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Autora: Isabel dos Guimarães Sá

© 2011 by Círculo de Leitores e autora

Design da capa: Carlos Correia/DPI Cromotipo


Pré-impressão: Fotocompográfica, Lda.
Revisão: Fotocompográfica, Lda.
Execução gráfica: Bloco Gráfico, Lda.
Unidade Industrial da Maia
em agosto de 2011
Número de edição: 7218
Depósito legal número 330 427/11

Na sobrecapa: pormenor de D. Leonor ajoelhando perante a Virgem, numa ilumi-


nura do Breviário de Leonor de Portugal (Ms. M. 52, fol. 1v), Bruges, Bélgica
c. 1500-1510. Pierpont Morgan Library, Nova Iorque. Foto: © 2011 Pierpont
Morgan Library/Art Resource/Scala, Florença.

Reservados todos os direitos. Nos termos do Código do Direito de


Autor, é expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta obra
por qualquer meio, incluindo a fotocópia e o tratamento informático,
sem a autorização expressa dos titulares dos direitos.
Sumário
Introdução 9

Capítulo 1. De menina a mulher: os primeiros treze anos (1458-1471) 15


1.1. Um pai ambicioso: o infante D. Fernando, irmão do
rei D. Afonso V 15
1.2. Uma mãe eficiente: D. Beatriz, infanta e neta do
duque de Bragança 21
1.3. Ambições de mãe: D. Beatriz e os filhos 23
1.4. D. Leonor e os irmãos 25
1.5. Criação e educação de D. Leonor 28
1.6. Obrigações de pais: casar as filhas 34

Capítulo 2. De princesa a rainha: do casamento à morte de Afonso V


(1471-1481) 40
2.1. O casamento 40
2.2. Um marido cavaleiro: a expedição a Arzila 42
2.3. Casa própria em 1472 47
2.4. Um trauma de família: o mártir D. Fernando 49
2.5. Do contrato de casamento dos príncipes à morte de
Henrique IV de Castela 51
2.6. A guerra de sucessão de Castela (1475-1479) 54
2.7. A Batalha de Toro 58
2.8. A paz das Alcáçovas-Toledo e o acordo das terçarias 61
2.9. Joana, a Excelente Senhora ou a Beltraneja 65
2.10. Joana, uma princesa santa? 71
2.11. Ainda princesa: os últimos cinco anos 75

5
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Capítulo 3. Rei contra duques: Leonor foi à guerra? (1481-1489) 80


3.1. Do mal-estar à conspiração: o caso do duque de Bragança 84
3.2. O arranque das hostilidades: Évora, novembro de 1481 84
3.3. Convento do Espinheiro: o rei reúne conselho antes das cortes 87
3.4. Jurando fidelidade ao rei 88
3.5. Cartas comprometedoras 90
3.6. Uma conversa séria 92
3.7. Anatomia de uma conspiração (1483) 94
3.8. Agosto de 1484: a morte do duque de Viseu, D. Diogo 100
3.9. Um polaco na corte do rei João 103
3.10. Depois da morte de Diogo 105
3.11. Um resto de década sossegado? 108
3.12. O hospital das Caldas 109
3.13. Africanos em Portugal 115
3.14. Almada, agosto de 1488 115
3.15. Setúbal, outubro de 1488 116
3.16. Mais africanos: os congoleses na corte 117
3.17. Melhores tempos viriam? 119

Capítulo 4. O filho único (1490-1491) 121


4.1. Preparativos, primeira fase: financiamento e casamento em
Sevilha 123
4.2. Preparativos, segunda fase: as bodas em Évora 125
4.3. O «Senhor Dom Jorge» chega à corte 131
4.4. Mais dias de festa: as bodas 133
4.5. Crónica de um casamento breve 141
4.6. O dia mais triste: 12 de julho de 1491 142
4.7. Stabat Mater 145

Capítulo 5 Viúva de um vivo? Até à morte de D. João II


(1491-1495) 151
5.1. A ferida aberta da sucessão ao trono 152
5.2. D. Jorge 153
5.3. D. Manuel, o duque certo 156
5.4. As doenças do rei e da rainha 156
5.5. A agonia do rei 159
5.6. Enfim, viúva? 162
5.7. Colombo e o Novo Mundo 163
5.8. A imprensa e D. Leonor 167

6
SUMÁRIO

Capítulo 6. O meu irmão é rei (1496-1510) 170


6.1. Arrumar a casa: D. Manuel, os Bragança e alguns casamentos 171
6.2. Casa nova 174
6.3. D. Leonor passa a «rainha velha»: o primeiro casamento de
D. Manuel 175
6.4. Castela é nossa! D. Leonor regente 178
6.5. A fundação da Misericórdia de Lisboa 181
6.6. Quem manda no rei? 184
6.7. Vasco da Gama, a Índia, os restos mortais de D. João II,
alguns casamentos e a descoberta do Brasil 185
6.8. Gil Vicente e o nascimento do herdeiro do trono português
(D. João III) 189
6.9. O massacre dos judeus 191
6.10. A morte da mãe 195
6.11. O espólio da infanta D. Beatriz 196
6.12. O hospital das Caldas 204
6.13. Os africanos, os Loios, o rei D. Manuel e D. Leonor 207

Capítulo 7. Os dias iguais (1510-1521) 211


7.1. Da cama para o mundo 211
7.2. Devoções «modernas» 212
7.3. Um convento que seja seu 216
7.4. Um regimento para o hospital das Caldas 222
7.5. As relíquias de Santa Auta 225
7.6. A rainha foge à peste: Caldas, novembro de 1518 a março
de 1519 227
7.7. Março de 1521: morte da irmã Isabel, duquesa viúva de
Bragança 229
7.8. O casamento da sobrinha D. Beatriz 231
7.9. A morte do irmão 232

Capítulo 8. O fim (1522-1525) 235


8.1. Vamos a contas: em jeito de balanço 235
8.1.1. As terras e suas rendas 241
8.1.2. Assentamentos e impostos 242
8.2. Os últimos quatro anos de vida 244

7
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

8.2.1. Pensando na posteridade: o milagre do Santo Espinho 245


8.2.2. A vida continua: D. João III casa com Catarina
de Áustria 247
8.3. Europa, anos vinte 248
8.4. Depois do fim 250
8.5. Os bens da rainha 252
8.5.1. Objetos litúrgicos 253
8.5.2. Objetos profanos 255
8.5.3. Os livros: uma pequena biblioteca 257
8.6. O destino da rainha 259
8.7. Epílogo 259

Anexos 263
Cronologia 265
Genealogia 300
Fontes e bibliografia 301

8
Introdução
É fácil resumir os factos principais de uma vida. Leonor nasceu na segun-
da metade do século xv, em 1458, numa das principais famílias do reino,
aparentada de perto com a Casa Real tanto pela parte do pai como pela da
mãe. O pai morreu quando ela estava para entrar na adolescência, mas
a mãe, Beatriz, viveu até 1506. Casou aos 13 anos com um primo direito,
herdeiro da Coroa, D. João, depois rei segundo do nome; teve um único fi-
lho, Afonso, aos 17 anos, que viria a morrer de acidente, já casado com a fi-
lha mais velha dos Reis Católicos, Fernando e Isabel1. Dos seus irmãos, um
foi morto a sangue-frio, pelo marido, ou seus acólitos, em castigo por ter
conspirado contra o rei. Morto o filho em 1491 e não tendo o casal reinante
outros herdeiros, Leonor opor-se-ia tenazmente a que o marido legitimasse
o seu único bastardo, D. Jorge, com vista a sentá-lo no trono. Esforços de
D. João II nesse sentido junto do papa resultaram infrutíferos. Leonor conse-
guiu então, sozinha ou com aliados, persuadir o rei e marido a nomear por
herdeiro o irmão que restava, D. Manuel. D. João II haveria de morrer sem
a família, no Algarve, porque nem a rainha nem o cunhado assistiram à sua
agonia. D. Manuel seria então rei, e ele e a irmã parece terem vivido tranqui-
los o resto das vidas. Felizes, não sabemos: provavelmente D. Manuel mais
do que a irmã, já que ficou conhecido, até pelos seus contemporâneos, como
«venturoso». Não juntos, mas próximos geográfica e afetivamente um do ou-
tro, como veremos. Foi ela a regente quando D. Manuel abandonou por me-
ses o reino para ir a Castela e Aragão ser jurado herdeiro da Coroa, tendo ti-
do, portanto, uma experiência direta do exercício do poder monárquico.

1 A designação «Reis Católicos» foi dada a Fernando de Aragão e Isabel de Castela ape-

nas em 1496, mas, por comodidade, usar-se-á este título em toda esta biografia. De notar
que os documentos portugueses da época os designam muitas vezes por reis de Castela; não
adotei essa designação por considerar que podia confundir o leitor.

9
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Doente, os seus últimos anos parece terem sido passados entre a cama e o
oratório, levando uma vida semelhante à das mulheres devotas que enxamea-
vam os meios aristocráticos do final da Idade Média. Morreu no seu paço
junto do convento que fundou — a Madre de Deus de Xabregas —, aos 17
dias do mês de novembro do ano de nosso senhor Jesus Cristo de 1525.
São estes alguns dos dados que qualquer pessoa, historiador ou não, po-
derá julgar importante reter acerca de Leonor. Mas jamais teremos Leonor
a responder à pergunta sobre quais foram os dias importantes da sua vida. Os
significados que ela atribuiu a eventos, pessoas e coisas escapam-nos; jamais
são explicitados por ela própria na documentação que resistiu às peripécias
do tempo. Para o historiador, portanto, e para a sua presente biógrafa, Leo-
nor é uma personagem de ficção, a menos que nos fiquemos pelos ditos «fac-
tos». Assim sendo, desiluda-se desde já o leitor que espera um autor, neste ca-
so uma autora, neutro. Não é meu propósito deixar de seguir as informações
que colhi sobre ela na documentação, mas é-o muito menos abster-me de as
interpretar. Os meus intentos são de resto pouco inovadores: junto-me
a uma plêiade de historiadores e literatos que escreveram sobre ela, mais ou
menos alicerçados em vestígios escritos da sua vida. Estamos perante uma das
rainhas mais famosas da história de Portugal, mulher e viúva também de um
dos seus reis mais controversos, cuja historiografia não ficará decerto por esta
biografia.
Ainda antes de prosseguir, um breve excurso por aquilo que penso da
biografia enquanto género da escrita da história. Trata-se de um terreno difí-
cil, onde é fácil incorrer em erros de contexto e de sequência dos aconteci-
mentos. Mas este não é decerto o seu maior escolho: o que verdadeiramente
assusta o historiador é a tentação constante de julgar as nossas personagens
e os seus atos, necessária e forçosamente segundo lógicas contemporâneas de
pensamento. Como não vejo forma de resolver este problema, de natureza
insolúvel, procurarei ser honesta com o leitor. Tentarei não obrar manipula-
ções no sentido de o conduzir lenta e mansamente a tirar as conclusões que
julgo serem as corretas. Pelo contrário, o meu objetivo será avisar o leitor nos
excertos em que tiver de o confrontar com opiniões próprias. Espero, para
contrabalançar, que a minha personagem, já que não fala por ela própria —
as fontes mencionam-na mas não a exprimem —, deixar falar os cronistas
que a conheceram e presenciaram alguns dos momentos importantes da sua
vida. Rui de Pina, Garcia de Resende e Damião de Góis. Para todos eles, po-
rém, Leonor foi uma figura secundária face aos seus objetos primeiros de
atenção: os reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel. Foi para contar a his-

10
INTRODUÇÃO

tória deles, e não dela, que receberam ofícios e mercês. Reinados que a vida
de Leonor atravessou com maior ou menor protagonismo mas quase sempre
nos bastidores da ação política. Bastidores, leia-se, o que no caso da rainha
não poderemos nunca confundir, note-o bem, caro leitor ou leitora, com um
papel secundário. Apesar de rainha consorte e depois viúva, quando já havia
outras rainhas em exercício, esteve longe de ter um papel apagado na vida do
reino.
D. Leonor, por mais que se internacionalize a investigação histórica, será
sempre uma rainha de Portugal; fora do país perde ressonância e transforma-
-se numa entre muitas princesas de finais da Idade Média. As cortes euro-
peias suas contemporâneas estão cheias de histórias de traições, de ambições
de grandes, de lutas familiares homicidas, de venenos e punhais, de reis jus-
tos e injustos, de princesas devotas e caritativas. Ignoramo-las quase todas,
porque não nos dizem respeito. Mas o reverso da medalha é que fora de Por-
tugal a figura de Leonor tende a perder ressonância; apenas no contexto da
história do país a rainha é uma figura fundamental. Em primeiro lugar, nas-
cida e criada no reino, de pais portugueses, dificilmente interessará à histo-
riografia internacional. Mas também outros motivos, desde a pretensa funda-
ção das Misericórdias, à alegada criação do primeiro hospital termal do
mundo, à proteção a Gil Vicente, à sua figura enquanto mulher do dito
Príncipe Perfeito, à funesta imagem de um filho único morto, o príncipe
herdeiro D. Afonso. E por outras coisas menos conhecidas do grande públi-
co, como o seu papel de protetora de uma jovem imprensa em expansão ful-
gurante; como fundadora de um convento de clarissas; ou como irmã in-
fluente de um rei — D. Manuel I — que sucede ao marido, D. João II.
E ainda, por tantas outras peripécias de que tentaremos dar conta ao longo
desta biografia. Não ao acaso faz Leonor parte dos mitos nacionais — como
veremos, não inteiramente coincidente com a realidade histórica —; é por-
tanto uma malha na complexa autoimagem, sempre em mutação, de uma
identidade histórica que é nossa.
Se não tivesse sido rainha e deixado algum rasto documental atrás de si,
a figura de D. Leonor teria de competir com outras suas contemporâneas,
mesmo portuguesas. Vem-nos à memória a sua própria mãe, Beatriz
(c. 1430-1506), duquesa de Viseu e Beja e tia de Isabel, a Católica, uma mu-
lher de grande força e autoridade. Ou a cunhada Joana, freira nas dominica-
nas de Aveiro, a dita Princesa Santa; ainda algumas outras que ficaram um
pouco mais mudas para a história. Por exemplo, a sua própria irmã Isabel
(1459?-1521), viúva do duque de Bragança, de quem tão pouco se sabe, mas

11
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

cuja vida, em termos cronológicos, é praticamente coincidente com a de


D. Leonor.
Será Leonor representativa das mulheres do seu tempo? Das nobres de al-
ta estirpe, seguramente, ainda que existissem também os negativos da sua
imagem. Existe também na Idade Média a imagem da rainha dissoluta, por-
que tomava amantes, como por exemplo a também portuguesa Joana — tia
de D. Leonor —, irmã de Afonso V e mulher adúltera do rei de Castela
Henrique IV. Por seus pecados, instalou a suspeita de ilegitimidade sobre
a sua filha, também Joana, direta sucessora ao trono de Castela, o qual veio
— depois de uma guerra — a recair sobre a também muito conhecida de to-
dos Isabel, a Católica. Ou a própria Leonor Teles, amante do conde Andeiro
e partidária de Castela, que na escola primária dos anos 60 em Portugal era
conhecida pelo insulto de «aleivosa»; explicavam as professoras, ou pelo me-
nos a minha, que o adjetivo correspondia a um misto de traidora com desa-
vergonhada.
Em relação às mulheres do povo, um enorme fosso as separava da rainha.
Que se saiba, D. Leonor nunca foi lavar roupa ao rio, nunca trouxe um cân-
taro de água à cabeça, não despejava bacios, provavelmente não sabia cozi-
nhar, nem consta que tivesse amamentado o filho. Nem se misturou com
gente do povo, frequentando a casa de gente humilde. Mesmo os pobres, que
ocupam um lugar tão importante nos mitos em torno da figura caritativa da
rainha, é de duvidar que a tivessem contactado diretamente. Ou seja, a sua
condição régia impedia-a, tanto no sentido literal como simbólico, de se
comportar como as mulheres do povo e fazer as mesmas coisas que elas. Fez
parte dos vários «estados» sucessivos por que passou — filha de infantes,
princesa, rainha, rainha viúva, comportar-se com o «resguardo» devido à sua
pessoa — não se deslocar só em público, nunca carregar objetos publicamen-
te e mandar os seus criados fazer quase tudo. Sabia ler e escrever, o que era
luxo para muito poucas mulheres; provavelmente — a adivinhar pelo tipo de
espiritualidade que desenvolveu — tinha um conhecimento doutrinal da sua
religião que muito poucos partilhariam no seu tempo, a não ser os homens
mais cultos da Igreja.
O leitor adivinha que, tirando estas diferenças de peso — que não são de
modo algum de menosprezar —, uma rainha é uma mulher igual às outras.
É por esse lado que escolhi o caminho para escrever esta biografia, procuran-
do todos os detalhes que me pudessem levar à pessoa que houve por trás da
rainha. Descobri pouco. Desengane-se o leitor que pense que alguma vez co-
nhecemos alguém. Uma personagem biografada é tão impenetrável como as

12
INTRODUÇÃO

outras. Se ainda hoje cada pessoa continua a ser um mistério, imagine-se


uma rainha que nunca escreveu na primeira pessoa e viveu há quinhentos
anos. Para mais, numa época cujo conhecimento é hoje em dia acessível
a uma mão-cheia de profissionais, os historiadores, que têm o trabalho de
a interpretar e traduzir para o leitor comum. São eles que procuram com-
preender códigos de comportamento que o tempo tornou obsoletos, e discer-
nir valores e lógicas impensáveis nos mundos de hoje. Os homens e mulheres
que mencionaremos ao longo desta biografia não falavam, não pensavam,
nem agiam da mesma forma que nós. Por tudo isso, a figura da rainha esca-
pa-se-nos, e será sempre objeto de releituras. D. Leonor foi objeto de confa-
bulações de muitos antes de mim. Para citar apenas alguns dos mais conheci-
dos, Frei Jorge de São Paulo, Braamcamp Freire, o conde de Sabugosa1, etc.
E continuará a sê-lo nos anos que estão para vir. Mas é essa cadeia de gente
a pensar sobre a rainha que a transforma numa personagem clássica entre as
nossas figuras históricas.
Mas, como é habitual dizer-se, le bon Dieu est dans le détail. Foi no por-
menor que procurei D. Leonor. Li novamente os textos da época e os histo-
riadores que se lhe referem. Aventurei-me também nos arquivos à procura de
algum documento que tivesse ficado por rastrear e identificar. Encontrei
muito pouco, mas ainda assim alguma coisa: os mais sabedores reconhecerão
as «novidades» ao longo do texto. Como o leitor haverá de verificar, dei uma
atenção desmesurada a coisas aparentemente triviais. Não para encontrar coi-
sas novas, nem para acrescentar nada de muito significativo ao que já se es-
creveu, mas para lançar outro olhar sobre a rainha — o meu. Em primeiro
lugar, os cronistas da época, que nos dão afinal o sal da história; as crónicas
de Garcia de Resende, Rui de Pina e Damião de Góis continuam a ser os
poucos textos onde vemos viver esta gente há tanto tempo morta, mesmo
que saibamos que os seus autores mentem ou omitem coisas importantes.
Sem a vaga de estudos dos últimos anos, esta biografia não seria possível.
Em primeiro lugar, Ivo Carneiro de Sousa, que apresentou em 1992 uma te-
se de doutoramento sobre a rainha e a sua época, depois publicada em livro2.
Foi este historiador que rastreou e transcreveu a esmagadora maioria dos
documentos coevos que lhe dizem respeito, que reli para escrever esta bio-
grafia. A outras fontes encontrei-lhes referência em outros autores ou, por
sorte, descobri-as nos arquivos. Este livro não seria viável também sem os
autores das biografias dos reis cujos reinados a vida da rainha atravessa:

1 São Paulo, 1967-1968; Sabugosa, 1921; Freire, 1996.


2 Sousa, 1992 e 2002.

13
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

D. Afonso V, D. João II, D. Manuel e D. João III1. Todos estes persona-


gens são agora muito mais abordáveis do que o eram antes, agora que a his-
toriografia se atualizou. Noutros temas mais específicos, socorri-me, entre
muitos outros estudos, dos trabalhos de Mafalda Soares da Cunha sobre
a Casa de Bragança; dos estudos sobre a corte portuguesa tardo-medieval de
Rita Costa Gomes; de numerosos artigos e capítulos de livros sobre o legado
artístico de D. Leonor; finalmente, dos minuciosos itinerários do rei
D. João II, elaborados por Joaquim Veríssimo Serrão. E para finalizar, devo
referir a investigação que se vem fazendo sobre o clima devocional do tempo
da rainha, entre os quais avulta a tese de doutoramento de Maria de Lurdes
Rosa2. A todos estes autores, que tornaram possível escrever este livro, e a
tantos outros que refiro no texto, aproveito para agradecer. Bem como a to-
dos os funcionários e funcionárias dos arquivos e bibliotecas onde estive,
a paciência com que me atenderam. E finalmente à minha Mãe, que leu
e corrigiu a primeira versão completa do manuscrito.

A maior parte dos livros têm uma dedicatória, e este não escapa à regra.
Como disse atrás, o nosso tempo tem pouco em comum com o da rainha
D. Leonor. Valores, formas de pensar e comportamentos não são já os mes-
mos, mas encontramos nas personagens históricas a mesma humanidade que
é a nossa. A si, leitora ou leitor, que lê o livro por dever profissional ou re-
creação, dedico este livro.

1Gomes, 2006; Mendonça, 1995; Fonseca, 2005; Costa, 2005; Buescu, 2005.
2Cunha, 1990; Gomes, 1995 e 2003; Lowe, 2000; Silva, 1985 e 2002; Serrão,
1993; Rosa, 2004.

14
Capítulo 1
De menina a mulher: os primeiros treze anos
(1458-1471)

N asceu Leonor a 2 de maio de 1458. Será preciso informar o leitor


acerca da estirpe da recém-nascida, mais do que sobre as circunstân-
cias de tempo e lugar, que de resto se ignoram, tirando sabermos que nasceu
em Beja.
A família dos seus pais era uma só: a descendência de D. João I e de
D. Filipa de Lencastre, os fundadores da dinastia de Avis, que naqueles tem-
pos e naquelas pessoas era bom casar entre primos. Fernando e Beatriz, os
pais de Leonor, eram ambos netos do rei fundador. Ele, filho segundo do rei
D. Duarte, irmão de Afonso V e neto de D. João I; ela, filha do infante
D. João (1400-1442), sétimo filho de D. João I e de Filipa de Lencastre.
A seu tempo, como veremos, também Leonor casaria com um primo coirmão.

1.1. Um pai ambicioso: o infante D. Fernando, irmão do rei


D. Afonso V
Detenhamo-nos um pouco sobre a figura paterna, que, se não explica tu-
do, parece configurar boa parte do que se passou depois na família real por-
tuguesa. Foi Fernando o escolhido por seu tio, o infante D. Henrique, de seu
cognome o Navegador, que haveria de morrer dois anos depois do nascimen-
to desta sua sobrinha sobre quem se escreve, para lhe suceder na sua vastíssi-
ma fortuna. Um primeiro testamento de D. Henrique, que dizem ter sido
feito para agradar ao rei D. Duarte e apaziguar a sua eventual inveja perante
o sucesso económico do irmão, fazia de Fernando o seu herdeiro universal, já
transformado em seu filho adotivo através de uma perfilhação datada de

15
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

14361. Ainda que os historiadores que estudaram a questão de perto tenham


mencionado a posterior invalidação do testamento, não deixaram de referir
que na prática este sobrinho veio a herdar o grosso dos avultadíssimos bens
do tio. Pelo tanto, encontraremos D. Fernando a herdar o título — duque
de Viseu — e os importantíssimos senhorios do infante D. Henrique. Mas,
se olharmos de perto, a herança do tio e pai adotivo foi apenas uma de três
componentes da fortuna de Fernando: as outras duas incluem o facto de ter
sido o sucessor do sogro, que ficou sem filhos homens para lhe suceder, e o
de ter ele mesmo agenciado fortuna própria.
A escalada da riqueza e poder de D. Fernando foi em crescendo desde
a sua mais tenra idade. Aos 11 anos foi nomeado mestre da Ordem de San-
tiago, dominando através dela um território que compreendia a península de
Setúbal, grande parte do Baixo Alentejo e ainda alguns lugares do Algarve.
A juntar também os elevados rendimentos da ordem, de que recebia uma
parte. Por essa razão, vamos encontrá-lo diversas vezes em Palmela, Alcácer
do Sal e Setúbal, cenário de alguns momentos fundamentais da sua vida e da
da sua família próxima.
Em 1447, aos 14 anos, casou com a prima D. Beatriz, filha do infante
D. João e de D. Isabel, filha do primeiro duque de Bragança, e neta de Nuno
Álvares Pereira. Por vicissitudes várias dos irmãos da mulher, D. Fernando
acabou por ser o principal herdeiro do infante D. João, seu sogro, morto em
14422 (entre a herança recebida constava o mestrado de Santiago). No ano
seguinte ficou com o posto de fronteiro-mor do Alentejo e Algarve, também
em substituição do sogro. D. Afonso V, seu irmão, retirou ainda o cargo de
condestável ao filho do regente D. Pedro, e a vitória de Alfarrobeira confir-
mou-o nestes três lugares de natureza militar: mestre de ordem religioso-
-militar, fronteiro-mor e condestável. Como se sabe, Alfarrobeira constituiu
o remate da tensão crescente entre várias fações da nobreza, em torno do jo-
vem D. Afonso V contra os partidários do seu tio D. Pedro, duque de Coim-
bra e regente na sua menoridade. A batalha deu-se a 20 de maio de 1449,
consagrando a vitória da fação do rei, apoiada pelo duque de Bragança.
O conflito teve como rastilho o facto de este último ter feito queixa a D.
Afonso V na sequência da recusa do infante D. Pedro em deixá-lo passar
com a sua hoste nas suas terras, uma vez que se dirigia de Bragança a Lisboa.

1In Monumenta Missionaria Africana, pp. 258-259.


2D. Beatriz tinha um irmão, D. Diogo, que faleceu no ano a seguir à morte do pai, em
1443. E ainda uma irmã, Filipa, que não casou, para além de outra, Isabel, que foi rainha
de Castela e mãe de Isabel, a Católica. Martins, 2004, vol. i, pp. 32 e 36.

16
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

Relato este conflito aqui porque, juntamente com os que terão lugar em vida
da rainha, durante a década de 1480, são as duas grandes manifestações de
conflitos internos que dividiam a corte naqueles anos. É importante referir
que a família da nossa rainha estava ligada aos Bragança e à fação vencedora,
e que seu pai beneficiou com a derrota das forças chefiadas pelo infante
D. Pedro.
Em 1453 o infante D. Fernando recebeu em doação de Afonso V as vilas
de Beja, Serpa e Moura. A posse destas terras transformou-o, juntamente
com o cargo de fronteiro-mor, no maior senhor do Sul do reino. Foi a partir
desta época que recebeu o título de duque de Beja, a que juntaria mais tarde
o de duque de Viseu, herdado do tio D. Henrique.
Com a morte deste em 1460, começou o infante a receber os seus bens:
os arquipélagos da Madeira e Açores e as quatro ilhas que então se conhe-
ciam do arquipélago de Cabo Verde. Entre estas ilhas, avulta a da Madeira,
pela importância económica que detinha então o açúcar que nela se produ-
zia, e de que voltaremos a falar. Mas continuou D. Fernando a acumular pa-
trimónio: ficou também com o monopólio das saboarias — o fabrico do sa-
bão não era acessível a particulares — e obteve do papa em 1461 o mestrado
da Ordem de Cristo, em concorrência com o próprio rei seu irmão, que tam-
bém o pretendeu para a sua família. Em 1464, seria a vez de receber Lagos.
Junte-se a estes bens de natureza territorial (acompanhados, como se sabe,
das prerrogativas jurídicas próprias dos senhorios medievais) os seus interes-
ses na expansão africana, que motivaram várias expedições a Marrocos, e os
negócios decorrentes da expansão marítima. Sebastiana Lopes, cujo trabalho
temos estado a seguir, apoda a sua ambição de «desmedida» e chama tam-
bém a atenção para a incapacidade de Afonso V em fazer frente à avidez do
irmão1.
D. Fernando rivalizava ainda com o poderio da maior casa titular portu-
guesa em tamanho — estamos a falar dos Bragança — com a vantagem de
apresentar um território contínuo, ainda para mais de fronteira, enquanto
o duque de Bragança tinha os seus senhorios espalhados por todo o reino.
Nessa época, a localização de territórios junto à raia significava uma capaci-
dade de organização do ponto de vista militar que conferia grande força aos
seus detentores. De resto, o alinhamento de Fernando ao lado do seu irmão
em Alfarrobeira, pela força militar com que participou na luta contra o re-
gente D. Pedro, tinha sido decisivo na vitória da fação do jovem rei.

1 Lopes, 2003, pp. 15-82.

17
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

A importância de Fernando na cena familiar régia é de resto confirmada


por indicadores indiretos. O infante aparece sempre em lugar de destaque
nas cerimónias oficiais. O que não admira, uma vez que seria rei em caso de
morte de Afonso V: terá sempre caráter de suplente ao longo da sua vida,
que de resto transmitirá à sua descendência com consequências funestas.
O seu filho D. Diogo, como veremos, morrerá às mãos de D. João II acusa-
do de conspirar contra ele para tomar o seu lugar no trono1. Fernando estará
presente ao lado do rei em 1451, aos 18 anos, no casamento da irmã de am-
bos, Leonor, com Frederico, imperador da Alemanha. Nas profusas cerimó-
nias descritas por um dos embaixadores do noivo, Nicolau Lanckman de
Valckenstein, aparece sempre em lugar imediato ao rei, juntamente com
o infante D. Henrique. Em todas as ocasiões é ele claramente o número dois:
quando se apresenta com a «sua corte» (expressão usada pelo cronista) no
desfile, em que todos vestem da mesma cor, ou mais tarde quando desafia
o rei para uma justa2.
Do mesmo modo, foi o infante que levou nos braços à pia batismal o seu
sobrinho João — depois D. João II —, quando o menino foi conduzido sob
um pálio pelas ruas de Lisboa descendo dos paços da Alcáçova à Sé. Foi em
1455, aos «oito dias depois que a rainha pariu, que foram 11 do dito mês de
maio»3. Os paços da Alcáçova situavam-se no castelo de São Jorge, pelo que
o leitor pode imaginar facilmente a distância percorrida pelo cortejo até à Sé
Catedral de Lisboa. Nesse mesmo ano ou no seguinte — Damião de Góis
não tinha a certeza — D. Fernando foi também armado cavaleiro, acompa-
nhado por mil tochas, levadas por quatrocentos cavaleiros e seiscentos escu-
deiros «dos mais luzidos da corte, todos vestidos de um trajo, e libré» (aqui
o nosso cronista não hesitou nos números)4. A data incerta de Damião de
Góis é precisada num códice da Biblioteca da Ajuda que corresponde a notas
destinadas a serem usadas na escrita das crónicas, de autores desconhecidos,
e a que se deu o título de «Apontamentos históricos». Nele se afirma que
o duque foi efetivamente armado cavaleiro a 25 de agosto de 1455, isto é, no
mesmo ano em que o futuro D. João II nasceu5.

1 Ver capítulo 3.8.


2 Leonor de Portugal, pp. 31, 33 e 41.
3 Góis, Crónica do príncipe, p. 12.
4 Góis, Crónica do príncipe, pp. 11-12.
5 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 184. Este códice, de difícil leitura, e com uma muita con-

fusa organização das matérias e da cronologia, permanece inédito, apesar da sua impor-
tância.

18
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

D. Fernando teve nove filhos com sua mulher, e fundou com ela um
convento importante, Nossa Senhora da Conceição de Beja, da observância
franciscana, que haveria de ser também o panteão da família, por obra e gra-
ça da sua viúva D. Beatriz, que continuou o labor da fundação do convento
depois da sua morte.
Interroga-se o leitor sobre as relações que Leonor teria tido com seu pai.
Fraca pergunta, porque impossível de responder. As fontes não nos dão qua-
se nunca esse tipo de informação. Em todo o caso, o pai morreu novo, tendo
a filha apenas 12 anos. Como para muitos outros antes e depois dele, Leonor
foi seguramente uma filha para dar em casamento a um aliado. Mesmo ten-
do morrido cedo, o pai teve tempo de a apalavrar para casar com o menino
que levara nos braços à pia batismal, o sobrinho João. Segundo Góis, os
acordos deste casamento foram tratados em 1466, isto é, aos 8 anos de Leo-
nor e 11 do príncipe1. O autor ou autores dos «Apontamentos históricos»
dão no entanto um timing diferente para este acordo: verificou-se logo a se-
guir à expedição em que D. Fernando conquistou Anafé com autorização do
irmão, em 1468. Reza o texto:
«Neste tempo depois da vinda do infante D. Fernando acabou ele de fir-
mar de tudo com el rei seu irmão o casamento da senhora dona Leonor sua
filha com o príncipe D. João.
E assim consertou outro da senhora D. Isabel também sua filha legítima
com o conde de Guimarães e el rei por mais enobrecimento deste casamento
o fez duque da mesma vila de Guimarães sendo ainda vivo o duque de Bra-
gança seu pai por cuja morte sucedeu o título de dois ducados e etc.»2

Aos 10 anos, estava já a nossa rainha prometida ao herdeiro do trono,


e sua irmã ao futuro duque de Bragança. Filhas arrumadas, portanto. Com
uma importante consequência, que devemos desde já assinalar. Vistas as coi-
sas pelo lado do futuro D. João II, agora comprometido, estavam cortadas as
hipóteses de fazer outros arranjos matrimoniais. Com efeito, poucos anos an-
tes, em 1465, a irmã de ambos, Joana, casada com o rei de Castela Henri-
que IV, viera pedir ajuda contra os nobres que se levantavam contra o mari-
do, tendo falado do casamento tanto do rei viúvo como do seu herdeiro. Os
casamentos não foram por diante, mas as noivas em perspetiva eram a sua fi-
lha muito pequena, Joana, e Isabel, meia-irmã do rei, e depois conhecida por

1Góis, Crónica do príncipe, p. 53.


2BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 173. Anafé, tomada sem resistência, foi imediatamente
abandonada, porque, segundo a mesma fonte, se chegou à conclusão de que seria impossível
mantê-la.

19
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

«a Católica». Estes planos deviam ser do conhecimento do próprio duque de


Viseu, que assim punha termo a quaisquer projetos, interpondo a sua filha
entre Afonso V e a família real castelhana. O que terá consequências futuras,
como veremos.
Os sucessores de D. Fernando, nomeadamente a sua viúva, tratariam dos
detalhes do negócio com o seu irmão D. Afonso V. A outra filha, Isabel, nas-
cida depois de Leonor, viria a casar pela mesma altura1. Uma sequência que,
de resto, não tinha nada de aleatório: nos jogos das uniões dinásticas, a filha
mais velha, a não ser que tivesse algum defeito, era sempre dada ao noivo
mais importante. E é quase tudo o que se pode dizer acerca do pai e da filha,
e apenas podemos especular sobre as recordações que esta última teve do pai
na sua idade adulta. Recordá-lo-ia ao lado da mãe, em Beja, preparando
a criação do Mosteiro da Conceição? Ou como cavaleiro, aprontando expe-
dições a África? Ou como governador das ordens militares de Santiago e de
Cristo? Ou, pelo contrário, tinha dele uma imagem ficcionada, alterada pelas
recordações e narrativas dos outros? Em todo o caso, relembre-se que, à se-
melhança de muitos crianças não só das famílias reais como das outras, Leo-
nor ficou sem pai muito cedo, e não deixou de ser, embora rica e bem nasci-
da, uma órfã. Numa época em que a esperança de vida era curta e a
mortalidade elevada, ficar sem pais durante a infância era um destino relati-
vamente comum. Relembre-se que esse estatuto era dado a todas as crianças
cujo pai, natural detentor do poder paternal, tinha morrido ou não existia,
o que fazia com que os que tivessem o pai vivo mas não a mãe não fossem
considerados órfãos. Por exemplo, o príncipe D. João (futuro D. João II),
embora sem mãe desde os sete meses, não era um órfão à face da lei. D. Leo-
nor foi-o, mas uma órfã para quem o pai teve tempo de cumprir o seu dever
antes de morrer: arranjar-lhe um casamento vantajoso. Mesmo sem sabermos
o que a figura paterna representou para a filha, adivinhamos o que o tio Fer-
nando pode ter significado para D. João II: um reino empobrecido, um pa-
trimónio real secundário face à soma do dos dois ducados de Bragança e Vi-
seu. Para D. João II, arriscamos, a família «rica» seria a da mulher e não
a dele.
E a mãe, Beatriz? E os irmãos de Leonor?

1 Pina, Crónicas, pp. 794 e 816-817.

20
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

1.2. Uma mãe eficiente: D. Beatriz, infanta e neta do duque


de Bragança
A mãe, como dissemos, tinha também reis entre os seus antepassados,
sendo neta pela via paterna e materna do fundador da dinastia, o da Boa Me-
mória, D. João I (1357-1385-1433). Como dissemos, era filha de um dos
seus filhos legítimos, João, que tinha por sua vez casado com a meia-prima
Isabel, filha de Afonso, 1.o duque de Bragança, bastardo de D. João I, e por-
tanto também sua neta por via ilegítima.
Casou com Fernando em 1447, mas o seu contrato foi assinado dois
anos antes1. O seu enxoval é conhecido e encontra-se publicado: «joias e cor-
regimentos» que recebeu de sua mãe, D. Isabel de Bragança. Às mães compe-
tia zelar para que as filhas levassem para o casamento todos os objetos neces-
sários ao corpo e casa. O enxoval de Beatriz é elucidativo sob vários pontos
de vista, e necessita de um estudo que o enquadre na história da cultura ma-
terial tardo-medieval, comparando-o com o de outras noivas de estirpe régia.
Em primeiro lugar, os dados brutos: só em ouro totalizava 22,5 marcos e
6 oitavas, e a prata 483,5 marcos e 5 oitavas, isto é, o equivalente a 5,1 qui-
los de ouro e 111 quilos de prata2. Eram de ouro as joias de seu corpo, e de
prata muitos dos objetos necessários à sua câmara. Por outro lado, trata-se de
um enxoval cujo uso era coletivo e se estendia a uma comunidade de mulhe-
res, uma vez que as damas da infanta aparecem referidas em muitos dos
itens. Para elas, havia uma mesa marchetada (isto é, com embutidos), muni-
da de castiçais e saleiros; uma profusão de peças de roupa entre cotas (vesti-
dos), opas3 e crespinas (toucas ou véus), e várias camas munidas de todo
o necessário (colchões, travesseiros, lençóis, etc.). Um total de cerca de trinta
arcas e cofres que continham uma extrema variedade de objetos de uso pes-
soal e doméstico, incluindo as peças mais prezadas enquanto consumos de
prestígio.
Havia uma capela completa para as devoções e funções religiosas priva-
das, de que faziam parte livros litúrgicos (um missal e um breviário), uma
vestimenta para um sacerdote e uma sobrepeliz para um capelão, castiçais pa-
ra o altar, um cálice e uma custódia, a cruz do altar, a naveta para guardar
o incenso e o turíbulo para queimar e espalhar o seu fumo, um porta-paz4,

1 Sousa, Provas, T. I, L.o III, pp. 283-289.


2 O marco equivalia a 229,5 gramas, tendo 8 onças ou 64 oitavas. Ver Lobo, 1904,
pp. 243-271.
3 Peça de vestuário, tipo casaco muito comprido e amplo, com gola alta e largas mangas.
4 Osculatório ou imagem que era beijada.

21
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

uma caldeira com hissope para aspergir água benta, galhetas para guardar os
santos óleos. Não faltavam também objetos de uso profano como o tabuleiro
de xadrez, ou os essenciais e muito prestigiosos objetos de toilette, os espelhos
e pentes. Também se incluíam numerosos objetos para levar à mesa, em que
não faltavam as confeiteiras (para doces) e os oveiros (para ovos)1. Sinais de
distinção que, mais do que fornecerem os equipamentos necessários à vida
doméstica e aos cuidados do corpo e alma, simbolizavam o estatuto régio da
noiva e recordavam ao noivo o dever de o respeitar.
Estava portanto a infanta D. Beatriz suficientemente provida de bens ne-
cessários ao seu novo estado. Vejamos o que aconteceu nos vinte e três anos
em que esteve casada com o infante D. Fernando, antes de enviuvar em
1470.
Teve, segundo consta, nove filhos, o que significa que cumpriu o que se
esperava de uma nobre de alta estirpe em termos de reprodução biológica. Se
tivermos em conta que pode ter tido desmanchos, filhos mortos à nascença
ou de poucos dias que raramente deixavam vestígios documentais, provavel-
mente teríamos muito mais gravidezes. Mesmo os filhos de reis e rainhas em
exercício só são mencionados extensivamente nas crónicas quando vieram
a ser herdeiros ou herdeiras do trono. Quando o marido morreu, João era
o filho mais velho, dado como tendo 10 anos, ou seja, menos dois do que
a irmã. Apesar de não nos ser dito que Leonor foi a mais velha, parece ter si-
do o caso, ainda que continue por explicar o que aconteceu nos anos entre
1447 e 1458, isto é, entre a data do casamento e o nascimento de Leonor.
Teriam tido filhos entretanto mortos? Ou teria havido um longo período de
infertilidade, seguido por muitos filhos?
D. Beatriz sobreviveu mais de trinta e seis anos ao marido, e assumiu por
inteiro o comando da família durante a menoridade dos filhos, em nome dos
quais administrava o património da casa, uma grande fortuna e um enorme
poderio territorial. Sogra do rei, sogra do duque de Bragança — o número
dois no ranking do poder monárquico —, tutora de seus filhos rapazes me-
nores, tia da rainha de Castela, Isabel. Ao mais velho estava destinada a su-
cessão do mestrado da Ordem de Cristo, mas Beatriz assumiu durante breve
espaço de tempo a chefia da mesma, na qualidade de tutora de seu filho. Não
é difícil imaginá-la como uma mulher autónoma. A sua independência, no
entanto, sofria de uma desvantagem que a filha Leonor não terá aquando da
sua também prolongada viuvez. É que, enquanto mãe de filhos do sexo mas-

1 Sousa, Provas, T. I, L.o III, pp. 289-296.

22
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

culino, Beatriz ficaria dependente da sua generosidade e debaixo da sua auto-


ridade quando atingissem a maioridade. Aconteceu com D. Diogo e mais
tarde com o filho D. Manuel, duque de Beja e depois rei, que lhe pagava
uma generosa tença1. Como veremos, Leonor seria uma viúva sem filhos, pe-
lo que gozaria de maior autonomia.
De resto, fazemos aqui um parêntese importante para explicar algo de
crucial: pela via materna, a rainha Leonor fazia a ponte com os Bragança
de forma dupla. Por um lado a sua mãe, Beatriz, era neta de Afonso, conde de
Barcelos, 1.o duque de Bragança e filho ilegítimo de D. João I, e por outro
a sua irmã Isabel era casada com o terceiro duque do título, Fernando. E já
agora uma segunda ligação dinástica importante: a irmã de Beatriz, Isabel,
era mãe de Isabel, a Católica, sendo esta última, portanto, sua sobrinha,
e prima direita de Leonor. De resto, a avó materna de Leonor morreria em
Arévalo, onde se juntara à filha (e mãe de Isabel, a Católica) que sofria de
perturbações do foro mental2. Portanto, Leonor, por via de sua mãe, não dei-
xava de ser também uma Bragança, e, como veremos, demonstrou apego
a estes laços de parentesco durante toda a sua vida. Leonor pertencia a uma
família cuja linhagem tinha pertenças múltiplas relativamente a duas casas
que podiam contender o poder dinástico ao príncipe e depois rei seu marido:
os Bragança e os Reis Católicos. Antes de prosseguir, retenhamos um aspeto
fundamental da nossa biografada: o seu casamento com o herdeiro do trono
era consequência de uma importância dinástica e económica que o antecedia.
Quase que podemos dizer que foi o rei que casou acima e não o inverso. As
relações que manterá com o marido espelham em grande parte esta relação
de forças, como nos esforçaremos por demonstrar. E aqui tomamos um dado
fundamental em que a historiografia sobre as rainhas reúne consensos: o po-
der que estas últimas detinham não era uma consequência constitucional,
mas sim o efeito da sua riqueza e linhagem3.

1.3. Ambições de mãe: D. Beatriz e os filhos


Vários documentos comprovam que a infanta D. Beatriz esteve atenta
a tudo quanto pudesse assegurar e melhorar o futuro dos filhos na sua rela-
ção com a Coroa. Afinal, eram filhos do número dois na sucessão ao trono,
e D. Afonso V estava longe de deter a mesma capacidade de sucessão: pos-

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 15.


2 Fernández Álvarez, 2006, pp. 70 e 75; Suárez Fernández, 2005, p. 9.
3 Córdova Miralles, 2002, pp. 43-50.

23
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

suía apenas uma filha e um filho e mantinha-se viúvo, contra os nove filhos
que nasceram a D. Beatriz. Era portanto uma aposta natural naquele mundo
e num meio em que a sucessão dinástica detinha uma importância crucial.
Após a morte do marido em setembro de 1470, conseguiu que D. Afonso V
abrisse um parêntese na Lei Mental para beneficiar os seus filhos varões mais
novos. Passo a explicar: a Lei Mental, promulgada pelo rei D. Duarte em
1434, pretendia que os bens da Coroa doados pelo rei fossem herdados ape-
nas pelos filhos varões legítimos primogénitos. Tentava-se deste modo asse-
gurar algum controlo régio sobre as doações de património da Coroa, multi-
plicando as situações em que estas poderiam voltar à posse direta do rei.
Uma das resoluções da lei era que, no caso de o rapaz mais velho falecer, não
só a herança não ficava automaticamente para o irmão a seguir, como voltava
para a posse da Coroa1. D. Beatriz conseguiu logo em 1471 que Afonso V
sancionasse a possibilidade de o seu filho D. Diogo herdar de seu irmão
João, que efetivamente veio a morrer no ano seguinte2. Mais uma vez, os
«Apontamentos históricos» já mencionados fornecem a data exata da sua
morte, até agora desconhecida: 16 de agosto de 14723.
D. Beatriz obteve também do rei, seu primo e cunhado, os privilégios
e liberdades de infantes do reino para os seus dois filhos mais velhos, João
e Diogo4. Tratava-se de um importante benefício, uma vez que assegurava
várias prerrogativas às terras que detinham, entre elas a de não fazer entrar
corregedores do rei, passando a justiça senhorial nelas praticada a ser autóno-
ma em relação à justiça régia. Estava-se então nas vésperas da concretização
do casamento da filha mais velha de D. Fernando e D. Beatriz, D. Leonor,
que a tornaria princesa, porque casada com o príncipe herdeiro D. João.
Mas, como vemos, D. Beatriz ia urdindo a sua teia, e esta dizia respeito a to-
dos os seus filhos, pelo menos àqueles que iam sobrevivendo à elevada mor-
talidade infantil da época. Nem tão-pouco deixava de pugnar para conservar
e até acrescentar o património que o ambicioso marido construíra em vida.
No capítulo seguinte, continuaremos a observar este tipo de comportamen-
tos linhagísticos. Em jeito de sumário, retenhamos que uma sucessão de pri-
vilégios foi aumentando a importância da família do duque de Viseu e Beja.
Pouco a pouco, foi-se estreitando um cerco em torno do rei e do seu filho, pri-
meiro por D. Fernando, que combinou o casamento das filhas, e depois por

1 Ordenações Manuelinas, L.o 2, tít. 17, em especial § 12.


2 IAN/TT, Chancelarias de D. Afonso V, L.o 22, fls. 21v-22 [1471.8.4, Lisboa].
3 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 174.
4 IAN/TT, Chancelarias de D. Afonso V, L.o 16, fl. 125v [1471.7.2, Lisboa].

24
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

D. Beatriz, que se encarregou de concretizar estes últimos e de consolidar


a situação dinástica dos seus filhos rapazes.
É interessante verificar que D. Afonso V, ao beneficiar os filhos do seu
falecido irmão, tivesse sempre o cuidado de dizer que o fazia com o consenti-
mento do príncipe seu filho. Se era verdade nessa época, não o sabemos, mas
veremos mais adiante que a disposição de D. João II, subido ao trono, seria
tudo menos confirmar os privilégios da família dos tios de mão beijada, co-
mo o seu pai fizera. O futuro reservaria, como veremos, poucas ocasiões que
permitissem imprudências a D. Beatriz. Ao contrário de D. Afonso V, que
parece ter tido ao longo da vida uma singular incapacidade de dizer que não,
D. João II estaria disposto a não fazer mais cedências do que as estritamente
inevitáveis. Vários indícios comprovam que teve de facto uma visão negativa
do comportamento do pai para com a grande fidalguia do reino. Aqui, caro
leitor, deixe-me avisá-lo do seguinte: eu sigo a velha ideia, patente em muitos
historiadores mais antigos, de que Afonso V foi demasiado liberal com os
grandes e que D. João II quis fortalecer o poder da Coroa, ou seja, da sua ca-
sa, logo desde o início do seu reinado. A historiografia mais recente, no en-
tanto, tem visto esta questão sob uma perspetiva diferente; outros autores,
com receio de enfrentar um discurso hegemónico, furtaram-se a esta questão.
Para mim é clara, e explico-a por mero exercício de honestidade intelectual:
por toda a Europa assistimos à criação de um Estado territorial soberano,
dentro do qual não há lugar para que várias famílias compitam com a do rei.
O princípio da primogenitura, embora já existisse no que toca à sucessão do
trono, não era acompanhado por um poder senhorial, territorial e económi-
co condizente, o que levava a contínuas lutas pelo poder no seio da mesma
família, ou entre famílias rivais, por vezes aparentadas entre si. A turbulência
que se verificava nesta «era da conspiração», como lhe chamou Lauro Marti-
nes1, tinha a ver, ou com a evolução das repúblicas para monarquias, como
é o caso de Florença, ou com monarquias onde a distância entre o rei e a
aristocracia não era ainda suficiente para o impor como chefe incontestado.

1.4. D. Leonor e os irmãos


Leonor foi, assim, uma entre muitos irmãos. Podemos enumerá-los, em-
bora não saibamos se por ordem de idades, porque desconhecemos o ano do
nascimento de todos eles, com exceção de Leonor e Manuel: Isabel, Catari-
na, João, Diogo, Duarte, Dinis, Simão e, finalmente, o irmão mais novo,

1 Martines, 2004, p. 12.

25
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Manuel1. É Damião de Góis quem fornece a lista na sua Crónica de D. Ma-


nuel, mas na sua Crónica do Príncipe D. João omite o nome de Catarina, que
deve ter sido justamente um destes filhos que desaparecem das fontes em ra-
zão da sua curta existência2. Mas, se lermos a crónica de D. Afonso V de Rui
de Pina, omite-se também Dinis pelas mesmas razões3. De resto, deparei-me
com as mesmas dificuldades de outros historiadores ao tentar fixar as datas
de nascimento de todos estes irmãos, bem como do ano da morte relativa-
mente aos que morreram4.
Em criança, Leonor terá tido oportunidade de conviver com alguns des-
ses irmãos falecidos. Nem todos (ao contrário de Catarina, Simão e Dinis)
morreram na primeira infância: João, o mais velho, viveu pelo menos até aos
10 anos, bem como Duarte. O que não quer dizer que vivessem juntos: nes-
tas sociedades era hábito confiar as crianças a outras pessoas para as criarem,
e sabemos que Duarte foi criado na casa do príncipe, ou seja, do futuro
D. João II. Diz a crónica: «e o terceiro filho houve nome D. Duarte, que
o príncipe recolheu para si, e criando-o em sua casa com muita honra e gran-
de amor como próprio filho, faleceu em moço»5. Os historiadores têm cha-
mado atenção para este sistema de circulação de crianças, em que existem vá-
rias modalidades através das quais estas abandonam a família biológica muito
antes da idade adulta ou até da adolescência6. Os pais confiavam-nas a tercei-
ros, embora em situações muito diversificadas: entregando-as a uma ama que
as amamentasse; confiando os rapazes a um aio que acompanhava o seu cres-
cimento e educação; dando-as a criar a nobres de estirpe mais elevada, entre
as quais o rei. Nesse caso, tratamos dos «fidalgos de criação do rei» ou «cria-
dos» como são muitas vezes designados nas crónicas. Havia ainda as crianças
abandonadas ou expostas, os filhos confiados a mestres de oficinas para
aprenderem um ofício, as crianças que eram postas a trabalhar como servido-
res domésticos, etc. Mesmo a emigração ou a incorporação em forças milita-
res se fazia muito cedo, cerca dos 12 anos. Embora não abrangesse a totalida-
de das famílias, — muitas conservavam os filhos durante todo o processo de
crescimento —, a circulação de crianças atravessava todas as condições so-
ciais e económicas, generalizando-se a toda a sociedade7.

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, 11-12.


2 Góis, Crónica do Príncipe, pp. 55-56.
3 Pina, Chronica, p. 817.
4 Costa, 2005, p. 41.
5 Pina, Chronica, p. 817.
6 McCracken, 1983, pp. 303-313.
7 Sá, 2007, pp. 17-40.

26
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

O historiador nem sequer pode garantir que D. Leonor tivesse convivido


da mesma maneira com todos os seus irmãos durante a infância. Sabemos,
por indicadores indiretos, no entanto, que esteve muito ligada aos três ir-
mãos que sobreviveram. De Diogo, arrancado da sua companhia quando an-
daria pelos 20 anos e ela 26, sabemos que a sua morte lhe causou um desgos-
to violento, embora dele tenhamos um único testemunho1. Mas, na idade
adulta, Leonor conviveu prolongadamente com os dois irmãos que lhe resta-
ram. A irmã Isabel acompanhá-la-ia toda a vida, tendo casado com o único
homem cuja posição na graduatória do poder estava acima do pai de ambas.
Tratava-se de D. Fernando, duque de Guimarães, herdeiro do título de du-
que de Bragança, e que viria a morrer anos depois, em 1483, acusado de
conspirar contra o primo D. João II. No entanto, por todo o século xvi —
episódio da extinção da sua casa à parte — seriam os duques de Bragança
distinguidos do ponto de vista protocolar com a posição imediata a seguir ao
rei. Seria, de resto, terminada a União Dinástica, a casa senhorial de onde
sairia o rei da nova dinastia dos Bragança, D. João IV, aclamado em 16402.
Isabel morreria em abril de 1521, e o outro irmão de Leonor, o rei D. Ma-
nuel, em dezembro do mesmo ano. D. Isabel foi sepultada ao lado de
D. Leonor, numa demonstração clara da relação que mantiveram em vida,
consubstanciada na ligação ao Convento da Madre de Deus de Xabregas3.
Dos outros irmãos de Leonor, quatro morreriam crianças e praticamente
não aparecem nas fontes: Catarina (já referida), Duarte, Dinis e Simão. Ape-
nas há indícios de que Duarte viveu até aos 10 anos de idade, tal como o fi-
lho varão mais velho, que, por herdar a casa e o título do pai, aparece mais
vezes. Note-se que, mesmo que Leonor fosse mais velha do que os irmãos,
estava fora de questão suceder fosse no que fosse em havendo herdeiros mas-
culinos. Apenas no caso de estes desaparecerem podia o rei criar uma situa-
ção de exceção, autorizando-a a suceder4. João morreria sem casar «suceden-
do no estado de seu pai», com pouca idade — cerca de 10 anos. No
seguimento da morte do pai, a mãe tomou posse da ilha da Madeira em seu
nome, em outubro de 14705. Em janeiro de 1473, no entanto, já D. Diogo,
o irmão a seguir, lhe herdava o património, com exceção do mestrado da Or-
dem de Santiago, que «com prazer e consentimento da dita infante [D. Bea-

1 Ver capítulo iii.


2 Costa e Cunha, 2006, pp. 7-32.
3 Ver capítulo viii.
4 Ordenações Manuelinas, L.o 2, tít. 17, § 3.
5 Costa, 1995, pp. 15-16.

27
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

triz] foi dado ao príncipe»1. Chegou este irmão à idade adulta, embora não
tivesse vivido além dos 20 anos, idade em que foi morto pelo próprio rei,
acusado de traição. Quanto ao irmão mais novo, D. Manuel, «rei felicíssimo
que foi destes reinos», viveria até aos 52 anos de idade, tendo morrido em
1521 após vinte e seis anos de reinado.
Para a nossa história, contam portanto os filhos sobreviventes: Leonor,
Isabel, duquesa de Bragança, e Manuel, que foi rei de Portugal. Diogo fará
apenas uma breve aparição nesta biografia, no capítulo terceiro, em que mor-
rerá apunhalado pelo cunhado. Deste trio que viveu até aos anos 20 do sécu-
lo xvi — Leonor, Isabel e Manuel —, ficar-nos-á, no entanto, uma impres-
são de proximidade afetiva e de intimidade familiar que me esforçarei por
tentar demonstrar ao longo desta biografia.

1.5 Criação e educação de D. Leonor


Aproveito também para explicar, em jeito de nota, que tenho estado
a usar termos de parentesco habituais nos nossos dias, mas que as pessoas
desta época não conheciam. Palavras como sogro, sogra, nora, genro, cunha-
do, cunhada, entre outros, não constam na documentação. Em vez delas,
usam-se pai, mãe, filho, filha, irmão e irmã. Ou seja, o casamento criava um
prolongamento daquilo que hoje entendemos por família biológica (ou pelo
menos imediata) no sentido estrito. Existiam no entanto os termos primo/a,
tio/a com o mesmo sentido que têm atualmente. E, ainda, uma palavra espe-
cial para significar parentesco: o «devido», que em muitos casos indica mes-
mo a existência de uma dívida, ou seja, de obrigações para com os parentes.
Falava-se justamente em «maior devido», para explicar que, devido à proxi-
midade de parentesco, os deveres recíprocos aumentavam. É este portanto
o quadro em que nos movemos: por uma questão prática usarei as atuais de-
signações de parentesco, não sem ter explicado que tinham valências diferen-
tes para a época a que nos reportamos.
Não sabemos que tipo de educação Beatriz deu aos filhos, nem como os
criou. É pouco provável que tivesse amamentado qualquer um deles, porque
o costume mandava dar os filhos a uma ama.
Leonor teve a sua ama, porque o sistema de reprodução nas casas nobi-
liárquicas assim o obrigava: as mulheres tinham uma sucessão de partos, sen-
do necessário evitar os períodos de infertilidade propiciados pela amamenta-
ção. O seu sucesso enquanto esposas media-se pela capacidade de dar à luz,

1 Pina, Chronica, p. 817.

28
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

e não havia limites para o número de filhos a gerar. Afinal, era o próprio
tempo a recolocar as coisas no seu lugar: muitas das crianças acabavam por
morrer. Entre os reis portugueses, pode comparar-se o rei D. Manuel I com
D. João III: o primeiro teve treze filhos, dos quais nove chegaram à idade
adulta e o segundo, dez, mas nenhum ultrapassou a idade de 20 anos1. A sua
última biógrafa falou precisamente em «estrelas funestas» para designar a su-
cessão de mortes ocorrida entre os filhos de D. João III2. Alguns historiado-
res falam em lotaria demográfica para designar a imprevisibilidade do núme-
ro de filhos sobreviventes num determinado casal, bem como o eventual
desequilíbrio entre o número de filhos e filhas. Era mau ter apenas rapazes,
sem nenhuma filha para servir de peça de troca no mercado matrimonial,
mas também tê-las em demasia significava uma sangria do património fami-
liar em dotes de casamento. John Gillis chamou a atenção para algumas es-
pecificidades do casamento na alta aristocracia europeia. Segundo este autor,
a imprevisibilidade da sobrevivência da prole levaria a que a ênfase do casa-
mento nestas camadas sociais fosse colocada numa sequência ininterrupta de
gravidezes e de partos. Mal davam à luz, as mães entregavam as crianças
a amas, disponibilizando o seu corpo para nova gestação. A maternidade era
definida pela quantidade de filhos produzidos e o parto era o ponto de che-
gada, fazendo com que a criação e educação das crianças fossem aspetos se-
cundários da maternidade3. Não é portanto um acaso funesto, nem uma
ocorrência invulgar, que, dos nove filhos do casamento da infanta D. Beatriz
com o infante D. Fernando, apenas três estivessem vivos quando morreu em
1506.
Conhecemos o nome da ama de D. Leonor, que aparece em documento
muito posterior: Brianda do Carvalhal, agraciada por D. João II em 1485
com bens fundiários de natureza diversificada4. Ou seja, vinte e sete anos de-
pois do nascimento de D. Leonor, Brianda era ainda a sua ama. A condição
de ama era de resto vitalícia, fundando uma espécie de parentesco entre ama
e criança que durava toda a vida. De resto, passava-se o mesmo com os ir-
mãos de leite, que nas crónicas aparecem frequentemente designados por ir-
mãos colaços. A razão da importância deste laço era evidente para os contem-
porâneos: não se tratava de um parentesco fictício, mas verdadeiro, uma vez
que era uma ligação de sangue. O leite materno, não o esqueçamos, era

1 Inclui-se nesta conta Duarte, filho ilegítimo do rei (1521/1523-1543).


2 Buescu, 2005, pp. 161-180.
3 Gillis, 1990, pp. 447-457.
4 Itinerários, pp. 173-174.

29
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

tido como sangue transformado pela maternidade, e um dos cuidados a ter


era precisamente escolher uma mulher de «bom sangue» para amamentar.
Não espanta portanto que anos antes Isabel, a filha mais nova do rei
D. João I e de Filipa de Lencastre, ao casar com o duque da Borgonha, tives-
se incluído a sua ama entre os portugueses que com ela foram viver para a ci-
dade de Bruges1. Não é por acaso que as amas ocupam o seu lugar na litera-
tura renascentista, dos quais a mais conhecida é a ama de Julieta, na mais
famosa de todas as tragédias de Shakespeare.
Em contrapartida, se olharmos para o irmão mais novo de Leonor, Ma-
nuel, que foi rei e teve por isso direito a cronista, sabemos muito mais sobre
a sua ama. Damião de Góis, o cronista de que falamos — também o mais fa-
moso humanista português —, conta que foi Justa Rodrigues quem preen-
cheu esse papel junto do futuro rei. Justa aparecerá nas crónicas franciscanas
observantes como a fundadora do Mosteiro de Jesus de Setúbal. Este facto
surge narrado aparentemente para lavar o seu pecado de juventude, uma vez
que Justa Rodrigues era solteira mas tinha tido dois filhos do bispo da Guar-
da D. João Manuel (1458-1476)2. Ou seja, narrando o seu papel como fun-
dadora do convento — ajudada primeiro por D. João II e depois pelo seu fi-
lho de leite, agora rei — a narrativa das ações piedosas de Justa tem a função
de certificar que D. Manuel foi alimentado com «bom sangue»3.
Não é este o momento para traçar a biografia de Beatriz, mas não será
exagero afirmar que viveu rica e poderosamente, em Beja, nos seus últimos
anos (onde morreu), recolhida no seu Convento da Conceição, depois de
uma vida cheia de reveses. Tal como a filha, temos dificuldade em imaginá-la
passiva perante as reviravoltas do destino. Numa demonstração clara de ins-
tinto de sobrevivência, vê-la-emos a prestar obediência ao rei seu genro na se-
quência imediata do homicídio do filho4. Sabemos que pelo menos viveu ro-
deada de todas as comodidades que a época permitia: escravos e escravas para
todo o serviço, uma botica equipada com variedade e quantidade de especia-
rias, toda a sorte de equipamento litúrgico destinado às sumptuosas devoções
dos conventos mendicantes observantes da época5.
Ignoramos a educação dada pela mãe a Leonor, mas podemos imaginar
que todos os filhos e filhas receberam uma formação consentânea com a sua

1 Viterbo, 1905, pp. 83-86.


2 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, pp. 12-13.
3 Belém, Chronica Seráfica, Parte II, pp. 620-622.
4 Ver capítulo iii.
5 Freire, «Inventário da infanta».

30
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

linhagem e condição. Estamos num tempo em que os rigorismos de Trento


não se tinham ainda abatido sobre as sociedades católicas. A situação das
mulheres era menos opressiva, pelo menos nestes cumes da escala social, e as
princesas tinham uma educação sofisticada, que incluía muitas vezes o latim
e uma sólida formação doutrinal. A cunhada de Leonor, irmã do seu marido,
depois conhecida por princesa Santa Joana, freira em Aveiro nas Dominica-
nas Observantes, é dada como exímia conhecedora do latim1. O irmão Ma-
nuel aprendeu com Francisco Fernandes, bispo de Tânger, e ainda com Dio-
go Lopes Rebelo, mais tarde um importante humanista português residente
em Paris2. Não deixa de ser significativo que D. Manuel tivesse tão impor-
tantes mestres, porque só quando se deu o desastre de cavalo que vitimou
o príncipe D. Afonso, único filho de Leonor e de D. João II, tinha ele 22
anos, a hipótese de vir a ser rei se afirmou como provável. Talvez nesta época
as filhas ainda não fossem apartadas dos filhos quando se tratava de adquirir
cultura letrada, e Leonor tivesse ouvido as mesmas lições dos irmãos; não as
de D. Manuel, em todo o caso, uma vez que onze anos os separavam, mas
dos irmãos mais próximos em idade. Um pouco mais tarde, em meados do
século xvi, os róis de meninos que aprendiam com o mestre da corte portu-
guesa contemplam apenas rapazes3. Porém, a nível doméstico, talvez a ins-
trução fosse ainda a mesma para rapazes e raparigas. Apenas no campo da li-
teracia, é claro, porque para os rapazes outras aprendizagens, interditas às
meninas, se impunham: as artes da montaria e do manejo das armas. É até
provável que a ausência de treino físico tornasse as raparigas mais despertas
para a aprendizagem das letras. Esta última era indispensável também para as
mulheres, uma vez que adquiriam competências necessárias ao culto religio-
so: leitura de livros de oração e conhecimento da doutrina e da história sacra.
As mulheres de alta estirpe aprendiam ainda na infância a fazer complicados
trabalhos de mão, nomeadamente a bordar. Agulhas e bastidores tornavam-
-se muitas vezes complementos da devoção, quando efetuavam complicados
trabalhos de paramentaria litúrgica. Em adulta, Leonor seria tudo menos
uma princesa inculta, pelo sofisticado grau de devoção manifestado, princi-
palmente durante os últimos anos de vida.
Também não sabemos onde decorreu a infância de Leonor. É impruden-
te circunscrevê-la à vila de Beja, porque mãe e pai se deslocavam frequente-

1 Crónica da fundação, p. 80.


2 Costa, 2005, p. 50; Rebelo, 1951, p. 173.
3 Sousa, Provas, T. II, Parte I, «Lista dos moços fidalgos, que aprendiam a ler, escrever,

e a Latim» (1556), pp. 478-481. Sobre a educação na corte régia, cf. Matos, 1988,
pp. 499-592.

31
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

mente, quer acompanhando as deslocações da corte régia, quer de moto pró-


prio. O irmão mais novo, por exemplo, nasceu em Alcochete no dia 31 de
maio de 1469. Também era corrente marido e mulher deslocarem-se de for-
ma autónoma, cada um com o seu respetivo séquito. Neste caso, as crianças,
sobretudo as do sexo feminino, acompanhavam as mães. É provável que vi-
vesse com a ama nos seus dois primeiros anos de vida, e depois não sabemos
de facto muitos detalhes acerca das suas deambulações enquanto criança. Há
várias possibilidades em aberto: ou a ama residia junto a Beatriz e esta nunca
se apartou dos filhos, ou pelo contrário fê-lo de forma intermitente; ou Leo-
nor foi separada da ama após o desmame e passou a ser confiada a outras
pessoas da criadagem da casa dos pais. Em todo o caso, caro leitor, mais não
faço do que especular: não sabemos o que se passou e ignoramos a frequência
e as modalidades de convivência de Leonor com o pai e a mãe durante a sua
infância.
Se tivesse seguido a mãe, Leonor poderia ter estado em Setúbal, Palmela,
Lisboa e até em Alcochete, onde nasceu o seu irmão mais novo, Manuel.
Ter-se-ia deslocado no séquito desta, ao colo de uma ama, pelo seu próprio
pé, no dorso de uma mula ou de barco nos troços navegáveis dos rios. Pelo
menos, a acreditar em Garcia de Resende, o seu irmão Diogo cresceu junto
do rei1, que o queria por perto. A seu tempo veremos as razões desta e de ou-
tras coabitações mais ou menos forçadas. Portanto, a infância de Leonor não
teria sido muito diferente da de muitas outras meninas da sua qualidade
e condição: ora longe dos pais, ora mais perto, mas não necessariamente coa-
bitando com eles, entregue aos cuidados de gente da confiança da sua casa.
Provavelmente, e especulando, mais perto da mãe que do pai, devido às obri-
gações políticas e militares deste, e cumprindo também a tradição de manter
as filhas junto das mães, pelo menos até ao casamento. Afinal, estamos na pe-
riferia de uma corte que no último quartel do século xvi impediria os ho-
mens de, mesmo em ocasiões festivas, passarem o umbral dos aposentos das
mulheres2. É provável que antes dos rigores católicos tridentinos a segregação
de géneros fosse menos rígida, mas em todo o caso a regra era os aposentos
separados para homens e mulheres. A explicação é muito simples: mesmo
nestas esferas sociais raramente se dormia sozinho/a. Quando os casais não
passavam juntos a noite, eles e elas retiravam-se para as suas câmaras, onde

1 Resende, Crónica, p. 75.


2 Bertini, 2000, p. 56, a propósito das festas de casamento em 1565 de Alessandro Far-
nese, príncipe de Parma, com Maria, filha do infante D. Duarte com Isabel, filha de D. Jai-
me, duque de Bragança.

32
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

dormiam várias pessoas, entre cortesãos e servidores domésticos. Não espanta


portanto que se confinassem estes dormitórios a pessoas do mesmo sexo,
que, em todo o caso, se repartiam pelo espaço consoante a sua condição so-
cial. As hierarquias determinavam que a proximidade em relação ao príncipe
ou rei coincidisse com a importância que lhes era atribuída, a ponto de os
mais importantes partilharem a mesma cama com ele.
Outro campo de suposição é a influência de Beatriz junto de Leonor.
Mãe e filha mais velha. Uma filha a quem, tal como à mãe, o casamento pre-
coce e a maternidade obrigariam a crescer depressa. Não sobrevivem cartas,
nem imagens. Veremos que Leonor será igualmente devota como a mãe, tal-
vez não da mesma maneira. E talvez não por emulação, nem por escolha,
mas pela simples razão de que não havia muitas alternativas, mesmo para as
mulheres mais ricas e poderosas. Ser devota e recolhida era a opção social-
mente mais aceite na sociedade da época. Para as mulheres, especialmente
aquelas cuja condição não obrigava a qualquer trabalho produtivo, geralmen-
te exercido no exterior da casa, como os trabalhos no campo ou no comércio,
era importante produzir uma imagem de recato e de pureza sexual, através de
uma vida passada portas adentro, e na qual o culto religioso deveria assumir
o lado principal da sua vida pública. Para elas, havia duas opções de vida:
o recolhimento doméstico ou o convento, e muitas vezes uma mistura entre
estas duas modalidades. Não raramente, e seguramente nos casos de mãe e fi-
lha, habitaram nas suas casas que comunicavam para conventos sob a sua tu-
tela. Mais tarde, e já depois de Trento, fundar-se-iam instituições para aco-
lher mulheres que desejavam manter ou recuperar a sua reputação de pureza
moral, os recolhimentos, que mantinham algumas características da vida
conventual — a reclusão e o resguardo das tentações do mundo —, deixan-
do cair algumas desvantagens, como os votos perpétuos, que as teriam impe-
dido de voltar novamente à vida secular.
Havia ainda outras escolhas para estas mulheres de condição social eleva-
da, porque também houve princesas, casadas ou viúvas, que sucumbiram de
forma pública aos pecados da carne. Seria injusto não as nomear aqui, mas as
virtuosas deixaram mais vestígios documentais.
Balanço feito, as vidas da mãe e da filha não foram assim tão diferentes:
ambas perderam filhos rapazes no final da adolescência, ambas se dedicaram
a conventos fundados e mantidos pelas próprias, foram riquíssimas e detive-
ram influência política. Beatriz teve-a enquanto duquesa viúva, governando
em nome dos seus filhos órfãos; Leonor teve-a também, enquanto mulher
e viúva de D. João II. Primeiro negativa, e em luta contra um rei obstinado

33
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

e irascível, D. João II, e depois positiva, ao lado de um rei que era «bom» ir-
mão e «bom» filho: D. Manuel, o mais novo da família. Como veremos mais
adiante, enquanto a sua vida conjugal foi marcada por uma elevada confli-
tualidade, especialmente nos últimos anos de vida do marido, a morte deste
dará lugar a um relacionamento pacífico com o seu irmão e rei D. Manuel I.

1.6. Obrigações de pais: casar as filhas


Imaginamos D. Beatriz contente por casar as filhas, acabadas de sair da
infância. Os cronistas dão-na como estando a cumprir a vontade do marido,
falecido em Setúbal em setembro do ano anterior, ou seja, quatro meses an-
tes do casamento de D. Leonor, ocorrido a 22 de janeiro de 1471. Seria com
a duquesa que D. Afonso V negociaria o casamento entre o príncipe D. João
seu filho e Leonor, filha primogénita dos duques de Viseu-Beja, uma vez que
Beatriz detinha o poder paternal sobre os seus filhos, todos menores. No en-
tanto, não o da sua filha Isabel, porque o contrato de casamento fora assina-
do perante D. Beatriz e o marido, em Setúbal, dias antes de este morrer. No
caso de Leonor, este só seria assinado mais de dois anos depois, em setembro
de 1473, o que demonstra que a certeza de os casar era mais forte do que os
detalhes do negócio. Segundo o cronista, não houve festa, pelo luto do pai
da noiva, conforme a tradição da época. O que significa que se pouparam
despesas com os banquetes que se costumavam fazer nessas ocasiões; não
houve justas nem torneios, nem se passaram dias a fio a festejar, conforme
era hábito também. Como veremos, quando Leonor casou o seu filho, cerca
de vinte anos mais tarde, em 1490, passou-se exatamente o oposto: um casa-
mento de aparato de que falaremos mais à frente.
Compreendemos melhor o casamento de Leonor se o analisarmos em
conjunto com o da irmã, Isabel. Esta, como sabemos, foi dada ao número
dois pela mesma altura: D. Fernando, duque de Guimarães, que viria a her-
dar o título de duque de Bragança1. Por coincidência, muito pouco antes de
o pai falecer, mas talvez na altura própria, isto é, ao aproximar-se a idade dos
12 anos, em que as filhas podiam finalmente casar por palavras de presente,
isto é, dando lugar a consumação imediata. Neste caso, a diferença de idades
entre os noivos era de vinte e oito anos!2

1 O pai, o duque D. Fernando I, viria a morrer apenas em 1478 (Sousa, História, vol. v,
p. 99).
2 O duque era viúvo de Leonor de Meneses. Cf. Martins, 2004, vol. i, p. 45.

34
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

Passamos a explicar: os casamentos da época, tratados pelos pais dos noi-


vos, conheciam duas fases. A primeira era a da promessa de casamento, de-
signada por «palavras de futuro», e consistia em assumir o compromisso de
que os noivos casariam quando chegasse a altura. Geralmente este momento
fechava uma negociação, e era celebrado quando um dos noivos ainda não ti-
nha idade para casar. O segundo, «palavras de presente», implicava que
a consumação, o ato matricial sem o qual o casamento seria nulo, podia ter
lugar em breve. Qualquer uma destas etapas do casamento podia — e geral-
mente assim era — ocorrer por procuração. Quando os noivos finalmente se
encontravam já estavam casados, mas fazia-se o recebimento em face da Igre-
ja e a consumação. Embora os contratos de casamento na família real portu-
guesa o refiram já como um dos sete sacramentos da Igreja, a sua transforma-
ção em sacramento era relativamente recente, pelo que nesta época
o casamento mantinha um caráter quase leigo. A cerimónia do matrimónio
só foi considerada um sacramento em 1439, e só depois de 1563 (ou seja, do
Concílio de Trento) a presença de um padre passou a ser absolutamente
obrigatória1.
A intervenção da Igreja, em contrapartida, era essencial para autorizar
o casamento no caso de haver impedimentos canónicos que pudessem criar
obstáculos à união. Um deles era o parentesco próximo, coisa que, como es-
tamos a observar, era o habitual em casamentos de alto nível. Mas ficaríamos
com uma ideia errada se circunscrevêssemos a consanguinidade às famílias
régias: era comum entre a nobreza2 e podia ser também praticada entre lavra-
dores e rendeiros, obedecendo igualmente a lógicas patrimoniais. Os casa-
mentos de que falaremos nesta biografia passaram praticamente todos pelos
trâmites necessários à obtenção de uma dispensa canónica por parte da Santa
Sé. Tratava-se com certeza de um processo burocrático, que engrossava os
cofres da chancelaria papal, mas cujas modalidades de acesso e tramitação
processual ainda são pouco claros na nossa historiografia. No entanto, uma
coisa é certa: só o papa tinha poderes absolutos no que toca a isentar os noi-
vos do cumprimento dessas regras. As consequências foram óbvias, garantin-
do aos papas um poder discricionário sobre os casamentos projetados pelas
monarquias e grandes casas senhoriais3. Como veremos mais à frente, em
certos casos, o papa preferiu não conceder a dispensa...

1 Muir, 1997, p. 31.


2 Rosa, 1997, pp. 229-308.
3 Sobre este assunto, cf. Debris, 2005, pp. 37-57.

35
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Vejamos os timings do casamento de Isabel, irmã de Leonor, com o futu-


ro duque de Bragança D. Fernando. O contrato foi assinado em Setúbal a 7
de setembro de 1470, em presença do pai e da mãe, e de D. Álvaro de Bra-
gança, irmão do noivo e seu procurador. O pai de ambos, o duque de
Bragança, era ainda vivo, e D. Fernando ainda não tinha herdado o título,
embora fosse já duque de Guimarães. O pai da noiva, D. Fernando, duque
de Viseu e Beja, como dissemos, morreria poucos dias depois, a 18 de setem-
bro, na mesma vila de Setúbal. Segundo o contrato, o casamento de Isabel
e Fernando teria lugar quando chegasse a dispensa de Roma — eram primos
direitos — e quando a noiva viesse à idade de «doze anos cumpridos». Um
ano depois, aos 13 anos, ser-lhe-ia dada casa, em conjunto com o noivo, isto
é, teriam os seus criados, aposentos e contas próprias. No entanto, só dois
anos depois teve lugar o casamento em face da igreja: os noivos receberam-se
em presença do bispo de Viseu, D. Jerónimo de Abreu (só aqui temos uma
cerimónia oficial da Igreja), a 19 de setembro de 1472. Ou seja, muito pro-
vavelmente quando Isabel completou os 12 anos, o que leva a pensar que
provavelmente teria 10 quando o contrato foi assinado. A dispensa não foi
mostrada ao notário que escreveu o registo, mas este fez confiança no bispo,
que ficou de lha apresentar posteriormente. Diz-se também que o bispo dis-
sera que já tinham sido recebidos e desposados, o que pode querer dizer que
a consumação fora anterior ao casamento. Como vemos, regras confusas,
com uma ainda mais confusa aplicação. O casamento era portanto uma se-
quência de momentos que tinham lugar num prazo distendido, e com uma
lógica relativamente fluida, excetuando a regra principal: se não houvesse
«cópula carnal» entre os noivos não tinha qualquer valor.
As disposições patrimoniais deste casamento são também importantes
num aspeto: a noiva não foi dotada. O duque pai do noivo considerou que
«havia por dote a clareza da linhagem da dita Senhora D. Isabel» e que tudo
o que lhe dessem por ocasião do casamento receberia graciosamente e não
por obrigação. Em contrapartida, o rei dava-lhe uma tença anual de 330 mil
réis que o marido administraria, com exceção de 70 mil réis que a esposa po-
dia gastar livremente1. É interessante notar que o pagamento desta tença —
substancial numa época em que o orçamento régio rondaria os quarenta con-
tos (em 1477 a receita foi de 43 contos2) — ficava a cargo do rei D. Afon-
so V, ou seja, do tio materno da noiva. Na prática foi o rei quem dotou a so-

1 «Contrato do casamento do duque D. Fernando II com a senhora D. Isabel, filha do


infante D. Fernando», in Sousa, Provas, T. III, Parte II, pp. 204-212.
2 Faro, Receitas, p. 225.

36
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

brinha. Uma das obrigações dos reis em relação aos fidalgos da corte era
contribuir financeiramente para o casamento, e o mesmo deviam fazer as rai-
nhas e princesas relativamente às donzelas de sua casa. A família do noivo
comprometia-se a pagar arras a D. Isabel, em caso de morte do marido, e o
enxoval seria pertença completa da noiva: não fazia parte do dote, podendo
esta dispor dele livremente em testamento1. Note, leitor, nem tudo eram des-
vantagens para as mulheres deste tempo: neste caso, o contrato salvaguardava
as despesas pessoais da noiva e fazia dos trastes e roupas domésticas sua plena
propriedade.
Vejamos agora o contrato de Leonor: na ausência do pai da noiva, o rei
D. Afonso V concluiu-o com a viúva deste, a infanta D. Beatriz, já depois do
casamento consumado, a 16 de setembro de 1473, ou seja, dois anos depois.
Fica a impressão de que D. Fernando, duque de Viseu e Beja, conseguiu assi-
nar o contrato de casamento da filha mais nova, mas não o da mais velha,
que realizava o casamento mais importante, com o herdeiro do trono. O tex-
to do contrato começa por anunciar que D. Fernando tinha prometido em
vida a vila de Lagos como dote da filha; cabia agora ao seu sucessor, D. Dio-
go, duque de Viseu, honrar este compromisso2. À mãe, Beatriz, competia
doar à filha joias e corregimentos de casa, que, depois de avaliados, deviam
perfazer dez mil cruzados, em conjunto com as rendas provenientes da vila
de Lagos. Havia ainda a concessão de uma renda anual por parte da família
do noivo, que consistia nas terras habitualmente concedidas às rainhas de
Portugal para esse efeito: Sintra, Torres Vedras e Óbidos. No caso de Leonor
essa renda anual era compreensivelmente bastante mais alta do que a da
irmã: um milhão e meio contra 330 mil reais.
As obrigações contratuais da mãe de Leonor estendiam-se para além do
enxoval: seria ela que forneceria os oficiais e damas quando a princesa hou-
vesse de tomar casa com o príncipe. Ou seja: a casa da princesa seria formada
por gente proveniente de casa de sua mãe. Tal como aconteceu com a irmã
Isabel, a formação de uma casa própria foi posterior ao casamento, como ve-
remos no capítulo seguinte. A composição destas casas tinha a ver com um
leque de pessoas que realizavam todas as tarefas domésticas e administrativas
inerentes ao quotidiano dos príncipes e dos seus séquitos respetivos. Nas ca-
sas das princesas e rainhas as primeiras eram desempenhadas por mulheres,
enquanto os administrativos eram quase sempre homens (mas nem sempre).

1 Sousa, Provas, T. III, Parte II, pp. 204-215.


2 Recorde-se que o irmão mais velho, João, havia já falecido.

37
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

No caso de D. Leonor, o contrato fala em oficiais (homens) e num conjunto


de mulheres, de que faziam parte donzelas que a serviriam e acompanhariam,
moças de câmara e mulheres «de outra sorte». Os primeiros dois tipos corres-
pondem a mulheres da nobreza, todas solteiras, enquanto o terceiro se refere
a pessoal doméstico propriamente dito, que executaria os serviços domésticos
pesados, podendo muitas delas ser escravas, e algumas destas até brancas1.
Competiria ao príncipe, no entanto, sustentar estas mulheres segundo sua li-
nhagem, e por isso era este que negociava com a princesa (e provavelmente
com a mãe dela também) o número de pessoas que formariam esta casa. Não
se trata de um pormenor irrelevante: o facto de se escolher a casa da princesa
inteiramente na família desta revela a importância que a sua linhagem assu-
me desde o início do casamento.
A história das cortes europeias está cheia de casas escolhidas a dedo para
vigiar e cercear a liberdade das suas titulares: o caso de Joana, a Louca, filha
dos Reis Católicos, encerrada no castelo de Tordesilhas a partir de 1509,
é um dos casos paradigmáticos deste tipo de encarceramento social. Embora
fosse rainha por direito sucessório, o pai e depois o filho, Carlos V, gover-
nando em seu nome, mantiveram-na vigiada por gente da sua confiança2.
Grande parte do bem-estar no casamento fornecido a estas princesas podia
residir no facto de se lhes proporcionar um ambiente doméstico familiar, que
funcionasse como prolongamento da casa paterna e lhes permitisse manter
alguma autonomia face à família do marido. Foi o caso de Leonor, portanto.
Ao contrário de D. Beatriz, mãe de Leonor e Isabel, de que conhecemos
o enxoval, não chegou até nós a lista dos objetos que integravam o enxoval
de qualquer uma das filhas. Não será difícil imaginar, no entanto, que incluía
a mesma variedade e tipologia de coisas, embora não forçosamente na mes-
ma quantidade e com o mesmo valor global. Alguns deles até podiam ter fei-
to parte do trousseau de Beatriz, e oferecidos por esta às suas filhas. Não sabe-
mos, mas é provável que num contexto em que a linhagem era da maior
importância se atribuíssem significados simbólicos aos objetos que transita-
vam de mãe para filha.
Para os nossos padrões atuais, Leonor casou no início da adolescência,
o que significa que, terminado o ciclo da infância, rapidamente se transfor-
mou de infanta em princesa, de menina em mulher. Prometida pelo pai aos
8 anos, casou mal atingiu a idade mínima para o fazer, fixada nos 12 anos.

1 Voltaremos a tratar da escravaria doméstica de D. Leonor e sua mãe adiante nesta bio-
grafia.
2 Aram, 2005, pp. 118, 120-125 e 134-135.

38
DE MENINA A MULHER: OS PRIMEIROS TREZE ANOS (1458-1471)

É provável que nem houvesse ocorrido a primeira menstruação, se tivermos


em conta que o seu filho nasceu quase cinco anos depois, em maio de 1475.
Uma vez que nestas sociedades as mudanças de estado (neste caso de solteira
para casada) eram de importância primordial, terminaremos por aqui o nos-
so capítulo. O próximo tratará dos seus primeiros anos de casamento, como
mulher do príncipe D. João, herdeiro do trono.

39
Capítulo 2
De princesa a rainha: do casamento à morte
de Afonso V (1471-1481)
2.1. O casamento

E m janeiro de 1471, quando casaram, o príncipe D. João iria perfazer


16 anos e Leonor, 13, ambos no mês de maio seguinte. Sabemos que
esse momento coincidiu com o início do cumprimento da dívida conjugal,
para usarmos uma expressão da época, uma vez que os 12 anos da noiva
eram considerados suficientes para consumar o casamento. Quando os noi-
vos eram mesmo muito jovens, esperava-se pela idade conveniente para dar
lugar ao acasalamento; não era o caso, uma vez que ambos estavam aptos
a ter relações sexuais, segundo os padrões da época. Sem consumação o casa-
mento ficava sem efeito, pelo que se procurava validar rapidamente, mal fos-
se celebrado por palavras de presente1. De qualquer forma, os príncipes, nos
primeiros tempos do casamento, haveriam de permanecer frequentemente
em casa de Beatriz, em Beja, mesmo durante o conturbado e penoso conflito
que fez Afonso V participar na guerra de sucessão de Castela (1475-1479).
Só haveriam de ter casa dois anos depois do casamento, o que significa que
antes disso não foram um casal independente dos pais de ambos, ou seja, da
mãe dela e do pai dele, uma vez que D. João II era órfão de mãe desde os se-
te meses (a mãe morreu a 2 de dezembro de 1455) e o pai de Leonor morre-
ra no ano anterior2 ao casamento da filha.

1 Como vimos no capítulo anterior, correspondia ao casamento efetivo, e não à promes-


sa de casamento (casamento por «palavras de futuro»).
2 GÓIS, Crónica do príncipe, p. 16.

40
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

Para um rapaz ou rapariga o casamento significava a maioridade, mesmo


que fosse bastante jovem. Embora esta se atingisse aos 25 anos de idade1,
o casamento implicava livre consentimento, o que equivalia a que ambos fos-
sem sui juris, ou seja, autónomos do ponto de vista da capacidade jurídica,
embora esta lhes fosse conferida pela autorização paterna. Mas, na prática,
desde a adolescência que o menor estava apto a desempenhar várias funções
oficiais, que transformavam a idade de 14 anos para os rapazes e de 12 para
as raparigas numa espécie de idade da razão. Podiam casar por palavras de
presente, ser testemunhas em tribunal, tomar votos de castidade (embora não
definitivos), levar a cabo peregrinações religiosas, ser padrinhos ou madri-
nhas, escolher o local de sepultura, etc.2. No caso dos príncipes e princesas
em Portugal, a idade da razão era também marcada pela concessão de uma
casa própria, ou seja, um conjunto de oficiais de serviço, e de um grupo de
cortesãos que passavam a incorporar livros de cozinha e róis de moradores,
ou seja, se encontravam na lista dos pagamentos a efetuar. Se fossem herdei-
ros do trono, a idade de 14 anos era a considerada justa para reinar prescin-
dindo de um regente: foi o caso de Afonso V, cujo pai, o rei D. Duarte, mor-
reu em 1438, quando o filho tinha apenas 6 anos.
Com o seu casamento, D. Leonor passou a ter direito a um tratamento
formal na documentação régia. Existiam fórmulas oficiais que deveriam
constar das cartas emanadas pelo rei, quer no que respeita ao cabeçalho, quer
ao final da carta, ou ao próprio sobrescrito. Conhecemos as fórmulas que
Afonso V devia usar através do Livro vermelho cuja cópia chegou aos nossos
dias. Era este um volume onde o rei devia registar os estilos e ordens que se
usavam na corte, ou seja, um livro normativo que se devia consultar sobre os
aspetos formais do ofício de rei e do viver na corte. Entre estas matérias de
consulta recorrente, porque podiam suscitar dúvidas, encontravam-se as for-
mas de tratamento que deviam constar dos documentos em que o rei se dirigia
aos prelados, aos titulares, aos membros da sua família, aos príncipes estran-
geiros e até às próprias cidades, ou seja, aos membros da câmara municipal
destas últimas. E, curiosamente, também aos tradicionais inimigos da fé cris-
tã: por exemplo, os judeus e infiéis não eram saudados, apenas nomeados. As
fórmulas de tratamento foram sempre um item importante porque prece-
diam ao bom relacionamento entre príncipes e os homens e mulheres impor-
tantes do reino, mas estendiam-se também aos protocolos internacionais de
tratamento. Mais tarde, com D. Manuel I, sobreviveu outro documento em

1 Ordenações Afonsinas, L.o III, títs. 120 e 126; L.o IV, tít. 99.
2 Sá, 2007, p. 22.

41
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

que criteriosamente se anotam todas as formas de tratamento para com os


notáveis do reino e os príncipes estrangeiros1.
Vejamos o que prescreviam os «ditados» — nome dado às fórmulas —
no documento de D. Afonso V, relativamente a D. Leonor, já casada com
o príncipe D. João: «Ditado para a Princesa mulher do Príncipe: «Muito
honrada, e muito prezada Filha. Nós el rei vos enviamos muito saudar como
aquela que muito amamos e prezamos». Finda: “Muito honrada, e muito
prezada Filha. Nosso Senhor vos haja sempre em sua santa guarda”. Sobres-
crito “A muito honrada, e muito prezada Princesa Dona Leonor minha mui-
to amada e prezada Filha”.»2
Várias coisas se podem inferir destas fórmulas: a terminologia do paren-
tesco não incluía a palavra «nora», mas sim a designação de filha, o que é de
certa forma significativo das relações familiares de tipo paternal que o casa-
mento implicava; as manifestações de afeto («amamos e prezamos») são for-
mulaicas, e portanto formais, sendo que existia uma distância entre a enun-
ciação dos afetos ideais e os que realmente existiam. Ou seja, era possível
odiar um parente e ainda assim ter de se lhe dirigir nos termos afetuosos
prescritos pelas fórmulas oficiais.

2.2. Um marido cavaleiro: a expedição a Arzila


Não sabemos grande coisa sobre o relacionamento dos príncipes nos pri-
meiros anos do seu casamento. O príncipe D. João insistiu junto do pai para
participar na expedição a Arzila logo no ano em que casou. Era este um pas-
so que a pouca idade do príncipe, a existência de uma única irmã e a ausên-
cia de um filho do seu recente casamento com Leonor desaconselhavam.
Damião de Góis, um admirador de D. João II, escrevendo muitos anos
depois destes acontecimentos, refere que, sabedor dos riscos que iria correr
e com receio de abordar o pai diretamente, o príncipe confessou a sua inten-
ção a um homem da confiança deste, D. Álvaro de Castro, conde de Mon-
santo. Os argumentos que o conde utilizou para fazer ver ao príncipe a deli-
cadeza da operação foram vários, mas reteremos apenas um deles, porque diz
respeito a Leonor. A ser verdade, diz muito acerca do casamento e da atitude
perante as mulheres que deveria ser comum nesta época. Dizia o conde: «eu

1 BA, Cód. 51-VI-23, fls. 60-87v.


2 Livro vermelho, pp. 415-416.

42
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

haveria por bom conselho, que vós senhor, ficásseis em companhia da prin-
cesa vossa mulher, cuja nova idade, e matrimónio, e não terdes ainda dela fi-
lho, nem filha, serem causa dela tomar desta vossa ida tanto desprazer, que
facilmente podereis de todo ser causa, e azo principal de sua morte». O prín-
cipe, rápido, respondeu que «do que tocara aos desgostos da princesa, os ho-
mens nas coisas que lhe muito cumpriam, se de facto eram homens, não de-
viam ter nenhuma conta com as tenções, nem desejos das mulheres, as quais
eram sempre mais inclinadas a seus particulares apetites, e vontades, que
a toda boa razão, e honra de seus maridos»1. De certa forma, estamos perante
um estereótipo das relações entre marido e mulher nesta época: afinal, fora
São Jerónimo que desaconselhara o excesso de paixão entre os cônjuges,
equiparando-o ao próprio adultério2. Em conformidade com estes preceitos,
aquilo que o príncipe quis dizer foi que a sua vontade se sobrepunha à da sua
jovem esposa, e que esta não tinha competência para se pronunciar sobre
a sua decisão. Outro comentário: na súplica que dirigiu ao conde, D. João
ameaçou duas coisas em caso de negativa do pai. Ou cairia numa grave doen-
ça com o «desprazer», ou seguiria o pai como aventureiro soldado. Depois,
foi a vez de o conde de Monsanto sugerir que D. Leonor podia morrer com
o desgosto da partida e eventual morte do príncipe na expedição. Arrisco um
comentário, porque as menções a mortes no seguimento de desgostos são
múltiplas na cronística e na literatura desta época. Ao invés de atribuírem
a morte a causas biológicas, ainda que a manifestação e progressão das doen-
ças pudessem ter causas psicológicas, como sucede hoje, estes homens e mu-
lheres colocavam desgostos de amor, humilhações públicas, por vezes simples
olhares, como causas imediatas de morte. Falaremos deste aspeto mais à fren-
te, quando mencionarmos o triste fim de muitos dos homens que conspira-
ram contra o marido de Leonor.
Portanto, neste início de casamento, que Damião de Góis afirma já con-
sumado por esta altura, o príncipe D. João não estava disposto a reconhecer
à mulher qualquer influência sobre a sua pessoa, tal como convinha a um
marido que se prezasse. E o príncipe acabou por ir a Arzila, partindo a ex-
pedição a 15 de agosto de 1471. A cidade foi tomada e saqueada, e D. João
feito cavaleiro de mão de seu pai, depois de uma arenga proferida pelo rei
que revela o quão presentes estavam no seu espírito os ideais medievais de ca-
valaria3. Não faltou nada no seu discurso no que respeita a lugares-comuns,

1 Góis, Crónica do príncipe, pp. 56-60.


2 Duby, 1988, p. 24.
3 Góis, Crónica do príncipe, pp. 71-72.

43
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

a começar pela tradicional obrigação do cavaleiro de defender as viúvas e os


órfãos. Só na manhã seguinte à cerimónia se procedeu ao enterro dos mor-
tos, entre os quais se incluía, pelo lado cristão, o conde de Monsanto, que
antes vimos a tentar convencer o príncipe dos riscos do empreendimento.
Através da narrativa deste episódio, ficamos a saber também outro dado
importante. Apesar de se dar o casamento por consumado, ninguém narra
nem dá a entender que Leonor estivesse grávida. Pelo contrário, todos apon-
tam que o príncipe não tinha ainda herdeiro/a em perspetiva.
Na ausência de pai e filho no Norte de África, coube a Leonor a sua pri-
meira regência, com o duque de Bragança no conselho1. Isto segundo Da-
mião de Góis, porque, para outros autores, foi a princesa Santa Joana, irmã
de Afonso V, quem assumiu esse papel2. Com alguma lógica, porque de facto
era Joana a segunda na linha da sucessão ao trono, e Leonor mera consorte
do príncipe, ainda para mais sem herdeiro à vista. Tinha Joana 19 anos, ao
passo que a cunhada contava 13, pelo que seria mais indicada para o lugar de
regente, uma vez que tinha recebido o título de princesa e herdeira do trono
quando nasceu. Era uma princesa «jurada», embora não haja notícias da ceri-
mónia pública que acompanhava o juramento do herdeiro; entretanto, com
o nascimento do irmão em 1455 esse estatuto perdeu importância devido
à precedência do herdeiro de sexo masculino3. Uma regência que durou
o tempo da ausência de rei e príncipe do reino, ou seja, trinta e cinco dias,
uma vez que o embarque do regresso se verificou a 17 de setembro.
É teoricamente possível que tivesse sido a princesa Joana a desempenhar
o papel de regente, uma vez que o início do seu processo de conventualização
começou em outubro desse ano, primeiro com uma estadia com a tia Filipa em
Odivelas, e depois com a ida para Aveiro no ano seguinte. Era a tia Filipa filha
do infeliz infante D. Pedro e irmã da rainha D. Isabel, mãe dos dois irmãos,
Joana e o príncipe D. João, que, como vimos, morrera sete meses depois do
parto do filho. A tia Filipa, senhora que, como veremos, aparece a assinar um
libelo contra os Espanhóis em tempos de guerra peninsular, num documento
que parece forjado pela propaganda da Restauração, desempenhou em várias
circunstâncias papel de relevo. No entanto, o documento é autêntico, con-
forme consegui apurar, uma vez que aparece em versão manuscrita, mais
uma vez nos já tão citados «Apontamentos históricos». Diz também o mes-
mo documento que Filipa aí vivia, «a qual [Filipa] não foi casada e sem obri-

1 Góis, Crónica do príncipe, p. 62.


2 Madahil, «Cartas», p. 50; Gomes, 2006, p. 97.
3 Gomes, 2006, p. 97.

44
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

gação de religião viveu e acabou mui honesta e santamente sua vida no mos-
teiro de Odivelas onde jaz»1.
Rocha Madahil, que procurou reunir a documentação existente sobre
a princesa Joana, oferece algumas pistas plausíveis para alicerçar a pretensão
de que foi esta, como segunda na linha da sucessão ao trono, e não Leonor,
mera princesa consorte, a ficar com a regência. Publica uma carta em que
Joana comunicava à câmara de Lisboa a tomada de Arzila e Tânger, incum-
bindo o portador da carta de contar pormenores: «e este meu moço de estri-
beira vos contará as novas mais por extenso como se passaram», dizendo que
«o dito senhor rei me escreveu tudo por sua carta»2.
Um episódio ocorrido com a princesa D. Joana nos seus tempos de Odi-
velas revela bem a angústia dos governados ante a perspetiva de ficarem sem
herdeiro do trono. Nesse ano de 1471, em que o príncipe D. João ousara ir
a África com o rei em exercício e sem herdeiro próprio em perspetiva, os re-
presentantes das cidades e vilas de Portugal mostraram a sua preocupação pe-
rante a possibilidade de não haver herdeiro para o trono. A 22 de dezembro
apresentaram um protesto por a princesa se encontrar em Odivelas, e no dia
seguinte foram em pessoa ao convento expressar a sua preocupação por só
existirem dois potenciais herdeiros da Coroa. Pediram para falar com Joana,
mas esta não os recebeu. É interessante notar que o texto afirma por duas ve-
zes que fora D. Afonso V a ordenar a entrada da filha no mosteiro, primeiro
pela boca da própria princesa (em discurso indireto) e depois pela da abades-
sa do convento em representação da comunidade enclausurada3. O povo não
parecia conformar-se com a perda da princesa para o mundo: argumentavam
que o pai dela casara bem as próprias irmãs (Joana era rainha de Castela
e Leonor era imperatriz da Alemanha) e que a tia D. Isabel, filha de
D. João I, o da Boa Memória, casara com o duque de Borgonha já passava
dos 30 anos. Em suma: para a história que nos interessa, em dezembro ainda
não havia novas de uma possível gravidez de Leonor, a avaliar pela inquieta-
ção do povo.
O protesto popular contra a sua entrada em religião repetiu-se em 1475
em Aveiro, quando a princesa cortou os cabelos e vestiu as vestes da ordem
ao ingressar formalmente nas dominicanas observantes do Convento de Je-
sus. Vieram homens de todas as vilas e cidades do reino até à vila, tendo-se
juntado à porta do convento e mandado chamar a sua madre abadessa, Brites

1 Brandão, Conselho, fls. 9-15; BA, Cód. 51-V-69, fls. 197-199; citação no fl. 170.
2 Madahil, «Cartas», pp. 34-35 e 50.
3 Madahil, «Cartas», p. 16.

45
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Leitoa1. Segundo a autora da crónica do mosteiro, Soror Margarida Pinhei-


ro, chegaram a ameaçar pôr fogo ao convento, tal a raiva que sentiam por
a princesa jurada de um reino receber hábito de freira. Também o príncipe
acabou por vir a Aveiro demover a princesa de se tornar freira, e chegou-se
a uma solução de compromisso: D. Joana devolveria o hábito, mas continua-
ria a viver no convento como se freira fosse. Ou seja, ficava doravante a prin-
cesa disponível no mercado matrimonial, que era o que verdadeiramente in-
teressava, no seu caso2.
Em finais de 1471 continuava portanto a nossa biografada sem herdeiro
à vista, podemos concluir. Nada que tranquilizasse o povo, embora o medo
de que a princesa não tivesse filhos nunca seja expresso. Com os protestos
pela entrada de D. Joana no convento, estava em jogo a perda de uma poten-
cial fonte de herdeiros para o trono português. Veremos que esta, por ser
princesa jurada, e por exigência do próprio irmão, nunca chegou a ser for-
malmente freira, precisamente para salvaguardar a pior das hipóteses, poden-
do ainda sair do convento para aproveitar uma oferta de casamento vantajo-
sa. D. João tinha consciência de que a sua posição dinástica era frágil
e tentou convencer a irmã a casar, sem sucesso, até porque dois dos seus pre-
tendentes morreram durante as negociações. Houve de facto três propostas
de casamento com a princesa já no convento — o filho do imperador, o rei
de França e o rei de Inglaterra — mas nenhuma se concretizou3.
Correu bem a empresa de África: não queremos sequer imaginar o que
teria acontecido no reino de Portugal se pai e filho tivessem morrido ou fica-
do reféns, com duas jovens raparigas a reinar e o duque na governança.
A verdade é que, vistas bem as coisas, não foi o posterior rei D. Sebastião,
morto por excesso de juventude em Alcácer Quibir no ano de 1578, o único
a colocar na roleta russa o destino do trono. Antes dele, tal já tinha aconteci-
do: pelo menos neste episódio em que o pai, mas sobretudo o filho, tinham
arriscado a sucessão ao trono português por sede de honra e glória militar.
A ida a Arzila contém já uma das imagens de marca que haveria de ser
uma constante da atuação do príncipe D. João como rei: a sua capacidade de
tomar decisões firmes e resolutas. Teve, é certo, a sorte de ser idolatrado pe-
los que lhe escreveram as crónicas. A crónica de Garcia de Resende tem ex-
certos que nos comovem pela sua devoção ao rei, e Damião de Góis não lhe

1 Em Portugal, até ao século xviii, dava-se terminação no feminino aos apelidos das

mulheres, pelo que o apelido da madre seria Leitão.


2 Crónica da fundação, pp. 113-127.
3 Crónica da fundação, p. 128.

46
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

fica atrás quando descreve os seus anos de vida enquanto príncipe, embora se
perceba que não o conheceu pessoalmente. Em nenhum momento vemos
D. João a hesitar ou a protelar decisões: pelo contrário, age no momento cer-
to com uma precisão quase cirúrgica. Príncipe perfeito, menos perfeito, ou
até mesmo imperfeito, como se quiser, vemos neste rei um inegável sentido
do imediato. Acompanhado por vezes de crueldade, e quase sempre violento.
Mais adiante haveremos de comentar o quanto era diferente do seu sucessor,
D. Manuel, que tinha o dom de saber esperar.

2.3. Casa própria em 1472


Sabemos que demorou algum tempo para o príncipe D. João ser amo da
sua própria casa, ou seja, constituir um núcleo de cortesãos que obedeceriam
às suas ordens e o acompanhariam nas suas deslocações. A acreditar nos seus
cronistas isso aconteceu em 1472 — precisamente no ano em que D. João
consagrara esse importante ritual de passagem entre a mocidade e a idade
adulta que era ser armado cavaleiro —, e, talvez não por acaso, na cidade de
Beja, onde pontificava a sogra do príncipe — designada por «mãe» no voca-
bulário de parentesco da época —, a infanta D. Beatriz. De notar que se tra-
tava de uma obrigação contratual, uma vez que o acordo de casamento esti-
pulava que a casa seria recrutada na casa da mãe da noiva, embora coubesse
ao noivo, uma vez que a sustentaria, sancionar o número de pessoas a contra-
tar1. O Livro vermelho esclarece-nos uma vez mais sobre a sua composição.
Nenhuma das fontes refere o príncipe em separado da princesa, pelo que se
infere que a casa de D. Leonor era conjunta com a do marido, de resto em
conformidade com o que tinha ficado contratado.
Um total de 140 pessoas deveriam acompanhar o príncipe. Existe uma
hierarquia entre estes cortesãos, que tem como critério principal a idade. Em
teoria, os fidalgos e cavaleiros seriam mais velhos, embora não pudessem ser
casados nem aposentados: tinha ficado decidido nas Cortes da Guarda de
1475 que se recebessem do rei ajudas para casamento não poderiam receber
tenças nem moradias2. Os escudeiros teriam mais de 20 anos, a idade míni-
ma dos moços fidalgos seria de 12 anos e dos moços da câmara, 14. De real-
çar também os que tinham funções especiais na caça: os monteiros, moços

1 Cf. capítulo anterior.


2 Livro vermelho, pp. 393-397.

47
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Ordenança de gente que o Senhor Príncipe deve trazer em sua casa


De fidalgos e cavaleiros, afora oficiais 30

Escudeiros 50

Moços fidalgos 15

Moços da câmara 12

Moços de estribeira 12

Besteiros da câmara 8

Moços do monte, e buscantes 12

Monteiros de cavalo 1

Total 140
Fonte: Livro vermelho, pp. 477-478.

do monte e buscantes, num total de 13 pessoas. Comparada com a do seu


pai Afonso V, que totalizava 263 homens, a casa do príncipe tinha um pouco
mais de metade desse número, mas não deixava de constituir um conjunto
significativo de pessoas. De notar também que a casa do rei tinha necessaria-
mente de incluir os oficiais da hoste e da justiça, necessariamente ausentes da
do príncipe. Embora não se inclua menção dos oficiais propriamente ditos,
cuja reconstituição foi tentada por Rita Costa Gomes1, estamos a falar de um
texto normativo, e portanto não necessariamente conforme com a prática:
em relação aos moços fidalgos de D. Afonso V, por exemplo, sabemos que as
listas nomeiam sessenta, em vez dos vinte previstos2. Não nos chegaram indi-
cações do que seria a entourage da princesa nestes primeiros anos de casamen-
to, pelo que teremos de nos guiar por comparações com casas de outras prin-
cesas da mesma época. Incluiria várias damas, certamente em menor número
do que o grupo de rapazes e jovens adultos que acompanhavam o príncipe.
Pela ausência da caça como atividade recorrente e organizada, bem como
pelo peso inferior das armas e do corpo de guarda das princesas e rainhas,
as suas casas registavam forçosamente um número menor de pessoas do que
as dos seus homólogos masculinos. Havia também uma evidente distinção de
género, uma vez que a entourage das damas era maioritariamente feminina.
Homens, só os oficiais, pelo caráter administrativo das suas funções e pela

1 Veja-se a reconstituição da corte régia portuguesa do século xv efetuada por Rita Go-
mes, 2006, p. 48.
2 Gomes, 2003, p. 242.

48
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

sua maior desenvoltura no manejo das letras. Anos mais tarde, na corte da
rainha D. Catarina de Bragança (1507-1578), mulher do sobrinho de
D. Leonor, D. João III, nem todas as damas saberiam assinar o seu nome1.
Nesse mesmo ano de 1472, em agosto, deu entrada no Mosteiro de Jesus
de Aveiro a princesa D. Joana, única irmã de João, que, como vimos, tivera
a sua casa desfeita no ano anterior, quando se perspetivou a sua entrada num
convento, nessa altura o de Odivelas, onde se encontrava a sua tia materna,
Filipa. Opção da própria, não sabemos, mas a conjuntura de debilidade fi-
nanceira decerto que poupou à Coroa, embora não inteiramente, as despesas
inerentes à sua casa. Não totalmente, porque as princesas em conventos não
dispensavam por completo o seu grupo de criados e de acompanhantes. Daí
que a princesa recebesse uma tença substancial, de trezentos mil reais, mes-
mo já depois de abandonar a corte2. Mantinha por perto, também, a sua ama
e a covilheira (criada da câmara ou quarto), duas mulheres já de idade que
não a abandonavam, para além das suas escravas mouras, trazidas das campa-
nhas do Norte de África, que convertera ao cristianismo3.

2.4. Um trauma de família: o mártir D. Fernando


Foi no mesmo ano de 1472, em que o casal viu consagrada a sua autono-
mia em relação aos pais ao adquirir casa própria, que uma tragédia familiar
que se arrastava desde 1437 teve o seu desenlace. O infante D. Fernando fora
preso no seguimento de uma tentativa falhada de tomar Tânger aos muçul-
manos, comandada por ele e pelo seu irmão D. Henrique. Os mouros exi-
giam a entrega de Ceuta em troca da sua libertação, que nunca se veio a efe-
tuar, ao que parece devido aos interesses contrários de D. Henrique.
D. Fernando morreu no cativeiro seis anos mais tarde, em 1443, em Fez, pa-
ra onde fora entretanto transferido. No ano de 1472, as suas ossadas foram
finalmente trazidas para Lisboa e depois levadas ao mosteiro da Batalha,
o panteão da dinastia de Avis. Nessa altura, já tinha morrido a sua irmã Isa-
bel, duquesa de Borgonha (1397-1430-1471), não sem dias antes da morte
ter instituído uma capela de missas por alma de D. Fernando na Igreja de
Santo Antoninho de Lisboa4. O regresso das suas ossadas vinha na sequência
direta da expedição a Arzila no ano anterior: os portugueses tinham apri-

1 Santos, 2004, pp. 30-31.


2 Gomes, 2006, p. 125.
3 Crónica da fundação, p. 119.
4 Freire, Elementos, Parte I, T. I, p. 331.

49
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

sionado as mulheres e filho (sic) de Muley Xeque e, em vez de receber ouro,


o rei português exigiu os restos do infante como resgate1, um gesto que se
entende num contexto de guerra santa. Mais tarde, foi frequente os Portu-
gueses resgatarem até imagens sacras, e os resgates de pessoas tiveram sempre
como motivação salvá-las da incorporação na fé maometana.
No caso do infante D. Fernando, a sua prisão e martírio constituíam um
trauma geral; anos passados sobre a sua execução faziam-se repetidas tentati-
vas no sentido de o fazer canonizar pela Santa Sé. No casamento da infanta
D. Leonor com o imperador Frederico III, em outubro de 1451, na cidade
de Lisboa, a embaixada alemã presenciou um grande pranto coletivo, desen-
cadeado pela menção ao infante durante o discurso de um letrado. O episó-
dio é narrado pelo já citado autor do relato da viagem a Portugal da embai-
xada alemã, Valckenstein, que esteve em Portugal quando se celebraram os
esponsais em Lisboa, até a infanta embarcar a 25 de outubro. Transcrevo um
excerto, para que o leitor se aperceba da intensidade das emoções que circun-
davam a figura dos mártires e da mística em torno da guerra religiosa: «No
mesmo local [o terreiro da Sé de Lisboa], outro brilhante doutor narrou de
modo eloquentíssimo os atos de bravura praticados pela fé cristã e pelo povo,
de que modo e quantas vezes se haviam exposto contra bárbaros, sarracenos
e infiéis [...]. Aqui ouvi narrar a permanência da fé cristã no reino de Portu-
gal: de que modo os reis de Portugal se expuseram à morte, contra os bárba-
ros e africanos, como ensina a experiência no grande e alargado domínio de
Ceuta, em África; de que modo D. Fernando, tio da senhora desposada,
a imperatriz, se entregou à morte pela pátria e libertação do seu povo em África.
À menção da sua morte toda a multidão começou a chorar, e levantou-se um
grande e alto clamor do povo a Deus, pela alma do rei [infante, erro do autor]
D. Fernando assim martirizado e morto em África. Creio piamente que ele
é um dos salvandos. Sem lágrimas nunca pude contar esta história.»2
Foi portanto nesse ano de 1472 que as ossadas do infante D. Fernando
fizeram o caminho para Lisboa, e é fácil adivinhar que Leonor, mais tarde
uma fervorosa colecionadora de relíquias, tivesse ficado impressionada com
a sua fama de santo, decorrente do martírio em terras de África. O regresso
das suas ossadas mobilizou Lisboa: os restos mortais chegaram pelo Restelo,
e foram trazidos em procissão à cidade, tendo entrado pela porta de Santa
Catarina, onde a multidão chorou de novo à conta de um sermão proferido
pelo prior de São Domingos. Transitaram em seguida para o mosteiro da Ba-

1 Pina, Crónicas, p. 828.


2 Leonor de Portugal, pp. 37 e 39 (destaques meus).

50
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

talha, sendo depositados na capela fúnebre do pai, o rei D. João I, onde, ao


que diz o cronista, operaram alguns milagres1. O martírio era já nessa época,
e sê-lo-ia durante muito tempo, o epítome da santidade e um dos valores mais
considerados por esta sociedade para quem guerrear sem quartel os inimigos
da fé cristã constituía por si só uma vantagem perante a justiça divina. Mui-
tos anos depois, Leonor aguardaria com impaciência que as relíquias de outra
mártir pela fé, Santa Auta, fizessem o trajeto entre Colónia, no Sacro Impé-
rio, e o seu Convento da Madre de Deus, situado junto ao Tejo nas faldas de
Lisboa.

2.5. Do contrato de casamento dos príncipes à morte


de Henrique IV de Castela
No ano seguinte — coisa para admirar —, teve lugar a celebração do
contrato nupcial entre o príncipe D. João e D. Leonor, com o irmão dela,
Diogo, duque de Viseu, a fazer-lhe doação da vila de Lagos como peça fun-
damental do seu dote. Ou seja, mais uma vez a infanta D. Beatriz a gerir os
destinos da sua prole, uma vez que era esta quem detinha o poder paternal
sobre os filhos — Diogo andaria por volta dos 9 anos de idade. Os noivos,
como sabemos, estavam recebidos há mais de dois anos e meio: o casamento
tivera lugar em janeiro de 1471, enquanto o contrato nupcial data de setem-
bro de 1473. Não existe grande razão para este atraso, pelo menos que se sai-
ba. Mas há aqui uma ordem estranha aos olhares contemporâneos: primeiro
o casamento e a sua consumação, um ano depois o casal recebe a sua autono-
mia através da concessão de uma casa, e só no ano seguinte é assinado o con-
trato. Uma coisa é certa: para que o casamento se realizasse em 1471 bastou
apenas a palavra dada entre os dois irmãos, Afonso V e Fernando, mesmo
que o segundo tivesse já falecido.
A infanta D. Beatriz, a matriarca da família, continuava então a lutar pe-
lo futuro dos filhos e da sua casa. D. João morreu em Tomar a 16 de agosto
de 1472, como sabemos, e em janeiro de 1473, D. Diogo aparece menciona-
do com os títulos do irmão — duque de Viseu e Beja, senhor da Covilhã
e Moura —, a receber em doação as ilhas de Porto Santo e Deserta2.
D. Afonso V não cessou depois de beneficiar D. Diogo, sempre a pedido da
mãe deste. Nesse ano aparece já como fronteiro-mor das comarcas entre
o Tejo e o Odiana e do reino do Algarve, cargo que o bispo de Évora,

1 Pina, Crónicas, p. 828.


2 IAN/TT, Chancelaria de D. Afonso V, L.o 33, fl. 33v [1473.1.11, Évora].

51
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

D. Garcia de Meneses, desempenhará efetivamente, devido à pouca idade do


duque1. Em 1476, essa competência passou para o duque de Bragança, habi-
tuado a responsabilidades defensivas, uma vez que era fronteiro-mor do
Alentejo2. D. Diogo era também mestre da Ordem de Cristo, mas sua mãe
obteve do papa uma licença para o governar na sua menoridade apenas no
que dizia respeito ao temporal. Foram-lhe também concedidas por Afonso V
várias tenças muito substanciais, sempre por intercessão da mãe, e antes de
ter completado 14 anos3. Em 1476, esta obteve do rei uma dispensa da Lei
Mental semelhante à que conseguira em 1471, desta vez ressalvando a possi-
bilidade de Diogo morrer, e contemplando os seus dois outros filhos rapazes,
Duarte e Manuel4.
A escalada de concessões continuaria até 1481. Semanas antes de
D. Afonso V morrer, Diogo foi feito senhor da vila de Beja e da ilha da Ma-
deira, concedidas de juro e herdade, isto é, de forma hereditária, sempre
a pedido da mãe5. Mas, morto o rei D. Afonso V, a fortuna de Beatriz mu-
dou rapidamente: quando pediu o mestrado de Avis para o filho, o novo rei
recusou, escusando-se com «necessidades» do reino6. Vimos, ao longo do ca-
pítulo anterior, a acumulação de títulos, rendas e prerrogativas em D. Diogo;
não esqueçamos que o pai tinha sido jurado príncipe, um título reservado ex-
clusivamente aos herdeiros do trono. Era também um dos dois únicos du-
ques que havia no reino, não havendo muita gente a disputar a sucessão a
D. João II. Não custa a acreditar, portanto, que este rapaz pudesse alguma
vez ter sentido que o trono devia ser seu.
Conhecemos um relato de um episódio em que D. Beatriz aparece junta-
mente com os filhos, princesa D. Leonor incluída, mas com exceção da filha
D. Isabel, que, como «mulher» casada que era, devia estar com o marido,
D. Fernando duque de Guimarães e herdeiro do ducado de Bragança.
Entrava a princesa em Évora, em ano não referido, com a mãe, a tia
D. Filipa, a sua irmã e três irmãos muito pequenos. Tratou-se de um ritual de
entrada, próprio do momento em que personagens importantes eram recebi-
das oficialmente pela cidade. Eram entradas triunfais, geralmente organiza-
das pelas vereações municipais e participadas pelo povo das cidades; neste ca-

1 IAN/TT, Chancelarias de D. Afonso V, L.o 30, fl. 68 [1475.4.27, Portalegre].


2 IAN/TT, Chancelarias de D. Afonso V, L.o 7, fl. 106 [1476.8.27, Lisboa].
3 IAN/TT, Chancelarias de D. Afonso V, L.o 30, fl. 67 [1475.5.8, Arronches]; fl. 70v

[1475.5.12, Arronches] e L.o 26, fl. 134v [1476.8.26, Lisboa].


4 IAN/TT, Chancelarias de D. Afonso V, L.o 7, fl. 52v [1476.8.7, Porto].
5 IAN/TT, Chancelarias de D. Afonso V, L.o 26, fl. 136v [1481.8.10, Sintra].
6 Gomes, 2006, p. 272; Chaves, Livro de apontamentos, pp. 265-266.

52
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

so, sabemos que o corregedor da comarca fez um rol de que constavam os


nomes das pessoas escolhidas para transportar a princesa. Não vou deter-me
aqui sobre a organização destas entradas, porque existe bibliografia especiali-
zada que dela se ocupa1. Neste caso, alguém faltou com o respeito devido
à princesa, que era já a futura rainha: um dos nobres da cidade, que o corre-
gedor nomeara para ser um dos carregadores das andas, recusou-se a fazê-lo,
incorrendo no castigo régio.
O episódio tem a data de janeiro de 1474, e refere-se a três irmãos muito
pequenos da princesa. D. João, duque de Viseu, morrera a 16 de agosto de
14722, e provavelmente os irmãos seriam Diogo, Duarte e Manuel, o mais
novo, o futuro rei «felicíssimo», que andaria pelos 5 anos3. Leonor seria en-
tão uma rapariga de dezasseis anos, e tinha casado três anos antes com
o príncipe D. João. A narrativa refere o bispo D. Garcia de Meneses, o que
confere com a cronologia estabelecida até agora, uma vez que este foi nomea-
do para a diocese de Évora no ano anterior4. A princesa seguiu em cortejo até
à Sé, onde a princesa fez oração, lhe foram apresentadas relíquias em adora-
ção e recebeu a bênção do bispo; regressou ao paço de São Francisco já de
noite, sendo acompanhada por doze tochas5.
O incidente deixou marcas: em 1482, ainda D. João II, em carta que es-
crevia à cidade, se manifestava agastado pelo modo como D. Leonor fora re-
cebida6. Cremos que se referia a este episódio, a não ser que posteriormente
tivesse havido outro do mesmo teor cujo rasto não tenha chegado até nós.
Nem conseguimos ter a certeza do que é que se entendia por andas neste pe-
ríodo. Seria algo de parecido com uma cadeira transportável aos ombros dos
carregadores, ou seja, uma cadeira de andar? Supomos que o momento exigia
que a princesa fosse exibida aos olhares do povo da cidade, pelo que não esta-
ria encerrada num veículo fechado.
Mas tudo se encaixa no que sabemos sobre o andar e o passo nas socieda-
des europeias desta época: raramente alguém numa posição de poder era vis-
ta a pé em cerimónias públicas realizadas no exterior. Devia ser exposta ao

1 A título de exemplo, cf. Alves, s.d.


2 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 174.
3 Não existe datas para a morte de Duarte, mas sabemos que ultrapassou a primeira in-

fância. A de D. João, o filho varão mais velho, que chegou a herdar o título por morte do
pai em 1471, só recentemente foi encontrada (cf. nota anterior). De qualquer das formas,
a reconstituição é conjetural.
4 Almeida, 1967-1968, vol. i, pp. 506-507.
5 O episódio da entrada da princesa em Évora é narrado em BA, Cód. Ms. 51-V-69, fls.

175v e 191.
6 ADE, Livro 2.o de originais (72), fl. 87 [1482.4.27].

53
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

olhar das pessoas numa posição elevada, sem contacto direto com o piso tér-
reo. Se permanecesse num local fixo, a solução, em podendo ser, consistia em
assomar a uma varanda ou janela de um paço. Não o havendo, construía-se
um cadafalso ad hoc — uma estrutura de madeira com uma forma entre
a bancada e o palco, onde se sentava a pessoa principal no lugar de destaque,
no topo, e os seus acompanhantes nos patamares inferiores. Caso se encon-
trasse em trânsito, devia ser transportada por animais ou pessoas, num veícu-
lo especial. No exemplo vertente, dado que à época ainda não se usavam
coches, nem carros triunfais, pelo menos em Portugal, a princesa era trans-
portada em andas. Um dos homens escolhidos para carregar a princesa, de
seu nome João Mendes de Oliveira, deve ter entendido a sua tarefa como
uma despromoção. É que, se ser carregado era prestigioso, carregar era avil-
tante. E o momento foi registado num excerto de difícil leitura, e com tons
um tanto confusos, para quem lê o trecho quinhentos anos depois. No en-
tanto, conseguimos saber que Oliveira foi chamado à presença do rei e do
príncipe (Afonso V e D. João) e pagou uma multa de dez mil reais1.
Em dezembro de 1474, morreu Henrique IV rei de Castela. Pode per-
guntar-se o leitor em que é que isso contribuiu para a vida da nossa biografa-
da. Muito. A morte do rei vizinho esteve na origem de uma guerra que have-
ria de afetar o futuro dela, do marido, do filho de ambos e, por conseguinte
o futuro do reino, durante muitas décadas, e talvez séculos. Espero conseguir
explicar como e porquê ao longo das páginas que se seguem. Muito breve-
mente: esta guerra esteve na origem direta do primeiro de muitos casamentos
entre as casas reais portuguesa e castelhana. Bem entendido, não era a pri-
meira vez que se celebravam alianças matrimoniais com Castela, mas inaugu-
rar-se-á uma sequência de casamentos particularmente intensa a partir do fi-
nal desta guerra. Serão estes a fazer com que em 1580 o legítimo herdeiro da
Coroa portuguesa fosse Filipe II de Espanha, primeiro de Portugal. E que,
em 1640, subisse ao trono um dos titulares da Casa de Bragança, da qual se
falará muito ao longo deste livro.

2.6. A guerra de sucessão de Castela (1475-1479)


Vejamos em que consistiu o conflito. Uma das irmãs de Afonso V, Joana,
tinha casado com o rei de Castela, Henrique IV de Trastâmara, de quem ti-
vera uma filha, também de nome Joana. Entretanto, o pai de Henrique, o rei
João II de Castela, morto em 1454, casara em segundas núpcias com uma

1 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fls. 175v e 191.

54
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

portuguesa, Isabel, irmã da nossa Beatriz duquesa de Beja, de quem tivera


dois filhos, Afonso e Isabel (depois conhecida por Isabel, a Católica). Fações
descontentes da alta nobreza e do clero congregavam-se junto destes dois ir-
mãos, a pretexto de uma suposta falsa paternidade de Henrique IV, tido por
impotente, enganado pelo adultério da mulher, a portuguesa Joana, irmã de
Afonso V. Isabel cresceu na vila de Arévalo, em plena Meseta castelhana, jun-
to da mãe, que evidenciava crescentes sinais de perturbação psíquica, até ser
convocada para a corte, onde chegou aos 10 anos, em finais de 1461. Era
muito frequente nesta época os potenciais rivais serem incorporados na cor-
te, em parte para serem vigiados, em parte para crescerem com obrigações de
lealdade para com os seus anfitriões, e até, se possível, desenvolverem laços
afetivos em relação a eles. Aconteceu o mesmo com os irmãos de Leonor,
Diogo, Duarte e Manuel, criados na corte de João II. Por seu lado, uma vez
rei, D. Manuel tomará sob a sua proteção D. Jorge, o único bastardo de
João II, que dormirá na sua câmara, conforme era costume entre os próxi-
mos do monarca.
Retomemos a nossa história. Henrique IV, atendendo aos rumores de
que a mulher o traía, parece ter tido uma política vacilante. Num momento
declarou Isabel como sua herdeira, no outro reconheceu o direito ao trono
de Joana como sua filha legítima. O facto é que, depois da morte de
D. Afonso, irmão mais velho de Isabel, a reconheceu como herdeira do trono
no acordo de Toros de Guisando1. Pelo seu teor, percebe-se bem que Isabel
se achasse com direitos ao trono por morte de Henrique IV: reconhecia-se
que este não estava casado legitimamente, e anulava-se o anterior juramento
de Joana como herdeira. No entanto, o testamento do rei de Castela era cla-
ro quanto a deixar a sucessão a sua filha Joana.
A estas hesitações não seria alheio o facto de a sua mulher manter um
relacionamento extraconjugal com Pedro de Castilla y Fonseca, de quem te-
ria aliás dois filhos; ou de Isabel ter casado sem a sua autorização, quase
a furto, com o herdeiro do trono de Aragão, Fernando, no ano de 14692.
Ainda para mais, sem a bula papal que legitimava o seu casamento...3 Entre-
tanto, morto Henrique IV em dezembro de 1474, a situação só podia pio-
rar, formando-se claramente dois partidos, um em torno da jovem Joana,

1 Ladero Quesada, 1999, pp. 42 ss.


2 Suárez Fernández, 2005, pp. 59-65; Liss, 2004, pp. 65-68.
3 Dois pesos e duas medidas: a bula que se apresentou no dia do casamento era falsa, e a

verdadeira só chegou em 1471. Os historiadores espanhóis, ao contrário dos portugueses,


afirmam que o papa concedeu bula ao casamento de Afonso V com Joana sua sobrinha. Cf.
Ladero Quesada, 1999, p. 45.

55
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

então uma rapariga de 13 anos, e outro junto de Isabel. Era esta que congre-
gava agora os opositores ao falecido rei, já que Afonso tinha morrido no ano
anterior ao do casamento da irmã. Morto Afonso, que estava à frente de Isa-
bel na linha da sucessão, os partidários desta fação congregaram-se em torno
dela e do marido.
Dois dias depois da morte do rei Henrique IV, em Segóvia, Isabel, a Ca-
tólica, proclamou-se rainha de Castela, o que desencadeou uma reação ime-
diata de Afonso V. Este era irmão da viúva de Henrique IV, e estava disposto
a casar com a sobrinha para consolidar os seus direitos ao trono castelhano.
De resto, não foi uma ideia súbita do monarca português: há algum tempo
que vinham tendo lugar as negociações do casamento, bem como aproxima-
ções dos nobres afetos ao partido de Joana para conseguirem apoios junto do
rei português. Mas Isabel era já uma adversária de peso: casada com Fernan-
do de Aragão, demonstrava uma capacidade política que nunca se conheceu
a sua rival Joana, para além de ter no marido um aliado imprescindível, mais
interessado em ser consorte de uma rainha do que de uma princesa. O futuro
haveria de demonstrar que esta o seria de parte inteira, sem nunca abdicar
das suas prerrogativas régias em favor do marido: foram dois reis que reina-
ram juntos, e nenhum teve o papel de consorte do outro. Indícios existem,
até, de que Fernando seria o elo mais fraco do casamento1.
Hoje, as pretensões de Afonso V, precisamente porque perdeu a guerra,
parecem quixotescas, mas o rei tentou apenas a sorte, habituado como estava
aos sucessos militares das campanhas de África. Do ponto de vista estrita-
mente legal, tinha o direito romano pelo seu lado: na tradição latina, o pai
era sempre o homem casado com a mãe. Tratava-se de um princípio funcio-
nal, uma vez que, como o leitor poderá compreender, não havia meios cientí-
ficos para determinar a paternidade.
A este desejo de ser rei em Castela não eram alheias negociações de casa-
mento com a sobrinha D. Joana havidas algum tempo antes com Henrique.
De resto, diga-se de passagem, o rei português foi também um dos preten-
dentes que Isabel de Castela recusou antes de casar com Fernando de Aragão.
Ao declarar guerra a Castela, Afonso V acabou por lançar o reino em sérias
dificuldades, e teve de se valer do filho para o auxiliar. Segundo alguns,
o príncipe lamentaria então não se terem feito os casamentos que teriam evi-
tado o conflito, e que se chegaram a ventilar: se no seu devido momento
o pai tivesse casado com Isabel de Castela e ele próprio com D. Joana, seriam

1 Córdova Miralles, 2002, pp. 73-74.

56
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

pacificamente reis de Castela. Ao que parece, quando rei, D. João II não se


coibiu de o lamentar1. E é aqui que ficamos também a perceber as conse-
quências políticas dos casamentos ajustados entre D. Afonso V e seu irmão
D. Fernando. Fosse como fosse, a filha, e nossa biografada D. Leonor, estava
agora casada com o príncipe. Este estava, e continuaria a estar, mesmo depois
de acabada a guerra, indisponível no mercado matrimonial.
Poucos meses depois da morte de Henrique IV, nos finais de maio,
Afonso entrou em Castela com uma força de cerca de vinte mil homens, to-
mou Joana como sua mulher e, escudado no seu direito a proteger os legíti-
mos direitos desta, partiu a guerrear os partidários de Isabel e Fernando. Sa-
bemos hoje que o partido destes últimos ganhou, e pouco nos importa de
facto que o tenham feito a partir de uma mentira, hoje impossível de de-
monstrar.
Também sabemos que o casamento dos Reis Católicos foi pródigo em
consequências: acabou por estar na raiz da monarquia compósita espanhola
e a ele devemos a criação da moderna Espanha. Saber se a vitória de Isabel
foi baseada numa ficção de ilegitimidade da meia-sobrinha e na difamação
de D. Joana e sua mãe pouco importa: já Wittengstein dizia que em história
os vencedores é que contam. E todos conhecemos as glórias mais famosas
desta união matrimonial: a aposta na viagem de um genovês chamado Co-
lombo, a conquista de Granada e consequente expulsão dos mouros da Pe-
nínsula Ibérica. Mas também os lados menos positivos da sua união: a fun-
dação do seu mando num fundamentalismo católico que foi responsável pela
criação da Inquisição e pela expulsão dos judeus. E um efeito dominó, já que
D. Manuel I haveria de os obrigar a converter à força por pressão castelhana,
como adiante veremos.
Os meses de maio e junho de 1475 foram pródigos em acontecimentos,
e não só os que dizem respeito à guerra. Enquanto D. Afonso entrava em
Castela em maio, a 18 desse mês nascia em Lisboa, no paço das Alcáçovas,
o primeiro e único filho de D. Leonor, o príncipe D. Afonso. Dias mais tar-
de, D. Afonso V e D. Joana proclamavam-se reis em Castela. A 13 de junho
morria aquela cujo comportamento dúbio dera origem à guerra: Joana, irmã
do rei Afonso V, viúva de Henrique IV de Castela e mãe da nova rainha de
Portugal. Entretanto, a infanta D. Beatriz, mãe de Leonor, recebia do papa
o governo temporal da Ordem de Cristo, em nome do seu filho D. Diogo:
uma mulher à frente de uma ordem militar, ainda que apenas no que toca ao

1 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 175v.

57
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

temporal, dá-nos uma ideia da concentração de poderes nas mãos da viúva


do duque D. Fernando1.
Em contrapartida, havia um aspeto a salvaguardar: agora que D. Afon-
so V casava com a «herdeira» de Castela, havia que definir com clareza o es-
tatuto do recém-nascido filho do príncipe herdeiro. D. Afonso V emitiu um
alvará, a partir de Toro, em que D. Afonso herdava de facto o trono de Por-
tugal, ficando os eventuais filhos de Afonso e Joana com o que competia
à Coroa de Castela2.

2.7. A Batalha de Toro


D. Afonso V foi para Castela em maio de 1475, deixando a regência ao
príncipe D. João. No entanto, este seria chamado a participar na guerra
e deixar o reino; por sua vez, o príncipe delegaria a condição de regente à sua
mulher. Foi esta a primeira regência de D. Leonor de que temos evidência
documental, ao contrário da anterior, por ocasião da expedição a Arzila, que,
como vimos, não sabemos ao certo se recaiu nela ou na cunhada D. Joana.
Em 24 de janeiro de 1476, o príncipe, citando a ordem paterna de ir a Cas-
tela, elogiava as virtudes da princesa sua mulher e deixava-lhe o encargo do
reino, reconhecendo que havia «coisas reservadas à superioridade real, da
qual os oficiais de justiça ou fazenda não podem determinar»3. Vemos por-
tanto D. Leonor na situação de regente em vez do regente, e não sabemos ao
certo como se desenvencilhou da incumbência. Em todo o caso, estamos pe-
rante uma das marcas do estatuto das rainhas (neste caso uma futura rainha)
face ao poder régio: a capacidade de substituir o príncipe ou rei em caso de
necessidade. Mesmo sendo mulher, D. Leonor preferia sobre outros parentes
próximos do sexo masculino, que neste caso poderia ser, por exemplo, o du-
que de Bragança.
D. João, ainda príncipe mas regente, teve de se ausentar da Guarda, onde
estava com a princesa, e transferiu-lhe portanto a regência, ainda que o du-
que de Bragança D. Fernando assegurasse a presidência do conselho. Relem-
bremos o parentesco: casado com a irmã de Leonor, Isabel, era cunhado de
D. João II. Tal como as outras regências nesta época, eram incumbências por
defeito e na ausência dos legítimos detentores das régias responsabilidades.

1 A bula de Sisto IV encontra-se transcrita em IAN/TT, Chancelarias de D. Afonso V, L.o


30, fl. 118v [1475.6.1, Santarém].
2 Sousa, História, vol. iii, pp. 90-91 [1476.1.5].
3 IAN/TT, Gaveta 18, Maço 4, n.o 24 ou Livro 39 da Reforma das Gavetas, caixa 26,

fls. 137-137v [1476.1.24, Castelo Rodrigo].

58
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

Nunca saberemos também se Leonor se ocupou fosse do que fosse, se tomou


decisões, ou se pelo contrário se limitou a deixar que outros as tomassem.
Neste caso, nada se pode afirmar: desconhecemos o que se passou. Pelo me-
nos neste pequeno período em que lhe foram atribuídas responsabilidades
políticas expressas, Leonor não fez nada que tivesse ficado escrito e atravessa-
do o tempo até aos nossos dias.

Não cabe aqui detalhar as peripécias desta guerra, mas apenas determo-
-nos um pouco sobre a Batalha de Toro, que decidiu o seu desfecho. Foi tra-
vada em 1476, a 2 de março, e a participação portuguesa cifrou-se em duas
vertentes: por um lado, as tropas de Afonso V, claramente derrotadas, e, por
outro, os reforços do príncipe D. João que combateram com algum sucesso,
a ponto de este mandar celebrar anualmente uma festa pela vitória obtida1.
Em todo o caso, apesar de o príncipe cantar vitória, o certo é que para os
Castelhanos, como diz o historiador espanhol Manuel Fernández Álvarez,
Toro foi o equivalente ao que Aljubarrota significou para os Portugueses em
13852. Até um edifício para celebrar a vitória se construiu, à semelhança do
nosso mosteiro da Batalha —Santa Maria da Vitória, mais precisamente —,
o mosteiro franciscano de San Juan de los Reyes, que hoje se visita na cidade
de Toledo, embora muito restaurado depois dos estragos causados pela guer-
ra civil de Espanha (1936-1939).
Em todo o caso, resta-nos questionar se o príncipe D. João teria motivos
para consagrar o dia da batalha, a 2 de março, instituindo em 1482 uma pro-
cissão comemorativa. Pelo que se passou em seguida no que toca aos acordos
de paz, a situação parece mais um empate do que verdadeiramente uma vitó-
ria. Mas mesmo que as tropas portuguesas tivessem ganho a batalha (pelo
menos em parte), perderam a guerra. O casal régio, composto por um rei de
meia-idade e a sua jovem sobrinha, veio para Portugal e manteve a ficção do
título3. Um documento guardado no Arquivo Distrital de Beja dá o rei co-
mo «D. Afonso por graça de Deus rei de Castela de Leão de Portugal de To-
ledo de Sevilha de Galiza de Jaén, dos Algarves d’aquém e d’além mar em
África, de Aljaziira, de Gibraltar e senhor de Biscaia e de Molina etc...»4.

1 Pereira, Documentos, pp. 156-157.


2 Fernández Álvarez, 2006, pp. 229-230.
3 Títulos usados por D. Afonso V em conjunto com D. Joana: «reis de Castela, Leão

e Portugal», in Góis, Crónica do Príncipe, pp. 118-119.


4 CNSCBJA, caixa 1, livro 1 [1479-1710], doc. 4, fls. 21-21v [Évora, 1477.8.8]. Assi-

nado pelo príncipe D. João a mando do rei.

59
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Mau grado as fantasias de grandeza do régio casal, em breve os Reis Ca-


tólicos obrigariam a monarquia portuguesa a neutralizar Joana como poten-
cial herdeira do trono de Castela. Quanto ao que estava em causa — a suces-
são ao trono castelhano —, Isabel ficou a ser a rainha de Castela e portanto
percebe-se claramente quem ganhou o conflito.
O reino português ficou em maus lençóis, com um rei cada vez mais re-
traído sobre si próprio, um herdeiro do trono quiçá demasiado enérgico e re-
soluto e, sobretudo, uma crise financeira profunda. Nas vésperas de partir
para Castela, antes de se defrontar com as tropas de Fernando em Toro,
o príncipe D. João requisitou as pratas das igrejas para fazer face às despesas
de guerra. Sabemos hoje que algumas dioceses lhas cederam de má vontade,
como era natural1. Para as igrejas significava derreter objetos sacros, muito
embora Garcia de Resende declare na sua crónica que o príncipe os poupou.
Sobretudo, a toma das pratas implicava um empréstimo cujo ressarcimento
não tinha prazo à vista, embora o cronista, sempre pronto a defender
D. João II, afirme que este fez questão de indemnizar as igrejas2.
D. Afonso V regressou ao reino depois da Batalha de Toro: em junho de
1476 estava já, com a rainha D. Joana sua mulher, em Miranda do Douro,
onde assistiram à festa do Corpo de Deus a 13 desse mês. A rainha seria de-
pois conduzida à Guarda, e seguidamente a Coimbra, onde o príncipe a es-
perava, para a acompanhar até Abrantes, onde esta estanciou bastante tempo.
Entretanto Afonso V tinha seguido de Miranda do Douro para o Porto, on-
de se lhe juntaram o príncipe D. João e depois a infanta D. Beatriz3. Pouco
depois, em finais de agosto desse ano de 1476, o príncipe acabou por desem-
penhar novamente as funções de regente, quando o pai, numa tentativa de-
sesperada de obliterar a sua humilhação por não ter feito valer os seus direi-
tos ao trono de Castela, se dirigiu a França confiado num apoio do rei
Luís XI de França que nunca veio a ter lugar. Em novembro de 1477 o prín-
cipe D. João chegou mesmo a ser levantado por rei, a cerimónia que garantia
a entronização do novo monarca em Portugal4.
Foi portanto D. Leonor a mulher de um homem que não se furtava
a responsabilidades, e que muito antes de herdar o trono já assumia plena-
mente as funções de rei. É caso para dizer que D. Leonor passou os anos da

1 Marques, 1989b, pp. 201-219; Gomes, 2006, p. 210.


2 Resende, Crónica, p. 10.
3 Gomes, 2006, p. 215.
4 Gomes, 2006, p. 227.

60
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

sua adolescência a crescer depressa, e a conhecer as duras realidades das lutas


pelo poder.

2.8. A paz das Alcáçovas-Toledo e o acordo das terçarias


Depois da Batalha de Toro, continuaram as escaramuças em terras raia-
nas. Frequentes vezes as tropas castelhanas entraram em território português
a lembrar que a guerra não estava acabada e que só um acordo satisfatório de
paz lhe poria termo, até que, em março de 1479, Isabel, a Católica, se encon-
trou com a tia em Alcântara, nuns encontros preparatórios dos acordos de
paz. Já antes, no verão de 1476, meses depois da Batalha de Toro, D. Beatriz
estivera no Porto com o rei, como vimos, circunstância que confere impor-
tância ao seu papel político nesta conjuntura de guerra, segundo o mais re-
cente biógrafo de D. Afonso V1. A infanta, irmã da mãe da rainha de Caste-
la, foi de facto a pessoa em quem esta última confiou para negociar e depois
assegurar os trâmites da paz entre os dois reinos. Encontraram-se em Alcân-
tara, sem grande dispositivo de segurança, o que denota a confiança mútua
entre ambas. Não que as negociações não tenham sido espinhosas: as exigên-
cias de Isabel não eram fáceis de satisfazer. Esta queria garantias absolutas de
que D. Joana ficaria aniquilada do ponto de vista político, impossibilitando-
-a de voltar a contender os seus direitos ao trono de Castela.
Foi este o início da paz, e posteriormente prosseguiram as negociações
com vista à assinatura do tratado respetivo, que ficou conhecido por Tratado
de Alcáçovas-Toledo, contendo o acordo das terçarias de Moura incluído nos
seus termos. Há uma parte do tratado que regulava a partilha dos mares e das
terras a descobrir ente os reinos peninsulares; não me deterei sobre ela, mas
apenas nos conteúdos de âmbito familiar da paz, uma vez que grande parte
do que viria a ficar assente no papel tinha consequências imediatas para
D. Leonor. A obsessão dos Reis Católicos era D. Joana, então mulher do rei
D. Afonso V: a sua presença em Portugal desassossegava-os, uma vez que se
podia reavivar a qualquer momento a sua pretensão ao trono de Castela.
O ponto nevrálgico das negociações de paz consistiu precisamente na sua
neutralização. Deram-lhe duas hipóteses: ou casava com o único filho rapaz
dos Reis Católicos, o príncipe D. João, ou professava como freira. Havia
aqui várias contingências: o príncipe era ainda uma criança de ano e meio,
nascido a 30 de junho do ano anterior (1478), e apenas se poderia compro-
meter em relação ao casamento por palavras de futuro aos 7, enquanto o ca-

1 Gomes, 2006, pp. 216.

61
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

samento propriamente dito por palavras de presente só podia ter lugar aos 14
anos (leia-se a possibilidade legal de haver cópula carnal entre os noivos, con-
dição sine qua non da sua validação). E ainda, o príncipe podia recusar aquele
casamento, uma vez que, à face do direito canónico, o casamento requeria
o livre consentimento dos noivos. Foi esta uma regra do casamento no Oci-
dente, embora a teoria tivesse sofrido constantes atropelos, uma vez que não
era fácil para os noivos recusar os negócios firmados pelos pais1.
Desde logo, neste caso, Joana não estava em igualdade de circunstâncias
relativamente a João. Os acordos efetuados não contemplam a hipótese de
esta recusar nem o casamento projetado, nem a sua entrada no convento:
o seu livre arbítrio circunscrevia-se à escolha entre uma das duas opções. Este
arranjo matrimonial iniciava o texto do tratado e dele dependiam as cláusu-
las que se lhe seguiam.
Segundo a lógica política da época, o casamento podia servir para solidi-
ficar uma aliança entre inimigos, através de um dispositivo de absorção. Ou
seja, pretendia-se que através da união dos dois num só se neutralizasse a ani-
mosidade entre ambos. Mas havia aqui uma dificuldade, que era o facto de
o casamento não se poder realizar de imediato. O que fazer até que o peque-
no João tivesse idade para decidir o casamento? Foi então que se concebeu
um plano relativamente sofisticado de tomada recíproca de reféns, que os
historiadores conhecem por «terçarias de Moura». Tratava-se na prática de
uma dupla tomada de reféns: Portugal, através de um elemento «neutro»,
a infanta D. Beatriz, teria o herdeiro da Coroa portuguesa e a filha mais ve-
lha dos Reis Católicos à sua guarda; estes, para segurança do acordo, reteriam
na sua corte um dos filhos homens da infanta, de preferência o mais velho.
Devemos enquadrar essa tomada de reféns num contexto geral, relativa-
mente habitual na época nos reinos europeus, que consistia em incorporar os
inimigos ou potenciais rivais, fazendo-os criar na própria casa. Em Portugal,
podemos citar vários exemplos para este mesmo período: D. João II criou
o duque de Beja, sendo este o único filho varão que restava a sua tia Beatriz,
depois de o irmão, Diogo, duque de Viseu, lhe ter alegadamente tentado
usurpar o trono. D. Manuel I, por sua vez, fará o mesmo ao filho bastardo
de D. João II, D. Jorge, depois de este ter tentado legitimá-lo como herdeiro
junto da Santa Sé.
As terçarias consistiam uma solução que, para além de possibilitar alojar
estas potenciais ameaças debaixo do mesmo teto, e portanto tê-las sob con-

1 Debris, 2005, p. 276.

62
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

trolo, lhes dava paralelamente algum estatuto, possibilitando-lhes esbater


a humilhação da derrota ao incorporá-las na casa do «vencedor». Ou seja,
mais uma vez a lógica da incorporação que temos estado a analisar. D. Jorge,
por exemplo, dormiria na própria cama de D. Manuel, o rei que ocupou um
trono que poderia ter sido seu se o papa tivesse consentido na sua legiti-
mação.
Relativamente às terçarias, ficou acordado o seguinte: D. Joana e
D. João, único filho varão dos Reis Católicos, seriam mantidos reféns caso
esta optasse pela solução do casamento. A responsável por eles seria D. Bea-
triz, que os manteria numa das suas terras. Como Joana optou pelo convento
(mas não pela vida monástica, como teremos ocasião de verificar), a tomada
de reféns fez-se noutras pessoas, e concebeu-se outra hipótese de casamento.
Contemplava desta vez a filha mais velha dos Reis Católicos, Isabel, e o her-
deiro da Coroa portuguesa, Afonso. Ou seja, o único filho da nossa biografa-
da, e é por isso que este acordo a toca de perto. Combinava-se o casamento
dos dois, com o mesmo problema do projeto matrimonial anterior: ela era
uma menina de 9 anos e ele tinha 4, pelo que também se tornava necessário
mantê-los reféns a cargo da infanta D. Beatriz.
O acordo também implicava os outros filhos da infanta, uma vez que
tanto D. Diogo, duque de Viseu, como o seu irmão mais novo, Manuel, de-
veriam ir para Castela como reféns. Antes disso, Isabel, a Católica, certificou-
-se de que este herdava do irmão, caso Diogo viesse a falecer1. Não temos
hoje grande documentação acerca das exigências da parte portuguesa, embo-
ra conheçamos bem as garantias pedidas pela rainha castelhana, e isso deve-se
provavelmente à posição negocial de que esta usufruía enquanto vencedora
da contenda. Mas para Portugal restava o trunfo da presença no seu territó-
rio de D. Joana, e D. João II teve consciência disso.
Para a nossa rainha, o fim da guerra significou ter de estar longe do filho
por um período que se estenderia por cerca de três anos e meio, até maio de
1483, durante o qual não o terá sequer visitado. Estava o príncipe em boas
mãos, nas da avó materna, mãe da mãe, mas nem por isso as crónicas deixam
de notar a saudade que a ausência do filho provocava nos pais. Por várias ve-
zes o rei tentou sem sucesso alterar o acordo, tentando trazer D. Afonso para
junto dele e da mulher. Bastava para tanto mudar as terçarias para Beja, onde
o rei chegou inclusivamente a tratar de arranjar aposentos para alojar os prín-
cipes. Mais tarde, depois do regresso de Afonso à companhia dos pais, obser-

1 Torre, 1951, p. 413.

63
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

vadores notarão que D. João II jamais abandonava o filho, fazendo-se acom-


panhar por ele em quase todas as circunstâncias.
Em março de 1482, depois de ter tentado sem sucesso alterar as condi-
ções das terçarias, D. João II optou provavelmente por tentar controlar
o conjunto de oficiais e pessoas que o acompanhavam, reservando para si a
capacidade de os «por livremente a seu prazer». Uma carta e uma lista dos
ofícios remetidos por D. João II à infanta D. Beatriz incluíam um total de
48 pessoas, das quais apenas dez eram escolhidas pela avó da criança. A lista
das funções destes servidores tem a sofisticação própria das casas senhoriais
da época: inclui, entre outros, dois capelães e dois moços de capela, um mes-
tre para ensinar o príncipe, um vedor, seis moços fidalgos, dois cozinheiros
— um maior e outro pequeno — e quatro moços de estribeira. Inclui ainda
o pessoal de serviço do corpo e roupa do príncipe: alfaiate, sapateiro, gibetei-
ro, barbeiro e boticário. À discrição da infanta ficavam as pessoas que have-
riam de servir o príncipe à mesa (copeiro-mor, servidor de cutelo, manteeiro,
dois servidores da toalha, copeiro), entre outras1.
Não estranhemos o elevado número de pessoas encarregues de tratar do
príncipe, porque era preciso dotar os reféns de todo o aparato de serviço co-
mum a pessoas da sua condição e estado. Quando D. Manuel foi para Castela,
tratou-se de deliberar sobre a forma como se haveria de comportar na corte
e os protocolos que deviam ser observados. Constituem um bom indicativo
das obrigações rituais dos moços para com os senhores mais velhos e das for-
mas de tratamento que lhes eram devidas. Na corte, os reis portugueses ti-
nham uma cortina no interior da igreja ou capela, na qual ouviam missa em
companhia das pessoas a quem era concedida permissão para aí permanece-
rem. D. Manuel devia estar dentro da cortina do rei com almofada (mas não
com cadeira) e, devido à sua pouca idade, não se lhe devia dar por enquanto
outro assento lá dentro. À mesa, o seu aio devia também ter água às mãos
pronta para lhe dar, para que o príncipe a desse por sua vez ao rei; quando
o aio não estivesse, devia-lha dar outro fidalgo da mesma condição que o aio,
isto é, sem título2. Começava portanto na infância a aprendizagem das hie-
rarquias e dos rituais que as criavam e representavam. Não se esqueça que
D. Manuel, então criança, foi entregue à delegação castelhana pela mãe, que
o trazia pela mão, nas duas vezes em que partiu para Castela em cumprimen-
to do acordo das terçarias3. Por outro lado, outra constatação se impõe, que

1 Chaves, Livro de apontamentos, pp. 78-80.


2 Chaves, Livro de apontamentos, p. 82.
3 Torre, 1951, pp. 414-415.

64
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

reitera o que dissemos atrás da incorporação dos inimigos: estes não tinham es-
tatuto de prisioneiros, mas conservavam a sua condição de origem.

2.9. Joana, a Excelente Senhora ou a Beltraneja


Por esse tempo chegou a Portugal a prima Joana, então ainda mulher de
D. Afonso V. Filha de uma irmã do seu próprio marido, também chamada
Joana, casada com Henrique IV de Castela, a rapariga foi o pomo da discór-
dia que trouxe Castela a ferro e fogo. Ainda hoje os historiadores se dividem
sobre se Joana seria ou não filha legítima, se lhe cabia ou não o trono de Cas-
tela por direito. Esta dúvida, para muitos certeza, deu origem a que lhe cha-
massem vários nomes: Beltraneja, no caso dos que achavam que era filha de
Beltrán de la Cueva e da mãe; à falta de outro título, «Excelente Senhora»,
para os portugueses que a recolheram no reino. A sua meia-tia Isabel, a Cató-
lica, chamou-lhe nos documentos oficiais, com elegância, diga-se, algo que
diz tudo — a filha da rainha —, ainda que, em contextos menos formais,
a designasse simplesmente por «mochacha» (rapariga)1. Ou seja, diferentes
contextos, diferentes nomes. Para os seus detratores, ela era filha de um rei
impotente, cuja segunda mulher andara de amores com Beltrán de la Cueva,
então um nobre em fulgurante ascensão social e política na corte de Henri-
que IV, cuja escalada rápida gerava os maiores ódios e inimizades.
Em Portugal, onde Joana viveu mais de cinquenta anos depois de passa-
da a tormenta de Toro, era respeitosamente tratada por Excelente Senhora,
e parece ter sido sempre estimada pela família real portuguesa. Isabel de Cas-
tela, apesar de rival, havia de tratá-la com decoro, porque era, não obstante,
do seu sangue, e Joana de Portugal, mãe de Joana, era prima da mãe dela,
Isabel. Ou seja, a Excelente Senhora e a rainha de Castela eram simultanea-
mente primas e meia-tia e meia-sobrinha.
A questão ainda hoje é pouco pacífica, mas a desconfiança face à impo-
tência do pai de Joana foi agravada pelo facto de sua mãe ter tomado aman-
tes depois de Joana nascer, e de ter filhos que nem sequer foram escondidos
dos olhares alheios. Em todo o caso, uma coisa é certa: a própria D. Joana
nunca batalhou a sério pela posse do trono, e limitou-se a ser o pretexto que
congregava pessoas em torno do seu partido. Ou seja, estamos novamente
em presença de fações da nobreza congregadas em torno de figuras de sangue

1 Azcona, 2007, pp. 174-175.

65
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

real digladiando-se pelo poder. D. Afonso V quis ser rei de Castela à sua cus-
ta e, derrotado em Toro, teve rapidamente de desfazer um casamento que su-
postamente nunca teve lugar no corpo, apenas no papel. Quando casou com
ela, aguardava uma dispensa papal, que as crónicas portuguesas dizem nunca
ter chegado, atribuindo a sua falta à agência dos Reis Católicos. No passado,
tinha sido frequente prescindir destas licenças, mas os tempos estavam a mu-
dar: passou a ser um ponto fundamental tê-las obtido do papa antes de tran-
sitar das formalidades do casamento à comunicação carnal entre os despo-
sados.
Joana acabou por vir para Portugal no seguimento da derrota de Toro,
e preferiu o convento a casar com o herdeiro dos Reis Católicos. Professou
no Convento de Santa Clara de Coimbra, na presença do príncipe mas não
do rei seu marido, que não presenciou a cerimónia, muito perturbado pela
mudança da sorte da mulher1. A tomada de hábito de Joana foi uma exigên-
cia da paz firmada com os reis espanhóis. Entrou no Convento de Santa Clara
de Santarém no mês seguinte à assinatura do Tratado de Alcáçovas-Toledo,
em setembro de 1479, mas não completou o ano de noviciado neste convento,
devido a um rebate de peste, que a levou a Évora, onde ingressou no conven-
to local de clarissas2. Ao que parece, esteve também no Convento da Concei-
ção de Beja, mas veremos adiante como a vizinhança da infanta D. Beatriz
a penalizava. Daí foi para o Vimeiro, perto de Arraiolos, também por causa
da peste, onde se encontrava no verão de 1480; foi então que o príncipe
D. João a conduziu ao Convento de Santa Clara de Coimbra, onde viria a
professar em novembro desse ano. Todavia, os Reis Católicos queixavam-se
já em 1483 de que Joana não cumpria a clausura, andando por fora do con-
vento de Coimbra, onde tinha professado3.
Se lermos as crónicas sobre a sua tomada de hábito, o relato avizinha-se
inevitavelmente de um pranto fúnebre: a princesa cortando os cabelos e toda
a gente da sua casa a chorar. Antes da cerimónia, foi necessário que o prínci-
pe D. João falasse com Joana, acalmando-a e prometendo-lhe melhores dias.
Foi, é desnecessário dizer-se, uma violência sobre D. Joana, entalada entre
duas péssimas escolhas, uma apenas ligeiramente melhor do que a outra. Ou,
seja, esperar mais de dez anos por um noivo que a podia rejeitar, em Moura,

1 Pina, Crónicas, p. 874; Góis afirma que o desgosto do rei lhe apressou a morte (Cróni-

ca do príncipe, pp. 213-214).


2 Em 23 de julho de 1480 o rei, a partir de Beja, ordenava à câmara que a Excelente Se-

nhora D. Joana saísse da cidade, também atacada pela peste (Pereira, Documentos, pp. 363-
-364).
3 Azcona, 2007, p. 204.

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DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

numa situação de refém, uma vez que seria incluída nas terçarias; ou, — se-
gunda solução — entrar para um convento, com uma vocação religiosa que
não sentia1.
Tarsicio de Azcona, o historiador espanhol que mais estudou a figura de
D. Joana, levanta uma série de questões pertinentes, que relevam do seu es-
forço de reabilitação da princesa. Inquestionavelmente um adepto da teoria
de que Isabel, a Católica, usurpou os seus legítimos direitos ao trono, o autor
chamou a atenção para vários pontos importantes. O primeiro, que, contra-
riamente ao veiculado pela historiografia portuguesa, existiu uma dispensa
pontifícia e que o casamento dela com D. Afonso V não só era válido, como
se consumou. Sendo assim, o segundo argumento importante é o de que
a sua entrada em religião foi canonicamente ilegal, uma vez que só se Afon-
so V tivesse entrado em religião ao mesmo tempo que ela a sua profissão reli-
giosa podia ter lugar. Como o marido não o fez (apesar da intenção que ma-
nifestou por mais de uma vez de seguir a vida religiosa), D. Joana estava na
prática a quebrar unilateralmente os laços do matrimónio2. Refiro estas opi-
niões, de resto fundamentadas, porque, como o leitor sabe, a história é por
vezes coisa de vencedores, e ganhamos em sabedoria se soubermos analisá-la
do ponto de vista dos vencidos. A derrota de Joana não significa que Isabel
tivesse razão.
Joana haveria de ser uma presença a mais à roda da família real: discreta,
sem nunca deixar de assinar a papelada com um «Yo la reina», vivendo entre
o paço e o convento. O seu nome vinha à baila em qualquer negociação com
os Reis Católicos; estes queriam-na quieta e bem entregue, mas para Portugal
foi um trunfo a usar, pelo menos enquanto João II viveu. O problema não
residia muitas vezes na vontade das pessoas que podiam aspirar a um trono
— D. Joana pouco podia fazer sozinha —, mas na daqueles que o podiam
rodear. Assim, era fundamental cortar o acesso a esses «pretendentes» por
parte de estranhos e certificar-se de que permaneciam em ambientes protegi-
dos, ainda que à custa do seu isolamento, ou, no pior dos casos, da sua pri-
são. Para além de poder voltar a congregar os seus opositores em torno da
sua figura de herdeira do trono castelhano, ficava disponível para casar com
algum monarca que lhe contendesse os direitos. Daí que D. Joana fosse per-
dendo valor, à medida que envelhecia (diminuindo as suas hipóteses no mer-
cado matrimonial) e os Reis Católicos consolidavam o seu poder. Durante

1 O tratado previa que o herdeiro dos Reis Católicos decidisse se queria o casamento
quando perfizesse 14 anos em 1492 (Azcona, 2007, p. 177).
2 Azcona, 2007, pp. 123-128.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

algum tempo, a sua presença em Portugal teve o condão de acrescentar uma


vantagem negocial às ainda desequilibradas relações entre Portugal e Castela.
Só com D. Manuel, que casou com duas filhas dos Reis Católicos, tendo as-
segurado prolífica descendência da segunda destas, é que a figura de Joana
perdeu importância política. Até lá, continuava o sistema de manter reféns
de alta qualidade, como os moços criados no paço junto ao rei ou as crianças
mantidas nas terçarias de Moura, como veremos a seguir. Por ironia do desti-
no, a Excelente Senhora haveria de sobreviver a todos os protagonistas com
quem se cruzou à chegada a Portugal: morreu em 1530, depois do rei
D. João II e, claro, muito depois da gente da sua idade que então lhe fazia
sombra. Afonso, o herdeiro do trono português, morreu em 1491; Isabel,
que foi rainha em vez dela, em 1504; João, seu projetado noivo e herdeiro
dos Reis Católicos, morreu em outubro de 1497; Isabel, a irmã deste que ca-
sou com o príncipe D. Afonso, morreu em agosto de 1498, de parto, embora
fosse já casada em segundas núpcias com D. Manuel I; todas as outras filhas
da sua ex-rival Isabel, a Católica, morreriam antes dela, à exceção de Joana,
que permanecia prisioneira num castelo em Tordesilhas, também louca co-
mo a avó materna, a portuguesa Isabel, mãe de Isabel, a Católica.
Voltemos ao hipotético primeiro encontro de Leonor, ainda princesa,
com esta sua prima e mulher do seu «pai» (a designação de sogro ainda não
era usada nas fontes documentais), que chegava de Castela desapossada dos
seus eventuais direitos de sucessão ao trono respetivo. Estavam também com
ela algumas personagens que depois tiveram o seu papel na história portu-
guesa: entre as suas damas, D. Ana de Mendonça, mãe do bastardo de
D. João II, e o bispo Calçadilha, D. Diogo Ortiz, personagem que singraria
nas cortes de D. João II e D. Manuel.
Joana era apenas uma rapariga de 14 anos, pouco menos de quatro anos
mais nova do que a princesa Leonor. Nenhum dos cronistas que narrou
o episódio falou da sua opção pelo convento como sendo ditada pela simpa-
tia pela reclusão. É de uma conventualização forçada que se trata. A questão
que coloco é como teria Leonor encarado o que se estava a passar com
D. Joana. É provável que não tivesse chegado ainda a idade em que se prefe-
re a tranquilidade de um convento e de uma vida dedicada a Deus. Esse mo-
mento teria de aguardar para os anos da viuvez em idade madura. Não sabe-
mos se Leonor temeu e rejeitou a hipótese de se ver expoliada de fosse o que
fosse no futuro; é pouco provável que a situação de Joana merecesse a sua
simpatia. O que é certo é que esta, depois de ter sido o pretexto de tanta
guerra e de pequenas e grandes traições, levou uma existência pacata, mas
sempre em conformidade com o seu estatuto de refugiada de qualidade.

68
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

Não existem relatos de que tivessem estado juntas em acontecimentos de


família. A Excelente Senhora, com a sua casa própria, abundantemente pro-
vida de oficiais, criados e donzelas (a julgar pelo teor do seu testamento1),
não parece ter tido qualquer convivência regular com as mulheres do ramo
português da sua parentela. A julgar pelos relatos dos cronistas, não há notí-
cia de que se tenha encontrado com a nossa rainha e sua irmã Isabel, duque-
sa de Bragança, nos batizados, nos casamentos ou nas cerimónias fúnebres da
família. É provável que o seu estatuto dúbio, de freira que afinal não vivia
num convento, atrapalhasse a sua presença em atos oficiais. À medida que os
Reis Católicos se foram consolidando no trono, D. Joana foi perdendo im-
portância política, e as pressões em torno da sua clausura deixaram de se veri-
ficar. No entanto, a Excelente Senhora parece ter levado uma vida alheia
a mundanidades, ainda que usufruindo das riquezas e benesses que a fazenda
real lhe podia proporcionar, as quais parece ter sempre recebido de muito
boa vontade2. Quando morreu em 1530 no paço da Alcáçova em Lisboa,
ocupava aposentos numa residência real então preterida pelo recente paço da
Ribeira, e onde a corte já não se instalava. Era aí que vivia desde 1505, há
vinte e cinco anos, quando o rei D. Manuel I lhe dera autorização para resi-
dir no velho paço, situado dentro das muralhas do castelo de São Jorge. De
reparar que essa autorização de sair definitivamente do convento foi concedi-
da apenas depois da morte de Isabel, a Católica, em 1504. D. Manuel I, por-
tanto, provavelmente evitou desconsiderar a prima, ainda que as hipóteses de
D. Joana reconquistar terreno político fossem então diminutas.
D. Leonor não parece ter tido grande coisa em comum com esta prima:
não frequentaram os mesmos conventos, nem as mesmas devoções. Joana foi
a prova de que os motivos de profissão religiosa podiam ser mais políticos do
que espirituais. Neste caso, segundo os cronistas, preferiu o claustro ao casa-
mento. O que se percebe: segundo o Tratado das Alcáçovas, ou isso, ou casar
com o único filho rapaz dos Reis Católicos, João, que de resto haveria de
morrer bem cedo, casado com outra princesa. Antes do casamento, teria Joa-
na de integrar o número de reféns trocados nas terçarias e mudar-se para
Moura, onde ficaria guardada pela infanta D. Beatriz.
Ou seja, D. Joana podia ter casado com o filho daquela que devia con-
siderar como usurpadora de um trono que era seu. De outro modo, porque
assinou sempre «Yo la reina»? E como compreender que tivesse feito de
D. João III seu sucessor no trono de Castela anos antes de morrer, quando

1 Sousa, Provas, T. II, Parte I, pp. 93-94.


2 Braga, 1989, pp. 251-254.

69
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

havia muitos e bons herdeiros para herdar as coroas de Castela e Aragão?1


A dois males, preferiu Joana certamente o que considerou o menor: entre vi-
ver nas terçarias, debaixo da autoridade da infanta D. Beatriz, duquesa de
Beja, e indiretamente sujeita a Isabel, preferiu o convento. Teria também re-
ceado pela sua vida? Rui de Pina é taxativo: «A qual forçada para dois extre-
mos à sua alma tão amargosos e tristes, não fiando nem segurando sua vida
na entrada das terçarias, não por duvidar da bondade, consciência e virtudes
da infante D. Beatriz, mas receando-se da contínua conversação e familiari-
dade de castelhanos contrários, que não podia escusar, e assim movida por
outros respeitos, escolheu por melhor fazer de todo profissão no mesmo hábito
de Santa Clara que trazia, e nele servir a Deus antes que tomar partido tão
incerto, e para sua vida e sua honra tão duvidoso.»2 Mau é quando os cronis-
tas empregam a expressão «outros respeitos»: no mais das vezes referem as-
suntos de que não podem falar abertamente.
A rapariga escolheu portanto a melhor das opções possíveis. Nem tão-
-pouco Rui de Pina omitiu a má vontade com que Joana ingressou no con-
vento. Também no interior deste podiam não faltar os olhos vigilantes, a sol-
do do príncipe D. João ou dos Reis Católicos, mas podia ter casa apartada
e ser senhora do que era seu, uma vez que as princesas enclausuradas manti-
nham, apesar da retórica em contrário, as suas prerrogativas. Mesmo no inte-
rior do convento, não eram freiras iguais às outras. A princesa Santa Joana
nunca chegou a professar — já vimos porquê3 — e mesmo aquelas que o fi-
zeram, como a Excelente Senhora, mantinham aposentos e criadagem em
muito superiores aos das restantes freiras, ainda que os conventos fossem um
luxo de damas da alta aristocracia, nos quais estas principescas figuras convi-
viam com as suas semelhantes. E a prova é que a Excelente Senhora, quando
e sempre que pôde, abandonou o convento. As fugas à peste serviram-lhe pa-
ra ir de Santarém para Évora e depois para Coimbra; mais tarde, em 1505,
não precisará desse pretexto para se mudar para um paço real.
Apenas a cerimónia da profissão, em que lhe foi lançado o véu preto pró-
prio das Clarissas, nos espanta pelo rigor. Rui de Pina narra o pranto dos
seus criados na véspera da cerimónia como se de um enterro se tratasse (de
facto, a princesa morria para o mundo); o modo como Joana perdeu as mar-
cas do seu estado (ou seja, da sua condição régia), desde o corte dos cabelos,
à substituição das suas luxuosas vestes pelo vaso e pelo burel (tecidos usados

1 Sousa, Provas, T. II, Parte I, pp. 86-92 [1522.7.5].


2 Pina, Crónicas, p. 874.
3 Ver capítulo anterior, p. 45-46.

70
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

na época para indumentárias de luto). Tudo num contexto preciso, que os


cronistas não se esquecem de narrar. O rei, D. Afonso V, delegou no prínci-
pe o ato de assistir à cerimónia do lançamento do véu, por não aguentar pre-
senciar a cerimónia. Quer porque era obrigado a separar-se da sua mulher,
quer porque a derrota o entristecesse, o rei não quis estar presente. E o prín-
cipe, com aquela capacidade de decisão que já lhe conhecemos, tomou conta
de tudo. Com excesso de zelo, como o insinua Rui de Pina1. Diz que o prín-
cipe, ou porque demasiado desejoso da paz, ou de fazer o negócio do casa-
mento do seu único filho com a filha dos Reis Católicos, se mostrou dema-
siado interessado em obedecer às exigências destes, ansiosos por neutralizar
o mais rapidamente possível aquela figura que colocava em causa os seus di-
reitos sobre o trono de Castela. Daí a exigência da profissão solene, que po-
deria impedir Joana de ser rainha no futuro (mesmo assim, quando Isabel,
a Católica, morreu, em 1504, ainda houve boatos de que o seu viúvo Fernando
de Aragão pretendia casar com ela)2. Com a princesa Joana, irmã de D. João II,
passar-se-ia o contrário, como vimos: nunca chegou a professar, precisamente
porque poderia ser chamada a reinar.
Os cronistas, desenvolvendo temas caros aos autores desta época — a pre-
cariedade da vida humana e sua imprevisibilidade —, narram o modo como
todos aqueles em quem se depositavam esperanças de trono — o príncipe
D. Afonso, filho de Leonor e João, o príncipe D. João, único filho do sexo
masculino dos Reis Católicos — morreram sem usufruir dos seus direitos di-
násticos. Ou seja, não viveram o suficiente para se sentarem no trono; Joana
perdeu o seu, mas conservou-se viva por muitos anos. E o cronista Rui de Pina
usa a palavra vingança para falar do facto de a Excelente Senhora ter enterra-
do todos estes personagens3. Como já dissemos, seria a última a morrer, em
1530. Morreu depois do príncipe D. João (1495), de Isabel (1504), e do seu
marido Fernando (1516), depois de D. Manuel (1521) e da própria D. Leo-
nor (1525). Fez, portanto, uma escolha acertada ao optar por evitar as terça-
rias, onde a sua vida podia correr perigo, e preferir a proteção mais provável
do convento. A sua vida teve pelo menos o mérito da longevidade.

2.10. Joana, uma princesa santa?


Mas falemos de outra Joana, também parenta da nossa biografada, neste
caso sua prima e cunhada. A única irmã de D. João II, mais tarde conhecida

1 Pina, Crónicas, pp. 871-872.


2 Azcona, 2007, pp. 238-243.
3 Pina, Crónicas, p. 872.

71
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

como a princesa Santa Joana. Também esta freira, desta vez num convento
de dominicanas observantes. Neste caso, situado num local que se tornaria
pouco frequentado pela corte régia no reinado de D. João II: a vila de Avei-
ro. Fundado por algumas pessoas provenientes da fação do príncipe regente
D. Pedro, derrotado em Alfarrobeira, o convento foi protegido por D. Afon-
so V, que aí fez instalar a filha, num processo acerca do qual subsistem infor-
mações contraditórias. Para uns, a vontade da princesa era dedicar a sua vida
a Deus; para outros, foram as elevadas despesas da sua casa que foram supri-
midas numa época de fracas finanças régias. Outro autor menciona um man-
cebo que ao fugir do paço deixou ficar um sapato para trás, sendo conse-
quentemente degolado1. Não sabemos se o rapaz pagou com a vida as
alegrias de uma noite no paço; semelhante tese é obviamente negada com to-
das as forças pelos que defendem a santidade da princesa. O seu biógrafo,
João Gonçalves Gaspar, recusa terminantemente a ideia, e Rocha Madahil,
embora sem pôr de parte a ideia de que houve outras razões, menciona tam-
bém os antecedentes místicos da princesa2. A história narrada por Margarida
Pinheiro, como vimos, apresenta uma mistura entre as duas versões, e é mais
ou menos seguida por Rocha Madahil. Segundo esta autora, nem o rei nem
o irmão da princesa, o príncipe D. João, tinham intenção de que professasse,
mas apenas que se recolhesse num convento. D. Joana contrariaria esse in-
tento, ao desejar a toda a força tornar-se freira professa, o que nunca chegou
a acontecer por razões políticas.
Antes de Aveiro, recolheu-se a princesa uns dias com a irmã da sua mãe,
a tia Filipa, no mosteiro de Odivelas. Sabemos já que o povo da cidade,
preocupado com a previsível perda de uma princesa jurada (não esqueçamos
que Joana era mais velha do que o príncipe D. João) e por conseguinte de
um herdeiro, irrompeu pelo convento a pedir à princesa que não porfiasse na
escolha da vida conventual. A princesa esquivou-se a enfrentar os peticioná-
rios. Mas por si só o episódio dá uma boa ideia da relação entre rei e reino
por esta época: uma relação de tipo paternal, em que o povo não queria ficar
órfão de rei.
A princesa Joana, tal como a Excelente Senhora, não parece ter figurado
entre as pessoas com as quais Leonor manteve relações estreitas. De resto, ve-
remos Leonor a dar-se de perto com o irmão Diogo enquanto foi vivo, com
Manuel, com a irmã Isabel, ainda com a mãe, mas nunca com personagens
colaterais, isto é, afastadas da sua linhagem imediata. De resto, com Joana

1 Caso referido por Algranti, 1999, pp. 9-17.


2 Gaspar, 1981, pp. 94-101; Madahil, «Cartas», p. 61.

72
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

cedo haveria um motivo para algum afastamento: João confiaria à sua guarda
o filho bastardo Jorge. Góis diz que o rei o fez por «certos respeitos que hou-
ve» e mais adiante fala das discussões entre o casal por causa daquele filho.
De resto, há que referir que a situação de D. Jorge era agravada pelo facto de
ser um filho adulterino, nascido em agosto de 1481, no mesmo mês em que
Afonso V morreu. O direito considerava dois grandes tipos de filhos ilegíti-
mos, os filhos naturais (cujos pais podiam casar um com o outro) e os espú-
rios, ou filhos de coito danado, em que pendiam sobre os progenitores im-
pedimentos canónicos ao casamento (um deles era casado, etc...). Ou seja,
no caso de Jorge a situação legal de bastardia era francamente mais grave do
que se fosse um filho natural. No entanto, as leis portuguesas eram claras no
que toca à criação dos filhos ilegítimos, que em primeira instância cabia ao
pai custear1.
Era também um facto que a situação de bastardo de rei não era de modo
algum desfavorável. Não o foi, como veremos, para D. Jorge, que manteve
uma posição invejável até à sua morte. Tal como o filho ilegítimo de
D. João I, Afonso, esteve na origem da Casa de Bragança, também a descen-
dência de D. Jorge inaugurou a casa ducal de Aveiro. Vê-lo-emos mais à frente.
Pode ser interessante o facto de D. João II ter mandado aquele filho para
longe dos locais habitualmente frequentados pela corte. Aveiro não fazia par-
te dos roteiros habituais do rei, que incidiam sobre a zona centro-litoral e sul
do reino. Embora D. João II tenha ido a Aveiro pelo menos uma vez quando
D. Jorge lá estava, o facto é que a vila estava demasiado longe das cidades
e vilas onde a corte habitualmente estanciava. D. João III haveria de fazer
o mesmo, mandando criar em Guimarães no convento jerónimo de Santa
Marinha da Costa, longe dos olhares da corte, o seu único bastardo Duarte
(este, ao contrário de Jorge, filho natural e não adulterino, porque havido
antes do casamento)2. Outro bastardo com futuro assegurado, se não tivesse
morrido cedo, já arcebispo de Braga, embora tivesse aproveitado as avultadas
rendas do arcebispado — as mais altas do reino — para se instalar na corte.
Voltemos a Jorge, que será, como veremos mais adiante, uma causa de
mal-estar para a nossa biografada. A tia Joana morreu cedo: em 1490 já
D. João II pedia a indulgência da mulher face à vinda do seu filho Jorge para
a corte. A princesa, depois de uma doença relativamente breve, tinha expira-

1 E só a outras entidades na falta deste. Sobre este assunto, cf. Sá, 1992, pp. 75-89.
2 Buescu, 2005, pp. 174-180.

73
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

do, despedindo-se no leito de morte do sobrinho por cuja criação tinha zela-
do nove anos, desde que Jorge lhe fora entregue aos três meses de idade.
A sua educação prosseguiu depois na corte, na qual figura a personagem de
Cataldo Sículo, um humanista siciliano que foi seu precetor.
Não sabemos como foi a infância desta criança, num meio onde predo-
minavam mulheres. As crónicas dizem-nos que partilhava os aposentos da
tia, o que é sintomático da preocupação de lhe assegurar proteção. Afinal,
o que as crónicas ressaltam é a preocupação de D. João II com aquele filho,
ao confiá-lo a sua irmã. A verdade é que não restavam muitos parentes ime-
diatos a D. João II. Com o mesmo sangue, só mesmo Joana. Os Bragança
e os Viseu-Beja não eram uma opção já naquele verão de 1481, em que
o príncipe ascendia ao trono por morte do pai. Rui de Pina alude a conversas
secretas entre pai e filho ocorridas nesse último ano de vida de D. Afonso V,
em que um dos temas seriam os Bragança e as desavenças que, na opinião do
próprio rei, estalariam mais tarde ou mais cedo entre o príncipe e eles1.
Estranhamente, sobreviveu um livrinho onde se apontam os bens doados
ao Convento de Jesus de Aveiro nos primeiros tempos da sua fundação,
ocorrida em 1465, anotando não só os móveis e imóveis doados, mas tam-
bém a identidade dos doadores. A rainha D. Leonor está presente, ao passo
que D. João II não consta da lista. Não deixa de ser estranho, se considerar-
mos que temos doações de praticamente todas as personagens de que falámos
até agora: a mãe de Jorge, D. Ana de Mendonça, de D. Manuel I, de D. Jor-
ge já mestre de Santiago e duque de Coimbra, da Excelente Senhora e da
própria princesa Santa Joana, como não podia deixar de ser2. Pena que não
haja indicação sobre as datas em que os doadores obsequiaram o convento: se
Leonor lhe tivesse feito doações nos nove anos em que Jorge aí morou, seria
um dado importante sobre a capacidade de perdoar da rainha. Mas, à falta
de data, esse presente pode ser anterior a 1481 ou posterior a 1490.
A partir do século xvii, Joana haveria de ser transformada no emblema
da cidade de Aveiro, ao mesmo tempo que se multiplicavam os esforços ten-
dentes à sua canonização, ainda patentes nos painéis pintados no século xviii
que ornam os seus antigos aposentos junto ao coro alto do convento. A ca-
nonização não chegou a acontecer, apesar dos esforços em contrário no sécu-
lo xviii, mas a princesa foi beatificada em 16933.

1 Pina, Crónicas, p. 879.


2 BNP, Cód. 12 978.
3 Gaspar, 1981, pp. 256 e 263.

74
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

2.11. Ainda princesa: os últimos cinco anos


A seguir ao desenlace de Toro, a vida de Afonso V parece ter entrado na
sua pior fase. Em França, depois do fracasso das suas diligências no sentido
de obter apoio junto do seu rei, então Luís XI, escreveu ao filho a anunciar a
sua partida para Jerusalém e a sua entrada em religião. Entretanto D. João II
fizera-se proclamar rei obedecendo a instruções do pai, mas o regresso ines-
perado deste obrigou-o a restituir-lhe o governo do reino. D. Afonso V che-
gou por Cascais, a 14 de novembro de 1480, seguindo até Oeiras, onde se
encontrou com o príncipe; foi depois para Lisboa, onde a princesa D. Leo-
nor, o duque e a duquesa de Bragança e os senhores do reino lhe vieram
prestar os devidos respeitos1. Uma vez regressado, os seus planos não in-
cluíam governar: o mando continuava a cargo do príncipe, embora detivesse
o título de rei.
O príncipe era já motivo de inquietude para os que estavam habituados
à maneira de ser do seu pai: estava tudo menos disposto a tolerar abusos e a
ser pródigo em títulos e doações de bens. Muitos haveriam de ter tratado
à pressa dos seus assuntos, nunca fiando no que o futuro lhes podia reservar.
Pelo menos uma personagem importante tinha razão para ter medo: o car-
deal Alpedrinha, de quem haveremos de falar durante grande parte desta bio-
grafia. Este homem era D. Jorge da Costa, um clérigo secular educado nos
Loios, proveniente de Alpedrinha, na Beira. Discute-se o seu nascimento hu-
milde, quem foram os seus pais, os seus irmãos e sobrinhos (há até uma certa
confusão entre uns e outros), mas um dado parece inquestionável: o sucesso
estrepitoso, a todos os níveis, deste personagem. Foi precetor da infanta
D. Catarina, irmã de D. Afonso V (1436-1463). Mas também bispo de Évo-
ra (1463), depois de Lisboa (1464-1500), abade comendatário de Alcobaça
e finalmente cardeal por indicação do rei D. Afonso V, a partir de 14772.
Conta-se que D. João II não gostava dele e o obrigou a fugir para Roma, de
onde o cardeal não mais regressou. O episódio é interessante, tal como é nar-
rado por Garcia de Resende. Ouçamos uma vez mais o relato do incidente,
embora este seja recorrentemente narrado na historiografia portuguesa. Em
Almeirim, andando a cavalo perto da ponte de Alpiarça, o rei pediu para fi-
car só com o cardeal. Então repreendeu-o asperamente por D. Jorge fazer
coisas que lhe desagradavam, e disse-lhe que custava pouco mandá-lo afogar
no rio Tejo e dizer depois que tinha sido um acidente. Face a esta conversa,

1 Pina, Crónicas, pp. 864-865.


2 Mendonça, 1991, pp. 31-38.

75
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

D. Jorge saiu de Portugal e conta também o cronista que haveria de lembrar


o episódio como a ocasião da sua vida em que tivera mais medo1. De 1480
a 1508, ano da sua morte, não mais deixaria Roma, embora tenha sido arce-
bispo de Braga entre 1501 e 1505, por morte de outro D. Jorge da Costa,
seu irmão ou sobrinho2.
Não voltou D. Jorge ao reino, mas não deixou de chamar a si avultados
rendimentos eclesiásticos com que se mantinha em Roma como o grande
magnate da Igreja que era. Nem de se ocupar na cúria romana de tudo o que
dizia respeito a Portugal; nem tão-pouco de fazer pela prosperidade de ir-
mãos, sobrinhos e outros protegidos. Para o caso português, o cardeal Alpe-
drinha é o melhor exemplo de figura típica do alto clero pré-tridentino, com
o nepotismo, o absentismo e a acumulação de benefícios e rendas eclesiásti-
cas que lhe andam associados. Dele teremos ocasião de falar mais vezes nesta
biografia.
D. Afonso V pretendia fazer do convento que tinha fundado no Varatojo
o seu lugar de retiro do mundo. Era este mais um convento da observância
franciscana, invocando a figura de Santo António de Lisboa, situado a 35 lé-
guas de Lisboa. Fundado por Afonso V em 1470, e construído durante a ex-
pedição a Arzila no ano seguinte, o convento dispunha de aposentos próprios
para o rei. Segundo o cronista respetivo, Frei Manuel de Maria Santíssima,
o rei mandou fazer uma tribuna junto ao coro a fim de nele rezar com os re-
ligiosos e ouvir missa, provida de uma janela para o exterior, da qual falava
ao povo e repartia esmolas, conservando-se ainda nela (ao tempo em que
o autor escreveu) a cadeira onde se sentava o fundador3. Diz o cronista da or-
dem que também mandou fazer um tanque onde se podia tomar banho no
verão. Tudo abundantemente marcado pelas armas e pelo timbre do rei, de-
vidamente acrescentado depois da derrota de Toro com símbolos da sua desi-
lusão4. Estes são alguns dados da história do convento do Varatojo segundo
o seu cronista. Note-se no entanto que, embora podendo consultar fontes
inéditas desaparecidas nos nossos dias, a cronística das ordens religiosas (tal
como outra cronística qualquer) era um instrumento de propaganda, e as
crónicas eram elaboradas com critérios historiográficos muito diferentes dos

1 Resende, Crónica, p. 23.


2 Mendonça, 1991, pp. 63-74. Esta autora sugere que D. Jorge podia ser sobrinho
e não irmão do cardeal.
3 A janela original ainda hoje se encontra no edifício, e a cadeira atualmente exposta no

Museu Nacional de Arte Antiga.


4 Um «E» e um 7, representando a eternidade e os sete pecados capitais (Maria Santís-

sima, História da fundação, pp. 10-70).

76
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

atuais. Ainda segundo este autor, mais tarde, a seguir à morte do seu único
filho, D. Leonor e D. João II haveriam também de se refugiar no convento
uns dias, a fim de juntar forças para poderem retomar a sua vida pública, in-
terrompida pelo desgosto1. Ajudava na popularidade deste tipo de conventos
a memória do santo franciscano português, Santo António de Lisboa. A ge-
nerosidade régia incluía contrapartidas, como neste caso a reserva do direito
de padroado que Afonso V obteve do papa Sisto IV em 1472, reservando-o
para si e seus sucessores2.
Todos os cronistas referem o estado de espírito de D. Afonso V nos últi-
mos quatro anos de vida, a seguir à derrota de Toro, como de desilusão pro-
funda. Afastado da sua segunda mulher por imposição dos vencedores caste-
lhanos, secundarizado por um filho cada vez mais familiarizado com os
problemas do mando, muitas vezes chamado a substituí-lo, esta imagem de
um rei recolhido num convento é também relativamente comum entre os
monarcas e nobres de alta estirpe da época, embora nem todos renunciassem
às suas obrigações.
O rei haveria de morrer em Sintra, no mesmo quarto onde nascera qua-
renta e nove anos antes. No seu último mês de vida, nasceu o segundo dos
seus dois únicos netos, Jorge, filho da ligação adulterina entre o príncipe
D. João e D. Ana de Mendonça, uma fidalga de família ligada à Ordem de
Santiago de Espada, da qual o próprio rei era grão-mestre por esses anos3. Ela
própria viria a ser comendadeira do mosteiro de Santos, casa-mãe do ramo
feminino desta ordem militar. D. Ana era também uma das donzelas da casa
da Excelente Senhora, e tudo aponta para que o rei e ela tivessem gerado o fi-
lho em novembro do ano anterior, pela altura em que tivera lugar a profissão
de fé da Excelente Senhora nas clarissas de Coimbra4. Não sabemos se Afon-
so V teve conhecimento da existência deste neto, ele que não tinha nenhum
filho ilegítimo reconhecido, mas, uma vez mais, passava-se com o seu nasci-
mento aquilo que ocorrera cinco anos antes com o do herdeiro legítimo
Afonso. Então, era a expedição a Castela para participar na guerra de suces-
são que se preparava; agora a morte do rei obrigava à sucessão de D. João II,
com as inevitáveis cerimónias de levantamento. Por ocasião destes dois nasci-
mentos, portanto, outros acontecimentos de maior importância os parecem
ter ofuscado. O certo é que, estranhamente, nem o batismo de Afonso foi re-

1 O cronista Garcia de Resende afirma a mesma coisa (Crónica, p. 205).


2 Maria Santíssima, História da Fundação, p. 35.
3 Luís Adão da Fonseca, 2005, pp. 221-225.
4 Freire, 1996, pp. 145-168.

77
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

ferido nas crónicas, talvez porque, numa conjuntura de guerra, e estando


o príncipe longe de D. Leonor, não chegou a constituir notícia1.
Chamado à pressa pelas notícias da agonia do pai, chegou o príncipe
a tempo de o ver ainda com vida. A suspeita de peste haveria de aflorar na
mente dos historiadores, por o seu corpo ter sido levado imediatamente para
a Batalha num ataúde atado ao dorso de uma mula, e sem grande comitiva
a acompanhá-lo2.
D. João II seria levantado rei dias depois da morte do pai, ocorrida a 28
de agosto. Nestes anos, D. Leonor parece ofuscada pelo brilho do marido,
agora rei. Não se lhe conhece nenhuma atividade digna de nota, mas sabe-
mos que o filho bastardo do marido foi objeto de algum mal-estar. É de sa-
lientar que o príncipe D. Afonso vivia então longe dos pais, refém das terça-
rias de Moura. As crónicas falam todas das saudades que os pais tinham dele,
e da dor que a sua ausência lhes provocava: não lhes era permitido visitar
o filho, mas apenas zelar à distância pelo seu bem-estar.
Entretanto, aos três meses de idade, e portanto nos inícios do outono
desse ano de 1481, o pequeno Jorge faria o caminho para Aveiro, onde o es-
perava a tia Joana, única irmã do pai. À semelhança do que acontecia com
tantas crianças nesta época, cresceria longe dos seus pais biológicos. Nem por
isso desprovido de cuidados e de luxos, uma vez que, como vimos, a existên-
cia da tia era tudo menos despojada3.
Detenhamo-nos um pouco sobre o ritual de passagem que marcava o no-
vo estatuto de rei do príncipe: a cerimónia do levantamento. Em Portugal
cabe notar que era o único existente, ao contrário de outros reinos, que
incluíam cerimónias de coroação e unção dos monarcas. O levantamento
consistia essencialmente no reconhecimento oficial do novo rei por parte dos
povos das cidades, consubstanciado nos seus colégios municipais. Curiosa-
mente, as câmaras faziam elaborar um ato notarial da cerimónia, como para
certificarem a sua lealdade perante o novo rei. Ouçamos o instrumento nota-
rial efetuado pela cidade de Lisboa: a 1 de setembro de 1481 o notário era
chamado à câmara da cidade. Nela se encontravam a vereação e os oficiais,
juntamente com o corregedor, Rui Lobo. Este trazia oficialmente a notícia
da morte de Afonso V, e ordens para que a cidade, «principal e cabeça destes
reinos», levantasse D. João por rei. Tomaram então a bandeira nas mãos,
desceram as escadas do edifício da câmara, e cá em baixo tinham à sua espera

1 Pina, Crónicas, p. 831; Resende, Crónica, p. 7.


2 Pina, Crónicas, p. 879; Gomes, 2006, p. 271.
3 Gomes, 2006, pp. 97-101.

78
DE PRINCESA A RAINHA: DO CASAMENTO À MORTE DE AFONSO V (1471-1481)

o conde de Abranches, D. Fernando de Almada, capitão dos reinos e alferes


da cidade, a quem fizeram entrega da bandeira. A seguir, o alferes partiu em
procissão pela cidade, acompanhado de fidalgos, membros do cabido e povo.
Parou em doze pontos da mesma, para proceder em voz alta à proclamação:
«Real, real, real, pelo mui alto e muito poderoso rei D. João nosso senhor.»
A que o povo respondia: «Real, real, real.» A décima terceira e última para-
gem foram as portas do castelo de São Jorge, dentro do qual se encontrava
o paço real, onde a bandeira ficou finalmente hasteada numa das torres1.
Não sabemos se estes clamores chegaram à rainha. Assim como também
nunca saberemos qual foi o seu estado de espírito por se ter consubstanciado
a expectativa principal do seu casamento, porque, afinal, tinha casado quase
dez anos atrás com o príncipe herdeiro do trono. É altura, caro leitor, de pas-
sarmos ao capítulo seguinte, o dos seus anos de rainha enquanto o marido
foi vivo. Anos muito pesados, como haveremos de ver. Tempos díficeis espe-
ravam D. João II, que haveriam de atingir D. Leonor diretamente. É sobre as
mortes do cunhado, o duque de Bragança marido da sua irmã Isabel, e de-
pois de D. Diogo, seu irmão, que falaremos no próximo capítulo. Na origem
deste mal-estar familiar, e como seu pano de fundo, estava precisamente
o rescaldo da guerra com Castela.

1 Oliveira, Elementos, Parte I, T. I, pp. 339-345.

79
Capítulo 3
Rei contra duques: Leonor foi à guerra?
(1481-1489)
«Convém notar que se inspira ódio tanto pelas boas como pe-
las más acções. Além disso, se o príncipe quer conservar os
seus Estados, vê-se muitas vezes constrangido a não ser bom.»
Maquiavel, O príncipe, p. 103

N ão se podem separar os anos 80 do século xv dos acontecimentos


políticos que marcaram o primeiro quinquénio dessa década. Ou
seja, duas conspirações contra D. João II, orquestradas pelas duas casas du-
cais do reino, que não ao acaso registaram o protagonismo da parentela pró-
xima da sua mulher Leonor. Embora afastadas cerca de ano e meio entre si,
tiveram, como veremos, relações de causalidade estreitas. A primeira teve co-
mo protagonista o duque de Bragança, D. Fernando, casado com Isabel —
irmã de Leonor —; a segunda, o duque de Viseu, D. Diogo, irmão da pró-
pria rainha. Ambas tiveram desenlaces sangrentos, dos quais D. João II saiu
vitorioso, embora as vicissitudes posteriores lhe tenham amargurado o sabor
da vitória. Em todo o caso, como veremos, nada do que aconteceu nesses
anos foi de molde a facilitar as relações entre marido e mulher.
Não farei neste capítulo nenhuma reinterpretação destas duas conjuras,
porque não me reconheço habilitações para tanto. O assunto tem despertado
o interesse dos historiadores desde o século xvii, em boa parte porque com
a subida dos Bragança ao trono na época da Restauração se procurou lavar
a imagem de traidores que a família não podia manter no seu novo régio es-
tatuto. No século xix, sucederam-se os trabalhos históricos, nomeadamente
aqueles que procuravam dar à estampa todo o material documental existente
sobre as conspirações, numa linha histórica fortemente devedora das ideias

80
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

positivistas. Entre estes autores, cabe salientar Anselmo Braamcamp Freire,


que procurou rastrear e publicar todos os documentos sobre as conjuras, com
o objetivo de que os seus leitores fizessem juízos imparciais. Foi por esta épo-
ca que se forjou a ideia de D. João II como príncipe perfeito, ainda que essa
imagem fosse possibilitada pela amorosa devoção com que o seu criado Gar-
cia de Resende escreveu a sua crónica, bem como os juízos sobre o rei emiti-
dos por outro dos seus admiradores: Damião de Góis. Embora este não fosse
contemporâneo do rei, mas pertencesse à geração seguinte, escreveu uma cró-
nica destinada a narrar os anos em que D. João foi príncipe, com o fim de
completar as duas crónicas já existentes, que contavam a história da sua vida
durante o seu reinado1. Para estes autores, o elogio de D. João II tinha como
mensagem subliminar, segundo creio, a ideia de que quando escreviam as
suas obras o governo do reino estava menos bem entregue. Decerto nem Re-
sende nem Góis o podiam dizer abertamente, mas não foi seguramente o ca-
so de Braamcamp Freire já na viragem do século xix para o xx2. No sécu-
lo xx, outros historiadores retomaram a velha questão das conspirações, e a
eles me reportarei.
Numa biografia estão geralmente ausentes propósitos inerentes à histo-
riografia de teor comparativo. Não será demais, no entanto, contextualizar
estas conspirações no quadro da própria evolução do poder dinástico nos rei-
nos europeus, para assinalar brevemente que por toda a Europa do século xv
e inícios do século xvi as conspirações faziam correr muito sangue. O rei de
Inglaterra Ricardo III foi suspeito de ter eliminado dois herdeiros do trono
encarcerando os sobrinhos na Torre de Londres em 14833. Em abril de 1478
a conspiração dos Pazzi, efetuada em plena missa dominical, assumiu um ca-
ráter sacrílego. Nela morreria Juliano de Médicis, esfaqueado dezanove ve-
zes4. O seu irmão, Lourenço, o Magnífico, conseguiu fugir e barricar-se na sa-
cristia da catedral de Florença até chegar ajuda; no seguimento da sua vitória
os conspiradores foram castigados sem misericórdia por Lourenço e pelo
povo da cidade5. Como veremos, D. João II não foi original na forma como
debelou as conspirações, nem usou métodos inéditos; dito de outra forma,
estava perfeitamente inserido no contexto violento e vindicativo da alta polí-

1 Góis, Crónica do príncipe, 1977.


2 Escreve Braamcamp Freire: «Deixou D. João II o reino rico, próspero, respeitado e te-
mido. Junto do seu ataúde não deverão comparecer os governantes destes últimos tempos,
que trouxeram a nação ao estado vilipendioso em que se encontra, e que não merece» (Frei-
re, 1996, vol. i, p. 143).
3 Fields, 2006.
4 Hale, 1977, pp. 66-67.
5 Martines, 2004, pp. 111-149.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

tica da época. Eram ainda tempos em que o princípio da primogenitura não


tinha regularizado o acesso ao poder supremo, e por toda a parte eclodiam
lutas de fações. Dentro da mesma família real, como no caso inglês e portu-
guês; entre famílias rivais, no caso florentino, num contexto em que a repú-
blica não tinha ainda sido substituída pelo grão-ducado da Toscânia.
Poderíamos dizer, de forma muito esquemática e até grosseira, que até ao
século xv ou inícios do século xvi os reis não precisavam de sair dos palácios
para correrem perigo de vida. Muitas vezes os conspiradores eram próximos
do rei, fazendo parte da sua parentela ou criadagem. Em contrapartida, na
Idade Clássica (1600-1789) sucederam-se os atentados que aproveitavam
deslocações do rei, perpetrados por indivíduos a soldo de conspiradores. Ou
seja, desapareceu o fraco hábito de os interessados sujarem as mãos (como
acontecerá com D. João II, em legítima defesa, se acreditarmos nas crónicas).
Houve também formas menos aparatosas de homicídio, como os venenos,
difíceis de provar na época devido à inexistência de autópsias. Mesmo em
Portugal, os nossos cronistas falarão muitas vezes de suspeitas de peçonha
(envenenamento). Um dos casos mais conhecidos é o da rainha D. Isabel,
mulher de Afonso V, e filha do infante D. Pedro, caído em Alfarrobeira,
morta aos 23 anos, seis meses depois de dar à luz D. João II1. O marido da
nossa biografada é a hipotética vítima de envenenamento mais ilustre de
todas, uma vez que ainda hoje se escreve sobre o assunto2. Mas lançou-se
a suspeita de «peçonha» ainda sobre a morte de Afonso V: uma das acusações
que recaíram sobre o marquês de Montemor foi a de ter propalado que
D. João II tinha mandado envenenar o pai em Sintra3. No entanto, desenga-
ne-se o leitor, porque estas acusações significam muito pouco ou até nada.
O envenenamento era praticamente impossível de provar; era demasiado fá-
cil acusar alguém de o ter cometido. Mas que as acusações de envenenamen-
to rolavam facilmente, não há por onde negar. E as pessoas tinham medo
dele: como não pensar, por exemplo, que a Excelente Senhora, ao preferir o
convento à convivência com castelhanos nas terçarias de Moura, estava a pre-
caver-se de ser envenenada?
Os séculos xvii e xviii serão atravessados por atentados: alguns ficaram
célebres, até na história de Portugal, como o episódio da tentativa de assassí-
nio de D. José atribuída aos Távoras4. No século xv e inícios do século xvi,

1 Pina, Crónicas, p. 771.


2 Mendonça, 2005, pp. 359-374.
3 Freire, «Cartas», vol. i, p. 443.
4 Monteiro, 2006, pp. 104-133.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

como se disse, os reis não precisavam de sair do palácio para correrem perigo
de vida.
Interessa-me aqui analisar as conspirações contra D. João II do ponto de
vista de D. Leonor. Sabemos há muito que os seus sentimentos nos estão ve-
dados por uma impossibilidade técnica. Mas aqui e ali, fui tentando recolher
referências ao que se podia ter passado com a rainha naqueles anos tão ingra-
tos para a sua parentela próxima. Teria a rainha estado implicada nas conspi-
rações? É pouco provável, porque o seu filho era o herdeiro legítimo do tro-
no, e seria espinhoso confiar quer no cunhado quer no irmão para
assegurarem os seus direitos. Quem lhe garantiria que estes, mesmo prome-
tendo dar o trono ao príncipe, o fariam quando o príncipe chegasse à idade
de governar? Por outro lado, se esteve implicada, como poderia D. João II
proceder contra ela? Como poderia ele explicar a condenação de uma mu-
lher, ainda para mais a sua? E Beatriz, mãe do duque de Viseu e da rainha?
Teria estado a par do que se passava? Qual a participação destas figuras nos
bastidores das conjuras?
Os textos não andam muito longe de sugerir que a rainha sabia do que se
estava a passar, ainda que pudesse não saber tudo. E sabemos também taxati-
vamente que sua mãe D. Beatriz comungava dos interesses do seu genro e fi-
lho. As suas cartas não deixam dúvidas sobre as suas lealdades relativamente
aos grandes senhores do reino, sendo que ela mesma era um dos mais impor-
tantes entre eles, enquanto viúva do duque de Viseu-Beja e infanta por direi-
to próprio. Mãe e filha podiam ter participado nas conjuras, ou pelo menos
percebido as ameaças a pairar no ar. Vê-lo-emos mais à frente.
Vejamos sumariamente o que os textos dizem que se passou, procurando
transmitir a versão dos vencedores e dos vencidos. É obvio que nem uns nem
outros contarão a verdade, parcial ou total que seja: quando falamos de rela-
tos de acontecimentos nunca podemos ter a certeza de nada. As conspirações
podiam nem sequer ter existido, e constituir manobras maquiavélicas de
D. João II para eliminar a concorrência em tempos de afirmação das monar-
quias face a aristocracias demasiado poderosas e turbulentas. Pelo menos
a ocorrência da primeira delas, em que morreu o duque de Bragança, é nega-
da por alguns historiadores. Entre eles, conta-se Rodrigues Lapa, autor de
um minucioso estudo sobre o fim das terçarias e sobre a prisão e consequente
execução do duque, e, mais recentemente, Pina Martins1. Perante todas essas
hipóteses, mais não podemos fazer do que voltar a ler a documentação e re-

1 Lapa, 1927, p. 210; Martins, 2002, p. ix.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

fletir sobre as narrativas que constroem, quer estas sejam verdadeiras, falsas,
ou as duas coisas ao mesmo tempo — o que parece mais plausível.
Veremos com algum detalhe estes três episódios. O primeiro contará
a história dos antecedentes próximos das hostilidades, o segundo o da prisão
e julgamento de D. Fernando II, terceiro duque de Bragança, e o terceiro
a morte do duque de Viseu, D. Diogo. Não será fácil narrar estes aconteci-
mentos, uma vez que protagonistas e motivos se misturam confusamente,
como em todas as conspirações. Ainda para mais, tentaremos ouvir os cons-
piradores através dos textos que deixaram: queremos tentar perceber ambos
os lados da questão, uma vez que é próprio dos assuntos controversos cons-
truírem narrativas antagónicas. Não sabemos se conseguiremos os nossos in-
tentos neste capítulo, mas em todo o caso cabe-me explicar porque o faço,
quando poderia esquivar o assunto (sim, leitor, os autores só escrevem sobre
o que querem, como já deve ter suspeitado...). A razão é muito simples. Há
várias coisas nesta história que lembram Shakespeare, para além do contexto
histórico vagamente próximo (finais da Idade Média e Renascimento): o en-
redo trágico, a turbulência do contexto familiar que evoca, a violência das
paixões que nela se cruzam. Afetos desencontrados, ambições de poder, riva-
lidades e faccionalismos: mistura explosiva a que ainda não somos alheios
neste início do século xxi e que, justamente por isso, tem todos os ingredien-
tes para cativar a nossa atenção.

3.1. Do mal-estar à conspiração: o caso do duque de Bragança


Para compreender o que se passou, é preciso explicar as circunstâncias
que causavam mal-estar entre a grande nobreza do reino. Embora as pudésse-
mos fazer remontar aos tempos em que D. Afonso V agraciava liberalmente
os seus fidalgos, originando uma escalada de poder da nobreza, os primeiros
atos do novo rei desenganaram todos aqueles que poderiam esperar continui-
dade dessa política por parte de D. João II. A mensagem que este quis fazer
passar foi precisamente a de que podiam contar com um rei diferente do an-
terior. Por isso mesmo, as Cortes de Évora, começadas logo no ano da morte
de D. Afonso V, têm sido consideradas como o ponto de partida da turbu-
lência política que se arrastou até 1485, ano em que foram dadas as últimas
sentenças contra os réus acusados de terem conspirado contra o rei.

3.2. O arranque das hostilidades: Évora, novembro de 1481


Segundo Rui de Pina, adivinhava-se já no fim da vida de Afonso V que
mais tarde ou mais cedo haveria conflitos entre o príncipe e o duque de Bra-

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gança. O cronista alude a conversas sigilosas — «práticas secretas» — que ti-


veram lugar entre pai e filho na vila de Beja, antes de o rei ir para Sintra, on-
de viria a falecer1. E de facto assim foi, como veremos.
O mal-estar entre D. João II e a nobreza senhorial do reino estabeleceu-
-se logo nas Cortes de Évora, convocadas para novembro daquele ano de
1481. Dias antes de dar início às cortes, D. João II reuniu o seu conselho
e logo aí se levantaram desvairadas vozes (isto é, houve opiniões diferentes)
quanto a determinar se o auto de obediência teria lugar juntamente com as
cortes que se estavam para realizar, ou em cerimónia distinta. Não era uma
questão inocente: tratava-se de um compromisso de fidelidade que a alta fi-
dalguia do reino devia por hábito a cada monarca no início do reinado respe-
tivo, e era por regra feito em separado das cortes. Por ora, os interesses de
D. João II parece terem prevalecido: ficou resolvido que o auto de obediên-
cia seria feito na mesma sala das cortes e que o ato seria presenciado por to-
dos os senhores, prelados e procuradores dos concelhos. Para Rita Costa Go-
mes, que estudou estas cortes com grande cuidado, temos já duas novidades
importantes: o novo rei preparou as cortes cuidadosamente através da reu-
nião de um conselho régio, e reuniu num só atos cerimoniais normalmente
efetuados em separado2.
Em vez de durarem um mês, as cortes duraram cinco meses e meio, es-
tendendo-se de 12 de novembro de 1481 a abril do ano seguinte, e levantan-
do arraiais de Évora por causa da peste no final de janeiro, para continuarem
em Montemor-o-Novo e Viana do Alentejo. Foram as cortes medievais por-
tuguesas que mais tempo estiveram reunidas sem interrupção, uma circuns-
tância que o principal historiador das cortes portuguesas medievais, Armindo
de Sousa, atribuiu à vontade política do rei D. João II3.
Nas cortes, ainda segundo Rita Costa Gomes, foram várias as circunstân-
cias que provocaram o descontentamento da alta nobreza, em particular o do
duque de Bragança, cunhado do rei, e o da sua tia e sogra, a infanta D. Bea-
triz, duquesa de Beja. D. João II fez questão de obrigar os senhores a prestar-
-lhe homenagem, sem que o rei retribuísse o juramento, o que aumentava
a distância entre o rei-senhor e os seus vassalos; o juramento de fidelidade es-
tendeu-se a todos os nobres no quadro da homenagem, uma vez que os fidal-
gos presentes juraram pelos ausentes. Todos os castelos, mesmo os de «juro
e herdade», isto é, os detidos hereditariamente, tinham o mesmo tratamento

1 Pina, Crónicas, p. 879.


2 Gomes, 1998a, pp. 250-252 e 255.
3 Sousa, 1990, vol. i, pp. 420-426.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

dos detidos em «préstamo», que eram vitalícios (aqui o duque de Bragança


protestou, invocando a «tradição de Espanha»). O rei complicou as coisas pa-
ra estes fidalgos, ao exigir que a homenagem se realizasse condicionalmente,
estabelecendo um prazo para apresentarem um documento comprovativo da
tal dispensa num prazo que se estenderia até janeiro de 1483. Ou seja, no ato
solene do dia 12 «o duque devolvera ritualmente em nome da grande nobre-
za todas as mercês ao rei, esperando que lhe fossem confirmadas», sem que
essa confirmação fosse automática1. O facto de o rei obrigar os fidalgos a apre-
sentar certidões vexou-os profundamente2. Para além de obrigar estas pessoas
a certificar um direito que elas entendiam não necessitar de confirmação, pa-
ra muitos, apresentar comprovativos de que usufruíam de terras do rei de
forma hereditária constituía uma impossibilidade prática. Os papéis, ou nunca
tinham existido, ou se encontravam em mau estado. Finalmente, o rei pre-
tendeu introduzir corregedores nos seus territórios: uma afronta, porque
uma das marcas do senhorialismo era a quase total independência jurídica
dos senhores. Nas Ordenações Afonsinas lê-se que os infantes não só esco-
lhiam os seus ouvidores, como também não entrava nenhum corregedor do
rei nas suas terras, com a observação de que não se tratava de um privilégio,
mas sim de uma graça concedida pelo rei, D. Afonso V3. Ora, como vimos
atrás, D. Beatriz tinha conseguido do mesmo rei os privilégios de infantes
para os seus filhos rapazes4. A própria infanta D. Beatriz escreveu ao rei desa-
conselhando-lhe a medida5. Na sequência, D. Fernando, duque de Bragança,
induziria até os procuradores das suas terras a declarar no decurso das cortes
que a justiça nos seus senhorios era superior à do rei6. Manuel Rodrigues La-
pa chamou a atenção para o facto de D. João II pretender adjudicar exclusi-
vamente ao rei o direito de armar cavaleiros, uma sugestão que não foi reto-
mada por nenhum dos historiadores posteriores7. As fricções sucederam-se.
Foi um início de reinado que augurou pouca coisa de bom em termos de paz
entre o rei e os seus, se tivermos em mente que o rei era então apenas o primus
inter pares, e não o eleito de Deus para governar. O mal-estar estava criado
e mais não faria do que aumentar nos anos seguintes. Mas será um erro ver
em todo este processo uma marca da originalidade do rei: Isabel, a Católica,

1 Gomes, 1998a, pp. 245-264; citação na p. 261.


2 BPMP, ms. 599, fls. 44v-45.
3 Ordenações Afonsinas, L.o II, tít. 40, § 5.
4 Ver capítulo i, p. 24.
5 Chaves, Livro de apontamentos, pp. 284-286.
6 Sobre os privilégios jurisdicionais dos Bragança, cf. Cunha, 1990, pp. 112-119.
7 Lapa, 1925, vol. 35, p. 174; Chaves, Livro de apontamentos, pp. 172-173.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

iniciou um processo de certificação semelhante relativamente às rendas da


nobreza nas Cortes de Toledo de 1480, e haveria também de implantar o sis-
tema dos corregedores1.

3.3. Convento do Espinheiro: o rei reúne conselho antes das


cortes
Temos, no livro de apontamentos de Álvaro Lopes de Chaves, algumas
notas sobre o que se passou no conselho que precedeu a abertura de cortes,
e no qual foram tomadas as decisões fundamentais relativamente à forma co-
mo se processaria o juramento de fidelidade. Em primeiro lugar, fixava-se
uma hierarquia: os primeiros a prestá-lo seriam, por esta ordem, D. Beatriz,
o duque de Viseu e só depois o duque de Bragança2. Sublinho aqui este deta-
lhe porque está longe de ser aleatório, mas confirma as precedências fixadas
na corte, que, como sabemos, seguiam de perto as hierarquias existentes, e ri-
tualizavam-nas de modo a dá-las a conhecer a todos sem ambiguidades nem
equívocos. Também a forma como o rei se devia apresentar era fixada de an-
temão: a casa (divisão) onde tivesse lugar devia estar paramentada com panos
de arras e a cadeira do rei coberta de brocado. Atrás dela também um dossel
de brocado; o rei, esse, vestiria opa de estado de veludo preto, por causa do
luto pelo pai; se não fosse o caso vestiria brocado também, como a cadeira
e o dossel3. Seria também depois deste juramento que se mudaria a forma do
luto para o azul: uma mensagem clara, portanto, de que era tempo de ir co-
meçando a esquecer o rei recentemente falecido e obedecer ao seu sucessor.
A forma das menagens seria a seguinte: cada um devia dizer as palavras
de obediência por si e pelas pessoas que representava no caso de ter procura-
ção; alguns prestariam ainda juramento pelo estado que representavam. To-
davia, no que toca ao beija-mão, seria dado por todos os indivíduos a quem
aquele particular juramento dissesse respeito. Durante toda a cerimónia os
presentes estariam em pé, excetuando o secretário, que devia escrever os au-
tos de joelhos; no momento da menagem o interessado ajoelhava-se diante
do rei. Até aqui, a preparação da cerimónia decorreu sem novidades, mas
a polémica instalou-se por causa das inovações pretendidas pelo novo rei,
que suscitaram vivos protestos no conselho. Entre os protestos a voz do du-
que de Bragança deve ter-se ouvido particularmente alto: «foi o duque ouvi-

1 Gomes, 1998a, 261-262.


2 Chaves, Livro de apontamentos, p. 110.
3 Chaves, Livro de apontamentos, p. 112.

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do em conselho, o qual deu muitas razões, e acabado que falou se foi do con-
selho e deu-se esta determinação». Ou seja, a decisão final foi tomada já sem
a presença do duque, que se tinha retirado. Bastante mais velho do que o rei,
homem experiente, haverá de se ter sentido agravado com as novidades que
este, apenas chegado ao trono, introduzia na governação do reino.
O conselho elaborou um texto final, que corresponderia ao juramento
que cada fidalgo assinaria no final da cerimónia1. Os detentores de fortalezas
obrigavam-se a nelas acolher o rei quando este o solicitasse, a fazer guerra
e paz por sua ordem e a entregar-lhas quando o rei o determinasse, a ele ou
a alguém com poderes para tal. Compreende-se o que enraivecia os fidalgos:
não apenas a perspetiva de ter de entregar as fortalezas a mando do rei, mas
fazê-lo por interposta pessoa, a mandantes seus.

3.4. Jurando fidelidade ao rei


Observemos um pouco mais de perto a cerimónia do juramento, que te-
ve lugar na sala grande dos paços de São Francisco de Évora a 12 de novem-
bro. Nos atos oficiais de importância, não só se fazia um relato do ocorrido,
semelhante às atuais atas, mas também havia o cuidado de lavrar escrituras
notariais. O auto foi lavrado por dois secretários (os tais que deviam estar de
joelhos), Álvaro Lopes — o autor da fonte que estamos a seguir — e Afonso
Garcês, que escreviam também com capacidade notarial. Houve em primeiro
lugar uma arenga feita pelo doutor Vasco Fernandes, conforme era hábito
em circunstâncias solenes. A arenga constituía um discurso oficial, mais ou
menos retórico, efetuado por um letrado, e fazia-se nos casamentos da Casa
Real, por ocasião da entrada régia em cidades do reino, ou na receção de co-
mitivas de embaixadas, etc.
Nesse dia 12 de novembro o duque de Bragança foi o primeiro a jurar fi-
delidade, «posto em joelhos» por todos os seus. Em primeiro lugar pela so-
gra, a duquesa D. Beatriz, mãe da sua mulher Isabel, e irmã da rainha
D. Leonor, então em Beja, e pelo filho desta e duque de Viseu D. Diogo
e pelo seu irmão D. Manuel, cunhados dele e do rei2. Nenhuma destas pes-
soas podia estar presente, por causa das terçarias: D. Beatriz estava em Évora
tomando conta do príncipe D. Afonso e de Isabel (filha mais velha dos Reis
Católicos); D. Diogo e D. Manuel estavam em Castela3. Apenas uma au-

1 A fórmula do juramento é transcrita em Pina, Crónicas, pp. 900-901.


2 Chaves, Livro de apontamentos, p. 130.
3 Chaves, Livro de apontamentos, p. 112.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

sência parece um tanto forçada: a de Beatriz. O documento refere taxativa-


mente que estava em Évora, pelo que podia ter estado fisicamente presente.
Mas deve haver um engano no documento, e alguém trocou Évora por
Moura, que era afinal onde estavam as crianças. Como sabemos, a responsa-
bilidade pelo andamento das terçarias assentava sobre a infanta. Não admira,
portanto, e as cortes também não eram frequentadas habitualmente por mu-
lheres.
Em seguida, prestaram menagem outros grandes fidalgos do reino:
D. João, marquês de Montemor, era o único marquês à data e portanto não
representou ninguém além dele mesmo; seu irmão, D. Afonso, conde de Fa-
ro, jurou por si e por todos os condes do reino. D. Vasco de Ataíde, prior da
Ordem de São João do Hospital, por todos os cavaleiros da ordem; D. Fer-
nando de Meneses, filho herdeiro do conde de Vila Real, por si e em nome
de todos os fidalgos e cavaleiros dos reinos de Portugal e Algarves. Em segui-
da, prestou juramento o procurador de Lisboa, João de Estremoz, em nome
da sua cidade e por todas as outras cidades e vilas; finalmente, foi a vez de
D. João Galvão, bispo de Coimbra, em nome de todos os bispos, cleresia
e «estado eclesiástico»1. O que interessa apontar é que os três primeiros ho-
mens a colocar-se de joelhos para jurar fidelidade ao rei seriam precisamente
os principais acusados de o traírem em 1483, e pertenciam todos à Casa de
Bragança. Apenas o quarto irmão, D. Álvaro, não prestou juramento, porque
se englobava na categoria de fidalgo e foi portanto representado por D. Fer-
nando de Meneses. Eram estes os inimigos do rei. Note-se outro ponto signi-
ficativo: os Bragança eram quatro, todos irmãos, ao passo que o rei estava so-
zinho no trono, com uma única irmã longe em Aveiro. A família direta do
rei estava nitidamente em minoria. Acrescente-se o provável espírito de li-
nhagem dos irmãos Bragança, as ambições individuais e o orgulho próprio
de cada um deles, e vemos que D. João II tinha razões para se sentir ameaça-
do. Entre eles, avulta a figura de D. João, marquês de Montemor, que será
o mais frontal adversário do rei, não disfarçando em nada a sua animosidade
contra este. Logo durante as cortes, quando estas se mudaram para Mon-
temor-o-Novo, terra do seu marquesado, envolveu-se num conflito com o
arcebispo de Braga D. João Galvão2, a quem insultou por causa de um pro-
blema surgido na aposentadoria (alojamento) deste último em casa de um

1 Chaves, Livro de apontamentos, pp. 127-135.


2 Neste intervalo de tempo tinha chegado a sua nomeação para o arcebispado de Braga;
antes era bispo de Coimbra.

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«criado» seu. Vimos este prelado há pouco a jurar em nome dos outros bis-
pos portugueses; os Bragança votar-lhe-iam uma inimizade constante, princi-
palmente quando passou a bispo de Braga, a mais importante diocese do rei-
no1. Tendo o marquês insultado o bispo, o rei castigou-o com a expulsão da
vila2. A propósito deste incidente, a infanta D. Beatriz escreveu ao rei, pedin-
do-lhe «temperança» nestas coisas, «especialmente nesta que tanto toca ao
duque e a seus irmãos», isto é, que «sua senhoria queira ter maneira como
a todos pareça que o que ele fez ao marquês não foi por lhe ter má vontade
nem por folgar de o agravar mas que o que sua Alteza nisso fez foi por lhe es-
tranhar o que se passou entre ele e o bispo». Diplomática, sem dúvida, a car-
ta, mas é por demais óbvio o alinhamento da infanta pelo bando do duque
de Bragança; o rei, curiosamente, escreveu na resposta que lhe enviou que ti-
nha agido de forma refletida, devidamente apoiado pelo seu conselho3.

3.5. Cartas comprometedoras


Foi por ocasião do juramento de fidelidade que se lançou a primeira sus-
peita sobre o duque de Bragança. Quando este mandou um criado seu a Vila
Viçosa a buscar uns papéis — os tais que demonstravam deter terras de her-
dade e não de juro, este último veio denunciar ao rei ter descoberto uns do-
cumentos comprometedores para o duque, dando-lhos a ler. Continham vá-
rias cartas trocadas com a rainha de Castela. D. João II teve o cuidado de os
mandar transcrever e recolocar no seu sítio, e desde então deve ter mantido
os olhos bem abertos. Portanto, num primeiro momento, o duque não sabia
que o rei estava ao corrente das suas manobras, e este último disfarçou.
Vejamos o que diziam as tão faladas cartas, e os pecados em que o duque
incorria, uma vez que as conhecemos através do tratado de Lopo de Figueire-
do4. Nem todas são compreensíveis. A primeira, escrita pelo conde de Atou-
guia ao duque D. Fernando, quando D. Diogo se encontrava em Cáceres,
parece falar por códigos e é quase incompreensível. No entanto, na carta se-
guinte podemos ler claramente uma provocação. Ou seja, o duque de Bra-
gança escrevia à sua sogra, a infanta D. Beatriz, e sogra também do rei, sobre
casar um dos filhos desta com uma das filhas dos Reis Católicos. Para além

1 Sobre este bispo, cf. Almeida, 1967, vol. i, pp. 500-501 e 503.
2 Resende, Crónica, p. 38.
3 Chaves, Livro de apontamentos, pp. 290-293. Citações na p. 291.
4 BPE, Cód. CIII/2-20, fls. 3-9.

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de existirem, até por inerência dos acordos de paz com Castela no seguimen-
to da derrota de Toro, projetos de casar o príncipe herdeiro com uma destas
raparigas, a iniciativa do «negócio» soava claramente a atrevimento por parte
do duque e da infanta. Ainda que, como sabemos, os Reis Católicos dispu-
sessem à data de três filhas para negociar nos mercados dinásticos europeus,
e tivessem portanto oferta bastante para contentar vários pretendentes1. Por
outro lado, sabemos que nem todas as negociações de casamento eram frutí-
feras e muitas delas não chegavam a transformar-se em contratos de casa-
mento. A carta ilustra isso mesmo, já que um dos seus conteúdos é precisa-
mente o «dote» que a filha do rei de Castela haveria de trazer para a Casa de
Viseu-Beja. Um casamento que não passou do papel, como tantos outros.
A data é de 22 de agosto de 1480, ou seja, dias antes de o próprio D. Afon-
so V morrer em Sintra e de D. João II subir ao trono2. Daqui se pode talvez
inferir que o duque poderia ter alimentado eventualmente esperanças de o
fazer aprovar por D. Afonso V, goradas pela morte súbita deste último.
A terceira carta, escrita pelo duque em 11 de setembro do mesmo ano
a partir da cidade de Bragança, e dirigida a Lopo de Atouguia, um homizia-
do em Castela que serviu durante algum tempo de elo de comunicação com
os Reis Católicos, punha claramente o duque ao serviço destes últimos, sen-
do que talvez o mais grave residisse no facto de o fazer às escondidas do rei.
Escreveu até o duque: «há mais que falar, do que escrever». A resposta, de 20
do mesmo mês, não diz grande coisa (pelo menos em aparência), mas deixa
entrever um dado importante: os reis de Castela agiam com prudência, evi-
tando comprometer-se. Primeiro, este era um assunto mais de Isabel do que
de Fernando, uma vez que a parente direta de D. Beatriz era ela. Sendo Isa-
bel filha de uma louca, era natural que se tivesse afeiçoado à figura da tia,
que deveria ser o oposto da insanidade mental da irmã (aqui estou a especu-
lar, como o leitor muito bem sabe). Mas na carta seguinte, escrevia a própria
rainha de Castela uma missiva curta, em que protestava o amor que a unia
à tia Beatriz, e aludia a umas conversas com um tal Frei António, para quem
remetia o duque: «rogamos lhe deis inteira fé e confiança»3. A carta era de
Valhadolide, datada de 1481, ainda que o mês esteja penosamente ausente
do texto. Nesta época, as informações importantes não iam por carta, e a fi-
gura do interlocutor de confiança era fundamental. A minha experiência é de
que as cartas falavam mais depressa sobre trivialidades do que sobre matérias

1 A quarta filha Catarina, nasceria apenas em 1485.


2 BPE, Cód. CIII/2-20, fls. 3-3v.
3 BPE, Cód. CIII/2-20, fl. 4v.

91
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

de importância. Para estas últimas, havia o emissário, encarregue de dar oral-


mente os recados e de relatar as conversas também de forma presencial1.
O tratado de Lopo de Figueiredo concluía informando que o duque, por
ocasião das cortes de 1481-1482, dera instruções aos procuradores das suas
vilas e lugares no sentido de não deixar que D. João II retirasse prerrogativas
aos senhores nem fizesse entrar corregedores nas suas terras. Ou seja, trans-
formara os representantes do povo em seus agentes. Por outro lado, era acu-
sado de ter convencido a infanta D. Beatriz a fazer o mesmo relativamente às
terras de que era senhora. Finalmente, era o duque de Viseu, o jovem Diogo,
quem escrevia ao duque de Bragança, desagradado porque sua mãe escrevera
a este último dizendo que preferia que o filho casasse com Joana, irmã do rei,
em vez de com a filha bastarda do rei D. Fernando de Castela2. O que nos
leva a entender outra coisa: que lhe fora oferecido pelos Reis Católicos casa-
mento com uma filha ilegítima de D. Fernando, e portanto sem parentesco
de sangue direto com Diogo. Perante isto, é natural que a infanta D. Beatriz
lhe preferisse a infanta Joana, a «falsa» freira que continuava a ser alvo de co-
biças matrimoniais na remota vila de Aveiro, onde se fixara em 1472. As coi-
sas ficaram portanto neste ponto: o rei sabia que os dois duques faziam negó-
cios nas suas costas, e a sua decisão foi de aguardar a altura certa para agir.
Sabia também que, nesse contexto, D. Beatriz não era uma personagem neu-
tra, mas suficientemente inteligente para não dar ao rei provas de traição
aberta, muito embora, conforme o sabemos já, partilhasse as preocupações
do genro e do filho. Não a ponto, claro, de dar o aval a uma aliança «menor»
como a de casar o filho com uma filha ilegítima de Fernando.

3.6. Uma conversa séria


Até que, em 1483, durante o período da Quaresma, quanto estava em
Almeirim, o rei chamou o duque de Bragança e teve com ele uma conversa
dentro da cortina da capela do paço, em que o procurou chamar à razão. De-
tenhamo-nos um pouco sobre esta. A cortina era o lugar onde o rei e os seus
mais próximos assistiam à missa, com a vantagem de poder furtar conversas
e atitudes corporais aos olhares indesejados. Era também um lugar de honra,
para o qual o rei chamava os que queria distinguir com a sua atenção. Em
tempos de escassa privacidade, a cortina era um recinto que garantia algum

1 Posteriormente, iniciar-se-á em Portugal o costume de trocar correspondência cifrada.


2 BPE, Cód. CIII/2-20, fls. 5-5v.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

recolhimento à pessoa do rei. Mas era também um lugar sagrado, porque se


encontrava dentro da casa de Deus. Foi portanto aí, numa cortina instalada
na capela dos paços, que D. João II e o duque mantiveram uma conversa que
os cronistas transcrevem como se a tivessem ouvido. Real ou imaginária, per-
cebe-se porquê: é importante para eles apresentarem D. João II como um rei
justo e amigo, procurando prevenir do perigo alguém tão próximo em paren-
tesco e afetos como o 1.o duque do reino. Daí o cuidado efetuado na narrativa
deste procedimento, que, por não ter sido bem-sucedido, acaba por confir-
mar a «má-fé» e a «culpa» do duque conspirador. O motivo por que a con-
versa ocorreu naquela altura e naquele lugar prende-se também com a rainha
D. Leonor. Naquela altura «moveu» (abortou) uma criança, e esteve grave-
mente doente. O duque de Viseu, seu irmão, recém-chegado de Castela, e o
duque de Bragança, D. Fernando, tinham vindo vê-la a Almeirim.
Detenhamo-nos sobre o teor da conversa, tal como é narrada por Rui de
Pina. Não foi secreta, uma vez que o bispo de Viseu, D. Fernão Gonçalves
de Miranda, também capelão-mor do rei, a presenciou. Ficamos a saber, por-
tanto, que D. João II queria testemunhas. Começou o rei por lembrar ao du-
que que eram casados com duas irmãs, isto é, o ponto de partida do aviso co-
meça com um argumento relativo a uma pertença familiar comum.
A sucessão dos reinos (os Algarves, não nos esqueçamos, contavam como um
reino) tinha cabido a ele, D. João, e por isso D. Fernando devia-lhe obediên-
cia e lealdade. O duque reiterou-lhas, «porque os achaques não se escusam
entre os senhores e os servidores, pois os há entre os pais e os filhos»1. Já pos-
teriormente, veio o rei a saber que os quatro Bragança se tinham reunido no
Vimieiro depois de abandonar Almeirim, e depois três deles, com exceção do
duque de Bragança, se juntavam no convento do Espinheiro, nos arredores
de Évora. O duque, esse, tinha ido para Vila Viçosa, onde era mantido ao
corrente das reuniões2. Foi então que D. João II decidiu esperar pelo fim das
terçarias para agir. Entretanto, ainda durante essa Quaresma o rei foi visitar
a irmã (e muito possivelmente o filho bastardo que crescia em Aveiro, e an-
daria perto dos 2 anos de idade). Talvez por se encontrar ainda combalida
pelo parto ou desmancho, ou por não o querer acompanhar, a rainha deixou-
-se ficar por Almeirim. Diz o cronista que o rei regressou a tempo para passar
a Páscoa com a sua mulher em Santarém3.

1 Pina, Crónicas, pp. 909-912; Resende, Crónica, p. 201.


2 Pina, Crónicas, p. 911.
3 Resende, Crónica, p. 53.

93
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

3.7. Anatomia de uma conspiração (1483)


A 15 de maio, anuncia-se o fim das terçarias: um embaixador de Castela
chega para negociar o seu termo; o rei foi para Avis ao seu encontro com
a rainha e toda a corte1. Mais uma vez, a paz consolida-se perspetivando um
casamento. Desta vez, o do príncipe D. Afonso com Joana, filha segunda dos
Reis Católicos (a futura Joana, a Louca, mãe de Carlos V e da mulher de
D. João III, Catarina de Áustria). A única diferença é que Joana traria um
dote superior (para compensar por ser filha segunda, e portanto deter menor
valor dinástico). Mantinha-se ainda a ressalva de que o casamento se faria
com Isabel, a filha mais velha, se ainda estivesse descomprometida quando
o príncipe completasse os 14 anos.
Embora D. João II desejasse este desfecho das terçarias há muito tempo,
o facto é que o seu fim parece ter sido inesperado. D. Manuel, o filho mais
novo da duquesa D. Beatriz, irmão da nossa biografada, tinha partido para
a corte de Castela, e encontrava-se já em Freixenal, vila da fronteira castelha-
na, quando soube da notícia, tendo voltado para trás de imediato. Tinha re-
cebido do rei a sua casa no ano anterior; instalava-se agora na corte onde
o rei o criou «na sua cama»2.
Nove dias depois do encontro com o emissário de Castela, a 24 de maio,
em Moura, a infanta D. Beatriz procedia à entrega das crianças aos represen-
tantes dos pais respetivos. Seguiu o pequeno Afonso com a avó para Évora,
onde Beatriz o entregou pessoalmente ao pai. Coube ao duque de Viseu
acompanhar a primogénita dos Reis Católicos à fronteira, mas voltou a tem-
po de conseguir entrar com Afonso em Évora. Sabemos pelos cronistas
o quanto a ausência do rapaz, filho único, tinha sido penosa para os pais. Pa-
ra além de festejar o regresso do filho a casa, D. João II estava também pres-
tes a resolver outro tipo de problemas. Deu-se a entrada do príncipe numa
véspera do dia do Corpo de Deus; malgrado ser aconselhado em contrário
(note-se já o clima de desconfiança existente entre as partes envolvidas),
o duque de Bragança acorreu a Évora a participar nos festejos pelo regresso
do sobrinho. Foi então preso.
Note-se a forma epifânica como estes acontecimentos se desenrolam: ne-
gociações com Espanha, fim das terçarias, regresso do príncipe a casa, prisão
do duque. Tudo na segunda quinzena de maio. Sublinhe-se em todo este ca-
so o papel dos delatores: D. João está sempre ao corrente do que se passa via

1 Pina, Crónicas, p. 913.


2 Resende, Crónica, p. 71.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

criados dos Bragança que os vão traindo. Deste lado, não parece haver ne-
nhuma informação certa, mas o mal-estar e a ameaça pairam no ar: a ponto
de se dizer que o duque podia ter evitado ir a Évora. O facto de D. João II
ter esperado pelo fim das terçarias também demonstra uma de duas, ou am-
bas, coisas: que ele tinha medo da reação de Beatriz, sua sogra, e do duque,
ou temia pelo que os Reis Católicos pudessem fazer ao seu filho caso atacasse
o duque de Bragança. Daí que todas as decisões de D. João II tivessem sido
tomadas tendo o seu único filho como elemento decisivo.
O desfecho deste caso é igualmente rápido: em três semanas o duque foi
julgado, rapidamente condenado e degolado na praça de Évora. Os seus
companheiros de conspiração são executados ou fogem rapidamente para
Castela. Tudo escorado na legalidade da justiça, num processo em que parti-
ciparam alguns dos mais importantes juristas do reino. Um total de 21 juízes
votaram por unanimidade a sentença de morte do duque, dos quais se co-
nhecem os nomes de 19: cinco juristas, dois cidadãos de Évora e 12 nobres1.
Ao contrário do que haveria de suceder com a morte do jovem Diogo, duque
de Viseu, havia as provas documentais que D. João II tinha compilado,
e portanto matéria de julgamento. Diogo seria executado, e não julgado.
Mas também o julgamento do seu cunhado Fernando parece estranhamente
conforme à vontade do rei: 21 votos a favor da culpa do duque? Seja como
for, a sua sentença, datada de 20 de maio, inclui várias coisas importantes.
Em primeiro lugar, refere-se a cartas não incluídas no tratado de Lopo de Fi-
gueiredo, entre elas uma do marquês de Montemor, irmão do duque D. Fer-
nando, onde, entre outras coisas, este dizia que o trono de Portugal pertencia
a Fernando de Castela e instigava os Reis Católicos a enviar quatro mil lan-
ças à conquista de Portugal. E ainda uma acusação gravíssima: acusava-se
o duque de ter escrito à rainha de Castela dizendo que Afonso V tinha mor-
rido envenenado pelo bispo de Braga a mando de D. João II; o bispo era ini-
migo dos irmãos Bragança, também estes na mira do veneno de D. João II2.
Pedro Jusarte, criado do duque, fora a Castela com esta carta, mas voltara
quase de mãos a abanar. Isabel de Castela queria, ao que parece, dados con-
cretos: os nomes das fortalezas e das pessoas que estavam pelos Bragança. Fora
então que Pedro Jusarte colocara o rei ao corrente do que se estava a passar.
A sentença acusava também D. Fernando de se ter oposto ao desfazimento
das terçarias, conseguindo que o seu correio se adiantasse ao de D. João II.
Finalmente, culpava-se D. Fernando de ter cometido atropelos de justiça nas

1 Moreno, 1970, pp. 47-103.


2 Freire, «Cartas», vol. i, p. 394.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

suas terras: ou seja, uma insinuação clara de que D. João II precisava de lhes
pôr cobro, conforme era sua obrigação de rei. A sentença mandava degolar
o duque e confiscar todos os seus bens em benefício da Coroa.
Mais tarde, o doutor Diogo Pinheiro haveria de escrever um manifesto
pondo a nu as irregularidades de D. João II em todo o processo, e declaran-
do nula a sentença então proferida. Entre elas, a ausência de uma defesa do
duque durante o julgamento; o facto de as testemunhas serem conhecida-
mente inimigos dele; e de as escrituras apresentadas como prova serem cópias
de cópias, e não os originais. «Papelejos», como lhes chama o jurista. Mas
ainda mais: acusa os delatores e testemunhas de terem ficado com parte da
propriedade confiscada ao duque, e algumas delas de terem sido subornadas.
Lopo de Figueiredo tinha sido expulso da casa do duque por ser falsário e la-
drão; ficou com bens que o duque tinha em Lisboa. Uma das testemunhas,
que se recusou a falar contra o duque, a quem servia, foi degredada para São
Tomé, onde veio a morrer. Foi o único caso, porque todos os outros recebe-
ram não apenas a vida, mas também a abastança. Pinheiro acusa ainda Pedro
Jusarte de só ter denunciado a conspiração quando viu que os Reis Católicos
se desinteressaram do caso, e não antes. Aqui temos um ponto essencial:
Diogo Pinheiro está implicitamente a reconhecer que havia tratos com os
Reis Católicos por parte do duque ou dos seus irmãos. Mais à frente no tex-
to, implica nesses negócios o marquês de Montemor, como sabemos o mais
desabrido inimigo do rei, sem atribuir culpas ao duque. Diogo Pinheiro
escreveu este manifesto obviamente depois da reabilitação dos Bragança a
seguir à morte de D. João II, e, como seria de esperar, foi homem afeto a
D. Manuel I, que o fez desembargador do paço e bispo do Funchal logo no
ano da criação deste bispado em 15141.
Do ponto de vista da rainha, esta conspiração resultou na viuvez da irmã,
com filhos pequenos rapidamente expedidos para Castela, onde ficaram
a cargo da prima Isabel, a Católica, acompanhada da supressão da Casa de
Bragança em termos nominais e patrimoniais. A irmã Isabel ficou dependen-
te da mãe e dos irmãos, portanto, e afastada da companhia dos filhos, com
exceção de uma filha pequena, Margarida, que morreu pouco depois. Ao sa-
ber da prisão do marido, os três filhos varões foram rapidamente para a corte
dos Reis Católicos em Castela: Filipe morreria por lá, mas os outros dois, Jai-
me e Dinis, voltariam ao reino depois da morte de D. João II2. Mais tarde,

1 Sousa, Provas, T. III, Parte II, pp. 240-261; Almeida, 1968, vol. ii, p. 696.
2 Pina, Crónicas, p. 919.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

sabemos que Isabel vivia praticamente junto da irmã; por ora, parece ter-se
refugiado em Beja, junto da mãe, sem os filhos, e destituída da fazenda e tí-
tulo. O crime de traição em que o duque incorrera justificava plenamente
a supressão da Casa de Bragança e o confisco de todos os seus bens para
o rei. Foi precisamente o facto de este ter procedido a essa expropriação que
lançou a suspeita, tanto a contemporâneos como a historiadores, de que as
conspirações foram um pretexto para aumentar o património e rendas da
Coroa.
Não se pode portanto dizer que D. João II contrariasse o preceito de Ma-
quiavel segundo o qual nunca se devem fazer feridas pequenas aos inimigos1.
Nem que a corte de Isabel, a Católica não estivesse pronta a acolher os paren-
tes da rainha caídos em desgraça; os filhos do duque lá haveriam de perma-
necer durante treze anos2. Foram, sem margem para dúvidas, protegidos pe-
los reis Católicos, que os trouxeram na sua corte, e cujas despesas anotam
sempre os gastos com estas crianças3. Mas o silêncio dos reis em todo este ca-
so, bem como a ambiguidade das posições tomadas, permite sugerir que te-
riam tido um interesse meramente residual numa eventual destronização de
D. João II. Ou, pelo menos, a prudência ditou que aguardassem por factos
e menos por esperanças.
Mas o programa justiceiro de D. João II tinha claramente em mente eli-
minar toda a Casa dos Bragança: D. João, marquês de Montemor, tido como
o seu mais desabrido e acirrado inimigo, foi igualmente condenado4. É este
o personagem do qual se produz a imagem mais negra: de todos os ditos
conspiradores, é o único cuja oposição ao rei surge sempre claramente ex-
pressa. No entanto, a responsabilidade dos seus atos abatia-se sobre o irmão
Fernando, a quem competia, como chefe da casa, corrigir os desmandos da
sua gente5. Tendo D. João fugido para Castela, o rei fê-lo executar em efígie
em Abrantes, substituindo-o por uma estátua, da qual saiu sangue no mo-
mento da degolação, depois de lhe terem sido tirados todos os objetos que
simbolizavam poder: a espada (porque tinha sido desleal) e a bandeira (por-
que não tinha respeitado a honra e estado do rei). O boneco foi em seguida
despojado da «cota de armas, da armadura da cabeça e de todas as peças de
armas», até ficar em calças e gibão. Finalmente cortaram-lhe a cabeça, e foi

1 Maquiavel, O príncipe, p. 52.


2 Entre 1483, ano da fuga, e os finais de 1495, quando D. Manuel os manda regressar
ao reino.
3 Ladero Quesada, 1967a e 1967b.
4 Freire, «Cartas», vol. i, pp. 442-444
5 Luís Adão da Fonseca, 2005, p. 75; Cunha, 1990, p. 169.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

então que saiu o sangue. Finalmente, deitou-se fogo ao cadafalso onde estava
a estátua do justiçado. Mas é interessante que Resende conte que o marquês
tenha morrido com a notícia da sua execução: «e o marquês sendo disto sabe-
dor foi muito enojado, e triste, e daí a pouco tempo se finou em Castela, on-
de ele estava»1. Ou seja, perdida a sua dignidade (a ponto de ficar «desarma-
do»), o duque morreu.
O terceiro dos quatro irmãos, D. Afonso, conde de Faro, fugiu para
a Andaluzia, onde morreu passado pouco tempo. Apesar de Garcia de Resen-
de afirmar que o rei o considerou depois inocente, a sua sentença, dada já de-
pois da morte do conde, considerava-o culpado2. D. Álvaro, em contraparti-
da, saiu do reino com autorização do rei; fixou-se na corte dos Reis
Católicos, onde exerceu lugares de grande importância. Uma das suas filhas,
que tinha ficado em Portugal, foi criada na casa da nossa rainha e viria a ca-
sar com D. Jorge, filho bastardo do rei3. Voltaremos a falar deste casamento,
porque por alturas de 1483 D. Jorge tinha apenas 2 anos, e crescia no con-
vento de Aveiro com a tia, a princesa D. Joana. Ao contrário dos três irmãos,
D. Álvaro morreu velho, e seria inimigo confesso de D. João II até à morte
deste. Escreveria um fortíssimo libelo acusatório contra o rei, de que daremos
conta na devida altura.
D. Diogo, duque de Viseu, que D. João II sabia que alinhava pelo duque
de Bragança, recebeu apenas um raspanete do rei logo no dia seguinte à pri-
são do cunhado. O teor da repreensão mostra o quanto o rei tinha em consi-
deração o facto de o duque ser irmão da mulher. Mas não deixou de lhe dizer
que tinha matéria para o castigar como aos outros: apenas o parentesco —
era filho do irmão do pai do rei —, a sua pouca idade e «principalmente por
a rainha sua irmã» faziam com que lhe perdoasse. E diz ainda que a rainha fi-
cou especialmente agradecida ao rei: «E a rainha, que isto muito estimou,
com palavras de grande amor, e muita prudência o teve em muita mercê a el
rei.»4 Ou seja, naquele momento o rei soube onde havia de parar de castigar,
o que indicia que provavelmente teria feito o mesmo se a mulher e a sogra
nalgum momento tivessem alinhado com os conjurados. Especulemos um
pouco, caro leitor. Não era muito frequente na época tratar da mesma forma
mulheres e inimigos do sexo masculino, pelo que, mesmo que o rei lhes atri-
buísse culpas, teria de lidar com o problema de outro modo.

1 Resende, Crónica, p. 73.


2 Resende, Crónica, p. 61; AHP, vol. ii, 1904, pp. 68-71 [1485.06.01, Portel].
3 Resende, Crónica, p. 61; Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, pp. 108-109.
4 Resende, Crónica, p. 64.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

Depois da execução do duque em Évora o casal real seguiu a sua vida


normal. O rei foi para Abrantes em julho com a rainha e toda a corte (oca-
sião em que se procedeu à execução simbólica do marquês de Montemor),
e em setembro partiram para o Norte do reino. Foram também tratar de um
assunto importante: aumentar a sua prole, reduzida que estava a um filho
único. Rumaram ao santuário de São Domingos da Queimada, perto de La-
mego, para pedir ao santo que lhes desse filhos em troca de «ricas ofertas»1.
É este um momento onde se percebe claramente que D. Leonor e D. João ti-
nham consciência da fragilidade numérica da sua descendência, confinados
que estavam ao filho único, agora com 8 anos. Percebe-se também qual era
a família imediata do casal: as crónicas referem que se fizeram acompanhar
não apenas do príncipe D. Afonso, mas também de D. Manuel e D. Diogo,
duque de Viseu. Este último, todavia, não seguiu para Lamego; ficou doente
em Tomar, e só se juntou novamente ao rei na Páscoa do ano seguinte, em
Santarém2. Por outro lado, percebe-se que a peregrinação vinha na sequência
do parto ou desmancho da rainha, ocorrido na Quaresma desse ano de 1483.
Em Lamego, o rei separou-se da mulher, que seguiu para o Porto via Viseu,
enquanto o rei viajava para Bragança e outros lugares de Trás-os-Montes
e Entre Douro e Minho. Corria às terras que tinha confiscado ao duque de
Bragança, a providenciar reparos de fortalezas e assuntos de justiça. Ou seja,
tratou-se de uma tomada de posse de territórios que tinham voltado às mãos
do rei com a supressão do ducado. Juntou-se depois à rainha no Porto, onde
estiveram até janeiro do ano seguinte.
Voltaram por Aveiro, indo a caminho de Santarém. Aí estiveram com
a princesa Joana, que, apesar de enclausurada, era a noiva potencial de Dio-
go, duque de Viseu; um casamento que, como vimos, agradava à infanta sua
mãe e sogra do rei, D. Beatriz. O tempo diria que nem este, nem outros ca-
samentos, estariam ao alcance do jovem duque. Filhos, em contrapartida, já
os tinha, como veremos.
Por essa altura, vivia-se em sobressalto na corte. Deixa-o entender Resen-
de, quando diz que o rei, estando com a rainha na cama já a dormir, depois
da meia-noite, lhe bateram à porta. D. João II abriu a porta de mansinho
e lançou-se na perseguição de um homem que acabou por lhe escapar. Entre-
tanto a rainha chamou por socorro, e mulheres, homens da guarda e montei-
ros acudiram aos seus brados. Reviraram então os paços à procura do fugiti-
vo, sem sucesso, o que mais parecia «coisa passada desta vida». D. João —

1 Pina, Crónicas, pp. 925-926.


2 Pina, Crónicas, p. 926.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

o cronista gaba-lhe a calma — tornou a «lançar-se na cama com a rainha co-


mo dantes jazia, e não deixou por isso de repousar, e dormir»1. Vários co-
mentários temos a fazer: em primeiro lugar, o rei estava na cama com a rai-
nha. Sabemos que não era um facto diário, uma vez que existiam aposentos
separados para marido e mulher. Quando não usufruíam da companhia um
do outro, era normal dormirem com pessoas do mesmo sexo. Com efeito, te-
mos vários indícios de que nesse ano de 1483 as relações entre marido e mu-
lher estavam num bom ponto. Primeiro, tinham ido juntos pedir a Deus
mais filhos; tudo indica que cumpriam a dívida conjugal, e, vê-lo-emos a se-
guir, o rei repousava publicamente no regaço da rainha durante os serões do
paço. Segundo, o episódio, do ponto de vista narrativo, é usado pelo cronista
como aperitivo para explicar os perigos que o rei corria. Com efeito, o capí-
tulo seguinte trata de D. Diogo, acusado de conspirar para matar o rei. Por-
tanto, o que o cronista parece querer dizer é que a vida do rei esteve em peri-
go naquele ano.

3.8. Agosto de 1484: a morte do duque de Viseu, D. Diogo


Finalmente, o terceiro episódio deste capítulo é a morte do irmão da
nossa biografada, em 28 de agosto de 1484, no ano seguinte ao duque de
Bragança. O episódio ocorreu em Setúbal, e foi o próprio D. João II que
o apunhalou no guarda-roupa das casas onde pousava. Isto é, o rei não tinha
paços próprios em Setúbal e alojava-se nas casas de um fidalgo, Nuno da Cu-
nha. Mandou chamar o cunhado à sua presença, e este apresentou-se só no
guarda-roupa do rei, onde este o matou depois de trocarem poucas palavras,
à vista de alguns cortesãos que provavelmente o ajudaram. Chamo a atenção
antes de mais para o lugar onde se verificou o homicídio (que outra coisa
chamar-lhe?). O guarda-roupa era o compartimento mais recôndito dos apo-
sentos do monarca, situado por trás da divisão onde dormia, sem outra porta
a não ser a que dava para essa câmara. Pela sua inacessibilidade, era o local
onde se guardavam os tesouros do rei, e a que naturalmente só as pessoas
mais próximas tinham acesso2. Não estranhou portanto Diogo, então o úni-
co duque do reino (o de Bragança fora executado um ano antes), cunhado
e primo coirmão do rei, ser chamado a este aposento. Quase podemos dizer
que não esperava ser morto, como foi. Pela segunda vez, vemos D. João II

1 Resende, Crónica, pp. 74-75.


2 Por essa mesma razão, o oficial que tinha a seu cargo o guarda-roupa era dos de maior
confiança do rei.

100
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

dissimular as suas intenções e apanhar de surpresa o «inimigo», como tinha


feito com o duque de Bragança. Só depois seria instruído um processo que
inculpava o jovem duque, o que, como é óbvio, suscitou uma vez mais dúvi-
das sobre a legitimidade dos procedimentos do rei.
Desta vez D. Leonor perdeu alguém do seu próprio sangue, na sua proxi-
midade física também: por aqueles dias a rainha estava na vila. Estava lá
quando o rei atraiu Diogo ao guarda-roupa das casas onde estava e o matou
na presença de vários cortesãos; quando o cadáver de Diogo foi levado à igre-
ja na manhã seguinte, onde ficou à vista de todos, com as mesmas roupas
com que tinha sido morto; quando finalmente foi a enterrar nessa tarde. As-
sistiu também ao ambiente de terror que se criou na noite do homicídio,
com as portas da vila fechadas e a gente do rei a prender pessoas implicadas
na conjura1.
Para dar à morte do duque uma sombra de legalidade, existe o depoi-
mento de Vasco Coutinho, irmão de D. Guterre, que sabia da conspiração
porque a sua irmã era manceba (amante) do bispo de Évora, D. Garcia de
Meneses. Narra vários momentos em que D. João II não foi morto por um
triz. Num deles, o rei repousava no regaço da rainha: «e mais disse que
um serão estando el rei em casa da rainha deitado no seu regaço, e o duque
de uma parte, e D. Guterre com Fernão da Silveira, e D. Pedro de Ataíde, e
D. Fernando, se lançaram aos pés de el rei, e o duque que tinha ordenado de
o matar; e el rei se levantou, e mandou fazer uma ala e a passou com a rai-
nha, e depois de passada se foi lançar no regaço de uma dama, e dali se le-
vantou logo, e disse, boas noites, e se meteu em uma câmara: e indo pela es-
cada acima estavam todos juntos para o matarem, e meu irmão D. Guterre
deitou a mão à espada e tirou até o meio, e D. Pedro de Ataíde tomou el rei
pelo braço, e el rei virou o rosto contra ele, e disse, D. Pedro quereis de mim
alguma coisa; e ele disse senhor empecei e tive-me [tropecei e segurei-me] em
Vossa Alteza; e el rei tornou a dizer boas noites, e meteu-se em uma câmara;
e assim escapou daquelas três vezes: e eu não podia ter maneira para lho di-
zer; e por me não deixarem sair»2. O rei estava portanto na casa da rainha, is-
to é, nos seus aposentos, deitado no seu regaço, indo depois para o regaço de
outra dama. O que Vasco Coutinho parece narrar são ocasiões em que o rei
correu perigo sem se dar conta ou das quais se desenvencilhou de forma ex-
pedita, mas o que quero salientar são as formas de convivência reveladas por
este excerto. Denotam não apenas a forma amistosa como o rei se com-

1 Resende, Crónica, p. 80.


2 BPMP, ms. 599, fls. 51-51v.

101
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

portava com a rainha nessa época, como o livre acesso que teria ao colo de
outras damas.
A seguir à morte de D. Diogo, D. João II procedeu a outra limpeza de
conspiradores, tal como havia feito aquando da primeira conspiração. Quem
foram então as vítimas? Em primeiro lugar, o bispo de Évora, D. Garcia de
Meneses. Era este um homem que tinha desempenhado os mais altos cargos
em vida de D. Afonso V; fora inclusivamente enviado ao papa Sisto IV, pe-
rante o qual proferiu um discurso de sua autoria, ao que parece num latim
irrepreensível. Mas estava também habituado a pegar em armas, como acon-
teceu durante a guerra da sucessão de Espanha, embora a sua intervenção se
tenha saldado num fracasso1. Conta Resende que estava com a rainha «ao
tempo da morte do duque»2. Terá abandonado a sua companhia para ser
preso, levado ao castelo de Palmela, encerrado numa cisterna sem água den-
tro da torre de menagem respetiva. Morreria dentro de dias, sendo outra da-
quelas mortes das quais se suspeitou de peçonha (veneno).
A lista dos justiçados continua: D. Fernando Martins, D. Guterre,
D. Pedro de Ataíde. Fernão da Silveira conseguiu fugir, mas a raiva do rei
perseguiu-o até Avinhão, onde seria morto daí a cinco anos, por um esbirro
de D. João II. A sua sentença revela que D. João II considerava a sua traição
a mais lesiva de todas: tinha sido criado pelo rei de «moço pequeno», e servia
muitas vezes de seu escrivão da puridade3. De entre os escrivães que serviam
o rei, era este um lugar de confiança, porque por ele passavam assuntos de
melindre e até segredos.
D. Álvaro de Ataíde, que ao que parece tinha a incumbência de se apo-
derar da Excelente Senhora para a negociar com os reis de Castela, se a con-
jura viesse a bom termo, conseguiu fugir. Manteve-se em Castela até que
o indulto de D. Manuel o fez regressar ao reino, onde casou, vindo a ser pai
de D. António de Ataíde, depois conde da Castanheira, o famoso valido de
D. João III. Merece um reparo da nossa parte a valia que D. Joana continua-
va a ter para os Reis Católicos, sempre inquietos com a sua presença em Por-
tugal, e a forma como tanto D. João II como os seus inimigos a negociavam.
Na década de 80 do século xv, era um importante trunfo para uns e outros,
tanto para a fação de D. João II como para os seus inimigos.

1 Ramalho, 1998, p. 33; Góis, Crónica do príncipe, pp. 204-206.


2 Resende, Crónica, p. 82.
3 Freire, «Cartas», vol. ii, p. 72 [1485.6.10, Portel].

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

O espetro de Castela, como vemos, está presente em todos estes eventos,


agitado pelos medos de D. João II, a sair de uma guerra ainda recente em
que ele próprio participou, e com uma paz ainda pouco consolidada. O me-
do de ser engolido pelo vizinho será uma constante em todo este processo.
Como vimos, a família da mulher cultivava um parentesco próximo em san-
gue e afetos, e vemos que os acontecimentos confirmam a proximidade. No
entanto, os Reis Católicos permaneceram discretos durante estas peripécias,
o que em boa medida se compreende. D. João II não estava interessado em
aprofundar o assunto; por outro lado, Fernando e Isabel, se tivessem algum
interesse na morte de D. João II, queriam o trabalho limpo e pronto. Só se
D. João II tivesse de facto morrido é que poderíamos conhecer as suas rea-
ções.

3.9. Um polaco na corte do rei João


Por essa altura, estava em Portugal um viajante polaco, que, como todos
os viajantes, procurou ser recebido no paço. Chegou depois do dia de São
Lourenço (10 de agosto), ou seja, pouco mais de quinze dias antes do assassí-
nio do duque de Viseu. Era normal a pessoas de alguma distinção procurar
obter uma audiência do rei. Este, como sabemos, era fonte de benefícios de
todo o tipo. Normal era também que os powerbrokers da época dificultassem
o acesso à sua presença. Foi o que aconteceu com Nicolaus von Popplau, que
narra as peripécias das várias recusas que enfrentou por parte dos oficiais do
palácio. Chegado ao contacto do rei, não poupou elogios ao monarca, afir-
mando que este se mostrou atencioso, informal e curioso em relação a ele
e às terras por onde tinha passado. Conta também que o rei fazia sempre sen-
tar ao seu lado na mesa um rapaz de «cara inglesa»: o seu único filho, o prín-
cipe D. Afonso, então com 9 anos.
Várias são as observações preciosas que Von Popplau nos fornece. Em
primeiro lugar, gabou a inteligência do rei, contraposta à grosseria dos súbdi-
tos, gente pouco amiga de trabalhar. Este comia «apenas» quatro a cinco pra-
tos por refeição e bebia água do poço, sem açúcar nem especiarias, enquanto
o filho bebia água misturada com vinho e comia os mesmos pratos do pai, só
que em serviço separado. O serviço da mesa competia a dez pessoas que esta-
vam de pé diante da mesa, na qual apoiavam as mãos e a barriga, o que para
o nosso polaco era uma grosseria. Em baixo da mesa, e aos pés do rei, esta-
vam sempre seis a oito rapazes, e de cada lado dele dois moços, para lhe afas-
tarem as moscas com abanos de seda. Era com eles que o rei repartia o pri-
meiro prato de fruta. Quando não havia convidados à mesa, D. João II não

103
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

se servia de colheres, mas mordia a comida com os dentes, ou partia o pão


com as mãos. Espantou-se o viajante que comessem em pratos vulgares, co-
mo «se fossem príncipes de uma corte de pouca importância»: nada de baixe-
las de prata ainda nesta época. Da rainha, nem se fala: não era comum os ho-
mens partilharem as refeições com as mulheres. De resto, a comensalidade
do rei era objeto de rituais próprios, que faziam com que este comesse sozi-
nho, por vezes acompanhado de convidados de honra, em público, diante da
corte. Havia também outras mesas, como neste caso a do príncipe, que eram
postas e servidas em separado1.
Mas são as observações sobre os acontecimentos desses meses que nos
apanham desprevenidos: o viajante conviveu com Diogo, duque de Viseu,
a quem chama erradamente D. Pedro. Narra várias coisas interessantes. Que
este lhe propôs apresentar-lhe a irmã, D. Leonor, e que o nosso viajante o re-
cusou porque semelhante iniciativa devia caber ao rei seu marido ou, pelo
menos, ser do conhecimento deste. Já aí nos espantamos pelo ocorrido:
o que o rei não fez (apresentar a rainha sua mulher) propunha-se fazer o ir-
mão desta. Apenas o tato diplomático de que o nosso viajante deu mostras
impediu o encontro. Nas entrelinhas, quase percebemos que Von Popplau
deve ter achado aquele rapaz de 20 anos um tanto tonto ao querer apresen-
tar-lhe uma irmã casada, ou pelo menos alguma coisa o fez não se envolver
demasiado com ele.
Segunda observação interessante: ao saber da morte do irmão às mãos do
marido, conta o nosso viajante que Leonor se fechou para chorar e arrancar
os seus cabelos, irrompendo em gritos e soluços. Então, o rei ameaçou-a de
a implicar na conspiração, caso continuasse a exibir a sua dor daquela forma
tão manifesta, e a rainha calou-se. A ameaça de a envolver soa um tanto es-
tranha, mesmo à distância de quinhentos anos. Já vimos que seria obra, nesta
época, implicar uma mulher em semelhante coisa, ainda para mais rainha.
A impressão que dá, depois de tudo o que dissemos, é de que D. João consi-
derou sempre a sogra e a mulher como estando do lado dos conspiradores. Já
vimos aqui várias circunstâncias que demonstram a inevitável contiguidade
destas duas figuras relativamente aos acontecimentos das conjuras. Era no
quarto da rainha que se guardavam papéis secretos do duque, para serem en-
tregues à mãe D. Beatriz. Fernão da Silveira, escrevendo ao rei um libelo
acusatório, acusa-o de roubar papéis de um cofre que a infanta D. Beatriz ti-
nha deixado à guarda da rainha D. Leonor: «e se houvesse de contar das es-

1 Gomes, 1995, pp. 306-310.

104
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

crituras e doações que lhe furtastes do cofre que a senhora sua mãe deixou
em guarda na câmara da rainha vossa mulher»1. Um dos seis padres que as-
sistiram aos últimos momentos do duque, de seu nome Domingos Gonçal-
ves, era confessor da rainha. D. Álvaro, um dos quatro irmãos Bragança, nu-
ma carta que escreveu a D. João II denunciando todas as injustiças de que
achava ter sido alvo, menciona cartas que escrevia à rainha, acusando o rei de
as ter intercetado2.
Mas diz mais o nosso polaco: que era voz corrente em Lisboa que ne-
nhum dos parentes do rei tinha alguma vez conspirado contra ele3. Verdade
ou não, já pouco importa: quer as conspirações tivessem existido ou D. João
as tivesse inventado por má-fé (para se apropriar dos bens e suprimir a in-
fluência dos conspiradores) ou até por mania da perseguição, o facto é que,
para efeitos documentais, elas existiram. Ou seja, as supostas manobras para
depor D. João II levaram à morte e à ruína várias dezenas de pessoas. Se estas
foram injustiçadas ou não, nunca saberemos.

3.10. Depois da morte de Diogo


No momento da morte do jovem duque, os nossos olhos viram-se ine-
vitavelmente para a reação dos que lhe estavam próximos em linhagem e
afetos. Sabemos pouco da forma como Isabel e Manuel, os outros irmãos,
reagiram à morte de D. Diogo. De Manuel, doente ao tempo do apunhala-
mento do irmão, apenas sabemos que ouviu calmamente as disposições de
D. João II que o contemplavam no seguimento da morte de Diogo. De Isa-
bel, personagem menor porque viúva desapossada, não sabemos coisa algu-
ma. Vejamos o comportamento da mãe, a infanta Beatriz.
Perante a notícia da morte do filho, Beatriz fez o que se esperava de uma
chefe de linhagem: tratou de obedecer ao rei para evitar males maiores, não
fosse sobrar também para ela. Conhece-se o teor da carta que escreveu ao al-
caide de Moura, Lisuarte Gil — um dos da «criação» de sua casa —, depois
da morte do filho, ordenando-lhe que entregasse de imediato a fortaleza a
D. João II, e sem lhe perguntar nada a ela ou ao duque D. Manuel seu filho,
para não incorrer em «mau caso» contra o rei4. Tudo revela que a infanta
D. Beatriz não perdia facilmente o tino, e que estava empenhada em salvar
o que restava da sua casa. Estanciava em Palmela quando o rei lhe deu pes-

1 BPMP, ms. 599, fls. 54v-55.


2 BPMP, ms. 599, fls. 37v-38.
3 Viajes de extranjeros, 1878, pp. 17-40.
4 Chaves, Livro de apontamentos, pp. 182-183.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

soalmente a notícia da morte de Diogo: «ela ouviu tudo com muita dor,
e tristeza, e com muitas lágrimas respondeu com palavras que ainda que fos-
sem de princesa desconsolada foram com muito sofrimento, e honestidade,
e de mulher muito inteira, como ela o era»1. Não deve ter sido razão de me-
nor importância para a aquietar o facto de D. João II lhe ter participado, pa-
ra além do que acontecera ao seu filho e das suas razões para o executar, que
o jovem D. Manuel ficava agora duque em vez do irmão, com o título de
duque de Viseu obliterado por má memória, passando a intitular-se duque
de Beja, herdando, embora com algumas alterações, o que fora do irmão.
Nem tudo estava perdido, portanto, e a duquesa aproveitou a réstia de luz
que lhe sobrava. Tinha vários netos, a maior parte deles crescendo longe de-
la. Como sabemos, os filhos de Isabel, duquesa viúva do duque de Bragança,
estavam então refugiados na corte dos Reis Católicos. Eram vários, e volta-
riam todos ao reino anos depois, como veremos. Da parte de Leonor, como
sabemos, tinha apenas um neto, Afonso, o príncipe herdeiro. Em contrapar-
tida, Diogo parece ter tido dois filhos naturais, apesar de contar apenas
20 anos quando morreu. Também esses parece terem crescido sem a avó por
perto. Um deles, Afonso, era filho de D. Leonor de Sotomayor, viúva do
marquês de Villa Hermosa, que Diogo conheceu quando esteve em Castela
nas terçarias. Por intermédio de Antão de Faria, seu homem de confiança,
o rei providenciou para que a criança fosse criada por lavradores em Portel
«sem se saber quem era». Logo que D. João II morreu, a avó mandou buscá-
-lo «e o criou em sua casa como convinha a seu neto». Uma história que lem-
bra os contos de fadas: o rapaz pobre era afinal um «príncipe». Mais tarde,
foi feito condestável do reino por D. Manuel — o posto máximo na chefia
das tropas — e o tio casou-o com D. Joana de Noronha2, que, como vere-
mos, será uma das freiras de Xabregas, a «condestabresa». Mas a surpresa
é grande quando Frei Jerónimo de Belém, na sua Crónica seráfica, refere ou-
tra filha de D. Diogo — morto, recordamos, aos 20 anos — que foi das pri-
meiras freiras a entrar para o Mosteiro de Jesus de Setúbal no ano da sua
fundação em 14953. Trata-se da única menção que encontrei a esta filha do
duque de Viseu, pelo que se desconhece se foi escondida em criança, tal co-
mo o irmão; ou até se também era filha da mesma mãe deste, a marquesa de
Villa Hermosa.

1 Resende, Crónica, p. 85.


2 Góis, Parte I, p. 109.
3 Belém, Chronica Seráfica, Parte II, p. 585.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

Mas um dado surpreendente fica por explicar: D. João II deu as roupas


que o duque envergava no momento da morte ao Convento de São Francis-
co de Leiria: «El rei D. João 2.o quando matou D. Diogo, duque de Viseu, às
punhaladas, mandou dar tudo, a saber: camisa, gibão, roupeta, capuz, que
tudo era de veludo e damasquilho, a arbítrio de seu confessor, Fr. António de
Elvas, religioso deste hábito, o qual aplicou tudo a este convento.»1 Era habi-
tual transformar em relíquias os objetos apropriados aos inimigos. Vários
mosteiros medievais portugueses fazem menção deste tipo de procedimentos,
que tinham o fim último de agradecer a Deus a vitória alcançada. Foi o caso
do mosteiro de Alcobaça, que guardava na sua sacristia vários objetos prove-
nientes de batalhas2. Nesta situação, parece mais complicado. A intervenção
do confessor (não sabemos se de Diogo se de D. João) parece indicar uma
intenção penitencial, mas foi este quem decidiu doar a roupa ao convento
em questão. Tudo parece indicar que era a roupa que D. Diogo vestia no
momento da morte; muito provavelmente, estaria ensanguentada. Sabemos
que existia o hábito de despir os mortos para os fazer envergar apenas uma
mortalha. Ainda para mais Diogo morreu infamado de traição. Estranha
doação: um gesto que hoje temos dificuldade não só em entender, mas tam-
bém em explicar.
Já vimos Leonor bradar de dor pela morte do irmão, mas o certo é que
pouco depois a vemos empenhada em manter as melhores relações com a ci-
dade de Lisboa. Por uma razão muito simples: D. João II teve de acudir ao
Sabugal, onde a mulher de um dos conspiradores, alcaide do castelo, se recu-
sava a entregar a fortaleza. Ainda para mais, esta, de seu nome Catarina, era
irmã do cardeal Alpedrinha, um inimigo confesso de D. João II3. As cartas
que a rainha então escreve à vereação da cidade constituem textos de teor bu-
rocrático e oficial, e portanto pouco propícios a espelhar o seu estado de es-
pírito. O certo é que ela própria ou alguém por ela manteve atividades de ti-
po administrativo logo após morte de Diogo. O Arquivo Histórico da
Câmara Municipal de Lisboa conserva várias cartas que D. Leonor escreveu
por esta altura. A 16 de setembro, pouco mais de duas semanas depois da
morte do irmão, escreveu a agradecer a lealdade da cidade quando D. João
partiu a subjugar o castelo do Sabugal; escreveu ainda a João Bretão, um cor-
sário francês, ordenando que abandonasse as costas portuguesas4. Confirma-

1 O Couseiro..., 1868, p. 97; Gomes, 1994a.


2 Gomes, Visitações, pp. 59-71.
3 Ver capítulo anterior, pp. 75-76.
4 AHCML, Livro II de D. João II, fl. 23 [1484.9.16, Setúbal]; ibidem, fl. 26 [1484.9.24,

Setúbal].

107
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

-se aquilo de que já suspeitávamos: a competência da mulher do rei para as-


sumir tarefas oficiais de governação. E atrevo-me aqui a relembrar um aspeto
que me parece digno de nota: se é verdade que o irmão conspirava contra
o rei e queria o trono para si, estaria a passar por cima dos interesses do seu
único filho, o príncipe herdeiro D. Afonso. Este facto, meramente hipotéti-
co, não chega para lhe retirar a dor da perda de um irmão, mas significa que
provavelmente D. Leonor escutou a voz da razão.
Nunca saberemos o tempo que o desgosto de Leonor durou nem as feri-
das que deixou. O seu alinhamento com os interesses do marido, porém, fica
demonstrado. A gosto ou contragosto, não me atrevo sequer a especular.
Nunca saberemos se continuou a consentir de bom grado que o marido usas-
se o seu regaço durante os serões do paço ou se ele fez menção de o tornar
a fazer. Mas talvez não fosse ainda o momento para as relações entre os dois
azedarem de vez. Vê-lo-emos acontecer mais à frente.

3.11. Um resto de década sossegado?


D. João II, como vimos, saiu bem dos eventos de 1483 e 1484. Acalma-
da a turbulência da alta nobreza, os anos que medeiam entre a morte do du-
que de Viseu e o casamento do príncipe parecem relativamente tranquilos.
O filho adulterino, D. Jorge, crescia suficientemente longe da corte para
não ser incómodo; a rainha ia acompanhando D. João II nas suas desloca-
ções; o duque de Beja — o futuro D. Manuel I, um rapaz de 16 anos em
1485 — crescia junto ao rei na sua corte e geria a sua fortuna e os seus pode-
res sem lhe causar inquietações. O tempo haveria de o confirmar prudente,
habilidoso e, sobretudo, um homem que não gostava de conflitos.
A década de 1480 corresponde, no que à nossa biografia nos interessa,
a uma clarificação da personalidade da rainha. Entrou nela com 22 anos,
e tinha 32 quando acabou. Poderá pensar-se que os acontecimentos políticos
turbulentos de 1483 e 1484 a tivessem afetado, informando-a sobre as duras
realidades da vida em geral e da política em particular. Ter-se-á também ha-
bituado a seguir o bom exemplo da mãe, mulher muito habituada a tratar
dos seus interesses sem hostilizar abertamente quem detinha o poder —neste
caso o rei. Como vimos, nada nos permite afirmar que nem uma nem outra
desempenharam qualquer papel nas conjuras: estavam demasiado perto dos
Bragança e do duque D. Diogo para não terem feito nada. Se olharam com
apreensão os seus parentes fazer as asneiras que os vitimaram, não sabemos.
Se se tratou de uma invenção por parte de D. João II e as conspirações não
existiram (pelo menos a primeira delas) não será descabido imaginar que

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

também sofreram com a injustiça. Para Leonor os anos 80 não foram ainda
os anos da liberdade, nem provavelmente os melhores anos do ponto de vista
financeiro: esses ocorreriam mais tarde, quando conheceu o estado de rainha
viúva e irmã do rei em exercício. Mas nesses anos que vão entre 1484 e o ca-
samento do filho em 1490, revelam-se-nos claramente marcados dois traços
que a rainha desenvolverá mais tarde: a caridade para com os pobres e a
preocupação com a evangelização de africanos. Ambos são faces diferentes de
uma mesma moeda, ou seja, o pendor devocional que será uma das suas mar-
cas. Adiante desenvolveremos esta questão. O primeiro materializou-se na
fundação do hospital das Caldas; e o segundo, no seu empenho na causa da
cristianização dos congoleses que vinham por esses anos a Lisboa. Tanto um
comportamento como outro decorriam da vontade de louvar a Deus: um
porque emanava da prática da caridade, a principal virtude teologal; o segun-
do porque cristianizar era para estas pessoas uma obrigação moral.
Vimos também que o facto de ser mãe de um único herdeiro foi causa de
algum desassossego: ela e o rei foram a São Domingos da Queimada rogar
por mais filhos, antes daquela primavera em que o duque de Bragança foi
executado. Não deu resultado: ter-se-ia D. Leonor conformado com o facto
de ser mãe de um único herdeiro?

3.12. O hospital das Caldas


Situava-se em terras da rainha, mais precisamente nas Caldas, que ainda
não existiam como vila antes de D. Leonor decidir aproveitar as suas águas
termais para aí fundar um hospital. A povoação surgiria depois, à medida
que este ia crescendo em instalações e doentes.
Embora o grande investimento de D. Leonor nesta instituição tivesse
coincidido com os anos da sua viuvez, a rainha procurou fazer do hospital
uma das obras principais da sua vida. Com efeito, quando lemos as menções
à rainha nas crónicas dos reis, principalmente a que Damião de Góis escre-
veu sobre D. Manuel, duas coisas surgem ligadas à sua memória, o que signi-
fica que foram aquelas que marcaram a sua época: o hospital das Caldas e o
mosteiro de Xabregas, de que trataremos oportunamente.
Conhece-se, ainda que esteja pouco explorada pela historiografia recente,
a ação de D. João II em prol da constituição de unidades hospitalares de
maior envergadura do que os pequenos e mal equipados hospitais medievais,
frequentemente simples albergues para peregrinos. Mas é preciso notar que
a mulher o precedeu relativamente a estas preocupações: o hospital das Cal-
das remonta a cerca de 1485, enquanto o hospital de Todos os Santos seria

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

fundado em 1492, ocupando nas crónicas páginas muito próximas do regres-


so de Cristóvão Colombo da descoberta da América. Portanto, sete anos an-
tes do seu real marido, a rainha tratou de fundar um hospital. Qualquer um
deles comunga, de resto, com uma inovação que ia fazendo estrada na Euro-
pa do Renascimento: o hospital moderno. Correspondia geralmente a um
edifício urbano, dispensava cuidados médicos exercidos por físicos qualifica-
dos e a sua estrutura arquitetónica situava-se no meio-termo entre um palá-
cio e um convento. A Itália foi o berço dos hospitais medievais mais famosos,
como o de Santa Maria della Scala, em Siena, ou o de Santa Maria Nuova,
ou o hospital dos Inocentes, ambos em Florença. Mas em Espanha, os hospi-
tais de Santa Cruz de Toledo, Santiago de Compostela e Granada, da autoria
do arquiteto Enrique Egas (c. 1455-1534), acabaram por constituir exem-
plos importantes na Europa do Renascimento. Dispensavam uma grande
atenção aos cuidados da alma, sempre com padres para ouvir as pessoas em
confissão, ministrar-lhes os últimos sacramentos ou dizer missa. As enferma-
rias, de forma retangular, dispunham geralmente de um altar numa das suas
cabeceiras. Imitavam a nave de uma igreja, com as camas dispostas de molde
a que os doentes pudessem presenciar a elevação da hóstia.
Há também toda uma tradição medieval que fazia da caridade uma ativi-
dade de género, isto é, não exclusiva das mulheres, mas associada em grande
medida ao género feminino, sobretudo quando se tratava de rainhas, prince-
sas e mulheres da aristocracia. Foram exemplo disso Santa Isabel da Hungria
(1207-1231) e, mais tarde, Santa Isabel de Portugal (1271-1336), ambas
profundamente marcadas pela espiritualidade franciscana, tal como a nossa
rainha. Portanto, desengane-se o leitor que queira ver na rainha D. Leonor
um caso singular de ação caritativa: fazia parte dos atributos femininos e ré-
gios da época.
O hospital das Caldas não era propriamente igual aos hospitais medie-
vais. Muitos eram simples divisões onde se colocava palha e uma candeia,
por vezes um fogo para aquecimento; os peregrinos aí se alojavam, com o di-
reito a permanecer um número reduzido de noites de cada vez. Ao mesmo
tempo, em alguns deles recebia-se gente pobre e doente; para os ricos os hos-
pitais eram impensáveis, porque deviam ser tratados em sua casa, por gente
da sua confiança. No máximo, chamavam um médico, quase sempre de na-
ção judaica. Portanto, a maior parte dos hospitais destinava-se a pobres; não
admira que a sua grande maioria tenha surgido nas cidades, quando estas co-
meçaram a abarrotar de miseráveis esfomeados que não tinham onde ficar.
O hospital das Caldas era diferente por vários motivos: situava-se numa zona

110
REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

abertamente rural (vimos que nem a vila existia ao tempo da sua criação), en-
quanto os hospitais da época eram consequência do desenvolvimento urba-
no; acolhia gente abastada que ia tratar as suas maleitas; enquanto a maior
parte dos hospitais acabava recebendo uma percentagem de homens muito
superior à de mulheres, no hospital das Caldas parece não ter sido esse o ca-
so. O hospital especializar-se-ia até, séculos mais tarde, em receber religiosas
provenientes de conventos de todo o reino. Tratava-se também de um hospi-
tal sazonal, uma vez que as curas coincidiam com períodos específicos do
ano. De resto, a sua organização espacial denota estas características: seria
sempre frequentado por «pessoas de qualidade», a par das mais pobres, e exis-
tiriam instalações diferenciadas para uns e outros. O hospital das Caldas dis-
poria até de espaços especiais, reservados aos reis, coisa que não podemos se-
quer imaginar para o hospital de Todos os Santos. Com o tempo, a «sala dos
reis» constituir-se-ia como um espaço de memória da monarquia, albergando
uma galeria de retratos dos reis de Portugal.
Não ao acaso o hospital das Caldas tratava gente de todos os grupos so-
ciais, uma vez que o tratamento das suas águas sulfurosas tinha de ser minis-
trado in loco. Também, estavam recomendadas no tratamento de uma série
de doenças, que atingiam ricos e pobres por igual. No dizer de Frei Jorge de
São Paulo, um cónego de São João Evangelista que foi provedor do hospital
ao longo de vários anos na segunda metade do século xvii, o espetro de
doenças que as águas tratavam incluía paralisias, doenças respiratórias, do es-
tômago, doenças ginecológicas e problemas de fertilidade feminina, gota,
surdez, lepra e «mal francês»1. Não admira portanto que o hospital se tenha
tornado numa referência fundamental das curas termais no reino por todo
o período moderno; D. João V (1689-1750), inclusivamente, modernizaria
o hospital destruindo as suas instalações primitivas, com exceção da igreja.
Um dos aspetos a ter em conta na fundação de um hospital era a dotação
de rendas que permitissem um abastecimento em géneros e dinheiro essen-
cial à sua sobrevivência. Juntar a uma fundação um conjunto de terras vincu-
ladas ao hospital era um procedimento normal na época. Muitas vezes essas
terras abasteciam diretamente as instituições, entregando cereais e toda a sor-
te de «novidades», sem passar pela monetarização da produção. A rainha ti-
nha, afinal, um bom exemplo disso mesmo na figura da mãe, que ia juntan-
do lá por Beja inúmeras herdades e outros bens ao Convento da Conceição,

1 São Paulo, O Hospital vol. i, p. 96. O mal francês era a sífilis, que ainda não existia
à data da fundação do hospital. Foi trazida para a Europa depois da segunda viagem de Co-
lombo às Antilhas (Thomas, 2005, p. 137).

111
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

fundado ainda em vida do infante D. Fernando seu marido, mas que tinha
posto especial empenho em continuar a apoiar durante a sua longa viuvez1.
Outros aspetos a ter em consideração na dotação das novas fundações eram
os privilégios: Beatriz obtivera para o seu convento isenção de encargos con-
celhios para 12 (depois 24) lavradores que lavrassem as terras do convento.
Do mesmo modo, abonara-o com os rendimentos do fabrico do sabão em
Beja, que detinha em regime de monopólio. A filha usaria processos seme-
lhantes na fundação do seu hospital, e repeti-los-ia mais adiante com o con-
vento de sua criação, a Madre de Deus de Xabregas.
A localização do hospital obedeceu, como é óbvio, à das nascentes de
água que lhe deram origem. Foi necessário garantir o povoamento da zona,
e a rainha, juntamente com D. João II, lançou mão do método tradicional
de atração de colonos, utilizado em toda a Idade Média portuguesa, devido
à necessidade de garantir a fixação de pessoas em zonas de fronteira recente-
mente conquistadas aos mouros. Em 1488, o rei concedia privilégios a 30
moradores, dos quais 20 eram homiziados, isto é, criminosos cuja pena con-
sistia em serem deslocados para um local a designar pela justiça. Os privilé-
gios consistiam em benesses muito apreciadas na altura, e que hoje designa-
ríamos por isenções fiscais, embora a natureza das exações não fosse sempre
monetária. Isto é, os residentes nas Caldas seriam escusos de ir à guerra (ex-
ceto se chamados pelo rei ou pelo príncipe), não pagariam impostos com ca-
ráter de exceção cobrados pelo rei ou pelo concelho, não pagariam sisa de
todas as coisas compradas e vendidas aos enfermos dentro da vila, entre ou-
tras vantagens que deviam ser bastante apelativas na época2.
A rainha providenciou também outra das necessidades do hospital: a
mão-de-obra. Grande parte das pessoas que destacou para trabalhar no seu
interior pertenciam ao grupo de escravos e escravas de que era proprietária3.
Eram homens e mulheres muitas vezes brancos, provenientes do Norte de
África, onde tinham sido capturados durante campanhas militares. A guerra,
quando considerada justa, era uma das formas «legais» de redução à escrava-
tura. Neste caso, tratava-se de uma guerra santificada pelo seu móbil religio-
so, a que se acrescentava ainda a intenção de cristianizar os cativos. Tanto
a rainha como sua mãe, bem como outras figuras femininas régias, possuíram
destes escravos, a quem competia realizar os trabalhos domésticos menos
prestigiados numa ordem de valores que menosprezava as tarefas de limpar,

1 Ver capítulo i.
2 Alvará de D. João II [1488.12.4, Beja], in São Paulo, vol. i, pp. 98-101.
3 Sousa, 2002, p. 172.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

transportar coisas ou lavar a roupa. No paço régio, existiam pela mesma altu-
ra numerosos negrinhos, a quem competia varrer o chão. No hospital das
Caldas seriam pelo menos nove escravos e escravas, a avaliar pelo seu regi-
mento de 1512, que adiante analisaremos, e tratavam de amassar o pão, cozi-
nhar, lavar a roupa, fazer carretos, tratar da horta e da água, apascentar vacas,
cabras e ovelhas etc.1.
As primeiras doações eram sempre dos fundadores, mas a prosperidade
destas instituições dependia sempre da possibilidade de captar novas doações,
quase sempre em benefício da alma e por ocasião da feitura de um testamen-
to. Pouco tempo depois da sua fundação, muitas destas instituições manifes-
tavam já alguma autonomia financeira, decorrente dessas heranças. Muitas
vezes, as pessoas que testavam a favor delas faziam parte das clientelas dos
fundadores, neste caso da fundadora. Eram gente da sua criação e privança,
que aderia rapidamente a estes projetos de índole espiritual. O primeiro im-
pulso era sempre o da fundadora, mas seguiam-se-lhe em geral doações testa-
mentárias que consolidavam a autonomia económica da nova instituição.
A rainha, no entanto, nunca deixou de zelar pelo desenvolvimento do seu
hospital. Tratou-o ao princípio como aquilo que na realidade era: uma terra
erma, a povoar graças a uma política de couto de homiziados que tinha raízes
medievais. A vila não existia, e tudo indica que as terras em seu redor estives-
sem ainda por explorar, o que explica que os primeiros atos da rainha para
povoar o território tenham consistido em atribuir terras em regime de sesma-
ria.
Por outro lado, a rainha, ao envelhecer, provavelmente muitas vezes
doente, deixou de frequentar a zona do hospital, pelo que o geria à distância,
mas sempre como coisa sua. Só nos últimos anos de vida, quando se abateu
a peste sobre Lisboa, a rainha seria forçada a voltar a um contacto estreito
com o hospital, onde se refugiou quando teve de abandonar a cidade. Vê-lo-
-emos no capítulo oitavo deste livro.
No princípio, o hospital deve ter funcionado em consequência da vonta-
de da rainha, e obedecendo às suas disposições; só bastante mais tarde, ou se-
ja, vinte e seis anos depois da primeira menção que dele temos, em 1512,
é que recebeu o seu compromisso.
No caso dos conventos, uma das decisões a tomar era a escolha da ordem
religiosa e da regra a que os seus internos obedeceriam; esta decisão precedia
o mais das vezes a fundação, porque o convento surgia em resultado de uma

1 Compromisso do Hospital das Caldas, pp. 10-11.

113
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

devoção e de um propósito específicos. No caso dos hospitais, a principal es-


colha do fundador constituía em determinar como seria gerido e por quem
depois da sua morte. A maior parte dos hospitais deste período era dada às
câmaras municipais; estas detinham já uma velha tradição sanitária desde há
vários séculos. Era sobre os municípios que recaía a responsabilidade das me-
didas a que hoje chamaríamos de saúde pública. A gestão das gafarias, por
exemplo, estava-lhes entregue, num tempo em que isolar os leprosos era tido
como medida eficaz para evitar o contágio. Ao contrário do que se possa
pensar, poucas ordens religiosas asseguravam a administração de hospitais, e
os cuidados que prestavam reduziam-se às enfermarias dos mosteiros e aba-
dias. Não foi o caso do hospital das Caldas, que cedo se apoiou na ordem re-
ligiosa de São João Evangelista, cujos padres eram conhecidos por Loios. Fo-
ram estes padres que acabaram por ter a concessão da administração do
hospital, que mantiveram até à época do marquês de Pombal. A proximidade
entre a rainha e os Loios viria a ser também geográfica a partir de 1496: ha-
bitavam paredes meias na freguesia de São Bartolomeu em Lisboa, onde os
paços da rainha, construídos depois da morte de D. João II, comunicavam
com a igreja do convento, fundado também por uma figura régia, Isabel de
Coimbra, filha do infante D. Pedro, mulher de D. Afonso V e mãe de
D. João II. Seriam os Loios os padres a quem ela e o irmão confiariam a edu-
cação dos rapazes do Congo (de que falaremos já de seguida), destinados
à vida eclesiástica, para sedimentar as conquistas da fé cristã entre o seu po-
vo. D. João III haveria inclusivamente de confiar à Ordem de São João
Evangelista os grandes hospitais do reino. Esta medida, no entanto, não foi
bem-sucedida, uma vez que a partir dos finais do Concílio de Trento a admi-
nistração da maior parte dos hospitais portugueses passaria definitivamente
para a tutela das Misericórdias1.
A adivinhar pela crónica de Frei Jorge de São Paulo, que escreveu a his-
tória do hospital das Caldas na segunda metade do século xvii, o culto da
memória da fundadora foi uma constante desde o início. Mais do que admi-
ração por uma figura régia, ter um patrono deste calibre era garantia segura
de proteção da monarquia pela legitimidade que conferia à instituição.
O hospital esforçou-se por manter viva a memória da rainha bem depois da
sua morte. Grande parte das historietas narradas pelo bom padre loio dizem
respeito a estadias da rainha nas Caldas que poderiam nem sequer ter tido lu-
gar. Antes que o romantismo e o positivismo dos últimos dois séculos inven-

1 Sá, 1997, pp. 80-82.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

tassem os seus discursos laudatórios sobre a rainha D. Leonor, o primeiro


a fazê-lo foi o cronista loio. Com alguma sustentação na documentação do
hospital, diga-se de passagem; muita dela subsiste ainda no notável e primo-
rosamente tratado arquivo que o mesmo conserva. A monumental obra do
padre acaba por ser um testemunho cuja importância não deve ser subesti-
mada.

3.13. Africanos em Portugal


Foi na década de 80 que se iniciaram contactos com chefes africanos, tra-
zidos a Portugal em barcos portugueses, e recebidos na corte. Eram quase
sempre chefes destituídos na sua terra, que vinham ao reino solicitar auxílio
contra os seus inimigos. O rei português apoiava-os e recebia-os com todas as
honras, em parte porque se dava à importância de grande soberano, em parte
porque lhe interessavam os potenciais tratos comerciais com aquelas partes.
Outro motivo de interesse também era a vontade de fazer cristãos aqueles
homens e mulheres, cujas almas se perdiam nas suas idolatrias. O contacto
com os africanos envolvia sempre um projeto de batismo seguido pela sua
doutrinação. Nos anos 90, e depois até ao reinado de D. João III, estancia-
riam em Lisboa parentes desses chefes, com o intuito de serem ensinados nas
coisas da fé. Desde o princípio destes contactos, veremos que D. Leonor se
envolveu como anfitriã; mais tarde, já viúva, viveria em Lisboa paredes meias
com o convento dos Loios, onde alguns desses africanos eram educados.

3.14. Almada, agosto de 1488


Nesse ano cumpria o príncipe D. Afonso os 14 anos, idade considerada
mínima para casar. Era necessário acertar agulhas com os Reis Católicos: afi-
nal, o acordo vigente contemplava o casamento de Afonso com Joana, a se-
gunda filha destes últimos. Isabel, a mais velha, continuava no entanto por
casar, e o acordo também estipulava que nesse caso se combinasse o casamen-
to do herdeiro do trono de Portugal com ela. Foi o que aconteceu nesse ve-
rão: o rei reuniu o seu conselho «geral e público» para saber o que fazer, e lo-
go seguiu para Castela um emissário português, Rui de Sande, a indagar as
intenções dos pais da princesa. A comitiva lá partiu, munida do retrato do
príncipe «tirado pelo natural», a pedido da rainha de Castela. Para a filha,
o retrato não era absolutamente necessário, uma vez que o rapaz de «cara in-
glesa» tinha crescido com ela em Moura. Desta vez havia consenso entre os

115
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

três monarcas: o rei ficou cheio de alegria e mandou preparar as bodas, se-
guindo para Setúbal logo em setembro daquele ano1.

3.15. Setúbal, outubro de 1488


Estando a corte em Setúbal, aí compareceu Bemoim, irmão de um rei
africano. Estava alojado com vinte e cinco pessoas em Palmela; trazia dois fi-
lhos seus, e fizera a viagem por mar. O rei hospedava-o por inteiro, dando-
-lhe casa e comida, bestas para o caminho de Palmela a Setúbal e oferecendo-
-lhe roupa a ele e aos seus. É interessante notar que as cerimónias de
acolhimento na corte foram iguais a todas as outras. Saiu um enviado do rei
a receber o africano e sua comitiva a uma légua da vila. Nas instalações onde
o rei e a rainha se encontravam, procedia-se à encenação habitual do poder.
Em Setúbal, não havia paço real, pelo que rei e rainha se encontravam aloja-
dos em casas diferentes, nas casas da alfândega da vila, «e a rainha em outras
junto com ele»2. O convidado foi recebido por ambos em dois momentos
distintos: primeiro pelo rei e pelo duque de Beja D. Manuel, e depois pela
rainha e príncipe D. Afonso.
Nos aposentos do rei, paramentava-se uma sala, forrando-a de panos de
arras e brocados; preparava-se também o dossel onde o rei se sentaria. A sala
contígua encontrava-se esvaziada, e servia de espaço liminar antes de o africa-
no ser trazido à presença do rei. Não competia ao monarca deslocar-se; veio
a receber Bemoim o jovem duque, que passou ao tabuleiro da escada. Já na
sala do rei, o africano fez um discurso, traduzido pelos intérpretes presentes,
em que narrou as desventuras na sua terra e se manifestou disposto a abraçar
a fé cristã. Basicamente, falou-se de aliança militar, que era o que estava em
jogo por parte do africano. Em seguida, foi o rei que lhe propôs ir ver a rai-
nha e o príncipe. Aí, o africano surpreendeu toda a gente ao levar a mão do
príncipe à sua barba; perguntado, explicou que era o que se fazia no seu país
aos filhos de reis3.
Continuou Bemoim a aprender o modo de vida da corte; para isso, assis-
tiu dois dias à refeição do rei (não se esqueça que o rei comia em público),
que «para isso se vestiu ricamente, e a sala armada de rica tapeçaria, e com
dossel de brocado, e muita, e mui rica prata, e seus oficiais mores com reis de
armas, e porteiros de maça, e muitos ministros, e danças, trombetas, e ataba-

1 Pina, Crónicas, p. 948.


2 Pina, Crónicas, p. 952.
3 Chaves, Livro de apontamentos, pp. 321-325; Pina, Crónicas, pp. 951-956.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

les». A 3 de novembro foi feito cristão, e com ele seis dos seus companheiros.
Aí o cenário foi a casa da rainha, à hora um tanto insólita das «duas horas da
noite». O oficiante foi o bispo Calçadilha, e os padrinhos, o rei, a rainha, o
príncipe, o duque, um comissário do papa que então estava na corte e o bis-
po de Tânger1. Quatro dias depois, a sete de novembro, foi feito cavaleiro
e prestou menagem ao rei. Escreveu também uma carta ao papa, onde conta-
va (obviamente alguém por ele) toda a sua história, e muito principalmente
a sua conversão e consequente batismo. Só então partiu uma armada de so-
corro para África, destinada a ajudá-lo nos seus conflitos, com vinte caravelas
e homens suficientes para construir uma fortaleza2.
Acabou mal esta história para Bemoim; regressou a África mas foi morto
em circunstâncias pouco claras pelo próprio capitão português encarregue de
o levar de volta à sua terra, e a fortaleza nunca chegou a ser edificada; por ou-
tro lado, o ramo de negócio aberto com o seu povo demonstrou ser pouco
lucrativo para os Portugueses, e foi abandonado3.

3.16. Mais africanos: os congoleses na corte


Pouco tempo depois do episódio protagonizado por Bemoim, nova ten-
tativa de estabelecimento de contactos estáveis com um povo da África sub-
sariana se lhe seguiu. Desta vez com os Congoleses, uma vez que as viagens
de Diogo Cão, a partir de 1481-1482, permitiram um contacto com os po-
vos desta região4. Numa delas, ocorrida em 1485, os portugueses acabaram
por raptar alguns africanos e trazê-los para Lisboa, com o intuito de produzir
línguas (intérpretes), essenciais à manutenção de contactos pacíficos entre
cristãos e africanos.
Estes contactos possuíam uma agenda variada, cujas motivações estariam
na causa das ambiguidades que se criaram em consequência. Uma delas era
a conversão destes africanos ao cristianismo, de que uma das principais pro-
motoras parece ter sido a nossa rainha. A segunda, era a do comércio de mar-
fim, cobre e escravos na região, que implicava a produção de intermediários
entre os Africanos e tornava a sua cristianização desejável. Como sabemos, os
Portugueses esforçavam-se por construir uma imagem de defensores da fé

1 D. Diego Ortiz era o bispo dito «Calçadilha», castelhano vindo para Portugal no sé-
quito de D. Joana, a Excelente Senhora, e que desempenhou um lugar de relevo junto da
corte.
2 Resende, Crónica, pp. 112-118.
3 Resende, Crónica, p. 117; Pina, Crónicas, p. 941.
4 Foram várias expedições, mas o seu número e cronologia estão por determinar. Radu-

let, 1994, pp. 192-194.

117
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

perante a Santa Sé, que os ajudava na obtenção de bulas e regulação de con-


flitos entre eles e os seus rivais peninsulares. Pelo seu lado, o interesse dos
congoleses contactados, como veremos, residia na proteção e mesmo aliança
militar portuguesa contra os seus inimigos, para lá de um interesse pela cul-
tura cristã, embora repleto de equívocos e malentendidos. Fosse como fosse,
nova onda de africanos chegou a Beja nos inícios de 1489.
Foram recebidos pelo rei e pela rainha; à semelhança de Bemoim, com
todas as honras. Receberam roupas à moda do reino e procedeu-se ao batis-
mo de alguns deles; os membros da delegação ficaram até ao fim de 1490 pa-
ra aprender «a língua e a fé». O relato mostra-os prontos a adquirir todos os
saberes portugueses: domesticar bois selvagens, aprender a cultivar cereais,
a cozer pão. Tudo a fim de que «a partir daquele momento, os homens de
um e de outro reino sejam iguais e convencidos de uma e de outra parte do
amor e da necessidade de praticar e conversar com base na mesma maneira de
viver e com os mesmos costumes». Traziam ainda jovens para aprender o latim,
a forma dos carateres latinos e a fé católica, de modo a que, regressados ao
Congo, soubessem «uma e outra língua»1.
A nossa história embarca agora para África, a bordo de um navio que se-
guia para o Congo a mando do rei. A frota partiu em dezembro desse ano de
1489, com Gonçalo de Sousa como capitão e vários frades (a ordem ou or-
dens religiosas a que pertenciam não se encontra referida) como embaixado-
res da fé cristã. Chegaram em março do ano seguinte, não sem que a viagem
trouxesse elevadas perdas à delegação: o seu capitão e dois dos africanos cris-
tianizados morreram, ao que parece de um surto de peste que com eles tinha
embarcado em Lisboa. Encontraram Monisonho, um tio do rei do Congo
que também queria ser cristão; foi-lhe feita a vontade cinco dias mais tarde,
no Domingo de Páscoa, tendo adotado o nome do irmão da rainha de Por-
tugal, Manuel, e o seu filho o de António. No dia seguinte, Manuel e o filho
vieram ao navio dos portugueses ouvir missa, e comeram à mesa, «como
é hábito dos de Portugal»2.
Partiram então os portugueses ao encontro do rei do Congo, que vivia
no interior a mais de quinze dias de caminho. Foram recebidos com toda
a pompa, e conduzidos ao rei, sentado numa grande cadeira, a qual estava
colocada no seu palácio «como num lugar de espetáculo». A seguir foi-lhe
oferecido um cavalo ricamente aparelhado. Na primeira semana de maio
construíam os portugueses a igreja; perante a impaciência do rei congolês,

1 In Radulet, 1994, p. 103 (destaques meus).


2 Radulet, 1994, p. 115.

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REI CONTRA DUQUES: LEONOR FOI À GUERRA? (1481-1489)

procederam a uma nova vaga de batismos ainda antes de estar pronta, impro-
visando um espaço num quarto do palácio do rei. Desta vez foram batizados
o rei e seis dos seus fidalgos, tendo o primeiro recebido o nome de João, tal
como o rei de Portugal D. João II. No dia seguinte o rei e os seis batizados
tiraram os panos brancos do óleo do crisma, «como a igreja manda». Note-se
que o ritual de batismo previa que o neófito usasse durante sete dias uma
vestidura branca na cabeça (e não um a dois dias, como acontece neste caso).
Esta constituía um sinal da coroa do reino de Deus, da qual o neófito era fei-
to membro. Significava a ressurreição da Igreja, segundo a qual os corpos res-
suscitariam no dia do Juízo, e ainda a ressurreição dos que, estando em peca-
do, se levantavam por penitência1. A rainha manifestou vontade de ser
batizada, o que veio a acontecer pouco depois, tendo-lhe sido dado o nome
de D. Leonor, igual ao da rainha de Portugal. Então, diz o relato que temos
estado a seguir, estava tudo pronto para ajudar o rei do Congo numa guerra
contra uns súbditos rebeldes. Em 1492 regressou esta expedição a Portugal.
Uma história, portanto, de conversão e expansão da fé, com um enquadra-
mento comercial e militar, mas na qual a nossa rainha parece ter participado
de boa vontade. Até onde marcou os acontecimentos, não sabemos. Mas
imagina-se D. Leonor, pela proximidade física e espiritual que mantinha em
relação aos Loios, a pugnar pela educação cristã dos meninos africanos. Vol-
taremos a esta história.

3.17. Melhores tempos viriam?


Podemos também refletir sobre a presença da corte em Beja, território
que, como sabemos, não era neutro. Era lá que vivia a maior parte do tempo
a duquesa velha, Beatriz, e eram terras do novo duque D. Manuel, então ain-
da um rapaz que crescia na órbita do rei e da rainha sua irmã. Provavelmente
a duquesa viúva do duque de Bragança, D. Isabel, desapossada dos filhos que
cresciam em Castela, residia também por esses anos com a mãe. Mais tarde,
já velha, haveria de viver muito perto da irmã em Lisboa, na freguesia de São
Bartolomeu. Em todo o caso, tratava-se de uma família sem ruturas, ou, na
pior hipótese, estas aguardavam momentos melhores para se manifestar. Os
historiadores da Idade Média falam por vezes do sentimento do direito à vin-

1 Era usada também no sacramento de confirmação ou crisma. Sanchez de Vercial,

Sacramental, p. 129.

119
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

gança por parte das partes ofendidas. O direito de levar a melhor sobre um
ofensor causando o mesmo tipo de dano que este tinha perpetrado não era,
ao contrário do que acontece nos nossos dias, valorizado de forma negativa.
A vingança funcionava como a outra face da justiça, ao restaurar os direitos
de cada um1. Foi afinal contra a justiça privada que os reis foram constituin-
do as suas prerrogativas de justiça, em torno das quais pretenderam fundar
a sua autoridade: era contra esta que a justiça régia se procurava impor.
A vingança privada imperava, e, como dispositivo de apaziguamento de ten-
sões, o rei tinha a prerrogativa exclusiva de conceder perdões, afirmando
o seu poder à custa dos conflitos alheios2.
Para Leonor e sua família, talvez não andasse longe a esperança de en-
contrar melhores oportunidades para levar a melhor sobre um homem que
tão prejudicial fora à sua linhagem em termos familiares e patrimoniais. Não
ao acaso os cronistas da época referem a dissimulação como estratégia de po-
der. Várias vezes Resende fala de D. João II a esperar o melhor momento pa-
ra resolver problemas: já o vimos a esperar o fim das terçarias para prender
D. Fernando, duque de Bragança, quando o herdeiro D. Afonso estivesse
a salvo de Castela e da avó Beatriz. D. Manuel falará em dissimulação tam-
bém, anos mais tarde, quando escreve ao sobrinho Dinis, filho do duque de
Bragança D. Fernando (um dos garotos expedidos para a corte de Castela
quando o pai foi preso), sobre os inconvenientes de se fazer um casamento
então projetado3.
O tempo diria quem haveria de levar a melhor. Embora juntos em Beja
nos inícios de 1489, em que tudo corria de feição, velhas feridas seriam rea-
bertas. O príncipe estava vivo, com prospetos de um casamento magnífico,
porque juntava os filhos de dois antigos inimigos num mesmo leito matri-
monial: Afonso, filho de D. João II e Leonor, e Isabel, a filha mais velha de
Fernando e Isabel. Era este casamento que colocava a pedra final no conflito
com Castela, catorze anos depois de a Batalha de Toro. Ou seja, os anteriores
inimigos fundir-se-iam um no outro através do casamento. Era este o proje-
to, mas não foi a realidade. O príncipe D. Afonso morreria sem herdeiro
num desastre de cavalo. Se tudo tivesse corrido como esperado, talvez as ve-
lhas feridas entre a família de D. Leonor e D. João II tivessem acabado por
sarar. Como veremos no próximo capítulo, não foi o que aconteceu.

1 Liss, 2004, p. 79.


2 Sobre perdões régios, cf. Duarte, 1999, p. 36.
3 IAN/TT, Corpo Cronológico, I-3-93 [1502.4.4, Lisboa].

120
Capítulo 4
O filho único (1490-1491)

C hegou o tempo de falar no casamento do príncipe D. Afonso. Mo-


mento importante por vários motivos: por um lado consolidava-se
a paz depois de uma guerra que acabara anos antes, em 1479. Apenas a pou-
ca idade das pessoas que a podiam garantir através de um casamento tinha
dado origem a uma espera, na qual os prospetivos noivos foram mantidos re-
féns, nas já referidas terçarias, que decorreram entre 11 de janeiro de 1481
e 25 de maio de 1483. Por outro, caro leitor, sabemos que o príncipe e her-
deiro era o único filho de Leonor; se está bem lembrado de alguns factos da
história de Portugal sabe também que o príncipe morreu pouco depois de ca-
sar, num acidente de cavalo. É essa história triste — a da festa e da desgraça
— que me proponho contar neste capítulo. Aviso o leitor de que seguirei de
perto os dois cronistas de D. João II, Rui de Pina e Garcia de Resende, cujos
textos procurarei interpretar. Se o leitor fizer questão de ler os relatos autênti-
cos, só tem de ir diretamente a estas fontes1.
Detenhamo-nos um pouco sobre a figura do príncipe herdeiro: Kantoro-
wicz, o grande historiador da teologia do poder régio, chamou a atenção para
a maior importância do filho primogénito em relação aos outros filhos do
rei, porque era, quando o pai estava vivo, considerado um só com este últi-
mo no que toca a dignidade régia2. Isso explica que o rei D. Duarte apareces-
se oficialmente associado a seu pai D. João I, ou que, como vimos no capítu-
lo anterior, o príncipe D. João, mesmo fora do seu período de regência, fosse
na prática o rei em exercício. Neste caso, o príncipe D. Afonso era filho úni-
co, portanto herdeiro do trono, e as crónicas dão D. João II como fazen-

1 Pina, Crónicas, pp. 965-991; Resende, Crónica, pp. 150-206.


2 Citado por Gomes, 2003, p. 284.

121
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

do-se permanentemente acompanhar do filho. Esta simbiose pai-filho, não


só circunstancial mas também apoiada pela doutrina do poder régio, explica
em grande medida tanto os comentários atribuídos ao rei aquando da morte
de D. Afonso como as atitudes do povo narradas pelas crónicas. Como vere-
mos, tratar-se-á de um luto coletivo, e aflorará novamente a metáfora da or-
fandade que vimos utilizar aquando dos protestos populares pela entrada da
princesa D. Joana no convento das dominicanas de Aveiro.
Vale a pena sublinhar o interesse de D. João II no casamento do seu her-
deiro com a filha mais velha dos Reis Católicos. Tínhamo-lo visto já a presi-
dir à cerimónia da profissão religiosa da Excelente Senhora, numa época em
que os próprios cronistas sugerem a sua excessiva vontade de satisfazer os de-
sejos dos Reis Católicos, e, mais tarde, não perder a ocasião de negociar o ca-
samento do príncipe com uma das suas filhas. Mesmo que a última hipótese
de casamento fosse com Joana (depois conhecida por Joana, a Louca), o rei
preferia a filha mais velha, e sabemos porquê, se nos lembrarmos do próprio
casamento da nossa biografada. O facto é que à primogénita cabia o noivo de
maior importância dinástica, devido às regras de sucessão, que contempla-
vam a primogenitura feminina na inexistência de filhos rapazes. Não era as-
sim em todas as monarquias da Europa: em França, por exemplo, a lei sálica
afastava definitivamente as mulheres do trono, ao consagrar o princípio de
nem elas nem os seus filhos poderem herdar a dignidade real, competindo
a sucessão ao parente masculino mais próximo do rei em linha direta, ou, na
sua falta, a um colateral1.
Falámos também da tranquilidade que um casamento conferia a prospe-
tos de paz entre inimigos: é um facto que a tradicional rivalidade entre Cas-
tela e Portugal produzira trocas constantes de noivas entre os dois reinos,
embora não tivesse sido, como é óbvio, a única casa reinante com que a Co-
roa portuguesa se relacionou a nível das suas alianças matrimoniais. O desejo
de paz era certamente profundo de um lado e doutro, tanto de Castela como
de Portugal. Mas havia mais: um jogo contínuo em que a primeira família
reinante a ficar sem herdeiros diretos perdia a Coroa para a outra. D. João II
queria jogá-lo e os reis espanhóis também — adiante veremos o que se pas-
sou. E o empenho colocado neste casamento mostra até que ponto os trata-
dos eram precários, enquanto as pazes não passavam do papel para as realida-
des concretas, que neste caso se materializavam através da incorporação das
duas famílias uma na outra. Para vermos como a paz era uma preocupação

1 Cosandey, 2000, pp. 19-54.

122
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

constante, basta pensarmos que quando D. Manuel I teve um filho desta


mesma princesa Isabel em 1498, então sua mulher, a criança recebeu o nome
de D. Miguel da Paz. Este casamento de D. Manuel com a sua prima e viúva
do primo não teria tido lugar sem os tristes acontecimentos que sobrevieram.
Atentemos no casamento um pouco mais de perto: de março a novembro de
1491 não se fez outra coisa no reino senão tratar do enlace do príncipe com
a primogénita dos Reis Católicos.
Não sabemos se D. Leonor comungava dos mesmos interesses do marido
relativamente a este casamento: vê-la-emos doente antes e depois das festas
respetivas. No entanto, nada nos permite supor que a ideia lhe fosse desagra-
dável: afinal de contas, o filho casava com uma rapariga da sua linhagem.
A princesa Isabel era filha de Isabel, a Católica, sua prima direita, porque fi-
lha de uma irmã da mãe, também Isabel. O seu lado da família, constituído
pela mãe Beatriz, pela irmã Isabel, então viúva de um duque cujo título fora
suprimido, e pelo jovem duque de Beja seu irmão, não tinha razões para
achar que o príncipe tinha casado longe do seu sangue.

4.1. Preparativos, primeira fase: financiamento e casamento


em Sevilha
Naquele ano de 1490 tudo no reino parecia girar em torno do casamento
do príncipe. Depois de conseguido o dinheiro para as despesas com as festas
nas Cortes de Évora em março, havia que proceder aos preparativos com ra-
pidez. Destinaram-se estas cortes, como tantas outras, a pedir aos povos a sua
contribuição para as bodas. Uma indicação importante: realizaram-se na sala
dos paços da rainha, o que pode constituir um indicador importante sobre
o tamanho dos seus aposentos nos espaços régios1. É sabido que os palácios
reais tinham geralmente uma sala grande, onde se realizavam reuniões deste
tipo, que podiam incluir mais de uma centena de participantes2. Um doutor,
dos que eram encarregues de proferir as arengas habituais, neste caso o licen-
ciado Aires de Almada, procurou convencer os ouvintes dos méritos do rei,
relembrando tudo o que fizera em defesa do reino: o modo como combatera
com Castela, o sacrifício de ter colocado o filho nas terçarias e as vantagens
que se seguiriam do casamento do príncipe3. Um discurso proferido não em
latim, mas sim em «linguagem» (língua corrente), para os procurado-

1 Pina, Crónicas, p. 961.


2 Silva, 2002, p. 28.
3 Resende, Crónica, pp. 144-145.

123
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

res às cortes o poderem todos entender. O rei conseguiu o seu objetivo: as


cortes deliberaram um «empréstimo» de cem mil cruzados. Se fizermos as
contas a 390 reais por cruzado atingimos a soma de 39 milhões de reais, ou
seja, 39 contos. Só para termos uma ideia, as receitas da Coroa poucos anos
antes, em 1477, tinham sido um pouco superiores a 43 contos1.
Foi ainda em março que partiu para Castela a embaixada régia destinada
a realizar o casamento por palavras de presente. Como dissemos no capítulo
primeiro, quando falámos dos casamentos de D. Leonor e de D. Isabel sua
irmã, este ato era muitas vezes realizado por procuração. Quando envolvia
diferentes cortes régias, um dos noivos fazia-se representar por um procura-
dor. As cerimónias tiveram lugar em Sevilha, e coube ao chefe da embaixada
portuguesa, Fernão da Silveira, desempenhar esse papel na presença dos Reis
Católicos e de todos os seus filhos: Joana, Maria, Catarina e o herdeiro do
trono, João. Houve festas pelo lado espanhol, como era costume: banquetes,
momos e justas, provavelmente ao longo de vários dias2.
A crónica refere o empenho de D. João II no casamento: sabia o dia exa-
to em que se realizaria a cerimónia das palavras de presente e conseguiu obter
a certidão do casamento em poucas horas, colocando estafetas no trajeto en-
tre Évora e Sevilha. O casamento nesta cidade teve lugar, na noite de domin-
go; na segunda-feira seguinte, ainda com luz do dia, o rei recebeu a notícia
andando a cavalo na praça de Évora com o príncipe e o duque (só havia um,
D. Manuel). Foi a festa: estava tudo a postos para comemorar. Havia foga-
réus, bombardas, sinos, trombetas, ramos nas ruas, bandeiras nos muros
e torres e o alvoroço foi geral pela cidade3. O rei e seu filho, depois de darem
graças a Deus pelas boas notícias, acorreram a casa da rainha, sendo alegre-
mente recebidos por ela com suas damas e donzelas4. Logo ao amanhecer do
dia seguinte, terça-feira, foi a corte toda, mais judeus, mouros e povo em pe-
regrinação ao convento do Espinheiro ouvir missa de graças. Por lá come-
ram, e à tarde, com grande «estrondo de prazer»5, regressaram à cidade. Fica-
va este convento, como ainda hoje, nos arredores de Évora, embora um
restauro de péssimo gosto o tenha definitivamente afastado da evocação des-
tes momentos da história de Portugal. É atualmente um hotel de luxo para
novos-ricos cuja igreja, apenas, se encontra preservada. Houve o desplante de

1 Godinho, 1978, p. 55.


2 Momos eram representações teatrais acompanhadas de música e dança.
3 Um fogaréu era uma espécie de tigela ou concha, ordinariamente de ferro, com haste,

onde se acendiam matérias inflamáveis. Uma bombarda era uma peça de artilharia.
4 Pina, Crónicas, p. 967.
5 Resende, Crónica, p. 154.

124
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

fazer cercar o terreno de relva com rega automática, no meio da planície


alentejana...
Quarta-feira, dia seguinte, continuaram os festejos. O pátio dos paços foi
toldado por cima, montou-se um estrado real, e houve momos em que o rei
entrou com os senhores casados. O estrado era o local do poder: ideal para
ver e ser visto, um antepassado direto dos palcos do teatro. Tal como neste,
os atos do rei e rainha eram encenados, porque se destinavam a produzir
uma imagem. Imagem que procurava construir a segurança da proteção que
el-rei devia a seus povos; a sua riqueza e magnificência, testemunho dos favo-
res divinos. Montado o cenário, fizeram-se os tradicionais desafios de casados
contra solteiros, os primeiros chefiados pelo rei e os segundos pelo duque
e príncipe.
Quinta-feira foi a vez dos touros e canas na praça da cidade, a que o rei
e rainha assistiram1. Mas as festas tiveram um fim abrupto em razão das notí-
cias da morte da princesa Joana «que a el rei no fervor destas festas, e prazeres
foi dada; a qual pareceu, e ele assim a tomou, que fora em tal tempo por
pendença de tão sobeja alegria como por este casamento tomara»2. Estes su-
cessos tiveram lugar na semana a seguir ao Domingo de Pascoela, quando
o casamento por palavras de presente tivera lugar. Restava agora fazer os pre-
parativos para as bodas propriamente ditas, esperadas para outubro daquele
ano, quando a princesa Isabel chegasse ao reino e pudesse finalmente consu-
mar o casamento com o príncipe.

4.2. Preparativos, segunda fase: as bodas em Évora


Conhecemos o regimento que o rei deu à câmara de Évora contendo as
instruções para o casamento do príncipe. Em primeiro lugar, a limpeza: as
esterqueiras seriam todas removidas das ruas; a rua por onde entraria a prin-
cesa seria toldada com panos de Inglaterra e da Flandres a fornecer pelo rei.
Caminhos e calçadas seriam consertados; a cidade estaria iluminada; disparos
de pólvora saudariam a princesa à chegada e continuariam noite adentro.
Dispor-se-iam bandeiras do rei e da princesa em vários lugares da cidade.
O pálio que albergaria a princesa seria levado por homens vestidos de damas-
quim, cetim e veludo, com as cores de D. Isabel, que eram o roxo e o bran-
co. O pálio devia estar na Porta de Avis, juntamente com todo o povo, a re-

1 O jogo das canas correspondia a uma luta a cavalo, com duas equipas, que se atacavam
e perseguiam uma à outra com canas.
2 Pina, Crónicas, p. 968.

125
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

ceber a noiva. Na mesma porta se armaria um cadafalso onde se fariam


representações1. Haveria ainda cadafalsos noutros pontos-chave da cidade:
no adro da Sé, junto ao Mosteiro de São Domingos e ainda junto à horta de
São Francisco. Na procissão iria o arcebispo de Braga em pontifical e todos
os outros prelados e cleresia. A cidade contribuiria ainda com 24 touros para
as corridas (embora tenha acabado por dar 502), 120 carneiros, 1200 gali-
nhas, 150 patos, 100 cabritos, 60 leitões, até 12 mil réis de perdizes e coe-
lhos, 7 arrobas de confeitos e 5 de tâmaras, 50 alguidares de frito (filhós)
e 30 alguidares de fartéis3. Esta contribuição seria partilhada por outras vilas
alentejanas, que contribuíram com um terço desta despesa4. Requisitaram-se
ainda camas por todas as comarcas vizinhas, porque as da cidade não chega-
vam para albergar as pessoas que se esperavam5.
Fica-nos o relato de um reino, ou pelo menos das suas regiões mais dire-
tamente envolvidas com a corte régia, inteiramente mobilizado para o casa-
mento que se avizinhava. Nos portos, os barcos desembarcavam os mais va-
riados produtos importados da Europa e mesmo da Berberia; nos campos,
marcavam-se porcos, vitelos, galinhas e outros animais para abater quando
chegasse o momento dos banquetes.
O rei não olhava a despesas: era preciso alojar e alimentar as pessoas que
vinham ao casamento, construir uma sala de madeira para banquetes e con-
soadas, organizar os habituais jogos de canas, as corridas de touros, os mo-
mos e as justas. Precisava-se ainda de ouro, prata e sedas para fazer mercês,
e era longa a lista de compras: brocados, tapeçarias, cavalos, arneses, lanças,
oficiais de broslar (bordar) e chapar, cera, frutas, conservas, especiarias, caças,
pescados, ginetes (cavalos) e jaezes (arreios)6. O rei isentou de direitos a en-
trada no reino de mercadorias destinadas ao casamento. Foi uma caravela
a Itália a trazer os mais variados produtos de luxo, desde têxteis a arreios
e vestidos para as pessoas reais e para suas salas e câmaras. Do Norte da Eu-
ropa vieram outras mercadorias, diferentes das de Itália: tapeçarias, peles de
arminho e marta, facaneas (espécie de assentos), prata em pasta, mas também
gente para trabalhar, como cozinheiros e menestréis. De Castela viriam ouri-
ves para fazer arreios e outras coisas esmaltadas, bem como douradores. Da

1 Embora se associem os cadafalsos apenas aos estrados onde se faziam execuções à pena
de morte, nesta época as fontes dão esta designação a todos os palcos solevados.
2 ADE, Livro 3.o de originais (73), fl. 196 [1490.8.?, Évora].
3 O fartel era um bolo de açúcar e amêndoas envolvido em farinha de trigo.
4 Pereira, Documentos históricos, 1998, pp. 451-452.
5 Resende, Crónica, p. 161.
6 Pina, Crónicas, p. 969.

126
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

Berberia e da Guiné veio a cera, essencial para iluminação noturna. Aos pes-
cadores e caçadores da zona foi mandado que pescassem e caçassem conti-
nuadamente enquanto durassem as festas de acolhimento da princesa. Por
todo o reino se enviaram aves de capoeira à corte: enquanto duraram as fes-
tas, estas últimas comeram mais de 100 moios de trigo. Vacas e cabras «pari-
das» foram trazidas à cidade, «para manjares de leite, que nos banquetes se
não podiam escusar [dispensar]»1.
Para organizar as bodas, o rei determinou que as festas tivessem «casa»
própria, isto é, oficiais inteiramente dedicados aos preparativos, chefiados pe-
lo seu vedor da fazenda. Montou também um sistema de crédito para os que
desejassem adquirir os produtos de luxo importados, que consistia em dar-
-lhes aquilo de que precisavam descontando o seu valor posteriormente nas
tenças. Dessa forma, o que compravam fiado ia pelo justo preço, sem sofrer
inflação.
Para estes homens de finais da Idade Média, o medo das epidemias era
uma constante. Naquele ano, havia peste em Lisboa, a cidade onde deveria
ter lugar o casamento. Aqui explicamos o seguinte: Lisboa podia ainda não
ser capital no sentido moderno do termo (que atualmente se refere à sede po-
lítica e administrativa de um Estado), porque tanto a corte como os princi-
pais órgãos de governo acompanhavam o rei nas suas deslocações. Mas era,
no dizer dos próprios contemporâneos «a principal cidade e cabeça do rei-
no». Rui de Pina chama-lhe a «mais principal do reino»2. Os nossos historia-
dores consideram Lisboa como capital do reino a partir do reinado de
D. João III (1521-1557). Antes disso, Lisboa não era a capital do ponto de
vista administrativo, devido à mobilidade da corte e à centralidade do mo-
narca como agente de decisão. Mas, a aplicar um critério económico e demo-
gráfico, Lisboa era, no entender dos contemporâneos, a principal cidade do
reino. De resto, será Lisboa a concentrar a parte de leão dos tratos ultramari-
nos no reinado de D. Manuel e muito depois dele3. Se a corte lá não residia
de forma mais estável, isso devia-se à constante mobilidade, ditada, antes de
mais, pela ocorrência de pestes. Ao longo da primeira metade do século, fo-
ram muitos os anos em que Lisboa esteve interditada pela peste, a cujo con-
tágio estava constantemente sujeita pelo movimento do seu porto de mar.
Descartada a hipótese de fazer o casamento em Lisboa, rapidamente se
optou pela segunda cidade preferida pela corte para estanciar: Évora. A sua

1 Pina, Crónicas, p. 972.


2 Pina, Crónicas, p. 970.
3 Sobre a construção de Lisboa como capital, veja-se Magalhães, 1993, pp. 50-59.

127
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

localização mais próxima da fronteira com Castela tinha ainda a vantagem de


encurtar a viagem da princesa Isabel. Também aí havia que precaver as pes-
soas da peste. Os cronistas contam que D. João II mandou sair as pessoas da
cidade durante quinze dias, e fez entrar gado nas suas ruas e casas desertas.
Foi no mês de setembro, tendo o cuidado de colocar guardas nas suas entra-
das para evitar que a cidade fosse pilhada. Hoje sabemos que se tratava de
uma estratégia muito correta: sendo as pulgas o animal transportador dos ví-
rus da peste, acabavam por ser os animais a levá-las para fora da cidade. Ain-
da relacionada com a peste, uma medida que temos dificuldade em explicar:
todos os escravos negros foram obrigados a sair durante dez dias, mas no mês
seguinte, em outubro1. Ou seja, a explicação pode residir apenas na ideia de
que estes eram tidos por impuros, e a sua saída era vista como mais uma for-
ma de purificação. Especulamos, como sabe, caro leitor ou leitora. Em todo
o caso, as festas decorreriam sem o espetro da doença, até ao seu último dia,
como veremos. Os paços de São Francisco entraram em obras para fazer a to-
da a pressa aposentos que pudessem alojar o jovem casal.
O rei certificou-se também de que as pessoas importantes do seu reino
viriam às festas do casamento. Fizeram-se convites a todos os bispos, senho-
res, fidalgos e cavaleiros; alguns foram instados a trazer as suas consortes.
As mulheres que sabiam bailar, cantar e tanger (tocar um instrumento)
foram convidadas a acorrer à corte, e aqui o rei socorreu-se ainda de todas as
mourarias do reino, para que mouros e mouras viessem animar a festa. To-
dos seriam devidamente recompensados, com ajudas para o caminho, roupa
e dinheiro. Aos moços que quisessem justar ser-lhes-ia dado cavalo e armas
na ocasião, e ser-lhes-iam dispensados brocados e sedas do tesouro real no va-
lor de duzentos cruzados a cada um. Mercê semelhante era dada também aos
que dançassem e participassem nos momos. Os oficiais da casa do rei, tanto
maiores como menores, foram vestidos de alto a baixo, desde o mordomo-
-mor até aos moços da estribeira.
Havia cinco praças na cidade que distribuíam mantimentos, embora na
praça maior da cidade, o atual Giraldo, estivessem proibidas vendas, porque
estava reservada às festas.
Este tipo de festas, que envolvem uma generosidade quase ilimitada e in-
discriminada por parte dos anfitriões — neste caso a Coroa —, tem junto
dos antropólogos o nome de potlacht e corresponde a configurações políticas
em que a capacidade de dar é a marca distintiva do poder2. Embora este

1 Pina, Crónicas, p. 973.


2 Mauss, 2001, pp. 54-58.

128
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

conceito tenha sido apurado por Marcel Mauss relativamente às sociedades


da Oceânia, os historiadores têm vindo a descobrir que se ajusta a certos as-
petos das sociedades medievais e do período moderno. Seguramente este epi-
sódio das bodas do príncipe foi muito mais do que um casamento, porque
constituiu simultaneamente consumação de paz entre os dois reinos e um
momento privilegiado na relação de afeto entre o rei e o reino, marcada pela
dádiva recíproca.
Foi então que se construiu a célebre casa da madeira para alojar os ban-
quetes do casamento, reconhecendo-se que o paço era muito pequeno para
receber a multidão que se esperava. A acreditar nas crónicas, situava-se na
horta do Convento de São Francisco da cidade, onde a corte se instalava fre-
quentemente. Alguns anos mais tarde, D. Manuel I mandaria ampliar o con-
vento e construir um palácio para a sua corte. Mas, na década de 1490, foi
necessário construir um edifício de arquitetura efémera destinado a albergar
os banquetes oferecidos por ocasião do casamento. Os cronistas gabam a sua
construção; falam das grandes dimensões da sala da madeira, e da rapidez
com que foi edificada. Garcia de Resende, referindo-se a esta última e às
obras no paço, diz que «em seis meses fizeram obras, que houveram mister
bem de anos»1. Rui de Pina descreve o edifício pormenorizadamente, e vale
a pena tentar imaginar a estrutura através da sua descrição. Em primeiro lu-
gar as dimensões: estão em côvados e a conversão aproximada em metros da-
ria 67,5 metros de comprido por 16,9 de largura e 15,1 de altura2. A ser ver-
dade, teria as dimensões da nave de uma igreja de dimensões consideráveis,
o que faz desta peça de arquitetura efémera uma estrutura monumental. Re-
sende conta que o telhado era calafetado como «nau de madeira, que não po-
dia chover nela gota de água.3» As paredes, de taipa e madeira, bem como
o teto, estavam forrados de tapeçarias e de lambéis, isto é, de faixas de tecido
listrado (uma novidade na altura). O interior incluía num dos lados menores
do retângulo o tradicional estrado com seus degraus, destinado à família real
e seus próximos. Havia ainda quatro cadafalsos nas paredes (creio que seme-
lhantes a púlpitos, dois de cada lado para menestréis, e um maior à entrada
do lado direito para bastardas e atabales (timbales). À esquerda uma grande
e alta copa de muitos degraus, onde se exibiam e distribuíam as peças de pra-
ta próprias para ir à mesa (copos, taças, pichéis, bacias de água às mãos). Este
dispositivo recebe o nome de aparador e foi usado nas salas de banquete por

1 Resende, Crónica, p. 158.


2 Silva, 1997, p. 93.
3 Resende, Crónica, p. 162.

129
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

toda a Idade Moderna, sendo que muitas vezes as peças não se destinavam
a ser usadas, mas exclusivamente exibidas como marca de distinção das casas,
ou seja, constituíam uma peça de aparato. Mas o mais surpreendente são
duas bancadas laterais, ao longo das paredes, a que as pessoas subiriam por
degraus. Estas seriam meros espetadores da refeição, que deviam ver muito
bem os comensais, «sem tolherem a vista uns aos outros»1. O acesso a esta
tribuna não era no entanto indiscriminado: o mestre-sala encarregava-se de
admitir apenas os cortesãos e pessoas honradas da cidade.
Em baixo ficariam as pessoas encarregues de servir às mesas, que eram ca-
torze, sete de cada lado. No meio da sala, entre as mesas, havia uma «rua mui
ancha». Cento e vinte tochas ardiam pendentes do teto, repartindo-se por
trinta candelabros, e a cera caía sobre uns bacios do chão para não atingir as
pessoas. Havia ainda inúmeras tochas que os pajens levavam na mão, para
além dos brandões que estavam em cima das mesas e na copeira, numa esti-
mativa de trezentas luminárias. A luz era tão clara como se fosse de dia, conta
Resende: pormenor importantíssimo num mundo onde a iluminação notur-
na era rara.
Seria por esta altura que se compraram os 500 guardanapos que fariam
parte de uma das cartas de quitação de D. João II? O seu inventário, despoja-
do de objetos de luxo se comparado com os dos seus dois sucessores, D. Ma-
nuel I e D. João III, lista quase 600 guardanapos, que, naquela época, consti-
tuíam luxo de nobres e príncipes2. Não é este, caro leitor, um pormenor
despiciendo: uma das novidades da história do século xx foi ter trazido aqui-
lo que os historiadores designam como «processo civilizacional» para o cen-
tro das preocupações da história cultural. Expliquemos em breves palavras
em que consiste, ainda que esta vossa autora corra o risco de ser repreendida
por grosseria académica pelos seus colegas de profissão. Na Idade Média os
modos de comportamento social eram diferentes dos atuais: as pessoas efe-
tuavam funções corporais à vista de todos; comiam com as mãos (reservando
o uso de colheres apenas para alimentos líquidos ou papas); assoavam-se às
mangas ou aos próprios dedos; na hora de dormir, estranhos partilhavam
a mesma cama. Com a Idade Moderna, e sobretudo a partir do Renascimen-
to, através de um processo de evolução gradual, passaram a usar-se objetos
que mediavam estas operações sociais, passando a exibição das funções cor-
porais e suas secreções a ser realizadas em privado. O muco nasal passou a es-
conder-se num lenço, o contacto direto com a comida foi substituído pelo

1 Resende, Crónica, p. 163.


2 Freire, «Cartas», quitação n. 186.

130
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

uso do garfo, etc.1. Daqui o leitor poderá facilmente imaginar como se comia
antes dos guardanapos, e perceber porque era tão importante o ritual de lavar
as mãos antes, durante e depois das refeições. Como vimos no capítulo ii,
a propósito da presença de D. Manuel na corte dos Reis Católicos, o gesto
de dar água às mãos na corte operava-se debaixo de protocolos bem determi-
nados. Imaginemos, então, que o casamento do príncipe registou a novidade
dos guardanapos. O seu número, perto de 600, torna plausível esta suposi-
ção.
Os cronistas procuram dar a impressão de que não se poupou nas despe-
sas. Num acontecimento tão importante, seria de resto de mau tom, para
a época a que se reporta: procurar restringi-las seria incorrer no pecado mor-
tal da avareza. Sobretudo para quem tinha mais do que os outros, dar liberal-
mente constituía uma obrigação moral, acrescida até pelo facto de o rei estar
a usar dinheiro angariado pelos seus povos. Veremos que ninguém foi excluí-
do de presenciar as festas, ainda que nem todos tivessem lugar nas tribunas
nem nas mesas dos banquetes. As bodas do príncipe eram de todos e para to-
dos, embora obviamente segundo modalidades de usufruto diferenciadas. As
mesas estavam reservadas aos membros mais importantes da corte e figuras
principais do reino; os restantes cortesãos assistiam e comiam na tribuna. No
exterior do paço da madeira, imaginamos a multidão dos populares a assistir,
e a tentar agarrar a comida que lhes era lançada.
Estamos ainda longe do fausto da corte de D. Manuel I, o rei novo-rico,
que se passeava por Lisboa com cinco elefantes e uma onça. Mas o momento
das festas do casamento do príncipe D. Afonso correspondeu ao zénite do lu-
xo e aparato do reinado de seu pai. Naquele mês de novembro de 1490, era
o reino de Portugal que casava com Castela.

4.3. O «Senhor Dom Jorge» chega à corte


Exatamente quando decorriam os preparativos para o casamento do
príncipe, irrompe na corte o outro filho de D. João II, um tanto inesperada-
mente. É que a tia, a princesa D. Joana, tinha morrido nesse ano no remoto
convento de Aveiro, deixando o rapaz de 9 anos sem ter quem dele cuidasse.
Era este um bom momento para o trazer à corte: tudo corria de feição, e as
perspetivas do casamento do príncipe relegavam para segundo plano o filho

1 Elias, 1989, vol. i, pp. 103-131.

131
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

bastardo do rei. É neste excerto da crónica que Rui de Pina aproveita para
introduzir o tema da atitude da rainha D. Leonor perante este filho do mari-
do: «conveio a el rei por remediar a criação de seu filho pedir à rainha Dona
Leonor sua mulher, que sem alguma paixão das muitas que em seu nascimento
recebera, quisesse consentir, que viesse, e se criasse na corte». A rainha, «es-
quecida já de paixões e descontentamentos passados», não só consentiu, co-
mo pediu ao rei para o criar em sua casa.
É fácil perdoar quando a vida corre menos mal. Garcia de Resende alude
claramente ao desgosto da rainha D. Leonor pela infidelidade do marido
quando D. Jorge nasceu. Não será certamente um acaso que o rapaz tenha si-
do criado pela tia Joana em Aveiro, e não numa das vilas e cidades mais fre-
quentadas pela corte, como Santarém, Évora, Beja, entre outras, nem o será
o esquecimento a que o rei votava a sua antiga ligação a Ana de Mendonça.
O certo é que D. João II pediu à mulher que o autorizasse a acabar de criar
o filho na corte pedindo «que lhe não lembrassem paixões que sobre isso já
tivera, pois ante ele eram tão esquecidas». A rainha não só consentiu, mas fez
questão de o criar em sua casa, dizendo que o criaria como se fosse seu filho1.
Tinham passado nove anos, o filho Afonso ia fazer um casamento auspicioso
com a primogénita dos Reis Católicos; o reino estava em paz, passadas que
estavam as últimas grandes turbulências entre o rei e os grandes da aristocra-
cia. E o seu irmão Manuel afinal tinha crescido no paço junto com ela; quem
sabe se não foram esses anos de contacto próximo que criaram uma relação
de grande proximidade entre ambos.
A criança lá veio, acompanhada pelo bispo do Porto, D. João de Azeve-
do, e chegou a 15 de junho a Évora. Saíram a recebê-lo o meio-irmão Afonso
e o duque de Beja D. Manuel, com outros fidalgos. Trouxeram-no então
à presença do rei e da rainha, que então estavam nas casas de um fidalgo, en-
quanto os paços de São Francisco se «enobreciam» para o casamento2.
D. Jorge haveria de andar na corte de D. João II por pouco tempo, como ve-
remos. A disposição de D. Leonor para com aquela criança sofreria mudan-
ças radicais.
Já notámos anteriormente a importância atribuída ao filho mais velho do
rei, mas cabe observar que, mesmo ilegítima, a prole régia era objeto de trata-
mento especial. Estava-se numa época em que o bastardo ainda não fora ob-
jeto da discriminação crescente em resultado do Concílio de Trento3. Em

1 Resende, Crónica, p. 149.


2 Pina, Crónicas, p. 965. Destaques meus.
3 Kertzer, 1993, pp. 17-19.

132
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

todo o caso, Jorge não era um bastardo qualquer: era filho do rei, o que ex-
plica a necessidade de o tratar «assim pública e honradamente»1. Como já tí-
nhamos notado, o caráter sacral da figura régia estendia-se aos filhos, sobre-
tudo aos primogénitos. Pode ser esta uma das razões que explica
o tratamento privilegiado dado aos filhos ilegítimos dos reis, sobretudo
quando do sexo masculino. Não se esqueça que a Casa da Bragança começa-
ra precisamente com um deles, Afonso, filho natural de D. João I, e não foi
pela abundância de filhos legítimos deste último que deixou de crescer em
importância. D. Jorge, como veremos, haveria de desempenhar um papel
importante, malgré lui, porque ficou filho único.
E as raparigas bastardas de reis? Bem, não era a mesma coisa, porque
o mesmo destino das filhas legítimas as esperava: o casamento ou o conven-
to. Na verdade, dispunham das mesmas opções das outras filhas, só que com
menor valor dinástico. O seu papel raramente saía destes parâmetros: não ha-
via altos cargos a conceder-lhes, a não ser quando casavam bem, com prínci-
pes reinantes. Nesse caso podiam ser regentes, como foi o caso de Margarida
de Parma (1522-1586), filha ilegítima de Carlos V, regente dos Países Baixos
entre 1559 e 1567 por incumbência do meio-irmão Filipe II de Espanha.
A D. Jorge estavam destinados outros voos: uns haveriam de tomar lan-
ço, outros não. Por agora era apenas um rapaz, e gostaríamos de ter estado lá
na tarde em que D. Afonso e D. Manuel o foram buscar para o trazer à cida-
de. Sobre que falaram pelo caminho? O que pensaria aquele garoto de 9
anos, criado entre mulheres num convento, enquanto ia ao encontro de um
pai que poucas vezes vira até então? Iria com medo da nossa rainha?
Bem, D. Jorge teve algo em comum com a Excelente Senhora: também
ele haveria de ver morrer muita daquela gente que o veio receber naquele
longínquo dia de junho. Morreu depois deles todos, em 1550, duque de
Coimbra e mestre das ordens militares de Santiago e Avis. Mas não chegou a
rei, dizem que por obra e graça da nossa rainha.

4.4. Mais dias de festa: as bodas


Vimos já toda a corte e com ela a cidade de Évora a festejar durante boa
parte da semana as novas do casamento por procuração do príncipe. As festas
verdadeiras, no entanto, iam começar. A viagem da princesa foi sincronizada
com os preparativos, uma vez que o rei enviou aos Reis Católicos notícias de
que estava tudo pronto a recebê-la. Através do habitual método de «trotei-

1 Pina, Crónicas, p. 965.

133
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

ros» estafetas, D. João II conseguia saber em que ponto da jornada se encon-


trava Isabel. A princesa vinha acompanhada de nove damas, com uma portu-
guesa, Isabel de Sousa, por sua aia e camareira-mor (não esqueçamos as
origens portuguesas de sua mãe Isabel de Castela).
O duque de Beja encarregou-se de chefiar a comitiva de fidalgos, prela-
dos e cavaleiros encarregue de a receber na fronteira com Castela. A passa-
gem da fronteira entre os dois reinos era normalmente feita junto a Elvas, na
ribeira do Caia, e foi para lá que D. Manuel se dirigiu. A entrega de noivas
reais constituía na prática um ritual de passagem cujo significado se prendia
com a mudança de pátria da noiva e com o início da sua nova vida. A ceri-
mónia tinha lugar na ponte do Caia que era «marco de reino a reino». Houve
arenga — já vimos que não havia momentos importantes sem discurso —
proferida pelo doutor Vasco Fernandes de Lucena, chanceler da Casa do Cí-
vel (o mesmo letrado que abrira as Cortes de Évora em 14811). Era também
esta a ocasião das despedidas: a princesa deixava para trás o seu reino e pes-
soas que lhe eram familiares. Como escreve Ana Isabel Buescu, eram viagens
sem regresso: raramente voltavam a ver pai, mãe e irmãos ou a pisar a terra
natal2.
Embora Isabel se tivesse despedido dos pais dias antes em Córdova, para
as princesas devia ser este o momento em que começavam vida nova: segura-
mente o primeiro contacto com as pessoas importantes da corte na qual vive-
riam. Não devia ser um dia fácil de esquecer. A fronteira seria talvez o limite
mais definido da separação do estado de solteira, já que o casamento, como
vimos, se realizava por várias etapas. Mais tarde, Isabel atravessaria pela ter-
ceira vez a fronteira, mas por Castelo de Vide, para casar com D. Manuel3.
Era este que agora a recebia, não só como principal senhor do reino (Jorge
era um garoto de 9 anos), mas também como primo direito da mãe da noiva,
Isabel, a Católica.
O grupo foi então para Elvas, onde o Mosteiro de São Domingos estava
preparado para receber a princesa: salas, câmaras e camas cobertas de «ricos
brocados, e mui finas tapeçarias». Aqui passou a sua primeira noite em Por-
tugal. No dia seguinte, rumaram todos a Estremoz, onde também pernoita-
riam: a vila estava em festa, as pessoas ricamente vestidas, bandeiras roxas
e brancas (as cores da princesa). Dispararam-se tiros e o bispo de Viseu rece-

1 Ver capítulo iii.


2 Buescu, 2007, pp. 276-277.
3 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 50.

134
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

beu-a com uma procissão solene, que a acompanhou a pé até aos aposentos
onde iria passar a noite.
Em Estremoz temos um episódio muito significativo. O rei, que nunca
tinha visto a princesa, resolveu ir à vila vê-la, juntamente com o príncipe
e alguns nobres. Sabemos porquê: embora as terçarias tivessem tido lugar em
Moura, o rei não podia lá ir, pelo que provavelmente nunca a tinha visto.
Rei e príncipe juntaram-se ao duque e trataram de avisar a princesa. Esta
ceou à pressa e vestiu-se a preceito, para os receber no topo de uma escada.
Seguiram-se os habituais cumprimentos: o cimo das escadas era um dos luga-
res habituais para os rituais de saudação que ocorriam dentro de portas. Ha-
via que beijar a mão da pessoa mais importante (neste caso o rei), mas este
podia recusá-la para criar uma situação de igualdade. Foi o procedimento de
D. João II quando a princesa fez menção de lha tomar (é este um gesto que
se repete vezes sem conta nas narrativas de encontros deste género). O prín-
cipe e a princesa abraçaram-se e seguiu-se uma conversa entre os três. Foi en-
tão que o rei decidiu que, por estarem já casados por palavras de presente,
podia ter lugar a cerimónia religiosa. Casou-os D. Jorge da Costa, arcebispo
de Braga e irmão do arcebispo do mesmo nome que se tinha refugiado em
Roma ao ser hostilizado por D. João II.
No dia seguinte os dois grupos puseram-se novamente a caminho. Rei
e príncipe regressaram a Évora e a princesa foi para o Convento de Nossa Se-
nhora do Espinheiro, uma vez que só podia entrar na cidade de forma solene
e protocolar. Isabel aí chegou já na noite de quarta; no dia seguinte a rainha
D. Leonor veio ver a nora pela primeira vez. Foi então que, à porta do mos-
teiro, Isabel recebeu finalmente as bênçãos nupciais do bispo de Braga,
D. Jorge da Costa, que disse também missa solene. Abrimos aqui outro pa-
rêntese para explicar as diferenças do casamento pré-tridentino: primeiro
a cerimónia religiosa decorreu no Mosteiro de São Domingos em Estremoz,
onde a princesa se encontrava alojada. Só dias depois se lhe seguiu a bênção
nupcial, e não frente ao altar mas na porta do Mosteiro de Nossa Senhora do
Espinheiro. Seguidamente, o rei, Leonor e Afonso voltaram a Évora, deixan-
do a princesa no mosteiro.
Há qualquer coisa de estranho, no entanto, nesta dupla cerimónia de ca-
samento religioso, que talvez se explique pelo detalhe de que a seguir dare-
mos conta. Aqui, caro leitor, temos o detalhe mais curioso de todos: a prin-
cesa ainda passou a sexta e o sábado no mosteiro, e foi visitada pelo rei e pelo
príncipe. Até aí, nada de especial, mas os cronistas notam que antes de a
princesa entrar na cidade, «segundo fama», os noivos «jouveram» ambos,

135
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

«e não sem estranhamento de algum pecado, por ser contra a honestidade,


e acatamento, que se devia, e não guardou à igreja»1. Isto diz Rui de Pina;
Garcia de Resende é mais claro: «E segundo fama antes dela entrar na cidade,
ali nas casas do mosteiro onde pousava, teve o príncipe ajuntamento com ela,
o que de muitos foi estranhado por ser casa de Nossa Senhora, e de tanta de-
voção.» Nas crónicas esta consumação antecipada do casamento reveste
a função de presságio, porque algo de sacrílego a manchava. Resende conti-
nua: «E afirmou-se por mui certo, que naquela noite caiu da parede da igreja
uma ameia junto da câmara onde jouveram, a qual ameia até hoje não foi
consertada, e está ali por memoria que os frades disso fizeram.»2 Não foi por-
que não estivessem ainda casados, porque o estavam desde Sevilha — por
procuração — e as cerimónias religiosas tinham já tido lugar em Estremoz
e no Espinheiro. Apenas tinham faltado ao respeito devido a Nossa Senhora.
A estadia da princesa a escassos quilómetros da entrada de Évora, no
convento do Espinheiro, cumpria um dos passos processuais do ritual solene
que a esperava. Reis, rainhas, príncipes e bispos tinham o hábito de aguardar
nas cercanias das cidades que as respetivas autoridades municipais preparas-
sem as cerimónias solenes de acolhimento. É neste contexto que devemos en-
tender a permanência da princesa durante estes dias no convento jerónimo
do Espinheiro. Nesse intervalo de tempo o rei e o príncipe vieram visitá-la;
seguiu-se depois a entrada na cidade, com toda a solenidade habitual nestas
circunstâncias3.
Chegou-se a domingo, 27 de novembro, o dia em que a entrada da prin-
cesa em Évora devia ter lugar. Aqui o programa protocolar do evento foi o
seguinte: o rei foi ao Espinheiro buscar a princesa acompanhado de todos os
senhores da sua corte, mas desta vez sem o príncipe. Ia em grande aparato no
final do cortejo, montado num ginete ruço, vestido «à francesa», devidamen-
te acompanhado por música de tambores, charamelas, bastardas, sacabuxas4,
etc. A princesa saiu ricamente vestida e fez o percurso no dorso de uma mu-
la, com o rei à sua esquerda. Impressionou todos com um gesto que revela
a subtileza da etiqueta das cerimónias oficiais ao tirar a luva da mão que esta-
va do mesmo lado do rei (a esquerda), mantendo-a calçada na outra.

1 Pina, Crónicas, p. 976.


2 Ambas citações em Resende, Crónica, p. 169.
3 Sobre as entradas régias em Portugal, cf. Alves, s.d., pp. 26-28; na Europa, Muir,

1997, pp. 239-246.


4 A charamela era um antigo instrumento musical com uma palheta metida em cápsula

ou barrilete, onde se soprava com força; a sacabuxa, também um instrumento musical anti-
go, semelhante a uma trompa. Eram portanto instrumentos de sopro; foi impossível averi-
guar o que era uma bastarda.

136
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

Chegaram a uma das portas da cidade, a Porta de Avis, onde várias peças
estavam preparadas. Havia fadas para fadarem a princesa, a representação do
Paraíso que integrava vários instrumentistas e a inevitável arenga. Depois
desta, sempre à entrada de Évora, tiveram lugar várias representações teatrais
acompanhadas por música. Foi então que todos desceram das suas montadas,
com exceção do rei, da princesa e suas damas, que passaram a deslocar-se sob
um pálio de brocado transportado pelos oficiais mais honrados do municí-
pio. Competia então aos fidalgos e senhores levar as mulas pela mão; as ré-
deas da mula que levava a princesa couberam a D. Manuel e D. Jorge.
O cortejo seguiu até aos paços passando pela Sé, onde rezaram e a prin-
cesa beijou o lenho da Vera Cruz1. Pelo caminho, continuaram os entreme-
zes2; as ruas estavam decoradas para o acontecimento, toldadas com panos de
cor de lado a lado, bandeiras, tapeçarias, ramos de louro e laranjeira nas por-
tas e janelas. Chegaram ao paço de noite (era inverno, anoitecia cedo), sendo
a princesa conduzida aos seus aposentos. D. Leonor aguardava-os na sala,
com o príncipe, e muitas donas e donzelas. Antes e depois da ceia sucede-
ram-se os festejos; dançou-se. «E foram aquele dia duzentos homens nobres
vestidos de opas roçagantes, de que as cento eram de ricos brocados, e chapa-
dos, todas também ricamente forradas, e as outras cento de seda, outrossim
com ricos forros.»3
Com um dia de intervalo4, terça-feira, recomeçaram novamente as festi-
vidades: houve banquete de ceia na sala da madeira. Colocou-se uma mesa
no estrado para o rei e a rainha, o jovem casal e o embaixador de Castela.
Nas mesas dos lados comeram os rapazes — o duque e D. Jorge — e o mar-
quês5, na primeira da direita e na primeira mesa da esquerda o arcebispo de
Braga, os bispos e pessoas principais do conselho régio. Refere Resende a pe-
quena comitiva de pessoas que servia cada prato e o modo como saudavam
o rei tirando os barretes e fazendo mesuras: «E era tamanha cerimónia, que
demorava muito cada vez que iam à mesa.»6 Animais assados eram trazidos
em carretas, com os cornos e as unhas pintados de dourado. Aí percebe-se

1 Provavelmente uma relíquia existente na Sé de Évora.


2 Nome dado a estas representações teatrais, geralmente de curta duração, que deviam
o seu nome ao facto de se destinarem a preencher tempos de espera pelos pratos nos ban-
quetes (do francês entre metz).
3 Pina, Chronica, p. 978.
4 As crónicas são omissas relativamente ao que se fez nesse dia de intervalo.
5 Trata-se, com toda a probabilidade, de D. Pedro de Meneses, único detentor do título

de marquês (de Vila Real) no reinado de D. João II, depois da sentença proferida contra
o marquês de Montemor (Mendonça, 1995, p. 377).
6 Resende, Crónica, p. 173.

137
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

a função do corredor central da casa da madeira: os animais vieram num car-


ro, dispostos como se estivessem a andar, com um moço fidalgo a picá-los
como se fosse seu guardador. Entrou, serviu a princesa e, feito o serviço veio
para trás com os animais e saiu da sala. Aí seguiu-se uma distribuição de co-
mida pelo povo, que despedaçou os restos, levando cada um quanto podia1.
No fim dançou-se quase toda a noite, mas houve também as tradicionais re-
presentações: desta vez a de um rei da Guiné, acompanhado por três gigantes
e um conjunto de duzentos homens pintados de negro. Ou seja, temos aqui
a fazer efeito os contactos com os povos africanos referidos no capítulo ante-
rior: deles voltaremos a falar.
Continuaram as festas até domingo (temos já uma semana desde a entra-
da da princesa na cidade), quando houve novo banquete na sala da madeira,
a 5 de dezembro. Não o relatarei novamente: direi apenas que desta vez te-
mos indicação de que as pessoas que assistiam ao casamento nas bancadas em
pé comiam os restos que se retiravam das mesas. A comida «era em tanta
abundância, que muito mais era o que sobejava, que o que se comia»2. Con-
tinuou-se a festejar nos dias seguintes; segunda-feira preparou-se a praça para
as justas, que constituiriam, como veremos em seguida, a apoteose e o fim
das festas.
Terça-feira houve na sala da madeira momos para desafiar a justa. Ou se-
ja, uma sequência de entremezes através dos quais se simulou o desafio entre
os contendores. Em que consistia? O rei prometia proteger a princesa contra
os rapazes solteiros. Isto é, chegou D. João II com oito companheiros (os
mantedores) à sala da madeira, num aparato de simulacros de barcos (como
vimos, o mar já tinha aparecido no relato de Resende a propósito do breu
que calafetava o teto da sala). A dada altura foi feito um discurso à princesa
em que se lhe jurava proteção, e em seguida apareceu o duque com sete
«aventureiros», isto é, fidalgos de sua casa. Não é difícil imaginar que esta-
mos perante uma forma sofisticada de charivari, porque misturada com ele-
mentos cavaleirescos (a proteção às damas). O charivari consistia em chinfri-
neiras rituais que os rapazes das aldeias faziam quando se casava uma
rapariga; historiadores e antropólogos interpretam-no como uma forma ri-
tualizada de protesto pela perda de um elemento no mercado matrimonial3.
E quem se aventurava a desafiar o rei? Era D. Manuel, duque de Beja, irmão
da rainha, que, sem o saber, viria a ser rei de Portugal e marido desta mesma

1 Resende, Crónica, p. 174.


2 Resende, Crónica, p. 176.
3 Davis, 1975, pp. 97-123.

138
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

princesa. Depois do desfile do duque e dos seus companheiros, outros mo-


mos se representaram; dançou-se e a festa durou até de madrugada. A pri-
meira etapa das justas terminava.
No desafio, os intervenientes vestiam disfarces (D. Manuel e os seus sete
aventureiros representavam planetas) e disseram pequenas falas. O rei levava
uma cimeira (remate do elmo) constituída por uns liames (cordas) de nau
«pela rainha D. Leonor sua mulher, cheios de pedraria e dizia a letra: “Estes
liam de maneira, que jamais pode quebrar quem com eles navegar”»1. Refe-
rir-se-ia esta frase aos laços do matrimónio?
No dia seguinte, quarta-feira, o príncipe e a rainha tomaram o seu lugar
na praça, mas D. Leonor andava mal sentida, isto é, estava indisposta. O rei
não os acompanhou, mas recolheu-se com os seus companheiros de justa,
a preparar os combates do dia seguinte. Esperavam o sinal de arranque das
hostilidades, isto é, que «em vindo o aventureiro tanto que o facho fosse der-
ribado saíssem com muita diligência sem detença alguma»2. Estava portanto
a segunda fase completa: os preparativos feitos e as hostes a postos.
Quinta-feira era o dia em que as justas deviam começar. Antes, porém,
havia que fazer desfilar as forças antagónicas em presença. Primeiro o rei e os
seus oito «mantedores», a cavalo, acompanhados por músicos que tocavam
em cima de carros, juntamente com outras pessoas envergando disfarces, uns
de bugios (macacos), outros de leões reais. Atrás deles vinha um gigante ar-
mado com armas douradas, com mais de trinta palmos de alto, em cima de
uma azémola3. Vinham também, devidamente vestidos para a ocasião, uma
série de oficiais da corte. Depois um pajem, um rapaz formoso, cheio de ou-
ro, com uma grinalda de pedraria na cabeça e um penacho branco de garça.
Finalmente o rei, montado num cavalo tão ricamente paramentado que ha-
via 12 moços de estribeira que levantavam os panos do chão para o cavalo
poder andar. Em cima dele o rei e à volta mais quarenta moços de estribeira.
Só depois vinham os mantedores, e deram todos uma volta à praça. A seguir
vieram os adversários: o duque e os sete aventureiros, mais outros cavaleiros
que entretanto se tinham juntado para lutar contra o rei e os seus. Quando
estas cerimónias acabaram, iniciou-se a justa, mas logo anoiteceu. Lutou-se
até domingo, no meio do frio, e Resende diz que nevava4. Não se iluda

1 Resende, Crónica, p. 183.


2 Resende, Crónica, p. 180.
3 Um palmo correspondia a 22 centímetros, pelo que o gigante teria uma altura equiva-

lente a mais de 6,6 metros. De ressalvar, no entanto, que estas descrições se prestavam
a exageros por parte dos cronistas.
4 Resende, Crónica, p. 182.

139
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

o leitor com a natureza destes combates: já deve ter adivinhado que eram si-
mulados, e não era suposto que alguém se magoasse a sério. Leiamos mais
uma vez Resende: «E a justa foi muito bem justada, e deram-se nela muitos,
e grandes encontros, sem haver perigo algum.»1
Estamos portanto, como o leitor há de ter reparado, no domínio do tea-
tro: o mote é justamente a força protetora do rei que proclama a sua vontade
de defender a princesa. Os seus inimigos são rapazes solteiros que fazem conta
de estar apaixonados pela princesa e procuram conquistá-la. Todos desfilam
em trajes de grande aparato (extensíveis, como vimos, às próprias montadas),
embora ao rei compita uma visibilidade acima de todos os outros. Carros ale-
góricos passam, evoca-se o mar e a sua navegação. Quando se chega ao mo-
mento de lutar, é uma luta de faz de conta, em que ninguém se deve magoar.
Entre os espetadores estavam o príncipe, a princesa e a nossa rainha. Tam-
bém aqui o facto de o príncipe não lutar nos merece um comentário: o rei
era D. João II, ainda na flor da idade, e competia-lhe demonstrar a força que
um chefe deve ter. Não esqueçamos que estamos perante sociedades que vi-
viam em função da guerra, como era o caso dos reinos da Península Ibérica
na Idade Média2. À capacidade de combater poderíamos também juntar as
conotações sexuais implícitas no gesto de defender a princesa. O rei era por-
tanto um homem mais velho, mas capaz de cortejar uma jovem (mais uma
vez em simulação) e de a defender contra os homens mais novos que o desa-
fiavam. Vimos já também que pai e filho herdeiro do trono eram pratica-
mente uma extensão um do outro, pelo que se entendia que fosse D. João II
a representar o príncipe. É este o subtexto que a leitura do excerto de Resen-
de sugere — neste passo muito mais detalhado que o de Pina.
Combateu-se até domingo. Diz Rui de Pina que, com quinta-feira, os
justadores passaram quatro dias contínuos a lutar. Só nesse dia à noite se des-
fez a távola e as justas e as pessoas reais tornaram a seus paços. O rei — natu-
ralmente —, em função do que dissemos atrás, ganhou as justas nas catego-
rias de gentil-homem e melhor justador. O anel de diamante que lhe
competia por prémio da primeira e o colar de ouro que ganhou na segunda
distribuiu-os por quem entendeu porque «tomou somente para si a honra».
Portanto, cumprira a tradição: Fernando, o Católico, também combatera em
honra da filha meses antes em Sevilha aquando do casamento por palavras de
presente3.

1 Resende, Crónica, pp. 182-183.


2 Rucquoi, 1995, pp. 216-217.
3 Resende, Crónica, p. 152.

140
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

O espetro da peste continuava a desinquietar as festas: juntava-se gente


estranha na praça e na sala da madeira, que o rei resolveu despedir não sem
antes fazer honras e mercês a essas pessoas segundo suas qualidades, «de que
todos partiram muito alegres, e contentes». Medo de contágios, portanto.
Também era tempo de acabar as festas, que tinham começado exatamente
quinze dias antes.
A impressão que nos fica deste casamento é que se tratou de uma sequên-
cia de rituais que aproximaram a monarquia do povo, absorvendo uma
quantia astronómica de dinheiro, mobilizando a corte e o reino. Durante es-
se ano, lavradores e criadores de gado produziram para abastecer as bodas até
onde alcançava a capacidade de transporte de bens perecíveis. Ficaram sem
bois, sem porcos, sem vinho para consumir ou vender. Em benefício de umas
belas festas.

4.5. Crónica de um casamento breve


Depois do casamento, foi tempo de partir. A rainha ficou na cidade,
doente, e com guardas a protegê-la. O rei dirigiu-se à herdade da Fonte Co-
berta, situada nos arredores da cidade. Aí sentiu-se mal, e tornou a Évora na
véspera de Reis (5 de janeiro), onde foi tratado e se curou. A doença súbita
motivou suspeitas de veneno, porque os sintomas foram os mesmos do mal
que lhe sobreveio dias depois da morte do príncipe (julho de 1491) e daque-
le do qual veio a morrer (outubro de 1495). Para Rui de Pina este episódio
é o pretexto para introduzir o tema do veneno na morte do rei, que vários
cronistas referem. Neste caso, todavia, com algum fundamento: nesta ocasião
morreram o copeiro-mor do rei, e outro pequeno, provavelmente os que lhe
provavam a comida.
A corte continuou pela zona do Alentejo; estava em Évora em maio
quando, receando os calores do verão, se dirigiu a Santarém. A estadia da
corte na cidade de Évora era sazonal, uma vez que se evitava o calor do verão
alentejano1.
A corte entrou em Santarém em meados de junho, mas o rei fez questão
de que o príncipe e a princesa entrassem na vila primeiro do que ele e
D. Leonor. Quando atravessaram o Tejo, já havia festa: muitos barcos de vá-
rios feitios os aguardavam, devidamente engalanados. Quando saíram da
água, ouviram uma arenga em nome da vila, e a seguir o casal, conduzido
sob o pálio segurado pelos regedores da vila, foi rezar à Igreja de Santa Maria

1 Gomes, 2003, p. 304.

141
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

de Marvila. A cavalo, dirigiram-se aos paços. No outro dia, entraram o rei e a


rainha, sem palio, uma vez que já tinham sido recebidos com ele depois de
reinarem. Nesses primeiros dias houve festas, também dos mouros e judeus
da vila, e a princesa recebeu presentes. Em géneros: vacas, carneiros, galinhas
e caças, levados com grande aparato ao paço, pelo que ficamos a saber que
o povo continuava a alimentar a festa. E por lá ficaram todos, entre festas
e grandes prazeres. Até ao dia 12 de julho.

4.6. O dia mais triste: 12 de julho de 1491


Talvez as crónicas mintam por comissão ou omissão, mas, ao contrário
de tantas outras fontes históricas, a verdade é que nos permitem ver viver —
e morrer — os nossos personagens como nenhuma outra fonte documental.
Conta Resende que o príncipe quase esteve para ficar com Isabel; veio à jane-
la e em baixo estava o pai a desafiá-lo para o acompanhar ao rio. Não teve
o príncipe paciência nem tempo para escolher devidamente a sua montada,
e ei-lo a cavalgar um cavalo de pouca confiança. São esses os verdadeiros mo-
mentos da tragédia: aqueles em que outras decisões teriam bastado para evi-
tar o que se passou depois. Se o príncipe tivesse porfiado nas alegrias da sesta
com a sua jovem esposa; se D. João II não tivesse dado ao filho a impressão
de querer mesmo a sua presença; se o rapaz se tivesse dado ao trabalho de
pensar melhor no cavalo que levava... não é por acaso que as crónicas insis-
tem em narrar as circunstâncias aziagas que conduziram àquele desfecho.
O que se passou é conhecido de muitos: o príncipe desafiou um amigo
para fazerem uma corrida a cavalo. Um páreo, ou seja, um divertimento em
que dois cavaleiros corriam a par, de mãos dadas1. O animal que montava —
de pouca confiança, como vimos — acabou por derrubá-lo; o príncipe ficou
debaixo dele e perdeu logo a fala. Fidalgos levaram-no a uma cabana de pes-
cador, a que acudiu o rei. A rainha soube também a notícia, e com D. Jorge
correu a contá-la a Isabel. Ambas feridas de mortal dor, e sem o resguardo
que a suas reais pessoas se devia2, correram ao local, primeiro a pé, depois em
mulas que pediram emprestadas pelo caminho. Estiveram junto do príncipe
em silêncio durante toda a noite, sem comer nem dormir, vendo os médicos
tentar tudo sem remédio. Nem em Santarém se dormiu, porque muitos des-
calços, e outros nus, se lançaram numa procissão, com os joelhos em terra
bradando «Senhor Deus Misericórdia». «E à ladainha que chorando cantavam,

1 Braga, 2008, pp. 91-97.


2 Resende, Crónica, p. 194: «saíram como desatinadas a pé».

142
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

e por ele se dizia, com lágrimas e soluços, respondiam todos homens, e mu-
lheres, velhos, e moços, e meninos: “Ora pro eo”.»1
Na cabana, rei, rainha e princesa continuavam à espera que a vida voltas-
se ao príncipe. Esperavam um milagre que nunca aconteceu: às nove horas
da noite do dia seguinte, quarta-feira, dia 13 de julho, os físicos solicitaram
ao rei que pedisse à mãe e mulher do príncipe que o deixassem só com
o confessor e capelães. Estava dado o sinal para a despedida. De joelhos, de-
bruçados sobre o príncipe que morria, «vendo-lhe já sair a alma da carne»,
o rei e rainha lançaram-se sobre o seu corpo. Abraçaram-no, o rei beijou o fi-
lho na face, deu-lhe a beijar a sua mão direita para o abençoar. A rainha deu-
-lhe a sua também para o abençoar, e afastou-lhe a roupa do tronco para
o beijar no peito. Levantaram a princesa — o texto não narra os seus últimos
contactos com o corpo do príncipe — e saíram da cabana.
O duque de Beja chegou a toda a pressa de Tomar, onde estava. Rui de
Pina alude à muita dor que sentiu, uma vez que Afonso e ele tinham crescido
juntos como irmãos, mas não deixa de referir que o desastre fazia de D. Ma-
nuel o herdeiro do trono. O rei foi reconduzido ao paço a pé; a rainha e a
princesa iam «como mortas atravessadas em mulas». Recolheram-se numas
casas que ficavam junto do rio, e aí chegou a notícia da sua morte ao rei. Foi
comunicá-la à princesa, que levantou do chão: o rei tentou manter a calma
«como em tudo era rei, e senhor de perfeição, quis-lhe mostrar o esforço,
e descanso de rei, e esconder-lhe a dor e tristeza do padre»2. A seguir, foi dá-
-la à nossa rainha, que, perdido o filho, o tentou consolar, com os «olhos en-
xutos» de lágrimas. Muito provavelmente, a rainha adiou o seu luto, e fingiu
uma paz que não tinha. Era apenas a calma da desgraça. Seguiu o corpo para
a Batalha, onde foi enterrado na sepultura do avô D. Afonso V.

Não é difícil imaginar o rei e a rainha desfeitos pela tragédia: D. João II


não conseguia sequer assinar cartas, e a rainha permaneceu fechada em casa
com a duquesa D. Isabel sua irmã3. D. João II tinha escrito à câmara de Évo-
ra durante a agonia do príncipe a pedir que esta fizesse uma procissão a pe-
dir a sua cura4; dias depois deu ordens para escrever ao mesmo município

1 Pina, Crónica, p. 984.


2 Pina, Crónica, p. 985.
3 Segundo Resende, em casas de pessoas: primeiro na de Vasco Palha, durante quinze

dias, e depois na de D. Maria de Vilhena.


4 ADE, Livro 3.o de originais (73), fl. 158 [1491.7.12, Santarém].

143
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

informando a data do saimento do príncipe, marcado para 23 de agosto1. Os


saimentos eram cerimónias fúnebres que assinalavam o luto, podendo ocor-
rer em datas variáveis. Muitos faziam-se cerca de um mês depois do faleci-
mento; segundo Rita Costa Gomes, também podiam ter lugar nos aniversá-
rios da morte dos reis da dinastia de Avis2. Por essa altura, o desgosto
impedia o rei de assinar cartas. Mais tarde, a rainha terá o cuidado de insti-
tuir missas por alma do filho defunto no seu hospital das Caldas3. Também
a sua jovem viúva, Isabel, é dada como sofrendo um desgosto profundo. Não
esqueçamos a impaciência do jovem casal por consumar o casamento narrada
por Rui de Pina e Garcia de Resende, a que atrás aludimos, nem os pedaços
comuns de infância transcorridos nas terçarias de Moura.
Isabel haveria de abandonar o reino, em luto cerrado, e regressar nova-
mente para casar com o duque de Beja, já rei de Portugal, D. Manuel I. Ao
que consta, D. Manuel I tinha grande vontade nesse casamento, mas mais
seguro é referir as vantagens dinásticas do enlace, uma vez que era a primogé-
nita, e portanto o rei se aproximava mais da sucessão aos tronos espanhóis4.
Outros motivos residem no facto de a princesa reforçar a legitimidade do no-
vo rei, uma vez que era a viúva do malogrado herdeiro do trono. Por outro
lado, pode ter havido um motivo meramente pessoal, independente de estra-
tégias políticas: uma escolha de D. Manuel, que conhecia a princesa desde
criança. Não esqueçamos que a viúva passou a infância em Moura junto de
Afonso, e que D. Manuel terá certamente convivido com ela por ocasião das
terçarias, que como sabemos estavam a cargo da sua mãe. E é também um
facto que aquele que viria a ser rei de Portugal conhecia bem a corte de Cas-
tela, onde tinha estado por ocasião das terçarias, pelo que o universo da prin-
cesa lhe era certamente familiar.
D. Manuel parece ter feito gosto neste casamento, a avaliar pelo facto de
ter recusado a oferta de Maria, sua irmã. No entanto, os afetos não andavam
longe das vantagens políticas. Ao que parece, os Portugueses, que a conhe-
ciam desde os idos de 1491 e 1492, gostavam da princesa; a rainha Isabel sua
mãe queria à viva força uma das suas filhas na corte para vigiar o paradeiro
da Excelente Senhora5.

1 ADE, Livro 3.o de originais (73), fl. 159 [1491.7.23, Santarém].


2 Gomes, 2003, pp. 385 e 408.
3 Portugaliae monumenta Misericordiarum, vol. 3, p. 138.
4 Costa, 2005, pp. 82-83.
5 Azcona, 2002, pp. 522 e 535.

144
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

Os cronistas dão conta da relutância de Isabel em casar novamente, e do


trauma profundo que a tragédia lhe tinha deixado. Nem ela escaparia aos
azares da fortuna, ao morrer de parto nos braços do pai, Fernando de Ara-
gão, em Saragoça. Nessa altura, era a primeira mulher de D. Manuel, e dava
à luz D. Miguel da Paz, que lhe sobreviveria apenas cerca de dois anos. O rei
de Portugal, viúvo, reafirmaria novamente a sua vontade de permanecer liga-
do aos Reis Católicos, casando em seguida com a sua irmã Maria, depois
mãe de dez dos seus filhos. Ainda mais tarde, a sua terceira mulher sairia da
descendência dos Reis Católicos, entre os seus netos. Seria desta vez uma das
filhas de Joana, a Louca, a mais velha, de seu nome Leonor, tal como a nossa
biografada.
Sabemos pouco sobre o príncipe D. Afonso, tirando o episódio da sua
impaciência em se juntar carnalmente à princesa. Mas tudo o que temos nos
faz lembrar a adolescência, porque não teve tempo de crescer. Resende foi es-
crevendo que o rapaz «era muito cheio de branduras, e prezava-se muito de
sua gentileza, e vestia-se sempre de tabardos, e com martas ao pescoço forra-
das de cetim, e guarnecidas de ouro, coisa mais de mulheres que de homens»
e andava com companhias de que o pai não gostava. Saía ao avô, o rei
D. Afonso V: «E claramente o príncipe era mais inclinado às coisas del rei
seu avô, que as do rei seu pai, e era mais brando, e macio do que cumpria.»1

4.7. Stabat Mater


A imagem da Mater Dolorosa é uma das mais caras imagens da cultura
cristã, identificada com a mãe de Cristo morto, tantas vezes glosada nas artes
visuais, de que a Pietà de Miguel Ângelo talvez seja o exemplo mais famoso,
embora constitua um tema que atravessa a pintura e escultura desde a Idade
Média ao barroco. Na música, existem desde o século xiii peças compostas
sobre o tema, os Stabat Mater, que se destinavam a ser tocados na Sexta-Feira
Santa, cujo texto, atribuído a Jacopone da Todi (1236-1306), franciscano,
exprime a dor de Maria na crucifixão de Cristo. Entre as mais célebres com-
posições encontram-se os Stabat Mater de Scarlatti, Pergolesi, Rossini ou
Verdi. Perder um filho continua a ser, na nossa e nas outras culturas, um dos
exemplos da dor suprema, mas onde eu queria chegar é que na cultura eu-
ropeia se representava a mãe e não o pai, o que não pode deixar de ser signi-
ficativo, como se aos homens estivesse interdita a manifestação da dor da
perda.

1 Resende, Crónica, p. 207. O tabardo era um antigo capote de capuz e mangas.

145
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

É injusto, porque neste caso vertente conhecemos também o sofrimento


que a morte do príncipe causou a D. João II. Vários testemunhos dão o rei
como fazendo-se acompanhar em permanência pelo filho, e o próprio episó-
dio que dá origem à sua morte o demonstra. Uma morte súbita, num aci-
dente fortuito, pelo que seria injusto pretender que D. Leonor sofreu mais
do que o marido. Apenas as formas como se expressa a dor parecem cultural-
mente construídas, e é sobre este aspeto que me pretendo debruçar agora.
O príncipe foi sepultado no Mosteiro de Santa Maria da Vitória (a Bata-
lha), então panteão da monarquia portuguesa. O atual visitante deste e de
outros túmulos tem de se lembrar das eventuais mexidas que estes lugares so-
freram: por exemplo, a tumba do príncipe é um pastiche do século xix, sen-
do que os seus ossos foram deslocados, conforme o assinalou um escandaliza-
do Braamcamp Freire, ao constatar que poucos restos mortais pertencentes
à dinastia de Avis se encontravam completos1. Inicialmente o corpo do prín-
cipe foi colocado na sepultura do avô, o rei D. Afonso V, com quem parti-
lhava o mesmo nome de batismo. Partilha de espaço de sepultura de resto
habitual: mais tarde, os filhos de D. João III também serão colocados nas
tumbas de familiares no mosteiro dos Jerónimos2.
Seguiram-se-lhe dias de luto geral, a ponto de não haver tecidos para sa-
tisfazer a procura. Não era apenas uma questão de cor: existiam tecidos pró-
prios para o efeito, como o vaso (fazenda de lã preta) e a almáfega (burel
branco grosseiro). No relato dos cronistas, todos choravam o príncipe: mes-
mo os meninos e moços choravam a perda de um pai e senhor que tão neces-
sário era. Temos aqui o velho tema da orfandade do reino que já tinha surgi-
do a propósito dos protestos do povo quando a princesa Joana entrou no
convento3.
É na morte do príncipe que reaparece em cena a duquesa viúva de Bra-
gança, Isabel, irmã da rainha D. Leonor, que correu a consolar a irmã e o
marido, embora não saibamos se já estava na vila ou veio de longe. Como sa-
bemos, o seu marido fora executado anos antes, em 1483, a sua casa suprimi-
da, e os seus filhos encontravam-se refugiados em Castela. Por isso, o cronis-
ta alude a «suas tristezas, e nojos passados»4. Estiveram todos quinze dias nas
casas da Ribeira (era muito frequente as pessoas fecharem-se durante o luto),
até que uma noite escura, sem tochas «nem alguma claridade» se mudaram

1 Freire, 1996, pp. 169-179.


2 Sousa, História, vol. iii, pp. 313-316.
3 Ver capítulo ii.
4 Resende, Crónica, p. 200.

146
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

para cima, para umas casas de um tal Fernão Teles, onde passaram a receber
as visitas de condolências. O rei, aconselhado por religiosos e conselheiros
a sair do seu encerramento, foi a ouvir missa fora. Conta Rui de Pina que,
pelo caminho, estacou a mula em que ia, sem razão aparente. Quando lhe
perguntaram porquê o rei respondeu: «Espero pelo príncipe meu filho, cha-
mem-no [para] que cavalgue comigo.» E no dia seguinte também, parou
a olhar a multidão que estava no terreiro de São Francisco. Questionado, res-
pondeu: «Queria ver o que não vejo, que é o príncipe meu filho; porque era
o meu espelho em que me via, que por meus pecados me quebrou.»1
As consequências da morte do príncipe foram funestas também para o
D. Jorge: o rapaz de 9 anos, depois de arrancado à companhia da tia na pri-
mavera anterior, veria a sua integração na corte sofrer um revés, ao ser rejei-
tado pela rainha. A verdade é que D. Leonor deixou de suportar a sua pre-
sença, porque lhe lembrava a morte do filho, e nunca mais quis ver o garoto
enquanto o marido viveu. Isto significa que só em finais de 1495, cerca de
quatro anos depois, quando o irmão duque de Beja era já rei, a rainha con-
sentiu na sua presença. Os cronistas introduzem aqui o tema das tentativas
de legitimação de D. Jorge por parte de D. João II, e são assertivos quanto ao
facto de a legitimidade da sucessão no trono caber a D. Manuel. Sempre que
a ocasião se proporciona os cronistas afirmam que a rainha foi a causa princi-
pal do desfecho político que se veio a verificar, e que a sucessão de D. Ma-
nuel no trono se deve em grande parte a ela. Se pensarmos bem, a recusa de
D. Leonor em ver D. Jorge pode ter sido uma estratégia tendente a não lhe
conceder qualquer proeminência política que desembocasse na sucessão do
marido. Afastamento da corte e do poder eram duas faces da mesma moeda,
como sabemos. Mas nem por isso deixa de ser plausível a repugnância de
Leonor em encontrar-se com aquele rapaz cuja vida lhe parecia um sacrilégio
depois da morte do filho.
Não se achou pertinente que a mãe e a viúva do príncipe fossem ao seu
saimento, marcado para o dia 23 de agosto na Batalha. A substituí-las, em-
bora contra a vontade da rainha e sua nora, uma das irmãs da avó Beatriz, Fi-
lipa (uma personagem secundária em toda esta história) e a duquesa viúva
Isabel, irmã de D. Leonor. O rei e o duque foram, e no mosteiro, do qual
pendiam bandeiras negras e pendões de luto, juntaram-se aos dignitários que
vinham representar os reis de Castela e pessoas que tinham acorrido de todo
o reino, muitas em representação oficial de seus municípios. A cerimónia ini-

1 Pina, Crónicas, pp. 987-988.

147
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

ciou-se com vésperas e no dia seguinte houve missa solene; seguiram-se os


prantos, do rei e coletivos. Naquela época, as manifestações de dor incluíam,
como já sabemos, arrancar cabelos e barba, mas também outras formas de
autopunição: «e muitas cabeças que eram cheias de siso pareciam naquela ho-
ra dele vazias, vendo-lhas tão cruamente quebrar na essa, e tumba do prínci-
pe»1. A coroar a missa solene, o rei e a rainha, a princesa e o duque oferece-
ram «mui ricas coisas de ouro e de prata, e ornamentos de brocado, e seda
para a capela».
De regresso a Santarém, decidiu-se que a princesa viúva regressasse
a Castela, uma vez que o contrato de casamento lhe concedia essa possibili-
dade. Os seus pais, Fernando e Isabel, escreviam a D. João II a partir de Gra-
nada, a pedir para desencorajar que a filha assistisse às exéquias do príncipe,
pelo mal que lhe causariam2. Despediu-se da rainha e D. João II acompa-
nhou-a parte do caminho, e daí a princesa seguiu para Olivença com senho-
res portugueses. Aí o arcebispo de Braga proferiu um pequeno discurso final,
antes de a entregar aos dignitários castelhanos que a vinham buscar.
A rainha D. Leonor, entretanto, partiu para o mosteiro das Virtudes, si-
tuado na Azambuja, e daí para Alenquer, onde o rei se lhe juntou. Foram em
seguida para o Varatojo (Torres Vedras) — o mesmo convento franciscano
onde D. Afonso V ia afogar as suas mágoas depois dos desaires subsequentes
à Batalha de Toro —, e dirigiram-se a Lisboa, estanciando brevemente em
Colares para preparar a sua estadia na cidade. Seguiu-se a entrada solene ha-
bitual, mas sem manifestações de alegria. Todos vestiam burel, e houve tam-
bém choro geral, quando o discurso de um dos cidadãos da cidade evocou
a morte do príncipe.
Vimos já a rainha regressar ao paço de Almeirim atirada de bruços no
dorso de uma mula, e a nora Isabel em outra, não lhes sendo permitido ir ao
saimento do príncipe com medo do mal que podia causar à sua saúde. Mas
é talvez o momento do regresso a Lisboa, ao paço da Alcáçova, aquele que
melhor atravessa o tempo para nos perturbar. Contam os cronistas que a rai-
nha, ao entrar no quarto onde dera à luz o príncipe, desmaiou. Antes profe-
riu um pequeno discurso que hoje nos parece fruto de encenação, mas não
sabemos de facto como se falava nesta época: a linguagem oral, como subli-
nhou Marguerite Yourcenar, raramente deixa vestígios nas fontes históricas
sem ser profundamente alterada3. É possível, portanto, que a rainha tivesse

1 Pina, Crónicas, p. 989.


2 BPE, Cód. CIII/2-20, fls. 23v-24.
3 Yourcenar, 1984, p. 27.

148
O FILHO ÚNICO (1490-1491)

mesmo proferido as seguintes frases, que hoje parecem postiças: «Filho aqui
onde vós nascestes, aqui seria razão, que eu agora morresse; e com este título
de rainha tão desventurada acabasse; pois perdi o nome de vossa Mãe, por-
que me eu havia por mais bem aventurada.»1 A rainha tinha razão, porque
não só não morreria naquele momento como ainda haveria de viver mais
trinta e quatro anos. Mas este episódio chega até nós com a marca da verda-
de: não há cronologia para a dor.
É a partir da morte do filho que sentimos a rainha cada vez mais distante
do rei D. João II. O leitor adivinhou já também que mesmo nos paços mari-
do e mulher tinham casas (aposentos) separados; nas vilas onde o rei se insta-
lava em residências de fidalgos, inclusivamente, rei e rainha podiam viver em
casas diferentes. Só depois da morte do príncipe, e não com a supressão dos
Bragança ou o homicídio de D. Diogo, é que sentimos a rainha a afastar-se
do rei. Vimos bem no capítulo anterior como D. Leonor continuou, a seguir
à turbulência política de 1483-1484, apesar de as execuções a tocarem de
perto, a acompanhar o rei nas suas deslocações. Como vimos, ficou com o
governo do reino enquanto o marido corria a submeter o castelo do Sabugal;
foi com D. João II pugnar pelo aumento da prole comum2. A seguir à morte
do filho, aí sim, temos indícios de que a relação conjugal azedou. A maneira
como o rei haveria de passar os últimos meses da sua vida confirmará, como
veremos, esse afastamento.
Em contrapartida, o irmão Manuel, duque de Beja, estava-lhe próximo:
em novembro, a rainha ainda não assinava o seu nome nas cartas, dando-as
a assinar ao duque seu irmão, que também se encontrava em Lisboa3.
De Roma, escrevia o cardeal Alpedrinha, D. Jorge da Costa, a consolar
o pai, a mãe e a mulher do infeliz príncipe. Cartas que incluem os lugares-
-comuns da religião cristã sobre a precariedade da vida terrena, a transitorie-
dade da carne e a perenidade da alma. Mas é a carta que o cardeal escreve a
D. João II que merece mais atenção. É naturalmente mais longa do que
a missiva que escreveu à rainha e à sua nora Isabel de Castela, o que se com-
preende visto que era ele o rei. Mas também inclui uma recriminação que
não deixa de ser pessoal, ausente nas outras duas cartas, e que o próprio car-
deal diz já ter feito por ocasião das festas de casamento do príncipe. Acusa
o rei de amar excessivamente o seu filho, e de Deus o ter castigado por isso.
Uma carta que provavelmente pouco teve de apaziguador para o rei, e que

1 Pina, Crónicas, p. 991.


2 Ver capítulo anterior.
3 Sousa, «Cartas», p. 75.

149
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

poderia traduzir a animosidade entre ambos. Considere o leitor alguns excer-


tos elucidativos: «Senhor eu tinha os dias passados tenção de vos tornar a re-
petir, e mais largamente o que vos escrevi nos dias das infelizes festas, [...]
e vos recordar outra vez que não adorásseis vosso filho, que não era ofício de rei
Cristão adorar a outrem senão a Deus e ele não quis que meu conselho vos
fosse necessário, todas as coisas Deus suportou em todos os tempos, estados,
leis e vidas dos homens, mas o pecado da idolatria nunca o quis dissimular
sem alguma espécie de castigo e pena [...] digo isto porque segundo cá se di-
zia [em Roma] Vossa Alteza não amava o seu filho mas adorava-o.» E mais
abaixo, reforçando a ideia: «V. A. toda a sua confiança punha em um pedaço
de carne, que se de vós apartou por via da geração, ou falando mais propria-
mente de um pouco de esterco e podridão, a Deus não aprouve que vos es-
quecêsseis da vossa alma e vossa salvação, e quis-vos tornar ao caminho da
verdade disciplinando-vos segundo sua infinita misericórdia, que da saúde de
todos tem cargo, viu que vos era necessário, louvá-lo muito por tal cuidado
ter de vós.» O boato que tinha chegado a Roma, sabemos que era verdadeiro,
a avaliar por diversos episódios narrados por Garcia de Resende. D. João II
não dispensava a companhia do filho e manifestou a sua dor de várias formas
quando o perdeu. O cardeal, esse, não se coibia de deitar um pouco mais de
sal na ferida. A rainha, em contrapartida, era poupada a recriminações: «per-
deste um filho pedaço da vossa carne, esterco e podridão por ganhardes a al-
ma, que para sempre vive»1. Mais adiante, aconselhava-a a colocar-se nas
mãos de Deus deixando os enganos deste mundo. Um conselho banal na
época, mas que D. Leonor procuraria seguir à risca, como veremos.
Depois da morte do filho a rainha parece ter-se refugiado cada vez mais
nas suas devoções. Estará presente apenas nas cerimónias públicas imprescin-
díveis, e não se lhe conhece vida mundana. Dentro de casa, no seu oratório
ou na igreja dos padres loios, deslocando-se por vezes a outros conventos
(adiante veremos quais), a rainha embrenhou-se na religião. Mesmo os seus
patrocínios estão sempre direta ou indiretamente ligados ao culto cristão. Vê-
-la-emos promover edições de livros religiosos, numa imprensa em ascensão
fulgurante, a colecionar relíquias e a fundar conventos, embrenhando-se cada
vez mais na sua espiritualidade de matriz franciscana. Não é difícil entender
que a rainha percebesse bem as dores de Maria no Calvário: ambas tinham
em comum um filho morto em idade adulta. Viveria afastada das manifesta-
ções visíveis do poder, mas não abdicaria deste último, nem tão-pouco estra-
nharia os espetáculos de devoção que se davam por esta época.

1 In Dias, «Cartas», pp. 305, 306 e 310.

150
Capítulo 5
Viúva de um vivo? Até à morte de D. João II
(1491-1495)

N este capítulo analisaremos os últimos cinco anos de vida de


D. João II, marido da nossa rainha. Não apenas porque se trata de
anos decisivos para o trono português, deixado sem herdeiro pela morte do
príncipe, ditando o futuro de D. Leonor e da sua família imediata, mas tam-
bém porque foram anos cruciais para a história da Europa, e queremos inse-
rir a rainha no seu tempo. Não falámos muito até agora de contextos «inter-
nacionais», mas creio ser este o momento para o fazer. Vimos já que
D. Afonso V queria combater o turco, que as iniciativas em matéria religiosa
estavam dependentes do sancionamento da Santa Sé, ou que os casamentos
na Casa Real, por se fazerem entre consanguíneos, necessitavam da dispensa
papal. Estes, e não só: Lurdes Rosa demonstrou que eram correntes na no-
breza do reino no período que nos ocupa1.
Ficámos também algo informados sobre as relações entre os reinos ibéri-
cos, e o seu jogo de rivalidades e alianças, tendente a recompor unidades po-
líticas, quando tratámos da guerra de sucessão espanhola (1475-1479), que
viria a colocar Isabel no trono de Castela, em detrimento de Joana, que fica-
ria a viver em Portugal. É tempo, portanto, de lançar um olhar sobre o que
acontecia na Europa da época. Mas antes, vejamos o que se passou neste pe-
ríodo entre o casal régio, e a forma como se resolveu o espinhoso problema
da sucessão ao trono. O leitor, por esta altura, viu já que quem fala desta fa-
mília engloba no seu discurso o destino do reino no qual o Portugal de hoje
mergulha diretamente as suas raízes. É assim com as famílias reais, que dei-

1 Rosa, 1997, pp. 229-308.

151
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

tam um pouco por terra a ideia de uma história inteiramente anónima, como
o pretendeu a Escola dos Annales, cuja época de ouro corresponde precisa-
mente ao período que assistiu à implantação da democracia de massas na Eu-
ropa no seguimento da Segunda Guerra Mundial. Como já verificámos, os
atos e ideias das figuras régias tiveram uma influência histórica efetiva, preci-
samente pelo lugar que estes ocupavam nos sistemas políticos desta época.
Mas voltemos aos nossos personagens: Leonor e o seu irmão Manuel, du-
que de Beja, D. João II e o seu filho bastardo, D. Jorge.

5.1. A ferida aberta da sucessão ao trono


A morte do príncipe causaria a Leonor complicações políticas, uma vez
que D. João II pretendia fazer subir ao trono o outro dos seus dois filhos,
Jorge. Vimos já que o rapaz era adulterino, nascido quatro anos depois de
Afonso; que tinha sido criado pela tia em Aveiro desde os três meses. A mor-
te da princesa Joana acabara por o fazer vir para a corte, onde a rainha o re-
cebera sem hostilidade, e até com marcas de cortesia. Foi no mesmo ano em
que Leonor casou o filho, e o entusiasmo pelas perspetivas da boda devia ter
secundarizado o impacte da presença daquele rapaz de 9 anos que a rainha
poderia ter visto uma ou duas vezes antes, se tanto. Chegado à corte, desam-
parado pela morte da sua tia, Jorge era uma figura secundária, perante a pers-
petiva do casamento de Afonso com a filha mais velha dos Reis Católicos.
Mas com o acidente trágico tudo se alterou: a rainha deixou de suportar
a sua presença. Nesta circunstância, não havia só dor e raiva pela perda de
Afonso; havia também o medo de, caso o marido o conseguisse legitimar, es-
te poder vir a herdar o trono. Como notou Manuela Mendonça, o facto de
o rei ter transferido para o seu bastardo a chefia dos mestrados das ordens
militares de Santiago e de Avis, que tinham sido do falecido príncipe, era já
um sinal claro de que o pretendia substituir ao filho legítimo1. Américo da
Costa Ramalho afirmou que a viagem do bispo de Ceuta, D. Fernando de
Almeida, a Roma em 1493 não foi apenas para saudar o novo papa Alexan-
dre VI, mas também para tratar da legitimação de D. Jorge2. Era esta de fac-
to a intenção de D. João II.
Roma, nessa época, era bem pouco exigente em matéria legal (e em mui-
tas outras também): mesmo adulterino, o rapaz podia ter sido dado como le-
gítimo, dizem-nos, se D. Leonor não tivesse movido as suas influências.

1 Mendonça, 1995, pp. 449-450.


2 Ramalho, 1994, p. 96. Sobre este bispo, cf. Almeida, 1967, vol. i, p. 522.

152
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)

Uma vez mais, não será difícil imaginar o sentido linhagístico de Leonor
a pugnar para que fosse um dos do seu sangue a herdar o trono. É sabido que
lutou com todas as suas forças para que o marido não conseguisse legitimar
aquele filho em Roma, socorrendo-se dos bons cuidados do cardeal Alpedri-
nha, D. Jorge da Costa, então um dos cardeais mais influentes da cúria ro-
mana. Mas também foi ela a lutar por que o único irmão que lhe restava (ex-
cetuando a irmã Isabel, viúva do duque de Bragança) fosse designado
sucessor pelo próprio rei. As crónicas não deixam dúvidas sobre o seu empe-
nho nesta nomeação e sobre a relutância do rei em proclamá-la; mal o conse-
guiu, dá ideia que D. João II, já doente da doença que o vitimaria, foi entre-
gue à sua sorte para morrer no Algarve longe da rainha. É sobre as peripécias
da legitimação de D. Jorge — que nunca chegou a acontecer — e D. Manuel
que nos deteremos em seguida.

5.2. D. Jorge
Quando D. João II procurou legitimar o seu filho junto da Santa Sé, os
ventos não lhe eram propícios. O papa anterior, Inocêncio VIII, tinha morri-
do e sido substituído por um papa de origem valenciana, cuja eleição signifi-
cava também a consagração da política religiosa que os Reis Católicos vi-
nham seguindo. Estamos a falar do célebre Alexandre Bórgia, cujos filhos
(dos muitos que teve), César e Lucrécia, granjearam também fama, igual-
mente por razões pouco dignas1. Antes de se tornar papa, Alexandre VI ti-
nha-se notabilizado por rentabilizar os proventos da chancelaria papal, de
que era vice-chanceler desde 1457, transformando-se num dos mais ricos
cardeais de Roma.
Nesse tempo, como dissemos, o grande representante de Portugal na
Santa Sé era D. Jorge da Costa, um homem que — conta Resende — tinha
sido abertamente hostilizado por D. João II ainda quando este era príncipe.
Em consequência, D. Jorge tinha-se mudado para Roma, sendo já cardeal
desde 1478 por indicação de D. Afonso V. Relatou o célebre episódio da
ponte de Alpiarça, no qual o rei teria ameaçado D. Jorge de o atirar abaixo
da ponte para o afogar2. Um cardeal de resto elegível para o trono de São Pe-
dro, em 1492, e mais tarde em 1503. Nessa altura era já muito velho, ten-

1 César Bórgia seguiu uma brilhante carreira militar, e preparava-se para ser eleito papa
quando morreu, tendo sido repetidas vezes citado por Maquiavel como o modelo do seu
príncipe. Lucrécia, conhecida pelos seus amantes, e pela relação incestuosa com o pai, aca-
bou também por se transformar no símbolo da mulher dissoluta.
2 Resende, Crónica, p. 23.

153
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

do morrido em 15081. Garcia de Resende, a propósito do cardeal, escreverá


na sua Miscelânea:

«Um clérigo natural


da vila de Alpedrinha
vimos cá ser Cardeal,
em pouco tempo e asinha [depressa]
Cardeal de Portugal:
teve dois arcebispados,
abadias, e bispados,
fez dois irmãos arcebispos,
parentes, amigos bispos,
e criados mui honrados»2.

Referia-se Garcia de Resende a dois dos seus meios-irmãos: um foi arce-


bispo de Lisboa, D. Martinho, e é o bispo representado no retábulo que rela-
ta a chegada da procissão das relíquias de Santa Auta a Lisboa; o outro, tam-
bém de nome Jorge como o irmão, haveria de chegar a arcebispo de Braga3.
Uma vida notável, se tivermos em conta o seu pobre nascimento, numa
família de «baixa condição». Morreu em Roma, fazendo-se sepultar na igreja
de Santa Maria do Pópulo, onde mandou edificar um mausoléu. Era irmã
dele D. Catarina, mulher do alcaide do Sabugal, que tínhamos visto negar-se
a entregar o castelo depois da morte do duque de Viseu às mãos de
D. João II4. A acreditar nas fontes, viveu até aos 102 anos: duvida-se, porque
o habitual nesta época era as pessoas terem uma ideia aproximada da sua ida-
de. Fosse como fosse, foi D. Jorge um homem de grande influência, e muito
próximo da nossa rainha. O rei D. João II, não obstante a sua antipatia por
ele, tinha necessariamente de se relacionar com D. Jorge, uma vez que era
o principal interlocutor do reino junto do papa, ao que parece sendo ele
a despachar os assuntos relativos a Portugal. A contragosto, muito provavel-
mente, uma vez que o cardeal foi uma das pessoas a quem o rei mandou pe-
dir desculpa no seu leito de morte durante os dias da sua agonia final.
No entanto, a principal ligação entre Portugal e o papado talvez resida
na figura da própria rainha D. Leonor, cuja vontade contrariava inclusiva-
mente a do rei. Os autores estão de acordo em que D. Jorge da Costa foi

1 Chambers, 2000, pp. 24-26.


2 Resende, Crónica, p. 359.
3 Almeida, 1967, vol. i, p. 501. Bispo entre cerca de 1488 e 1501, faleceu em Roma. Já

o encontrámos nas cerimónias do casamento do príncipe.


4 Ver capítulo iii, p. 107.

154
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)

o seu principal agente quando se tratou de impedir a legitimação de D. Jorge


em Roma. A sua biografia é difícil de traçar, muito embora a figura do car-
deal suscite grande interesse por parte dos historiadores1, precisamente por
representar o protótipo do membro do alto clero do Renascimento, associa-
do a imagens de simonia, nepotismo e absentismo pastoral. No século xviii
já Frei Jerónimo de Belém (1692-1760?) tinha escrito que D. Jorge agiu
contra o rei motivado pelo desejo de vingança contra D. João II. O certo
é que, mesmo contando com estas forças antagónicas, o papado vivia um
momento espanhol, e seria pouco provável que os Reis Católicos tivessem
deixado um filho ilegítimo de D. João II (mesmo que Isabel se tenha confes-
sado como sua admiradora enquanto rei) passar à frente do outro «candida-
to» ao trono, D. Manuel, duque de Beja. Por várias razões: pelo parentesco
(era filho da infanta D. Beatriz, tia e amiga de Isabel, a Católica ) e talvez
também pela amizade contraída em tempos das terçarias, uma vez que o du-
que, ainda rapaz, tinha sido refém na sua corte (se estão bem lembrados, em
substituição do irmão mais velho Diogo)2. Para os soberanos ibéricos — in-
cluindo os portugueses —, sabemos já que aliança política era sinónimo de
proximidade de sangue. D. Jorge era também um filho ilegítimo, adulterino
(uma agravante na graduatória da ilegitimidade), e, embora os tempos fos-
sem de devassidão moral na corte romana, os princípios podiam muito. Não
ia ainda longe a memória do tempo em que D. João I, fundador da dinastia
de Avis, se esforçava por fazer esquecer aos soberanos da Europa o seu nasci-
mento ilegítimo3.
Os últimos anos do reinado de D. João II foram também anos de tensão
crescente com os Reis Católicos, passado que estava o momento de harmonia
materializado pelo casamento dos príncipes Afonso e Isabel. A viagem de
Colombo colocava problemas que as coroas ibéricas teriam de resolver, atra-
vés de uma nova definição dos direitos da expansão territorial respetivos.
Mas os atritos eram também devidos às pretensões de legitimar D. Jorge no
trono, o que os Reis Católicos não podiam de forma alguma aceitar. Sabe-se
que o rei D. João II tentou casá-lo com uma das suas filhas, obviamente sem
qualquer sucesso. Por todos esses motivos, a situação esteve prestes a evoluir
para um conflito armado, com uma frota estacionada na Biscaia, pronta a in-
tervir em caso de necessidade4.

1 Mendonça, 1991; Grilo, 1994.


2 Ver capítulo iii.
3 Duarte, 2005, pp. 28-29.
4 Léon-Borja, 1994, pp. 117-131; Léon-Borja e Rodríguez López, 1998, pp. 91-

-152; Léon-Borja, 1998, pp. 153-166; Léon-Borja, 1999, pp. 547-574.

155
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Entretanto D. Jorge ia crescendo, protegido pelo pai, que parece ter-lhe


dado casa em 14931. Não há lembrança de que tivesse ele mesmo desejado
a coroa de rei de forma ativa, muito embora o testemunho de um espião ve-
neziano (a que adiante voltaremos) tenha afirmado o contrário2.

5.3. D. Manuel, o duque certo


Quando o príncipe morreu, era D. Manuel um homem de 22 anos, que
— as crónicas dão-no a entender — se mostrava pouco dado a conflituosida-
des, e parecia reunir consensos na sua pessoa. A sua natureza pacífica ressalta
daquilo que escrevem sobre ele, e mantém-se depois quando Manuel se tor-
nou rei. Por alguma coisa foi poupado por D. João II em 1484, quando, ain-
da rapaz, herdou os títulos e a fortuna do irmão Diogo. Sem o título de du-
que de Viseu, mas com o de Beja, e sem a ilha da Madeira, porque esta
constituía a peça mais lucrativa do património de D. Diogo, devido à cultura
do açúcar. D. João II teve o cuidado de chamar a si a posse da ilha, mas pro-
tegeu o rapaz, que cresceu junto da sua corte. Um procedimento que, como
vimos, pugnava pela ambiguidade: D. Manuel seria simultaneamente refém
e criado (no sentido de «crescido» na corte), sempre vigiado em vida do rei.
Apesar de lhe preferir o filho bastardo para seu sucessor no trono, parece, em
todo o caso, que a figura do pacífico cunhado não despertava repugnância
a D. João II. E deviam conhecer-se bem, uma vez que o rapaz vivia na corte
desde os dias nefastos de 1484, dormindo na sua câmara.

5.4. As doenças do rei e da rainha


Os anos posteriores à morte do príncipe foram profusos em doenças para
o casal régio. D. João haveria de morrer, como sabemos, a rainha sobrevi-
veria.
D. João II solicitava a intervenção do sagrado para os males que o afli-
giam. Em 1493, o rei esteve doente em Torres Vedras e na doença fez a pro-
messa de ir a pé ao Mosteiro de Santo António de Castanheira, o que cum-
priu. Na volta, foi ter com a rainha a Sintra e ambos estiveram numa romaria
em Nossa Senhora da Pena durante onze dias. A semelhança com a peregrina-
ção que tinham feito cerca de dez anos antes a São Domingos da Queimada
era evidente, embora os motivos pudessem já não ser os mesmos. Resende

1 Numerosos documentos no IAN/TT, Corpo Cronológico, relativos a esse ano, conce-


dem roupa e outros bens a fidalgos seus, moços de estrebaria, de câmara e capela.
2 Ver cap. vi, p. 202.

156
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)

dá a entender que ficaram onze dias a dormir numa pequena ermida, e a co-
mitiva instalou-se em tendas que o rei mandou trazer para o local. Voltaram
a Sintra posteriormente. O episódio dá que pensar: porque é que um casal
desavindo, como a maior parte dos historiadores faz questão de afirmar, pas-
sa onze dias a rezar praticamente isolado numa pobre ermida?
O facto de a rainha estar muitas vezes longe do rei não faz parte da con-
jugalidade da época? Rei e rainha tinham aposentos separados e não dor-
miam sempre juntos; as necessidades de governo obrigavam o rei a deslocar-
-se por sua conta, como quando foi a Trás-os-Montes em 1484 tomar posse
das terras do duque D. Fernando de Bragança; por seu lado, a rainha tinha
interesses próprios e empreendimentos seus, como por exemplo o hospital
das Caldas, que a poderiam levar a viajar sem o rei. Para mais, enquanto foi
casada, a rainha não era livre, porque estava ligada ao marido pelos laços da
obediência que permeavam as obrigações familiares, tão hierárquicas como as
restantes relações sociais.
Não pretendo negar que existiram problemas graves entre ambos, que os
cronistas reportam praticamente desde o nascimento de D. Jorge em 1481,
mas o afeto do rei pela rainha parece ser uma realidade. Para sabermos se de
facto passaram cada vez menos tempo juntos depois da morte do filho e con-
sequente tentativa de legitimação de D. Jorge, seria preciso termos um qua-
dro mais exato das deslocações da rainha, que são impossíveis de precisar por
escassez de fontes. Sabemos pouco acerca dos sentimentos de D. Leonor, mas
D. Jorge, tirando o breve interlúdio do casamento do príncipe, que durou
apenas meses, foi um escolho na vida do casal régio. Agora, morto D. Afon-
so, o rei queria-o na sua companhia, que, como sabemos, D. Leonor liminar-
mente rejeitava. Referindo-se ao ano de 1494, os «Apontamentos históricos»
referem: «Neste tempo grandes desvarios entre el rei e a rainha por causa do
senhor D. Jorge em que a rainha teve grande constância como quem era.»
É que o rei, nesse ano em que Portugal renegociava a «repartição dos mares»
em Tordesilhas, insistia em fazer aceitar o bastardo junto dos Reis Católicos,
tendo inclusivamente proposto casar D. Jorge com uma das quatro filhas do
casal1.
Em contrapartida, existe um nítido alinhamento da rainha com o irmão
nos anos que medeiam a morte de D. Afonso e a do rei. O duque de Beja,
D. Manuel, parece ter permanecido junto da irmã nos anos que se seguiram
à morte do príncipe D. Afonso. Em Lisboa, em setembro de 1492, aparece

1 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 202.

157
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

a assinar cartas em nome da rainha «por conservação da sua enfermidade»,


outro tanto ocorrendo em Setúbal durante o verão de 1494 e por todo o ano
seguinte. Só em setembro, quando se aproximava a morte do rei seu marido,
que ocorreria no final de outubro, é que a rainha voltou a assinar pessoal-
mente as cartas que ditava1.
Em 1494, conta Resende que a rainha adoeceu gravemente em Setúbal.
O rei soube da notícia em Santarém, onde tinha ido visitar a Excelente Se-
nhora: veio logo à pressa, fazendo o caminho pelo rio até Alcochete e depois
por terra. Improvisou os transportes, não tendo tempo de dar ordens para
lhos providenciarem, pelo que acabou chegando de noite praticamente só.
Resende estava presente, porque diz que o viu chorar «só muitas lágrimas
com grandes soluços e suspiros, havendo-a já por morta, e ela foi sã, e viveu
depois trinta anos, e ele faleceu daí a um». A rainha estava em fim de vida,
com o testamento feito; os irmãos acorreram à pressa de Beja e mantiveram-
-se junto dela. D. Leonor confessou, comungou e foi ungida. Por todo o rei-
no se fizeram procissões e devoções, mas «prouve a nosso senhor de lhe dar
vida, mas não inteira saúde, porque depois mais de trinta anos sempre foi
doente, e o mais do tempo em cama»2.
Um trecho da Crónica dos reis de Portugal, da autoria de Gaspar Correia,
a que se tem prestado pouca atenção, diz algo de espantoso acerca da doença
da rainha: que ficou com um apostema numa perna conhecido por caran-
guejo, que todos os dias precisava de ser aplacado com o contacto de duas
galinhas mortas. Diz o autor que a ferida comia duas galinhas ao dia3. Por
ser pouco conhecido, transcrevo o excerto:
«E no ano de 1494 no mês de maio estando a rainha em Setúbal adoeceu
de uma enfermidade de uma praga que lhe nasceu em uma perna que lhe du-
rou até que morreu que foi no ano de 1519 [erro de Gaspar Correia, porque,
como sabemos, foi em 1525] a que lhe chamaram caranguejo / e lha curavam
com carne de galinhas cruas que lhe nela punham que a praga gastava e co-
mia no dia duas vezes com que se atalhava a não comer a dita praga pela car-
ne da perna / a qual enfermidade sofria com muita paciência e louvores que
por isso dava a Deus cuja vida e com santas virtudes acabou como mais larga-
mente se contem na crónica del rei D. Manuel.»4

Não sabemos que estranha chaga seria esta, mas Garcia de Resende não
mentia quando dava aquela doença de 1494 como um episódio decisivo na

1 Sousa, «Cartas», pp. 79-87.


2 Ambas as citações em Resende, Crónica, p. 254.
3 Correia, Crónicas dos reis, pp. 271 e 305.
4 Correia, Crónicas dos reis, p. 271.

158
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)

vida da rainha. Um momento no limiar entre a vida e a morte, a que o rei


deu a devida importância, acudindo à cabeceira de D. Leonor. Não seria tal-
vez D. João II correspondido nos seus afetos. Quando chegou a sua vez de
agonizar, a rainha não fez menção de se juntar a ele.

5.5. A agonia do rei


No ano seguinte ao da doença da rainha, D. João II estava em fim de vi-
da. Ouçamos mais uma vez os «Apontamentos históricos»:
«No ano de 1495 grandes paixões entre el rei e a rainha sobre coisas do
senhor dom Jorge e a tanto chegou o negócio que fez el rei medianeiro para
conclusão de seu errado requerimento o duque seu irmão e por que a rainha
todavia insistiu em seu virtuoso propósito o mesmo duque sendo a causa to-
da sua por comprazer a el rei não ia a casa da rainha nem el rei mesmo e ain-
da para se ver o desejo que el rei tinha deste negocio no maio deste mesmo
ano foi em pessoa falar à infante e à duquesa que estavam em Beja.»1

Ou seja, D. João II insistia em fazer rei o seu bastardo, contra a rainha,


que não o admitia à sua presença. O medianeiro, ainda por cima, era parte
interessada: nada mais nada menos do que o duque de Beja, que todos sabe-
mos que veio a ser rei; por solidariedade (ou medo...) com o rei não ia a casa
da irmã; e D. João até a Beja foi, falar a D. Beatriz e a Isabel, a duquesa viú-
va. Um papel dúplice este o desempenhado por D. Manuel, que não nos es-
panta, agora que temos como certo o seu talento político2.
A questão premente a resolver, para D. Leonor, sua mãe e irmão, terá si-
do a do seu testamento. Não havendo sucessor direto, competia ao rei desig-
ná-lo. Foi apenas quando este ficou pronto que puderam ter a certeza de que
D. Jorge não seria o herdeiro do trono. A escolha, como sabemos, recaiu em
D. Manuel, duque de Beja, e D. Jorge seria o número dois na linha da suces-
são. Rei e rainha, até aí zangados, fizeram as pazes3. Apesar das aparências,
o conteúdo do testamento dava alguma margem de manobra ao rei: só seria
válido se o rei morresse dentro de um ano sem ter feito outro testamento ou
codicilo. Ou seja, ainda podia voltar tudo atrás. Razão por que François
Soyer suspeita que não houve reconciliação genuína entre o rei e a rainha4.
De facto, cada um seguiu o seu caminho. O rei seguiu com D. Jorge a tratar-

1 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 203v.


2 Costa, 2005; Soyer, 2007a.
3 Resende, Crónica, pp. 274-275; Pina, Crónicas, pp. 1023-1024.
4 Soyer, 2007a, pp. 153-154.

159
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

-se da sua doença nas Caldas de Monchique, e daí para o Alvor, onde morreu
a 25 de outubro de 1495; a rainha ficou, e seguiu para Alcácer do Sal com
o resto da sua família.
Nos últimos meses de vida, D. João II foi inegavelmente uma persona-
gem solitária. Os historiadores dão-no como abandonado e só, e provavel-
mente têm alguma razão, uma vez que são os seus cronistas a produzir essa
imagem. O facto é que, alcançada a nomeação de D. Manuel como herdeiro
do trono, a mulher e toda a família Avis-Beja-Bragança parecem aguardar
a sua morte anunciada. O que equivale a dizer, a única parentela de D. João II,
uma vez que todos os seus outros familiares se encontravam mortos. Apenas
D. Jorge, o seu único parente próximo que não era do sangue da rainha,
acompanhava o pai, tal como o príncipe antes dele. Leonor, como vimos,
não admitia o rapaz à sua presença, mas este continuava a viver na proximi-
dade do rei. Com casa própria — em 1493 a documentação refere repetidas
mercês a criados seus a partir de Torres Vedras —, Jorge mantinha-se perto
do pai1. Mais tarde, esteve no Algarve enquanto este agonizava no Alvor e vi-
sitá-lo-ia algumas vezes nas semanas que antecederam a sua morte, ao contrá-
rio de Leonor e de Manuel, que se conservavam em Alcácer do Sal, embora
mantendo contacto epistolar regular com o séquito que permanecia junto do
rei. Este chegou a convocá-los para virem ao seu encontro, mas a rainha não
foi; o irmão colocou-se a caminho mas voltou para trás na aldeia de Colos.
A razão por que o fez permanecerá um mistério. É no entanto plausível que
não desejasse colocar-se a jeito para ser morto, como acontecera ao irmão
Diogo anos antes, ou ver-se rodeado por partidários de D. Jorge2. Nesta fase,
sendo D. Manuel um rapaz solteiro e sem filhos, e sendo o testamento do rei
D. João reversível, como vimos, não foi mal pensado. Mas fica a pergunta:
porque se pôs a caminho e fez dois terços do percurso? Na verdade, quando
o rei morreu, já se encontrava novamente junto da irmã em Alcácer do Sal.
Não me parece oportuno levantar novamente a questão se D. João II foi
envenenado ou não. A verdade é que qualquer suposição de veneno recai na
pura especulação. Quer tivesse morrido de hidropisia ou envenenado, qual-
quer uma dessas hipóteses é indemonstrável. Os venenos foram uma marca
da política do Renascimento, e podiam ser ministrados de forma gradual por
alguém de confiança, que permanecia no anonimato. A D. João II, como vi-
mos, inimigos não faltavam, embora, como sabemos, os tivesse eliminado às

1 O rei esteve na vila entre abril e outubro desse ano (Itinerários, pp. 493-508).
2 Soyer, 2007a, p. 155.

160
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)

dezenas na década de 80. É perfeitamente plausível que alguém da sua comi-


tiva tivesse ministrado veneno a mando alheio. A suspeita é apontada recor-
rentemente pelos seus cronistas: a primeira vez no mês seguinte ao casamen-
to do príncipe, a segunda depois da sua morte. Não foi um assunto que
escapasse aos contemporâneos. É inevitável pensar que o timing da sua morte
foi bem escolhido: o que teria acontecido se o rei tivesse alterado o seu testa-
mento? O leitor gostava de saber, claro, mas neste caso não há nada a fazer.
Por isso mesmo, temos de voltar às narrativas dos cronistas.
Ninguém refere prantos da rainha, nem do seu irmão. Só Garcia de Re-
sende relata amorosamente os últimos dias do seu rei e senhor, em que esteve
sempre a seu lado, enquanto D. Leonor e D. Manuel permaneciam juntos,
em Alcácer do Sal, aguardando notícias. Como dissemos, o rei agonizante
ainda pediu ao duque de Beja que o viesse ver, e este pôs-se a caminho, mas
voltou para trás, por razões pouco claras1. Não deixa de ser suspeita a ausên-
cia dos dois irmãos no momento da agonia do rei. Quinze anos antes, como
vimos, o príncipe D. João II viajara à pressa de Beja a Sintra em pleno mês
de agosto para assistir à agonia do pai. Tinha também sido mais solícito
a acudir às aflições da mulher: no ano anterior, em 1494, quando esta estive-
ra doente, o rei aparecera-lhe prontamente à cabeceira. Outro sinal de afas-
tamento: mais tarde, quando morreu, D. Leonor escolheu o seu convento
de Xabregas como local de sepultura, preferindo-o a ir juntar-se ao marido
e ao filho no mausoléu régio da Batalha, onde de resto provavelmente che-
gara a preparar uma das capelas imperfeitas para depositar o seu corpo e o
do marido2.
As notícias esperadas (desculpe-me, leitor, o abuso de interpretação, mas
as entrelinhas de Resende e Pina não enganam) chegaram por fim, no dia se-
guinte ao da morte do rei. O irmão de Leonor era rei. Em Alcácer do Sal, de-
ve ter-se disfarçado mal a alegria por ver a Casa de Avis-Beja chegar ao trono.
Nessa semana, as cerimónias pelo rei morto parecem, na pena do cronista,
meras formalidades: não se mencionam lágrimas de ninguém, nem prantos
fúnebres. D. Manuel I, com o espírito conciliatório que se lhe conhece, ha-
veria de fazer remover o corpo do rei de Silves para a Batalha, realizando exé-
quias solenes, mas apenas cinco anos depois. Em parte por espírito de pacifi-
cação, mas também com a vantagem de mostrar a todos a legitimidade da

1 Pina, Crónica, pp. 1025-1026.


2 Silva e Redol, 2007, p. 111.

161
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

sua sucessão ao trono. Não era o irmão de D. Diogo, nem o cunhado de


D. Fernando de Bragança, nem o filho da infanta D. Beatriz que se encarre-
gava de homenagear o rei defunto, mas sim o seu sucessor designado.
Não temos indícios de que o duque de Beja guardasse rancores
a D. João II, nem indicadores seguros dos sentimentos da mulher, da sogra
e da cunhada para com o rei. Mas, uma vez mais, temos a sensação de que
respiraram de alívio. Afinal de contas, tudo estava definido: o testamento fei-
to e assinado, contendo as cláusulas desejadas por Leonor e a sua família.
Como explicar de outro modo a reunião de família que teve lugar em Alcá-
cer do Sal logo a seguir à morte de D. João II? Todos juntos: aquele dia, para
alguns deles (certamente para o novo rei, D. Manuel I), foi o começo de
uma vida nova. Não uma reviravolta inesperada: ele vinha sendo preparado,
quanto mais não seja pela rainha, que impusera a escolha do irmão ao mari-
do, mas, em todo o caso, tratava-se da consagração de uma ambição, cujos
meandros e estratégias não deixaram os vestígios que o historiador gostaria
de ter.
Se o rei foi envenenado, se iam para o Algarve espiões para observar os
progressos da sua doença e quem foram, se alguém na família da mulher, in-
cluindo esta última, o chorou ou não, não sabemos. Pouca coisa do que
acontece deixa vestígios, desses muitos se perdem; outros, como poderia ser
neste caso, são intencionalmente destruídos. Mesmo se tivessem sobrevivido
ao tempo, é duvidoso que transmitissem a verdade, ainda que uma pequena
parte desta. O historiador sabe muito bem que nunca saberá tudo, e jamais
tem a certeza de que o pouco que sabe corresponde à verdade. Mais ainda,
interroga-se muitas vezes sobre o próprio estatuto desta última: existe a ver-
dade, ou «verdades» aceites socialmente? Com um pouco de imaginação,
o fascínio da profissão reside precisamente na constatação das suas limita-
ções.

5.6. Enfim, viúva?


Conta Frei Jorge de São Paulo, o primeiro biógrafo da rainha, que foi as-
sim que enviuvou que D. Leonor foi viver para as suas casas de São Bartolo-
meu1 (dando a entender que já eram suas, e podendo portanto ser que já lá
ficasse mesmo em vida do marido). Era claro que, sendo D. Manuel agora
rei, ainda solteiro, em breve se casaria, e D. Leonor, enquanto rainha velha,
perderia direitos face à cunhada. A independência, portanto, era a melhor so-

1 São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 55.

162
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)

lução, e D. Manuel instalava-se nos antigos paços de Alcáçova quando estava


em Lisboa. São Bartolomeu não era longe do paço, mas suficientemente in-
dependente para não se confundir com a residência do rei. D. Manuel não
era o único irmão a estar-lhe por perto: a irmã Isabel também, embora não
coabitassem: a avaliar pelo seu testamento, a duquesa manteria as suas casas
próprias nas cercanias da morada de D. Leonor1. A vizinhança aglutinadora
era no entanto a do Convento de Santo Elói, ligado por um passadiço aos
aposentos privados da rainha, que se deslocaria à sua igreja respetiva para ou-
vir missa. Era também este um costume medieval, que se haveria de perder
em parte com a Idade Moderna, o de ligar os edifícios residenciais aos edifí-
cios religiosos, por intermédio de passagens erigidas acima das ruas, de que
ainda existem vestígios nalgumas cidades do Alentejo (embora entre edifícios
residenciais). Como vimos, a mãe de Leonor usava uma dessas passagens pa-
ra se deslocar ao seu Convento da Conceição, em Beja.

5.7. Colombo e o Novo Mundo


Nos anos que mediaram a morte trágica do príncipe D. Afonso e a do rei
seu pai, muita coisa aconteceu na Europa, a ponto de mudar a face do mun-
do. Não o digo por eurocentrismo, mas porque a Europa inauguraria um sis-
tema colonial do qual ainda hoje somos herdeiros. Muitos impérios se for-
maram e desvaneceram no planeta; alguns deles não tem nada a ver com
a civilização ocidental e mesmo alguns dos que lhe dizem respeito encon-
tram-se mortos, como os do Mundo Clássico. Vivemos hoje uma situação
mundial que se filia diretamente nos finais do século xv e princípios do sécu-
lo xvi.
Dois anos depois do fatídico 1491, em março, D. João II tomou conhe-
cimento, antes dos Reis Católicos, da descoberta da América por um homem
ainda hoje objeto das mais variadas confabulações quanto à sua nacionalida-
de: Cristóvão Colombo. Conta Resende que fez escala em Lisboa no seu re-
gresso das Antilhas, e que D. João II o poderia facilmente ter morto, mas
não o fez por temer a Deus; o cronista descreve-o como de condição «alevan-
tada, descortês e alvoroçado», pelo que seria fácil encontrar o pretexto para
fazer morrer a sua descoberta com ele2. Seguiu então Colombo para Sevilha,
onde apresentou os seus tesouros aos Reis Católicos — que tinham pago
a viagem, depois da recusa de D. João II em a patrocinar. As suas viagens,

1 Sousa, Provas, T. III, Parte II, p. 450.


2 Resende, Crónica, p. 241.

163
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

para além de significarem a descoberta do continente americano, possibilita-


riam à Espanha a constituição de um vastíssimo império colonial, que se es-
tendia do México à Argentina. Para os Ingleses e Franceses ficaria a disputa
da América do Norte, só resolvida na Guerra dos Sete Anos (1756-1763).
A descoberta de Colombo levaria à assinatura do Tratado de Tordesilhas, em
que Espanha e Portugal se julgaram senhores do mundo a ponto de o dividir
em dois. Uma história que toda a gente conhece e que não me cabe aqui
contar1.
Nesse ano de 1492 os Reis Católicos conquistaram o reino de Granada,
expulsando definitivamente a presença muçulmana na Península Ibérica,
e pondo termo a um ciclo que durava desde a sua invasão em 711 d.C.2. Os
reinos ibéricos, surgidos pela e da Reconquista Cristã na Idade Média, não
mais se debateriam com a presença de comunidades não-cristãs nos seus ter-
ritórios. Desejo expresso pelos Reis Católicos, que tinham fundado a Inquisi-
ção em 1478, dirigindo a sua agressividade não apenas contra os muçulma-
nos, como também contra os judeus. No dizer de Adeline Rucquoi, os Reis
Católicos transformaram a sua religião na dos seus reinos, obedecendo a um
velho princípio doutrinal que atribuía ao soberano a capacidade de impor
a sua religião aos súbditos (cujus regio ejus religio), arrastando consigo a exclu-
são do «outro», considerado impuro e pecador3.
Fora da Península Ibérica, fervilhavam também as mudanças. Florença
vivia agora o seu período de ouro, e nas suas oficinas de pintura e escultura
acotovelavam-se mestres e talentosos aprendizes. Na década de 1490, Leo-
nardo da Vinci (1452-1519), que aprendera a pintar na oficina de Verroc-
chio, já se encontrava a trabalhar para os senhores de Milão, os Sforza; Mi-
guel Ângelo (1475-1564) acabava a sua aprendizagem com Domenico
Ghirlandaio (1488-1491), indo no ano a seguir para Roma devido à morte
do seu patrono, Lourenço de Médicis; e Rafael (1483-1520) estava ainda em
Urbino, trabalhando de forma independente em 1500. Arquitetos como
Brunelleschi (1377-1446) e Alberti (1404-1472) tinham já mudado para
sempre as linguagens da arquitetura ocidental. Na cultura visual europeia
a mudança era total: diferentes formas de perspetiva criavam a ilusão de pro-
fundidade nas representações pictóricas; retratos e autorretratos representa-
vam os seus modelos sempre com maior verosimilhança. A arte deste perío-

1 Sobre a expansão espanhola e a criação do seu império, veja-se, a título de exemplo,

Thomas, 2005.
2 A propósito do ano de 1492, cf. Vincent, 1992, e Cardini, 1991.
3 Rucquoi, 1995, pp. 306-309.

164
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)

do, através do naturalismo e da perspetiva, procurava assim reproduzir


a experiência visual. No urbanismo, impunha-se definitivamente a ideia de
que as cidades deveriam ter pelo menos uma rua e uma praça onde os corte-
jos do poder se pudessem exibir com toda a magnificência, permitindo a pas-
sagem de carros alegóricos e triunfais.
A imprensa, surgida nos anos 50 do século xv numa pequena cidade
episcopal da Alemanha, Mogúncia, estava em difusão fulgurante, e chegava
aos mais recônditos pontos da Europa. Cerca de 1500, as imprensas euro-
peias tinham imprimido cerca de seis milhões de livros, em aproximadamen-
te quarenta mil edições1.
Em Portugal nos seus primeiros tempos utilizar-se-ia a expressão «letra
de forma», contrapondo-a à «letra de pena» e o nosso Garcia de Resende fala-
ria dela nos seguintes termos:
«E vimos em nossos dias
a letra de forma achada,
com que a cada passada
crescem tantas livrarias,
e a ciência é aumentada.
Tem Alemanha louvor,
por dela ser o autor
daquela coisa tão digna;
outros afirmam na China
o primeiro inventador.»2

No pequeno texto perpassam duas evidências importantes: que o autor se


apercebeu da importância da inovação tecnológica que a imprensa represen-
tou, e que a sua difusão foi suficientemente rápida para poder ser observada
ao longo de uma vida (ao contrário de outras invenções, que demoraram
anos a ser divulgadas). Alguns historiadores compararam o aparecimento da
imprensa à invenção da escrita e do computador3.
Na política, sempre traiçoeira e violenta, procuravam impor o seu domí-
nio em Florença os Médicis, família de banqueiros transformados em prínci-
pes — através de lutas sangrentas com outras famílias rivais da cidade —,
e em breve casariam as suas filhas nas mais importantes cortes da Europa,
e conseguiriam transformar em papas dois dos seus descendentes. Nesse ano
de 1492 morreu Lourenço de Médicis, conhecido por Lourenço o Magnífico,

1 Rice e Grafton, 1994, p. 7.


2 Resende, Crónica, p. 362.
3 Rice e Grafton, 1994, p. 8.

165
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

que aliava o pragmatismo político a uma fina sensibilidade para o colecionis-


mo, a poesia e, sobretudo, a paixão pela filosofia e pelas artes visuais. Um do-
minicano fanático, no entanto, ralhava contra o luxo e o pecado na cidade de
Florença, ao mesmo tempo que fazia alianças com o rei de França: acabou
queimado na Praça da Senhoria em 1498. Era Savonarola, que o próprio
Lourenço tinha protegido durante os últimos anos de vida.
Em Roma, viviam-se tempos sombrios para a pureza da fé. Os papas
iam-se sucedendo, e a década de 90 do século xv ficou marcada pela ascensão
ao trono papal do já nosso conhecido Rodrigo Bórgia (papa entre 1492 e
1503), o cardeal valenciano protegido pelos Reis Católicos. Não foi o único
papa dissoluto, mas foi o que deixou a imagem mais negra da decadência de
costumes no papado. Nas orgias do palácio, prostitutas gatinhavam nuas
apanhando castanhas do chão1. Um pouco mais tarde, em 1510, um monge
agostinho alemão, enviado a Roma a mando da sua ordem, teria ocasião
de assistir horrorizado ao espetáculo da decadência moral em que Roma se
afogava: chamava-se Martinho Lutero e haveria de mudar a face religiosa da
Europa.
Tudo isto faz da década de 1490 uma das mais importantes da história
da Europa e muito que se passou a seguir constituiu a ressaca de todas estas
mudanças, que, por demasiado bruscas, levaram anos a assimilar2. Algumas
delas foram até liminarmente rejeitadas, mas voltaremos ao assunto no pe-
núltimo capítulo desta biografia.
Começavam também as guerras de Itália, dois anos depois da morte de
Lourenço, o Magnífico. Carlos VIII da França (1470-1498) marcharia sobre
Nápoles, conquistando boa parte da península até se fazer coroar rei, mas re-
cuando em seguida para fugir às tropas da Santa Liga de Veneza (aliadas do
imperador). Tratou-se de um episódio breve, mas revelou a vulnerabilidade
italiana a agressões: a Itália continuaria a ser palco de guerras praticamente
por todo o século seguinte, o que precipitou o seu declínio nos séculos xvii
e xviii.
Entre 1501 e 1504 Miguel Ângelo esculpia o seu David num esconso
bloco de mármore (era pedra maljeitosa, e muitos não acreditaram que
a conseguisse trabalhar). Representava uma história do Velho Testamento, na

1 Relato citado por Sennett, 1994, p. 237, relativo a uma festa no Vaticano dada por

César Bórgia, duque de Valentinois, em 31 de outubro de 1501, e onde seu pai, o papa
Alexandre VI, esteve presente.
2 Rabb, 1975, pp. 35-37.

166
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)

qual David conseguira vencer o gigante Golias com uma simples funda. Foi
posto à porta da Senhoria da cidade (palácio municipal), e o recado era claro:
a inteligência pode mais do que a força bruta1. Florença, acossada pela cobiça
alheia, rendia homenagem precisamente àquilo que a transformou numa das
mais belas cidades do mundo: o engenho humano. Pela mesma época, Nico-
lau Maquiavel haveria também de colocar a inteligência no patamar superior
da Criação, ao pretender que o seu príncipe usasse cirurgicamente a força
(apenas nas raras situações em que o seu uso fosse imprescindível), colocando
a sua virtù (palavra que significa um misto de talento e inteligência) ao servi-
ço de um poder perdurável no tempo: só a ação humana era capaz de contra-
riar os golpes da sorte2. Mas a instabilidade política e militar haveria ainda de
assolar a Itália por muito tempo: a turbulência seria a regra, e a Península
Itálica serviu de palco às rivalidades de outras potências europeias.

5.8. A imprensa e D. Leonor


O ano de 1495 marca também uma novidade protagonizada pela rai-
nha, ao patrocinar a primeira obra impressa em Portugal sob a égide de um
membro da família real. Não era a primeira vez que se imprimia em Por-
tugal, uma vez que a imprensa em hebraico precedeu a de obras em portu-
guês. O primeiro livro impresso nesta língua foi um manual de confissão
para uso do clero, que apareceu em Chaves em 1489, e que alguns autores
associam à iniciativa do então bispo de Braga, o nosso já conhecido D. Jorge
da Costa3.
A obra editada pela rainha foi a Vita Christi, da autoria de Ludolfo da Sa-
xónia, uma obra que remontava ao século xiii, mas cujo sucesso se fazia ain-
da sentir na época. Como todos os grandes sucessos da literatura devocional
impressos ainda antes de 1500, tratava-se de um livro escrito séculos antes,
cuja influência tinha perdurado no tempo. Como exemplos, poderemos citar
a Legenda áurea, de Jacopo da Voragine, mais tarde publicada com o nome
de Flos sanctorum, uma compilação de vidas de santos que não cessou de se

1 Burke, 2001, pp. 135-136.


2 Maquiavel, O príncipe, pp. 129-133.
3 Martins, 1987, pp. 161-166; Marques, 1989a, pp. 23-45. Este arcebispo, que gover-

nou a diocese entre 1488 e 1501, não deve ser confundido com o seu homónimo meio-
-irmão, D. Jorge da Costa, o cardeal Alpedrinha, que se tornaria por sua vez arcebispo de
Braga de 1501 a 1505 por morte do primeiro, embora sem nunca abandonar Roma, onde
residia.

167
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

imprimir até muito tarde. Ainda, a Imitação de Cristo, de Tomas à Kempis.


A Vita Christi, primeiro livro de uma pequena série de obras devocionais cuja
publicação foi patrocinada por D. Leonor e pelo rei seu irmão, era uma obra
de grande formato, que a Biblioteca Nacional de Lisboa ainda conserva, mas
encontramo-la em vários inventários de bens de pessoas desta época, ligadas
à rainha, tais como sua mãe, a infanta D. Beatriz.
Com o livro em letra de forma, no entanto, não se extinguia por ora o li-
vro manuscrito. Ao nível da devoção pessoal e privada, os livros de horas
eram ainda uma peça essencial no conjunto das possessões dos ricos e pode-
rosos. Profusamente iluminados, muitas vezes com imagens miniaturizadas,
continuaram a ser tesouros de família ciosamente guardados, e passados de
pais para filhos. Podiam ser presentes de casamento, como o breviário ofere-
cido a Isabel de Castela aquando do duplo enlace de dois dos seus filhos com
os filhos do imperador Maximiliano1. Encomendavam-se geralmente na
Flandres, onde eram produzidos de forma serial, embora fossem produtos ar-
tesanais de grande cotação no mercado. Os iluminadores eram por vezes pin-
tores cuja arte era levada tão a sério como a dos restantes e constituíram-se
até dinastias célebres. Geralmente as iluminuras versavam os mesmos temas
e eram semelhantes de livro para livro. A encomenda era geralmente perso-
nalizada através de uma folha de rosto cuja iluminura representava, ainda
que de forma geralmente idealizada, o seu futuro possuidor. É esta imagem
que consta da capa deste livro, e que representa a rainha D. Leonor no seu
célebre breviário franciscano, que terá sido produzido por volta de 1500-
-1510 em Gante ou Bruges, e que hoje se encontra na Pierpont Morgan Li-
brary.
Os livros de horas deste período representam no entanto o canto do cis-
ne do livro manuscrito iluminado: cinquenta anos depois, por volta de mea-
dos do século xvi, a arte da iluminura estava já em declínio, e a gravura im-
pressa tinha-a substituído nos milhões de livros que então circulavam. Não
que os manuscritos tivessem deixado de circular: pelo contrário, escrevê-los
e lê-los constituiria até finais do século xviii uma maneira de escapar à cen-
sura, fulgurante um pouco por todo o lado depois do aparecimento da im-
prensa, independentemente das confissões religiosas adotadas. Mas a arte de
ilustrar livros através de imagens miniaturizadas estaria já definitivamente
morta.

1 Blackhouse, 1993, p. 12.

168
VIÚVA DE UM VIVO? ATÉ À MORTE DE D. JOÃO II (1491-1495)

Depois da Vita Christi, D. Leonor e o irmão haveriam de ser os dois


maiores patronos da edição de livros em Portugal. Para a rainha tratava-se
sobretudo de aproveitar a imprensa ao serviço da religião; para D. Manuel
a imprensa constituía uma oportunidade de reforçar a sua política de estati-
zação crescente da Coroa1.

1 Sá, 2003, pp. 7-31.

169
Capítulo 6
O meu irmão é rei (1496-1510)

M udança de reinado, mudança de cronista: seguimos agora a crónica


de D. Manuel I escrita por Damião de Góis (1502-1574), talvez
o mais importante dos humanistas portugueses. Já tínhamos anteriormente
usado a crónica que este autor escreveu sobre D. João II enquanto príncipe,
mas é talvez este o melhor momento para fazer a apresentação do autor, de
forma a percebermos melhor o contexto em que escreveu. Nasceu em 1502,
precisamente no mesmo ano do herdeiro do trono — o futuro D. João III.
Órfão de pai muito cedo, cresceu na corte do rei D. Manuel como pajem
juntamente com os irmãos, que também aparecem na crónica, quando evoca
memórias de infância associadas à sua vida no paço. Um deles, Frutos (ou
Frutuoso), chegou a guarda-roupa do rei, um lugar importante pela proximi-
dade em relação ao monarca. Damião de Góis não se ficou pela corte: foi um
homem do mundo, com longas estadias em terras europeias, nomeadamente
na Flandres, onde foi feitor. Colecionava pintura (foi proprietário do quadro
de Bosch que se encontra atualmente no Museu de Arte Antiga, que trouxe
de Antuérpia). É conhecido também pelo seu convívio com humanistas eu-
ropeus — entre os quais Erasmo —, com os quais trocou correspondência.
Voltou definitivamente ao reino em 1545, a pedido de D. João III, e foi
guarda-mor da Torre do Tombo. Góis escreveu a sua crónica por ordem do
cardeal D. Henrique, em tempo de censura e de Contrarreforma, cuja pri-
meira edição veio a lume em 1566. A sua natureza cosmopolita trouxe-lhe
dissabores: acabou por ser acusado e depois solto pela Inquisição.
Morreu afastado da corte, em Alenquer, num acidente que alguns repu-
tam misterioso. Como veremos, o seu rigor intelectual obrigava-o a uma
grande disciplina, e a sua crónica de D. Manuel foi censurada e emendada
em muitas passagens — sem que Góis tivesse abdicado dos seus princípios.

170
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

Cortou e mutilou, mas não escreveu o que o seu censor pretendia que escre-
vesse. Graças a Edgar Prestage, conhecemos a identidade do censor, que foi
o 2.o conde de Tentúgal, D. Francisco de Melo, neto de D. Álvaro de Bra-
gança, um dos irmãos do duque justiçado em Évora em 14831.
Ao contrário de Garcia de Resende, ligado ao rei D. João II por um afeto
profundo, ou de Rui de Pina, de pendor reservado, Damião de Góis não es-
tava de modo algum disposto a calar a sua voz própria, dentro dos limites
que a época permitia. É assim que o veremos criticar o rei de forma mais ou
menos aberta, ou não deixar de referir algumas questões sensíveis, que outro
qualquer teria contornado. Mas produziu uma imagem de D. Manuel I mais
consentânea com a hipotética realidade: um homem prudente — por vezes
em demasia — mas simpático e generoso, pronto a conciliar tudo e todos,
sem tomar decisões que o poderiam tornar malquisto. A imagem que nos fi-
ca é de um rei que, longe de ser apenas o recetáculo passivo de vários golpes
de boa sorte — o cognome de «venturoso» diz tudo —, era afinal um hábil
político2.

6.1. Arrumar a casa: D. Manuel, os Bragança e alguns


casamentos
Vamos então à Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel composta por Da-
mião de Góis. Começa logo por escrever que a rainha D. Leonor foi causa
única de D. Manuel ser rei destes reinos — uma afirmação forte que nos in-
teressa particularmente, porque não deixa margem para dúvidas sobre
a agência da rainha em termos políticos. Várias decisões de D. Manuel I logo
que assumiu a sucessão do trono dariam o tom a grande parte do que se pas-
saria no seu reinado. Desde logo, a sua celeridade em absorver D. Jorge, filho
ilegítimo de D. João II e anteriormente seu rival como potencial rei de Por-
tugal. É bom notar que nesta altura o novo rei era ainda solteiro e portanto
sem herdeiros legítimos. Ora, o testamento de D. João II fazia de Jorge seu
herdeiro caso D. Manuel morresse sem descendência. Vimos no capítulo iv,
a rainha tinha exigido o seu afastamento da corte, por não suportar a sua
presença a seguir à trágica morte do seu filho. Depois de jurado rei em Alcá-
cer do Sal pela rainha, prelados e senhores do reino, o rei deslocou-se a Mon-
temor-o-Novo, para onde tinha convocado cortes. Passados poucos dias aí re-

1 Lopes, 1949, pp. v-xlvii.


2 Embora talvez não exatamente da mesma forma, partilho esta opinião com o mais re-
cente biógrafo de D. Manuel I. Ver Costa, 2005, pp. 21 e 69-80.

171
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

cebeu Jorge, então com 14 anos1. O seu estatuto alterou-se com a morte do
pai: de pobre «órfão» no dizer da pessoa que o trouxe à presença do rei, pas-
sou a estar sob os cuidados diretos de D. Manuel, «em lugar de filho»2. Não
há memória de a nossa rainha se ter oposto a esta nova situação, prova de
que a sua repugnância pelo «enteado» também era política e não apenas da
ordem dos afetos. O modo como o novo rei o incorporou é de resto também
narrado na crónica: deu-lhe um lugar de honra na sua câmara — Góis conta
que passou a dormir com ele na cama até se casar. O próprio rei tinha sido
objeto desse tratamento pelo cunhado D. João II. Como vimos no capítu-
lo iii, D. João II tivera então todos os motivos para recear a rebelião do jo-
vem duque de Beja. Estava-se então em 1484 e o seu irmão mais velho, Dio-
go, tinha acabado de morrer às mãos do rei, acusado de conspirar contra ele.
Como vimos, sem processo de culpa prévio, e sem que contra ele impendes-
sem mais do que simples denúncias. Ficamos a saber o estado de espírito do
novo rei: recém-chamado ao trono, não queria correr riscos de ver criar em
torno do jovem Jorge uma fação que lhe resistisse, e não deixa de ser signifi-
cativo que tivesse escolhido como momento para «reabilitar» Jorge a reunião
de cortes. E para mais, nesta fase inicial, não fazia mais do que cumprir o tes-
tamento do defunto rei, de quem era testamenteiro e principal beneficiário.
Mas havia ainda coisas a fazer para «arrumar a casa»: reconstruir o tecido
familiar que o seu antecessor tinha danificado. Não havia nada a fazer para
Fernando, duque de Bragança, nem para Diogo, ambos mortos, mas o mes-
mo não se podia dizer relativamente à sua descendência. O primeiro tinha
dois filhos vivos, Jaime e Dinis, ambos refugiados na corte dos Reis Católi-
cos; Diogo deixara descendência «natural»3. Vimos que para Diogo há várias
menções a um filho, e apenas uma, um tanto misteriosa, a uma filha que en-
traria como freira no Convento de Jesus de Setúbal, justamente aquando da
entrada das primeiras freiras no convento, ocorrida ainda antes de D. Ma-
nuel subir ao trono, entre maio e junho de 14954. O novo rei apressou-se
a criar condições para que os dois Bragança voltassem ao reino e, como vere-
mos, concedeu um ofício importante a Afonso, filho de D. Diogo.

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, pp. 16-18.


2 D. Diogo Fernandes Almeida, prior do Crato (Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I,
p. 17).
3 Designação dada a filhos de pais que podiam casar um com o outro: Diogo era soltei-

ro e a marquesa de Villa Hermosa, viúva, pelo que não existia qualquer impedimento canó-
nico que obstasse a um eventual casamento.
4 Belém, Chronica Seráfica, Parte II, pp. 585-586.

172
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

Deparamos neste momento da crónica com as várias censuras de que


o texto foi objeto, por mão do conde de Tentúgal, um defensor da Casa de
Bragança, que acusava Damião de Góis de não o ser suficientemente, por
nunca ter escrito — nem mesmo depois dos cortes do texto — que os Bra-
gança estavam inocentes. Na versão inicial o cronista declarava abertamente
que foram a mãe e a irmã do rei a exercer pressão sobre ele para fazer regres-
sar os Bragança — mais uma vez a influência política da nossa biografada em
ação. Góis foi obrigado a retirar esse trecho da obra, mas não impedido de
comentar que a reabilitação dos Bragança trazia para o novo rei uma despesa
considerável, uma vez que era obrigado a restituir o património do ducado
aos herdeiros do duque D. Fernando, bem como as rendas e assentamentos
a que tinham direito. Foi este, de resto, um ato que suscitou as mais vivas
críticas na época, pelos setores que viram nessa devolução uma diminuição
muito significativa do património e do poder político do rei. Outro motivo
de crítica foi o incumprimento do testamento de D. João II, que D. Manuel
claramente violava1. Embora relatando estes episódios sem os camuflar, Da-
mião de Góis reconhecia que foi a forma de D. Manuel viver em paz e pros-
peridade no seu reinado: «Pelo que em todo o tempo de seu reinado foi ben-
quisto, e viveu pacífico, e as mais das coisas que intentou, assim nestes
reinos, como nos estranhos, em terra de cristãos, e de infiéis lhe sucederam
até ao tempo de seu falecimento, com muita prosperidade, louvor, e honra
sua, bem, e acrescentamento de seu estado, e proveito de todos os seus vassa-
los, e sujeitos.»2

Será durante a Quaresma e na Páscoa que D. Manuel conseguirá reunir


a sua família. Aconteceu em Setúbal, vila em que, como sabemos, a família
tinha raízes profundas em virtude da sua ligação ao mestrado de Santiago de
Espada. Aí tinham morrido o pai do rei, o infante D. Fernando, e o irmão
D. Diogo. Quando o rei chegou à vila, esperavam-no já as mulheres da famí-
lia, todas viúvas: as suas irmãs Leonor e Isabel, duquesa de Bragança, e a
mãe, a infanta D. Beatriz e duquesa de Beja. Dizem os «Apontamentos histó-
ricos» que o rei foi de Montemor-o-Novo para Setúbal para estar mais perto
da nossa rainha e das outras duas mulheres que estavam num paço em Azei-
tão, «para praticar com elas muitas coisas de substância»3. Não foi esta uma

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 30, especialmente nota 3; Sousa, Provas, T. II,

Parte I, pp. 215-216.


2 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 32 («lhe sucederam» = tiveram sucesso).
3 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 205.

173
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

reunião qualquer: tratava-se de reabilitar a família da duquesa de Bragança


sua irmã, cujos filhos Jaime e Dinis andavam fora dos reinos de Portugal. Já
os tinha mandado chamar, mas só chegaram à vila depois da Páscoa. Com
eles vinham o irmão do defunto e justiçado duque, D. Álvaro, e D. Sancho,
primogénito de D. Afonso, conde de Faro, outro dos quatro irmãos Bragan-
ça1. Foram dias importantes para a família, porque significaram o regresso
dos Bragança a Portugal e a restituição do seu estado ducal, que D. João II
havia suprimido. Apesar de tudo o que se tinha passado, e das perdas sofridas
— de um filho, um irmão, um cunhado e um marido, consoante considere-
mos Beatriz, Leonor, Isabel ou Manuel —, a linhagem familiar era recoloca-
da no seu devido lugar, ou seja, na primeira linha do mando dos reinos de
Portugal. Estava portanto a família novamente junta: Avis-Beja-Bragança.
Dias que só a morte de D. João II tornara possíveis.

6.2. Casa nova


Parece ter sido pouco depois de enviuvar que a rainha conseguiu fixar-se
definitivamente em Lisboa. Pouco antes de o marido morrer, declarava o seu
amor pela cidade numa carta que escreveu aos oficiais da sua câmara: «que
o tempo que fora dela [da cidade] gastamos, temos que não é viver»2. Mais
uma vez, como tantas vezes ao longo dos séculos xv e xvi, Lisboa estava im-
pedida pela peste, e era para se informar das condições sanitárias que Leonor
escrevia. Essa carta é de 15 de setembro de 1495, ainda vivia D. João II. Nes-
se momento em que o marido agonizava, parecia mais importante para a rai-
nha saber se podia ou não instalar-se na cidade. Logo em abril do ano se-
guinte, já viúva, em Setúbal com o irmão, agora rei, fez com que este lhe
doasse uma morada de casas junto ao Convento de Santo Elói, de padres de
São João Evangelista, em que se instalaria3. Teve de esperar mais um pouco
para regressar à cidade: ainda em julho de 1496, do Lavradio, a rainha, im-
paciente por regressar, enviava o deão da sua capela para que, em conjunto
com a câmara, procedesse à realização de devoções pela saúde da cidade4.
O paço lisboeta da nossa rainha situava-se na freguesia de São Bartolo-
meu, e aí haveria de passar grande parte dos muitos anos que ainda viveria5.
Hoje nada resta da antiga construção, a não ser a toponímia — Largo dos

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, pp. 28-33.


2 Sousa, «Cartas», p. 85.
3 IAN/TT, Livro 1 de reis, fl. 96v [1496.4.29, Setúbal].
4 In Sousa, «Cartas», p. 90.
5 Andrade, 1949, pp. 69-102; Freire, 1996, vol. i, pp. 350-355; Castilho, 1938,

pp. 92-147 e 233-250.

174
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

Loios —, que acusa a presença do também hoje inexistente Convento de


São João Evangelista de Lisboa, que comunicava com um passadiço para os
aposentos da rainha. O leitor que for ao morro do castelo de São Jorge sabe
que a distância entre o paço da Alcáçova, no interior das suas muralhas, e o
referido largo é curta. Estaria assim a rainha relativamente perto do centro de
poder, que em breve se deslocaria para a parte baixa da cidade.

6.3. D. Leonor passa a «rainha velha»: o primeiro casamento


de D. Manuel
Para D. Manuel outro problema urgia resolver: o do seu próprio casa-
mento. É interessante verificar que o rei chegara até aos 26 anos sem casar,
quando muitos da sua estirpe e posição o faziam muito mais cedo, assunto
que tem passado despercebido à generalidade dos historiadores. Vimos tam-
bém no capítulo terceiro que Fernão da Silveira acusava justamente
D. João II de não querer casar Diogo, para este não ter descendência legíti-
ma1. Pode ter sido o caso — não há memória de haver perspetivas sérias de
casamento em torno de D. Manuel enquanto duque —; mas o mais provável
é que fosse o próprio a protelar o casamento até estar numa posição negocial
que lhe permitisse casar mais alto, como de facto aconteceu.
A sua escolha incidiu, como já referimos, em D. Isabel, viúva do príncipe
D. Afonso, que regressara para a companhia dos seus pais depois da morte
do marido. Estava a noiva renitente em casar novamente, e foi preciso nego-
ciar: dizia preferir ser religiosa a casada, invocando a morte de Afonso. É este
também um dado interessante sobre estes casamentos: apesar de tratados pe-
las famílias, raramente se faziam à revelia dos noivos. Embora estes pudessem
ser muito pressionados a aceitar os enlaces propostos, em teoria deviam ter
a última palavra. A tensão entre vontade das famílias e mútuo consentimento
dos esposos constituiu de resto uma das marcas do casamento ocidental2. No
caso de D. Manuel, houve um preço elevado a pagar: D. Manuel viu-se na
contingência de expulsar os judeus do reino por exigência de D. Isabel. Já
depois de feito o casamento por procuração, «...induzida a rainha Princesa,
como se teve por suspeita, pelos reis seus pais, escreveu uma carta a el rei pedin-
do-lhe que dilatasse sua vinda até ter de todo lançado de seus reinos os ju-
deus»3. Foi esta a condição principal da princesa para voltar a casar de novo.

1 «Carta que Fernão da Silveira mandou de Castela a el rei D. João sobre a morte do

duque de Viseu D. Diogo», BPMP, ms. 599, fl. 55v.


2 A propósito, ver Macfarlane, 1990, especialmente pp. 131-158.
3 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 50 (destaque meu).

175
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Os autores têm comentado o «preço» deste casamento para o reino, dre-


nado de uma das suas principais forças económicas e sociais, mas seria talvez
oportuno encará-lo à luz do que as exigências matrimoniais de uma princesa
(instigada provavelmente pelos pais) acarretaram para os milhares de judeus
que viram a sua vida mudar radicalmente. Não que fosse fácil até então:
a relação entre judeus e cristãos era ambígua, oscilando entre a coabitação
mais ou menos pacífica, com os judeus a habitarem em zonas próprias, as
judiarias, não necessariamente segregadas. Já D. João II enviara crianças ju-
daicas para a ilha de São Tomé, condenando-os a uma morte certa através
da malária1.
Era uma convivência precária e tensa, na medida em que os judeus facil-
mente se transformavam em bodes expiatórios das comunidades em tempos
de peste ou carestia. O perigo agudizava-se durante a Semana Santa, quando
vinham à tona as acusações de os judeus terem morto Cristo. As comunida-
des judaicas eram objeto de confrontos violentos e até de chacinas; só que até
então os reis podiam protegê-los, como aconteceu algumas vezes. Uma delas,
até com a nossa rainha, que procurou salvaguardar a judiaria de Évora da ira
dos cristãos da cidade. Os reis protegiam os judeus em momentos de ameaça
potencial, como era a morte do monarca. Manifestações públicas de pesar
eram momentos privilegiados para a comunidade cristã assaltar os seus bodes
expiatórios preferidos. Perto da morte do marido, a partir de Alcácer do Sal,
em 28 de outubro de 1495, a rainha D. Leonor tinha escrito à câmara de
Évora, depois de os judeus da cidade lhe terem escrito que as pessoas falavam
em roubá-los. Pedia a rainha que não se consentisse que as pessoas falassem
nisso, e se garantisse a tranquilidade da cidade. Importante carta, porque de-
monstra a premeditação de alguns assaltos às judiarias, que não eram obra
de momento, mas ameaças anunciadas2.
A atitude de reis e rainhas parece ter sido sempre a de conceder proteção
aos judeus, uma vez que uma das suas funções principais era a de garantir
a paz dos seus domínios. Implicava sobretudo refrear a sede de violência das
populações cristãs. A rainha, por exemplo, confirmara em 1484 um alvará de
Afonso V de 1461, procurando cercear os agravos que os moradores da vila
de Óbidos perpretavam contra os judeus da localidade3.

1 Resende, Crónica, pp. 253-254; Aubin, 2006, pp. 37-40.


2 ADE, Livro 3.o de originais (73), fl. 129 [1495.10.24, Alcácer do Sal]. Também em
Sousa, «Cartas», p. 87.
3 Sousa, «Cartas», p. 42.

176
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

Vimos também que judeus e mouros tinham sido bem-vindos nas festas
de casamento do príncipe D. Afonso com a princesa D. Isabel em novembro
de 1491. Gestos como este tinham os seus dias contados, no entanto: a se-
guir a 1496 não mais foram possíveis atitudes deste género, e as ambiguida-
des cessaram. Doravante as comunidades hebraicas deixaram de existir, e os
judeus passaram a chamar-se cristãos-novos através da sua conversão forçada
ao cristianismo. Outro tipo de violência se exerceria mais tarde, desta vez ju-
dicializada e burocratizada, através da Inquisição. Já existia em Espanha des-
de 1478, D. Manuel chegou a pedi-la ao papa, mas só D. João III a fundaria
em 15361.
O casamento fez-se em outubro de 1497. Damião de Góis refere que das
quatro filhas dos Reis Católicos era esta com quem D. Manuel mais desejava
casar, tendo recusado a oferta de casamento com Maria, terceira filha do ca-
sal2. Nesses anos cruciais, andavam também os reis de Castela em pleno afã
casamenteiro: em 1496 tinham casado Joana com Filipe, o Belo, e negociado
o casamento da filha mais nova, Catarina, com Artur, herdeiro do trono in-
glês. No ano seguinte, em março, seria a vez de o príncipe herdeiro João ca-
sar com Margarida de Áustria. Refiro estes casamentos porque é necessário
para entender a oferta de Maria no tabuleiro das negociações. Ao que parece,
Isabel tinha-se recusado durante esse tempo a casar novamente, e estando as
outras duas irmãs comprometidas, restava Maria. Mas D. Manuel insistiu, e,
depois de uma negociação difícil, lá acabou por casar com Isabel.
A roleta continuava a girar: durante o casamento morreu o príncipe
D. João, herdeiro dos Reis Católicos. Restavam-lhes apenas quatro filhas,
a não ser que Margarida de Áustria, irmã de Filipe, o Belo, grávida, tivesse
um parto feliz. E agora, caro leitor, situemos estes dois irmãos: ele, duque de
Borgonha, filho do imperador Maximiliano e de Maria de Borgonha, casou
com Joana, segunda filha dos Reis Católicos, e chegou a ser rei de Espanha
durante pouco tempo (1504-1506). Teve, na sua curta vida de 27 anos, seis
filhos da mulher, entre os quais Carlos V e Leonor, que viria a ser a terceira
mulher do rei D. Manuel I. A mais nova, Catarina, póstuma, seria mulher de
D. João III. Mas o casamento dos filhos dos Reis Católicos na Casa de Áus-
tria foi também importante por inaugurar uma série de casamentos cruzados
que fariam escola nas cortes europeias, ao casar dois irmãos com outros dois

1 Sobre estas questões, Bethencourt, 2000, pp. 49-131.


2 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 46.

177
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

irmãos. Ou seja, alianças duplas, que proporcionariam as chamadas «trocas


de noivas», por vezes até em simultâneo1.
Para D. Leonor, o casamento do irmão significava uma alteração do seu
título: doravante seria apelidada «rainha velha», para a distinguir da consorte
do rei. D. Manuel casaria três vezes até à sua morte em 1521. Outros proble-
mas se colocavam pela existência de duas rainhas, uma viúva e outra mulher
do detentor do trono. Neste caso, as terras tradicionalmente alocadas às rai-
nhas de Portugal estavam na posse da mais velha, e nunca saíram dela en-
quanto D. Leonor foi viva. Também o facto de não lhe serem tiradas, nem
no todo nem em parte, é um sintoma da estima de que gozava junto do
novo rei. Se juntarmos a Excelente Senhora, que continuava a ser tida
e mantida pela Coroa portuguesa, a rainha velha e a rainha em exercício,
verificamos que não seriam apenas os regressados Bragança a requerer a ge-
nerosidade do rei.

6.4. Castela é nossa! D. Leonor regente


Naquele mês de dezembro de 1497 uma novidade trepidante esperava
o rei. Esteve em Évora todo o mês de novembro, e parte de dezembro, no
fim do qual, sendo já a rainha prenhe, partiram para Lisboa, tendo visitado
no Lavradio a rainha Leonor. Já em Lisboa, no paço da Alcáçova, foram avi-
sados de que a princesa Margarida, irmã de Filipe, o Belo, dera à luz um na-
do-morto aos sete meses de gravidez. Era esta a última hipótese de haver su-
cessão ao trono de Castela por linha masculina: sabemos já que o único filho
rapaz dos Reis Católicos falecera meses antes. A roda da fortuna pendia agora
para a mulher do rei D. Manuel I, Isabel, filha mais velha dos mesmos reis.
O rei fez cortes, no sentido de ir a Castela ser jurado herdeiro do trono res-
petivo. Os povos mostraram-se apreensivos, exigindo ao rei que o seu filho
viesse a governar Portugal e não um castelhano, e o texto redigido pelos pro-
curadores inclui esta frase espantosa: «Cá bem sabe Vossa Alteza que nunca
o povo português e o castelão [castelhano] couberam em um saco que não
rompesse.». Desta forma, o primogénito do rei deveria governar Portugal e o
segundo filho ou filha, Castela2.
Permita-me o leitor ou leitora uma liberdade de ficcionista: que alegria
não terá constituído para toda a família Avis-Beja esta perspetiva! No jogo

1 Bennassar, 2006, pp. 48-53. Para este autor, tratou-se de uma estratégia desenvolvida
pelo imperador Maximiliano, pai de Filipe, o Belo e de Margarida.
2 Cortes Portuguesas... 1498, pp. 60-61; Bouza Álvarez, 1995, vol. iii, pp. 1453-1463.

178
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

que as duas casas reinantes jogavam — cheio de surpresas, como qualquer jo-
go de sorte e azar —, a sorte sorria de novo a D. Manuel.
O rei lá foi em março do ano seguinte para Toledo com o seu séquito e a
rainha D. Isabel (uma das poucas que fizeram duas vezes o caminho de casa),
deixando Leonor como regente «por comum consentimento dos estados» da-
do nas cortes1. À cautela, levava consigo o seu ex-rival na sucessão ao trono:
ia com ele o senhor D. Jorge, não fosse aprontar-se alguma tramoia na sua
ausência. De Toledo o rei rumou a Aragão, onde era necessário fazer outro
juramento, que confirmasse a sua aceitação pelos povos do reino, renitentes
em aceitar uma via de sucessão feminina2.
Durante a viagem, confirma-se um dado importante: não havia apenas
uma aliança matrimonial em jogo, mas também o desejo, por parte dos Reis
Católicos, de levar a cabo políticas comuns em matéria religiosa. Conta Góis
que Fernando e Manuel, agora sogro e genro, acordaram entre si manifestar
ao papa o desagrado de ambos pela devassidão moral que assolava Roma3.
Estava-se em 1498, em plena vigência da ocupação do trono papal por Ale-
xandre VI, coincidente com um dos períodos mais baixos da história da San-
ta Sé. Confirma-se, portanto: primeiro, a expulsão dos judeus, e agora a von-
tade de pôr ordem em Roma. Sinais evidentes de que a «família» ibérica
queria atuar em uníssono. Se não encararmos as famílias reais portuguesa
aragonesa e castelhana como uma só, teremos dificuldades em perceber os
reinos ibéricos do ponto de vista político neste período. O que não equivale
a dizer que não houvesse, como aconteceu no reinado de D. João III, que se-
guiu uma desastrosa política de casamentos dentro desta mesma família, vo-
zes que se opunham, ou um forte anticastelhanismo nos setores mais popula-
res. Ao nível das duas monarquias, era da mesma família que se tratava, e os
seus membros consideravam a endogamia um dispositivo normal de reforço
da coesão política.
D. Leonor assumiu plenamente a regência: não era a primeira vez que
desempenhava um papel político de primeira importância, mas foi talvez
o período em que a vemos fazê-lo com maior maturidade. Não que estivesse
completamente só: o rei ocupava-se de perto dos assuntos da governação,
conforme dados mais recentes conseguem apurar; é um facto que se manteve
sempre ao corrente do que se estava a passar em Portugal4. Mas a rainha es-

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 57; Cortes... 1498, pp. 607-608.


2 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 67.
3 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, pp. 69-70.
4 Braga, 2002, pp. 15-34.

179
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

tava na primeira linha das tarefas inerentes à sua função, conforme o de-
monstra, entre outras coisas, uma carta assinada por ela que chegou à Senho-
ria de Veneza, e cuja transcrição aparece nos diários de Marino Sanuto:

«Illustrissimo principi Augustino Barbadico ínclito urbis Ventiarum duci,


etc. amico nostro caríssimo, Emanuel Dei gratia rex Portugaliae et Algarbio-
rum citra et ultra maré in África, princeps Castellae, Legionum, Aragonum,
Siciliae, Granatae dominusque Gineoe, salutem plurimam et prosperitatis
augmentum.
Nabigat in islam celeberrimam urbem zucharis nostris onustis navis nos-
tra Cygnus, quam utinam reducem destinavimus Mathio florentino ibi co-
moranti, cui comendatione nostra eorum zucharorum venditio soli incumbit;
verum cum ejusdem navis salutem maxime optemus, eam vobis majorem in
modum comendamus, rogamusque velit pro sua singulari virtute mutuaque
nostra benivolentia illam cum ejus patrono et magistro sotioque omni solita
humanitate excipere atque tratare efficereque, ut quam citius bene expedicta
redeat; erit hoc nobis quam gratissimum redituris rebus et comendationibus
vestris omnibus pacem et amoris et humanitaties affectum. Datae Lixbonae
sesto die mensis septembris. Signatis manu serenissimae reginae horum reg-
norum gubernatrix anno domini 1498. A tergo illustrissimo principi Augusti-
no Barbadico ínclito urbis Venetiarum duci, fratri, amico nostro caríssimo.»1

Mesmo existindo um plantel de funcionários que se ocupariam das tare-


fas independentemente da rainha, não duvidamos por um instante de que
D. Leonor conhecia os assuntos e era capaz de lidar com eles. Neste caso,
uma carta em latim, língua que, mesmo tendo aprendido, a maior parte dos
monarcas não dominava por inteiro.
Voltemos ao período de regência da nossa rainha: o rei voltaria cerca de
sete meses depois a Lisboa, onde o esperavam a irmã Leonor e a mãe D. Bea-
triz. Alojou-se nas casas de Pero de Alcáçova, junto da Porta de Alfofa, por
o paço da Alcáçova acolher sua mãe D. Beatriz naquele tempo2. O leitor in-
terroga-se justamente sobre a capacidade deste paço, e o facto de o rei se alo-
jar em casa de um particular. A resposta talvez resida nos já citados «Aponta-
mentos históricos», que permanecem inéditos na Biblioteca da Ajuda. Aí
é-nos dito que o rei chegou a coberto da noite, pelas dez horas, sem ser rece-
bido na cidade, tudo por causa do luto que trazia. A regente sua irmã veio lo-
go vê-lo, a partir das suas casas de São Bartolomeu, onde estava, enquanto

1Sanuto, I Diarii, vol. ii, coluna 334 [1498.09.06] [destaque no original].


2Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 71. Este Pero de Alcáçova é sogro do famoso
António Carneiro, secretário do rei e escrivão na corte desde os anos 80 do século xv.

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O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

a duquesa de Beja o veria no dia seguinte, quando o rei seu filho se lhe jun-
tou no paço da Alcáçova, rumando a Sintra daí a poucos dias1.
A partir de 1497, iniciava o rei a construção do novo paço da Ribeira,
que se prolongaria por vários anos. Em dezembro de 1505, numa parte
pronta do palácio, representava Gil Vicente a sua comédia Quem tem farelos?
Doravante, representaria o novo polo da cidade, à beira-rio. Palácio peculiar,
que albergava a Casa da Índia com os seus armazéns de especiarias no piso
térreo, e penetrava Tejo adentro com um cais próprio, com abundantes va-
randas para olhar a cidade e os barcos2. Leonor, no entanto, parece absorvida
pelas paisagens da sua própria alma. Não há relatos que a narrem no interior
das cerimónias que se realizaram nos novos espaços, embora, como é óbvio,
lá deva ter estado. Nem nas festas, nem na alegria de viver o momento que
transparece da organização do espaço do novo palácio. Levava uma vida reca-
tada. Mais tarde, será retratada no hábito de terceira franciscana, e talvez se-
guisse o seu modo de vida. Este implicava vestir-se sem ornatos e de panos
simples e nunca assistir a festas profanas, e muito menos as da corte («aonde
se trazem as coisas brandas deste mundo»), para além de fazer muitos jejuns
e rezar o ofício divino3. Se D. Leonor seguiu de facto a regra dos terceiros
franciscanos, está explicado porque é que os cronistas nunca mencionam
a sua presença nos acontecimentos sociais da corte. Com uma exceção, a do
batizado do sobrinho e afilhado D. João, que herdaria o trono como terceiro
do nome.
A vida de Leonor estruturava-se assim em torno da vida do espírito, em-
bora, como veremos adiante, estivesse muito longe da pobreza franciscana
praticada pelos santos e santas da sua devoção. Nem deixou tão-pouco de
querer para si algumas das substâncias preciosas que os armazéns do irmão
guardavam, como adiante veremos.

6.5. A fundação da Misericórdia de Lisboa


Foi nesse meio ano de regência que Leonor fundou a Misericórdia de
Lisboa, fazendo coincidir o dia da sua fundação com um dia forte em signifi-
cado religioso: 15 de agosto, que celebra a Assunção de Nossa Senhora, uma
data apropriada para a fundação de uma confraria mariana, uma vez que
é disso que se trata. Coloquemos também a fundação no seu sítio: uma cape-

1 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 209.


2 Senos, 2002, pp. 51-54 e 183-198.
3 Regra instituída por Leão X em 1521, in Constituições geraes, p. 58 ss.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

la do claustro da Sé, ainda hoje existente. Muito se tem escrito nos últimos
anos sobre a fundação das Misericórdias, em resultado de investigação levada
a cabo a partir dos anos 90 do século xx. A historiografia da primeira metade
do século atribuía à rainha um papel de relevo na difusão das Misericórdias
à escala do reino, mas mais recentemente tem-se responsabilizado a rainha
apenas pela fundação da Misericórdia de Lisboa. Ainda assim, o seu papel
não fica mais diminuído por causa dessa restrição, uma vez que seria a Mise-
ricórdia de Lisboa a dar o tom para todas as restantes, fundadas à sua ima-
gem e semelhança. O irmão D. Manuel agarrou a ideia com todas as suas
forças: afinal, a sua imagem de rei, num estado em formação, fazia-se tam-
bém em torno dos mais desamparados. Tal como as revoluções marxistas fa-
laram em nome dos operários e camponeses — os trabalhadores —, a Revo-
lução Francesa, em nome dos cidadãos, as democracias, no das massas
anónimas, também a construção do poder do rei se ancorava nos elos mais
fracos da sociedade da época: as crianças abandonadas, os presos, os pobres,
as viúvas e os órfãos, segundo ideais ainda fortemente filiados na tradição ca-
valeiresca medieval. Todas estas figuras sociais pediam proteção e amparo,
e caíam sob o manto protetor da caridade cristã. Ou seja, de Nossa Senhora,
mãe de Misericórdia. A figura compassiva de Maria era a preferida dos cris-
tãos, porque, ao contrário do Filho e do Pai, perdoava sem julgar. Não ao
acaso, a Virgem do Manto, glosada já na iconografia medieval italiana e fla-
menga, foi adotada como emblema das Misericórdias.
Estas confrarias haveriam de correr mundo, das Filipinas ao Brasil, e fun-
dar-se em todos os recantos do planeta onde havia comunidades portuguesas.
Só até à morte de D. Manuel I em 1521, está já comprovada a existência de
77 Misericórdias; se as contarmos até ao falecimento da rainha, ou seja, até
1525, passam a ser 821. Naquele verão de 1498, no entanto, correspondiam
apenas a uns escassos metros quadrados de uma capela do claustro da Sé. Ins-
talações próprias de uma instituição que começava, e que um século depois
se tornaria o mais importante conjunto de confrarias sob proteção da Coroa
portuguesa2.
Por influência da historiografia do Estado Novo, que acreditava ser
D. Leonor quase inteiramente responsável pela formação das Misericórdias,
de resto bem patente na grande e bem elaborada exposição que marcava

1 Portugaliae monumenta Misericordiarum, vol. iii, pp. 357-384; vol. iv, pp. 275-276.
2 Ao contrário do que se tem escrito, havia outras confrarias sob proteção régia neste pe-
ríodo.

182
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

o quinto centenário do nascimento da rainha, em Lisboa, no que viria a ser


o atual Museu do Azulejo, alguma historiografia dos anos 90 reproduziu
ideia semelhante. Uma ideia fácil de criar, até porque a exposição de 1958
incluía fotografias e objetos provenientes de numerosas Misericórdias funda-
das ainda em vida da rainha, o que não significa que o tivessem sido por sua
agência. O principal mentor do discurso em torno de D. Leonor foi o maior
estudioso das Misericórdias durante o Estado Novo, o médico Fernando da
Silva Correia (1893-1966), autor de uma vasta bibliografia sobre o assunto,
e que também participava com um texto no catálogo da exposição1. No en-
tanto, posteriormente, a historiografia infletiu um pouco essa tendência, ao
considerar que o esforço político em prol da generalização da confraria a to-
do o reino foi feito por quem detinha o poder político, ou seja, pelo rei2.
Então, que fez D. Leonor em prol das Misericórdias? Muito provavel-
mente, foi quem teve a ideia, e depois o rei irmão aproveitou. O certo é que
a rainha participou no cortejo inaugural da Misericórdia de Évora, junta-
mente com o rei seu irmão, sua mulher a rainha D. Maria e o mestre de San-
tiago, ou seja, D. Jorge, bastardo do seu defunto marido. Foi a 7 de dezem-
bro de 1499, e o texto refere D. Leonor expressamente como sua fundadora:
«e o princípio desta confraria foi a senhora D. Leonor irmã del rei nosso se-
nhor»3. Muitos anos mais tarde, no ano antes da sua morte, D. Leonor escre-
veu à Misericórdia do Porto dando-se como fundadora das Misericórdias:
«por sermos causa dessa confraria ser edificada»4.
A ligação da rainha às Misericórdias é por demais evidente, mas seria
abusivo pretender que a sua criação se deveu apenas à sua vontade. D. Leo-
nor não podia ser a executora dos numerosos alvarás que beneficiaram e defi-
niram as Misericórdias do ponto de vista jurídico, nem podia agenciar dire-
tamente a sua criação nas terras do reino: esse papel competia ao rei seu
irmão. Por mais poder que D. Leonor tivesse, só D. Manuel I tinha autori-
dade para emanar leis, e este transformaria as Misericórdias num assunto da
Coroa. Ficou no entanto em aberto a influência da rainha D. Leonor sobre
o próprio irmão, e, de momento, tudo aponta para que este ouvisse a irmã
como se de uma sombra se tratasse. Vários episódios demonstram que a rai-
nha era mais influente junto do rei do que a sua própria mulher.

1 A rainha D. Leonor, 1958.


2 Sá, 2009b.
3 Portugaliae monumenta Misericordiarum, vol. 3, p. 541.
4 Portugaliae monumenta Misericordiarum, vol. 4, p. 368 [1524.5.18, Xabregas].

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

6.6. Quem manda no rei?


O testemunho de um espião veneziano, Lunardo Masser, que esteve em
Lisboa nos primeiros anos da década de 1500 e apresentou um relatório da
sua estadia depois do seu regresso a Veneza em 1506, constitui uma prova
documental da influência de D. Leonor sobre o irmão. A sua presença em
Portugal era incógnita: disfarçado de mercador, era suposto manter os seus
negócios para disfarçar os seus propósitos, e ver e observar sem fazer pergun-
tas. A Senhoria de Veneza, ou melhor, o seu Conselho dos Dez, instituição
que se encarregava da segurança da cidade, encarregara-o de ver in loco o que
se passava em Portugal e verificar de que modo o novo trato das especiarias
podia ameaçar a economia veneziana.
A imagem que o veneziano produziu do rei está longe de ser lisonjeira:
«La natura di questo Sereníssimo Re parmi molto allegro; la complexion sua
è flacha, debile, e de puocho spirito. E molto sospectoso in tutte le sue cose;
no si risolve per si, se non in tutto vuole consiglio et consulta con la Regina
D. Elionora sua sorella, la quale è prudente D[omina] e cum li suoi grandi:
et questo vien perché non si confida nel discorso et iudicio suo.»1 O texto es-
tá escrito numa mistura de italiano com dialeto veneziano, e nem sempre
é muito claro, mas este passo é quase transparente: o autor quis dizer que
D. Manuel não resolvia nada sem consultar a irmã e o seu conselho — por
esta ordem. Outros episódios nos sugerem esta influência, de que iremos
dando conta nesta biografia.
Fosse como fosse, a influência política direta de D. Leonor através da re-
gência foi curta; o irmão regressou viúvo a Lisboa em 9 de outubro desse
ano, onde o esperavam a irmã e a mãe. É também interessante notar a pre-
sença na cidade da velha infanta D. Beatriz: esta mobilidade contrasta com
a permanência em Beja a que a víramos quase sempre remetida durante o rei-
nado de D. João II. A princesa Isabel tinha morrido nos braços do pai, Fer-
nando de Aragão, ao dar à luz o seu único filho, Miguel da Paz. Seria ele
o herdeiro dos tronos de Portugal, Castela, Leão, Sicília, e Aragão2, e, como
tal, ficou entregue aos avós maternos.

1 Chambers, 2000, p. 41. Estranhamente, este excerto não figura no texto publicado
por Godinho, 1974, pp. 75-84.
2 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 68.

184
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

6.7. Vasco da Gama, a Índia, os restos mortais de D. João II,


alguns casamentos e a descoberta do Brasil
O ano seguinte (1499) teve como importante novidade o regresso de
Vasco da Gama da viagem da Índia, a 29 de agosto, precisamente cerca de
um ano depois da regência da rainha. O sucesso da viagem e das perspetivas
comerciais que abriu fariam do reinado de D. Manuel uma das épocas de
maior prosperidade económica de Portugal. Um parêntese, no entanto, para
explicar que historiadores recentes têm chamado a atenção para o facto de as
rendas régias irem em crescimento mesmo antes do início dos proventos da
rota do Cabo1. Não nos podemos esquecer também de que D. Manuel já
usufruía de elevadas rendas como duque de Beja e mestre da Ordem de Cris-
to, e, para todos os efeitos, juntou esses proventos às rendas da Coroa. Os
tempos eram também outros: uma nova era na história do consumo dos bens
de luxo se afirmara com o Renascimento por toda a Europa2. Nesse contex-
to, o caso português nem sequer é dos mais vistosos a nível europeu, pese
embora os lucros das especiarias. Chegou Vasco da Gama a Lisboa, como
dissemos. O relato do nosso espião veneziano acusava-o de ser homem «des-
temperado» e não muito grato a sua alteza, a quem tinham desagradado al-
guns dos seus desmandos na Índia. Não obstante, o rei fê-lo almirante e ho-
mem honrado, apesar da sua baixa condição3. Esta última expressão não só
exprimia a sua origem plebeia, mas tinha uma conotação altamente pejorati-
va — de má gente — numa época em que as pessoas acreditavam que o bom
nascimento arrastava consigo nobreza de caráter.
Pouco tempo depois, foi a vez de o rei prestar homenagem ao seu ante-
cessor, fazendo transportar os restos mortais de D. João II da Sé de Silves pa-
ra o mosteiro da Batalha, panteão da dinastia de Avis. Muitos têm visto neste
ato, justamente, mais uma ação de propaganda por parte de D. Manuel, em-
penhado em produzir uma imagem de legitimidade política4. O ano de 1500
foi significativo a vários níveis no que toca à sedimentação do poder de
D. Manuel e da criação de estabilidade, porque acompanhado por outros
atos tendentes a evitar ou apaziguar tensões. No seguimento do traslado do
corpo de D. João II para a Batalha, D. Jorge recebeu o título de duque de
Coimbra e senhor de Montemor-o-Velho, conservando os mestrados que lhe

1 António dos Santos Pereira, 2003, vol. 1, pp. 525-544; Humble, 2003, pp. 213-214.
2 Jardine, 1996, p. 34.
3 Chambers, 2000, p. 38.
4 Araújo, 2004, pp. 74-79.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

tinham sido dados em vida do pai, o de Santiago e Avis, de que seria deten-
tor até morrer1.
Não cumpria inteiramente D. Manuel o que D. João II lhe ordenara em
testamento, e, nas vontades que acatava, fazia-o um pouco tarde, uma vez
que tinham passado já cerca de cinco anos da morte do seu antecessor, que
tinha escrito no seu testamento de 1495 para as cumprir «logo todas»2. Na
realidade, várias disposições de D. João II relativamente ao filho D. Jorge fi-
caram por executar: D. Manuel não abriu mão da Ordem de Cristo, de que
era mestre desde a morte do seu irmão Diogo, para a conceder a D. Jorge,
juntando-se aos mestrados de Santiago e Avis, que D. Jorge já detinha; tam-
bém não o casou com a sua filha mais velha, como era vontade de D. João
II3. Mas não se deixava por isso de conferir importância a D. Jorge, que ti-
nha de ser tratado como filho de quem era4, e de resto acabava de crescer na
corte do rei D. Manuel. Digo acabava porque dias depois, no último dia de
maio de 1500, Jorge passou ao estado de casado.
O rei casou-o, aos 20 anos, com D. Beatriz de Vilhena, filha de D. Álva-
ro, irmão do duque de Bragança D. Fernando. Se o leitor estiver recordado,
saberá que foi este o mais bem-sucedido dos quatro irmãos (até porque mor-
reu velho): viveria em Castela, onde chegou a assumir lugares importantes na
corte, a ponto de não regressar definitivamente a Portugal depois da reabili-
tação dos Bragança5. Sabe o leitor também que escreveu uma carta
a D. João II acusando-o dos mais horrendos atos6. Um deles tinha sido pre-
cisamente o de o rei o afastar da mulher e da filha, confiscando os bens patri-
moniais destas, que legalmente não podiam ser assimilados aos seus, a que
o rei tinha supostamente direito em razão da traição cometida. Era esta filha
que agora casava com o senhor D. Jorge.
As bodas fizeram-se em Lisboa, sendo presentes o rei e a nossa rainha,
que criara a noiva Beatriz em sua casa, «desde o tempo do rei D. João II seu
marido, e que lhe queria tanto como a filha, o que mostrou na riqueza das bo-
das, feitas no seu paço, e nas coisas que lhe deu»7. Ou seja, mais uma vez
a preocupação de neutralizar o inimigo através de uma incorporação. Perce-

1 Foi precisamente a seguir à sua morte que D. João III reuniu os mestrados na Coroa

do rei. Ver Olival, 2004, p. 3.


2 Testamento de D. João II publicado em Sousa, Provas, T. II, Parte I, pp. 206-217; ci-

tação na página 214.


3 Provas, T. II, Parte I, p. 216.
4 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 17: «para que o crieis como filho de quem é».
5 Aubin, 2006, pp. 8-12.
6 Ver capítulo iii. Carta in BPMP, ms. 599, fls. 35v-45v.
7 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 109 (destaque meu).

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O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

be-se bem porquê a filha de D. Álvaro: não havia mais nenhuma Bragança
disponível para aquele casamento, que transformava D. Jorge em mais um
membro da família da rainha. Curioso episódio, se pensarmos na repugnân-
cia de D. Leonor em respirar o mesmo ar do enteado a seguir à morte do
próprio filho. Casava então o filho do marido com uma «filha», no seu pró-
prio paço, agora que o sabia num claro segundo lugar numa eventual corrida
pela sucessão. De resto, nesse momento, em que D. Manuel não tinha ainda
bem seguro o trono — com um único herdeiro em Espanha D. Miguel da
Paz —, ainda havia a possibilidade de D. Jorge vir a ser rei. Não era uma
possibilidade remota, se tivermos em mente as surpresas que as reviravoltas
da sorte davam em semelhantes casos. A criança morreu antes de completar 2
anos de idade, mas apenas a 19 de julho, pelo que ainda era viva ao tempo
em que D. Jorge casava e recebia o título de duque de Coimbra. Só nos anos
subsequentes, com a torrente de filhos rapazes do rei — seis ao todo —,
a possibilidade de Jorge ser um candidato ao trono se extinguiria por com-
pleto.
Era também tempo de fazer outros consertos familiares: no mesmo dia
em que D. Jorge casou, D. Afonso, filho natural de D. Diogo duque de Vi-
seu, foi feito condestável do reino (o mais alto posto na chefia das suas forças
militares), e também tomou estado, ao casar com Joana de Noronha, filha do
marquês de Vila Real. Conhece já o leitor esta personagem, que lhe foi apre-
sentada no capítulo terceiro: tratava-se de um filho havido da marquesa de
Villa Hermosa, castelhana, nos tempos das já remotas terçarias de Moura,
quando D. Diogo tinha por obrigação residir como refém na corte dos Reis
Católicos. O condestável haveria de morrer apenas quatro anos depois, em
outubro de 1504, aos 22 anos, tendo deixado uma única filha, D. Beatriz1.
Faleceu em Beja, onde assinou um dos poucos documentos que se lhe co-
nhecem, confirmando uma tença que sua avó, a infanta D. Beatriz, concede-
ra a um seu servidor, e queria ver confirmada no caso de morrer antes deste2.
Por ironia, o neto precedê-la-ia na morte cerca de dois anos...
O ano de 1500 foi um ano de casamentos também para o rei: viúvo de
Isabel, filha mais velha dos Reis Católicos, casou em agosto com a sua irmã
Maria, que chegou a Portugal em outubro desse ano. Casou-os o bispo de
Évora em Alcácer do Sal a 30 de outubro, tendo os noivos seguido para os
paços da Alcáçova em Lisboa. Maria foi o mais duradouro dos três casamen-
tos de D. Manuel e também o mais prolífico. Tiveram dez filhos, dos quais

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 193.


2 CNSCBJA, caixa 1, livro 1 [1479-1710], doc. 16, fl. 60 [1503.12.4].

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

seis rapazes e duas raparigas sobreviveram até à idade adulta. Embora alguns
autores tenham procurado resgatar a rainha D. Maria do anonimato, atribuin-
do-lhe alguma agência em termos políticos, o facto é que os seus dezassete
anos de casamento permanecem apagados e sem brilho. De relevo, apenas
a educação dos muitos filhos, na qual se empenhou de forma direta1. O certo
é que a figura da nossa biografada é referida como personagem de primeiro
plano, e parece ofuscar a cunhada. De resto, também do ponto de vista fi-
nanceiro: D. Leonor nunca chegou a abrir mão do seu património de rainha
viúva, e as rainhas em exercício tiveram alguma dificuldade em reunir um
conjunto de terras que lhes garantisse o sustento do seu estado2.
Um episódio ilustra, pela negativa, a ausência de importância política
da rainha D. Maria. Passa-se mais tarde, em 1512, e é narrado por Damião
de Góis, que conta a história do governador da Casa do Cível, D. Álvaro de
Castro, que açoitou um seu criado surpreendido a namorar com uma escrava
sua. Um parêntese para explicar que a persistência de atos de justiça privada
constituía agora uma impossibilidade no contexto da estruturação do Estado
moderno. Para D. Manuel, era inadmissível a ideia de que o seu regedor pu-
desse bastar-se a si mesmo no castigo dos seus criados. Quando teve conheci-
mento do ocorrido, o rei suspendeu D. Álvaro do seu ofício e proibiu-o de
sair de casa. A desgraça abateu-se também sobre os seus familiares, a ponto
de os seus dois filhos, que andavam na corte, serem riscados do livro de cozi-
nha3. Coube a sua mulher, também chamada Leonor como a rainha, junta-
mente com o irmão do cronista, Frutos de Góis, resolver a situação. Maqui-
naram um estratagema: o rei visitava frequentemente a irmã no seu paço em
São Bartolomeu, junto da Igreja de Santo Elói. A rainha seria posta ao cor-
rente do problema, haveria um encontro (aparentemente casual) entre os
três, no qual a rainha agenciaria indiretamente a reabilitação de D. Álvaro ao
perguntar a sua mulher pela saúde do marido. Quando o encontro ocorreu,
esta respondeu que só Deus e o rei o podiam curar, e a partir daí D. Manuel
levantou o castigo ao marido. Serve esta historieta, narrada de forma muito
esquemática, para sublinhar a influência da rainha sobre o rei. Ou seja, da
rainha velha, e não da rainha sua mulher, e é esse o ponto a que quero che-
gar. O assunto resolveu-se a contento, e não se enganavam nem Frutos de
Góis nem a mulher de D. Álvaro: D. Leonor tinha influência suficiente para

1 Fernandes, 2004, pp. 23-32.


2 Rodrigues, 2007a, pp. 9-11. Esse problema abrangeu quatro rainhas «novas»: D. Isa-
bel, D. Maria, D. Leonor (mulheres de D. Manuel I) e ainda D. Catarina, embora D. Leo-
nor tenha morrido pouco depois do seu casamento com D. João III.
3 Os livros de cozinha correspondiam às listas de pessoas que eram alimentadas na corte.

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O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

aplacar a ira régia. D. Manuel lá acabou por restituir a D. Álvaro o ofício


perdido e voltou a admitir os seus rapazes à mesa1.
Continuava a vaga de casamentos entre os familiares próximos do rei
(e por conseguinte da rainha D. Leonor): no ano de 1500 foi a vez de D. Jai-
me, duque de Bragança, casar com D. Leonor de Mendonça, filha do duque
de Medina Sidónia2. Também o irmão Dinis haveria de casar com uma cas-
telhana, a filha do conde de Lemos, em 1501, com o beneplácito de Isabel,
a Católica3. Tratava-se certamente de um efeito da sua longa presença na cor-
te de Castela, que os dois tinham seguido nas suas deslocações ao longo de
treze anos. A noiva do duque de Bragança não tinha idade para consumar
o casamento quando chegou a Portugal. O duque, tomado de melancolia
por querer servir a Deus, aconselhado por frades de São Francisco da Obser-
vância ou da Piedade — foi de resto o introdutor em Portugal deste ramo
franciscano —, tomou o caminho de Jerusalém, dizendo ao rei que não se
achava apto nem para o matrimónio nem para ser duque, querendo abdicar
em seu irmão Dinis. Acabou por voltar, instado por D. Manuel I, e fez vida
com a mulher, que viria de resto a matar por adultério, um direito que lhe
cabia à luz das Ordenações do reino se de facto tivesse apanhado a mulher
em flagrante delito, o que parece não ter acontecido4. Em todo o caso, repa-
rou neste homem o já nosso conhecido espião veneziano, para observar que
era o número dois do reino, e que a restituição e aumento do seu patrimó-
nio, bem como aos restantes membros da sua família, reduziam de forma
considerável os proventos do monarca, confirmando deste modo as críticas
ao rei por ter reconstruído o ducado de Bragança5.

6.8. Gil Vicente e o nascimento do herdeiro do trono


português (D. João III)
Outras coisas importantes para a nossa rainha se passaram naqueles pri-
meiros anos de Quinhentos. Poderíamos referir a chegada de Pedro Álvares
Cabral, a 31 de julho de 1501, da primeira viagem ao Brasil, mas de facto
não foi acontecimento que marcasse a vida de D. Leonor. Nem de D. Ma-
nuel e do reino, de resto: o Brasil só haveria de ganhar importância com
o seu sucessor, D. João III. Até lá, havia de facto índios em Lisboa, trazidos

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte III, pp. 156-159. Episódio também narrado em

Duarte, 1998, pp. 198-199.


2 Sousa, História, vol. v, p. 284.
3 Sousa, História, vol. ix, p. 28.
4 Ordenações Manuelinas, L.o 5, tít. 16.
5 Chambers, 2000, p. 41.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

nos barcos dos negociantes, mas só ficou assinalada a sua prodigiosa vista
e pontaria. O episódio é narrado por Damião de Góis, e passou-se no ano de
1513, estando o rei no seu paço de Santos. Era talvez, de entre as moradas
do rei, a mais recreativa de todas, onde o rei ancorava o seu batel ou bergan-
tim, despachando os seus assuntos numa cabana junto ao rio («tendo despa-
cho em uma casa de madeira, que ali então estava, na ponta do cais, posta so-
bre a água»)1. Foram trazidos à sua presença vários índios, na companhia de
Jorge Lopes Bixorda, que então tinha o negócio do pau-brasil, e o cronista
narra que o rei se espantou com a facilidade com que as suas flechas acerta-
ram nuns pedaços de cortiça flutuando rio abaixo. Era então Damião de
Góis um rapaz de 9 anos, mas conta que assistiu ao episódio.
Outro acontecimento — este com influência na vida de D. Leonor —
foi o nascimento do filho primogénito do rei, que haveria de ser D. João III,
a 6 de junho de 15022. O seu nascimento merece ser assinalado também por
outro motivo: foi na sua sequência que Gil Vicente se estreou nos espetácu-
los de corte. O seu Monólogo do vaqueiro, ou Auto da visitação, em que um
rude pastor visitava a rainha no leito, onde recuperava do parto, e a felicitava
pelo seu feliz desfecho, constitui a primeira vez que a sua atividade como
dramaturgo é reportada. Irrompia um tanto intempestivamente na sua câma-
ra, deixando os pastores que o tinham acompanhado à porta. Relembremos
algumas das palavras do vaqueiro, ditas em castelhano: «Quién quieres que
ño rebiente / de plazer y gasajado? De todos tan desseado,/ este príncipe ex-
celente/ oh, qué Rey tiene de ser!»3
O auto terminava com os pastores a entregar os seus presentes à rainha
D. Maria. Assistiram ao evento o rei, a sua mãe D. Beatriz e a tia Isabel, du-
quesa de Bragança; o introito não menciona a presença da rainha D. Leonor,
mas no final diz-se: «E por ser coisa nova em Portugal, gostou tanto a rainha
Velha desta representação, que pediu ao autor que isto mesmo lhe representas-
se às matinas do Natal, endereçado ao nascimento do Redentor. E porque
a substância era mui desviada, em lugar disto fez a seguinte obra [o Auto pas-
toril castelhano, representado no Natal desse ano de 1502].»4 Outro motivo
também para evidenciar aqui o nascimento de D. João III é o de D. Leonor
ter sempre assumido papel de destaque no patrocinato de Gil Vicente, que se
prolonga praticamente por todo o reinado de D. Manuel I. Só D. João III,

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 131.


2 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, pp. 153-154.
3 Copilaçam, vol. i, p. 21.
4 Copilaçam, vol. i, pp. 22-23.

190
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

cujo nascimento se festejava, assumiria no seu reinado, iniciado em 1521,


o patrocínio a Gil Vicente, até à morte deste em 1536: ou seja, era para o seu
futuro amo que o dramaturgo escrevia, e provavelmente representava tam-
bém, aquela pequena peça de boas-vindas a um recém-nascido.
D. Leonor e a avó da criança, a infanta D. Beatriz, haveriam de ser ma-
drinhas do príncipe, numa época em que o Concílio de Trento não tinha
tornado obrigatório haver um só padrinho e uma madrinha de batismo.
O facto de o rei ter escolhido a mãe e a irmã para madrinhas do seu primeiro
filho assinala também a importância que estas assumiam na economia dos
afetos familiares. Os tempos em que o rei esteve sem herdeiro, entre a morte
do seu herdeiro D. Miguel da Paz a 19 de agosto de 1500 e o nascimento do
príncipe em 1502 haveriam de ter sido de alguma ansiedade para a família
real.
Talvez não por acaso, mas para dar graças a Deus pelo feliz acontecimen-
to, no mesmo ano, em outubro, o rei foi em peregrinação a Santiago de
Compostela, incógnito entre um punhado de nobres que o acompanharam.
Não há notícia, no entanto, de ter deixado alguém como regente, ou, pelo
menos, a escolha não recaiu na irmã. Seria esse agora um assunto delicado,
uma vez que o rei era um homem casado, e a regência competiria a sua mu-
lher, a rainha D. Maria. Em todo o caso, a ausência do rei do reino propria-
mente dito durou apenas alguns dias — aqueles que passou em território ga-
lego —, pelo que o rei exerceu as suas prerrogativas durante o seu percurso
de viagem nas terras por onde passou1.

6.9. O massacre dos judeus


Os anos de 1503 e 1504 correram pacatos, apenas marcados pelas mortes
do condestável D. Afonso, sobrinho, como sabemos, da rainha D. Leonor,
filho natural de seu irmão Diogo, e pela morte da rainha de Castela, Isabel,
a Católica. Não será demais sublinhar aqui a importância desta figura também
na história de Portugal: vimo-la atrás a afastar do trono a Excelente Senhora
e tornar-se rainha de Castela, causando uma guerra devastadora; a casar as
suas filhas uma após a outra com portugueses (primeiro Afonso e depois Ma-
nuel) e outras casas reinantes europeias2; a tentar que os reis da Península

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, pp. 158-159.


2 Os Reis Católicos seguiram uma política matrimonial consistente, distribuindo as suas
filhas por noivos provenientes de unidades políticas com que desejavam alianças: com os fi-
lhos do imperador Maximiliano (filhos João e Joana), com Henrique VII e depois Henri-
que VIII de Inglaterra (Catarina) e com Portugal (Isabel e Maria).

191
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Ibérica prosseguissem uma política comum quer em relação aos judeus quer
admoestando o papa pela devassidão moral que assolava Roma. Encobriu-se
a morte de Isabel a sua filha, a rainha D. Maria, grávida de Beatriz. Foi a se-
gunda filha rapariga da rainha, que tomava o nome da avó paterna, já que
Isabel, a quem fora dado o nome da avó materna, nascera no ano anterior1.
Para a Excelente Senhora, a morte de Isabel, a Católica, constituiu talvez
uma libertação: no ano seguinte conseguiu finalmente autorização do rei pa-
ra abandonar o Convento de Santa Clara de Santarém, onde era obrigada
a permanecer (não esqueçamos que fora feita freira praticamente à força),
passando a ter residência fixa em Lisboa no paço da Alcáçova. Segundo Da-
mião de Góis, o rei tivera informação, que entretanto se averiguou ser falsa,
de que D. Joana queria regressar secretamente a Castela. Também houve ru-
mores, quiçá sem fundamento, de que Fernando de Aragão, agora viúvo de
Isabel, a Católica, pretendia casar com ela, no intuito de fazer uma aliança
matrimonial que consolidasse a sua posição política em Castela, uma vez que
o trono deste reino cabia agora a Filipe, o Belo, duque de Borgonha, a não ser
que D. Fernando providenciasse um novo varão para suceder no trono dei-
xado vago pela sua defunta mulher2. No entanto, o rei de Aragão acabaria
por fazer um casamento igualmente vantajoso, com Germana de Foix, sobri-
nha do rei de França e uma das pretendentes ao trono de Navarra, que Fer-
nando anexaria em 1512. Para consternação das suas filhas (agora apenas
Joana, Maria e Catarina), que não aceitaram a substituição muito rápida da
mãe, uma vez que D. Fernando casou no ano seguinte ao da morte desta.
Quanto a D. Joana, deixada definitivamente em paz no que toca a jogadas
matrimoniais, acabou por ir ficando em Lisboa, onde, afastada da ribalta po-
lítica, levou uma existência apagada, ou pelo menos sem deixar grande rasto
documental. Quisesse D. Manuel providenciar-lhe uma vida mais folgada,
ou até tê-la vigiada, o certo é que Joana não mais parece ter abandonado
o paço do Castelo, exceto talvez para fugir à peste, que continuava a ser
a causa fundamental que obrigava as cortes a deslocarem-se.
E foi precisamente no final desse ano que a peste deflagrou em Lisboa,
no dizer de Damião de Góis «uma das mais bravas que houve», trazida no re-
gresso de Itália por uma das naus em que vinha a embaixada que fora prestar
obediência ao novo papa, Júlio II, chefiada por D. Diogo de Sousa. Este per-
sonagem, um dos homens mais cosmopolitas do reinado de D. Manuel I, foi

1 Isabel haveria de casar em 1526 com Carlos V, transformando-se em rainha de Castela


e imperatriz da Alemanha.
2 Azcona, 2007, pp. 239-243.

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O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

bispo do Porto e seria durante muitos anos arcebispo de Braga, até à sua
morte em 15321. A corte fugiu, tendo nascido o segundo filho rapaz do rei,
o infante D. Luís, em Abrantes no ano seguinte, em março de 1506.
Durante esse período, a nossa rainha também abandonou Lisboa. Preci-
samente em março estava em Óbidos, de onde escreveu à cidade do Porto
pedindo alimentos para abastecer o seu hospital. Seriam embarcados a partir
de Matosinhos e descarregados na enseada de Salir do Porto2. Cereais, mas
também trezentas a quatrocentas galinhas, um alimento fundamental na die-
ta hospitalar da época. Tratou-se sem dúvida de um pedido de exceção, que
acusa a perturbação económica que acompanhava os tempos de peste. Toda-
via, D. Leonor haveria de deambular por mais algum tempo pela zona da Es-
tremadura, onde sabemos que grande parte das suas terras se situavam. No
mês de maio seguinte esteve em Aljubarrota, em agosto em Leiria. No ano
seguinte, de 1507, estaria novamente nas Caldas da rainha e Óbidos, e, tal-
vez já de regresso à sua cidade favorita — Lisboa —, em Alenquer em no-
vembro. Só em 1508 a encontramos em Xabregas, a cuidar do segundo
maior projeto da sua vida, o Mosteiro da Madre de Deus, a cuja fundação
daremos atenção dentro em breve.
Regressava a rainha a uma cidade onde muita coisa se tinha passado para
além da epidemia: como se esta não bastasse, ocorrera em 1506, enquanto
sua mãe morria em Beja, o mais grave massacre aos judeus de que há memó-
ria na história de Portugal.
A peste continuava em Lisboa, e pagaram os cristãos-novos o preço pela
raiva dos que não podiam acompanhar a corte na sua fuga. Existem vários re-
latos da tragédia, mas o mais completo é sem dúvida o de Gaspar Correia,
que afirma tê-la presenciado3. O seu epicentro parece ter sido o Mosteiro de
São Domingos: as primeiras mortes dão-se no interior da sua igreja, onde
um cristão-novo duvida de um milagre que aí ocorrera nesse dia, Domingo
de Pascoela. Desencadeou-se nesse dia a matança, mas ao que parece o mas-
sacre foi reavivado na terça-feira por um frade dominicano que andou por
Lisboa com um crucifixo nas mãos incitando à matança, bradando: «aqui fi-
lhos pela fé de Jesus Cristo não fique nenhum destes judeus»4. A fúria popu-
lar causou a morte a um número de pessoas hoje impossível de calcular, mas

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte I, p. 229; Cunha, História, pp. 287-304.


2 Sousa, «Cartas», p. 141.
3 Correia, Crónicas, pp. 29-32. Afirma na p. 30: «em que sem dúvida eu que o vi afir-

mo que também padeceram morte muitos cristãos velhos» (destaque meu). Sobre este rela-
to, cf. Soyer, 1997b.
4 Correia, Crónicas, p. 31.

193
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

que se estima ter andado à volta de quase duas mil pessoas, cristãos-novos
achados pelas ruas e depois no interior de suas casas, pilhadas sem dó nem
piedade. E segundo Gaspar Correia também se incluíram entre os mortos
muitos cristãos-velhos1, vítimas de ajustes de contas ou simplesmente da his-
teria da população enraivecida. Durou o massacre pelo menos três dias. Con-
ta o mesmo cronista que só na quinta-feira «saiu da Sé uma mui devota pro-
cissão da misericórdia com muitos disciplinantes todos bradando /paz /paz,
com que se apagou de todo a dita matança»2. Esta informação, até agora ig-
norada pelos historiadores, constitui uma das indicações sobre a multiplici-
dade de funções que a Misericórdia de Lisboa, como sabemos uma das cria-
ções da nossa rainha, estava pronta a desenvolver. Desta vez um cortejo em
que os participantes se autoflagelavam, penitenciando-se pela desgraça que se
abatera sobre a cidade, e clamando pelo restabelecimento da paz.
O massacre, diga-se em abono da verdade, não foi desejado nem pelo rei,
ausente da cidade, nem pelas autoridades respetivas, que se viram impotentes
para conter a fúria popular. Tomou conhecimento do que se passava em
Avis, uma vez que ia a caminho de Beja, onde agonizava a infanta D. Beatriz
sua mãe. Abreviou a visita que lhe fazia em razão do sucedido, e a duquesa
morreu alguns dias depois. D. Manuel rumou a Lisboa, mas, sempre por
causa da peste, procurou resolver o assunto a partir de Setúbal, não ousando
visitar a cidade.
Dois frades que tinham andado pela cidade brandindo um crucifixo
ateando a ira do povo foram espoliados das suas ordens sacras e queimados.
Quanto aos habitantes de Lisboa, receberam também castigo por parte do
rei. Abrimos aqui outro parêntese para analisar um pouco este assunto.
É certo que dificilmente se poderia ter estancado a fúria popular: o panora-
ma traçado por Góis e Correia não esconde a impossibilidade de meios para
lhe pôr termo. Nem tão-pouco se podem omitir os benefícios «terapêuticos»
do massacre para o povo de Lisboa, amarfanhado pela peste que então gras-
sava na cidade. E por outro lado, é um facto que dificilmente se pode negar
que havia um suporte ideológico que transformava os cristãos-novos em víti-
mas da fúria popular. O próprio rei puniu não o massacre, mas a desobe-
diência à sua autoridade, uma vez que nunca se falou em restituir aos cris-
tãos-novos os seus bens e dignidade3. Se tomarmos o exemplo da nossa
rainha, basta recordar que muitos dos livros que possuiu e muito provavel-

1 Correia, Crónicas, p. 30.


2 Correia, Crónicas, p. 31.
3 Bethencourt, 2000, p. 53.

194
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

mente leu continham trechos anti-hebraicos. Como não podia deixar de ser:
os judeus eram, juntamente com os seguidores de Maomé, considerados os
grandes inimigos da cristandade. Não ao acaso o massacre ocorreu também
em tempo de Páscoa: vingar a morte de Cristo constituía a sua justificação
teológica, e era em tempos de penitência que a raiva popular eclodia mais fa-
cilmente. O clima anti-hebraico da cristandade ocidental, diga-se de passa-
gem, não mudaria com o luteranismo: Lutero escreveria violentos panfletos
contra os judeus, principalmente no fim da vida1.

6.10. A morte da mãe


E é aqui que mudamos de assunto, caro leitor, para falarmos da morte da
mãe da nossa biografada. Não que se saiba o efeito que a sua morte produziu
entre os filhos, mas porque com o desaparecimento de D. Beatriz era tam-
bém a Idade Média que se desvanecia mais um pouco. Morreu com a idade
de 77 anos, a acreditar no epitáfio que cobria a sua tumba, cujo texto ela
própria estabeleceu e ainda se pode ler na lápide: «Beatris fl.co (faleceu) na
era 1506 d idade de 77 anos.» O que significa que tinha visto muito na sua
vida: na sua juventude, assistiu à luta interina entre a fação do jovem rei
D. Afonso V e o seu tutor e regente D. Pedro, também tio dela. Casara com
o número dois na sucessão ao trono, o infante D. Fernando, e vira-o aumen-
tar a sua fortuna e influência. Constituiu uma das casas mais ligadas aos no-
vos territórios da expansão ultramarina, até porque o marido foi filho adoti-
vo e herdeiro do infante D. Henrique. Fora, juntamente com o marido,
a fundadora do primeiro mosteiro feminino da observância franciscana em
Portugal2. Morria agora perto dos oitenta anos, na sua vila de Beja, onde
mantinha uma entourage numerosa, parte corte, parte convento. Aí, a ligação
entre espaços de religião e espaços áulicos era completa, existindo passagens
nos edifícios que garantiam ligações entre uns e outros.
D. Beatriz enferma das mesmas ambiguidades que a filha também evi-
denciava: mulher riquíssima, patrocinadora de um convento que advogava
o despojamento total de bens terrenos e uma vida sem conforto para o cor-
po, de acordo com a ideologia veiculada pelo poverello de Assis e por Clara,
sua correspondente no género feminino. Não conhecemos o testamento, mas
o seu espólio foi objeto de minuciosa, embora confusa, inventariação levada
a cabo sob as ordens do seu testamenteiro, filho e rei D. Manuel I.

1 Lindberg, 1996, p. 370.


2 Belém, Chronica Seráfica, Parte II, p. 477.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

6.11. O espólio da infanta D. Beatriz


Caro leitor, permita-me agora o abuso de me deter, um pouco fora de
contexto, no abundante património móvel que a mãe da nossa rainha deixou
por sua morte. Trata-se de um devaneio sobre a cultura material desta época,
que às tantas o aborrecerá. Pode saltar este subcapítulo até ao seguinte; mas
se, pelo contrário, quer ter uma ideia de como viveu a mãe da nossa biografa-
da, fique comigo mais um pouquinho. É que, infelizmente, não existe qual-
quer documento parecido para a filha.
A 20 de março de 1507, estando em Tomar, o rei tomou providências
relativamente à fazenda que fora de sua mãe, dando instruções escritas a An-
tão de Oliveira para inventariar e dar destino aos bens deixados por D. Bea-
triz1. Pautava-se o rei quer por coisas que a infanta tinha deixado faladas,
quer por um testamento, hoje desaparecido (o que existe, erradamente con-
fundido com este, é a instituição da sua capela no mosteiro que fundou).
Mas nunca saberemos se D. Manuel o executou fielmente: os testamentos,
faziam lei entre os cristãos, e uma espécie de aura sagrada protegia as vonta-
des dos defuntos. No entanto, é também verdade que nem sempre o temor
a Deus chegava para as fazer cumprir. No caso do rei, por exemplo, vimos já
que não cumpriu integralmente as disposições exaradas no testamento de
D. João II. D. Manuel refere no texto sempre a vontade da mãe, que consis-
tiu em beneficiar os conventos e igrejas da vila onde morava e onde era du-
quesa, sendo que o mais generosamente agraciado foi naturalmente o seu
Convento de Nossa Senhora da Conceição de Beja. Não era este o primeiro
documento em que o rei se ocupava de fazer cumprir o testamento da mãe:
o texto começa por referir outro regimento anterior, entretanto desaparecido,
pelo que, mais uma vez, se trata de um episódio de que apenas conhecemos
fragmentos. Mas é no entanto um documento de valor incalculável para se
perceber em que consistia o espólio da infanta, e o tratamento de que foi ob-
jeto depois da sua morte.
Em primeiro lugar, registe-se o número de criados da infanta chamados
a entregar coisas que tinham à sua guarda, e em segundo as pessoas que acor-
reram a Beja para assistir à execução do testamento. Já referimos que o rei
encarregou Antão de Oliveira, escrivão da fazenda da infanta, de executar as

1 Segundo Maria Odete Martins, Antão de Oliveira era escrivão da fazenda da infanta

e provedor da capela que instituíra no Mosteiro da Conceição (Martins, 2004, vol. i,


p. 87).

196
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

suas ordens. Apareceram também em Beja o seu guarda-roupa, o poderoso


D. Álvaro da Costa1; a mulher do rei, a rainha D. Maria, fez-se representar
pela sua camareira Aldonça Soares. A nossa rainha, D. Leonor, não parece ter
enviado ninguém, mas agido por intermédio do rei seu irmão, que deu or-
dens concisas sobre aquilo que a ela dizia respeito. É que estas representações
tinham como objetivo adquirir algumas coisas do espólio da infanta que in-
teressavam a seus parentes.
Apraz registar uma vez mais a parceria do rei com a rainha D. Leonor sua
irmã: o rei dava instruções para que lhe fossem entregues os lençóis de olan-
da da infanta, que seriam vendidos, sendo o dinheiro da sua venda empregue
na compra de outros panos para o Convento da Conceição2. Eram para Leo-
nor também os retábulos da mãe, bem como os ramais de contas, que a rai-
nha viúva distribuiria depois pelas freiras que lhos pedissem. Seria para ela
também um frontal de veludo preto, feito com o pano que cobrira a sepultu-
ra do sobrinho condestável, D. Afonso, que, como sabemos, era filho natural
do duque de Viseu D. Diogo e morrera em 1504. Foi D. Leonor também
quem ficou com quatro das oito escravas do sexo feminino da mãe. No en-
tanto, os objetos mais singulares que ficaram para a rainha foram sem dúvida
as 51 peças de licorne, cuja receita arrematou3. Caro leitor, expliquemos um
pouco melhor este assunto, porque é confuso. O licorne era uma criatura
mágica, semelhante a um cavalo, de cor branca, e com um longo chifre no
meio da testa. Esquiva, porque só se refugiava no regaço de uma rapariga
virgem. Do ponto de vista simbólico, representa o poder da pureza, e, na
iconografia cristã, podia representar a Virgem fecundada pelo Espírito San-
to. Esta fantasia materializou-se no entanto no chifre branco de vários ani-
mais (prestando-se obviamente a todas as falsificações), entre os quais
o narval. O seu pó moído constituía um contraveneno, e foi usado longa-
mente na farmacopeia ocidental. Era também um poderoso remédio contra
dores de cabeça e outros males do corpo: entendemos agora porque a nossa
rainha, cronicamente doente, se sentisse tão dependente desta substância.

1 D. Álvaro da Costa foi um dos personagens mais interessantes da corte de D. Manuel.

Benfeitor importante do convento dominicano feminino de Nossa Senhora do Paraíso, em


Évora, onde foi sepultado, foi também provavelmente dos primeiros provedores da Miseri-
córdia de Lisboa. Cf. Frazão, 1998, p. 57. Foi também o negociador do terceiro casamento
de D. Manuel I com Leonor de Áustria (Buescu, 2007, pp. 110-113).
2 A olanda era um pano inicialmente importado da Holanda, que se tornou sinónimo

de tecido de linho, desde o fino ao da roupa de cama.


3 Freire, «Inventário da infanta», p. 110. Por se tratar de uma grande quantidade de

«licorne», fiz o confronto com o original manuscrito, e confirmou-se a leitura efetuada por
este autor (IAN/TT, Núcleo Antigo, n. 775).

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Que haveria de resto de adquirir por outras vias, sempre por generosidade do
irmão: em 1514, D. Manuel ordenava ao seu tesoureiro que lhe entregasse
duas onças de licorne1.
Só uma ausência nos espanta na execução deste testamento: a de Isabel,
duquesa viúva de Bragança, que não aparece em parte alguma nesta fonte.
Adiante teremos ocasião de referir que era a mais pobre dos três irmãos, viú-
va, mas com filhos homens adultos. Em todo o caso, também filha da du-
quesa defunta, mas ao que parece sem direito a nada do que tinha ficado por
morte da mãe. Esta inferioridade perante os seus dois irmãos, um rei e a ou-
tra rainha, será de resto uma das marcas constantes desta relação desigual.
Muitos, em contrapartida, foram os beneficiados. Em primeiro lugar ins-
tituições e pessoas eclesiásticas: igrejas e mosteiros não apenas de Beja, mas
de outras vilas e lugares. A parte de leão, no que toca a alfaias religiosas, obje-
tos de uso doméstico e o equipamento e ingredientes da botica, foi para
o Mosteiro da Conceição. Entre as instituições religiosas de Beja, os conven-
tos: o Mosteiro de Santo António, o de São Francisco, e o de Santa Clara.
E as igrejas de Santa Maria da Feira, a de Salvador, São João, Santiago e San-
ta Maria das Neves. Igrejas também distantes de Beja, como Santa Maria das
Relíquias (Odemira), São João de Tarouca ou igreja do Milagre de Santarém
em memória da irmã da infanta, D. Filipa2. Mas também algumas pessoas li-
gadas a D. Beatriz: mestre Miguel, seu confessor e pregador, D. Joana de
Noronha, viúva do neto condestável D. Afonso (filho natural de Diogo du-
que de Viseu), designada por «condestabresa», que ficou com dois gatos-de-
-algália e um dos dois papagaios da infanta, o de cor parda3; e a sua criada
Leonor Pereira, que a servia no guarda-roupa. Foi esta última a principal be-
neficiária não eclesiástica da infanta. Recebeu uma arca encoirada, roupa de
corpo, — alguma da qual pertencera à sua falecida ama —, tecidos em bruto
(bretanha, londres, menim e olanda4), colchões, roupa de cama (cobertor,
lençóis). Mas também substâncias de valor comercial óbvio, cuja venda a po-
deria transformar numa mulher remediada: 7,5 quilos de açúcar, meio arrátel
de canela e outro meio de cravo, um arrátel de pimenta e três arráteis de tâ-
maras (um arrátel = 459 gramas).
Espanta-nos a constante reciclagem dos materiais, visível na maneira co-
mo panos de sepultura eram transformados em frontais de altar ou as roupas

1 IAN/TT, CC-I-15-96 [1514.7.27, Lisboa].


2 Freire, «Inventário da infanta», p. 86.
3 Freire, AHP, vol. ix, Lisboa, 1914, p. 98.
4 Os tecidos de importação eram designados pela sua região de origem. (Ferreira,

1983, pp. 107-131).

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O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

da infanta em vestes litúrgicas. A maior parte das peças em tecido foram rea-
proveitadas ou feitas de novo por vários alfaiates a mando de D. Manuel, de
modo a beneficiar todas as igrejas e capelas da intenção de D. Beatriz.
O mesmo se fez com as peças de vestuário a distribuir pelos criados da infan-
ta, usando para tal os numerosos tecidos que a mesma tinha guardados. Cu-
riosamente, apenas um dos alfaiates, de seu nome Luís Gomes, confecionava
peças litúrgicas, o que não nos espanta pela sacralidade destes objetos. Ainda
no século xviii os estatutos das confrarias de ourives do Porto requeriam lim-
peza de sangue aos seus membros, justificando que manuseavam objetos sa-
grados1.
Repare-se também na invasão de panos da Índia, passados que estavam
apenas escassos anos do regresso da primeira viagem marítima de Vasco da
Gama. Sedas na sua maior parte, utilizadas sobretudo no fabrico de para-
mentos; tecidos de pano de seda, almofadas e outras coisas que serviam em
casa de D. Beatriz seriam transformadas num pálio, que seria entregue na
Igreja de Nossa Senhora da Feira de Beja; do que sobrasse far-se-ia uma capa
e um frontal que viajariam para longe, para a remota região do Douro (sua
senhoria manifestara vontade de os dar ao Convento de São João de Tarou-
ca, por razões desconhecidas). A botica, que estava nas casas da Senhora, não
seria mexida, mas entregue ao Convento da Conceição, ao qual a tinha dei-
xado por testamento.
O rei ordenava também obras no mosteiro: ladrilhar o chão de várias di-
visões, fazer um muro nos limites do convento suficientemente alto para as
freiras não serem olhadas de fora; arranjar o quintal da duquesa onde se en-
contravam as «necessárias» (retretes); consertar propriedades de vizinhos que
tinham ficado danificadas com a construção do convento. Ficamos a saber
também que o rei dera à mãe duzentos mil réis antes da sua morte, destina-
dos a pagar a madeira do dormitório do convento, que entretanto seriam
gastos no pagamento de algumas destas obras. Era também preciso arranjar
uma pedra tumular a colocar sobre a sepultura de D. Beatriz, que tivesse os
dizeres por ela estipulados. As casas que possuía na vila seriam vendidas, com
exceção daquela em que habitava o seu cozinheiro-mor, de seu nome Frolen-
tim, autorizado também a ficar com o açúcar que estivesse na sua posse.
Era também na execução do testamento que se deviam pagar dívidas
pendentes da defunta. A maior parte delas irrelevante (Beatriz era tudo me-
nos insolvente), mas algumas já antigas, como uma de fruta importada de
Castela que remontava a quase dez anos atrás.

1 Morais, 1995, p. 129.

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LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Ficamos a saber também que D. Beatriz cumpria as suas obrigações de


caridade para com os pobres. Duas enjeitadas estavam em sua casa, provavel-
mente crianças mais velhas que já não precisavam de ser amamentadas, e ou-
tras estavam a criar na vila, entregues a amas de leite. O pagamento, como
frequentemente sucedia, era pago aos respetivos maridos. De Abrantes, em
junho, o rei mandou comprar amêndoas e passas para os pobres doentes da
vila, embora neste caso concreto se confunda a vontade da mãe com as esmo-
las do filho D. Manuel. Nada que não viesse prescrito nos livros de devoção
que a infanta possuía. Entre eles, um breviário em pergaminho, com a divisa
da infanta, avaliado em doze mil reais, que daria, ao preço da época, para
comprar 480 capões...1

O documento segue com um inventário dos haveres de D. Beatriz, à me-


dida que os seus criados e criadas iam dando conta das coisas que tinham na
sua posse. Trata-se de um impressionante rol de objetos, que contém infor-
mações preciosas acerca da cultura material da época. Em primeiro lugar os
vidros. Hoje o vidro é banal, mas na altura a sua posse evidenciava um nível
de riqueza elevado, uma vez que os centros de produção eram relativamente
raros2. No espólio da infanta havia objetos de vidro de várias formas e feitios,
alguns em pasta leitosa, mas outros «cristalinos», isto é, em vidro transparen-
te. O número de peças andaria pela centena e meia, entre infusas, taças, escu-
delas, púcaros, jarros, copas, etc.3.
Em segundo lugar, a botica da infanta merece algum destaque, embora,
na modesta opinião da vossa autora, esteja à espera de um estudo especializa-
do, por alguém que perceba da farmacopeia da época. Além dos recipientes
— de que falaremos um pouco adiante —, o rol interessa sobretudo pela
enumeração de substâncias. Muitas delas correspondem a coisas que hoje
identificamos como simples alimentos: ameixas em conserva, mel rosado
coado, geleias ou compotas (arrobes) de marmelos e de amoras, várias quali-
dades de açúcar, um barril de madeira cheio de atum, cinco queijos que se
destinavam ao Mosteiro de Jesus (supõe-se que seja o de Setúbal, de que falá-
mos antes neste capítulo) e conservas de frutas (de abrunhos, pêssegos, pe-
ras). Mas também inúmeros xaropes (de rosmaninho, avenca, de mel, de

1 Ao preço de 25 reais por capão em Lisboa, no ano de 1504, indicado por Lobo,

1904, p. 548.
2 Não obstante, havia vários centros de produção em Portugal, a ponto de se protege-

rem as florestas contra a delapidação das madeiras, cuja combustão era essencial no processo
de produção.
3 Freire, «Inventário da infanta», p. 67.

200
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

marmelo), óleos (de raposa (?), de hortelã, de laranja, de avenca, de louro


e tartaruga), água de erva cidreira. Fica-nos a suspeita de que as freiras, obri-
gadas pela regra a comer frugalmente, tinham de pretextar males do corpo
para se dedicarem aos prazeres da boa mesa...
Mais à frente no inventário, temos as especiarias e outras substâncias exó-
ticas, sem que seja muito claro se se destinavam à cozinha ou à botica. A sua
quantidade e variedade, em todo o caso, são impressionantes: canela, cânfo-
ra, cardamomo, cravo, gengibre, malagueta, noz-moscada, pimenta, sândalo
e tamarindo.
A casa da infanta assumia também o caráter de um armazém de panos
que iam sendo talhados à medida das necessidades, para todos os usos do-
mésticos, desde o vestir dos seus criados à armação das camas (inteiramente
revestidas por panejamentos, com cortinas a toda a volta), passando pelas
mesas, paramentos litúrgicos, etc.
O processo de testamentaria envolvia também despesas. Várias pessoas
acorreram à vila, entre as quais o conde de Tentúgal. Por outro lado, foi ne-
cessário enviar pessoas com recados e coisas ao rei (que também as tomou de
sua mãe), que se encontrava em Tomar, e depois em Abrantes. A seguir à
execução do testamento, os Viseu-Beja parece terem votado a cidade ao
abandono, uma vez que nenhum deles lá residia. Os três filhos ainda vivos da
defunta moravam todos em Lisboa, sempre que a cidade estava desimpedida
pela peste, e pouca atenção prestaram a Beja, agora que o património móvel
da infanta D. Beatriz tinha sido distribuído pelos seus herdeiros e compra-
dores.

Por esses anos o reino mudava rapidamente, inchado pelo afluxo de mer-
cadorias à Casa da Índia. Foi então que o rei construiu um novo paço na Ri-
beira da cidade, tendo precisamente o armazém da mesma Casa no rés-do-
-chão do edifício, secundarizando o antigo paço da Alcáçova, onde, como
vimos, a Excelente Senhora tinha assentado arraiais. D. Leonor parece ter
continuado a residir no seu paço de São Bartolomeu, não abandonando
a parte alta da cidade. O mesmo veneziano cujo relatório de espionagem já
citámos, Lunardo Masser, começava por afirmar que a cidade de Lisboa era
a maior do reino e aquela onde o rei passava a maior parte do tempo, e que
não havia nenhuma outra cidade em Portugal que se lhe comparasse em
grandeza. Mas as suas construções não bastavam ao nosso espião, habituado
ao hiperluxo veneziano: achou o novo paço da Ribeira, ainda inacabado, «de
pouca despesa, com uma fábrica muito baixa, e com pouco desenho, e pobre

201
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

[povera, referindo-se à fábrica]»1. Se cito este testemunho, caro leitor, é para


lhe evitar o erro de cair em provincianismo. Por muito rico que o reino se ti-
vesse tornado, por muito próspero que fosse o momento que atravessava,
é bom lembrar que Portugal estava longe da sofisticação estética que caracte-
rizava a Itália nesses anos. É bom que o recordemos, porque a destruição de
Lisboa pelo terramoto de 1755 (que destruiu também este novo palácio da
Ribeira) nos pode induzir na tentação de comparar Lisboa às grandes cidades
da época em termos culturais, como Roma, Florença ou Veneza. Mesmo na
sua época de ouro, Portugal continuou a ser um reino de modestas realiza-
ções artísticas e culturais.
Não escapou a Lunardo Masser a influência política do secretário Antó-
nio Carneiro, a quem o rei confiava as coisas de importância e segredo, não
obstante tivesse outros secretários2. O modo de comer à mesa continuava
a ser o mesmo que notámos para D. João II: o rei tinha muitos camareiros,
jovens fidalgos, de idades entre os 14 e os 20 anos, designados «moços de câ-
mara». Eram em número de oito a dez a servi-lo à mesa; na mesma sala onde
o rei comia estavam presentes os seus «grandes», que esperavam que acabasse
de comer para o acompanhar à sua câmara. Sugeria o veneziano a falta de so-
lenidade da etiqueta de corte: «não são muito graves nem cerimoniosas as
suas coisas [do rei], é muito familiar e doméstico com todos»3. Discorria
também acerca do duque de Bragança, maior duque do reino; e também
acerca do segundo em importância, o nosso já conhecido D. Jorge, bastardo
de D. João II:

«El segondo duca se chiama Don Zorzi, duca de Cui[m]bra, fu fiolo na-
turale del Re Don Zuane, benché el qual pretendeva succedere questo regno,
et sperava di esser Re; aspetava le sue bolle da Roma avanti morir el Re Don
Zuane suo padre, per farlo ligittimo ma come credo ch’el sia noto quanto sia
stà perseguitato suo padre, Re Don Zuane, per farlo morir, da tutti li grandi
di questo regno, et più sui privati, tra li quali ultimamente non se poté def-
fendere, fo toxicato a termene; però restò questo Duca cum pocho favore, il
quale è de età de anni 22 vel circa, et è de debile complexione et mal sano.»4

1 Chambers, 2000, p. 37.


2 António Carneiro começou a sua carreira nos anos 80 do século xv, ainda na corte de
D. João II. Foi personagem importantíssima da corte de D. Manuel I, e transmitiu a posi-
ção de secretário ao filho, Pedro de Alcáçova Carneiro, que haveria de ser feito conde de
Idanha por D. João III.
3 Chambers, 2000, p. 39.
4 Chambers, 2000, p. 40.

202
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

Já sabíamos que os rumores de envenenamento do rei D. João circularam


com insistência na época, e o veneziano não fez mais do que os reproduzir,
embora este testemunho seja pouco citado pelos nossos historiadores. A no-
vidade deste texto consiste no entanto em dizer que o próprio Jorge queria
ser rei, quando na verdade ninguém refere essa ambição. Nem tão-pouco se
pode dizer que o jovem duque tenha usufruído de «pouco favor»: embora as
suas hipóteses de sucessão lhe tivessem sido cortadas, o certo é que mesmo
assim continuou a usufruir de um lugar proeminente até à sua morte em
1550. Como vimos, usufruía de um tratamento condigno ao seu estatuto de
filho de rei1.
Outro homem poderoso, na opinião de Masser, era o arcebispo de Bra-
ga, que, embora recebendo menos mil ducados de renda que o de Lisboa,
que recebia dez mil, vivia em Roma, onde era embaixador junto do papa,
e era muito «privado» do rei. Estava a falar do cardeal Alpedrinha. No en-
tanto, caro leitor, desengane-se um pouco quanto à verdade destes comen-
tários: os testemunhos de estrangeiros valem o que valem, embora acresça
a Masser uma responsabilidade de espião, diferente da do simples relato de
viagens, muitas vezes impreciso ou narrando acontecimentos desfocados
pelo tempo. Em contrapartida, para Masser, ser útil nas informações que
prestava aos seus mandantes em Veneza constituía uma exigência de ofício.
Daí que estivesse particularmente atento aos modos de agir de D. Manuel
e quisesse informações seguras sobre quem eram as pessoas que se lhe se-
guiam em importância.
Outras informações, extraídas dos diários de Marino Sanuto pela mesma
altura, permitem perceber que alguma importância era dada à irmã do rei
nos meios internacionais: um apontamento referente a janeiro de 1503 anota
a sua presença na corte e o bom tratamento que reservou a um veneziano
que aí tinha sido recebido pelo rei: «Item, [sier Alvise da Prioli] ave ivi gran
franchisia, ben visti li nostri; e la raina sua sorella, fo moglie del re Zuane, fa
Bona ciera a’ venitiani.»2 Não era uma informação inócua, uma vez que fazia
parte do trabalho diplomático saber com quem se podia contar em caso de
eventuais negociações. D. Leonor, portanto, era uma figura simpática aos
olhos dos Venezianos. Sinal também de que, ao contrário dos anos posterio-
res, a rainha ainda se dava ao trabalho de frequentar a corte do rei seu irmão.

1 Ver capítulos iv e v.
2 Sanuto, I Diarii, vol. iv, coluna 621.

203
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

6.12. O hospital das Caldas


Os primeiros anos do reinado do irmão foram fundamentais para apoiar
os projetos da nossa rainha, e é deles que falaremos em seguida. Comecemos
pelo mais antigo, que já vinha desde os anos 80 do século anterior: o hospital
das Caldas. Situado nas terras de D. Leonor, continuava tranquilamente
a crescer, e com ele a nova vila a que dera origem.
Ao que tudo indica, antes da ascensão de D. Manuel ao trono, os esfor-
ços fundacionais tinham cabido à rainha, e sido promovidos junto do rei
D. João II, como vimos no capítulo iii. Só mais tarde a rainha tentou sedi-
mentar a instituição junto do papa, e criar-lhe bases económicas que lhe per-
mitissem sobreviver depois da sua morte. É desse processo que falaremos
agora, tentando inserir a fundação do hospital num padrão relativamente co-
mum para a época. Ou seja, a autorização legal (é disso que falamos quando
mencionamos a intervenção papal) vinha rematar uma realidade já efetivada.
Vinha depois e não antes, como sucedia com tantas iniciativas de leigos em
matéria religiosa. Vimos já que o hospital, mais do que uma instituição voca-
cionada para a saúde do corpo, se destinava à saúde da alma, primazia que
o seu compromisso reforçaria. Como só foi confirmado mais à frente, em
1512, trataremos dele no capítulo seguinte.
Como dissemos, nos anos 90 o principal esforço de D. Leonor concen-
trou-se em torno da obtenção das indispensáveis bulas que podiam atrair
fiéis ao hospital e aumentar o seu prestígio junto deles. Alexandre VI, o papa
Bórgia e mago da chancelaria papal (como vimos no capítulo anterior, devia
a sua escalada a uma boa gestão dos lucros desta última), concedeu vários
privilégios ao hospital de que daremos em seguida conta, uma vez que a rai-
nha ordenou num prazo relativamente curto que fossem traduzidas e postas
a circular. Não sabemos, no entanto, se estas bulas lhe custaram algum di-
nheiro, embora tenha sido, com toda a certeza e como vinha sendo hábito,
o cardeal D. Jorge da Costa a agenciar a sua concessão junto do papa.
A mais antiga é de setembro de 1496 e concedia sete anos de perdão aos
penitentes que visitassem, devidamente confessados, a Capela de Nossa Se-
nhora do Pópulo nas festas da Epifania (6 de janeiro), Anunciação (25 de
março) e Assunção de Nossa Senhora (15 de agosto)1. Ao que tudo indica, já
existia a capela que mais tarde viria a dar origem à igreja da mesma invoca-
ção, em que podemos discernir mais uma afinidade com o cardeal Alpedri-

1 Gomes, 1994a, p. 96.

204
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

nha, D. Jorge da Costa, que se faria sepultar na Igreja de Santa Maria do Pó-
pulo, em Roma1.
Na segunda bula, datada de 1 de junho de 1497, pode ler-se:
«Ordenamos que todos e cada uns dos fieis cristãos homens e mulheres
que daqui em diante para sempre em quaisquer tempos em o dito hospital
morrerem posto que lhe não deixem coisa alguma, como os moradores em
o dito reino de Portugal e em quaisquer dos outros senhorios ao dito reino
sujeitos que fora do dito hospital morrerem e em suas últimas vontades, ou
em outra qualquer maneira, ao dito hospital dos bens que lhes Deus deu, al-
guma coisa piedosamente derem, ou deixarem, segundo suas faculdades, pos-
sam ganhar em o artigo da morte plenária remissão de todos seus pecados,
dos quais forem verdadeiramente contritos e por boca confessarem, contanto
que eles persistam em pureza de fé e unidade da santa igreja de Roma e na
obediência e devoção nossa e de nossos sucessores bispos de Roma que cano-
nicamente entrarem.»2

Ou seja, os que morressem no hospital, quer deixassem bens ou não, ti-


nham indulgência plenária; os que morressem fora dele, quer em território
português ou nos seus domínios (de realçar esta referência aos territórios ex-
traeuropeus), tê-la-iam caso lhe fizessem doações ou legados.
A capela do hospital seria no entanto transformada em igreja paroquial,
para o que necessitava de torre sineira e de pia batismal, dois requisitos es-
senciais a este tipo de igrejas. Sucedeu um pouco mais tarde, quando se con-
seguiram as autorizações papais necessárias3.
Em 1503, a rainha comprou as jugadas (imposto pago por cada jugo de
bois) de Óbidos, Aldeia Galega a par da Merceana e Aldeia Gavinha ao rei,
em satisfação de seu dote, o que leva a crer que trinta anos depois do seu
contrato de casamento ainda não tinha sido pago.... Era esta uma compra de
rendimentos destinados ao hospital, uma vez que D. Leonor comprava na
prática um imposto devido ao rei (a jugada era um imposto pago pelos lavra-
dores que tinham, como o próprio nome indica, um jugo de bois)4. Cinco
anos depois, em 1508, tratou a rainha de os doar para sempre ao seu hospi-
tal, num documento que diz muito acerca das intenções da rainha ao fundá-
-lo. Destinava-se a servir, por esta ordem, Nosso Senhor, a Virgem sua mãe,
e a salvação da sua alma. Nele se cumpririam as obras de misericórdia e pie-
dade. Nada devia faltar aos doentes: comida, mezinhas, instalações para eles

1 Silva, 1985, pp. 26-27.


2 Gomes, 1994a, p. 93.
3 Silva, 1985, p. 26.
4 Chartularium, pp. 85-86.

205
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

e para os servidores do hospital, com a devida separação entre homens e mu-


lheres. E muito menos os cuidados da alma: missas diárias, sacramentos da
confissão e comunhão, para os quais sempre haveria um vigário e três cape-
lães. Para a obra perdurar no tempo, depois do seu «passamento», doava ago-
ra as rendas que tinha obtido por compra ao seu irmão, que deviam no en-
tanto conservar o seu caráter profano. Nunca o arcebispo de Lisboa, diocese
onde se encontravam estes territórios, se imiscuiria nestes bens e rendas, de-
vendo circunscrever-se à visitação da igreja do hospital1.
Desta vez, temos indicações de que a rainha continuava a dar-se estreita-
mente com D. Jorge da Costa, o cardeal Alpedrinha, o mesmo que se supõe
ter trabalhado no início dos anos 1490 contra a legitimação de D. Jorge, fi-
lho bastardo do rei D. João II. De Alenquer, onde se encontrava, a rainha es-
creveu algumas instruções a um tal Diogo Dias, bacharel, que estava de par-
tida para a corte de Roma. Confirma esta carta que o cardeal mediava as
relações de Portugal com o papa. Uma das primeiras coisas que o bacharel
devia fazer era precisamente apresentar ao cardeal o rascunho do regimento
do hospital, coisa muito especial «que há de ficar por nossa memória». Alu-
dia-se ao facto de o cardeal ter já participado anteriormente na preparação do
regimento, que agora era suposto finalizar. Assim como agenciar o envio de
uma bula ou breve papal de confirmação, repleta de «excomunhões e pragas»
a quem criasse obstáculos ao hospital. O resto da carta intercedia a favor de
nomeações de vigários de igrejas do padroado da rainha, mas pedia também
que o cardeal providenciasse no sentido de obter uma licença para «segundo
nossa devoção nos bem parecer, uma freira honesta que possa estar em nossa
casa e rezar connosco»2. Ou seja, a rainha queria que a ajudassem a cumprir
as suas obrigações devocionais a domicílio, mesmo que fosse necessário reti-
rar uma religiosa da clausura para o fazer.
Em vida da rainha, as pessoas que trabalharam no hospital, incluindo
o seu vedor e provedor, saíram sempre da sua casa. O primeiro oficial encar-
regue dos banhos foi Álvaro Dias Borges. Os seus dados biográficos são teste-
munho do tipo de redes de relações estabelecidas na Casa de Beja-Viseu. Era
um abastado homem de negócios e proprietário de terras na ilha da Madeira,
pertencera à casa do infante D. Fernando (pai da rainha, falecido em 1470)
e exercia agora atividade de prestamista, conhecendo-se-lhe até um emprésti-
mo de 20 mil reais a D. Leonor. Em tempos, emprestara também dinheiro

1 Carta de D. Leonor escrita no Lavradio em 1508.12.29, in Sousa, «Cartas»,


pp. 155-158.
2 Sousa, «Cartas», pp. 149-151 [1507.11.23, Alenquer].

206
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

ao seu defunto marido, aquando do casamento do príncipe D. Afonso. Era


também, à semelhança da infanta D. Beatriz e sua filha D. Leonor, um pro-
prietário de escravas brancas, de origem norte-africana1.

6.13. Os africanos, os Loios, o rei D. Manuel e D. Leonor


Contemos agora a história dos congoleses em Lisboa. Sabemos já que ti-
nham começado a chegar ao reino na sequência das viagens de Diogo Cão,
e que o rei D. João II os tinha tratado com todas as honras devidas aos em-
baixadores de cortes estrangeiras2.
Morto D. João II, o rei D. Manuel continuou a enviar emissários seus
à África negra, sempre com o duplo intuito de fazer negócios e aumentar
a cristandade.
Em 1504, segundo conta Damião de Góis, D. Manuel enviou ao Congo
letrados e mestres de ler e escrever, e outros para ensinar cantochão e a tocar
órgão, ou seja, música de igreja, juntamente com tudo o que era preciso para
o culto divino: vestimentas de brocado e seda, cruzes, cálices e turíbulos.
Muitos filhos e parentes dos reis e senhores congoleses vieram nessa altura es-
tudar para o reino de Portugal, tendo sido repartidos por mosteiros e casas
de pessoas «doutas e religiosas». Mas haveria outras viagens ao Congo com
intuitos semelhantes.
Conhecemos bem as intenções de D. Manuel ao enviar missões ao rei do
Congo. Chegou até nós uma cópia de umas instruções dadas ao capitão de
uma delas, Simão da Silva, datadas de 1512, ano em que enviou também
a carta de armas ao seu rei3. Continuaria a vinda de africanos para Portugal:
D. Manuel solicitava a vinda de até dúzia e meia de moços, dos 14 aos 15
anos, fidalgos e com melhor disposição e jeito para aprender, continuando
assim a experiência iniciada pelo rei seu antecessor, e na qual se pode ver tal-
vez uma marca da influência da rainha D. Leonor. Os rapazes do Congo vi-
nham a Lisboa aprender tanto a doutrina como a escrita, e era suposto mui-
tos deles voltarem à sua terra de origem, devidamente transformados pela
cultura cristã e portuguesa.
Uma figura fundamental sobressai neste processo de aculturação dos afri-
canos: D. Pedro, embaixador do Congo em Lisboa, que já se encontrava em
Portugal desde os primeiros contactos, sendo referido em documentos emiti-

1 Gomes, 1994a, pp. 31-32 e 44-46.


2 Ver cap. iii, p. 117.
3 IAN/TT, Leis e Regimentos, maço 2, n.o 25 (1512).

207
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

dos por D. João II, em 14931. Seria nomeado em documentos posteriores,


sempre testemunhando o seu papel fundamental como elo de ligação entre
Portugal e a sua cultura de origem. Era tio do rei do Congo, D. Afonso,
e chegou a ir a Roma prestar obediência ao papa em nome do sobrinho, nu-
ma armada que saiu de Lisboa em agosto de 15122. Não restam dúvidas so-
bre a proximidade desta figura em relação à rainha: dados recentemente le-
vantados permitem situar a sua morte no hospital das Caldas, para onde
tinha ido ao encontro de D. Leonor3.
A apoteose de todo este processo ocorreu quando o rei D. Manuel conse-
guiu que o papa fizesse bispo um destes africanos. Chamava-se D. Henrique,
e era filho de D. Afonso, rei do Congo. D. Pedro, referido como embaixador
do Congo em Lisboa, foi encarregue de o acompanhar a Roma. Ambos pres-
tariam obediência a sua santidade, e a viagem seria paga a expensas do rei de
Portugal.
No reino, os africanos trazidos do Congo eram tratados com as honras
devidas aos amigos e aliados. Eram vestidos dos pés à cabeça, com roupas se-
melhantes às dos cortesãos e outros servidores da corte, o que contrastava
com a indumentária fornecida aos simples escravos negros que varriam o pa-
ço, muito mais pobre4. O ato de vestir alguém com roupa doada pelo senhor,
neste caso o rei, tem sido visto como um procedimento de incorporação,
uma forma mnemónica de inscrever obrigações e dívidas no próprio corpo,
isto é, de associar pessoas a instituições, sendo portanto interpretado como
um ato de investidura5. No caso dos congoleses, sabemos que o hábito de
vestir à europeia passou para o Congo, onde, nos meados do século xvii,
constituía sinal de status6.
Os congoleses parece terem sido bem tratados, e nunca confundidos com
escravos; não são designados por «reféns», conforme ocorre com vários casos
de estrangeiros na corte portuguesa. A situação é tanto mais interessante por-
quanto sabemos já existir uma forte presença de escravos africanos negros em
Portugal, extensiva não só à cidade de Lisboa e Évora, onde a corte estancia-
va prolongadamente, mas também ao resto do reino7.

1 IAN/TT, CC-I-2-34 [1493.7.18, Torres Vedras]; CC-I-2-103 [1493.12.10, Lisboa].


2 BA, Cód. Ms. 51-V-69, fl. 219.
3 Rodrigues, 2009, p. 44.
4 Veja-se, a título de exemplo, as roupas dadas aos varredores do paço em IAN/TT, CC-

-I-15-109 [1514.8.12, Lisboa].


5 Jones & Stallybrass, 2000, pp. 1-33.
6 Thornton, 1998, p. 231.
7 Sobre este tema, cf. Saunders, 1982; Fonseca, 2002 e 2005, pp. 113-121; Lahon,

2005, pp. 261-279.

208
O MEU IRMÃO É REI (1496-1510)

Depois desta vaga inicial de congoleses em Portugal, solicitava D. Ma-


nuel, como vimos, a vinda de rapazes entre os 14 e os 15 anos, num número
que podia ir até dúzia e meia. Não sabemos se alguma vez foram enviados
tantos de uma só vez; dos congoleses em Portugal no tempo de D. Manuel
pouco mais dispomos por ora do que algumas informações esparsas contidas
em alvarás de vestiaria. Outras informações, de que estariam a ser educados
entre os Loios, são aventadas por alguns historiadores, ainda que pouco do-
cumentadas1. Assim, em 1514 seriam pelo menos seis os congoleses presentes
na corte do rei. Um filho do próprio rei D. Afonso de Manicongo, de seu
nome D. Francisco, e seus dois primos D. João e D. Afonso. E ainda um ter-
ceiro primo, D. Rodrigo, que estava para regressar à sua terra. E sobretudo,
D. Henrique, o nosso bispo africano, a quem foi dada roupa de cor azul e se
encontrava não na corte mas no «estudo». Provavelmente confirma-se a esta-
dia nos Loios apenas para este caso, uma vez que estes últimos eram também
conhecidos por cónegos azuis. Henrique seria nomeado bispo de Útica a ins-
tâncias do rei D. Manuel, depois de alguma hesitação papal na nomeação
respetiva2.
Mas será errado depreender das boas intenções do rei o sucesso da sua
iniciativa pedagógica. Para além de as vidas de alguns destes congoleses se
perderem nas viagens do Congo a Portugal, a sua aprendizagem parece não
ter dado grandes frutos. Em 1517, o rei D. Afonso mostrava-se desconsolado
porque D. Manuel lhe tinha escrito numa sua carta que nenhum proveito se
seguia do ensino dos congoleses em Lisboa; respondia o rei congolês que não
permanecessem juntos e fossem espalhados pelo reino «de maneira que não se
vissem uns aos outros por essas casas de religião»3.
Os Loios eram vizinhos da rainha no seu paço da freguesia de São Barto-
lomeu, e sempre D. Leonor deu mostras de uma colaboração estreita com os
respetivos cónegos. Não se esqueça que o seu grande amigo, o cardeal D. Jor-
ge, tinha também inaugurado a sua carreira eclesiástica nos Loios. Fora daqui
que partira para Roma de onde não mais tinha voltado, e tanto a igreja como
o convento conservavam a memória das obras que neles tinha empreendido.
Fora de resto numa Capela de Nossa Senhora, mandada construir pelo car-
deal, que se tinha sepultado a infanta D. Catarina, irmã de Afonso V e tia da

1 A maior parte destes apoiam-se numa crónica da ordem, embora os documentos em

que o respetivo autor se baseia nunca tenham sido encontrados. Cf. Santa Maria, O Céu
aberto..., pp. 256-270.
2 IAN/TT, CC-I-15-110 [1514.8.14, Lisboa]. D. Henrique regressou ao Congo, sendo

já falecido em 1539 (Manso, 1877, p. 71).


3 Manso, História, pp. 43-44.

209
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

nossa rainha, de que o cardeal, seu antigo precetor, tinha ficado por testa-
menteiro1. Era portanto mais um espaço religioso onde se cultivava uma re-
lação estreita com a família real. A rainha considerava o cartório do convento
como seu, uma vez que várias escrituras que diziam respeito a coisas suas aí
foram depositadas. Os negrinhos que vieram para Lisboa foram também
educados no convento dos Loios.
Mas havia também outras facetas dessa ligação entre as figuras da família
real e da corte e os cónegos de São João Evangelista. A congregação parece
ter admitido também leigos, considerados seus irmãos pelas benfeitorias efe-
tuadas à ordem. Um livro de atas da congregação lista os seus nomes em
1498: o da rainha D. Leonor lá está, logo a seguir ao seu irmão D. Manuel
e sua mulher (primeiro D. Isabel e depois D. Maria) juntamente com outros
fidalgos e mulheres designadas por «beatas». Entre estes, um nome particular-
mente significativo: o senhor D. Álvaro, o único dos quatro irmãos Bragança a
sobreviver à conjura de 1483. Significa que todas estas pessoas seriam para
sempre lembradas nos «sacrifícios orações vigílias e jejuns e disciplinas» feitos
pelos cónegos, em troca de doze pais-nossos diários com ave-marias que cada
um deles devia rezar, para além do reconhecimento que a ordem lhes consa-
grava pela caridade e esmolas para com ela2. Era, como sabemos, um mundo
onde a devoção e a espiritualidade ocupavam um lugar primordial na vida
das elites. Muitas destas práticas devocionais davam origem à aquisição de
valiosos objetos de luxo. Foi entre 1500 e 1510 que a rainha adquiriu um
dos objetos pessoais a que provavelmente daria mais valor. Falamos do seu
breviário franciscano, escrito em latim, mas contendo as cerimónias litúrgi-
cas segundo o uso de Roma3. Profusamente iluminado, foi produzido na
Flandres, provavelmente em Gante ou Bruges, e continha, para além das
principais orações e ofícios litúrgicos, um santoral onde os santos francisca-
nos figuravam obviamente em destaque4.

1 O túmulo da infanta D. Catarina encontra-se atualmente no Museu do Carmo em


Lisboa. Sobre o convento, cf. Academia Real das Ciências, Série Preta, n.o 212.
2 IAN/TT, Manuscritos da Livraria, n.o 523, fl. 112.
3 Antes de Trento, existiam numerosos «dialetos» em matéria litúrgica, sendo que as di-

ferentes cortes podiam seguir formas próprias de culto. Só depois deste concílio Roma im-
pôs definitivamente a sua liturgia.
4 Encontra-se hoje na Pierpont Morgan Library, de Nova Iorque, sob a cota Ms. 052.

210
Capítulo 7
Os dias iguais (1510-1521)

A década de 1510 parece ter correspondido a uma mudança de vida


para a rainha. Então na casa dos 50, vemo-la cada vez mais devota,
a promover publicações de índole religiosa, cada vez mais próxima de frades
e padres seculares, e, sobretudo, a dedicar o melhor dos seus recursos à fun-
dação do Convento da Madre de Deus na periferia de Lisboa. Muito prova-
velmente teve alguma influência a morte da mãe, a duquesa D. Beatriz, ocor-
rida alguns anos antes. Em todo o caso, a rainha envelhecia, e o seu estado de
saúde dava mostras de alguma fragilidade.

7.1. Da cama para o mundo


Em julho de 1510, Frei Afonso de Portugal, franciscano e confessor
da rainha, escrevia ao rei a mando de D. Leonor, a pedir que pagasse as si-
sas dos terrenos que tinham sido comprados para o mosteiro. Embora
o teor da carta pareça à primeira vista árido, alguma coisa do que lá se diz
é inesperada e surpreende. Em primeiro lugar, a carta foi escrita num con-
texto de peste, e o frade informava acerca do estado de saúde no interior
dos conventos da zona. No entanto, a rainha estava bem, embora ator-
mentada por dores de cabeça crónicas, e não havia físicos que lhe vales-
sem. Outra informação é que a duquesa sua irmã estava com ela, o que
não nos surpreende: já atrás dissemos que as duas mantiveram um relacio-
namento estreito ao longo dos anos. Mas o mais surpreendente é que
a rainha pedisse ao irmão para pagar 130 mil réis de sisa a propósito de
umas casas compradas para o «seu» mosteiro de Xabregas, lamentando-se
ao mesmo tempo que as obras estavam quase acabadas, mas eram muito

211
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

dispendiosas1. E a rainha não escrevia ao irmão de sua mão, como era seu de-
sejo, «por causa da dor de cabeça que sempre tem». Não mentiu portanto
o cronista, ao afirmar que D. Leonor envelheceu doente e quase sempre na
cama2. Ou seja, podemos quase aventar que os contactos entre os dois ir-
mãos, embora frequentes, eram epistolares e não presenciais. A rainha velha
não visitaria muitas vezes a corte nos seus últimos quinze anos de vida. Se
observarmos aquilo que se pode conhecer dos seus itinerários, parece absorta
nos seus assuntos próprios, ainda que tenhamos indícios de que continuava
a manter uma relação estreita com o irmão e era tratada com deferência.
A rainha, no entanto, deslocava-se entre o seu paço de São Bartolomeu e o
mosteiro de Xabregas, onde tinha instalações próprias. Ainda lá se encontra-
va em agosto de 1510, com as suas habituais dores de cabeça3. Idem em se-
tembro, de onde escreveu à abadessa do Mosteiro de Santa Maria Annunzia-
ta de Florença, mencionando «o trabalho que continuamente anda nesta
cidade de Lisboa onde não se pode fazer grande coisa sem correr grande peri-
go»4. Peste, portanto.
Quando fazia viagens maiores, ia para as suas terras da Estremadura, no-
meadamente Aldeia Gavinha e Caldas, onde tinha o «seu» hospital. Mas as
notícias de que passava a maior parte do tempo deitada não deixam por isso
de ser recorrentes nas cartas que escrevia. Em 1514, numa das muitas missi-
vas que trocou com a abadessa e freiras do Convento da Anunciada de Flo-
rença, a rainha referia novamente que estava na cama5.

7.2. Devoções «modernas»


A partir destes anos Leonor dedicou a sua vida cada vez mais à religião.
Parece claro, face ao que sabemos sobre a juventude da rainha, que não man-
teve uma intensidade constante nas suas preocupações religiosas. Não sabe-
mos em que momento o seu pendor devoto se acentuou, mas é natural que
tivesse emergido plenamente com a viuvez. Esta era a condição de indepen-
dência para muitas mulheres nesta época, que podiam dispor livremente do
seu tempo e fortuna. Estudos demonstram que as grandes mecenas das artes
visuais eram viúvas na sua grande maioria6; Leonor, por seu turno, embora

1 IAN/TT, Livro 47 da Reforma das Gavetas, fls. 136-136v [1510.7.31, Xabregas].


2 Resende, Crónica, p. 254.
3 IAN/TT, Livro 47 da Reforma das Gavetas, fls. 337-337v [1510.8.12]. Carta ao rei de

Frei Afonso, confessor da rainha: «logo hoje fui ao mosteiro da Madredeus, onde está».
4 Sousa, «Cartas», p. 169.
5 Sousa, «Cartas», p. 176 [1514.2.16, Lisboa].
6 King, 1998, p. 76.

212
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

se lhe conheçam encomendas de pendor artístico, apostaria sobretudo no pa-


trocínio da edição de livros. Religiosos, como veremos. Diz Jorge de São
Paulo que a rainha no seu estado de viúva desprezou sempre o luxo no traje,
«contentando-se com um hábito pardo da terceira regra de S. Francisco»,
e que não professou como freira da primeira regra de Santa Clara para poder
continuar a distribuir esmolas pelos pobres1. Entende-se: é que se fizesse voto
de pobreza os seus bens passariam para o convento e deixaria de ser D. Leo-
nor a administrá-los.
Tentemos agora inscrever a rainha no ambiente religioso da sua época
condizente com o seu alto nível social e intelectual. Falemos da devotio mo-
derna, portanto. Trata-se de um movimento religioso internacional, nascido
no Norte da Europa (Países Baixos e região renana) entre os finais do sécu-
lo xiii e princípios do xiv. Era marcado por um desejo de renovação que in-
cluía a vontade de secularização da vida religiosa por parte dos leigos. Estes
procuravam intensificar a sua vida interior através da leitura e meditação, se-
guida de oração, e promoviam valores de humildade, renúncia e obediência,
com o objetivo último de se relacionarem direta e intimamente com Deus,
sem intermediários2. A obra marcante deste movimento foi a Imitação de
Cristo, do monge alemão Tomás à Kempis (c. 1380-1471), cujo sucesso se
prolongaria no tempo. No entanto, nem só de imitar Cristo vivia o novo lei-
go: Maria sua mãe foi cada vez mais o modelo da perfeição humana, concor-
rendo em virtudes com o filho. A rainha D. Leonor, no que diz respeito
à sua religiosidade, enquadra-se plenamente neste movimento, que podemos
equiparar ao gótico tardio internacional, e que encontramos um pouco por
toda a Europa, antes de as reformas protestantes terem alterado para sempre
a sua morfologia religiosa.
Alguns autores têm, e com toda a razão do meu ponto de vista, falado de
preocupações pré-reformistas a propósito deste movimento religioso. Mas
note-se uma coisa importante: enquanto o franciscanismo irradiou a partir
da Itália, a devotio moderna, que o incluía no seu ideário, partiu do Norte da
Europa. Foi esta zona também que produziu os livros de devoção iluminados
usados por estes leigos desejosos de espiritualidade, entre eles, o já citado
e famoso breviário da nossa rainha.
Estava então em voga, por toda a Europa, a imitação de Cristo como
meio de atingir a perfeição espiritual e alcançar a vida eterna. Mais do que
imitar Cristo, creio que para Leonor o verdadeiro modelo de perfeição terá

1 São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 64.


2 Serra, 1998, vol. i, pp. 11-14.

213
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

sido Maria sua mãe. Eram tempos de piedade mariana, em que a figura da
Virgem fazia crescer nos crentes a esperança de serem perdoados pelos seus
pecados. Para a rainha, como vimos, existiam vários motivos para se rever na
personagem. Em primeiro lugar, uma proximidade de género: para uma mu-
lher Cristo podia ser um exemplo mas só Maria podia constituir um modelo.
A sua pureza sexual, a sua capacidade de sofrer pelos outros e perdoar sem
julgar eram capacidades que só Maria possuía, ao invés do Pai e do Filho,
que podiam julgar sem perdoar. Além do mais, é provável que D. Leonor se
tivesse identificado com uma mulher, que, tal como ela, tinha sofrido a dor
da perda de um filho único na idade adulta.
Nos círculos devotos da alta aristocracia da época imperava também um
tipo de piedade fortemente marcado pelo franciscanismo e pelo seu ideal de
pobreza voluntária. O pobre ideal continuava a ser Cristo, capaz do sacrifício
supremo pela humanidade pecadora. O ideal de vida mais apreciado era
o transmitido pelo Evangelho da primitiva comunidade cristã, formada por
Cristo e pelos seus apóstolos, mais tarde recriada por São Francisco nas coli-
nas da Úmbria, próximo da cidade de Assis em que tinha crescido na abun-
dância, filho de um rico mercador.
Havia algo de contraditório no ideal mendicante, porque quem passava
fome e frio provavelmente estava pouco interessado nas agruras da pobreza;
em contrapartida, o franciscanismo apelava a gente que raramente teria sofri-
do de uma coisa ou de outra. Os grandes conventos mendicantes foram fun-
dados em cidades que na época eram opulentas. Pense-se nas igrejas dos con-
ventos franciscanos e dominicanos de Florença ou Veneza, ou em cidades de
Castela como Toledo e Ávila. Pense-se também na riqueza destes mosteiros,
do aparato litúrgico valiosíssimo que exibiam aos fiéis. Riqueza só era pecado
se vivida em proveito próprio, porque então correspondia à avareza, um pe-
cado mortal dos mais torpes, porque significava o apego desmesurado a si
mesmo e a incapacidade de partilhar os haveres com liberalidade1. Mas fazer
brilhar a riqueza para maior glória de Deus, em custódias e cálices eucarísti-
cos de prata dourada, paramentos de seda e ouro dos oficiantes a fazerem
conjunto com frontais e cortinas de altar, era usar da riqueza de modo corre-
to, porque colocado ao serviço da comunidade espiritual dos fiéis.
Para as mulheres, o ideal franciscano consubstanciava-se na regra de San-
ta Clara e nas variantes desta. As freiras não deveriam ter coisa alguma de
seu, jejuar com frequência e os seus conventos deviam mendigar para sobre-

1 Sanchez de Vercial, Sacramental, pp. 78-80.

214
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

viver. Quanto a saídas, apenas as autorizadas superiormente, quando algumas


freiras a obtinham por motivos familiares, ou então por ordem superior,
quando eram chamadas a ir fundar outros mosteiros da ordem respetiva.
E havia as retiradas de emergência, previstas na regra, causadas por pestes ou
incêndios. A regra de Santa Clara prescrevia portanto uma dura forma de vi-
da às suas seguidoras, tanto mais que eram geralmente raparigas provenientes
do topo da escala social.
No entanto, a atração pela vida em clausura foi uma constante entre estas
mulheres de alta estirpe, pelo menos em teoria, uma vez que a maior parte
dos historiadores atuais não tem medo de inserir a conventualização de mu-
lheres como uma estratégia familiar que pouco tinha de espiritual. Consistia
em fazer entrar as filhas para um convento, quando havia dificuldade em ca-
sá-las na mesma categoria social por falta de dinheiro para pagar um dote
compatível. Ou seja, para casais com filhas a mais na sua descendência, fazê-
-las entrar para um convento era sempre mais fácil e permitia dar-lhes um es-
tado ao mesmo tempo que as afastava dos perigos do mundo. A inflação
ocorrida no valor dos dotes de casamento viria ainda a agravar o problema1.
No entanto, se lermos a cronística das ordens religiosas, nada disto trans-
parece nas fontes portuguesas (e em fontes europeias do mesmo tipo), que
providenciam uma imagem de devoção às suas heroínas enclausuradas. Mas
a rainha D. Maria, segunda mulher de D. Manuel, no seu testamento, seria
bem explícita: se as suas duas filhas, Isabel e Beatriz, não casassem com filhos
de reis, seriam metidas em conventos, mesmo contra sua vontade. E dizia
mais: que haveria a todo o custo de evitar que casassem no reino, porque sua
irmã bem sabia quantas desventuras tinha passado por causa disso. Referia-se
a Leonor, segundo parece... Mas também podia referir-se a D. Isabel, duque-
sa de Bragança2.
Não obstante a devoção profunda que permeava as intenções dos funda-
dores e patrocinadores dos novos conventos, não faltavam contradições, sen-
tidas pelos próprios contemporâneos. Savonarola insurgir-se-ia, por exemplo,
contra a mania de fazer bordar escudos de armas nos paramentos litúrgicos:
«puseram brasões nas costas das casulas para que, quando o sacerdote se en-
contra no altar, as armas sejam vistas por todos»3. Leonor estava entre eles:
ainda hoje o hospital das Caldas da Rainha guarda no seu espólio museológi-
co algumas vestes bordadas com o seu camaroeiro (ver foto 13).

1 Laven, 2002, pp. 1-42.


2 Portugaliae Monumenta Misericordiarum, vol. 3, p. 555.
3 Citado por Hale, 2000, p. 117.

215
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

7.3. Um convento que seja seu


Não obstante todas as reservas que possamos colocar à religiosidade destas
mulheres, é inquestionável que para muitas delas a preocupação em fundar
conventos emanava de uma devoção genuína. Já a mãe de Leonor, Beatriz,
fundara o Convento da Conceição de Beja segundo a regra da observância
franciscana, muito embora a fundação datasse dos seus últimos anos de casa-
da com o infante D. Fernando; as filhas Leonor e Isabel (duquesa de Bragan-
ça) prefeririam o ramo mais moderno das coletinas. Colette Boylet (1381-
-1447), dita de Corbie por ter vivido como eremita nas imediações da abadia
do mesmo nome, nascera na Picardia e conseguira, depois de sentir a chama-
da divina, fundar de novo numerosos conventos ou remeter outros mais an-
tigos para a pureza do franciscanismo primitivo.

Em que consistiram as alterações introduzidas por Santa Coleta na regra


de Santa Clara? Contextualizemos um pouco, passando em revista as princi-
pais diferenças entre as regras de clarissas. A ordem foi fundada por Santa
Clara em 1212, mas a regra só foi aprovada nas vésperas da sua morte, em
1253. Este documento inicial, escrito pela própria fundadora, é importante
para nós, precisamente porque a regra coletina preconizava um regresso à pu-
reza original franciscana. Era nele que as mulheres franciscanas se reviam,
quando pensavam em restaurar o espírito inicial da ordem, uma vez que San-
ta Clara fora discípula direta de São Francisco de Assis. Em traços muito ge-
rais, a pobreza devia ser o traço fundamental da vida das religiosas. Não de-
viam possuir nada de seu, despojando-se dos seus bens aquando da entrada
no convento. Este último podia possuir apenas o edifício e os respetivos ter-
renos, onde só uma horta podia ser cultivada. Esta ausência total de bens
constituía o ponto nevrálgico da regra, por ser o mais difícil de sustentar. Lo-
go em 1263 Urbano IV redigiu uma nova regra que autorizava a posse de
propriedades e rendas, e às religiosas que a seguiram deu-se o nome de urba-
nistas. A partir desse ano todas as seguidoras passaram a ser conhecidas por
clarissas, estando em vigor as duas regras, a «primeira» e a «segunda». Em
Portugal o primeiro texto foi observado nos conventos de clarissas descalças,
nome dado às Coletinas. É essa a razão por que encontramos em muitos
mosteiros coletinos a primeira regra de Santa Clara, como é o caso do Mos-
teiro de Jesus de Setúbal1. Estas últimas protagonizaram portanto um re-

1 Publicada em Gomes, «Uma regra», pp. 146-159.

216
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

gresso à pureza da primeira ordem, embora com algumas diferenças, que


agravavam ainda mais as condições de vida das freiras. Vejamos quais eram as
grandes mudanças, face à segunda regra urbanista: em primeiro lugar, a santa
descartou as alterações que davam a estes conventos a possibilidade de pos-
suir bens de raiz (isto é, terras e imóveis dos quais pudessem extrair rendi-
mentos fixos).
Por outro lado, eram várias as diferenças da regra coletina face às das ou-
tras religiosas. Hoje, temos dificuldade em perceber algumas delas, por que
não as sofremos no corpo, mas tinham de facto incidência direta no modo
de vida destas mulheres. Por exemplo, as Coletinas não comiam carne, estan-
do a sua dieta circunscrita ao peixe, de que naturalmente requeriam quanti-
dades apreciáveis, que exigiam um sistema de abastecimento adequado1. Por
outro, as suas obrigações religiosas eram mais severas do que as das outras
clarissas: os ofícios não eram cantados, mas sim entoados.
A fundação de um convento constituía uma das poucas marcas que as
mulheres podiam deixar para a posteridade, uma vez que a devoção consti-
tuía uma forma socialmente aceite de alcançar projeção social. Em muitos
casos, suspeitamos de que estavam a obter aquilo que Virginia Woolf haveria
de querer para as mulheres no início do século xx: um quarto que seja seu.
Para Woolf, não existiriam escritoras mulheres sem uma renda própria que
lhes permitisse viver sem depender de um homem — pai, marido, ou irmão.
Em 1929 estava-se ainda longe da entrada das mulheres de classe média no
mundo do trabalho — e de poderem dispor de um espaço próprio2. Para
uma mulher rica e influente do século xv um convento desempenhava esse
papel, ainda que se rodeassem de homens que as ajudavam. O convento
obrigava-as a adquirir terrenos e a construir um edifício; a deixar as suas mar-
cas de gosto nas aquisições de objetos e na decoração; a rodearem-se de par-
ceiras e parceiros que haveriam forçosamente de sucumbir às suas peculiares
vontades. Podiam ainda construir a sua memória póstuma, deixando funda-
ções de missas, capelas ou ainda mandando construir sepulturas no claustro.
E tudo numa estrutura que a sociedade aplaudia, porque estava conforme às
normas morais e religiosas da época. Até mais, com a santidade no horizonte,
ou, se não se chegasse lá, com profusão de relíquias. Mas contemos a história
do convento de D. Leonor.
Em primeiro lugar, o sítio. Olhando o Tejo, nas franjas da cidade de Lis-
boa, à qual anos antes Leonor fizera uma despudorada declaração de amor

1 IAN/TT, Manuscritos da Livraria, n.o 1077, Estatutos de Santa Coleta, cap. iv.
2 Woolf, 2005.

217
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

(de resto a única que lhe conhecemos1). Um lugar resguardado, portanto,


dos inconvenientes das cidades (maus cheiros, barulho, contágios, etc.) mas
suficientemente perto para lhe providenciar um acesso rápido, sobretudo por
via fluvial. Antes do convento, e talvez depois, foi um lugar de hortas, sem-
pre lucrativas na proximidade das cidades. Na época, no entanto, o vale de
Xabregas e Chelas era já uma espécie de polo religioso da cidade: outros con-
ventos estavam já instalados no local, como o de São Bento de Xabregas, dos
cónegos de São João Evangelista e a comunidade franciscana observante de
Santa Maria de Jesus, estes últimos da proteção da rainha2.
Frei Jerónimo de Belém dá-nos alguns detalhes sobre a fundação do
Mosteiro da Madre de Deus. A intenção inicial da rainha seria de o construir
junto da sua residência a São Bartolomeu, mas uma série de presságios e visões
fizeram com que o fizesse nas propriedades de D. Inês, viúva de D. Álvaro da
Cunha. Ainda segundo Frei Jerónimo, sabendo D. Manuel que Leonor com-
prara as referidas casas, mandou-lhas pedir para dar gosto à rainha Maria,
que muito desejava viver nelas pelo agradável do sítio. Respondeu ao irmão
que já entregara as chaves das casas a outra maior rainha, que é a dos céus3.

No caminho do convento, haveria de ficar a Igreja da Misericórdia de


Lisboa, agora que a confraria deixava as suas instalações iniciais numa capela
do claustro da Sé. A fachada da Igreja da Conceição Velha sobreviveu ao ter-
ramoto, e ainda se pode ver no tímpano a Virgem protegendo os devotos sob
o seu manto; numa das portadas, a figura da justiça, segurando a espada nua
numa mão e a balança na outra4.
Resta-nos, leitor, a possibilidade de imaginar Lisboa nesses tempos, com
o sol a derramar-se pelo casario, as naus e caravelas a balançar no Tejo, o ver-
de das quintas dos arredores. Uma cidade ainda não de todo esquecida dos
seus tempos árabes, a que D. Manuel tentava imprimir a sua marca, através
do novo paço da Ribeira, da Rua Nova e de medidas urbanísticas pioneiras
que procuravam acabar com a disparidade de materiais de construção ou ali-
nhar as fachadas num mesmo plano, evitando varandas protuberantes, sacadas
invasivas ou passadiços abusivos5. De resto, por toda a Europa se construíam
ruas de traçado homogéneo, destinadas a constituir eixos fundamen-

1 «que o tempo que fora dela gastamos, havemos que não é viver» (AHCML, Livro I do

Provimento da Saúde, fl. 11 [1495.9.15, Alcáçovas]).


2 Sousa, 1997, pp. 71-80.
3 Belém, Chronica Seráfica, Parte III, pp. 2-3.
4 Portugaliae monumenta Misericordiarum, vol. i, figuras iv e v.
5 Carita, 1999, pp. 86-88 e 193-199.

218
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

tais não só para permitirem a visibilidade do poder político em cortejos


e procissões, como também para centralizarem as atividades económicas mais
importantes. Não ao acaso as ruas direitas de algumas cidades e vilas do país
ostentam ainda casas manuelinas, tais como Braga, Vila do conde, Ponte de
Lima, Viana e Caminha, patenteando as mesmas preocupações urbanísticas1.
Fundar um convento próprio não era tarefa fácil. Se para Leonor o apoio
do irmão mais novo nunca parece ter constituído problema, a avaliar pelos
testemunhos coevos, já escolher o terreno onde se haveria de implantar, orga-
nizar a comunidade de fundação e obter do papa as imprescindíveis bulas
podia ser mais complicado, ou pelo menos trabalhoso. A cronística das or-
dens está cheia de narrativas de lutas titânicas pela fundação de novas comu-
nidades: interesses instalados e rivalidades entre ordens criavam obstáculos
a novas fundações e davam azo a prolongados litígios. Roma, onde se mo-
viam influências e tomavam decisões finais, arbitrava estas contendas de lon-
ge. Não foi o caso de Leonor, que tinha tudo a seu favor: influência política
junto do rei, favores dos eclesiásticos e os benefícios de uma enorme fortuna
para viabilizar os seus projetos. Nem lhe faltava um cardeal influente em Ro-
ma pronto a servi-la, como parece ter sido o caso do cardeal Alpedrinha.
A rainha fazia afinal a fortuna de qualquer fundraiser da época: é sabido co-
mo frades e padres se acotovelavam junto dos poderosos para conseguir di-
nheiro e benesses para os seus projetos. Ainda assim, a fundação do convento
de Xabregas deu trabalho.
Em primeiro lugar, a escolha do sítio. Era preciso eleger um lugar, adqui-
rir terrenos, negociar a construção de vias de acesso. A mãe de Leonor fizera-
-o em Beja alguns anos antes, dotando o convento de um conjunto muito
importante de terras nos arredores da vila (só seria convertida em cidade por
D. Manuel em 1521). No Convento da Madre de Deus a rainha tratou não
apenas de adquirir o terreno necessário à construção do seu convento, mas
também de controlar uma série de terrenos à volta deste, de forma a dominar
o espaço circundante2.
Para um convento feminino, havia também um elemento importante no
que toca à construção do seu território. Era necessário salvaguardar as freiras
dos olhares indiscretos quando deambulavam pelos claustros ou pela cerca.
Por essa razão, quando os edifícios se localizavam no tecido urbano, havia

1 Maurício, 2000, vol. i, pp. 39-59 e 101.


2 IAN/TT, Ordem dos Frades Menores, docs. 5, 6, 7, 8 e 9, todos relativos a transações
de terras efetuadas em 1509 ou 1510.

219
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

que evitar a construção de casas na sua contiguidade imediata, ou pelo me-


nos, proibir que estas tivessem janelas ou varandas que dessem para o con-
vento. Encontramos essa preocupação expressa no caso da Madre de Deus,
porque as freiras tentavam a todo o custo impedir junto do rei que se cons-
truíssem casas nos terrenos circundantes1.
O Convento da Madre de Deus constituiu também para D. Leonor
a oportunidade de construir um novo paço. Diz Garcia de Resende: «onde
ela estava muita parte do tempo em honra dos paços que aí fez para si, e apo-
sentamentos outros»2. A sua construção, no contexto da época, era pratica-
mente inevitável. A rainha não tinha professado, permanecia como elemento
externo à vida conventual, e a única forma de permanecer ligada às freiras era
a contiguidade. Nestes casos, as ilustres «intrusas» ou tomavam para si espa-
ços no interior do convento, como tinha feito anos antes a cunhada da rai-
nha, a princesa Joana em Aveiro, ou então construíam de raiz, como parece
ter sido o caso, paços próprios anexos ao convento3. No seu paço mais anti-
go, na parte alta da cidade, na freguesia de São Bartolomeu, a rainha manti-
nha, como vimos, outro sistema a funcionar, através de um passadiço que da-
va para a igreja do convento dos padres de Santo Elói, em tudo semelhante
ao que a sua mãe tinha outrora construído entre o seu paço e o Convento da
Conceição.
Outras preocupações ocupavam o espírito da nossa fundadora. O caráter
religioso do empreendimento obrigava-a a uma constante negociação junto
da Santa Sé, com vista à obtenção de privilégios que certificassem, por um la-
do, a bondade da fundação, e por isso mesmo atraíssem a devoção dos cren-
tes. Se os conventos deviam ser espaços confinados e impenetráveis à maioria
das pessoas (ainda que muitas vezes apenas em teoria), o mesmo não se pode
dizer das suas igrejas, onde celebrações eucarísticas e festas religiosas deviam
atrair o povo e garantir a generosidade dos fiéis mais abonados. Compreen-
de-se portanto, por estas e outras razões (como a que impedira anos antes
o filho ilegítimo do marido de ascender ao trono), que a nossa rainha tivesse
os seus canais de comunicação com as chancelarias da Santa Sé devidamente
assegurados. No caso do seu convento, tratou de lhe fazer estender as graças
de que gozava o Convento de Jesus de Setúbal, no que respeita a anos de

1 IAN/TT, Ordem dos Frades Menores, doc. 22 [1526.7.20, Santarém]. Ordem de

D. João III que confirma preocupações formuladas em vida da rainha.


2 Resende, Crónica, p. 255.
3 Sobre as instalações da princesa D. Joana nas dominicanas de Aveiro, cf. Santos,

1963, plantas n. 5 a e b (folhas não numeradas); sobre as de D. Leonor na Madredeus, São


Paulo, O Hospital, vol. i, p. 58.

220
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

perdão para os pecados cometidos para os que assistissem às festas ou benefi-


ciassem o convento com doações. Os breves e as bulas originalmente conce-
didos a este convento tinham sido obtidos entre 1496 ou 1497, ou seja, pro-
vavelmente sempre por agência de D. Jorge da Costa, cardeal de Alpedrinha
e interlocutor privilegiado de D. Leonor1.
Outras tarefas se impunham à comunidade coletina. A obtenção de es-
molas era um problema premente. Em teoria, os conventos desta ordem de-
veriam ser suportados inteiramente por elas, mas na prática era impossível fa-
zê-lo uma vez que estava fora de questão que fossem as freiras a pedi-las.
Tinham, em consequência, de garantir alguns mecanismos de recolha de es-
molas. Ainda que estas não fossem o principal sustento da comunidade, a sua
obtenção garantia capital simbólico, uma vez que se tratava de um dado ma-
tricial da fundação, e certificava a sua autenticidade espiritual. O cardeal
D. Afonso, também arcebispo de Lisboa, outro dos sobrinhos de D. Leonor,
concedeu autorização aos pedidores de esmola do convento e às suas freiras
«veleiras» para recolherem esmolas por todo o arcebispado e cidade de Lis-
boa, «porquanto viviam sob a primeira regra de santa clara a qual muito ex-
plicitamente lhes defendia que não tivessem alguma coisa própria para seus
usos e somente lhes mandava que vivessem das esmolas dos fieis cristãos
mendicando»2.
Dois acontecimentos de 1517 demonstram que o Mosteiro da Madre de
Deus era já uma realidade consolidada na cidade de Lisboa: o enterro da se-
gunda mulher de D. Manuel I e a chegada das relíquias de Santa Auta, de
que falaremos mais à frente. A cunhada da rainha, D. Maria, morreu em
março desse ano, no seguimento de complicações posteriores ao parto do seu
último filho. Morreu no novíssimo paço da Ribeira, mas o seu corpo foi por
sua ordem mandado num ataúde em cima de uma azémola para o mosteiro
de Xabregas, onde a comunidade coletina o aguardava dentro da igreja, jun-
tamente com numerosos cortesãos. O seu ataúde foi transportado por pes-
soas principais da corte para uma capela do claustro situada frente ao refeitó-
rio. Aí a rainha foi despida das suas roupas para envergar um hábito de São
Francisco por ser irmã da ordem, isto é, terceira, tal como a sua cunhada
D. Leonor3. Mais uma vez estamos perante a preferência que as mulheres da

1 IAN/TT, Ordem dos Frades Menores, doc. 48.


2 IAN/TT, Ordem dos Frades Menores, doc. 19 [1525.4.8, Évora]. Afonso era o sexto fi-
lho do rei D. Manuel e de D. Maria de Aragão, e contava 16 anos à data desta autorização.
3 Correia, Crónicas, p. 124.

221
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

corte dedicavam a formas de espiritualidade franciscanas, conotadas como


despojamento dos bens terrenos: não houve tochas porque a rainha assim
o determinou. Que teriam sido necessárias uma vez que a sua viagem decor-
reu, curiosamente, à noite. A nossa biografada parece ter estado em Lisboa
pelo menos parte desse ano de 1517, mas não se refere a sua presença nesta
cerimónia.

7.4. Um regimento para o hospital das Caldas


Em 1511, foi a vez de a rainha tentar formalizar o funcionamento do seu
já consolidado hospital das Caldas.
Vimos no capítulo terceiro que a povoação não existia antes do hospital,
mas que D. João II tinha ajudado à fixação de pessoas no local das fontes de
água concedendo privilégios aos seus moradores. Nesse mesmo ano de 1511,
o rei reconheceu as Caldas como vila, atribuindo-lhe um termo, isto é, um
território que formaria concelho juntamente com a povoação. Este consistiu
numa parte do da vila de Óbidos, correspondente a meia légua ao redor das
Caldas, «posto que por limitado e curto se dissesse por graça que se pudera
nele espojar um jumento e ficarem-lhe as orelhas de fora»1.
Em 1512, a pedido da irmã, o rei D. Manuel I aprovava o regimento do
hospital. Fazia-o nuns termos que hoje estranhamos, ao colocar o hospital no
que hoje consideraríamos «acima da lei»: «Queremos e mandamos de nosso
poder real, e absoluto que o não prejudique nem possa prejudicar em manei-
ra alguma nenhuma lei, direito, nem ordenação, opiniões de doutores, faça-
nhas, nem nenhuma outra coisa que em contrario das coisas neles conteudas,
ou de cada uma delas possam ser; todo cassamos e anulamos, e queremos que
seja de nenhum vigor e força e mandamos que em todo valha e se cumpra
e guarde o dito compromisso, assim como pela dita senhora é feito e ordena-
do e com ele se contém sem falecimento algum.» O rei, como era seu costu-
me, satisfazia os desejos da irmã. O texto desta carta menciona que este do-
cumento de aprovação e confirmação foi dado a assinar ao príncipe, o futuro
D. João III, que então andaria pelos 10 anos de idade, sem dúvida para o fa-
miliarizar com competências que seriam mais tarde as suas, na linha da já
enunciada simbiose entre o pai rei e o filho primogénito2. Em seguida, um
documento emitido pelo arcebispo de Lisboa D. Martinho da Costa ratificava

1 São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 103.


2 BA, Cód. Ms. 44-XIII-24, fls. 450-451v.

222
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

a bula papal de aprovação do regimento que D. Leonor obtivera do então


papa Júlio II1. Tinha D. Leonor, portanto, tudo o que era preciso para que
o seu hospital estivesse nos conformes da Coroa e da Santa Madre Igreja.
Anselmo Braamcamp Freire lança contra D. Leonor um dos juízos mais
negativos até agora emitidos sobre a sua pessoa. Embora não regateando
à rainha o mérito das suas obras de caridade, acusou-a de ter edificado o hos-
pital sempre à custa do dinheiro dos outros, neste caso concreto do irmão
D. Manuel I2. Trata-se aqui de um dos poucos juízos desfavoráveis que a his-
toriografia tem tecido sobre a rainha, habitualmente bastante elogiosa em re-
lação à sua figura. Não me compete aqui fazer o mesmo, apenas referir que,
mesmo tendo evitado despender dinheiro do seu próprio bolso em benefício
da caridade, preferindo gastar o alheio, o facto é que, por essa altura, na Eu-
ropa, era muito vulgar, mesmo entre os eclesiásticos, levar uma vida de ócio
e de luxo, em que os pobres ocupavam um lugar nulo, apesar da obsessiva
teologia da caridade que caracteriza esta época. Vejamos as figuras de alguns
papas do Renascimento, e o caso concreto de Ippolito d’Este, filho de Lucré-
cia Bórgia (filha do papa Alexandre Bórgia) e de Afonso I d’Este, feito car-
deal por obra e graça de Francisco I de França, a quem acompanhou nos
anos que precederam a obtenção do chapéu cardinalício. Temporadas de ca-
ça frequentes e prolongadas, jogos de azar a dinheiro, vestidos sumptuosos,
etc. O seu tipo de vida, marcado pelo lazer e pela ausência de preocupações
(tirando a obtenção do tão almejado chapéu púrpura). colocavam-no nos an-
típodas das preocupações da nossa biografada3. Para todos os efeitos, D. Leo-
nor usou o dinheiro em benefício da fundação de instituições religiosas e da
dádiva aos pobres. Se preferiu usar o dinheiro do irmão, é outra questão.
Dizíamos então que o hospital teve então o seu regimento, mais de vinte
anos depois do seu início (vinte e sete, se contarmos a partir de 1485). Esta-
mos perante uma estrutura complexa, se analisarmos a setorialização de que
as suas instalações eram alvo, em função da separação de espaços preconiza-
da. Haveria 100 camas, sendo 60 para homens e mulheres enfermos; 40 para
pessoas honradas e religiosos e religiosas, e as restantes 20 para peregrinos,
servidores e escravos da casa. Não havia lugar apenas à separação de géneros
(os banhos eram tomados em piscinas próprias para cada sexo), mas também

1 BA, Cód. Ms. 44-XIII-24, fls. 451v-454.


2 Freire, 1996, vol. i, p. 126.
3 Hollingsworth, 2004.

223
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

uma diferenciação social e de estatuto religioso, que de resto o hospital con-


servaria durante toda a época moderna1.
D. Leonor fez do seu hospital um abrigo para religiosos, com instalações
próprias; um albergue para peregrinos, que só podiam ficar uma noite, a não
ser que fossem franciscanos observantes (aí tinham direito a duas); aposentos
separados para homens e mulheres. Embora as curas de águas fossem impor-
tantes nos tratamentos e ditassem o caráter sazonal do hospital, aberto entre
1 de abril e 30 de setembro2, era um hospital em que se morria, ao contrário
dos hospitais termais atuais. O regimento consignava ainda dois aspetos es-
senciais comuns a muitos hospitais desta época: não admitia doenças incurá-
veis nem inválidos. As tarefas consideradas mais baixas eram executadas por
escravos e escravas: cozinhar (duas escravas), amassar o pão (uma), duas lava-
deiras. Dos homens escravos um fazia carretos (transportava coisas), outro
tratava da horta e arranjava água; finalmente, haveria outros dois escravos,
um para andar com as vacas e outro com as ovelhas do hospital3.
As intenções de D. Leonor na criação do hospital eram, segundo o dis-
curso da introdução do regimento, espirituais:

«Determinamos e ordenamos em louvor de Deus e de Nossa Senhora


a Virgem gloriosa Maria sua madre, e por usarmos da caridade com os próxi-
mos mandar fazer uma igreja da invocação de Nossa Senhora do Pópulo
e um hospital dentro em a nossa vila das Caldas em que queremos que se
cumpram as ditas obras de misericórdia espirituais e corporais quanto possí-
vel for pela alma del rei D. João meu senhor e minha e do príncipe D. Afon-
so nosso filho que a santa glória hajamos.»4

Não se compreenderia a obrigatoriedade de confissão prévia para todos


os doentes admitidos, nem o facto de rezarem todos depois de comer três
pais-nossos e ave-maria por alma do rei, da rainha e do filho sem compreen-
der a dimensão espiritual do hospital5.
O texto termina pedindo que houvesse três cópias em pergaminho, uma
para depositar na Torre do Tombo, outra em Santo Elói e outra na arca das
escrituras do hospital.

1 São Paulo, O Hospital, vol. i, pp. 176-179.


2 Compromisso do Hospital, p. 26.
3 Compromisso do Hospital, pp. 10-11.
4 Compromisso do Hospital, p. 7.
5 Compromisso do Hospital, pp. 25 e 43.

224
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

7.5. As relíquias de Santa Auta


O ano de 1517 foi um ano grato para a rainha velha: as relíquias de San-
ta Auta chegaram a Lisboa, nos princípios de setembro. Sabemos já que
a posse de relíquias era tão essencial para as igrejas e conventos da época, co-
mo o são para museus e monumentos atuais deter algumas peças carismáticas
que justifiquem uma visita. Para os templos, eram sinal certo de veneração
pelos fiéis, e podiam alterar significativamente a fortuna das autoridades reli-
giosas que os tutelavam. A caça às relíquias vinha sendo um negócio flores-
cente desde a Alta Idade Média. Prestava-se a todo o género de falsificações,
pelo que as autoridades religiosas eram obrigadas a acionar dispositivos de
certificação que as pudessem autenticar e legitimar.
Para D. Leonor, estas relíquias em particular constituíam a marca da sua
importância dinástica: era o primo Maximiliano, imperador da Alemanha, fi-
lho de Leonor de Portugal, sua tia, quem lhas remetia de Colónia1. As relí-
quias de Santa Auta faziam parte de um conjunto vasto de ossadas de santas,
uma vez que esta seria uma das onze mil virgens martirizadas por Átila, das
quais a mais importante seria Santa Úrsula. Contemos a história em traços
largos: por volta do século viii, descobriu-se em Colónia um cemitério osten-
tando numerosas ossadas. Uma delas tinha uma inscrição, com o nome Úr-
sula, e outros carateres que foram erroneamente interpretados como «onze
mil virgens». Foi-se formando uma lenda que depois foi fixada na Legenda
áurea de Jacopo de Voragine da seguinte forma: Úrsula, princesa bretã, acei-
tou casar com um príncipe bretão a fim de se poder converter ao cristianis-
mo e com a condição de fazer antes uma peregrinação a Roma. Partiu com
onze navios, cada um deles com uma das suas damas a bordo, juntamente
com outras mil virgens. Chegaram ao Reno, e foram para Basileia e depois
Colónia, tendo-se em seguida dirigido a Roma, onde foram recebidas pelo
papa. No regresso, deu-se o martírio: encontraram as tropas de Átila e foram
chacinadas pelos Hunos. Construída a lenda (que demorou vários séculos até
atingir a sua versão final), as ossadas do cemitério de Colónia foram espalha-
das por toda a Europa como relíquias, e foi a partir deste espólio, guardado
no seu tesouro, que Maximiliano pode obsequiar a prima. Pergunta o leitor:
mas essa de quem fala é Santa Úrsula. E Santa Auta, quem foi?

1 Leonor (1434-1467) era irmã de D. Afonso V, e casou com o imperador Frederico III

em 1451.

225
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Uma carta do imperador para a rainha D. Leonor esclarece a questão. Es-


tá escrita em latim, e é datada de Breda a 8 de abril de 1517. A seu lado, te-
mos uma tradução para português, algo insegura, em letra do século xvi:
«entregamos agora ao honrado e nosso amado Pero Correia conselheiro
e embaixador do sereníssimo e nosso muito amado e comum irmão el rei de
Portugal as relíquias de santa Auta virgem que foi companheira assim no cami-
nho como na paixão da rainha santa Úrsula cuja fama por obra divina por to-
do o mundo soou as quais nós tiramos do bem aventurado tesouro do nosso
padre e fizemos trazer de Áustria [nostris laribus] à Bélgica (?) e enviamo-las
a vossa serenidade»1. Ocasião, portanto, para o imperador sublinhar a sua
consideração pelo rei de Portugal e pela sua irmã, e para afirmar que tinha ti-
rado a relíquia do tesouro dos Áustrias.
Outra questão não inocente é a escolha deste tema: as Onze Mil Virgens
eram o paradigma da pureza sexual e as protetoras das raparigas, e nada po-
dia ser mais adequado a um mosteiro de freiras observantes, como era o da
Madre de Deus, que haveria, como tantos conventos de clarissas por esse rei-
no fora, de albergar tantas raparigas arredadas do mercado matrimonial, e su-
postamente virgens.
A chegada das relíquias a Lisboa estava destinada a constituir uma oca-
sião festiva: a ela se reportam justamente dois dos quadros mais conhecidos
da época do Renascimento em Portugal. Narram justamente a história de
Santa Úrsula, e a cena em que representam o enlace da santa com o príncipe
bretão pode ter sido inspirada no terceiro casamento de D. Manuel, que se
realizou por esta altura. De qualquer forma, as cenas fluviais inspiram-se di-
retamente no aspeto que o rio Tejo deveria ter tido por aqueles anos. As relí-
quias chegaram ao mosteiro, construído à beira do rio, trazidas em barcos,
tendo sido conduzidas em procissão entre o Tejo e o convento: uma das ima-
gens documenta justamente o momento em que o andor que as guarda está
para transpor o portal da sua igreja. Ao fundo, à esquerda, temos uma ima-
gem de Leonor, vestida de terceira franciscana, acompanhada pela irmã e pe-
la madre superiora do convento (ver foto 18). Ainda hoje podemos ver estas
três personagens lado a lado nas sepulturas do claustro do antigo Convento
da Madre de Deus, agora transformado no Museu do Azulejo.
Um dia em que valeu a pena sair da cama para a nossa rainha. Não sabe-
mos quantos mais lhe mereceriam essa honra.

1 IAN/TT, Ordem dos Frades Menores, doc. 13 [1517.4.8, Breda].

226
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

7.6. A rainha foge à peste: Caldas, novembro de 1518


a março de 1519
Apesar de o estado de saúde da rainha exigir frequentes vezes que não
saísse da cama, Lisboa continuava a ser um lugar perigoso para morar. O es-
petro da peste pairava. Ao longo da sua vida tinham sido já muitos os anos
em que Lisboa estivera impedida: numa das vezes, em 1506, ocorrera o tris-
temente célebre massacre dos judeus de que falámos no capítulo anterior.
Como vimos, em 1510 surgira novo surto, mas a rainha parece ter-se aguen-
tado por Xabregas.
Segundo Frei Jorge de São Paulo, D. Leonor, tendo abandonado Lisboa,
encontrava-se já em setembro de 1518 em Aldeia Gavinha, para onde o pro-
vedor do hospital lhe enviava presentes à custa das rendas do hospital (empa-
das de peixe, pescadas frescas, douradas, linguados, ostras e percebes). Note,
caro leitor, a preferência da rainha por peixe, dado que provavelmente se fa-
zia acompanhar por muitas das freiras do seu convento. A carne, essa, parecia
exclusiva dos seus convidados. No mês seguinte, a 14 de outubro, escreveu
ao provedor pedindo-lhe que lhe enviasse caça e fresco para «agasalhar» o rei
seu irmão, porque tinha «notícia certa de sua vinda»: dessa vez, o provedor
enviou novamente peixe e marisco, mas também perdizes, coelhos e rolas1.
Detalhes, caro leitor, mas que têm também o seu significado: o hospital era
da rainha, e portanto as suas rendas tinham obrigação de satisfazer estes pedi-
dos e de sustentar o seu estado.
Não sabemos se Frei Jorge de São Paulo é exato na profusão de porme-
nores com que sempre ilustra as suas descrições, mas o que é certo é que al-
gumas das suas informações são confirmadas pelos registos do hospital ainda
hoje existentes. Este autor, três vezes provedor do hospital2, era um profundo
conhecedor dos arquivos deste último. Do seu tempo, sem dúvida, mas era
um historiador. Assim, temos que num livro de despesas do hospital das Cal-
das se lê: «Sábado 6 dias do mês de novembro da dita era de 518 que a rainha
nossa senhora chegou a este hospital fugida da peste, despendeu o dito 12 reais
em três arráteis de porco para o seu jantar que lhe o hospital [deu] e 15 reais
em cinco arráteis de lombo de vaca e são 27 reais.» Ou seja, ao que parece a
rainha comia carne, coisa que a regra coletina terminantemente proi-

1São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 203.


2Foi provedor nos anos de 1653, 1654 e 1656, e depois entre 1662 e 1664 (faleceu em
maio desse ano no exercício das suas funções). São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 9).

227
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

bia, o que nos dá mais uma indicação de que D. Leonor conservava alguns
costumes do século.
A presença da rainha alterou os hábitos do hospital. Como era óbvio,
a sua autoridade sobrepunha-se à do provedor em exercício, Jerónimo Aires1.
Segundo o seu primeiro biógrafo, D. Leonor fazia de provedora com uma
bengala na mão, que por ser peça «muito dura a deixou por insígnia do ofí-
cio e autoridade a todos os provedores seus sucessores em memória sua e ain-
da hoje permanece neste hospital»2. Por ordem sua, o hospital começou ex-
cecionalmente a curar nesse inverno algumas pessoas da sua casa (como
sabemos, só funcionava entre abril e setembro). Não perdia a rainha contacto
com o seu irmão rei: o mesmo livro dá conta de ter recebido um emissário de
D. Manuel com um recado, e regista as despesas de comida feitas com ele
e outro seu criado que por sua vez trazia.
Chegavam também outras visitas à rainha: em janeiro de 1520 foi a vez
do bispo de Coimbra, confessor da rainha «alemoa» (alemã). Era a terceira
mulher do rei, D. Leonor, irmã de Carlos V e sobrinha das suas duas mulhe-
res anteriores, Isabel e Maria: recordamos que era a filha mais velha de Joana,
a Louca, também filha dos Reis Católicos. Não era alemã, mas tinha sido
educada na Flandres pela tia Margarida, tal como o seu irmão Carlos (Car-
los V). Mais uma vez, o livro de despesas anota o banquete que foi servido ao
bispo que representava a «rainha nova» e aos acompanhantes do prelado.
Tratou-se provavelmente de uma visita de cortesia: a rainha velha não fora ao
seu casamento, uma vez que este não se realizara em Lisboa, sempre impedi-
da pela peste, e agora tratava-se de cumprir uma obrigação social e familiar.
Mas bastante significativa: a rainha velha fazia-se tratar como tal, e na sua
qualidade de mais antiga, e de maior idade, era a rainha nova que a mandava
visitar por interposta pessoa, o bispo de Coimbra, D. Jorge de Almeida3.
Outras pessoas vieram ao hospital visitar a rainha: um deles foi D. Pedro
do Manicongo, de quem já falámos4. A pequena comunidade congolesa era,
como vimos, diretamente apadrinhada por D. Leonor. A sua presença nas
Caldas confirma uma vez mais a sua estreita ligação com a comunidade con-
golesa em Portugal.

1 Nomeado pela rainha a seguir à aprovação do compromisso em 1512. Era bacharel,

e seu capelão e pregador. Ganhava ainda a importante soma de trinta mil reis anuais pelo
cargo de provedor. (Sousa, «Cartas», p. 173).
2 São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 208.
3 Bispo de 1482 a 1543.
4 São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 168.

228
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

Esteve a rainha no hospital, sempre segundo Frei Jorge de São Paulo, até
14 de março de 1519, data em que seguiu para Muge, sempre receando re-
gressar a Lisboa por causa da peste. Voltou finalmente para Lisboa, para o
seu paço de Xabregas, que comunicava com o Convento da Madre de Deus,
para onde o provedor lhe continuava a mandar profusão de iguarias de caça,
pescado e frutas.
É em Lisboa que temos notícia da participação da rainha num aconteci-
mento da corte do rei. Como sabemos, D. Manuel casara em novembro de
1518 com a sua terceira mulher, a irmã mais velha do imperador Carlos V.
Recebera a noiva no Crato, onde tiveram a primeira noite, e depois tinham
seguido para Almeirim, onde a noiva fora apresentada aos enteados. Apesar
da vontade do rei em regressar a Lisboa, logo em 1518, esta continuava im-
pedida pela peste, pelo que o régio casal só foi recebido por uma cidade em
festa em janeiro de 15211. O rei saiu com a nova mulher e os filhos de Al-
meirim para o Lavradio, de onde embarcaram para Lisboa. É então que Gas-
par Correia narra um interessante episódio, que constitui também uma in-
formação preciosa sobre a maneira de viver da nossa rainha. Antes de entrar
na cidade, o barco onde o rei e nova rainha estavam «veio tomar defronte de
Xabregas onde estava a rainha D. Leonor que saiu em seu andor e veio à praia
e el rei chegou muito na borda de água donde as rainhas se viram e falaram
assim por então»2. Precisamente o que suspeitávamos: D. Leonor não se des-
locava sozinha, não frequentava a corte em nenhuma circunstância, e espera-
va que o irmão fosse até ela. D. Manuel, sempre atencioso para com a irmã,
fazia desta forma com que as duas rainhas, a velha e a nova, se encontrassem
face a face, ainda que provavelmente (o trecho não é muito claro) com água
a separá-las. Fica-nos a imagem de uma rainha já velha, deslocando-se em ci-
ma de um andor (caro leitor, sabe o quanto eu daria para saber como era),
afastada das luzes da ribalta, mas por quem o rei seu irmão nutria afeto e re-
verência.

7.7. Março de 1521: morte da irmã Isabel, duquesa viúva de


Bragança
Em abril de 1521 morria a única irmã viva da nossa rainha. Acabara por
ser a sua companheira de vida nos anos da viuvez, ainda mais longa do que

1 Sobre o contexto deste casamento, inicialmente projetado para o príncipe herdeiro, cf.
Buescu, 2007, pp. 111-115.
2 Correia, Crónicas, p. 128.

229
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

a sua: o marido, o duque D. Fernando de Bragança, fora executado na já re-


mota madrugada do dia 21 de junho de 1483. Eram vizinhas, embora cada
uma mantivesse a sua casa própria, munida de damas, servidores e escravos,
na freguesia de São Bartolomeu, e portanto na vizinhança imediata dos
Loios. A duquesa levou uma vida relativamente apagada, à sombra dos seus
poderosos irmãos. O seu testamento, lavrado em julho do ano anterior, no-
meia-os seus testamenteiros. A forma como o texto se lhes refere espelha bem
a sua dependência em relação a eles, bem como a gratidão que lhes devia:
«porque em minha vida não tive outra consolação mais certa, nem outra fa-
zenda se não a que procedeu das virtudes del rei, e da rainha meus Senhores,
e irmãos»1. Nenhuma referência, portanto, à rainha nova em exercício,
D. Leonor, então a terceira mulher de D. Manuel. Para D. Isabel, a única
rainha continuava a ser a irmã.
Em todo o caso, uma grande distância a separava da irmã do ponto de
vista económico: nos documentos que referem pagamentos ou presentes do
rei, Isabel ficava sempre muito aquém da irmã em matéria de benesses eco-
nómicas. Enquanto a rainha recebia 100 arrobas anuais de açúcar, Isabel re-
cebia apenas 30. Sempre que havia um presente do rei para as irmãs, a du-
quesa recebia menos. Como as meadas de seda fiada que Leonor recebeu em
1511: meio quintal (2 arrobas) contra uma arroba (15 quilos) para Isabel2...
Sempre por generosidade fraterna de D. Manuel I, embora repartida de for-
ma desigual pelas duas. Eram tempos de hierarquias, que tinham expressão,
como temos vindo a sublinhar, dentro das famílias, onde cada um tinha
o seu lugar próprio, e esse lugar determinava expectativas e realidades especí-
ficas. Uma rainha viúva, a outra duquesa viúva. Uma era a irmã mais velha,
e a outra não. E também não nos podemos esquecer de que a primeira, se o
leitor está lembrado do que escreveu Damião de Góis, fora «causa única» de
D. Manuel suceder no trono...
Lembramos que o testamento de D. Leonor não se conhece na íntegra
(apenas o excerto que contempla o Mosteiro da Madre de Deus), mas em
contrapartida, temos o de D. Isabel. As disposições relativas à sepultura são
as mesmas que D. Leonor terá feito mais tarde: o seu corpo jazeria em campa
rasa no claustro do Mosteiro da Madre de Deus, à porta do capítulo. Uma
obrigação que a regra preconizava, mas que dá conta da identificação de
D. Isabel com as freiras coletinas, preferindo-a a uma outra alternativa que
poderia ter tido, a de se juntar aos membros da sua família. Dos seus filhos,

1 Sousa, Provas, T. III, Parte II, p. 450.


2 IAN/TT, CC-I-27-32 [1511.7.21, Lisboa].

230
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

estavam vivos Jaime, o novo duque, e Dinis; criava netas em sua casa, filhas
deste último, juntamente com outras crianças filhas de criados e criadas suas.
O património que deixava não era brilhante, o que revela que o estatuto de
viúva quando existiam filhos homens vivos não era forçosamente confortável.
O testamento dá a entender que tudo o que a duquesa possuía andava na
mão do seu filho duque D. Jaime. D. Isabel procurava lembrar-se de todas as
pessoas que tinha na sua dependência, mas pouco lhes deixava, limitando-se
a pedir aos seus testamenteiros que tomassem a cargo o seu amparo.
Envolvia três mosteiros no seu enterro, todos eles franciscanos: o Mostei-
ro de São Francisco da cidade, o de São Francisco de Xabregas e o Mosteiro
da Madre de Deus, onde, como sabemos, jazeria o seu corpo. Os primeiros
transportá-lo-iam de onde estivesse até à portaria do convento feminino, on-
de as freiras o viriam receber. Ou seja, a duquesa mantinha as tradições fami-
liares relativas à preferência pela observância franciscana. Mais uma vez, ig-
noramos o estado de espírito da rainha quando perdeu aquela que a tinha
acompanhado ao longo de grande parte da sua vida. Lembramos um mo-
mento capital dessa aliança: conta Resende que, sem querer saber de rancores
pelo cunhado, que lhe tinha morto o marido, D. Isabel correra a consolar
a irmã em julho de 1491 quando o príncipe caíra do cavalo.
Esse ano de 1521 haveria ainda de ser pródigo em despedidas, como ve-
remos.

7.8. O casamento da sobrinha D. Beatriz


Em 1521, casava o irmão uma das suas duas filhas. Beatriz, a mais nova,
já que Isabel estava prometida a melhor casamento: desde pequena que se fa-
lava do seu enlace com Carlos V, agora rei de Espanha e imperador da Ale-
manha. Esse momento só chegaria anos depois, pelo que agora era tempo de
casar Beatriz com o duque de Saboia.
As festas tiveram lugar em Lisboa, aparentemente livre da peste (veremos
que talvez não fosse o caso), e foram sumptuosas, como de resto tudo o que
disse respeito àquele casamento. O dote da noiva era alto, e o seu enxoval lu-
xuosíssimo. Sem o saber, o rei seu pai participava na última ocasião festiva da
sua vida, uma vez que morreria ainda naquele ano, numa sexta-feira de de-
zembro.
Interessa-nos narrar aqui as festas por uma razão simples: conta Resende
que no domingo dia 4 de agosto D. Manuel, a rainha nova, a princesa e seus
irmãos subiram à Sé e foram depois ao paço de São Elói para que Beatriz se
despedisse da tia. Foi um cortejo aparatoso, em que todos trajavam a rigor:

231
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

«E da Sé, depois de feitas orações, por as ruas principais até casa da rainha,
onde estiveram, e a Infante se despediu dela, e à vinda vieram por toda a ri-
beira, que era coisa mui bem lustrosa.»1 Ou seja, D. Leonor não assistiu às
festas. Ficamos um pouco perplexos: como é que a rainha, que Frei Jorge de
São Paulo dá como tendo-se deslocado a Alenquer e Aldeia Gavinha em
1524 e 1525 não foi ao casamento em 1521? Mais uma vez, temos de pensar
que D. Leonor, enquanto terceira franciscana, estava impedida de frequentar
a corte e as suas festas, como vimos em capítulo anterior. Não conhecemos
o grau de intimidade entre tia e sobrinha, mas é óbvio que seria a última vez
que se encontrariam as duas: para as princesas que casavam fora do reino es-
tas viagens não tinham regresso. Assim foi no caso de D. Beatriz, duquesa de
Saboia: morreria em 1538 em Nice.

7.9. A morte do irmão


O casamento de D. Beatriz seria, em contrapartida, o último grande
evento da corte a que D. Manuel assistiria. A partir do início de dezembro
desse ano o rei cairia doente, numa doença que logo se afigurou mortal (se-
gundo todas as aparências, peste), uma vez que o príncipe foi chamado a to-
da a pressa da caça onde se encontrava com os irmãos. Durante os dias de
agonia que se lhe seguiram, o rei conversou com o seu herdeiro de forma
a passar-lhe o testemunho.
O relato de Góis menciona apenas a doença do corpo, mas Gaspar Cor-
reia alude a um mal do espírito, relacionando-o com as más novas que a co-
mitiva de Beatriz, recém-regressada de Nice, trazia sobre o mau aspeto do
noivo, o duque de Saboia, o fraco acolhimento dispensado à princesa e, so-
bretudo, ao desplante com que tinha expulsado todos os cortesãos que se ti-
nham proposto permanecer na casa desta2. Uma medida pragmática, e não
xenófoba: constituiria talvez uma forma de o duque evitar manter aquela
gente toda. Refere Correia, sem mais, que as notícias lhe «cortaram a vida».
Caro leitor, permita-me um desabafo: e com toda a razão. Para alguém que
se pavoneava por Lisboa nos bons tempos com os seus elefantes (chegaram
a ser cinco) e que deveria ter uma boa imagem de si mesmo, saber que tinha
sido ludibriado por uma casa ducal, nem sequer importante no xadrez políti-
co europeu, pode ter sido um rude golpe. Se juntarmos a estes dados as in-

1 Resende, Crónica, p. 326.


2 Correia, Crónicas, p. 143 ss.

232
OS DIAS IGUAIS (1510-1521)

formações que Jean Aubin coligiu sobre o negócio matrimonial, o nosso


rei tinha razão para se sentir enganado. De facto, para este historiador
francês, tratou-se de mais uma manobra do imperador, que integrou na
órbita política do império o ducado de Saboia, permitindo uma injeção de
capital — o dote de D. Beatriz — de que o duque tinha confessado aber-
tamente precisar1.
Há ainda outra intriga narrada por Gaspar Correia, e que não encontra-
mos nos outros cronistas. Partira com a comitiva naval da princesa também
o arcebispo de Lisboa, D. Martinho da Costa (outro dos irmãos do já nosso
bem conhecido cardeal Alpedrinha), que há muito ambicionava a obtenção
do capelo de cardeal. Ora, D. Manuel I queria-o para o seu filho Afonso,
embora tivesse chegado a um acordo com D. Martinho que depois não cum-
priu, segundo o que o arcebispo veio a saber durante a viagem. Através desse
acordo ficaria o velho arcebispo com o capelo, mas o jovem Afonso com as
rendas (um acordo que parece justo devido à idade avançada de D. Marti-
nho). Como o infante era agora cardeal, tendo D. Manuel faltado à sua pala-
vra, provavelmente, o arcebispo, magoado, não tratou de fazer assinar ao du-
que de Saboia alguns papéis que o teriam contratualmente impedido de
despedir a comitiva de D. Beatriz2. Em todo o caso, D. Martinho morreu
durante a viagem, o que poderia, quiçá, ter também causado remorso ou
mal-estar ao rei. O certo é que, com desgosto ou sem ele (fica-nos sempre a
dúvida se podemos acreditar no cronista), D. Manuel I morreu no dia 13 de
dezembro de 1521, uma sexta-feira.
Não sabemos nada sobre a forma como D. Leonor reagiu à morte do seu
adorado irmão. Ao contrário dos filhos e da terceira mulher, cuja presença
à cabeceira de D. Manuel I é referida, a rainha velha é omitida do relato que
Damião de Góis faz da doença do rei, bem como do seu funeral. Outro tan-
to fazem outros cronistas como Gaspar Correia e Francisco de Andrada.
No mesmo ano, ficou a rainha sem os dois irmãos. Primeiro, tinha sido
a morte de Isabel, e agora, provavelmente devido a peste, Manuel. As cróni-
cas contam as cerimónias do seu enterro, efetuado em campa rasa por seu pe-
dido, na igreja velha de Belém, porque a igreja dos Jerónimos, que viria a ser
o panteão da sua família, não estava ainda acabada. «Acompanharam-no to-
dos os prelados, e senhores que a seu falecimento acharam, e muitos fidalgos,
cavaleiros, escudeiros, e outros seus criados, e a câmara da cidade com toda
a cleresia, e ordens, e grande parte do povo, com muitas lágrimas, prantos

1 Aubin, 2006, vol. iii, pp. 111-119.


2 Correia, Crónicas, pp. 157-158.

233
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

e choros que cada um fazia pela perda de um tão bom rei, e tão amigo de
seus criados, e vassalos como o ele sempre foi.»1
Mas um documento do Corpo Cronológico dá-nos um detalhe picaresco,
que demonstra até que ponto os relatos oficiais mostram apenas as aparên-
cias. Nestas, existe a necessidade de enquadrar o relato do ponto de vista das
expectativas convencionais em torno da morte do rei, retratando a dor e a
compunção da corte e do povo que se juntava para as cerimónias fúnebres.
Este documento não fala do enterro, mas sim de um saimento, antiga ceri-
mónia fúnebre que já tínhamos analisado para as mortes de Afonso V e do
príncipe filho da nossa rainha. Podiam ocorrer vários saimentos, de acordo
com as fases do luto pelo falecido: cerca de um mês ou de um ano depois da
sua morte, de acordo com fases consideradas fundamentais na decomposição
do corpo. Nos saimentos, os enlutados saíam trajados a rigor com vestes fú-
nebres, e assistiam na igreja às exéquias fúnebres, levantando catafalcos com
tumbas cobertas de panos. Mas no documento que referimos outro episódio
transparece: o roubo de quinze das quarenta tochas usadas no saimento de
D. Manuel, o que significa que houve pessoas com outras preocupações que
não a de chorar o defunto rei2.
Nenhuma das fontes consultadas refere a presença da rainha velha nestes
eventos: nem à cabeceira do irmão, cuja agonia se prolongou por nove dias,
nem nas cerimónias fúnebres. Ficamos sem saber como viveu a morte daque-
le que foi sem dúvida o seu principal aliado. Que a rainha ainda temia pela
sua vida, comprovam-no as deslocações que faria nos anos seguintes às suas
terras da Estremadura, sempre para fugir à peste. Delas trataremos no capítu-
lo seguinte, o último desta sua e nossa biografia.

1 Góis, Crónica do Felicíssimo, Parte IV, pp. 221-223. Citação na p. 23.


2 IAN/TT, CC-I-28-1 [1522.4.3, Lisboa].

234
Capítulo 8
O fim (1522-1525)
8.1. Vamos a contas: em jeito de balanço
«Não é mal a Senhora ajuntar dinheiro de suas rendas e pen-
sões que licitamente pode haver, sem fazer opressão aos seus,
nem engano aos estranhos, nem levar ganhos defesos. Nem
é ela tida dar tudo aos pobres, mas deve guardar dele para suas
necessidades e seu estado; e para pagar aos seus servidores, e dar
honestos dons [presentes]; e pagar o que para ela for tomado;
e pagar o que deve, porque primeiro que as esmolas se devem
pagar as dividas, e, doutra guisa, se faz esmola do alheio. Mas
se a boa Senhora se quer abster das coisas sobejas (o que ela pode-
rá fazer, se quiser), convém a saber, de roupas e joias (que não
são muito necessárias) [...] aquela é a direita esmola e de muito
merecimento.»
Christine de Pizan, O livro das três virtudes1

E ste parágrafo que reproduzi na íntegra pela sua importância contém


o resumo das atitudes de uma boa senhora para com os seus bens,
e não ao acaso faz parte da obra de Christine de Pizan que andava na corte
régia portuguesa desde os tempos em que Isabel (1397-1471), filha de
D. João I, fora duquesa de Borgonha. A nossa rainha, como sabemos, fez da
sua tradução um livro impresso em 1518. O que se retém destes conselhos:
a senhora não deve desfazer-se dos seus bens, tem de viver de acordo com
o seu patamar social e deve, antes de mais, pagar as suas dívidas, e não preju-
dicar ninguém nem usufruir de lucros indevidos. Para os pobres iria o que
sobrasse, dando a autora o exemplo das roupas e joias, consideradas supér-
fluas. Verificaremos em seguida que estes conselhos, que reproduziam o sen-

1 Pizan, O livro, p. 113 (destaques meus).

235
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

so-comum da época, foram seguidos pela nossa rainha (e daí o sucesso da


obra de Pizan, escrita nos inícios do século xv). Com isto quero dizer que
procurarei inserir o modo como geriu bens e fortuna à luz do que era o pen-
samento da época nestas matérias.

O meu ponto de partida é diferente do do historiador Anselmo Braam-


camp Freire, que, como vimos, na sua desmedida admiração por D. João II,
denegriu a nossa rainha em alguns aspetos. Uma das coisas de que a acusou
foi de cupidez, num rigoroso artigo em que analisava, com contas apuradas,
os seus haveres e rendimentos1. Agora que a vida de D. Leonor se aproxima
do fim, é talvez tempo de reexaminar a questão. Não tenho, nem posso ter
de momento, preocupações comparativas: outros historiadores ou historiado-
ras dirão se o percurso patrimonial e financeiro de D. Leonor tem equivalen-
tes nas rainhas portuguesas ou estrangeiras.
Em primeiro lugar, há que dizer algo acerca da estrutura do património
das rainhas. Nele se incluíam várias componentes: o dote, as arras e o assen-
tamento. O dote destinava-se a suportar os encargos do casamento (estamos
numa época em que as mulheres não possuíam rendimentos de atividade
profissional), e era pago pela família da noiva. Na família, era o detentor do
poder paternal sobre a mulher a providenciar o dote: no caso de D. Leonor
foi o seu irmão Diogo (pelo menos oficialmente, porque imaginamos
D. Beatriz à frente das negociações). O dote pertencia ao marido, e voltava
para a família da mulher apenas em caso de viuvez sem filhos. No entanto,
o facto de o marido receber um dote, que lhe permitia sustentar a mulher,
obrigava, pelo menos no caso das rainhas, ao pagamento de uma renda de
manutenção, em forma de tença (pagamento anual na fazenda régia), que re-
cebia o nome de assentamento. Tanto o dote como o assentamento eram
válidos durante o casamento, e podiam ser retirados à rainha no caso de
o rei morrer. Por isso mesmo, outro tipo de bens tinha o fim de assegurar
uma viuvez tranquila: as arras, pagas pelo marido, e embolsadas pela esposa
em caso de viuvez, independentemente de haver filhos. Ana Maria Rodri-
gues, no entanto, afirma que na prática as esposas régias começavam a rece-
ber as arras depois do casamento2. Todos estes bens tinham por objetivo as-
segurar o sustento da esposa dentro e fora do casamento. Ou seja,
paradoxalmente, a independência económica destas mulheres era um facto.
Eram-lhes providenciados meios próprios de fortuna que lhes permitissem
manter o trem de vida esperado, incluindo o sustento de numerosos criados

1 Freire, 1996, vol. i, pp. 97-132.


2 Rodrigues, 2007a, p. 3.

236
O FIM (1522-1525)

e dependentes. Enquanto esposas, tinham as suas terras e rendimentos; na


condição de viúvas recebiam o dote de volta (por inteiro no caso de não ha-
ver filhos vivos, de contrário ficavam apenas com o enxoval) e ainda as arras.
Estes eram os tipos de património que um casamento régio podia gerar.
Vejamos agora a natureza dos bens que os compunham. Qualquer um destes
elementos podia consistir em terras, o que implicava os rendimentos destas
(de caráter agrícola, alfandegários, multas de justiça e todo o género de fisca-
lidade, incluindo as taxas pagas pelas judiarias). Estas últimas correspondiam
aos pesados impostos que recaíam sobre as comunidades hebraicas, que até
1496, ano em que o seu estatuto se alterou, existiam um pouco por todo
o reino. As rendas de D. Leonor provinham das terras da chamada «casa das
rainhas». Este era o nome dado ao conjunto de terras e rendimentos tradicio-
nalmente concedidos pelos monarcas às rainhas portuguesas, que andava na
posse da rainha em exercício, retornando à Coroa por sua morte, e sendo no-
vamente outorgado à rainha sucessiva. Este património próprio das rainhas
construiu-se a partir dos primeiros reinados, mas foi organizado e institucio-
nalizado por D. João I. Dele faziam parte as vilas de Óbidos, Sintra, Alen-
quer, Torres Vedras, Alvaiázere e Torres Novas1.
O dote (o da nossa rainha e não só) incluía também os «corregimentos
de casa e corpo» (que nós conhecemos por enxoval). Trata-se de um conjunto
de bens marcados pela sua conotação com o género feminino: incluía geral-
mente vestidos, objetos de uso pessoal e de toilette, utensílios de mesa e cozi-
nha, objetos litúrgicos para uso nas capelas ou oratórios, tudo geralmente
metido dentro de numerosas arcas. Alguns destes objetos tinham valor sim-
bólico, significando a continuidade da família ao longo de gerações sucessi-
vas. As joias da princesa casadoira que D. Leonor fora aos 13 anos tinham-
-lhe sido dadas por sua mãe Beatriz. Esta era a componente do dote
verdadeiramente inacessível ao marido, porque as rainhas não eram obriga-
das a abrir mão de nada, e podiam testar esses bens a seu bel-prazer. Entre os
bens dados pelo marido para assegurar o nível da vida da rainha, como vi-
mos, constava também uma tença (mais conhecida por assentamento), cons-
tituída por rendas pagas numa das muitas instituições financeiras do rei (al-
moxarifados, Casa da Índia, da Mina, percentagem sobre sisas, etc.).
Os bens e rendimentos atribuídos a uma mulher aquando do seu casa-
mento, pelas vias dotais, não são de forma alguma estáticos. No caso da nos-
sa rainha, vê-los-emos renegociados e até aumentados. Nem tão-pouco o es-

1 Rodrigues, 2007a, p. 5.

237
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

tipulado em escritura é objeto de cumprimento imediato, o que, para


D. Leonor implicou a possibilidade de proceder à sua revisão. A impressão
com que fiquei, caro leitor, é que D. Leonor não cessou, ao longo de toda
a sua vida, de acumular cada vez mais bens e rendimentos, durante os quatro
reinados que a sua vida atravessou: D. Afonso V, D. João II, D. Manuel e
D. João III. Atrevo-me até a sugerir que herdou do pai o talento para acres-
centar o seu património, e talvez da mãe a prudência para o gerir. Como pro-
vavelmente diria Braamcamp Freire, vamos aos «factos»: Ivo Carneiro de
Sousa foi exaustivo no que toca a esta questão, pelo que me basearei em
grande medida no que conseguiu apurar1. Analisar um património nesta
época é tarefa difícil, uma vez que as instituições de finanças eram múltiplas
(o reino estava dividido em inúmeras alfândegas e almoxarifados). Por vezes,
as concessões régias não eram cumpridas, o que torna necessário confirmar
na documentação, caso exista, se determinado rendimento estava a ser pago.
Assim, por exemplo, um ajuste de contas entre a nossa soberana e o rei seu
irmão dá-nos a perceber que, décadas depois do seu contrato de casamento,
a rainha ainda não tinha sido paga do seu dote2. Para já, o seu pagamento era
faseado: como, segundo o leitor deverá estar lembrado, D. Leonor casou com
D. João enquanto príncipe, algumas das suas terras e rendimentos só lhe fo-
ram dadas quando passou a rainha por morte do sogro D. Afonso V.
Sobre o caso de Leonor em concreto, algumas considerações se impõem.
Em primeiro lugar, a de que os rendimentos a que tinha direito eram per-
meados pelo seu estatuto. Há uma subida nítida do seu património quando
passa de princesa a rainha por morte de Afonso V. Daí que existam vários
momentos na progressão do património de D. Leonor e um deles é precisa-
mente constituído pelo momento em que D. João II subiu ao trono por
morte do pai. Ou seja, existe um salto inegável em 1482, depois da morte de
D. Afonso V em agosto de 1481, quando D. João II lhe deu as terras tradi-
cionais das rainhas portuguesas. Numa única doação, as vilas de Torres No-
vas, Alvaiázere, Torres Vedras, Óbidos, Alenquer, Sintra, Aldeia Galega e Al-
deia Gavinha, «como o teve a rainha D. Isabel minha madre e os tinham as
outras rainhas»3.
O segundo momento em que D. Leonor recompõe o seu património
é por ocasião do casamento do filho com Isabel de Castela. Nessa ocasião,
torna-se necessário retirar alguns dos bens da rainha para os conceder à nora.

1 Sousa, 2002, pp. 146-166.


2 O dote foi celebrado em 1473 e a renegociação aconteceu em 1504.
3 IAN/TT, Chancelarias de D. João II, 3.o, fl. 49v [1482.8.12, Évora].

238
O FIM (1522-1525)

D. Leonor não perde com o negócio: abdicou de Torres Novas, Torres Ve-
dras e Alvaiázere, mas recebeu em troca vários tributos cobrados aos judeus
de Lisboa, bem como a cidade de Silves e a vila de Faro. Com a condição de
que as terras voltassem à rainha caso a princesa falecesse e as rendas agora ou-
torgadas à Coroa, o que não veio a acontecer1. No entanto, poucos meses an-
tes, e quando não existiam dúvidas de que o casamento se realizaria, o rei au-
mentara o assentamento da rainha2. Estava-se em julho, mas em setembro
desse ano o rei autorizou-a a dispor em testamento das suas arras para obras
pias, caso viesse a morrer primeiro do que ele. Ou seja, as arras ficaram pro-
priedade plena da rainha3.
O outro momento, que decorre de uma tragédia, é quando rei e rainha
estão em conflito, que se percebe derivado da teima de D. João II em fazer
do bastardo herdeiro depois da morte do filho comum. Já Braamcamp Freire
o notou4. O rei, desesperado, tenta comprá-la. Leonor aproveita os benefí-
cios materiais que este lhe propõe, mas não cede. Habilidades de família,
porque a nossa rainha era um osso duro de roer.
Também em viúva o seu património e rendimentos sofrem alterações,
precisamente durante os primeiros tempos do reinado do sucessor do marido
e seu irmão, o rei D. Manuel I. Com a exceção provável dos quatro anos do
reinado de D. João III em que a rainha ainda viveu, o seu património foi
sempre em crescendo, e os momentos que correspondem a saltos quantitati-
vos acompanham momentos-chave na vida política da monarquia. Quando
D. Leonor passou de princesa a rainha, as melhorias podem ser consideradas
normais devido à sua mudança de estatuto; depois, quer durante os últimos
anos de vida de D. João II, quer durante todo o reinado do seu sucessor, de-
vem-se à benevolência destes, mas sobretudo à sua própria agência. Se tanto
o pai como a mãe tinham tido jeito para o negócio, a filha não lhes ficou
atrás.
Finalmente, outro momento em que se adivinham boas oportunidades
para a rainha é quando D. Manuel sobe ao trono. A rainha adquire aí umas
boas injeções de património, mas a verdade é que a sua boa estrela finan-
ceira nunca esmorece até ao fim da sua vida. Saberá protestar achaques, e a
expectativa de uma morte a curto prazo. Por mais de uma vez a rainha

1 A rainha acabaria por manter todos estes bens e rendimentos (IAN/TT, Chancelarias

de D. João II, L.o 16, fl. 108v [1490.12.8]).


2 D. João aumentou o assentamento da rainha para 2 contos e 25 mil reais (Chancelarias

de D. João II, L.o 16, fl. 85 [1490.7.14]).


3 IAN/TT, (Chancelarias de D. João II, L.o 16, fl. 85. [1490.9.11, Alcáçovas]).
4 Freire, 1996, vol. i, pp. 108-110.

239
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

diz-se doente, e declara que beneficiará por pouco tempo dos bens pedidos.
Quando a rainha pretendia alguma mercê onerosa em termos financeiros pa-
ra a Coroa usava o argumento de ser doente e já lhe restarem poucos anos de
vida, numa alusão clara ao facto de não deixar herdeiros forçados por sua
morte1.
Apenas um documento de 1533, posterior, portanto, à morte da rainha,
permite fazer um balanço geral daquilo que seriam os seus rendimentos nos
últimos anos de vida. Trata-se de uma tomada de contas ao seu tesoureiro,
em que figuram os montantes recebidos pela rainha no quinquénio com-
preendido entre 1521 e 1525. Recebeu o dito, de seu nome Lourenço de
Freitas, uma quantia em torno dos 39 contos, que, divididos por cinco, dá
uma média de perto de oito contos por ano2. Ora, segundo as estimativas de
Vitorino Magalhães Godinho, os rendimentos da Coroa apenas alguns anos
antes foram de 114 contos3. Caro leitor ou leitora, trata-se de uma situação
desafogada, para uma pobre velha que não saía da cama. Mulher muito rica,
portanto. Com alguma «responsabilidade social», mas dentro das medidas, e,
como dizia Braamcamp Freire, sem despender muito do seu4. As Misericór-
dias corriam por conta dos seus benfeitores e voluntários; o hospital das Cal-
das, que sustentava em terras suas, recebia por vezes luxuosamente os seus
hóspedes ilustres, por vezes ela própria; o Convento da Madre de Deus não
era seguramente para pobres. Ou seja, Braamcamp Freire tinha razão, mas
punha o problema em termos que a sociedade tardo-medieval jamais coloca-
ria. À luz da moral social da época, a princesa ou rainha não era Robin dos
Bosques. O que nos leva também a recolocar o papel da caridade nestas so-
ciedades. Muito embora decorresse da necessidade de zelar pela salvação da
alma, e fosse central na vida das pessoas sobretudo quando a morte se aproxi-
mava, é um facto que apenas uma pequena parte dos rendimentos lhe era
aplicada. Ou seja, mais uma questão de retórica, sem dúvida sincera, mas
menos operativa do que decerto se supõe. Relembremos um excerto do tre-
cho de Christine de Pizan com que iniciámos este capítulo: «Nem é ela tida
dar tudo aos pobres, mas deve guardar dele para suas necessidades e seu esta-
do.»

1 IAN/TT, CC-I-14-63 [1514.1.21, Lisboa].


2 IAN/TT, Chancelarias de D. João III, L.o 46, fl. 87v, publ. in Freire, 1996, vol. i,
pp. 133-135.
3 Godinho, 1978, p. 55. Montante referente a 1518-1519; os cálculos do autor não in-

cluem o ultramar e os tratos (malagueta, açúcar, escravos, etc.).


4 Freire, 1996, vol. i, p. 126.

240
O FIM (1522-1525)

8.1.1. As terras e suas rendas


Vimos já que as terras da rainha eram normalmente constituídas pelas vi-
las de Óbidos, Sintra, Alenquer, Torres Vedras, Alvaiázere e Torres Novas.
Por serem, como o nome indica, da casa das rainhas, estas só adquiriam pos-
se plena das mesmas quando eram de facto mulheres do rei, e não do prínci-
pe herdeiro. Foi de facto a situação de Leonor nos cerca de dez anos entre
o seu casamento e a morte do rei D. Afonso V seu sogro, quando o príncipe
D. João se tornou rei.
Na prática, no entanto, não era bem assim. D. Leonor possuía a vila de
Sintra desde que o sogro lha doara em 1480, ou seja, mais de um ano antes
de morrer1. Um ano depois da sua morte, D. João II fez-lhe então doação
das terras das rainhas: novamente Sintra, acompanhada de todas as outras vi-
las referidas, acrescidas de Aldeia Galega e Aldeia Gavinha2. Em 1495, quan-
do o irmão subiu ao trono, acrescentou a estas terras Silves e Faro, e, em
1499, Vila Franca de Xira, Castanheira do Ribatejo, Azambuja e Cascais3.
Com o casamento do filho, D. Leonor tivera de abrir mão de três destas
vilas (Torres Vedras, Torres Novas e Alvaiázere), mas, como se sabe, a prince-
sa voltou para Castela depois da morte de D. Afonso. Quando voltou, seis
anos mais tarde, como mulher do irmão, recebeu dinheiro na expectativa de
ficar com as terras da rainha velha. Morreu em 1498, e sua irmã Maria, que
foi a segunda mulher do rei D. Manuel, também veio a morrer antes de
D. Leonor. Apenas Catarina, mulher de D. João III, e em parte a rainha viú-
va D. Leonor de Áustria viriam a beneficiar desse património fundiário4.
D. Leonor era claramente uma mulher da Estremadura portuguesa: os
seus rendimentos, bem como as suas deslocações, sobretudo enquanto viúva,
incidiram sobretudo nas terras que detinha. Não se trata de um pormenor
sem importância: já o Livro de arautos, escrito no tempo do rei D. João I, da-
va esta região como a melhor e mais rica do reino5. Não era decerto irrele-
vante a sua proximidade e acesso fácil a Lisboa através do Tejo, o que fazia
com que fosse uma das regiões que mais contribuíam para o erário régio6.

1 IAN/TT, CC-I-1-27 [1480.1.31, Viana].


2 IAN/TT, Chancelarias de D. João II, L.o 3, fl. 49v [1482.8.12, Évora].
3 Sousa, 2002, pp. 147-148.
4 IAN/TT, Chancelarias de D. João III, L.o 14, fl. 188v.
5 Livro de arautos, p. 248.
6 João Cordeiro Pereira, 2003, p. 150.

241
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Todas essas terras lhe garantiam avultados proventos, variáveis de ano pa-
ra ano, e hoje difíceis de calcular. A rainha haveria de ter tido a sua contabili-
dade própria, entretanto desaparecida, uma vez que se usava dos oficiais pró-
prios das arrecadações. Mas tinha também rendimentos na fazenda régia, que
veremos em seguida.
A juntar a estes direitos, temos os padroados: pelas contas que fiz aos da-
dos fornecidos por Ivo Carneiro de Sousa, a rainha detinha 55 igrejas sob
a sua alçada, o que significa que era ela a controlar as suas rendas, que ser-
viam, no todo ou em parte, para financiar os padres que ela nomeava para
nelas servir1. Mas eram também os dízimos que custeavam campanhas de
obras e oferta de equipamento litúrgico, muito embora pudessem ser outor-
gados a título de «presente» (como o leitor já entendeu, estamos perante uma
economia de dom e não de mercado). Mais uma vez é a mulher de poder
que emerge: imagine-se a quantidade de homens do clero a quem D. Leonor
podia assegurar o sustento, e que, por esse motivo, lhe deviam atenções redo-
bradas.

8.1.2. Assentamento e impostos


Para além dos proventos provenientes do seu património senhorial,
D. Leonor dispunha ainda de rendimentos certos nas instituições da Fazenda
Régia. Não é esta a altura, caro leitor, para o guiar nas insuportáveis comple-
xidades da organização financeira do reino nos alvores de Quinhentos. Fica-
ríamos todos a perder: a vossa narradora por falta de compreensão da situa-
ção, e o leitor pela confusão a que seria votado. Fiquemos apenas por uma
precisão: as finanças da Coroa encontravam-se dispersas por inúmeras insti-
tuições, que funcionavam a nível local (os almoxarifados, de que existiam pe-
lo menos 29 espalhados pelas comarcas do reino), e outras que se encontra-
vam sediadas sobretudo em Lisboa, divididas por repartições que diziam
respeito a direitos provenientes de impostos, em número de 12 (alfândega,
portagem, o haver do peso, o paço da madeira, etc.), a que correspondiam
nove almoxarifes, uma vez que três delas se encontravam reunidos num só al-
moxarifado2.
Mas para já, uma distinção se impõe: entre o assentamento, renda certa
da rainha que lhe era atribuída em função da sua dignidade régia, e que tinha

1Sousa, 2002, pp. 161-166.


2Sobre estes aspetos, a obra de referência é de João Cordeiro Pereira, 2003, especial-
mente as pp. 168-189.

242
O FIM (1522-1525)

sido inicialmente determinado na sua escritura de dote, e as tenças, concedi-


das a título específico, em rendimentos da Coroa também específicos, e que
lhe tinham sido acrescentadas ao longo do tempo. Fixemos um momento,
perto do fim da vida de Leonor, fixado para a posteridade através do livro das
tenças de Afonso Mexia, datado de 1523, e depois completado, a ponto de
fazer a descarrega dos rendimentos tornados à Coroa pela morte da nossa rai-
nha. Assim, a rainha tinha como certo o rendimento dos impostos sobre as
joias entradas no reino, fixado numa tença de 156 mil reais; e a indemniza-
ção que lhe era devida pelos rendimentos das judiarias das suas terras, extin-
tas por ação do irmão em 1496-1497. No seu caso, apenas a judiaria de Sil-
ves, numa soma inferior a cem mil reais, mas o rei pagava quase dois contos
de tenças correspondentes aos impostos que os senhores do reino tinham
deixado de poder cobrar a mouros e judeus1.
Em concreto, estamos a falar de cerca de 4 contos e duzentos pagos pelo
rei, ou seja, cerca de metade da soma média anual que D. Manuel retirou para
si próprio entre 1509 e 1513, calculada por Braamcamp Freire em pouco mais
de oito contos anuais2. Muito dinheiro, caro leitor, para quem já tinha um
avultado património gerador de muita renda. O seu assentamento não era
muito inferior ao da rainha viúva Leonor de Áustria, ou da sobrinha Isabel,
ainda por casar com o imperador, que recebiam, respetivamente 5,5 e cinco
contos3. O que nos espanta é a acumulação prodigiosa de rendimentos numa
rainha cujo momento já deveria ter passado: estamos a falar de uma viúva, em
fim de vida, e não de Leonor de Áustria, casada com o rei em 1518 e depois
viúva em 1521, que sairia em breve de Portugal, depois de se ter pensado num
segundo casamento com o novo rei de Portugal, o seu enteado D. João III,
e mais tarde se casaria com Francisco I de França. Ou de Isabel, filha mais ve-
lha de D. Manuel, dada em casamento a Carlos V e imperatriz da Alemanha,
uma das peças mais importantes no mercado matrimonial das casas reinantes
da época. Obviamente, a situação financeira de D. Leonor não foi obra da
simples generosidade do irmão, agora defunto e substituído por D. João III ao
tempo da feitura do livro das tenças, mas fruto de constantes diligências suas.
Imaginamo-la a negociar, real por real, os seus rendimentos. Algumas passa-
gens das cartas que escreveu dão bem a medida da sua avidez, como aquela
em que quase ameaça o rei de avançar com uma questão jurídica4. Não nos

1 Cálculo de Freire, «Livro», pp. 212-213.


2 Freire, «Livro», p. 206.
3 Freire, «Livro», p. 118.
4 IAN/TT, CC-I-14-63 [1514.1.21, Lisboa].

243
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

espantamos: D. Leonor terá certamente compreendido que se é rainha de


muito pouco, e que as glórias do mundo são fátuas, mas o poder económico
estava ao seu alcance, e assim como assim, era melhor não prescindir dele.
Não ponho em causa as suas preocupações espirituais, mas não deixo de
apontar que a rainha tratou dos seus interesses materiais durante toda a sua
vida. Caro leitor: se espiritualidade e materialidade são incompatíveis entre
si, a presente narradora não é certamente a melhor pessoa para responder.

8.2. Os últimos quatro anos de vida


D. Leonor invocava frequentemente as enfermidades que a obrigavam
a permanecer na cama nas cartas que ditava aos seus secretários. No entanto,
a rainha viajou até ao fim da vida. Não de sua livre vontade, mas para esca-
par à peste que frequentemente atormentava Lisboa. Tinha muito para onde
ir: bastava-lhe deslocar-se aos numerosos domínios que possuía um pouco
mais a norte, em direção ao hospital das Caldas. Não sabemos como se des-
locava (se usava o andor com que tinha ido à praia de Xabregas saudar a sua
homónima e terceira mulher de D. Manuel), mas nestes últimos anos de vi-
da deve ter sido transportada num veículo onde pudesse permanecer sentada
ou mesmo deitada, se acreditarmos no seu débil estado de saúde. Era tam-
bém já velha (segundo os padrões da época), passado que estava o sexagésimo
aniversário, ocorrido a 2 de maio de 1518.
As informações são algo confusas, uma vez que em dezembro de 1523
a rainha é dada em Xabregas certificando o milagre do Santo Espinho, de
que falaremos em seguida1. Estes são documentos que assinou, e onde prova-
velmente os locais referidos conferem com a presença efetiva da rainha. As
informações de Frei Jorge de São Paulo são um pouco mais questionáveis,
mas refere que a rainha partiu de Xabregas para a sua vila de Alenquer no
princípio de agosto de 1523, e que no ano seguinte partiu para Aldeia Gavi-
nha (não diz de onde), avisando o provedor do hospital das Caldas de que ti-
nha como hóspede o seu sobrinho D. Fernando2.
Mandou também D. Leonor buscar 60 carros de lenha às Caldas, que fo-
ram embarcados para Lisboa em Salir do Porto, e duas pipas de vinagre.
A rainha retribuía ao hospital enviando outras coisas. Diz Frei Jorge: «porém
a rainha não faltava com suas correspondências porquanto no Convento e no

1Sousa, «Cartas», pp. 208-211.


2São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 209. D. Fernando (1507-1534) era o quinto filho de
D. Manuel I e da sua segunda mulher D. Maria.

244
O FIM (1522-1525)

seu paço se faziam as conservas, marmeladas, açúcar rosado, e confeitado que


a rainha mandava todos os anos enquanto viveu aos pobres enfermos do seu
hospital: e no ano de 1523 mandou 68 alqueires de ameixas passadas, 8 arro-
bas de passas do Algarve e uma de figos»1. Uma economia do dom, portanto,
em que a dádiva e contradádiva assumiam um papel fundamental.
O nosso biógrafo dá a rainha como tendo chegado ao seu paço de Xabre-
gas em setembro de 1525, «parece que chamada da morte para dar sua alma
a Deus»2. Para não variar, havia peste em Lisboa.

8.2.1. Pensando na posteridade: o milagre do Santo Espinho


Já percebemos que D. Leonor não era de todo imune a um desejo de, se
não de eternidade, pelo menos de posteridade. Já quando escrevera em 1507
ao bacharel que enviava a Roma para tratar dos seus assuntos de natureza
eclesiástica com o cardeal Alpedrinha (e com o papa por seu intermédio),
a rainha aludia ao facto de o regimento do hospital das Caldas se destinar
a perdurar no tempo como memória de si3.
Um episódio ocorrido no oratório da rainha no seu paço de Santo Elói,
no ano de 1523, o antepenúltimo em que viveu, informa-nos sobre a forma
como a rainha procurou organizar a sua memória, bem como garantir a fama
dos lugares que fundou. Nada menos do que um milagre ocorrido em data
não precisada no paço de São Bartolomeu, e de que a rainha elaborava agora,
a 10 de dezembro desse ano, um documento que o validasse. Em todo o ca-
so, o milagre ocorreu seguramente antes da morte da sua irmã, portanto an-
terior a 1521, uma vez que a duquesa D. Isabel é referida na certidão. E tem
de ser também anterior a 1519, ano em que morreu D. Diogo Ortiz, bispo
de Viseu, outra das testemunhas nomeadas4.
O principal responsável pelo certificado era um notário apostólico, cha-
mado para o efeito, não ao referido paço, mas sim ao Convento da Madre de
Deus de Xabregas, onde sabemos que a rainha dispunha também de aposen-
tos para a sua pessoa. Hoje estranhamos que um milagre seja objeto de uma
escritura, e que haja notários apostólicos a certificá-lo, mas tratava-se de um
passo processual numa complicada trama burocrática que devia chegar a Ro-

1 São Paulo, O Hospital, p. 209.


2 São Paulo, O Hospital, vol. i, pp. 209-210.
3 Sousa, «Cartas», pp. 149.
4 Conhecido por Calçadilha, este personagem foi fundamental nas cortes de D. João II e

D. Manuel, e era castelhano, tendo chegado a Portugal no séquito da Excelente Senhora.


Almeida, 1967-1968, vol. ii, p. 660.

245
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

ma, cujo aval seria definitivo. Era na sede do papado, como sabemos, que se
jogava a fortuna dos inúmeros processos de certificação. Uma coleção de relí-
quias tão impressionante como era a da rainha não ficaria completa se ne-
nhuma delas fosse capaz de operar milagres. Dessa coleção teremos ainda
ocasião de falar um pouco mais adiante. Mas vejamos em que consistiu o di-
to milagre do espinho.
Antes de mais o objeto do milagre: uma relíquia de pertença régia, neste
caso de antiga posse do rei D. Duarte (avô de D. Leonor). Note-se o misté-
rio que envolvia a forma como fora parar às mãos da rainha: um homem ve-
lho, incógnito, tinha-lho dado: «ela [rainha] o houve porque quis nosso se-
nhor trazê-lo à sua mão sendo dos ditos reis passados bem desejado que
nunca dele puderam saber nem haver notícia um homem velho antigo lho
deu não dizendo quem era somente entregando à dita senhora rainha que lhe
pertencia aquela relíquia por ser da coroa real e a ela o deu e entregou sendo
já passados desta vida três reis, a saber, el rei D. Duarte e el rei D. Afonso e el
rei D. João que Deus tem». Tratava-se obviamente de um espinho da coroa
de Nosso Senhor, mas a rainha não tinha a certeza da sua autenticidade.
A conselho do prior do Crato, D. Diogo de Almeida, que lhe dissera que em
Rodes havia um espinho semelhante que operava milagres nas Sextas-Feiras
Santas — ele próprio havia presenciado um deles —, D. Leonor ordenou
a Frei Afonso de Portugal, seu confessor e frade franciscano, que o colocasse
no oratório. No dia seguinte, enquanto os dois rezavam, a rainha lembrou-se
do espinho, e pediu-lhe que o fosse ver. E eis senão quando o bom do frade
viu que o espinho sangrava, apresentando duas gotas de sangue1.
Chamou a rainha, que por sua vez chamou a irmã Isabel, duquesa de
Bragança, e com ela vieram muitas outras mulheres de suas casas. São aí no-
meadas, porque constituem testemunhas do milagre: D. Margarida Henri-
ques, camareira da rainha, D. Catarina da Rosa, mulher de D. Diogo de Li-
ma, e duas criadas, Leonor de Valascos e Joana Nunes, juntamente com um
número indeterminado de donas e damas da rainha e da duquesa. Havia
também capelães presentes — segundo o relato, três ou quatro, e um deles,
Tomé Toscano, levou a relíquia a um eirado onde a examinaram à luz do sol.
A seguir foi a vez de o nosso já conhecido bispo de Viseu, D. Diogo Ortiz,
vir ver o espinho sangrante e confirmar o milagre.
Concluía-se: «Seja certificada e notória a todas as pessoas as presentes
e futuras por louvor de Deus e devoção dos devotos cristãos e para confusão

1 Sobre o culto do sangue de Cristo no final da Idade Média, cf. Bynum, 2007,

pp. 1-21.

246
O FIM (1522-1525)

dos maus e infiéis verem tais sinais e ouvirem que em um espinho seu de tantos
mil anos nosso senhor quis mostrar o seu sangue precioso que lavou nossos pecados
aos olhos dos pecadores.» Para finalizar informava o notário que «E eu como
notário apostólico lhe dei este instrumento a requerimento da dita rainha
nossa senhora para ficar por lembrança e certeza de tamanho e tão certo mi-
lagre deste verdadeiro espinho para estar com esta memória onde quer que sua
alteza o deixar quando quer que a nosso senhor aprouver para si levar». Afirma-
va também o notário que tinha ouvido como testemunhas todas as pessoas
mencionadas na escritura. Mas atenção: este personagem acumulava funções
com as de esmoler e capelão da rainha, de seu nome Gomes Vaz. Não sabe-
mos que fortuna teve o relato nos meandros da burocracia papal, mas em to-
do o caso informa-nos bem sobre as expectativas da rainha relativamente às
relíquias que tinha na sua posse, bem como nos avisa de que D. Leonor ten-
tava evitar que o milagre caísse no esquecimento a que a sua morte o vota-
ria1.

8.2.2. A vida continua: D. João III casa com Catarina de


Áustria
Antes de morrer, encontramos também a nossa rainha a cumprir uma
vontade de seu defunto irmão: a de fundar um hospital do orago de Santa
Ana2. A rainha escolheu um sítio numa localização-chave e fez-se doar umas
casas por parte do sobrinho D. João III. Ficamos a saber que a casa da mise-
ricórdia de Lisboa se situava junto ao terreiro velho do trigo, junto do paço
da madeira3. Não sabemos quando é que o hospital ficou pronto, mas seria
pelos séculos seguintes uma das unidades hospitalares administradas pela Mi-
sericórdia da cidade, dedicada a albergar trinta e duas mulheres. Mais impor-
tante do que isso, este documento antecipa o funcionamento da Misericórdia
de Lisboa naquele sítio, uma vez que se pensava que funcionou sempre na Sé
até se mudar em 1534 para este local, depois conhecido por Conceição Ve-
lha4.
No último ano de vida da rainha, novos casamentos na Casa Real esta-
vam resolvidos e iriam em breve ter lugar. Neste caso, dois enlaces cruzados:

1 BNP, Ms. 255, n. 14 [1523.12.10, Xabregas]. Também publicado in Sousa, «Cartas»,

vol. ii, pp. 209-211.


2 Desconhecia-se até agora a origem do hospital.
3 «e partiam [as casas] do levante com o muro do paço da madeira onde ora é a igreja da

misericórdia» (IAN/TT, Chancelarias de D. João III, L.o 37, fl. 160 [1524.12.12, Évora]).
4 Ribeiro, 1902, p. 71.

247
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

havia quem lhes chamasse casamento a troco, e tratava-se de casar dois casais
de irmãos. D. João III casava com uma irmã do imperador Carlos V (seu pri-
mo, claro) e este último com uma irmã de D. João III, a infanta D. Isabel.
Depois de provavelmente ter desejado a mulher do pai, que lhe tinha sido
inicialmente prometida para noiva, — relação de que as más-línguas não ces-
saram de falar depois da morte do rei em dezembro de 1521 —, D. João III
resolvia finalmente a questão do seu casamento1. Houve quem escrevesse até
ao irmão imperador afirmando que D. Leonor de Áustria estava grávida do
enteado, e conta-se que Carlos V, alarmado, apressou o regresso desta a Cas-
tela2. Em vez de casar com Leonor, viúva do pai, agora disponível, a escolha
do novo rei recaía sobre a sua irmã mais nova, a filha póstuma de Filipe,
o Belo e de Joana a Louca. Estamos a falar de Catarina de Áustria, portanto.
Uma vez mais, D. Leonor, a rainha velha, agora no seu último ano de vi-
da, não deu sinais de querer ir às festas de casamento. Mas um episódio de-
monstra à suficiência que a rainha não só estava no pleno uso das suas facul-
dades mentais, como tinha a curiosidade de saber o que se passava. Um dos
relatos da chegada da nova rainha ao reino, proveniente de Tordesilhas, de
onde quase fugira de uma mãe desgostosa de a perder para sempre3, foi pre-
cisamente encomendado por D. Leonor a alguém da sua confiança. E aqui,
caro leitor, permita-me que especule: será que D. João III mantinha a mesma
relação dedicada que seu pai votara à nossa rainha? Ou esta, sabendo que
o sobrinho dificilmente lhe daria parte dos acontecimentos, tratou de agen-
ciar as suas fontes de informação? Em todo o caso, confirma-se: D. Leonor,
até ao fim, não perdeu a vontade de saber tudo o que se passava. Ainda que
por interpostas pessoas, e ouvindo-as provavelmente sem se levantar da cama
em que jazia.

8.3. Europa, anos vinte


No tempo em que D. Leonor viveu passara-se muita coisa na Europa.
Vimos já as grandes datas da segunda metade do século (1453, 1492, 1498)
ou do primeiro quartel do século xvi, mas o que nos importa aqui também
sublinhar são as grandes mudanças — mais silenciosas — que operaram ru-
turas profundas na história da Europa.

1 Sobre as difíceis negociações, e os diferentes problemas em jogo, cf. Buescu, 2007,


pp. 117-142.
2 Boato referido por Sanuto, I Diarii, vol. xxxiv, coluna 231 (maio de 1523).
3 O estado de confusão e sofrimento que a perspetiva de ficar sem a filha originou na

rainha D. Joana é narrado por Buescu, 2007, pp. 135-142.

248
O FIM (1522-1525)

A vida de D. Leonor tinha começado sob os auspícios da invenção da


imprensa, e graças ao livro impresso a cultura europeia nunca mais foi a mes-
ma. Ao livro-tesouro manuscrito sucedeu-se o objeto corrente, em formatos
cada vez mais portáteis, e a preços cada vez mais acessíveis. O livro impresso
libertou a memória, ao permitir citar textos uniformizados e referenciados
através da numeração das páginas. Nas universidades foi cada vez mais fácil
ler livros em vez de estudar por cópias manuscritas ou confiar exclusivamente
na memória para decorar textos ou ditados dos professores. Foi também
a imprensa a permitir que movimentos de dissidência religiosa, até então fa-
cilmente reprimidos, ganhassem dimensões que possibilitaram a rutura
(a obra completa de Lutero ocupa hoje dezenas de volumes).
Quando Leonor começou a sua vida, as ameaças à sobrevivência da Eu-
ropa (diga-se cristandade) eram sobretudo externas, como o inexorável avan-
ço turco; em 1525 a ameaça de destruição vinha de dentro. O imperador já
não podia contar com a unidade religiosa para segurar o volátil império ale-
mão. A fratura religiosa seria uma realidade com que a Europa teria de lidar
até a religião perder importância na política dos estados, o que só aconteceu
depois do fim da Guerra dos Trinta Anos, em 1648. Até lá, muitos europeus
consideravam a fé religiosa uma causa pela qual valia a pena morrer, e a mor-
te vitimou muitos dos que pegaram em armas para defender as suas convic-
ções1. A figura do papa, que tão importante fora para sancionar os conflitos
políticos e geoestratégicos de todos os estados da Europa (sobretudo os ibéri-
cos do século xv, como vimos), passou a ser objeto de claro desrespeito em
muitas das regiões protestantes. Não apenas por causa da religião, mas usan-
do-a em larga medida como pretexto, muitas das regiões da Europa entraram
em guerra. Algumas delas de natureza interna, como a que colocaria católicos
franceses contra huguenotes (calvinistas), e lançou a França numa sangrenta
guerra civil.
Foi também a época em que a guerra passou a ser feita de forma radical-
mente diferente. Quando o seu filho casou, em 1491, o marido D. João II ti-
nha chefiado as justas em honra da noiva, defendendo-a contra os rapazes
solteiros. O mundo da cavalaria e dos feitos de honra acabava, para dar lugar
aos disparos de artilharia em fortalezas cada vez mais construídas em função
da colocação dos canhões. Os castelos tornaram-se construções do passado.
A guerra exigia a príncipes e reis cada vez mais despesas, levando-os a aumen-
tar a carga fiscal, e muitas vezes a pedir emprestado muito dinheiro a nego-

1 Sobre o declínio da religião como motivo de violência, ver Rabb, 1975, pp. 80-82.

249
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

ciantes, que por sua vez cobravam taxas de juro altíssimas1. Nas velhas cida-
des medievais, de ruas escuras, estreitas e tortuosas, com casas entrando umas
pelas outras, abriram-se ruas em linha reta, por vezes largas, com edifícios cu-
ja altura se alinhava pelo chão ou pela linha de água, e de volumetrias sim-
ples. Mas era também um mundo onde a Europa impunha cada vez mais
a sua presença a povos que não podiam competir militarmente com ela.

8.4. Depois do fim


Não é normal que uma biografia extravase o ano da morte do seu objeto
narrativo. Sabemos já que Leonor morreu em novembro de 1525. Uma mor-
te discreta, numa Lisboa que estava uma vez mais assolada pela peste, e da
qual não restaram testemunhos. Provavelmente nem houve funeral, uma vez
que morreu no seu paço contíguo ao convento de Xabregas, onde ficou se-
pultada.
Mas encaremos o fim de uma vida como uma pedra que cai num espelho
de água: um barulho de um corpo a submergir, e algumas ondas à superfície
que depressa cessam. A morte de D. Leonor foi pouco noticiada pelos cronis-
tas de D. João III2. Nenhum deles narra com detalhe o seu enterro, nem os
seus últimos anos de vida. Morto o irmão rei, envelhecida a rainha, muito
provavelmente acamada, estava-se longe dos fastos que tinham feito de
D. Leonor uma personagem importante na cena religiosa e política do reino.
Onde estava Gil Vicente na morte da sua antiga protetora? O seu sobrinho
e afilhado era agora rei, não parecendo ter dedicado qualquer atenção espe-
cial à tia, para além de um esporádico aval a um pedido seu, quase sempre
em benefício do Convento da Madre de Deus. D. Leonor seria uma sombra,
e muitos na corte haveriam de ter esquecido o importante contributo que ela
prestara para o atual estado de coisas. Não esqueçamos, a acreditar nos cro-
nistas, que fora ela a convencer D. João II a colocar na sucessão ao trono
o nosso D. Manuel I, em vez do filho adulterino.
Por ironia do destino, seria esse mesmo bastardo do marido, D. Jorge, já
entrado em anos, a herdar-lhe o paço de Santo Elói. Ao que parece, já lá vi-
via, ou muito perto, ainda em vida da «madrasta». Como é que a rainha pas-
sou de uma repugnância visceral (como conta Resende, não podia suportar
a sua presença ainda em vida do marido) para uma situação de coabitação,
ou pelo menos de vizinhança? Se os anos deram ou não à rainha a capacidade

1 Greengrass, 2006, pp. 92-99.


2 Referimo-nos a Andrada, Crónica, Correia, Crónicas, e Castilho, «Vida del Rej».

250
O FIM (1522-1525)

de perdoar, afinal um dos ditames da religião que professava, não sabemos.


Mas talvez a resposta mais pragmática residisse numa tradição familiar con-
sentânea com esta época, que consistia na busca constante da absorção do
inimigo através da união de sangue. É que Jorge casara em 1500, como vi-
mos, com uma rapariga a quem a rainha queria como filha, filha de D. Álva-
ro de Portugal, e portanto uma Bragança.
A morte da rainha significava também que era necessário dar destino às
pessoas que compunham a sua casa. Esta última incluía as suas damas de
companhia, os seus inúmeros criados, preenchendo as mais diversas funções,
ou simplesmente pessoas que dependiam da sua proteção para sobreviver.
Não conhecendo o seu testamento na íntegra, é difícil saber de que modo
a rainha providenciou no sentido de os remediar depois da sua morte, con-
forme era hábito na época. Mas encontrámos 103 pessoas da sua casa incor-
poradas na corte do rei seu sobrinho, algumas delas com indicação das quan-
tias a receber1. O número de dependentes da rainha podia ser superior, uma
vez que é provável que nem todos tenham sido incluídos nas folhas de paga-
mento de D. João III. Mas isto não significa que estas pessoas tivessem passa-
do a viver na corte régia, uma vez que é sabido que os seus mais de cinco mil
moradores não representavam a gente efetiva que nela andava2.
Talvez muitas das pessoas com quem D. Leonor lidou tivessem razões
para guardar boas recordações, e até nutrir sentimentos de gratidão em rela-
ção a ela. Existem numerosos testemunhos de que D. Leonor estava sempre
pronta a interceder em favor das pessoas da sua proteção. Muitas tinham já
morrido, enquanto outras se recordariam ainda de cartas escritas a livrá-las
da justiça, a arranjar-lhes cargos em vereações municipais, ou a favorecer-lhes
negócios3. Uma atividade digna de uma possuidora de senhorios e senhora
de uma «casa», que implicava antes de mais a proteção de pessoas com quem
mantinha relações pessoais. Se a rainha foi excecional nas proteções que dis-
pensou, não sabemos, uma vez que não temos padrões de comparação, mas
o certo é que intercedeu a favor de muitos, desde simples escravos, até pes-
soas sob a alçada da sua irmã, a duquesa viúva de Bragança4.
Alguém muito especial, no entanto, enviou os seus pêsames ao rei
D. João III quando sua tia morreu: nada menos que o rei do Congo, um dos

1 BNP, Coleção Pombalina, cod. 648.


2 João Cordeiro Pereira, 2003, p. 320.
3 Entre muitos outros exemplos, cf. Sousa, «Cartas», pp. 165-166 [1509.5.4,

e 1509.8.16, Xabregas], p. 174 [1512.11.26, Lisboa].


4 A favor de criados da duquesa D. Isabel: in Sousa, «Cartas», p. 154.

251
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

africanos que tinha sido educado em Lisboa1. Pelo menos por enquanto,
o seu trabalho em prol da conversão dos meninos negros ao cristianismo não
fora de todo esquecido. Mas atenção, a carta incluía queixas amargas sobre as
formas de procedimento dos portugueses. Em primeiro lugar, o esquecimen-
to a que votavam os cristãos: a notícia da morte do rei D. Manuel I não ti-
nha chegado ao Congo, e não havia vinho e farinha para celebrar a eucaristia,
produtos necessariamente importados da Europa. E, o que era pior, escravi-
zavam-se os súbditos do rei congolês através do rapto, alguns deles seus pa-
rentes: eram logo marcados a fogo, para legitimar a propriedade dos raptores.

8.5. Os bens da rainha


Outro motivo haveria para lembrar a rainha nos anos que se seguiram
à sua morte. A inevitável execução do seu testamento. O documento original
perdeu-se, e, para desgraça da vossa narradora, só dele resta uma parte. Já
Frei Jorge de São Paulo, o primeiro biógrafo da rainha, declarava em meados
do século xvii que também não tinha tido acesso a ele, uma vez que as reli-
giosas da Madre de Deus, a quem se dirigira, tinham recusado mostrar-lho,
por medo2.
O cronista dos franciscanos da província de Portugal, Frei Jerónimo de
Belém, em contrapartida, publicou um extenso fragmento do testamento,
onde faltam todavia partes fundamentais3. Talvez a que temos seja a menos
interessante, porque se circunscreve aos objetos de devoção da rainha. Ficare-
mos sem saber se a rainha dava alguma atenção a objetos profanos, mesmo
que lhe tivessem ficado dos seus anos de juventude: joias, roupa de corpo,
pentes, espelhos, etc. Nada disso aparece. Se lhe juntarmos a inexistência de
uma descrição do seu enxoval de casamento, é uma parte da sua vida, entre
tantas outras, que se nos escapa.
Sabemos que D. Leonor não viveu sempre entre a cama e o oratório,
e falta-nos o seu lado profano. Que o teve certamente: lembre-se que o rei
descansava no seu regaço nos idos de 1484, usando-o para se proteger do seu
cunhado D. Diogo, que presumivelmente espreitava o melhor momento pa-
ra o matar. Um episódio narrado nos Ditos portugueses, coletânea de historie-
tas e fait-divers da corte portuguesa do século xvi, alude à vida sexual da rai-
nha durante o seu casamento. A história corre deste forma: uma dama

1 IAN/TT, CC-I-34-94 [1526.7.6, Congo].


2 São Paulo, O Hospital, vol. i, p. 61.
3 Corresponde a uma parte do manuscrito que se encontra na Biblioteca Nacional, Cód.

11 352.

252
O FIM (1522-1525)

queixou-se à rainha, já viúva, de que o fidalgo com quem a casara era mau
caseiro por gostar demasiado de caçar. Respondeu a rainha: «Calai-vos, Fuão,
que se não pode levar a carga do matrimónio sem alguma recreação. O que
as outras mulheres sentem eu o não sei; mas de mim vos afirmo que todas as
vezes que el rei meu senhor, que está em glória, vinha de fora, me parecia que
tornava a casar de novo.»1 O grande problema com as frases alegadamente
proferidas por personagens históricas é nunca podermos distinguir a realida-
de do mito. Mas, a ser verdade, confirma-se a ideia de que as relações com
o seu marido foram tudo menos de indiferença.

8.5.1. Objetos litúrgicos


Os bens de natureza fundiária da rainha voltaram à Coroa, bem como
o assentamento e as tenças; D. João III era o seu herdeiro forçado, uma vez
que não deixara descendência. Vemo-lo de facto a tomar posse das suas terras
pouco tempo depois da sua morte.
Quanto aos seus bens de natureza móvel, os de natureza devocional fica-
ram todos para o seu Convento da Madre de Deus de Xabregas. Um conjun-
to impressionante de objetos, em que pontificam já os têxteis de importação
asiática, usados nas vestimentas litúrgicas, nos frontais e coberturas de altar,
em panos de estante e em corrediças (cortinas de correr). Ainda um conjunto
impressionante de pelo menos onze retábulos, e oito pinturas sobre madeira
(designadas por tábuas). Os retábulos eram geralmente colocados por cima
de um altar. Alguns deles poderiam já estar em depósito no convento, confir-
mando a rainha a sua doação através do testamento. Uma vez que D. Leonor
muito dificilmente possuiria um número tão elevado de altares no seu orató-
rio privado, é de crer que fosse já, por si mesma, uma pequena coleção de
pintura. Isso explica, por exemplo, que boa parte do espólio de pintura anti-
ga do Museu Nacional de Arte Antiga seja proveniente do Convento da Ma-
dre de Deus de Xabregas.
Se não temos a certeza de que D. Leonor colecionou pintura, o mesmo
não podemos dizer das relíquias que conservava junto de si. Os historiadores
consideram, de resto, as relíquias como as primeiras coleções da Europa, que,
juntamente com outros objetos sagrados, faziam parte dos «tesouros»2. No
caso de D. Leonor trata-se de um conjunto impressionante de objetos sacra-

1 Ditos, n.o 589, p. 210 (destaque meu).


2 Pomian, 2003, pp. 333-353.

253
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

lizados, desde os restos de esqueletos ou partes fossilizadas de corpos, aos ob-


jetos pessoais de santos (tais como pedaços de túnica, ou uma «escudelinha
[tijela] pequena por onde bebia S. António de Pádua»), as chamadas relíquias
de contacto. Estes restos evocam um conjunto muito vasto de personagens
da história sagrada, de santos antigos e modernos, estes últimos de tradição
franciscana, como se podia esperar. Para nós fica uma impressão do caráter
«universalizante» desta coleção, que de resto denota mesmo alguns laivos de
sistematização.
D. Leonor parecia querer um pouquinho (no sentido literal do termo) de
tudo: há relíquias de virgens mártires (Santa Inês, Santa Águeda, queixadas
das Onze Mil Virgens, ossos de S. Auta); não faltam também restos dos cha-
mados mártires de Lisboa, Veríssimo, Júlia e Máxima1; ossos de santos dos
inícios da cristandade (Lourenço, Jerónimo, Estêvão, Gregório, Bento, Agos-
tinho, Brás, Bartolomeu, Veríssimo, Pedro, André, Lucas, João Batista, Ni-
colau, Lázaro, Martinho); também profetas como Daniel e Abraão, ou os
Santos Inocentes. E ainda os mais modernos e franciscanos, como veremos
imediatamente a seguir. Resta dizer, no entanto, que as peças mais valoriza-
das da coleção, exatamente porque mereceram a honra de um relicário
sumptuoso, foram a Vera Cruz e o Santo Espinho, exatamente porque repre-
sentavam a Crucifixão (ver foto 23). Mas muitos outros objetos recordavam
os lugares e momentos da Paixão de Cristo: pedaços da coluna onde foi fla-
gelado, pedras da Terra Santa, pedras do Santo Sepulcro onde Cristo apare-
ceu a Nossa Senhora. E ainda pedras da coluna onde o anjo saudou a Madre
de Deus (referência à Anunciação). A lista parece não ter fim. A ideia com
que se fica é que a rainha as possuía como quem tem uma pequena história
sagrada em objetos. Algo que faz lembrar vagamente uma coleção de cro-
mos...
Graças a esta coleção iniciada por D. Leonor, o Convento da Madre de
Deus, possui hoje, instalado no coro da igreja, um dos mais impressionantes
conjuntos de relíquias que se conhecem em território nacional, talvez só
comparável ao do mosteiro de Alcobaça2. Enquanto este último se esforça
por reunir uma panóplia de relíquias de santos beneditinos, outros heróis
apelavam a Leonor. Os santos franciscanos mais conhecidos estão lá todos:
São Francisco de Assis (1181-1226), Santo António de Lisboa (1195-1231),

1 Sobre a lenda e a iconografia relativa a estes três irmãos, cf. Batoréo, s.d.
2 De notar que o convento continuou a acumular relíquias depois da morte de D. Leo-
nor, pelo que a coleção aí existente extravasa o espólio da rainha.

254
O FIM (1522-1525)

Santa Clara (1194-1253) e São Bernardino de Siena (1380-1444), represen-


tados através de pedaços das respetivas túnicas. E ainda os Mártires de Mar-
rocos1.
Antes de saírem dos aposentos de D. Leonor (dos quais fazia parte o seu
oratório) para o convento de Xabregas, várias destas relíquias tinham um uso
privado. Algumas eram trazidas junto ao corpo da rainha, envoltas em pe-
quenas bolsas atadas ao pescoço. Em todo o caso, o seu valor comercial não
parece ter sido muito elevado. Relembremos que D. Leonor tinha mandado
em 1507 alguém da sua confiança a Beja adquirir um relicário de ouro es-
maltado com um osso de São Brás do espólio da mãe e que na altura não
custou mais do que 4300 reais, o que pressupõe que só o peso do ouro tinha
valor comercial2.

8.5.2. Objetos profanos


Outra indicação importante dada pelas mesmas contas tomadas ao te-
soureiro da rainha, Lourenço de Freitas, é relativa a bens móveis. Tal como
a mãe D. Beatriz, cujo inventário post-mortem analisámos em capítulo ante-
rior, D. Leonor possuía um avultado capital em têxteis de toda a sorte, sem
dúvida destinados a vestir condignamente todos os membros de sua casa.
Teria certamente os seus alfaiates e concederia vestiarias (parte do salário
pago em vestuário e calçado) tal como quaisquer outros reis e rainhas da
época. Precisava também de têxteis para a confeção de frontais de altar, ves-
timentas litúrgicas, cortinas corrediças, etc., mas são ao todo quilómetros
e quilómetros de peças e bocados de tecidos muitos diversos, desde os de
maior luxo, como a estamenha e guardalate, ao pano da terra. Contámos
22 itens diferentes relativos a qualidades e tipos de tecido que vão desde
a preciosa estamenha de Florença aos panos da Covilhã ou panos baixos de
Castela.
Mas é o stock de especiarias e outros produtos medicinais ou alimentares
exóticos que nos espanta pela sua variedade e quantidade. Elaborei um qua-
dro, para que o leitor ou leitora se aperceba da quantidade de produtos exóti-
cos de que o tesoureiro da rainha apresentou contas ao longo desses cinco
anos:

1 Correspondem a vários franciscanos enviados por Francisco de Assis a pregar em Mar-


rocos, onde foram martirizados em 1220, depois de uma breve passagem por Portugal.
2 Freire, «Inventário da infanta», p. 73.

255
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Açúcar e especiarias recebidos pelo tesoureiro da rainha entre 1521 e 15251

Substância Peso (em quilos) Média anual (1521-1525)

Açúcar 6133 1227

Pimenta 469 94

Canela 294 59

Maças2 232 46

Malagueta 232 46

Noz-moscada 198 40

Incenso 191 38

Cravo 147 29

Gengibre 147 29

Beijoim3 88 18

Canafístula4 65 13

Estoraque5 38 8

Totais 8234 1647

O produto que a rainha recebia em maior quantidade era naturalmente


o açúcar, de que tinha um padrão anual de 100 arrobas pelo menos desde
1509.
Não sabemos que destino tinham todos estes produtos: se utilizados na
cozinha e na botica do convento da rainha, se eram direcionados para o hos-
pital das Caldas, se serviam para pagar tenças aos moradores da sua casa, ou
até se parte deles era vendida. Provavelmente de tudo um pouco. Seria inte-
ressante também saber o valor comercial de todos este produtos, mas atente-
mos apenas no seu peso médio anual: entre açúcar e as especiarias mais varia-
das, entravam nos cofres da rainha mais de tonelada e meia.

1 Fonte: Freire, 1996, pp. 133-135.


2 Maças é o mesmo que noz-moscada, mas, por razões que desconheço, a documentação
não mantém as duas designações.
3 Resina balsâmica, de origem asiática, usada na farmacopeia e como fixador de perfu-

mes e incenso.
4 Planta medicinal.
5 Bálsamo odorífero.

256
O FIM (1522-1525)

A nossa rainha, no entanto, seguia um dos conselhos de Christine de Pi-


zan, se é verdade que a sua camareira-mor, Margarida Henriques, apenas ti-
nha em guarda um anel de ouro com um diamante, uma safira e um rubi.
Nada de joias de uso pessoal, que são coisas supérfluas, portanto. O mesmo
não se dirá de um relicário de ouro, e cerca de 84 quilos de prata lavrada em
muitas peças1. Sem dúvida que esta era a prata de uso sacro, porque a da co-
zinha e mesa, cuja conta foi tomada em separado, juntamente com as contas
da ucharia, pesava pouco mais ou menos metade, rondando os 42 quilos2.
Caro leitor ou leitora, lance um pequeno véu de misericórdia sobre estas mi-
nhas contas: são aproximadas, uma vez que os pesos usados na época varia-
vam de lugar para lugar, e às vezes de instituição para instituição, conferindo
uma enorme complexidade aos cálculos. Em todo o caso, as contas da prata
refletem bem as prioridades da rainha: embora lhe desse algum uso profano,
era sem dúvida ao culto litúrgico que dava a primazia.

8.5.3. Os livros: uma pequena biblioteca


Vimos já que a nossa rainha aderiu entusiasticamente à grande novidade
tecnológica do seu tempo, a imprensa. Teria gostado de livros, portanto,
quanto mais não fosse porque estes eram uma componente fundamental da
devoção religiosa. Conseguimos saber os livros que deixou ao seu convento,
inventariados juntamente com os objetos sacros que acabámos de referir.
Não correspondem no entanto à totalidade de livros de sua propriedade,
uma vez que existem exemplares que se sabe terem-lhe pertencido que não
constam desta lista.
Apesar da recente invenção da imprensa, muitos dos livros eram ainda
manuscritos, a menos que o inventário dissesse «letra de forma», expressão
que referia os livros impressos. Outros eram em latim, e outros em lingua-
gem, isto é, em vernáculo. Neste caso, tanto podiam ser em castelhano como
em português. No entanto, o latim continuava a ser, neste ocaso da Idade
Média, a principal língua da cultura escrita.
Cabe também aqui dizer uma palavra acerca das modalidades de leitura
da nossa rainha. Também neste aspeto, como soberana que era, D. Leonor se
teria feito servir: alguém lia para ela durante as refeições, ou então, a partir da
fundação do seu convento, assistia às leituras da comunidade no refeitório.
Confirma-se o espaço que a devoção e o culto religioso ocupavam na
mente de D. Leonor. A maior parte dos livros são de teor religioso, quer se

1 Correspondem a 364 marcos, 3 onças e 2,5 oitavas, segundo as medidas utilizadas.


2 100 marcos, 4 onças e 5 oitavas.

257
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

trate de bíblias, livros de horas, manuais de liturgia (caso dos pontificais), vi-
das de santos ou sermões. Tratava-se no entanto de uma biblioteca com algu-
ma variedade, na medida em que nela se encontravam alguns livros de histó-
ria, de literatura (romances ou relatos de viagens). Não se regista a presença
de muitos livros do século xv e xvi, mas o maior contingente é de livros de
autores medievais, o que dá uma boa imagem da época em que podemos si-
tuar a rainha. Ou seja, mesmo que D. Leonor não tivesse lido ou ouvido ler
todos os seus livros, os títulos de uma biblioteca são geralmente suficientes
para traçar uma imagem do gosto do seu possuidor. Portanto: uma rainha
fortemente ancorada na Idade Média, com algumas raízes nos autores clássi-
cos (embora sobretudo Padres da Igreja). Também, como mulher de poder
que era, lhe interessavam as obras didáticas, que davam instruções de vida ao
género feminino. A sua posse nas mãos da rainha ilustra antes de mais uma
consciência de género: D. Leonor sabia bem que jamais poderia imitar os ho-
mens, mas devia em vez disso atuar dentro daquilo que se esperava das mu-
lheres. Mandara traduzir uma dessas obras, da autoria de Christine de Pizan,
mas conhecem-se outras na sua biblioteca.
Havia também uma obra sobre Roma, que poderia ter sido um daqueles
livros em que se descreviam, por vezes em imagens, os monumentos da cida-
de santa, em particular os numerosos vestígios da Roma antiga que tanto in-
teressavam os homens do Renascimento. A sua presença, no entanto, não
chega para retirar a nossa rainha da época anterior, com a qual tinha mais afi-
nidades.
Uma última palavra, caro leitor. Vários dos livros da rainha que ainda
subsistem contêm uma anotação, sem dúvida posterior, que ameaça de exco-
munhão quem os levasse do sítio onde estavam: «este livro foi da rainha do-
na Leonor e não se pode dar a ninguém de todo: sob pena de excomunhão,
porque assim deixou a fizesse em seu testamento»1. Esta é uma anotação de
uma Bíblia que não faz parte do inventário citado, hoje existente na Bibliote-
ca Nacional, e que permitiu atribuir a sua posse a D. Leonor. Outra obra, es-
ta pertença do Arquivo Distrital de Leiria, tem uma anotação semelhante.
A mesma ameaça de excomunhão paira sobre as pessoas que levassem o livro,
porque este tinha sido deixado à Madre de Deus pela rainha; neste caso, não
se percebe como o livro foi parar ao hospital das Caldas2.

1 Sobre o inventário dos livros de D. Leonor, cf. Cepeda, 1987, pp. 51-81. Citação na
p. 53.
2 Arquivo Distrital de Leiria, Vita Patrum.

258
O FIM (1522-1525)

8.6. O destino da rainha


Uma observação final: porque é que D. Leonor, depois de toda a ativida-
de devocional que se lhe conhece, nunca foi objeto de qualquer esforço de
canonização junto da Santa Sé? A cunhada Joana, como vimos, foi-o, e a sua
ação em prol da caridade foi praticamente nula, ao contrário da da rainha.
A mulher de D. Dinis, a rainha Santa Isabel (1271-1336), haveria de ser bea-
tificada no reinado de D. Manuel I, em 1516, e depois canonizada em 1625.
Mas não se conhece nada que leve a pensar que alguém tenha visto em Leo-
nor uma potencial candidata à santidade. As suas primeiras tentativas de ca-
nonização são relativamente recentes, e não parece terem sido levadas por
diante1. Porque será? Decerto razões políticas o explicarão, porque, como se
sabe, as canonizações estão dependentes de contingências de tempo e cir-
cunstância, e são ditadas por relações de força existentes em configurações es-
pecíficas. Mas dá que pensar.
A lápide da rainha lá está, no convento que desapareceu quase por inteiro
e hoje é o Museu do Azulejo (não se engane o leitor com os pastiches que lhe
são dados a ver, são mentira), ao lado da duquesa sua irmã, e de Soror Cole-
ta, cúmplice fundamental no processo de fundação do convento, de que foi
a primeira abadessa2. Já não no lugar original, porque o cronista da ordem
seráfica da província do Algarve, Frei Jerónimo de Belém, nos conta que por
ocasião da nova fábrica do claustro grande mandado fazer por D. João III os
seus ossos foram para lá tresladados, tendo sido as infantas Maria e Isabel
a limpá-los e metê-los num vaso, depois colocado sob uma lápide à entrada
do capítulo3. Esses restos mortais devem ter desaparecido há muito, mexidos
ou pelo terramoto ou pela ignorância de alguém. Para a frente do tempo,
deixou Leonor alguns objetos, algumas cartas e bastantes papéis que a ela se
referem. O pouco que dela consegui saber, se é que vale alguma coisa, foi-me
transmitido por eles.

8.7. Epílogo
O tempo de Leonor acabou durante a sua vida. A espiritualidade tran-
quila e aristocrática da devotio moderna, expressa em tantas miniaturas dos

1 Gil, 2008, pp. 236-237.


2 Sobre obras e restauros do convento, ver Benevides, 1878, p. 318.
3 Chronica Seráfica, Parte III, p. 82. Não sabemos a que infantas Frei Jerónimo se referia.

Existem duas Marias para este período, a filha de D. Manuel (1521-1577) e a de D. João III
(1537-1545), mas nenhuma Isabel, a não ser Isabel de Bragança (1512-1576), casada com o in-
fante D. Duarte.

259
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

livros de horas, em tantas Nossas Senhoras com o Menino ao colo, tinha os


seus dias contados. Lutero começou por colocar em questão as indulgências,
acusando o papa de vender bens espirituais fora do seu alcance, porque só
Deus os podia conceder. Embora o tivesse feito a propósito de uma campa-
nha específica que o papa tinha lançado para custear as obras do Vaticano,
Lutero não teria aprovado as graças espirituais que D. Leonor se esforçava
por adquirir junto da Santa Sé para o seu hospital e o seu convento, embora
não saibamos se e quanto a rainha pagou por elas. Depois pôs em causa a le-
gitimidade do culto das relíquias (só Leonor possuía dezenas delas), dos san-
tos (recordemos as Onze Mil Virgens de que Santa Auta fazia parte) e da
própria Virgem (sob cujo manto de misericórdia Leonor quis abrigar os de-
samparados). Os mesmos frades mendicantes que suspeitamos terem assedia-
do a nossa rainha pugnando pela prosperidade dos seus conventos e pela sol-
vência das suas vidas foram odiados por Lutero com todas as suas forças.
Considerou-os vadios e inúteis, porque viviam de esmola e portanto do tra-
balho alheio. Também o mapa do além se alterou profundamente para os
protestantes: o Purgatório deixou de existir. Mais ainda, Lutero veio dizer
a quem o quis ouvir que as boas obras — a caridade entre elas — não garan-
tiam o paraíso a ninguém: só a graça de Deus salvava. Quando Leonor nas-
ceu quase ninguém se atrevia a pensar semelhantes coisas; quando morreu,
muitos estavam dispostos a morrer pelas ideias de Lutero ou de outros refor-
madores protestantes.
Dois anos depois da sua morte, Roma era saqueada por ordem de um
imperador filho de uma rainha louca, espanhola, encarcerada num castelo da
desesperante Meseta Ibérica, que foi simultaneamente rei de Espanha e im-
perador da Alemanha. Um ataque em nome da Realpolitik da época: Car-
los V era hipercatólico por convicção (rejeitara liminarmente Lutero na dieta
de Worms em 1521) e conveniência política (contava com a religião para
unir o Império) mas atacar Roma tinha-se tornado um imperativo. Conte-
mos brevemente a história: Carlos V parecia imparável nas suas vitórias mili-
tares, tendo-se aliado aos inimigos do papado e feito prisioneiro Francisco I
rei de França na Batalha de Pavia. O papa Clemente VII (outro dos rebentos
da família Médici)1, que o imperador considerava criatura sua, uma vez que
fora ele a negociar a sua eleição ao trono de São Pedro, sentindo a ameaça
imperial sobre toda a Europa, tinha-se aliado aos inimigos de Carlos V. Em-
bora tivesse outras frentes de guerra a combater, a ira do imperador abateu-se

1 Clemente VII era filho ilegítimo de Juliano de Médicis. Um seu primo, este filho legí-

timo de Lourenço de Médicis, foi papa com o nome de Leão X.

260
O FIM (1522-1525)

sobre Roma, que foi saqueada durante semanas. Aparentemente, a morte do


comandante das forças imperiais, agravada pelo não pagamento dos soldos,
descontrolou as tropas. O papa refugiou-se no Castel Sant’Angelo e fugiu de-
pois da cidade, não sem ter visto e sabido dos horrores que a soldadesca per-
petrava na cidade1. Ironia suprema: grande parte dos soldados do catolicíssi-
mo Carlos V eram mercenários luteranos, e Lutero acreditava que o papa era
o Anticristo. Os seus grafitti antipapistas ainda hoje se podem ler no Castel
Sant’Angelo. Roma a ferro e fogo colocava em causa tudo aquilo em que
a nossa rainha acreditava: o saque foi interpretado como um castigo divino
pelos desmandos do papado2.
Um mundo tão absurdo como o de hoje. E despeço-me aqui, cara leitora
ou leitor, esperando ter o prazer de os voltar a encontrar nas páginas de um
livro.

1 Sobre o impacte do saque na cidade de Roma, cf. Murphy, 2004, pp. 232-243.
2 Prosperi, 2000, pp. 300-310.

261
ANEXOS
CRONOLOGIA

CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1387.2.2 Casamento de Filipa de Lencastre com


D. João I, no Porto.

1388.7.13 Nascimento de Branca, filha de


D. João I e Filipa de Lencastre. Morreu
em 1389 e jaz na sé de Lisboa.

1390.07.30 Nascimento em Santarém do infante


D. Afonso, filho de D. João I e Filipa
de Lencastre.

1391.10.31 Nascimento do infante D. Duarte, filho


de D. João I e Filipa de Lencastre.

1392.12.9 Nascimento em Lisboa do infante


D. Pedro, filho de D. João I e Filipa de
Lencastre.

1394.3.4 Nascimento no Porto do infante


D. Henrique, filho de D. João I e Filipa
de Lencastre.

1397.2.21 Nascimento em Évora da infanta


D. Isabel, filha de D. João I e Filipa de
Lencastre.

1400.1.13 Nascimento em Santarém do infante


D. João, filho de D. João I e Filipa de
Lencastre. Viria a casar com Isabel, filha
de D. Afonso, 1.o duque de Bragança.
Avô materno da rainha D. Leonor.

1400.12.33 Morte do infante D. Afonso; jaz na sé


de Braga.

1402.9.29 Nascimento em Santarém do infante


D. Fernando, filho de D. João I e Filipa
de Lencastre.

1415.7.15 Morte da rainha Filipa de Lencastre em


Odivelas.

1428.9.22 Casamento do infante D. Duarte com


Leonor de Aragão.

1429 Casamento do infante D. Pedro com


Isabel de Urgel.

265
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1429.1.10 Em Bruges, terceiro casamento de Filipe,


o Bom, duque de Borgonha, com a infanta
D. Isabel de Portugal.

1429.10.00 Nascimento de João, filho de D. Duarte


e Leonor de Aragão; morreu em
pequeno.

1430.11.27 Nascimento da infanta D. Filipa, filha


de D. Duarte e Leonor de Aragão.

1432 Nascimento de Isabel, filha do infante


D. Pedro; viria a casar com Afonso V.

1432.1.15 Nascimento em Sintra do futuro


Afonso V.

1432.12.7 Nascimento no Sardoal de Maria, filha


de D. Duarte e D. Leonor de Aragão;
morreu no mesmo ano.

1433.11.17 Nascimento em Almeirim do infante


D. Fernando, filho de D. Duarte
e Leonor de Aragão; pai da rainha
D. Leonor.

1434.9.18 Nascimento em Torres Vedras de


Leonor, futura imperatriz da Alemanha,
filha de D. Duarte e Leonor de Aragão.

1435 Nascimento da infanta D. Filipa, filha


de D. Pedro, duque de Coimbra. Seria
freira em Odivelas.

1435.7.12 Nascimento de Duarte, filho de


D. Duarte e D. Leonor de Aragão;
morreu em pequeno.

1436.3.7 Adoção do pai da rainha, o infante


D. Fernando, pelo infante D. Henrique.

1436.11.26 Nascimento de Catarina, filha de


D. Duarte e D. Leonor de Aragão.

1437.9.13 a Desastre de Tânger; infante


1437.10.16 D. Fernando, tio da rainha, feito
prisioneiro.

1438 Morte do rei D. Duarte em Tomar.

1438 O infante D. Fernando, cativo em


Marrocos, transferido de Tânger para
Fez.

266
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1438 O infante D. Fernando, irmão de


Afonso V, e pai da rainha, jurado
príncipe em Tomar.

1439.3.00 Nascimento de Joana, irmã de


Afonso V, filha póstuma de D. Duarte
e de Leonor de Aragão. Viria a casar
com Henrique IV de Castela.

1439.3.24 Morte da infanta D. Filipa, filha de


D. Duarte e Leonor de Aragão.

1442.10.18 Falecimento do infante D. João, filho


de D. João I e Filipa de Lencastre em
Alcácer do Sal; pai da infanta D. Beatriz
e avô da rainha D. Leonor. Era
governador da Ordem de Santiago.

1443 Coroação de Afonso V de Aragão como rei


de Nápoles.

1443.6.3 Morte do infante D. Fernando em Fez.

1444.5.23 Nomeação do infante D. Fernando, pai


da rainha, como governador da Ordem
de Santiago, por morte de Diogo, filho
do sogro, o infante D. João.

1445.2.18 Morte em Toledo da rainha D. Leonor


de Aragão, mulher de D. Duarte.

1445.9.28 Contrato de casamento dos pais da


rainha, o príncipe D. Fernando e
D. Beatriz, sua prima direita.

1446.1.15 D. Afonso V atinge a maioridade.

1447 D. João II de Castela casa com


D. Isabel, filha do infante D. João
e irmã da infanta D. Beatriz, mãe da
rainha.

1447 Casamento nas Alcáçovas dos pais da


rainha, o infante D. Fernando, duque
de Viseu, e D. Beatriz.

1448.5.6 Casamento de Afonso V com Isabel de


Coimbra, filha do infante D. Pedro
e Isabel de Urgel.

267
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1449.1.00 Retirada do cargo de condestável a


D. Pedro, filho do regente D. Pedro,
e sua entrega ao príncipe D. Fernando,
pai da rainha.

1449.5.20 Morte do infante D. Pedro na Batalha


de Alfarrobeira.

1450.12.10 Assinatura em Nápoles do contrato de


casamento de Leonor, irmã de
Afonso V, com Frederico III imperador
da Alemanha.

1451 Nascimento em Génova de Cristóvão


Colombo.

1451.1.00 Nascimento de João, primeiro filho de


Afonso V e Isabel de Coimbra, morto
pouco depois.

1451.4.22 Nascimento de Isabel, a Católica, a uma


quinta-feira. Era segunda na linha da
sucessão régia, depois do seu meio-irmão,
Henrique, filho do primeiro casamento do
pai, o rei João II de Castela. Prima direita da
rainha pelo lado materno.

1451.8.00 Afonso V recebe em Lisboa os


embaixadores do casamento de sua irmã
Leonor com o imperador da Alemanha.

1451.10.25 Saída de Leonor, agora imperatriz da


Alemanha, para se ir juntar ao marido,
o imperador Frederico III.

1452.2.6 Nascimento de Joana, filha de


Afonso V e Isabel de Coimbra. Ficaria
conhecida como «princesa Santa Joana».

1452.3.18 Coroação pelo papa da imperatriz D. Leonor,


filha de D. Duarte e Leonor de Aragão.

1453.2.17 Afonso V concede o título de duque de


Beja ao irmão Fernando, pai da rainha,
e doa-lhe Beja, Serpa e Moura.

1453.3.10 Nascimento de Fernando de Aragão.

1453.5.29 Conquista de Constantinopla pelos turcos


otomanos.

1453.12.17 Nascimento de Afonso, irmão de Isabel,


a Católica, e filho de João II de Castela
e Isabel, tia materna da rainha.

268
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1454.7.21 Morte de João II de Castela (1406-1454),


pai de Isabel, a Católica, quando esta tinha
3 anos.

1455 Trasladação para a Batalha das ossadas


do infante D. Pedro, morto em
Alfarrobeira.

1455.5.3 Nascimento do futuro D. João II nos


paços de Alcáçova.

1455.5.11 Batismo de João II na sé de Lisboa.

1455.5.21 Casamento de D. Joana, irmã de


Afonso V, com Henrique IV de Castela.

1455.12.2 Morte súbita, aos 23 anos, em Évora,


da rainha D. Isabel, mulher de
D. Afonso V e filha do infante
D. Pedro. Mãe de Joana e João
(João II).

1458 Morte de Afonso V de Aragão e sucessão em


João II, pai de Fernando, o Católico.

1458.5.2 Nascimento da rainha D. Leonor,


filha dos infantes D. Fernando e
D. Beatriz.

1459 Fundação do Convento de Nossa


Senhora da Conceição de Beja pelos
pais da rainha.

1459.3.24 Falecimento de Filipa, irmã de Afonso V.

1459.8.27 Morte em Florença do cardeal D. Jaime,


filho do regente D. Pedro.

1460.10.28 Testamento do infante D. Henrique.

1460.11.13 Morte do infante D. Henrique em


Sagres aos 67 anos.

1460.12.3 Afonso V doa a Fernando, pai da


rainha, as ilhas da Madeira, Açores
e Cabo Verde.

1461.7.11 Concessão vitalícia, por Afonso V, do


mestrado da Ordem de Cristo a favor
do pai da rainha, o infante
D. Fernando, que já era mestre da
Ordem de Santiago.

269
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1461.7.22 Morte de Carlos VII de França e subida ao


trono de Luís XI.

1461.12.00 Morte de D. Afonso, 1.o duque de


Bragança.

1462.2.28 Nascimento de D. Joana, filha de D. Joana


de Portugal e de Henrique IV de Castela
(será depois a Excelente Senhora ou
Beltraneja).

1462.5.9 D. Joana, depois a Excelente Senhora ou


Beltraneja, jurada herdeira em cortes.

1463.6.17 Morte da infanta D. Catarina, irmã de


Afonso V, no Mosteiro de Santa Clara
de Lisboa, de febres.

1464.1.00 Encontro entre Afonso V e


Henrique IV de Castela, para falar do
casamento do primeiro com Isabel,
a Católica.

1464.8.30 Paulo II papa.

1465.1.1 Início do Mosteiro de Jesus de Aveiro,


dominicano.

1465.10.26 Falecimento em Arévalo da avó materna da


rainha, a infanta D. Isabel, viúva do infante
D. João e filha de D. Afonso, 1.o duque de
Bragança.

1466 Acordos do casamento do príncipe


D. João (futuro D. João II) com
D. Leonor, filha mais velha do
infante D. Fernando e D. Beatriz.

1467.6.15 Morte de Filipe, o Bom, duque de Borgonha


e marido de Isabel de Portugal; sucede-lhe
o filho de ambos, Carlos, o Temerário.

1467.9.3 Morte em Neustadt de Leonor de Portugal,


imperatriz da Alemanha, mulher de
Frederico III.

1468 Envio por Afonso V de uma embaixada


a Castela, para solicitar a mão de Isabel,
a Católica.

270
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1468 Conquista de Anafé por D. Fernando,


pai da rainha, sendo a cidade
abandonada após a conquista.

1468 Fernando (depois o Católico) recebe o título


de rei da Sicília.

1468.7.5 Morte de Afonso, irmão de Isabel, a Católica.

1468.9.18 Pacto de Toros de Guisando no qual


Henrique IV reconhece Isabel, a Católica,
como herdeira do trono castelhano.

1469.5.31 Nascimento de D. Manuel, irmão mais


novo da rainha, em Alcochete, no dia
da festa do Corpo de Deus.

1469.6.23 Afonso V obtém uma dispensa papal


para casar com Isabel, a Católica.

1469.10.19 Casamento de Isabel, a Católica, com


Fernando de Aragão, depois conhecidos
como «Reis Católicos».

1469.12.2 Morte de Piero de Médicis. Filhos Lourenço


e Juliano assumem o poder em Florença.

1470.2.3 Fundação do Convento de


Santo António do Varatojo por Afonso
V.

1470.7.12 Contrato do casamento entre


D. Fernando, depois duque de
Bragança, e D. Isabel, irmã da rainha.
Casariam dois anos mais tarde.

1470.9.18 Morte do pai da rainha, o infante


D. Fernando, em Setúbal, antes de
chegar a dispensa para o casamento da
filha com o futuro D. João II. Era
governador das ordens de Santiago e de
Cristo.

1470.10.2 Nascimento de Isabel, filha mais velha dos


Reis Católicos na vila de Dueñas. Viria
a casar com o príncipe D. Afonso, único
filho da rainha, e depois com D. Manuel I,
de quem seria a primeira mulher.

1471 No seguimento da conquista de Arzila,


entrega das mulheres e filhos de Mulei Xeque
contra as ossadas do infante D. Fernando,
morto prisioneiro em Fez.

271
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1471.1.22 Casamento em Setúbal do príncipe


D. João, futuro D. João II, com
D. Leonor. Ele tinha 16 anos e ela, 13.

1471.2.1 A ordem de Cristo é entregue a


D. Diogo, irmão de D. João, duque de
Viseu, ambos irmãos da rainha.

1471.7.26 Morte do papa Paulo II.

1471.8.9 Sisto IV papa.

1471.8.15 Partida do rei e do príncipe para Arzila.

1471.8.24 Tomada de Arzila. O príncipe D. João


é feito cavaleiro.

1471.9.7 De Lisboa, a princesa D. Joana escreve


à câmara de Coimbra comunicando
a tomada de Arzila e de Tânger.

1471.9.17 Embarque do rei Afonso V e do


príncipe D. João para Portugal.

1471.10.00 A princesa D. Joana, com 18 anos,


é levada ao mosteiro de Odivelas,
desfazendo a casa que herdara de sua
mãe, e juntando-se à irmã desta última,
Filipa, que aí vivia.

1471.11.18 Isabel, duquesa viúva de Borgonha, institui


um encargo pio perpétuo por alma do
infante mártir D. Fernando na Capela de
Santo Antoninho em Lisboa.

1471.12.17 Morte da infanta D. Isabel, duquesa viúva de


Borgonha, filha de D. João e Filipa de
Lencastre. Sepultada no convento da Cartuxa
em Dijon.

1471.12.22 Protestos do povo em cortes contra


a entrada em religião da princesa
D. Joana.

1471.12.23 Os procuradores do povo deslocam-se


a Odivelas para protestar junto de
D. Filipa e da princesa D. Joana pela
entrada em religião desta última.

1472 O príncipe D. João torna-se mestre da


Ordem de Santiago.

272
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1472 Estando o rei e a infanta D. Beatriz em


Beja, deram casa ao príncipe D. João
e a Leonor.

1472.3.29 Encontro de Afonso V com


Henrique IV de Castela a meio
caminho entre Elvas e Badajoz.

1472.6.17 Tumulação no mosteiro da Batalha das


ossadas do infante mártir D. Fernando,
trazidas de Fez.

1472.7.00 Partida da princesa D. Joana para


Aveiro, onde chegou a 30 do mês.

1472.8.4 Entrada da princesa D. Joana no


Mosteiro de Jesus de Aveiro.

1472.8.16 Morte do duque de Viseu, D. João,


irmão da rainha, em Tomar.

1472.9.19 Casamento de D. Fernando, futuro


duque de Bragança e D. Isabel, irmã de
D. Leonor.

1473 Negociações para o casamento de


D. Joana, a Excelente Senhora, com
Afonso V.

1473.1.11 Doação vitalícia por Afonso V a


D. Diogo, duque de Viseu e Beja,
senhor da Covilhã e Moura, das ilhas de
Porto Santo e Deserta.

1473.9.16 Celebração do contrato nupcial entre


o futuro D. João II e D. Leonor, em
Lisboa, embora estivessem já recebidos.

1474.12.11 Morte do rei Henrique IV de Castela.

1474.12.13 Isabel, a Católica proclama-se rainha de


Castela em Segóvia.

1475.1.25 A princesa Santa Joana decidiu tomar


o hábito, mas os protestos populares e o
príncipe D. João obrigaram-na a voltar
atrás, embora continuasse a viver como
freira.

1475.4.25 Afonso V ratifica o príncipe D. João


como regente do reino, enquanto
estiver ausente em Castela.

273
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1475.4.28 Testamento de Afonso V.

1475.5.18 Nascimento em Lisboa do príncipe


D. Afonso, único filho de Leonor e do
futuro D. João II, quando se preparava
a guerra com Castela.

1475.5.25 Entrada de Afonso V em Castela,


dando início à guerra da sucessão deste
reino.

1475.5.29 Casamento de D. Afonso V com


D. Joana de Castela, depois conhecida
por Excelente Senhora.

1475.6.13 Falecimento em Madrid de D. Joana de


Portugal, mãe da Excelente Senhora e viúva
de Henrique IV de Castela.

1475.6.19 A infanta D. Beatriz, mãe de


D. Manuel, recebe do papa Sisto IV
o governo temporal da Ordem de
Cristo, durante a menoridade de seu
filho D. Diogo.

1476 Elevação ao cardinalato do arcebispo de


Lisboa D. Jorge da Costa, depois
conhecido por cardeal Alpedrinha.

1476.1.1 O príncipe D. João II parte para


Castela em socorro de Afonso V.

1476.1.25 Carta régia nomeando Leonor regente


do reino. Partida do príncipe D. João
da Guarda para Castela em socorro do
pai.

1476.3.2 Batalha de Toro a uma sexta-feira.

1476, Páscoa O príncipe João II regressa ao reino


onde o estava esperando a princesa
Leonor sua mulher.

1476, inícios de Afonso V deixa Toro em direção


junho a Portugal, e vem ao Porto, onde se
encontra com a infanta D. Beatriz e os
mais dos senhores e prelados do reino.

274
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1476.8.00 Partida de Afonso V para França a fim


de pedir auxílio ao rei Luís XI.

1477 Casamento do futuro imperador da


Alemanha, Maximiliano, com Maria de
Borgonha. Seriam pais de Filipe, o Belo.

1477.4.28 Conselho do Espinheiro.

1477.9.24 Afonso V abdica a favor do príncipe


D. João.

1477.11.10 O príncipe D. João levantado por rei


em Santarém nos alpendres de São
Francisco.

1477.11.15 Regresso de D. Afonso V a Portugal


e consequente devolução do trono pelo
príncipe D. João o príncipe.

1478 Depois do regresso de Afonso V de


França, durando ainda a guerra com
Castela, Lopo Vaz de Castelo Branco,
o Torrão, alcaide de Moura, colocou-se
do lado de Castela, e intitulou-se conde
de Moura. João II mandou matá-lo
e restituiu a vila e fortaleza à infanta
D. Beatriz, sua sogra.

1478.4.1 Morte de D. Fernando I, segundo


duque de Bragança. Sucede-lhe
D. Fernando II, duque de Guimarães,
e marido de Isabel, irmã da rainha.

1478.4.26 Morte de Juliano de Médicis na catedral de


Florença durante a conspiração dos Pazzi.

1478.6.17 Recrutamento militar ordenado por


Afonso V perante ameaça de invasão do
rei da Sicília, Fernando, o Católico.

1478.6.30 Nascimento de João, único filho varão dos


Reis Católicos.

1478.11 Bula de Sisto IV estabelecendo a Inquisição


em Castela.

1479 Peste em Aveiro: ordem do príncipe


D. João para que sua irmã Joana
abandone temporariamente o mosteiro.

275
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1479.1.20 Fernando II, o Católico, sucede no trono de


Aragão por morte do pai, João II.

1479.3.23 Início das negociações de paz entre


Portugal e Castela, através do encontro
em Alcântara entre a mãe da rainha,
a infanta D. Beatriz, e Isabel, a Católica.

1479.9.3 Carta da câmara de Lisboa ao príncipe


D. João II perguntando-lhe quando
entra em Lisboa e como quer ser
recebido.

1479.9.9 Assinatura do Tratado de


Alcáçovas-Toledo, nas Alcáçovas, no
qual se estabelece a paz entre Castela
e Portugal. Inclui um programa de
tomada recíproca de reféns entre as
duas partes conhecido por «terçarias de
Moura».

1479.10.6 Data provável da entrada da Excelente


Senhora no Convento de Santa Clara
de Santarém.

1479.11.6 Nascimento de Joana, filha dos Reis


Católicos.

1480, Tomada de Otranto pelos turcos, ainda que


agosto-setembro por pouco tempo, e cerco de Rodes.

1480.11.3 A filha mais velha dos Reis Católicos, Isabel,


abandona Medina del Campo com destino
a Moura, para dar início ao acordo das
terçarias.

1481.2 Primeiro auto de fé da Inquisição em


Sevilha.

1480.11.15 Profissão da Excelente Senhora em


Santa Clara de Coimbra.

1480.12.27 Concessão de poderes por Isabel, a Católica


ao mestre de Santiago para trazer D. Manuel
à sua corte.

1481 Início da pintura dos frescos na Capela


Sistina.

1481.1.11 Início das terçarias de Moura. Entrega,


feita pelos pais, do príncipe Afonso
à infanta D. Beatriz, sua avó. João II e
Leonor ficaram em Beja para estar perto
do filho.

276
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1481.1.11 D. Manuel parte para Castela como


refém, em substituição de Diogo, duque
de Viseu e seu irmão mais velho, que se
encontrava doente.

1481.1.12 Depois de delongas e mediante


ameaças, a infanta Isabel de Castela
chega finalmente às terçarias de Moura.

1481.6.25 Ordem de Isabel, a Católica, para Diogo,


duque de Viseu, ser trazido à corte, uma vez
que D. Beatriz tinha comunicado que já
estava em estado de ir para Castela.

1481.8.00 Nascimento em Abrantes de D. Jorge,


filho bastardo de D. João II e de Ana de
Mendonça.

1481.8.10 Afonso V doa a D. Diogo, irmão da


rainha, a vila de Beja e a ilha da
Madeira.

1481.8.22 Entrega de Diogo, duque de Viseu, aos


castelhanos como refém das terçarias.

1481.8.28 Morte de Afonso V em Sintra;


o príncipe D. João II, viajando à pressa,
conseguiu encontrá-lo ainda com vida.

1481.8.31 João II levantado por rei na sala do jogo


da péla em Sintra.

1481.8.31 De Sintra, João II escreve à câmara de


Évora ordenando a forma como
o haviam de levantar por rei
e convocando cortes para essa cidade
em novembro desse ano.

1481.9.1 D. João II aclamado rei em Lisboa.

1481.10.15 Exéquias solenes de D. Afonso V no


mosteiro da Batalha.

1481.11.12 Início das cortes de Évora.

1482.1.00 Transferência das cortes de Évora para


Montemor por causa da peste.

1482.1.19 Chegada de Diogo de Azambuja à Mina,


onde funda a cidade e monta o castelo de
São Jorge.

277
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1482.3.12 Ordem de D. João II à câmara de Évora


para realizar uma procissão
comemorativa da Batalha de Toro.

1482.5.15 Carta dos Reis Católicos a João II solicitando


o casamento por palavras de futuro do
príncipe Afonso com sua filha mais velha
Isabel, atendendo a que o primeiro faria 7
anos no sábado seguinte, dia 18 de maio.

1482.6.29 Nascimento em Córdova de D. Maria, filha


dos Reis Católicos e futura segunda mulher
de D. Manuel I.

1482.8.18 Terminado o ano em que Diogo, duque de


Viseu, devia estar refém das terçarias, Isabel,
a Católica, dá ordens para este ser substituído
pelo irmão Manuel, tal como estava
determinado.

1482.9.00 João II envia Rui de Pina ao mosteiro


de Guadalupe, onde estavam os Reis
Católicos, para negociar o casamento do
príncipe com uma das filhas do casal,
e tentar apressar o fim das terçarias.

1482.9.8 No castelo de Moura, a infanta


D. Beatriz, tomando D. Manuel pela
mão, entrega-o aos embaixadores
castelhanos. No entanto, como se
tinham iniciado negociações para
modificar o acordo das terçarias,
D. Manuel acaba por ficar em Moura,
com a ressalva de que iria para Castela
mal Isabel, a Católica, o solicitasse.

1483 Criação da Inquisição em Aragão.

1483, Quaresma Em Almeirim a rainha perde uma


(entre 12 de criança que esperava. Vêm vê-la
fevereiro e 30 de o duque de Viseu seu irmão, regressado
março) de Castela, e o duque de Bragança.
João II aproveita para ter uma conversa
séria com ele na capela dos paços
dentro da cortina.

1483.5.15 Fim das terçarias em Avis, por acordo


com embaixadores de Castela.

278
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1483.5.24 A infanta D. Beatriz procede em Moura


à entrega das crianças aos representantes
dos pais delas.

1483.5.25 Isabel, filha mais velha dos Reis Católicos,


acompanhada até à fronteira por Diogo,
duque de Viseu.

1483.5.29 Prisão em Évora de D. Fernando,


duque de Bragança, onde se tinha
deslocado para estar presente nos
festejos pela libertação do príncipe
D. Afonso.

1483.6.00 Vinda de D. Manuel para a corte; el-rei


passa a criá-lo em sua cama.

1483.6.20 Execução em Évora do duque de


Bragança.

1483.7.00 Ida para Abrantes do rei, da rainha e do


príncipe.

1483.8.30 Carlos VIII rei de França, por morte de Luís


XI.

1483.9.00 Em Abrantes, execução de D. João


marquês de Montemor em efígie, por
andar fugido em Castela.

1483.10.11 Partida da família real de Abrantes para


Lamego. Diogo, duque de Viseu, fica
em Tomar. Ida em romaria ao santuário
de São Domingos da Queimada, nas
cercanias de Lamego. A rainha segue
para Viseu e depois para o Porto. O rei
desloca-se entretanto a Trás-os-Montes
e vem ter com a rainha ao Porto, onde
estão até janeiro de 1484. Vão depois
para Aveiro; falam à princesa D. Joana
de casamento com Diogo, duque de
Viseu. Depois vão para Santarém, onde
se encontram com este último.

1483.11.10 Nascimento de Lutero.

1484 Episódio em que o rei, estando deitado


com a rainha, à noite, persegue um
hipotético atacante.

1484.1.6 Carta régia com medidas para a limpeza


de Lisboa, assolada há muito tempo
pela peste.

279
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1484.8.12 Morte do papa Sisto IV.

1484.8.22 Chegada do rei a Setúbal, a uma


sexta-feira.

1484.8.23 Sábado, morte do duque de Viseu às


mãos do rei.

1484.8.29 Inocêncio VIII papa.

1484.9.10 Carta de João II à câmara de Lisboa


declarando a sua partida para submeter
a fortaleza do Sabugal, deixando
a rainha responsável pelo governo.

1484.9.16 Carta da rainha participando à câmara


de Lisboa a saída de Castela de uma
frota cujo destino se ignorava,
e prevenindo-a para avisar Cascais
e toda a costa. Rainha em Setúbal.

1484.9.16 Carta da rainha, agradecendo à câmara


de Lisboa as manifestações de lealdade
à Coroa.

1484.9.23 A rainha, de Setúbal, escreve ao corsário


João Bretão por intermédio da câmara
de Lisboa.

1484.9.27 Carta de João II à câmara de Lisboa


participando que a fortaleza do Sabugal
se lhe submetera.

1484.10.14 Carta da rainha solicitando à câmara de


Lisboa que faça procissões para a cura
de João II, então doente. Rainha em
Alcácer do Sal.

1484.10.15 O rei escreve à câmara de Lisboa


dizendo que está bem, mas um pouco
fraco, tendo pedido à rainha para
assinar por ele.

1484.11.24 Carta do rei à câmara de Lisboa


solicitando que não se faça mal aos
judeus, a pedido destes últimos.

1485 Primeira menção conhecida ao hospital


das Caldas, fundado pela rainha.

1485.12.16 Nascimento de Catarina, filha dos Reis


Católicos.

280
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1487.5.7 Pero da Covilhã e Afonso de Paiva são


enviados por terra à Índia e ao reino do
Preste João.

1487.8.00 Partida de Lisboa de Bartolomeu Dias, na


viagem que o levará a dobrar o cabo da Boa
Esperança.

1487.8 Peste em Lisboa.

1488, inícios Ordem de João II para reparar


fortalezas da raia.

1488.3.4 Ordem de D. João II para a cidade de


Lisboa celebrar com procissão a receção
de uma bula de cruzada que concedia
indulgências para a guerra de África.

1488.4.5 Chegada à corte da notícia de que


Maximiliano estava preso em Bruges.

1488.8.00 Em Almada, conselho sobre


o casamento do príncipe.

1488.11.03 Batismo do africano Bemoim na casa da


rainha.

1488.11.7 Bemoim feito cavaleiro.

1489 Negociações com a Flandres do casamento


de João de Castela com Margarida e de Joana
de Castela com Filipe da Borgonha.

1489.3.1 Ida do rei para o Algarve com a rainha,


o príncipe e o duque. Em Tavira pede
dinheiro emprestado.

1489.11.7 Entrada de João II em Évora.

1490.1.00 O rei convoca cortes para Évora.

1490.3 início Partida de Évora de embaixada para


Castela, a fim de tratar do casamento
do príncipe D. Afonso com Isabel, filha
mais velha dos Reis Católicos, levando
um retrato do príncipe «tirado pelo
natural».

1490.3.24 Reunião de cortes em Évora por causa


do casamento do príncipe.

281
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1490.5.12 Morte da princesa Joana, irmã de


D. João II.

1490.6.15 Chegada a Évora, à corte, de D. Jorge,


filho bastardo de D. João II, depois da
morte da tia D. Joana, que o criava em
Aveiro.

1490.7.05 Carta da rainha, datada de A dos


Ruivos, procedendo à demarcação do
termo de Óbidos relativamente aos
coutos de Alcobaça.

1490.09.05 O mosteiro de Santos, da Ordem de


Santiago, é mudado de Santos-o-Velho
para Santa Maria do Paraíso, entre
o Mosteiro de Santa Clara e a Madre de
Deus.

1490.11.19 Isabel, filha dos Reis Católicos, chega


a Badajoz. D. Manuel é encarregue de a ir
buscar à raia.

1490.11.22 Isabel, filha dos Reis Católicos, sai de


Badajoz nessa segunda-feira.

1490.11.23 Casamento em Estremoz de Afonso,


filho de João II e Leonor, com Isabel de
Castela.

1490.11.24 Chegada, a uma quarta-feira de noite,


da princesa Isabel de Castela ao
mosteiro do Espinheiro, onde
aguardaria o dia da sua entrada solene
em Évora.

1490.11.25 Dia seguinte, quinta-feira, visita do rei,


da rainha e do príncipe à princesa no
convento do Espinheiro.

1490.11.28 Entrada solene da princesa Isabel em


Évora e início das festas do casamento.

1490.12.12 Fim das festas de casamento dos


príncipes, com a distribuição dos
prémios das justas. Indisposição do rei
na herdade da Fonte Coberta e morte
de três dos seus homens da copa, com
suspeita de envenenamento.

1491 Savonarola prior de São Marcos em


Florença.

282
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1491.1.4 Disposições de João II sobre as festas


que Lisboa havia de fazer pela vinda da
princesa Isabel de Castela. Havia peste
em Lisboa, que durou pelo menos até
setembro desse ano.

1491.1.10 Ida de D. João II, Leonor, Afonso


e Isabel para Viana de Alvito.

1491.3.1 Ordem de João II a Lisboa para pôr


termo aos habituais festejos pela vitória
em Toro, por causa das novas relações
com Castela.

1491.5.00 Partida da corte para Santarém,


tomando o caminho de
Montemor-o-Novo.

1491.6.14 Chegada do príncipe e princesa


a Santarém.

1491.7.11 O rei e o príncipe foram para Almeirim


a correr montes e voltaram no mesmo
dia.

1491.7.12 Terça-feira à tarde João II desafiou


o príncipe para ir ao rio, e este sofreu
o acidente que o vitimou

1491.7.13 Morte de D. Afonso, único filho de


D. João II e D. Leonor.

1491.8.25 Ida de João II e da corte ao mosteiro da


Batalha para o saimento do príncipe.
Isabel, duquesa de Bragança, e
D. Filipa, irmã da infanta D. Beatriz,
substituem a rainha e sua nora nas
cerimónias.

1491.9.00 Partida da princesa Isabel para Castela.


D. Leonor vai para o mosteiro das
Virtudes e depois para Alenquer, onde
o rei se lhe junta. Ida de ambos em
seguida para o mosteiro de Varatojo,
onde estão alguns dias; partida para
Colares em direção a Lisboa.

1491.10.00 Chegada de D. João II a Lisboa.


Desmaio da rainha no quarto onde
tinha dado à luz o príncipe, no paço da
Alcáçova.

283
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1491.12.29 Bula papal de nomeação de D. Jorge,


bastardo do rei, como governador das
ordens de Avis e Santiago.

1492 Entrada dos judeus de Castela em


Portugal.

1492 Chegada a Lisboa da notícia de que


o rei de Manicongo tinha sido feito
cristão.

1492 Reunião do capítulo da Ordem de


Cristo, sob a presidência de D. Manuel,
em Tomar.

1492.1.2 Queda de Granada, último reduto


muçulmano na Península Ibérica.

1492.3.31 Édito de Fernando e Isabel expulsando de


Aragão e Castela os judeus que não se
convertam até 31 de julho desse ano.

1492.4.8 Morte de Lourenço de Médicis.

1492.4.12 Juramento de obediência a D. Jorge,


filho bastardo de D. João II, como
mestre de Santiago e Avis.

1492.5.00 D. João II doente em Lisboa.

1492.5.15 Início das obras do Hospital de Todos


os Santos.

1492.7.25 Morte do papa Inocêncio VIII.

1492.8.3 Partida de Colombo na sua primeira viagem


à América.

1492.8.11 Alexandre VI eleito papa.

1492.8.17 João II recebe a notícia da eleição do do


novo papa, Alexandre VI, em Sintra.

1492.9.5 João II decreta a quarentena dos navios


do porto de Lisboa por causa da peste.

1493.3.4 João II agradece à câmara a repressão


das manifestações de desagrado pela
entrada dos judeus expulsos de Espanha
em Lisboa.

284
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1493.3.6 Chegada de Cristóvão Colombo ao


Restelo no regresso das Antilhas.

1493.8.20 Maximiliano eleito imperador do Sacro


Império; filho de Frederico III e de Leonor
de Portugal.

1494 Savonarola incita os Florentinos contra os


Médicis.

1494.5.00 Doença grave da rainha em Setúbal.

1494.6.7 Assinatura do Tratado de Tordesilhas.

1494.6.27 A rainha agradece à câmara de Lisboa,


em carta datada de Setúbal, as
procissões que fizera pelo
restabelecimento da sua saúde.

1494.9.00 Carlos VIII de França invade a Itália.

1495 Leonardo da Vinci começa a pintar a Última


Ceia.

1495 Edição da Vita Christi de Ludolfo


Cartusiano, primeira publicação
patrocinada pela rainha.

1495.2.2 Entrada em Nápoles de Carlos VIII de


França.

1495, março Formação de uma liga entre Espanha,


o papa, o imperador, Veneza e Milão
aparentemente contra os turcos, mas na
prática destinada a combater os franceses.

1495, meados Primeira guerra de Nápoles: desembarque em


Nápoles de Gonzalo Fernández de Córdoba,
el Gran Capitán, com tropas espanholas.

1495.7.00 O rei esteve até então em Évora, mas,


havendo rebates de peste, vai para as
Alcáçovas com a rainha, o duque de
Beja e D. Jorge.

1495.7.15 João II emite disposições acerca da


construção de um oratório na casa onde
nasceu São António de Lisboa.

285
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1495.9.15 Carta da rainha à câmara de Lisboa,


manifestando o seu desejo de viver na
cidade e pedindo informações acerca do
seu estado sanitário.

1495.9.29 Testamento de D. João II nas


Alcáçovas.

1495.10.7 Partida do rei para o Algarve; a rainha


segue para Alcácer do Sal com o irmão
D. Manuel.

1495.10.25 Morte de D. João II no Alvor.

1495.10.26 Chegada a Alcácer do Sal, onde estavam


a rainha e seu irmão D. Manuel, da
notícia da morte de D. João II.

1495.10.27 D. Manuel I proclamado rei em Alcácer


do Sal.

1495.10.28 Instrumento público da aclamação de


D. Manuel em Lisboa.

1495.10.28 Carta da rainha, de Alcácer do Sal,


solicitando à câmara de Évora que não
consinta que se faça mal aos judeus.

1495.11.00 Juramento de D. Manuel nas Cortes de


Montemor-o-Novo.

1496.4.26 Reabilitação por D. Manuel I de


D. Jaime, duque de Bragança, exilado
na corte dos Reis Católicos desde 1484.

1496.7.8 Do Lavradio, ordem da rainha à câmara


de Lisboa para efetuar algumas
devoções em benefício da saúde da
cidade.

1496.8.15 Morte da rainha D. Isabel, viúva de


D. João II de Castela, tia de D. Leonor,
e mãe de Isabel, a Católica.

1496.9.3 Súplica da rainha ao papa solicitando


indulgências para os visitantes da Igreja
de Nossa Senhora do Pópulo, adjacente
ao hospital das Caldas.

1496.10.18 Casamento de Filipe, o Belo, duque da


Borgonha, e Joana de Castela, filha dos Reis
Católicos.

286
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1496.11.30 Contrato de casamento de D. Manuel com


Isabel de Castela e Aragão, sua primeira
mulher.

1496.12.5 Carta régia de D. Manuel à câmara de


Lisboa ordenando a conversão dos
judeus e mouros.

1496.12.19 Concessão a Fernando e Isabel, pelo papa


Alexandre VI, do título de Reis Católicos.

1497 Início das obras de reforma do paço de


Sintra, terminadas em 1510.

1497.3.10 Carta régia sobre a reforma dos pesos.

1497.4.3 Casamento de João, príncipe herdeiro dos


Reis Católicos, com Margarida de Áustria,
irmã de Filipe, o Belo.

1497.7.2 Partida da expedição de Vasco da


Gama.

1497.9.16 Primeiro exemplar conhecido da troca


de cartas entre a rainha e a abadessa
e freiras do Convento de Santa Maria
Annunziata de Florença.

1497.10.00 Primeiro casamento de D. Manuel I,


com Isabel, filha dos Reis Católicos,
viúva do príncipe D. Afonso.

1497.10.4 Morte de João, filho dos Reis Católicos.

1498 Erasmo de Roterdão em Oxford.

1498.3.29 Partida de D. Manuel I para Castela


com a mulher, Isabel, deixando
D. Leonor na regência.

1498.4.28 D. Manuel I e D. Isabel jurados herdeiros do


trono de Castela na catedral de Toledo.

1498.5.23 Execução de Savonarola na praça da


Senhoria em Florença.

1498.6.25 Carta régia sobre a reforma dos forais.

1498.8.15 Fundação da Misericórdia de Lisboa


pela rainha, então regente por ausência
do irmão em Castela.

287
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1498.8.23 Morte de Isabel, primeira mulher de


D. Manuel I, em Saragoça, ao dar à luz
o príncipe D. Miguel da Paz.

1498.09.08 D. Manuel I abandona Saragoça rumo


a Portugal.

1498.10.9 Chegada de D. Manuel a Lisboa.

1498.11.24 Nascimento em Lovaina de Leonor, filha de


Filipe, o Belo, e Joana, a Louca. Será a terceira
mulher de D. Manuel I.

1498.12.22 D. Manuel I ordena à câmara de Lisboa


para nomear um procurador que assista
ao juramento de D. Miguel da Paz
como herdeiro.

1499 Ocupação de Milão pelos franceses.

1499.8.29 Chegada de Vasco da Gama a Lisboa,


depois da primeira viagem marítima
à Índia.

1499.10.00 Trasladação do corpo de D. João II para


a Batalha.

1499.12.7 Procissão inaugural da Misericórdia de


Évora, com a presença da rainha.

1500.2.24 Nascimento de Carlos em Gante, filho de


Filipe, o Belo, e Joana, a Louca, mais tarde
Carlos V.

1500.3.9 Partida da expedição de Pedro Álvares


Cabral.

1500.4.23 Descoberta do Brasil por Pedro Álvares


Cabral.

1500.5.25 Manuel concede o título de duque de


Coimbra a D. Jorge, filho bastardo de
D. João II.

1500.5.25 Casamento de D. Jorge, duque de


Coimbra, com D. Beatriz de Vilhena,
filha de D. Álvaro, irmão do duque de
Bragança.

1500.5.30 Contrato do casamento de D. Jorge,


duque de Coimbra, com D. Beatriz de
Vilhena.

288
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1500.5.31 Nomeação de D. Afonso, filho bastardo


de D. Diogo, duque de Viseu, como
condestável de Portugal.

1500.8.19 Morte em Granada de D. Miguel da Paz.

1500.10.30 Segundo casamento de D. Manuel I,


com D. Maria, filha dos Reis Católicos,
em Alcácer do Sal.

1501.1.00 Casamento de Afonso, filho bastardo de


Diogo, duque de Viseu, com Joana de
Noronha.

1502 Nomeação dos oficiais do Hospital de


Todos os Santos.

1502.6.7 Nascimento do futuro D. João III, em


Lisboa, no paço da Alcáçova.

1502.6.9 (?) Estreia de Gil Vicente como


dramaturgo: representação no quarto da
rainha D. Maria do Monólogo do
vaqueiro, para celebrar o nascimento do
príncipe D. João.

1502.6.15 Batismo do futuro D. João III, primeiro


filho de D. Manuel I e da rainha
D. Maria.

1502, agosto Segunda guerra de Nápoles entre espanhóis


e franceses.

1502.8.15 D. João III jurado herdeiro nas cortes


reunidas em Lisboa.

1502.12.25 Vitória de Gonzalo Fernández de Córdoba


em Seminara, ganhando a segunda guerra de
Nápoles.

1503 Leonardo da Vinci começa a pintar


a Gioconda.

1503.1.6 Apresentação, no dia de Reis, do Auto


dos Reis Magos de Gil Vicente, por
encomenda da rainha.

1503.3.10 Nascimento de Fernando, filho de Joana


e Filipe, o Belo.

1503.8.18 Morte do papa Alexandre VI.

289
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1503.9.22 Pio III papa.

1503.10.18 Morte do papa Pio III.

1503.10.24 Nascimento em Lisboa de Isabel,


segunda filha de D. Manuel e D. Maria.
Será mulher de Carlos V e imperatriz.

1503.11.1 Júlio II eleito papa.

1504 Conclusão das obras do Hospital de


Todos os Santos.

1504, dia de
Corpus Christi Representação do Auto de São Martinho,
de Gil Vicente, na igreja das Caldas, no
quadro da procissão do Corpus Christi,
por encomenda da rainha.

1504.10.00 Morte em Beja de Afonso, filho


bastardo de Diogo, duque de Viseu,
e condestável de Portugal.

1504.11.26 Morte de Isabel, a Católica.

1504.12.31 Nascimento de D. Beatriz, filha de


D. Manuel I e D. Maria.

1505 D. Manuel fixa residência à Excelente


Senhora na Alcáçova de Lisboa.

1505 Lutero entra para os Agostinhos.

1505.10 Entrada da peste em Lisboa, por


contágio de nau procedente de Itália.
Dura até fins de abril de 1507.

1505.10.19 Casamento de Fernando, o Católico, com


Germana de Foix.

1505.12.16 Impressão, a mando da rainha, dos


Autos dos apóstolos, na oficina de
Valentim Fernandes.

1506.3.3 Nascimento em Abrantes de D. Luís,


filho de D. Manuel I e D. Maria.

1506.3.28 Rainha em Óbidos por causa da peste


que grassa em Lisboa. Carta em que
solicita à câmara do Porto mantimentos
para a alimentação dos pobres do
hospital das Caldas.

290
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1506.4.19-21 Matança de cristãos-novos em Lisboa.

1506.4.26 Carta do rei à câmara de Lisboa


a propósito da matança dos judeus.

1506.5.5 O rei convoca a câmara de Lisboa para


vir a Setúbal.

1506.5.20 Morte de Cristóvão Colombo.

1506.8.4 Rainha em Leiria, de onde escreve


à câmara de Lisboa.

1506.9.25 Morte de Filipe I de Espanha (Filipe, o Belo).

1506.9.30 Morte da infanta D. Beatriz, mãe da


rainha e do rei D. Manuel, em Beja.

1507.1.14 Nascimento em Torquemada de Catarina,


filha de Filipe, o Belo, e Joana, a Louca. Virá
a casar com D. João III.

1507.3.20 Instruções de D. Manuel a Antão de


Oliveira sobre o processo de
testamentaria da infanta D. Beatriz sua
mãe.

1507.5.11 Carta original da rainha, datada das


Caldas, confirmando um aforamento.

1507.8.18 Rainha em Óbidos.

1507.11.23 Instruções da rainha, dadas em


Alenquer, ao bacharel Diogo Dias, que
vai a Roma tratar de assuntos seus,
entre os quais a aprovação papal do
compromisso do hospital das Caldas.

1508, noite de Representação a D. Manuel do Auto da


Endoenças Alma, de Gil Vicente, em Lisboa, no
paço da Ribeira, por encomenda da
rainha.

1508.8.2 Levantamento dos castigos que o rei


impusera a Lisboa pela matança dos
judeus.

1508.8.25 Rainha em Xabregas.

1508.9.19 Rainha em Xabregas.

1509.10.3 Rainha no Lavradio.

291
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1508.12.29 Rainha no Lavradio.

1509.3.1 Carta da rainha, datada do Mosteiro da


Madre de Deus de Xabregas, ao
Mosteiro da Annunziata em Florença,
acompanhada de presente em açúcar
e marmelada.

1509.5.4 Rainha ainda em Xabregas.

1509.5.14 Derrota da República de Veneza na Batalha


de Agnadello pelas forças da liga de Cambrai
(papa Júlio II, Luís XII de França, imperador
Maximiliano e Fernando de Aragão).

1509 Erasmo publica o Elogio da loucura.

1509.4.22 Henrique VIII rei de Inglaterra.

1509.4.23 Nascimento em Évora de D. Afonso,


filho de D. Manuel e D. Maria.

1509.6.3 Casamento de Henrique VIII, com Catarina,


filha dos Reis Católicos, e viúva de Artur, seu
irmão mais velho.

1509.8.16 Rainha em Xabregas.

1509.9.19 Morte em Roma de D. Jorge da Costa,


cardeal Alpedrinha.

1510 Conclusão das obras no paço de Sintra.

1510 Início das obras do coro no Convento


de Cristo, em Tomar.

1510 Peste em Lisboa, grave sobretudo nos


meses de agosto e setembro.

1510.3.12 Rainha em Torres Vedras.

1510.4.17 Rainha em Almada.

1510.8.12 Carta de Frei Afonso de Portugal ao rei,


no qual informa que a rainha se
encontra então no Mosteiro da Madre
de Deus, sempre com a sua dor de
cabeça.

1510.9.6 Rainha no Mosteiro da Madre de Deus


de Xabregas, referindo ter havido peste
em Lisboa.

292
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1510.10.8 Carta à rainha do provincial


e definidores da Ordem de São
Francisco da Observância aceitando
a oferta do Mosteiro da Madre de
Deus.

1510.11.18 Rainha em Xabregas.

1510.11.25 Conquista de Goa por Afonso de


Albuquerque.

1511 Visita de Lutero a Roma como representante


dos Agostinhos.

1511 (?) Nascimento de Maria, filha de


D. Manuel e D. Maria, morta em Évora
em 1513, tendo sido inicialmente
sepultada no Espinheiro.

1511.7.17 Rainha em Lisboa.

1512.1.31 Nascimento de D. Henrique, filho de


D. Manuel e D. Maria. Seria cardeal
e rei de Portugal.

1512.4.22 Confirmação do regimento do hospital


das Caldas pelo rei e príncipe.

1512.4.27 Rainha em Lisboa.

1512.5.5 Confirmação do regimento do hospital


das Caldas por D. Martinho da Costa,
arcebispo de Lisboa.

1512, Anexação de Navarra por Fernando,


julho-agosto o Católico.

1512.11.26 Rainha em Lisboa.

1513 Balboa atinge o oceano Pacífico.

1513 Maquiavel escreve O príncipe.

1513.2.21 Morte do papa Júlio II.

1513.3.11 Leão X papa. Filho de Lourenço de Médicis


e Clarice Orsini.

1513.12.00 Envio da embaixada de D. Manuel I ao


papa Leão X.

1514.1.21 Rainha em Lisboa.

293
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1515.1.25 Francisco I rei de França.

1515.4.14 Rainha em Lisboa, de onde escreve


carta ao Mosteiro da Annunziata de
Florença agradecendo a oferta de um
livro de horas, oferecido ao sobrinho,
futuro D. João III.

1515.5.24 Publicação, patrocinada pela rainha, do


Boosco deleitoso, na oficina de Hernão
de Campos.

1515.6.16 O rei D. Manuel I recebe a Rosa de


Ouro do papa Leão X.

1514.7.28 Rainha em Lisboa.

1515.9.7 Nascimento em Lisboa de D. Duarte,


filho de D. Manuel e D. Maria.

1515.12.10 Rainha em Lisboa.

1516 Tomás More publica Utopia.

1516.1.26 Morte de Fernando de Aragão.

1516.6.6 Rainha em Xabregas.

1516.6.17 Alvará de D. Manuel ordenando uma


procissão anual em louvor de Nossa
Senhora celebrando a Visitação a Santa
Isabel (2 de julho)

1516.9.9 Nascimento em Lisboa de António,


último filho de D. Manuel e D. Maria.

1516.10.26 Crisma em Lisboa dos infantes D. Luís,


D. António e D. Henrique.

1516.11.1 Morte de António, último filho de


D. Manuel e D. Maria.

1516.12.18 Rainha em Lisboa.


1517.2.25

1517.3.7 Morte da rainha D. Maria, segunda


mulher do rei D. Manuel I.

1517.4.7 D. Manuel faz testamento e determina


que os Jerónimos sejam o novo panteão
da dinastia.

294
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1517.4.8 Carta à rainha de Maximiliano, imperador da


Alemanha, anunciando a entrega das
relíquias de Santa Auta ao embaixador do rei
de Portugal.

1517.7.1 Elevação ao cardinalato de D. Afonso,


filho de D. Manuel e D. Maria, de 8
anos de idade, por agência de
D. Miguel da Silva, embaixador na
Santa Sé.

1517.9.2 Desembarque em Lisboa das relíquias


de Santa Auta.

1517.10.31 Lutero afixa as 95 teses contra a venda de


indulgências na porta da igreja do castelo de
Vitemberga.

1517.11.00 Desembarque em Castela de Carlos I,


proveniente da Flandres.

1517.12.14 Rainha em Lisboa.

1518.2.5 Carlos I jurado rei de Castela em


Valhadolid.

1518.6.20 Publicação do Espelho de Cristina, de


Christine de Pisan, a mando da rainha.

1518.7.7 Rainha em Lisboa.

1519.1.12 Morte do imperador Maximiliano.

1519.5.2 Morte de Leonardo da Vinci.

1519.6.28 Carlos I de Espanha eleito imperador


Carlos V.

1518.11.19 Rainha nas Caldas.

1518.11.24 Terceiro casamento de D. Manuel I,


com D. Leonor, filha mais velha de
Filipe, o Belo, e Joana, a Louca.

1518.12.25 Nas matinas do Natal, é representado


no Hospital de Todos os Santos,
perante a rainha, o Auto da barca do
Purgatório, de Gil Vicente.

1519 Nomeação do cardeal-infante


D. Afonso como abade de Alcobaça.

295
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1519.3.7 Rainha nas Caldas.

1519.4.14 Rainha em Muge.

1520 e 1521 Peste em Lisboa.

1520.2.18 Nascimento em Évora de Carlos, filho


de D. Manuel e sua terceira mulher,
D. Leonor.

1520.3.21 Rainha em Xabregas.

1520.4.12 Rainha em Vila Franca de Xira.

1520.4.17 D. Manuel I concede o título de


marquês de Torres Novas a D. João,
filho primogénito de D. Jorge, filho
bastardo do rei D. João II.

1520.5.23 Início da revolta dos Comuneros em Castela.

1520.7.10 Testamento da duquesa D. Isabel de


Bragança, irmã de D. Leonor.

1520.9.00 Passagem do estreito de Magalhães.

1520.9.24 Joana, a Louca, recebe os revoltosos


Comuneros em Tordesilhas.

1520.11.20 Carta do rei à cidade de Lisboa sobre as


festas da sua entrada com a rainha
Leonor de Áustria.

1520.11?.29 Gil Vicente incumbido por D. João III


de algumas coisas e autos a fazer por
entrada do rei e da rainha em Lisboa.

1521 Nascimento em Lisboa de D. Duarte,


filho ilegítimo de D. João III.

1521 Peste no reino, particularmente violenta


no Porto.

1521.1.00 Entrada de D. Manuel e D. Leonor em


Lisboa.

1521.2.28 Rainha em Xabregas.

1521.4.00 Morte de Isabel duquesa de Bragança,


irmã da rainha.

1521.4.10 Elevação a cidade da vila de Beja.

296
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1521.4.15 Morte de Carlos, filho do terceiro


casamento de D. Manuel I com
D. Leonor.

1521.4.19 Rainha em Lisboa.

1521.4.23 Batalha de Vilallar marca o fim da revolta


dos Comuneros.

1521.5.25 Dieta de Worms: Lutero é banido por édito


imperial.

1521.6.18 Nascimento em Lisboa de D. Maria,


segunda filha do casamento de
D. Manuel I com D. Leonor.

1521.7.31 Rainha em Lisboa.

1521.8.4 Festas de casamento da infanta


D. Beatriz. Nesse domingo, o rei, a
rainha, príncipes e infantes vão todos
com Beatriz à sé, e daí a casa da rainha
D. Leonor, sua tia, a despedir-se dela.

1521.8.9 Partida para Saboia de D. Beatriz, filha


de D. Manuel I e D. Maria, ao
encontro do duque seu noivo. Viagem
feita por mar, com destino ao porto de
Nice.

1521.12.1 Morte do papa Leão X.

1521.12.13 Morte de D. Manuel I em Lisboa.

1521.12.19 Alevantamento em Lisboa de


D. João III.

1522 Fome e carestia em todo o reino.

1522.1.9 Antigo mestre do imperador Carlos V eleito


papa sob o nome de Adriano IV.

1522.6.22 Rainha em Lisboa.

1523 Damião de Góis secretário da feitoria


portuguesa de Antuérpia.

1523 Peste em Lisboa. Fundação, por voto


dos habitantes da cidade, da Ermida de
São Roque (atual Misericórdia).

297
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1523.3.19 D. João III grão-mestre da Ordem de


Cristo.

1523.5.00 Partida para Castela de Leonor de


Áustria, viúva de D. Manuel.

1523.7.18 Rainha em Vila Franca de Xira.

1523.9.14 Morte do papa Adriano VI.

1523.11.19 Clemente VII, filho bastardo de Juliano de


Médicis, é eleito papa.

1523.12.10 Instrumento notarial, feito em


Xabregas, do milagre do Santo Espinho.

1524 e 1525 Peste em Lisboa.

1524? Nascimento de Luís de Camões.

1524 Francisco I atravessa os Alpes em direção


a Itália.

1524.5.18 Rainha em Xabregas.

1524.7.19 Contrato em Burgos do casamento de


D. João III com Catarina de Áustria, irmã do
imperador Carlos V.

1524.12.24 Morte de Vasco da Gama.

1525.2.24 Prisão de Francisco I de França pelo


imperador Carlos V na Batalha de Pavia.

1525 Continuação da peste em Lisboa.

1525 Publicação na tipografia de Valentim


Fernandes da Vida de S. Domingos,
patrocinada pela rainha.

1525.2.00 Casamento de D. João III com


D. Catarina, por palavras de presente,
em Lisboa.

1525.10.17 Contrato de casamento da infanta


D. Isabel com o imperador Carlos V.

1525.11.1 Auto do recebimento da infanta


D. Isabel com o imperador Carlos V.

1525.11.17 Morte em Lisboa da rainha


D. Leonor.

298
CRONOLOGIA

DATA PORTUGAL ESTRANGEIRO

1526.8.29 Batalha de Mohács: derrota dos Húngaros


pelo turcos otomanos, comandados por
Suleimão, o Magnífico.

1527.6.21 Morte de Maquiavel em Florença.

1527.5.6 Início do saque de Roma pelas tropas do


imperador Carlos V, que dura um mês.

1533 Ano em que Garcia de Resende escreve


a Vida de D. João II.

1534.9.25 Morte do papa Clemente VII.

299
GENEALOGIA — II DINASTIA DE AVIS
(1371) (1359)
Constância de Castela João de Gante Branca de Lencastre
Duque de Lencastre
(1387) João I
Filipa de Lencastre 1357-1433
1360-1415 Rei
1385-1433

Nuno Álvares Pereira


(1401) (1405) (1415)
Afonso Brites Pereira Tomás Fitzalan Brites Gilberto Talbot
1377-1461 ?-1414 Conde de Arundel Barão de
Conde de Barcelos Irchenfield
o
1. duque de Bragança ?-1419

LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)


Fernando I Jaume
Rei de Aragão Conde de Urgel
1412-1416
(1429) (1430) (1424)
Branca Afonso Duarte Leonor Pedro Isabel Henrique Isabel Filipe, Fernando João Isabel Afonso Fernando Joana de Castro
1388-1389 1390-1400? 1391-1438 ?-1445 1392-1449 de Urgel 1394-1460 1397-1471 o Bom 1402-1403 1400-1442 1402-1465 1402-1460 1403-1478 ?-1479
Rei Duque Duque de Viseu Duque de Mestre de Mestre de Conde de Conde de
1433-1438 de Coimbra Grão-mestre Borgonha Avis Santiago Ourém Arraiolos
de Cristo Marquês 2.o duque
de Valença de Bragança
Pedro Jaime João Carlota
1430-1466 1434-1459 1435?-1457 de Lusignan
Condestável Cardeal de Príncipe de Rainha de
300

de Portugal Sta Maria Chipre Chipre


Mestre de Avis in Portico
Rei de Aragão Beatriz Filipa
1463-1466 ?-1456 Adolfo 1437-1483
Von Cleve Freira em Odivelas
(1447) (1447) (1447)
João Filipa Afonso V Isabel Duarte Catarina Fernando Beatriz Diogo João III Isabel João Álvaro Isabel Guiomar
1429-? 1430-1439 1432-1481 1432-1455 1435-? 1435-? 1433-1470 143?-1506 1424?-1443 Rei de Castela ?-1496 ?-1484 ?-1504 1429-? Condessa
Rei (1451) (1455) Duque de Viseu 1406-1454 Filipa Marquês de de Loulé
1438-1481 e de Beja Montemor
Afonso António Brites Catarina
Leonor Frederico III Joana Henrique IV (1469) ?-1484 Marquesa de Condessa de
1434-1467 Imperador 1439-1475 Rei de Castela Fernando II Isabel Conde de Faro Vila Real Marialva
da Alemanha 1450-1474 1452-1516 1451-1504
1440-1490 Joana Rei de Aragão Rainha
Imperadores 1462-1530 1479-1516 de Castela
da 1474-1504
Alemanha
(1471) (1472)
João Joana João II Leonor João Catarina Diogo Dinis Duarte Simão Isabel Fernando
1451-1452 1452-1490 1455-1495 1458-1525 1456/7-1472? 1460?-1484 1459-1521 1430-1483
Freira em Aveiro Rei 2.o duque 3.o duque de Viseu Duque de
1481-1495 de Beja e Beja Guimarães
e Viseu 3.o duque de
(1490) Bragança
Afonso Isabel de Castela Manuel I
1475-1491 1470-1498 1469-1521
Rei
Jorge 1495-1521
1481-1550 Duques de Bragança

Segundo MARQUES, A. H. de Oliveira, Portugal na crise dos séculos XIV e XV, pp. 528 e 529.
Fontes e bibliografia
Fontes manuscritas
Academia Real das Ciências, Série Preta, n.o 212, «Livro de todolos bens e foros e ren-
das do hospital de Santo Elói feito por o Natal de 1498 anos / tirado por os prazos
e escrituras que jazem no cartório etc.».

Arquivo Distrital de Évora (ADE)


ADE, Livro 2.o de originais (72), «Carta de D. João II à câmara de Évora, queixando-se
que a rainha D. Leonor não tinha sido devidamente recebida na cidade quando lá
fora a partir de Montemor».
ADE, Livro 3.o de originais (73).

Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa (AHCML)


AHCML, Livro I do Provimento da Saúde.
AHCML, Livro II de D. João II.

Arquivo Distrital de Beja


CNSCBJA, caixa 1, livro 1.

Arquivo Distrital de Braga


São Paulo, Jorge de, Epílogo e compêndio da origem da Congregação de Sam Joam Evange-
lista, Lisboa, 1658 [Ms. 924].

Arquivo Distrital de Leiria, Vita Patrum, traduzido para castelhano por Gonçalo Gar-
cia de Santa Maria, 1500 (sem folha de rosto).

Biblioteca da Ajuda (BA)


BA, Cód. Ms. 44-XIII-24.
BA, Cód. Ms. 51-V-69, «Apontamentos históricos», fls. 168-237.
BA, Cód. Ms. 51-VI-23, «Livro dos estilos que mandou fazer o muito poderoso e muito
esclarecido rei e senhor rei D. Manuel, etc.», fls. 60-87v.

Biblioteca Nacional de Portugal (BNP)


BNP, Cód. 11 352, Relações de bens legados pela rainha D. Leonor e outros inventários do
mosteiro da Madre de Deus de Xabregas, 1537-1557?.
BNP, Cód. 12 978, «Este livrinho contém o que deram ao convento a Santa Princesa, as
Senhoras D. Mécia Pereira e Brites Leitoa e outras senhoras etc.».

301
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

BNP, Cód. 514, «Notícias da morte dos duques de Bragança e Viseu», fls. 1-1v.
BNP, cod. 748, Testamento da infanta D. Beatriz.
BNP, Ms. 238, n.o 29, Carta de D. Manuel à vila de Montemor-o-Novo participando a
fundação da confraria da Misericórdia de Lisboa, 1500, dezembro, 13 — Lisboa.
BNP, Ms. 250, n.o 33, Carta do provincial e definidores da Ordem de S. Francisco do Ob-
servância para a rainha D. Leonor aceitando a oferta do Mosteiro da Madre de Deus,
1510.
BNP, Ms. 484, Carta a D. Leonor sobre D. Catarina, fl. 4.

Biblioteca Pública de Évora (BPE)

BPE, Cód. CIII/2-16, «Carta de D. Manuel reabilitando os filhos do duque de Bragan-


ça», fls. 8-9.
BPE, Cód. CIII/2-20, «Carta do duque de Bragança à infante Dona Brites sua sogra»,
fls. 3-3v; 23v-24.
BPE, Cód. CIX/1-3, Cathalogo Chronologico das Serenissimas Raynhas de Portugal em ou-
tubro de 1732, fls. 279-284v.
BPE, Cód. CLXI/1-21, Lisboa, Frei Francisco de (OFM) (trad. de), Regra de Santa Cla-
ra, 1515 (?).

Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP)

BPMP, ms. 599, P. Paulo de Portalegre (CSJE), Apontamentos históricos acerca da morte
dos Duques de Bragança e Viseu e bispo de Évora.

Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (IAN/TT)

IAN/TT, Chancelarias de D. Afonso V, D. João II, D. Manuel I e D. João III (referên-


cias exatas ao longo do texto).
IAN/TT, Corpo Cronológico (referências exatas ao longo do texto).
IAN/TT, Leis e Regimentos, maço 2, n.o 25, «Treslado do Regimento que el rei D. Ma-
nuel deu a Simão da Silva quando o mandou a Manicongo» (1512).
IAN/TT, Leitura Nova (referências exatas ao longo do texto).
IAN/TT, Manuscritos da Livraria, n.o 1077, Estatutos de Santa Coleta, sobre a regra de
Nossa Madre S. Clara.
IAN/TT, Manuscritos da Livraria, n.o 523, «Liber capitulorum generalium congregatio-
nis, 1498-1502».
IAN/TT, Manuscritos da Livraria, n.o 796, Novo memorial do estado apostólico da Con-
gregação de S. João Evangelista (pertencente ao convento de S. Bento de...).
IAN/TT, Ordem dos Frades Menores. Província dos Algarves, Madre de Deus de Lisboa,
maço 1.
IAN/TT, Reforma das Gavetas, Livro 47.

Pierpont Morgan Library (Nova Iorque)

Pierpont Morgan Library, Breviário Franciscano da rainha D. Leonor, Ms. 052, Flan-
dres, c. 1500-1510
Pierpont Morgan Library, Livro de Horas «Da Costa», Ms. 399, Bruges, c. 1515.

302
FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes impressas
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1976.
Anedotas portuguesas e memórias biográficas da corte quinhentista e istórias e ditos galantes
que sucederão e se disserão no paço contendo matéria bibliográfica inédita de Luís de Ca-
mões e outros escritores do século XVI, ed. Christopher L. Lund, Coimbra, Livraria Al-
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edição, Lisboa, ANTT-Edições Inapa, 2006.
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ed. Fernando Correia, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1930.
Constituições geraes para todas as freiras, e religiosas sujeitas à obediência da Ordem de N P
S Francisco nesta Família Cismontana de novo recompiladas das antigas, e acrescentadas
com acordo, consentimento e aprovação do capítulo geral celebrado em Roma em 11 de
junho de 1639..., Lisboa, na off. de Miguel Deslandes, 1693.
Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente (1562), 2 vols., ed. Maria Leonor Carvalhão
Buescu, Lisboa, 1984.

303
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Correia, Gaspar, Crónicas de D. Manuel e de D. João III (até 1533), ed. José Pereira da
Costa, Lisboa, Academia das Ciências, 1992.
Correia, Gaspar, Crónicas dos reis de Portugal e Sumários de suas vidas (D. Pedro I,
D. Fernando, D. João I, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II, ed. José Pereira da Costa,
Lisboa, Academia das Ciências, 1996.
Cortes Portuguesas: Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1498), ed. João José Alves Dias,
Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2002.
Cortes Portuguesas: Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1499), ed. João José Alves Dias,
Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2001.
Cortes Portuguesas: Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1502), ed. João José Alves Dias,
Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2001.
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318
Índice remissivo
Abraão (profeta) 254 Alcântara 61
Abrantes 60, 97, 99, 193, 200, 201 Alcobaça, mosteiro de 107, 254
Abreu, D. Jerónimo de (bispo de Viseu) Alcochete 32, 158
36 Aldeia Galega da Merceana (Alenquer)
Acordos de paz com Castela 91 205, 238, 241
Açores, arquipélago de 17 Aldeia Gavinha (Alenquer) 205, 212, 227,
Afonso V, D. (rei de Portugal) 10, 12, 232, 238, 241, 244
14-18, 20, 23-26, 34, 36, 37, 40-42, Alemanha 165
44, 45, 48, 51, 52, 54-59, 61, 65-67, Alenquer 148, 170, 193, 206, 232, 237,
71-78, 82, 84, 86, 91, 95, 102, 114, 238, 241, 244
143, 145, 146, 148, 151, 153, 176, Alentejo 16, 52, 141, 163
195, 209, 225, 234, 238, 241, 246 Alexandre VI (papa) 152, 153, 166,
Afonso, D. (príncipe de Portugal, filho 179, 204
de D. João II) 9, 11, 31, 57, 58, 63, Alfarrobeira, Batalha de 16, 17, 72, 82
71, 77, 78, 88, 94, 99, 103, 106, 108, Algarve 9, 16, 51, 93, 153, 160, 162,
115, 116, 120-122, 131-133, 135, 245, 259
144-146, 152, 155, 157, 163, 175, Alianças matrimoniais com Castela 54
177, 191, 207, 224, 241 Aljubarrota 193; batalha de 59
Afonso, D. (infante de Castela, filho de Almada, Aires de 123
João II e de Isabel) 55, 56, 68 Almada, D. Fernando de (conde de
Afonso, D. (1.o duque de Bragança; filho Abranches) 78-79
bastardo de D. João I) 16, 21, 23, 73, Almeida, D. Diogo Fernandes (prior do
133 Crato) 172, 246
Afonso, D. (conde de Faro) 89, 98, 174 Almeida, D. Fernando de (bispo de
Afonso, D. (filho natural de D. Diogo, Ceuta) 152
duque de Viseu) 106, 172, 187, 191, Almeida, D. Jorge de (bispo de Coimbra)
197, 198 228
Afonso, D. (cardeal, arcebispo de Lisboa; Almeirim 75, 92, 93; paço de 148, 229
filho de D. Manuel I e de D. Maria), Alpedrinha (Fundão) 75, 154
221, 232 Alpiarça (Almeirim), ponte de 75, 153
Afonso, D. (sobrinho do rei do Congo) Alvaiázere 237-239, 241
209 Alvor 160
África 20, 46, 50, 117, 118; Norte de 44, América 110, 163; do Norte 164
49, 56, 112; negra 207 Anafé 19
Africanos 109, 115-118, 207 Andaluzia 98
Agostinho, Santo 254 Andeiro, conde 12
Águeda, Santa 254 André, Santo 254
Aires, Jerónimo 228 Ângelo, Miguel 145, 164, 166
Alberti (arquiteto) 164 Anticastelhanismo 179
Alcácer do Sal 16, 160-162, 171, 176, Antilhas 111, 163
187 António, Frei 91
Alcácer Quibir 46 António de Lisboa, Santo 76, 77, 254
Alcáçova (Lisboa), paço da 18, 57, 69, Antuérpia 170
148, 163, 175, 178, 180, 181, 187, Anunciada (Florença), convento da 212
192, 201 Aragão 9, 55, 70, 179, 184
Alcáçovas-Toledo, Tratado de 61, 66, 69 Arévalo 23, 55

319
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Argentina 164 159, 161, 184, 187, 194-198, 201,


Artur (filho de Henrique VII de 219, 255
Inglaterra) 177 Beja, duque de 17
Arzila, expedição/ida a/tomada de 42, 43, Beja-Viseu, Casa de, ver Viseu-Beja, Casa
45, 46, 49, 58, 76 de
Assis, São Francisco de 195, 214, 216, Belém, Frei Jerónimo de 106, 155, 218,
254, 255 252, 259
Ataíde, D. Álvaro de 102 Belém (Lisboa), igreja velha de 233
Ataíde, D. António de (conde da Bélgica 226
Castanheira) 102 Bemoim (africano) 116-118
Ataíde, D. Pedro de 101, 102 Bento, São 254
Ataíde, D. Vasco de (prior da Ordem de Berberia 126, 127
São João do Hospital) 89 Biscaia 155
Átila 225 Bixorda, Jorge Lopes 190
Atouguia, conde de 90 Bordar 31
Atouguia, Lopo de 91 Borges, Álvaro Dias 206
Áustria 226 Bórgia, Alexandre 153, 223
Áustria, Casa de/família 177, 226
Áustria, Margarida de (c/c príncipe João, Bórgia, César (duque de Valentinois)
filho dos Reis Católicos) 177, 178, 153, 166
228 Bórgia, Lucrécia 153, 223
Auta, Santa 51, 154, 221, 226, 254, 260; Bórgia, Rodrigo 166
relíquias de 225 Borgonha, duque da 30, 45
Aveiro 11, 31, 44-46, 72-74, 78, 89, 92, Borgonha, Maria de (c/c imperador
93, 132, 152, 220 Maximiliano) 177
Aveiro, Casa de 73 Bosch, Hieronimus 170
Ávila 214 Botica da infanta D. Beatriz 200
Avinhão 102 Boylet, Colette 216
Avis 94, 194; mestrado de 186; ordem de Braga 219
133, 152 Bragança 16, 91, 99
Avis, dinastia de 15, 49, 144, 146, 155, Bragança, Casa/família de 14, 17, 23,
185 54, 73, 74, 80, 89, 90, 95-97, 108,
Avis-Beja, Casa/família de 161, 178 133, 149, 173, 174, 178, 186;
Avis-Beja-Bragança, família 160, 174 dinastia de 27; ducado de 20, 99, 189
Azambuja 241 Bragança, duque(s) de 17, 27
Azeitão 173 Bragança, irmãos 89, 93, 95, 105, 174,
Azevedo, D. João de (bispo do Porto) 210
132 Bragança, D. Álvaro de (filho do 2.o
duque de Bragança) 36, 89, 98, 105,
Baixo Alentejo 16 171, 174, 186, 187, 210, 251
Bartolomeu, São 254 Brás, São 254, 255
Basileia 225 Brasil 182, 189
Batalha, mosteiro da 49-51, 59, 78, 143, Breda 226
146, 147, 161, 185 Bretão, João 107
Beatriz, D. (infanta, duquesa de Viseu e Bruges 30, 168, 210
Beja, c/c D. Fernando) 9, 11, 15, 16, Brunelleschi (arquiteto) 164
19-25, 28-30, 32-34, 37, 38, 40, 47, Buscantes 48
51, 52, 55, 57, 60-64, 66, 69, 70, 83,
85-92, 94, 95, 99, 104, 105, 112, Cabo Verde, arquipélago de 17
119, 120, 123, 147, 155, 159, 162, Cabral, Pedro Álvares 189
168, 173, 174, 180, 181, 184, 187, Cáceres 90
190, 191, 194-196, 198-201, 207, Caia: ponte do 134; ribeira do 134
211, 236, 237, 255 Caldas da Rainha 109, 112, 114, 193,
Beatriz, D. (infanta, filha de D. Manuel 212, 222, 228, 244; hospital das
I; duquesa de Saboia) 192, 215, 109-111, 113-115, 144, 157, 193,
231-233 204-206, 208, 212, 215, 222, 223,
Beatriz, D. (filha de D. Afonso; neta de 224, 227, 240, 244, 245, 256, 258
D. Diogo, duque de Viseu) 187 Caldas de Monchique 160
Beja 15, 17, 20, 30, 31, 40, 47, 52, 85, Caminha 219
88, 97, 111, 112, 118-120, 132, 158, Cão, Diogo 117, 207

320
ÍNDICE REMISSIVO

Carlos V (imperador) 38, 94, 133, 177, China 165


192, 228, 229, 231, 243, 248, 260, Clara, Santa 195, 216, 255
261 Clemente VII (papa) 260
Carlos VIII (rei de França) 166 Coimbra 60, 70, 77
Carneiro, António (secretário) 180, 202 Colares (Sintra) 148
Carneiro, Pero de Alcáçova 180, 202 Coleta, Santa/Soror 216, 259
Cartas do duque de Bragança 90, 91 Colombo, Cristóvão 57, 110, 111, 155,
Carvalhal, Brianda do (ama de D. 163, 164
Leonor) 29 Colónia 51, 225
Casa(s) 38; da Índia 181, 201; da madeira Colos 160
(Évora) 129; das princesas 37, 48; das Conceição Velha (Lisboa), igreja da 218,
rainhas 37, 237, 241; de D. Leonor 247
37, 38, 47, 51, 251; do príncipe D. Condestável 16
João 47, 48; casa do rei/real 48, 151; Cónegos de São João Evangelista (Lisboa),
nobiliárquicas 28; senhoriais 64 convento dos 218
Casamento(s) 28, 29, 34, 35, 37, 40-42, Congo 114, 118, 207-209, 252
62, 135, 151, 175, 179, 187, 188, Congo, rainha do 119
236; com a princesa Santa Joana 46; Congo, rei do 118, 119, 207, 251
de D. Afonso V com D. Joana 56; de Córdova 134
D. Beatriz 21; de D. Isabel com D. Correia, Fernando da Silva 183
Fernando II (3.o duque de Bragança) Correia, Gaspar 158, 193, 194, 229,
36; de D. Leonor com D. João II 19, 232, 233
37, 41, 51; de D. Manuel I 187; de Correia, Pêro 226
D. Manuel I com D. Isabel 144, 175, Costa, D. Álvaro da 197
176; do príncipe D. Afonso 121-129, Costa, D. Jorge da (cardeal Alpedrinha)
131, 133, 138, 141, 177, 207; entre (bispo de Évora e de Lisboa, arcebispo
as casas reais portuguesa e castelhana de Braga) 75, 76, 107, 126, 135, 137,
54 148, 149, 150, 153-155, 167,
Cascais 75, 241 203-206, 209, 219, 221, 232, 245
Castanheira do Ribatejo 241 Costa, D. Martinho da (arcebispo de
Castela 9, 12, 40, 54, 56-58, 60, 61, Lisboa) 222, 232
63-65, 68, 70, 77, 79, 88, 91, 93-98, Coutinho, Vasco 101
102, 103, 115, 119, 120, 122-124, Covilhã 51, 255
126, 128, 131, 134, 144, 146, 151, Crato 229
178, 184, 186, 189, 192, 199, 214, Cristo: mestrado de 17, 22; ordem de 17,
241, 248, 255; guerra com 56, 57, 59, 20, 22, 52, 57, 186
61 Cunha, D. Álvaro da 218
Castela, reis de 147, 177 Cunha, Mafalda Soares da 14
Castelo de Vide 134 Cunha, Nuno da 100
Castilla y Fonseca, Pedro de 55
Castro, D. Álvaro de (conde de Daniel (profeta) 254
Monsanto) 42-44 Deserta, ilha 51
Castro, D. Álvaro de (governador da D’Este, Afonso I 223
Casa do Cível) 188, 189 D’Este, Ippolito 223
Catarina, D. (rainha de Portugal, c/c Dias, Diogo (bacharel) 206
D. João III) 49, 94, 177, 188, 241, Dinis, D. (rei de Portugal) 259
248 Dinis, D. (filho do infante D. Fernando)
Catarina, D. (infanta de Portugal, filha 25, 26, 27
de D. Duarte) 75, 209, 210 Dinis, D. (filho do 3.o duque de
Catarina, D. (infanta, filha dos Reis Bragança) 96, 120, 172, 174, 189,
Católicos) 124, 177, 191, 192 231
Catarina, D. (filha do infante D. Diogo, D. (duque de Viseu, filho de
Fernando) 25-27 D. Fernando e de D. Beatriz 18,
Catarina (irmã do cardeal Alpedrinha) 23-25, 27, 28, 32, 37, 51-53, 55, 57,
107, 154 62, 63, 72, 79, 80, 83, 84, 87, 88, 90,
Ceuta 49, 50 92-95, 98-108, 149, 154-156, 160,
Chaves 167 162, 172, 173, 175, 186, 187, 191,
Chaves, Álvaro Lopes de 87, 88 197, 198, 236, 252
Chelas 218 Diogo, D. (filho do infante D. João) 16

321
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Douro, região do 199 Filipa, D. (filha do infante D. João; neta


Duarte, D. (rei de Portugal) 24, 41, de D. João I) 16, 147, 198
121, 246 Filipa, D. (filha do infante D. Pedro;
Duarte, D. (infante de Portugal, filho de neta de D. João I) 44, 49, 52, 72
D. Manuel I) 32, 259 Filipe I, o Belo (rei de Espanha e duque
Duarte, D. (filho bastardo de D. João da Borgonha, c/c Joana, a Louca) 177,
III, arcebispo de Braga) 29, 73 178, 192, 248
Duarte, D. (filho do infante D. Filipe II (rei de Espanha, I de Portugal)
54, 133
Fernando) 25, 26, 27, 52, 53, 55 Filipe, D. (filho do 3.o duque de
Bragança) 96
Egas, Enrique (arquiteto) 110 Filipinas 182
Elvas 134 Flandres 125, 168, 170, 210
Elvas, Frei António de 107 Florença 25, 164-167, 202, 214, 255;
Entre Douro e Minho 99 catedral de 81
Erasmo de Roterdão 170 Foix, Germana de 192
Espanha 57, 86, 94, 110, 164, 177, 187 Fonte Coberta (Évora), herdade da 141
Espinheiro (Évora), convento do 93, 124, França 60, 75, 122, 249
135, 136 França, rei de 46, 166, 192
Estêvão, Santo 254 Francisco I (rei de França) 223, 243,
Estremadura 193, 212, 234, 241 260
Estremoz 134-136 Francisco, D. (filho do rei do Congo)
Estremoz, João de 89 209
Europa 25, 81, 110, 111, 122, 126, 155, Frederico III (imperador da Alemanha)
213; Norte da 126, 151, 163, 165, 18, 50, 225
Freire, Anselmo Braamcamp 13, 81,
166, 185, 213, 218, 223, 225, 146, 223, 236, 238-240, 243
248-250, 252, 253 Freitas, Lourenço de 240, 255
Évora 52, 53, 66, 70, 84, 85, 88, 89, 94, Freixenal 94
95, 99, 124, 125, 127, 132, 133, Frolentim (cozinheiro-mor de D.
135-137, 141, 143, 171, 178, 208; Beatriz) 199
câmara de 176; cortes de 84, 85, 89,
92, 123, 124, 134; judiaria de 176, Gafarias 114
misericórdia de 183 Galvão, D. João (bispo de Coimbra e
Évora, bispo de 187 arcebispo de Braga) 89, 95
Gama, Vasco da 185, 199
Faria, Antão de 106 Gante 168, 210
Farnese, Alessandro (príncipe de Parma) Ghirlandaio, Domenico 164
32 Gil, Lisuarte (alcaide de Moura) 105
Faro 239, 241 Góis, Damião de 10, 13, 18, 19, 26, 30,
Fernandes, Francisco (bispo de Tânger) 42-44, 46, 73, 81, 109, 170-173, 177,
31 179, 188, 190, 192, 194, 207, 230,
Fernando, o Católico (rei de Aragão) 9, 232
55, 56, 57, 60, 71, 91, 92, 95, 103, Góis, Frutos (ou Frutuoso) de 170, 188
120, 140, 145, 148, 179, 184, 192 Gomes, Luís (alfaiate) 199
Fernando, D., o Infante Santo (filho de Gomes, Rita Costa 14
D. João I) 49, 50, 195 Gonçalves, padre Domingos 105
Fernando, D. (infante, duque de Beja e Granada 148, 164; conquista de 57;
de Viseu, filho de D. Duarte) 15-22, hospital de 110
24, 29, 36, 37, 57, 58, 83, 90, 112, Gregório, São 254
173, 206, 216 Guarda 58, 60
Fernando, D. (infante, filho de D. Guimarães 73
Manuel I) 244 Guimarães, conde de 19
Guimarães, duque de 19
Fernando I, D. (2.o duque de Bragança) Guiné 127
19, 34, 36, 44, 46, 52 Guiné, rei da 138
Fernando II, D. (3.o duque de Bragança) Guterre, D. 101, 102
11, 22, 23, 27, 34, 36, 52, 58, 75, 79,
80, 83-88, 90-101, 106, 109, 120, Henrique, D. (cardeal-rei de Portugal)
153, 157, 162, 171-173, 186, 230 170
Fez 49 Henrique IV (rei de Castela) 12, 19,
Figueiredo, Lopo de 90, 92, 95, 96 54-57, 65

322
ÍNDICE REMISSIVO

Henrique VII (rei de Inglaterra) 191 Jerónimo, São 43, 254


Henrique VIII (rei de Inglaterra) 191 Jerónimos (Lisboa): igreja dos 233, mosteiro
Henrique, D. (infante, filho de D. João dos 146
I) 15-18, 49, 195 Jerusalém 75, 189
Henrique, D. (bispo de Utica) 208, 209 Jesus (Aveiro), convento de 45, 46, 49, 74,
Henriques, D. Margarida
(camareira-mor da rainha) 246, 257 98, 122, 131
Holanda 197 Jesus (Setúbal), convento/mosteiro de 30,
106, 172, 200, 216, 220
Índia 185, 199; viagem da 185 Joana, D., a Princesa Santa (filha de D.
Inês, D. (c/c D. Álvaro da Cunha) 218 Afonso V) 11, 31, 44-46, 49, 58,
Inês, Santa 254 70-74, 78, 92, 98, 99, 122, 125, 131,
Inglaterra 125 132, 146, 152, 220, 259
Inglaterra, rei de 46 Joana, D. (infanta de Portugal, filha de
Inocêncio VIII (papa) 153 D. Duarte; rainha de Castela, c/c
Inocentes (Florença), hospital dos 110 Henrique IV) 12, 19, 45, 54, 55, 57,
Isabel, a Católica (rainha de Castela) 9, 65
11, 12, 16, 19, 22, 23, 55, 56, 57, 60, Joana, D., a Beltraneja ou a Excelente
61, 63, 65, 67-71, 86, 90, 91, 95-97,
103, 115, 120, 123, 134, 144, 148, Senhora (filha de Henrique IV e de
151, 155, 168, 189, 191, 192 D. Joana) 12, 19, 45, 54-63, 65-72,
Isabel, D. (rainha de Portugal, c/c D. 74, 77, 82, 102, 117, 122, 133, 144,
Afonso V) 44, 82, 114, 238 151, 158, 178, 191, 192, 201, 245
Isabel, D., a Rainha Santa (rainha de Joana, D., a Louca (filha dos Reis
Portugal, c/c D. Dinis) 110, 259 Católicos) 38, 68, 94, 115, 122, 124,
Isabel, D. (filha dos Reis Católicos, c/c 145, 177, 191, 192, 228, 248
príncipe D. Afonso, c/c D. Manuel I) João I, D. (rei de Portugal) 15, 21, 23,
63, 68, 88, 94, 115, 120, 123, 125, 30, 45, 51, 73, 121, 133, 155, 235,
128, 134, 135, 142, 144, 145, 148, 237, 241
149, 155, 175, 177-179, 184, 187, João II (rei de Castela) 54
188, 191, 210, 228, 238, 243 João II, D. (rei de Portugal) 9-11, 14,
Isabel, D. (infanta de Portugal e duquesa 18-20, 24-27, 30, 31, 33, 34, 39, 40,
da Borgonha; filha de D. João I) 30, 42-47, 49, 51-55, 57-60, 62, 64,
45, 49, 235 66-68, 70-75, 77-86, 89-99, 101-103,
Isabel, D. (infanta de Portugal e duquesa 105, 109, 112, 114, 119-122, 124,
da Borgonha; filha de D. João I) 30,
128, 130-132, 134, 135, 140, 142,
45, 49, 235
Isabel, D. (infanta de Portugal) 259 143, 146-156, 159-163, 170-176,
Isabel, D. (filha do infante D. Fernando 184-186, 196, 202-204, 206-208,
e de D. Beatriz; duquesa de Bragança, 222, 236, 238, 239, 241, 245, 246,
c/c 3.o duque de Bragança) 11, 19, 20, 249, 250
23, 25, 27, 28, 34, 36-38, 52, 58, 69, João III, D. (rei de Portugal) 14, 29, 49,
72, 75, 79, 80, 88, 97, 105, 106, 119, 69, 73, 94, 102, 114, 115, 127, 130,
124, 143, 146, 147, 153, 159, 163, 146, 170, 177, 179, 181, 186,
173, 174, 190, 198, 211, 215, 216, 188-190, 202, 220, 222, 224, 238,
230, 231, 233, 245, 246, 251, 259 239, 241, 243, 247, 248, 250, 251,
Isabel, D. (filha do infante D. João; 253, 259
rainha de Castela, c/c João II) 16, 23, João IV, D. (rei de Portugal) 27
55, 65, 68, 123, 134 João V, D. (rei de Portugal) 111
Isabel, D. (filha do 1.o duque de João, D. (príncipe, filho dos Reis
Bragança) 16, 21 Católicos) 61, 62, 63, 68, 69, 71,
Isabel, D. (filha de D. Jaime, 4.o duque 124, 177, 191
de Bragança) 32 João, D. (infante de Portugal, filho de D.
Isabel, D. (infanta, filha de D. Manuel I,
c/c Carlos V) 192, 215, 231, 248 João I) 15, 16, 21
Isabel da Hungria, Santa 110 João, D. (filho do infante D. Fernando e
Itália 110, 126, 166, 167, 192, 202, 213 de D. Beatriz) 22, 24-26, 37, 51, 53
João, D. (marquês de Montemor) 82, 89,
Jaime, D. (4.o duque de Bragança) 32, 90, 95-99, 137
96, 172, 174, 189, 202, 231 João, D. (sobrinho do rei do Congo) 209

323
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

João Batista, São 254 Luís XI (rei de França) 60, 75


Jorge, D. (duque de Coimbra, filho Luís, D. (infante, filho de D. Manuel I)
bastardo de D. João II) 9, 55, 62, 63, 193
73, 74, 77, 78, 98, 108, 132-134, Lutero, Martinho 166, 195, 249, 260,
137, 142, 147, 152, 153, 156, 157, 261
159, 160, 171, 172, 179, 183,
185-187, 202, 203, 206, 250, 251 Madeira, ilha e arquipélago da 17, 27, 52,
José I, D. (rei de Portugal) 82 156, 206
Judeus 57, 164, 175-177, 179, 192, 193, Madre de Deus de Xabregas (Lisboa),
195, 227, 239, 243 convento/mosteiro da 10, 27, 51, 106,
Júlia (mártir de Lisboa) 254 109, 112, 161, 193, 211, 212,
Júlio II (papa) 192, 223 218-221, 226, 229-231, 240, 245,
Jusarte, Pedro 95, 96 250, 252-255, 258
Manicongo, D. Afonso do (rei do
Kempis, Tomas 168, 213 Congo) 208, 209
Manicongo, D. Pedro do (embaixador
La Cueva, Beltrán de 65 do Congo) 207, 208, 228
Lagos 17, 37, 51 Manuel I, D. (rei de Portugal e duque
Lamego 99 de Beja) 9, 10, 11, 14, 23, 25-32, 34,
Lavradio 174, 178, 206, 229 41, 47, 52, 53, 55, 57, 62-64, 68, 69,
Lázaro, São 254 71, 72, 74, 88, 94, 96, 97, 99, 102,
Leão 184 105, 106, 108, 109, 116, 119, 120,
Leão X (papa) 181, 260 123, 124, 127, 129-134, 137-139,
Leiria 193 144, 145, 147, 149, 151, 153,
Leitoa, Brites (abadessa do convento de 155-163, 169-175, 177-179, 182,
Jesus de Aveiro) 45-46 184-192, 194-200, 202-204, 207-210,
Lemos, conde de 189 215, 218, 219, 221-223, 226,
Lencastre, D. Filipa de (rainha de 228-233, 238, 239, 241, 243-245,
Portugal) 15, 30 250, 252, 259
Leonardo da Vinci 164 Manuel, D. João (bispo da Guarda) 30
Leonor D. (infanta, filha de D. Duarte; Maquiavel, Nicolau 97, 153, 167
imperatriz da Alemanha, c/c Margarida (filha do 3.o duque de
Frederico III) 18, 45, 50, 225, 241 Bragança) 96
Leonor, D. (filha de Joana, a Louca; Maria, D. (filha dos Reis Católicos;
rainha de Portugal, c/c D. Manuel I) rainha de Portugal, c/c D. Manuel I)
145, 177, 188, 197, 228, 230, 241, 124, 144, 145, 177, 183, 187, 188,
243, 248 190-192, 197, 210, 215, 218, 221,
Leonor, D. (c/c D. Álvaro de Castro) 228, 241, 244
188 Maria, D. (infanta de Portugal) 259
Lima, D. Diogo de 246 Maria, D. (filha do infante D. Duarte)
Lisboa 16, 18, 32, 45, 49-51, 57, 75, 78, 32
96, 105, 107, 109, 113, 115, Maria (mãe de Cristo) 213, 214
117-119, 127, 131, 148, 149, 154, Maria Santíssima, Frei Manuel de 76
157, 163, 174, 178, 180-185, 189, Marrocos 17, 255
192-194, 200-202, 207-209, 211, Martinho, D. (arcebispo de Lisboa) 154
212, 217, 218, 221, 225-227, 229, Martinho, São 254
231, 232, 239, 241, 244, 245, 250, Martins, D. Fernando 101, 102
252; misericórdia de 181, 182, 194, Mártires de Lisboa 254
197, 247 Mártires de Marrocos 255
Lisboa, arcebispo de 206 Masser, Lunardo 184, 201-203
Lisboa, bispo de 203 Matosinhos 193
Lobo, Rui (corregedor) 78 Máxima (mártir de Lisboa) 254
Loios (Lisboa), convento dos 114, 115, 210 Maximiliano (imperador) 168, 177, 178,
Loios (Lisboa) largo dos 174 191, 225
Loios, padres 114, 119, 209, 230 Médicis, família 165, 260
Londres, torre de 81 Médicis, Juliano de 81
Lourenço, São 254 Médicis, Lourenço de, o Magnífico 81,
Lucas, São 254 164-166, 260
Lucena, Vasco Fernandes de 88, 134 Medina Sidónia, duque de 189

324
ÍNDICE REMISSIVO

Melo, D. Francisco de (2.o conde de Oliveira, João Mendes de 54


Tentúgal) 171, 173, 201 Olivença 148
Mendonça, D. Ana de (mãe de D. Jorge, Ortiz, D. Diogo, o bispo Calçadilha
filho bastardo de D. João II) 68, 74, (bispo de Viseu) 68, 117, 245, 246
77, 132
Mendonça, D. Leonor de (4.a duquesa Países Baixos 133, 213
de Bragança) 189 Palha, Vasco 143
Meneses, D. Fernando de (filho herdeiro Palmela 16, 32, 105, 116; castelo de 102
do conde de Vila Real) 89 Paris 31
Meneses, D. Garcia de (bispo de Évora) Parma, Margarida de 133
51-53, 101, 102 Pavia, Batalha de 260
Meneses, D. Leonor de (3.a duquesa de Paz, D. Miguel da (infante de Portugal)
Bragança) 34 123, 145, 184, 187, 191
Meneses, D. Pedro de (marquês de Vila Pedro, D. (infante de Portugal e duque
Real) 137, 187 de Coimbra; filho de D. João I) 16,
Meseta Ibérica 260 17, 44, 72, 82, 114, 195
Mexia, Afonso 243 Pedro, São 254
México 164 Península Ibérica 57, 140, 164, 191
Miguel, mestre (confessor e pregador) Península Itálica 167
198 Pereira, Leonor 198
Milagre (Santarém), igreja do 198 Pereira, Nuno Álvares 16
Milão 164 Pergolesi 145
Miranda, D. Fernão Gonçalves de (bispo Picardia 216
de Viseu) 93 Pina, Rui de 10, 13, 26, 70, 71, 74, 84,
Mogúncia 165 93, 121, 127, 129, 132, 136, 140,
Monisonho (africano) 118 141, 143, 144, 147, 161, 171
Montemor-o-Novo 85, 89, 171, 173 Pinheiro, D. Diogo (bispo do Funchal)
Montemor-o-Velho 185 96
Moura 17, 51, 61, 66, 69, 89, 94, 115, Pinheiro, Soror Margarida 46
135, 144; Terçarias de 62-64, 67-71, Pizan, Christine de 235, 236, 240, 257,
78, 82, 88, 89, 93-95, 120, 121, 123, 258
135, 144, 155, 187 Pombal, marquês de 114
Muge 229 Ponte de Lima 219
Muley Xeque 50 Porta da Alfofa (Lisboa) 180
Porta de Avis (Évora) 137
Nápoles 166 Portel 106
Navarra 192 Porto 60, 61, 99, 193, 199; misericórdia
Nice 232 do 183
Nicolau, São 254 Porto Santo, ilha de 51
Noronha, D. Joana de 187, 198 Portugal, Frei Afonso de 211, 246
Nossa Senhora da Conceição de Beja, Prioli, Alvise da 203
Convento de 19, 20, 30, 66, 111, 163,
196-199, 216, 220 Rafael 164
Nossa Senhora da Feira de Beja, Igreja de Rebelo, Diogo Lopes 31
199 Reis Católicos 9, 23, 38, 57, 60-63,
Nossa Senhora da Pena (Sintra) 156 66-71, 88, 90-92, 94-98, 102, 103,
Nossa Senhora do Paraíso (Évora), 106, 115, 122-124, 131-133, 145,
Convento de 197 152, 153, 155, 157, 163, 164, 166,
Nossa Senhora do Pópulo (Caldas da 172, 177-179, 187, 191, 228
Rainha), Igreja de 204, 224 Reno 225
Nunes, Joana (criada) 246 Resende, Garcia de 10, 13, 32, 46, 60,
75, 81, 98, 99, 102, 120, 121, 129,
Óbidos 37, 176, 193, 205, 222, 237, 238, 130, 132, 136-140, 142, 144, 145,
241 150, 153, 154, 157, 158, 161, 163,
Oceânia 129 165, 171, 220, 231, 250
Ocidente 62 Restelo (Lisboa) 50
Odivelas, mosteiro de 44, 45, 49, 72 Ribeira (Lisboa), paço/palácio da 69, 181,
Oeiras 75 201, 202, 218, 221
Oliveira, Antão de 196 Ribeira (Santarém) 146

325
LEONOR DE LENCASTRE (1458-1525)

Ricardo III (rei de Inglaterra) 81 Santo Antoninho de Lisboa, Igreja de 49


Rodes 246 Santo António de Beja, Mosteiro de 198
Rodrigo, D. (sobrinho do rei do Congo) Santo António de Castanheira (Sintra),
209 Mosteiro de 156
Rodrigues, Justa (ama de D. Manuel I) Santo Elói (Lisboa): Convento de 163, 174;
30 Igreja de 188; paço de 245, 250
Roma 36, 75, 76, 135, 149, 150, Santo Elói, padres de 220, 224, 231
152-155, 164, 166, 167, 179, 192, Santos Inocentes 254
202, 203, 205, 206, 208-210, 219, Santos (Lisboa): mosteiro de 77; paço de
225, 245, 258, 260, 261 190
Rosa, D. Catarina da 246 Sanuto, Marino 180, 203
Rosa, Maria de Lurdes 14 São Bartolomeu (Lisboa), casas/paço de
Rossini 145 180, 188, 201, 212, 245
São Bartolomeu (Lisboa), freguesia de 114,
Saboia, ducado de 233 119, 162, 163, 174, 209, 218, 220,
Saboia, duque de 231-233 230
Sabugal, alcaide de 154 São Bento de Xabregas (Lisboa), Convento
Sabugal, castelo de 107, 149
Sabugosa, conde de 13 de 218
Salir do Porto 193, 244 São Domingos, prior de 50
Salvador (Beja), Igreja do 198 São Domingos (Lisboa), Mosteiro de 193
San Juan de los Reyes (Toledo), Mosteiro de São Domingos da Queimada (Lamego),
59 Santuário de 99, 109, 156
Sancho, D. (filho do conde de Faro) 174 São Domingos de Elvas, Mosteiro de 134
Sande, Rui de 115 São Domingos de Estremoz, Mosteiro de
Santa Ana (Lisboa), Hospital de 247 135
Santa Catarina (Lisboa) 50 São Francisco de Beja, Convento de 198
Santa Clara de Beja, Convento de 198 São Francisco de Évora: Convento de 129;
Santa Clara de Coimbra, Convento de 66 paço de 53, 88, 128, 132
Santa Clara de Santarém, Convento de 66, São Francisco de Leiria, Convento de 107
192 São Francisco de Lisboa, Mosteiro de 231
Santa Cruz de Toledo, Hospital de 110 São Francisco de Xabregas (Lisboa),
Santa Liga de Veneza 166 Mosteiro de 231
Santa Maria da Feira (Beja), Igreja de São João de Beja, Igreja de 198
198, 199 São João de Tarouca, Convento/Igreja de
Santa Maria das Neves (Beja), Igreja de 198, 199
198 São João Evangelista (Lisboa), Convento de
Santa Maria das Relíquias (Odemira), 175,
Igreja de 198 São João Evangelista: Ordem de 114,
Santa Maria de Jesus, comunidade de 218 174; cónegos de 210, 217
Santa Maria de Marvila (Santarém), Igreja São Jorge (Lisboa), castelo de 18, 69, 79,
de 141-142 175
Santa Maria della Scala (Siena), Hospital São Paulo, Frei Jorge de 13, 111, 114,
de 110 162, 213, 227, 229, 232, 244, 252
Santa Maria do Pópulo (Roma), Igreja de São Tomé, ilha de 96, 176
154, 205 Saragoça 145
Santa Maria Nuova (Florença), Hospital de Saúde pública 114
110 Savonarola 166, 215
Santa Marinha da Costa (Guimarães), Saxónia, Ludolfo da 167
Convento de 73 Scarlatti 145
Santa Sé 35, 50, 62, 117, 151, 153, 179, Sé de Lisboa 18, 50
220, 259, 260 Sebastião, D. (rei de Portugal) 46
Sant’Angelo, Castel 261 Segóvia 56
Santarém 70, 93, 99, 132, 141, 142, 148, Senhoria de Veneza 180, 184
158 Serpa 17
Santiago, mestrado de 16, 27, 152, 173, Serrão, Joaquim Veríssimo 14
186; ordem militar de 16, 20, 77, 133 Setúbal 16, 32, 34, 36, 100, 116, 158,
Santiago (Beja), Igreja de 198 173, 174, 194
Santiago de Compostela 191; hospital de Sevilha 124, 136, 140, 163
110 Sforza 164

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ÍNDICE REMISSIVO

Shakespeare 30, 84 Toros de Guisando (acordo de) 55


Sicília 184 Torres Novas 237-239, 241
Sículo, Cataldo 74 Torres Vedras 37, 156, 160, 237-239, 241
Siena, São Bernardino de 255 Toscânia, grão-ducado da 82
Silva, Simão da (capitão) 207 Toscano, Tomé 246
Silveira, Fernão da 101, 102, 104, 124, Trás-os-Montes 99, 157
175 Trento, Concílio de 31, 33, 35, 114, 132,
Silves 161, 239; judiaria de 243; Sé de 191
185, 241
Simão, D. (filho do infante D. Fernando) Úmbria (Assis) 214
25, 26, 27 Urbano IV (papa) 216
Sintra 37, 77, 82, 85, 91, 156, 157, 161, Urbino 164
181, 237, 238, 241 Úrsula, Santa 225, 226
Sixto IV (papa) 77, 102
Soares, Aldonça 197
Sotomayor, D. Leonor de (marquesa de Valascos, Leonor de 246
Villa Hermosa) 106, 172, 187 Valckenstein, Nicolau Lanckman de 18,
Sousa, D. Diogo de (bispo do Porto e 50
arcebispo de Braga) 192 Valhadolide 91
Sousa, Gonçalo de (capitão) 118 Varatojo (Torres Vedras), Convento do 76,
Sousa, Isabel de 134 77, 148
Sousa, Ivo Carneiro de 13 Vaticano 166, 260
Vaz, Gomes 247
Tânger, bispo de 117 Veneza 184, 202, 203, 214
Tânger (tomada de) 45, 49 Verdi 145
Távoras, família dos 82 Veríssimo (mártir de Lisboa) 254
Tejo, rio 51, 75, 141, 217, 218, 226, 241 Veríssimo, São 254
Teles, Fernão 147 Verrocchio 164
Teles, D. Leonor (rainha de Portugal, c/c Viana do Alentejo 85
D. Fernando) 12 Viana do Castelo 219
Tenças 243, 253 Vicente, Gil 11, 181, 190, 191, 250
Terçarias de Moura 62-64, 67-71, 78, 82, Vila do Conde 219
88, 89, 93-95, 120, 121, 123, 135, Vila Franca de Xira 241
144, 155, 187 Vila Real, conde de 89
Terra Santa 254 Vila Viçosa 90, 93
Terras da rainha 241, 242, 253 Vilhena, D. Beatriz de 186
Terreiro de São Francisco (Santarém) 147 Vilhena, D. Maria de 143
Testamento: de D. Beatriz 196, 198, 199, Villa Hermosa, marquês de 106
201; de D. Henrique 15, 16; de D. Vimeiro (Arraiolos) 66, 93
Isabel 230, 231; de D. João II Virtudes (Azambuja), Mosteiro das 148
159-162, 171, 173, 186, 196; de D.
Viseu 9; ducado de 20
Leonor 230, 251, 252, 258
Todi, Jacopone da 145 Viseu, bispo de 134
Todos os Santos (Lisboa), Hospital de 109, Viseu-Beja, Casa/família de 74, 91, 201,
111 206
Toledo 179, 214; Cortes de 87 Viseu-Beja, duques de 34
Tomar 51, 99, 143, 196, 201 Von Popplau, Nicolaus 103, 104
Tordesilhas 68, 157, 248; castelo de 38; Voragine, Jacopo de 167, 225
Tratado de 164
Toro 58; Batalha/derrota de 59, 60, 61, Xabregas (Lisboa) 218, 227, 229, 244;
65, 66, 75-77, 91, 120, 148 paço de 229, 245

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