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UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA

FACULDADE DE CIÊNCIAS DE LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E ARTES


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DE LINGUAGEM
Curso de Português

SINTAXE, SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA DO PORTUGUÊS I

Texto de Apoio

PREDICAÇÕES

De acordo com Mateus et al. (1989:37), a predicação consiste em atribuir uma determinada
propriedade a um certo termo ou em estabelecer uma relação entre termos, do ponto de vista
comunicativo, o acto de predicar visa fundamentalmente, descrever um dado estado de coisas a um
dado universo de referência.
Disto podemos observar que a predicação não abrange só abrange a tradicional relação entre o
sujeito e o predicado de uma frase, mas também a relação que se estabelece entre um determinado
núcleo lexical (que pode ser Nome, Verbo, Adjectivo ou Preposição) e os seus argumentos.
Assim, iremos definir o predicador como sendo o núcleo temático ou semântico numa relação de
predicação, isto é, entidade que tem a capacidade de seleccionar e fazer depender de si seus
complementos (ou argumentos). O predicador é, assim, o núcleo do predicado sintáctico.

TIPOLOGIA DOS ESTADOS DE COISAS

Prestemos atenção ao quadro que se segue:

[- CONTROLADO] [+CONTROLADO]
[-DINÂMICO] Estados Posições
[+DINÂMICO] Eventos Acções
Processos Actividades

Deste quadro podemos observar que:


(i) A oposição [+DINÂMICO] / [-DINÂMICO], que distingue eventos e processos de estados,
reflecte-se na selecção da classe a que pertence o predicador: em estados de coisas
Predicadores, Funções Semânticas e Caso
[+DINAMICO] ocorrem predicadores não estativos, enquanto em estados de coisas [-
DINÂMICO], ocorrem predicadores estativos.
(ii) A distinção entre eventos e processos define duas classes no interior dos predicadores não
estativos, a dos predicadores ev e a dos predicadores proc, caracterizáveis pela ausência ou
presença da propriedade do sub intervalo.
(iii) Finalmente, a oposição [+CONTROLADO] / [-CONTROLADO] está na base da
possibilidade ou impossibilidade de ocorrência de certas construções, categorias e funções
semânticas.

Nos estados [-CONTROLADO] os participantes são uma entidade x, não controladora, a que é
atribuída uma propriedade não dinâmica, ou uma entidade x e uma entidade y, relativamente à qual x é
localizada.
(1) (a) O Makhandheni está doente.
(b) O Hospital Central de Maputo fica no centro da Cidade.

Nos processos [-CONTROLADO], os participantes são uma entidade x, origem ou objecto do


«fazer» ψ, ou uma entidade x, origem de ψ, e uma entidade y, objecto ψ.
(2) A bola rebolou com o vento.

Nos eventos [-CONTROLADO], os participantes são uma entidade x, origem ou objecto da


mudança de estado ou de lugar, e uma entidade y, objecto dessa mudança.
(3) O vento partiu os ramos da árvore.

Nas posições, a entidade x é controladora do estado de coisas.


(4) A Nalda está parada.

Nas acções, a entidade x é origem e controladora da mudança de estado ou de lugar.


(5) A Lurdes pintou um quadro lindo.

Nas actividades, a entidade x é a origem e controladora do «fazer».


(6) A Danissana andou a noite inteira.

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
TIPOLOGIA DOS PREDICADORES
(Classificação quanto à valência)

O predicador seleccionado para exprimir um determinado estado de coisas determina o número


de argumentos que têm de ocorrer obrigatoriamente na predicação e a relação temática (ou papel
semântico) que cada um deles mantém com o predicador. O predicador é, assim, o elemento em torno
do qual se organiza a predicação.
O número de argumentos varia em função do predicador seleccionado. Há predicadores que não
seleccionam qualquer tipo de argumento – a estes chamamos de predicadores de zero lugar (ou de
valência 0). Aos predicadores que exigem apenas um argumento chamamos de predicadores de um
lugar (ou de valência 1) e assim em diante. O número máximo de argumentos conhecidos que podem
ser seleccionados por um predicador é quatro argumentos. Deste modo, podemos dizer que, em
português a valência dos predicadores varia de zero (0) a quatro (4), conforme os exemplos que abaixo
se apresentam (os argumentos estão sublinhados):

(7) (a) Choveu.


(b) Deus existe.
(c) A Ntavasse vestiu uma roupa.
(d) O Makholwana deu sapatos novos ao filho.
(e) A FCLCA transferiu o curso de Francês das instalações da Patrice Lumumba para a Sede.

Os argumentos exigidos obrigatoriamente por um predicador denominam-se argumentos


nucleares. Porém, além desses, podem ocorrer outros argumentos não obrigatórios (assinalados em
itálico no corpus que se segue), mas admitidos por um determinado predicador. A este tipo de
argumentos dá-se o nome de argumentos opcionais.

(8) (a) (O João) ofereceu (um disco) (ao amigo) (no aniversário deste).
(b) (O João) está doente (desde há uma semana).
(c) (O João) é médico (no Hospital Central de Maputo).
(d) (O João) mora (ali) (com a esposa e filhos).
(e) (O João) acha (que é melhor o doente ser internado) (porque o seu estado é crítico).

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso

ESQUEMA PREDICATIVO

Um esquema predicativo ou estrutura argumental designa um conjunto de informações


que deve estar presente na entrada lexical de cada predicador, nomeadamente:
• a categoria sintáctica a que pertence o predicador;
• a classe sintáctico-semântica a que pertence o predicador;
• o número de lugares (zero a quatro argumentos);
• a função semântica de cada um dos argumentos nucleares, isto é, a relação
semântica que cada um dos argumentos nucleares mantém com o predicador.

(9) Representação de um esquema predicativo:


(Pα, i: x 1, y 2, … z n)
onde: P = representação da Forma não marcada do predicador;
α = categoria sintáctico-semântica do predicador;
i = classe sintáctico-semântica do predicador;
x, y, z = argumentos nucleares do predicador;
1, 2, n = função semântica de cada um dos argumentos nucleares.

FUNÇÕES SEMÂNTICAS
As Funções semânticas ou papéis temáticos referem-se ao tipo de propriedade ou relação expressa
pelo predicador e que definem o tipo de relações que ele mantém com os seus argumentos
nucleares.
a. AG(ente): é o papel temático que designa a entidade controladora de um estado de coisas,
tipicamente humana.
(10) (a) (A Maria) AG Guiou proc o jipe a tarde toda.
(b) (O Carlos) AG preparou ev este texto.

b. FON(te) ou OR(igem): é a função semântica que designa a entidade que está na origem de
uma dada situação, embora sem a controlar.
(c) (O fumo) OR amareleceu ev o cortinado.
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Predicadores, Funções Semânticas e Caso

c. O(bjecto) ou Tema: é o papel temático que designa a entidade que muda de lugar, de posse
ou de estado, em frases que descrevem situações dinâmicas. O argumento com este papel pode
designar uma entidade.
(d) (A bola) Tema rolou proc pelo relvado.
(e) O Timbe passou ev (a bola) Tema para o Mpoga.

d. EXP(erienciador): é a função semântica do argumento que designa a entidade que é sede


psicológica ou física de uma dada propriedade ou relação.
(f) (O João) EXP gosta Pe de Maria.
(g) (O Público) EXP apreciou proc atentamente os quadros da exposição.

e. LOC(ativo): é o papel temático do argumento que exprime a localização espacial de uma dada
entidade.
(h) O Ernesto mora Pe (no Infulene). LOC

f. Alvo ou REC(ipiente): é o papel temático que designa a entidade para a qual algo foi
transferido, num sentido locativo ou não. A expressão com o papel de Alvo (ou recipiente)
pode designar um ser humano, quando se refere às situações de mudança de posse ou de
comunicação linguística.
(i) (O João) REC tem Pe um barco pneumático.
(j) A Judite ofereceu Pev um caderno (ao amigo) REC

g. PAC(ciente): é o papel temático do argumento que designa a entidade a quem é atribuída uma
propriedade não dinâmica ou que, numa relação não dinâmica é localizada relativamente a uma
outra entidade. É a função semântica característica dos Pe.
(k) (A Maria) PAC está doente Pe.
(l) A Carla ama Pe o (Carlos) PAC.

h. N(eutro): é a função semântica do argumento que designa a entidade relativamente à qual,


numa dada subclasse dos Pe é localizado o PAC.
(m) (Quatro) PAC é igual Pe (a 2+2) N
(n) (O João) PAC é parecido Pe (com o Luís) N

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
i. DIR(ecção): É a função semântica que designa a localização a partir da qual algo se move
(DIR OR(igem) ) ou aquela para a qual se move (Dir DEST(ino) )
(o) O Fernando partiu Pev (de Maputo) DIR-OR (para Gaza) DIR-DEST.

CLASSIFICAÇÃO DOS PREDICADORES QUANTO À NATUREZA

Os Pe existenciais são tipicamente predicadores de um lugar como existir e ser.


(Pe: X PAC)

Na subclasse dos Pe relacionais incluem-se os Pe identificacionais, os Pe experienciais, os Pe


transferenciais e os Pe locativos. Os Pe identificacionais são predicadores de dois lugares como
diferente (de), igual (a), semelhante (a), e ser (no sentido identificacional)
(Pe: X PAC. Y N)
(11) (Fonética) PAC é a (ciência que estuda os sons da fala humana) N.

Os Pe Experienciais, tipicamente de dois lugares, com gostar (de), amar, ouvir, saber, ver…
exprimem uma cognição ou cognição passiva ou estados afectivos.
(Pe: X EXP, Y PAC)
(12) (O Tomás) EXP não ouviu (o toque) PAC.

Os Pe transferenciais, tipicamente de dois lugares, contam com predicadores como dono (de) ,
possuir, proprietário (de), ter:
(Pe: X REC , Y LOC )
(13) (O Pedro) REC é o dono de (um restaurante) PAC

Os Pe locativos são tipicamente predicadores de dois lugares que exprimem a localização espacial
de uma entidade relativamente a outra entidade, como ficar (estar situado em), morar, viver, …
(Pe: X PAC , Y LOC )
(14) (O Manuel)PAC mora (no Xipamanine)LOC.

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
Os P proc incluem as seguintes subclasses: P proc meteorológicos, P proc experienciais, P proc

actividade física, P proc movimento. Os P proc meteorológicos são predicadores de ∅ lugares como
chover, trovejar, estar calor,…
(P proc: ∅)

(15) Trovejou P proc.

Os P proc experienciais, de um ou de dois lugares, exprimem propriedades ou relações dinâmicas


(de natureza psicofísiológica, perceptiva ou cognitiva) vividas por uma entidade EXP como é o caso
de predicadores como escutar, falar, ler…
(P proc: X EXP, (X TEMA))
(16) (O Reldes) EXP leu Pproc (a carta do amigo) TEMA.

Os P proc de actividade física são predicadores de um ou de dois lugares como chorar, comer,
fumar, …
(P proc: X OR, (X TEMA))
(17) (O Lucas ) OR chorou Pproc a noite toda.

Os P proc de movimento são predicadores de um lugar e exprimem a deslocação espacial de uma


entidade OR ou TEMA; contam-se entre estes predicadores verbos como andar, correr, dançar… (com
argumento OR ou AG) e verbos como deslizar, rolar, vibrar…
(P proc: X OR/TEMA , (Y DIR-OR)(Z DIR-DEST)
(18) (O Adriano e a Felismenta) AG dançaram P proc toda a noite.

Os predicadores de evento (P ev) incluem a subclasse dos P ev causativos e a sub classe dos P ev

não causativos.
Os primeiros exigem sempre pelo menos dois argumentos, designando um deles a entidade que
sofre uma dada mudança de estado ou de lugar (TEMA) e outro responsável por essa mudança de
lugar (AG ou OR). Deste modo, AG/OR causar (tornar-se ψ) define semanticamente a subclasse dos
P ev de mudança de estado, os P ev transferienciais e o s P ev de mudança de lugar.

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
Os P ev de mudança de estado exprimem uma mudança de estado do argumento TEMA, incluem
verbos como abrir, destruir, lavar,…
(P ev: X OR/AG, Y TEMA)
(19) (A Teresa) AG fechou P ev (a porta) TEMA.
(20) (A chuva) OR destruiu P ev (a estrada) TEMA

Os P ev causativos transferenciais são predicadores de três lugares, que exprimem a transferência


de uma entidade designada pelo TEMA, da entidade designada pelo argumento OR para a entidade
designada pelo argumento ALVO, tais como dar, oferecer, vender, comprar,…
(P ev: X OR/AG, Y TEMA, Z ALVO)
(21) (O Júnior) AG deu P ev (uma laranja) TEMA (ao Julinho) ALVO.

Os Pev causativos de mudança de lugar são predicadores de três lugares, exprimindo a


deslocação espacial de uma entidade designada pelo TEMA, provocada por uma entidade OR (ou
AG): incluem-se nesta classe verbos como arrumar, colocar, deslocar, pôr,…
(Pev: X OR/AG Y TEMA (Z DIR-OR) (W DIR-DEST))
(22) (O Cristalino) AG colocou P ev (os livros) TEMA (na pasta) DIR-DEST.

Os P ev não causativos exprimem alterações ou transições do estado, lugar ou posse da entidade


envolvida ou de uma das entidades envolvidas. Distinguem-se as seguintes classes dos Pev não
causativos: os transferenciais, os de actividade mental, o de movimento e os transicionais.
Os P ev não causativos transferenciais são geralmente, predicadores de três lugares. Trata-se de
verbos de comunicação linguística, que exprimem a troca do conteúdo proposicional de um dado acto
ilocutório (o argumento TEMA) entre o LOC e o ALOC desse acto (respectivamente, os argumentos
AG e ALVO), tais como dizer, ordenar, pedir,…
(P ev: X AG, Y TEMA, Z ALVO)
(23) (O professor) AG pediu P ev (aos seus alunos) ALVO (que desligassem os telemóveis) TEMA.

Os P ev não causativos de actividade mental são predicadores de dois lugares que exprimem
actos perceptivos ou de cognição envolvendo uma entidade controladora; pertencem a esta subclasse
verbos como concluir, descobrir, inferir,…
(Pev: X AG, Y TEMA)
(24) (O Cléusio) AG descobriu Pev (a saída) TEMA.

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
Os Pev não causativos de movimento exprimem a deslocação de uma entidade OR ou TEMA
para um dado lugar L, tal como acontece com os verbos chegar, partir, sair, …
(Pev: X (OR/TEMA), (Y DIR-OR), (Z DIR-DEST))
(25) (A Sara) TEMA chegou Pev tarde (à Escola) DIR-DEST.

Por fim, os Pev não causativos transicionais exprimem uma mudança de estado de uma entidade
designada pelo argumento TEMA, sendo predicadores de um lugar, dos quais se contam os verbos
falecer, nascer, murchar, partir-se,…
(Pev: X TEMA)
(26) (O copo) TEMA partiu-se P ev.

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
A TEORIA DO CASO

De acordo com Dubois (2006:99), «Caso é uma categoria gramatical associada ao Sintagma
Nominal, cuja função sintáctica ele traduz». Portanto, a ideia que se tem do caso está relacionada com
a existência de línguas que manifestam uma morfologia própria com a informação do caso.
Os casos são expressos nas línguas (i) pela posição dos Sintagmas Nominais relativamente ao
verbo; (ii) por preposições «(de/a: Pedro vai à praia / Pedro vem da loja) e (iii) por afixos Nominais
que variam com os nomes (caso do latim).

No entanto, a Gramática Generativa e Transformacional considera que o caso é uma propriedade


das línguas humanas, independentemente da sua manifestação morfológica. Se algumas línguas
apresentam o chamado caso morfológico (como é o caso do latim), todas as línguas apresentam o caso
marcadamente sintáctico.

A teoria do caso abstracto advoga que são agramaticais todas as frases que tenham Sintagmas
Nominais realizados se tais Sintagmas Nominais não tiverem caso.
É preciso notar que o caso do núcleo do SN é partilhado pelo seu especificador quando este existe,
o que se integra no princípio geral do Acordo Especificador-Núcleo. É o caso que legitima, do ponto
de vista estrutural, todos os SN com realização lexical.

Ao realizarmos frases em que existem SNs lexicais sem caso, reconhecemos que tais frases são
agramaticais. A componente da Forma Fonética considera mal formados os SNs sem caso.

Filtro do caso: * SN se SN tiver matriz fonética e não tiver caso.

Universalmente, os sujeitos das orações finitas têm caso (em geral, Nominativo), podendo ter ou
não realização fonética, e os SNs sujeitos das orações infinitivas não flexionadas não têm caso, por
isso não podem ter realização fonética.

(26) (a) A Maria e o João fizeram isso.


(b) * Maria e o João fazer isso.
(c) Fazer isso é importante.

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
A frase em (26.a) é bem formada, enquanto a em (b) é mal formada, dado que as orações
infinitivas não flexionadas não podem ter sujeito, pelo que os SNs lexicalmente realizados não podem
ser seus sujeitos, de acordo com o Filtro do Caso.
Mas já a construção em (c) pode ser considerada de gramatical pois, considera-se que o seu sujeito
é uma categoria vazia PRO. Esta categoria vazia não é legitimada por meio de caso atribuído à posição
estrutural do sujeito, dado que esta posição não recebe o caso quando a flexão é [-T, -Ac].

Teorema de PRO: PRO não é regido nem recebe caso estrutural.

A atribuição de papéis-θ aos argumentos está relacionada com a necessidade de os SNs terem
caso. Uma condição geral estipula a associação da Teoria Temática com a Teoria do Caso – a
Condição de Visibilidade¸de acordo com a qual um elemento só é visível para a atribuição de um
papel-θ se estiver numa posição com caso ou se for um PRO.

OS CASOS ESTRUTURAIS
Estrutural é o «caso atribuído, em Estrutura-S, a determinadas posições sintácticas. São casos
estruturais o Nominativo e o acusativo (objectivo). O caso estrutural é atribuído independentemente
da marcação temática. Normalmente o caso Nominativo é atribuído ao sujeito por Flex, e o acusativo
sob regência do verbo a um SN, que pode não ser tematicamente marcado pelo verbo» (Xavier &
Mateus, 1992)
Em latim, por exemplo, a manifestação dos casos através dos sufixos é, de facto, evidência
morfológica das funções gramaticais que os SNs argumentos desempenham nas frases. Assim, é
possível encontrar uma correspondência entre casos e funções gramaticais, principalmente no que
respeita aos dois casos considerados, em geral, casos estruturais.
(27) Nominativo – sujeito.
Acusativo – Objecto Directo.
(28) (a) O João viu a Maria.
(b) * o João a Maria viu.
(c) * viu o João a Maria.
(d) a Maria viu o João.
(e) * a Maria o João viu.
(f) * viu a Maria o João.
Texto compilado por: Carlos L. Mutondo 11
Predicadores, Funções Semânticas e Caso
Da análise destas frases é difícil interpretar as marcadas com o asterístico (*) pois não se sabe qual
é o SN sujeito, nem qual é o Objecto Directo. As frases (28.a) e (28.d) são bem formadas mas com
uma interpretação distinta dado que em (a) o SN o João é o sujeito, com o papel temático de
Experienciador, o SN a Maria é o Objecto Directo, com o papel-θ de Tema. E em (d) observa-se uma
troca de papéis.
Deste modo, marcamos como mal formadas as sequências em que a ordem básica de constituintes
não foi respeitada, porque é, efectivamente, esta ordem que em Português nos permite identificar com
facilidade o Sujeito Nominativo e o OD Acusativo.
Os casos estruturais (Nominativo e Acusativo) são também denominados casos directos.

Contrariamente aos nomes, os pronomes do português apresentam formas funcionalmente distintas


que correspondem à informação de caso (Nominativo – eu, tu, nós, ...; Acusativo – me, te/o, nos,
vos,...; Dativo – me, te, lhe, ...; Oblíquo (Dativo, Ablativo, Instrumental) – Prep+mim, ti, si,...;
Genitivo - meu, teu, seu, vosso,...)

(29) Nominativo – sujeito


Acusativo – objecto directo
Dativo – complemento indirecto, adjunto
Genitivo – posse.

A ordem dos constituintes da frase, em português, é reflexo das condições estruturais de Regência
de que depende o caso. Assim, considera-se que o caso é atribuído, ou realizado, sob regência, em
Estrutura-S, e que cada atribuidor de caso só permite atribuir um caso a um SN.

Numa outra perspectiva, Dubois (2006), considera que independentemente da forma da marcação
casual, todas as línguas apresentam caso. Considerando que o «verbo é constituinte fundamental e o
centro da frase. É a partir do verbo que se definem, no nível da estrutura profunda, os diferentes
papéis, i.é, as relações casuais». (op.cit., 101).
Este autor considera, na esteira de FILLMORE, a existência dos seguintes casos:
Agente: o ser animado instigador do processo;
Instrumento: a causa imediata do processo;
Objecto: a entidade que muda ou sobre cuja existência se discute.
Locativo: o lugar do processo.

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
Dativo: entidade que sofre o efeito da acção.
Contra-agente: a entidade contra a qual a acção é dirigida.

Condições de Atribuição de Caso Estrutural:


(i) Um SN é Nominativo se for regido por Flex [+T, +Ac] (= orações finitas), ou [-T, +Ac] (=
orações de infinitivo flexionado);
(ii) Um SN é Acusativo se for regido por um verbo transitivo directo.
(iii) Um SN é Oblíquo se for regido por uma preposição.

Espera-se que os Sintagmas Nominais sejam gramaticais quando se verificarem as condições


acima apresentadas e que sejam agramaticais caso sejam estas condições violadas.

Em aulas anteriores estabelecemos uma distinção entre Regência Lexical e Regência Estrutural. O
Caso Nominativo depende apenas de uma condição estrutural de Regência – trata-se, portanto, de
Regência Estrutural e, por essa razão, é denominado caso estrutural; O caso Acusativo tem a ver com
as propriedades lexicais do verbo, que é, geralmente, transitivo, razão pela qual se fala de Regência
Lexical. Porém, dado que esta regência está sujeita a condições estruturais, o caso Acusativo dos
verbos transitivos também é um caso estrutural.
A condição de visibilidade considera que os SNs argumentos tenham caso para que possam
receber uma função temática. Assim, o caso estrutural é atribuído aos SNs argumentos, em Estrutura-
S. Espera-se, portanto, que haja uma correspondência natural entre os casos estruturais e as funções
temáticas principais:
(30) Nominativo – Agente
Acusativo – Tema

Tal correspondência entre casos e papéis temáticos verifica-se quando um verbo transitivo projecta
nas suas posições canónicas o argumento Agente e o argumento Tema. Relativamente ao clítico
Acusativo, junto ao verbo, pode se concluir que possui o mesmo índice da categoria vazia na posição
argumental de Tema, o mesmo acontecendo com o pronome que ocorre como sujeito.

Contudo, em frases passivas o caso do Sintagma Nominal Sujeito a que se atribui o Caso
Nominativo desempenha o papel-θ de Tema.

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
Estas construções revelam que o atribuidor do caso Nominativo – [+T, +Ac] – na ausência do SN
Agente, argumento externo, atribui o caso ao SN Tema. O caso tem de ser atribuído para legitimar o
sujeito da construção, que deve existir segundo o Princípio de Projecção Alargado.
Há que realçar, no entanto, que tal sujeito Nominativo da construção passiva é um sujeito
derivado.

(31) a casa i foi destruída [cv] i

Nesta construção, nota-se que a regra de Mover-SN deslocou o [SN a casa], argumento interno do
V destruir – [SN, SV] –, para a posição de argumento externo – [SN, SFlex] –, que não estava
ocupada. Daí resulta duas categorias em posições-A que partilham o mesmo índice – o [SN a casa i ] (na
posição de Argmento externo) e a categoria vazia vestígio do SN movido – [cv] i – na posição de
argumento interno. Formalmente as duas categorias coindexadas constituem uma cadeia.

A Generalização de Burzio: um verbo só atribui caso estrutural quando projecta um argumento


externo (na posição de [SN, SFlex].)

 Actividade:
Proceda a uma busca e distinga verbos intransitivos, de verbos ergativos e verbos
transitivos no que diz respeito à atribuição dos papéis-θ aos seus argumentos nucleares.

OS CASOS INERENTES:
O facto de o Sintagma Nominal Tema ser movido para a posição de sujeito para receber o caso
Nominativo leva a considerar os verbos psicológicos como inacusativos, do ponto de vista estrutural.
Pensa-se que tais verbos não têm caso estrutural para atribuir ao SN Tema, e não projectam, na
estrutura profunda, um argumento externo. Assim, tanto o caso Dativo, associado a verbos como
agradar, como o Acusativo, associado a verbos como divertir e preocupar, são inerentes destes
predicados, não são casos estruturais.

Para Campos e Xavier (1991), o caso inerente dativo do verbo como agradar é atribuído, em
Estrutura P, ao SN Experienciador, do mesmo modo que o caso inerente acusativo dos verbos divertir

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
e preocupar. O caso inerente Dativo é realizado, em Estrutura-S, pela preposição que realiza este caso
em português.
Assim, de acordo com Chomsky (1986) citado por Xavier e Mateus (1992), inerente é o caso
atribuído, em Estrutura P, pelas categorias temáticas ou lexicais (Nome, Adjectivo e Preposição) aos
seus complementos subcategorizados. O caso inerente está, portanto, associado com a atribuição de
papéis temáticos.

(32) Atribuição do caso inerente: a um Sintagma Nominal argumento é atribuído o caso


inerente de acordo com as propriedades do seu regente lexical (Nome, Verbo, Adjectivo ou
Preposição).

O caso inerente é entendido como uma propriedade lexical de um núcleo-θ, independentemente da


capacidade ou incapacidade que esse núcleo tenha de atribuir caso estrutural.
Repare-se que os Nomes e Adjectivos não atribuem caso estrutural mas têm caso inerente que
atribuem, em Estrutura P, quando projectam um argumento-complemento.
A preposição realiza, em Estrutura S, o caso inerente do nome ou do adjectivo, porque as
categorias [+N] não têm capacidade para atribuir caso estrutural ao seu complemento.

Na tradição gramatical, são conhecidos os seguintes casos:


1. acusativo: caso que exprime a relação gramatical do SN complemento do verbo.
2. Nominativo: é o caso que exprime a função gramatical de sujeito.
3. ergativo: dá-se o nome ergativo ao um caso, distinto do Nominativo, que exprime o agente do
processo. Nas línguas que conhecem construções ergativas, o ergativo é o agente das frases
da forma SN1 + V + SN2; o Nominativo é, então, o sujeito de frases em que o verbo é
intransitivo.
4. dativo: é o caso atribuído a um objecto indirecto do verbo, isto é, ao complemento do verbo
regido por preposição, se tiver um valor atributivo.
5. vocativo: é o caso que exprime a interpelação directa por meio de apelativos (vocativos).
6. comitivo: é o caso atribuído ao complemento circunstancial de companhia.
7. instrumental: trata-se do caso que se atribui ao complemento circunstancial de meio ou de
instrrumento.
8. agentivo: é o caso que se ataribui ao complemento agente (da passiva).

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
9. direccional: este caso exprime o movimento em direcção a um lugar (alativo) ou a penetração
num lugar (ilativo).
10. locativo: caso que exprime o desenvolvimento em um lugar do processo do verbo.
11. ablativo: caso que exprime a separação, e, por extensão, a função local de afastamento de um
lugar, (movimento vindo do exterior de um lugar)
12. elativo: trata-se do caso que exprime o movimento do interior para o exterior.
13. genitivo: é o caso do complemento do nome que indica a posse.

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Predicadores, Funções Semânticas e Caso
EXERCÍCIOS

1. Dadas as sequências:
(a) As laranjas amadureceram.
(b) Naquela noite, trovejou bastante.
(c) O Fohlazi e a Nkeyanse são irmãos gêmeos.
(d) A Nocitina vendeu aquelas laranjas ao Tsopita por um preço de oferta.
(e) Surpreendeu a banda que o Marhumekane cantasse a música toda sem hesitação.
(f) A criança nasceu saudável.
(g) Aquele homem vive perseguindo o seu irmão.
(h) É necessário ter um caderno.
(i) Finalmente, a abertura da feira!
(j) Canivete, onde puseste os pratos?
1.1. Classifique cada um dos estados de coisas expressos nas sequências acima apresentadas
de (a) a (h).
1.2. Que tipo de predicador ocorre em cada uma das construções de (1)?
1.3. Apresente o esquema predicativo e o esquema relacional de cada uma das construções
acima dadas.
1.4. Classifique cada um dos predicadores em (1) quanto à valência.
1.5. Indique as funções gramaticais e temáticas de todos os SNs destas construções.
1.6. Explique as particularidades dos sujeitos das frases (e) e (j).
1.7. Qual é a peculiaridade da construção em (1.i)?

2. Preste atenção nos SN-sujeitos das seguintes construções:


(a) Chegou a sua encomenda.
(b) A criança caíu.
(c) A maioria dos estudantes faltou no dia do baptismo de caloiros,
(d) Começaram a desenvolver novas técnicas de caça.
(e) Trabalhar arduamente!
2.1. Disserte sobre as condições de atribuição do caso nominativo ao SN sujeito, tendo em
consideração «a condição de visibilidade», «o filtro do caso» e o «Teorema PRO».

Texto compilado por: Carlos L. Mutondo 17


Predicadores, Funções Semânticas e Caso
3. Considere o seguinte trecho extraído de um artigo intitulado «Associação cultural lança
festival “FESTCOM”, do Jornal O Nacional:
«Ainda na mesma ocasião, o nosso interlocutor revelou que depois das palestras
serão seleccionados 6 estudantes a para participarem nos workshops. Contudo, Bata
acrescenta que estas palestras têm como objectivo, mostrar às comunidades como
usar a dança no contexto empresarial, dança como empreendedorismo e, sobretudo,
a importância desta expressão artística para a saúde.
FESTCOM é um festival de dança contemporânea e outras expressões artísticas.
Esta iniciativa vem dar uma maior visibilidade destas manifestações artísticas ao
público em geral, com actuações maioritariamente em espaços não convencionais,
ruas, mercados, praças, avenidas entre outros espaços alternativos». In O Nacional,
02/05/2014, página 18.

3.1. Identifique neste trecho, todos os sintagmas nominais que ocorrem, indicando os
respectivos papéis temáticos e casos atribuídos.
3.2. Indique, em cada situação, o atribuidor dos casos que ocorrem.

4. À luz da teoria do caso e da teoria temática, discuta a boa ou má formação das seguintes
frases.
(a) O Makhombo doou um quadro às duas horas de hoje a uma instituição de caridade.
(b) O Makhandene é um bom moço.
(c) Ele negou de dizer o que tinho ouvido falar.
(d) A Mundhavazane trabalhar arduamente.
(e) Dentro da loja haviam muitas pessoas preocupadas em adquirir o produto.
(f) O Mestre M'Bande é considerado como um dos melhores executores da música folclórica
da actualidade com a UNESCO.
(g) O Mandoviana veio com os seus próprios pés.
(h) O Mu'denwa colocou.
(i) A Mphikazane pôs os livros na mesa.
(j) Caminhou lentamente a Hlanvathe.

Texto compilado por: Carlos L. Mutondo 18


Predicadores, Funções Semânticas e Caso
5. Tomando em consideração mesmas teorias, explique a agramaticalidade das seguintes
construições:
(a) * A Salmina ofereceu o Dzanwanwa um carro.
(b) * O vestido a Sonia está rasgado.
(c) * Empurou a Joana o João com a Rosa.
(d) * A Rosa nasceu um lindo menino.
(e) * O professor chamou-lhe.
(f) * Comprou-se aquela casa por uma empresária local.
(g) * O Sabawana foi dado um presente com a namorada.

6. Como se distingue o caso estrutural de um caso inerente? Exemplifique.


7. Na tradição gramatical confundem-se os casos nominativo e ergativo. Explique as razões que
estarão na origem de tal situação, exemplificando quando necessário.

Texto compilado por: Carlos L. Mutondo 19


Predicadores, Funções Semânticas e Caso
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CAMPOS, Maria Henriqueta Costa, XAVIER, Maria Francisca. Sintaxe e Semântica do Português.
Lisboa, Universidade Aberta. 1991.
XAVIER, Maria Francisca, MATEUS, Maria Helena Mira. Dicionário de Termos Linguísticos. Vol. I
e II, Lisboa, Edições Cosmos. 1990 e 1992.

Texto compilado por: Carlos L. Mutondo 20

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