alemoa» (alemã). Era a terceira
mulher do rei, D. Leonor, irmã de Carlos V e sobrinha das suas duas mulhe-
res anteriores, Isabel e Maria: recordamos que era a filha mais velha de Joana,
a Louca, também filha dos Reis Católicos. Não era alemã, mas tinha sido
educada na Flandres pela tia Margarida, tal como o seu irmão Carlos (Car-
los V). Mais uma vez, o livro de despesas anota o banquete que foi servido ao
bispo que representava a «rainha nova» e aos acompanhantes do prelado.
Tratou-se provavelmente de uma visita de cortesia: a rainha velha não fora ao
seu casamento, uma vez que este não se realizara em Lisboa, sempre impedi-
da pela peste, e agora tratava-se de cumprir uma obrigação social e familiar.
Mas bastante significativa: a rainha velha fazia-se tratar como tal, e na sua
qualidade de mais antiga, e de maior idade, era a rainha nova que a mandava
visitar por interposta pessoa, o bispo de Coimbra, D. Jorge de Almeida3.
Outras pessoas vieram ao hospital visitar a rainha: um deles foi D. Pedro
do Manicongo, de quem já falámos4. A pequena comunidade congolesa era,
como vimos, diretamente apadrinhada por D. Leonor. A sua presença nas
Caldas confirma uma vez mais a sua estreita ligação com a comunidade con-
golesa em Portugal.
e seu capelão e pregador. Ganhava ainda a importante soma de trinta mil reis anuais pelo
cargo de provedor. (Sousa, «Cartas», p. 173).
2 São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 208.
3 Bispo de 1482 a 1543.
4 São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 168.
228
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
Esteve a rainha no hospital, sempre segundo Frei Jorge de São Paulo, até
14 de março de 1519, data em que seguiu para Muge, sempre receando re-
gressar a Lisboa por causa da peste. Voltou finalmente para Lisboa, para o
seu paço de Xabregas, que comunicava com o Convento da Madre de Deus,
para onde o provedor lhe continuava a mandar profusão de iguarias de caça,
pescado e frutas.
É em Lisboa que temos notícia da participação da rainha num aconteci-
mento da corte do rei. Como sabemos, D. Manuel casara em novembro de
1518 com a sua terceira mulher, a irmã mais velha do imperador Carlos V.
Recebera a noiva no Crato, onde tiveram a primeira noite, e depois tinham
seguido para Almeirim, onde a noiva fora apresentada aos enteados. Apesar
da vontade do rei em regressar a Lisboa, logo em 1518, esta continuava im-
pedida pela peste, pelo que o régio casal só foi recebido por uma cidade em
festa em janeiro de 15211. O rei saiu com a nova mulher e os filhos de Al-
meirim para o Lavradio, de onde embarcaram para Lisboa. É então que Gas-
par Correia narra um interessante episódio, que constitui também uma in-
formação preciosa sobre a maneira de viver da nossa rainha. Antes de entrar
na cidade, o barco onde o rei e nova rainha estavam «veio tomar defronte de
Xabregas onde estava a rainha D. Leonor que saiu em seu andor e veio à praia
e el rei chegou muito na borda de água donde as rainhas se viram e falaram
assim por então»2. Precisamente o que suspeitávamos: D. Leonor não se des-
locava sozinha, não frequentava a corte em nenhuma circunstância, e espera-
va que o irmão fosse até ela. D. Manuel, sempre atencioso para com a irmã,
fazia desta forma com que as duas rainhas, a velha e a nova, se encontrassem
face a face, ainda que provavelmente (o trecho não é muito claro) com água
a separá-las. Fica-nos a imagem de uma rainha já velha, deslocando-se em ci-
ma de um andor (caro leitor, sabe o quanto eu daria para saber como era),
afastada das luzes da ribalta, mas por quem o rei seu irmão nutria afeto e re-
verência.
1 Sobre o contexto deste casamento, inicialmente projetado para o príncipe herdeiro, cf.
Buescu, 2007, pp. 111-115.
2 Correia, Crónicas, p. 128.
229
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
230
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
estavam vivos Jaime, o novo duque, e Dinis; criava netas em sua casa, filhas
deste último, juntamente com outras crianças filhas de criados e criadas suas.
O património que deixava não era brilhante, o que revela que o estatuto de
viúva quando existiam filhos homens vivos não era forçosamente confortável.
O testamento dá a entender que tudo o que a duquesa possuía andava na
mão do seu filho duque D. Jaime. D. Isabel procurava lembrar-se de todas as
pessoas que tinha na sua dependência, mas pouco lhes deixava, limitando-se
a pedir aos seus testamenteiros que tomassem a cargo o seu amparo.
Envolvia três mosteiros no seu enterro, todos eles franciscanos: o Mostei-
ro de São Francisco da cidade, o de São Francisco de Xabregas e o Mosteiro
da Madre de Deus, onde, como sabemos, jazeria o seu corpo. Os primeiros
transportá-lo-iam de onde estivesse até à portaria do convento feminino, on-
de as freiras o viriam receber. Ou seja, a duquesa mantinha as tradições fami-
liares relativas à preferência pela observância franciscana. Mais uma vez, ig-
noramos o estado de espírito da rainha quando perdeu aquela que a tinha
acompanhado ao longo de grande parte da sua vida. Lembramos um mo-
mento capital dessa aliança: conta Resende que, sem querer saber de rancores
pelo cunhado, que lhe tinha morto o marido, D. Isabel correra a consolar
a irmã em julho de 1491 quando o príncipe caíra do cavalo.
Esse ano de 1521 haveria ainda de ser pródigo em despedidas, como ve-
remos.
231
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
«E da Sé, depois de feitas orações, por as ruas principais até casa da rainha,
onde estiveram, e a Infante se despediu dela, e à vinda vieram por toda a ri-
beira, que era coisa mui bem lustrosa.»1 Ou seja, D. Leonor não assistiu às
festas. Ficamos um pouco perplexos: como é que a rainha, que Frei Jorge de
São Paulo dá como tendo-se deslocado a Alenquer e Aldeia Gavinha em
1524 e 1525 não foi ao casamento em 1521? Mais uma vez, temos de pensar
que D. Leonor, enquanto terceira franciscana, estava impedida de frequentar
a corte e as suas festas, como vimos em capítulo anterior. Não conhecemos
o grau de intimidade entre tia e sobrinha, mas é óbvio que seria a última vez
que se encontrariam as duas: para as princesas que casavam fora do reino es-
tas viagens não tinham regresso. Assim foi no caso de D. Beatriz, duquesa de
Saboia: morreria em 1538 em Nice.
232
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)
233
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
e choros que cada um fazia pela perda de um tão bom rei, e tão amigo de
seus criados, e vassalos como o ele sempre foi.»1
Mas um documento do Corpo Cronológico dá-nos um detalhe picaresco,
que demonstra até que ponto os relatos oficiais mostram apenas as aparên-
cias. Nestas, existe a necessidade de enquadrar o relato do ponto de vista das
expectativas convencionais em torno da morte do rei, retratando a dor e a
compunção da corte e do povo que se juntava para as cerimónias fúnebres.
Este documento não fala do enterro, mas sim de um saimento, antiga ceri-
mónia fúnebre que já tínhamos analisado para as mortes de Afonso V e do
príncipe filho da nossa rainha. Podiam ocorrer vários saimentos, de acordo
com as fases do luto pelo falecido: cerca de um mês ou de um ano depois da
sua morte, de acordo com fases consideradas fundamentais na decomposição
do corpo. Nos saimentos, os enlutados saíam trajados a rigor com vestes fú-
nebres, e assistiam na igreja às exéquias fúnebres, levantando catafalcos com
tumbas cobertas de panos. Mas no documento que referimos outro episódio
transparece: o roubo de quinze das quarenta tochas usadas no saimento de
D. Manuel, o que significa que houve pessoas com outras preocupações que
não a de chorar o defunto rei2.
Nenhuma das fontes consultadas refere a presença da rainha velha nestes
eventos: nem à cabeceira do irmão, cuja agonia se prolongou por nove dias,
nem nas cerimónias fúnebres. Ficamos sem saber como viveu a morte daque-
le que foi sem dúvida o seu principal aliado. Que a rainha ainda temia pela
sua vida, comprovam-no as deslocações que faria nos anos seguintes às suas
terras da Estremadura, sempre para fugir à peste. Delas trataremos no capítu-
lo seguinte, o último desta sua e nossa biografia.
234
Capítulo 8
O fim (1522-1525)
8.1. Vamos a contas: em jeito de balanço
«Não é mal a Senhora ajuntar dinheiro de suas rendas e pen-
sões que licitamente pode haver, sem fazer opressão aos seus,
nem engano aos estranhos, nem levar ganhos defesos. Nem
é ela tida dar tudo aos pobres, mas deve guardar dele para suas
necessidades e seu estado; e para pagar aos seus servidores, e dar
honestos dons [presentes]; e pagar o que para ela for tomado;
e pagar o que deve, porque primeiro que as esmolas se devem
pagar as dividas, e, doutra guisa, se faz esmola do alheio. Mas
se a boa Senhora se quer abster das coisas sobejas (o que ela pode-
rá fazer, se quiser), convém a saber, de roupas e joias (que não
são muito necessárias) [...] aquela é a direita esmola e de muito
merecimento.»
Christine de Pizan, O livro das três virtudes1
235
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
236
O FIM (1522-1525)
1 Rodrigues, 2007a, p. 5.
237
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
238
O FIM (1522-1525)
D. Leonor não perde com o negócio: abdicou de Torres Novas, Torres Ve-
dras e Alvaiázere, mas recebeu em troca vários tributos cobrados aos judeus
de Lisboa, bem como a cidade de Silves e a vila de Faro. Com a condição de
que as terras voltassem à rainha caso a princesa falecesse e as rendas agora ou-
torgadas à Coroa, o que não veio a acontecer1. No entanto, poucos meses an-
tes, e quando não existiam dúvidas de que o casamento se realizaria, o rei au-
mentara o assentamento da rainha2. Estava-se em julho, mas em setembro
desse ano o rei autorizou-a a dispor em testamento das suas arras para obras
pias, caso viesse a morrer primeiro do que ele. Ou seja, as arras ficaram pro-
priedade plena da rainha3.
O outro momento, que decorre de uma tragédia, é quando rei e rainha
estão em conflito, que se percebe derivado da teima de D. João II em fazer
do bastardo herdeiro depois da morte do filho comum. Já Braamcamp Freire
o notou4. O rei, desesperado, tenta comprá-la. Leonor aproveita os benefí-
cios materiais que este lhe propõe, mas não cede. Habilidades de família,
porque a nossa rainha era um osso duro de roer.
Também em viúva o seu património e rendimentos sofrem alterações,
precisamente durante os primeiros tempos do reinado do sucessor do marido
e seu irmão, o rei D. Manuel I. Com a exceção provável dos quatro anos do
reinado de D. João III em que a rainha ainda viveu, o seu património foi
sempre em crescendo, e os momentos que correspondem a saltos quantitati-
vos acompanham momentos-chave na vida política da monarquia. Quando
D. Leonor passou de princesa a rainha, as melhorias podem ser consideradas
normais devido à sua mudança de estatuto; depois, quer durante os últimos
anos de vida de D. João II, quer durante todo o reinado do seu sucessor, de-
vem-se à benevolência destes, mas sobretudo à sua própria agência. Se tanto
o pai como a mãe tinham tido jeito para o negócio, a filha não lhes ficou
atrás.
Finalmente, outro momento em que se adivinham boas oportunidades
para a rainha é quando D. Manuel sobe ao trono. A rainha adquire aí umas
boas injeções de património, mas a verdade é que a sua boa estrela finan-
ceira nunca esmorece até ao fim da sua vida. Saberá protestar achaques, e a
expectativa de uma morte a curto prazo. Por mais de uma vez a rainha
1 A rainha acabaria por manter todos estes bens e rendimentos (IAN/TT, Chancelarias
239
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
diz-se doente, e declara que beneficiará por pouco tempo dos bens pedidos.
Quando a rainha pretendia alguma mercê onerosa em termos financeiros pa-
ra a Coroa usava o argumento de ser doente e já lhe restarem poucos anos de
vida, numa alusão clara ao facto de não deixar herdeiros forçados por sua
morte1.
Apenas um documento de 1533, posterior, portanto, à morte da rainha,
permite fazer um balanço geral daquilo que seriam os seus rendimentos nos
últimos anos de vida. Trata-se de uma tomada de contas ao seu tesoureiro,
em que figuram os montantes recebidos pela rainha no quinquénio com-
preendido entre 1521 e 1525. Recebeu o dito, de seu nome Lourenço de
Freitas, uma quantia em torno dos 39 contos, que, divididos por cinco, dá
uma média de perto de oito contos por ano2. Ora, segundo as estimativas de
Vitorino Magalhães Godinho, os rendimentos da Coroa apenas alguns anos
antes foram de 114 contos3. Caro leitor ou leitora, trata-se de uma situação
desafogada, para uma pobre velha que não saía da cama. Mulher muito rica,
portanto. Com alguma «responsabilidade social», mas dentro das medidas, e,
como dizia Braamcamp Freire, sem despender muito do seu4. As Misericór-
dias corriam por conta dos seus benfeitores e voluntários; o hospital das Cal-
das, que sustentava em terras suas, recebia por vezes luxuosamente os seus
hóspedes ilustres, por vezes ela própria; o Convento da Madre de Deus não
era seguramente para pobres. Ou seja, Braamcamp Freire tinha razão, mas
punha o problema em termos que a sociedade tardo-medieval jamais coloca-
ria. À luz da moral social da época, a princesa ou rainha não era Robin dos
Bosques. O que nos leva também a recolocar o papel da caridade nestas so-
ciedades. Muito embora decorresse da necessidade de zelar pela salvação da
alma, e fosse central na vida das pessoas sobretudo quando a morte se aproxi-
mava, é um facto que apenas uma pequena parte dos rendimentos lhe era
aplicada. Ou seja, mais uma questão de retórica, sem dúvida sincera, mas
menos operativa do que decerto se supõe. Relembremos um excerto do tre-
cho de Christine de Pizan com que iniciámos este capítulo: «Nem é ela tida
dar tudo aos pobres, mas deve guardar dele para suas necessidades e seu esta-
do.»
240
O FIM (1522-1525)
241
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Todas essas terras lhe garantiam avultados proventos, variáveis de ano pa-
ra ano, e hoje difíceis de calcular. A rainha haveria de ter tido a sua contabili-
dade própria, entretanto desaparecida, uma vez que se usava dos oficiais pró-
prios das arrecadações. Mas tinha também rendimentos na fazenda régia, que
veremos em seguida.
A juntar a estes direitos, temos os padroados: pelas contas que fiz aos da-
dos fornecidos por Ivo Carneiro de Sousa, a rainha detinha 55 igrejas sob
a sua alçada, o que significa que era ela a controlar as suas rendas, que ser-
viam, no todo ou em parte, para financiar os padres que ela nomeava para
nelas servir1. Mas eram também os dízimos que custeavam campanhas de
obras e oferta de equipamento litúrgico, muito embora pudessem ser outor-
gados a título de «presente» (como o leitor já entendeu, estamos perante uma
economia de dom e não de mercado). Mais uma vez é a mulher de poder
que emerge: imagine-se a quantidade de homens do clero a quem D. Leonor
podia assegurar o sustento, e que, por esse motivo, lhe deviam atenções redo-
bradas.
242
O FIM (1522-1525)
243
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
244
O FIM (1522-1525)
245
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
ma, cujo aval seria definitivo. Era na sede do papado, como sabemos, que se
jogava a fortuna dos inúmeros processos de certificação. Uma coleção de relí-
quias tão impressionante como era a da rainha não ficaria completa se ne-
nhuma delas fosse capaz de operar milagres. Dessa coleção teremos ainda
ocasião de falar um pouco mais adiante. Mas vejamos em que consistiu o di-
to milagre do espinho.
Antes de mais o objeto do milagre: uma relíquia de pertença régia, neste
caso de antiga posse do rei D. Duarte (avô de D. Leonor). Note-se o misté-
rio que envolvia a forma como fora parar às mãos da rainha: um homem ve-
lho, incógnito, tinha-lho dado: «ela [rainha] o houve porque quis nosso se-
nhor trazê-lo à sua mão sendo dos ditos reis passados bem desejado que
nunca dele puderam saber nem haver notícia um homem velho antigo lho
deu não dizendo quem era somente entregando à dita senhora rainha que lhe
pertencia aquela relíquia por ser da coroa real e a ela o deu e entregou sendo
já passados desta vida três reis, a saber, el rei D. Duarte e el rei D. Afonso e el
rei D. João que Deus tem». Tratava-se obviamente de um espinho da coroa
de Nosso Senhor, mas a rainha não tinha a certeza da sua autenticidade.
A conselho do prior do Crato, D. Diogo de Almeida, que lhe dissera que em
Rodes havia um espinho semelhante que operava milagres nas Sextas-Feiras
Santas — ele próprio havia presenciado um deles —, D. Leonor ordenou
a Frei Afonso de Portugal, seu confessor e frade franciscano, que o colocasse
no oratório. No dia seguinte, enquanto os dois rezavam, a rainha lembrou-se
do espinho, e pediu-lhe que o fosse ver. E eis senão quando o bom do frade
viu que o espinho sangrava, apresentando duas gotas de sangue1.
Chamou a rainha, que por sua vez chamou a irmã Isabel, duquesa de
Bragança, e com ela vieram muitas outras mulheres de suas casas. São aí no-
meadas, porque constituem testemunhas do milagre: D. Margarida Henri-
ques, camareira da rainha, D. Catarina da Rosa, mulher de D. Diogo de Li-
ma, e duas criadas, Leonor de Valascos e Joana Nunes, juntamente com um
número indeterminado de donas e damas da rainha e da duquesa. Havia
também capelães presentes — segundo o relato, três ou quatro, e um deles,
Tomé Toscano, levou a relíquia a um eirado onde a examinaram à luz do sol.
A seguir foi a vez de o nosso já conhecido bispo de Viseu, D. Diogo Ortiz,
vir ver o espinho sangrante e confirmar o milagre.
Concluía-se: «Seja certificada e notória a todas as pessoas as presentes
e futuras por louvor de Deus e devoção dos devotos cristãos e para confusão
1 Sobre o culto do sangue de Cristo no final da Idade Média, cf. Bynum, 2007,
pp. 1-21.
246
O FIM (1522-1525)
dos maus e infiéis verem tais sinais e ouvirem que em um espinho seu de tantos
mil anos nosso senhor quis mostrar o seu sangue precioso que lavou nossos pecados
aos olhos dos pecadores.» Para finalizar informava o notário que «E eu como
notário apostólico lhe dei este instrumento a requerimento da dita rainha
nossa senhora para ficar por lembrança e certeza de tamanho e tão certo mi-
lagre deste verdadeiro espinho para estar com esta memória onde quer que sua
alteza o deixar quando quer que a nosso senhor aprouver para si levar». Afirma-
va também o notário que tinha ouvido como testemunhas todas as pessoas
mencionadas na escritura. Mas atenção: este personagem acumulava funções
com as de esmoler e capelão da rainha, de seu nome Gomes Vaz. Não sabe-
mos que fortuna teve o relato nos meandros da burocracia papal, mas em to-
do o caso informa-nos bem sobre as expectativas da rainha relativamente às
relíquias que tinha na sua posse, bem como nos avisa de que D. Leonor ten-
tava evitar que o milagre caísse no esquecimento a que a sua morte o vota-
ria1.
misericórdia» (IAN/TT, Chancelarias de D. João III, L.o 37, fl. 160 [1524.12.12, Évora]).
4 Ribeiro, 1902, p. 71.
247
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
havia quem lhes chamasse casamento a troco, e tratava-se de casar dois casais
de irmãos. D. João III casava com uma irmã do imperador Carlos V (seu pri-
mo, claro) e este último com uma irmã de D. João III, a infanta D. Isabel.
Depois de provavelmente ter desejado a mulher do pai, que lhe tinha sido
inicialmente prometida para noiva, — relação de que as más-línguas não ces-
saram de falar depois da morte do rei em dezembro de 1521 —, D. João III
resolvia finalmente a questão do seu casamento1. Houve quem escrevesse até
ao irmão imperador afirmando que D. Leonor de Áustria estava grávida do
enteado, e conta-se que Carlos V, alarmado, apressou o regresso desta a Cas-
tela2. Em vez de casar com Leonor, viúva do pai, agora disponível, a escolha
do novo rei recaía sobre a sua irmã mais nova, a filha póstuma de Filipe,
o Belo e de Joana a Louca. Estamos a falar de Catarina de Áustria, portanto.
Uma vez mais, D. Leonor, a rainha velha, agora no seu último ano de vi-
da, não deu sinais de querer ir às festas de casamento. Mas um episódio de-
monstra à suficiência que a rainha não só estava no pleno uso das suas facul-
dades mentais, como tinha a curiosidade de saber o que se passava. Um dos
relatos da chegada da nova rainha ao reino, proveniente de Tordesilhas, de
onde quase fugira de uma mãe desgostosa de a perder para sempre3, foi pre-
cisamente encomendado por D. Leonor a alguém da sua confiança. E aqui,
caro leitor, permita-me que especule: será que D. João III mantinha a mesma
relação dedicada que seu pai votara à nossa rainha? Ou esta, sabendo que
o sobrinho dificilmente lhe daria parte dos acontecimentos, tratou de agen-
ciar as suas fontes de informação? Em todo o caso, confirma-se: D. Leonor,
até ao fim, não perdeu a vontade de saber tudo o que se passava. Ainda que
por interpostas pessoas, e ouvindo-as provavelmente sem se levantar da cama
em que jazia.
248
O FIM (1522-1525)
1 Sobre o declínio da religião como motivo de violência, ver Rabb, 1975, pp. 80-82.
249
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
ciantes, que por sua vez cobravam taxas de juro altíssimas1. Nas velhas cida-
des medievais, de ruas escuras, estreitas e tortuosas, com casas entrando umas
pelas outras, abriram-se ruas em linha reta, por vezes largas, com edifícios cu-
ja altura se alinhava pelo chão ou pela linha de água, e de volumetrias sim-
ples. Mas era também um mundo onde a Europa impunha cada vez mais
a sua presença a povos que não podiam competir militarmente com ela.
250
O FIM (1522-1525)
251
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
africanos que tinha sido educado em Lisboa1. Pelo menos por enquanto,
o seu trabalho em prol da conversão dos meninos negros ao cristianismo não
fora de todo esquecido. Mas atenção, a carta incluía queixas amargas sobre as
formas de procedimento dos portugueses. Em primeiro lugar, o esquecimen-
to a que votavam os cristãos: a notícia da morte do rei D. Manuel I não ti-
nha chegado ao Congo, e não havia vinho e farinha para celebrar a eucaristia,
produtos necessariamente importados da Europa. E, o que era pior, escravi-
zavam-se os súbditos do rei congolês através do rapto, alguns deles seus pa-
rentes: eram logo marcados a fogo, para legitimar a propriedade dos raptores.
11 352.
252
O FIM (1522-1525)
queixou-se à rainha, já viúva, de que o fidalgo com quem a casara era mau
caseiro por gostar demasiado de caçar. Respondeu a rainha: «Calai-vos, Fuão,
que se não pode levar a carga do matrimónio sem alguma recreação. O que
as outras mulheres sentem eu o não sei; mas de mim vos afirmo que todas as
vezes que el rei meu senhor, que está em glória, vinha de fora, me parecia que
tornava a casar de novo.»1 O grande problema com as frases alegadamente
proferidas por personagens históricas é nunca podermos distinguir a realida-
de do mito. Mas, a ser verdade, confirma-se a ideia de que as relações com
o seu marido foram tudo menos de indiferença.
253
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Sobre a lenda e a iconografia relativa a estes três irmãos, cf. Batoréo, s.d.
2 De notar que o convento continuou a acumular relíquias depois da morte de D. Leo-
nor, pelo que a coleção aí existente extravasa o espólio da rainha.
254
O FIM (1522-1525)
255
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Pimenta 469 94
Canela 294 59
Maças2 232 46
Malagueta 232 46
Noz-moscada 198 40
Incenso 191 38
Cravo 147 29
Gengibre 147 29
Beijoim3 88 18
Canafístula4 65 13
Estoraque5 38 8
mes e incenso.
4 Planta medicinal.
5 Bálsamo odorífero.
256
O FIM (1522-1525)
257
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
trate de bíblias, livros de horas, manuais de liturgia (caso dos pontificais), vi-
das de santos ou sermões. Tratava-se no entanto de uma biblioteca com algu-
ma variedade, na medida em que nela se encontravam alguns livros de histó-
ria, de literatura (romances ou relatos de viagens). Não se regista a presença
de muitos livros do século xv e xvi, mas o maior contingente é de livros de
autores medievais, o que dá uma boa imagem da época em que podemos si-
tuar a rainha. Ou seja, mesmo que D. Leonor não tivesse lido ou ouvido ler
todos os seus livros, os títulos de uma biblioteca são geralmente suficientes
para traçar uma imagem do gosto do seu possuidor. Portanto: uma rainha
fortemente ancorada na Idade Média, com algumas raízes nos autores clássi-
cos (embora sobretudo Padres da Igreja). Também, como mulher de poder
que era, lhe interessavam as obras didáticas, que davam instruções de vida ao
género feminino. A sua posse nas mãos da rainha ilustra antes de mais uma
consciência de género: D. Leonor sabia bem que jamais poderia imitar os ho-
mens, mas devia em vez disso atuar dentro daquilo que se esperava das mu-
lheres. Mandara traduzir uma dessas obras, da autoria de Christine de Pizan,
mas conhecem-se outras na sua biblioteca.
Havia também uma obra sobre Roma, que poderia ter sido um daqueles
livros em que se descreviam, por vezes em imagens, os monumentos da cida-
de santa, em particular os numerosos vestígios da Roma antiga que tanto in-
teressavam os homens do Renascimento. A sua presença, no entanto, não
chega para retirar a nossa rainha da época anterior, com a qual tinha mais afi-
nidades.
Uma última palavra, caro leitor. Vários dos livros da rainha que ainda
subsistem contêm uma anotação, sem dúvida posterior, que ameaça de exco-
munhão quem os levasse do sítio onde estavam: «este livro foi da rainha do-
na Leonor e não se pode dar a ninguém de todo: sob pena de excomunhão,
porque assim deixou a fizesse em seu testamento»1. Esta é uma anotação de
uma Bíblia que não faz parte do inventário citado, hoje existente na Bibliote-
ca Nacional, e que permitiu atribuir a sua posse a D. Leonor. Outra obra, es-
ta pertença do Arquivo Distrital de Leiria, tem uma anotação semelhante.
A mesma ameaça de excomunhão paira sobre as pessoas que levassem o livro,
porque este tinha sido deixado à Madre de Deus pela rainha; neste caso, não
se percebe como o livro foi parar ao hospital das Caldas2.
1 Sobre o inventário dos livros de D. Leonor, cf. Cepeda, 1987, pp. 51-81. Citação na
p. 53.
2 Arquivo Distrital de Leiria, Vita Patrum.
258
O FIM (1522-1525)
8.7. Epílogo
O tempo de Leonor acabou durante a sua vida. A espiritualidade tran-
quila e aristocrática da devotio moderna, expressa em tantas miniaturas dos
Existem duas Marias para este período, a filha de D. Manuel (1521-1577) e a de D. João III
(1537-1545), mas nenhuma Isabel, a não ser Isabel de Bragança (1512-1576), casada com o in-
fante D. Duarte.
259
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1 Clemente VII era filho ilegítimo de Juliano de Médicis. Um seu primo, este filho legí-
260
O FIM (1522-1525)
1 Sobre o impacte do saque na cidade de Roma, cf. Murphy, 2004, pp. 232-243.
2 Prosperi, 2000, pp. 300-310.
261
ANEXOS
CRONOLOGIA
CRONOLOGIA
265
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
266
CRONOLOGIA
267
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
268
CRONOLOGIA
269
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
270
CRONOLOGIA
271
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
272
CRONOLOGIA
273
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
274
CRONOLOGIA
275
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
276
CRONOLOGIA
277
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
278
CRONOLOGIA
279
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
280
CRONOLOGIA
281
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
282
CRONOLOGIA
283
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
284
CRONOLOGIA
285
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
286
CRONOLOGIA
287
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
288
CRONOLOGIA
289
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
1504, dia de
Corpus Christi Representação do Auto de São Martinho,
de Gil Vicente, na igreja das Caldas, no
quadro da procissão do Corpus Christi,
por encomenda da rainha.
290
CRONOLOGIA
291
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
292
CRONOLOGIA
293
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
294
CRONOLOGIA
295
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
296
CRONOLOGIA
297
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
298
CRONOLOGIA
299
GENEALOGIA — II DINASTIA DE AVIS
(1371) (1359)
Constância de Castela João de Gante Branca de Lencastre
Duque de Lencastre
(1387) João I
Filipa de Lencastre 1357-1433
1360-1415 Rei
1385-1433
Segundo MARQUES, A. H. de Oliveira, Portugal na crise dos séculos XIV e XV, pp. 528 e 529.
Fontes e bibliografia
Fontes manuscritas
Academia Real das Ciências, Série Preta, n.o 212, «Livro de todolos bens e foros e ren-
das do hospital de Santo Elói feito por o Natal de 1498 anos / tirado por os prazos
e escrituras que jazem no cartório etc.».
Arquivo Distrital de Leiria, Vita Patrum, traduzido para castelhano por Gonçalo Gar-
cia de Santa Maria, 1500 (sem folha de rosto).
301
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
BNP, Cód. 514, «Notícias da morte dos duques de Bragança e Viseu», fls. 1-1v.
BNP, cod. 748, Testamento da infanta D. Beatriz.
BNP, Ms. 238, n.o 29, Carta de D. Manuel à vila de Montemor-o-Novo participando a
fundação da confraria da Misericórdia de Lisboa, 1500, dezembro, 13 — Lisboa.
BNP, Ms. 250, n.o 33, Carta do provincial e definidores da Ordem de S. Francisco do Ob-
servância para a rainha D. Leonor aceitando a oferta do Mosteiro da Madre de Deus,
1510.
BNP, Ms. 484, Carta a D. Leonor sobre D. Catarina, fl. 4.
BPMP, ms. 599, P. Paulo de Portalegre (CSJE), Apontamentos históricos acerca da morte
dos Duques de Bragança e Viseu e bispo de Évora.
Pierpont Morgan Library, Breviário Franciscano da rainha D. Leonor, Ms. 052, Flan-
dres, c. 1500-1510
Pierpont Morgan Library, Livro de Horas «Da Costa», Ms. 399, Bruges, c. 1515.
302
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes impressas
«Instrucções de D. Manuel, rei de Portugal, a sua Filha D. Beatriz, Duqueza de Sa-
boya», in Aníbal Fernandes Tomás, Cartas bibliográficas, Coimbra, 1877, pp. 18-23.
Acenheiro, C. R., «Chronicas dos senhores reis de Portugal», in Coleção de inéditos da
História de Portugal, T. V, Lisboa, Academia das Ciências, Imprensa Nacional, 1926.
Albuquerque, Martim de, Orações de obediência: Séculos XV a XVII, Lisboa, Inapa, 1988.
Almeida, D. Jorge de, Manuale secundu[m] consuetudinem alme Colymbrieñ [sic]. Eccle-
sie, Lisboa, Nicolao Gazzini, 1518.
Andrada, Francisco de, Crónica de D. João III, ed. M. Lopes de Almeida, Porto, Lello,
1976.
Anedotas portuguesas e memórias biográficas da corte quinhentista e istórias e ditos galantes
que sucederão e se disserão no paço contendo matéria bibliográfica inédita de Luís de Ca-
mões e outros escritores do século XVI, ed. Christopher L. Lund, Coimbra, Livraria Al-
medina, 1980.
Armas, D. Duarte de, Livro das fortalezas, introd. Manuel da Silva Castelo-Branco, 3.a
edição, Lisboa, ANTT-Edições Inapa, 2006.
Barbosa, D. José, Catálogo chronologico, histórico, genealógico e critico das rainhas de Por-
tugal e seus filhos, Lisboa, Of. de Joseph António da Silva, 1727.
Barros, João de, Década primeira da Ásia..., Lisboa, Off. de Pedro Ferreira, 1752.
Belém, Frei Jerónimo de, Chronica seráfica da Santa Província dos Algarves da Regular
Observância, de nosso seráfico padre S. Francisco, em que se trata das fundações de dez
conventos de frades, e três mosteiros de freiras, Parte II, Lisboa, Mosteiro de São Vicen-
te de Fora, 1753.
Boosco deleitoso, Lisboa, Herman de Campos, 1515.
Brandão, Frei Francisco, Conselho e voto da Senhora D. Filipa filha do Infante D. Pedro
sobre as tercerias e guerras de Castela com uma breve notícia desta princesa, Lisboa, Lou-
renço de Anvers, 1643.
Brandão, João, Grandeza e abastança de Lisboa em 1552, ed. José da Felicidade Alves,
Lisboa, Livros Horizonte, 1990.
Briuhega, Bernardo (comp.), Os autos dos apóstolos, Lisboa, Valentim Fernandes, 1505,
ed. Isabel Vilares Cepeda, I, Lisboa, 1982, II, Lisboa, 1989.
Castilho, António de, «Vida del rej Dom Joam III de Portugal tirada da chronica do
seu tempo escrita por António de Castilho do Conselho del Rej Nosso Senhor», in
Joaquim Veríssimo Serrão, Figuras e caminhos do Renascimento em Portugal, Lisboa,
INCM, 1994, pp. 209-282.
Chartularium Universitatis Portucalensis (1288-1537), vol. x (1501-1510), Lisboa,
INIC, 1991.
Chaves, Álvaro Lopes de, Livro de apontamentos (1438-1489), ed. Anastácia Mestrinho
Salgado e Abílio José Salgado, Lisboa, INCM, 1984.
Commynes, Philippe de, Mémoires, ed. Joseph Calmette, 3 vols., Paris, Librairie An-
cienne Honoré Champion, 1924.
Compromisso do hospital das Caldas dado pela rainha D. Leonor sua fundadora em 1512,
ed. Fernando Correia, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1930.
Constituições geraes para todas as freiras, e religiosas sujeitas à obediência da Ordem de N P
S Francisco nesta Família Cismontana de novo recompiladas das antigas, e acrescentadas
com acordo, consentimento e aprovação do capítulo geral celebrado em Roma em 11 de
junho de 1639..., Lisboa, na off. de Miguel Deslandes, 1693.
Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente (1562), 2 vols., ed. Maria Leonor Carvalhão
Buescu, Lisboa, 1984.
303
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Correia, Gaspar, Crónicas de D. Manuel e de D. João III (até 1533), ed. José Pereira da
Costa, Lisboa, Academia das Ciências, 1992.
Correia, Gaspar, Crónicas dos reis de Portugal e Sumários de suas vidas (D. Pedro I,
D. Fernando, D. João I, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II, ed. José Pereira da Costa,
Lisboa, Academia das Ciências, 1996.
Cortes Portuguesas: Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1498), ed. João José Alves Dias,
Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2002.
Cortes Portuguesas: Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1499), ed. João José Alves Dias,
Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2001.
Cortes Portuguesas: Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1502), ed. João José Alves Dias,
Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2001.
Crónica da fundação do Mosteiro de Jesus, de Aveiro, e Memorial da Infanta Santa Joana
filha del rei Dom Afonso V (códice quinhentista), ed. António Gomes da Rocha Mada-
hil, Aveiro, edição do Prof. Francisco Ferreira Neves, 1939.
Crónicas de Rui de Pina, ed. M. Lopes de Almeida, Porto, Lello & Irmão, 1977.
Cronista (O) Rui de Pina e a «Relação do reino do Congo», ed. Carmen Radulet, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1992.
Cunha, D. Rodrigo da, História eclesiástica dos arcebispos de Braga, vol. ii, ed. fac-
-similada de José Marques, Braga, s.e., 1989 [1635].
Dias, Dr. José Lopes, «Cartas de consolação do cardeal de Alpedrinha ao rei D. João II,
à rainha D. Leonor e à princesa viúva D. Isabel, no falecimento do príncipe
D. Afonso», in Ação Médica, Ano XXIII, 1959, n.os 91-92, pp. 295-313.
Dias, Nicolau, Vida da serenissima princesa Dona Ioana filha del Rey Dom Afonso o quin-
to de Portugal a qual viveo e morreo muito santamente no Mosteiro de Iesu de Aveiro da
Ordem dos Pregadores e no habito da mesma ordem, Lisboa, António Ribeiro, 1585.
Dinis, A. J. Dias, «Reclamações contra a entrada da Princesa Santa Joana em Religião»,
Coletânea de Estudos, 2.a série, Ano III, 1952, n. 2, pp. 1-21.
Ditos portugueses dignos de memória, ed. José Hermano Saraiva, 3.a edição, Lisboa, Euro-
pa-América, 1997.
Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, 8 vols., Lisboa, Câma-
ra Municipal de Lisboa, 1962.
Documentos do Corpo Cronológico relativos a Marrocos (1488 a 1514), ed. António
Baião, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1925.
Documentos para a história da cidade de Lisboa. Cabido da sé. Sumários de Lousada. Apon-
tamentos dos Brandões. Livro dos bens próprios dos reis e das rainhas, Lisboa, 1954.
Documentos Referentes a las Relaciones com Portugal durante el reinado de los Reyes Católi-
cos, ed. Antonio de la Torre e Luis Suarez Fernandez, 3 vols., Valhadolid, CSIC,
1958-1963.
Estaço, Frei Manuel, Começase a vida de nosso padre Sam Domingos, Lisboa, Germam
Galharde, 1525.
Faro, Jorge, Receitas e despesas da Fazenda Real de 1384 a 1481 (subsídios documentais),
Lisboa, Instituto Nacional de Estatística, 1965.
Floreto de São Francisco, ed. José Adriano de Freitas Carvalho, Porto, Programa Nacio-
nal de Edições Comemorativas dos Descobrimentos Portugueses, 1988.
Flos (Ho) Sanctorum em Lingoage: Os Santos Extravagantes, ed. Maria Clara de Almeida
Lucas, Lisboa, 1988.
Flos (Ho) Sanctorum, Lisboa, Hermao de Campos e Roberto Rabelo, 1513 [BNP —
Res. 157].
Fontes históricas e artísticas do mosteiro e da Vila da Batalha, ed. Saul António Gomes, 4
vols., Lisboa, Ministério da Cultura - IPPAR, s.d.
304
FONTES E BIBLIOGRAFIA
305
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
306
FONTES E BIBLIOGRAFIA
São Boaventura, Frei Fortunato de, Coleção de inéditos portugueses dos séculos XIV e XV,
ed. José Marques, 3 vols., Porto, 1988.
São Paulo, Jorge de, O Hospital das Caldas da rainha até ao ano de 1656, 3 vols., Lis-
boa, Academia das Ciências de Lisboa, 1967-1968.
Saxónia, Ludolfo de, Vita Christi, Lisboa, Nicolau de Saxónia e Valentim Fernandes,
1495.
Sículo, Cataldo Parísio, Algumas cartas a portugueses do século XVI (livro II), ed. Augusta
Fernanda Oliveira e Silva, Coimbra, diss. de mestrado, FLUC, 1992.
Sousa, D. António Caetano de, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, nova edi-
ção revista por M. Lopes de Almeida e César Pegado, 10 vols., Lisboa, QuidNovi/
Público/Academia Portuguesa de História, 2007.
Sousa, D. António Caetano de, Provas da história genealógica da Casa Real portuguesa,
ed. revista por M. Lopes de Almeida e César Pegado, Tomos I-V, Coimbra, Atlânti-
da, 1947-1950.
Sousa, Ivo Carneiro de, «Cartas, textos e outros documentos», in A rainha da Misericór-
dia na história da espiritualidade em Portugal na época do Renascimento, vol. ii, diss.
de doutoramento, Porto, Universidade do Porto, 1992.
Sousa, Frei Luís de; Cácegas, Frei Luís de, História de S. Domingos, ed. M. Lopes de
Almeida, Porto, Lello, 1977, 2 vols.
Tombo do almoxarifado de Silves da casa da rainha (século XVI), ed. Miguel Maria Telles
Moniz Côrte-Real, Silves, Associação de Estudos e Defesa do Património Histórico-
-Cultural do Concelho de Silves, 2007.
Trancoso, Gonçalo Fernandes, Contos e histórias de proveito & exemplo (texto integral
conforme a edição de Lisboa, de 1624), ed. João Palma-Ferreira, Lisboa, INCM,
1974.
Vereações da Câmara Municipal do Funchal: Século XV, ed. José Pereira da Costa, Fun-
chal, Centro de Estudos de História do Atlântico, 1995.
Vereações da Câmara Municipal do Funchal: Século XVI, ed. José Pereira da Costa, Fun-
chal, Centro de Estudos de História do Atlântico, 1998.
Viajes de extranjeros por España y Portugal en los siglos XV, XVI, y XVII. Colleccion de Javier
Liske, traducidos del original y anotados por F. R., Madrid, Casa Editorial de Medi-
na, 1878.
Zurita, Jerónimo, Historia del rey Don Hernando el Católico: de las empresas y ligas de
Itália (ed. Angel Canellas Lopez), 6 vols., Saragoça, 1989.
Estudos
V centenário do nascimento da rainha D. Leonor, 1958, s.l., Edição da Comissão Nacio-
nal do V Centenário do Nascimento da Rainha D. Leonor.
Algranti, Leila, 1999, Honradas e devotas: Mulheres da Colônia, 2.a edição, Rio de Ja-
neiro, José Olympio.
Almeida, Fortunato de, 1967-1968, História da Igreja em Portugal, vols. i e ii, Porto,
Livraria Civilização.
Alves, Ana Maria, s.d., As entradas régias portuguesas: Uma visão de conjunto, Lisboa,
Horizonte.
Andrade, Ferreira de, s.d., Palácios reais de Lisboa (os dois paços de Xabregas, o de S. Bar-
tolomeu e o de Alcáçova), 2.a edição, Lisboa, Vega (1.a edição, 1949).
Anselmo, António Joaquim, 1926, Bibliografia das obras impressas em Portugal no século
XVI, Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional.
Appadurai, Arjun, 1986, «Introduction: Commodities and the Politics of Value», in
Arjun Appadurai (ed.), The Social Life of Things: Commodities in Cultural Perspetive,
Cambridge, CUP, pp. 3-63.
307
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Aram, Bethany, 2005, Juana the Mad: Sovereignity & Dinasty in Renaissance Europe,
Baltimore, The Johns Hopkins University Press.
Araújo, Ana Cristina, 2004, «Cultos da realeza e cerimoniais de Estado no tempo de
D. Manuel I», in III Congresso Histórico de Guimarães: D. Manuel e a sua época, 4.a
secção, Guimarães, Câmara Municipal de Guimarães, pp. 71-94.
Attali, Jacques, s.d., 1492, Lisboa, Teorema.
Aubin, Jean, 1996, 2000, Le latin et l’astrolabe. Recherches sur le Portugal de la Renais-
sance, son expansion en Asie et les relations internationales, 2 vols., Paris, Gulbenkian-
-CNCDP.
Aubin, Jean, 2006, Le Latin et l’Astrolabe: Études inédites sur le règne de D. Manuel
1495-1521, vol. iii, Paris, Centre Culturel Calouste Gulbenkian.
Azcona, Tarsicio de, 2004, Isabel La Católica: Vida y reinado, Madrid, Esfera de los Li-
bros.
Azcona, Tarsicio de, 2007, Juana de Castilla, mal llamada la Beltraneja, Madrid, Esfera
de los Libros.
Backhouse, Janet, 1993, The Isabella Breviary, Londres, The British Library.
Barbosa, Inácio Vilhena, 1864, «Palácio Real de Sintra», Archivo-Pittoresco, vol. vii.
Barbosa, Isabel Lago, 1998, «A Ordem de Santiago em Portugal nos finais da Idade
Média (normativa e prática)», in Militarium Ordinum Analecta, vol. 2, Porto,
pp. 93-288.
Basto, Artur Magalhães, «À margem da Batalha de Toro», in Livro antigo de cartas
e provisões dos senhores reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel no Arquivo Municipal
do Porto, vol. 5 de «Documentos e memórias para a história do Porto», Porto, Câma-
ra Municipal do Porto, s.d., pp. 226-248.
Batoréo, Manuel, 2004, Pintura portuguesa do Renascimento: O Mestre da Lourinhã,
Casal de Cambra, Caleidoscópio.
Batoréo, Manuel, s.d., A iconografia dos Santos Mártires de Lisboa em quatro pinturas do
século XVI: Linguagem e significados. (pwp.netcabo.pt/batoreo/santos_martires_2.pdf;
consultado em 19.8.2008).
Bedini, Silvio A., 1997, The Pope’s Elephant, Manchester, Carcanet Press.
Benevides, Francisco da Fonseca, 1878, Rainhas de Portugal, Lisboa, Typographia Cas-
tro Irmão.
Bennassar, Bartolomé, 2001, La España de los Austrias, Barcelona, Crítica [1.a edição,
1985].
Bennassar, Bartolomé, 2006, Le Lit, le Pouvoir et la Mort: Reines et Princesses d’Europe
de la Renaissance aux Lumières, Paris, Éditions de Fallois.
Bertini, Giuseppe, 2000, «The marriage of Alessandro Farnese and D. Maria of Portu-
gal in 1565: Court Life in Lisbon and Parma», in K. J. Lowe (ed.), Cultural Links
between Portugal and Italy in the Renaissance, Oxford, Oxford University Press,
pp. 45-74.
Bethencourt, Francisco, 2000, «Rejeições e polémicas» e «A Inquisição», in Carlos
Moreira Azevedo (dir.), História religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores,
pp. 49-94 e 95-131.
Bouza Álvarez, Fernando, 1995, «De un fin de siglo a otro: Union de Coronas Iberi-
cas entre D. Manuel y Felipe II», in El Tratado de Tordesillas y su Época: Congreso In-
ternacional de História, s.l., Junta de Castilla y Léon, vol. iii, pp. 1453-1463.
Bouza Álvarez, Fernando, 2001, Corre Manuscrito: Una historia cultural del Siglo de
Oro, Madrid, Marcial Pons.
Braga, Isabel M. R. Mendes Drumond, 2001, Um espaço, duas monarquias (inter-
-relações na Península Ibérica no tempo de Carlos V), Lisboa, Centro de Estudos His-
tóricos/Huguin.
308
FONTES E BIBLIOGRAFIA
309
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Davis, Natalie Zemon, 1975, Society and Culture in Early Modern France, Stanford,
Stanford University Press.
Davis, Natalie Zemon, 2000, The Gift in Sixteenth Century France, Oxford, Oxford
University Press.
De Boom, Ghislaine, 2003, Éléonore D’Autriche, Reine de Portugal et de France, Bruxel-
les, Le Cri.
Debris, Cyrille, 2005, «Tu Felix Austria, nube»: La dynastie de Habsbourg et sa politique
matrimonale à la fin du Moyen Age (XIIIe-XVIe siècles), Paris, Brepols.
Deswarte, Sylvie, 1984, «Les enluminures de la Leitura Nova: Étude sur la Culture Ar-
tistique au Portugal au Temps de l’Humanisme», sep. de L’Humanisme Portugais et
l’Europe. Actes du XXIe Colloque International d’Études Humanistes, Paris, Gulben-
kian, 1984.
Dias, João José Alves, 1996, Gentes e espaços (em torno da população portuguesa na pri-
meira metade do século XVI), vol. i, Lisboa, Gulbenkian.
Dias, Pedro, 1979, Visitações da Ordem de Cristo de 1507 a 1510: Aspetos artísticos,
Coimbra.
Dias, Pedro, 1986, «A viagem de D. Manuel a Espanha e o surto mudéjar na arquitetu-
ra portuguesa», in AAVV, Relaciones artísticas entre Portugal y España, Salamanca,
Junta de Castilla y León, pp. 111-128.
Duarte, Luís Miguel, 1998, «O Estado manuelino: A onça e o elefante», in Diogo Ra-
mada Curto (dir.), O tempo de Vasco da Gama, Lisboa, Difel, pp. 189-203.
Duarte, Luís Miguel, 1999, Justiça e criminalidade no Portugal medievo (1459-1481),
Lisboa, Gulbenkian.
Duarte, Luís Miguel, 2005, D. Duarte: Requiem por um rei triste, Lisboa, Círculo de
Leitores.
Duarte, Luís Miguel Serieiro, 2008, Uma vila que gravita em torno de uma instituição
assistencial: A recuperação do património urbanístico do Hospital das Caldas até 1533,
2 vols., diss. de mestrado, Lisboa, Universidade Aberta.
Duby, Georges, 1988, O cavaleiro, a mulher e o padre: O casamento na França feudal,
Lisboa, Dom Quixote.
Duffy, Eamon, 2006, Marking the Hours: English People & their Prayers, New Haven &
London, Yale University Press.
Earenfight, Theresa (ed.), 2005, Queenship and Political Power in Medieval and Early
Modern Spain, London, Ashgate.
Elias, Norbert, 1989, O processo civilizacional, 2 vols., Lisboa, Dom Quixote [1939].
Ellington, Donna Spivey, 1995, «Impassioned Mother or Passive Icon: The Virgin’s
Role in Late Medieval and Early Modern Passion Sermons», in Renaissance Quarter-
ly, vol. 48, n.o 2, pp. 227-261.
Evangelisti, Sílvia, 2007, Nuns: A History of Convent Life, Oxford, Oxford University
Press.
Faria, Francisco Leite de, 1966, Uma relação de Rui de Pina sobre o Congo escrita em
1492, sep. de «Studia», n.o 19, 1966.
Fernandes, Maria de Lurdes Correia, 2004, «D. Maria, mulher de D. Manuel I: Uma
face esquecida da corte do Venturoso», in III Congresso Histórico de Guimarães:
D. Manuel e a sua época, 4.a secção, Guimarães, Câmara Municipal de Guimarães,
pp. 23-32.
Fernández Álvarez, Manuel, 1999, Carlos V, El César y El Hombre, Madrid, Espasa
Calpe.
Fernández Álvarez, Manuel, 2000, Juana La Loca: La Cautiva de Tordesillas, Madrid,
Espasa Calpe.
310
FONTES E BIBLIOGRAFIA
311
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Gomes, Saul António, 1994a, As cidades têm uma história: Caldas da Rainha das origens
ao século XVIII, Caldas da Rainha, Património Histórico.
Gomes, Saul António, 1994b, «O Convento de S. Francisco de Leiria na Idade Média»,
in Itinerarium, XL, 1994, pp. 399-502.
Gomes, Saul António, 2005, «D. João II e o mosteiro de Alcobaça», in O tempo históri-
co de D. João II nos 550 anos do seu nascimento: Atas do colóquio 2, 3 e 4 de maio de
2005, Lisboa, Academia Portuguesa de História, pp. 203-254.
Gomes, Saul António, 2006, D. Afonso V, Lisboa, Círculo de Leitores.
Gordon, Bruce e Marshall, Peter (eds.), 2000, «Introduction: placing the dead in late
medieval and early modern Europe», in The Place of the Dead: Death and Remem-
brance in Late Medieval and Early Modern Europe, Cambridge, Cambridge Universi-
ty Press, pp. 1-16.
Goulão, Maria José, 1986, «Alguns problemas ligados ao emprego de azulejos “mudé-
jares” em Portugal nos séculos xv e xvi», in AAVV, Relaciones artísticas entre Portugal
y España, Salamanca, Junta de Castilla y Leon, pp. 129-154.
Greenblatt, Stephen, 1992, Marvelous Possessions: The Wonder of the New World, Chi-
cago, Chicago University Press.
Greengrass, Mark, 2006, «Política y guerra», in Euan Cameron (ed.), El siglo XVI,
Barcelona, Crítica.
Grilo, Maria João Batista Bonina, 1994, A capela sepulcral do cardeal D. Jorge da Costa,
3 vols., diss. de mestrado, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Guedes, Natália Correia (coord.), 2004, Thesaurus: Vocabulário de Objetos do Culto Ca-
tólico, Vila Viçosa, Fundação da Casa de Bragança.
Hale, John, 2000, A civilização europeia do Renascimento, Lisboa, Presença.
Hollingsworth, Mary, 2004, The Cardinal’s Hat: Money, Ambition, and Everyday Life
in the Court of a Borgia Prince, London, Profile Books.
Hospital Real de Todos os Santos: Catálogo, 1993, Lisboa, Museu Rafael Bordalo Pinheiro.
Humble, Susannah Charlton, 2003, From Royal Household to Royal Court: A Compari-
son of the Development of the Courts of Henry VII of England and D. Manuel of Portu-
gal, PhD, Baltimore, Johns Hopkins University.
Jacques, Roland, 1999, De Castro Marim à Faifo: Naissance et dévelopement du padroa-
do portugais d’Orient des origines à 1659, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
Jardine, Lisa, 1996, Worldly Goods: A New History of the Renaissance, London, Macmillan.
Jones, Ann Rosalind & Stallybrass, Peter, 2000, Renaissance Clothing and the Materials
of Memory, Cambridge, Cambridge University Press.
Jordan, Annemarie, 1985, Portuguese Royal Collections (1505-1580): A Bibliographic
and Documentary Survey, Masters, George Washington University.
Jordan, Annemarie, 2005, «Images of Empire: Slaves in the Lisbon Household and
Court of Catherine of Austria», in T. F. Earle and K. J. P. Lowe (eds.), Black Africans
in Renaissance Europe, Cambridge, Cambridge University Press, pp. 155-180.
Kertzer, David I., 1993, Sacrificed for Honor: Italian Infant Abandonment and the Poli-
tics of Reproductive Control, Boston, Beacon Press.
King, Catherine E., 1998, Renaissance Women Patrons, Manchester, Manchester Uni-
versity Press.
Kriegel, M., 1979, «La prise d’une décision: l’expulsion des juifs d’Espagne en 1492»,
in Revue Historique, 260, pp. 49-90.
Ladero Quesada, Miguel Ángel, 1967a, La Hacienda Real Castellana entre 1480 y
1492, Valladolid, Universidad.
Ladero Quesada, Miguel Ángel, 1967b, «La Hacienda Castellana de los Reyes Catoli-
cos, 1493-1504», sep. de Moneda y Credito, n.o 103, 1967, pp. 81-111.
312
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Ladero Quesada, Miguel Ángel, 1999, La España de los Reyes Católicos, Madrid, Alian-
za Editorial.
Lahon, Didier, 2005, «Black African Slaves and Freedmen in Portugal during the Re-
naissance: Creating a New Pattern of Reality», in T. F. Earle e K. J. P Lowe (ed.),
Black Africans in Renaissance Europe, Cambridge, Cambridge University Press,
pp. 261-279.
Lapa, Manuel Rodrigues, 1925 e 1927, «Cortes de Évora: Terceirias de Moura. A cabe-
ça do duque de Bragança», in Revista de Guimarães, vol. 35, 1925, pp. 94-99, 169-
-174 e 260-266; vol. 37, 1927, pp. 16-23, 105-114 e 202-215.
Laven, Mary, 2002, Virgins of Venice. Enclosed Lives and Broken Vows in the Renaissance
Convent, London, Viking.
Leite, Ana Cristina, 1993, «O Hospital Real de Todos-os-Santos», in Hospital Real de
Todos os Santos: Catálogo, Lisboa, Museu Rafael Bordalo Pinheiro, pp. 5-19.
Léon-Borja, István Szászdi, 1994, «Las Paces de Tordesillas en Peligro: Los Refugiados
Portugueses y el Dilema de la Guerra», in Ana Maria Carabias Torres (ed.), Las Rela-
ciones entre Portugal y Castilla en la Época de lso Descubrimientos y la Expansión Colo-
nial, Salamanca, Ed. Universidad de Salamanca, pp. 117-131.
Léon-Borja, István Szászdi, 1998, «Don Juan II y el Memorial Portugués de 1494:
Una reinterprétacion», in Revista de Ciências Históricas, vol. xiii, pp. 153-166.
Léon-Borja, István Szászdi, 1999, «El origen de la armada de Vizcaya y el Tratado de
las Alcáçovas», in Historia, Instituciones, Documentos, n.o 26, pp. 547-574.
Léon-Borja, István Szászdi e Rodríguez López, Inés, 1998, «La armada de Vizcaya en
1492: Los reyes de Castilla quebrantaron la paz con el reino de Portugal», in Revista
de Ciências Históricas, vol. xiii, pp. 91-152.
Lindberg, Carter, 1996, The European Reformations, Oxford, Blackwell.
Lisboa quinhentista: A imagem e a vida da cidade, s.d., Lisboa, Direcção dos Serviços
Culturais da Câmara Municipal de Lisboa.
Liss, Peggy K., 2004, Isabel the Queen. Life and Times, rev. ed., Philadelphia, University
of Pennsylvania Press.
Liss, Peggy K., 2005, «Isabel of Castille (1451-1504), her Self-Representation and its
Context», in Theresa Earenfight (ed.), Queenship and Political Power in Medieval and
Early Modern Spain, London, Ashgate, pp. 120-144.
Lobo, A. de Sousa Silva Costa, 1904, História da sociedade em Portugal no século XV, Lis-
boa, Imprensa Nacional.
Lopes, David, 1949, «Prefácio», in Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel composta por
Damião de Góis: Nova edição conforme a primeira de 1566, Parte I, Coimbra, por or-
dem da Universidade, pp. v-xlvii.
Lopes, Sebastiana Pereira, 2003, O infante D. Fernando e a nobreza fundiária de Serpa
e Moura (1453-1470), Beja, Câmara Municipal de Beja.
Lowe, Kate, 2000, «Rainha D. Leonor of Portugal’s Patronage in Renaissance Florence
and Cultural Exchange», in K. J. P. Lowe (ed.), Cultural Links between Portugal and
Italy in the Renaissance, Oxford, Oxford University Press, pp. 225-248.
Macfarlane, Alan, 1990, História do casamento e do amor, São Paulo, Companhia das
Letras.
Machado, Maria de Fátima, 2003, O central e o local: A vereação do Porto de D. Manuel
a D. João III, Porto, Afrontamento.
Magalhães, Joaquim Romero de, 1993, «A construção da capital», in José Mattoso
(dir.), História de Portugal, vol. iii, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 50-59.
Manchester, William, 1992, A World Lit only by Fire: The Medieval Mind and the Re-
naissance: Portrait of an Age, Boston, Little, Brown and Company.
313
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
314
FONTES E BIBLIOGRAFIA
315
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Prosperi, Adriano, 2000, Dalla Peste Nera alla Guerra dei Trent’anni, Torino, Einaudi.
Rabb, Theodore K., 1975, The Struggle for Stability in Early Modern Europe, New York,
Oxford University Press.
Radulet, Carmen, 1994, «Diogo Cão», in Luís de Albuquerque (dir.), Dicionário da
história dos descobrimentos portugueses, vol. i, Lisboa, Caminho, pp. 192-194.
Rainha, (A) D. Leonor: Exposição no Mosteiro da Madre de Deus, 1958, Lisboa, Funda-
ção Calouste Gulbenkian.
Ramalho, Américo da Costa, 1988, Para a história do humanismo em Portugal, vol. i,
Coimbra, INIC.
Ramalho, Américo da Costa, 1994, Para a história do humanismo em Portugal, vol. ii,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
Ramalho, Américo da Costa, 2000, Para a História do Humanismo em Portugal,
vol. iii, Lisboa, Imprensa Nacional.
Ribeiro, Mário de Sampaio, 1942, Do Mosteiro da Madre-de-Deus, em Xabregas, e de
sua excelsa fundadora, Lisboa, Editorial Império Lda.
Ribeiro, Victor, 1902, A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (subsídios para a sua his-
tória) 1498-1898, Lisboa, Academia Real das Ciências.
Rice, Jr., Eugene F. e Grafton, Anthony, 1994, The Foundations of Early Modern Eu-
rope, 1460-1559, 2nd edition, New York, Norton.
Rodrigues, Ana Maria, 2007a, «For the Honor of Lineage and Body: the Dowers and
Dowries of Some Late Medieval Queens of Portugal», in e-Journal of Portuguese His-
tory, vol. 5, number 1.
Rodrigues, Ana Maria, 2007b, «The Queen Consort in Late-Medieval Portugal», in
Brenda Bolton e Christine Meek (ed.), Aspects of Power and Authority in the Middle
Ages, Turnhout, Brepols, pp. 131-145.
Rodrigues, Lisbeth, 2009a), «Fugindo à peste: a rainha D. Leonor nas Caldas de Óbi-
dos (1518-1519)», in Casa Perfeitíssima. 500 anos da fundação do mosteiro da Madre
de Deus: 1509-2009, Lisboa, Museu Nacional do Azulejo, 2009, pp. 39-47.
Rodrigues, Lisbeth, 2009b, «Os consumos alimentares de um hispital quinhentista: o
caso do Hospital das Caldas em vida da rainha D. Leonor», in Isabel dos Guimarães
Sá e Máximo García Fernández (dir.), Portas Adentro: Comer, Vestir, Habitar (ss. XVI-
-XIX), Valladolid - Coimbra, Universidade de Valladolid, Imprensa da Universidade,
pp. 47-67.
Rosa, Maria de Lurdes, 1997, «Cultura jurídica e poder social: A estruturação linhagís-
tica da nobreza portuguesa pela manipulação dos impedimentos canónicos de paren-
tesco (1455-1520)», in Revista de História das Ideias, vol. 19, pp. 229-308.
Rosa, Maria de Lurdes, 1998a, «A fundação do Mosteiro da Conceição de Beja pela du-
quesa D. Beatriz», in Diogo Ramada Curto (ed.), O tempo de Vasco da Gama, Lis-
boa, Difel, pp. 265-280.
Rosa, Maria de Lurdes, 1998b, «A abertura do túmulo de D. Afonso Henriques», in
Diogo Ramada Curto (ed.), O tempo de Vasco da Gama, Lisboa, Difel, pp. 347-351.
Rosa, Maria de Lurdes, 2004, As almas herdeiras: Fundação de capelas fúnebres e afirma-
ção da alma como sujeito de direito (Portugal, 1400-1521), diss. de doutoramento,
Lisboa, Universidade Nova.
Rucquoi, Adeline, 1995, História medieval da Península Ibérica, Lisboa, Estampa.
Sá, Isabel dos Guimarães, 1992, «Infanticídio, aborto e abandono de crianças na socie-
dade portuguesa tradicional: Uma reflexão sobre textos jurídicos», in Penélope, n.o 8,
pp. 75-89 (http://hdl.handle.net/1822/3767).
Sá, Isabel dos Guimarães, 1997, Quando o rico se faz pobre: Misericórdias, caridade e po-
der no império português, 1500-1800, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemo-
rações dos Descobrimentos Portugueses (http://handle.net/1822/4311).
316
FONTES E BIBLIOGRAFIA
317
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
Simões, Maria Alzira Proença (org.), 1990, Catálogo das impressões de tipografia portu-
guesa do século XVI: A colecção da Biblioteca Nacional, Lisboa, Biblioteca Nacional.
Sousa, Armindo de, 1990, As cortes medievais portuguesas, 1385-1490, 2 vols., Lisboa,
Imprensa Nacional.
Sousa, Bernardo Vasconcelos e (dir.), 2005, Ordens religiosas em Portugal: Das origens
a Trento — Guia histórico, Lisboa, Horizonte.
Sousa, Ivo Carneiro de, 1990, «O cardeal D. Jorge da Costa e a reforma da assistência
em Portugal», in IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga: Congresso Internacional:
“Atas”, vol. ii/1, Braga, pp. 647-660.
Sousa, Ivo Carneiro de, 1997, «A rainha D. Leonor e a invenção da “cidade” religiosa e es-
piritual de Xabregas», in II Colóquio Temático «Lisboa Ribeirinha», Lisboa, pp. 71-105.
Sousa, Ivo Carneiro de, 2002, A rainha D. Leonor (1458-1525): Poder, misericórdia, re-
ligiosidade e espiritualidade no Portugal do Renascimento, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian.
Sousa, João Silva de, 1990, «As origens da casa senhorial de D. Fernando, duque de Vi-
seu e de Beja», in Anais do Município de Faro, vol. xx, pp. 201-209.
Soyer, François, 2007a, The Persecution of the Jews and Muslims of Portugal: King Ma-
nuel I and the End of Religious Tolerance (1496-97), Leiden, Brill.
Soyer, François, 2007b, «The Massacre of the New Christians of Lisbon in 1506:
A New Eyewitness Account», in Cadernos de Estudos Sefarditas, n.o 7, pp. 221-244.
Suárez Fernández, Luis, 1989, Los Reyes Católicos: La conquista del trono, Madrid, Rialp.
Suárez Fernández, Luis, 2005, Isabel I, reina (1451-1504), 4.a edição, Barcelona,
Ariel.
Tavares, Maria José Pimenta Ferro, 1982, Os Judeus em Portugal no século XV, vol. i,
Lisboa, UNL-FCSH.
Teixeira, Vítor Gomes, 2004, O movimento da observância franciscana em Portugal
(1392-1517): História, cultura e património de uma experiência de reforma religiosa,
diss. de doutoramento, Porto, FLUP.
Thomas, Hugh, 2005, Rivers of Gold: The Rise of the Spanish Empire, from Columbus to
Magellan, New York, Random House.
Thornton, John, 1998, Africa and Africans in the Making of the Atlantic World, 1400-
-1800, 2.a edição, Cambridge, Cambridge University Press.
Torre, Antonio de la, 1951, «D. Manuel de Portugal y las Tercerias de Moura», in Re-
vista Portuguesa de História, vol. 5, pp. 411-417.
Val Valdivieso, Maria Isabel del, 2005, «Isabel La Católica, una princesa “portugue-
sa”, O tempo histórico de D. João II nos 550 anos do seu nascimento. atas do colóquio 2,
3 e 4 de maio de 2005, Lisboa, Academia Portuguesa de História, pp. 33-55.
Vauchez, André, 1995, A espiritualidade na Idade Média Ocidental (séc. VIII-XIII), Lis-
boa, Estampa.
Vilar, Hermínia Vasconcelos, 1995, «Rituais da morte em testamentos dos séculos xiv
e xv», in José Mattoso (dir.), O reino dos mortos na Idade Média Peninsular, Lisboa,
Sá da Costa, pp. 165-186.
Vincent, Bernard, 1992, 1492: O ano admirável, Lisboa, Livros do Brasil.
Viterbo, F. Marques de Sousa, 1902, «Livraria Real especialmente no reinado de
D. Manuel: Memória apresentada à Academia Real das Sciencias de Lisboa», in His-
tória e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, nova série, 2.a classe, To-
mo IX, Parte I, p. 1-73.
Woolf, Virginia, 2005, Um quarto só para si, Lisboa, Relógio d’Água [1929].
Wrigley, Anthony, 1978, «Fertility Strategy for the Individual and the Group», in
Charles Tilly (ed.), Historical Studies of Changing Fertility, Princeton, Princeton Uni-
versity Press, pp. 135-154.
Yourcenar, Marguerite, 1984, O tempo, esse grande escultor, Lisboa, Difel.
318
Índice remissivo
Abraão (profeta) 254 Alcântara 61
Abrantes 60, 97, 99, 193, 200, 201 Alcobaça, mosteiro de 107, 254
Abreu, D. Jerónimo de (bispo de Viseu) Alcochete 32, 158
36 Aldeia Galega da Merceana (Alenquer)
Acordos de paz com Castela 91 205, 238, 241
Açores, arquipélago de 17 Aldeia Gavinha (Alenquer) 205, 212, 227,
Afonso V, D. (rei de Portugal) 10, 12, 232, 238, 241, 244
14-18, 20, 23-26, 34, 36, 37, 40-42, Alemanha 165
44, 45, 48, 51, 52, 54-59, 61, 65-67, Alenquer 148, 170, 193, 206, 232, 237,
71-78, 82, 84, 86, 91, 95, 102, 114, 238, 241, 244
143, 145, 146, 148, 151, 153, 176, Alentejo 16, 52, 141, 163
195, 209, 225, 234, 238, 241, 246 Alexandre VI (papa) 152, 153, 166,
Afonso, D. (príncipe de Portugal, filho 179, 204
de D. João II) 9, 11, 31, 57, 58, 63, Alfarrobeira, Batalha de 16, 17, 72, 82
71, 77, 78, 88, 94, 99, 103, 106, 108, Algarve 9, 16, 51, 93, 153, 160, 162,
115, 116, 120-122, 131-133, 135, 245, 259
144-146, 152, 155, 157, 163, 175, Alianças matrimoniais com Castela 54
177, 191, 207, 224, 241 Aljubarrota 193; batalha de 59
Afonso, D. (infante de Castela, filho de Almada, Aires de 123
João II e de Isabel) 55, 56, 68 Almada, D. Fernando de (conde de
Afonso, D. (1.o duque de Bragança; filho Abranches) 78-79
bastardo de D. João I) 16, 21, 23, 73, Almeida, D. Diogo Fernandes (prior do
133 Crato) 172, 246
Afonso, D. (conde de Faro) 89, 98, 174 Almeida, D. Fernando de (bispo de
Afonso, D. (filho natural de D. Diogo, Ceuta) 152
duque de Viseu) 106, 172, 187, 191, Almeida, D. Jorge de (bispo de Coimbra)
197, 198 228
Afonso, D. (cardeal, arcebispo de Lisboa; Almeirim 75, 92, 93; paço de 148, 229
filho de D. Manuel I e de D. Maria), Alpedrinha (Fundão) 75, 154
221, 232 Alpiarça (Almeirim), ponte de 75, 153
Afonso, D. (sobrinho do rei do Congo) Alvaiázere 237-239, 241
209 Alvor 160
África 20, 46, 50, 117, 118; Norte de 44, América 110, 163; do Norte 164
49, 56, 112; negra 207 Anafé 19
Africanos 109, 115-118, 207 Andaluzia 98
Agostinho, Santo 254 Andeiro, conde 12
Águeda, Santa 254 André, Santo 254
Aires, Jerónimo 228 Ângelo, Miguel 145, 164, 166
Alberti (arquiteto) 164 Anticastelhanismo 179
Alcácer do Sal 16, 160-162, 171, 176, Antilhas 111, 163
187 António, Frei 91
Alcácer Quibir 46 António de Lisboa, Santo 76, 77, 254
Alcáçova (Lisboa), paço da 18, 57, 69, Antuérpia 170
148, 163, 175, 178, 180, 181, 187, Anunciada (Florença), convento da 212
192, 201 Aragão 9, 55, 70, 179, 184
Alcáçovas-Toledo, Tratado de 61, 66, 69 Arévalo 23, 55
319
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
320
ÍNDICE REMISSIVO
321
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
322
ÍNDICE REMISSIVO
323
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
324
ÍNDICE REMISSIVO
325
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)
326
ÍNDICE REMISSIVO
327