Você está na página 1de 157

Português 12º ano – Estudo para Exame Nacional 2022

10º ano

Conteúdos:

- Poesia Trovadoresca: Cantigas

- “Crónica de Dom João I” de Fernão Lopes

- Lírica Camoniana, imaginário épico

- “Auto da Feira” de Gil Vicente

- “Farsa de Inês Pereira” de Gil Vicente

- “Os Lusíadas” de Luís de Camões

Gramática:

- Fonética e fonologia. Etimologia

- Orações coordenadas

- Orações subordinadas adverbiais

- Orações subordinadas adjetivas

- Orações subordinadas substantivas

- Funções sintáticas ao nível da frase

- Funções sintáticas ao nível do grupo

- Funções sintáticas ao nível dos grupos nominal e adjetival

- Formação de palavras

- Recursos expressivos

- Palavras convergentes e divergentes

Géneros textuais:

- Apreciação crítica

- Texto dramático

- Reportagem

- Texto expositivo

- Cartoon

11º ano
Conteúdos:

- “Sermão de Santo António aos Peixes” de Padre António Vieira

- “Frei Luís de Sousa” de Almeida Garrett

- “Amor de Perdição” de Camilo Castelo Branco

- “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett

- “Os Maias” de Eça de Queiroz

- Antero de Quental

- Cesário Verde

Gramática:

- Funções sintáticas ao nível da frase

- Funções sintáticas internas ao grupo verbal

- Funções sintáticas internas ao grupo nominal e ao grupo adjetival

- Orações coordenadas e orações subordinadas adverbiais

- Orações subordinadas adjetivas e substantivas


Géneros textuais:
- Artigo de opinião e texto de opinião

12º ano
Conteúdos:
- Fernando Pessoa, ortónimo
- Fernando Pessoa, heterónimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos)
- “Mensagem” de Fernando Pessoa
- “George” de Maria Judite de Carvalho
- Poetas contemporâneos
- “O Ano da Morte de Ricardo Reis” de José Saramago
- “Memorial do Convento” de José Saramago
Gramática:
- Funções sintáticas ao nível da frase, sujeito, predicado, vocativo e modificador de frase
- Funções sintáticas internas ao grupo verbal
- Funções sintáticas internas ao grupo nominal e ao grupo adjetival
- Orações coordenadas e subordinadas adverbiais
- Orações subordinadas substantivas e adjetivas

Resumos

10ºANO

“Crónica de D.João I” de Fernão Lopes

Quem foi Fernão Lopes?

(1418-1459) foi o escrivão e cronista oficial do reino de Portugal e o 4º guarda-mor da Torre do


Tombo. De origem plebeia e mesteiral, pelos serviços prestados à Coroa, recebeu carta de
Nobreza. Distinguiu-se dos seus antecessores, dando grande importância à análise crítica da
História e à comprovação documental dos eventos, buscando relatar os factos como eles
ocorreram, com verdade e objetividade, corrigindo as opiniões parciais, os exageros retóricos e as
lendas. De uma forma inovadora, mostrou o povo como um importante agente da História. Por
isso, é considerado um renovador do género da crónica histórica e o fundador da historiografia
portuguesa.

A data da sua morte é incerta, mas consta-se que terá morrido com cerca de 80 anos de idade.

Das crónicas que escreveu sobre a história de Portugal restam-nos apenas três identificadas com
segurança: a Crónica de D.Pedro, a Crónica de D.Fernando e a Crónica de D.Joao I.

Fernão Lopes forma-se num contexto próximo a acontecimentos que se faziam recentes na
memória dos portugueses, como a crise de 1383-1385 e a Batalha de Aljubarrota (1385), o que lhe
permitiu entrar contacto com testemunhos dos acontecimentos, sendo estes eventos relatados na
sua obra de 1443, Crónica de D.João I.

Género de texto – Crónica medieval – textos em que se registam acontecimentos históricos por
ordem cronológica.

Características inovadoras de Fernão Lopes:

Articulação entre a compilação de fontes e a investigação original e crítica;

Dimensão interpretativa e estética;

Visão global e integradora de várias perspetivas.

Afirmação da consciência coletiva:

Crise política de 1383-1385 (período sem rei/período de tomada de consciência de liberdades e


responsabilidades).
Povo:

- Papel preponderante na fase de nomeação do Mestre de Avis (cap.11)

- Preparação para o cerco, de forma empenhada e valorosa (cap.115)

- Vivência da miséria associada à falta de mantimentos durante o cerco (cap.148)

Atores (Personagens) individuais e atores coletivos:

Personagens históricas – Mestre de Avis, Álvaro Pais, D. Leonor Teles, D. Nun´Álvares Pereira,
Conde Andeiro, entre outras.

Povo, a massa anónima, a ”arraia miúda”, a população das cidades, em especial a de Lisboa.
Mesmo em caso de diálogo, são vozes, normalmente não identificadas, que saem da multidão,
representando-a, ou dirigindo-se a outros companheiros.

Estilo

Objetividade vs Subjetividade

- A objetividade está presente no rigor da pormenorização (cf. Descrições pormenorizadas com


valor descritivo e informativo).

- A subjetividade está presente na apreciação crítica e emotiva dos factos relatados (interrogação
retórica, frase exclamativa). “pensa alto, comenta, interpela”

Conjugação de planos – planos gerais (focalização da cidade e dos atores coletivos que nela
intervêm) e planos de pormenor (incidência em grupos de personagens e/ou situações
particulares).

Visualismo – em que se recorre ao uso de recursos expressivos (comparação, personificação,


enumeração, hipérbole) e vocábulos que marcam o sensorialismo da linguagem (atos de ver e
ouvir). Uso da técnica da reportagem: o leitor “vê” e “sente” os acontecimentos, está no centro da
ação.

Coloquialismo- através do uso de recursos expressivos (interrogação retórica, apóstrofe) e


interpelação do interlocutor, recorrendo à 2ªpessoa do plural (vós).

Dinamismo – recriação dos acontecimentos de forma dinâmica.

Uso do discurso direto e indireto, misturados, com períodos longos e curtos alternados.

A crise política de 1383-1385

Em 1383, D.Fernando, rei de Portugal estava a morrer. Como descendentes deixava apenas a
infanta D.Beatriz, a qual havia sido prometida a dois príncipes castelhanos, a um Inglês e a mais um
castelhano : Fernando, filho de D.João I de Castela. No tratado de Salvaterra de Magos (1383), o
qual assinalava a paz com Castela, o seu casamento havia sido decidido por este último castelhano
e o filho varão que nascesse herdaria o reino de Portugal. D.Leonor Teles assumia a regência do
trono português enquanto D.Beatriz não atingia a maioridade ou tivesse um filho.
O povo português temia este acordo, pois se D.Beatriz falecesse antes de dar à luz um filho varão,
Portugal perderia a sua independência.

Começaram a surgir dois candidatos ao trono (meios-irmãos) e os seus apoiantes:

- D.João, filho do Rei Pedro I de Portugal e D.Inês – acabou por ser preso;´

- João, Mestre de Avis, filho bastardo de D.Pedro I e D.Teresa Lourenço, aia de D.Inês de Castro.

Quando o rei D.Fernando morre, a regência do reino é entregue a D.Leonor Teles, a rainha e os
conflitos iniciam-se.

D.João I, mestre de Avis, foi apoiado pelas tropas inglesas e organizou uma reunião nas Cortes de
Coimbra, onde acabou por ser eleito rei de Portugal. Esta situação levantou uma grande revolta
por parte dos castelhanos.

D.João I nomeou Nuno Álvares Pereira, o “Condestável” de Portugal, para ser protetor do reino.

Das lutas conta-se a batalha de Trancoso, o cerco de Lisboa e a batalha de Aljubarrota. Nesta
última, o exército castelhano foi derrotado, praticamente aniquilado e o rei castelhano não voltou
a tentar novas invasões nos anos seguintes. Com esta vitória, João I foi reconhecido como rei de
Portugal, pondo fim ao interregno e à anarquia da Crise política de 1383-1385. O reconhecimento
de Castela chegaria apenas de 1411 com a assinatura do tratado de Ayllón-Segovia. A aliança Luso-
Inglesa seria renovada em 1386 no Tratado de Windsor e fortalecida com o casamento de D.João I
com Filipa de Lencastre (filha de João de Gaunt). O tratado, que, ainda em vigor, vem a ser a mais
antiga aliança do mundo, estabeleceu um pacto de mútua ajuda entre Inglaterra e Portugal.

D.Leonor Teles e o Conde Andeiro

Com a morte de D.Fernando em 22 de outubro de 1383, Leonor assumiu a regência do reino e o


seu amante galego, João Fernandes Andeiro, passou a exercer uma influência decisiva na corte.
Esta ligação e influência desagradavam ao povo e à burguesia e a alguma nobreza, que odiavam a
regente e temiam ser governados por um soberano castelhano.
D.João I, Mestre de Avis, apoiado por um grupo de nobres, entre os quais Álvaro Pais e o jovem
Nuno Álvares Pereira, foi incentivado pelo descontentamento geral a assassinar o conde Andeiro. A
ação ocorreu no paço a 6 de dezembro de 1383.

Leonor abandonou Lisboa, fiel ao Mestre de Avis, e refugiou-se em Alenquer e depois em


Santarém, cidades fiéis à causa da rainha, onde tentou manobrar politicamente a sua continuidade
no poder. No entanto, com o desenvolver do conflito entre o Mestre de Avis e o rei castelhano, a
regente perdeu espaço de manobra e acabou por ser constrangida a abdicar da regência a favor de
João I de Castela e de D.Beatrizz, sua filha, a esposa do rei castelhano.

Com a vitória do partido do Mestre de Avis na guerra civil e contra Castela, este tornou-se regente
e depois rei. D.João I de Castela, genro de Leonor, logo em 1384, pouco depois dela ter renunciado
à regência, havia-a internado no Mosteiro de Tordesilhas, perto de Valhadolide, onde segundo
alguns historiadores, faleceu em 1386. No entanto, referências do cronista castelhano Lopez de
Ayala, seu contemporâneo, dão-na como viva em 1390 e em data ainda mais tardia.

Síntese da obra:

- Glorificação da memória de D.João I;

- Construção dos pilares da consciência nacional, através da criação de uma tradição histórica
legitimadora, mediante a elaboração da História de Portugal desde os primórdios da humanidade.

- Narração do reinado de D.João I, desde a sua aclamação (depois da morte do Conde Andeiro) até
ao estabelecimento da paz com Castela.

- Nesta obra existe uma afirmação da consciência coletiva (o povo).

- Afirmação de D.João como Regedor e Defensor do reino e, posteriormente, como rei;

- Manisfestação da coragem, do espírito de sacrifício e dos sentimentos de patriotismo da


população durante a Guerra Civil com Castela face às adversidades sentidas dentro do cerco de
Lisboa.

Obra:

Está dividida em duas partes:

Primeira parte: corresponde à narração dos acontecimentos desde o assassinato do Conde


Andeiro (dezembro de 1383) até à aclamação de D.João I, Mestre de Avis, como rei de Portugal
(abril de 1385);

- Tem 193 capítulos, onde se apresentam temas como: Relação e casamento de D.Fernando com
D.Leonor Teles, os conflitos com Castela e a assinatura do Tratado de Salvaterra de Magos
(determinando o casamento entre D.Beatriz e D.João de Castela, filha de D.Fernando e herdeira da
coroa portuguesa.); morte de D.Fernando e o Envolvimento de D.Leonor Teles com o Conde
Andeiro.

Segunda parte: corresponde ao relato do conflito entre Portugal e Castela, desde a aclamação de
D.João I nas cortes de Coimbra (abril de 1385) à assinatura do tratado de paz (31 de outubro de
1411).
- Tem 204 capítulos, onde se apresentam temas como: o Descontentamento popular e reações à
aclamação de D.Beatriz e de D.João de Castela como monarcas portugueses; O assassínio do
Conde Andeiro pelo Mestre de Avis.

A primeira parte da crónica – capítulos fulcrais para a afirmação da consciência coletiva:

- Capítulo 11 – onde o povo vê no Mestre de Avis o seu herói, o seu Regedor e Defensor

- Capítulo 115 – esta é a Lisboa prezada (preparação e defesa da cidade de Lisboa durante o cerco)

- Capítulo 148 – a fome em Lisboa (as pessoas padeciam, as dificuldades acentuavam-se)

Capítulo 11

Assunto do capítulo

Neste capítulo, Fernão Lopes narra a forma como a população de Lisboa, incitada pelos apelos do
Pajem e de Álvaro Pais para que acudissem ao Mestre de Avis, porque o estavam a matar nos
Paços da Rainha, se armou, saiu em multidão pelas ruas da cidade e se dirigiu em grande alvoroço
para aqueles, a que quis lançar fogo e arrombar as portas. Os gritos que se ouvem (“Matam o
Mestre”) vai aumentando a revolta ao longo do capítulo e os populares juntam-se diante do paço,
jurando incendiá-lo. Embora tenham gritado de dentro do paço que quem morreu foi o conde
Andeiro, a população não acredita e os seus intentos só foram travados quando, aconselhado pelos
seus partidários, o Mestre apareceu a uma janela à multidão (“Amigos, apacificai-vos”), que,
reconhecendo, se acalmou, aclamando-o e insultando o conde Andeiro e a rainha.

Posteriormente, questionam-no : “Que nos mandais fazer, senhor?”. Ele responde que já não
precisa de ajuda e, no momento em que se vai sentar à mesa para comer com o conde de Barcelos,
chega a notícia de que a multidão furiosa quer matar o bispo.

Título

«Do alvoroço que foi na cidade cuidando que matavom o mestre, e como aló foi Alvoro Paez e
muitas gentes com ele»

Estrutura Interna

Momentos Delimitação Personagens Ação Espaço

Introdução Convocação/Apelo Linhas 1 a 5 Pajem, O Pajem do Pelas


Álvaro Pais Mestre deixa o ruas da
Paço da Rainha cidade
e cavalga até à
velozmente casa de
pelas ruas, em Álvaro
direção à casa Pais.
de Álvaro Pais
“bradando” que
matam o
Mestre.
Desenvolvimento Movimentação + Linhas 6 a Pajem, Álvaro Pais sai Pela
Concentração 21 Álvaro Pais e com os seus cidade,
os seus homens e grita a partir
aliados, Povo pela cidade que da casa
(“arraia é necessário de
miúda”) acudir ao Álvaro
Mestre, por ser Pais até
filho de ao
D.Pedro. O povo Paço.
junta-se a
Álvaro Pais e
avança em
direção ao Paço.
Manifestação Linhas 22 a Povo O povo chega Às
43 (personagem ao Paço e portas
coletiva) mostra-se do
gradualmente Paço.
furioso e
impaciente por
saber o que
sucedeu ao
Mestre e
planeia invadi-
lo. É o momento
em que a ação
atinge o seu
clímax.
Aclamação Linhas 44 a Povo Convencido À
59 Mestre de pelos que o janela
Avis rodeiam, dirige- do
se à janela e Paço.
mostra-se ao
povo,
tranquilizando-o
(pois está vivo e
o Conde
Andeiro morto)
e sendo por ele
aclamado.
Conclusão Dispersão Linhas 59 a Mestre O Mestre sai do Paço da
80 Povo Paço e convence Rainha
o povo a e pelas
dispersar. ruas da
Dirigindo-se p/ cidade.
P.Almirante.
1ª Parte (de “O Page do Meestre que estava aa porta…” a “… que matam sem por quê.”) – Os
partidários do Mestre percorrem Lisboa para mobilizar a população (a favor do Mestre), que os
segue.

2ªParte (de “A gente começou de se juntar…”a”- Pois se vivo é, mostrae-no-lo e vee-lo-emos”). –


A multidão junta-se no Paço e ameaça invadi-lo se não tiver notícias de D.João.

3ªParte (de “Entom os do Meestre veendo…” a “E assi forom pera os Paaços u pousava o
Conde.”) – O Mestre mostra-se à janela, abandona o Paço e pede à multidão que disperse.

4ªParte (de “E estando eles por se assentar…” a “… desta guisa que se segue.”) – D.João é
informado de que o Bispo de Lisboa está em perigo, mas é aconselhado a não intervir.

Grupo I

Leia o seguinte excerto, transcrito do Capítulo 11 da Crónica de D.João I, de Fernão Lopes. Em caso
de necessidade, consulte o glossário apresentado, por ordem alfabética, nas Notas.

Do alvoroço que foi na cidade cuidado que matavom o Mestre, e como aló foi Alvoro Paez e
muitas gentes com ele.

O Page do Mestre que estava aa porta, como lhe disserom que fosse pela vila segundo já era
percebido, começou d´ir rijamente a galope em cima do cavalo em que estava, dizendo altas vozes,
bradando pela rua:

- Matom o Mestre! Matom o Mestre nos Paços da Rainha! Acorree ao Mestre que matam!

E assi chegou a casa d´ Alvoro Paez que era dali grande espaço.

As gentes que esto ouviam, saíam aa rua veer que cousa era; e começando de falar u~us com os
outros, alvoraçavom-se nas vontades, e começavom de tomar armas cada u~u como melhor e mais
asinha podia. Alvoro Paez que estava prestes e armado com ~ua coifa na cabeça segundo usança
daquel tempo, cavalgou logo a pressa em cima du~u cavalo que anos havia que nom cavalgara; e
todos seus aliados com ele, bradando a quaesquer que achava dizendo:

- Acorramos ao Mestre, amigos, acorramos ao Mestre, ca filho é del-Rei dom Pedro.

E assi bradavom el e o Page indo pela rua.

Soarom as vozes do arroido pela cidade ouvindo todos bradar que matavom o Mestre; e assi como
viuva que rei nom tiinha, e como se lhe este ficara em logo de marido, se moverom todos com mão
armada, correndo a pressa pera u deziam que se esto fazia, por lhe darem vida e escusar morte.
Alvoro Paez nom quedava d´ir pera alá, bradando a todos:

- Acorramos ao Mestre, amigos, acorramos ao Mestre que matam sem por quê!
A gente começou de se juntar a ele, e era tanta que era estranha cousa de veer. Nom cabiam pelas
ruas principaes, e atravessavom logares escusos, desejando cada u~u de seer o primeiro; e
preguntando u~us aos outros quem matava o Mestre, nom minguava quem responder que o
matava o Conde Joam Fernandez, per mandado da Rainha. “Crónica de D.João I de Fernão Lopes
(ed.Teresa Amado), Lisboa, Comunicação, 1992 (Texto com algumas alterações, feitas de acordo
com a grafia atual.)

Notas

Aló(l.1): então. Alovoraçavom-se nas vontades (l.9): excitavam-se os ânimos. Arroido (l.15): ruído.
Asinha(l.10): depressa. Coifa(l.10): parte da armadura que cobria a cabeça. Com mão armada(l.17):
com armas na mão. Em logo de(l.16): em lugar de. Era dali grande espaço (l.7): era longe dali.
Escusar (l.18): evitar. Escusos (l.21): escondidos ou pouco frequentados. Minguava(l.22): faltava.
Nom quedava d´ir pera alá (l.18): não parava de ir para lá; continuava a dirigir-se para lá. Percebido
(l.4): combinado. Prestes (l.9): pronto; preparado. Rijamente (l.4): energicamente; depressa.

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos seguintes itens.

1. Contextualize os acontecimentos relatados no excerto da Crónica de D.João I.

2. As ações do Pajem e de Álvaro Pais obedecem a um plano previamente traçado. Justifique


esta afirmação, com base na informação contida no texto.

3. Descreva três das reações das «gentes» aos apelos lançados pelo Pajem e por Álvaro Pais.

4. Explique a relação de sentido que se establece entre o texto e a frase que lhe serve de
título.

5. O narrador vai alternando entre discurso direto e discurso indireto ao longo da narração.
A) Explique o efeito produzido e a sua relevância para a missão do cronista.

6. Refira uma característica da escrita de Fernão Lopes patente no texto, fundamentado a


resposta com citações relevantes.

Respostas

1. Os acontecimentos relatados no excerto anterior da Crónica de D.João I situam-se no


Capítulo 11 da obra. Desde a Convocação e o Apelo do Pajem do Mestre, rumando em
direção à casa de Álvaro Pais, passando pelas ruas de Lisboa, bradando que matam o
Mestre. A posterior Movimentação e Concentração dos apoiantes de Álvaro Pais e das
“gentes” (a arraia miúda) que julgam necessário acudir ao Mestre por ser filho “de-El
rei D.Pedro”, seguindo pela cidade até ao Paço da Rainha a partir da casa de Álvaro
Pais. A Manisfestação, correspondente à chegada do povo ao Paço que, se mostra
gradualmente furioso e impaciente por saber o que sucedera ao Mestre e planeia
invadi-lo, o momento em que a ação atinge o seu clímax, às portas do Paço. Em
seguida, a Aclamação, o momento em que o Mestre dirige-se à janela e mostra-se ao
povo, tranquilizando-o (pois está vivo e o conde morto) e sendo por ele aclamado. E,
finalmente, a Dispersão quando as “gentes” e o Mestre saiem do Paço, dirigindo-se ao
Paço do Almirante.
2. O plano previamente traçado tem como objetivo impedir que o reino português seja
governado por um soberano castelhano (acordado pelo Tratado de Salvaterra de
Magos) e legitimar o reino português, planeando um golpe palaciano e nomeando
assim D.João I como candidato ao trono, filho bastardo de D.Pedro I e de D.Teresa
Lourenço. Situação que suscitara oposição e agitação na corte e punha em causa a
independência nacional, na qual, a figura de D.João I, reunia os sentimentos dos vários
setores da sociedade, burgueses e nobres que se mostravam descontentes com a
regência da Rainha e do poder crescente do Conde Andeiro. “As gentes que esto
ouviam, saíam aa rua veer que cousa era; e começando de falar u~us com os outros,
alvoraçavom-se nas vontades, e começavom de tomar armas cada u~u como melhor e
mais asinha podia. (…) – Acorramos ao Mestre, amigos, acorramos ao Mestre, ca filho
é deI-Rei dom Pedro.”

3. Três das reações das “gentes” aos apelos do Pajem e de Álvaro Pais são o facto de se
juntarem a estes, armados como podem, seguindo-os para o Paço da Rainha,
enunciando o que será a afirmação de uma consciência coletiva em união e espírito de
patriotismo na defesa da causa comum, representado pela figura do futuro Regedor e
Defensor do reino português, o Mestre de Avis.

4. A frase que serve de título ao texto serve como premissa dos acontecimentos que irão
acontecer, desde a saída do Pajem do Mestre até à casa de Álvaro Pais, até ao golpe
palaciano, assassínio do Conde Andeiro e a aclamação do Mestre de Avis.

5. A alternância entre discurso direto e discurso indireto ao longo da narração do texto


serve para recriar diferentes acontecimentos de forma dinâmica, contribuindo para a
sensação de que o leitor “está” “vê” e “sente” a ação a cores.

6. Uma das características da escrita de Fernão Lopes que o torna um renovador do


género da crónica histórica é o visualismo, patente na forma como espelha a sua
dimensão interpretativa e estética.

A morte do Conde Andeiro

João Fernandes de Andeiro era um nobre galego do século XIV que ganhou a confiança do rei
D.Fernando e que se tornou uma das figuras mais influentes da corte portuguesa durante este
reinado. Gozava do favor pessoal do rei, que lhe atribuiu o título de 2ºConde de Ourém, daí a
designação comum de “Conde Andeiro”.

Desempenhou um papel importante nas manobras diplomáticas de D.Fernando junto da corte


inglesa, no contexto das guerras em que se envolveu em Castela. Porém, a sua ligação pessoal, à
rainha D.Leonor Teles e a forma como adquiriu poder e influência tornavam-no odiado e temido.
Quando o rei morreu, a 22 de outubro de 1383, a rainha assumiu a regência e preparou a
aclamação da infanta D.Beatriz, cujo casamento com o rei de Castela já tinha sido acordado nos
termos do Tratado de Salvaterra de Magos. Esta situação suscitou oposição e agitação na corte e
no país.

E como foi morto?


Foi morto no decorrer de um golpe palaciano, cuidadosamente preparado pelo mestre de Avis e os
seus apoiantes. O Mestre de Avis era filho ilegítimo do rei D.Pedro, e era figura em torno do qual se
juntaram os setores da sociedade, sobretudo os burgueses de Lisboa e alguns setores da nobreza,
descontentes com a regência da rainha e o poder crescente do Conde Andeiro, que consideravam
que colocava em risco a independência nacional. Contava com o apoio do povo de Lisboa, que
odiava a rainha.

O principal sinal de preocupação era o facto de o rei de Castela já se intitular “rei de Castela e de
Oortugal”, apesar de os termos do tratado de casamento com a infanta D.Beatriz não o permitirem.
Portanto, no dia 6 de dezembro, um grupo de homens, liderado pelo mestre de Avis, entrou no
Paço e matou o Conde Andeiro às punhaladas. Ao mesmo tempo, e numa manobra combinada, os
seus partidários percorriam as ruas de Lisboa a dizer que estavam a matar o mestre, o que levou
uma multidão a juntar-se às portas do paço. O episódio ficou descrito por Fernão Lopes, em cores
particularmente vivas, na sua crónica de D.João I.

Foi, portanto, o início da revolução de 1383-1385?

Sim, a morte do Conde Andeiro marca o desencadear da crise política, que teve o seu desfecho
apenas dois anos mais tarde. Foi um período de guerra civil, onde se confrontavam vários partidos,
nomeadamente os que apoiavam a rainha D.Leonor Teles e os direitos da infanta D.Beatriz e os
que recusavam esta solução e temiam a perda da independência, e que se juntavam em torno do
mestre de Avis.

É curioso assinalar o facto de o que estava em causa era, de facto, o incumprimento do rei D.João
de Castela face às cláusulas do tratado de casamento, uma vez que o Mestre de Avis chegou a
aceitar soluções negociadas com a rainha. Foi a ambição deste rei em tomar a coroa de Portugal
que acabou por suscitar a reação mais profunda por parte das cidades portuguesas, em última
análise, o desfecho da crise.

Capítulo 115

Assunto do Capítulo

A cidade de Lisboa estava organizada para resistir ao cerco. As muralhas com as suas 67 torres,
foram divididas em setores, cada um dos quais confiado a um capitão e a certo grupo de
defensores. Apesar do cerco, continuou a trabalhar-se na construção da barbacã (é um muro
anteposto às muralhas, de menos altura do que estas, com a função de proteger as muralhas dos
impactos da artilharia), do lado do acampamento castelhano. As moças, sem nenhum medo,
andavam pelas terras a apanhar pedra para as obras e cantavam em alta voz dizendo: «Está é a
Lisboa prezada – mira-la e deixa-la».

Título

« Per que guisa estava a cidade corregida per se defender, quando el-rei de Castela pôs cerco sobre
ela»

Capítulo 115
Per que guisa estava a cidade corregida para se defender, quando el-Rei de Castela pôs cerco
sobre ela.

(…)

Nom leixavom os da cidade, por serem assi cercados, de fazer a barvacãa d´arredor do muro da
parte do arreal, des a porta de Santa Caterina, ataa torre d´Alvoro Paaez, que nom era ainda feita,
que seriam dous tiros de besta; e as moças sem neu~u medo, apanhando pedra pelas herdades,
cantavom altas vozes dizendo:

Esta Lixboa prezada, mirá-la e leixá-la. Se quiserdes carneiro, qual derom ao Andeiro; Se quiserdes
cabrito, qual derom ao Bispo.

E outras razões semelhantes. E quando os emigos os torvar quei«riam, eram postos em aquel
cuidado em que forom os filhos de Israel, quando Rei Serges, filho de rei Dario, deu licença ao
profeta Neemias que refezesse os muros de Jerusalem, que guerreados pelos vezinhos d´arredor,
que os nom alçassem, com ua mão poinham a pedra, e na outra tinham a espada pera se
defender; e os Portugueses fazendo tal obra, tinham as armas junto consigo, com que defendiam
dos emigos quando se trabalhavom de os embargar, que a nom fezessem.

As outras cousas que pertenciam ao regimento da cidade, todas eram postas em boa e igual
ordenança; i nom havia neuu que com outro levantasse arroido nem lhe empecesse per talentosos
excessos, mas todos usavom d´amigavel concordia, acompanhada de proveito comuu.

Ó que fremosa cousa era de veer! Uu tam alto e poderoso senhor como el-Rei de Castela, com
tanta multidom de gentes assi per mar come per terra, postas em tam grande e boa ordenança,
teer cercada tam nobre cidade! E ela assi guarnecida contra ele de gentes e d´armas com taes
avisamentos por sua guarda e defensom! Em tanto que diziam os que virom, que tam fremoso
cerco de cidade nom era em memoria d´Homees que fosse visto de mui longos anos atá aquel
tempo.

Notas:

(1) Barvacãa: barbacã, muro com função de defesa das muralhas, um pouco menor que a
parede da muralha.
(2) Torvar: atrapalhar, perturbar.
(3) Que os nom alçassem: para que não erguessem os muros.
(4) Embargar: impedir.
(5) Nem lhe empecesse per talentosos excessos: nem lhe causasse dano por atos
intencionalmente desordeiros.
(6) Avisamentos: precauções.

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos seguintes itens.

1. Identifique o acontecimento histórico descrito neste excerto.


2. Mostre de que forma Lisboa e os seus habitantes preparam a defesa da cidade. (Justifique
a sua resposta com transcrições textuais)
3. Comprove que a caraterização de D.João de Castela e seu exército contribui para enaltecer
a população de Lisboa.

Respostas

1. O acontecimento histórico descrito neste excerto é o cerco de Lisboa por parte das tropas
de el-Rei D.João de Castela.
2. Lisboa e os seus habitantes, tanto nobres como elementos da “arraia miúda”(povo),
preparam a cidade de Lisboa começando por reunir mantimentos, preparar as muralhas,
torres, reunindo armas e construindo estacas de madeira no rio para impedir a chegada de
barcos castelhanos via marítima. (“Nom leixavom os da cidade, por serem assi cercados,
de fazer a barvacãa d´arredor do muro da parte do arreal, des a porta de Santa Caterina,
ataa torre d´Alvoro Paaez, que nom era ainda feita”), (…) (“que guerreados pelos vezinhos
d´arredor, que os nom alçassem, com ua mão poinham a pedra, e na outra tinham a
espada pera se defender; e os Portugueses fazendo tal obra, tinham as armas junto
consigo, com que defendiam dos emigos quando se trabalhavom de os embargar, que a
nom fezessem.”), (…) (“Ó que fremosa cousa era de veer! Uu tam alto e poderoso senhor
como el-Rei de Castela, com tanta multidom de gentes assi per mar come per terra, postas
em tam grande e boa ordenança, teer cercada tam nobre cidade! E ela assi guarnecida
contra ele de gentes e d´armas com taes avisamentos por sua guarda e defensom!”).
3. A caraterização de el-Rei D.João de Castela, um “tam alto e poderoso senhor” com um
exército grande e organizado “com tanta multidom de gentes assi per mar come per terra,
postas em tam grande e boa ordenança, teer cercada tam nobre cidade”, contribui para
enaltecer a cidade de Lisboa, pois a defesa desta é maioritariamente formada pelo povo
que se afirma como consciência coletiva da identidade nacional contra um inimiho mais
poderoso, bem preparado e numeroso.

Capítulo 148

Assunto do capítulo

Em Lisboa, os mantimentos esgotaram-se totalmente, sobretudo para os pobres, porque o pouco


trigo que existia era muito caro. Alguns enganavam a fome com ervas e água; nas ruas e praças da
cidade aparecem os cadáveres de homens e cachopos com as barrigas inchadas. Faltava o leite às
mães, que mais nada tinham que dar aos filhos senão as lágrimas que choravam. Muitos maldizem
o dia em que nasceram e pedem que a morte os leve depressa. Está ainda presente o desabafo:
oh, gente que depois veio, povo bem-aventurado, que não soube parte de tantos males nem
partilhou tão triste sofrimento.

Título

«Das tribulações de Lisboa padecia per mingua de mantimentos»

Capítulo 148

Das tribulações que Lisboa padecia per míngua de mantimentos.

Ó quantas vezes encomendavom nas missas e pregações que rogassem a Deos devotamente por o
estado da cidade! E ficados os geolhos, beijando a terra, braadavom a Deos que lhes acorresse, e
suas prezes nom eram compridas! Uus choravom antre si, mal-dizendo seus dias, queixando-se por
que tanto viviam, como se dissessem com o Profeta: «Ora veese a morte ante do tempo, e a terra
cobrisse nossas faces, pera nom vermos tantos males!» Assi que rogavom a morte que os levasse,
dizendo que melhor lhe fora morrer, que lhe sere, cada dia renovados desvairados padecimentos.
Outros se querelavom a seus amigos, dizendo que forom desaventuirada gente, que se ante nom
derom a el-Rei de Castela que cada dia padecer novas mizquiindades, firmando-se de todo nas
peores cousas que fortuna em esto podia obrar. Sabia porem isto o Meestre e os de seu Conselho,
e eram-lhe doorosas d´ouvir taes novas; e veendo estes males a que acorrer nom podiam,
çarravom suas orelhas do rumor do poboo.

Como nom querees que maldissessem sa vida e desejassem morrer alguus homees e molheres,
que tanta diferença há d´ouvir estas cousas aaqueles que as entom passarom, como há vida aa
morte? Os padres e madres viiam estalar de fame os filhos que muito amavom, rompiam as faces e
peitos sobr´eles, nom tendo com que lhe acorrer, senom planto e espargimento de lagrimas; e
sobre todo isto, medo grande da cruel vingança que entendia, que el-Rei de Castela deles havia de
tomar; assi que eles padeciam duas grandes guerras, ua dos amigos que os cercados tinham, e
outra dos mantimentos que lhes minguavom, de guisa que eram postos em cuidado de se
defender da morte per duas guisas.

Pera que é dizer mais de taes falecimento? Foi tamanho o gasto das cousas que mester haviam que
soou uu dia pela cidade que o Meestre mandava deitar fora todolos que nom tevessem pam que
comer, e que somemte os que o tevessem ficassem em ela; mas quem poderia ouvir sem gemidos
e sem choro tal ordenança de mandado aaqueles que o nom tinham? Porem sabendo que nom era
assim foi-lhe já quanto de conforto. Onde sabee que esta fame e falecimento que as gentes assi
padeciam, nom era por seer o cerco perlongado, ca nom havia tanto tempo que Lixboa era
cercada; mas era per aazo das muitas gentes que se ela a colherom de todo o termo; e isso mesmo
da frota do Porto quando veo, e os mantimentos serem muito poucos.

Ora esguardae como se fossees presente, ua tal cidade assi desconfortada e sem neua certa feuza
de seu livramento, como veviriam em desvairados cuidados quem sofria ondas de taes aflições? Ó
geeraçom que depois veo, poboo bem aventuirado, que nom soube parte de tantos males, nem foi
quinhoeiro de taes padecimentos! Os quaes Deos por Sua mercee prougue de cedo abreviar
doutra guisa, como acerca ouvires.

Notas:

(1) Geolhos: joelhos.


(2) Prezes: preces, orações.
(3) Desvairados: diversos.
(4) Querelavom: queixavam-se.
(5) Que se ante nom derom a el-Rei de Castela: por não se terem entregado ao Rei de Castela
em vez de.
(6) Mizquindades: desgraças.
(7) D´ouvir estas cousas aaqueles que as entom passarom: entre ouvir estas coisas e passa-las.
(8) Guisas: maneiras.
(9) Perlongado: de longa duração.
(10) Esguardae: observai, olhai.
(11) Feuza: confiança, segurança.
(12) Quinhoeiro: participante.
(13) Prougue: agradou.

Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Contextualize os acontecimentos relatados no excerto da Crónica de D.João I.


2. O excerto apresentado refere-se à situação vivenciada pelo povo de Lisboa dentro das
muralhas da cidade.
2.1 Releia o primeiro parágrafo e explicite duas atitudes dos habitantes perante as
dificuldades com que deparam.
2.2 Relacione as referências ao Mestre com a intenção de fornecer desta personalidade
uma imagem de humanidade.
3. Retire do texto dois exemplos que demonstrem a necessidade que o cronista tem de
estabelecer uma ligação com o leitor.
4. Na linha 21 afirma-se que os habitantes padeciam de duas grandes guerras. Identifique-as
e refira os sentimentos despertados no povo.

Respostas

1. Os acontecimentos históricos relatados no excerto apresentado da Crónica de D.João I


inserem-se no contexto do capítulo 148. Este capítulo descreve a situação vivenciada pelo
povo face ao cerco de Lisboa, após um longo período de tempo, a população começa a
sentir as consequências de uma cidade em clausura. Os alimentos escasseiam, os preços
sobem, a fome aumenta, as doenças surgem e, com isso, a morte e a desgraça alastra-se.
2.
2.1 Uma das atitudes dos habitantes perante as dificuldades com que se deparam, são as
seguintes: uma postura introvertida, em que as pessoas choravam sozinhas e se
lamentavam dizendo que preferiam a morte às desgraças que viviam; uma postura
diferente da anterior, dirigida para o exterior, pois havia habitantes que se queixavam
aos amigos, concluindo que sofriam por não se terem rendido ao exército castelhano.
2.2 Notam-se duas referências ao Mestre de Avis: na primeira ele comove-se com o
sofrimento da população (mostrando a sua fragilidade e sensibilidade); na segunda
referência, relata-se um rumor que circulava pela cidade, que quereria expulsar de
Lisboa quem já não tivesse pão, sendo que este rumor não se confirmou, mostrando
que o Mestre de Avis seria um bom estratega e se preocupava de facto com a
população.
3. “Como não querees que maldissessem sa vida e desejassem morrer alguus homees e
molheres, que tanta diferença há d´ouvir estas cousas aaqueles que as entom passarom”
(linhas 14 e 15); “Ora esguardae como se fosses presente(…)” (linha 31).
4. Os habitantes padeciam de duas grandes guerras, a guerra contra o exército castelhano e a
guerra contra a fome, causando morte e com isso a miséria, tristeza e desespero.

Em suma

A crónica de D.João I é considera a crónica medieval portuguesa mais importante não só pelos
acontecimentos que relata como também pela qualidade literária da sua prosa. Foi publicada pela
primeira vez em 1644, em Lisboa, e encontra-se dividida em duas partes:
- a 1ª parte ocupa-se do espacço e do tempo desde a morte de D.Fernando até à eleição de D.João
I.

- a 2ª parte relata o reinado deste monarca até à paz com Castela, em 1411.

A afirmação da consciência coletiva:

Esta crónica representa a legitimação da dinastia de Avis. Mas é importante referir que essa
legitimação adveio da força do povo, conduzido por Álvaro Pais. Na verdade, o povo, a chamada
“arraia-miúda”, foi a força motriz da revolução, representando todos aqueles que queriam
preservar a independência de Portugal.

Por essa razão, é possível dizer que a Crónica de D.João I constituiu uma afirmação da consciência
coletiva, no sentido em que o verdadeiro herói que povoa as suas páginas não é um herói
individual, não é um cavaleiro mas antes um herói coletivo – o povo.

Atores individuais e coletivos :

D.Leonor Teles

É caracterizada de forma profundamente negativa, na medida em que é descrita como objeto de


um ódio profundo por parte do povo, sendo, além disso, alvo das acusações do partido que queria
a independência do trono português e suspeita de ter sido a responsável pela morte do marido,
D.Fernando (acontecimento relatado no Capítulo XI da Crónica). Apesar disto, Fernão Lopes não
oculta a sua grandeza e força, que lhe permitem manipular figuras masculinas, como D.Fernando,
D.João de Castro (filho ilegítimo de D.Pedro e de D.Inês de Castro) e o próprio Mestre de Avis, e
enfrentar, mesmo após a derrota, o rei de Castela, recusando-se a ingressar num convento.

Mestre de Avis

É caracterizado como um homem vulgar, hesitante e vulnerável às fraquezas, como é possível


verificar, por exemplo, pelas oscilações do seu comportamento aquando da conjura contra o Conde
Andeiro (depois de se mostrar indeciso, adere à conjura, fugindo em seguida para o Alentejo, de
onde regressa quando se apercebe que a conspiração será inevitavelmente descoberta). Apesar
destes defeitos – que o tornam uma personagem profundamente realista - , D.João mostra
também ser capaz de atos espontâneos de solidariedade, o que o converte numa figura cativante.

Nuno Álvares Pereira

É caracterizado como um herói hagiográfico, isto é, com traços de santidade, e, ao mesmo tempo,
como um grande guerreiro.

Capítulo 11

O pajem do Mestre de Avis brada pelas ruas, a caminho da casa de Álvaro Pais, que matam o
Mestre nos paços da rainha, o que leva as gentes, em agitação, a saírem para a rua e a pegarem
em armas. Álvaro Pais, que já estava preparado, dirige-se para o pajem e outros aliados para os
paços, apelando à população para que se junte e corra em auxílio do Mestre; Chegada às portas do
paço, que estavam fechadas, a multidão mostra-se ansiosa e agitada, querendo entrar para
confirmar que o Mestre está vivo; Aconselhado pelos que estavam consigo e atendendo ao
alvoroço das pessoas, o Mestre aparece à janela para apaziguar os ânimos. Perante esta visão, a
população manifesta um “gram prazer”. Sentindo-se seguro, Mestre deixa os paços e cavalga pelas
ruas em direção aos paços do Almirante, onde se encontrava o conde D.João Afonso, irmão da
Rainha; Pelo caminho, o Mestre contacta com a população, que se mostra aliviada, alegre e
disponível; Próximo dos paços do Almirante, o Mestre é acolhido pelo conde, pelos funcionários da
cidade e por outros fidalgos. Já à mesa, vêm dizer ao Mestre que as gentes da cidade querem
matar o bispo. O Mestre faz tenções de o ir socorrer, mas é aconselhado a permanecer ali ( o bispo
é morto pela população).

Capítulo 115

Ao saberem da vinda do rei de Castela, o Mestre e os habitantes de Lisboa começam a recolher


mantimentos e muitos vão às lezírias buscar gado morto. As populações movimentam-se : muitos
lavradores deslocam-se com as mulheres, os filhos e com tudo o que têm para dentro da cidade,
outros vão para Setúbal e Palmela, outros ficam em Lisboa e há ainda os que permanecem nas
vilas que apoiam Castela-, Começa-se a preparar a defesa da cidade: primeiro, pensa-se na defesa
ao nível dos muros (muralhas) e das torres, tarefa que o Mestre delega nos fidalgos e cidadãos
honrados, que contam com a ajuda de besteiros e homens de armas. Mostra-se preocupado com a
guarda da cidade e ele próprio passa em revista os muros e as torres, durante a noite. As gentes
que aí se encontram estão alerta e são diligentes; Depois analisa-se a defesa ao nível das portas da
cidade: quantas era, quem as vigiava e os cuidados eram tidos; Passa-se para a ribeira, zona onde
foram construídas estacas para impedir e/ou dificultar a passagem dos castelhanos; Ainda
relativamente à defesa, refere-se a construção de um muro à volta das muralhas da cidade e ajuda
das mulheres, que sem medo, apanham pedras pelas herdades e entoam cantigas a louvar Lisboa;

A propósito da construção desse muro, o narrados estabelece uma comparação entre os


portugueses, que tão bem defendem a sua cidade e os filhos de Israel, que fizeram o mesmo.
Salienta-se, assim, a coragem e determinação da população. Para além disso, é dito que todos
estavam em sintonia e a pensar no bem comum, o que leva o cronista a concluir o capítulo num
tom elogioso. Com efeito, no final, Fernão Lopes menciona a superioridade do rei de Castela (“tam
alto e poderoso senhor como he elRei de Castella, com tamta multidom de gentes”), mas apenas
com o objetivo de realçar a postura da cidade de Lisboa, que, perante um adversário tão feroz, está
“guarnecida comtra elle de gemtes e darmas”:

Capítulo 148

Estando a cidade cercada, os mantimentos começam a faltar, por causa da quantidade de pessoas
que estavam dentro das muralhas de Lisboa, o que leva a que alguns procurem alimentos fora da
cidade e vão de barco, à noite, buscar trigo, correndo perigo. As esmolas também escasseiam e já
não há como socorrer os pobres. Então, estabelece-se quem deve ser posto fora da cidade: as
pessoas miseráveis, os que não combatem, as prostitutas, os judeus. Inicialmente, os castelhanos
acolhem estas gentes, mas, quando percebem que tal ato se devia à fome, também eles as
expulsaram do seu acampamento; Na cidade, há carência de todo o tipo de alimentos, como o
trigo, milho e vinho. O preço destes produtos é elevado e, por isso, os hábitos alimentares mudam
e até há quem procure apenas grãos de trigo na terra ou quem beba tanta água que acabe por
morrer. A carne e os ovos são outros dos alimentos em falta e muito caros; As crianças não têm
que comer a andam pela cidade a pedir, as mães não têm leite para os seus filhos e veem-nos a
morrer. Toda a cidade está envolta num ambiente de tristeza, de pesar e de morte. As pessoas
dirigem preces a Deus. O desespero é tal que há até rumores de que o Mestre vai expulsar da
cidade todos os que não têm que comer. Porém esse rumor é desmentido. O capítulo termina com
um forte apelo ao leitor/ouvinte, representante da “geeraçom que depois veo”, designado de be-
aventurado, pois não teve que enfrentar os sofrimentos descritos.

“A Farsa de Inês Pereira” de Gil Vicente

Farsa – A farsa é um género de teatro com o objetivo de fazer uma caricatura e crítica à sociedade,
geralmente num só ato. Retratam cenas da vida quotidiana da época, tendo um enredo cómico e
profano.

A Farsa de Inês Pereira é uma peça de teatro escrita por Gil Vicente, onde se retrata a ambição de
uma jovem de classe média portuguesa do século XVI. Trata-se de uma sátira de costumes da vida
doméstica, que joga com o tema medieval da mulher como personificação da ignorância e malícia.

Autor: Gil Vicente, é considerado o primeiro grande dramaturgo português (1465-1536),


frequentou as cortes régias de D.Manuel I e D.João III. Aqui, usufruiu da proteção de D.Leonor de
Lencastre, para além de desempenhar a profissão de ourives (possível autor da Custódia de
Belém).

É considerado o pai do teatro português e do ibérico, pois também escreveu em castelhano.

Obra

A sua obra é considerada um reflexo da mudança dos tempos e da passagem da Idade Média para
o Renascimento, tendo sido o principal representante da literatura renascentista portuguesa,
anterior a Camões, incorporando elementos populares na sua escrita.

A par das farsas, Gil Vicente continuou a escrever autos religiosos e também as comédias e
tragicomédias. Todas as suas obras apresentam tipos sociais reais, visto que os segundos planos
são formados pelo povo, o verdadeiro herói dos autos de Gil Vicente.

Resumo

A farsa tem como provérbio que a resume: «Mais quero asno que me leve, que cavalo que me
derrube».

Inês Pereira, moça simples, ambiciosa e casadoira deseja encontrar um marido astuto e sedutor. A
sua mãe, por sua vez, com a ajuda da alcoviteira, Lianor Vaz, incita-a a casar com Pêro Marques,
pois está preocupada com a educação da sua filha. O lavrador, Pêro Marques, não agrada a Inês,
pois é ignorante e inculto. Ela pretende alguém que demonstre cortesia, que saiba combater, fazer
versos, dançar e cantar. O segundo pretendente, Brás da Mata, trazido pelos pouco bem-
intencionados judeus, corresponde a todos estes parâmetros.

Brás da Mata, por sua vez, dissimulado, apenas se pretende aproveitar do dote dela.

Inês e Brás da Mata casam, o que se revela pouco vantajoso para Inês, pois ela perde a sua
liberdade; antes de sair em missão para África, Brás da Mata, dá ordens ao seu moço para vigiar e
trancar Inês em casa. Três meses após a sua partida, Inês recebe a notícia de que o seu marido foi
morto por um mouro.

Livre, ela deseja casar novamente, e Lianor Vaz traz novamente a notícia que Pêro Marques
continua solteiro e casadoiro, como lhe tinha prometida que esperaria por ela. Então, Inês casa
com Pêro Marques.

No final da história surge um ermitão e Pêro Marques carrega Inês às costas para o ver, o qual se
tornou amante dela. O ditado “mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube”
assume aqui toda a sua importância, pois para além de a carregar às costas, levando-a ao encontro
do seu amante, eles ainda cantam “assim são as coisas”.

Estrutura externa e estrutura interna

Esta obra é a mais extensa de Gil Vicente, sendo considerada a sua obra-prima.

Estrutura externa

Embora não tenha divisões em atos e cenas, é possível estabelecer três cenas, com a entrada e a
saída das personagens, como é típico no teatro vicentino.

Estrutura interna

A farsa estrutura-se a partir de episódios que podem ser organizados da seguinte forma:

- A vida de Inês, ainda solteira, com a mãe;

- Os conselhos de Lianor Vaz sobre o casamento;

- A apresentação e entrada de Pêro Marques;

- A recusa da proposta de casamento por Inês (proposta de casamento de Pêro Marques);

- O anúncio e entrada de um novo pretendente (o Escudeiro);

- O desencanto com o casamento (com o Escudeiro);

- A viúvez de Inês Pereira;

- A nova vida de casada com Pêro Marques;

- Concretização do desejo de Inês.

Assim:

Delimitam-se 3 cenas, a Exposição, o Conflito e o Desenlace.

Exposição – delimita o desejo de Inês se libertar, pelo casamento.

Conflito – Relata a proposta e recusa de casamento com Pêro Marques; O novo pretendente e
casamento falhado com o Escudeiro; O casamento com Pêro Marques.

Desenlace – Refere a concretização do desejo de Inês Pereira.


Caracterização das personagens :

Inês Pereira

Em solteira

- Ambiciosa e sonhadora – oriunda da pequena burguesia;

- Ociosa, despreza a vida rústica do campo;

- O seu quotidiano é entediante: costura, borda e fia;

- É alegre, quer sair de casa e divertir-se, mas é contrariada pela mãe;

- É ambiciosa, idealista, quer casar-se com um homem que, ainda que, seja discreto, meigo e saiba
cantar e tocar viola, para fugir à vida que tem, quer viver alegre e ascender socialmente;

- A carta que Pêro Marques lhe envia não lhe agrada e considera-o disparatado e simplório;

- Faz troça de Pêro Marques quando este a visita, e rejeita-o;

Em casada e em viúva

- Casa com Brás da Mata, o Escudeiro, sem saber que ele é pobre e interesseiro;

- Fica a viver em casa da mãe, que se retira para viver num casabre;

- É infeliz, pois o seu marido não a deixa cantar e prende-a em casa;

- Fica sozinha quando o marido vai para Marrocos lutar contra os mouros;

- É vigiada pelo moço, o Pajem Fernandes;

- Reconhece que errou ao rejeitar Pêro Marques e ao casar com o Escudeiro;

- Deseja a morte do marido e jura que se casará uma segunda vez com um marido que seja
submisso, para gozar a vida e vingar-se das provações sofridas enquanto casada com o Escudeiro;

- Não se comove com a morte do marido, pelo contrário, sente-se livre;

- É hipócrita ao chorar pelo marido morto e ao dizer que está triste;

- Reconhece que a experiência de vida ensina mais do que os mestres;

Casada em segundas núpcias (Atitude perante o segundo casamento)

- Materialista, pragmática e calculista, decide casar-se com Pêro Marques;

- Canta e, livre, sai de casa com o consentimento do marido;

- Tem o hábito de dar esmola ao Ermitão de Cupido;

- Inicialmente, não reconhece o Ermitão como um apaixonado do passado, mas tenciona cometer
adultério com ele;
- Abusa da ingenuidade do marido e pede-lhe para acompanhar à ermida, para ter um encontro
amoroso com o Ermitão.

Escudeiro Brás da Mata

- Fidalgo, membro da baixa nobreza;

- Duvida do retrato perfeito que os judeus casamenteiros fazem de Inês;

- É pobre, mas finge ser rico e desinteressado;

- É galanteador, elegante, bem-falante, sabe ler e escrever, sabe cantar e tocar viola – é discreto, é
o homem ideal que Inês procura;

- No entanto, quando se casa com Inês e revela-se autoritário e agressivo;

- Parte para a guerra em Marrocos para ser armado cavaleiro, deixando Inês e o Moço sem
dinheiro;

- É cobarde, pois é morto em Arzila por um mouro pastor, ao fugir do campo de batalha;

- Representa o papel de “cavalo”, elegante e valente (aparentemente).

Pêro Marques

- É um lavrador abastado – membro do povo;

- É o pretendente rejeitado por Inês;

- É rico e trabalhador, tendo herdado a maior parte do gado do pai e uma fazenda de mil cruzados;

- Apresenta-se como um homem de bem, honesto e de boas intenções;

- É um homem rústico, desconhecedor das regras de convivência social, ignorante e ingénuo, cai no
ridículo pela maneira como se veste e pela maneira de falar e agir;

- Sofre com a rejeição e promete não se casar até que Inês o aceite;

- Após a morte do Escudeiro, casa-se com Inês Pereira;


- Concede liberdade total a Inês e é traído por ela;
-Representa o papel de “asno” que leva literalmente a mulher às costas para “visitar” o Ermitão;

Lianor Vaz

- É a alcoviteira casamenteira, membro do povo;

- Conhecida da mãe de Inês, quer que Inês se case com Pêro Marques;

- Aparentemente honesta e desinteressada pelo dinheiro que poderá ganhar com o casamento de
Inês;

- Sensata e boa conselheira, avisa Inês de que ela não deverá esperar o marido, e deve aceitar o
pretendente que lhe aparecer;

- É amiga, mostra-se preocupada com o futuro de Inês;


- Depois da morte do Escudeiro, persuade Inês a casar-se com Pêro Marques.

Mãe

- É uma mulher simples, oriunda da pequena burguesia;

- É religiosa;

- É autoritária, não permitindo que Inês saia de casa e obrigando-a a trabalhar;

- Defende o casamento de Inês com Pêro Marques, como modo de ascensão social;

- É conselheira e preocupada com o futuro de Inês;


- Não aprova a relação da filha com o Escudeiro, fruto do idealismo e da leviandade (falta de
prudência) de Inês;

- Vive resignada, mas acaba por aceitar a opção de Inês se casar com Brás da Mata, abençoando-os
e dando-lhes a sua casa;

Ermitão

- É o antigo apaixonado de Inês de Castro – membro do clero;

- É castelhano;

- Apresenta um discurso mais amoroso do que religioso, aproximando-se da blasfémia (do que é
dito ímpio ou insultante contra o que se considera como sagrado);
- É solitário e triste;

- Pede esmola pelas ruas;

- A paixão frustada por Inês fê-lo tornar-se ermita;

- Envolve-se amorosamente com Inês.

Os judeus casamenteiros

- Latão e Vidal – alcoviteiros casamenteiros;

- Têm a missão de encontrar um marido para Inês;

- Operam como uma única personagem, visível no seu discurso que confere comicidade (qualidade
do que é cómico à obra : “Tu e eu não somos eu?”;

- Procuram o marido ideal para Inês Pereira;

- Sem escrúpulos e oportunistas, visando apenas uma recompensa material, exageram as


qualidades do Escudeiro e de Inês para atingirem o seu objetivo;

- São desonestos, falsos, materialistas e astutos.

Moço

- Fernando – criado do Escudeiro – oriundo do povo;


- Contribui para a sátira presente na obra pela denúncia do verdadeiro caráter do seu amo : a
pelintrice, as manias da grandeza, as privações e o sonho de atingir uma situação económica
confortável através do casamento com Inês;

- Queixa-se da pobreza e da fome a que o Escudeiro o sujeita;

- É responsável por vigiar Inês, quando o seu amo parte para África, trancando-a em casa e
deixando-a sozinha enquanto ele se vai “desenfadar” com as moças;

- Fica triste ao receber a notícia da morte do seu amo em Arzila;

-É despedido por Inês, depois da morte do Escudeiro;

Moças e Mancebos

- Luzia e Fernando – amigos – povo;

- Convidados para a festa do primeiro casamento de Inês, animam a festa, cantam e bailam;

A representação do quotidiano

O quotidiano representado refere-se à época de Gil Vicente, ao primeirp quartel do século XVI
(primeiros 25 anos), pois esta farsa foi levada a cena em 1523. Não faltam exemplos, ao longo da
farsa, de hábitos de vida e de costumes do dia a dia da época e o Mestre Gil Vicente soube dar-lhes
uma segunda dimensão, ao associá-los a personagens-tipo (estas sintetizam em si funções sociais,
estilos de vida, trejeitos… típicos de um grupo socialm profissional ou outro), concretizando
também a intenção satírica da obra.

Assim

- retrata o modo de vida popular (Pêro Marques) vs o modo de vida cortêS (Escudeiro);

- evidencia a importância da cerimónia do casamento e o hábito de recorrer a casamenteiros;

- aborda as conceções de vida e de casamento (Mãe e Lianor Vaz vs Inês Pereira);

- episódio relatado por Lianor Vaz (devassidão do clero);

- prática religiosa – ida à missa;

- falta de liberdade da rapariga solteira, confinada à casa da mãe;

- a ocupação da mulher solteira em tarefas domésticas (coser, bordar, fiar…);

- o tema do adultério;

Em suma, verificamos:

- A luta entre forças opostas;

- O relacionamento humano, familiar e amoroso;

- A oposição dos valores tradicionais e convencionais a valores individuais e pessoais;


A dimensão satírica e os cómicos na “Farsa de Inês Pereira”
Gil Vicentre pretende criticar a sociedade renancentista através das personagens-tipo:

- a mentalidade das jovens raparigas, jovens da pequena burguesia, ambiciosas e levianas, que
usam o casamento para ascender socialmente – Inês;

- os escudeiros fanfarrões, galantes e pelintras; a baixa nobreza decadente e faminta que vê no


casamento a solução para a sua ruína económina – personificado no Escudeiro;

- a ignorância e a ingenuidade de Pêro Marques; maridos ingénuos que se deixam enganar pelas
mulheres e que aceitam a sua traição (o marido enganado é um tipo muito recorrente em Vicente)
– Pêro Marques;

- as alcoviteiras e os judeus casamenteiros; casamenteiros típicos da sociedade renascentista.

- os casamentos por conveniência; as mães materialistas, confidentes e conselheiras que, embora


amigas, querem casar as filhas para terem sustentabilidade económicas;

- os clérigos e os Ermitões; clero que desrespeita os preceitos da Igreja e a moral, dado o


comportamento leviano dos membros que se envolvem amorosamente com mulheres;

- os serviçais explorados e enganados que passam fome e frio, não sendo pagos pelos seus patrões
– por exemplo, o Pajem Fernando.

“Ridendo Castigat Mores”

Gil Vicente recorreu aos vários tipos de cómnico para divertir os espetadores e para cumprir a
máxima latina “ridendo castigat mores” – a rir se criticam os costumes.

Na farsa o riso está ao serviço da crítica, criticando-se os costumes, mas tabém para demarcar as
personagens e as suas situações vividas.

Encontramos nesta farsa os cómicos de linguagem (na carta, na linguagem de Pêro Marques e na
fala dos judeus casamenteiros), de caráter (em Inês, Pêro Marques e no Escudeiro) e de situação
(na cena do namoro entre Inês e Pêro Marques).

Em suma

A “Farsa de Inês Pereira” é considerada a mais complexa peça teatral de Gil Vicente.

Personagens:

Inês Pereira (rapariga ambiciosa, oriunda da pequena burguesia)

Enquanto solteira, é ociosa, despreza a vida rústica do campo; O seu quotidiano é entediante:
costura, borda e fia; É alegre, quer sair de casa e divertir-se com um homem que, ainda que pobre,
seja “discreto”, “meigo” e saiba cantar e tocar viola, para fugir à vida que tem, viver alegre e
ascender socialmente; A carta que Pêro Maruqes envia não lhe agrada, considera-o disparatado e
simplório; Troça de Pêro Marques quando este a visita e rejeita-o.
Enquanto casada e viúva, casa com o Escudeiro Brás da Mara, sem saber que ele é pobre e
interesseiro; fica a viver em casa da mãe, que se retira para viver num casebre; É infeliz, pois o
marido não a deixa cantar e prende-a em casa; Fica sozinha quando o seu marido vai para
Marrocos lutar contra os Mouros; É vigiada pelo moço; Reconhece que errou ao tentar rejeitar
Pêro Marques e ao casar-se com o Escudeiro; Deseja a morte do marido e jura que se casará uma
segunda vez com um marido que seja submisso, para gozar a vida e vingar-se das provações
sofridas enquanto casada com o Escudeiro; Não se comove com a morte do marido, pelo contrário,
sente-se livre; É hipócrita ao chorar pelo marido morto e ao dizer que está triste; Reconhece que a
experiência de vida ensina mais do que os mestres.

Enquanto casada em segundas núpcias, ou seja, no segundo casamento; É materialista, calculista,


pragmática decide casar-se com Pêro Marques; Canta e é livre; Tem o hábito de dar esmola ao
Ermitão de Cupido; Inicialmente não reconhece o Ermitão como um apaixonado do seu passado
mas pretende cometer adultério com ele; Abusa da ingenuidade do segundo marido e pede-lhe
para a acompanhar à Ermida, para ter um encontro amoroso com o Ermitão.

Escudeiro Brás da Mata (fidalgo, oriundo da baixa nobreza)

Duvida do retrato perfeito que os judeus casamenteiros fazem de Inês, é pobre, mas finge ser rico
e desinteressado, é galanteador, elegante, bem-falante, sabe ler e escrever, sabe cantar e tocar
viola, é discreto e é o “homem-ideal” que Inês procura; É desonesto, ambicioso e calculista e pensa
viver às custas de Inês; Casa-se com Inês e revela-se autoritário e agressivo; Parte para a guerra em
Marrocos para ser armado cavaleiro, deixando a Inês e o Moço (Pajem Fernandes) sem dinheiro; É
cobarde, pois é morto em Arzila por um mouro pastor, ao fugir do campo de batalha; Representa o
papel do “cavalo” (aparentemente elegante e valente).

Pêro Marques (lavrador abastado, oriundo do povo)

É o pretendente rejeitado de Inês; É rico e trabalhador, tendo herdado a maior parte do gado do
pai e uma fazenda de mil cruzados; Apresenta-se como um homem de bem, honesto e de boas
intenções; É um homem rústico, desconhecedor das regras de convivência social, ignorante e
ingénuo; Cai no ridículo pela maneira como se veste e pela maneira de falar e de agir; Sofre com a
rejeição e promete não casar até que Inês o aceite; Após a morte do Escudeiro, casa-se com Inês;
Concede-lhe liberdade total e acaba traído por ela; Representa o papel de “asno” ( que
literalmente leva a mulher “às costas” para se encontrar com o Ermitão).

Lianor Vaz (alcoviteira casamenteira, da classe do povo)

É conhecida da mãe de Inês, quer que ela se case com Pêro Marques; Aparentemente honesta e
desinteressada pelo dinheiro que poderá ganhar com o casamento de Inês; É sensata e boa
conselheira, avisa Inês de que ela não deverá esperar pelo marido, mas sim aceitar o pretendente
que lhe aparecer; É amiga, pois mostra-se preocupada com o futuro de Inês; Depois da morte do
Escudeiro, persuade Inês a casar-se com Pêro Marques.

Mãe de Inês Pereira (mulher simples, oriunda da pequena burguesia)


É religiosa; É autoritária, não permitindo que Inês saia de casa e obrigando-a a trabalhar; Defende
o casamento de Inês com Pêro Marques; Conselheira e preocupada com o futuro da filha; Não
aprova a relação da filha com o Escudeiro, fruto do idealismo, e da leviandade de Inês; Resignada,
acaba por aceitar a opção de Inês se casar com Brás da Mata, abençoando-os e dando-lhes a sua
casa.

Ermitão (antigo apaixonado de Inês, membro do clero)

É castelhano, apresenta-se com um discurso mais amoroso do que religioso, mais oróximo da
blasfémia (o que é dito ímpio ou insultuoso contra o que é sagrado); É solitário e triste; Pede
esmola pelas ruas; A paixão por Inês fê-lo tornar-se Ermita mas acaba por se envolver com Inês.

Judeus casamenteiros (Latão e Vidal, alcoviteiros casamenteiros)

Têm a missão de encontrar um marido para Inês; Operam como uma única personagem visível no
seu discurso que confere comicidade à obra (“Tu e eu não somos eu?”); Procuram o marido ideal
para Inês; Sem escrúpulos e oportunistas, visando apenas uma recompensa material, exageram as
qualidades do escudeiro e de Inês para atingirem os seus objetivos; São desonestos, falsos,
materialistas e astutos.

Moço

-Contribui para a sátira (crítica) (Critica, satirizando…)presente na obra pela denúncia do


verdadeiro caráter do seu amo, a pelintrice, as manias da grandeza, as privações e o sonho de
atingir uma situação económica confortável através do casamento com Inês; Queixa-se da pobreza
e da fome a que o Escudeiro o sujeita; É responsável por vigiar Inês, quando o seu amo parte,
trancando-a em casa e deixando-a sozinha enquanto ele se vai “desenfadar” com as moças; Fica
triste ao receber a notícia da morte do seu amo em África; É despedido por Inês, depois da morte
do Escudeiro;

Dimensão Satírica da “Farsa de Inês Pereira” de Gil Vicente

Gil Vicente foi um lúcido observador do seu tempo e disso nos dá notícia recorrendo à veia satírica,
nos seus textos. Neles são fustigados os vícios dos seus comtemporâneos, numa crítica à sociedade
parasitária de gente que desprezava o trabalho para viver de expedientes fáceis, ludibriando os
outros. Critica igualmente a hipocrisia generalizada, o contraste entre o ser e o parecer. Critica a
mentalidade “paçã” das jovens raparigas, critica igualmente os escudeiros fanfarrões, galantes e
pelintras, a rusticidade e ingenuidade “bacoca” de Pêro Marques, as alcoviteiras e os judeus
casamenteiros, os casamentos por conveniência, os clérigos e os ermitões.

As personagens-tipo e a sua representatividade social

Inês Pereira representa as jovens da burguesia, ambiciosas e levianas (namoradeiras e


inconstantes), que usam o casamento para ascender socialmente.

Pêro Marques representa os maridos ingénuos que se deixam enganar pelas mulheres e que
aceitam essa traição. Representa o papel de “asno”. ( ou corno-manso do português calão)

Escudeiro, Brás da Mata, representa a baixa nobreza decadente e faminta que vê no casamento a
solução para a sua ruína económica.
Mãe de Inês Pereira representa as mães materialistas, confidentes e conselheiras, que, embora
amigas, querem casar as filhas para terem estabilidade económica.

Lianor Vaz e os judeus casamenteiros (Latão e Vidal) representam os casamenteiros típicos da


sociedade renascentista.

Pajem representa os serviçais explorados e enganados que passam fome e frio, não sendo pagos
pelos seus patrões.

Ermitão representa o Clero que desrespeita os preceitos da Igreja e a moral, dado o


comportamento leviano (impío, desrespeitoso contra aquilo que é considerado sagrado) dos
membros que se envolvem com mulheres.

A representação do quotidiano

Uma das características da farsa, enquanto género é representar flagrantes (temáticas) da vida
quotidiana.

Em relação ao casamento, o texto vicentino dá-nos a conhecer conceções antagónicas (contrárias)


de Inês Pereira, da Mãe e de Lianor Vaz em relação a este assunto, para além de todo um conjunto
de aspetos relacionados com o casamento: a intervenção da Alcoviteira e dos Judeus, os encontros
com os pretendentes, as regras, o dote, a festa e a vida em casal.

Em relação ao estatuto da mulher, sobretudo da mulher solteira – os casamentos eram, regra


geral, combinados, funcionando como um negócio entre as duas partes, sem que a jovem solteira
tivesse qualquer participação. Neste caso, apesar de haver intermediários entre Inês Pereiras e os
pretendentes, a última palavra é a da protagonista que, no entanto, não consegue, com o primeiro
casamento, alcançar aquilo que tanto dejesava: libertar-se do “cativeiro” da vida doméstica e
ascender socialmente.

Em relação à vida doméstica, acompanhamos a protagonista nos seus afazeres domésticos,


assumindo a postura típica da mulher do povo que trata da casa. No seu monólogo inicial, Inês
está em casa, a costurar: depois, já casada e fechada em casa, também costura.

Em relação à vida palaciana, apesar de viver de aparências que existia na corte e que está bem
espelhada no comportamento do Escudeiro, muitos eram os que ambicionavam fazer parte desse
mundo, como Inês. Ela quer “ouvir e folgar” e, por isso, pretende inicialmente casar com um
homem “discreto”, “avisado”, que saiba tocar viola.

Em relação à vida do campo, simples, autêntica, mas pouco considerada, Pêro Marques
representa esse tipo de vida, em oposição à vida fútil, falsa da corte. Curiosamente, esta vida
simples, de trabalho, garante mais sustento que a vida ociosa dos fidalgos pelintras.

Em relação à vida do clero, o encontro de Lianor Vaz com um clérigo devasso e o de Inês Pereira
com um Ermitão devoto de Cupido denunciam comportamentos imorais da parte de elementos do
clero.

Quais são as principais características do teatro vicentino?


As principais características do teatro vicentino são: a reduzida complexidade dramática, a
simplicidade de recursos cénicos, as personagens-tipo, que são representativas de uma classe
social ou profissional, a ação desenvolvida numa sucessão de quadros, o incumprimento da lei
clássica das três unidades (tempo, espaço e ação), a sátira como meio de moralizar os costumes
e de criticar os comportamentos, a dimensão alegórica, o recurso a diferentes registos de língua,
de acordo com os tipos e as classes sociais. O texto em verso, normalmente redondilha maior (7
sílabas métricas), a intencionalidade crítica e propósitos moralizadores. O facto de ser um teatro
de transição entre a época medieval e a época renascentista.

Como se combina a mentalidade medieval com a mentalidade renascentista no teatro de Gil


Vicente?

Vivendo num período de transição entre a Idade Média e o Renascimento, Gil Vicente conjuga na
sua obra características medievais e características modernas ou renascentistas.

Assumindo uma mentalidade medieval, conjugam-se características como, a religião de inspiração


cristã, a alegoria entre o Bem e o Mal, a presença de arcaísmos, vestígios do galego-português e,
inspiração nos antigos Cancioneiros.

Assumindo uma mentalidade renascentista, conjugam-se características como, uma atitude crítica
relativamente à religião, uma divergência face à perseguição aos cristãos-novos, a sátira para
criticar a sociedade, a presença da mitologia pagã (religião politeísta) e, uma análise das
contradições da sociedade.
O texto dramático

O texto e a representação

O texto dramático não tem narrador e o desenvolvimento da ação acontece por meio das falas ou
réplicas das personagens, predominando o discurso direto.

Qual é a finalidade de um texto dramático?


A finalidade fundamental do texto dramático é a representação, momento em que este se torna
verdadeiramente completo.

Quais são os intervenientes na representação dramática?

A representação requer diversos intervenientes, entre os quais:

- os atoresm que representam o papel das várias personagens, emprestando-lhes voz e corpo;

- o encenador, responsável por todos os apetos da representação teatral (atribuir os papéis aos
atores, dirigir os ensaios,…)

- o cenógrafo, que trata dos cenários;


- o figurinista, que desenha os figurinos, isto é, o guarda-roupa usado pelas personagens;

- o sonoplasta, responsável pelos efeitos sonoros durante a representação;

- o luminotécnico, que assegura os efeitos luminosos necessários ao espetáculo;

O texto dramático, enquanto teatro escrito, eterniza as falas das personagens e indicações cénicas
ou didascálias num documento físico.

O teatro, ou seja, o espetáculo teatral, apenas existe quando é dramatizado, tornando-se,por isso,
único.

Contudo, ainda que a escrita e a representação sejam aspetos indissociáveis do texto dramático,
nem sempre as representações teatrais têm por base um texto escrito e nem todos os textos
dramáticos são representados.

As características do texto dramático

O texto dramático pode estar escrito em prosa ou em verso. Em qualquer um dos casos, apresenta
características específicas.

Quais são as características do texto dramático?

As falas ou réplicas das personagens. Em discurso direto e antecedidas do nome da personagem,


as falas das personagens constituem o texto principal. Podem surgir sob a forma de:

Diálogo – de duas ou mais personagens entre si;

Monólogo – uma personagem que fala consigo mesma;

Aparte – Uma personagem fala para o público, para que as restantes personagens não a ouçam.

Que importância assume a referência ao “asno” e ao “cavalo”, na frase da Mãe?

A frase ou conselho da Mãe (“Mata o cavalo de sela / e bom é o asno que me leva.”) retoma o
mote em que baseia a Farsa, evidenciando-se um prenúncio do desfecho da ação. A morte do
Escudeiro Brás da Mata em Arzila por um mouro pastor e, o facto de, Pêro Marques carregar Inês
às costas ao encontro do Ermitão na Ermida.

Inês aceita um encontro com Pêro Marques. Qual é a intenção dela?

Inês aceita um encontro, apenas para que se possa rir dele, do enamorado tolo.

Inês – Venha e veja-me a mi. Quero ver quando me vir, se perderá o presumir logo em chegando
aqui, pera me fartar de rir.

Apresentação de Pêro Marques

Como ficou combinado, chega Pêro Marques, o camponês que, apesar de proprietário de terras e
gao, demonstra ser um “vilãozinho”.

Anda desorientado pelas ruas à procura da casa de Inês.

Revela a alegria que sente por Inês o receber.


Confessa que vem saber da resposta de Inês à carta.

Desconhece a utilidade de uma cadeira.

Senta-se de costas para Inês e a Mãe.

Traz um presente inadequado, mas não o encontra.

Refere, com sinceridade, a sua situação económica.

Manifesta o desejo de casar com Inês.

Sente constrangimento por ficar sozinho com Inês.

Não tem maneiras nem sabe seduzir Inês.

Durante a conversa com Pêro Marques, porque é que a Mãe começa a gostar dele?

Num determinado momento, a Mãe entendeu que o Pêro era o “morgado”, o filho herdeiro e
riquíssimo que vivia de rendas, quando, afinal, era proprietário de “morgado”, uma quantidade
considerável de cabeças de gado.

Através do trocadilho gerado, confirma-se o interesse da Mãe, que considera Pêro Marques o
melhor pretendente para a filha.

Durante o diálogo com Pêro Marques, Inês mantém a mesma opinião sobre ele?

Considerando-o um “João das bestas”, Inês despreza Pêro Marques e reafirma que só aceitará
como marido uma pessoa galante, que saiba tocar, cantar, dançar, pois só assim se sentirá feliz.

Como termina o encontro com Pêro Marques?

Inês rejeita-o a ele, embora magoado por sentir o escárnio dela, promete ficar à espera que Inês
decida aceitar a sua proposta de casamento.

Entrada dos Judeus Casamenteiros

Logo que Pêro Marques sai, chegam dois judeus casamenteiros, divertidíssimos, Latão e Vidal, a
quem Inês tinha encomendado um noivo ideal.

Os Judeus protagonizam um momento cómico. A que se deve esse momento?

Esse momento deve-se ao facto de, os judeus não se entenderem a falar, são trapalhões, reclamam
do cansaço, recorrem ao calão. E, ainda, usam repetições, são zelosos na tarefa, exageram e são
dissimulados.
Os dois judeus encontraram um homem perfeito, um escudeiro, Brás da Mata.

Vidal – Esperai, aguardai ora! Soubemos dum escudeiro de feição d´atafoneiro que virá logo
essora, que fala… e com´ora fala! Estrugirá esta sala. E tange… e com´ora tange! E alcança quanto
abrange, e se preza bem da gala.

Que estratégias são usadas por Vidal para convencer Inês?

Vidal enaltece o pretendente, as qualidades do Escudeiro, do qual se destacam as qualidades


exigidas por Inês num só homem, com recurso à hipérbole, à frase exclamativa, à repetição e à
enumeração. É um discurso elogioso.
Perguntas

1. Explique as funções que a carta assume, neste contexto.


2. Interprete a reação de Inês à carta de Pêro Marques, fundamentando a resposta com
segmentos textuais.
3. Explique o sentido das palavras de Lianor Vaz, na sua última réplica.
4. Comente a importância de Lianor Vaz na obra.

Respostas
1. A intenção da carta de Pêro Marques a Inês Pereira é demonstrar o seu interesse por ela e
com isso, fazer a sua proposta de casamento. Andando desorientado pelas ruas à procura
da sua casa, envia-lhe uma carta que, entregue por Lianor Vaz, a enaltece e elogia.

2. A reação de Inês à carta de Pêro Marques é uma reação algo depreciativa, pois julga Pêro
Marques o contrário do que seria o seu “homem ideal”, um homem galante, que saiba
falar bem, tocar, cantar, para que ela possa viver livre e ascender socialmente. Pêro
Marques desconhece regras de convivência social, é desajeitado e rústico. (“Dês que nasci
até agora não vi tal vilão com’este, nem tanto fora de mão!”)

3. A última fala de Lianor Vaz “Não queirais ser tão senhora. Casa, filha, que te preste, não
percas a ocasião.” é um conselho para Inês. Lianor Vaz aconselha Inês para que não seja
tão ambiciosa e leviana e aceite a proposta de Pêro Marques, pois é a ocasião que lhe
convém e que ela espera.

4. Lianor Vaz assume um papel preponderante na obra de Gil Vicente, aparentemente é


honesta e desinteressada pelo dinheiro que poderá ganhar com o casamento de Inês. É
sensata e boa conselheira, avisa Inês de que ela não deverá esperar pelo marido, mas sim
aceitar o pretendente que lhe aparecer. É amiga, pois mostra-se preocupada com o futuro
de Inês. Depois da morte do Escudeiro, persuade Inês a casar-se com Pêro Marques. Lianor
Vaz é uma personagem-tipo, representando os típicos casamenteiros da sociedade
renascentista que lucram com casamentos por conveniência.
Perguntas

1. Explique o modo como o Escudeiro imagina Inês.


2. Explicite dois traços caracterizadores do Escudeiro, tendo em conta o diálogo entre ele e o
seu Moço.
3. Refira a opinião do Escudeiro e do Moço quanto ao casamento, fundamentando com
segmentos textuais.
4. Mostre como se concretiza a sátira ao Escudeiro.

Respostas
1. O Escudeiro, Brás da Mata, duvida do retrato perfeito que os judeus casamenteiros fazem
de Inês, é pobre, mas finge ser rico. Convêm-lhe mostrar boas aparências, que seja
galante, discreto, bem vestido, aparentemente “cavalo” e oriundo da nobreza.

2. O Escudeiro é na verdade, o contrário do que ele afirma ser e do que ele espera ser visto. É
materialista e astuto, desonesto e ambicioso pois espera viver às custas de Inês Pereira.

3. O casamento é visto pelo Escudeiro e pelo Moço como uma oportunidade de viver como
fidalgo, representando a baixa nobreza decadente e faminta, vê no casamento a solução
para a sua ruína económica. (“ Sapatos me daria ele, se me vós désseis dinheiro… Eu o
haverei agora. E mais calças, te prometo. (Homem que não tem nem preto casa muito na
má hora)”).

4.

Figuras :

Inês Pereira, sua Mãe, Lianor Vaz, Pêro Marques, dois judeus: Latão e Vidal, um Escudeiro com um
seu moço; um Ermitão; Luzia e Fernando.

Feito por Gil Vicente, representado ao muito alto e mui poderoso Rei D.João III, no seu Convento
de Tomar, era do senhor de, 1523.

O seu argumento é um exemplo comum que dizem : “Mais quero asno que me leve que cavalo
que me derrube”. (mote)

Camões – Rimas / Lírica Camoniana

Camões Lírico:

Camões produziu poemas nas duas vertentes que vigoravam no seu tempo, a vertente medieval,
expressa na “medida velha” (redondilhas), e a clássica, expressa pela “medida nova” renascentista
(sonetos, odes, canções, etc), subdividida em lírica e épica (“Os Lusíadas”). Em ambas as vertentes,
Camões foi o maior poeta do seu tempo.

Medida velha:

Escritas na mocidade do poeta, as suas redondilhas são, em geral, leves, brincalhonas, destinando-
se à recitação na corte. Mas, ao género popular e folclórico da poesia medieval, Camões oferece
dimensões mais vastas, fruto da sua grande experiência socual e do seu genial talento. O uso das
antíteses e dos paradoxos ultrapassa as limitações formais das redondilhas, dando-lhes uma
promblemática nova, recheada de ambiguidades, trocadilhos, imagens e de magia verbal.
Exemplo:

“Perdigão perdeu a pena”


Mote alheio

Perdigão perdeu a pena


Não há mal que lhe não venha.

Voltas

Perdigão, que o pensamento


Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
Asas com que se sustenha:
Não há mal que lhe não venha…

Quis voar a uma alta torre,´


Mas achou-se desasado,
E, vendo-se depenado,
De puro penado morre…
Se a queixumes se socorre,
Lança no fogo mais lenha:
Não há mal que lhe não venha!

Neste vilancete, podemos observar a reflexão intelectualizada acrescentada à aparente


simplicidade da forma emprestada da poesia popular medieval. A palavra é empregada como um
jogo por meio da ambiguidade dos sentidos. A palavra “pena”, por exemplo, é explorada nos seus
vários sentidos (pluma, instrumento de escrita, castigo, punição, piedade, compaixão, dó),
despertando o leitor para a riqueza e expressividade da língua. O mote do Perdigão incorpora um
tema popular do folclore português, o de que não há mal que venha só. Por meio do trocadilho
com o vocábulo “pena”, o sujeito lírico para exprimir um drama íntimo que ganha alcance de
drama universal.

Medida nova:

Camões encontra a sua plena realização na poesia de inspiração clássica, chegando até mesmo a
superá-la em mais de um aspeto, sendo, por isso, considerado um precursor do Barroco.

A sua poesia, nas palavras do crítico Massaud Moisés (A literatura portuguesa, 2008), “espelha a
confissão duma tormentosa vida interior, repassada de paradoxos e incertezas, a reflexão em torno
dos magnos problemas que lhe assolavam o espírito, não só provocado pelas suas vivências
pessoais, mas também pela tomada de consciência num desconcerto universal em que todos os
seres humanos estivessem imersos”. O poeta de preocupações filosóficas, Camões mergulhou no
angustioso mundo do “eu” interior, do amor, da vida, do mundo.

O soneto:
De origem controversa, o soneto atingiu vasto alcance e reconhecimento na Europa com Petrarca,
que a ele fixou forma e conteúdo. Composto por 14 versos dispostos em duas quadras e dois
tercetos, o soneto pode ser, quanto à métrica e à rima, constituído por várias formas. Mas, tal
como foi fixado por Petrarca, o soneto era assim, composto por versos decassílabos (10 sílabas
métricas) e as suas rimas dispostas segundo o modelo : ABBA – ABBA (rima interpolada, podendo
também ser emparelhada) nas quadras e CDC – DCD nos tercetos, sendo ainda comum o sistema
CDE – CDE nos tercetos.

Os sonetos do Classicismo Português seguiram os moldes do soneto petrarquiano, alcançando com


Camões a sua máxima expressão e triunfo. O que mais se conhece da poesia de Camões são os
sonetos, dentre os quais encontramos os melhores de toda a literatura portuguesa.

A relação de Camões com Petrarca pode ser evidenciada na clara intertextualidade que o poeta
português faz com um poema do poeta italiano, dos quais exibimos abaixo a primeira estrofe:

Poema de Petrarca:

Formadora,

A alma minha gentil que agora parte


Tão cedo deste mundo à outra vida
Terá certo no céu grata acolhida
Indo habitar sua mais beata parte.

Poema de Camões:

Alma minha gentil, que te partiste


Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

O amor:

Em Camões, a concepção de amor é influenciada pelo neoplatonismo (ideias de Platão


cristianizadas por Santo Agostinho). Sendo assim, o Amor (com maiúscula), em Camões, é visto
como um ideal superior, único, como Bem supremo. O homem, porém, como ser carnal e
imperfeito, retirado do mundo das ideias, no qual está a Verdade eterna e absoluta, jamais
consegue alcançar esse Amor. Deste modo, o amor físico vivido pelo homem deve ser represntado
graficamente com letra minúscula, pois, na concepção neoplatónica, ele seria apenas a cópia
degrada do Amor (ideal). Essa tensão entre “ser” e “não ser”, entre “querer” e “não poder”, é
geradora, na poesia de Camões, de toda a angústia, dor e insatisfação da alma humana. É por isso
que as imagens poéticas instauradas pelo poeta para falar do amor costumam se alicerçar em
paradoxos e antíteses.
O retrato da mulher em Camões está subordinado a um ideal de beleza perene e universal. Apesar
de ser ela também um ser imperfeito, nos poemas do escritor ela é espiritualizada, pois ele vê na
figura da mulher a possibilidade de um reflexo do Amor absoluto que tanto busca.

Por meio dessas reflexões, é possível notar que o amor é tratado pelo poeta como objeto de
extensa reflexão, sendo submetido menos pelo “sentir” do que pelo “pensar”. Uma postura típica
da época em que está inserido, período em que predomina a Razão e o conhecimento advindo do
próprio homem.

Como exemplo dessa poesia, um dos mais belos e conhecidos poemas do escritor, no qual há uma
tentativa angustiosa de conceituar o amor:

Amor é um fogo que arde sem se ver,


É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode ser favor


Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si mesmo é o Amor?

O desconcerto do mundo:

Ainda sob influência do neoplatonismo, Camões contrapõe a perfeição do Mundo das Ideias à
degradação e imperfeição do mundo terreno, que não corresponde aos anseios dos Valores Ideiais.
Ao abordar esta temática, que também abrange os temas da “fugacidade do tempo” e do
“inevitável envelhecimento do homem em contraposição à constante renovação da natureza”,
Camões ultrapassa os modelos renascentista de equilíbrio e linearidade, bem como o dogmatismo
religioso português, aproximando-se do que mais tarde viria a ser a estética barroca.

No poema abaixo, o poeta fala da mutabilidade do tempo e do homem:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidas.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança,
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,


Que já coberto foi de neve fria,
E, em mim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,


Outra mudança faz, de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Já nesta redondilha, o sujeito-poético critica, de forma levemente humorística, a justiça humana


que, segundo ele, premeia os maus e pune os bons:

Os bons vi sempre passar


No mundo graves tormentos;
E, para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado,
Assim que só para mim
Anda o mundo concertado…

Delimitação cronológica

A lírica camoniana insere-se na chamada época clássica da literatura portuguesa (1526, regresso
de Sá de Miranda da sua viagem a Itália – inícios do século XIX).

Contexto político-social

Dentro do contexto histórico clássico, devem salientar.se alguns aspetos:

- O Período do Renascimento, que introduz a literatura clássica na Europa, é marcado por


alterações políticas e sociais muito significativas.

- De forma geral, a sociedade agrária feudal foi substituída, progressivamente, por uma sociedade
mercantil moderna, substituindo-se a burguesia à nobreza como grupo impulsionador da atividade
económica.

- Assistiu-se a uma série de progressos científicos e técnicos (invenção da Imprensa, por exemplo).
O conhecimento científico foi impulsionado pelos Descobrimentos Portugueses e espanhóis, pelo
contacto com outras civilizações além-mar.
- Os novos conhecimento estendiam curiosidade e a intervenção do Homem para fora dos limites
transmitidos pela cultura escolástica medieval e pela tradição religiosa.

Lírica Camoniana

Na lírica camoniana coexiste a poesia tradicional e o estilo renascentista.

Características da corrente tradicional

- As formas poéticas tradicionais: cantigas, vilancentes, esparsas, endechas e as trovas;

- O uso da medida velha: redondilha menor (5 sílabas métricas) e redondilha maior (7 sílabas
métricas);

- Temas tradicionais e populares, a menina que vai à fonte; o verde dos campos e dos olhos; o
amor simples e natural; a saudade e o sofrimento; a dor e a mágoa; o ambiente cortesão com as
suas “cousas de folgar” e as suas futilidades; a exaltação da beleza de uma mulher de condição
servil, de olhos pretos e tez morena (a “Barbara escrava”); a infelicidade presente e a felicidade
passada.

Características da corrente renascentista

- O estilo novo: o soneto, a canção, a ode, entre outros.

- O uso da medida nova: versos decassílabos.

- O amor surge, à maneira petrarquista, como fonte de contradições, entre a vida e a morte, a água
e o fogo, a esperança e o desengano;

- A concepção da mulher, outro tema essencial da lírica camoniana, em íntima ligação com a
temática amorosa e com o tratamento dado à Natureza (“locus amoenus”), oscila igualmente entre
o pólo platónico (ideal de beleza física, espelho da beleza interior), representado pelo modelo de
Laura e o modelo renascentista de Vénus.

Alguns poemas analisados

Poemas de Camões

Os poemas de Camões apresentam diversos temas que foram abordados pelo auto para
demonstrar os seus sentimentos e questões, sendo eles: o amor e a mulher, o autobiografismo, o
sentimento religioso, os desconcertos do mundo.

O Amor e a Mulher

“Pede-me o desejo, Dama, que vos veja”

Pede-me o desejo, Dama, que vos veja,


Não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem não sabe o que deseja.

Não há cousa a qual natural seja


Que não queira perpétuo seu estado;
Não quer logo o desejo o desejado,
Porque não falte nunca onde sobeja.

Mas este puro afeito em mim se dana;


Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,

Assim o pensamento (pela arte


Que vai tomar de mim, terreste |e| humana)
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.

Encontramos neste soneto um pensamento sobre o amor, inicialmente falando-se sobre o desejo e
de como quem ama não sabe ao certo o que deseja. O sentimento tão físico de desejar se
transforma em platónico e não sendo concretizado é condição para que o amor seja eterno. Existe,
então, o conflito entre o espiritual e o carnal quando o sujeito-poético expõe a sua condição
terrena e humana.

O amor e a referência à mulher são levados para o sentimento platónico, como se pode observar
na primeira estrofe “É este amor tão fino e tão delgado”, porém também existe a contrariedade da
condição humana em “que vai tomar de mim, terrestre |e| humana”, características que dão força
dramática ao poema. Durante todo o tempo existe o conhecimento do que seja eterno e também a
contrariedade do desejo físico, numa questão que exprime a força intelectual do poema.

O Autobiografismo

“Erros meus, má fortuna, amor ardente”

Erros meus, má fortuna, amor ardente


Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava o amor somente.

Errei todo o discurso de meus anos;


Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.


OH! Quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro génio de vinganças!
Observa-se claramente neste soneto a vida do poeta, onde o autor e o sujeito poético se fundem,
sendo enfatizados os seus erros, causa de castigo da deusa Fortuna: “Errei todo o discurso de meus
anos; dei causa a que a Fortuna castigasse”, O sentimento de arrependimento está presente numa
confissão e também, a compreensão de que somente o amor, na sua essência, era o suficiente.

Encontramos a força do lirismo último, quando o autor apresenta um questionamento sobre as


suas ambições, que de uma forma geral, são as ambiões humanas. Esta acaba por englobar a força
intelectual com as suas questões existenciais (que exigem conhecimento) e a força dramática com
os seus contrastes (no caso, o certo e o errado).

Olhando por uma outra ótica, podemos também incluir neste poema a temática “os desconcertos
do mundo”, que será vista com mais detalhe posteriomente e, que nos apresenta o desengano
com a existência. O autor demonstra uma desesperança diante da vida quando diz “a não querer já
nunca ser contente”, com um toque de dramaticidade causada, como vimos, pelo conflito entre o
que é certo e errado.

O sentimento religioso

“Verdade, Amor, Razão e Merecimento”

Verdade, Amor, Razão, Merecimento,


Qualquer alma farão segura e forte;
Porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,
Têm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento


E não save a que causa se reporte;
Mas sabe que o que é mais que a vida e morte,
Que não o alcança humano entendimento.

Doctos varões darão razões subidas,


Mas são experiências mais provadas,
E por isso é melhor ter muito visto.

Cousas há i que passam sem ser cridas


E cousas cridas á sem ser passadas,
Mas o melhor de tudo é crer em Cristo.
O autor coloca no seu soneto os valores, como personagens, que garantem a elevação da alma,
“Verdade, Amor, Razão, Merecimento”, em oposição aos valores que regem o mundo, “Fortuna,
Caso, Tempo e Sorte”. A sua intenção é mostrar a essência do contraste entre a visão religiosoa que
proporciona a vida eterna e a visão materialista que busca os prazeres do mundo, e que mais que o
homem pense, não consegue entender.
Para tanto, seguindo a sua crença, indica que tudo deve ser visto com os olhos da fé em Cristo,
como explicitado no verso “mas o melhor de tudo é crer em Cristo”. Essa crença em Cristo é
apresentada como o caminho para se encontrar a solução da questão do confronto entre o bem e
o mal, o certo e o errado, reflexo da angústia que mostra a força dramática do poema. As oposiões
e os contrastes que Camões utiliza, mostram também uma característica que aparece em muitos
de seus poemas, o maneirismo, que consiste na utilização de antíteses e paradoxos para
demonstrar o drama interior do poeta, uma das características dos artistas do Renascimento.

Os desconcertos do mundo

“Ao desconcerto do Mundo”


Os bons vi sempre passar
No Mundo grandes tormentos;
E pera mais me espantar,

Os maus vi sempre nadar


Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,

Fui mau, mas fui castigado:


Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.

O autor considera na primeira parte do seu poema que todos que são bons passam por “grandes
tormentos” e que a vida de quem é mau, um “mar de contentamentos”. Em seguida, revela que
para garantir essa vida feliz resolveu ser mau, porém foi castigado, e conclui que só para ele vale a
regra de que só alcança o bem quem é bom: “Assim que, só pera mim, anda o Mundo concertado”;
para o poeta, um desconcerto do mundo é premiar quem é mau e castigar quem é bom.

Neste poema encontramos a musicalidade das suas rimas, no jogo entre palavras bom, bem, mal,
mau e também no uso da medida velha com o emprego da redondilha maior (versos de sete
sílabas poéticas: Os/bons/vi/sem/pre/pas/sar), que garantem a musicalidade e a graça,
características da lírica medieval mas que o poeta renova com o relato das experiências da sua vida
e cujo resultado é a beleza de cenas do quotidiano humano.

Ondados fios de ouro reluzente,


Que agora da mão bela recolhidos,
Agora sobre as rosas estendidos
Fazeis que sua graça se acrescente;

Olhos, que vos moveis tão docemente,


Em mil divinos raios encendidos,
Se de cá me levais alma e sentidos,
Que fora, se de vós não fora ausente?

Honesto riso, que entre a mor fineza


De perlas e corais nasce e parece,
Se na alma em doces ecos não o ouvisse!

Se imaginando só tanta beleza,


De si, em nova glória, a alma se esquece,
Que será quando a vir? Ah! Quem a visse!

Neste soneto, o sujeito imagina e exalta a beleza da amada ausente, cujo retrato reconstitui pela
memória (influência platónica da teoria da reminiscência), e, no último terceto, exprime o grande
desejo de a ver, através da interrogação retórica, da interjeição (“Ah!”) e da exclamação. Revela,
sobretudo, influência petrarquista na idealização da mulher e na exaltação das suas qualidades
físicas (os cabelos, os olhos, o rosto, os dentes, os lábios) e, também, das suas qualidades
psicológicas ou morais (a doçura, a graça, a honestidade).

Soneto

Medida Velha e Medida Nova

Designa-se por medida velha (a poesia tradicional ou poesia em redondilha) a poesia lírica (…)
existente nos cancioneiros peninsulares ao longo de todo o século XV e grande parte do século XVI.
Em Portugal (e também em Espanha), a introdução do decassílabo (medida nova) faz-se de forma
gradual desde a terceira década de 1500.

Sá de Miranda introduziu a medida nova, ou seja:

- o decassílabo;

- as formas fixas, como o soneto;

- 14 versos, distribuídos em duas quadras e dois tercetos.

- as primeiras quadras são trabalhadas a partir de duas rimas emparelhadas e interpoladas


segundo o esquema abba/abba;

- os tercetos apresentam maiores possibilidades combinatórias, destacando-se contudo os


esquemas de tipo cde/cde e cdc/dcd;

- o verso longo decassilábico;

Do ponto de vista do conteúdo, privilegia-se a expressão lírica da experiência vivencial de um


emissor.

As temáticas da poesia lírica camoniana

A representação da amada:
- por influência petrarquista, surge a imagem de uma mulher: angélica, um ser divino, de pele e
cabelos claros, elementos físicos reveladores das qualidades da alma; com um poder
transformador da Natureza e do Homem;

- através do contacto com outras culturas, nasce um novo conceito de beleza feminina, distante do
de Petarca (pele e cabelos escuros) capaz de provocar fascínio e tranquilidade no amador.

A representação da Natureza:

- A natureza é um espaço alegre, tranquilo, sereno, propício ao amor (locus amoenus);

- Espelho da alma do poeta, refletindo os seus sentimentos;

- Confidente, testemunha da dor provocada pela ausência/separação da amada;

- O espaço onde o sujeito poético, onde o “eu” lírico pode projetar os seus sentimentos negativos.

Experiência amorosa e a reflexão sobre o amor:

- O poeta sente-se dividido entre a fascinação do amor espiritual e a atração de um amor carnal,
entre a mulher que admira e a que deseja;

- à luz do petrarquismo, a ausência da mulher amada é ocasião de purificação amorosa; no


entanto, por vezes, essa situação origina sofrimento, saudade e ânsia de reecontro físico;

- o amor tem um poder transformador, evidencia-se o poder transformador do amor e os seus


efeitos contraditórios.

Reflexão sobre a vida pessoal:

- O poeta reflete sobre: - O Destino (que nunca lhe foi favorável), a fugacidade do tempo. Os erros
que cometeu; O amor (fracassado).

Tema do desconcerto:

- O sujeito poético, o “eu” lírico reflete sobre o desconcerto do mundo, ao nível social e moral.
Assim, este resulta:

- da errada distribuição de prémios e dos castigos (os maus são galardoados, os bons severamente
castigados);

- dos contrastes, das diferenças entre a “opulência” e a “miséria”;

- do crescente interesse dos homens por valores materiais.

Tema da mudança:

Pois o sujeito lírico, fica consciente da irreversibilidade do tempo, o poeta refle sobre:

- a renovação cíclica da Natureza;

- a mudança da vida e das coisas.

Linguagem, estilo e estrutura da poesia lírica camoniana


A poesia lírica camoniana tem um estilo engenhoso (pois recorre ao uso da medida velha, através
da redondilha menor e maior), e, um estilo clássico (pois recorre ao uso do verso decassilábico, a
chamada medida nova).

Em relação à sua estrutura, enquanto redondilha menor (5 sílabas métricas) ou redondilha maior
(7 sílabas métricas), quando se apresenta com um mote, denomina-se vilancete ou cantiga.

O que é um mote? Um mote, é um verso ou um pequeno conjunto de versos usados como tema e
ponto de partida para o desenvolvimento de um poema.

Quando um poema não apresenta um mote, o seu tipo pode ser, uma esparsa, uma trova ou
endecha.

O que é uma esparsa? Uma esparsa é uma antiga composição poética em versos de seis sílabas,
ou seja, em hexassílabos.

O que é uma trova? Uma trova é uma composição poética vulgar e ligeira, uma cantiga ou canção.

O que é uma endecha? Uma endecha é uma composição poética, fúnebre ou triste, geralmente
em quadras de cinco ou seis sílabas métricas, portanto, redondilhas menores ou hexassílabos.

O soneto, é característica preponderante da poesia lírica camoniana, composto por duas quadras e
dois tercetos.

Ainda na estrutura da poesia lírica camoniana, utiliza-se as construções curtas a glosar um mote,
com uma linguagem sóbria, mas engenhosa.

O uso da linguagem evidencia-se ao serviço da descrição, da reflexão e da confissão.

Utilizam-se também diversos recursos expressivos. Assim como o vocabulário e frases de


influência latinizante.

Rimas, Síntese da unidade

Contextualização histórico-literária (século XVI)

São notadas duas correntes artísticas, o Renascimento e o Classicismo.

O Renascimento, engloba uma renovação cultural e artísticas, reinventa as formas artísticas, com
base numa perspetiva naturalista e humanista. Suscitando o interesse pela arte e pela cultura da
Antiguidade Clássica.

O Classicismo, engloba a recuperação de figuras e temas mitológicos, o gosto pela harmonia e


simetria, o entendimento do corpo humano como medida da arte.

Exemplos do Renascimento e do Classicismo, “Homem Vitruviano” de Leonardo da Vinci, “Moisés”


de Miguel Ângelo e “A Criação de Adão” de Miguel Ângelo.

A lírica camoniana tem como influências, a lírica tradicional e a inspiração clássica.

Em relação à lírica tradicional:


- A nível temático, temos uma sociedade rural como universo de referência (ida, à fonte,
pastorícia). Por exemplo, “Descalça vai para a fonte”. E temos referência aos olhos verdes. Por
exemplo, “Verdes são os campos”.

- A nível formal, temos uma métrica chamada “a medida velha”, composta por redondilhas
menores e maiores, respetivamente, 5 e 7 sílabas métricas. E alguns géneros literários, o vilancete
(“Minina dos olhos verdes”), a cantiga (“Verdes são os campos”), trovas (“Aquela cativa”), esparsa
(“Os bons vi sempre passar”).

Em relação à inspiração clássica:

- A nível temático, o ideal da mulher e os efeitos do amor (respetivamente, “Leda serenidade


deleitosa” e “Tanto de meu estado me acho incerto”).

- A nível formal, a “medida nova”, versos compostos por 10 sílabas métricas (decasssílabos). E o
género literário do soneto (Ex: “Leda serenidade deleitosa”).

Os temas predominantes na lírica camoniana são, a representação da amada, a representação da


natureza, a experiência amorosa e a reflexão sobre o amor, a reflexão sobre a vida pessoal, o
tema do desconcerto e o tema da mudança.

Representação da amada: são feitas 2 caracterizações da mulher

A mulher é uma mulher inacessível, misteriosa, quase divina, de beleza inefável, a quem o sujeito
poético presta vassalagem e adoração e que se relaciona com o amor espiritual. (cf. Um ideal de
beleza petrarquista). Ex: “Ondados fios d´ouro reluzente”, “Leda serenidade deleitosa”, “Um mover
d´olhos, brando e piadoso”.

A mulher terrena, por quem o sujeito poético se sente traído e fascinado. Ex: “Aquela cativa”,
“Minina dos olhos verdes”.

Representação da natureza:

A natureza é vista como um cenário associado ao “locus amoenus” clássico (a paisagem é um sítio
ideal, tranquilo, sereno e bucólico ou pastoril). Ex: “A fermosura desta fresca serra”, “Alegres
campos, verdes arvoredos”.

A natureza é personificada. Isto é, personificação da natureza, a natureza é encarada como


confidente. Ex: “Alegres campos, verdes arvoredos”, “Verdes são os campos”.

A natureza é considerada, o reflexo de um estado de alma. Ex: “Alegres campos, verdes arvoredos”.

Experiência amorosa e reflexão sobre o amor:

O amor é um amor espiritualizado, sereno, racionalmente intelectuazado, de influência


petrarquista. Ex: “Ondados fios d´ouro reluzente”.

O amor é um amor experienciado, um amor vivido. Ex: “Aquela cativa”, “Pastora da serra”.

O amor é um amor conturbado, dividido entre o anseio espiritual e o desejo, e marcado pela culpa,
saudade e insatisfação. Ex: “Alma minha gentil, que te partiste”, “Tanto de meu estado me acho
incerto”, “Amor é um fogo que arde sem se ver”.
Reflexão sobre a vida pessoal:

A reflexão sobre a situação atual e sobre as causas que lhe deram origem (“erros”, “Fortuna”,
“amor”). Ex: “O dia em que eu nasci, moura e pereça”, “Erros meus, má fortuna, amor ardente”,
“Eu cantei já, e agora vou chorando”, “De que me serve fugir”, “Sôbolos rios que vão”.

O tema do desconcerto:

O tema do desconcerto acenta num desconcerto social e num desconcerto individual e subjetivo.

O desconcerto social, pois o sujeito poético considera a distribuição arbitrária dos prémios e
castigos; a sobreposição da cobiça e da vileza aos valores morais; a necessidade de submissão à
desordem e irracionalidade da vida. Ex: “Os bons vi sempre passar”, “Correm turvas as águas deste
rio”, “Verdade, Amor, Razão, Merecimento”.

Em relação ao desconcerto individual e subjetivo, evidencia-se a sujeição à Fortuna (cf. Reflexão


sobre a vida pessoal). Ex: “Eu cantei já, e agora vou chorando”, “De que me serve fugir”.

O tema da mudança:

Em relação ao tema da mudança, o sujeito poético nota a oposição entre o tempo da natureza e o
tempo humano. Ex: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”

Nota também a oposição entre o bem passado e o mal presente (cf. Reflexão sobre a vida pessoal).
Ex: “Sôbolos rios que vão”.

Estrutura:

Redondilha (menor e maior)

Menor – Ver/des/são/os/campos ou da/cor/de/li/mão ambos os versos com 5 sílabas métricas.

Maior – Mi/ni/na/dos/o/lhos/verdes verso com 7 sílabas métricas.

Decassílabo (10 sílabas métricas)

Mu/dam/-se os/tem/pos,/mu/dam/-se as/von/tades

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Mu/da/-se o/ ser,/mu/da/-se a/con/fi/ança

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Rimas

A poesia lírica de Camões abrange um vasto número de poemas em estilos e géneros diversos que
foram compilados na obra “Rimas”, cuja primeira edição data de 1595. Esta poesia foi influenciada
por duas tendência estéticas – uma de caráter tradicional e outra de caráter clássico. Daí que seja
possível encontrar na obra lírica camoniana, o seguinte:

Redondilhas, composições poéticas de versos de cinco ou sete sílabas métricas, ou seja,


composições redigidas segundo a medida velha, e que podem assumir a forma de cantigas,
vilancetes, esparsas e trovas.
Sonetos, são composições novas oriundas de Itália (por influência de Petarca), fruto da valorização
da cultura clássica que aí se fez sentir já no século XIV; recorrem ao verso decassilábico, a chamada
medida nova.

A distinção entre umas composições e outras assenta em vários aspetos, como veremos. De
momento, chamamos a atenção para um aspeto formal – a contagem de sílabas métricas.

A técnica de versejar usando a redondilha menor (versos de cinco sílabas) ou a redondilha maior
(versos de sete sílabas) deu-se o nome de medida velha, por oposição à medida nova, que surge
com composições como o soneto e a canção, as quais recorrem ao verso de dez sílabas métricas.

A lírica tradicional

As composições escritas à maneira tradicional seguem a estrutura mais comum da poesia


palaciana do Cancioneiro Geral – um mote desenvolvido em voltas ou glosas.

Mote – é um verso ou conjunto de versos que encabeçam o poema e que servem para apresentar
a ideia, o pensamento central que será desenvolvido nos versos seguintes (glosas ou voltas).

Glosas ou versos – são versos que surgem numa sequência do mote, agrupados em estrofes de
dois, três, quatro ou mais versos do mote, que, assim, funcionam como uma éspecie de refrão,
contribuindo para a sua musicalidade.

A forma de “encadear o mote e as voltas” determinava diferentes tipos de composições. Assim,


entre as várias composições camonianas em redondilha, podemos encontrar:

Cantigas – são composições geralmente com um mote de dois ou três versos e voltas (uma ou mais
estrofes) de sete versos.

Esparsas – composições sem mote, de apenas uma estrofe, que pode apresentar oito, nove, dez ou
mais versos.

Trovas ou endechas – composições sem mote, com um número variável de estrofes (normalmente
de quatro ou oito versos).

Temática:

A nível temático, a vertente tradicional tende a desenvolver temas já abordados nos cancioneiros
da poesia dos trovadores da Idade Média e da poesia palaciana do século XV – desde a
apresentação de quadros da vida diária ao retrato feminino, passando pela expressão de
sentimentos como o amor, as saudades, o sofrimento (por amor), a solidão ou o desengano, e por
uma atitude de crítica social, associada, por exemplo, ao desconcerto do mundo. Alguns poemas
manisfestam uma intenção lúdica, apresentando breves episódios cheios de humor e até satíricos.

A inspiração clássica:

Camões cultivou também o chamado “dolce stil nuovo”, isto é, composições em decassílabo –
versos de dez sílabas – que podiam assumir forma de odes, éclogas, canções e sonetos, entre
outros.

(O que é uma écloga? Uma écloga é um diálogo pastoril em verso.)


Sonetos, são uma composição poética constituída por 14 versos distribuídos por duas quadras e
dois tercetos decassilábicos, com esquemas rimáticos variáveis ( por exemplo: abba/abba/cde/cde
– rima emparelhada e rima interpolada nos tercetos; abab/abab/cdc/cdc - rima cruzada nas
quadras e nos tercetos).

No soneto, as quadras devem apresentar o assunto e desenvolvê-lo e os tercetos devem conclui-lo.


Por essa razão, o assunto costuma ser exposto na 1ªquadra, na 2ªquadra e no 1ºterceto e
concluído no último terceto. O final do soneto, correspondendo ao remate do assunto, deve
procurar algum impacto. Quando isso se verifica, diz-se que o soneto apresenta uma chave de
ouro.

Os sonetos camonianos evidenciam a influência de Petrarca, ao nível do tema do amor e da


caracterização da mulher. Em Camões vamos encontrar este retrato idealizado da mulher, ou seja,
uma mulher cujo cabelo, olhos, boca, rosto nos são apresentado em leves pinceladas, numa
espécie de abstração, pois ela não é deste mundo, do mundo terreno. Nota-se, assim, e mais uma
vez por influência da poesia de Petrarca, a presença do platonismo.

Sonetos Camonianos

Vida de Luís de Camões

A biografia de Luís de Camões é muito escassa, pois há pouca informação. O seu nascimento é
incerto, pois foi deduzida a partir de uma Carta de Perdão Real. Pensa-se que estudou em Coimbra,
serviu como soldado em Ceuta, por volta de 1549, perdendo um olho. De regresso a Lisboa, esteve
preso pois feriu Gonçalo Borges, funcionário da Corte. Nesse mesmo ano, seguiu para Índia, como
soldado e funcionário. Esteve na China, onde exerceu o cargo de Provedor dos Defuntos. Em 1560
estava de novo em Goa, convivendo com algumas figuras importantes do seu tempo. No ano
seguinte, encontrou o historiador Diogo Couto em Moçambique. Juntamente com outros
companheiros, conseguiu regressar a Portugal. Dois anos depois, D.Sebastião concedeu-lhe uma
tença, recompensando os seus serviços no Oriente e o poema épico que entretanto publicaram
“Os Lusíadas”, também escreveu inúmeros poemas líricos, e é difícil distinguir aquilo que é mito e
lenda romântica, criados em torno da sua vida.

Características da Lírica Camoniana

Na poesia lírica camoniana o poeta dirige-se diretamente ao leitor e expressa-lhe os seus


sentimentos. Estes textos são na generalidade muito trabalhados e contêm muitos recursos
expressivos. Os temas que surgem neste tipo de poesia são o amor, a saudade, a tristeza.

A lírica camoniana divide-se em duas correntes, que são: A corrente tradicional (medida velha); A
corrente renascentista (medida nova). A medida evlha ou corrente tradicional, cujos modelos
formais e temáticos revelam a cultura humanística e clássica do poeta. Esta surge, normalmente,
expressa em redondilhas, maior (7sílabas métricas) ou redondilha menor (5 sílabas métricas). Os
poemas são vilancetes, cantigas, esparsas, e trovas.

A medida nova ou corrente renascentisa apareceu da influência clássica renascentista. Esta surge
apresentada em versos decassílabos através da composição poética do soneto(duas quadras e dois
tercetos) introduzido em Portugal por Sá de Miranda.
Os temas usados neste tipo de poesia são:

- O amor à maneira de Petrarca;

- A natureza locus amoenus;

- A saudade;

- O tempo e a mudança;

- O destino.

“Erros meus, má fortuna, amor ardente”

Erros meus, má fortuna, amor ardente


Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava o amor, somente.

Tudo passei; mas tenho tã presente


A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;


Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos…


Oh! Quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Análise do poema

Este texto é constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassilábico, com esquema
rimático, ABBA /ABBA/ CDE/CDE, verificando a existência de rima interpolada em A, emparelhada
em B e interpolada nos tercetos.

O soneto aborda a vida passada do poeta e a tristeza que ele sente ao recordá-la. Assim, nas
primeiras três estrofes, exprime a sua tristeza em relação à vida que foi passando e os erros que foi
cometendo. Para o fazer, evoca três razões que justificam um passado infeliz: “Erros meus, má
fortuna, amor ardente”, que, de forma intencional, se reuniram numa metafórica conjura para
tramar contra o poeta: “Em minha perdição se conjuraram” (v.2). Partindo desta ideia, o poeta
desenvolve o seu lamento ao longo das estrofes seguintes. Assim, o sujeito poético aprendeu a não
ter esperança na alegria que a vida lhe podia proporcionar: “A grande dor das cousas que
passaram,/ que magoadas iras me ensinaram/ a não querer já nunca ser contente” (vv.5-9).
Concluindo que todo o seu percurso de vida foi errado, pois foi sempre iludido pelo amor: “De
amor não vi senão breves enganos” (v.12), e tendo em conta que o amor seria suficiente para o
levar à perdição: “Os erros e a fortuna sobejaram,/ que para mim bastava amor somente” (vv.3-4),
a Fortuna, ou seja o destino, castigou as suas sempre “mal fundadas esperanças” (v.11), pois estas
foram sempre criadas por um amor ilusório.

O soneto encerra com um pedido, que traduz todo o sofrimento do sujeito poético: “Oh! Quem
tanto pudesse que fartasse / Este meu duro Génio de vinganças!” (vv.13-14), sendo toda a dor
transmitida na utilização da interjeição e da frase exclamativa, e no qual é solicitado, no fundo um
descanso que o poeta entende merecido.

Doces lembranças da passada glória

Doces lembranças da passada glória,


Que me tirou Fortuna roubadora,
Deixai-me repousar em paz ua hora,
Que comigo ganhais pouca vitória.

Impressa tenho n´alma larga história


Deste passado bem que nunca fora:
Ou fora, e não passara; mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.

Vivo em lembranças, mouro de esquecido,


De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tão contente.

Oh! Quem tornar pudera a ser nascido!


Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.

Análise do poema

Formalmente, o poema “Doces lembranças da passada glória” de Luís de Camões é um soneto,


constituído por duas quadras e dois tercetos, em versos decassilábicos. O poema obedece ao
esquema rimático ABBA/ABBA/CDE/CDE, havendo rima interpolada em A, emparelhada em B e
interpolada em C,D,E. O tema deste soneto é a memória do passado e o arrependimento.

A lembrança é o interlocutor do poeta e surge referida em apóstrofe: “Doces lembranças da


passada glória”. Tendo em conta que essas lembranças são de glória, entende-se que sejam
“doces”. Porém, o destino roubou-a ao poeta e as lembranças que ficaram, para seu desgosto, não
lhe dão descanso, daí que ele lhes peça para descansar por um momento: “deixao-me repousar em
paz ua hora”. Gravado ficou na alma este passado glorioso, cuja ocorrência acaba até por ser
incerta, mas que – tendo ou não ocrrido- agora não é mais do que uma lembrança: “Impressa
tenho n´alma larga história/deste passado bem que nunca fora;/ ou fora, e não passara; mas já
agora/ em mim não pode haver mais que a memória.”
O poeta reflete sobre a sua vida presente vivendo esta mesma em lembranças, morrendo, porém,
esquecido por aqueles que o deviam recordar: “Vivo em lembranças, mouro de esquecido,/ de
quem sempre devera ser lembrado”. Para concluir o soneto, o último terceto mostra-nos que o
sujeito poético pede para voltar a nascer e poder aproveitar, assim, melhor o passado sabendo que
o presente em que vive é mau: “Oh! Quem tornar pudera a ser nascido!/ Soubera-me lograr do
bem passado, / se conhecer soubera o mal presente”, utilizando para enunciar este desejo uma
oposição entre “bem passado” e “mal presente”, ou seja, um discurso antitético – antítese.

Lembranças, que lembrais meu bem passado

Lembranças, que lembrais meu bem passado


Para que sinta mais o mal presente:
Deixai-me, se quereis, viver contente,
Não me deixeis morrer em tal estado.

Mas se também de tudo está ordenado


Viver, como se vê, tão descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dê a morte fim a meu cuidado.

Que muito milhor é perder a vida,


Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois tanto dano faz o pensamento.

Assi que nada perde quem perdida.


A esperança traz de sua glória,
Se esta vida há-de ser sempre em tormento.

Análise do poema

O texto é um soneto constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassílabo, com
esquema rimático: ABBA/ABBA/CDE/CDE, verificando-se a existência de rima interpolada em A,
emparelhada em B e interpolada novamente em C,D,E.

O tema deste soneto é o Amor, e os efeitos que este traz no sujeito poético. O poeta dirige-se a um
interlocutor, que são as suas memórias/lembranças do passado, e pede-lhes que o deixem viver
contente: “deixai-me, se quereis, viver contente”, se não, prefere a morte, visto que não tem nada
a perder: “venha, se vier, o bem por acidente,/ e dê a morte fim a meu cuidado. “; “Que muito
milhor é perder a vida, “ (…) “se esta vida há-de ser sempre em tormento.”.

O sujeito poético passa por uma fase em que anuncia que se não pode viver contente, então
prefere morrer: “ não me deixeis morrer em tal estado”. Ainda que o seu passado tenha sido bom,”
“… meu bem passado”, o presente já não corre tão bem: “…sinta mais o mal presente…”. Assim, a
morte trar-lhe-ia paz, pois, ao perder as suas memórias, todo o dano causado por estas a seu
pensamento seria eliminado: “Que muito milhor é perder a vida,/perdendo-se as lembranças da
memória,/pois tanto dano faz ao pensamento”. Deste modo, toda a esperança perdida e a vida em
constante tormento acabariam: “… que nada perde quem perdida/ a esperança traz…”, “se esta
vida há-de ser sempre em tormento”.

Ditoso seja aquele que somente

Ditoso seja aquele que somente


Se queixa de amoras esquivanças,
Pois por elas não perder as esperanças
De poder n´algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,


Não sente mais que a pena das Lembranças,
Porque inda que se tema de mudança,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado


Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado


De erros em que não pode haver perdão,
Sem ficar n´alma a mágoa de secado.

Análise do poema
Formalmente o poema “Ditoso seja aquele que somente” de Luís de Camões é um soneto, pois é
constituído por duas quadras e dois tercetos em verso decassílabo. O texto obedece ao esquema
rimático ABBA/ABBA/ CDC/CDC, havendo rima interpolada em A, emparelhada em B e interpolada
em CDC.

O soneto aborda o tema do sofrimento e surge como uma espécie de oração.

Nas três primeiras estrofes, há um pedido, que surge em anáfora (ditoso seja), para que um
conjunto de seres seja feliz : todos aqueles que se queixam que o amor lhes foge, aqueles que têm
saudade e todos aqueles que ainda obedecem ao amor: “Ditoso seja aquele que somente / Se
queixa de amor as esquivanças,”, “Ditoso seja quem, estando ausente,/ Não sente mais que a pena
das lembranças,” e “Ditoso seja, enfim, qualquer estado/ Onde enganos, desprezos e
isenção/Trazem o coração atormentado.”

Porém, apesar do sofrimento, todos estes ainda podem ser felizes, pois têm esperanças ou
aguardam com saudades, porque ainda não obtiveram o amor, ou estão distantes, mas podem vir
a obtê-lo ou recuperá-lo.

Porém, a última estrofe introduz a oposição (mas) é triste aquele que comete erros sem perdão,
pois não terá acesso a esperanças de felicidade: “Mas triste quem se sente magoado/ De erros em
que não pode haver perdão / Sem ficar n´alma a mágoa de secado”.
Alma minha gentil, que te partiste

Alma minha gentil, que te partiste


Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no céu eternamente
E viva cá eu na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,


Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te


Algua cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,


Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Análise do poema

O soneto é constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassílabo com um esquema
rimático ABBA/ABBA/CDC/CDC verificando-se a existência de rima interpolada em A, emparelhada
em B e interpolada em CD.

O poeta dirige o seu discurso à mulher amada, que, para sua tristeza morreu jovem: “Alma minha
gentil, que te partiste/Tão cedo desta vida, descontente,”. Ao longo do soneto, o poeta vai-lhe
fazendo alguns pedidos, utilizando frases imperativas, tais como “repousa lá no céu…”, “não te
esqueças daquele amor ardente…” e “roga a Deus…”. Afirma também que está em sofrimento e
aponta as razões desta tristeza, que se ligam, essencialmente, à ausência da amada, marcada pela
distância entre o céu – local de morada dela: “repousa lá no céu” – e a terra, espaço de vida do
poeta: “viva eu cá na terra”. Estas referências espaciais surgem associadas aos termos com valor
deítico “Cá” e “lá”, que reforçam a relação de afastamento entre os dois amantes. Assim, a solução
para o sofrimento do sujeito poético seria a aproximação entre os dois e, por isso, ele pede-lhe
que rogue a Deus para o levar rapidamente para junto dela: “Roga a Deus, que teus anos encurtou,
/ Que tão cedo de cá me leve a ver-te, / Quão cedo de meus olhos te levou.”.

De notar a utilização constante de eufemismos para a referência quer da morte da amada, quer da
do poeta: “partiste tão cedo desta vida”, “Deus que teus anos encurtou” e “que de cá me leve a
ver-te”, o que é uma estratégia de poetização de um afastamento irreversível.

Um mover d´olhos brando e piadoso

Um mover d´olhos brando e piadoso,


Sem ver de quê; um sorriso brando e honesto,
Quási forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;
Um desejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Ua pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo gracioso;

Um escolhido ousar, ua brandura;


Um medo sem ter culpa, um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste formosura


Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.

Análise do poema

O soneto apresenta um retrato da mulher amada, onde se dá maior relevo aos traços morais. O
conjunto de qualidades que lhe é dado tende a produzir uma imagem de perfeição e a não
individualização da mulher. Este poema está dividido em duas partes lógicas. A primeira parte são
as duas primeiras quadras e o primeiro terceto e corresponde à acumulação de atributos físicos e
morais da figura feminina.

Assim, são feitas referências ao “mover d´olhos”, ao “sorriso”, ao “gesto”, às quais são sempre
atribuídas qualidades morais: “Um mover d´olhos brando e piadoso,”, “um sorriso brando e
honesto,” e “um doce e humilde gesto,”.

A segunda parte é o último terceto e corresponde à síntese de todos esses atributos reunidos na
expressão “celeste formosura”, que, além da beleza, remete para o caráter divino da mulher. Esta é
também, metaforicamente, apresentada como Circe, ou seja, uma feiticeira que encanta o poeta
com o seu mágico veneno, isto é, a sua perfeição, que seduz o poeta e lhe transforma o
pensamento.

Poesia Trovadoresca

Contextualização histórico-literária

A poesia trovadoresca data entre finais do século XII e meados do século XIV (época do nascimento
das nacionalidades ibéricas e da Reconquista). Enquanto espaço, a poesia trovadoresca difundiu-se
pelos reinos de Leão e Castela, pelo reino da Galiza e pelo reino de Portugal. A língua falada ou
cantada nas cantigas é o galego-português. Enquanto agentes difusores por via oral temos, os
trovadores, os jograis e as soldadeiras (dançarinas). Pela via escrita, a poesia trovadoresca ficou
lembrada no Cancioneiros: o Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, o
Cancioneiro da Vaticana.

Cantigas

Existem três tipos de cantigas, as cantigas de amigo, as cantigas de amor e as cantigas de escárnio e
maldizer.
Cantigas de Amigo

O sujeito poético nas cantigas de amigo é, em geral, uma voz feminina, uma donzela que se refere
ao seu “amigo”, que pode ou não ser um namorado.

Enquanto características temáticas são representados afetos, emoções e o ambiente.

- A variedade do sentimento amoroso: o amor, a alegria/ o orgulho de amar e de ser amada, a


ansiedade, a saudade, a tristeza, a raiva, etc.

- A confidência amorosa à natureza, à mãe e à as amigas.

- A relação com a natureza, uma natureza personificada, com o papel de confidente.

- Elementos naturais com valor simbólico.

- O ambiente é um espaço doméstico e familiar, marcado pela presença feminina (ausência do


chefe de família; autoridade materna).

- As tarefas domésticas são, sobretudo, as idas à fonte.

- A vida coletiva manifesta-se nos bailes e romarias.

Enquanto caracterização formal, evidencia-se nas cantigas de amigo, o paralelismo e o refrão.

- Através da repetição de palavras, versos inteiros, construções ou conceitos.

- Denomina-se por “leixa-pren”, o processo de encadeamento de estrofes que consiste na retoma


de versos.

- A repetição de um ou mais versos no final das estrofes, denomina-se de refrão.

As cantigas de amigo são de origem autóctone, cujas origens parecem remontar a uma vasta e
arcaica tradição da canção em voz feminina.

Cantigas de Amor

O sujeito poético numa cantiga de amor é uma voz masculina, um trovador, que se dirige à sua
mulher amada (a sua “senhor”), elogiando-a e/ou expressando a sua “coita de amor”.

Enquanto características temáticas, são representados afetos, emoções e o ambiente.

- A “coita de amor” representa o sofrimento amoroso provocado pela não correspondência


amorosa e que conduz “à morte de amor”.

- O elogio cortês, panegírico da “senhor”, modelo de beleza e de virtude.

- O ambiente é um espaço aristocrático, palaciano. Um ambiente de corte.

- Exalta-se a vassalagem amorosa; a obediência ao código da mesura (não revelação da identidade


da “senhor”).

As cantigas de Amor são de origem provençal, de cariz aristocrático/nobre e de canção em voz


feminina.
Cantigas de Escárnio e Maldizer

O sujeito poético numa cantiga de escárnio e maldizer é uma voz masculina (trovador), que faz
uma crítica, de forma direta ou indireta. Falamos de cantiga de escárnio quando a crítica é indireta
e, de cantiga de maldizer quando a crítica é direta.

Enquanto caracterização temática, são representados afetos e emoções.

- A dimensão satírica evidencia o seu caráter através, da paródia do amor cortês: crítica das regras
do amor cortês de matriz provençal. E, através da, crítica de costumes: deserção; cobardia de
vassalos nobres em campo de batalha; e da falta de dotes poéticos dos jograis.

As cantigas de Escárnio e Maldizer são de um género satírico, em que se faz uma crítica direta e
ostensiva, identificando-se o alvo visado (cantiga de maldizer), ou uma crítica subtil, sem explicitar
a identidade de quem se crítica (cantiga de escárnio); cantada em voz masculina.

- Denomina-se por “leixa-pren”, o processo de encadeamento de estrofes que consiste na retoma


de versos.

Paralelismo é o princípio da repetição e da simetria.

Portugal: O Estado Feudal, A cultura trovadoresca no Portugal Medieval, Os agentes de


divulgação da poesia trovadoresca, O nascimento da literatura portuguesa, Os autores, Os textos
– as cantigas…

Portugal: O Estado Feudal

O Portugal dos séculos XII a XIV reunia características próprias resultantes do encontro e fusão de
diferentes culturas:

Os elementos tipicamente feudais, comuns a toda a Europa Ocidental; os elementos feudais


deturpados, consequência da Reconquista; os elementos moçárabes, resultado da adoção, por
parte de muitos cristãos, de aspetos da cultura árabe; e os elementos islâmicos típicos, comuns a
todo o mundo muçulmano.

O sistema social estabelecido na época era o feudalismo, no qual homens livres (os vassalos), em
troca de proteção e de terras (os feudos), prometiam apoiar o seu senhor (o suserano), um homem
poderoso, com terras, que podia ser um conde, um duque ou até mesmo o rei, sempre que ele
necessitasse.

A cultura trovadoresca no Portugal Medieval

Trazida pelos trovadores e jograis da Provença, a poesia trovadoresca começou a difundir-se na


Península Ibérica a partir de 1140, em especial nas cortes régias de Castela, Aragão e Leão.

Embora nos primeiros anos o número de autores seja ainda muito reduzido, no segundo quartel do
século XIII a poesia trovadoresca encontra-se já generalizada da região ocidental da Península
Ibérica.

Os agentes de divulgação da poesia trovadoresca

Os agentes de divulgação da poesia trovadoresca são trovadores e jograis. Os trovadores são


poetas de condição real ou nobre. Os jograis são poetas de origem plebeia.

O nascimento da literatura portuguesa

Os mais antigos textos de caráter literário escritos em língua galaico-portuguesa são composições
em verso e chegaram até nós através de compilações manuscritas de fins do século XIII e do século
XIV, dos quais se conhecem o Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o
Cancioneiro da Vaticana.

Estas coletâneas surgiram da necessidade de preservar as cantigas trovadorescas que, por serem
transmitidas oralmente, corriam o risco de desaparecer.

Assim, embora algumas dessas composições se encontrem datadas do século XII, crê-se que o
culto da poesia seja bastante anterior a essa época.

Os autores

Apesar de alguns autores permanecerem anónimos, os textos dos cancioneiros são atribuídos a
153 trovadores e jograis, não só galegos ou portugueses, mas também castelhanos, leoneses e até
extrapeninsulares, de todas as classes sociais.

Os textos – as cantigas

A poesia trovadoresca galaico-portuguesa divide-se em três géneros principais:

As cantigas de amigo e de amor, a chamada poesia lírica. E as cantigas de escárnio e maldizer, a


chamada poesia satírica.

Escritas para serem cantadas, estas composições aliam poesia e música. É frequente, por isso, a
presença do paralelismo, principalmente nas cantigas de amigo: repetição de palavras, de versos
completos e de conceitos, bem como a existência de um refrão.
Em suma…

A lírica trovadoresca foi utilizada do século XII ao século XIV, período da Idade Média.

As cantigas de Amigo

- voz feminina

- variedade de sentimento amoroso: amor, saudade, tristeza, mágoa, ansiedade, alegria;

- confidência amorosa à Natureza, às amigas e à mãe;

- relação confidente com a Natureza : a Natureza é personificada, em harmonia com o estado de


espírito da donzela;

- ambiente doméstico e familiar, marcadamente feminino;

- ambiente coletivo (romarias e bailes);

- ambiente rural e natural;

- elementos simbólicos naturais;

- origem autóctone, resultando da tradição lírica já existente na região;

- paralelismo e refrão;

- regularidade estrófica e métrica; (quantas estrofes e quantas sílabas métricas???)

- recursos expressivos (personificação, comparação, apóstrofe).

As cantigas de Amor

- voz masculina (trovador) que se dirige à sua amada (sua senhor), habitualmente casada, a quem
presta vassalagem amorosa;

- “coita de amor” – paixão infeliz, sofrimento por amor, que pode levar à morte por amor –
hiperbolização do sentimento amoroso;

- elogio cortês – louvor da senhor, modelo de beleza e de virtude;

- ambiente aristocrático;

- ambiente palaciano, de corte;


- ambiente marcado por um código e por convenções sociais;

- cantigas importadas, em particular da zona de provença;

- cantigas de mestria (sem refrão), ou com recurso a refrão;

- regularidade estrófica e métrica;

- recursos expressivos (adjetivação, hipérbole, comparação e antítese).

As cantigas de Escárnio e Maldizer


- voz masculina (trovador) que faz uma crítica indireta (cantiga de escárnio) ou direta (cantiga de
maldizer);

- paródia do amor cortês (louvor da dona, morte por amor);

- crítica de costumes (falta de dotes poéticos de um trovador, a miséria dos elementos da nobreza);
- ambiente palaciano e de corte;

- cruzamento de influência autóctone e provençal;

- sátira e o cómico;

- recurso expressivo predominante é a ironia.

“Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões

Os Lusíadas estão divididos em dez cantos, cada canto tem um número variável de estrofes, que,
no total, somam 1102. O poema está escrito em versos decassilábicos. (com o predomínio do
decassílabo heroico: acentuação na 6ª e 10ª sílabas.) As estrofes são todas oitavas. O esquema é o
seguinte: “abababcc” (rimas cruzadas, nos seis primeiros versos, e emparelhada, nos dois últimos).

Ao nível da estrutura interna, Camões respeitou com bastante fidelidade a estrutura da epopeia.

Na Proposição, o poeta começa por declarar aquilo a que se propõe fazer, indicando de forma
sucinta o assunto da sua narrativa; propõe-se, afinal, tornar conhecidos os navegadores que
tornam possível o império português no oriente, os reis que promoveram a expansão da fé e do
império, bem como todos aqueles que se tornam dignos de admiração pelos seus feitos. “o peito
ilustre lusitano”.

Na Invocação, o poeta dirige-se às Tágides (ninjas do Tejo), para lhes pedir o estilo e eloquência
necessários para a execução da sua obra; um assunto tão grandioso exigia um estilo elevado, uma
eloquência superior; daí a necessidade de solicitar o auxílio das entidades protetoras dos artistas.

Na Dedicatória (parte facultativa da epopeia), o poeta oferece a sua obra a D.Sebastião. A


dedicatória não fazia parte da estrutura das epopeias primitivas; trata-se de uma invocação
posterior, que reflete o estatuto do artista, intelectualmente superior, mas social e
economicamente dependente de um mecenas, um protetor.

Na Narração, constitui-se o núcleo fundamental da epopeia. Aqui, o poeta procura concretizar


aquilo que se propôs fazer na “proposição”.

Planos estruturais da narrativa

Os planos temáticos da obra, “Os Lusíadas” são, o plano da Viagem, onde se trata da viagem da
descoberta do caminho marítimo para a Índia de Vasco da Gama e dos seus marinheiros; o plano
da História de Portugal, um plano encaixado, onde são relatados os episódios da história dos
portugueses; o plano da Mitologia, onde são descritas as influências e as intervenções dos deuses
da mitologia greco-romana na ação dos heróis. E o plano das Reflexões do Poeta, onde Camões
reflete, considera, critica e lamenta, nomeadamente, no início e no fim dos cantos. Este último
plano serve para o poeta transmitir as suas posições face ao mundo, aos outros e a si.

Episódios da obra
A Proposição (canto I)

A finalidade da proposição, na epopeia, é a enunciação do assunto que o poeta se propõe a tratar.


N´Os Lusíadas, Camões pretende cantar os feitos gloriosos do povo português (cantar o “peito
ilustre lusitano”). Estrutura a sua proposição em duas partes: nas duas estâncias iniciais, enuncia
os heróis que vai cantar; na segunda parte, constituída pela terceira estrofe, estabelece um
confronto entre os portugueses e os grandes heróis da Antiguidade, afirmando a superioridade dos
primeiros sobre os segundos. O herói desta epopeia é coletivo e o próprio título é inequívoco: “Os
Lusíadas” são os portugueses – todos, não apenas os passados, mas até os presentes e futuros, na
medida em que assumam as virtudes que caracterizam, no entendimento do poeta, o povo
português.

O poeta pretende cantar e tornar imortais:

- Os homens ilustres que fundaram o império português do Oriente.

- Os reis, de D.João I a D.Manuel que expandiram a fé cristã e o império português.

- Todos os portugueses dignos de admiração pelos seus feitos.

Episódio do Consílio dos Deuses (canto I)


No canto I, destaca-se o Episódio do Consílio dos Deuses no Olimpo. Os deuses reúnem-se em
“consílio glorioso” para decidir sobre o destino dos Portugueses no Oriente. Não estava em causa a
chegada dos Portugueses ao Oriente, pois essa já tinha sido determinada pelo destino, tratava-se,
sim, de decidir se os deuses ajudariam ou não os portugueses a chegar rapidamente e de modo
seguro à Índia. Júpiter, o pai dos deuses, serve-se de Mercúrio, o deus mensageiro, para convocar,
todos os deuses que vão chegando de todas as partes do planeta. Os deuses sentem-se segundo a
hierarquia que dá mais importância aos deuses mais antigos.

Júpiter inicia o seu discurso, começando por lembrar a todos os deuses que os portugueses eram
um povo guerreiro e corajoso que já tinha conquistado o país aos mouros e vencido por diversas
vezes os temidos castelhanos. Refere, ainda, as antigas vitórias de Viriato, chefe lusitano, frente
aos romanos e termina o seu discurso, chamando a atenção dos deuses para os presentes feitos
dos portugueses que, corajosamente, lutando contra tantas adversidades, empreendiam
importantes viagens pelo mundo e, que por isso, mereciam ser ajudados pela passagem da costa
africana.

Baco, o deus do vinho, insurge-se de imediato contra os portugueses, pois sentia uma enorme
inveja pela imensa glória que o destino lhes reservava. Na Índia, prestava-se culto a Baco e temia
ser esquecido com a chegada dos portugueses.

Vénus, a deusa da beleza e do amor, apoia Júpiter, pois vê refletida nos portugueses a força e a
coragem do seu filho Eneias e dos seus descendentes, os romanos.

Após as intervenções de Baco e de Vénus, todos os deuses se lançam numa feroz discussão
comparada pelo poeta a uma terrível tempestade, até que Marte, o deus da guerra, tome a
palavra. Marte decide-se também a favor dos portugueses, pois simpatiza com o facto de ser um
povo guerreiro e por ainda estar apaixonado por Vénus. Marte consegue convencer Júpiter a não
abdicar da sua decisão e, assim os portugueses serão recebidos num porto amigo.
No final, Júpiter inclinou a cabeça em sinal de consentimento e, desfez a reunião, tomando a
decisão de ajudar os portugueses na sua viagem para a Índia.

Episódio de Inês de Castro (canto III)

A história e o mito que envolvem os amores de D.Inês de Castro e D.Pedro têm servido como tema
para várias obras literárias. Desde autores nacionais, a estrangeiros; autores de séculos diferentes
a autores nossos contemporâneos, a verdade é que a morte de Inês de Castro tem servido de
inspiração literária e, por tal, esta história de amor portuguesa superou a temporalidade.

Os factos narrados neste episódio aconteceram durante o reinado de D.Afonso IV, após o triunfo
contra os Mouros na Batalha do Salado (1340). A estância 119 consiste numa reflexão do narrador
que responsabiliza o Amor pela morte de Inês de Castro. D.Inês encontrava-se em Coimbra. É-nos
descrito o seu estado de espírito: serena, apaixonada, despreocupada, saudosa do seu amado. A
natureza reflete este estado de alma “saudosos campos do Mondego”. Na estância 122, o poeta
dá-nos conta dos fatores que conduziram à morte de D.Inês:

- As loucuras cometidas devido à imensa paixão que unia D.Inês e D.Pedro;

- O murmurar do povo;

- O capricho de D.Pedro que se recusava a casar com outra dama.

O repúdio do narrador pelos agentes da condenação de Inês contrasta com a simpatia que ele
nutre pela personagem, como podemos constatar através da adjetivação : agentes da condenação
de D.Inês Castro.

- “horríficos algozes”

- “com falsas e ferozes razões”


- “duros ministros”

- “avô cruel”

- “fraca dama delicada”

- “ tristes e piedosas vozes”

- “olhos piedosos”
- “meninos tão queridos e mimosos”
A intervenção de Inês de Castro, pejada de dramatismo, é preparada quer pela piedade que a
figura suscita, indefesa perante os “algozes”, quer pela forma como, banhada em lágrimas, olha os
filhos inocentes diante do “Avô cruel”. O dramatismo aumenta de tom:

- Pelos exemplos de proteção às crianças dados pelos animais mais selvagens;

- Pelo pedido de clemência de Inês para os filhos. Já que o rei mostrara coragem ao tirar a vida aos
Mouros, deveria agora de demonstrar a mesma coragem dando-lhe a vida;

- Pelo pedido de desterro em nome da sua inocência;

- Pela insinuação de que achará mais piedade entre os animais selvagens do que entre os homens;
- Pelo refúgio comovente na lembrança do amado e no consolo dos filhos. O rei ainda duvida que a
sua decisão seja a mais correta, mas o povo e os conselheiros exigem a morte de D.Inês. O narrado
não se coíbe de condenar a morte de Inês;

- Na forma como adjetiva os apoiantes da sua morte: “peitos carniceiros”, “brutos matadores”,
“fervidos e irosos”;

- Na comparação do seu caso com outros atos cruéis e aberrantes;

- Na ironia que subjaz à questão: “Contra hua dama, ó peitos carniceiros/Fero vos mostrais e
cavaleiros?”.

Inês de Castro é barbaramente executada, num ato cobarde, comparado pelo poeta a outros
assassínios terríveis que povoaram as tragédias gregas.

Em jeito de conclusão, Camões mostra a própria Natureza entristecida diante do crime, chorando a
“morte escura” da donzela, perpetuando a fatalidade numa fonte pura de onde correm lágrimas
em vez de água, que recordará para sempre tais Amores.

Despedidas de Belém (canto IV)


O tema deste episódio é a partida dos marinheiros da praia do Restelo e a despedida dos seus
familiares e amigos. D.Manuel começa por aludir o patriotismo dos marinheiros (“com mais amor
se apercebessem”) e o ânimo com que devem resistir a todas as dificuldades (“trabalhos”).

Em seguida, é feita uma localização espácio-temporal da ação e assistimos ao alvoroço que


antecede a partida. As naus estão prontas e os marinheiros reúnem-se, em oração, na ermida de
Nossa Senhora de Belém.

As estâncias seguintes dão-nos conta do sofrimento dos que partem e dos que ficam. Vasco da
Gama, emocionado (“apenas nos meus olhos ponho o freio”), dá-nos a conhecer a dúvida e o
receio que ele próprio sentiu no momento da partida.

O narrado refere ainda a multidão que veio assistir à partida e que vive antecipadamente a
saudade e a tristeza (“saudosos na vista e descontentes”). A dor dos que ficam ganha dramatismo
nos “suspiros” dos homens e no “choro” das mulheres, mães, esposas e irmãs, assaltadas pelo
desespero e pelo medo de não voltarem a ver aqueles que amam.

Assistimos ao discurso de uma mãe, figura coletiva, símbolo da velhice que se abandona. As suas
palavras são de uma incompreensão e perplexidade perante o abandono a que é votada pelo filho
aventureiro que embarca para a morte. Em seguida, fala uma esposa, também uma figura coletiva,
cujo discurso deixa transparecer a dor sentida devido à separação. Trata-se de um belo discurso de
amor conjugal, cheio de ternura e responsabilidade (“Porque is aventurar em mar iroso/ Essa vida
que é minha e não é vossa?”).

A dor dos que partem é ampliada pela visão de dor dos que ficam, o que faz apressar a partida
para evitar desistências, por fim embarcam e Vasco da Gama ordena que não se façam despedidas
habituais, pois acredita que, desta forma, diminui o sofrimento dos que partem e dos que ficam.

Existe uma alternância de planos ao longo de todo o episódio:

- Plano de conjunto: a gente da cidade e as gentes.


- Plano de pormenor: as mulheres e as mães, esposas e irmãs, os homens.

- Grande plano: a mãe, a esposa.

- Plano de conjunto: os velhos, os meninos e os montes.

Adamastor (canto V)

Cinco dias após a paragem na Baía de Santa Helena, a armada chega ao Cabo das Tormentas e é
surpreendida pelo aparecimento de uma figura mitológica criada por Camões, o Adamastor. Várias
manifestações indiciam o aparecimento do gigante:

- Subitamente, nos ares surge uma nuvem, “temerosa” e “carregada” que o céu escurece;

- O mar brame ao longe “como se desse em vão nalgum rochedo”.

Estes indícios de perigo iminente, que tolhem de medo os marinheiros (“arrepiam as carnes e o
cabelo”), levam Vasco da Gama a invocar o nome de Deus. O herói surge, assim, humanizado
diante do perigo e do desconhecido.

O gigante Adamastor é descomunal (“figura robusta e válida”, “disforme e grandíssima estatura”,


“tão grande era de membros”, “Colosso”) e assustadora (“rosto carregado, “barba esquálida”,
“olhos encovados”, “postura medonha e má”, “cor terrena e pálida”, os cabelos “crespos” e “cheios
de terra”, “boca negra”, “dentes amarelos”).

As primeiras palavras de Adamastor acabam por ser um elogio aos Portugueses:

- Pela ousadia que os coloca acima de outros povos;

- Pela sua persistência;

- Pela sua proeza de terem cruzado mares desconhecidos (“Nunca arados de estranho ou próprio
lenho”).

Em seguida, o gigante profetiza:

- A tempestade que há-de fustigar a armada de Pedro Álvares Cabral;

- O naufrágio de Bartolomeu Dias;

- Muitos outros naufrágios;

- Naufrágio e morte de D.Francisco de Almeida;

- Naufrágio de Sepúlveda.

Note-se que todas estas profecias são post-eventum, uma vez que as desgraças a que Adamastor
se refere já tinham acontecido quando Camões escreveu “Os Lusíadas”. A pedido de Vasco de
Gama, o gigante revela a sua identidade e inicia o relato da sua história. Esta interpelação não é
inocente, pois Adamastor representa o desconhecido, o mistério e o medo que lhe está associado.
Com a revelação da sua identidade tudo isto desaparece. Passa-se do desconhecido ao conhecido.

Quando inicia a sua história, o gigante humaniza-se o que é percetível desde logo na “voz pesada e
amara”, longe do tom “horrendo e grosso” com que amedrontara os marinheiros. Note-se ainda
como se apequena, dominado pelo sofrimento: “Da mágoa e da desonra ali passada”, “deu meu
pranto e deu meu mal”, “chorando andava meus desgostos”, “mais dobradas mágoas”, “cum
medonho choro”.

No seu discurso, Adamastor revela a sua identidade e inicia o relato da sua história.

Apaixonara-se pela bela ninfa Tétis que o rejeitara, porque era feio (“grandeza feia de seu gesto”).
Decidiu, então, “tomá-la por armas” e contou o seu propósito a Dóris, mãe de Tétis. Esta vai servir
de intermediária entre o gigante e a ninfa. A resposta de Tétis é ambígua, mas ele acredita na sua
boa fé. Quando, uma noite, julgava abraçar e beijar a ninfa, achou-se agarrado a um monte e viu-se
ele próprio transformado noutro monte (“junto dum penedo, outro penedo”). Também os deuses
o traíram transformando-o num cabo sempre rodeado pela amada (o mar) sem nunca lhe poder
tocar. Geograficamente, o Adamastor é o Cabo das Tormentas (“Eu sou aquele oculto e grande
Cabo/ A quem chamais vós outros Tormentório”); Na mitologia, é o temível gigante vencido pelo
amor a Tétis: simbolicamente, representa os obstáculos, as dificuldades a vencer, os perigos do
mar, as forças do mal, o desconhecido, A vitória de Vasco da Gama representa a passagem do
desconhecido ao conhecido, a superação do medo, a derrota das forças do mal.

A Tempestade (canto VI)

A narrativa prossegue com o relato da viagem pela voz do narrado de “os Lusíadas”, como se pode
verificar pelo uso da terceira pessoa.

Rebentada a tempestade, uma personagem ganha protagonismo, o Mestre.

Determinado, orienta a tripulação gritando e repetindo as suas ordens, acima do barulho da


tempestade.

O poeta descreve a força dos elementos:

- A força dos ventos;

- O movimento assustador das ondas:

- O relampejar na noite negra.

Os efeitos da tempestade são visíveis:

- Nos estragos feitos nas embarcações: destruição das velas e dos mastros e inundação das naus;

- No comportamento dos seres vivos: o canto tris te dos pica-peixes e o refúgio dos golfinhos no
fundo do mar;

- Na destruição da natureza: montes destruídos, árvores arrancadas, areias revolvidas.

Vasco da Gama é, de novo, o herói humano, “confuso de temor”, receoso pela sua vida, que pede
ajuda a Deus. A sua súplica assenta em três pontos:

- O reconhecimento da omnipotência divina e das suas intervenções;

- O objetivo de dilatação da fé que anima a viagem;


- O facto de ser preferível uma morte heroica e reconhecida por todos, em áfrica, a combater pela
fé cristã, do que um naufrágio anónimo.

Apesar desta súplica, a tempestade continua a fustigar violentamente a armada, É então que
Vénus decide interceder pelos Portugueses e ordena às ninfas que coloquem grinaldas na cabeça e
abrandem a força dos ventos.

A tempestade termina e os portugueses avistam a Índia.

Os Lusíadas

Os Lusíadas são, claramente, uma obra do Renascimento, atendendo a que espelham muitos dos
valores e conceitos renascentistas:

- A pluralidade cultural;

- O espírito crítico;

- A experiência humanista

- A valorização das capacidades do homem;

- O conceito de herói;

- A valorização da observação e da experiência;

A Epopeia: Valorização da obra

A epopeia é uma composição narrativa, em verso ou em prosa, em estilo elevado – grandiloquente


– canta uma ação heroica passada. Celebra uma ação grandiosa ou uma série de grandes
acontecimentos históricos. Nesse sentido, Os Lusíadas são uma obra épica, uma epopeia, na qual
encontramos os elementos que nos permitem classificar o texto enquanto tal, nomeadamente:

A ação épica, com grandeza e solenidade, de modo a expressar heroísmos (a ação central é a
aventura das Descobertas, de que se destaca a viagem marítima de Vasco da Gama à Índia, uma
ação repleta de heroísmo e, por isso, digna de ser louvada; surgem episódios da mitologia).

O herói, o protagonista devia revelar grande valor moral, além da sua estirpe social, em “Os
Lusíadas”, o herói é o povo português – “o peito ilustre lusitano” (canto I est.3) -, representado na
figura do comandante das naus, Vasco da Gama, há, portanto, um herói coletivo e um herói
individual.

O maravilhoso, verifica-se não só pela intervenção das divindades da mitologia (por exemplo,
Vénus e Baco), como do Deus dos cristãos.

Em relação à estrutura, estão assentes n´Os Lusíadas partes obrigatórias: a PROPOSIÇÃO, a


INVOCAÇÃO e a NARRAÇÃO, Os Lusíadas apresentam quatros partes e determina uma narração in
media res.

Em relação à forma, há um narrador que relata acontecimentos; podemos, inclusive, distinguir os


seguintes narradores:
- O Poeta, que relata a viagem de Vasco da Gama desde Moçambique até à Índia e toda a viagem
de regresso (Cantos I, II, VI, VII, VIII, IX e X) – (Cantos 1,2,6,7,8,9 e 10)

- Vasco da Gama, que conta ao rei de Melinde: a História de Portugal (Cantos III e IV) – (Cantos 3 e
4) e a viagem desde Lisboa até Moçambique (Final do Canto IV e Canto V) – (Final do Canto 4 e
Canto 5).

- Paulo da Gama, que relata, em Calecute, ao Catual alguns factos da nossa História e explica o
significado das 23 figuras representadas nas bandeiras (Canto VIII) – (Canto 8).

- Fernão Veloso, que descreve o episódio dos Doze de Inglaterra (Canto VI) – (Canto 6).

Camões teve ainda a necessidade de recorrer a fontes históricas, atendendo sobretudo aos
episódios que compõem o plano da História de Portugal e que se encontram essencialmente nos
Cantos III, IV e VII (3, 4 e 7). Com efeito, a épica torna-se, durante o Renascimento, o género mais
valorizado, uma vez que permite dar destaque às ações dos homens.

Assim:

- O objetivo da epopeia é narrar e louvar os feitos grandiosos e, por isso dignos de memória, de
um povo, para que não caiam no esquecimento e possam servir de exemplo e de inspiração para
outros homens;

- O Humanismo do século XV instituiu uma crença inabalável no Homem, nas suas capacidades e
também na sua exemplaridade, daí que as descobertas marítimas se tenham apresentado como
um feito extraordinário merecedor de ser imortalizado. A aventura dos Portugueses por “mares
nunca dantes navegados” era uma prova do espírito dos tempos, da confiança no Homem. Era o
resultado do seu desejo de conhecer e de ver, pelos seus próprios olhos, o mundo.

Estrutura interna da obra:

Agora que já refletimos sobre a natureza de “Os Lusíadas”, podemos centrar a nossa atenção na
sua estrutura que, de acordo com as regras do género da epopeia clássica, se estrutura em 3
partes obrigatórias:

A Proposição (a apresentação do assunto). Na Proposição (Canto I, est. 1-3), Camões propõe-se a


cantar: as navegações e as conquistas no Oriente nos reinados de D.Manuel e de D.João II. As
vitórias em África de D.João I a D.Manuel (est.2 vv1-4).

A Invocação (a súplica de inspiração para escrever O Poema). Há 4 Invocações em “Os Lusíadas”:

A 1ªInvocação – às ninfas do Tejo (Tágides) para que o ajudem na organização do poema. (Canto I,
est.4-5);

A 2ªInvocação – à musa da poesia épica, Calíope, porque estão em causa os mais importantes
feitos lusíadas. (Calíope é a musa da poesia épica, na mitologia grega, de porte majestoso,
aparenta ser uma jovem mulher, coroada de ouro, com supremacia entre as musas suas irmãs.
Camões, no início do Canto III de Os Lusíadas, pede a Calíope que o inspire para melhor contar a
história de Portugal, como Vasco da Gama a relatou ao Rei de Melinde.) (Canto III, est.1-2);
A 3ªInvocação – às ninfas do Tejo e do Mondego, queixando-se dos seus infortúnios. (Canto VII,
est.78-87);

A 4ªInvocação – é uma nova invocação a Calíope para que o inspire para terminar a obra. (Canto
X, est.8-9);

A Dedicatória (parte facultativa da epopeia) (o oferecimento da obra de Camões a D.Sebastião). A


Dedicatória (Canto I, est.6-18), esta dedicatória a D.Sebastião reflete a esperança do povo
português no novo monarca e, sobretudo, na possibilidade de retomar a expansão no Norte de
África.

Narração (onde ocorre o desenvolvimento do assunto, já a meio da ação – in media res). A


Narração (a partir do Canto I, est.19 e seguintes), iniciada in media res (quando a frota se
encontra no canal de Moçambique, em rota para Melinde – Cantos I e II), apresenta momentos
retrospetivos (da História de Portugal e da viagem), momentos prospetivos (sonhos, presságios,
profecias, etc…) e um epílogo (regresso dos nautas, incluindo o episódio da Ilha dos Amores).

Um epílogo é a última parte de um discurso, na qual se faz uma leve recapitulação das razões
principais que nele entraram.

Retrospetivo diz respeito ao passado, que olha para trás, por exemplo, momentos da história de
Portugal e momentos da viagem.

Prospetivo diz respeito ao que se vê adiante, a um futuro, por exemplo, momento da viagem de
regresso, o episódio da ilha dos amores, assim como, sonhos, presságios ou profecias.

Estrutura externa da obra:

A obra d´Os Lusíadas tem uma forma narrativa em versos decassílabos (geralmente heroicos, com
o acento rítmico da 6ª e 10ª sílabas), rimas com o esquema abababcc (rima cruzada nos primeiros
seis versos e emparelhada nos dois últimos); estâncias oitavas (com 8 versos). O poema está
dividido em dez cantos (1102 estâncias, sendo o canto mais longo o X, com 156 estrofes, e o mais
pequeno o VII, com 87 estrofes).

Resumo dos capítulos:

Canto I

- No Canto I da obra, encontra-se a Proposição (est.1-3) que corresponde à apresentação do


assunto do poema: ao cântico das grandes figuras da saga nacional, os navegadores, os
conquistadores, os reis e todos os “que por obras valerosas/Se vão da lei da Morte libertando”, ou
seja, os heróis imortais.

- Situa-se também a 1ªInvocação (est.4-5) – o poeta pede inspiração às ninfas do Tejo, para que
elas lhe concedam um estilo adequando à grandeza dos feitos nacionais que vai cantar e divulgar
por todo o mundo : “Que se espalhe e se cante no Universo”.

- A Dedicatória está presente nas est.6-18 do Canto I. O poema é dedicado a D.Sebastião, que é
incentivado a continuar os grandes feitos dos seus antepassados, em especial os da expansão de
caráter bélico e religioso e o elogio dos heróis portugueses (aqueles que “em quem poder não teve
a morte”).
- O início da Narração na estância 19, in media res, enquanto a armada portuguesa de Vasco da
Gama já se encontra no Índico, reúne-se o Consílio dos Deuses (o consílio dos Deuses é o primeiro
episódio do plano da Mitologia), convocado por Júpiter, com o objetivo de decidir se os
Portugueses devem ou não ser apoiados na sua aventura marítima. Vénus e Marte estão do lado
dos portugueses; Baco não quer ajudar os Lusitanos, ainda que estes descendam de Luso, “seu tão
privado”, pois teme ser esquecido no Oriente. Júpiter cede aos argumentos da Deusa do Amor e do
Deus da Guerra, decidindo que os Portugueses devem chegar à Índia, dando cumprimento ao Fado
(Destino). Apesar dessa decisão, Baco prepara ciladas aos portugueses na Ilha de Moçambique e
no porto de Quíloa. Aqui, a intervenção de Vénus, a protetora dos nautas, salvará os navegadores,
que rumarão a Mombaça.

- O Canto I encerra com uma reflexão do poeta (estância 105-106) a vida oferece “tão pouca
segurança” ao homem, apresentando-se como “Caminho se vida nunca certo”. Daí que o poeta
pergunte: “Onde pode acolher-se um fraco humano”, “um bicho da terra tão pequeno” contra os
perigos do mar e da terra?

Canto II

- Em Mombaça, a armada de Vasco da Gama é recebida pelo rei, que, influenciado por Baco,
prepara uma armadilha. Mais uma vez, Vénus intervém a favor dos Portugueses. Com a
colaboração das Nereidas, impede a entrada das naus no porto de Mombaça, manobra que havia
sido orientada por um falso piloto, disponibilizado pelo régulo de Moçambique (Chefe/rei de um
pequeno estado).

- Vasco da Gama, tomando consciência do perigo que haviam corrido, dirige uma prece à “Guarda
Divina”, agradecendo terem sido salvos.

- Uma vez em Melinde, o rei recebe os Portugueses calorosamente e faz uma visita à armada,
pedindo ao “valeroso capitão” que lhe conte as “guerras famosas e excelentes/Co povo havidas
que a Mafoma adora”. (est.108), tudo sobre a terra, o clima, a região onde Vasco da Gama mora e
também a “antiga geração, / E o princípio do Reino tão potente”. Finalmente, uma última
solicitação: que lhe conte “dos rodeios /Longos em que te traz o Mar irado”: (est.110).

Canto III

- O poeta, consciente da grandeza da tarefa que lhe é pedida – narrar “O que contou ao Rei o
ilustre Gama” – invoca Calíope, para que ela lhe dê a inspiração condizente com a narrativa da
História de Portugal que vai encetar. Assim, é inserido na estrutura narrativa, agora com mais
fôlego, o plano da História de Portugal, que ocupa sobretudo os Cantos III e IV.

- A narrativa do Gama é longa e inclui bastante informação como: a localização de Portugal na


Europa; a descrição da Europa; a história primitiva e lendária de Portugal, desde Luso a Viriato; o
início e a formação da nacionalidade (conde D.Henrique e D.Teresa); o reinado de D.Afonso
Henriques (guerras de independência contra Castelhanos e Mouros, destacando-se a fidelidade do
vassalo Egas Moniz e o episódio da batalha de Ourique – estâncias 42-54; os reinados de D.Sancho
I a D.Dinis; o reinado de D.Afonso IV, destacando-se o episódio de Inês de Castro (est.118-135); e,
por fim, os reinados de D.Pedro a D.Fernando.
- O canto termina com uma reflexão, motivada pelo amor de D.Fernando por D.Leonor Teles, e cujo
tema é precisamente o poder do amor – “Mas quem pode livrar-se, porventura,/Dos laços que
Amor arma brandamente (…)?” (est.142).

Canto IV

- Vasco da Gama continua a sua narrativa, relatando acontecimentos da segunda dinastia: a


conjuntura após a morte de D.Fernando (crise política de 1383-1385); os episódios da crise (o
papel de D.Nun´Alvarez Cabral e a batalha de Aljubarrota – est.28-44); o reinado de D.João I,
salientando-se a conquista de Ceuta; os reinado de D.Duarte, D.Afonso V, D.João II (com destaque
para os preparativos para a viagem à Índia); e o reinado de D.Manuel I.

- Deste último reinado, destacam-se: o sonho profético do rei, no qual os rios Indo e Ganges,
representados por dois velhos, anunciam futuras glórias dos Portugueses no Oriente; a partida da
armada (est.87-93) e o episódio do Velho do Restelo (est.94-104) que culmina com uma reflexão
sobre a ambição desmedida do Homem – “Mísera sorte! Estranha condição!”.

Canto V

Este canto ocupa-se da narrativa da viagem da armada de Vasco da Gama de Lisboa a Melinde, em
que o comandante luso conta ao rei de Melinde episódios como: o Cruzeiro do Sul, o Fogo de
Santelmo, a tromba marítima; a aventura de Fernão Veloso (um dos tripulantes que decide ir
explorar o novo território); o encontro com o gigante Adamastor, durante o qual se destacam as
profecias dos desastres e naufrágios a ocorrer no Cabo das Tormentas (est.37-73), o escorbuto.

-Depois de Vasco da Gama concluir a sua narrativa ao rei de Melinde, o poeta encerra o canto com
uma invetiva contra os Portugueses seus contemporâneos pelo desprezo a que votaram as Letras,
particularmente a poesia: “É não se ver prezado o verso e a rima, /Porque quem não sabe arte,
não na estima”. (est.97).

Canto VI

O poeta recupera o estatuto de narrador, contando a saída da armada de Melinde a caminho de


Calecute, orientada por um piloto melindano. Baco, não conformado com a iminente chegada dos
Portugueses à Índia, desce ao palácio de Neptuno e é convocado um consílio dos deuses marinhos
(est.8-36). Após acesa discussão, a decisão é apoiar Baco no seu capricho. Para tal, ordena-se a
Éolo que solte os ventos irados, com o objetivo de destruir a armada portuguesa.

-No mar calmo e sem suspeita da trama de Baco, os marinheiros passam o tempo a ouvir histórias
destacando-se o episódio dos Doze de Inglaterra (est.43-69), contado por Fernão Veloso.

- Inesperadamente e de forma violenta, surge uma tempestade (est.70-84). “Vendo Vasco da Gama
que tão perto /Do fim do seu desejo se perdia”, dirige uma comovente prece à Divina Guarda. Esta
prece é ouvida por Vénus que, uma vez mais, socorre os Portugueses, com a ajuda das ninfas, as
quais, com o seu poder sedutor, acalmam os ventos. Dominada a tempestade, os marinheiros
avistam, enfim, Calecute. “Terra é de Calecute, se não me engano”; (est.92). Vasco da Gama
agradece a Deus o sucesso da viagem.

A finalizar, novas considerações do poeta, desta vez sobre o verdadeiro valor da glória.
Canto VII

Com a armada em Calecute, o canto começa com uma reflexão do poeta: um elogio ao espírito de
cruzada lusitano e uma crítica severa às nações europeias que não seguem o exemplo dos
Portugueses na expansão da fé cristã (est.2-15).

Descreve-se a Índia, com particular destaque para os primeiros contactos entre portugueses e
indianos, preparados pela ida do degredado João Martins a terra, com o propósito de dar a
conhecer as intenções dos lusitanos. Já em terra, a embaixada portuguesa é recebida pelo Catual,
e depois pelo Samorim.

Paulo da Gama, irmão do Capitão, fica a bordo da nau capitaina e recebe a visita do Catual, que lhe
pede para explicar o significado das figuras representadas nas bandeiras portuguesas.

A encerrar o canto, uma nova lamentação do poeta. Camões, ao invocar as ninfas do Tejo e do
Mondego, queixa-se dos seus infortúnios, criticando, também, todos aqueles que oprimem e
exploram o povo. Para além disso, reconhece, com ironia amarga, que o não apreço pelo seu
trabalho desencorajará futuros escritores – “Que exemplos a futuros escritores, / Pera espertar
engenhos curiosos, / Pera porem as cousas em memória / Que merecerem ter eterna glória!”
(est.82).

Canto VIII

Paulo da Gama, novo narrador, relata ao Catual alguns episódios da História de Portugal,
destacando a coragem de alguns heróis míticos e/ou verdadeiros: Ulisses, Viriato, Sertório, o conde
D.Henrique, Egas Moniz, Dom Fuas Roupinho, D.Nun´Alvarez Pereira, os infantes D.Pedro e
D.Henrique, entre outros.

Baco, que continua a sua cruzada contra os Portugueses, aparece em sonhos a um sacerdote
brâmane, indispondo-o contra os nautas lusos, que, segundo o deus, apenas vinham saquear e
pilhar. O Samorim, que fora advertido pelo sacerdote das “más” intenções do navegador, interroga
Vasco da Gama. Este procura esclarecer a situação e chegar a um entendimento, que passará pela
troca de fazendas europeias por especiarias orientais. No entanto, Catual opõe-se esta decisão e
prende o capitão, não o deixando regressar à armada. Vasco da Gama só conseguirá a liberdade
após subornar o Catual, a troco das fazendas europeias, lhe permite regressar a bordo.

Por fim, são feitas as lamentações do poeta sobre o vil poder do “metal luzente e louro”, fechando
o canto.

Canto IX

Ultrapassadas algumas vicissitudes, os Portugueses, sempre ajudados por Monçaide, iniciam a


viagem de regresso à Pátria. Vénus, permanentemente atenta, resolve preparar-lhes uma surpresa,
uma recompensa por todos os sacrifícios passados. Cria uma ilha divina e maravilhosa, segundo o
modelo clássico (bucólica, harmoniosa nas cores e formas) e povoada por ninfas que se oferecerão
aos nautas. Estes, exortados por Fernão Veloso, viverão momentos de amor e de prazer, que
constituem o merecido prémio para quem tão alto fez subir o nome de Portugal.

Vasco da Gama encontra-se com Tétis no seu palácio e a ninfa explica-lhe que este repouso é a
compensação de “trabalhos tão longos (…) /O prémio lá no fim, bem merecido” (est.88).
O poeta explica a simbologia da ilha (est.89-92) e termina tecendo considerações sobre a
verdadeira forma de atingir a Fama e a Imortalidade – “Por isso, ó vós que as famas estimais, / Se
quiseres no mundo ser tamanhos, / Despertai já do sono do ócio ignavo, /Que o ânimo, de livre,
faz escravo” (est.92); “E ponde na cobiça um freio duro, / E na ambição também (…)” (est.93); “Ou
dai na paz as leis iguais, constantes (…)/ Ou vos vesti nas armas rutilantes, / Contra a Lei dos imigos
Sarracenos”. (est.94) Se assim procederem, conclui o poeta, “Sereis entre os Heróis esclarecidos / E
nesta ilha de Vénus recebidos” (est.95).

Canto X

Tétis e as restantes ninfas oferecem um banquete aos marinheiros, durante o qual uma ninfa,
fazendo um discurso profético, narra os feitos futuros dos lusitanos no Oriente, não sem antes,
todavia, o poeta ter, de novo, invocado Calíope. A ninfa continua o seu discurso, centrando-se nos
heróis e governadores da Índia.

Tétis leva Gama até ao alto de um monte e aí mostra-lhe a máquina do mundo e os locais por onde
se estenderá o Império Português.

Por fim, os navegadores embarcam rumo a Portugal, trazendo para a sua pátria e para o seu rei
glória e títulos novos.

O canto encerra com um lamento do poeta pelo facto de o seu talento não ser reconhecido,
sobretudo por aqueles a quem canta. D.Sebastião a dar continuidade à glória dos Portugueses,
oferecendo-se para servir o rei e a pátria – “Pera servir-vos braço às armas feito; / Pera contar-vos,
mente às Musas dada”. O poeta aponta ainda um caminho: o do Norte de África – “o monte
Atlante, / (…) campos de Ampelusa / Os muros de Marrocos e Trudante”.

Matéria Épica

A viagem de Vasco da Gama à Índia, as Descobertas, representam o momento áureo da nossa


História. Os feitos históricos, apresentados por Vasco da Gama ao rei de Melinde e por Paulo da
Gama ao Catual são acontecimentos que atestam a ação grandiosa ao serviço da Pátria.

Mitificação do Herói

“Os Lusíadas”, este termo designava os Portugueses descendentes de Luso, companheiro de Baco.
Assim, o povo português, os lusíadas, adquire grandeza mítica. A mitificação do herói está, pois,
subjacente ao próprio título da obra. Camões procurou que a sua epopeia anunciasse a história de
todo o povo da “geração de Luso”, “invicto e forte”.

Reflexões do poeta

O olhar glorificador e o tom de exaltação eufórica de que se revestem Os Lusíadas não invalidam a
manifestação de um desencanto face à pátria portuguesa, capaz de grandes feitos, mas
progressivamente mergulhada numa “austera apagada e vil tristeza”.

Estes momentos de reflexão têm a particularidade de apresentarem uma estrutura semelhante,


devido ao facto de surgirem na sequência de um acontecimento que os motivou. Por outro lado
tratando-se de um discurso que exprime juízos de valor e juízos críticos.

Os quatros planos e a sua interdependência


Plano da Viagem (Plano Central)
O plano da Viagem é o plano central da epopeia. Nele encontra-se a narração dos acontecimentos
ocorridos durante a viagem realizada entre Lisboa e Calecute: a partida em 8 de julho de 1497, as
peripécias da viagem, a paragem em Melinde durante 10 dias, a chegada a Calecute a 18 de maio
de 1498, o regresso a 29 de agosto de 1498, a chegada da nau de Vasco da Gama a Lisboa a 29 de
agosto de 1499.

A função deste plano é conferir unidade ao poema. É, por isso, uma espécie de “esqueleto” da
epopeia.

O plano da Viagem encontra-se nos cantos I, II, V, VI, VII, VIII, IX e X. (Cantos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9 e 10)

Plano da História de Portugal (Plano encaixado)


O plano da História de Portugal é o plano encaixado da epopeia. Este plano relata os factos
marcantes da História de Portugal: em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei os principais
acontecimentos da nossa História, desde Viriato até ao reinado de D.Manuel I, enaltecendo os
feitos dos Portugueses: a batalha de Ourique, a batalha de Aljubarrota, os Doze de Inglaterra…

Em Calecute, Paulo da Gama apresenta ao Catual episódios e personagens representados nas


bandeiras portuguesas.

A História posterior à viagem do Gama é-nos narrada em prolepse (visão ou representação de algo
que ainda não aconteceu), através das profecias.

A função deste plano é relatar e enaltecer a História de Portugal.

O plano da História de Portugal encontra-se nos cantos II, III, IV, V, VIII e IX, (Cantos 2, 3, 4, 5, 8 e 9)

Plano da Mitologia (Plano Paralelo)

O plano da Mitologia é o plano paralelo da epopeia. A mitologia permite e favorece a evolução da


ação: os deuses assumem-se como adjuvantes (Vénus) ou como oponentes dos Portugueses
(Baco). Constitui, portanto, a intriga da obra. Os deuses apoiam os Portugueses: no consílio dos
deuses no Olimpo, na Ilha dos Amores…

A função deste plano é conferir beleza, ação e diversidade ao poema, ajudando no processo de
divinização dos Portugueses.

O plano da Mitologia ocorre nos cantos I, II, V, VI, VII, VIII, IX e X (Cantos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9 e 10)

Plano do Poeta (Plano Ocasional)


O plano do Poeta é o plano ocasional da epopeia. É o plano onde o poeta dita as suas
considerações, críticas, lamentos e opiniões, expressas, nomeadamente, no início e no fim dos
cantos. Este plano serve para o poeta transmitir as suas posições face ao mundo, aos outros e a si.

O plano do Poeta surge nos cantos I, II, III, V, VI, VII, VIII, IX e X (Cantos 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 10)

Após a análise dos quatro planos, podemos concluir que:

- O Plano da Viagem e o Plano da Mitologia ocorrem em simultâneo. A articulação entre o Plano da


Viagem e o Plano da Mitologia sai reforçada pelo estatuto que os portugueses conquistam, após
chegarem à Índia – estatuto de divindades, por terem concretizado algo de sobre-humano; como
prémio, é-lhes oferecida uma recompensa digna de deuses – a Ilha dos Amores.

- O Plano da História de Portugal é um plano encaixado, que apresenta episódios bélicos como a
Batalha de Ourique, a Batalha do Salado, a Batalha de Aljubarrota e líricos, como o da
Formosíssima Maria ou o Episódio de Inês de Castro. O Plano da História de Portugal funciona quer
por analepses quer por prolepses. Como exemplos destas últimas contam-se as profecias de
Júpiter, as de Adamastor e as do poeta, funcionando todas como relatos futuros do que aconteceu
e que posteriormente veio a integrar a História de Portugal.

- O Plano do Poeta será vital para o entendimento do pendor humanista da epopeia.

A Anti Epopeia

A riqueza do poema, está, pois também nesta vertente didática e interventiva, nesta capacidade de
Camões de mostrar o outro lado da epopeia – a antiepopeia. Na verdade, nos momentos em que o
poeta tece críticas aos Portugueses ou quando deixa conselhos aos seus contemporâneos, matéria
épica e o canto sublime dão lugar à antiepopeia, isto é, ao reconhecimento e à condenação da
vileza, da miséria humana e do parasitismo.

Recursos Expressivos

Ao longo da obra d´Os Lusíadas são utilizados recursos expressivos como, a anáfora, a anástrofe, a
apóstrofe, a comparação, a enumeração, a hipérbole, a interrogação retórica, a metáfora, a
metonímia, a personificação.

Relembra… os recursos expressivos

Anáfora – é a repetição de uma palavra ou grupo de palavras no início de duas ou mais frases
sucessivas, para enfatizar o termo repetido (por exemplo, este amor que tudo nos toma, este amor
que tudo nos dá, este amor que Deus nos inspira, e que um dia nos há de salvar).

Anástrofe – é a inversão da ordem natural entre duas palavras dentro de um mesmo constituinte
(por exemplo, o seu olhar de ira cheio por seu olhar cheio de ira).

Apóstrofe – é a figura de linguagem que consiste em interromper a narração para dirigir a palavra a
pessoas ausentes ou ao leitor. Sintaticamente, a apóstrofe exerce a função de vocativo (por
exemplo, a seguir, leitor amigo, contarei a história tal como sucedeu).

Comparação – é o paralelo feito entre dois termos de um enunciado (por exemplo, desconhecido
como dantes nunca navegado).

Enumeração – é a sucessão de recapitulação ou enumeração de palavras (por exemplo, navegador,


capitão, nau, viagem, tempestade, escorbuto).

Hipérbole – é a ênfase expressiva resultante do exagero do que está escrito (por exemplo, morrer
de medo, chorar de rir).

Interrogação retórica – consiste numa questão que não visa uma resposta, causando apenas efeito
retórico. (Onde esperei morrer?)
Metáfora – é uma figura de estilo em que o significado habitual de uma palavra é substituído por
outra, só aplicável por comparação subentendida (por exemplo, há uma metáfora no verso de
Camões “amor é fogo que arde sem se ver”).

Metonímia – é a figura de estilo que consiste no emprego de uma palavra por outra com a qual se
liga uma relação lógica ou de proximidade (por exemplo, O autor pela obra, Já li Camões muitas
vezes).

Personificação – é a atribuição de qualidades humanas a seres inanimados ou a seres vivos que


não são humanos, aos mortos ou aos ausentes. (por exemplo, As ondas beijavam a praia).

O episódio do Velho do Restelo

O episódio do Velho do Restelo situa-se no Canto IV da obra d´Os Lusíadas.

Vasco da Gama é o narrador que canta ao rei de Melinde – narratário – a história de Portugal.

Esta narrativa é feita “in media res” e no decorrer da conversa surge uma estreita correlação entre
o episódio “Despedidas em Belém” e o episódio “O Velho do Restelo”.

Um aglomerado de pessoas no porto, aguarda para se despedir dos entes queridos que partiam
para a Índia. No meio desse ambiente emocionado, destaca-se a figura impotente de um velho
que, com a sua “voz pesada”, ouvida até nas naus, faz um discurso condenando aquela aventura
cujo propósito, segundo ele, é a cobiça, o desejo de riquezas, o poder e a fama.

O velho interveio junto dos navegadores portugueses que se aprestavam para partir para a
empresa marítima da Índia, no sentido de os alertar contra os perigos da ambição em excesso e da
cobiça pelas riquezas vindas do Oriente. Diz o velho que, para enfrentar desnecessariamente
perigos desconhecidos, abandonavam os perigos urgentes do seu país, ainda ameaçado pelos
mouros.

Simbologia

O episódio do Velho do Restelo representa uma corrente desfavorável à expansão para o Oriente,
mais tolerante em relação à guerra no Norte de África. Traduz, ainda, o medo do desconhecido e a
hesitação perante a novidade.

As falas das mães e das esposas representam a reação emocional àquela aventura, o discurso do
velho exprime uma posição racional, fruto de bom senso da experiência (“tais palavras tirou do
experto peito”). É a expressão rigorosa do conservadorismo.

Como o velho do Restelo, pensavam muitos naqueles tempos, assim como muitos pensam hoje em
relação a assuntos semelhantes, como a conquista espacial ou a manipulação genética, por
exemplo.

Quando representa a voz do bom senso e fria da razão assume a dimensão de personage-alegórica
– personagem que defende um ideal/princípio.

O seu discurso denuncia a suposta irresponsabilidade dos marinheiros que se deixavam levar por
promessas fantasiosas, pela vitória, para uma aventura com consequências trágicas.
Poder-se-á referir que todo o discurso desta figura se contrapõe à ambição explicitada ao longo da
viagem realizada por Vasco da Gama. É o negar do sonho, da ambição, da capacidade de iniciativa,
logo no seu discurso há:

- A voz do senso comum, dado que ele defendia a quietude simples, a rotina, a anulação do desejo.

- A negação do mar, porque as suas palavras não refletem o desbravar dos mares, o conhecimento
dos “húmidos caminhos”, mas sim, a ligação à terra, às lutas travas com os Mouros no norte de
África. Ignora a natureza aventureira e bem sucedida dos portugueses.

- Um mito humanístico, pois valorizava as batalhas no norte de África, nomeadamente, as


conquistas em Marrocos.

Segundo a perspetiva do Velho do Restelo, a Visão de Camões e de Vasco da Gama que


determinava uma ação heroica motiva pelo desejo, originando em glória, ambição e cobiça, em
consequências negativas como a morte, os desamparos, o adultério e a perda de fazendas seria o
caminho errado. Enquanto que a sua Visão que, valorizada a simplicidade e a anulação do desejo,
originando a resignação e a desambição seria o caminho certo.

Logo o Velho simboliza a perspetiva oposta à do espírito épico, apelidando de vaidade aquilo que
os outros chamavam de “Fama” e “Glória”, esforço e valentia.

Este velho seria o porta-voz do bom senso, da prudência, da cautela, ou daqueles que no século
XVI defendiam a expansão no Norte de África ou a coordenação da ousadia humana, do
ultrapassar dos limites impostos.

Em suma…

A Proposição é a apresentação do projeto e da sua intenção/propósito. (“Cantando espalharei por


toda a parte, /Se tanto me ajudar o engenho e a arte”.

Camões propõe-se a cantar:

“memórias gloriosas/Daqueles Reis…dilatando/A Fé, o império…” – Reis

“As armas e os barões assinalados” – homens ilustres.

“E aqueles que por obras valerosas/Se vão da lei da morte libertando” – Heróis, homens imortais
pelos seus feitos.

A Invocação é o pedido de inspiração às Tágides ninfas do Tejo, a Calíope, às ninfas do Tejo e do


Mondego e novamente, a Calíope.

Camões pede:

“Dai-me agora um som alto e sublimado./ Um estilo grandíloco e corrente.”

“Dai-me hua fúria grande e sonorosa”

“Dai-me igual cantos aos feitos da famosa/Gente vossa, que a Marte tanto ajuda”

A obra deve ser:


- perfeita

- maravilhosa

- acessível a todos

- majestosa

A Dedicatória, é a dedicatória da obra a D.Sebastião, no canto I estâncias 6-18.

A Narração, relata a ida de Vasco da Gama à Índia, acontece in media res. A narração começa a
meio da viagem, no decorrer da estância 19 do Canto I e seguintes.

A ação principal é a Viagem de Vasco da Gama a Calecute, ou seja, o Plano da Viagem.

A ação secundária é a História de Portugal, ou seja, o Plano da História de Portugal. O Plano da


História de Portugal é o plano encaixado, que apresenta episódios bélicos como a Batalha de
Ourique, a Batalha de Salado, a Batalha de Aljubarrota e, episódios líricos, como o “Episódio do
Velho do Restelo”, o “Episódio dos Doze de Inglaterra” e o “Episódio de Inês de Castro”. O Plano da
História de Portugal funciona quer por retrospetivas ou por previsões (analepses e prolepses).
Como exemplos destas últimas contam-se as profecias de Júpiter, as de Adamastor e as do poeta,
funcionando todas elas como relatos futuros do que aconteceu e que posteriormente veio a
integrar a História de Portugal.

A intriga é o plano da Mitologia. O plano da Viagem e da Mitologia ocorrem em simultâneo. A


articulação entre o Plano da Viagem e o Plano da Mitologia sai reforçada pelo estatuto que os
Portugueses conquistam, após chegarem à Índia – estatuto de divindades, por terem concretizado
algo de sobre-humano; como prémio, é-lhes oferecida uma recompensa digna de deuses, a Ilha
dos Amores.

O Plano do Poeta será vital para o entendimento do pendor humanista da epopeia. O poeta
enumera as suas considerações, críticas, lamentos e opiniões, no início e no fim dos cantos. Este
plano serve para o poeta transmitir as suas posições face ao mundo, aos outros e a si.

N´Os Lusíadas existem dois heróis. Um herói individual, representado por Vasco da Gama. E um
herói coletivo, representado pelo povo português.

N´Os Lusíadas existem 4 narradores, Vasco da Gama, Paulo da Gama, Luís de Camões e Fernão
Veloso.

Episódios:

- Mitológicos – consílio dos Deuses no Olimpo, consílio dos Deuses Marinhos.

- Bélicos – Batalhas de Ourique, Salado, Aljubarrota.

- Naturalistas – Cruzeiro do Sul, Tromba marítima, Tempestade, Escorbuto, Fogo de Santelmo.

- Simbólicos – Velho do Restelo, Adamastor, Ilha dos Amores, Sonho Profético de D.Manuel.

- Líricos – Morte de Inês de Castro, Formosíssima Maria.

- Cómicos – Fernão Veloso.


Consílio dos Deuses no Olimpo

Canto I – Profecia : o feito dos portugueses está descrito no Fado (destino), pelo que pouco havia a
contrariar.

Personagem oponente – Baco, Deus do Vinho – Tem medo de perder a fama que possui no
Oriente. (“Altamente lhe dói perder a glória”).

Personagem Adjuvante – Vénus – Deusa da Beleza e do Amor – Apoia os portugueses porque:

- Reconhece o seu valor;

- Vê parecenças com os Romanos;

- Afeiçoou-se aos Portugueses;

- O Português deriva do latim;

- Seguiu as conquistas de Tânger;

2ª Personagem Adjuvante – Marte – Deus da Guerra – Apoia os portugueses porque:

- Reconhece a bravura dos Portugueses;

- É uma forma de agradar a Vénus.

Conclusão : decisão favorável de apoiar os portugueses na sua viagem à Índia.

O Velho do Restelo

Canto IV – O Velho do Restelo representa a voz da razão num momento de euforia e


deslumbramento, a voz da experiência perante a irresponsabilidade e audácia. Em certa parte, os
seus conselhos acabaram por se revelar proféticos, pois a prosperidade das Descobertas cedo se
revelou fugaz, seguindo-se a decadência económica e territorial. Além disso, as contrapartidas da
Expansão eram óbvias – as jovens viúvas esperaram eternamente pelos maridos, criando uma
sociedade com faixas etárias muito distintas – os velhos que não podiam trabalhar, as mulheres
que aprenderam a sustentar a casa e as crianças que cresceram sem pai. A sociedade portuguesa
tornou-se matriarcal nas classes baixas e completamente ociosa e gananciosa nas classes altas.

No entanto, as palavras pessimistas do velho acabam por evidenciar o heroísmo daqueles homens
que, apesar de saberem as privações por que iam passar, não desistiam por honra e amor à pátria.
Há, então, uma contradição entre o discurso pacifista do velho e a épica exaltação dos heróis e os
seus feitos de armas a que se chama, muitas vezes, o anticlímax da epopeia.

O Velho do Restelo fala com um poeta humanista que exprime desdém pelo “povo néscio”, ou seja,
o clássico horror ao vulgo e ignorante. Afinal, o Velho é o próprio Camões erguendo-se acima do
encadeamento histórico e aplicando os valores do humanismo que defendia. É dos episódios com
uma vertente humanista mais vincada, uma vez que, sem fugir à veracidade histórica, há uma
concisa demostração de opinião e juízo crítico.
O poeta admite, portanto, no momento de ápice da sua narrativa, o instante tão sonhado em que
a armada de Vasco da Gama inicia a sua viagem, uma voz contrária à aventura que pretende
glorificar.

Reflexão do poeta – A Fama e a Glória

Ideias principais:

- O dinheiro compra tudo.

- Pessoas com altos cargos são corruptas, desonestas, sem caráter.

- Argumento mitológicos.

A Ilha dos Amores

Parte I – Chegada dos marinheiros à ilha

Caracterização da ilha, magnífica, bela, verde, alegre, fértil.

As ninfas:

- São a recompensa dos Portugueses.

- Simbolizam a harmonia – os Portugueses foram dos únicos povos a cultivar a paz.

- União entre o divino e o humano.

- O conhecimento do mundo – abertura – reconciliação.

Elevação dos Portugueses a semi-deuses:

- a coroação com a grinalda romana;

- A referência a matrimónio com as ninfas;

- A união e recuperação do Jardim do Paraíso.

Parte 2 – A Máquina do Mundo

- Vénus sabia da chegada dos Portugueses – estava escrito.

- Apesar de só ser mostrada a alguns Deuses, Tétis mostra a máquina do mundo a Vasco da Gama,
atribuição heroica ao povo Português.

A expressão de força

Dificuldades – permite a imortalidade e conhecimento.

Fé.

Heroísmo – Os portugueses alcançam o objetivo (índia) e até os Deuses os glorificam.

Fernão Veloso – Fernão Veloso foi um dos marinheiros da frota de Vasco da Gama que rumara à
Índia, merecedor de uma atenção particular, é individualizado pelo nome e a sua caracterização
aponta para a humanização dos navegadores, parecendo mesmo, pela sua ação, provocar uma
rutura com a serenidade da exaltação épica dos heróis. No canto V, protagoniza um episódio que
suscita o humor: ignorando o perigo, crê-se, na sua arrogância, seguro para ir a terra, porém, o
aventureiro é atacado pelos indígenas e forçado a regressar apressado ao navio. Quando se vê alvo
de chacota pelos companheiros, mantém a sua postura de herói destemido e afirma : “Mas
quando eu pera cá vi tantos vir/ Daqueles cães, depressa um pouco vim,/ Por me lembrar que
estáveis cá sem mim”. O mesmo sentido de humor é reafirmado no Canto IX, quando,
desembarcados os navegadores na Ilha dos Amores, Veloso dá um grito de espanto e aconselha os
outros a seguirem as deusas, com o intuito de verificarem “se fantásticas são, se verdadeiras”. Ao
veloso cabe ainda, no canto VI, a função de narrador, distraindo os companheiros com a história
cavalheiresca dos “Doze de Inglaterra”.

Episódio “Os Doze de Inglaterra”

A história conta que doze damas inglesas tinham sido acusadas por doze cavaleiros ingleses de
falta de virtude, honra e nobreza. As damas insultadas pediram aos seus parentes que as
defendessem, mas a reputação das difamantes, de grandes guerreiros, esmoreceu qualquer
vontade de defender a honra das senhoras, por parte das respetivas famílias.

As damas apelaram, então, ao Duque de Lencastre, sogro do rei de Portugal (D.João I), para que as
ajudasse a encontrar defensores para o pleito. O Duque de Lencastre solicitou a ajuda dos
portugueses, pois conhecia as qualidades cavaleirescas deste povo, de quando andara em guerra
na Península Ibérica. O pedido foi aceite pelos doze cavaleiros, que se propuseram a partir, o mais
cedo possível, em defesa das damas inglesas.

O navio que transportou os doze portugueses partiu do Porto, no entanto, um dos cavaleiros,
D.Álvaro Gonçalves Coutinho, o Magriço, decidiu ir por terra, para ter a oportunidade de alcançar
grandes glórias e fama, até se juntar, mais tarde, aos companheiros.

No dia do combate, já em Inglaterra, quando os cavaleiros portugueses se alinharam perante os


doze cavaleiros ingleses, reparam na desigualdade entre os dois partidos, pois Magriço ainda não
tinha chegado. Estava a justa para iniciar-se, quando a população começou a produzir grande
burburinho pela aproximação do Magriço, que se juntava, então, aos companheiros.

Primeiro combateram a cavalo e depois a pé, terminando a contenda com a vitória dos
Portugueses que, perante a sociedade inglesa, recuperaram a honra e a nobreza das damas. Os
cavaleiros Portugueses ficaram, a partir daquele momento, conhecidos como os Doze de
Inglaterra.

Narrado por Fernão Veloso, o mítico episódio dos Doze de Inglaterra foi imortalizado no Canto VI
(estâncias 42 a 49) d´Os Lusíadas, que terá recolhido, provavelmente a história do manuscrito
quinhentista, “Crónica Breve das Cavalarias dos Doze de Inglaterra. Quanto à veracidade da
existência do Magriço, ela é indiscutível, bem como a veracidade da sua valentia. Não há certeza
de que este episódio tenha acontecido, o que não impede que faça parte do imaginário dos ideiais
cavaleirescos da Época Medieval.

Escorbuto

O tema principal de “Os Lusíadas” é a descoberta do caminho marítimo para a Índia, por Vasco da
Gama e os seus 162 marinheiros. Deste número só 55 vivos regressaram a Lisboa. 107 homens
morreram na viagem, devido ao escorbuto, doença causada por falta de vitamina C na dieta. A
alimentação dos navegadores durante semanas e meses, limitava-se a carne salgada e biscoitos.
Portanto, faltava-lhes os alimentos essenciais e ricos em vitamina C, tais como: limões, laranjas,
tomates, couves, alface, aipo, cebolas, cenouras, batatas, etc. Com a falta de vitamina C, os nossos
capilares (artérias muito finas) tornam-se tão frágeis que basta um pequeno toque ou pressão para
se partirem e sangrarem. No escorbuto, as gengivas incham, sangram, os dentes caiem, as
articulações doem, hemorragias, os pés incham e a anemia precede a morte. É este o quadro que
Camões descreve na viagem da frota de Vasco da Gama, ao passar na costa de Moçambique a
caminho de Calecute:

Canto V, Estância 81

E foi, que de doença crua e feia


A mais que eu nunca vi,
Desempararam
Muitos a vida, e em terra estranha e alheia
Os ossos para sempre sepultaram,
Quem haverá que sem ver o creia?
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gengivas na boca, que crescia
A carne, e juntamente apodrecia.

Vocabulário :

- heterodiegético, um narrador heterodiegético significa que não é personagem na história que


narra ou não é narrado por uma personagem.

- sinédoque, consiste em tomar a parte pelo todo, o todo pela parte; o género pela espécie, a
espécie pelo género.

- abnegação, consiste na renúncia espontânea do interesse, da vontade, da convivência própria.

- narratário, consiste numa entidade fictícia a quem se dirige o narrador.

- virtuosismo, significa, qualidade do que é virtuoso, virtuosidade.

- absolvição, significa a absolvição de todos os crimes (impossível a Simão Botelho).

- júbilo, significa grande contentamento (sentido por Mariana em relação a Simão Botelho).

- neologismo, significa palavra nova, ou acepção nova de uma palavra já existente na língua.

- intransigente, significa “que” ou “quem” que não era muito tolerante, rígido.

- idílio, significa, no sentido figurado, o amor simples e puro.

- heterodoxa, significa contrária aos princípios de uma religião.

- hedonista, significa (relativo ao hedonismo ou a doutrina filosófica) que faz do prazer um bem
supremo e um objetivo da vida.
- apoteose, significa, a glorificação, a homenagem gloriosa.

- indolência, significa, qualidade do que é indolente, a falta de força ou de estímulo para atuar no
momento oportuno, Carlos Eduardo da Maia torna-se indolente divido ao meio lisboeta.

- dissoluta, significa que se dissolveu, a vida de Carlos da Maia e Pedro da Maia (intriga principal e
intriga secundária, respetivamente).

- diletante, significa, que ou quem se dedica a fazer algo por prazer e não como como de ganhar a
vida. Que ou quem procura o prazer ou tem uma atitude superficial, sem mostrat maturidade,
profundidade ou responsabilidade. Aquele que exerce uma arte (ou profissão) por paixão e não
por obrigação.

- dandismo, significa, o mesmo que janotismo, excessivo rigor ou luxo no trajar, apuro e
ostentação.

- retractação (retractar, +ação), significa, o ato ou efeito de retratar-se, de desdizer-se, de


desmentir, a confissão de erro.

- correligionário, significa, que ou aquele que é do mesmo partido político.

- sinédoque, significa, (na retórica), em tomar a parte pelo todo, o todo pela parte, o género pela
espécie, a espécie pelo género, etc.

Notas:

- Amor de Perdição, espaço temporal, período da Primeira Revolução Liberal de 1820 (Porto).
1779-1820-…

- aliteração, repetição da letra sonante.

- sinestesia, consiste na figura de estilo que combina percepções de natureza sensorial distinta
(visão e audição, “e, muito alto no ar, passava o claro repique de um sino”).

- hipálage, consiste na figura de estilo pela qual se atribui a certas palavras, geralmente através de
um adjetivo, qualidades que pertencem a outras (palavras), com as quais se relacionam,
normalmente na mesma frase (por exemplo, na expressão de Eça de Queirós “fumar antes do
almoço um pensativo cigarro).

“Falhámos à vida, menino!”, representa o desencanto de uma existência, comparável ao percurso


dos homens da Geração de 70, “os vencidos da vida”.

Embora educado de forma esmerada (educação à inglesa), Carlos da Maia fracassou, mas porque
falhou Carlos da Maia? Não foi por causa da educação, mas apesar da educação. Falhou, em parte,
devido ao meio em que se instalou, uma sociedade parasita, ociosa, fútil, sem estímulos; em parte,
devido a aspetos hereditários – a fraqueza e cobardia do pai, o egoísmo, a futilidade e o espírito
boémio da mãe. O meio envolvente e a hereditariedade resultaram no fracasso existencial de
Carlos.

Na intriga principal de Os Maias, as etapas mais marcantes são, quando Carlos vê Maria Eduarda
no Jantar do Hotel Central (ainda não conhece a sua identidade) – Capítulo VI. Quando Carlos visita
Rosa – Capítulo IX. Quando Carlos vai ao hipódromo, às corridas de cavalo – Capítulo X. Quando
Carlos conhece Maria Eduarda – Capítulo XI. Quando Carlos se declara a Maria Eduarda – Capítulo
XII. Quando se consuma o incesto (inconsciente) – Capítulo XIII. Quando Maria Eduarda (Runa)se
encontra com o Sr.Guimarães – Capítulo XV. Quando o Sr.Guimarães faz as revelações acerca da
verdadeira identidade de Maria Eduarda e do seu parentesco a João da Ega – Capítulo XVI. Quando
João da Ega revela o sucedido a Carlos – Capítulo XVII. Quando Carlos da Maia revela o que João da
Ega soube do Sr.Guimarães a respeito de Maria Eduarda (o cofre com documentação que
comprova a verdadeira identidade de Maria Eduarda e o facto de ser irmã de Carlos) a Afonso da
Maia – Capítulo XVII. A consumação consciente do incesto – Capítulo XVII. O encontro de Carlos,
após o sucedido, com Afonso da Maia – Capítulo XVII. A morte física de Afonso da Maia – Capítulo
XVII. As revelações de João da Ega a Maria Eduarda – Capítulo XVII. A partida de Maria Eduarda
para Paris – Capítulo XVII.

A intriga principal é de índole trágica apresentando elementos que fogem às leis do Naturalismo:

- O meio não funciona como condicionante (os protagonistas foram criados em meios diversos).

- A educação não é condicionante (os protagonistas tiveram educações diferentes).

- O factor da hereditariedade não funciona como condicionante pois só descobriram as parecenças


(Carlos Eduardo da mãe com a mãe, Maria Monforte; e as parecenças psicológicas de Maria
Eduarda com Afonso da Maia) entre os pais e o facto de serem irmãos num ponto muito avançado
da ação.

A feição trágica d´Os Maias advém dos seguintes aspetos:

- as personagens principais são de classe/estirpe social elevada;

- a temática do incesto – origina a destruição das personagens;

- a importância atribuída ao Fado (Destino) – enquanto força de destruição.

- a presença de Presságios e símbolos de natureza trágica.

- a Peripécia : revelações casuais do Sr.Guimarães.

- o Reconhecimento : momento em que Carlos e Maria Eduarda ficam a saber que são irmãos
(Capítulo XVII).

- a Catástrofe : morte física de Afonso da Maia e a separação de Carlos e de Maria Eduarda.

Presságios

Capítulo I - (“… eram sempre fatais ao Maias as paredes do Ramalhete.”), “parecença de Pedro
com o bisavô, que enlouqueceu e se enforcou), (a sombrinha escarlate de Maria Monforte tapa
Pedro da Maia e aparece a Afonso da Maia uma larga mancha de sangue).

Capítulo VI – (Ega compara Carlos a Dom Juan – “Tu és simplesmente como ele, um devasso, e
hás-de-vir a acabar desgraçadamente como ele, numa tragédia infernal!”).

Capítulo IX – (origem dos olhos azuis de Rosa).


Capítulo X – (Carlos afirma que nunca se sabe se o que nos acontece é, na verdade, bom ou mau.
Craft responde que, por regra, é mau.)

Capitulo XI – (quando vai a casa de Maria Eduarda para observar a governanta, em cima de uma
mesa há uma jarra com três lírios brancos, já murchos, que representam os três Maias (Afonso,
Pedro e Carlos), (Carlos acha semelhanças entre Maria Eduarda e Afonso da Maia, pelo facto de ser
piedosa).

Capítulo XII – (João da Ega pressente um “grave segredo” na vida de Carlos).

Capítulo XIII – (a decoração do quarto, na Toca).

Capítulo XIV – (ao adiar a partida para Itália “… o presságio de um futuro onde tudo seria confuso
e escuro também.”, (Maria vê em Carlos parecenças com a sua mãe).

Capítulo XVII – (“Há três anos, quando o Sr. Afonso me encomendou aqui as primeiras obras,
lembrei-lhe eu que, segundo uma antiga lenda, eram sempre fatais aos Maias as paredes do
Ramalhete. O Sr.Afonso da Maia riu de agouros e lendas… Pois fatais foram!”).

Presenças do Destino/Fado

Capítulo II – (a escolha do nome Carlos Eduardo “parecia-lhe conter todo um destino de amores e
façanhas.”)
Capítulo VI – (João da Ega diz a Carlos que cada um tem “a sua mulher” e, ainda que estejam longe
um do outro, inevitavelmente, encontrar-se-ão).

Capítulo VIII – (imaginação de Carlos acerca de Maria – “ foi-lhe surgindo na alma um romance
radiante e absurdo: um sopro de paixão mais forte que as leis humanas, levava juntos o seu
destino e o dela.”)

Capítulo XI – (a similitude nos nomes de ambos – “Quem sabe se não pressagiava a concordância
dos seus destinos!”)

Capítulo XII – (“como se esperassem, suspensos, o desfecho supremo dos seus destinos…”,
(“conhece-me tão pouco, para irmos assim ambos, quebrando por tudo, criar um destino que é
irreparável…”), ( João da Ega percebe, pelo modo como Carlos fala de Maria, que esse amor se
tornou, “o seu irreparável destino.”)
Capítulo XV – (Carlos considera-se “apanhado dentro de uma implacável rede de fatalidades…”)

Capítulo XVII – (o destino abate-se mais uma vez sobre Afonso – “… vencido enfim por aquele
implacável destino que, depois de o ter ferido (…) com a desgraça do filho – o esmagava (…) com a
desgraça do neto.”).

Representação de espaços físicos n´Os Maias

Enquanto macroespaços, temos Coimbra, Lisboa e Santa Olávia. Estes macroespaços


correspondem a certas fases da vida de Carlos da Maia.

Coimbra representa a fase da vida da formação académica de Carlos. (curso de Medicina)

Lisboa representa o auge da vida adulta. (após a viagem de final de curso pela Europa)
Santa Olávia representa a infância de Carlos. (educação à inglesa).

Na cidade de Lisboa encontram-se vários microespaços.

O Ramalhete é símbolo da decadência da família Maia e do país.

No início do romance d´Os Maias, o Ramalhete encontra-se fechado, abandonado e mostra sinais
de degradação.

Durante a intriga principal, o Ramalhete é um lugar de vida, refletindo o gosto de Carlos Eduardo
da Maia, o jardim está vicoso.

No capítulo final, o Ramalhete está encerrado e vai-se degradando, desde que Afonso da Maia
morreu.

A Toca (o território de Carlos e de Maria Eduarda – realça o caráter animalesco da relação,


dominada pelo desejo carnal e pela paixão sensual). A decoração da Toca permite antever o
desfecho da relação que, desafiando os valores humanos se rende a outras leis, através da
consumação da relação incestuosa.

Os microespaços em que se desenrola a crónica de costumes são, o Hipódromo de Belém, o Teatro


da Trindade, os Jornais, o Largo de Camões, o Hotel Central, a casa dos Gouvarinho, etc…

Nos episódios da vida romântica é realizada a crónica de costumes, ou seja, aludem-se a certas
personagens como modo de crítica à sociedade portuguesa.

Tomás de Alencar e João da Ega, representam, respetivamente, o ultrarromantismo e o


realismo/naturalismo. Aludem a crítica à literatura da sociedade portuguesa.

Craft, representa uma crítica à aristocracia inglesa.

Eusebiozinho, representa a retrógrada educação à portuguesa.

Jacob Cohen, representa a alta finança.

Palma “Cavalão”, representa a Imprensa e o jornalismo imoral e corrupto da época.

Steinbroken (filho de Sousa Neto), representa a diplomacia.

As mulheres da alta sociedade representam a mulher portuguesa da sociedade lisboeta, ociosa e


fútil que vive de aparências.

Dâmaso Salcede, representa a corrupção e a decadência moral.

O Conde de Gouvarinho representa a ignorância face à política.

Sousa Neto representa a Administração Pública.

Rufino representa a oratória balofa.

Cruges representa o talento não reconhecido.

Ao longo da ação Carlos vai tomando contacto com inúmeros ambientes e episódios que ilustram a
sociedade lisboeta do século XIX.
Os “Episódios da Vida Romântica” mais importantes…

O Jantar no Hotel Central

O Jantar no Hotel Central tem como objetivos, homenagear o banqueiro Jacob Cohen,
proporcionar a Carlos Eduardo da Maia um primeiro contacto com a vida social lisboeta,
apresentar a visão crítica de alguns problemas da sociedade lisboeta e proporcionar a Carlos, uma
primeira visão de Maria Eduarda.

Os intervenientes deste Jantar são, João da Ega (promove a homenagem a Cohen e representa o
Realismo/Naturalismo), Jacob Cohen( o homenageado e representante das finanças), Tomás de
Alencar (o poeta ultra-romântico), Dâmaso Salcede (novo-rico), Carlos da Maia (médicio e
observador crítico) e Craft (o britânico, representante da cultura artística e estética britânica).

O Jantar no Hotel Central acontece no capítulo VI.

Os temas discutido no Jantar no Hotel Central são, a literatura e a crítica literária, as finanças e a
história e a política.

Na literatura e a crítica literária, Tomás de Alencar afirma uma posição contrária em relação ao
Realismo/Naturalismo sendo um poeta ultra-romântico, evidencia-se preocupado com os
formalismos da literatura, refugia-se na moral por não ter outra – arma de defesa, condena o
realismo por ser imoral, é desfasado do seu tempo, mostrando-se incoerente.

João da Ega é defensor do Realismo/Naturalismo, defende o cientificismo na literatura (não


distingue ciência de literatura).

Carlos da Maia e Craft recusam o ultra-romantismo de Tomás de Alencar, recusam o exagero de


João da Ega. Carlos acha intoleráveis os ares científicos do Realismo e defende que o caráter se
manifesta pela ação. Craft defende a arte como idealização do que há de melhor na Natureza,
defende a arte pela arte.

O Narrador (heterodiegético e omnisciente) recusa o ultra-romantismo de Tomás de Alencar mas


também a distorção do Naturalismo contido nas afirmações de João da Ega. Afirma uma estética
próxima da de Craft: “estilos novos tão preciosos e dúcteis (moldáveis)”. (tendência parnasiana, do
parnasianismo, significa que é relativo à tendência do movimento literário essencialmente poético,
comtemporâneo do Realismo/Naturalismo).

Próximos de Eça de Queirós, quando defende para a literatura uma nova forma.

O Jantar no Hotel Central, serve como crítica à estagnação da cultura em Portugal.

O segundo tema, as finanças, evidenciam a absoluta dependência económica do país,


relativamente aos empréstimos do estrangeiro (Alemanha e Inglaterra). Jacob Cohen, um calculista
cínico, embora assumindo um cargo que lhe confere responsabilidade, “lava as mãos” (isenta-se da
responsabilidade) e afirma que o país vai “direitinho para a bancarrota”.

O terceiro tema do Jantar no Hotel Central, a História e a Política, resulta num diálogo entre João
da Ega e Tomás de Alencar.
João da Ega aplaude as afirmações de Jacob Cohen, defende a invasão espanhola, defende o
afastamento violento da monarquia (via revolução) e a instauração da República. “A raça
portuguesa é a mais miserável da Europa”.

Contrariamente, Tomás de Alencar, teme a invasão espanhola, que vê como perigo para a
independência nacional e defende o romantismo político.

As Corridas no Hipódromo de Belém

As Corridas no Hipódromo de Belém acontecem no capítulo X d´Os Maias.

As corridas representam um esforço desesperado de cosmopolitismo, concretizado à custa de uma


imitação do estrangeiro (as corridas de cavalos parisienses).

O Hipódromo, é um palco onde desfila o cortejo das figuras principais em que assenta a crítica
social feita pelos outros.

A linha conceptual deste episódio da vida romântica assenta na moda/status social que transmite,
no (des)interesse da corrida e na atitude das personagens, assim como, na sua linguagem.

As Corridas no Hipódromo de Belém têm objetivos como o novo contacto de Carlos com a
sociedade lisboeta, incluindo o próprio rei. A visão panorâmica dessa sociedade (masculina e
feminina) sob o olhar crítico de Carlos da Maia. Relatar a tentativa frustrada de igualar Lisboa às
capitais europeias, sobretudo Paris. Evidenciar o Cosmopolitismo (postiço) da sociedade; Enunciar
a possibilidade de Carlos encontrar aquela figura feminina que viu à entrada do Hotel Central.

Há quatro corridas:

- a 1ª corrida, a do prémio dos “Produtos”;

- a 2ª corrida, a do Grande Prémio Nacional;

- a 3ª corrida, a do Prémio de El-Rei;

- a 4ª corrida, a do Prémio de Consolação.

A visão caricatural do Episódio “As Corridas no Hipódromo” assenta, no facto de, o hipódromo
parecer um palanque de arraial, as pessoas não sabiam ocupar os seus lugares, as senhoras
traziam vestidos sérios de missa, o bufete tinha um aspeto nojento, a 1ªcorrida terminou numa
cena de pancadaria, as 3ª e 4ª corridas terminaram de forma grotesca.

Logo, o episódio conclui o fracasso total dos objetivos das corridas, é uma radiografia perfeita do
atraso cultural da sociedade lisboeta, o verniz da civilização estalou completamente. A sorte de
Carlos, ganhando todas as apostas é indício de futura desgraça. “Sorte no jogo, azar no amor”.

O Jantar em Casa dos Gouvarinho

O Jantar em Casa dos Gouvarinho acontece no capítulo XII da obra.

Os objetivos do Jantar em Casa dos Gouvarinho são, reunir a alta burguesia e aristocracia do país.
Reunir a camada dirigente do país e demonstrar a ignorância das classes dirigentes. Abordando os
temas mais prementes da vida social lisboeta da época.
O episódio evidencia especialmente a mediocridade mental de dois figurantes: o conde de
Gouvarinho e Sousa Neto.

O Conde de Gouvarinho representa uma figura voltada para o passado, tem lapsos de memória,
comenta muito desfavoravelmente as mulheres, revela uma visível falta de cultura, não acaba
nenhum assunto, não compreende a ironia sarcástica de João da Ega.

Sousa Neto acompanha as conversas sem intervir, desconhece o sociólogo Proudhon, defende a
imitação do estrangeiro, não entra nas discussões, acata todas as opiniões alheias (não demonstra
espírito crítico), defende a literatura de folhetins, de cordel e é deputado.

O episódio da vida romântica “Jantar em Casa dos Gouvarinho”, cap.XII, evidencia a


superficialidade dos juízos dos mais destacados funcionários do Estado e a incapacidade de diálogo
que manifesta a falta de cultura.

A Imprensa, o Jornal “A Corneta do Diabo” e “A Tarde”

O episódio da vida romântica “A Imprensa” revela o facto de os jornais da época não escaparem ao
olhar atento de Eça de Queirós. Os jornais “A Corneta do Diabo” e “A Tarde” são os jornais
atingidos.

Na “Corneta do Diabo”, o diretor é Palma “Cavalão”, um imoral; A redação é um antro de porcaria;


Publica um artigo contra Carlos a troco de dinheiro. Vende a tiragem do número do jornal onde
saíra o artigo e publica folhetinzinhos de baixo nível.

Na “Tarde”, o diretor é o deputado Neves. Recusa publicar a carta de retractação (impedindo que a
veracidade do ato seja confirmada) de Dâmaso Salcede porque o confunde com um seu
correligionário político. Desfeito o engano, serve-se da mesma carta como meio de vingança contra
o inimigo político, só publica artigos ou textos dos seus correligionários políticos.

O episódio “A Imprensa, A Corneta do Diabo e A Tarde” no capítulo XV representa o baixo nível, a


intriga suja, o compadrio político, “tais jornais, tal país”.

O Sarau do Teatro da Trindade

O episódio da vida romântica “O Sarau do Teatro da Trindade” encontra-se no capítulo XVI.

O termo “sarau” sugere um público frequentador culto, no entanto, os espectadores frequentam


estes lugares, não pela qualidade do espetáculo mas pela importância da convivência social.

O “Sarau do Teatro da Trindade” tem como objetivos, ajudar as vítimas das inundações do
Ribatejo, apresentar um tema querido da sociedade lisboeta (a Oratória). Procura também reunir
novamente as várias camadas mais destacadas, incluindo a família real. Criticar o ultra-romantismo
que encharcava o público e contrastar a festa com a tragédia.

Os oradores deste episódio, do sarau, são Rufino e Tomás de Alencar.

Rufino é o bacharel transmontano, aborda o tema do Anjo da Esmola, representa o desfasamento


entre a realidade e o discurso, é marcado pela sua falta de originalidade, o recurso a lugares-
comuns, a retórica oca e balofa e a aclamação por parte do público tocado no seu
sentimentalismo.
Alencar é o poeta ultra-romântico, aborda o tema da democracia romântica, representa o
desfasamento entre a realidade e o discurso, é demarcado pelo excessivo lirismo carregado de
conotações sociais, pela exploração do público seduzido por excessos estéticos estereotipados e a
aclamação do público.

Os oradores aludem às classes dirigentes alheadas da realidade, uma sociedade deformada pelos
excessos líricos do ultra-romantismo: tal oratória, tal país.

Quando o público adere e aplaude, considera os discursos sublimes, bravos e são, no fundo,
apoiados.

Quando o público rejeita ou critica, considera os discursos horrosos, nojentos e asqueros, ou seja,
lacam de espírito crítico.

A linguagem utilizada pelas personagens provém de campos semânticos pouco agradáveis


(“asqueroso, asno, nojento”).

A Oratória é a arte de bem falar, contribuindo para a formação de belas imagens e sonantes
construções frásicas.

O Sarau do Teatro da Trindade contraste a realidade social lisboeta, retrata a pobreza cultural, a
hipocrisisa e a futilidade.

O Episódio Final : O passeio de Carlos e João da Ega (último capítulo)

Este episódio ocorre 10 anos depois dos anteriores, demonstra a passagem do tempo sobre o meio
envolvente, ou seja, sobre a cidade de Lisboa.

Os espaços representados neste episódios são, a Estátua de Camões, perdida e envolvida numa
atmosfera de estagnação, evoca um passado, outrora, glorioso (anterior a 1580), despertando
sentimentos de nostalgia.

A parte antiga da cidade, onde dominam aspetos ligados ao Portugal absolutista (anterior a 1820),
representa a autenticidade nacional, destruída pelo presente afrancesado e decadente.

Por último, a parte nova da cidade, onde, domina o presente (período da Regeneração, a partir de
1851), marcado pela decadência, o fracasso da Regeneração, a destruição. As tentativas de
recuperação não mobilizaram o país – o alcance muito restrito (caso do monumento aos
Restauradores), as imitações erradas de modelos culturais alheios (caso do francesismo).

O passeio é uma viagem através do tempo, feita a partir de elementos simbólicos que marcam o
percurso deste passeio.

O Ramalhete é a sinédoque de um país atingido pela destruição e pelo abandono.

O roteiro simbólico do Passeio de Carlos e Ega engloba, a Estátua de Camões, Dâmaso e os


Lisboetas, o antigo consultório de Carlos e o Ramalhete.

A Estátua de Camões simboliza a nostalgia de um passado glorioso ao qual se opõe um presente


apagado e sem brilho.
Dâmaso e os Lisboetas simbolizam a ânsia de acesso à civilização e ao desrespeito pelos costumes
genuinamente portugueses. Marcam a falta de originalidade, a autenticidade e o dinamismo.

O antigo consultório de Carlos simboliza as memórias de um tempo ativo, em que se acreditava


nos projetos de vida para o futuro (diletantismo).

O Ramalhete simboliza a degeneração da família Maia e do país, à beira da crise.

Este episódio ocorre no capítulo XVIII, o último.

O mito de Anteu em Cesário Verde

De acordo com a mitologia, Anteu, filho da Gea (Terra) e de Poseídon, era um gigante muito
possante, que vivia na região de Marrocos e, que era invencível enquanto estivesse em contacto
com a mãe-terra. Desafiava todos os recém-chegados em luta até à morte. Vencidos e mortos, os
seus cadáveres passavam a ornar o templo do deus do Mar, Poseídon. Hércules, de passagem pela
Líbia, entrou em combate contra Anteu e, descobrindo o segredo da sua invencibilidade, conseguiu
esmagá-lo, mantendo-o no ar.

Em Cesário Verde, o campo, ou melhor, a terra, apresenta-se salutar e fértil. Afastado da terra na
sua infância, como recorda no poema “Em Petiz” e, enfraquecido pela cidade doente, o poeta
reencontra a energia perdida quando volta para o campo. Por isso, também, como refere em
“Nós”, desde as epidemias que grassaram em Lisboa, a sua família passou a encontrar no espaço
rústico e rural o retempero das suas forças “desde o calor de maio aos frios de novembro”.

É dentro desta conceção de uma terra que revitaliza que podemos encontrar o mito de Anteu, a
que se refere Andrée Crabbé Rocha, num ensaio publicado em 1986, sobre o mito na poesia de
Cesário Verde.

O mito de Anteu permite caracterizar o novo vigor que se manifesta quando há um reencontro
com a origem, com a mãe-terra. É assim que se pode falar deste mito em Cesário Verde na medida
em que o contacto com o campo parece reanimá-lo, dando-lhe forças, energias, saúde. O mito de
Anteu surge em Cesário para traduzir o esgotamento gerado pelo afastamento da terra, do espaço
positivo do campo. Daí, o seu encantamento com o cabaz da pequena vendedeira que lhe traz o
campo à cidade, na vitalidade e no colorido saudável dos produtos que lhe permitem recompor
um corpo humano, ou seja, que possibilitam renovar as energias:

“Subitamente, que visão de artista!


Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!

Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!


E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dum excesso de virtude
Ou duma digestão desconhecida.”
Neste excerto, Cesário consegue concretizar, pela fantasia, um novo quadro, que sem colidir com a
imagem da realidade de frutas e hortaliças, nos permite encontrar novos seres humanos,
revigorados, como ele próprio se vai sentir quando a rapariga lhe agradecer ao despedir-se. As
marcas do mito de Anteu podem-se descobrir ao receber “As forças, a alegria, a plenitude” não
apenas na expressão de despedida, mas também nesta “digestão desconhecida” que o campo lhe
trouxe.

11ºANO

Luís de Camões, Rimas

O contexto histórico-literário da lírica camoniana data do século XVI, influenciada pelas correntes
do Renascimento e do Classicismo.

Como características do Renascimento, afirma-se uma renovação cultural e artística, uma


reinvenção das formas artísticas com, com base numa perspetiva naturalista e humanista e o
interesse pela cultura e arte da Antiguidade Clássica.

Como características do Classicismo, afirma-se a recuperação de figuras e temas mitológicos, o


gosto pela harmonia e simetria, o entendimento do corpo humano como medida da arte.

Como exemplo de obras renascentistas, “Homem Vitruviano” de Leonardo da Vinci (1490),


“Moisés” de Miguel Ângelo (1513-1515) e “A Criação de Adão” de Miguel Ângelo (1511).

A lírica camoniana é influenciada pela lírica tradicional e pela inspiração clássica.

A lírica tradicional, a nível temático apresenta uma sociedade rural como universo de referência (a
ida à fonte, a pastorícia), como por exemplo, “Descalça vai para a fonte”; e a referência aos olhos
verdes, como por exemplo, “Verdes são os campos”.

A nível formal, evidencia-se a medida velha (marcado pelo uso da redondilha, seja ela menor com
5 versos ou maior com 7 versos). Os géneros mais utilizados na lírica tradicional são o vilancete
(“Minina dos olhos verdes”, a cantiga (“Verdes são os campos”), as trovas (“Aquela cativa”) e a
esparsa (“Os bons vi sempre passar”).

A inspiração clássica, a nível temático apresenta o ideal da mulher e os efeitos do amor. (“leda
serenidade deleitosa”, “Tanto de meu estado me acho incerto”).

A nível formal, evidencia-se a medida nova (marcada pelo uso dos versos decassilábicos). O género
literário mais recorrente na inspiração clássica é o soneto (constituído por duas quadras e dois
tercetos) (“Leda serenidade deleitosa”).

Os temas predominantes na lírica camoniana são, a representação da amada, a representação da


natureza, a reflexão sobre o amor, a reflexão sobre a vida pessoal, o tema do desconcerto e o tema
da mudança.

Na representação da amada, a mulher é, ora, uma mulher inacessível, misteriosa, quase divina, de
beleza inefável, a quem o sujeito poético presta vassalagem e adoração e que se relaciona com o
amor espiritual (cf. O ideal de beleza petrarquista). Ex: “Ondados fios d´ouro reluzente”, “Lede
serenidade deleitosa”, “Um mover d´olhos, brando e piedoso”.
Ora, é uma mulher terrena, por quem o sujeito poético se sente atraído e fascinado. Ex: “Aquela
cativa”, “Minina dos olhos verdes”.

Na representação da natureza, a natureza é um cenário associado ao termo “locus amoenus”


clássico. Representa uma paisagem ideal, tranquila, serena e bucólica ou pastoril. Ex: “A fermosura
desta fresca serra”, “Alegres campos, verdes arvoredos”.

Na temática da representação da natureza, a natureza é personificada. A natureza é encarada


como confidente do sujeito poético. Ex: “Alegres campos, verdes arvoredos”, “Verdes são os
campos”.

Por fim, na representação da natureza, esta, é o reflexo de um estado de alma. Ex: “Alegres
campos, verdes arvoredos”.

No tema da reflexão sobre o amor, o amor é um amor especializado, um amor experienciado ou


um amor conturbado.

É um amor espiritualizado quando se verifica sereno, racionalmente intelectualizado, de influência


petrarquista. Ex: “Ondados fios d´ouro reluzente”.

É um amor experienciado quando é um amor vivido. Ex: “Aquela cativa”, “Pastora da serra”.

É um amor conturbado quando, este é dividido entre o anseio espiritual e o desejo, marcado pela
culpa, saudade e pela insatisfação. Ex: “Alma minha gentil, que te partiste”, “Tanto de meu estado
me acho incerto”, “Amor é um fogo que arde sem se ver”.

Na temática da reflexão sobre a vida pessoal, o sujeito poético reflete sobre a sua situação atual e
sobre as causas que lhe deram origem. Os “erros”, a “Fortuna”, o “amor”. Ex: “O dia em que eu
nasci, moura e pereça”. “Erros meus, má fortuna, amor ardente”, “Eu cantei já, e agora vou
chorando”, “De que me serve fugir”, “Sôbolos rios que vão”.

Na temática do desconcerto, o sujeito poético encontra-se, ora, perante um desconcerto social,


ora, perante um desconcerto individual e subjetivo.

Um desconcerto social, quando considera que é realizada a distribuição arbitrária dos prémios e
castigos, a vileza e a cobiça se sobrepõem aos valores morais; existe uma necessidade de
submissão à desordem e à irracionalidade da vida. Ex: “Os bons vi sempre passar”, “Correm turvas
as águas deste rio”, “Verdade, Amor, Razão, Merecimento”.

Um desconcerto individual e subjetivo quando o sujeito poético afirma que existe uma sujeição à
Fortuna (cf. Reflexão sobre a vida pessoal). Ex: “Eu cantei já e agora vou chorando”, “De que me
serve fugir”.

Na temática do tema da mudança, o sujeito poético contrasta o tempo da natureza e o tempo


humano. Ex: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. E contrasta o bem passado e o mal
presente (cf. Reflexão sobre a vida pessoal). Ex: “Sôbolos rios que vão”.

Na medida velha, é recorrente o uso da redondilha, seja ela maior ou menor, respetivamente, 7
sílabas métricas e 5 sílabas métricas.

Na medida nova, é recorrente o uso dos versos com 10 sílabas métricas nos sonetos.
Alguns poemas analisados

Poemas de Camões

Os poemas de Camões apresentam diversos temas que foram abordados pelo autor para
demonstrar os seus sentimentos e questionamentos, sendo eles: o amor e a mulher, o
autobiografismo, o sentimento religioso, os desconcertos do mundo.

O AMOR E A MULHER

“Pede-me o desejo, Dama, que vos veja”

Pede-me o desejo, Dama, que vos veja,


Não entende o que pede, está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem não sabe o que deseja.

Não há cousa a qual natural seja


Que não queira perpétuo seu estado;
Não quer logo o desejo o desejado
Porque não falte nunca onde sobeja

Mas este puro afeito em mim se dana;


Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza

Assim o pensamento pela arte


Que vai tomar de mim, terrestre e humana
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.

Encontramos neste soneto um pensamento sobre o amor, inicialmente falando-se sobre o desejo e
de como quem ama não sabe ao certo o que deseja. O sentimento tão físico de desejar se
transforma em platónico e não sendo concretizado é condição para o que o amor seja eterno.
Existe, então, o conflito entre o espiritual e o carnal quando o sujeito lírico expõe a sua condição
terrena e humana.

O amor e a referência à mulher são levados para o sentimento platónico, como se pode observar
na primeira estrofe “É este amor tão fino e tão delgado”, porém também existe a contrariedade da
condição humana em “que vai tomar de mim terrestre e humana”, características que dão força
dramática ao poema. Durante todo o tempo existe o conhecimento do que seja eterno e também a
contrariedade do desejo físico, num questionamento que exprime também a força intelectual do
poema.

O AUTOBIOGRAFISMO

“Erros meus, má fortuna, amor ardente”

Erros meus, má fortuna, amor ardente


Em minha perdição se conjuraram;
Erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava o amor somente

Tudo passei, mas tenho tão presente


A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente

Errei todo o discurso de meus anos;


Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças

De amor não vi senão breves enganos.


Oh! Quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro génio de vinganças!

Observa-se claramente neste soneto a vida do poeta, onde autor e sujeito lírico se fundem, sendo
enfatizados os seus erros, causa de castigo da deusa Fortuna:” Errei todo o discurso de meus anos,
dei causa a que a Fortuna me castigasse”. O sentimento de arrependimento faz-se presente numa
confissão e também, a compreensão de que somente o amor, na sua essência, era o suficiente.

Encontramos a força do lirismo último, quando o autor apresenta um questionamento sobre as


suas ambições, que de uma forma geral, são ambições humanas. Esta acaba por englobar a força
intelectual com as suas questões existenciais (que exigem conhecimento) e a força dramática com
os seus contrastes (no caso, o certo e o errado).

Olhando por uma outra ótica, podemos também incluir este poema na tensão “os desconcertos do
mundo”, que será vista com mais detalhe posteriormente, e que nos apresenta o desengano com a
existência. O auto demonstra uma desesperança diante da vida quando diz “a não querer já nunca
ser contente”, com um toque de dramaticidade causada, como vimos, pelo conflito entre o que é
certo e errado.

O SENTIMENTO RELIGIOSO

“Verdade, Amor, Razão, Merecimento”

Verdade, Amor, Razão, Merecimento


Qualquer alma farão segura e forte;
Porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte;
Têm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento


E não sabe a que causa se reporte;
Mas sabe que o que é mais que a vida e morte,
Que não alcança o humano entendimento.
Doctos varões darão razões subidas,
Mas são experiências mais provadas,
E por isso é melhor ter muito visto.

Cousas há i que passam sem ser criadas


E cousas cridas há sem ser passadas,
Mas o melhor de tudo é crer em Cristo.

O autor coloca no seu soneto os valores, como personagens, que garantem a elevação da alma,
“Verdade, Amor, Razão, Merecimento”, em oposição aos valores que regem o mundo, “Fortuna,
Caso, Tempo, Sorte”. A sua intenção é mostrar a essência do contraste entre a visão religiosa que
proporciona a vida eterna e a visão materialista que busca os prazeres do mundo, e que mais que o
homem pense, não consegue entender.

Para tanto, seguindo a sua crença, indica que tudo deve ser visto com os olhos da fé em Cristo,
como explicitado no verso, “mas o melhor de tudo é crer em Cristo”. Essa crença em Cristo é
apresentada com o caminho para se encontrar a solução da questão do confronto entre o bem e o
mal, o certo e o errado, o reflexo de uma angústia que mostra a força dramática do poema. As
oposições e os contrastes que Camões utiliza, mostram também uma característica que aparece
em muitos dos seus poemas, o maneirismo, que utiliza antíteses e paradoxos para demonstrar o
drama interior do poeta, uma das características dos artistas do Renascimento.

Os desconcertos do mundo

“Ao desconcerto do Mundo”


Os bons vi sempre passar
No Mundo grandes tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar

Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,

Fui mau, mas fui castigado:


Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.

O autor considera na primeira parte do seu poema que todos que são bons passam por “grandes
tormentos” e que a vida de quem é mau, “mar de contentamentos”. Em seguida, revela que para
garantir essa vida feliz resolveu ser mau, porém foi castigado, e conclui que só para ele vale a regra
de que só alcança o bem quem é bom: “assim que, só para mim, anda o Mundo concertado”, para
o poeta, um desconcerto do mundo é premiar quem é mau e castigar quem é bom.

Neste poema encontramos a força musical nas suas rimas, no jogo entre as palavras bom, bem,
mal, mau e também no uso da medida velha com o emprego da redondilha maior (versos de sete
sílabas poéticas: Os/ bons/ vi/ sem/pre/pas/sar), que garantem a musicalidade e a graça,
características da lírica medieval mas que o poeta renova com o relato das experiências da sua vida
e cujo resultado é a beleza de cenas do quotidiano humano.
Ondados fios de ouro reluzente,
Que agora da mão bela recolhidos,
Agora sobre as rosas estendidos
Fazeis que sua graça se acrescente;

Olhos, que vos moveis tão docemente,


Em mil divinos raios encendidos,
Se de cá me levais alma e sentidos,
Que fora, se de vós não fora ausente?

Honesto riso, que entre a mor fineza


De perlas e corais nasce e parece,
Se na alma em doces ecos não o ouvisse!

Se imaginando só tanta beleza,


De si, em nova glória, a alma se esquece,
Que será quando a vir? Ah! Quem a visse!

Neste soneto, o sujeito imagina e exalta a beleza da amada ausente, cujo retrato reconstitui pela
memória (influência da teoria da reminiscência), e, no último terceto, exprime grande desejo de a
ver, através da interrogação retórica da interjeição (“AH””) e da exclamação. Revela, sobretudo,
influência petrarquista na idealização da mulher e na exaltação das suas qualidades físicas (os
cabelos, os olhos, o rosto, os dentes, os lábios) e, também, das suas qualidades psicológicas ou
morais (a doçura, a graça, a honestidade).

“Sermão de Santo António (1654)”, Padre António Vieira

Os sermões e a mensagem católica no século XVII

Nos países do Sul da Europa, o século XVII foi uma época de grande religiosidade, marcada pelo
espírito da Contrarreforma. O Catolicismo desencadeou uma defesa dos seus princípios e da sua
doutrina (especialmente contra as correntes do Protestantismo cristão, que o questionavam) e
recorreu a várias estratégias e meios para os difundir. Numa época que poucos liam, os sermões
foram um poderoso veículo de propagação da mensagem cristã e dos valores do Catolicismo.

Muitos sermões de Vieira, como o Sermão de Santo António, de 1654, abordam assuntos sociais e
políticos associados a questões religiosas, como a doutrina cristã. A salvação e o pecado. Os temas
sociais e políticos vão da injustiça e dos valores humanos até ao estado do Reino.

Neste sermão do Padre Vieira, os assuntos religiosos e sociopolíticos articulam-se para tratar os
comportamentos condenáveis que tanto dano causam na comunidade, mas também para apontar
exemplos que contribuiriam para fazer um mundo melhor e para os crentes alcançarem a salvação.

A mentalidade barroca caracterizava-se por uma profunda religiosidade, por uma forte ideia de
pecado e por um grande receio da morte. As artes visuais e literárias estavam imbuídas do espírito
da ostentação e do excesso. Na literatura (a poesia, a oratória, etc…) essa ostentação exibia-se
através da forte carga retórica da linguagem e do virtuosismo com que o autor cultivava a arte de
falar em público.
Os objetivos da eloquência

Os sermões do Padre António Vieira e de outros orados eclesiásticos do século XVII viviam, por um
lado, do admirável virtuosismo das palavras, e por outro, da teatralidade do pregador quando
proferia o seu discurso a partir do púlpito.

A eloquência é a arte da boa oratória, a arte do bem falar. Vieira e os oradores do seu tempo
investiam bastante nesta arte, exibindo a habilidade e o engenho com que usavam as palavras e as
ideias para construir os seus argumentos. Recorriam fortemente à retórica, que é a arte do
discurso e os recursos expressivos que estavam ao seu serviço

Podemos identificar os três grandes objetivos do sermão religioso através de três termos latinos :
docere (ensinar), delectare (deleitar) e movere (mover).

Docere significa ensinar. Um dos objetivos era ensinar a doutrina cristã, dar a conhecer o texto
bíblico. O objetivo era conseguir que os cristãos seguissem os ensinamentos de Cristo e os
praticassem no quotidiano.

Delectare significa agradar. O orador procurava agradar aos ouvintes ou mesmo deslumbrá-los com
as suas palavras e o seu raciocínio.

Movere significa influenciar. O orador pretendia persuadir os ouvintes (fiéis) e influenciar o seu
comportamento.

Intenção persuasiva e exemplaridade

O pregador tinha de ser visto pela comunidade como um exemplo de vivência cristã e de
cumprimento das regras religiosas. O seu caráter ético e a sua conduta moral deviam ser uma
referência para o rebanho.

No Sermão de Santo António, o Padre António Vieira tira partido da figura ímpar que foi Santo
António de Lisboa (ou de Pádua). O seu trabalho pastoral serve de inspiração para Vieira, não só
pelo sucesso que teve na sua pregação e na sua atividade de missionação, mas também nas
adversidades e nas dificuldades que sentiu.

António Vieira sente dificuldades análogas no seu trabalho de pastor no Brasil – num jogo de
palavras, encontra mesmo uma semelhança das situações ligadas à identidade dos nomes. Como
Santo António em Arímino, o jesuíta também não consegue fazer passar a mensagem cristã e
humanista aos colonos do Maranhão, que escravizam e maltratam os Índios.

Ainda que a conduta e o exemplo de Vieira sejam irrepreensíveis, a sua pessoa e a sua palavra não
dão fruto entre os colonos, e o seu trabalho persuasivo não obtém os resultados que ele espera. O
jesuíta não falha pelo exemplo nem pelas palavras; quem falha é o seu rebanho por
insensibilidade, interesse próprio e afastamento da doutrina cristã.

Assim, três dias após ter pregado o célebre sermão, Vieira embarca para Lisboa para tentar
resolver política e diplomaticamente o que não conseguira resolver pela via religiosa e moral.

A um terceiro nível, o exemplo vem também de Cristo e das Escrituras – tanto do Velho como do
Novo Testamento. Recorre-se aos ensinamentos e aos episódios da vida de Jesus para apontar
modelos de comportamento aos ouvintes, mas também para dar força e autoridade aos seus
argumentos.

Crítica Social e Alegoria

No Sermão de Santo António (1654), o Padre António Vieira recorre à alegoria, um recurso
expressivo em que um conjunto de imagens concretas (termos, ações, personagens) serve ao autor
para transmitir uma realidade abstrata. Neste caso, o pregador visa criticar os seus ouvintes, que
são comparados aos habitantes da cidade de Arímino, em Itália. Com efeito, tal como o povo desta
localidade se insurgiu contra Santo António, por este denunciar os seus pecados nas suas
pregações, também o Padre António Vieira é hostilizado pelos habitantes do Maranhão – não só
por criticar os seus defeitos, mas também por defender a libertação dos índios da escravatura.

Assim, Vieira, no dia de Santo António, ao invés de pregar sobre ele, propõe-se a pregar como ele:
já que o santo, perante a revolta dos seus interlocutores, decidiu ir pregar aos peixes – o que deu
origem a um dos seus milagres, na medida em que estes vieram ouvi-lo -, também Vieira irá
simular que dirige o seu sermão aos peixes. Através desta alegoria, irá representar
metaforicamente os pecados do seu auditório, criticando-o ferozmente. Com efeito, até nos
momentos em que tece louvores aos peixes denuncia os pecados dos homens.

Ao propor-se a pregar como Santo António, o Padre António Vieira coloca-se, engenhosamente,
em paralelo com o santo (de notar que, inclusivamente, a coincidência de nomes é muitas vezes
utilizada para causar este efeito de sobreposição, de tal forma que o pregador, embora esteja a
falar de Santo António, parece estar implicitamente e falar de si mesmo). Deste modo se acentua o
facto de que o único objetivo do Padre António Vieira é, à semelhança do que sucedia com Santo
António, libertar os seus ouvintes do pecado e reconduzi-los ao caminho da salvação. Assim, é
sublinhada a virtude de Vieira, bem como a dimensão injusta da hostilidade demonstrada pelos
habitantes do Maranhão em relação a este pregador.

No Sermão de Santo António de 1654, Vieira denuncia os comportamentos condenáveis e pouco


cristãos dos colonos do Maranhão. Mas as críticas servem para todos os homens. Dirigem-se
acusações aos arrogantes, aos oportunistas, aos ambiciosos e aos traidores.

Mas Vieira aponta também a conduta virtuosa que um bom cristão deve seguir. Salientam-se entre
essas virtudes a crença em Deus, a persistência na fé e o respeito pelas regras do Cristianismo.

A crítica social é representada através da alegoria, porque os peixes, as naus e outros elementos
que surgem neste sermão vão aludir metaforicamente aos pecados, mas também às virtudes dos
homens.

Linguagem, estilo e estrutura

O discurso figurativo e outros recursos expressivos

O estilo dos autores do período barroco (de fim do século XVI a meados do século XVIII)
caracteriza-se, grosso modo, pela ousadia das associações de metáfora e imagens, pela
complexidade da construção frásica e da articulação de ideias, pela ostentação do vocabulário e
pelo grande investimento em recursos estilísticos, em suma, pela pesada presença da retórica.
Encontramos duas tendências no estilo dos autores barrocos que marcam também a presença nos
sermões de António Vieira:

a) O concetismo, que se manifesta na construção de associações originais e surpreendentes


entre ideias e entre conceitos e a sua tradução em linguagem.
b) O cultismo, que se exprime na linguagem complexa, rebuscada, que se traduz na forte
carga retórica do discurso, em que primam o gosto pelo jogo de palavras e o abuso das
metáforas complexas, das hipérboles, das antíteses, do paralelismo frásico, etc.

Na sermonística seiscentista, a linguagem e a teatralidade do orador encontram-se ao serviço da


função persuasiva do sermão – a função de convencer os ouvintes a seguir a doutrina cristã e a pôr
em prática os seus ensinamentos. O pregador recorre à argumentação para, com virtuosismo e
argúcia intelectual, desenvolver as razões que expõe. Deste modo exibia a sua habilidade na forma
como trabalhava uma linguagem requintada. A isto se chamava o discurso engenhoso.

Consequentemente, o discurso dos pregadores utiliza recursos linguísticos e não linguísticos


(gestos, tom de voz, etc) que ajudam a sustentar a função apelativa da linguagem. A palavra tinha
um papel fundamental nas finalidades de um sermão: docere (ensinar) – ensinar o ouvinte,
delectare (agradar) – deslumbrá-lo e, movere (influenciar) – influenciar os seus comportamentos.

Vieira socorre-se da linguagem figurativa para veicular as suas ideias, para deslumbrar os seus
ouvintes e para os persuadir. A comparação e a metáfora são recursos expressivos centrais no
trabalho de associação original de ideias, de conceitos e de situações que faz avançar o Sermão :
“O polvo com aquele seu capelo na cabeça parece um monge” (comparação); “Esta é a língua,
peixes, do vosso grande pregador, que também foi rémora vossa” (metáfora).

Como já foi explicado, a alegoria é a estrutura que organiza o Sermão de Santo António. Assim, ao
usar os peixes, a pesca, o sal como símbolos e associando-os a comparações e metáforas, Vieira vai
apresentando uma realidade figurada que, de facto, pretende aludir a ideias sociais e religiosas do
seu mundo: os homens (peixes) pecam de diferentes formas porque não seguem a doutrina cristã
e os bons exemplos, e os comportamentos sociais corrompem-se, degradam-se. Por seu lado, os
pregadores (o sal) também não são bem-sucedidos no seu trabalho de preservar os homens do
pecado.

Neste sermão fortemente retórico, outros recursos expressivos ganham especial importância. A
Antítese assume-se como outra forma de associação de ideias, desta vez pelo contraste e pela
oposição e não pelas semelhanças. Afirma Vieira que o polvo “traçou a traição às escuras, mas
executou-a bem às claras”, ou, outro passo, surpreende-se quando conclui: “Tanto pescar e tão
pouco tremer!” (Muitos aproveitam-se do que não lhes é legítimo e, ao contrário do peixe
torpedo, não receiam a perdição).

O pregador revela também o seu engenho no uso palavras quando, para tornar o sermão mais
persuasivo, procura conquistar os ouvintes não apenas pela racionalidade dos argumentos, mas
também pela forte carga emocional que deles se desprende. Para o conseguir, explora frases
exclamativas (e interjeições) que comovem o auditório (“Oh, maravilhas do Altíssimo! Oh, poderes
do que criou o mar e a terra!, “Peixes! Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e
familiaridade com eles, Deus vos livre!”). Também as frases interrogativas e os apóstrofes
procuram implicar o ouvinte no que é dito e, não raro, fazem-no sensibilizando-o de forma
emotiva: “como que rosto hei de aparecer diante do seu divino acatamento, senão cesso de o
ofender?” ou “É possível que os peixes ajudam à salvação dos homens, e os homens lançam ao
mar os ministros da salvação?”. Um exemplo de apóstrofe é “dividirei, peixes, o vosso sermão em
dois pontos.”.

Os afetos e as emoções conquistam-se também neste sermão através da representação por


palavras do efeito visual das descrições e da narração de episódios, do uso da ironia para criticar os
pecadores, do exagero comovente das hipérboles e nos hipérbatos.

O efeito emotivo e persuasivo era também o que Vieira pretendia desencadear com as
enumerações que introduziu no Sermão. Vincava assim os seus argumentos, demonstrando as
várias formas como os homens pecavam e como erravam; “também nelas nas terras há falsidades,
enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas traições.”. Algumas
dessas enumerações transformavam-se em gradações quando a sequência de elementos ia em
ordem crescente e arrebatava ainda mais o embevecimento do público: “o polvo é um monstro tão
dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor!”

No plano da construção frásica, o discurso de Vieira espraia-se em frases complexas, por vezes
longas, noutros casos labirínticos. Destacam-se os paralelismos frásicos, que servem
frequentemente para reformular uma ideia e assim vincar mais um argumento: “Deixa as praças,
vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar…”. Este paralelismo associa-se frequentemente à
anáfora (paralelismo anafórico), com a repetição enfática de uma palavra ou expressão em início
de oração ou frase.

Em termos de vocabulário, encontramos um elevado número de termos do campo lexical da


religião cristã, mas também do mar e da pesca. No fundo, há uma ligação entre as duas áreas de
vocabulário pelos temas tratados, tendo em conta que os peixes, as naus, o naufrágio, a pesca
aludem, nesta alegoria, aos homens, aos seus pecados ou às virtudes cristãs, à salvação ou à
perdição.

Tratando-se o Sermão de um texto religioso cristão, não estranhamos encontrar inúmeras


referências e citações bíblicas – quer do Velho quer do Novo Testamento -, muitas delas em latim.
Serve esta estratégia para conferir autoridade às palavras do pregador e fornecer “verdades” que
lhe permitem chegar às suas conclusões. Noutros casos, e com o mesmo intuito, Vieira alude a
textos dos grandes teólogos cristãos (Santo Agostinho, São Jerónimo) e transcreve excertos dos
seus escritos.

Visão global do Sermão e estrutura argumentativa

Ao nível da estrutura interna o Sermão é constituído pelas partes do Exórdio (que corresponde à
primeira parte de um discurso retórico, na qual se apresenta a matéria a desenvolver – Capítulo I),
a Exposição (que corresponde à parte em que se apresentam os argumentos e os exemplos que os
sustentam – Capítulos II a V) e a Peroração (que corresponde à parte final do discurso retórico –
Capítulo VI).

Ao nível da estrutura externa o Sermão divide-se em Capítulo I (Exórdio), Capítulos II-V (Exposição)
e Capítulo VI (Peroração).

Síntese de conteúdos
No Capítulo I do Sermão de Santo António aos Peixes do Padre António Vieira:

- É apresentado o conceito predicável “Vos estis sal terrae” (Vóis sois o sal da terra).

A citação bíblica que serve de ponto de partida para o Sermão.

- De seguida, é realizada a explicação do título do Sermão: no dia de Santo António, em vez de


pregar sobre o santo, pregará como ele – isto é, perante a recusa do auditório em ouvi-lo, pregará
aos peixes (através da alegoria utilizada, critica ferozmente os colonos do Maranhão).

No Capítulo II, louva as virtudes dos peixes:

- Em geral:

Os peixes foram os primeiros animais a ser criados por Deus, foram os primeiros animais a ser
nomeados, são os animais que existem em maior quantidade e de maiores dimensões. Ouviram
Santo António, salvaram Jonas (a baleia é considerada como um peixe).

Não se deixam domesticar nem corromper pelos homens.

No Capítulo III, louva as virtudes dos peixes:

- Em particular, recorrendo a 4 exemplos:

O Peixe de Tobias (o peixe, cujo, fel cura a cegueira e o seu coração expulsa os demónios); A
Rémora (o peixe que, apesar de ser pequena consegue determinar o rumo das naus – que
representam os pecados da soberba, da vingança, da cobiça e da sensualidade); O Torpedo (o
peixe que, faz tremer o braço do pescador – isto é, daquele que se apropria indevidamente do
que não é seu); O Quatro-Olhos (o peixe que, tem dois pares de olhos: um olha para cima e o
outro olha para baixo – ensina ao pregador a importância de se libertar da vaidade do mundo e
de pensar apenas na vida eterna – Céu e Inferno).

No Capítulo IV, repreende os vícios dos peixes:

- Em geral:

Os peixes comem-se uns aos outros, mais especificamente, os grandes comem os pequenos
(ictiofagia que representa a antropofagia social, isto é, o facto de os homens se explorarem uns
aos outros – sobretudo os poderosos (economicamente, politicamente, socialmente)
relativamente aos mais desfavorecidos); mostram a ignorância e cegueira, deixando-se pescar
com um pouco de pano (à semelhança dos homens, que se deixam iludir por honras vãs ou pela
sua vaidade).

No Capítulo V, repreende os vícios dos peixes:

- Em particular, recorrendo a 4 exemplos:

O Roncador (o peixe que, apesar das suas dimensões reduzidas, emite um som grave semelhante
ao grunhido de um porco, representando a arrogância e o orgulho); O Pegador (o peixe que,
agarra-se aos peixes maiores, representando o oportunismo, o parasitismo social e a
subserviência); O Voador (o peixe que, tenta voar para fora da água, representando a ambição
desmedida); O Polvo (o peixe que, aparenta ser manso, mas, na realidade, é hipócrita e traidor).
Por fim, no Capítulo VI:

- Realiza um louvor final aos peixes;

- Uma crítica aos homens;

- Autocrítica;

- Exortação aos peixes (homens) para que louvem a Deus; “NOTA: exortação, de exortar, significa
procurar influenciar por meio da persuasão, do conselho. Ex: exortar a população a votar.”

Em suma

Objetivos da eloquência:

O Sermão de Santo António aos peixes (1654) do Padre António Vieira obedece a 3 grandes
objetivos:

- docere (educar/ensinar) – de função pedagógica, muitas vezes conseguida através de citações


bíblicas e de autores da Igreja ou de obras clássicas.

- delectare (agradar) – de função estética, concretizada através de um discurso rico em recursos


expressivos, como a alegoria, a metáfora, a comparação, a antítese, a enumeração, a gradação e a
interjeição.

- movere (persuadir) – de função crítica e moralizadora, baseada numa argumentação eloquente,


recorrendo a argumentos de autoridade, como exemplos bíblicos, e a um discurso figurativo,
repleto de recursos expressivos como a apóstrofe, a interrogação retórica, as frases exclamativas e
as frases imperativas.

Intenção persuasiva e exemplaridade

A linguagem de Vieira consegue, pela sua clareza, ser convincente e atingir públicos diversificados,
afastando-se, por conseguinte, do estilo demasiado obscuro dos pregadores seus contemporâneos,
cuja pregação se revela ineficaz.

No caso do Sermão de Santo António, Padre António Vieira, vai censurar o comportamento dos
colonos portugueses no Maranhão e defender os direitos dos índios. Apresenta, assim, uma
intenção persuasiva, procurando convencer o seu público a mudar o comportamento.

A crítica social será feita através de uma alegoria, recorrendo ao exemplo de Santo António, que,
face à revolta dos habitantes de Arímino, em Itália, que não queriam ver os seus pecados expostos,
optou por pregar aos peixes, que o escutaram, dando origem a um dos seus milagres.

Este, serviu-se dos defeitos e virtudes dos peixes para denunciar os pecados dos homens.

Crítica Social e Alegoria

Observando o seu tempo e sentindo-se desiludido com os homens, Vieira decide-se voltar da terra
para o mar e dirigir a sua pregação aos peixes, como fez Santo António. De uma forma metafórica,
diz que os pregadores são “o sal da terra”, cujo efeito deve ser o de impedir a corrupção na terra.
No entanto, ao ver que a terra está tão corrupta, interroga-se sobre a causa desta corrupção – ou é
porque o sal não salga, ou é porque a terra se não deixa salgar. Ou os pregadores não cumprem a
missão de divulgar a doutrina cristã ou é porque os homens não os querem ouvir.

Ao longo do sermão, Vieira começa por louvar as virtudes dos peixes (em geral, depois em
particular e recorrendo a 4 exemplos: o peixe de Tobias, a rémora, o torpedo, o quatro-olhos) para,
de seguida, repreender (em geral, depois em particular e recorrendo a 4 exemplos: o roncador, o
pegador, o voador, o polvo), com veemência, mas também com ironia, os seus defeitos.

Embora interpele os peixes, na verdade, é aos homens a quem se dirige Vieira, sendo os primeiros
metáfora dos homens; estabelece, assim, um paralelismo entre os vícios dos peixes e os vícios dos
homens, neste caso para denunciar a exploração dos colonos sobre os indígenas.

Visão global do Sermão/Estrutura argumentativa

A introdução/Exórdio corresponde ao Capítulo I da obra, onde é apresentado o conceito


predicável (“Vos estis sal terrae”), o elogio a Santo António e a Invocação à Virgem Maria.

O desenvolvimento/Exposição corresponde aos Capítulos II a V da obra, no capítulo segundo são


louvados, em geral, os peixes. No capítulo III são louvados, em particular, os peixes. No capítulo IV
são repreendidos (criticados), em geral, os peixes. No capítulo V são repreendidos, em particular,
os peixes. É estabelecido um paralelismo entre os vícios dos peixes e os vícios dos homens, para
denunciar a exploração dos colonos sobre os indígenas.

A conclusão/Peroração corresponde ao capítulo final da obra, o Capítulo VI. Onde é realizada a


conclusão do discurso, o apelo, o incitamento, a elevação. O hino de louvor a Deus e o retrato dele
próprio como pecador.

Louvores das virtudes dos peixes

4 exemplos:

- Peixe de Tobias, o peixe que possui entranhas (fel) que saram a cegueira e o coração que afasta os
demónios.

- Rémora, o peixe que é pequeno no corpo, mas grande na força e no poder. Representa a fraqueza
humana. A apatia/ausência de vontade.

- Torpedo, o peixe que produz descargas elétricas, fazendo tremer o braço do pescador e evitando
ser pescado. Representa a exploração do próximo, a corrupção e a ambição desmedida.

- Quatro-olhos, o peixe com dois pares de olhos, dois que olham para cima e dois que olham para
baixo. Representa a vaidade e a incapacidade de discernimento. “NOTA: discernimento, significa
ter a capacidade de avaliar, de escolha, de distinção, o critério. Ex: ele consegue discernir bem as
consequências das suas ações”

Repreensão dos vícios dos peixes

4 exemplos:

- Roncador, o peixe que, apesar das suas dimensões reduzidas emite um som grave semelhante ao
grunhido de um porco que representa a arrogância e o orgulho.
- Pegador, o peixe que se agarra aos peixes maiores representando o oportunismo, o parasitismo
social e a subserviência.

- Voador, o peixe que tenta voar para fora de água representando a ambição desmedida.

- Polvo, aparentemente, manso e calmo, representa a hipocrisia e a traição.

Características retóricas da linguagem figurativa do sermão

O discurso rico do sermão é repleto de recursos expressivos, entre eles, a alegoria, a comparação,
a metáfora, a anáfora, a antítese, a apóstrofe, a enumeração, a gradação, a interrogação retórica, a
interjeição. Ainda, o jogo de palavras, o paralelismo anafórico, o uso de argumentos de autoridade
e as citações bíblicas.

“Frei Luís de Sousa” de Almeida Garrett

A dimensão patriótica e a sua expressão simbólica

O patriotismo é um dos temas de Frei Luís de Sousa. A ação do drama é marcada pela situação do
País em fins do século XVI, época em que se encontra sob dominação de Espanha, e pelos
sentimentos de amor nacional que esta realidade política desperta nas personagens.

A situação política de Portugal tem grande importância na ação da peça, tendo em conta que D.
Manuel de Sousa Coutinho, Telmo e Maria desejam a independência do Reino de Portugal e não
aceitam a governação espanhola; o protagonista recusa-se mesmo a colaborar com os
governadores ao serviço do rei estrangeiro e afronta-os incendiando a sua própria casa (o castelo
de D. Manuel de Sousa Coutinho, mudança do Ato I para o Ato II). Numa das linhas de ação da
peça, a tensão dramática resulta neste conflito.

A própria ideia de Portugal é assumida como tema desta obra de Garrett, que se assume como a
tragédia coletiva de um povo. Frei Luís de Sousa, apresenta uma reflexão sobre a nação
portuguesa, uma nação que tinha sido grande, mas que, na época histórica da ação do drama,
perdera a soberania política e se encontrava num estado de hibernação, esperando ressurgir… caso
ainda fosse possível.

A peça constrói a ideia de que Portugal deixou de existir durante a Dinastia Filipina e é um mero
fantasma (é “Ninguém!”) que alguns creem poder ressuscitar (Lourenço, 2013:86): o Reino perdeu
a sua independência e espera recuperá-la com a chegada de D.Sebastião, que, na verdade, morreu
na batalha de Alcácer Quibir.

A família de D. Manuel de Sousa Coutinho representa simbolicamente a tragédia coletiva de


Portugal. Os protagonistas, Maria e Telmo, anseiam pela liberdade e pelo ressurgimento da Pátria.
O velho aio deseja que o seu antigo amo, D. João de Portugal – que representa simbolicamente D.
Sebastião -, esteja vivo e regresse. Porém, hesita quando dá conta de que o seu regresso trará
ruína à família.

Desta forma se inculca que o velho Portugal, que morreu em Alcácer-Quibir – o Portugal de D.
Sebastião e de D. João -, já não conseguirá um novo ímpeto e fazer ressurgir a Nação; trata-se
apenas de um fantasma sem sentido que está preso na saudade e na ideia de passado. Por outro
lado, o novo Portugal, representado por D. Manuel de Sousa Coutinho, D. Madalena e Maria, acaba
por não ser a solução para o problema da Nação, pois estas personagens morrem (física ou
simbolicamente) e com eles morre a esperança de futuro de um novo país.

O Sebastianismo: História e Ficção

Devemos assinalar o patriotismo de Almeida Garrett, que exprime nesta peça o seu sentimento
nacional, o orgulho por temas pátrios e o seu combate pela liberdade no período da política
autoritária do Governo de Costa Cabral (1842-1846). O olhar crítico sobre uma época do passado
(Dinastia Filipina) alude indireta e criticamente às circunstâncias políticas da época da escrita da
peça (1843-1844).

A ação de Frei Luís de Sousa decorre vinte e um anos após a Batalha de Alcácer-Quibir (1578), ou
seja, a ação ocorre em 1599. 1578 foi o ano em que morreu o rei D. Sebastião e parte da nobreza
nacional. A batalha teve consequências diretas na perda da soberania nacional, pois Portugal foi
politicamente anexado a Espanha em 1580.

O sebastianismo consiste, inicialmente, na crença de que o jovem rei, que morre em Alcácer-
Quibir, regressará não só para recuperar a independência de Portugal como também para dar um
novo impulso ao Reino, a fim de, conseguir que este saia do estado de ruína e marasmo em que se
encontra. Nesta vertente, trata-se de uma crença messiânica pois parte do princípio de que a
salvação da pátria e de um povo está nas mãos de uma figura (histórica ou lendária) e que ela fará
renascer a Nação a partir das cinzas e conduzirá num caminho glorioso.

Com o passar dos tempos, o sebastianismo já não se referirá ao regresso físico de D. Sebastião,
mas sim à chegada de uma personagem que assumisse esta função salvadora ou a uma ideia que
desempenhasse esse papel, como sucede o mito do Quinto Império, de que Vieira e Fernando
Pessoa trataram.

Em Frei Luís de Sousa, D. João de Portugal não regressa de Alcácer-Quibir, é feito prisioneiro e só
voltará 21 anos depois à Pátria, com a D. Madalena casada em segundas núpcias, desencadeando
assim as consequências trágicas que se conhecem. D. João de Portugal alude simbolicamente a D.
Sebastião, e o seu regresso serve para especular sobre as consequências do regresso do antigo rei.

Nesta peça de Almeida Garrett, o sebastianismo é perspetivado de forma crítica e negativa. Por um
lado, porque a saudade deste Velho Portugal, que Telmo protagoniza, não traz a solução para o
problema da Pátria. Por outro, porque o regresso de D. João (e da ideia de uma nação decadente)
impossibilita que se opere uma mudança e o surgimento de um novo Portugal (de Madalena,
Manuel e Maria) que consiga triunfar.

Recorte das personagens principais

D. Madalena

D. Madalena vive numa grande instabilidade emocional: o terror que lhe provoca a possibilidade
de regresso de D. João nunca a deixa desfrutar da felicidade de viver ao lado do homem que ama.
Os seus receios são alimentados pelas contínuas alusões de Telmo à iminente vinda daquele que
considerava como o verdadeiro amo. A tensão nervosa em que vive mergulhada é também
aumentada pelo pecado que lhe pesa na consciência: o facto de se ter apaixonado por D. Manuel
de Sousa Coutinho enquanto ainda era casada com D. João. Muito embora se tenha mantido fiel
ao seu marido, considera que o facto de amar secretamente D. Manuel era já uma traição. O
sofrimento é ainda intensificado pelo profundo amor que sente pela filha, na medida em que tem
consciência de que o regresso de D. João – ou a simples noção da sua existência – a poderiam
matar (simbolicamente, por ser filha ilegítima).

A sua crença no oculto leva-a a entrever presságios de desgraça em vários acontecimentos


aparentemente fortuitos.

Apesar de parecer psicologicamente mais frágil do que D. Manuel, curiosamente, é ela quem, no
fim, se mostrará mais revoltada por ser forçada a separar-se do marido e a ingressar no convento.

Ao contrário de D. Manuel, mantém até ao último momento a esperança de evitar o desenlace


trágico.

D. Manuel de Sousa Coutinho

Esta personagem é, tal como D. Madalena, uma figura de grande densidade psicológica, o que se
manifesta nos contrastes que marcam a sua personalidade. Todo o seu discurso se pauta por uma
racionalidade e lucidez que se traduzem na recusa dos agouros e de qualquer sentimento de culpa
em relação ao passado. Apesar disto, até ele se mostra desagradado quando Maria lhe fala na
possibilidade de regresso de D. Sebastião, o que demonstra que, na realidade, não estava
absolutamente convicto de que D. João tinha morrido na batalha de Alcácer-Quibir. O ceticismo
que mostra em relação aos presságios é também contrariado quando recorda que o pai fora morto
pela própria espada, interrogando-se sobre se também ele não virá a ser vítima do fogo que ateou.

O heroísmo que demonstra ao atrever-se a enfrentar abertamente os governadores portugueses


ao serviço de Castela parece esbater-se aquando do regresso de D. João: ao contrário de
Madalena, o seu sofrimento não o impede de aceitar com resignação a solução de ingressar numa
ordem religiosa (convento).

Finalmente, a cultura revelada por D. Manuel e o seu amor às letras funcionam como prenúncio de
que se irá converter num dos maiores prosadores da literatura portuguesa.

Maria

Maria é uma menina muito inteligente e precoce para a sua idade.

Tendo sido criada por Telmo Pais, tem-lhe um amor profundo, partilhando da sua crença no
regresso de D. Sebastião.

Maria acredita ter a capacidade desvendar o oculto, traço que, supostamente, é agudizado pelo
aumento da sensibilidade pelo facto de estar tuberculosa. A sua intuição apurada leva-a a
compreender que há algo que toda a família lhe quer ocultar, no intuito de a proteger.

A coragem que demonstra quando incita o pai a queimar o palácio manifesta-se também no fim,
quando enfrenta as convenções sociais e as próprias convenções religiosas, afirmando que nada
justifica a destruição de uma família.

Apesar da sua força interior, a sua fragilidade física não lhe permite sobreviver ao desgosto de
descobrir que é filha ilegítima, acabando por morrer de vergonha.
Telmo

O aio destaca-se, numa fase inicial, pela sua severidade, que o leva a criticar D. Madalena por se
ter casado uma segunda vez sem estar certa da morte do primeiro marido e mesmo sugerir que,
em consequência disto, Maria não poderia ser uma filha legítima.

No entanto, a inflexibilidade que revela (e que se manifesta, por exemplo, no facto de nunca
mentir) virá a ser quebrada aquando da chegada do Romeiro. Confrontado com a necessidade de
salvar Maria, apercebe-se de que já a amava mais do que amava o seu primeiro amo. Assim,
dispõe-se, pela primeira vez na vida, a mentir, em nome dos afetos. É interessante verificar que,
desta forma, se humaniza, aproximando-se de D. Madalena, a quem tanto criticara anteriormente,
na medida em que se apercebe de que o amor por vezes se sobrepõe aos princípios morais.

Frei Jorge

Tal como o irmão, Frei Jorge caracteriza-se pela sensatez, procurando sempre auxiliar a família.

A personagem tem um papel determinante na resolução do conflito entre D. Manuel e os


governadores ao serviço de Castela.

No Ato Terceiro, quando D. Manuel se verga ao peso da desgraça, é Frei Jorge quem toma todas as
providências para que o irmão e D. Madalena ingressem no convento- procurando,
simultaneamente, amparar a família e funcionar como intermediário entre as personagens.

Apesar de se comover com o sofrimento a que assiste, Frei Jorge mostra-se inflexível na obediência
aos seus princípios, recusando qualquer solução que passasse pela mentira, mesmo que esta lhe
permitisse impedir a catástrofe. Com efeito, considera que a entrada na vida religiosa
proporcionará a D. Manuel e a D. Madalena o consolo e a redenção de que necessitavam.

D. João de Portugal

Este fidalgo, apesar de ser considerado pelas outras personagens como uma figura digna de temor
pela dignidade e rigidez na fidelidade aos seus princípios, acaba por revelar-se muito humano.
Confrontado com o facto de que D. Madalena tinha feito todos os esforços para o procurar e de
que ela tinha uma filha, mostra-se disposto a anular a sua própria existência para salvar toda a
família da catástrofe.

O espaço e o tempo da ação

Podemos distinguir dois tipos de espaço num texto dramático: o espaço cénico, formado pelo
palco e pelo cenário, e o espaço representado, o lugar a que o espaço cénico pretende aludir (“faz
de conta” que estamos num palácio, num campo, etc.). A informação sobre o espaço é dada pelas
didascálias, sobretudo as que se encontram em início de ato, mas também através das falas das
personagens.

A ação de Frei Luís de Sousa desenrola-se em dois palácios de Almada. As salas dos palácios onde
os acontecimentos têm lugar constituem o espaço representado. As personagens fazem também
referência a outros locais com importância para o enredo: este é o espaço aludido, mencionado
por palavras. Esses lugares são, sobretudo, Alcácer-Quibir e a Palestina, onde D. João estava
aprisionado.
Em termos de macro espaços, toda a ação de Frei Luís de Sousa decorre em Almada. A cidade
reveste-se de um forte valor simbólico pela oposição que estabelece com Lisboa: na capital está
instalada a sede do governo de Portugal, que é controlado pela coroa espanhola. A classe
dominante e os governadores portugueses traíram a sua pátria e colaboram com a potência
invasora.

Daí que a peste que se abateu sobre Lisboa sugira simbolicamente o estado de corrupção moral e
política em que vivem aqueles que se venderam ao rei de Espanha. Por seu turno, do outro lado do
Tejo, longe da corrupção moral, Almada respira ares “saudáveis”. Aí se encontram as personagens
patrióticas, fiéis a Portugal: destacam-se D. Manuel, Maria, Telmo e D. João.

O Ato Primeiro decorre no palácio de D. Manuel, numa sala ornamentada e luxuosa, sugerindo que
este lugar é habitado por personagens nobres. Se uma casa simboliza a estabilidade de uma
família, este palácio transmite a ideia de conforto, bem-estar e a união e o amor familiares. Por
esse motivo, o incêndio que destrói o solar revela-se um presságio da desagregação do núcleo
familiar, consumada pela catástrofe que se abaterá sobre os seus membros.

Perdido o palácio de D. Manuel, a família muda-se para a antiga casa de D. João de Portugal (e de
D. Madalena. O Ato Segundo decorrerá numa sala austera e fria, pouco ornamentada e de gosto
melancólico e pesado. Os retratos de D. Sebastião, D. João e Camões conferem solenidade à cena e
são uma recordação do velho Portugal independente e grandioso que pereceu em Alcácer-Quibir.
Esta sala é uma divisão interior, sem janelas (simbolizando a prisão, a clausura e o afastamento do
mundo), inóspita, pautada pela gravidade e iluminada por tochas e não pelo Sol. As personagens
perderam a noção de lar. D. Madalena vive em estado de receio e tensão.

A ação do Ato Terceiro decorre na parte baixa do palácio de D. João. O espaço subterrâneo é ainda
mais fechado, mais escuro, quase não tem ornamentos: trata-se de um lugar propício a sensação
de claustrofobia – há mesmo portas que separam as personagens e que lhes impedem a livre
circulação. A sala subterrânea tem ligação à Capela da Nossa Senhora da Piedade, representando
que o casal optou pela vida religiosa e a família está condenada à desagregação. No fim do ato,
surge, ao fundo, o interior da Igreja de São Paulo.

Podemos, assim, interpretar a sucessão e o encurtamento de espaços como um percurso gradativo


do mundo terreno para o mundo sagrado e espiritual. É este o caminho que a família vai percorrer:
D. Madalena e D. Manuel, porque ingressará na vida monástica; Maria, porque morrerá e irá para
o “Céu”.

Assistimos também a um progressivo afunilamento do espaço e do tempo: de uma sala com


grandes janelas e onde a luz solar penetra, no Ato Primeiro, passando por uma sala fechada (Ato
Segundo) até chegarmos a um espaço subterrâneo e em que as personagens parecem já
enclausuradas (Ato Terceiro). Por um lado, este fechamento do espaço contribui para o aumento
da tensão em cena; por outro, este trajeto ilustra a progressiva limitação de soluções para o
problema com que a família de D. Manuel se depara.

O espaço psicológico – que representa o domínio das vivências mentais de uma personagem: os
pensamentos, os sonhos, os sentimentos dessas -, tem no texto dramático, o monólogo e o
solilóquio como modos privilegiados de expressão (mas não os únicos).
O solilóquio inicial de D. Madalena dá voz às inquietações da personagem, ainda que de forma
enigmática. Na penúltima cena do Ato Primeiro, é D. Manuel que, só em palco, justifica o gesto de
atear fogo à sua própria casa. Na Cena IX do Ato Segundo, desempenhando funções semelhantes
as do coro da tragédia grega, Frei Jorge, só em palco, dá conta da preocupação que sente com a
situação em que aquela família se encontra. Por fim, no importante solilóquio da Cena IV do ato
final, Telmo manifesta o conflito interior entre a fidelidade ao seu antigo amo e um grande amor a
Maria.

O tempo

A peça inicia-se com a apresentação dos antecedentes da ação, que abarcam um longo período
temporal. Há referências à Batalha de Alcácer-Quibir, que tivera lugar 21 anos antes, e a momentos
ainda anteriores. Depois da batalha, e durante 7 anos. D. Madalena promoveu buscas para saber
se D. João ainda estava vivo. No fim deste período, e como a procura se revelou infrutífera, acabou
por casar-se com D. Manuel.

Em contrapartida, a ação da peça desenrola-se num breve período de tempo, sensivelmente uma
semana. O segundo ato decorre no dia do aniversário da Batalha de Alcácer-Quibir. Tendo em
conta que esta batalha teve lugar no dia 4 de agosto de 1578, e que D. Madalena afirmara que já
haviam passado 21 anos desde a batalha, é possível localizar a ação deste ato no dia 4 de agosto
de 1599. Uma vez que estes acontecimentos se desenrolam oito dias depois dos do primeiro ato,
podemos concluir que o primeiro ato decorre no dia 28 de julho de 1599. Quanto ao terceiro ato,
passa-se durante a noite do dia 4 de agosto.

Constatamos que há uma progressiva concentração temporal: da evocação dos episódios de um


longo período de 21 anos (Ato Primeiro), passamos a acontecimentos que se desenrolam em dois
dias, separados entre si no período de uma semana. Nos Atos Segundo e Terceiro, a velocidade dos
acontecimentos precipita-se: tudo sucede no dia do aniversário da Batalha de Alcácer-Quibir,
prolongando-se depois pela noite e pela madrugada, que anuncia já o dia seguinte.

Este afunilamento progressivo do tempo contribui para intensificar a tensão dramática, na medida
em que todos os acontecimentos se sucedem de forma cada vez mais rápida, até ao desenlace
trágico.

A dimensão trágica

No que diz respeito à intriga trágica, é interessante verificar que há uma concentração de
personagens, de espaço e de tempo, como vimos, de modo que nada seja supérfluo e que tudo
contribua para a intensificação da tensão dramática.

De notar que, de acordo com os factos históricos, D. Madalena tivera três filhos do primeiro
casamento, que são aqui eliminados, para que a aniquilação de Maria represente, de facto, o
extermínio completo da família.

Da mesma forma, todo o desenrolar da ação converge para o desenlace trágico. Mesmo o
momento em que D. Manuel parece revoltar-se contra o destino, incendiando o seu palácio, acaba
por servir a fatalidade que se abate sobre as personagens, na medida em que as obriga, a família, a
mudar-se para o palácio de D. João, local aonde este regressará.
1. Presença dos elementos da tragédia clássica

Os elementos da tragédia clássica são a Hybris, a Peripécia e a Anagnórise (Anagnorisis), o Clímax,


a Catástrofe, o Ágon, o Pathos, a Ananké e a Catarse.

A Hybris, consiste num desafio feito pelas personagens à ordem instituída (leis humanas ou
divinas). A Hybris é perpetrada tanto por D. Madalena como por D. Manuel de Sousa Coutinho.
Com efeito, no primeiro caso, o desafio consistiu no facto de a personagem se ter apaixonado por
D. Manuel de Sousa Coutinho quando ainda era casada com D. João de Portugal. Além disso,
ambas as personagens põem em causa a ordem instituída ao casarem sem terem provas
irrefutáveis da morte de D. João de Portugal.

A Peripécia, consiste de acordo com a Poética de Aristóteles (2000, c.300 a. C.), na mutação dos
sucessos ao contrário, isto é, o momento em que se verifica uma inflexão abrupta dos
acontecimentos. A Anagnórise, consiste no reconhecimento, segundo a Poética de Aristóteles, é a
passagem do ignorar ao conhecer, podendo consistir na revelação de acontecimentos
desconhecidos ou na identificação de determinada personagem. A Peripécia e a Anagnórise
ocorrem em simultâneo: com a chegada do Romeiro e o reconhecimento da sua identidade
(anagnórise), dá-se uma inversão abrupta nos acontecimentos (peripécia) – o casamento torna-se
inválido e Maria torna-se filha ilegítima.

O Clímax corresponde ao momento culminante da ação. O clímax ocorre na cena final do Ato
Segundo, pois é neste momento que a tensão dramática atinge o seu auge: D. João de Portugal dá
a conhecer de forma inequívoca a sua identidade, demonstrando, ao mesmo tempo, de forma
paradoxal, que o esquecimento a que foi votado anulou a sua existência.

A Catástrofe consiste no desenlace trágico. A família é totalmente exterminada: D. Madalena e D.


Manuel morrem para o mundo, ingressando na vida religiosa (convento), e Maria morre, de facto,
tuberculosa.

O Ágon, consiste no conflito vivido pelas personagens, pode designar o conflito com outras
personagens ou o conflito interior. As atitudes de D. Madalena ao longo da intriga são um reflexo
do conflito interior, da instabilidade emocional que a atormenta: desde o primeiro momento que
mostra sentir-se grata por viver com o homem que ama, tendo, no entanto, consciência de que a
sua felicidade é frágil, dado que a construiu com base na suposição da morte do marido, o que se
torna um pecado pesado e um pesa na consciência.

Por seu lado, também Telmo Pais, o aio, é vítima de um conflito interior: depois de ter passado
vinte e um anos a desejar o regresso do seu antigo amo, apercebe-se de que, na verdade, o seu
amor por Maria acabou por superar o que nutria por D. João de Portugal, mostrando-se disposto a
abdicar dos seus princípios éticos para a salvar (mentindo).

O Pathos, consiste, no sofrimento crescente das personagens. O sofrimento das personagens vai-se
intensificando, a ponto de o próprio Frei Jorge se sentir inclinado a acreditar na possibilidade de
uma catástrofe iminente.

A Ananké é o destino, preside à existência das personagens e é implacável, inexorável. A presença


do destino é visível pelo facto de todos os acontecimentos convergirem para o desenlace trágico e
de haver um afunilamento do espaço e do tempo, que mostra que as personagens são
inexoravelmente conduzidas para a catástrofe.

A Catarse consiste, no efeito purificador que a tragédia deve ter nos espectadores: ao desencadear
o terror e a piedade, permitir-lhes-ia purificarem as suas emoções. O terror e a piedade
desencadeados nos espectadores são adensados pelos factos de a catástrofe se abater sobre uma
família (na qual se inclui Telmo) que se ama profundamente e de todas as personagens serem
profundamente retas e dignas.

Linguagem, estilo e estrutura

Estrutura externa

A estrutura externa de uma obra diz respeito à organização “visível” do texto literário (e traduz-se
na forma como essa organização se apresenta graficamente). Em Frei Luís de Sousa, a obra é uma
obra romântica, ou seja, um texto preparado para a representação teatral.

Como a esmagadora maioria das obras do modo dramático, a peça de Garrett é composta por um
texto principal, que consiste nas falas das personagens, e por um texto secundário, que é
constituído pelas didascálias, ou seja, pelas indicações cénicas sobre a ornamentação do palco, os
adereços, a luz, a movimentação e os gestos das personagens, etc.

Enquanto drama romântico, a obra de Garrett é um texto em prosa estruturado em três atos: a
mudança de atos corresponde à mudança de local da ação. Por sua vez, cada ato organiza-se em
várias cenas, que terminam com a entrada ou a saída de personagens do palco.

Estrutura interna

A estrutura interna de uma obra dramática refere-se à organização do enredo. Tradicionalmente,


divide-se a ação dramática em três elementos: exposição inicial da situação, conflito e desenlace.

Na exposição inicial de Frei Luís de Sousa, que ocupa, sensivelmente, as Cenas I a IV do Ato
Primeiro, são-nos apresentados a época e o contexto em que o enredo se desenrola, as
personagens centrais do drama (D. Manuel é apenas referido) e os antecedentes da ação (o
passado das personagens).

O conflito vai-se adensando ao longo do texto (entre a Cena V do Ato Primeiro e a Cena IX do Ato
Terceiro). As questões que animam este conflito são, essencialmente, os receios de D. Madalena, o
antagonismo entre D. Manuel e os governadores do Reino e a doença de Maria. Um primeiro
momento de grande intensidade ocorre quando o Romeiro afirma que D. João de Portugal (ele
próprio) está vivo, no fim do Ato Segundo.

O desenlace (Cenas X e XII do Ato Terceiro) dá conta da resolução do problema central da obra e
do “caminho” que cada personagem toma: Maria morre, D. Madalena e D. Manuel ingressam na
vida religiosa. Note-se que este desenlace tem na morte de Maria o segundo momento de grande
intensidade da peça.

A estrutura interna de Frei Luís de Sousa é pautada pelos elementos trágicos da ação.

Linguagem e estilo
Ao contrário da tragédia clássica, por regra escrita em verso, Frei Luís de Sousa foi composto em
prosa. Desta forma, os diálogos ganham um sabor de coloquialidade e fluidez que dificilmente
teriam com o verso.

Por outro lado, seguindo as regras da tragédia clássica, a linguagem das personagens centrais
adequa-se ao estatuto social da nobreza: assim domina o nível de linguagem elevado e,
frequentemente, encontramos um léxico rico e até erudito (“ignomínia”, “opróbio”, “pejo”, etc.)

As falas das personagens da obra são marcadas por uma grande emotividade, fruto do seu estado
de espírito quando confrontadas com os acontecimentos intensos ou com os seus receios. No texto
abundam marcas linguísticas que traduzem os sentimentos das personagens: as interjeições (e as
locuções interjetivas), as frases exclamativas e os atos ilocutórios expressivos. Os melhores
exemplos estão nas falas de D. Madalena e revelam a influência dos melodramas românticos com
uma linguagem demasiado retórica e emotiva.

Associados aos sentimentos e ao estado de espírito das personagens estão as frases suspensas (ou
seja, interrompidas), que pontuam as falas de diferentes personagens, exprimem as suas
inquietações, perplexidades e hesitações. Por vezes, deixam no ar alguns subentendidos cujo
significado é partilhado pelas personagens. Telmo e D. Madalena deixam por terminar as frases por
não quererem mencionar o que receiam (o regresso de D.João, a desonra ou a doença de Maria)
ou por hesitarem em verbalizar certos factos (a possibilidade de D. João de Portugal não ter
morrido).

As frases interrogativas, frequentes nas falas mais tensas, dão igualmente conta dos anseios e do
desassossego das personagens, mas também da sua desorientação ou da incerteza em relação ao
futuro. Por outro lado, a frase curta (por vezes constituída por uma única palavra:”. Ninguém!”)
confere um tom incisivo aos diálogos e contribui para fazer crescer a tensão dramática.

Por fim, ainda a nível do vocabulário, encontramos certas personagens associadas a determinados
campos lexicais. Frei Jorge e os outros prelados glosam o campo lexical da religião; Telmo, o aio,
recorre a termos associados às ideias de honra e servidão (senhor, amo, servidor). As repetições de
palavras são utilizadas para exprimir a ansiedade ou a inquietação, mas frequentemente também o
afeto entre os membros da família.

Características do Drama Romântico

O género de Frei Luís de Sousa

Como introdução a Frei Luís de Sousa, Garrett apresenta uma “Memória ao Conservatório Real”,
texto ensaístico no qual reflete sobre as questões centrais da sua obra dramática – sobretudo
sobre o seu género, as suas fontes e o que levou a escrevê-la.

Relativamente ao género da obra, há que sublinhar o facto de Frei Luís de Sousa ter sido escrito em
pleno Romantismo, um período literário cuja estética dominante rompia com os princípios da arte
do período anterior – o Neoclassicismo. Coloca-se então a questão: este texto é uma tragédia
clássica, de matriz greco-latina, ou um drama romântico, género literário que nasce no
Romantismo e que representa o espírito da época? Garrett defenderá que Frei Luís de Sousa é um
drama romântico que incorpora, a nível formal, características da tragédia clássica (hibridismo de
género).
Marcas da tragédia clássica

Um assunto digno de uma tragédia clássica, pela beleza, pela simplicidade e pelo sublime (segundo
Almeida Garrett, na Memória ao Conservatório Real”); A presença dos elementos da tragédia
clássica; O ambiente carregado de presságios e sinais; A linguagem cuidada, as personagens de
condição elevada; as figuras que desempenham o papel de coro grego (que tem a função de
comentar a ação) Telmo e Frei Jorge.

Marcas do drama romântico

O texto em prosa (e não em verso, como deveria suceder na tragédia clássica); o não cumprimento
da lei das três unidades (ação, espaço e tempo): na tragédia clássica, todos os acontecimento
deveriam convergir para o desenlace trágico, desenrolar-se no mesmo espaço e durar apenas 24
horas. Em Frei Luís de Sousa, não há claramente, um cumprimento da unidade do tempo (a ação
desenrola-se numa semana). Quanto à unidade de lugar, embora toda a ação se desenrole em
Almada, há, de facto, uma mudança de espaço. Finalmente, podemos considerar que temos
unidade de ação. Apesar de alguns estudiosos afirmarem que esta unidade é quebrada pela
introdução do incêndio do palácio, evento que consideram que introduz uma ação secundária, a
verdade é que o facto de D. Manuel destruir a sua casa obriga as personagens a mudarem-se para
o palácio de D. João, local aonde este regressará.

O drama romântico dá conta frequentemente de um tema histórico, que trata com liberdade
literária;

Presença de temáticas marcadamente românticas:

- A liberdade individual – é visível na revolta de D. Manuel de Sousa Coutinho contra um governo


ao serviço de Espanha, revolta que é apoiada por Maria e por Telmo, bem como no discurso final
desta personagem, no qual a jovem se insurge contra as normas de uma sociedade que lhe impõe
a separação dos pais; além disso, a própria D. Madalena afirma a sua liberdade, ao casar-se com o
homem que amava sem ter provas irrefutáveis de que o seu anterior marido tinha morrido;

- O patriotismo, é evidente não apenas na crença no comportamento de D. Manuel anteriormente


referido, mas também na esperança de Telmo e de Maria no regresso de D. Sebastião, que
implicaria a libertação de Portugal do jugo estrangeiro;

- A cosmovisão cristã, a religião tem um papel fundamental em Frei Luís de Sousa: é graças a ela
que D. Manuel e D. Madalena conseguem libertar-se da desonra que se abateu sobre eles com o
regresso de D. João de Portugal (o ingresso na vida monástica permitir-lhes-á expiarem o seu
pecado e renascerem para uma nova existência).

- Importância do oculto – a valorização do inconsciente e da intuição características do


Romantismo é visível pela referência às premonições de Telmo, de D. Madalena e de Maria (que,
no caso desta última, se associam à crença de que possui a capacidade de prever o futuro, através
de elementos como os sonhos ou as estrelas); de notar que, à medida que a tensão dramática se
adensa, a visão racional do mundo defendida por D. Manuel e por Frei Jorge é cada vez mais posta
em causa – até que, no desenlace, todos os presságios de catástrofe se cumprem;
- Primazia dos sentimentos sobre a razão, além de comprovável pelo destaque conferido ao lado
mais irracional do Homem (referido no tópico anterior), a valorização das emoções é também
visível na importância conferida ao amor: é ele que leva D. Madalena a casar com o homem que
amava sem ter a certeza plena de que o seu primeiro marido estaria morto.

- Mitificações da figura de Camões - no Romantismo, o poeta é muitas vezes, configurado como


uma figura incompreendida e desprezada pela sociedade, que não reconhece o seu génio; essa foi
a imagem de Camões transmitida pelos românticos portugueses: a de um poeta que dedicou a sua
vida à pátria e que, em troca, apenas foi alvo de ingratidão.

Em suma

Frei Luís de Sousa é um drama romântico (considerado pelo autor uma tragédia clássica). Como
drama que é esta escrito em prosa e aborda muitos temas relacionados com o romantismo.
Desenrola-se em três atos, divididos em cenas.

Personagens

D. Madalena de Vilhena

- Pertencente à nobreza, casada com D. João de Portugal (1º casamento) e com D. Manuel (2º
casamento);

- É sentimental, pecadora (apaixonou-se por D. Manuel quando ainda estava casada com D. João
de Portugal), vive atormentada pelo passado e pela possibilidade de regresso do rei D. João de
Portugal, vive com agoiros e pressentimentos notáveis através da sua linguagem pesada e pausada.

- Alude à lenda dos amores infelizes de Inês de Castro.

D. Manuel de Sousa Coutinho

- Pertencente à nobreza (cavaleiro de Malta), casado com D. Madalena;

- Racional, sensível, corajoso, decidido, patriota, honrado, desapegado de bens materiais e da


própria vida;

- Encarna o amor à pátria e à liberdade individual e o mito do escritor romântico.

Maria

- De origem nobre, filha de D. Manuel e D. Madalena, com 13 anos;

- É bela, frágil (doente de tuberculose), perspicaz, inteligente, culta, meiga, bondosa;

- Contemplativa e propensa ao sonho;

- Com o dom da intuição e da profecia;

- Ativa, com o desejo de agir (combater, ter um irmão, ver a tia Joana);

- Ligada ao culto de Camões e ao sebastianismo.

Telmo Pais
- Escudeiro, servidor de famílias de D. João de Portugal (passado) e de D. Manuel de Sousa
Coutinho (presente);

- Confidente de D. Madalena, mas crítico do seu comportamento e protetor de Maria;

- Dividido/dilacerado entre o amor antigo (D. João de Portugal) e o amor recente (Maria).

D. João de Portugal

- Pertencente à nobreza (cavaleiro), casado com D. Madalena de Vilhena;

- Patriota, austero, mas cavalheiresco, íntegro;

- Ligado á lenda de D. Sebastião, símbolo de Pátria humilhada e cativa;

- Permanentemente em cena através das evocações de D. Madalena e do sebastianismo de Maria


e Telmo;

- Reduzido à anulação da sua própria existência.

A Dimensão Patriótica e a sua Expressão Simbólica

A dimensão patriótica e a sua expressão simbólica são demonstradas a partir do mito do


sebastianismo, a crença de que uma figura (história ou lendária) regressará e fará renascer a Nação
das cinzas num caminho glorioso (D. João de Portugal aludindo a D. Sebastião), cujos, porta-vozes
são Maria e Telmo Pais. (retratos de D. Sebastião, Camões e D. João de Portugal, símbolos de um
Portugal outrora grandioso mas, agora decadente).

O sentimento da pátria é ainda exacerbado quando D. Manuel de Sousa Coutinho incendia o seu
castelo como forma de oposição aos governadores portugueses ao serviço da potência invasora,
Espanha.

D. João de Portugal vive como um símbolo da Pátria humilhada e cativa.

A atitude de D. Manuel (incêndio do Palácio) – símbolo do patriotismo e nacionalismo.

Maria: com as suas ideologias políticas nacionalistas (incentivando o combate à tirania dos
governantes).

E o valor simbólico dos retratos.

Dimensão Trágica

Apesar de ser classificada como drama romântico, a obra apresenta características da tragédia
clássica. (a Hybris, a Peripécia e a Anagnorisis, a Ananké, o Ágon, o Clímax, a Catástrofe e a
Catarse). A subordinação ao Destino inexorável; O protagonista como pessoa justa, sem culpa, que
cai num estado de infelicidade; O desenvolvimento da ação com base num crescendo de
intensidade que, resulta no afunilamento do tempo e do espaço que, culmina com a catástrofe
final. A reminiscência do coro na personagem de Telmo Pais (que comenta ou anuncia o desenrolar
dos acontecimentos).

Elementos da tragédia clássica


D. Madalena apaixona-se por D. Manuel quando ainda era casada com D. João de Portugal/ D.
Manuel incendeia o palácio (estes acontecimento correspondem ao Desafio do Destino/Hybris);
O Conflito (Ágon) interior de D. Madalena, que se intensifica ao longo da ação e de Telmo após o
regresso do D. João; A chegada do Romeiro (Peripécia) e o reconhecimento (Anagnórise) da sua
identidade; A morte (física) de Maria e a morte para o mundo de D. Madalena e D. Manuel de
Sousa Coutinho, culminando no ingresso na vida católica (convento) como forma de salvação
(Catástrofe).

Exemplos de Indícios Trágicos

As coincidências temporais, as referências á sexta-feira, a simbologia dos números três e sete


(mistério e fatalidade);

Os presságios/agoiros e pressentimentos;

O Sebastianismo de Telmo e Maria;

A doença de Maria, tuberculosa;

A perda do retrato de D. Manuel vs. a preponderância do retrato de D. João;

As referências à vida conventual (o exemplo de D. Joana de Castro) e à morte.

Estrutura externa da obra

A obra de Frei Luís de Sousa é um drama romântico escrito em prosa, divide-se em três atos e
cenas, correspondendo a mudança de ato à mudança de espaço cénico.

A Exposição delimita as cenas 1 a 4 do Ato Primeiro (os antecedentes da ação).

O Conflito delimita as cenas 5 a 8 do Ato Primeiro ao Ato Terceiro (desenvolvimento da ação).

O Desenlace delimita as cenas 10 a 13 do Ato Terceiro (desfecho da ação).

Na Exposição encontramos os seguintes acontecimentos:

- O casamento de D. Madalena com D. João de Portugal;

- O desaparecimento de D. João de Portugal na Batalha de Alcácer-Quibir em 1578.

- A busca infrutífera de D. João de Portugal por parte de D. Madalena durante 7 anos.

- O (segundo) casamento de D. Madalena com D. Manuel de Sousa Coutinho.

- O nascimento de Maria;

- O facto de Telmo, o antigo aio de D. João de Portugal, que ainda serve a família de D. Madalena,
não aprovar o seu segundo casamento (figura de coro).

No Conflito encontramos os seguintes acontecimentos:

- Os governadores portugueses decidem ir para o Palácio de D. Manuel para se afastarem da peste


que ameaça a cidade de Lisboa.
- Por conseguinte, D. Manuel incendeia o próprio palácio e muda-se com a família para o palácio
de D. João de Portugal.

- D. Manuel e Maria vão para Lisboa, deixando D. Madalena sozinha com Frei Jorge.

- A chegada do Romeiro, que transmite a D. Madalena o recado que D. João de Portugal está vivo –
o seu primeiro marido.

- Conhecendo a verdade, D. Manuel e D. Madalena decidem professar votos religiosos;

- Dilacerado com um conflito interior, Telmo conversa com o Romeiro e reconhece a sua verdadeira
identidade.

No Desenlace:

- Dá-se o início à cerimónia da tomada de hábito por D. Manuel e D. Madalena (MORTE SOCIAL);

- Maria morre (MORTE FÍSICA);

- D. João e Telmo ficam no anonimato (Morte Social e Psíquica).

Simbolismo

Existem vários elementos que estão carregados de simbologia na obra de Almeida Garrett, muitas
vezes a pressagiar o desenrolar da ação e a desgraça iminente das personagens.

As leituras dos versos de Camões referem-se ao trágico fim dos amores de D. Inês de Castro que,
como D. Madalena, também vivia uma felicidade aparente quando a desgraça se abateu.

A referência à leitura da novela sentimental trágica Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, a


sugerirem a mudança de espaço, no ato II, e, por conseguinte, a mudança da vida de D. Madalena
e de toda a sua família.

A presença marcante da Sexta-feira associada aos principais momentos da ação sugere o dia
aziago: D. Madalena casou-se pela primeira vez; viu D. Manuel pela primeira vez numa sexta-feira;
à sexta-feira dá-se o regresso de D. João de Portugal; D. Sebastião morreu numa sexta-feira, 21
anos antes.

A importância dos números três e sete: A numerologia parece ter sido escolhida intencionalmente,
Madalena casou 7 anos depois de D. João haver desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir; há 14
anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho; a desgraça, com o aparecimento do Romeiro,
sucede 21 anos depois da batalha (3x7=21). O número 7 é um número primo que se liga ao ciclo
lunar (cada fase da lua dura cerca de 7 dias) e ao ciclo vital (as células humanas renovam-se de 7
em 7 anos), representa o descanso no fim da criação e pode-se encontrar em muitas
representações da vida, do universo, do homem ou da religião; o número 7 indica o fim de um
ciclo periódico. O número 3 é o número da criação e representa o círculo perfeito. Exprime o
percurso da vida, nascimento e morte. O número 21 corresponde a 3x7, ou seja, ao nascimento de
uma nova realidade (7 anos depois foi o clico da busca de notícias sobre D. João de Portugal e o
descanso após tanta procura); 14 anos foi o tempo de vida com Manuel de Sousa Coutinho (2x7, o
crescimento de uma dupla felicidade: como esposa de Manuel e como Mãe de Maria; 14 é gerado
por 1+4=5, apresentando-se como símbolo da relação sexual, do ato de amor); 21 anos completa a
tríade de 7 apresentando-se como a morte, como o encerrar do círculo dos 3 ciclos periódicos. O
número 7 aparece, por vezes, a significar destino, fatalidade (imagem do completar obrigatório do
ciclo da vida), enquanto o 3 indica perfeição, o 21 significa então a fatalidade perfeita.

A presença do número 13: Maria vive apenas 13 anos. Na crença popular o número 13 indica azar.
Embora como número ímpar deva apresentar uma conotação positiva, em numerologia é gerado
pelo 1+3=4, um número par, de influências negativas, que representa limites naturais. Maria vê
limitados os seus momentos de vida.

Linguagem

“Fluente, entrecortada com reticências, exclamações, interrogações, elipses, anacolutos,


repetições, aproximações a um tom coloquial, retratando os movimentos afetivos das almas, o
ritmo dos impulsos da consciência. Tão diferente do tom altivo da linguagem clássica”.

“Cada frase conte apenas as palavras necessárias e tem, contudo, dentro de si todo um mundo de
coisas profundas”.

Maria, tem uma linguagem infantil, a transbordar de nervosismo e entusiasmo.

Telmo, tem uma linguagem marcada pela lentidão senil, e por um discurso entrecortado de
lembranças passadas. No final, aquando do aparecimento do Romeiro (seu amo, D. João), o
discurso de Telmo reflete o próprio conflito interior que se apodera dele e o próprio processo
psicológico de autorrevelação e de desarticulação da sua personalidade (divide-o amor que sentia
pelo amo e o amor que sente por Maria).

Madalena, tem uma linguagem angustiada e repleta de sentimentalismo e emotividade.

Manuel, tem um discurso decidido, marcado pela prontidão de quem se rege pela razão e, cujos,
valores patrióticos estão bem embutidos.

Frei Jorge, tem uma linguagem marcada pela paz, sossego e segurança de consciência. Um campo
lexical religioso.

Romeiro, tem uma linguagem altiva, cujo discurso se organiza em torno de frases que permitem o
reconhecimento gradual da sua pessoa. A expressão “NINGUÉM”, dada como resposta à pergunta
de Frei Jorge, embora seja o eco da Odisseia de Homero ou do Anfitrião de A. José da Silva, ganha
um profundo e denso sentido psicológico e trágico.

Antero de Quental, Sonetos Completos

A poesia de Antero de Quental é caracterizada por manifestar duas tendências completamente


opostas: a da configuração do ideal e a angústia existencial.

Angústia Existencial

Na obra de Antero de Quental está patente uma busca permanente da perfeição, que não se
compadece com a dimensão transitória e imperfeita da realidade. Desse ponto de vista, todos os
ideais estarão, à partida, condenados ao malogro, uma vez que nunca poderão satisfazer
totalmente a ânsia de Absoluto do “eu”.
É por este motivo que nos deparamos com a vertente mais negra e pessimista da obra de Antero
de Quental, marcada por um profundo desalento provocado pelo desmoronar de todos os seus
sonhos.

No intuito de se libertar deste sentimento doloroso de derrota, o sujeito poético (“eu” lírico) busca
desesperadamente uma forma de evasão (fuga) – quer através da aspiração a um estado de
indiferença do “nirvana budista” (isto é, uma condição próxima do não-ser), quer através do desejo
de refúgio no sono no seio de uma figura protetora, que tanto pode assumir traços maternais
(sendo, por vezes, identificada com a Nossa Senhora) como traços paternais (destacando-se a
figura de Deus). No entanto, este desejo de proteção nem sempre é investido de contornos
positivos. De facto, o sujeito poético manifesta, ao longo de toda a obra, dúvidas em relação à
existência de Deus.

Deste modo, mais do que um gesto voluntário de entrega ao divino, o comportamento do eu lírico
é, na verdade, uma atitude de desistência resultante de um sentimento de profundo desencanto
em relação a todas as esperanças.

Em suma:

A presença do desencanto, da angústia, da dor, da desilusão, da morbidez, da frustração e do


cansaço; a interiorização reflexiva, a inquietação filosófica e o desassossego, para além dos seus
sonetos pessimistas. Todos estes fatores e sentimentos geram num refúgio na desistência, no
sonho e na transcendência religiosa desejada pelo sujeito poético. A chamada “Configuração do
Ideal”.

Configurações do Ideal

A obra poética anteriana é marcada pela busca de um ideal, que pode assumir diferentes
configurações.

Em primeiro lugar, como foi anteriormente referido, o sujeito poético faz a apologia da
necessidade da transformação da sociedade – cujo processo, o poeta teria um papel fundamental.
Esta vertente da poesia anteriana é influenciada pelos ideais socialistas, que inspiraram as
iniciativas políticas do poeta ao longo da vida.

Em segundo lugar, o sujeito poético manifesta também a sua aspiração a um amor que surge,
muitas vezes, com contornos idealizados (e que é, por vezes, associado a uma figura feminina
também ela ideal.

Finalmente, é de destacar a busca da perfeição a nível ético – que está, obviamente, também
associada a uma preocupação constante com a busca do bem e da própria santidade.

Em suma:

A presença da Razão, a racionalidade confiante, o romantismo humanitarista, os sonetos otimistas


e a crença na luta por uma sociedade melhor, enquanto “Soldado do Futuro”.

Relembra
Antero de Quental foi um poeta atormentado pela sede de infinito e pelo desejo da eternidade. Foi
um poeta-pensador com uma ânsia metafísica nessa busca desesperada de infinito e de absoluto
que se transformou na grande obsessão da sua vida.

Preocupado com o mundo em que vivia, procurou interpretá-lo para o conhecer bem. Consciente
da sua desordem e da sua confusão, aspira ao equilíbrio, buscando a justiça, o amor, a verdade, a
fraternidade, linhas que percorrem a sua produção poética e que julga encontrar nos ideais
socialistas.

Antero deseja construir um mundo novo marcado pela fraternidade, pela solidariedade, pela
justiça e pela igualdade.

Guiado pela razão, o ser humano deve ser promotor da harmonia e atingir a liberdade, construída
através do amor e da justiça.

Angústia Existencial

As interrogações sobre o mistério da vida e da Morte, do Universo e de Deus (a preocupação com a


existência de Deus está sempre presente) conduziram-no a um estado de permanente ansiedade,
angústia e desânimo.

O permanente conflito interior, o vazio existencial, as desilusões, a insatisfação constante, o pavor


da morte e o amor à vida, o confronto entre o sonho/realidade, os abandonos martirizam o poeta,
que se transforma numa vítima náusea do real.

No intuito de se libertar deste sentimento doloroso de derrota, o sujeito poético busca


desesperadamente uma forma de evasão (fuga) – quer através da aspiração a um estado de
indiferença, quer através do desejo de refúgio no sono no seio de uma figura protetora, que tanto
pode assumir traços maternais ou traços paternais (Nossa Senhora ou Deus).

No entanto, este desejo de proteção nem sempre é investido de contornos positivos.

De facto, o sujeito poético manifesta, ao longo de toda a obra, dúvidas em relação à existência de
Deus. Deste modo, mais do que um gesto voluntário de entrega ao divino, o comportamento do
sujeito poético é, na verdade, uma atitude de desistência resultante de um sentimento profundo
de desencanto em relação a todas as esperanças.

A morte aparece salvadora e libertadora: consciente da inutilidade da sua vida e do fracasso dos
seus projetos, desencantado e depois resignado, Antero suicida-se.

Configurações do Ideal

A obra poética anteriana é marcada pela busca de um ideal, que pode assumir diferentes
configurações.

Em primeiro lugar, como foi anteriormente referido, o “sujeito poético” faz a apologia da
necessidade de transformação da sociedade – o processo em que o poeta teria um papel
fundamental. Esta vertente da poesia anteriana é influenciada pelos ideais socialistas, que
inspiraram as iniciativas políticas do poeta ao longo da vida. (Ex: Geração de 70 e a Questão
Coimbrã).
Em segundo lugar, o sujeito poético manifesta também a sua aspiração a um amor que surge,
muitas vezes, com contornos femininos idealizados.

Finalmente, é de destacar a buscar pela perfeição a nível ético – que está, obviamente, também
associada à aspiração à justiça social. Este processo pauta-se por uma preocupação constante com
a busca do Bem e da própria santidade.

Antero acredita:

- Nos ideais de Amor, Justiça e Liberdade;

- No primado da Razão;

- No combate ético e ideológico para a construção de um mundo melhor e superior;

- Na capacidade e responsabilidade do indivíduo no devir histórico.

Antero busca, racionalmente, o ideal transcendente.

Linguagem, estilo e estrutura

Na tradição de Sá de Miranda, Camões e outros poetas portugueses, Antero de Quental cultiva o


soneto com grande mestria. No entanto, apropria esta tradição aos temas literários e filosóficos
que trata e à estética que adota na escrita destes poemas.

Assim, apesar de ser o mentor da Questão do Bom Senso e Bom Gosto (polémica em que atacou a
literatura do Ultrarromantismo) e correligionário dos escritores realistas, como Eça, Antero
exprime as suas ideias em sonetos marcados por uma linguagem recuperada do Romantismo,
cultivando um vocabulário e motivos literários associados à noite, à morte, às ruínas, etc. (Nada
aqui há de contraditório porque as ideias estão em consonância com o ideário realista e o
pensamento moderno da segunda metade do século XIX).

Com os seus catorze versos decassilábicos, o soneto é uma forma poética que permite desenvolver
uma ideia, um raciocínio, de forma sintética e concentrada. Após tratar um problema,
normalmente de natureza filosófica, o sujeito poético dos sonetos de Antero chega a uma
conclusão no terceto final e remata o seu pensamento com a chamada “chave de ouro”, com um
desfecho engenhoso. Reconhece-se a este poeta o virtuosismo de conseguir tratar temas de
natureza filosófica, religiosa ou social na curta extensão do soneto.

A reflexão é desenvolvida nestes sonetos em termos poético e, em muitos casos, em tom de


monólogo interior, como se o sujeito poético discorresse mentalmente sobre o problema que está
a tratar ( ver soneto “Desesperança”). Noutros casos, como em “Aparição”, há um esboço de
diálogo entre o sujeito poético e outra entidade que anima a reflexão que está em curso.

Os temas filosóficos tratados no soneto de Antero de Quental passam pela relação entre o Homem
e Deus (“Ignoto Deo”), o amor (“Sonho Oriental”), a morte (“Mors libetrix”), a angústia existencial
(“O palácio da ventura”), a configuração do ideal (“Ideal”). Mas o poeta revela também
preocupações sociais, cívicas e políticas – ou não tivesse tido Antero uma participação ativa na
arena pública portuguesa: ver poema “Justitia Mater”.
Como na grande maioria dos sonetos, Antero desenvolve um argumento e trata questões
filosóficas, a linguagem tende a ser abstrata (“Tormento do Ideal”). Daí que se afirme que o poeta
cultive um discurso concetual nas suas composições poéticas, pois com esta linguagem debate
ideias e conceitos.

No entanto, alguns poemas adotam um registo narrativo e, nesse modo discursivo, apresentam um
breve episódio que retrata uma questão ou um problema filosófico: a busca da felicidade (“O
palácio da Ventura”), o papel do amor e da morte na vida dos homens (“Mors-amor”), entre
outros.

Recursos Expressivos

Se atentarmos nos principais recursos expressivos cultivados por Antero de Quental nos seus
sonetos, constatamos que a metáfora é usada para representar de forma eloquente e reveladora
conceitos, fenómenos e situações que são centrais no desenvolvimento do raciocínio do sujeito
poético. Nas metáforas, o sujeito poético ganha um olhar novo e revelador sobre uma ideia ou um
conceito: “Estreita é do prazer na vida a taça” (a taça do prazer), “o cálix amargoso da desgraça”.

Próxima da metáfora, a imagem é um recurso expressivo que consiste numa representação, de


natureza metafórica com um forte apelo visual. Antero usa-a, em alguns casos, associada à
alegoria: observe-se como em “O palácio da Ventura” a busca da felicidade é representada pela
demanda de um cavaleiro ou como a ação da morte e do amor na vida dos homens é figurada na
imagem de um cavaleiro negro que avança na noite escura “Mors-amor”.

Antero recorre à personificação de elementos físicos e de conceitos abstratos, que surgem como
personagens nos poemas: o meu coração, a minha alma, o vento, o sonho, mas também a Justiça,
a Razão, o Amor (“Mors-amor”), e a Morte (“Mors-libetrix”). Desta forma, o sujeito poético dirige-
se a estas entidades, questiona-as, lamenta-se, exige-lhes explicações como se estivesse a falar
com outra pessoa. Frequentemente, estes nomes surges com inicial maiúscula.

Assim, em alguns sonetos, o sujeito poético estabelece diálogo com esses elementos e conceitos
personificados a fim de desenvolver o seu raciocínio ou de expor o seu argumento. É nesse
momento que se socorre dos apóstrofes para interpelas estas entidades: “Razão, (…) Mais uma vez
escuta a minha prece” (Hino à razão); “e tu, Morte, bem-vinda!” (“Em viagem”).

As interrogações, as frases exclamativas e as reticências servem para conferir o tom inquiridor, mas
também a coloquialidade, à discussão de ideias que o sujeito poético está a desenvolver
interiormente.

Por fim, registe-se a presença de um vocabulário associado à escuridão, mas também um léxico
relativo à luz e à claridade: estes dois campos lexicais traduzem a dimensão luminosa e a negra dos
sonetos de Antero de Quental. Como antes vimos, se o primeiro campo lexical de luz alude à
racionalidade, à justiça ou à ideia de bem, o segundo reúne palavras associadas ao pessimismo, ao
desespero ou à morte.

Análise do poema “A UM POETA”

Surge et ambula!

Tu, que dormes, espírito sereno,


Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno,


Afugentou as larvas tumulares…
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno…

Escuta! É a grande voz das multidões!


São teus irmãos, que se erguem! São canções…
Mas de guerra… e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,


E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate.

Neste soneto, o termo “Poeta” interpela-se à figura de um idealista, possivelmente em


consonância com o espírito da época. A referência ao espírito do mundo romântico, lúgebre e
sombrio, percebe-se quando, personificando o sol, usa a metáfora em “Afugentou as larvas
tumulares” (v.6) e “Um mundo novo espera só um aceno” (v.8). Mas o que interessa, sobretudo, é
perceber que o sujeito lírico faz um apelo a todo aquele que é capaz de sonhar, mas vive alheado e
num estado passivo e de inércia quando é necessária a luta revolucionária ao lado de um povo que
sofre e que busca a liberdade (na poesia anteriana, a ânsia de um mundo novo e renovado pelos
ideais da fraternidade e da solidariedade, justiça, etc. É uma característica temática da
configuração do ideal).

Na primeira quadra (que constitui uma tese argumentativa) encontramos a estagnação, a


passividade e o alheamento do poeta em relação à realidade social e política do mundo, “Longe da
luta e do fragor terreno” (v.4); na segunda quadra e no primeiro terceto (antítese, com a
explanação e a confirmação da tese), surge o apelo à consciencialização do poeta para a
necessidade de mudar de atitude pois está em causa um povo que precisa da solidariedade,
“Escuta! É a grande voz das multidões! São os teus irmãos! vv9-10); no último terceto (síntese
conclusiva), irrompe o apelo para a ação – “Ergue-te” (v.12) – destacando a importância da poesia
como arma de combate, como voz da revolução, apelidando o Poeta de” Soldado do Futuro” (v.12)
e “Sonhador” (v.14).

Em todo o soneto se encontra um apelo para a necessidade de agir e que está bem expressa na
gradação verbal, nos apóstrofes e no uso do imperativo: “Tu, que dormes”, “Acorda”, “Escuta!”,
“Ergue-te”, “Faze”. Este poema mostra bem a sua aposta na poesia como “voz de revolução”.

Antero de Quental foi um verdadeiro apóstolo social, solidário e defensor da justiça, da


fraternidade e da liberdade. Mas as preocupações nunca o deixaram desde que entrou nos meios
universitários de Coimbra e se tornou líder da Geração de 70 que, em Lisboa, continuou a sua luta.
É o próprio que, numa carta autobiográfica, de 14 de maio de 1887, dirigida a Wilhelm Storck,
afirma que: “O facto importante da minha vida, durante aqueles anos e, provavelmente o mais
decisivo dela, foi a espécie de revolução intelectual e moral que em mim se deu ao sair, pobre
criança arrancada do viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no seu plácido sono
histórico, para o meio da irrespeitosa agitação intelectual de um centro, onde, mais ou menos
vinham repercutir-se as encontradas correntes do espírito moderno. Varrida num instante toda a
minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungentes
quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem
esforço a uma regra reconhecida. Achei-me sem direção, estado terrível de espírito, partilhado
mais ou menos por quase todos os da minha geração, a primeira em Portugal que saiu
decididamente e conscientemente da velha estrada da tradição”.

Análise do poema “O palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante.


Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,


Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:


Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d´ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d´ouro, com fragor…


Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – E nada mais!

Neste soneto de Antero é possível notar 4 fases do sujeito poético. A primeira quadra corresponde
a uma fase de entusiasmo, os dois primeiros versos da segunda quadra correspondem a uma fase
de desânimo do sujeito poético. Os últimos dois versos da segunda quadra, o primeiro terceiro e o
primeiro verso do segundo terceto correspondem a uma fase em que o “eu” lírico renova a sua
esperança. No entanto, os últimos dois versos do segundo terceto resultam novamente numa fase
de desilusão por parte do sujeito poético.

Na primeira quadra (vv1-4) correspondente à fase do entusiasmo encontramos: o “sonho” e um


“cavaleiro andante”, ou seja, um plano onírico/plano de idealização e um cavaleiro andante, figura
que representa o triunfo militar ou espiritual, que serve geralmente uma causa superior (no caso,
procura o palácio da Ventura, que representa o bem maior e a felicidade (“Ventura” significando a
felicidade). De seguida, são enumerados os obstáculos que o cavaleiro andante enfrenta “Por
desertos, por sóis, por noite escura”, além dos obstáculos poderá estar a recompensa/objetivo que
ele anseia e procura.
Nos dois primeiros versos da segunda quadra (vv5-6) correspondentes à fase de desânimo
encontramos: um conector com valor de contraste que opõe o ideal e o real sobre o que é possível
de alcançar, sobre o que deve esperar em relação ao que procura, é perfeito e idílico ou imperfeito
e real. As metáforas do desânimo “Quebrada a espada já, rota a armadura” evidenciam que a
busca do cavaleiro andante para lá dos seus obstáculos não tem resultados e o uso das reticências
exalta o desalento e o desencorajamento que sente, sendo voluntário à desistência.

Nos dois últimos versos da segunda quadra, no primeiro terceto e no primeiro verso no segundo
terceto, ou seja, nos versos 7-12, estamos perante uma fase de renovação da esperança do sujeito
poético. O sujeito poético avista o objetivo que procura, o palácio da Ventura e, isto causa no “eu”
lírico um sentimento de alegria, de esperança renovada e de desejo (cujas marcas de exclamação
atentam e no uso dos adjetivos “fulgurante” e “formosura”). O palácio da Ventura é um símbolo de
felicidade e, por isso, suscita-se no sujeito poético o desejo do que estará dentro das suas portas “d
´ouro”. Sendo ele “o Vagabundo, o Deserdado”, símbolos da errância, da perda e do sofrimento
que sentira na sua vida, deseja com expectativa o que estará para vir.

No entanto, nos dois últimos versos do segundo terceto, uma fase de desilusão invade o sujeito
poético ao descobrir (“Mas”) que dentro do palácio da Ventura não encontra o que deseja. O que
no exterior se mostra fulguroso e de uma extrema formusura, revela-se num interior de silêncio e
de escuridão. O uso do advérbio “só” enfatiza a desilusão que sente, pois para lá das “portas
d’Ouro” só encontra silêncio e escuridão, ou seja conotações negativas que suscitam em si
emoções negativas.

O percurso do cavaleiro andante até ao “palácio da Ventura” demonstra a alegoria da vida segundo
a perspetiva pessimista de Antero de Quental, a esperança transforma-se em desilusão.

Análise do poema “Na mão de Deus”


Simbologia do lado direito de Deus – Segundo a Bíblia, os eleitos sentar-se-ão à direita de Deus

Na mão de Deus, na sua mão direita,


Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita


A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,


Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto…


Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
Neste soneto de Antero de Quental, é possível notar que a temática seguida é a angústia
existencial. Ao aludir a figura de Deus, corresponde-se o desejo de refúgio no sono no seio de uma
figura protetora, no caso, que assume contornos paternais. No intuito de se libertar da “lôbrega
jornada” da vida, o sujeito poético procura uma forma de invasão, seja através do referido refúgio
do sono ou da aspiração a um estado de indiferença. Os dois primeiros versos (vv1-2) da primeira
quadra demonstram que é “na mão de Deus, na sua mão direita” que o sujeito poético pode
encontrar o descanso pretendo (o refúgio) que ele pretende. Deste modo, através de uma atitude
voluntária de entrega ao divino, ou seja, uma atitude de desistência resultante da consciência da
inutilidade da vida “transitória e imperfeita” comparada com os sonhos de “criança”. O sujeito
poético considera a morte como salvadora e libertadora da sua vida e do fracasso dos seus
projetos, desencantado e resignado. (“Dorme o teu sono, coração liberto, Dorme na mão de Deus
eternamente!”).

Os versos 3-8 correspondem a uma fase de abandono do Ideal e da Paixão/Negação da Ilusão, a


fase de entrega voluntária ao divino, de desistência do sujeito poético. Os versos 9-12
correspondem à fase em que o “eu” lírico toma consciência da vida como um percurso adverso e
da sua inutilidade.

Nos últimos dois versos do segundo terceto, estes correspondem à fase do sono profundo (morte).

Em relação à simbologia, o sujeito poético configura-se como um dos escolhidos de Deus, onde o
seu coração descansa. A metáfora “do palácio encantado da Ilusão” evidencia o conjunto de
sonhos não concretizados ao longo da vida “Desci a passo e passo a escada estreita”. (vv1-4)

Após notar que os sonhos alimentados durante toda a vida numa “ignorância infantil” já lá vão,
abandona o “Ideal” e a “Paixão”. A forma “transitória” e “imperfeita” da vida são, adjetivos que
destacam o caráter ilusório do “Ideal” e da “Paixão”. O sujeito poético vê a vida como um percurso
adverso (“Lôbrega jornada”) e deseja o sono eterno. (vv5-12)

Finalmente, o coração do sujeito poético está livre (“coração liberto”), atingiu um estado liberto da
amargura provocada pela busca em vão dos ideais, do ideal transcendente. Encontra no sono
profundo, o estado de indiferença que o permite libertar-se do transitório e do imperfeito,
refugiando-se do seio na figura divina, Deus. (“Dorme na mão de Deus eternamente”).

Em síntese… Antero de Quental

Na poesia de Antero de Quental, encontramos duas tendências: uma tendência otimista e


tendência pessimista do sujeito poético. Correspondem, respetivamente, às Configurações do Ideal
e à Angústia existencial (2 temáticas).

Na temática das Configurações do Ideal, ou seja, perante a tendência otimista de Antero, estão
presentes características que o “eu” lírico assume: a racionalidade otimista e de luta (acreditando
nos valores da Razão, da Justiça, do Amor, da Fraternidade e da Solidariedade) notada no poema
“Hino à razão”; A visão de uma amor espiritualizado notado no poema “Ideal”; e a propósito do
desejo de um mundo renovado pelos seus ideais, O Poeta como “voz da Revolução” notado no
poema “A um Poeta”.

Na temática da Angústia existencial, ou seja, perante a tendência pessimista de Antero, estão


presentes características que o “eu” lírico assume: a insatisfação face ao amor e à vida, a
interiorização reflexiva e a inquietação filosófica. Notadas no poema “O Palácio da Ventura” e
“Despondency”.

Antero é influenciado por uma inquietação espiritual, pela procura de algo que dê um sentido ou
uma finalidade à existência humana. Aceita uma entidade que aparece, quase sempre, sob
contornos vagos ou indefinidos e que pode assumir o nome de Deus (Ex: Ignoto Deo”). Afirma o
seu desejo de sonhar, em contraste, com a insatisfação perante um real sentido como demasiado
frustrante ou limitado.

Segundo o crítico literário António Sérgio, a dualidade na personalidade do poeta, é dominada


pelo: espírito crítico do filósofo, ou seja, pela sua lucidez de intelecto, pelo espírito apostólico, pelo
autodomínio, pela consciência plena, pela concentração do pensamento, pela exaltação do amor e
do primado da Razão.

Linguagem, estilo e estrutura

Em relação à linguagem na poesia anteriana, esta assume um discurso concetual.

Um discurso rico marcado por um elevado grau de elaboração formal, por conceitos filosóficos e
noções abstratas. Trata-se de uma poesia de ideias e questionação. Sobretudo, sonetos.

ANTERO DE QUENTAL EM EXAME

1998 | Português B | 1ª fase – 2ª chamada

SONHO ORIENTAL

Sonho-me às vezes rei, n´alguma ilha,

Muito longe, nos mares do Oriente,


Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha…

O aroma da magnólia e da baunilha


Paira no ar diáfano e dormente…
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha…

E enquanto eu na varanda de marfim


Me encosto, absorto n´um cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,

Do profundo jardim pelas clareias,


Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.

1. O soneto encontra-se divido logicamente, por um lado, as duas quadras; por outro lado, os
dois tercetos. As duas partes são unidas por um “E” integrativo; a primeira parte refere-se
a o lugar, o tempo e o ambiente de uma ilha, e a segunda parte refere a presença do “eu” e
do “tu” num espaço que, apesar de ainda ser marcado como exterior, é já o de uma casa,
ou um palácio, com uma “varanda” e um “jardim”.
2. Os principais elementos que evocam o oriente são “os mares”, “a ilha”, “a noite balsâmica”,
“o aroma da magnólia”, “o ar diafóno”, “o profundo jardim” e o “leão familiar”, “a varanda
de marfim”, “as palmeiras”, “a orla dos bosques”.
3. A distância é sublinhada desde o segundo verso “Muito longe, nos mares do Oriente”,
depois é referida pelo “Oriente”, pela “varanda de marfim” e pelo “leão familiar”, que são
outros tantos sinais dessa distância, dessa estranheza ou desse exotismo. A distância é um
elemento importante para a caracterização deste “sonho oriental”, que está situado num
mundo tão longínquo que nada tem a ver com o mundo em que é sonhado. A distância
convida à divagação, à fantasia, ao onirismo.
4. O ambiente de sonho é sugerido pela impressão de um espaço onírico, um ambiente
paradisíaco, um sonho consolador. Esta impressão é transmitida pelos elementos visuais
da noite luminosa e pelos odores balsâmicos, bem como pelo clima de paz e de silêncio (o
ar é “dormente”, o “eu” está absorto (absorto significa estar imerso num pensamento e
alheio ao que o rodeia), o “tu” divaga “ao luar” ou descansa) e, ainda, pela imagem do
leão deitado aos pés da mulher, em harmonia perfeita.
5. O “eu”, “rei” imagina-se encostado à varanda, “absorto”, ou seja, imerso num pensamento
e alheio ao que o rodeia “num cismar sem fim. O “tu” “divagas ao luar” ou “descansas
debaixo das palmeiras/Tendo aos pés um leão familiar”. O “eu” é quem sonha, é
representado imóvel, num espaço quase-interior. O “tu” é representado no exterior, em
movimento ou em descanso; ao ser figurado “debaixo das palmeiras” com um “leão
familiar” aos pés, o “tu” mais que o “eu”, torna-se uma imagem do poder real, quer
porque o leão é um símbolo de realeza, quer porque a mansidão com que se lhe deita aos
pés mostra que o “tu” tem poder sobre ele.

MORS LIBERATRIX (“morte libertadora”)

Na tua mão, sombrio cavaleiro,


Cavaleiro vestido de armas pretas,
Brilha uma espada feita de cometas,
Que rasga a escuridão, como um luzeiro.

Caminhas no teu curso aventureiro,


Todo envolto na noite que projetas…
Só o gladio de luz com fulvas betas
Emerge do sinistro nevoeiro.

- “Se esta espada que empunho é coruscante,


(Responde o negro cavaleiro andante)
É porque esta é a espada da verdade.

Firo, mas salvo… prostro (derrubo) e desbarato (derroto/destruo)


Mas consolo… subverto, mas resgato…
E, sendo a Morte, sou a Liberdade.”
1. A estruturação do poema em partes lógicas delimita a encenação de uma situação de
diálogo (monólogo interior característica na poesia anteriana) entre o “eu” lírico/sujeito
poético e o “cavaleiro” (figura especular/transcendente do sujeito) transparece na forma
como se estrutura o texto. Assim, este poema organiza-se em duas partes lógicas: as duas
quadras que correspondem ao momento em que o sujeito poético interpela o cavaleiro e
procede à sua caracterização, descrevendo os seus atributos e dando conta da sua
caminhada na noite (caminho difícil); os dois tercetos correspondem à resposta do “tu”
(cavaleiro) à pergunta implícita do sujeito poético, esclarecendo a sua função enquanto
“cavaleiro-andante”, bem como a razão de ser da luminosidade da espada que empunha
(cuja luz, perante a escuridão que representa a morte, esta espada representa a
Liberdade).

Importância da oposição luz/sombra

A oposição luz/sombra (escuridão) marca todo o soneto anteriano, funcionando como uma
caracterização da figura do cavaleiro e do seu emblema por excelência – a espada. As palavras e
expressões que caracterizam a espada empunhada pelo cavaleiro sublinham a luminosidade
(“Brilha”, “cometas”, “rasga a escuridão”, “luzeiro”, “luz”, “fulvas betas”, “coruscante”), ao passo
que as que contribuem para a definição da figura do sujeito poético acentuam o seu caráter
noturno e sombrio (“sombrio cavaleiro), “armas pretas”, “escuridão”, “envolto na noite que
projetas”, “sinistro nevoeiro”, “negro cavaleiro-andante”). Todos estes sentidos são retomados na
oposição presente no título e no último verso: “Morte” /” Liberdade”.

Aspetos formais e recursos estilísticos relevantes

Relativamente aos recursos estilísticos, destacam-se, entre outros, os seguintes:

- A imagem alegórica do “cavaleiro-andante”, representando simbolicamente a “Morte” e a


“Liberdade”;

- A comparação (“Que rasga a escuridão, como um luzeiro” v.4), salientando a luminosidade que
provém da “espada”;
- A metáfora (“sinistro nevoeiro” v.8), conotando o caráter misterioso, ameaçador e adverso da
“noite”.

- A adjetivação profusa, servindo a caracterização do cavaleiro, da sua espada emblemática, e a


recriação cénica do ambiente;

- As antíteses “Firo/Salvo”, “Prostro e desbarato/consolo”, “Subverto/resgato”, revelando a


natureza paradoxal do cavaleiro (a qual atinge o seu ponto culminante no oxímoro “E, sendo a
Morte, sou a Liberdade” v.14);

Em relação aos aspetos formais, destaca-se: a estrutura do soneto, o verso decassílabo, o esquema
rimático ABBA (nas quadras) e CCD/EED (nos tercetos).

Valor simbólico do “negro cavaleiro-andante”

Simbolicamente, o “negro-cavaleiro andante” representa: uma figura de caráter dual e paradoxal,


simultaneamente de conotação positiva (“Verdade” e a “Liberdade”) e de conotação negativa
(“Morte”); o processo de busca do conhecimento e do bem, personificado pela sua figura que,
sendo detentora do “gládio de luz” /” espada da Verdade” (espada da luz), prossegue o seu “curso
aventureiro” (demanda) dando cumprimento à sua missão libertadora;

O caráter ambivalente e doloroso do processo de conquista (Morte) e de afirmação de um ideal,


um ideal transcendente (no Céu ou no Inferno).

Sonho que sou um cavaleiro andante.


Por desertos, por sóis, por noite escura,
paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,


Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:


Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro, com fragor…


Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão — E nada mais!

1. Os traços caracterizadores da figura do “cavaleiro andante” correspondem, sendo um


“Paladino do amor” (v.3), o “cavaleiro andante” (v.1) é sonhador e determinado,
procurando ansiosamente (“anelante” – v.3) o “Palácio da Ventura” (Felicidade), que é o
seu grande objetivo. Corajoso, entrega-se a essa busca até ao limite das suas forças (v.5). E,
quando se encontra perante ele, declara-se como o “Vagabundo, o Deserdado” (v.10), a
quem falta toda a felicidade.
2. As imagens do “palácio encantado” (v.4) e das “portas d’Ouro” (vv11-12) sugerem um
ambiente de sonho pois, para além da expressão que abre o poema “Sonho que sou”,
encontram-se associadas a um mundo de fantasia, que contribuem para a criação de uma
atmosfera onírica: um “palácio encantado” que parece flutuar num plano superior (“aérea
formosura” – v.8) e umas “portas d’Ouro” que se abrem sozinhas, como que movidas por
forças misteriosas.
3. Neste soneto de Antero é possível notar 4 fases do sujeito poético. A primeira quadra
corresponde a uma fase de entusiasmo, os dois primeiros versos da segunda quadra
correspondem a uma fase de desânimo do sujeito poético. Os últimos dois versos da
segunda quadra, o primeiro terceto e o primeiro verso do segundo terceto correspondem
a uma fase em que o “eu” lírico renova a sua esperança. No entanto, os últimos dois versos
do segundo terceto resultam novamente numa fase de desilusão por parte do sujeito
poético.
4. O palácio da Ventura é um símbolo de felicidade e, por isso, suscita-se no sujeito poético o
desejo do que estará dentro das suas portas “d´ouro”. Sendo ele “o Vagabundo, o
Deserdado”, símbolos da errância, da perda e do sofrimento que sentira na sua vida,
deseja com expectativa o que estará para vir.

Amor de Perdição

Amor de Perdição, cujo subtítulo é “Memórias de uma família”, aponta para dois níveis de ação:
por um lado, são narrados os factos trágicos da personagem principal, Simão Botelho, que podem
ser resumidos na simbólica frase “Amou, perdeu-se e morreu amando”; por outro lado, apresenta-
se, em tons memorialísticos, a genealogia da família Botelho.

Caracterização das personagens

Simão Botelho

Simão Botelho é um jovem bonito e viril. É o típico herói romântico: rebelde, intempestivo,
solitário, transformado pelo amor. É uma pessoa digna e honrada, corajosa e determinada, que
acredita no amor eterno.

Teresa de Albuquerque

Teresa de Albuquerque é uma jovem bonita de origem aristocrática e rica. É apaixonada por Simão,
muito sensível e acredita no amor eterno. Tem uma personalidade forte e determinada – recusa
casar com Baltasar Coutinho (primo), revelando a sua coragem, mantém a sua vontade,
enfrentando a tirania do pai (Tadeu de Albuquerque).

Mariana

De origem popular, Mariana é jovem e bonita (mais bonita do que Teresa Albuquerque), é
desembaraçada e decidida. Acredita no amor eterno e é apaixonada por Simão Botelho, revelando-
se abnegada e sofredora – ama Simão e acompanha-o sempre, mesmo sabendo que o jovem ama
Teresa de Albuquerque e acaba por se suicidar quando Simão morre. Revela-se uma personagem
forte e determinada.

João da Cruz

É uma personagem do povo, um castiço rude e violento, mas muito corajoso, grato e bondoso. É
amigo de Simão.

Baltasar Coutinho

É orgulhoso, prepotente, insensível e arrogante. Mesmo sabendo que Teresa ama Simão, decide
levar o seu desejo de a desposar avante.

Tadeu de Albuquerque e Domingos Botelho

São os pais de Teresa de Albuquerque e Simão Botelho, respetivamente. São personagens


orgulhosas, preconceituosas, conservadoras e inflexíveis. Revelam-se insensíveis e autoritários ao
amor arrebatado de Teresa e Simão, cedendo perante todas as convenções sociais.

Estrutura da obra
Introdução

A Introdução é o palco onde se faz a apresentação de Simão Botelho, condenado ao degredo na


Índia. São feitas algumas reflexões do narrador e um diálogo com o leitor.

Capítulo I

No capítulo I é apresentada a árvore genealógica da família Botelho. É realizada uma


caracterização de Simão Botelho aos 15 anos de idade: um rebelde estudante em Coimbra.

Capítulos II e III

Nos capítulos II e III é relatado o liberalismo de Simão que o leva à cadeia, em Coimbra, e a ida para
Viseu ao fim de 6 meses. A paixão por Teresa, filha de Tadeu de Albuquerque, de uma família rival
da sua. A mudança de comportamento de Simão, que se torna mais moderado e sereno. É
descoberta a relação por Tadeu de Albuquerque, que ameaça enclausurar a filha num convento e
promove a aproximação de Baltasar Coutinho, seu primo. Baltasar Coutinho é recusado por Teresa,
que se confessa apaixonada por Simão.

Capítulo IV

Relata a imposição do casamento de Baltasar e Teresa por seu pai (Tadeu de Albuquerque), a
recusa desta e a promessa de Tadeu de Albuquerque de enviar a filha para um convento. A escrita
de uma missiva (carta) a Simão, na qual Teresa relata a situação.

Capítulos V a IX

É relatada a seguinte ordem de acontecimentos.

A visita de Simão à sua amada, durante a noite, interrompida por Baltasar Coutinho, que prepara
uma emboscada ao seu adversário. A fuga de Simão, apesar de ferido, com a ajuda de João da Cruz
e do cunhado, que matam os dois criados de Baltasar Coutinho. É relatado o refúgio de Simão em
casa do mestre ferrador, que deve a sua vida a Domingos Botelho, pai de Simão, enquanto Teresa é
enviada para o convento em Viseu. O carinho de Mariana, filha de João da Cruz, a tratar de Simão,
Mariana apaixona-se por ele. O plano de Tadeu de Albuquerque de transferir a sua filha para o
Convento de Monchique, no Porto, o que leva Simão a preparar um plano para a resgatar.

Ajuda de Mariana, que se prontifica a fazer chegar uma carta de Simão a Teresa.

Capítulo X

É relatada a ida de Simão ao convento de Viseu, onde se encontra com Baltasar Coutinho,
matando-o e sendo depois preso.

Capítulo XI a XX

É relatada a seguinte ordem de acontecimentos:

O abandono de Simão pela sua família, passando a contar apenas com o auxílio de Mariana. A
condenação, após matar Baltasar Coutinho, à forca, após sete meses de prisão, o que deixa
Mariana desvairada, passando a ser o seu pai o adjuvante na troca de correspondência entre os
dois apaixonados;
A doença de Teresa, que anseia pela morte, apesar de Simão, com quem se corresponde
secretamente, através de Mariana, a incitar a não desistir.

A decisão de Tadeu de Albuquerque em trazer a folha para Viseu quando sabe do seu estado de
saúde frágil, mas também porque toma conhecimento de que Simão será transferido para o Porto,
decisão que foi recusada por Teresa, em aceitar a vontade do seu pai.

O assassínio de João da Cruz pelo filho do almocreve que tinha morto há 10 anos.

A condenação de Simão ao degredo na Índia, por 10 anos, sendo que Mariana tem intenções de o
acompanhar;

A súplica vã de Teresa para que Simão não aceite o degredo e vá para a cadeia.

A partida de Simão para a Índia, na companhia de Mariana, no momento em que é informado da


morte de Teresa.

Posteriormente, a morte de Simão passados 10 dias da morte de Teresa e, o suicídio de Mariana,


que se atira ao mar, na companhia do corpo do seu amado (Simão).

Representação da expressão “Amou, perdeu-se e morreu amando”

A expressão “Amou, perdeu-se e morreu amando” simboliza as 3 fases da intriga da obra de Camilo
Castelo Branco “Amor de Perdição”.

“Amou”, pois, Simão, apesar dos ódios familiares que separam as famílias Botelho e Albuquerque,
apaixona-se por Teresa de Albuquerque.

“Perdeu-se”, pois, na sequência desta paixão arrebatadora, Simão é expulso de casa dos seus pais e
acaba por matar Baltasar Coutinho, primo e pretendente de Teresa de Albuquerque, que estava
encerrada num convento, pois não aceitava o casamento com Baltasar que o pai lhe pretendia
impor.

“Morreu amando”, pois, condenado ao degredo, Simão acaba por morrer durante a viagem, depois
de tomar conhecimento da morte de Teresa de Albuquerque (10 dias após o sucedido). Os dois
apaixonados acreditam no amor eterno e, por este motivo, veem na morte a possibilidade da
concretização do seu amor e da união que não conseguiram obter em vida.

Relações entre as personagens

Simão Botelho é apaixonado por Teresa de Albuquerque e fiel aos seus princípios.

Teresa de Albuquerque é apaixonada por Simão e corajosa perante a inflexibilidade de seu pai.

Mariana é apaixonada por Simão e cúmplice dos dois amantes.

Diálogos

A função dos diálogos em Amor de Perdição é: esclarecer situações que envolvam personagens;
transmitir informações; traduzir os sentimentos das personagens; estabelecer os confrontos entre
diferentes pontos de vista.

Concentração temporal em “Amor de Perdição”


A ação desenrola-se de forma linear e cronológica e num ritmo rápido. (A ação decorre durante 6
anos).

1801 – Simão tem 15 anos.

1803 – Teresa escreve uma carta a Simão, dizendo-lhe que o seu pai a ameaça com a ida para o
convento.

1804 – Simão tem 18 anos quando é preso por matar Baltasar Coutinho.

1805/1807 – Simão encontra-se preso (20 meses na prisão e decorrem mais 6 meses antes de
partir para a Índia, degradado).

17 de março de 1807 – Simão parte para Índia.

18 de março de 1807 – Teresa de Albuquerque morre.

28 de março de 1807 – Simão morre e Mariana também.

Os Maias

Este romance foi publicado a 2 de junho de 1888. Eça de Queirós aborda, a história de uma família
lisboeta em decadência, mas, sobretudo constrói uma crónica social, cultural e política que
permite o conhecimento do espaço e da sociedade da época.

Visão global da obra e estruturação – Título e subtítulo

A ação do romance baseia-se na história de três gerações da família Maia (Afonso, Carlos e Pedro)
e tem como pano de fundo a sociedade lisboeta de grande parte do século XIX.

O título “Os Maias” remeta para a história de uma família ao longo de três gerações, incluindo a
intriga secundária e a principal, que se constrói como uma ação fechada.

O subtítulo “Episódio da vida romântica” aponta para uma descrição/pintura de um certo estilo de
vida – o romântico – a partir da crítica de costumes da sociedade lisboeta, particularmente da
aristocracia e da alta burguesia da década de 70 do século XIX. Esta crítica concretiza-se através da
construção de ambientes (macro espaços) e da atuação de personagens-tipo.

Caracterização das personagens

Afonso da Maia

Provavelmente o personagem mais simpático do romance e aquele que o autor mais valorizou.
Não se lhe conhecem defeitos. É um homem de caráter culto e requintado nos gostos. Enquanto
jovem adere aos ideais do Liberalismo e é obrigado, pelo seu pai, a sair de casa; instala-se em
Inglaterra, mas, falecido o pai, regressa a Lisboa para casar com Maria Eduarda Runa.

Mais tarde, dedica a sua vida ao neto Carlos. Já velho passa o tempo em conversas com os amigos,
lendo com o seu gato – Reverendo Bonifácio – aos pés, opinando sobre a necessidade de
renovação do país. É generoso para com os amigos e os necessitados. Ama a natureza, tem altos
princípios morais. Morre de uma apoplexia, quando descobre os amores incestuoso dos seus
Netos (Carlos Eduardo da Maia e Maria Eduarda).
Pedro da Maia

Pedro da Maia apresentava um temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional.


Tinha assiduamente “crises de melancolia negra que o traziam dias e dias, murcho, amarelo, com
as olheiras fundas e já velho”. Eça de Queirós dá grande importância à vinculação desta
personagem ao ramo familiar dos Runa e à semelhança psicológica com este. Pedro é vítima do
meio lisboeta e de uma educação retrógrada (à portuguesa). O seu único sentimento vivo e
intenso fora a paixão pela mãe. Apesar da robustez física, é de uma enorme cobardia moral (como
demonstra a reação do suicídio face à fuga da mulher (Maria Monforte) com o napolitano
Tancredo. Falha no casamento e falha como homem.

Carlos da Maia

Carlos era culto, bem-educado, de gostos requintados. Ao contrário do seu pai, é fruto de uma
educação à inglesa. É corajoso e frontal. Amigo do seu amigo e generoso. Destaca-se na sua
personalidade o cosmopolitismo, a sensualidade, o gosto pelo luxo, e o diletantismo (a
incapacidade de se fixar num só projeto sério e de o concretizar). Todavia, apesar da educação,
Carlos fracassou. Não foi devido a esta, mas falhou, em parte, por causa do meio onde se envolveu
uma sociedade parasita e ociosa, fútil e sem estímulos. Mas também devido a aspetos hereditários
– a fraqueza e a cobardia do pai, o egoísmo, a futilidade e o espírito boémio da mãe. Eça quis
personificar em Carlos a idade da sua juventude, a que fez a Questão Coimbrã e as Conferências do
Casino e que acabou no Grupo dos Vencidos da Vida, de que Carlos é um bom exemplo.

Maria Monforte

É vítima da literatura romântica e daqui deriva o seu caráter pobre, excêntrico e excessivo.
Costumavam chamar-lhe “negreira” porque o seu pai levara, noutros tempos, cargas de negros
para o Brasil, Havana e Nova Orleães. Apaixonou-se por Pedro e casou com ele. Desse casamento
nasceram dois filhos. Mais tarde foge com o napolitano, Tancredo, levando consigo a filha, Maria
Eduarda, e abandonando o marido – Pedro da Maia – e o filho – Carlos Eduardo da Maia. Leviana e
imoral, é em parte, a culpada de todas as desgraças da família Maia. Fê-lo por amor, não por
maldade. Morto Tancredo, num duelo, leva uma vida dissipada e morre quase na miséria. Deixa
um cofre a um conhecido português – o democrata Sr. Guimarães – com documentos que
poderiam identificar a filha a quem nunca revelou as origens.

Caracterização das personagens-tipo

João da Ega

João da Ega é a projeção literária de Eça de Queirós. É uma personagem contraditória. Por um lado,
romântico e sentimental, por outro, progressista e crítico, sarcástico do Portugal Constitucional. Era
o Mefistófeles de Celorico. Amigo íntimo de Carlos desde os tempos de Coimbra, onde se formara
em Direito (muito lentamente). A mãe era uma rica viúva e beata que vivia ao pé de Celorico de
Bastos, com a filha. Boémio, excêntrico, exagerado, caricatural, anarquista sem Deus e sem moral.
É leal com os amigos. Sofre também de diletantismo, concebe grandes projetos literários que
nunca chega a executar. Terminado o curso, vem viver para Lisboa e torna-se amigo inseparável de
Carlos. Como Carlos, também ele teve a sua grande paixão – Raquel Cohen. Ega, falhado,
corrompido pela sociedade, encarna a figura defensora dos valores da escola realista
(Naturalismo/Realismo) por oposição à romântica (Ultrarromantismo). Na prática, revela-se um
eterno romântico pela forma como vive. Nos últimos capítulos ocupa um papel de grande relevo
no desenrolar da intriga. É a ele que Sr. Guimarães entrega o cofre que contém informação acerca
de Maria Eduarda. É juntamente com ele, que Carlos revela a verdade a Afonso. É ele que diz a
verdade a Maria Eduarda e a acompanha quando esta parte para Paris definitivamente.

Conde de Gouvarinho

Era voltado para o passado. Tem lapsos de memória e revela uma enorme falta de cultura. Não
compreende a ironia sarcástica de Ega. Representa a incompetência do poder político
(principalmente nos altos cargos). Fala de um modo depreciativo das mulheres. Revelar-se-á, mais
tarde, um bruto com a sua mulher.

Condessa de Gouvarinho

É imoral e sem escrúpulos. Traí o marido, com Carlos da Maia, sem qualquer tipo de remorsos.
Questões de dinheiro e a mediocridade do conde fazem com que o casal se desentenda. Envolve-
se com Carlos e revela-se apaixonada e impetuosa. Carlos deixa-a-, acaba por perceber que ela é
uma mulher sem qualquer interesse, demasiado fútil.

Dâmaso Salcede

Dâmaso é uma súmula de defeitos. Filho de um agiota, é presumido, cobarde e sem dignidade. É
dele a carta anónima enviada a Castro Gomes, que revela o envolvimento de Maria Eduarda com
Carlos. É dele também, a notícia contra Carlos n´A Corneta do Diabo. Mesquinho e convencido,
provinciano e tacanho, tem uma única preocupação na vida o “chic a valer”. Representa o novo
riquismo e os vícios da sociedade lisboeta da segunda metade do século XIX. O seu caráter é tão
baixo, que se retrata, a si próprio, como um bêbado, só para evitar bater-se duelo com Carlos

Sr. Guimarães

Conheceu a mãe de Maria Eduarda, que lhe confiou um cofre contendo documentos que
identificavam a filha. Guimarães, é portanto, o mensageiro da trágica verdade que destruirá a
felicidade de Carlos e de Maria Eduarda.

Tomás Alencar

O poeta romântico, era calvo, em toda a sua pessoa “havia alguma coisa de antiquado, de artificial
e de lúgubre. Simboliza o romantismo piegas. O paladino da moral. Era também o companheiro e
amigo de Pedro da Maia. Eça serve-se desta personagem para construir discussões de escola, entre
naturalistas e românticos, numa versão caricatural da Questão Coimbrã. Não tem defeitos e possui
um coração grande e generoso. É o poeta do ultrarromantismo.

Cruges

Maestro e pianista patético, era amigo de Carlos e íntimo do Ramalhete. Era demasiado chegado à
sua velha mãe. Segundo Eça, “um diabo adoidado, mastro, pianista com uma pontinha de génio”. É
desmotivado devido ao meio lisboeta – “Se eu fizesse uma boa ópera, quem é que ma
representava”.

Craft
É uma personagem com pouca importância para o desenrolar da ação, mas que representa a
formação britânica, o protótipo do que deve ser um homem. Defende a arte pela arte, a arte como
idealização do que há de melhor na natureza. É culto e forte, de hábitos rígidos, “sentindo
finalmente, pensando com retidão”. Inglês rico e boémio, colecionador de “bric-a-brac”.

Eusebiozinho

Eusebiozinho representa a educação retrógrada portuguesa. Também conhecido por Silveirinha,


era o primogénito de uma das Silveiras – senhoras ricas e beatas. Amigo de infância de Carlos com
quem brincava em Santa Olávia, levando pancada continuamente, e com quem contrastava na
educação (Carlos tivera uma educação à inglesa). Cresceu tísico, molengão, tristonho e corrupto.
Casou-se, mas enviuvou cedo. Procurava, para se distrair, bordéis ou aventureiras de ocasião pagas
à hora.

Resumo dos acontecimentos mais marcantes por capítulo:

Capítulo I

Relata-se a instalação da família Maia no Ramalhete em 1875, no outono de 1875. A caracterização


da família Maia, as obras de restauro do palacete desabitado, apesar da discordância de Vilaça, o
procurador da família, aludindo a uma lenda de que esta casa era fatal aos Maias. A caracterização
de Afonso da Maia e o início de uma longa analepse que evoca o passado de Afonso, a vida de seu
filho Pedro e a infância e formação de Carlos Eduardo (à inglesa).

Capítulo II

Relata a viagem de núpcias de Pedro e Maria Monforte e instalação em Paris. O nascimento de


Maria Eduarda e a vida social intensa em Arroios, a traição de Maria Monforte que foge com o
napolitano Tancredo, levando a filha consigo; O suicídio de Pedro na casa de Benfica, a partida de
Afonso com o neto, Carlos, para Santa Olávia, a propriedade da família no Douro.

Capítulo III

Relata-se a educação britânica de Carlos Eduardo da Maia, em Santa Olávia, contrastando com a
educação tradicional portuguesa de Eusebiozinho. Ingresso de Carlos no curso de Medicina, em
Coimbra.

Capítulo IV

Relata-se a instalação de Carlos, no Paço de Celas, onde leva uma vida boémia, em constantes
tertúlias supostamente intelectuais; A amizade com João da Ega. A viagem pela Europa, durante 14
meses, após a formatura em Medicina; O retorno a Lisboa e a instalação em Lisboa, onde pretende
construir um luxuoso consultório e um moderno laboratório. A visita de Ega ao consultório para
lhe comunicar que está a escrever um livro “Memórias de um Átomo”.

Capítulo V

Relata-se o serão no Ramalhete com a participação de vários amigos: D. Diogo, o general Sequeira,
Cruges, Eusébio Silveira, o Conde Steinbroken e Taveira; A primeira cliente de Carlos no
consultório, ou seja, Carlos inicia a sua atividade como médico, com pouco sucesso; A vida
diletante de João da Ega e de Carlos, que se encontra na ópera de S. Carlos com a Condessa de
Gouvarinho.

Capítulo VI

Relata-se a instalação de João da Ega na Vila Balzac, um chalet decorado de forma exótica e
original; O desinteresse de Carlos pelos arroubos apaixonados da Condessa de Gouvarinho; O
Jantar no Hotel Central, organizado por João da Ega, em homenagem a Jacob Cohen e à integração
de Carlos na sociedade lisboeta; A primeira visão de Maria Eduarda por Carlos, ficando
completamente seduzido pela sua beleza e pelo seu porte.

Capítulo VII

Relata-se o ócio e tédio lisboetas que contaminam Carlos da Maia. A imposição de Dâmaso no
Ramalhete e junto de Carlos depois do jantar no Hotel Central, o convite a Carlos e a Cruges para
irem a Sintra, na expectativa de encontrar Maria Eduarda.

Capítulo VIII

Relatada a ida a Sintra, que deslumbra pela beleza da sua paisagem, a frustração de Carlos por não
encontrar Maria Eduarda, que já regressa a Lisboa, e de Cruges por se ter esquecido das queijadas,
o encontro com Eusebiozinho, Palma Cavalão e as duas amigas espanholas e, mais tarde, com
Tomás de Alencar, o poeta romântico;

Capítulo IX

Relatada a ida de Carlos a casa de Maria Eduarda, por intermédio de Dâmaso Salcede, para ver
Rosa, a filha de Maria Eduarda (que se encontrava doente), o escândalo do baile de máscaras em
casa do Jacob Cohen, que expulsa João da Ega por ter descoberto o caso com a sua mulher, a
decisão de Ega de deixar Lisboa, o desinteresse de Carlos face ao seu romance com a Gouvarinho.

Capítulo X

Relatado o episódio da vida romântica, “As corridas no Hipódromo de Belém”, marcadas pela
apatia, o (des)interesse, pela falta de brilho, pelo desajuste dos comportamentos, quer da
assistência quer dos participantes, uma tentativa falhada de imitar as corridas parisienses. A
tentativa frustrada de Carlos em ver Maria Eduarda, A carta da Castro Gomes a Carlos pedindo-lhe
que a visite no dia seguinte. Carlos anima-se.

Capítulo XI

É relatado o tratamento de Miss Sara, a governanta, que está doente, A partida da Condessa de
Gouvarinho e do marido para o Porto, A crescente intimidade de Carlos e de Maria Eduarda, a
pretexto das visitas de Carlos, como médico a Miss Sara, e os ciúmes de Dâmaso.

Capítulo XII

Relatado o regresso de João da Ega de Celorico e a instalação no Ramalhete, O jantar na “Casa dos
Gouvarinho” (Episódio da vida romântica) e a evidência dos ciúmes da Condessa de Gouvarinho
(Carlos e Maria Eduarda), A crescente cumplicidade entre Carlos e Maria Eduarda: o médico ajuda-
a a encontrar uma casa onde possa passar o verão, sugerindo a casa de Craft nos Olivais. Carlos e
Maria Eduarda beijam-se pela primeira vez. Confissão de Carlos da Maia a João da Ega: está
apaixonado. Ega percebe que Carlos está a viver um grande amor.

Capítulo XIII

É relatada a difamação de Carlos por Dâmaso Salcede. A visita de Carlos e Maria Eduarda na casa
dos Olivais e a concretização física do seu amor (primeira relação sexual ocorrida no capítulo 13). O
fim do romance entre Carlos e a Condessa de Gouvarinho.

Capítulo XIV

É relatada a partida de Afonso para Santa Olávia, a instalação de Maria Eduarda na “Toca” (planos
de fuga para Itália), A visita de Castro Gomes a Carlos: revelação sobre a verdade da sua anterior
relação com Maria Eduarda; O perdão de Maria Eduarda a Carlos: apesar de inicialmente furioso,
perdoa Maria Eduarda e pede-a em casamento.

Capítulo XV

Relato da vida amorosa de Maria Eduarda e Carlos no jornal A Tarde. Relatado o episódio da
Imprensa (Episódio da Vida Romântica) – marcado pela denúncia de um jornalismo corrupto e sem
escrúpulos.

Capítulo XVI

Relatado o Episódio do sarau do Teatro da Trindade, marcado pela falta de qualidade artística e
pela presença de um público inculto e provinciano; Encontro entre Ega e o Sr. Guimarães, o tio de
Dâmaso que vive em Paris, que lhe revela a terrível verdade sobre a relação de parentesco entre
Carlos e Maria Eduarda e lhe entrega um cofre de Maria Monforte, para dar à família.

Capítulo XVII

É relatada a descoberta a Vilaça e abertura do cofre, confirmando a veracidade da História.


Posteriormente, os dois (Vilaça e João da Ega) revelam esta notícia a Carlos; Revelação de Afonso a
João da Ega, que afirma saber que Carlos tem um caso com Maria Eduarda, A consumação
consciente do incesto de Carlos, progressivamente, o amor dá lugar ao repúdio, ao “nojo físico”. A
morte física de Afonso, esmagado por esta tragédia; O relato da Verdade de Ega a Maria Eduarda,
que parte, silenciosamente, com Rosa, para Paris; A partida de Carlos de Lisboa para Santa Olávia.

Capítulo XVIII

A partida de João da Ega e de Carlos para uma viagem à volta do mundo; Ega regressa a Lisboa
passado um ano e meio embora Carlos se instale em Paris, Carlos regressa passados 10 anos. O
regresso de Carlos a Lisboa, a peregrinação com Ega pela capital – demonstra a estagnação da
cidade, se não se verifica ainda mais decadente e decrépita; A revelação de Carlos a Ega – Maria
Eduarda tinha casado; O final do romance, o Ramalhate degradado representa a extinção da
família Maia. Os dois amigos correm para apanharem o americano que os levaria a um jantar de
amigos, depois de terem construído uma filosofia de vida – “Nada a desejar e nada a recear… não
se abandonar a uma esperança – nem a um desapontamento…”.

Os espaços físicos
A cidade de Lisboa

Santa Olávia

Coimbra

Sintra

Ramalhete

Consultório

A Toca

Recursos estilísticos

Comparação, a ironia, a metáfora, a personificação, a sinestesia (conjugação de várias sensações),


o uso expressivo do adjetivo, o uso expressivo do advérbio.

Cânticos Cesarianos

A representação da cidade e os tipos sociais

A cidade surge como um espaço que se opõe ao campo. O espaço urbano é visto como opressivo e
destrutivo (por exemplo, nos poemas “Num bairro moderno” e “O sentimento dum ocidental”),
tanto para o sujeito poético como para os populares que para aí se deslocam em busca de
melhores condições de vida, na sequência do enorme êxodo rural que ocorreu nesta época.

Em contrapartida, o campo é perspetivado como um local de liberdade – sendo que o espaço rural
não é idealizado, mas descrito de forma realista e concreta.

Mesmo nos poemas que se concentram no espaço citadino, são feitas referências frequentes ao
campo – como que a lembrar que a vocação do ser humano se orienta para uma vida harmoniosa
e natural, que só no campo se encontra e, que a vida na cidade o desumaniza. Deste modo, no
espaço urbano há sempre um desejo de evasão para o campo.

O binómio cidade/campo alarga-se também ao campo amoroso: enquanto a cidade está associada
à ausência, impossibilidade ou perversão do amor, o campo representa a possibilidade de vivência
plena dos afetos.

Cesário Verde – A deambulação e a imaginação, o observador acidental

Cesário Verde representa nos seus versos a cidade (e o campo) através do seu registo de perceções
sensoriais: embora predominem as referências visuais, o sujeito poético caracteriza também o
espaço urbano pelas constatações que lhe chegam através do ouvido (audição), do olfato e do tato
(cf. Em “O sentimento dum ocidental” e “Num bairro moderno”). Em várias situações essas
sensações cruzam-se em sinestesias.

A caracterização da cidade é feita enquanto o sujeito lírico deambula pelas ruas, anotando em
movimento o que vê, ouve, cheira e sente. O facto de deambular, de se deslocar no espaço,
permite-lhe uma perceção dinâmica e um conhecimento mais completo da realidade urbana, na
medida em que passa por vários lugares e encontra diferentes personagens (cf. “A representação
da cidade e os tipos sociais”).

Esta é uma técnica de representação do real que se propicia à análise e à crítica social: através da
comparação, da metáfora e da imagem condena-se a desumanização do trabalho quando se
encontram semelhanças entre os calceteiros e os animais de carga: “Assim as bestas vão curvadas”
(“Cristalizações”), denuncia-se o “consumismo” da mulher abastada, comparando-a a uma “grande
obra, a lúbrica pessoa”, alude-se aos habitantes da cidade, que vivem em prédios, como
encarcerados (“os emparedados”) – ambos de “O sentimento dum ocidental” (cf. Perceção
sensorial e transformação poética do real).

Perceção sensorial e a transfiguração poética do real

Na poesia de Cesário Verde, há um sujeito poético que se encontra em permanente deambulação


e cujo olhar, à semelhança de uma câmara de filmar, vai captando imagens, como instantâneos
cuja rápida sucessão é por vezes sugerido através do recurso ao assíndeto (recurso expressivo que
consiste na omissão da conjunção coordenativa entre os constituintes, que se separam apenas por
vírgulas). Assim, a visão desempenha um papel fundamental nos poemas cesarianos. O próprio
sujeito poético tem consciência deste facto, afirmando, no poema “Nós”: “Pinto quadros por
letras, por sinais”. ´

O imaginário épico em “O sentimento dum ocidental”

“O sentimento dum Ocidental” é um poema longo constituído por 44 estrofes divididas em 4


partes iguais (“Avé-Marias”, “Noite fechada”, “Ao gás”, “Horas Mortas”). O poema “O sentimento
dum Ocidental” centra-se na experiência de vida na Lisboa da segunda metade do século XIX,
como cidade ocidental moderna, desencadeia, sentimentos de melancolia, de desânimo, clausura
e até desespero.

Quanto à estrutura externa, o poema encontra-se organizado em quatro partes, cada qual com
onze quadras, formadas por um verso decassílabo e três versos alexandrinos (12 sílabas métricas).
Na edição de O livro de Cesário Verde, as quatro partes receberam os títulos: “Ave-Marias” que
corresponde às seis da tarde, “Noite fechada”, “Ao gás” e “Horas mortas”.

Estrutura:

Em termos de estrutura estrófica, Cesário recorre frequentemente à quadra, sejam os poemas


longos (“O sentimento dum ocidental”, “Nós”) ou curtos (“Sardenta”). Mas o poeta revela também
o seu gosto pela quintilha (estrofe de cinco versos), com que compõe “Cristalizações” ou “Num
bairro moderno”.

Quanto à métrica, a preferência de Cesário incide nos versos alexandrinos (versos de 12 sílabas
métricas – 3 alexandrinos) e nos decassílabos – surgem os dois tipos de verso na mesma estrofe.
Os alexandrinos e os decassílabos são versos mais extensos e permitem ao poeta, de forma mais
folgada e distendida, descrever a cidade e refletir sobre as perceções que dela tem; mas estas são
também estruturas métricas usadas porque permitem criar uma cadência musical.
As composições poéticas de Cesário recorrem sempre à rima como forma de as organizar
formalmente e de lhes incutir musicalidade. Nos poemas constituídos por quadras, encontramos a
rima cruzada (abab) ou interpolada e emparelhada (abba).

As quintilhas estruturam-se geralmente num tradicional e ritmado esquema rimático - abaab.

Recursos estilísticos na poesia cesariana

Comparação

Metáfora

Enumeração

Sinestesia

Hipérbole

Adjetivos e advérbios

“Memorial do Convento”, José Saramago

Título

“memorial, do adjetivo Memorável denomina a obra literária que relata factos históricos.
Saramago ao revisitar a história regista no seu livro o custo humano desse convento de Mafra para
que os leitores do Século XXI fiquem conscientes que a realizam com sangue, suor e lágrimas, e, às
vezes, amor.”

O caráter intemporal serve de argumento a alguns críticos que se recusam a ver esta obra como
um romance histórico porque, neste caso, em vez de recriação do passado, há a criação de um
tempo que não distingue o passado, presente e o futuro e que é por isso, intemporal. O narrador
revela-se consciente da criação do universo fictício e assume, de forma crítica, a validade do
espaço fictício em que se move que, conforme revela, obedece aos mesmos mecanismos de
construção da História. Movendo-se nesse tempo fictício, o narrador pode então revisitar o
passado e reescrever História, dizendo aquilo que ela omitiu, fazendo sobressair heróis que ela
esqueceu de nomear. A autenticidade dos factos, dada pela presença de um narrador que assistiu
aos acontecimentos, é sugerida pelo título do livro, pelo facto de se tratar de um memorial.

O título e incipit do livro revelam-se como falsas pistas de leitura. Servem para tornar o leitor
cúmplice do universo fictício criado pelo romance e conivente da fuga na passarola empreendida
pelo padre Bartolomeu Lourenço. Da mesma maneira que só os iluminados conseguem criar
mecanismos de fuga à Inquisição também só o leitor esclarecido consegue perceber estes
mecanismos de leitura.

Ação

A mistura entre a História e a ficção, a convivência entre personagens fictícias e históricas, leva o
leitor a pôr em causa a História e a apresentar como reais, personagens, eventos que só existem
no universo fictício do romance. Esta mistura é feita intencionalmente para autenticar a
veracidade da ficção, porque se a história atesta a existência de pessoas e factos trazidos do
universo do romance, então, as personagens fictícias como Blimunda ou factos que nunca
aconteceram, como o voo da passarola, são também tidos como verdadeiros porque são postos no
mesmo plano.

Um dos temas principais desta obra é a construção do Convento de Mafra como consequência de
uma promessa feita pelo rei D. João V aos frades franciscanos, para que tivesse herdeiros. Este
tema, nuclear e recorrente em todo o romance, serve para o escritor interpretar um facto histórico
do seu país cujo custo e esforço humano questiona em tom irónico, sobretudo quando se refere ao
rei e à rainha, à Igreja e à Inquisição. Os seus comportamentos e decisões provocaram o sacrifício
e a morte de muitos cidadãos que se viram obrigados a participar num projeto de que não foram
promotores, mas sim autores materiais.

O amor de Baltasar Mateus e Blimunda é outro tema central do romance. Um amor simples,
natural, que não precisa de muitas palavras porque se alicerça na profunda convicção de que
estava marcado pelo destino. Graças a este par (Sol-Lua) o Padre Bartolomeu de Gusmão pode
construir o seu sonho, o sonho de voar.

O terceiro tema deste romance é a passarola voadora. A utopia do século XVIII que acaba por ser
concretizada, simbolizando a vitória do homem através do esforço e da vontade. A música, devido
à sua imaterialidade, eleva-se ao lado da passarola, e entra num plano fictício em que o homem se
liberta de constrangimentos de ordem material (o Convento não consegue transpor as barreiras da
materialidade porque é feito de pedras).

A conjugação destes temas é com o sacrifício dos humildes na construção do convento e a forma
como é apresentado enriquece o romance. Para este enriquecimento contribui a simplicidade e a
solidariedade humana visíveis no modo de narrar as vicissitudes provocadas pela promessa de um
rei, o amor de um casal e o sonho de um louco. Ao contrário do que nos fazem supor as falsas
pistas, não é a história do Convento que se pretende contar, mas a história dos sonhos
materializados pela vontade dos homens que permitem criar um espaço de evasão e liberdade.

A construção do Convento representa a repressão do homem e a construção da passarola


representa a liberdade, o amor livre de Blimunda e Baltasar Mateus.

Inquisição

A inquisição foi estabelecida em Portugal no reinado de D. João III (1536) com o objetivo de
centralizar o poder régio, embora não houvesse motivos que justificassem a sua existência. Era,
sobretudo, uma instituição religiosa, que defendia a pureza da fé católica. Opunha-se a heresias,
ou seja, a superstições, judeus, feitiçarias e todas as formas de práticas pagãs. Instaurada a
Inquisição era preciso que se tivesse hereges a serem perseguidos e nada mais cómodo do que
unir o útil ao agradável, ter quem se queimasse na fogueira deixando todos os seus bens para a
santa madre Igreja. Existiam delatores, expiando e denunciando para obter privilégios sociais.

As vítimas da Inquisição não tinham a possibilidade de construir a sua defesa e eram condenadas
de forma trágica e absurda. Terminada a sessão de tortura, seguia-se o julgamento do réu, a última
etapa do processo, que antecedia o auto-de-fé (Cerimónia onde são queimados os hereges
condenados). Os que eram condenados a penas leves – como cárcere e hábito penitencial
perpétuo, bem como a flagelação – caminhavam com uma vela nas mãos. Na frente do cortejo
seguiam-se os condenados à morte, entregues à justiça civil para serem queimados vivos. Por ser
um tribunal eclesiástico, o Santo Ofício, não podia executar os seus condenados, ou seja, aos olhos
de Deus não era a igreja quem matava, pois a esta cabia apenas julgar, a decisão de fazer valer o
julgamento cabia à justiça dos homens e estes é que teriam que se acertar com o Todo-Poderoso.
Havia também o caso daqueles que, condenados à morte se arrependiam e pediam para morrer
em Cristo, era primeiramente estrangulado e depois atirado à fogueira, bem como aqueles que
fugiam eram queimados em efígie, ou seja, simbolicamente, eram substituídos por um boneco de
pano. Nem mesmo aqueles que morriam nos cárceres eram poupados, pois os seus ossos eram
entregues às chamas nos autos-de-fé.

Em 1544, o Papa mandou suspender a execução de sentenças da Inquisição portuguesa e os autos-


de-fé sofreram uma interrupção. A Inquisição foi extinta gradualmente ao longo do século XVIII,
embora só em 1821 se dê a extinção formal em Portugal, numa sessão das Cortes Gerais. A
Inquisição constituiu um obstáculo para o desenvolvimento cultural, nomeadamente, com o Index
(lista de livros proibidos).

Tempo da escrita da ação

O tempo narrativo resulta da articulação de tempo da história e do tempo do discurso. O tempo da


história (a sucessão cronológica de acontecimentos) decorre durante o reinado de D. João V,
tendo início no ano de 1711. Este século está marcado pelo Iluminismo trazido pelos
estrangeirados, pelo obscurantismo da população e o medo do poder da Inquisição. Entre o
momento em que o rei faz a promessa de construir o convento e o nascimento da princesa Maria
Bárbara, temos a noção que se efetua a passagem do tempo através da referência a uma
sequência de eventos suscetíveis de serem datados, bem como de inúmeras referências temporais:

- As festividades pagãs e cristãs;

- As estações do ano e meses;

- “Há seis anos que vivem como marido e mulher”;

- “Dezassete de Novembro deste ano de graça de mil setecentos e dezassete (1717)”;


- “Agora despachem-se com isso, há mais de seis anos que fiz o voto, não estou para andar com
franciscanos à perna todo o tempo” – nesta última página vemos que passou 28 anos desde que a
mãe de Blimunda morreu na fogueira, o que nos permite delimitar o tempo da história entre 1711-
1739. Porém, o tempo do discurso abre brechas nesse período cronológico para o integrar num
tempo uno, em que o passado, o presente e o futuro se misturam.

O narrador faz a disposição do tempo da história através de uma organização própria, o tempo do
discurso, onde têm lugar as analepses e inúmeras prolepses, que denotam claramente a
focalização omnisciente do narrador.

Espaço físico, social e psicológico

Espaço físico

Em relação ao espaço físico são evocados dois espaços principais, os chamados macro espaços,
determinantes no desenrolar da ação: Mafra e Lisboa.
Em Lisboa, são evocados alguns micro espaços: o convento de S. Francisco de Xabregas e o
Mosteiro da Cotovia dos padres da Companhia de Jesus (episódio misterioso do roubo das três
lâmpadas de prata); a casa de Blimunda; a abegoaria da Quinta de S. Sebastião da Pedreira, onde
Baltasar Mateus e Blimunda ficam instalados; terreiro do Paço (touradas); Rossio (autos de fé);
quinta de S. Sebastião da Pedreira, onde é construída a passarola voadora.

Em Mafra, também são, igualmente, evocado micro espaços: Alto da Vela (Convento) , Pêro
Pinheiro (a pedra gigante); a casa de Baltasar Mateus (Sete-Sóis); a igreja de Mafra (consagração
da pedra).

Entre Lisboa e Mafra existe o Monte Junto, local onde a máquina (passarola) aterra, após o
primeiro voo.

Espaço Social

O espaço social é característico do século XVIII:

- Paço, dá-se a descrição detalhada da vida do paço que revela os protocolos e as relações sociais;
símbolo de futilidade, da vaidade, da depravação, da intriga, da corrupção e da subserviência.

- Lisboa, o povo encontra no sofrimento alheio o divertimento, sobretudo na procissão dos


condenados pela Inquisição e na fogueira (autos-de-fé),

- Abegoaria, é o espaço escondido onde se constrói a passarola, onde se materializa o sonho de


um louco, o sonho de voar. É o espaço da utopia, da invenção, da descoberta, da partilha e da
amizade. Simboliza, também, a liberdade.

- Mafra, é o espaço de megalomania do rei, onde habitam milhares de trabalhadores que vieram
das suas terras de origem, voluntariamente ou forçados, para trabalhar na construção do Convento
de Mafra. Representa o espaço de um esforço desmedido, de doença, de solidão e morte, mas
também de solidariedade, de tolerância, de companheirismo e de cumplicidade.

Espaço psicológico

O espaço psicológico é entendido através dos monólogos das personagens, revelando o seu íntimo
ou representado através do sonho/imaginação da evocação, da memória ou da emoção, podendo
ainda ser sugerido através da descrição de atmosferas ilustrativas do pensamento predominante
da época.

Linguagem e estilo

Da mesma maneira que a construção da passarola é, do ponto de vista do poder instituído, uma
atividade transgressora que permite às personagens fugir das normais impostas, escapa às garras
da Inquisição, também a escrita deste romance é transgressora porque nem a sua estrutura
obedece às normas da construção do romance clássico nem o seu discurso respeita as regras de
pontuação.

Saramago é conhecido por utilizar frases e períodos longos, usando a pontuação de uma maneira
não convencional. Os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os
antecedem, de forma que não existem travessões nos seus livros: este tipo de marcação das falas
propicia uma forte sensação de fluxo de consciência, a ponto de o leitor chegar a confundir-se um
certo diálogo, se foi real ou apenas um pensamento. Muitas das suas frases ocupam mais uma
página, usando vírgulas onde a maioria dos escritores usaria pontos finais. Da mesma forma,
muitos dos seus parágrafos ocupariam capítulos inteiros de outros autores. Apesar disso os leitores
habituam-se facilmente ao seu ritmo. “Tornar estranha a língua que nos é familiar significa de
certa forma reinventá-la, multiplicar os seus mundos, e fazer-nos participar pela leitura dessa
reinvenção e dessa pluralidade”.

Esta obra fala uma linguagem plurivocal pela diversidade de vozes das personagens e a narração
que se tece mostra-se como apropriação de múltiplas palavras dos outros. Estas características
tornam o estilo de Saramago único na literatura contemporânea: é considerado por muitos críticos
um mestre no tratamento da língua portuguesa.

Personagens

Em “Memorial do Convento” há dois grupos contrários (antagónicos) de personagens: a classe


opressora, representada pela aristocracia e alto clero, e os oprimidos, o povo. No primeiro grupo
destaca-se a atuação do Rei D. João V, enquanto no segundo, além de Baltasar Mateus e Blimunda,
se integram o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, perseguido pela Inquisição, pela
modernidade do seu espírito científico e, Domenico Scarlatti que, pela liberdade de espírito e pelo
poder subversivo da sua música, é uma figura incómoda para o Poder. É ainda importante referir
que, em Memorial do Convento, as personagens históricas convivem com as personagens fictícias,
conduzindo à fusão entre a realidade e a ficção.

D. João V, o monarca absoluto

Foi proclamado rei a 1 de janeiro de 1707 (-1750), casou, no ano seguinte (1708), com a princesa
Maria Ana de Áustria e vive um dos mais longos reinados da nossa história. Surge na obra só pela
sua promessa de erguer um convento se tivesse um filho varão do seu casamento, deixando,
assim, uma marca no seu reinado. O casal real cumpre, no início da obra, com artificialismo, os
rituais de acasalamento. O Rei e a Rainha são representantes do poder, da ordem e da repressão
absolutista. Nem a Igreja nem o Rei parecem importar-se com o que pensam os seus súbditos, nem
com o preço que deverão pagar pela soberba real e eclesiástica (Convento de Mafra).

É símbolo da monarquia absoluta, vaidoso, megalómano, excêntrico, egocêntrico, mantém com a


rainha apenas uma relação de “cumprimento do dever” e, em alguns momentos. Dado aos
prazeres da carne e a destemperos vários (teve muitos bastardos e a sua amante favorita era a
Madre Pauta do Convento de Odivelas). Sacrificou todos os homens válidos e a riqueza do país na
construção do convento. Este rei simboliza o velho sistema absolutista.

D. Maria Ana Josefa ou D. Maria de Áustria

De origem austríaca, a rainha, surge como uma pobre mulher cuja única missão é dar herdeiros ao
rei para glória do reino e alegria de todos. É símbolo do papel da mulher da época: submissa,
simples procriadora, objeto da vontade masculina. Beata, devota, carinhosa e atormentada pelo
facto de sonhar com o cunhado o Infante D. Francisco. A princesa Maria Xavier Francisca Leonor
Bárbara, ou simplesmente, Maria Bárbara é a 1ª filha dos reis, representa a subversão do ideal de
beleza que caracteriza as princesas dos “contos de fadas”, mas têm as princesas tanta sorte que
não perdem casamento por serem bexigosas e feias, assim convenha à coroa do senhor seu pai.
Baltasar e Blimunda:

São o casal que, simbolicamente, guardará os segredos dos infelizes, dos humilhados, dos
condenados, enfim, dos oprimidos. Conhecem-se durante um auto-de-fé a 26 de julho de 1711 e
não mais deixam de se amar. Vivem um amor sem regras, natural e instintivo, entregando-se a
jogos eróticos. A plenitude do amor é sentida no momento em que se amam e a procriação não é
sonho que os atormente como sucede com os reis.

Blimunda

Blimunda de Jesus é “batizada” de Sete-Luas pelo padre Bartolomeu de Gusmão (“Tu és Sete-Sóis
porque vês às claras, (…) Blimunda, que até só ai se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo
Sete-Luas, e bem batizada estava, que o batismo foi de padre, não de alcunha de qualquer um”).
Conhece Baltasar Mateus quando assiste à partida de sua mãe, acusada de feitiçaria, para o
degredo. Logo os dois se apaixonam, e este amor puro e verdadeiro foge às convenções,
subvertendo a moral tradicional e entrando no domínio do maravilhoso – cf. Primeira noite de
amor. Blimunda tem um dom: vê o interior das pessoas quando está de jejum, herdou da mãe um
“outro saber” e integra-se no projeto da passarola, porque, para o engenho voar, era preciso
“prender” vontade, coisa que só Blimunda, com o seu poder mágico, era capaz de fazer. Blimunda
é, simultaneamente, uma personagem que releva o domínio do maravilhoso, pelo dom que tem de
ver o “interior” das pessoas (poder que nunca exerce sobre Baltasar: “Nunca te olharei por dentro”
-, porque amar alguém é aceitá-lo sem reservas. Blimunda encerra uma dimensão trágica na
vivência da morte de Baltasar. O dom de ecovisão é aproveitada para recolher as vontades que
farão a passarola levantar e para libertar a vontade de Baltasar, no momento em que o seu corpo
vai ser queimado pela Inquisição.

Simbolicamente, o nome da personagem, Blimunda, acaba por funcionar como uma espécie de
reverso de Baltasar. Para além da presença do sete, Sol e Lua completam-se: são a luz e a sombra
que compõem o dia – Baltasar e Blimunda são, pelo amor que os une, um só. A relação entre os
dois também é subversiva, porque não existe casamento oficial e porque os dois têm os mesmos
direitos, facto inverosímil em pleno século XVIII. Como outras personagens femininas de Saramago,
também Blimunda tem uma grande firmeza interior, uma forma de oferecer-se em silêncio e de
aceitar a vida e os seus desígnios sem orgulho nem submissão, com a naturalidade de quem sabe
onde está e para quê.

Blimunda, Sete-Luas

Blimunda surge acompanhada por Bartolomeu de Gusmão no auto-de-fé onde a sua mãe é
condenada ao degredo. Conhece Baltasar a quem a mãe predestina de longe. Os olhos de
Blimunda encantam Baltasar. Convida Baltasar a ficar em sua casa e dão-se um ao outro. Blimunda
despreza as normas sociais.

Blimunda é uma mulher fantástica, única. O seu poder reside na capacidade de “ver através de”
como uma visão raio X. Dedica-se por inteiro a Baltasar Sete-Sóis. Acompanha-o em todos os seus
trabalhos e todas as suas decisões. Participa na construção da passarola. Aceita recolher as
vontades que farão voar a passarola. Apesar da peste, enceta o difícil trabalho de recolher as
vontades, o que a deixa gravemente doente.
A música celestial de Domenico Scarlatti cura Blimunda. Corajosa e destemida acompanha Baltasar
e Bartolomeu Gusmão no voo inaugural da passarola.

Quando Baltasar não regressa da sua visita à máquina, procura-o incessantemente percorrendo o
país de lés-a-lés. Encontra finalmente Baltasar a arder num auto-de-fé no Rossio em Lisboa. Olha-o
e recolhe a sua vontade, que considera pertencer-lhe.

Baltasar, Sete-Sóis

Baltasar, de alcunha de Sete-Sóis, deixa o exército depois de ter ficado maneta em combate contra
os espanhóis, conhece Blimunda em Lisboa, e com ela partilha a vida e os sonhos. De ex-soldado
passa a açougueiro em Lisboa e, posteriormente, integra a legião de trabalhadores das obras do
Convento de Mafra. A sua tarefa máxima vai ser a construção da passarola, idealizada pelo padre
Bartolomeu de Gusmão, passando a ser o garante da continuidade do projeto, quando o Padre
Bartolomeu desaparece em Espanha. Baltasar acaba por se constituir como a personagem
principal do romance, sendo quase “divinizado” pela construção da passarola: “maneta é Deus, e
fez o universo. (…) Se Deus é maneta e fez o universo, este homem sem mão pode atar a vela e o
arame que hão-de voar.” – diz o padre Bartolomeu a propósito do seu companheiro de sonhos.

Após a morte do padre, Baltasar ocupa-se da passarola e, um dia, num descuido, desaparece com
ela nos céus. Só é reencontrado, nove anos depois, em Lisboa, a ser queimado no último auto-de-
fé realizado em Portugal.

O simbolismo desta personagem é evidente, a começar pelo seu nome: sete é um número mágico,
aponta para uma totalidade; o Sol é o símbolo da vida, da força, do poder de conhecimento, daí
que a morte de Baltasar no fogo da Inquisição signifique, também, o regresso às trevas, a negação
do progresso científico. Baltasar transcende, então, a imagem do povo oprimido e espezinhado,
sendo o seu percurso marcado por uma aura de magia, presente na relação amorosa com
Blimunda, na afinidade de “saberes” com o Padre Bartolomeu e no trabalho de construção da
passarola.

Povo

Em relação ao povo, este, representa todos os anónimos que construíram a História, são
representados através daqueles a quem o autor dá nome: Alcino, Brás, Nicanor, etc. É o herói feio,
rude e às vezes violento.

Clero

Em relação ao clero, repare-se que, a ironia que ridiculariza a figura cardeal resulta não só da
referência ao luxo, mas também ao excesso, pela enumeração de todos os elementos que
acompanham este membro do Clero. O alto Clero – D. Nuno da Cunha; O baixo Clero – o frade que
assedia sexualmente Blimunda. Excetuando a figura excêntrica do padre Bartolomeu de Gusmão,
essa classe é descrita de forma satírica, num rol de acusações.

Critica-se a vaidade e a riqueza ostentadas, em vez da humildade e da pobreza. A vida conventual é


caracterizada pela ociosidade, hipocrisia e libertinagem, que não seriam de estranhar uma vez que
as mulheres se consagravam à vida religiosa pelas mais variadas razões (para escaparem a
casamentos impostos, para salvarem a honra ultrajada, por serem viúvas ou para aliviar partições
de heranças).

As festas religiosas constituem um outro aspeto da sátira anticlerical. Em vez de elevação, estamos
perante o desregramento, a profanação do sagrado não apenas da parte do povo, mas também do
próprio clero.

Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão

“Mas tudo começou com o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, que não se chamava
Gusmão, não quis mais ser padre, e nunca andou de balão. Fim”

Tem por alcunha “O Voador”, gosta de viagens, é estrangeirado, a ciência era, para ele, a
preocupação verdadeiramente nobre. O rei mostra-se muito empenhado no progresso do seu
invento. A população troça dele, Baltasar e Blimunda serão ouvintes atentos das suas histórias e
sermões. A amizade destes dois seres, simples, enigmáticos, mas verdadeiros protagonistas do
Memorial, é tão valiosa para o padre como necessária à representatividade da obra como símbolo
de solidariedade e beleza em dicotomia com egoísmo e poder. É uma personagem histórica e como
cientista, desdenha os fanatismos religiosos da época e questiona todos os princípios inamovíveis
da Igreja. Sabe das consequências possíveis do seu comportamento herético, de entre elas a
perseguição e a captura pela temida e arbitrária Inquisição, mas isso parece não o preocupar
muito, imerso como está na sua a fã para emular os pássaros.

Foge para Espanha e deixa o seu sonho/projeto nas mãos de Baltasar Sete-Sóis.

Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu Lourenço formam um trio que vai pôr em prática o sonho
de voar. Assim, o trabalho físico e artesanal de Baltasar, liga-se à capacidade mágica de Blimunda e
aos conhecimentos científicos do padre. Todos partilham do entusiasmo na construção da
passarola, aos quais se junta um quarto elemento, o músico Domenico Scarlatti, que passa a tocar
enquanto os outros trabalham. O saber artístico junta-se aos outros saberes e todos corporizam o
sonho de voar. Notemos que o número 4 simboliza a plenitude, a totalidade, e, neste caso, estas 4
personagens remetem para a ideia de deificação do homem uma vez que são capazes de se
libertar da materialidade.

Crítica da guerra de Espanha

A guerra de Espanha é vista como absurda, sacrifica homens em nome de um interesse que lhes é
completamente estranho e abandona-os à sua sorte quando doentes ou aleijados.

Passarola

A passarola, enquanto símbolo da concretização do sonho de um visionário, funciona de uma


forma antagónica ao longo da narrativa: é ela que une Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu,
mas também é ela que vai acabar por separá-los.

Passarola Voadora

A “Passarola Voadora” foi um “instrumento de andar pelo ar”, como consta da petição de privilégio
do padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão ao rei D. João V, e de que teve alvará, a 19 de abril de
1709. Nesse mesmo ano, a 8 de agosto de 1709, na sala dos embaixadores da Casa da Índia,
apresentou a sua primeira experiência elevando a uns 4 metros um pequeno balão de papel, cheio
de ar quente, perante e admiração da Corte, do Núncio Apostólico, Cardeal Conti (futuro papa
Inocêncio XIII) e do Corpo Diplomático (como referem documentos da época). Depois de Leonardo
da Vinci, no século XVI, ter desenhado a primeira máquina voadora, o padre Bartolomeu torna-se
num pioneiro da história da aviação ao conseguir inventar um aeróstato, o primeiro engenho capaz
de se elevar no ar. Mais tarde, em 1783, os irmãos Montgolfier (Joseph e Étienne) irão lançar em
Annonay, em França, um balão de ar quente capaz de transportar pessoas.

Domenico Scarlatti

Artista estrangeiro contratado por D. João V para iniciar a infanta Maria Bárbara na arte musical. O
poder curativo da sua música liberta Blimunda da sua estranha doença. Permitindo-lhe cumprir a
sua tarefa (“Durante uma semana (…) o músico foi tocar duas, três horas, até que Blimunda teve
forças para levantar-se, sentava-se ao pé do Cravo, pálida ainda, rodeada de música como se
mergulhasse num profundo mar, (…) Depois a saúde voltou depressa”. A música do cravo de
Scarlatti simboliza o ultrapassar, por parte do homem, de uma materialidade excessiva, e o atingir
da plenitude da vida.

Narrador

O narrador apresenta os factos, mas ninguém o impede de ter opiniões respeitantes às


personagens, ao tempo, ao espaço, ao ambiente social desta narrativa. É um narrador omnisciente
que, ao contar acontecimentos históricos, poderia classificar-se como narrador cronista, não
fossem as numerosas reflexões e juízos que insere no que narra que o afastam da aparente
objetividade característica deste tipo de narrador. Além disso, faz muitas vezes comentários a
partir do presente que nos indicam que esse narrador omnisciente pertence ao século XX (como
quando faz referência à chegada do Homem à Lua). Saramago não pretende ocultar a sua
personalidade porque quer que fique claro o seu papel de escritor que interpreta e inventa
situações e personagens de um acontecimento histórico, acontecimento de que não se priva de ser
juiz e de que, pela forma de o contar, parece ter sido testemunha presencial.

Burlão, irónico, diletante, demorado nas descrições de situações, decrescente e ao mesmo tempo
comprometido com os feitos humanos que relata, filosofa continuamente, introduzindo
considerações no romance que obrigam o leitor a refletir sobre o que lê e fazendo com que a obra
adquira uma importante densidade de conteúdo.

O discurso do narrado é anti-épico quando rebaixa heróis que a história glorifica e nos apresenta
como heróis gente anónima em que se incluem personagens com defeitos físicos, como Baltasar,
ou homens esfarrapados, como os operários que foram obrigados a trabalhar na construção do
Convento de Mafra.

Simbologia

Número Sete (7)

Para a cultura cristã, o algarismo 7 corresponde a:

- Sete céus, sete sóis, sete esferas da antiga astrologia hermética: Sol, Lua, Mercúrio, Marte, Vénus,
Júpiter e Saturno;
- Sete virtudes cristãs (as teologais: fé, esperança e caridade; as cardeias: a força, a temperança, a
justiça e a prudência);

- Sete pecados carnais: orgulho, preguiça, inveja, cólera, luxúria, gula e avareza;

- Sete sacramentos: batismo, a eucaristia, a ordem, a confirmação, o casamento, a penitência e


extrema-unção;

- Sete dias da criação do mundo narrado no Génesis;

- Sete tabernáculos e sete trombetas de Jericó;

- No apocalipse: sete candelabros, sete estrelas, sete selos, sete cornos, sete pragas, sete raios.

Sete designa a totalidades das ordens planetárias e angélicas, da ordem moral, das energias; todos
os conjuntos perfeitos. Entre os Egípcios era símbolo da vida eterna.

Simbologia do Sol

O Sol é a fonte de luz, de calor, de vida. O Sol identifica-se com fonte de vida, com a própria vida –
o que faz corresponder Sete-Sois a Sete Vidas, que, por sua vez, significaria que Baltasar encarna
simbolicamente a vida de todos os homens do povo, sempre labutando e sempre perdendo o fruto
do seu trabalho, independentemente de épocas históricas e de regiões geográficas.

O Sol percorre um ciclo celeste diurno de Oriente para Ocidente – assim Baltasar percorre, no
interior da Passarela, um ciclo entre Lisboa e Monte Junto; e tal como o Sol, para nascer, segundo a
antiga mitologia, tem que vencer todos os dias todos os guardiões da noite/morte, assim Baltasar
terá que vencer os guardiões da “noite histórica”: a Inquisição, a credulidade popular, as forças
espirituais retrógradas da Escolástica. Em, assim como o Sol atravessa o céu, mas nele não se
detém nem o conquista definitivamente para si, Baltasar atravessa o céu, rompe os céus, rasga a
imagem pura de um céu morada de Deus.

Neste aspeto Baltasar, sob as ordens científicas do Padre Bartolomeu de Gusmão, assume o
estatuto de herói mítico que ousa desafiar a estabilidade aparentemente eterna da ideologia
cristã. E, para que o simbolismo clássico do herói maravilhoso e trágico que ousa desafiar os
deuses seja cumprido na totalidade, Baltasar morre pelo fogo, como herético, o padre Bartolomeu
Lourenço morre louco, em Toledo, e Blimunda vagueia pelo mundo sem destino.

Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu de Gusmão repetem o desejo de Faetonte, filho mortal
de Apolo, que, querendo imitar o pai, conseguiu deste a promessa de o deixar guiar o carro do Sol
por um só dia. Porém Faetonte não conseguiu manobrar os cavalos e sustentar o carro do Sol na
abóbada celeste e o carro despenhou-se sobre a Terra, incendiando-a e matando o jovem ousado.
Do mesmo modo, o padre Bartolomeu de Gusmão e Baltasar morrerão devido ao seu desejo de
voar e Blimunda tornar-se-á a mulher errante.

Simbologia da Lua

Se o nome de Sete-Sóis torna esta personagem num quase herói mítico, o nome de Blimunda de
Jesus, Sete-Luas, faz de igual modo repercutir ecos mítico-ancestrais.
Antes de mais, o nome próprio, Blimunda, deriva-nos de imediato para as narrativas na matéria da
Bretanha e para os ciclos celtas do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Porém, o apelido
Jesus integra desde logo estas possíveis derivações semânticas no quadro do pensamento cristão.

Blimunda não é de origem “Sete-Luas”, é o padre Bartolomeu Lourenço que a crisma assim por ela
ser companheira de Sete-Sóis. “… o padre virou-se para ela, sorriu, olhou um para o outro, e
declarou: Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu serás Sete-Luas porque vês às escuras, e, assim,
Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem
batizada estava, que foi o baptismo de padre, não alcunha de qualquer um”.

No romance, Sete-Luas só se compreende por directa relação com Sete-Sóis e, de facto, a Lua,
porque não tem luz própria, é o princípio passivo do Sol. Porém, na intriga romanesca de Memorial
do Convento, o narrador histórico revoluciona este princípio simbólico da passividade feminina e
atribui a Blimunda capacidades intuitivas e ecovisionárias, dependentes das fases da Lua, que a
tornam, como elemento ativo, tão importante quando Baltasar Mateus.

Blimunda não se compreende sem Baltasar Mateus, mas este também não tem existência
romanesca sem Blimunda, exatamente como o par antitético mas intimamente complementar de
dia-noite, claro-escuro, Sol-Lua; porém, em Memorial do Conveto existe uma substancial diferença:
enquanto mitológica e religiosamente a nossa civilização confere um peso ontológico superior ao
primeiro elemento dos pares antitéticos (o que se explica naturalmente por os olhos humanos
terem sido feitos para receber a luz e não a escuridão), neste romance, Baltasar e Blimunda sofrem
de igual nível de protagonismo, nenhum sendo superior ao outro. Esta característica subversiva do
estatuto revolucionário feminino no século XVIII, estatuto então perfeitamente passivo e submisso
face ao poder masculino, é subsidiária do modo de vida a dois do casal, sem casamento oficial e
com igualdade de mando e obediência entre ambos. Mas a Lua, devido às suas fases, que aliás
condicionam o poder de Blimunda, é também, símbolo do ritmo biológico da Terra, é a medida do
tempo, frutificadora da vida, guardadora da morte, dispensadora da geração. E é deste modo que
Blimunda, devido aos seus poderes, é aquela que acolhe as vontades humanas dos moribundos, as
junta nas duas esferas para com elas e com estas gerar energia vital (“O ar que Deus respira”) que,
em conjunto com âmbar e o íman, movem a passarola. A junção das vontades humanas, teorizadas
pela nova ciência, que produzem mais força, mais vontade, tão imensa que faz os Homens subirem
aos céus, significa aqui, simbolicamente, a Primavera mítica que arranca a Humanidade do dogma
da religião, do terror inquisitório e da teologia supersticiosa, três símbolos que designam uma só
realidade: a morte humana, o pensamento falso e positivo, a vontade resignada que enquadrava o
Portugal da época.

Blimunda é a mulher liberta do futuro, que trabalha ao lado do marido e em ele tudo vive e
decide, é a nova mulher, é a não-mulher coquete-objeto (de notar que nunca é descrito o corpo de
Blimunda, a não ser uma ligeira referência à sua altura e à sua magreza, é aquela em que, à
imitação de Julieta, de Inês, de Isolda, de Heloísa, de Mariana Alcoforado, o amor vence, e vence
ao ponto de durante nove anos não desistir de procurar o seu amado até que, encontrando-o,
permite-se ficar deste “grávida” espiritualmente, comungando em si a vontade de Baltasar.

A mãe da pedra

Uma outra situação-acontecimento de cariz mítico em Memorial do Convento constitui-se com a


gesta heróica, epopeica, do transporte da pedra gigante de mármore, a mãe da pedra, de Pêro
Pinheiro para Mafra. Desde o início, a narração normaliza as situações descritivas: o tamanho
gigantesco da pedra, o carro especialmente construído para o seu transporte (uma “nau da Índia”),
as duzentas juntas de bois e os 600 homens necessários para o puxarem, os difíceis obstáculos do
caminho, à semelhança das narrativas dos heróis clássicos, em que se anunciam os “trabalhos”
fabulosos que terão de ser contornados e o esforço imperioso, mais do que humano, que terá de
ser despendido.

Registo de língua

O registo de língua em Memorial do Convento é um registo popular (“de boca à banda”), familiar
(“Meu querido filho, como foi isso, quem te fez isto…”) e cuidado (“ não havendo portanto
mediano termo entre a papada pletórica e o pescoço engelhado, entre o nariz rubicundo e o outro
héctico”.

Interação com a literatura portuguesa

Quadras populares: “Aqui me traz minha pena com bastante sobressalto, porque quer voar mais
alto, a mais queda se condena”

Contos tradicionais: “Era uma vez uma rainha que vivia com o seu real marido em palácio…”

Luís de Camões: “O homem, bicho da terra”

Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes: “Estão parados diante do último pano
da história de Tobias, aquele onde o amargo fel do peixe restitui a vista ao cego, A amargura é o
olhar dos videntes, senhor Domenico Scarlatti…”

Fernando Pessoa, Mensagem: “Em seu trono entre o brilho das estrelas, com seu manto de noite.
Solidão, tem aos seus pés o mar novo e as mortas eras, o único imperador que tem, deveras, o
globo mundo em sua mão, este tal foi o infante D. Henrique, consoante o louvará o poeta por era
ainda não nascido…”

Estilo barroco: “Parece apenas um gracioso jogo de palavras, um brincar com os sentidos que elas
têm, como nesta época se usa, sem que extrema mente importe o entendimento ou
propositadamente o escurecendo.”.

Do sonho à concretização

Enquanto D. João V – rei arquiteto, tem o sonho de grandeza e de vaidade. O padre Bartolomeu
Lourenço tem o sonho de voar!

A promessa do rei D. João V de construir o convento de Mafra caso tenha um filho varão e o sonho
do padre franciscano. São reunidos arquitetos, mestres e operários para a construção do convento.
A execução remunerada, forçada, com sacrifício de vidas humanas e penas infernais. O convento é
construído parcialmente. Relata a sagração da basílica. A aclamação de D. João V e o esquecimento
dos que realizaram a obra. Construiu-se mais uma basílica.

O projeto inicial do Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão é a Passarola Voadora. Relata-se a


construção da Passarola. Bartolomeu Lourenço mostra o projeto a Baltasar Mateus. Relata-se a
execução partilhada. Bartolomeu Lourenço, alude à inteligência e ao dinheiro, Baltasar à força e ao
engenho/trabalho artesanal, Blimunda a magia e Domenico Scarlatti a música. A Passarola voa. A
ousadia e a inteligência são perseguidas pelo Santo Ofício, considerada a atividade do Padre
Bartolomeu Lourenço como herética. A humanidade deu mais um passo.

Você também pode gostar