MUILHERES // SÉC.
XV
ISABEL DE PORTUGAL
A mais bela e amada
A filha de D. Manuel I viveu uma história
de amor com o europeu mais poderoso do seu tempo
e foi retratada por Ticiano
Por Luís Almeida Martins
P
ode ser lenda, mas conta-se que,
um dia, o rei Carlos I de Espanha
andava a caçar, separou-se dos
acompanhantes e perdeu-se. Ti-
nha acabado de abater um veado
quando lhe apareceu um velho
com um burro carregado de lenha. O rei
ordenou-lhe que se desfizesse da lenha, co-
locasse o cadáver do veado em cima do burro
e o transportasse até ao palácio. O velho, que
não sabia com quem estava a falar, protestou.
O rei começou a achar a conversa interessante
e perguntou ao interlocutor que idade tinha
e quantos reis conhecera já ao longo da vida.
O outro respondeu que haviam sido cinco
e enumerou-os. Carlos I, então, quis que
ele lhe dissesse qual desses fora o melhor e
qual o pior. A resposta não se fez esperar:
o melhor tinha sido D. Fernando e o pior
«este que temos agora, que lança impostos
a torto e a direito e anda sempre a viajar,
gastando as riquezas da Espanha e deixan-
do sozinha a rainha, tão bonita e tão boa!»
A opinião do velho era a opinião do povo.
Carlos I de Espanha não era considerado um
bom rei. Em contrapartida, a sua mulher,
D. Isabel, era adorada pelos seus dotes de boa
administradora. E ainda por cima quase toda
a gente a considerava a mulher mais bela do
seu tempo. Ora, Isabel era portuguesa.
Ticiano pintou o seu retrato, mostran-
do-nos uma mulher ruiva, de porte alta-
neiro mas piedoso, com feições corretas e
atraentes. Parece que Carlos gostava mesmo
dela, mas deixava-a meses e anos sozinha,
durante as guerras em que se envolvia e as
longas viagens que fazia através dos seus
domínios. Nessas ocasiões, Isabel chamava
a si as tarefas da governação e saía-se bem.
As terras que Carlos governava eram
imensas. O seu filho (e de Isabel), Filipe,
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que mais tarde herdaria o trono, gabar-se-
-ia de ser senhor de um império onde o Sol
nunca se punha.
Isabel e Carlos viveram na primeira metade
do século XVI, uma das épocas mais estimu-
lantes da História da Humanidade. Foi nessa
altura que os artistas da Renascença criaram
novas formas de pintura e de escultura, dife-
rentes das que se praticavam na Idade Média.
Foi também o tempo em que a literatura
seguiu o exemplo dos autores clássicos da An-
tiguidade, ressuscitando modelos diferentes
dos medievais. O ser humano passou a ser
o centro do universo, ao contrário do que se
tinha passado na Idade Média, quando tudo
girava em torno de Deus. Mas nem por isso
as pessoas deixaram de ser profundamen-
te religiosas; até pelo contrário, pensaram
muito sobre os assuntos espirituais, ao ponto
de nascer o movimento da Reforma, cujos
seguidores se separaram do Papa.
E foi também por essa altura que os eu-
ropeus se lançaram em força na descoberta,
conquista e colonização de outros conti-
nentes.
Um Novo Mundo
Sabemos que foram os portugueses que
inauguraram a época das explorações, mas
os espanhóis não tardaram a seguir-lhes o
Foi mãe de Filipe II
de Espanha, o que
mais tarde colocaria
este rei na dianteira
da linha sucessória
ao trono português
exemplo. O grande objetivo dos dois estados
ibéricos era alcançar as regiões de contornos
vagos conhecidas por Índias, para aí carre-
garem os navios de especiarias, que valiam
fortunas na Europa.
O portugueses tentaram – e conseguiram
– alcançar a Índia descendo a costa ocidental
da África e contornando o cabo da Boa Es-
perança; os espanhóis, de início conduzidos
pelo navegador genovês Cristóvão Colombo,
atingiram as Antilhas e a América Central,
pensando que tinham chegado ao Orien-
te navegando para oeste. O erro veio a ser
rapidamente descoberto, mas ninguém se
importou. As expedições para lá sucederam-
-se, e rapidamente os marinheiros espanhóis
exploraram milhares de quilómetros de costa
americana, no fito de encontrar uma passa-
gem que comunicasse com o oceano Pacífico,
o que lhes permitiria alcançar a verdadeira
Índia por uma rota diferente da dos portu-
gueses. Essa passagem foi encontrada por
uma esquadra espanhola comandada por um
português, Fernão de Magalhães. Embora
rivais, os dois estados ibéricos acabaram por
ver simbolicamente unido o seu destino.
Muitos aventureiros espanhóis embar-
caram para lá na ideia de fazerem fortuna.
A história destes homens, conhecidos por
«conquistadores», é uma sucessão de aven-
turas. As pirâmides e os templos dos Astecas,
dos Maias e dos Incas, que lhes faziam lem-
brar as construções do antigo Egito, deslum-
bravam aqueles espanhóis um pouco rudes
e fanaticamente católicos. Mas admiração
era uma coisa e interesse outra, e por isso
os «conquistadores» não tiveram dúvidas
em esmagar as culturas recém-encontradas.
Num tempo em que não existia a ideia do
«politicamente correto», consideravam que
o facto de serem cristãos e os outros profes-
sarem religiões de que nunca tinham ouvido
falar lhes desculpava todas as violências.
O imperador apaixonado
O casamento de Isabel com Carlos represen-
tava a união das duas coroas e interessava
tanto a Portugal como à Espanha. Os dois
eram primos direitos, mas isto não é para
admirar, visto que os reis são normalmente
familiares uns dos outros. Quando se tor-
naram noivos, em 1525, Carlos já era não só
rei de Espanha (um estado formado pouco